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A noção legal de posse: tem sido notado que definir a posse é uma das tarefas mais
árduas do Direito. Pietro Bonfante afirma mesmo que a noção de posse é a mais
controvertida do Direito. O Código Civil português inicia o Livro III, dedicado aos
Direitos Reais, com a noção de posse. Preceitua o artigo 1251.º CC que
«Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao
exercício do direito de propriedade ou de outro direito real».
À formulação escolhida pelo legislador português, têm sido dirigidas várias críticas. Por
nós, acentuamos três:
2. Ao mencionar que a posse é um poder que se manifesta quando alguém atua por
forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real, o
artigo 1251.º CC transmite o sentido inexacto que a posse pressupõe um comportamento
activo do possuidor, quando é certo que o artigo 1257.º, n.º1, parte final CC dispõe
claramente que há posse desde que o possuidor posse actuar materialmente sobre a coisa
quando queira, por conseguinte, mesmo que não actue.
As teorias subjectivistas: Para que alguém seja possuidor, não pode ter uma simples
detenção, deve também querer tê-la. A esta vontade de detenção Savigny começa por
chamar animus possidendi. Deste modo, só pode ser possuidor o que, para além da
detenção, tiver o animus, a intenção de ser proprietário, mesmo que não o seja e o
saiba. Nesta construção, a posse desdobra-se em dois elementos:
O elemento físico da relação material entre um sujeito e uma coisa, que Savigny
denominava detenção e a doutrina posterior praticamente universalizou sob a referência
ao corpus; e
A autonomia da posse:
O Direito moderno manteve esta separação entre a posse e a propriedade, admitindo não
só um diferente regime jurídico para cada uma destas realidades, mas a possibilidade
de dissociação entre a propriedade e a posse, investidas em pessoas diferentes.
Código Civil de 1966, que trata a posse no Título I do Livro III, artigos 1251.º a 1301.º,
CC, e a propriedade no Título II do mesmo Livro. A autonomia da posse face à
propriedade radica igualmente na circunstância de a posse se poder referir a outros
direitos para além da propriedade, direitos reais de gozo e direitos de outra natureza,
nomeadamente, pessoais.
A doutrina moderna tem encontrado diferentes funções para a posse. Para alguns, a
posse tem uma função de publicidade e de legitimação (Hans Stoll). Para outros tem
uma função de protecção e publicidade (Schap/Schur) ou só de publicidade (Eckert). Na
versão mais corrente, porém, a posse tem uma
Quanto a nós, não há uma única função da posse. A posse desempenha várias
funções e só a ponderação de todas elas transmite uma imagem real do papel que a
posse tem no ordenamento jurídico.
b). Neste sentido, pode-se dizer que a posse desempenha igualmente uma
função de prevenção da violência ou de garantia da paz social, pois todos sabem que
a posse constitui uma afetação jurídica da coisa ao possuidor e que uma ofensa a ela
constitui uma acção ilícita reprimida pela ordem jurídica.
As teses que vêem na função da posse uma função de protecção do direito nos
termos do qual o possuidor atua ou, muito mais restritivamente, de defesa da
propriedade, não se articulam bem com o facto do reconhecimento da posse não estar
em nada dependente da prova da titularidade de um direito de base. A protecção
possessória ocorre, no entanto, mesmo que o possuidor não seja titular do direito a
que se refere a sua posse.
O gozo de uma coisa supõe quase sempre que a coisa esteja em poder do titular do
direito. Ora, é a posse da coisa que assegura ao titular do direito de gozo o controlo
material sobre ela. Sem posse, fica o poder de disposição jurídica do direito, quando
seja normativamente consagrado, mas não o uso e a fruição da coisa, que só a posse
garante. Por isso, também o titular do direito real de gozo carece da posse para o exercer
quanto a uma larga fatia do seu conteúdo.
c). Por outro lado, o controlo material da coisa arrasta consigo uma aparência de
titularidade de um direito sobre ela.
Alguns ordenamentos aproveitam esta aparência que a posse gera para lhe associar um
efeito de legitimação negocial, de transmissão do direito real e mesmo de tutela de
terceiro de boa-fé. O ordenamento português não vai tão longe, pois o princípio posse
vale título, consagrado em Itália, em França e na Alemanha, não foi adoptado pelo
Direito português, mas também ele permite fundar, com alcance menor é certo, uma
função de publicidade da posse. Esta resulta da presunção da titularidade do direito real
nos termos do qual a posse se exerce (artigo 1268.º, n.º1 CC). O possuidor, presume a
lei, é titular do direito a que a sua posse se reporta. A função publicitária da posse
desenvolve-se, sobretudo, para as coisas móveis, uma vez que quanto aos imóveis existe
um sistema organizado de registo predial que assegura a publicidade respectiva e que
consagra também uma presunção de titularidade (artigo 7.º CRPr).
d) . Por último, a posse tem uma função de conservação, como diz a mais autorizada
doutrina alemã, ou de consolidação, como preferimos dizer. Esta função de
consolidação fundamenta-se, a nosso ver, na usucapião. Quando o possuidor não é
titular do direito real de gozo exteriorizado pela posse, o ordenamento faculta-lhe –
verificados os requisitos legais – a aquisição desse direito, com preterição, em última
análise, do proprietário da coisa. O ordenamento consegue, assim, que a exteriorização
do direito coincida com a atribuição jurídica do mesmo ao possuidor.
A acção de prevenção:
«Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado por outrem, será o
autor da ameaça, a requerimento do ameaçado, intimado para se abster de fazer agravo,
sob pena de multa e responsabilidade pelo prejuízo que causar».
Uma vez que esta acção requer que não tenha havido ainda perturbação na posse da
coisa, o seu escopo é unicamente evitar que esta perturbação venha a ter lugar, obtendo-
se a condenação judicial do autor da ameaça a abster-se de concretizar actos de turbação
ou esbulho sobre a coisa. Para além de determinar a posse, o possuidor terá de provar
ainda o justo receio de ser perturbado ou esbulhado. Não basta, pois, o simples receio. O
possuidor terá de fazer prova de indícios que sustentem a convicção do julgador que a
violação da posse se afigura como uma possibilidade real, o justo receio de que a lei
fala. Na acção de prevenção, o tribunal não pode condenar o autor da ameaça em multa
ou indemnização por violação da posse, porquanto a violação da posse não teve ainda
lugar. Por isso, o artigo 1276.º CC contém apenas na parte final a ressalva da aplicação
de qualquer destas duas sanções, sem que, contudo, qualquer delas possa resultar da
acção de prevenção.
A acção de manutenção:
«No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado (…) será mantido (…)
enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito».
A acção de restituição:
«No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor (…) esbulhado será (…) restituído
enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito».
A acção de restituição tem lugar quando o possuidor foi privado da coisa pelo esbulho.
Neste caso, o corpus possessório é destruído pela intervenção de um terceiro, que
concretiza um desapossamento da coisa, retirando-a da esfera de poder do possuidor. A
acção de restituição distingue-se facilmente da acção de prevenção. Nesta não se
verificam actos materiais de ofensa da posse, o possuidor apenas tem um receio
justificado que tal venha a suceder no futuro, enquanto na acção de restituição um
terceiro intervém sobre a coisa possuída, subtraindo-as ao controlo material do
possuidor. Conforme vimos no número anterior, a acção de restituição também se
distingue claramente da acção de restituição, visto que esta se dirige apenas aos casos
em que a violação da posse através de actos materiais não retirou o corpus possessório
ao possuidor, o qual, apesar de perturbado, ainda permanece com a coisa em seu poder.
3. A destruição material da coisa (alínea b)): a posse tem por objecto uma coisa
corpórea. Se, por força de um facto humano ou da natureza, a coisa é integralmente
destruída, desaparecendo enquanto tal, a posse extingue-se. É, de resto, o que sucede
com todos os direitos reais. A destruição material da coisa que determina a extinção da
posse é a destruição total. A destruição parcial deixa subsistir a posse na parte restante.