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HERMENÊUTICA BÍBLICA CONTEXTUAL: UMA APRESENTAÇÃO PANORÂMICA A


PARTIR DOS BOLETINS TEOLÓGICOS PRODUZIDOS PELA FRATERNIDADE
TEOLÓGICA LATINO-AMERICANA – SETOR BRASIL

Adonias Coelho Quirino1


Luiz Felipe Xavier2

RESUMO
A hermenêutica bíblica contextual surge de uma reação por parte de teólogos latino-
americanos que formavam a Fraternidade Teológica Latino-Americana (FTL) aos
ensinos defendidos por uma vertente conservadora e fundamentalista da
hermenêutica histórico-gramatical. O artigo objetiva apresentar a hermenêutica
bíblica contextual. Para tal, os pesquisadores utilizaram da pesquisa bibliográfica ou
revisão de literatura. Este artigo está dividido em três tópicos. O primeiro tópico
abordará o significado da hermenêutica bíblica e sua relação com as igrejas
protestantes. O segundo tópico abordará a hermenêutica histórico-gramatical como
antecedente da hermenêutica bíblica contextual. Por fim, o terceiro e último tópico
abordará a hermenêutica bíblica contextual.

PALAVRAS CHAVE
Hermenêutica Contextual, Reino de Deus, Evangelical, Bíblia.

INTRODUÇÃO

Refletir sobre a hermenêutica bíblica é considerar o que há de primordial nas


Igrejas oriundas da Reforma Protestante devido à consideração que se dá ao texto
bíblico – Sola Scriptura. Uma hermenêutica mal aplicada pode causar uma distorção
no modo de viver a fé e expressar o evangelho na sociedade contemporânea.
Este artigo há de considerar a limitação da hermenêutica histórico-gramatical
e apresentar a hermenêutica contextual como um passo adiante ou complementar
da hermenêutica histórico-gramatical. Logo, esse método proposto pela Fraternidade
Teológica Latino-Americana parte do método histórico-gramatical e supera a sua
falta de aplicabilidade. Ele propõe a historicidade do texto bíblico, o Reino de Deus

1
Graduado em Teologia pela Faculdade Batista de Minas Gerais em 2012.
2
Mestre em Teologia Dogmática, mestre em Filosofia da Religião, especialista em Estudo da Bíblia, especialista
em Teologia Sistemática e graduado em Teologia. É professor da Faculdade Batista de Minas Gerais, no curso
de Teologia, e do Centro Universitário Metodista Izabela Hendrix, nos cursos de Teologia e Direito.
2

como chave hermenêutica, o horizonte do leitor/ouvinte, o horizonte da Palavra de


Deus e, por fim, uma fusão de horizontes.
Para atingir esse objetivo, será realizado um estudo bibliográfico, onde
procurou-se fazer uma síntese do pensamento exposto por diferentes autores nos
Boletins Teológicos publicados pela Fraternidade Teológica Latino-Americana Setor
Brasil (FTL-B). Além dos Boletins, o artigo se apóia em dois artigos do Dr. Júlio
Paulo Tavares Zabatiero. Esse autor é membro da Fraternidade Teológica Latino-
Americana – Setor Brasil.
Este artigo está dividido em três tópicos. O primeiro tópico abordará o
significado da hermenêutica bíblica e sua relação com as igrejas protestantes. O
segundo tópico abordará a hermenêutica histórico-gramatical como antecedente da
hermenêutica bíblica contextual. Por fim, o terceiro e último tópico abordará a
hermenêutica bíblica contextual.

1. O SIGNIFICADO DA HERMENÊUTICA BÍBLICA E SUA RELAÇÃO COM AS


IGREJAS PROTESTANTES

A palavra “hermenêutica” deriva do verbo grego hermeneuein e significa


“declarar”, “esclarecer” “interpretar”, traduzir”. A definição tradicional da palavra é
“ciência que define os princípios ou métodos para a interpretação do significado
dado por um autor específico” (OSBORNE, 2009, p.25). Seguindo essa definição, a
hermenêutica bíblica se constitui de princípios e métodos para interpretação do
significado que está presente nos textos que compõem a Bíblia, e também da
aplicabilidade do conteúdo bíblico para o leitor contemporâneo.
As Igrejas oriundas da Reforma Protestante dão valor especial à leitura da
Bíblia. Essa premissa está relacionada à ênfase da Sola Scriptura apregoada pelos
reformadores protestantes. Ao longo do tempo, surgiram, pelas Igrejas Protestantes,
várias confissões de fé que têm, por objetivo, sintetizar a compreensão da Bíblia
como um todo. (ZABATIERO, 2009, p.131).
Segundo Zabatiero (2009, p.132), a questão da interpretação bíblica pelas
igrejas protestantes está relacionada ao modo de ser de cada comunidade
eclesiástica. Relacionando essa constatação com o fato do confronto pelos
protestantes com a interpretação católica da Bíblia, Zabatiero afirma que:
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De modo especial, acima até das diferenças doutrinárias definidas


bíblica e teologicamente, está a questão da autoridade da Bíblia e do
modo correto de interpretá-la. A questão hermenêutica para as
Igrejas Protestantes não é mera questão de método, nem da
interpretação correta da Bíblia, mas, principalmente, uma questão
central na definição da identidade eclesiástica. (ZABATIERO, 2009,
p.132).

Decorrente, dentre outros fatores, da variedade de igrejas protestantes, da


liberdade de acesso e manuseio do texto bíblico e também de questões culturais, os
círculos protestantes vêm produzindo vários tipos de hermenêutica, tais como:
hermenêutica histórico-crítica, hermenêutica histórico-gramatical, hermenêutica
feminista, hermenêutica semiótica, renovação da leitura devocional, e outras.
(ZABATIERO, 2009).

2. HERMENÊUTICA HISTÓRICO-GRAMATICAL COMO ANTECEDENTE DA


HERMENÊUTICA CONTEXTUAL

A hermenêutica histórico-gramatical, predominante no ambiente conservador


da academia evangelical, nasceu da Reforma Protestante e estabeleceu-se a partir
da polêmica contra a hermenêutica histórico-crítica. Frutos do ambiente europeu,
essas duas abordagens hermenêuticas se opuseram: os métodos da exegese
histórico-crítica estavam mais bem identificados do lado das instituições acadêmicas,
e os métodos da exegese histórico-gramatical, do lado das instituições eclesiásticas
(ZABATIERO, 2009, p.154).
A principal acusação dos defensores da hermenêutica histórico-gramatical
contra a abordagem da hermenêutica histórico-crítica é que esta “[...] negaria o
caráter inspirado da Escritura, por ter se rendido à visão racionalista de mundo,
negando os milagres de Deus na criação e na história” (ZABATIERO, 2006, p.67).
Em contraposição, a hermenêutica histórico-gramatical possui, conforme Zabatiero,
as seguintes características:

[...] crença de que o sentido do texto é determinado pela “intenção”


do autor e pela “recepção dos seus primeiros leitores”. Desta forma,
cada texto tem somente um sentido verdadeiro, que pode ser
descoberto mediante o estudo cuidadoso do contexto histórico da
época de sua escrita e da configuração gramatical-linguística do
texto. Tendo em vista, entretanto, que o tom teológico e apologético
da leitura predomina, a análise do contexto histórico já de antemão
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se coloca a serviço da confirmação das verdades bíblicas já


conhecidas e entregues de uma vez para sempre aos santos. Outra
característica desta abordagem é a crença na unidade teológica da
Escritura, mediante a qual os sentidos históricos dos textos vão
sendo nivelados e harmonizados a partir do conjunto de doutrinas
reconhecidas como verdadeiras e que encontram nos escritos
paulinos, principalmente, a sua fonte primordial. (ZABATIERO, 2006,
p.67).

A hermenêutica histórico-gramatical era utilizada pelos missionários do


Protestantismo de Missão que se fixaram no Brasil e na América Latina,
principalmente no século XIX. Ao se estabelecerem no Brasil, esses missionários
trouxeram um tipo de leitura da Bíblia que se integrou à identidade hermenêutica
protestante. Zabatiero traça as principais características dessa leitura da Bíblia:

(a) A Bíblia é compreendida como a Palavra de Deus, infalível (ou


inerrante), inspirada diretamente pelo Espírito Santo, pelo que
somente as pessoas iluminadas pelo Espírito são capazes de
compreendê-la; [...] (b) A leitura da Bíblia tinha como seus grandes
objetivos: (1) a conversão a Jesus Cristo [...]; (2) a formulação da
“reta doutrina”; e (3) a formulação de uma ética pessoal distintiva dos
protestantes em relação à denominada “frouxidão” ética dos
brasileiros [...]; (c) A leitura da Bíblia é marcada por um acentuado
dualismo, parte integrante da atitude messiânica desse [missões
norte-americanas] movimento missionário. (ZABATIERO, 2009,
p.139).

3. HERMENÊUTICA CONTEXTUAL COMO PROPOSTA HERMENÊUTICA


BÍBLICA DA FRATERNIDADE TEOLÓGICA LATINO-AMERICANA

Como os evangelicais latino-americanos têm por herança a hermenêutica


histórico-gramatical, a formulação de uma nova proposta hermenêutica pela FTL se
iniciou a partir da hermenêutica histórico-gramatical. Nesse sentido Zabatiero afirma:

A hermenêutica contextual é uma vertente da histórico-gramatical,


que se distingue pelo maior cuidado na análise dos contextos do
texto bíblico e da época da leitura, bem como pela intenção
missionária mais típica – o texto traz a palavra de Deus que ensina à
Igreja como realizar a sua missão. (ZABATIERO, 2006, p.68).

A partir da afirmação acima, entende-se que a hermenêutica contextual


carrega as principais características da hermenêutica histórico-gramatical, ou seja, a
crença de que o sentido do texto é determinado pela “intenção” do autor e pela
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“recepção dos seus primeiros leitores”, a crença na unidade teológica da Escritura e


o uso do método exegético histórico-gramatical para descobrir a mensagem bíblica.
A hermenêutica contextual é fruto do trabalho da FTL em refletir
teologicamente sobre o Evangelho a partir da realidade latino-americana. Segundo
Zabatiero:

a FTL surgiu no mesmo período em que se desenvolvia a Teologia


da Libertação e lidou com os mesmos influxos sócio-históricos que
ajudaram no surgimento da mesma: a tomada de consciência da
injustiça social e política em nosso continente; a busca por respostas
autenticamente latino-americanas aos problemas sociais; a busca
pela autonomia e liberdade de Igrejas Cristãs no Continente.
(ZABATIERO, 1997, p.10).

Como fruto desse momento histórico é que a hermenêutica contextual se


distingue da hermenêutica histórico-gramatical, no que tange à ênfase no contexto
da época da leitura. A pergunta que se faz a esse posicionamento hermenêutico é
como a Escritura oferece subsídio para que a Igreja responda às demandas
contemporâneas da América Latina? Para responder a esse questionamento
primeiramente é preciso acreditar que a uma resposta é realmente possível.
Segundo Kirk (1984, p.27), “a hermenêutica bíblica torna-se possível somente
quando os cristãos estão convencidos de que é possível se chegar a uma resposta
claramente cristã, no que se refere aos desafios do momento”.
No entendimento dos defensores da hermenêutica contextual, a teologia que
estava estabelecida no continente latino-americano não respondia satisfatoriamente
aos desafios do momento. A crítica era de que essa teologia estabelecida estava
“subordinada às categorias abstratas da filosofia ocidental sob uma epistemologia
idealista, o histórico ficou relegado a um segundo plano, deslocado de sua categoria
primária da interpretação bíblica e da reflexão teológica”. (STAM, 1984, p.97).
Padilla concorda com esse posicionamento ao afirmar que:

A matéria-prima da teologia não são conceitos abstratos, mas uma


mensagem relativa a eventos históricos cuja narração e interpretação
levam as marcas das culturas semita e greco-romana em que
viveram os autores bíblicos. Sua tarefa inicial é exegética e a
exegese requer a construção de uma ponte entre o intérprete e os
autores bíblicos mediante o método histórico, cujo pressuposto
básico é que a Palavra de Deus não pode ser entendida sem
consideração do ambiente cultural e lingüístico em que ela foi
originalmente dada. (PADILLA, 1992, p.95).
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Portanto, para René Padilla, citado por Stam, “o desafio da hermenêutica é


transportar a mensagem do seu contexto original ao contexto dos leitores
contemporâneos a fim de produzir nestes o mesmo impacto que produziu nos
ouvintes ou leitores originais” (STAM, 1984, p.92). Para alcançar o desafio
hermenêutico expresso por Padilla:

De um lado, o exegeta procura entender a mensagem bíblica dentro


da maior fidelidade ao contexto histórico original. Essa tarefa
costuma chamar-se exegese gramático-histórica. De outro lado,
como discípulo do Senhor, o exegeta é chamado a obedecer e
proclamar o Evangelho aqui e agora. Cabe-lhe a tarefa complexa de
entender a fundo nosso próprio contexto em todas as suas
dimensões e de captar a relação dinâmica entre a mensagem bíblica
e a Palavra de Deus para nossa situação contemporânea. Se não
perceber esta mensagem atual, não terá escutado realmente a
Palavra. Uma interpretação descontextualizada, seja do contexto
histórico do passado ou do contexto (também histórico) do presente,
será inevitavelmente uma interpretação infiel, antibíblica. As próprias
Escrituras e o próprio evangelho nos impõem esta tarefa de dupla
contextualização. (STAM, 1984, p.93).

No que se refere à intenção missionária da hermenêutica contextual, Stam


afirma:

[...] a tarefa hermenêutica é ler a Palavra de Deus a partir do


contexto de nossa missão cristã para que a obediência cristã se faça
dentro da história, frente ao “campo missionário” que é a realidade
humana (“o mundo”). O problema hermenêutico [...] não é apenas um
assunto da interpretação de palavras e textos, mas também a
interpretação de uma tarefa, de uma missão. A hermenêutica passa
a ser, então, o diálogo entre o texto bíblico e o contexto missio-
histórico. (STAM, 1984, p.106).

Pode-se concluir que o exercício da hermenêutica contextual sempre se dará


em uma tensão entre o contexto do texto bíblico e o contexto da época da leitura. É
necessário então destacar a importância para a hermenêutica contextual, da
Escritura e do leitor e a cultura em que se vive.

3.1. O horizonte da Palavra de Deus

O surgimento da FTL está relacionado ao debate sobre o tema da Palavra de


Deus. Na Consulta de Cochabamba (Bolívia, 1970), já se almejava “escutar a voz de
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Deus dentro do marco de referência da realidade ibero-americana para conseguir a


mensagem que necessita o momento de crise em que vivemos”. E esse tema
continua caminhando com a FTL, sempre presente nas reflexões propostas, visto
que a Bíblia é entendida como palavra de Deus revelada aos homens e tudo tem de
ser iluminado e julgado por ela.
A Bíblia tem autoridade para falar de tudo aquilo que se relaciona a este
mundo e a Deus. Segundo Mueller (1984, p.17), “[a Bíblia] presume ser inspirada
por um Deus soberano, que tem os seus critérios e as suas próprias motivações, e
que criou e governa o universo todo. Se não levarmos tudo isso em conta, já
começaremos a falhar desde o começo”. Mueller continua:

Por [mais] arrogante que pareça ser, as Escrituras se apresentam


como palavra de Deus revelada aos homens [...]. Este é um dos
primeiros princípios de uma boa hermenêutica. A Bíblia, se lida com
isso em mente, mostra um grau de unidade digno de nota para um
livro de composição tão diversa e tão prolongada. (MUELLER, 1984,
p.17).

O conceito de Bíblia, defendido pela hermenêutica contextual, distingue do


modelo fundamentalista. Segundo Stam:

a Bíblia é a palavra de Deus divinamente inspirada pelo Espírito


Santo. Este processo, no entanto, não deve ser entendido como um
“ditado mecânico”, mas sim como a “confluência dinâmica” entre a
iniciativa do Espírito de Deus nos autores inspirados e o esforço
humano (intelectual, pastoral, histórico, literário), de tal forma que o
resultado é plenamente obra do Espírito Santo e, ao mesmo tempo,
obra de seu autor humano. (STAM, 1984, p.125).

Pelo fato de a Bíblia ser um ato da iniciativa de Deus, o que nela está
expresso é palavra viva que fala hoje. E o que ela fala é sobre a história da
salvação. Para Padilla (1992, p.95), “se o tema central das Escrituras é a ação
histórica de Deus que culminou na pessoa e obra de Jesus Cristo, então não é
possível entender a mensagem bíblica à parte de seu contexto histórico original”.
Para Stam (1984, p.96), a categoria e o gênero literário que mais caracteriza
a Bíblia não é a filosofia, nem a teologia sistemática, e sim a história, visto que o
Deus da Bíblia é o Senhor da história e Ele mesmo se revela dentro dela. Stam
ainda afirma:
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O modelo cristológico da encarnação, cruz e ressurreição, como


também os modelos hermenêuticos dentro da própria Bíblia, obriga-
nos a uma hermenêutica que considere com toda a sua seriedade a
história bíblica, que leve também muito a sério a nossa própria
história atual como instância hermenêutica e que faça da
hermenêutica o encontro do passado e do presente diante do Deus
da História, cuja Palavra viva nos interpela a todo momento. (STAM,
1984, p.103).

3.2. O reino de Deus como chave hermenêutica

Para interpretar a Bíblia para o contexto do leitor/ouvinte, a hermenêutica


contextual utiliza, como chave de leitura, o conceito de Reino de Deus. Todo o
ministério de Jesus se concentrava na promoção do Reino de Deus. Ele veio
inaugurar esse Reino na terra. Segundo Cook,

[...] Jesus e os escritores do NT introduzem um elemento


radicalmente novo: a presença atual do reino [de Deus] neste mundo,
a partir de Jesus Cristo. No NT, o reino faz-se presente na
encarnação, ressurreição e exaltação de Jesus Cristo, e ainda está
por chegar, a partir de sua Segunda Vinda. (COOK, 1984, p.67).

Para Ladd, o Reino de Deus é:

o domínio redentor de Deus, dinamicamente ativo, que visa


estabelecer seu governo entre os seres humanos; e que este Reino,
que aparecerá como um ato apocalíptico na consumação dos
tempos, já entrou para a história humana na pessoa e na missão de
Jesus com a finalidade de vencer o mal, de libertar os homens do
seu poder e de propiciar-lhes a participação nas bênçãos do reinado
de Deus. (LADD, 2003, p.126).

Segundo Mueller (1984, p.18), “[...] a perspectiva do Reino de Deus e do seu


cumprimento é central para a autocompreensão bíblica, sendo uma chave para se
ver os textos à luz do todo, e a relação entre os diversos textos, o elemento
impulsionador que leva adiante essa história singular que as Escrituras nos contam”.
O reino de Deus é a aplicação da história da salvação, ou seja, Deus está
reconciliando consigo mesmo todas as coisas, e “o reino de Deus é o elo condutor
(paradigma da história salvífica) que atravessa toda a Bíblia, dando coerência a tudo
o que ela diz”. (COOK, 1984, p.66).
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Há, nos relatos do Novo Testamento, a constatação de que o Reino de Deus


vive sob uma tensão entre o presente e a consumação escatológica. Para Cook:

a tensão entre o “agora” e o “ainda não” se resolve no Cristo


ressuscitado, em quem está presente o reino. Antes de sua morte,
Jesus anuncia a proximidade do reino e também pode dizer que, em
sua pessoa, o reino está no meio dos discípulos. Ao mesmo tempo,
Jesus anuncia a futuricidade do reino, porque sua plenitude não será
experimentada até que ele estabeleça seu reino na terra. Enquanto
isso, o reino se manifesta agora por meio da presença do Espírito
Santo na igreja, e através do senhorio de Jesus Cristo, rei do tempo
e da história. (COOK, 1984, p.69).

A implicação do estabelecimento do Reino de Deus na terra se estabelece no


fato de ele proporcionar bênçãos e também exigências para quem dele participa.
Cook, citando Mortimer Arias, diz: “o reino é pró-vida e anti-morte, é boas novas para
os pobres, é a disponibilidade do perdão dos pecados e é a presença do Espírito na
igreja” (COOK, 1984, p.69). Segundo Cook:

As exigências do reino podem resumir-se em duas palavras: vocação


e obediência. Nossa vocação e nossa obediência têm como ponto de
referência a nova criação e se relacionam com todos os níveis da
vida. Se a plenitude do reino consiste no estabelecimento total do
governo de Deus sobre a terra, um governo de paz, justiça e amor, a
antecipação desse reino também deve incluir sinais de justiça, paz e
amor. Estas características ocorrem não apenas em uma dimensão
individual, [...] mas no contexto do complexo de relações e estruturas
sociais em que está edificada a igreja. (COOK, 1984, p.70).

3.3. O horizonte do leitor/ouvinte e seu contexto

Tendo em vista que a Bíblia narra a história da salvação, a instauração do


Reino de Deus, e que esta salvação é oferecida ao ser humano que está
condicionado a um determinado tempo e espaço na existência, faz-se necessário
considerar o horizonte do leitor/ouvinte da Bíblia. Para Stam:

Como pessoa humana, o leitor bíblico leva consigo, ante a Palavra


toda, a realidade do seu ser, o processo de sua própria formação
social (família, escola, amigos), a estrutura psicológica de sua
pessoa, a classe social a que pertence e sua tendência política
dentro de seu país, etc. Nada do que lhe é próprio como ser humano
pode ficar fora do seu encontro com a Palavra. É decisivamente
importante compreender que o leitor da Palavra pertence a uma
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comunidade (ou várias) e, num sentido muito real, nunca lê a Palavra


sozinho, mas juntamente, de uma ou outra forma, com essa
comunidade. (STAM, 1984, p.95).

René Padilla, citado por Stam, também afirma:

os leitores e ouvintes das Escrituras não vivem no vazio, mas em


situações históricas particulares, em culturas específicas. Delas
originam, não somente sua linguagem, mas também sua maneira de
pensar e atuar, seus métodos de aprendizado, suas reações
emocionais, seus valores, interesses e metas. Se a palavra de Deus
deve chegar a eles, deve chegar, em termos de sua própria cultura,
do contrário não os alcançará. (STAM, 1984, p.114).

Portanto, a aplicação do texto deve alcançar o contexto do leitor/ouvinte, o


“texto bíblico dever ser compreendido dentro do seu contexto [leitor]: seu mundo,
cultura, história, pressuposições” (STEUERNAGEL, 1984, p.5). Isso se torna um
grande desafio para a igreja local, pois é necessário um exercício de reflexão,
pesquisa, de caminhar junto à comunidade. É preciso, portanto, definir, em cada
localidade em que a Igreja chega apresentando o Reino de Deus, uma agenda
específica das necessidades do seres humanos ali encontrados.

3.4. A função do Espírito Santo na hermenêutica contextual

Para os defensores da hermenêutica contextual, o Espírito Santo é aquele


que faz a ponte entre o texto bíblico e o contexto do leitor/ouvinte. Segundo Mueller,
“poderíamos dizer que o Espírito atua como uma espécie de catalizador no
processo, um ‘facilitador de fusão’. O Espírito é o elemento comum, tanto na Palavra
como no intérprete, possibilitando uma comunicação a um nível único”. (MUELLER,
1984, p.19).
Isso implica que, se toda a Igreja tem o Espírito Santo, a responsabilidade e a
tarefa da hermenêutica se ampliam. Segundo Stam:

a hermenêutica não é, em última instância, tarefa exclusiva dos


exegetas e ‘experts’, mas de todo o povo do Senhor. No Espírito
Santo, toda a comunidade que crê e ouve é uma comunidade
hermenêutica. Assim, o sujeito que age na exegese e na teologia é a
comunidade cristã, que ouve a Palavra de Deus “durante a marcha”,
no caminho de sua missão histórica. (STAM, 1984, p.122).
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A dinâmica da Palavra e o Espírito se configuram, segundo Hendrikus


Berkhof, citado por Stam, da seguinte maneira:

o Espírito se move no mundo sob a forma da Palavra em suas várias


manifestações. A Palavra é o instrumento do Espírito, mas o Espírito
não é prisioneiro da Palavra, nem esta opera automaticamente. A
Palavra traz o Espírito ao coração e o Espírito introduz a Palavra no
coração. (STAM, 1984, p.123).

Sintetizando todo o processo da hermenêutica contextual, Mueller afirma:

essa abordagem [hermenêutica contextual] respeita e valoriza o


papel da pessoa do intérprete, está consciente do seu próprio marco
cultural e da sua tradição eclesiástica; leva a sério o estudo do texto,
uma vez que ele é uma entidade encarnada dentro de um processo
histórico e cultural específico, sendo que dentro desse marco
histórico é que a mensagem eterna de Deus foi consignada.
Precisamos, então, aprender a distinguir entre os elementos no texto
que são, digamos, a roupagem cultural, e a mensagem propriamente
dita. Precisamos também estar conscientes da nossa própria cultura,
revestindo a mensagem da Palavra com ela (é claro que temos que
discernir entre aspectos positivos e aspectos negativos da nossa
própria cultura; estes últimos, quando são contrários à mensagem
bíblica, não poderão ser feitos veículos da mesma). Essa proposta
hermenêutica leva a sério também os aspectos positivos de uma
hermenêutica mais intuitiva, como ênfase em que as Escrituras
devem ser lidas e estudadas por todos, e que a convivência com a
Palavra cria uma grande afinidade para com a sua mensagem.
(MUELLER, 1984, p.16).

CONCLUSÃO

Procurando comprovar a hipótese de que a principal hermenêutica aplicada


no protestantismo brasileiro – a vertente conservadora da hermenêutica histórico-
gramatical – tem limitações que ocasionam uma distorção no modo de viver a fé e
expressar o evangelho, este artigo apresentou a hermenêutica contextual como um
complemento à hermenêutica histórico-gramatical. Esse complemento possibilita
atingir o objetivo de ser mais aplicável às realidades do leitor contemporâneo, ao
considerar tanto o horizonte do texto bíblico quanto o horizonte do leitor/ouvinte,
tendo o Espírito Santo como o catalisador dessa fusão, procurando ser relevante
para a Igreja no Brasil.
Na hermenêutica contextual, o texto bíblico continua mantendo o seu valor
como palavra de Deus. Com o advento da inauguração do Reino de Deus por Jesus,
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entende-se que o Evangelho produz mudanças em todas as dimensões da vida


humana, e, nesse aspecto, é preciso considerar o horizonte do leitor/ouvinte. Ao
considerar o leitor/ouvinte, a hermenêutica contextual se preocupa com seu mundo,
sua cultura, sua história, suas pressuposições, ou seja, com tudo que está
relacionado ao seu redor.
Em um período em que o mundo parece estar sem direção, há crises na
relação familiar, na economia, na política, há degradação da natureza, aumento da
violência, diversos tipos de intolerância, a hermenêutica contextual se torna um
excelente auxílio para a Igreja no Brasil.
Diante de toda essa discussão, conclui-se que a hermenêutica a ser utilizada
pela Igreja no Brasil deve considerar os dilemas relacionados ao leitor/ouvinte. A
hermenêutica contextual atinge esse objetivo e é aplicável a todo contexto latino-
americano, pois valoriza as Escrituras, o ser humano e sua relação com Deus, com
a criação e com toda realidade que o cerca, visando a sua transformação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COOK, Guilherme. A Bíblia, a história da salvação e a consumação do Reino. In:


Boletim Teológico – Revista do Setor Brasil da Fraternidade Teológica Latino-
Americana, Ano 1, nº 3, 1984, p.45-91.

KIRK, Andrew. A Bíblia e sua estrutura literária. In: Boletim Teológico – Revista do
Setor Brasil da Fraternidade Teológica Latino-Americana, Ano 1, nº 3, 1984, p.25-44.

LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: Hagnos, 2003.

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OSBORNE, Grant R. A espiral hermenêutica: uma nova abordagem à interpretação


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PADILLA, C. René. Missão Integral: ensaios sobre o Reino e a Igreja. São Paulo:
Fraternidade Teológica Latinoamericana Temática Publicações, 1992.

STAM, Juan. A Bíblia, o leitor e seu contexto histórico – pautas para uma
hermenêutica evangélica contextual. In: Boletim Teológico – Revista do Setor Brasil
da Fraternidade Teológica Latino-Americana, Ano 1, nº 3, 1984, p.92-136.
13

STEUERNAGEL, Valdir R. Editorial. In: Boletim Teológico – Revista do Setor Brasil


da Fraternidade Teológica Latino-Americana, Ano 1, nº 3, 1984, p.5-8.

ZABATIERO, Júlio Paulo Tavares. A Bíblia e o pensamento teológico na América


Latina. In: Boletim Teológico – Revista do Setor Brasil da Fraternidade Teológica
Latino-Americana, Ano 10, nº 29, 1997, p.7-13.

__________. Hermenêutica protestante no Brasil. In: Novas perspectivas sobre o


protestantismo brasileiro. Organizado por João Cesário Leonel Ferreira. São Paulo:
Fonte Editorial/Paulinas, 2009, p.131-160.

__________. Hermenêuticas da Bíblia no mundo evangelical. In: Hermenêuticas


Bíblicas: contribuições ao I Congresso Brasileiro de Pesquisa Bíblica. Haroldo
Reimer, Valmor da Silva, organizadores. São Leopoldo: Oikos; Goiânia: UCG, 2006,
p.61-74.

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