Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
muito
cedo
pra
pensar
dênis
rubra
rubra editora
rio de janeiro
dois mil e dezessete
este livro
foi revisado por mauro siqueira,
que também fez a capa
e o projeto gráfico de miolo
e a diagramação.
impresso no brasil
R897h
Rubra, Dênis.
É muito cedo pra pensar / Dênis Rubra.
- Rio de Janeiro: Rubra Editora, 2017.
100 p. ; 14 x 21cm.
ISBN: 978-85-67107-09-7
1. Poesias brasileiras. I. Título.
CDU 869.0(81)-1
foto do autor
Thiago Loureiro
foto de capa
Sawyer Bengtson | Unsplash.com
1. 2. 11
3. 4. 13
# 15
passarelas 17
partido da causa imobiliária 19
oitenta minutos 21
engarrafamento na cidade em 11 de fev. 23
máquina do tempo 25
abacadá 27
deus também criou seu deus 29
acordar 31
fds 33
[sem título] 35
pén 37
[sem título] 39
cosmologia do ar 41
supervia láctea 43
[sem título] 45
desfazer 47
III. IV. 49
I. II. 51
edição 53
neo maior 55
incompltos 57
arte do desentendimento 59
paredes 61
pen·sar
verbo intransitivo
formar ideias.
refletir.
raciocinar.
ter no pensamento.
fé e fatos.
passos e pássaros.
chão por debaixo de chão
cobrindo cada dimensão
de terra por cima de terra.
nada se encerra:
planta
gente
carro
estradas
e tumbas.
estar acima
é estar
abaixo
11
2.
entenda:
12
choque
força
gravidade
a intransitividade verbal
é uma ilusão.
eu tento dormir
eu tento esquecer
mas o barulho da verdade
é mais
forte e firme e são
que a sanidade indiferente
4.
13
quemumdiadiria
voltarmosaescrever
comoescrevíamos
emlatim:
semespaço
entreaspalavras
masindexandoomundo
inteironuma
cerquilha.
quemdisse
queoportuguês
nãodeclina?
15
17
– janine,
proprietária.
para alugar
um apartamento, casa
ou quitinete, flat
no rio de janeiro
19
longe de favela
e sem enchente.
20
em oitenta minutos
– meu deus –
uma volta espacial.
por que
eu não consigo chegar na barra da tijuca
por que
eu não consigo atravessar a ponte rio-niterói
por que
eu vou demorar treze anos, dez meses e sete dias
para conseguir quitar a minha casa própria,
por quê?
21
I.
vai, não para,
tenta a pista da direita.
nove e vinte e três
e um atraso te esperando.
você girando com o mundo
dentro de um carro,
mas o mundo não sabe
que o mundo parou,
mas o mundo não sabe
que o sinal da esquina
na borges de medeiros
quebrou:
que pode passar
que pode passar.
II.
e cristo abençoando
o mundo de carros à espera do rebouças:
meu pai te abençoe, LUH 6025
meu pai te abençoe, KPR 1224
meu pai te abençoe, moço da placa adulterada.
III.
atenção:
não tem mais perimetral.
centro, são cristóvão,
floresta da tijuca
e são conrado
que não acaba nunca
23
do milagre
no cristo redentor
dizendo:
levanta-te,
sai desse carro
e vai de barco
tomar cerveja
com pastel
na mureta
do bar urca.
24
que tal
se a gente voltasse uns 600 anos
e encontrasse uma maneira legal pra resistir
aos portugueses espanhóis holandeses
25
no fim da estante,
está o a-ba-ca-dá:
27
enquanto correm
e rogam por mais feriados,
fins de semana
e menos trabalho.
bem menos,
senhor.
29
é necessário dormir
para acordar.
é necessário dormir
para acordar
e sair
para trabalhar
de manhã.
multiplicação
do pão
do banqueiro
não do joão.
31
a opressão começa
na língua
gem.
ou não prestam os
dias nos quais
não se trabalha?
ou são inúteis
os dias nos quais
não se abrem os bancos
dos bancários?
e os bancos de trem
superlotados
de funcionários?
e
no raso fica
o frágil falso fundo
degarantia
portempo
desserviço.
33
35
no tumulto
dos carros
e no tumul
to da cidade
no tumulto da rua
da cidade
com o barulho
da buzina
– pén! –
e o barulho do baralho me
em
bara
lhando
eu
desfaço
o po
ema.
37
39
há verso no universo;
tem céus no céu, meu bem,
deuses para os nossos deuses
e deuses para os deuses
dos nossos deuses também.
de volta para o passado à frente para o futuro
a mesma coisa é tudo
o ar o corpo a matéria:
sopra no pulmão
o que venta em saturno,
em marte,
nas luas de netuno,
na parte
– não importa –
do outro lado da porta
ainda.
41
reflito a mim
no espelho do trem.
figuro nele
como figuram
os meus sonhos
de conhecer o espaço;
de me equilibrar no mundo
de braços abertos
e permanecer de pé.
descarrilham vagões,
caem plataformas.
a cada estação,
uma galáxia diferente.
passam astronautas
pela atmosfera.
passeiam deuses
nas nebulosas
do lado de fora.
43
44
45
tampouco as ménades,
as bruxas de circe,
os seguidores de apolo,
ou quem clama por hera.
constrói-se tudo
para que não desabe.
desmoronada.
47
IV.
ronco na barriga
me deixa faminto.
pés cansados
me cansam.
49
II.
a casa do meu poema está em guerra.
a casa do meu poema não existe mais.
foi necessário partir,
51
53
54
o maior poeta
brasileiro vivo morreu
a dor a paz a esperança a planta o cavalo
o santo a santa
morre
tudo
junto
55
menos tudo
o que ficou: vento
caça
verso
prata
pluma
fardão
em alguma parte alguma está
o sonho a casa a canção.
em alguma parte alguma ficou
o poeta
o homem
ninguém
ninguém
tudo sobre tudo
e o além.
56
na palavra
do vocabulário
dos vocábulos
incompltos.
57
não escrevo
sobre o que detenho.
escrevo
para apropriar-me
do que há
no mundo.
para inventar oceanos,
terra,
céu,
gente.
para preencher-me de vazio,
do que não é pleno,
do espanto inquieto
e do questionamento
sobre tudo o que eu penso que eu sei.
ser poeta é desentender.
59
tenho um pôster
velho de um filme
e outro de uma banda
de rock inglês
– sei lá –
e
no branco das paredes
de minha casa
guardo todos os quadros do mundo
e todos os mundos nos quadros,
61
62
63
perdas guardam em si
tudo o que não se quer
guardar.
guardam o cancelamento
adiam o inadiável
deixam pra depois
ou pra nunca mais.
a lembrança
imperecível do sorriso
e a sensação
pra tudo que é sensível.
perde-se tudo,
mesmo:
perde-se
perde-s
perde-
perd
per
pe
p
65
fazer um poema
não é como pintar um quadro.
é desfazer a tela
é trocar as cores
refazer as formas
que o pintor pensou.
fazer um poema ressignifica o mundo
transignifica tudo
mas não muda nada.
tudo continua
como tudo sempre foi.
como no fim da canção.
como depois de comer
a fome vem de novo.
como depois da eleição
o mesmo povo.
sem esperanças.
apenas
fazer um poema
é fazer um poema.
67
se eu fosse cego,
escreveria.
passariam carros
e eu falaria do som do pneu
rodando no chão,
do freio,
do rádio ligado tocando chet baker.
69
devolve
meus discos
vinis e voadores
devolve
a chave a porta o portal
a meta
de da culpa
e aquelas tardes inteiras de ven
to aqui fora.
passou um menino andando de patinete, sabia?
passou caetano e caetano cantava sampa, sabia?
passaram astronautas
satélites de pedra e de metal
tampas de caixões
e caixões vazios
e defuntos frios
sambando em avenidas inteiras tomadas
de silêncio.
cadê aquela escola de samba que passou
meu estandarte de estrelas e nuvens
cadê
o mistério do planeta
o mistério
o ministério
o mini
stereo
devolve
devolve.
71
73
além do golpe-golpe
tem o golpe-trem-lotado,
porque nem todo golpe vem
disfarçado de fuzil
ou de parlamento.
tem o golpe-boleto,
o golpe-flor-de-plástico,
o golpe-beijo-engasgado
e o golpe-gol-perdido
na-final-do-campeonato.
golpe-saudade: golpe-sim
e golpe-não.
e é cada golpe que bate
e é cada golpe-embate
e cada golpe-ilusão.
sim. tem golpe
que parte.
sim. tem golpe
que reparte.
não. não tem
golpe que sabe
mais do que sabe
apenas uma eleição.
[tem todo tipo de golpe
menos golpe-solução]
75
a presidente impedida
pode.
77
há um não-litoral imenso,
oceanos de planaltos
e mares de incertezas,
implodimos pontes
cortamos escadas
cercamo-nos todos,
uns dos outros,
para protegermo-nos
de nós mesmos.
há um muro
um muro
ummuro
umuro.
79
à noite é quando
eu me pergunto
sobre os mistérios
deste mundo sus
penso nonada
girando ao redor do sol.
quem inventou
a indiferença?
quem matou
quem matou ulysses
guimarães?
impedimento ou gol
pe, meu deus, me
diz o que definitivamente é melhor:
bob’s ou mcdonald’s?
e me responda
principalmente também:
por que
não tem
branco no trem?
por que
quem tem banco não vem
ca
iu?
81
crise força
o fim do
injusto en
sino supe
rior gratuito.
83
pra contemplação
pra observação
do que falta
no coração.
85
em grafemas no papel
ou na tela do ipad do iphone da tevê.
que tato,
olfato
ou audição,
do nada,
do tudo que eu deixei de mim
em tudo o que eu toquei,
que eu fiz
e que eu não sei.
um poema
faz tempo.
87
escrevo um poema
que me escreve
89
acorda
levanta
meu anjo
o sol chegou
e me ensina a amenizar as dores
e me ajuda a ser mais
do que eu sou.
é que não dá pra contar
comigo.
é que eu preciso ser mais bem-educado
abrir a porta do carro,
gritar menos,
eu sei,
e falar mais baixo
mais baixo
que este mundo não presta
que eu faço parte do mundo
e que eu não aguento mais
eu não aguento não
mas eu aguento sim.
91
deixo de existir
para me tornar
uma vaga
ou nula lembrança
na cabeça daqueles
que eu conheci;
daqueles que eu não soube amar;
dos amigos que eu não fiz;
dos que souberam de mim
e dos que eu não soube.
adeus ao mendigo
que eu encontrei
pelado de graça
na avenida lúcio costa.
93
eu era um poema
e cabia num livro,
arquivo doc. ou pdf.,
tanto faz,
pois já não caibo mais em quase
lugar nenhum.
agora,
tanto faz
tudo
95
eu,
que te conheci,
hoje sei do seu rosto
pelas fotos do seu
facebook.
o meu olhar
é a sua webcam.
97
zuckerberg,
seja gentil:
99
só mais
cinco minu
tinhos.
tá muito cedo
pra pensar.
a escravidão
é vibracional.
invisível,
te convoca
e te acostuma.
101
Algumas pessoas ouvem falar deste livro há anos. Tarefa difícil citar
cada um que, de formas diferentes, contribuiu durante esse processo.
Mas gostaria de agradecer a Antonio Cicero e a Marcus Motta
pelas aulas; a Marco Lucchesi pela generosidade; a Christovam
de Chevalier e a Mauro Siqueira pelas recomendações que me
ajudaram a trilhar o sinuoso caminho do editar-se.