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é

muito
cedo
pra
pensar

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é
muito
cedo
pra
pensar

dênis
rubra

rubra editora
rio de janeiro
dois mil e dezessete

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copyright © dênis rubra, 2017

este livro
foi revisado por mauro siqueira,
que também fez a capa
e o projeto gráfico de miolo
e a diagramação.

direitos de edição da obra em língua portuguesa


pertencentes à rubra editora.

todas os poemas desta obra


podem ser

apropriados e estocados em sistema de banco de dados


ou processo similar, em qualquer forma ou meio,
seja eletrônico, de gravação etc.,
mas antes mande e-mail
para rubraeditora@gmail.com

impresso no brasil

2017 no calendário gregoriano


4715 no calendário chinês
5778 no calendário judaico
1439 no calendário islâmico

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bruna Heller CRB–10/2348

R897h
Rubra, Dênis.
É muito cedo pra pensar / Dênis Rubra.
- Rio de Janeiro: Rubra Editora, 2017.
100 p. ; 14 x 21cm.

ISBN: 978-85-67107-09-7
1. Poesias brasileiras. I. Título.

CDU 869.0(81)-1

foto do autor
Thiago Loureiro

foto de capa
Sawyer Bengtson | Unsplash.com

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para minha avó
rosa rubra

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sumário

1. 2. 11
3. 4. 13
# 15
passarelas 17
partido da causa imobiliária 19
oitenta minutos 21
engarrafamento na cidade em 11 de fev. 23
máquina do tempo 25
abacadá 27
deus também criou seu deus 29
acordar 31
fds 33
[sem título] 35
pén 37
[sem título] 39
cosmologia do ar 41
supervia láctea 43
[sem título] 45
desfazer 47
III. IV. 49
I. II. 51
edição 53
neo maior 55
incompltos 57
arte do desentendimento 59
paredes 61

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ode a caos 63
perdas 65
fazer um poema 67
invenção 69
discos 71
registro 73
golpes 75
[sem título] 77
muros 79
branco no trem 81
editorial 83
oco 85
ter sem ter 87
dialética da criação 89
anjo da guarda 91
morte 93
poema protesto 95
virtual 97
face dos fatos 99
muito cedo 101

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ce·do
advérbio
antes da hora.
dentro de pouco tempo.

pen·sar
verbo intransitivo
formar ideias.
refletir.
raciocinar.
ter no pensamento.

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1.

vejo vários dias


amanhecendo num dia só.
um pôr do sol pra cada esquina;
uma lua pra cada céu.

fé e fatos.
passos e pássaros.
chão por debaixo de chão
cobrindo cada dimensão
de terra por cima de terra.

nada se encerra:
planta
gente
carro

estradas
e tumbas.

cada coisa que se posta


- choros
e plumas.

cada homem que se prostra reza


para si próprio

e pra deus ao mesmo tempo


e pra ninguém ao mesmo tempo
e pra todos ao mesmo tempo.

é que ser homem


é ser deus.

estar acima
é estar
abaixo

11

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e estar abaixo
é estar
acima

como soprar ao vento é


soprar–se.

2.

vejo vários universos


nos diferentes planetas
que habitam os continentes contidos
em cada país dentro de cada pessoa.

vejo várias pessoas


nos diferentes países
que habitam os continentes contidos
em cada planeta dentro de cada universo.

entenda:

giramos ao redor de um sol


que gira ao redor de sóis que
giram dentro de um sol
girando ao redor de sóis.

12

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3.

choque
força
gravidade

a intransitividade verbal
é uma ilusão.

eu tento dormir
eu tento esquecer
mas o barulho da verdade
é mais
forte e firme e são
que a sanidade indiferente

4.

tem gente acordada


dormindo
tem gente que dorme
e não sonha.

13

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#

quemumdiadiria
voltarmosaescrever
comoescrevíamos
emlatim:

semespaço
entreaspalavras
masindexandoomundo
inteironuma
cerquilha.

quemdisse
queoportuguês
nãodeclina?

15

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passarelas

todo dia eu penso


que vou morrer
quando passo
no elevado das bandeiras.
de um lado, o joá
e a possibilidade de abdução para o mundo subterrâneo de agharta.
o mar,
a silhueta dos dois irmãos,
as rodas batendo entre os vãos de concreto na estrada:
pá-púm, três metros;
pá-púm, três metros;
pá-púm, três metros.
[parece o surdo um da estação primeira de mangueira
ou o tambor marcando a marcha grega no peloponeso]
todo dia é um alívio
quando acaba o perímetro do elevado.
penso: foi mais um dia,
e sobrevivo agradecendo a deus
pela adrenalina,
pela vista linda da cidade no mar
e por não ter escolhido a linha amarela:
não ter pago pedágio,
não ter passado por debaixo
daquela passarela.

17

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partido da causa imobiliária

sou flexível nas condições


tudo depende do seu perfil financeiro e social

– janine,
proprietária.

para alugar
um apartamento, casa
ou quitinete, flat
no rio de janeiro

é necessário ser proprietário


de outros dois apartamentos,
totalizando
– ao menos –
o dobro do valor do apartamento, casa
ou quitinete, flat
que deseja.

também pede-se comprovação de renda


igual ou superior a
treze salários mínimos;

pagamento em bolívar boliviano,


venezuelano, pesos,
mas aceita-se também
doação voluntária para campanha eleitoral:

prefeito, governador, presidente,


deputados ou senadores
do partido da causa imobiliária [pci].

estando o senhor dentro das condições apresentadas,


venha morar no melhor ponto da cidade,
verdadeiro quarto e sala,
indevassável,

19

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porteiro,
churrasqueira,
playground,
e varanda-gourmet,

longe de favela
e sem enchente.

20

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oitenta minutos

o homem circunda a terra


em oitenta minutos.

em oitenta minutos
– meu deus –
uma volta espacial.

por que
eu não consigo chegar na barra da tijuca
por que
eu não consigo atravessar a ponte rio-niterói

por que
eu vou demorar treze anos, dez meses e sete dias
para conseguir quitar a minha casa própria,

onde eu possa descansar,


dormir em paz com o meu amor,
guardar meus livros

e cultivar a paz interior


da qual preciso
para conseguir me perguntar

por quê?

21

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engarrafamento na cidade em 11 de fev.

I.
vai, não para,
tenta a pista da direita.
nove e vinte e três
e um atraso te esperando.
você girando com o mundo
dentro de um carro,
mas o mundo não sabe
que o mundo parou,
mas o mundo não sabe
que o sinal da esquina
na borges de medeiros
quebrou:
que pode passar
que pode passar.

II.
e cristo abençoando
o mundo de carros à espera do rebouças:
meu pai te abençoe, LUH 6025
meu pai te abençoe, KPR 1224
meu pai te abençoe, moço da placa adulterada.

III.
atenção:
não tem mais perimetral.
centro, são cristóvão,
floresta da tijuca
e são conrado
que não acaba nunca

23

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IV.
somos urbanóides,
somos crentes
à espera da cura,

do milagre
no cristo redentor
dizendo:

levanta-te,
sai desse carro
e vai de barco
tomar cerveja
com pastel

na mureta
do bar urca.

24

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máquina do tempo

que tal
se a gente voltasse uns 600 anos
e encontrasse uma maneira legal pra resistir
aos portugueses espanhóis holandeses

e o mundo daqui fosse mais saci


menos saussure

e a gente andasse todo mundo pelado


sem culpa sem prédio sem carro sem asfalto.

a gente não teria engarrafamento,


ai meu deus, a gente não teria engarrafamento,

a gente não faria nenhum pré julgamento,


ai meu deus,

a gente não teria


apenas um deus.

25

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abacadá

para marcus motta

não há espaço na prateleira


do meio da estante
para o que não tem fim.

tem que sentar no chão


para encontrar
o poema.

tem que partir


e tem que chegar nunca.

não saber dos cinco continentes


que disseram descobrir,
nem saber da formação das palavras
como disseram ser.

a-ba-ca-dá está no fim da estante.


a-ba-ca-dá porque o dê vem antes do xis;

porque o barulho da freada de um ônibus


é o som de uma nota
na harmonia do sambista cartola.

no fim da estante,
está o a-ba-ca-dá:

um que não se descasca,


um que não se consome,
um que não se bate
no liquidificador pra fazer suco com hortelã.

27

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deus também criou seu deus

o homem caminhava na lagoa


enquanto outro homem corria
na direção contrária ao cristo redentor.
do alto,
cristo
rogava
de braços abertos
misericórdia ao seu deus.
sim,
deus também criou seu deus:
que o fez a semelhança
daquele que o criara para ser deus
daqueles pequenos corredores
que o capturaram,
e o escravizaram,
apenas
para observá-lo

enquanto correm
e rogam por mais feriados,
fins de semana
e menos trabalho.

bem menos,
senhor.

29

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acordar

é necessário dormir
para acordar.

é necessário dormir
para acordar
e sair
para trabalhar
de manhã.

vai, caminha até o ponto de ônibus,


pega o trem,
pega o metrô,

faz uma ligação para o banco itaú


e jura que paga com juros
os juros que paga e conjura.

multiplicação
do pão
do banqueiro
não do joão.

31

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fds

a opressão começa
na língua
gem.
ou não prestam os
dias nos quais
não se trabalha?
ou são inúteis
os dias nos quais
não se abrem os bancos
dos bancários?

e os bancos de trem
superlotados
de funcionários?

vai, acorda depois do sol,


escreve um poema,
faz um churrasco.
vai!
que no fundo
a verdadeira
garantia
é garantir-se

e
no raso fica
o frágil falso fundo
degarantia
portempo

desserviço.

33

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quanto tempo cabe em um ano
quantos anos em um segundo
quantos cantos entre
quatro paredes
quantos
mundos

35

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pén

no tumulto
dos carros
e no tumul
to da cidade

no tumulto da rua
da cidade
com o barulho
da buzina
– pén! –
e o barulho do baralho me
em
bara
lhando

eu
desfaço
o po
ema.

37

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escrevo em papéis
como se pixasse
os muros dos bairros
das cidades.

39

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cosmologia do ar

ninguém vai se segurar


quando encontrar
um buraco de minhoca
e dobrar
espaço e tempo
como se dobra
a dobradiça de uma porta.

há verso no universo;
tem céus no céu, meu bem,
deuses para os nossos deuses
e deuses para os deuses
dos nossos deuses também.
de volta para o passado à frente para o futuro
a mesma coisa é tudo
o ar o corpo a matéria:

sopra no pulmão
o que venta em saturno,
em marte,
nas luas de netuno,
na parte
– não importa –
do outro lado da porta
ainda.

41

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supervia láctea

reflito a mim
no espelho do trem.
figuro nele
como figuram
os meus sonhos
de conhecer o espaço;
de me equilibrar no mundo
de braços abertos
e permanecer de pé.

descarrilham vagões,
caem plataformas.

tem um mundo dentro dos vários planetas


ultrapassados pelo ramal japeri.

a cada estação,
uma galáxia diferente.

vejo estrelas nascerem sem brilho


vejo brilho em buracos negros sem luz.
alcanço cometas
sinto armagedons de dor
de paz e de esperança.

não é fácil perceber o big bang


antes do big bang acontecer.

passam astronautas
pela atmosfera.
passeiam deuses
nas nebulosas
do lado de fora.

43

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o universo é de metal
não tem começo
não termina na central
do brasil.

44

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pássaros rodopiam no céu azul de nova iguaçu.
um boeing passa
– acima das nuvens –
e deixa um rastro
de fumaça frágil.

o caminho marcado vai


– com o tempo –
sumindo no vento que leva
moças, planos,
enganos e saudades.

quantas espaçonaves já passaram por aqui?


quantos satélites traçam caminhos de estrelas?

45

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desfazer

nem as colunas jônicas


dos templos perdidos
podem sustentar a vida.

tampouco as ménades,
as bruxas de circe,
os seguidores de apolo,
ou quem clama por hera.

constrói-se tudo
para que não desabe.

mas só o poeta faz o que faz


visando os cacos,
as pedras e a poeira
que nascem plenas da sujeira

desmoronada.

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III.
não construir
é também uma forma de destruição.
ausência de amor
assinala a presença de ódio.
deuses!,
quem não compartilha da fome alheia
que não atire o primeiro pão.

IV.
ronco na barriga
me deixa faminto.
pés cansados
me cansam.

49

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I.
não há mais espaço
para o poema que faço,
ou que eu faria
se houvesse lugar para
fazê-lo.
está tudo ocupado,
embora tão vazio.
não é mesmo um paradoxo
pensar sobre o que não se pensa?
não é mesmo um paradoxo
não pensar quando se pensa que pensa?

II.
a casa do meu poema está em guerra.
a casa do meu poema não existe mais.
foi necessário partir,

foi necessário navegar sem vela


e fazer de remo as mãos,
embora remasse mesmo o coração
em direção à paz
que ele não encontrou
ao chegar.

51

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edição

se eu começo a ler você eu não paro


te viro a página e reparo
em cada sílaba e verso que te faz

te abro as orelhas pra começar


e vejo se há por trás
palavra tatuada doutro alguém:
jornal, revista ou ninguém.

te viro a página pra ler você


e na folha que te fez
reparo logo
tua ortografia reformada e edição

teu copyright ©2017:


direito reservado
a quem não te escreveu.

direito meu que te li sem parar


e te numerei.

eu fiz tua ficha
e o teu isbn
fui em quem te catalogou,

escrevi teu prefácio,


tudo fui eu quem fiz.
e ingrato agora diz:

sou domínio público
e vai pelas travessas da cidade se escrever
proutro leitor,
se dar proutro poeta noutra estante.

53

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te leio te rasgo te queimo
eu te tenho te empresto e te perco
eu te risco a página
e te escrevo de novo
só pra te ler de novo
e reeditar este poema sem jabuti.

54

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neo maior

o maior poeta
brasileiro vivo morreu
a dor a paz a esperança a planta o cavalo
o santo a santa
morre
tudo
junto

escorre tudo por entres as mãos de deus:


vento
caça
verso
prata
pluma
fardão
pra alguma parte alguma
vai o sonho a casa a canção
beijo
e flor
cheiro
e olor
grito
muro
ciso
vento
sussurro
e ventilador

55

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aplausos
autógrafos
o dito o ditado o não dito
tudo
morreu junto

menos tudo
o que ficou: vento
caça
verso
prata
pluma
fardão
em alguma parte alguma está
o sonho a casa a canção.
em alguma parte alguma ficou
o poeta
o homem
ninguém
ninguém
tudo sobre tudo
e o além.

56

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incompltos

a fôrma dos formais ca


iu.
o mundo gira omisso
a falta, o buraco branco.

grand canyons no q’fôra capitular, capital


minúscula,
sigma,
itálica,
grifo,
grifa,
corpo.
a falta, o buraco branco no q’fôra mi
maior,
anagrama,
sigla,
cifra,
vogal,
afixo.
a falta, o buraco branco no q’fôra a junta,

a ligação daquilo com isso,


do isso com aquilo

na palavra
do vocabulário
dos vocábulos
incompltos.

57

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arte do desentendimento

não escrevo
sobre o que detenho.
escrevo
para apropriar-me
do que há
no mundo.
para inventar oceanos,
terra,
céu,
gente.
para preencher-me de vazio,
do que não é pleno,
do espanto inquieto
e do questionamento
sobre tudo o que eu penso que eu sei.
ser poeta é desentender.

59

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paredes

tenho todos os quadros do mundo


e todos os mundos nos quadros
que não tenho pendurados em paredes.

é que não construo muros


nem cerca e portanto
não ofereço proteção
para os quadros que tenho sem tê-los.

– ter sem que se tenha.


ver sem que se veja –

e vejo e tenho e toco


– na sala de estar –
um munch um matisse um klimt:
falsos e colados
com fita adesiva nas pontas
e no verso.

tenho um pôster
velho de um filme
e outro de uma banda
de rock inglês
– sei lá –

tenho esculturas gregas roubadas


e mais obras de arte
– entenda –
que as galerias de ipanema.
tem-se tudo, meu bem,
quando se tem nada.

e
no branco das paredes
de minha casa
guardo todos os quadros do mundo
e todos os mundos nos quadros,

61

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mesmo
e até
e principalmente
os que ainda não foram pintados;
os mundos tampouco existentes.

62

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ode a caos

um choro me atravessa o peito


– pranto –
canto pra deixar e deixo,
planto
flor me atravessando inteiro,
a primavera alquímica da solidão.

não sei daquilo que eu não conheço:


eu sei do quilo que eu não peço e peso.
é farta a carga da leveza
no caos,
leva consigo a noite e a escuridão.

um riso me atravessa a boca.


garganta rindo
pra deixar-me rouca
a corda pouca do meu violão.

acordo o samba o mudo o nada o som


é tanto mundo enquanto mudo o tom:

fazendo a coisa atravessar a coisa


deixando a coisa
pra deixar
e deixo.

63

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perdas

para josé luiz alquéres

perdas guardam em si
tudo o que não se quer
guardar.
guardam o cancelamento
adiam o inadiável
deixam pra depois
ou pra nunca mais.

perdas são divinas comprovações


do tempo
e o ajuste terreno
de sua contagem.

não há como vencer


a perda do sol
que se vai
– sabe? –
não brilha
duas vezes
o mesmo raio.

perde-se tudo, mesmo,


menos o imperdível:

a lembrança
imperecível do sorriso
e a sensação
pra tudo que é sensível.

perde-se tudo,
mesmo:
perde-se
perde-s
perde-
perd
per
pe
p

65

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fazer um poema

fazer um poema
não é como pintar um quadro.
é desfazer a tela
é trocar as cores
refazer as formas
que o pintor pensou.
fazer um poema ressignifica o mundo
transignifica tudo
mas não muda nada.
tudo continua
como tudo sempre foi.
como no fim da canção.
como depois de comer
a fome vem de novo.
como depois da eleição
o mesmo povo.
sem esperanças.
apenas
fazer um poema

é fazer um poema.

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invenção

se eu fosse cego,
escreveria.

passariam carros
e eu falaria do som do pneu
rodando no chão,
do freio,
do rádio ligado tocando chet baker.

inventaria cores e fabricantes:


um corola branco
do moço preto.

o mundo teria todas as cores


e todos os silêncios
e todos os barulhos
e todas as belezas
e todos os lamentos

que o mundo tem.

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discos

devolve
meus discos
vinis e voadores
devolve
a chave a porta o portal
a meta
de da culpa
e aquelas tardes inteiras de ven
to aqui fora.
passou um menino andando de patinete, sabia?
passou caetano e caetano cantava sampa, sabia?
passaram astronautas
satélites de pedra e de metal
tampas de caixões
e caixões vazios
e defuntos frios
sambando em avenidas inteiras tomadas
de silêncio.
cadê aquela escola de samba que passou
meu estandarte de estrelas e nuvens
cadê
o mistério do planeta
o mistério
o ministério
o mini
stereo
devolve
devolve.

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registro

foi difícil ser poeta


em dois mil e dezesseis.
muita concorrência
pra todo lado.

teve a câmara dos deputados,


o senado
e o eduardo.
o espanto
o golpe
a invenção da verdade
a transgressão
e a capacidade
para
efetivamente
contribuir
com nada.

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golpes

além do golpe-golpe
tem o golpe-trem-lotado,
porque nem todo golpe vem
disfarçado de fuzil
ou de parlamento.
tem o golpe-boleto,
o golpe-flor-de-plástico,
o golpe-beijo-engasgado
e o golpe-gol-perdido
na-final-do-campeonato.
golpe-saudade: golpe-sim
e golpe-não.
e é cada golpe que bate
e é cada golpe-embate
e cada golpe-ilusão.
sim. tem golpe
que parte.
sim. tem golpe
que reparte.
não. não tem
golpe que sabe
mais do que sabe
apenas uma eleição.
[tem todo tipo de golpe
menos golpe-solução]

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o presidente não pode
concorrer a presidente

a presidente impedida
pode.

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muros

há um não-litoral imenso,
oceanos de planaltos
e mares de incertezas,

um muro que divide


em lados
a mesma parte.

implodimos pontes
cortamos escadas
cercamo-nos todos,
uns dos outros,
para protegermo-nos
de nós mesmos.

mas perceba que


o eu é o outro: povo
– palavra
banal que se usa para
descrever o que não se é.

há um muro que divide em lados a mesma parte.

há um muro
um muro
ummuro
umuro.

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branco no trem

à noite é quando
eu me pergunto
sobre os mistérios
deste mundo sus
penso nonada
girando ao redor do sol.

quem inventou
a indiferença?
quem matou
quem matou ulysses
guimarães?

impedimento ou gol
pe, meu deus, me
diz o que definitivamente é melhor:
bob’s ou mcdonald’s?

e me responda
principalmente também:

por que
não tem
branco no trem?

por que
quem tem banco não vem

pra fila do caixa eletrônico


se perguntar:

ca
iu?

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editorial

crise força
o fim do
injusto en
sino supe
rior gratuito.

crise força o fim


que força crise.

forçam crises os fins


que as crises forçam.

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oco

falta um pouco de silêncio


falta um pouco do nada.

no tempo do se sabe tudo em pouco tempo


o tempo falta

pra contemplação
pra observação

do que falta
no coração.

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ter sem ter

eu não faço um poema faz tempo,


mas quem diz que não o faço
ao não fazê-lo,

que não o vejo


ao não vê-lo
transcrito

em grafemas no papel
ou na tela do ipad do iphone da tevê.

quem diz que o poema não está sem ser,


que o poema não fala sem dizer,
que o sentido dele não é mais

que tato,
olfato
ou audição,

que a visão do poema está na sensação


inexplicável
a respeito
do mundo,

do nada,
do tudo que eu deixei de mim
em tudo o que eu toquei,
que eu fiz
e que eu não sei.

quem diz que o meu poema não é você


quando lê
o poema que escrevo
sobre não escrever

um poema
faz tempo.

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dialética da criação

escrevo um poema
que me escreve

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anjo da guarda

tristeza de ver a tarde cair como cai uma folha.


– carlos drummond de andrade, “epigrama a emilio moura”

não basta ser


quem sou.
eu preciso apreender as flores.
eu preciso me formar.
me formar porque o diploma
é necessário.
eu preciso colocar na minha cabeça
meu deus
que o lixo não se vai sozinho
que tem que forrar a cama
pro meu anjo da guarda
não ficar dormindo.

acorda
levanta
meu anjo
o sol chegou
e me ensina a amenizar as dores
e me ajuda a ser mais
do que eu sou.
é que não dá pra contar
comigo.
é que eu preciso ser mais bem-educado
abrir a porta do carro,
gritar menos,
eu sei,
e falar mais baixo

mais baixo
que este mundo não presta
que eu faço parte do mundo
e que eu não aguento mais
eu não aguento não
mas eu aguento sim.

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morte

deixo de existir
para me tornar
uma vaga
ou nula lembrança
na cabeça daqueles
que eu conheci;
daqueles que eu não soube amar;
dos amigos que eu não fiz;
dos que souberam de mim
e dos que eu não soube.

adeus ao mendigo
que eu encontrei
pelado de graça
na avenida lúcio costa.

verso bonito a deus,


um qualquer verso errante,
como qualquer verso:
cheguei, senhor.

cheguei pleno de infelicidade


e de vontade de não ser homem,
de não ser ninguém
além
de um maquinário
do tempo.

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poema protesto

saí do papel branco pautado


e pautei as ruas da cidade
com as cores do meu verso
de revolta.

eu era um poema
e cabia num livro,
arquivo doc. ou pdf.,
tanto faz,
pois já não caibo mais em quase
lugar nenhum.
agora,
tanto faz
tudo

porque eu deixei de ser mudo


e fui pra rua mostrar ao mundo
que a vida é bem mais do que eu sou.

borracha não me apaga,


gás não me sufoca.

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virtual

eu,
que te conheci,
hoje sei do seu rosto
pelas fotos do seu
facebook.

é que tudo hoje parece virtual:

até seu cheiro é megapixel


e o brilho dos seus olhos
eu configuro pela
tela led 15,5 polegadas
do meu notebook sony vaio
branco intel core
windows 7.

o meu olhar
é a sua webcam.

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face dos fatos

o preço do feijão não cabe no poema


– ferreira gullar, “não há vagas”.

o poema está em qual das faces do papel,


das telas dos vidros dos fatos.
o poema berra ante o marasmo dos tempos.
vire à esquerda
acredite nos jornais,
acredite na vida,
neste mundo tablet.
só o poema ensina:
felicidade infinita não cabe
no mendigo sem perna na esquina
no encosto da via dos carros.
só o poema ensina
às telas dos vidros dos fatos.
e o mendigo sem perna na via
perdido na face dos fatos,

qual face, mentira, fragmento


do poeta mendigo do tempo.

zuckerberg,
seja gentil:

dá-me a senha do face


dos fatos.

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muito cedo

só mais
cinco minu
tinhos.

tá muito cedo
pra pensar.

a escravidão
é vibracional.

tipo vibrador de celular:

invisível,
te convoca
e te acostuma.

a cosmologia não falha.

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agradecimentos

Algumas pessoas ouvem falar deste livro há anos. Tarefa difícil citar
cada um que, de formas diferentes, contribuiu durante esse processo.
Mas gostaria de agradecer a Antonio Cicero e a Marcus Motta
pelas aulas; a Marco Lucchesi pela generosidade; a Christovam
de Chevalier e a Mauro Siqueira pelas recomendações que me
ajudaram a trilhar o sinuoso caminho do editar-se.

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este livro foi impresso
em papel avena
gramatura noventa
pela gráfica millennium
na primavera de dois mil e dezessete
[outono no hemisfério norte].

foi usada a tipologia garamond,


desenvolvida por claude garamond
em mil quinhentos e trinta
depois de cristo.

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