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E THOS E COMPORTAMENTO PROCESSUAL COMO PROVA NO

P ROCESSO C IVIL 1

ETHOS AND THE PROCEDURAL BEHAVIOR AS EVIDENCE IN CIVIL PROCEDURE.

EDUARDO SCARPARO,
Doutor em Direito Processual Civil pela UFRGS.
Professor Adjunto de Direito Processual Civil na UFRGS.
Advogado em Porto Alegre (RS).

scarparo@ufrgs.br

Resumo: O artigo introduz a noção de ethos como um dos elementos de convencimento


apresentados por estudos retóricos. Apresenta algumas projeções que esse conceito retórico
realiza em processos judiciais correntes. Trabalha, a partir daí, com o tema do comportamento
processual das partes dando conta de sua relevância no julgamento em função de regras típicas
no CPC/2015, bem como da abertura para provas atípicas na legislação brasileira.
Palavras-chave: ethos, retórica, processo civil, comportamento da parte, valoração da prova,
provas atípicas.

Abstract: The paper introduces the notion of ethos as one of the convincing elements exposed by
rhetorical studies. It presents some projections that this rhetorical concept performs in current
judicial processes. From that point on, it works on the subject's procedural behavior, accounting
for its relevance in the judgement due to typical rules in the CPC/2015, as well as the opening of
atypical evidence in Brazilian legislation.
Keywords: ethos, rhetoric. Civil procedure, procedural behavior, evidence judgment, atypical
proff.

1
Texto originalmente publicado em SCARPARO, Eduardo. Ethos e comportamento processual como prova
no direito processual civil. Revista de Processo, n. 273, p. 43-67, nov. 2017.
SUMÁRIO. I. I NTRODUÇÃO . II. E THOS . III. O COMPORTAMENTO DA PARTE E SUA FUNÇÃO
PROBATÓRIA . IV. C ONSIDERAÇÕES FINAIS . V. R EFERÊNCIAS B IBLIOGRÁFICAS .

I. INTRODUÇÃO

O conceito de prova em estudos de retórica é diverso da compreensão de


prova presente nos cursos e manuais de direito processual. 2 Considerando-se a retórica,
a prova pode ser compreendida como aquilo que pode levar o auditório à adesão a uma
tese. Costuma-se, nesse enfoque, distinguir as provas como extrínsecas ou intrínsecas3.
Nesse sentir, usualmente a terminologia da prova como geralmente vem compreendida
nos campos do direito processual é muito mais aproximada com aquela que, em estudos
de retórica, condiz com essas que são as chamadas provas extrínsecas, mas ainda assim
não se tratam de conceitos equivalentes.

Ao que importa a um estudo de retórica, as provas extrínsecas dizem


respeito aos elementos que conduzem a uma determinada conclusão, mas que são
estranhos ao discurso em si mesmo. São geralmente anteriores de qualquer discurso,
tendo uma fonte autônoma 4. A digital deixada em uma taça de vinho, o relato da

2
Mesmo para processualistas, o termo é polissêmico. Afinal, ora se afirma ser prova o resultado de uma
valoração sobre a instrução – a prova indica que o réu é inocente –, ora como o material físico que conduz
dada informação – o contrato é a prova de que se deu o empréstimo –, ora como as técnicas de produção
probatória – prova testemunhal, prova documental, prova pericial etc –, ora como atividade lógica do juiz.
“A palavra prova, em processo, mas também em outros ramos da ciência, pode assumir diferentes
conotações. Pode significar os instrumentos de que se serve o magistrado para o conhecimento dos fatos
submetidos à sua análise, quando se pode falar em prova documental, prova pericial etc. Também pode
representar o procedimento por meio do qual tais instrumentos de cognição se formam e são recepcionados
pelo juízo – esse é o espaço em que se alude à produção da prova. De outra parte, prova também pode dar
a ideia da atividade lógica, celebrada pelo juiz, para conhecimento dos fatos. E, finalmente, tem-se como
prova ainda o resultado da atividade lógica do conhecimento”. MARINONI, Luiz Guilherme,
ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 57.
3
“Na realidade, o orador dispõe de dois tipos de provas: as atekhnai, ou seja, extra-retóricas, e as entekhnai,
ou seja intra-retóricas. Vamos denominá-las, respectivamente, extrínsecas e intrínsecas (no Século XVII,
eram traduzidas por naturais e artificiais). As provas extrínsecas são as apresentadas antes da invenção:
testemunhas, confissões, leis, contratos, etc. Do mesmo modo, num discurso epidíctico, tudo o que se sabe
da personagem cujo elogio se faz. As provas intrínsecas são as criadas pelo orador, dependem, pois, de seu
método e de seu talento pessoal, são sua maneira própria de impor seu relatório” REBOUL, Olivier.
Introdução à retórica. 2ª. ed. . São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 49-50.
4
“As provas extrínsecas (independentes, extratécnicas ou inartificiais) são aquelas que têm sua fonte numa
circunstância externa. Não são ensinadas pela retórica, mas sim colhidas no mundo exterior e utilizadas em
benefício dos propósitos do orador. São eventuais e variáveis e dependem, sempre, de outras esferas do
conhecimento”. FERREIRA, Luiz Antonio. Leitura e persuasão: princípios de análise retórica. 1ª ed.
São Paulo: Contexto, 2010, p. 79.
testemunha, o contrato assinado pelas partes, a citação de um excerto doutrinário
constante em livro jurídico ou, entre outros incontáveis exemplos, o texto constante da lei
são boas referências 5.

Ditos fatos da vida podem existir mesmo sem um discurso com finalidade
persuasiva, como se dá quando a digital na taça não gera maior interesse que o de um fato
da vida corriqueiro e, por isso, não embasa qualquer pretensão de adesão a uma tese.
Porém, adquirem o condão de operarem como fatores de persuasão se forem carregadas
por meio de um discurso. E nesse campo são bastante utilizados para provar uma intenção,
assegurar a verdade de um fato ou ideia e para apontar, dentro do possível, a
verossimilhança das alegações, conforme a disposição do auditório 6. São, assim,
elementos estranhos ao discurso, mas que apenas por meio dele podem adquirir um
sentido persuasivo.

A atribuição de um propósito persuasivo ao discurso, no entanto, se dá por


meio das assim chamadas provas intrínsecas, que nos remetem aos instrumentos
efetivamente retóricos. O logos persuade mediante um caráter racional-propositivo, ao
passo que o pathos e o ethos trabalham por uma perspectiva preponderantemente afetiva
7
. Ditas provas retóricas intrínsecas estão inegavelmente vinculadas ao ato discursivo,
servindo como fontes de persuasão para que determinada decisão seja proferida. Mesmo
que o advogado desconheça completamente essas noções de retórica clássica, ainda
assim, o modo como o auditório o vê, a carga emotiva do discurso e os vínculos racionais
e estilísticos de suas manifestações interferem dinâmica e decisivamente para a tomada
de decisão.

O logos indica o uso da palavra e sua exteriorização em um discurso, sendo


associado com o encontro de razões, a disposição dos argumentos e com a estilística. Diz
respeito, portanto, às formas como os argumentos são escolhidos e apresentados. São as

5
Como se nota, salvo se a matéria de fato controvertida disser respeito com a autoria da citação, dificilmente
o excerto doutrinário se enquadrará no conceito probatório próprio do direito processual, valendo-se o
mesmo para o teor do texto da lei.
6
FERREIRA, Luiz Antonio. Leitura e persuasão: princípios de análise retórica. 1ª ed. São Paulo:
Contexto, 2010, p. 80.
7
“A retórica distingue três meios de ‘provar’ pela fala, isto é, de validar uma opinião aos olhos de um
auditório concreto: o logos (provas proposicionais), o ethos e o pathos (provas não proposicionais); nos
dois últimos casos, ‘prova’ é tomada no sentido de meio de persuasão”. PLANTIN, Christian. A
Argumentação: história, teorias, perspectivas. 1ª ed. . São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 111.
proposições e suas expressões, podendo se mostrar sob o molde de silogismos, entimemas
8
, analogias e exemplos.

O pathos trata das paixões e da relação do discurso com o seu destinatário:


o auditório e o ethos aborda como o orador se apresenta e, a partir disso, como é valorado
pelo público, centrando-se em noções de sua credibilidade e confiança a partir da
percepção do auditório. Por isso, diz-se que as provas éticas e patéticas vão informar o
psicológico sobre a questão e seu orador com o auditório, sendo, portanto, direcionados
ao caráter afetivo do discurso.

Quando o promotor de justiça informa que a digital deixada na taça é um


indicativo de que o réu esteve presente no local onde ocorrera um brutal crime, há uma
série de elementos que são retoricamente trabalhados. Primeiramente, vale-se da
existência da digital na taça (prova externa) articulada internamente em um silogismo
dedutivo, fundado em premissas meramente prováveis, ou seja, um entimema. Afinal, se
existe a digital e considerando que a digital é do réu, então o réu esteve no local do crime.
Se o réu estava no local, é provável que tenha cometido o crime (logos). Afora isso,
some-se a credibilidade que tem o Ministério Público e o aval que se dá à finalização de
um inquérito por autoridade policial (ethos) ao sentimento de repulsa ocasionado pela
imagem de um crime brutal ao juiz ou júri (pathos).

Note-se que mesmo em uma singelíssima afirmação, reside muita retórica


e elementos de persuasão bastante influentes que não se apresentam expressamente, mas
que conduzem e influenciam o raciocínio, contextualizando a argumentação. O tema que
se busca apresentar no presente ensaio opera com o uma projeção do ethos ao longo de
um processo judicial, por meio da consideração do comportamento das partes e de seus
advogados com a causa, questionando-se em que medida se deve admitir que o modo
como atuam em juízo possa ter valor probatório processual. Aceitando-se a premissa,
verificar-se-á que o comportamento da prova como fonte de probatória introduz ao exame
do direito processual um conceito retórico.

II. ETHOS
8
“Raciocínio quase-dedutivo, análogo por estrutura ao silogismo lógico, mas diferente deste por falta
de necessidade lógica. Pode se apresentar como um silogismo cujas premissas são apenas verossímeis, em
vez de verdadeiras (Aristóteles), ou como um silogismo a que falta uma das duas premissas, ou até mesmo
a conclusão, tendo este último caso um valor puramente enfático”. PLEBE, Armando, EMANUELE, Pietro.
Manual de Retórica. 1ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 191.
Toda proposição parte de um emissor que terá sua credibilidade avaliada
pelo auditório como fator de influência para a acolhida ou rejeição de uma tese. Esse fator
persuasivo – compreendido como a forma como o auditório vê o orador – dá significado
à noção de ethos, reproduzindo um caráter, uma honra e uma virtude daquele que enuncia.
9 - 10
Com isso o orador produz confiança no auditório . Dito elemento é de extrema
importância, tanto que a retórica aristotélica refere ser o ethos como “o mais eficiente
meio de persuasão de que se dispõe”11.

O ethos é usualmente referenciado a partir de uma marcante passagem da


Retórica de Aristóteles (II, 1378a). Na tradução mais usual, se indica o ethos como
12
aquelas características das pessoas detentoras de prudência, virtude e benevolência .
Vale, no entanto, a indicação de que recentemente foi proposta uma explicitação mais
moderna do texto em questão: “os oradores inspiram confiança (a) se seus argumentos e
conselhos são sábios, razoáveis e conscientes, (b) se são sinceros, honestos e equânimes
e (c) se mostram solidariedade, obsequiedade e amabilidade para com seus ouvintes” 13.

Permitindo-se exemplificar com o cotidiano acadêmico, é um expediente


bastante comum em início de palestras e cursos que um terceiro apresente o orador,
indicando suas qualidades e seus feitos, antes de passar-lhe a palavra para exposição de
suas ideias. O propósito é para que, após essa apresentação, o público seja mais
benevolente com as teses que serão deduzidas 14. Com isso, mediante uma apresentação
eficaz, antes mesmo de ouvir uma palavra sequer do palestrante, já se pode ter um
auditório tendente a aceitar o que o referido tem a dizer, especialmente mas não somente

9
MEYER, Michel. Questões de Retórica: Linguagem, razão e sedução. 1ª ed. Lisboa: Edições 70, 2007,
p. 28.
10
DEMO, Wilson. Retórica e Argumentação. 1ª ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2014, p. 99.
11
ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 45. (Ret, I, 1356a).
12
Nesse sentido, a tradução de Edson Bini, entre outras: “A confiança suscitada pela disposição do orador
provém de três causas, as quais nos induzem a crer em uma coisa independentemente de qualquer
demonstração: a prudência, a virtude e a benevolência”. Ibid., p. 122. (Ret, II, 1378a).
13
EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: Amossy (Ed.). Imagens de si
no discurso: a construção do ethos. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p.29-56, p. 37.
14
A propósito, os elogios são geralmente persuasivos apenas quando decorrem de terceiros, pois o auto-
elogio usualmente produz um efeito deplorável e negativo ao próprio ethos do orador. “Hoje, o elogio que
o orador fizesse de sua própria pessoa nos pareceria o mais das vezes deslocado e ridículo. Comumente, o
presidente da sessão assume esse papel, mas na maioria dos casos o orador é conhecido, seja porque fala
perante um auditório familiar, seja porque se sabe quem é ele, por meio da imprensa e de todas as formas
modernas de publicidade. A vida do orador, na medida em que é pública, constitui um longo preambulo a
seu discurso”. PERELMAN, Chäim, LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a
nova retórica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 364.
quando o apresentador goza também de crédito junto ao público 15. Esse é um exemplo
simples de como a força do ethos opera em um discurso persuasivo: dar credibilidade e
proporcionar uma aceitabilidade das razões pela imagem que o auditório tem do orador.

Vale o mesmo para orelhas de livros, em que há a indicação do currículo


do autor; o indicativo Qualis em periódicos; a figura de pai e mãe como autoridades para
responder a um questionamento de suas crianças ou a crença gerada pela apresentação de
inúmeros bons argumentos de um autor a fim de produzir maior aceitabilidade de uma
proposição sua futura. Mesmo no âmbito estritamente escolar-universitário, se percebe
com frequência que parte dos alunos tende a se mostrar ao lado dos respectivos
professores e orientadores em questões doutrinárias polêmicas, ainda que destacadas as
divergências pelo docente 16.

Na exposição de Stephen Toulmin, fica bastante clara uma projeção do


ethos sobre a argumentação:

“Há homens em cujas palavras se acredita simplesmente por que


quem a diz tem reputação de homem prudente, com
discernimento, e veraz. Mas o fato de que acreditemos no que
dizem estes homens não significa que não se possa levantar a
questão de se eles têm ou não direito à nossa confiança, a cada
asserção que se ouça deles; significa apenas que confiamos que
as alegações que eles fazem, com seriedade e ponderação,
revelar-se-ão, de fato, alegações bem-fundadas, que cada uma
delas tenha por trás uma causa sólida e que, assim, a alegação
feita por aqueles homens merece que lhe dediquemos atenção” 17.

A propaganda e publicidade também utilizam o ethos para produzir


18
identificação com consumidores e credibilidade para a comercialização de produtos .

15
“O etos do orador torna-se propriedade da pessoa que o apresenta ao público, e um potencial problema
retórico pode ocorrer. A pessoa que faz a sua apresentação cria o clima que contextualiza o início de sua
fala, e isso pode ser significativo na definição da atitude inicial do público. Tenha atenção redobrada ao
que você gostaria que fosse dito a seu respeito e certifique-se de que a pessoa que o apresentará está
preparada para tal missão”. CAMPBELL, Karlyn Kohrs, HUXMAN, Susan Schultz, BURKHOLDER,
Thomas. Atos de retórica: para pensar, falar e escrever criticamente. 1ª ed. São Paulo: Cengage
Learning, 2015, p. 217.
16
Referindo a influência de poder social em atos retóricos, Karlyn Campbell, Susan Huxman e Thomas
Burkholder assumem uma possível explicação por conta do ethos: “No papel do aluno, você depende de
seu professor de forma significativa; seu professor tem poder e o relacionamento entre ambos é desigual.
Sua competência para finalizar um curso de graduação e o alcance de uma média dependem, em parte, de
seu professor, e esse poder adicional pode aumentar a capacidade dele de influenciar suas atitudes, pelo
menos durante o curso”. Ibid., p. 222.
17
TOULMIN, Stephen. Os usos do argumento. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 15-16.
18
“Passamos do mundo da propaganda ao da publicidade: a propaganda desenvolvia argumentos para
valorizar o produto, a publicidade põe em primeiro plano o corpo imaginário da marca que supostamente
Valendo-se do exemplo engendrado por Victor Rodríguez 19, pense-se no comercial de
chuteiras, no qual aparece um famoso jogador de futebol. O raciocínio não é
necessariamente explícito, mas se deduz que se o atleta usa essa marca de chuteiras é
porque a chuteira é excelente como o próprio esportista.

Nesse exemplo fica bem claro como o ethos age retoricamente valendo-se
das noções de empatia, identificação e transferência 20. Note-se que se há um ídolo, há
uma referência de condutas a influenciar comportamentos. O consumidor, além de
reconhecer no produto as qualidades do ídolo também pode pretender possuir as mesmas
qualidades e o produto as possibilitaria tanto obtê-las em alguma medida, como
compartilhar abstratamente o uso com o esportista, ainda que em um cenário de fantasia.
Há, nessa linha, um encaminhamento persuasivo a partir de afetos.

Esse posicionar-se do orador se mostra igualmente presente na


argumentação judicial:

“Não deve causar espanto ao iniciante o fato de se afirmar que o


julgador é persuadido, ainda que em menor grau, por elementos
externos aos próprios argumentos que fazem parte do aqui
chamado raciocínio jurídico. O que não se deve é retirar deste
trabalho o objetivo prático, e para isso é necessário observar a
realidade. Por exemplo, é impossível negar que quando se cita
para fundamentar uma peça, a doutrina de um famoso jurista, em
parte se está valendo de sua imagem, tal qual faz o esportista de
nosso exemplo no anunciar a marca de chuteiras” 21.

No campo de atuação jurídica, o ethos manifesta-se claramente na


credibilidade reconhecida nas partes e seus advogados, no auxílio de pareceristas para
elucidar questões de alta indagação, nas referências selecionadas a determinados
julgados, nas indicações de doutrina, na credibilidade atribuída a determinadas provas,
entre outros tantos exemplos. Ao que consta, a credibilidade das teses é afetada por aquele
que as enuncia, mas não somente sobre a pessoa do orador. Especialmente conta para a
adesão à tese o modo como o orador justifica seu discurso e como se apresenta a partir

está na origem do enunciado publicitário”. MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do Ethos. In: Motta
and Salgado (Ed.). Ethos discursivo. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2015, p.11-32.
19
RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Argumentação Jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 25.
20
PLANTIN, Christian. A Argumentação: história, teorias, perspectivas. 1ª ed. . São Paulo: Parábola
Editorial, 2008, p. 112.
21
RODRÍGUEZ, Victor Gabriel. Argumentação Jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal. São
Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 26.
das teses que desenvolve. Isso envolve diretamente a temática da viabilidade de o
comportamento processual servir como fonte de prova.

Na tradição retórica, em especial, na retórica latina, vinculava-se o ethos


estritamente à eloquência e oralidade em situações de fala pública. Modernamente, em
especial pela abrangência da temática pelas teorias de análise do discurso, se tem
estendido a noção para abarcar também exames do texto escrito 22, o que gera uma nova
projeção de compreensões persuasivas.

“Onde se encontram, na materialidade discursiva da tonalidade,


as marcas do ethos do enunciador? Dentro dessa tonalidade,
procuram-se recorrências em qualquer elemento composicional
do discurso ou do texto: na escolha do assunto, na construção das
personagens, nos gêneros escolhidos, no nível de linguagem
usado, no ritmo, na figurativização, na escolha dos temas, nas
isotopias, etc” 23 .

Também em uma linha contemporânea do exame do ethos, Dominique


Maingueneau propôs que o ethos efetivo no discurso – que constitui o modo como o
auditório percebe o orador – é construído conjuntamente por elementos alheios ao
discurso e eventualmente anteriores (ethos pré-discursivo) e por dados apresentados pela
própria enunciação (ethos discursivo).

Impõe-se para o bom desenvolvimento da questão posta no presente ensaio


uma brevíssima explanação sobre ditos elementos. Assim, o ethos pré-discursivo parte de
compreensões presentes no auditório antes de iniciado o discurso dê um tom à recepção
do discurso, gerando expectativas e, por isso, contribuindo com a sua aceitabilidade e
interesse sobre as ideias a serem apresentadas. 24 Ao tema que se busca desenvolver, no

22
Nesse sentido, MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do Ethos. In: Motta and Salgado (Ed.). Ethos
discursivo. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2015, p.11-32. “Todo texto escrito, mesmo que o negue, tem uma
vocalidade que pode se manifestar numa multiplicidade de tons, estando eles, por sua vez, associados a
uma caracterização do corpo do enunciador (e, bem entendido, não do corpo do locutor extradiscursivo), a
um fiador, construído pelo destinatário a partir de índices liberados na enunciação” (p. 17-18).
23
FIORIN, José Luiz. Argumentação. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p. 71.
24
Esse enfrentamento, contudo, compõe uma perspectiva notoriamente contemporânea do tema já que, na
retórica aristotélica, o ethos é essencialmente discursivo, sendo irrelevantes para sua construção dados
estranhos ao discurso: “Esse tipo de persuasão, semelhantemente aos outros, deve ser conseguido pelo que
é dito pelo orador, e não pelo que as pessoas pensam acerca de seu caráter antes que ele inicie o discurso”
ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 45. O entendimento aristotélico não é de
todo silenciado contemporaneamente, como se vê em: “Quando um professor diz eu sou muito competente,
está explicitando uma imagem sua no enunciado. Isso não serve de prova, não leva à construção do éthos.
O caráter de pessoa competente constrói-se na maneira como organiza as aulas, como discorre sobre os
temas etc. À medida que ele vai falando sobre a matéria, vai dizendo sou competente”. FIORIN, José Luiz.
Argumentação. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p. 70.
entanto, o ethos discursivo é que ganha projeção e importância, sendo ele formado a partir
da enunciação 25. Nesse campo situa-se com maior interação a relação entre ethos e logos.
O orador se posiciona de determinada forma na apresentação discursiva e esse modo de
agir expõe seu caráter ético. Note-se que, ainda que se trate de um advogado e professor
consagrado na tribuna, se o discurso apresentado é manifestamente inadequado, a
credibilidade pré-discursiva será afetada e agirá decisiva e negativamente na identificação
de um ethos efetivo. Por outro lado, se a postura e adequação do discurso se mostram
excelentes, ainda mais persuasivo será o ethos para aquele auditório.

Mostra-se o ethos não somente quando se expressa sobre qualidades do


orador, mas também pelo estilo que se adota em seu texto ou fala, pela entonação e ritmo
que se dá ao discurso, ou ainda pela agressividade ou calmaria de sua defesa. Em suma:
há espaço de atuação do ethos pelo tom e perfil que passa o orador ao efetuar sua
enunciação, seja ela oral ou escrita.

A postura e adequação dos argumentos apresentados no campo racional


igualmente interferem na projeção de credibilidade do orador. Por conta disso, a função
afetiva com o auditório é tão somente uma das projeções que o ethos carrega em um
discurso, pois também é verdadeiro que a percepção que o auditório tem do orador pode
assumir também uma própria função argumentativa racional, a partir de inferências
proposicionais, funcionando as impressões do ethos como premissas de um argumento.
Nisso está a estrutura da aceitabilidade do comportamento da parte como fonte de prova
no direito processual civil.

“O auditório faria, nesse caso, inferências a partir de observações sobre


o comportamento do locutor L, ou sobre o comportamento dos que
estão em interação com ele (‘L não se contradiz’), ‘L conhece bem o
assunto de que trata’, ‘as outras pessoas manifestam grande respeito por
L’, ‘L escuta atentamente o que lhe dizem’ etc.); essas inferências
produzem crenças proposicionais (‘[Eu tenho confiança na] veracidade
de L’, ‘[Creio que] L é um especialista’, ‘[Estou seguro que] L é
sensível às opiniões e aos sentimentos dos outros’ etc]” 26.

25
“Uma argumentação vergonhosa, fraca ou incoerente, só pode prejudicar o orador; o vigor do raciocínio,
a clareza e a nobreza do estilo predisporão, em contrário, a seu favor”. PERELMAN, Chäim, LUCIE
OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes,
2005, p. 364.
26
DASCAL, Marcelo. O ethos na argumentação: uma abordagem pragma-retórica. In: Amossy (Ed.).
Imagens de si no discurso: a construção do ethos. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p.57-68, p. 63.
No exemplo dado por Marcelo Dascal, a credibilidade no orador ocupa o
papel de uma premissa de um raciocínio incompleto, ou a modalidade aristotélica
identificada com o entimema. No enfoque dado, o comportamento do orador interfere e
gera crenças de não contradição e autoridade, servindo essa ligação como um ponto
argumentativo racional.

A postura do orador não pode ser contraditória com o discurso, nem com
as circunstâncias. Conforme Aristóteles, “não devemos falar vulgarmente de assuntos
importantes, nem solenemente de assuntos triviais”, não se olvidando que a “maneira de
demonstrar a tese através da exibição dos signos de sua autenticidade revela o caráter
pessoal do orador”. Cada gênero de orador 27
apresentam uma forma particular de
manifestar a verdade 28.

Não é por acaso que Perelman em seu tratado de retórica situa as


considerações sobre as ligações entre pessoas e atos – que em envolvem em grande parte
um reconhecimento de credibilidade – no enquadramento de argumentos baseados na
estrutura do real, porquanto se vale da realidade para estabelecer uma solidariedade de
juízos admitidos com os que se procura promover 29.

A inserção do ethos como elemento de valor em uma racionalidade do


discurso não significa a aceitabilidade de toda e qualquer tese pela simples figura que o
auditório tem do orador. Afinal, “o prestígio de nenhuma pessoa (exceto o Ser perfeito)
poderia fazer-nos admitir que 2 + 2 = 5; nem obter nossa adesão a um testemunho
contrário à experiência” 30
. Nesse sentido, quando se assume a necessidade de
racionalidade ao discurso, a autoridade (ou o seu oposto) do interlocutor não gera, por si
só, a adesão à conclusão. Usualmente se exigem provas ulteriores ou garantias de que as
proposições da autoridade são as mais acertadas. Em casos extremos, diante da ausência
de qualquer outro elemento passível de confrontação crítica e da necessidade impositiva
de uma decisão sem maiores averiguações, a credibilidade do propositor pode significar
a ação proposta pelo auditório.

27
Esclarece-se que para o filósofo o termo é usado como: menino, homem, velho, novo, mulher, homem
etc.
28
ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 227. (1408A)
29
PERELMAN, Chäim, LUCIE OLBRECHTS-TYTECA. Tratado da argumentação: a nova retórica.
2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 297. Especificamente sobre o argumento de autoridade, ver p.
333-372.
30
Ibid., p. 355.
Isso significa que quanto mais insegura é a consideração dita racional pelo
logos, mais intenso é o fator do ethos para a tomada de decisão. Na ausência de elementos
de confirmação, a credibilidade do orador ocupa o papel racional preponderante, sendo
razoável sustentar que a melhor decisão a tomar é, de fato, aderir à proposição daquele
que se apresenta coerente, razoável e fidedigno.

O ethos irá também se relacionar diretamente com os argumentos


apresentados. Em termos Aristotélicos, “o discurso é proferido de tal maneira que nos faz
pensar que o orador é digno de crédito” 31, o que significa que “as ideias suscitam adesão
por meio de uma maneira de dizer que é também uma maneira de ser”. 32 Assim, as formas
de se expressar são resultado de escolhas entre várias possibilidades linguísticas e
estilísticas 33, sendo que dessa escolha decorre uma mostragem do ethos pelo orador 34.
Marina Mccoy é perspicaz em sua conclusão: “O exame de uma pessoa nos permite
entender melhor suas ideias, mas, inversamente, o exame de uma tese nos ajuda a melhor
entender a pessoa que a colocou” 35. Nesse sentido, se o orador dá significado ao discurso,
também é verdade que o próprio discurso é parte ativa na construção do ethos efetivo.
Trata-se, portanto, de um elemento intradiscursivo, pois também se restringe e amplifica
a aceitabilidade do orador por meio do próprio discurso 36.

Exemplo bem marcado da relevância do modo de se portar no discurso está


na Teoria da Argumentação Jurídica de Robert Alexy. Para o autor, a argumentação
prática exige uma série de regras para o reconhecimento de sua racionalidade. Nesse
sentido, são impositivos para o logos alguns comportamentos dos oradores, como se
observa com facilidade não somente da enunciação de suas regras básicas, como também

31
ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 45.
32
MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do Ethos. In: Motta and Salgado (Ed.). Ethos discursivo.
1ª ed. São Paulo: Contexto, 2015, p.11-32, p. 29.
33
EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: Amossy (Ed.). Imagens de si
no discurso: a construção do ethos. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p.29-56, p. 31.
34
“O destinatário atribui a um locutor inscrito no mundo extradiscursivo traços que são em realidade
intradiscursivos, já que são associados a uma forma de dizer. Mais exatamente, não se trata de traços
estritamente intradiscursivos porque, como vimos, também intervém em sua elaboração dados exteriores à
fala propriamente dita (mímicas, trajes...)”. MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do Ethos. In: Motta
and Salgado (Ed.). Ethos discursivo. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2015, p.11-32, p. 14.
35
MCCOY, Marina. Platão e a retórica de filósofos e sofistas. 1ª ed. . São Paulo: Madras, 2010, p. 90.
36
Consoante indica Plantin, a identidade do autor é construída a partir do desenvolvimento do discurso,
inclusive mediante dados idiossincráticos do orador. Em seus termos: “a identidade ética é construída a
partir de traços idiossincráticos de todos os níveis, a voz, poderoso vetor de atração/repulsão, os usos
lexicais, a sintaxe, o modo de gaguejar, as brincadeiras favoritas etc”. PLANTIN, Christian. A
Argumentação: história, teorias, perspectivas. 1ª ed. . São Paulo: Parábola Editorial, 2008, p. 113.
daquelas que dessas derivam e sucedem 37. A prática da argumentação, com a sujeição de
uma postura ética dos oradores a fim de se submeterem às regras de argumentação
racional condizem com um qualificativo do próprio ethos, como projetor de uma
racionalidade no logos.

Nessa conta, assume-se que o ethos retórico tem uma vinculação com o
caráter racional do discurso. A credibilidade que assume o orador diz respeito com sua
atuação discursiva que transmita confiança, com conselhos sábios, razoáveis e
conscientes; tendo um orador que se mostre sincero, honesto e equânime, além de
solidário, amável e obsequioso com o auditório 38.

“A persuasão é obtida graças ao caráter pessoal do orador, quando o


discurso é proferido de tal maneira que nos faz pensar que o orador é
digno de crédito. Confiamos em pessoas de bem de modo mais pleno e
mais prontamente do que em outras pessoas, o que é válido geralmente,
não importa qual seja a questão, e absolutamente válido quando a
certeza exata é impossível e há divergência de opiniões. Esse tipo de
persuasão, semelhantemente aos outros, deve ser conseguido pelo que
é dito pelo orador, e não pelo que as pessoas pensam acerca de seu
caráter antes que ele inicie o discurso. Não é verdadeiro, como supõem
alguns autores em seus tratados sobre retórica, que a honestidade
pessoal revelada pelo orador em nada contribui para seu poder de
persuasão; longe disso, pode-se considerar seu caráter, por assim dizer,
o mais eficiente meio de persuasão de que dispõe” 39.

37
“(1.1) Nenhum orador pode se contradizer; (1.2) Todo orador apenas pode afirmar aquilo que crê; (1.3)
Todo orador que aplique um predicado F a um objeto A tem de estar preparado para aplicar F a todo objeto
que seja semelhante a A em todos os aspectos importantes e, (1.4) diferentes oradores não podem usar a
mesma expressão com diferentes significados”. Propõe o autor igualmente uma regra geral de justificação:
“(2) Todo orador tem de dar razões para o que afirma quando lhe pedem para fazê-lo, a menos que possa
citar razões que justifiquem uma recusa em dar uma justificação”, desenvolvimento em seguida novas
regras de participação e liberdade de discussão “(2.1) Qualquer pessoa que possa falar pode participar de
um discurso (...) (2.2) (a) Todos podem transformar uma afirmação em um problema. (b) Todos podem
introduzir qualquer afirmação no discurso. (c). Todos podem expressar suas atitudes, desejos e
necessidades”. Sustenta igualmente que “(2.3) Nenhum orador pode ser impedido de exercer os direitos
estabelecidos em (2.1) e (2.2) por qualquer tipo de coerção interna ou externa ao discurso”. (fl. 190).
Introduz, ainda, regras de partilha da carga de argumentação: “(3.1) Quem se propõe a tratar a pessoa A
diferentemente da pessoa B é obrigado a dar justificação por fazer isso” (...) “(3.2) Quem ataca uma
afirmação ou norma que não é sujeito da discussão precisa apresentar uma razão para fazer isso” (...) “(3.3)
quem apresentou um argumento só é obrigado a apresentar outros no caso de surgirem argumentos
contrários” e, finalmente, “(3.4) quem introduzir uma afirmação ou faz uma manifestação sobre suas
atitudes, desejos e necessidades num discurso, que não vale como um argumento em relação a uma
manifestação anterior, precisa justificar a interjeição quando lhe pedirem para fazê-lo”. ALEXY, Robert.
Teoria da Argumentação Jurídica. 2ª ed. São Paulo: Landy, 2001, p. 187-194.
38
EGGS, Ekkehard. Ethos aristotélico, convicção e pragmática moderna. In: Amossy (Ed.). Imagens de si
no discurso: a construção do ethos. 1ª ed. São Paulo: Contexto, 2016, p.29-56, p. 37.
39
ARISTÓTELES. Retórica. 1ª ed. São Paulo: Edipro, 2013, p. 45. (1356a: 4-12).
O ethos contribui para que o discurso seja ouvido com interesse e
benevolência, dado que o fato de o orador gozar de prestígio junto ao auditório é de grande
valia para um contexto de aceitação discursiva. Contudo, não basta o orador gozar de bom
conceito, é importante que o próprio discurso valorize esse caráter. Percebe-se com isso
que a representação formada pelo ethos é dinâmica, na medida em que é construída a
partir do discurso, por seu destinatário através “do movimento da própria fala do locutor”,
sendo, por isso, uma “experiência sensível do discurso”, mobilizando o auditório 40. Não
há pensar orador dissociado do discurso já que o próprio conduzir da argumentação
pressupõe revalorizações constantes do ethos 41. Aquele que busca persuadir deve buscar
não somente se conformar com o ethos que o auditório lhe atribui originariamente, mas
agir diretamente para construir uma posição de credibilidade que seja benéfica na
apresentação de suas teses.

III. O COMPORTAMENTO DA PARTE E SUA FUNÇÃO PROBATÓRIA

Estabelecida uma noção preliminar sobre a ideia de ethos na retórica


clássica e contemporânea, pode-se já ter em mente diversas projeções do comportamento
das partes como parâmetro de valoração da prova. Não se deve ter dúvidas de que a parte
que age com lealdade no curso do processo gera para si uma predisposição benéfica a
aceitabilidade de seus argumentos. Por outro lado, quando a chicana é a regra da atuação,
contamina-se com malgrados as proposições que são apresentadas.

A temática condiz com a eficácia probatória da postura assumida pelas


partes em um processo judicial. Sabe-se bem, por regra de ordem lógica, que o
comportamento assumido pela parte no processo não significa mudança sobre o modo
com que um dado fato controvertido tenha se passado. Assim porque fatos futuros não
alteram a forma como se desenvolveram os fatos passados.

Exemplificativamente, se a parte não comparece à audiência para prestar


depoimento pessoal, mesmo após intimada para tanto, isso de maneira alguma significa

40
MAINGUENEAU, Dominique. A propósito do Ethos. In: Motta and Salgado (Ed.). Ethos discursivo.
1ª ed. São Paulo: Contexto, 2015, p.11-32, p. 14.
41
“Aquele que faz concessões é moderado/fraco, aquele que não as faz é rigoroso/sectário; aquele que
invoca autoridades é um dogmático, aquele que utiliza argumentos pelas consequências é um pragmático
etc” PLANTIN, Christian. A Argumentação: história, teorias, perspectivas. 1ª ed. . São Paulo: Parábola
Editorial, 2008, p. 113.
que a versão trazida aos autos pela contraparte seja mais ou menos fidedigna. Contudo, a
ausência da parte determina uma consequência probatória importante no processo civil
brasileiro, dado que dá margem à aplicação da pena de confissão, com valor probatório
evidente (CPC/2015. Art. 385, §1º). Esse é um exemplo efetivamente simples e
tradicional de um comportamento da parte – sua ausência em audiência – que produz
efeitos e valor probatório, dado que dá ensejo à aplicabilidade das noções de confissão,
tipicamente reguladas na legislação processual civil.

Nessa linha, são inúmeros os comportamentos processuais que são


expressamente indicados pela lei ou pela jurisprudência como produtores, per se, de
eficácias probatórias. Isso ocorre na revelia (CPC/2015. Art. 344), na ausência ou recusa
de responder em depoimento pessoal (CPC/2015. Art. 385, §1º), na recusa em submeter-
se a exame de DNA (CCB/2002. Art. 231 e Art. 232 / Lei n. 12.004/2009. Art. 2º-A / STJ.
Súmula 301), na não exibição de documento ou coisa determinada pelo juízo (CPC/2015
Art. 400) entre outros. O comportamento das partes, no entanto, pode assumir função
probatória sob a figura de provas atípicas 42, podendo igualmente justificar consequências
nas valorações probatórias, por vezes com forte relevância e, por vezes, sem qualquer
significação ao juízo.

Todos os aspectos de ingerência do comportamento da parte com função


probatória ganham maior relevância quando o acervo probatório e a complexidade da
valoração da prova produzida se fazem mais presentes. Afinal, quando o logos é por si só
suficiente para uma conclusão facilmente sustentável, importando muito pouco o
comportamento processual. Em outras palavras, o ethos tem uma função mais decisiva na
adesão à tese quando o logos não se mostra tão suficiente para a tomada de decisão. Nesse
cenário é que o comportamento da parte ganha tons de fator de decisão 43.

42
Sustentou Darci Guimarães Ribeiro que são diversas as razões para a acolhida do comportamento das
partes como meio de prova legítimo no direito brasileiro, elencando: a preferência ao princípio dispositivo
em sentido substancial; a adoção irrestrita do princípio da lealdade, a adoção do sistema de persuasão
racional, o qualificativo de meio legal e moralmente legítimo da análise do comportamento das partes, o
sentido social atribuível ao processo, a discricionariedade do ato jurisdicional e a tendência em considerar
a prova judiciária como uma manifestação de probabilidade. RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas.
1ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 125-127.
43
“A verdade é que o comportamento processual da parte vem sempre combinado com outras fontes e
jamais se apresenta como única prova. Esta ponderação se justifica porque o juiz sente, ao emitir uma
decisão a falta de uma base suficiente para julgar porque aquele comportamento não é geralmente um meio
de prova plenamente eficaz. Tratando-se de fonte de presunção, não há que se dizer da existência de uma
forma unívoca de ser entendida”. FAVARETTO, Isolde. Comportamento processual das partes como
meio de prova. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria Acadêmica, 1993, p. 56.
O problema em exame mostra-se essencialmente pertinente quando diante
da atipicidade das provas, dado que não há grande divergência sobre a vigência e
aplicabilidade das formas típicas de sancionar o comportamento processual da parte para
fins de valoração da prova. Por conta disso, é imperioso ter em conta que a discriminação
das condutas das partes passíveis de assumir esse papel na valoração da prova pelo juiz
não podem ser realizadas com completude em um cenário ideal, uma vez que dependem
de uma série de fatores para sua intepretação e apreensão. A atipicidade é uma
característica impositiva da consideração do comportamento da parte. Ainda assim,
algumas circunstâncias podem ser ponderadas como relevantes 44.

Tome-se, por exemplo, a conduta da parte ré que extravia os autos pouco


antes da prolação da sentença ou da que promove medidas de postergação do julgamento
e do trâmite processual como a não devolução dos autos em carga ao tempo devido.
Pense-se na postura judiciária da apresentação sistemática e reiterada de petições
desordenadas, justificando a incessante movimentação cartorária para juntada com a
pragmática impossibilidade de desenvolvimento regular do processo. Cogite-se eficácia
probatória na omissão de fatos e documentos relevantes para a causa ou quando a parte
se oculta para não receber citações ou intimações processuais. Ainda, aquele que mente
em juízo, parcial ou totalmente, que desvia bens e valores para evitar futura execução,
propõe recursos manifestamente protelatórios ou que cria embaraços para dificultar a
tramitação regular da causa 45 - 46.

Quando o juiz avalia se a testemunha tem boa memória, se não falou a


verdade, se estava atenta aos fatos, dando a fé que merece ao respectivo depoimento está
assumindo caráter de credibilidade na respectiva versão. Ademais, a correlação do
depoimento com as demais provas produzidas, com as versões das partes e demais

44
“Nós confiamos em pessoas cujo comportamento demonstra um compromisso sistemático com certos
princípios; por outro lado, somos cautelosos com aqueles que mudam repentinamente de posição”.
CAMPBELL, Karlyn Kohrs, HUXMAN, Susan Schultz, BURKHOLDER, Thomas. Atos de retórica:
para pensar, falar e escrever criticamente. 1ª ed. São Paulo: Cengage Learning, 2015, p. 215.
45
PITT, Gioconda Fianco. A prova indiciária e convencimento judicial no processo civil. Programa de
Pós-Graduação em Direito. Porto Alegre: UFRGS. Mestrado Acadêmico 2008, p. 136-137.
46
Acerca das atuações processuais ímprobas e consequências a um ambiente permeado pelas máximas de
boa-fé objetiva, com destaque à criação de situações processuais capciosas, a violação à máxima de
proibição de venire contra factum proprium, com projeções sobre perda e abuso de faculdades processuais.
ZEISS, Walter. El dolo procesal: aporte a la precisacion teoria de una prohibicion del dolo en el
proceso de cognicion civilistico. 1ª ed. Buenos Aires: EJEA, 1979.
elementos do processo ou com regras de experiência objetiva, são fatores de integração
para credibilidade da prova 47.

Além da objetividade passível de extrair credibilidade aos depoimentos –


que é largamente desejável –, é ainda corrente o discurso de que a imediação do juiz com
a prova seria benéfica para que a valoração dos depoimentos a partir da experiência
sensitiva do magistrado. Em linhas gerais, se diz que “a ‘intimidade’ entre juiz e parte,
juiz e testemunhas, preserva impressões sem atenuação de seus característicos essenciais”
48
.

Nesse sentido, o pontuar de Gioconda Pitt, com o qual não se concorda,


que é acompanhado em considerável escala por doutrina processual nacional:

"Deve-se avaliar não só o que a parte declara em seu depoimento ou


interrogatório, mas, de um modo geral, seu comportamento em juízo,
especialmente em audiência (v.g. enrubescer, gesticular
desproporcionalmente, buscar auxílio visual em seu advogado), ou
como no processo repercute o comportamento que a parte tenha
assumido extraprocessualmente”

Na mesma linha, enuncia Humberto Theodoro Jr, “registra a


jurisprudência que, para apreciar a credibilidade das testemunhas, os julgadores devem
levar em conta numerosos dados, como o seu comportamento, seu modo de responder ao
interrogatório, seu caráter, sua moralidade, suas antecedentes judiciários, seu grau de
desenvolvimento intelectual, a fidelidade de sua memória, o seu senso de observação e a
verossimilhança do seu relato” 49.

47
“No contexto de um julgamento, tanto criminal quanto civil, um advogado experiente nunca irá perder
de vista a crucial importância de manter a confiança do juiz na sua credibilidade e na de suas testemunhas.
Se aquele que decide conclui que não se deve crer em uma testemunha relativamente a um assunto, então,
conforme a natureza humana, aquele que decide irá olhar o restante do testemunho através de lentes de
elevado ceticismo, senão intransponível descrença”. (em tradução livre) TRACHTMAN, Joel. The tools
of argument: how the best lawyers think, argue and win. 1ª ed. North Charleston: CreateSpace, 2013,
p. 172.
48
GUEDES, Jefferson Carús. O princípio da oralidade. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
59. A defesa é extremamente antiga e enraizada na cultura do direito brasileiro, constando inclusive na
Exposição de Motivos do CPC/1939, como se observa das considerações sobre a valoração da prova pelo
juiz, em larga defesa do princípio da oralidade: “Qual o grau de valor que conferirá ao depoimento das
testemunhas e das partes, se não as viu e ouviu, se não seguiu os movimentos de fisionomia que
acompanham e sublimam as palavras, se no escrito não encontra a atmosfera que envolvia no momento, o
autor do depoimento, as suas palavras ou o seu discurso? Que juízo formará sobre a situação dos lugares e
a condição das cousas, descritas no laudo pericial, se de uma e de outra não tem nenhuma impressão
pessoal?”
49
THEODORO JR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p.
539-540.
A divergência dessa posição se dá pela consideração de que dentre os itens
da listagem ofertada pelo professor mineiro, se observa ao mesmo tempo dados
imprescindíveis à valoração da prova testemunhal, como também elementos de cunho
bastante subjetivo ao magistrado, que são contrários ao sistema de persuasão racional, na
perspicaz crítica de Daisson Flach:

“Estar em contato com o depoente, como é curial, aproxima o juiz


apenas de um fato, que é o do próprio depoimento, nada podendo
significar em relação ao seu conteúdo, permitindo, na melhor hipótese,
inferências, de discutível consistência empírica sobre sua credibilidade.
Ainda assim, é de se admitir, tais inferências bem mais propriamente
deveriam derivar do conteúdo objetivo do depoimento do que os difusos
e tão ambíguos ‘sinais’, próprios da ‘linguagem corporal da
testemunha’, de suas ‘pausas e hesitações’, ou de outros elementos tais,
habitualmente descritos pela doutrina como deliberado lustro literário,
talvez para, de modo coerente com o próprio objeto, afirmá-lo como
critério, embora sua natureza algo metafísica” 50.

A parte isso, ainda que algumas das condutas supra sejam referidas como
passíveis de sanção processual por conta de litigância de má-fé (CPC/2015. Art. 80) 51,
ou possam significar abuso do direito de defesa e, consequentemente suporte a
antecipações de tutela fundadas em evidência (CPC/2015. Art. 311, I), balizar a
(in)admissibilidade de juntada de documentos tardiamente (CPC/2015. Art. 435,
parágrafo único), não se mostra impossível verificar consequências na valoração
probatória quando do julgamento da causa.

Posturas positivas com o processo são igualmente producentes de um ethos


benéfico à parte, tendente a levar maior credibilidade em suas asserções, como se dá pelo
comparecimento para prestar depoimento ainda que não intimado regularmente, em
auxiliar ativamente na compreensão de fatos e organização do processo, no cumprimento

50
FLACH, Daisson. Motivação dos juízos fático-probatórios no novo CPC brasileiro. In: Jobim and
Ferreira (Ed.). Direito Probatório. 1ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015 , p. 764. Também faz constar o
jurista: “A timidez, o temor reverencial, a precariedade da linguagem, o momento emocional do depoente
ou mesmo do juiz – que pode não guardar nenhuma relação com o tema do depoimento – e outras tantas
variáveis, fazem com que a precisão dessa ‘leitura’ não seja mais do que uma esperança. Ainda que se diga
que o filtro da experiência, da agudeza de espírito, habilita o magistrado a tanto, tratar-se-ia de constatação
cuja consistência precisaria ser aferida com maior critério. Não consta, ademais, que recebam os
magistrados, pelo menos no Brasil, formação em psicologia, psicanálise, teoria da linguagem, apta à
apreensão, com níveis satisfatórios de segurança, do significado concreto desses difusos e inespecíficos
sinais”. (p. 764)
51
Para um exame pormenorizado dessas e de uma série de condutas reputadas de má-fé e respectivas
consequências pela ótica da repressão da improbidade processual, ver MILMAN, Fabio. Improbidade
Processual: comportamento das partes e de seus procuradores no processo civil. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2009.
de prazos próprios e impróprios, na postura adequada em juízo etc. Esses comportamentos
condizem igualmente com o papel dos advogados 52. Em suma, o planejamento de atuação
condiz com assumir a postura desejada por um ambiente processual permeado por boa-fé
(CPC/2015. Art. 5º) e colaboração (CPC/2015. Art. 6º).

Isso ocorre porque o ethos se realiza não somente em um cenário pré-


discursivo, mas é também reforçado e constituído ao longo da enunciação. Com larga
razão Darci Guimarães Ribeiro arremata: “quem conhece a vida judiciária não pode negar
a grande influência que o comportamento das partes produz no magistrado” 53.Com teor
semelhante, já havia se manifestado anos antes, na Itália, Gorla 54. Nesse mesmo sentido,
atribuindo ao tema o condão de ser prova atípica: “A atitude das partes pode ser um dos
elementos do conjunto probatório e, como tal, pode ser considerada em todos os casos,
como um instrumento de auxílio crítico do julgador, não somente nos casos de
perplexidade” 55. No caso, do contexto de julgamento emergem impressões decorrentes
do comportamento das partes que interferem na decisão 56, como já referendado outrora
57
.

No Código Processual Civil Italiano de 1940, resta expressamente inserido


no art. 116, segunda parte, a influência de inferências probatórias fundadas em
comportamento das partes. Dita lei expressamente refere a aceitabilidade dos chamados

52
“Comportamento processual é um modo de agir em juízo; do ponto de vista da guia (o defensor), é modo
de conduzir a causa; isso portanto, se é em gênero determinado e controlado em vista a um fim, a vitória na
lide, pode ser por vezes determinado por caráteres não somente da parte, mas também de seu defensor e do
seu procurador” GORLA, Gino. Comportamento processuale delle parti e convincimento del giudice.
Rivista di Diritto Processuale, v. XII, 1935, p. 29.
53
RIBEIRO, Darci Guimarães. Provas Atípicas. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 124.
54
Em tradução livre: “Quem conhece um pouco a vida judiciária ouve a grande influência que sobre o juízo
exerce o comportamento processual das partes: sobre o juízo, mais precisamente nas questões de fato (e
também, as vezes, também nas questões de direito, quando o silogismo jurídico do juiz perde muito do seu
rigor)”. GORLA, Gino. Comportamento processuale delle parti e convincimento del giudice. Rivista di
Diritto Processuale, v. XII, 1935, p. 24.
55
FERREIRA, William Santos. Princípios Fundamentais da Prova Cível. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014, p. 78.
56
FAVARETTO, Isolde. Comportamento processual das partes como meio de prova. 1ª ed. Porto
Alegre: Livraria Acadêmica, 1993, p. 22.
57
“Em verdade, o assunto exibindo grande interesse prático, parece não ter preocupado os nossos
processualistas, ainda que a atitude e as atividades das partes e de seus procuradores nem sempre fiquem
limitadas a impressionar, subjetivamente, o magistrado (o que já seria sumamente valioso), podendo até
representar dado concreto de convencimento e prova”. AHRENDS, Ney da Gmaa. Comportamento
processual da parte como prova. Revista da Ajuris, v. 06, p. 74-79, 1976, p. 77.
argumentos de prova, consoante as respostas dadas pelas partes em interrogatório livre,
na refutação de submissão a exames ordenados e, em geral, “do comportamento das
próprias partes no processo” 58

A doutrina italiana, a partir disso, distingue entre provas livres, provas


59
legais e argumentos de prova , que são eventualmente referidos como inferências
probatórias, temática que recai ao presente exame. Sob essa terminologia, Taruffo
sustenta a possibilidade de o juiz extrair consequências probatórias do comportamento
processual das partes, variáveis em diferentes graus. Ditas diferenças de força são
razoáveis, “na medida em que reflitam a experiência comum segundo a qual algumas
inferências de prova podem resultar mais críveis que outras” 60.

Nesse desenvolver, assume-se a possibilidade de dupla função às


chamadas inferências probatórias. Primeiramente podem ser utilizadas para a valoração
da credibilidade e da eficácia de outras provas, sendo, ao lado de outros elementos, um
dos aspectos relevantes para valoração da prova sobre os fatos da causa 61. Nessa linha, o
comportamento da parte rege um ethos discursivo, atribuindo maior ou menor fidúcia às
teses que busca argumentar por meio de provas apresentadas 62.

Quando pontuado nessa forma, há uma tendência em reconhecer menor


força persuasiva dos chamados argumentos de prova se comparados com as provas
propriamente ditas, referindo a uma mera função instrumental de valoração da prova

58
“A atividade (como espécie do gênero comportamento) das partes e por conseguinte, na maneira
particular mas não apenas de suas declarações atinentes aos fatos, quando não podem entrar nos esquemas
formais da confissão ou do juramento, podem ser consideradas, sem embargo pelo juiz, como provas
indiretas (indiciárias) ou seja, como fatos conhecidos dos quais a verdade, ainda que não possa ser própria
e diretamente representada pode, sem embargo, ser argumentada”. CAPPELLETTI, Mauro. La oralidad y
las pruebas en el proceso civil. 1ª ed. Buenos Aires: EJEA, 1972, p. 150-152.
59
PICARDI, Nicola. Manuale del Processo Civile. Milano: Giuffrè, 2006, p. 289.
60
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. 2ª ed. Bologna: SEPS, 2005, p. 484.
61
Ibid., p. 486.
62
O comportamento das partes opera na contextualização da tomada de decisão a partir de um ambiente
retoricamente considerado. Ainda que sem referir a conceitos e noções de retórica, Isolde Favaretto usa-se
da expressão “clima” para designar esse ambiente de decisão: “Ao se falar sobre a valorização da prova
vem em mente a ligação direta que este fato tem com a decisão judicial, porque cabe ao juiz, para o seu
convencimento, valorizar esta ou aquela prova. O aspecto aqui focado leva em conta que o comportamento
da parte é um elemento de valorização da prova. O clima criado em juízo pela forma de agir das partes é
que deve servir ao julgador para suas decisões, aliado às circunstâncias de outras provas”. FAVARETTO,
Isolde. Comportamento processual das partes como meio de prova. 1ª ed. Porto Alegre: Livraria
Acadêmica, 1993, p. 52.
produzida 63. Apesar disso, também se admite que o simples comportamento processual
da parte pode sustentar decisão judicial, quando produzir um forte juízo sobre o fato 64.

Em segundo aspecto, as inferências probatórias podem elas mesmas


assumir o condão de prova dos fatos, como se dá claramente pela recusa injustificável da
parte em submeter-se a exame. Nesse e em outros casos, o comportamento da parte supre
a falta da prova, projetando eficácias diretas sobre o fato a provar. Assim resume Taruffo:
“Se versa sobre circunstâncias úteis para valorar a admissibilidade de outras provas, a
inferência probatória terá uma função acessória e instrumental; mas se a conclusão tem
diretamente com objeto o fato a provar, a inferência probatória desenvolverá
propriamente uma função probatória, na medida em que produz elementos de
confirmação ou de negação da hipótese sobre o fato” 65.

Ainda, o comportamento das partes com propósitos probatórios viabiliza


não somente a consideração sobre a valoração da prova, mas também na distribuição
diversa de atribuições e responsabilidades com a causa, como justificar a distribuição
dinâmica do ônus da prova (CPC/2015. Art. 373, §1º) 66
. Na “ausência de acervo
probatório, o mecanismo da valoração da conduta processual acaba sendo grande
auxiliador para formação da convicção do juiz, permitindo-se criar presunções a partir de
condutas contraditórias, e, assim, distribuir de maneira diversa o ônus da prova” 67.

63
“Quando forem praticadas condutas contraditórias, dentro ou fora de uma mesma sede processual, que
afrontem a boa-fé objetiva, e que sirvam à valoração judicial de modo a influenciarem no julgamento da
demanda, é possível que a valoração da conduta se posicione como uma consequência do venire processual
das partes (...) Isso ocorre quando da apresentação de defesa incompatível, permitindo-se que o juiz valore
a conduta contraditória, tornando ineficaz ao seu convencimento a apresentação daquela mais favorável ao
sujeito em contradição. O mesmo pode ocorrer – e ocorre com frequência, muitas vezes sem que o julgador
anuncie que está valorando a conduta da parte, simplesmente fazendo-o – quando há conduta contraditória
praticada fora da sede processual, como, por exemplo, uma confissão, uma declaração em um boletim de
ocorrência, uma afirmação feita em outro processo, tudo de forma a contradizer alegações feitas pelas partes
no processo. Nesses casos, o juízo pode presumir verdadeira a versão que menos favorece o agente da
contradição, competindo a ele fazer prova em sentido contrário”. TUNALA, Larissa Gaspar.
Comportamento processual contraditório: a proibição do venire contra factum proprium no direito
processual civil brasileiro. 1ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 308.
64
RICCI, Gian Franco. Prove e argomenti di prova. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile,
v. v. 42, n. 3-4, p. 1036-1104, 1988, p. 1041-1042.
65
TARUFFO, Michele. La prueba de los hechos. 2ª ed. Bologna: SEPS, 2005, p. 487.
66
“A teoria também pode recolher outras situações derivadas do comportamento extraprocessual das partes.
Nesse sentido, pense-se em ação aforada no último dia do prazo prescricional, em situação de venire contra
factum proprium, quando, para o réu, sejam inalcançáveis as provas outrora disponíveis. Nesse caso, parece
legítimo redistribuir o ônus, a partir da impossibilidade imposta ao demandante diante do comportamento
da outra parte”. KNIJNIK, Danilo. A prova nos juízos cível, penal e tributário. 1ª ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2007, p. 178.
67
TUNALA, Larissa Gaspar. Comportamento processual contraditório: a proibição do venire contra
factum proprium no direito processual civil brasileiro. 1ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 308.
Finalmente, não se pode deixar de fazer a anotação de que os
comportamentos das partes assumem papel na valoração da prova de forma
absolutamente díspar em se tratando de processo civil ou penal, concentrando-se esse
ensaio nas projeções cíveis do tema. Afinal, no processo penal, vige o direito fundamental
da presunção de inocência, exigindo entre outras providências um standard probatório
mais elevado para julgamento – prova além da dúvida razoável –. Esse aspecto
desaconselha ou ao menos diminui exponencialmente essa função na persecução penal.
Em exemplo singelo, não se condena porque o preso provisório ou temporário intentou
fuga ou permaneceu silente no interrogatório.

IV. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A dificuldade de assumir o comportamento da prova como função na


valoração da prova tem correlato com a percepção de diferentes projeções do conceito de
prova, em torno do direito e em torno da retórica. Aceitando-se que a prova é o que leva
a adesão de uma tese – conceito retórico – não se encontra maiores problemas em
reconhecer que o comportamento da parte no curso do processo pode significar aspecto
decisivo sobre o modo como serão compreendidas as questões controvertidas na causa.

O papel que os estudos de retórica atribuem ao ethos, significando a


credibilidade do orador é reconhecido em acepção pragmática nos diversos fóruns
brasileiros, ainda que sem referência ao elemento retórico trabalhado. Impossível negar
que nossa legislação e jurisprudência apontam uma série de comportamentos com
projeções na valoração da prova, de forma típica ou atípica. Com isso é difícil negar papel,
ainda que secundário, do comportamento das partes para fins de balizar a decisão em
torno da prova, em especial quando os demais elementos instrutórios não se mostram
plenamente suficientes para o julgamento.

V. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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