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INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2
1
INTRODUÇÃO
2
Em 1910, o jornalista, escritor e produtor Cornélio Pires,
paulista de Tietê, apresentou na Universidade Mackenzie, em
São Paulo, um espetáculo que reuniu catireiros, cururueiros, e
duplas de cantadores do interior. Nos anos seguintes, realizou
shows com duplas caipiras em várias cidades do estado. Em
1929, pagou com recursos próprios a gravação do primeiro
disco contendo músicas, anedotas e poesias caipiras na
Byington & Company, representante da gravadora Colúmbia no
Brasil (EMB,1977:614). O sucesso dessa primeira experiência
levou Cornélio Pires a gravar outras séries e despertou o
interesse da indústria do disco em explorar esse novo
segmento fonográfico. A partir de então, surgiram inúmeros
compositores e duplas como Raul Torres, Teddy Vieira, João
Pacífico, Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho, Tonico e
Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, que produziram um vasto
repertório identificado atualmente como a música sertaneja de
“raiz”.1
1
Zan, José Roberto. (RE)Significação da música sertaneja página 3”.
3
temporalidade. Podemos identificar ai um segundo momento em que música
perdeu seu sentido de sitiante e utopia de um campo despolitizado e imaculado
ao urbano e moderno.
4
possível formação universitária que cantavam um sertanejo que pendia para o
sentido da boemia e do romance.
5
elaborada por Adorno e Horkheimer, que continua ainda atual e pertinente aos
estudos das ciências humanas. Porém, Adorno e Horkheimer trabalham com o
conceito de que a indústria cultural pretendia integrar os consumidores de bens
culturais entre o que chamaram de cultura erudita e cultura popular.
Classificaram isso como algo nocivo, já que a cultura erudita é considerada
séria no mesmo patamar que a popular é autentica. É evidente então que
consideraremos também os próprios desdobramentos que este conceito sofreu
nas últimas décadas e trabalharemos com o conceito, apresentado por Walter
Benjamin, de autenticidade da cultura popular e a reprodutibilidade técnica.
6
1 – Do sertanejo raiz ao universitário: Uma trajetória da música sertaneja no
século XX
7
A música, sobretudo a chamada “música popular”, ocupa no
Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de
mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e
regiões que formam o nosso grande mosaico nacional. Além
disso, a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX,
a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas
utopias sociais.3
O meio rural brasileiro era constituído até então por pequenos sitiantes
que pouco tinham economicamente e lidavam com a labuta diária de suas
vidas, provenientes da subsistência de seus pequenos pedaços de terra e dos
costumes característicos dessas regiões rurais
3
Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /
Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (página 7).
8
ameríndias, como afirmam José Roberto Zan e respectivamente José de Souza
Martins:
4
Zan, José Roberto. “Tradição e assimilação na música sertaneja”.
5
Martins, José de Souza. 1974. “ Viola quebrada”, in Revista Debate & Crítica. São Paulo,
Editora HUCITEC Ltda, no. 4.
9
agronegócio, nota-se que as relações de trabalho se alteraram em paralelo
com o desenvolvimento das cidades e isso alterou drasticamente o modo de
vida do homem que vivia no campo.
6
Sant´Anna, Romildo. A moda é viola: ensaio do cantar caipira. São Paulo: Arte & Ciência;
Marília, SP: Ed.UNIMAR. 2000, p. 350
7
Cowboys do Asfalto (inserir referência correta. Pg 30)
10
mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da
cidade...
No rancho fundo
De olhar triste e
profundo
Um moreno canta as
máguas
Tendo os olhos rasos
d'água...
Pobre moreno
Que de noite no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo um cigarro
Por companheiro...
Sem um aceno
Ele pega na viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal
Desse moreno...
No rancho fundo
Bem prá lá do fim do
mundo
Nunca mais houve
alegria
Nem de noite, nem de
dia...
Os arvoredos
Já não contam
Mais segredos
E a última palmeira
Ja morreu na
cordilheira...
11
Os passarinhos
Internaram-se nos
ninhos
De tão triste esta
tristeza
Enche de trevas a
natureza...
Se Deus soubesse
Da tristeza lá serra
Mandaria lá prá cima
Todo o amor que há na
terra...
Porque o moreno
Vive louco de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da
cidade...
12
Lembra o cheiro
Da morena...8
“No Racho Fundo” é uma composição de conhecidos Ary Barroso e Formatted: Font: 12 pt
8
No Rancho Fundo. Composição: Ary Barroso / Lamartine Babo. 1931
13
estavam por vir, claro, também ligado às melodias alteradas pela indústria
fonográfica.
A consolidação do campo musical popular expressou novas
sociabilidades oriundas da urbanização e da industrialização,
novas composições demográficas e étnicas, novos valores
nacionalistas, novas formas de progresso técnico e novos
conflitos sociais, daí resultantes. Mais do que um produto
alienado e alienante, servido para o deleite fácil de massas
musicalmente burras e politicamente perigosas, a história da
música popular no século XX revela um rico processo de luta e
conflito estético e ideológico.9
Durante parte do século XX a música sertaneja é tida como de mau
gosto por uma parcela significativa da população urbana. Sempre tentando
classificá-la como parte de uma cultura que não era considerada erudita,
justamente por fazer parte da vida no campo e não da cultura “civilizada”, como
os centros urbanos eram classificados pela própria indústria cultural e os meios
de comunicação de massa. Essa dicotomia pensada de maneira simplista
expõe o problema já apresentado por Adorno, quanto à cultura inferior e a
superior, transformadas então em bens culturais que são consumidos em
massa.
9
Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /
Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (página 18).
14
trabalhava com os restos da música erudita e, sobretudo no plano
harmônicomelódico, era simplória e repetitiva.10
Independente da modalidade musical, ela se vale, a partir de agora, da
indústria, deve-se então ter o interesse comercial, levando-se em conta sempre
a maximização do lucro, esquecendo a qualidade, já que a função da indústria
cultural é explorar o gosto do consumidor da música, e não qualificá-lo ao que
seria “civilizado” ou não.
Algumas canções dá época e que como “No rancho fundo”, até hoje são
ícones do cenário musical sertanejo, representam bem essas duas
características. A primeira delas, “Tristeza do Jeca” é uma canção composta
por Argelino de Oliveira em 1923 em forma de partitura, antes ainda da
indústria fonográfica se apropriar definitivamente da música caipira.
“Tristeza do Jeca”
10
Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /
Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (página 15)
15
Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira-chão
Todo cheio de buracos
Onde a lua faz clarão
Quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada
Principia um barulhão
11
Tristeza do Jeca. Composição de Angelino de Oliveira. 1923
16
A maioria das canções dessa época “Tristeza do Jeca” também conta
uma história. A história de um “Jeca” que nasceu em um “ranchinho beira-
chão”, no alto de uma serra, devidamente na roça, de onde ele tem saudade. A
letra começa com o narrador, que é o “Jeca” escrevendo para uma
personagem. Essa personagem seria o par romântico da história, e que
influência no contexto da letra logo no título, ser o motivo da tristeza do Jeca. Commented [Q3]: Precisa analisar um pouco mais a música. Ela
tem mais elementos a serem extraídos
12
Jeca Tatu nasceu em 11 de novembro de 1914 na coluna intitulada “Velha praga” no jornal O
Estado de São Paulo. Esta coluna gerou uma enorme repercussão, sobre a qual Monteiro
Lobato escreve a seu amigo. O personagem seria tematizado novamente no livro Urupês, de
1918.
13
Cowboys do Asfalto pg 32 (inserir referencia)
14
Unidade que mede rotações por minuto.
17
das diferenças entre os mundos rural e urbano revelasse mais
aguda quando afirmam que “hoje, o povo da cidade não tem
mais paciência para ouvir romances longos como aqueles.
Temos que fazer composições mais curtas”
(Bernardelli,1992:9).15
Tonico e Tinoco são um dos maiores exemplos de como a indústria
fonográfica se apropriou da cultura do homem do campo e depois que ela se
resignifica para uma cultura urbana, a representação do anterior é
completamente ignorada. Mantendo a maneira coloquial de canta, Tonico e
Tinoco, com o passar dos anos são esquecidos juntamente com o sertanejo
raiz:
15
Zan, José Roberto. “Tradição e assimilação na música sertaneja”. Pg 4.
18
e programas televisivos preferem ceder espaço a artistas mais
jovens”.16
Gabriel, para arrematar esse primeiro capítulo vc precisa, renomeá-lo e fazer um
parágrafo de encerramento de modo que faça uma ponte com o segundo capítulo
16
Cowboys do Asfalto página 15
19
2 – O Sertanejo Universitário: Discursos e temas
abordados pela música sertaneja no século XXI
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De forma que ao mesmo tempo que a música vivia uma situação
de “indefinição” estética nos anos 10 e 20, a literatura já acenava
com diferenciações regionais há algum tempo. Os dois autores,
ao disputar a imagem do caipira/caboclo/sertanejo/Jeca,
estavam constituindo um campo novo de atuação possível para
no pensamento social brasileiro. A região “caipira/sertaneja”
constituía-se gradativamente através dessas e outras lutas por
distinção, sedimentando a noção de diferença em relação a
outros quinhões do Brasil. Risível, deplorável ou louvável, o
“caipira/sertanejo” tornou-se uma figura mapeável, ao menos na
literatura. Na música as coisas demorariam um pouco mais.17
17
Cowboys do asfalto. Página 33 (inserir nota completa)
21
partilham de aceitação, pois ficam “em cima do muro”, mesmo o gênero tendo
uma gênese só, o sertanejo.
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2.1 Consumismo
Um dos temas mais frequentes dentro da música sertaneja universitária
é a questão do consumo. Muitas vezes os compositores e interpretes buscam
passar uma mensagem de luxúria e excessos consumistas. Podemos observar
esta questão na música “vida mais ou menos” (2014) de Netinho e interpretada
pela dupla Henrique e Diego:
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Como agente comunicador, a canção não constitui de uma narrativa de
acontecimentos que tem uma conclusão, mas de uma representação resumida
apenas do modo de vida de um indivíduo, o narrador, que se considera um
homem “rico”. Não há uma mensagem organizada. A música começa por um
ponto específico de uma fala na primeira na pessoa e prossegue nesse sentido
até o fim da letra.
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produzida por quem a consome. A questão do luxo e a riqueza são objetivos a
serem alcançados para o público alvo, as massas, porém o narrador não
precisa alcança-lo, ele já o tem. Então o narrador apresenta ao público uma
recompensa, no sentido de estímulo, para que esse alcance a riqueza: status
social, mulheres e diversão.
Todos esses pontos são tratados pela indústria cultural como produtos,
como fonte de lucro e isso ocorre a partir de uma relação ambígua. Do mesmo
modo que a indústria cria essas identidades, ela precisa dar-lhes manutenção e
atualização, criando uma demanda para vendê-las novamente ao público. Ou
seja, estamos analisando uma narrativa que se apresenta da seguinte forma:
Todo indivíduo, tem o potencial de enriquecer e, por sua vez, adquirir fama,
status, mulheres e diversão.
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E elas me abraçam, e beijam meu pescoço
E dizem "ai que delícia, que safadinho cheiroso"
Os exemplos são:
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2.2 Alusão à pedofilia
Toda música, como manifestação cultural que é, trata de uma realidade,
não como um reflexo, mas como uma necessidade, que por sua fez reflete
socialmente. É um círculo vicioso.
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No que se refere ao sentido ideológico da composição, o texto sugere
uma gama de conotações sexuais em relação ao comportamento de uma
garota em uma “balada”, ou seja, uma festa. A narrativa retrata da primeira até
a última estrofe o envolvimento do narrador com outro personagem, que de
acordo com o termo usado para a descrição, “novinha”, trata-se de uma garota
menor de idade.
18
Retirado do “Dicionário Informal” online. < http://www.dicionarioinformal.com.br/novinha/>
Acessado em: 10/10/2014 às 16:30.
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o substantivo “cara”, porém deve-se levar em conta que algumas vezes na
linguagem popular, substantivos no singular tomam sentido de conjunto
coletivo, onde “cara” caracterizaria um contingente de pessoas.
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decorrer da narrativa a frase “que as mina tudo pira no jeito que o papai faz” dá
a prerrogativa de que o termo “papai” já é utilizado de maneira conotativa ao
sexo, quando o substantivo liga-se ao verbo “pira” e ao verbo “faz”. É
importante destacar que o termo “papai”, também reforça a diferença de idade
entre o narrador e a “novinha”, que na condição de”filha” ficaria ainda como
menor de idade.
A última frase do refrão, em especial, chama a atenção pela apologia à
cultura do estupro19:
[...] me provocou, agora cê vai ver.
O Brasil é um país que tem seu histórico de violência sexual, é 7° país
em homicídio de mulheres, onde uma mulher é estuprada a cada 20 segundos
e mais de 15 mil mulheres são estupradas por ano20.
19
Um conceito feminista que contesta as representações e crenças que
naturalizam a violência contra a mulher.
20
Colocar referencia da revista REDOBRA
21
Colocar referencia da Daniella Georges Coulouris. Página 04
30
Assim como no século XIX e XX as mulheres ainda são vistas através da
sua sexualidade e da sua sensualidade. Para a justiça, é considerado estupro
um ato violento e o não consentimento deve ser claro, o texto da canção, por
sua vez trata a questão de uma personagem que seria menor de idade e que
pela sua roupa e modo de dançar, consente implicitamente no ato sexual, onde
a ultima frase da canção ainda termina em tom de ameaça.
Importante também salientar que as duas músicas analisadas até agora,
por mais que estejam dentro de um segmento da música sertaneja, nada tem a
ver, em momento algum com o campo ou a vida no campo, ambas tratam
especificamente da vida e da rotina na cidade moderna. Ou seja, o que
caracteriza essas duas músicas como sertanejas, são os elementos
harmônicos de instrumentos musicais como o violão e a sanfona, e o próprio
nome do segmento.
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