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Sumário

INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 2

1 – Do sertanejo raiz ao universitário: Uma trajetória da música sertaneja no


século XX................................................................................................................ 7

2 – O Sertanejo Universitário: Discursos e temas abordados pela música


sertaneja no século XXI .......................................................................................20

2.1 Consumismo ................................................................................................................... 23


2.2 Alusão à pedofilia .............................................................................................................. 27

1
INTRODUÇÃO

A música sertaneja no Brasil passou por diferentes momentos e fases no


decorrer do século XX, no qual deixou de ser uma manifestação cultural de
regiões mais afastadas do interior do país, para tornar-se, a partir do início do
século XXI líder nas vendas da indústria fonográfica, transformando seus
interpretes em grandes celebridades, sendo alguns com um grande destaque
internacional.

O presente trabalho tem por objetivo entender, através de estudos sobre


a indústria cultural e a música quais foram processos que acabaram
colaborando com a transformação e ressignificação do estilo musical conhecido
por “sertanejo raiz” até que ele se torne o “sertanejo universitário”. A partir
deste processo histórico, também tentaremos estabelecer uma compreensão
acerca do chamado “sertanejo universitário”, buscando classificar suas
principais vertentes e representantes. Desta forma, poderemos dimensionar os
parâmetros que regulam a relação entre a indústria fonográfica e a música
sertaneja.

As relações entre a indústria fonográfica e a música sertaneja datam da


década de 1910, em que o chamado gênero “sertanejo raiz” sofreu diversas
resignificações para que pudesse se enquadrar dentro das demandas da vida
moderna, o que transformou radicalmente desde a melodia, letra, até o caráter
ritualístico que ela expressava.

Estas transformações do “sertanejo raiz” mudaram significativamente


essa expressão cultural. Elementos como a duração, composição melódica e
letra são características fundamentais para a música, pois esses aspectos
caracterizam-na dentro do segmento midiático que ela representará, porém a
indústria fonográfica muda seu significado de acordo com os padrões que o
mercado impõe, alterando assim seu segmento também. Mas, é claro, que
precisamos ressaltar que a difusão da música e da própria indústria fonográfica
era ainda limitada no Brasil das décadas de 1910 até 1930.

2
Em 1910, o jornalista, escritor e produtor Cornélio Pires,
paulista de Tietê, apresentou na Universidade Mackenzie, em
São Paulo, um espetáculo que reuniu catireiros, cururueiros, e
duplas de cantadores do interior. Nos anos seguintes, realizou
shows com duplas caipiras em várias cidades do estado. Em
1929, pagou com recursos próprios a gravação do primeiro
disco contendo músicas, anedotas e poesias caipiras na
Byington & Company, representante da gravadora Colúmbia no
Brasil (EMB,1977:614). O sucesso dessa primeira experiência
levou Cornélio Pires a gravar outras séries e despertou o
interesse da indústria do disco em explorar esse novo
segmento fonográfico. A partir de então, surgiram inúmeros
compositores e duplas como Raul Torres, Teddy Vieira, João
Pacífico, Jararaca e Ratinho, Alvarenga e Ranchinho, Tonico e
Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, que produziram um vasto
repertório identificado atualmente como a música sertaneja de
“raiz”.1

Todavia, os veículos de massa que aderiram ao novo estilo musical,


agora reproduzido pela indústria fonográfica, foram um dos responsáveis por
essa mudança no conceito estético-musical que formava a música sertaneja, já
que agora a música sertaneja “raiz”, assim como qualquer outro bem cultural,
também passou por uma reificação, se transformando num produto do
mercado, não sendo mais uma livre expressão do homem do campo, mas um
bem cultural comercializável.
Até mesmo a recepção do público para a música mudou, graças à
“urbanização da roça” que a industrialização do país no século XX provocou. A
limitação dos discos – medida proveniente da indústria fonográfica - não
permitia com que a música cantada no campo fosse gravada de maneira igual
no estúdio, devido a sua duração e letra extensa, obrigando então os artistas a
fazerem composições mais curtas.

Logo, a partir de 1920 a música sertaneja já começa a sofrer influências


dos padrões do mercado fonográfico e da sua desterritorialização, fazendo o
movimento do campo para a cidade, assim como milhares de brasileiros desta

1
Zan, José Roberto. (RE)Significação da música sertaneja página 3”.

3
temporalidade. Podemos identificar ai um segundo momento em que música
perdeu seu sentido de sitiante e utopia de um campo despolitizado e imaculado
ao urbano e moderno.

O sertanejo também ganha uma nova roupagem estética tanto nas


capas dos discos quanto na venda da imagem dos artistas, ainda mais quando
a indústria fonográfica já se consolida no país, criando um público consumidor
e intensificando as mutações da música sertaneja e a partir da década de
1960, de modo que cria um novo perfil para a música sertaneja.

Porém, mesmo com as letras ainda muitas vezes falando do campo e do


sertanejo humilde, a identidade apresentada por esse novo significado nada
tem a ver com isso, deixando clara a busca num resquício de uma identidade
perdida.

Depois com o aumento das vendagens de discos na década de 1980, o


sertanejo se torna mais “pop”, sofrendo influência da jovem guarda e de
instrumentos musicais modernos e elétricos. Isso cria um novo rumo para o
gênero, que se torna mais conhecido popularmente em 1990, dando nome a
muitas duplas que estão no mercado até hoje, como é caso de “Zezé di
Camargo e Luciano” e “Bruno e Marrone”.

Aquela antiga música sertaneja, que tinha uma toada coberta de um


sentimento bucólico, acompanhada de violão e viola e tentava repassar a vida
do sitiante; bem como o que ele considerava como suas maiores experiências,
valores e amores hoje são trabalhados apenas como uma legitimação de
significado para a nova categoria de música sertaneja.

Na contemporaneidade da música sertaneja, o chamado “sertanejo raiz”


sempre está presente em um álbum, apenas como uma melodia mais
moderna. Assim, não há perda de público, nem ao que adere ao “raiz” nem ao
que adere ao moderno, já que a melodia empregada nessa nova significação
da música raiz, é moderna.

Na década de 1990 surgem as novas duplas que formariam a gênese do


que conhecemos hoje por “sertanejo universitário”, essas duplas em muitos dos
casos eram formadas pelo mesmo segmento das bandas de rock, mesmo
classificando seu estilo como “sertanejo”. Jovens de classe média e com

4
possível formação universitária que cantavam um sertanejo que pendia para o
sentido da boemia e do romance.

O sertanejo contemporâneo trata da condição sociocultural de um


determinado grupo social, que se identifica com o estilo musical, já que a
estética dessa nova música sertaneja traz desde a toada do próprio sertanejo e
seus instrumentos musicais característicos, até uma mistura com música
eletrônica e o funk, assim atraindo grande público que consome diferentes
estilos.

Essa relação de música, mercado e público, é uma relação de troca.


Mesmo com a nova música sertaneja tento alcançado um nível de aceitação
enorme na última década e sendo apresentada nos meios de comunicação de
massa repetidamente de uma forma quase desgastante, deve-se considerar
que a aceitação do público, que provavelmente não ouve só esse estilo
musical, parte da conjuntura da música, do que ela representa e o que esses
artistas cantam, que muitas vezes se trata da realidade do próprio público, que
se identifica com isso e se sente aceito.

O artista, ao criar uma obra, procura passar uma mensagem


diante não só de um contexto específico, mas tendo em mente
um grupo social ou um campo sociocultural-determinado,
incluindo-se aí as implicações político-ideológicas da sua obra.
2

Analisando a construção estética de inúmeras músicas, é possível


perceber que estas estão arraigadas de muitas influências, tanto de outros
campos da música quanto do próprio contexto de determinados grupos sociais,
principalmente os que se referem à classe média. Ou seja, o sertanejo
universitário perde praticamente toda a ligação com o sertanejo raiz, tentando
segurá-la por uma linha frágil e muito pequena que está vinculada a estética da
melodia empregada nos instrumentos musicais.

Para entendermos melhor essa resignificação da música sertaneja,


teremos como nosso aparato teórico o próprio conceito de Indústria Cultural

Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /


2

Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (Napolitano 2005 p. 100).

5
elaborada por Adorno e Horkheimer, que continua ainda atual e pertinente aos
estudos das ciências humanas. Porém, Adorno e Horkheimer trabalham com o
conceito de que a indústria cultural pretendia integrar os consumidores de bens
culturais entre o que chamaram de cultura erudita e cultura popular.
Classificaram isso como algo nocivo, já que a cultura erudita é considerada
séria no mesmo patamar que a popular é autentica. É evidente então que
consideraremos também os próprios desdobramentos que este conceito sofreu
nas últimas décadas e trabalharemos com o conceito, apresentado por Walter
Benjamin, de autenticidade da cultura popular e a reprodutibilidade técnica.

Desta forma, entenderemos como Indústria Cultural uma indústria que


vende bens culturais, visando exclusivamente o consumo, além da venda de
bens culturais vendem-se modos de vida e imagens de um mundo pronto e que
só tende a mudar conforme essa indústria se atualiza. Dando suporte a
argumentação construída no decorrer do trabalho, utilizaremos diferentes
fontes históricas, principalmente letras de música, capas de discos que foram
adquiridas a partir de um levantamento na internet, mas também iremos utilizar
como fontes referenciais de outros pesquisadores que trabalharam com a
música sertaneja antes da apropriação em que ela se encontra hoje, e que
foram fruto de uma pesquisa em discos antigos e novos de duplas já
conhecidas e duplas e cantores solos que estouram a todo o momento no
mercado fonográfico.

Para construir a presente monografia iremos estruturá-la em dois


capítulos distintos, sendo que o primeiro intitulado “Do sertanejo raiz ao
universitário: Uma trajetória da música sertaneja no século XX” e terá como
objetivo apresentar uma contextualização das causas da resignificação da
música caipira, chamada de sertanejo raiz, durante o século XX. O segundo
capítulo, por sua vez, intitulado “O Sertanejo Universitário: Discursos e temas
abordados pela música sertaneja no século XXI”, onde iremos desenvolver a
formação do sertanejo universitário e sua relação com a indústria cultural,
delimitando os eixos temáticos do qual as músicas são produzidas e sua
estética musical.

6
1 – Do sertanejo raiz ao universitário: Uma trajetória da música sertaneja no
século XX

Como se define o que é música sertaneja e o que não é? Como surgiu


esse estilo musical? Além disso, dentre as várias segmentações que esse
chamado estilo musical recebeu através do século XX, como caracterizar cada
um deles?

Responder essas questões é de certa forma complicado, já que ao


tentar fazer isso pretende-se retomar à raiz desse gênero musical. Para isso
leva-se em conta uma história retroativa da música sertaneja, para tentar
explicar os “por quês” de esse estilo musical ser o que é hoje, e que por
definição é o tema dessa pesquisa.

Para essa análise, é necessário compreender esse estilo musical dentro


das várias manifestações e contextos dentro de sua época, da chamada “cena
musical” na qual ele esteve e está inserido hoje, bem como as mudanças
nesse panorama.

O segmento musical conhecido como “Sertanejo” não é e nunca foi um


reflexo exato da cultura do homem do campo, a qual está assimilada
popularmente, mas à ressignificação feita pela indústria cultural em rituais e
folclores através do século XX. Rituais esses que eram reflexos das
esperanças e sonhos do sitiante, mas que, como já afirmado, não tratavam de
sua realidade. Todas as mudanças que ocorreram nesse segmento durante o
século XX até transformá-lo no estilo musical que conhecemos hoje, chamado
sertanejo universitário, são consequências das mudanças territoriais,
socioculturais e demográficas que ocorreram no Brasil durante esse período.

Popularmente conhecida de tal forma, a música sertaneja “raiz” ou


caipira, tem características baseadas na vida do trabalhador rural e no
“universo” do campo. Pode-se considera-la como uma utopia para esse
sitiante, ou seja, quando composta e cantada ela não representava de fato uma
realidade existente, mas sonhos e querências, que por sua vez refletiam uma
identidade construída com a vivência no campo e que assim, quando cantada,
criava então a face da música caipira.

7
A música, sobretudo a chamada “música popular”, ocupa no
Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de
mediações, fusões, encontros de diversas etnias, classes e
regiões que formam o nosso grande mosaico nacional. Além
disso, a música tem sido, ao menos em boa parte do século XX,
a tradutora dos nossos dilemas nacionais e veículo de nossas
utopias sociais.3

Durante o século XX, esse gênero musical chamado de “Sertanejo” era


visto popularmente com base em um senso comum imaginado através da
humildade e da pureza do chamado “caipira”.

A denominada música caipira é diferente da música sertaneja que


conhecemos e que se popularizou durante o século XX. Enquanto a música
caipira vem do ritual desses sitiantes, de uma cultura popular e que aparece de
forma espontânea, a música sertaneja, proveniente da indústria, é feita de
maneira mecanizada e sem significado real, já que quem a produz não é quem
a consome.

A música caipira tem um discurso coletivo, onde o compositor assume o


posto de encarregado de transmitir os pensamentos e desejos dos pequenos
vilarejos rurais de sua época e contexto. Assim, a música caipira funcionava
como elemento social mediador, junto com o entrosamento das relações
artísticas características das regiões sertanejas e que justamente apropriam os
elementos para dar forma as toadas e tonalidades das músicas.

O meio rural brasileiro era constituído até então por pequenos sitiantes
que pouco tinham economicamente e lidavam com a labuta diária de suas
vidas, provenientes da subsistência de seus pequenos pedaços de terra e dos
costumes característicos dessas regiões rurais

Os eventos e rituais das quais a música caipira, e respectivamente a


sertaneja, como a conhecemos surgiu, vem de uma série de práticas folclóricas
e religiosas. Essas práticas eram descendentes de culturas europeias e

3
Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /
Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (página 7).

8
ameríndias, como afirmam José Roberto Zan e respectivamente José de Souza
Martins:

O canto em duas vozes, em intervalo de terça, característico das


duplas caipiras, é outra herança europeia. Mas é provável que
as vozes agudas dos cantores tenham raízes ameríndias, assim
como as danças catira (ou cateretê) e cururu. Possivelmente, os
jesuítas preservaram essas danças, integrando-as a festividades
católicas como estratégia da prática catequista4.

A toada, o toque de viola que acompanha as danças catira e


cururu, a música das folias de Reis e do Divino e a moda-de-
viola eram estilos musicais que não se dissociavam das práticas
lúdico-religiosas da cultura desses pequenos sitiantes5.

No inicio do século XX, em 1918 o personagem caipira “Jeca Tatu”,


criado por Monteiro Lobato em 1914, aparece no livro “Urupês”, e era uma
faceta caricaturada e risível do homem do campo, representando então tais
estereótipos popularmente disseminados no meio urbano. Enquanto o país
passava por uma fase de urbanização e modernização, o sertão e o caipira
ainda eram considerados humildes, dentro de sua “ignorância” e de uma
estagnação perante a modernidade.

Considerando assim a vida desses sitiantes uma salvaguarda da “moral


e bons costumes” de um país em fase de urbanização e modernização, vê-se
que ao longo do século XX, o campo não suportaria muito tempo como um
ambiente livre das mazelas que o homem da cidade sofria, como por exemplo,
a falta de tempo provinda da rotina exaustiva do trabalhador urbano. Com as
expressivas mudanças na industrialização brasileira, o homem do campo,
sofreu diversos abalos na sua estrutura de vida e muitas vezes foi forçado a se
apropriar da rotina urbana.

Hoje o que chamamos de música caipira é um resquício da tentativa de


representação do modo vida no campo que atualmente considera-se
praticamente extinta. Com o desenvolvimento do capitalismo e a ampliação do

4
Zan, José Roberto. “Tradição e assimilação na música sertaneja”.
5
Martins, José de Souza. 1974. “ Viola quebrada”, in Revista Debate & Crítica. São Paulo,
Editora HUCITEC Ltda, no. 4.

9
agronegócio, nota-se que as relações de trabalho se alteraram em paralelo
com o desenvolvimento das cidades e isso alterou drasticamente o modo de
vida do homem que vivia no campo.

Houve na Moda Caipira de raízes transformações por


adaptações ao meio, pelos retoques em vista dos desvios de
percurso proporcionados pela brusca mudança de perspectivas.
Inverte-se o eixo de um modo tradicional de civilização, e
instaura-se outro modelo, marcado pela lógica do autoritarismo
neo-liberal e ligado à usura mercantilista do que, certo ou errado,
se convencionou chamar de modernidade6.

Uma das mais claras representações da perda de território da música


sertaneja é a própria classificação dos cantores, que na maioria dos casos
formam duplas e são chamados, respectivamente, de “duplas sertanejas”,
graças à própria característica do estilo do canto de duas vozes que esse
gênero musical pede. A questão da denominação “dupla sertaneja” representa
à citada desteorritoerialização, pois muitos cantores eram e até hoje são de
diferentes regiões do país, regiões essas que já na década de 40 não eram
mais consideradas “sertanejas”.

Gradualmente ao longo do século XX, a área caipira/sertaneja


tornou-se identificada à zona de influência paulista no Centro-sul
do país. Mas na época esse processo de delimitação identitária
ainda era fraco e apenas se esboçava.7
Já em 1931 compositores não provenientes do meio rural faziam
composições referentes ao distanciamento dos centros urbanos quanto ao
sertão, e que tratavam justamente essa perda de território tanto da música
quanto do estilo de vida sertanejo, isso tudo de forma bastante clara. Exemplo
disso é a canção “No Rancho Fundo”, que é uma música ícone do estilo
“sertanejo-caipira”:
“No Rancho Fundo”
No rancho fundo
Bem prá lá do fim do

6
Sant´Anna, Romildo. A moda é viola: ensaio do cantar caipira. São Paulo: Arte & Ciência;
Marília, SP: Ed.UNIMAR. 2000, p. 350
7
Cowboys do Asfalto (inserir referência correta. Pg 30)

10
mundo
Onde a dor e a saudade
Contam coisas da
cidade...

No rancho fundo
De olhar triste e
profundo
Um moreno canta as
máguas
Tendo os olhos rasos
d'água...

Pobre moreno
Que de noite no sereno
Espera a lua no terreiro
Tendo um cigarro
Por companheiro...

Sem um aceno
Ele pega na viola
E a lua por esmola
Vem pro quintal
Desse moreno...

No rancho fundo
Bem prá lá do fim do
mundo
Nunca mais houve
alegria
Nem de noite, nem de
dia...

Os arvoredos
Já não contam
Mais segredos
E a última palmeira
Ja morreu na
cordilheira...

11
Os passarinhos
Internaram-se nos
ninhos
De tão triste esta
tristeza
Enche de trevas a
natureza...

Tudo por que


Só por causa do moreno
Que era grande, hoje é
pequeno
Pra uma casa de sapê...

Se Deus soubesse
Da tristeza lá serra
Mandaria lá prá cima
Todo o amor que há na
terra...

Porque o moreno
Vive louco de saudade
Só por causa do veneno
Das mulheres da
cidade...

Ele que era


O cantor da primavera
E que fez do rancho
fundo
O céu melhor
Que tem no mundo...

Se uma flor desabrocha


E o sol queima
A montanha vai gelando

12
Lembra o cheiro
Da morena...8

“No Racho Fundo” é uma composição de conhecidos Ary Barroso e Formatted: Font: 12 pt

Lamartine Babo, conhecidos como sambistas e que são mineiros. A canção


trata de como o sentimento de saudade do campo está intimamente ligado ao
experiência de vida no centro urbano.
Explanando a diferença entram esses dois ambientes, onde no centro
urbano a lua já não aparece tão bonita, e o moreno fica pequeno perto dos
prédios. Faltam árvores, paz e silêncio. A ausência de referências importantes
para a vida campestre, como os pássaros e as árvores, ou ainda o desencanto
com os elementos da natureza (a lua), nos demonstra o afastamento do próprio
homem do campo com as suas origens, mas que ao mesmo tempo sente uma
nostalgia de tal ambiente, ainda mais frente aos novos referencias dos meios
urbanos que acabam por diminuir as pessoas, como é o caso dos prédios, que
torna menor a vida na cidade. Commented [Q1]: Faz sentido?

A música eExpõe também a visão estereotipada da época que separa a


mulher do campo e a da cidade, onde “o moreno vive louco de saudade, só por
causa do veneno das mulheres da cidade”, onde a mulher da cidade é mais
promiscua e mexe com o homem do campo que é mais recatado e inocente,
fazendo com que esse fique apaixonado e sentimentalmente preso a essas
mulheres.
É interessante também perceber na música, que o “rancho” é colocado
como o lugar do “final do mundo”, ficando contraposto ao “centro do mundo”,
que seria a cidade, o que nos traz ainda mais a evidência de uma
desterritorialização e de uma passagem do campo para a cidade. Commented [Q2]: Faz sentido?

A partir desse exemplo, percebe-se como as composições artísticas, em


qualquer âmbito, atuam como representação do contexto da época,
implicitamente colocada dentro da letra e do ritual do canto. Nesse caso, como
estamos analisando especificamente a música sertaneja no século XX,
notamos que além das especificidades técnicas, comerciais e ritualísticas que
mudaram o panorama desse estilo musical, também a reconfiguração
econômica e social do país corroborou para as novas composições que

8
No Rancho Fundo. Composição: Ary Barroso / Lamartine Babo. 1931

13
estavam por vir, claro, também ligado às melodias alteradas pela indústria
fonográfica.
A consolidação do campo musical popular expressou novas
sociabilidades oriundas da urbanização e da industrialização,
novas composições demográficas e étnicas, novos valores
nacionalistas, novas formas de progresso técnico e novos
conflitos sociais, daí resultantes. Mais do que um produto
alienado e alienante, servido para o deleite fácil de massas
musicalmente burras e politicamente perigosas, a história da
música popular no século XX revela um rico processo de luta e
conflito estético e ideológico.9
Durante parte do século XX a música sertaneja é tida como de mau
gosto por uma parcela significativa da população urbana. Sempre tentando
classificá-la como parte de uma cultura que não era considerada erudita,
justamente por fazer parte da vida no campo e não da cultura “civilizada”, como
os centros urbanos eram classificados pela própria indústria cultural e os meios
de comunicação de massa. Essa dicotomia pensada de maneira simplista
expõe o problema já apresentado por Adorno, quanto à cultura inferior e a
superior, transformadas então em bens culturais que são consumidos em
massa.

O “sertanejo raiz” até o começo do século XXI era tratado amplamente


como “música popular”, já que o homem do campo, que era quem dava a cara
desse estilo musical e justamente o tematizava, era entendido como humilde e
ignorante.
A música popular expressava uma dupla decadência: a do
compositor, permitindo que qualquer compositor medíocre fizesse
sucesso junto ao público, e do próprio ouvinte, que se submetia a
fórmulas impostas por interesses comerciais, cada vez mais
restritivas à liberdade de criação dos verdadeiros compositores.
Além de tudo, conforme os críticos eruditos, a música popular

9
Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /
Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (página 18).

14
trabalhava com os restos da música erudita e, sobretudo no plano
harmônicomelódico, era simplória e repetitiva.10
Independente da modalidade musical, ela se vale, a partir de agora, da
indústria, deve-se então ter o interesse comercial, levando-se em conta sempre
a maximização do lucro, esquecendo a qualidade, já que a função da indústria
cultural é explorar o gosto do consumidor da música, e não qualificá-lo ao que
seria “civilizado” ou não.

Há também a própria contradição imposta pela indústria cultural a partir


desse período, já que a música feita na cidade é feita para atender ao gosto do
camponês, que inclusive é o tema das canções, mas que não participa da sua
produção, e que, na maioria dos casos mal podia comprar os discos.

A letra das músicas que agora veem do campo para a cidade,


praticamente funcionam como uma ponte entre esses “dois mundos”. Sempre
há a necessidade de expressar os novos sentimentos provenientes da vida
urbana, bem como os discursos reproduzidos na cidade, que são reflexo das
novas relações de produção.

Algumas canções dá época e que como “No rancho fundo”, até hoje são
ícones do cenário musical sertanejo, representam bem essas duas
características. A primeira delas, “Tristeza do Jeca” é uma canção composta
por Argelino de Oliveira em 1923 em forma de partitura, antes ainda da
indústria fonográfica se apropriar definitivamente da música caipira.

“Tristeza do Jeca”

Nestes versos tão singelos


Minha bela, meu amor
Prá você quero contar
O meu sofrer e a minha dor
Eu sou como um sabiá
Que quando canta é só tristeza
Desde o galho onde ele está

Nesta viola canto e gemo de verdade


Cada toada representa uma saudade

10
Napolitano, Marcos. História & música – história cultural da música popular /
Belo Horizonte: Autêntica, 2002 (página 15)

15
Eu nasci naquela serra
Num ranchinho beira-chão
Todo cheio de buracos
Onde a lua faz clarão
Quando chega a madrugada
Lá no mato a passarada
Principia um barulhão

Nesta viola, canto e gemo de verdade


Cada toada representa uma saudade

Lá no mato tudo é triste


Desde o jeito de falar
Pois o Jeca quando canta
Dá vontade de chorar

E o choro que vai caindo


Devagar vai-se sumindo
Como as águas vão pro mar.11

Essa canção também foi regravada pela dupla “Tonico e Tinoco” em


1958, alterando sua composição original, num intervalo de 35 anos desde sua
composição, gravada com tom harmônico mais baixo e uma toada diferente, já
influenciada pela indústria fonográfica. Tônico e Tinoco também regravam a
música seguindo um aspecto característico da dupla que era o modo coloquial
de falar do homem sertanejo.

Tristeza do Jeca foi regravada inúmeras vezes ao logo do século XX e


cada vez ela se reapropriou a partir do desejo da indústria cultural, que se
adequava ao panorama sociocultural do país, tanto é que só por manter este
aspecto do modo “incorreto” de falar, Tonico e Tinoco, no quadro geral de
artistas do gênero, acabam sendo esquecidos com o passar das décadas, e as
versões da música que são consideradas clássicas já não são mais de
interpretação destes artistas.

11
Tristeza do Jeca. Composição de Angelino de Oliveira. 1923

16
A maioria das canções dessa época “Tristeza do Jeca” também conta
uma história. A história de um “Jeca” que nasceu em um “ranchinho beira-
chão”, no alto de uma serra, devidamente na roça, de onde ele tem saudade. A
letra começa com o narrador, que é o “Jeca” escrevendo para uma
personagem. Essa personagem seria o par romântico da história, e que
influência no contexto da letra logo no título, ser o motivo da tristeza do Jeca. Commented [Q3]: Precisa analisar um pouco mais a música. Ela
tem mais elementos a serem extraídos

Chamar o narrador de “Jeca” exatamente como a própria música o


intitula, descreve a diferença da época em categorizar o camponês, que nos
próximos anos e seria dividido entre caipira e sertanejo, já sendo uma
apropriação do termo usado por Monteiro Lobato12 para definir o homem do
campo em 1914, onde Lobato afirmava que o homem do campo era o culpado
pela situação econômica do país graças a sua ignorância. Onde por sinal, tal
ponto de vista viria a mudar:

Na década seguinte, Lobato viria a reformular seu ponto de


vista, propondo que o Jeca deveria ser pedagogizado, pois era
vítima e não causa dos problemas do país. De qualquer forma
começa gradualmente, e primeiramente na literatura, a
espacialização e regionalização do Brasil do
“caipira/sertanejo”.13

Além de Monteiro Lobato, um dos precursores das classificações e da


apropriação da cultura do camponês brasileiro foi Cornélio Pires. Segundo
alguns cantores e compositores, Cornélio foi o “criador” da música sertaneja,
quando em 1928 conseguiu que a indústria fonográfica da época gravasse nos
LP’s as músicas provenientes do Sertão. Como os LP’s tinham apenas 78
Rpm14, foram necessárias mudanças na estrutura das canções, encurtando seu
tempo de duração, como afirma José Roberto Zan:

O próprio disco de 78 rpm impunha uma limitação de tempo à


música, pois comportava aproximadamente 3 minutos de
gravação em cada lado. Mas a percepção de Tonico e Tinoco

12
Jeca Tatu nasceu em 11 de novembro de 1914 na coluna intitulada “Velha praga” no jornal O
Estado de São Paulo. Esta coluna gerou uma enorme repercussão, sobre a qual Monteiro
Lobato escreve a seu amigo. O personagem seria tematizado novamente no livro Urupês, de
1918.
13
Cowboys do Asfalto pg 32 (inserir referencia)
14
Unidade que mede rotações por minuto.

17
das diferenças entre os mundos rural e urbano revelasse mais
aguda quando afirmam que “hoje, o povo da cidade não tem
mais paciência para ouvir romances longos como aqueles.
Temos que fazer composições mais curtas”
(Bernardelli,1992:9).15
Tonico e Tinoco são um dos maiores exemplos de como a indústria
fonográfica se apropriou da cultura do homem do campo e depois que ela se
resignifica para uma cultura urbana, a representação do anterior é
completamente ignorada. Mantendo a maneira coloquial de canta, Tonico e
Tinoco, com o passar dos anos são esquecidos juntamente com o sertanejo
raiz:

Tinoco, da dupla Tonico & Tinoco, uma das principais duplas


do que se convencionou chamar de música caipira, passava
necessidade depois da morte do parceiro. Morto em 1994,
Tonico deixou o irmão sozinho com a herança de sucessos
como “Menino da porteira”, “Chico Mineiro” e “Moreninha linda”.
Das 20 apresentações por mês que fazia com o irmão, não
passavam mais de quatro no fim da primeira década do novo
milênio. As dívidas, no entanto eram maiores que os lucros
escassos com a música. Devido a gastos com remédios o
dinheiro era apertado todo fim de mês: Tinoco sofria de
hipoglicemia e a mulher Nadir foi diagnosticada com câncer em
2008. De renda fixa o músico ganhava apenas mil reais de
aposentadoria como radialista: “As aplicações dos remédios
aumentaram para mais de R$ 6 mil. O que nós tínhamos, sítio,
terra, foi embora. Até na TV eu fui pedir que me ajudassem
com trabalho. Quem quisesse dar dinheiro pode dar, mas eu
queria mesmo é trabalho” declarou Tinoco, que além de sortear
violas em shows, vendeu o carro da mulher, um Gol 1998, em
rifas.6 A mulher do de Tinoco viria a morrer em 13 de setembro
de 2010. Segundo o filho do músico, José Carlos Perez, o pai
famoso não vivia em situação de miséria: “O problema é que o
cachê de Tinoco foi reduzido em cerca de 70% após o
falecimento do irmão. Além disso os organizadores de eventos

15
Zan, José Roberto. “Tradição e assimilação na música sertaneja”. Pg 4.

18
e programas televisivos preferem ceder espaço a artistas mais
jovens”.16
Gabriel, para arrematar esse primeiro capítulo vc precisa, renomeá-lo e fazer um
parágrafo de encerramento de modo que faça uma ponte com o segundo capítulo

16
Cowboys do Asfalto página 15

19
2 – O Sertanejo Universitário: Discursos e temas
abordados pela música sertaneja no século XXI

O sucesso da música sertaneja na década de 1990 é o fator mais


característico da formação de seu precursor nesse campo da indústria
fonográfica, o Sertanejo Universitário. Deve-se desconsiderar a função do
mercado na construção desse gênero, é graças a popularização desse estilo,
que a indústria fonográfica se resignificou a ponto de formar essa música como
a conhecemos hoje.

O sertanejo universitário é marcado por elementos que a música


Sertaneja do século XX não tem. A música que antes falava da vida no campo,
passou a falar da vida na cidade, de seus amores, sonhos e ilusões.
Diferentemente da música Sertaneja e da música Raiz, o Sertanejo
Universitário, na maioria de suas canções, mantém um discurso particular,
onde há um narrador que conta seu causo de amor, fama, riqueza, entre outros
temas que norteiam a sociedade de consumo contemporânea.

Essa nova vertente da música sertaneja mantém o mesmo pressuposto


do sertanejo pop dos anos 1990, pois se leva em conta a maximização do lucro
das gravadoras, esquecendo-se da qualidade das canções e dos álbuns. A
função da indústria cultural não é a da satisfazer o gosto do consumidor, tanto
musical quanto social, mas de que explorar esse gosto, que já foi demandado
pela própria indústria. Não é função dela elevar os padrões culturais do
consumidor.

Por que se tornou necessária três denominações diferentes para um


mesmo segmento musical? Obviamente o termo “raiz”, também chamado de
“caipira” não se formou com a canção, ele foi aplicado após o momento em que
a indústria cultural vê necessária a formação de dois tipos de camponês,
surgindo o sertanejo e o caipira. Os termos que denominam separadamente o
segmento musical são aplicados conforme a identidade que ele tenta passar
para o consumidor. Essa divisão do camponês foi discutida na década de 1920
por Cornélio Pires e por Monteiro Lobato, do qual este último seria um dos
precursores do estereótipo que o termo se aplica, como já explicitado no
primeiro capítulo, graças à construção do personagem “Jeca Tatu”.

20
De forma que ao mesmo tempo que a música vivia uma situação
de “indefinição” estética nos anos 10 e 20, a literatura já acenava
com diferenciações regionais há algum tempo. Os dois autores,
ao disputar a imagem do caipira/caboclo/sertanejo/Jeca,
estavam constituindo um campo novo de atuação possível para
no pensamento social brasileiro. A região “caipira/sertaneja”
constituía-se gradativamente através dessas e outras lutas por
distinção, sedimentando a noção de diferença em relação a
outros quinhões do Brasil. Risível, deplorável ou louvável, o
“caipira/sertanejo” tornou-se uma figura mapeável, ao menos na
literatura. Na música as coisas demorariam um pouco mais.17

O terceiro termo corresponde ao “universitário”, que reapropria a forma


como o consumidor da música sertaneja se classifica dentro dela, para
praticamente todo o contexto do meio urbano, porém essa imersão não é
completa graças a alcunha de música sertaneja, deixando a função estética da
música presa na raiz do gênero, por mais que as letras tratem de outros
contextos, deixando os três segmentos da mesma música num diálogo entre si.

Sempre se fez necessária a atualização da linguagem em qualquer


segmento de bens de consumo, conforme a própria indústria cultural atualizava
os perfis do consumidor na mão da atualização da sociedade,
tecnologicamente e socialmente, forçando os compositores e artistas a
adequarem-se a essas novas normas do mercado cultural. Muitas vezes os
artistas trazem suas considerações e influências para suas letras e
composições harmônicas e letristas.

Porém, as gravadores também tem compositores próprios que


obedecem a especificações da demanda do mercado, e esse tipo de padrão
estético escapa da mão do artista, que acaba reproduzindo-o para a
permanência de si mesmo dentro do mercado fonográfico, que é o que
acontece hoje com as duplas que se consagraram na década de 1990.

Agora essas duplas precisam atender ao novo padrão para se manter no


mercado mas muitas vezes não conseguem, criando álbuns fracos e que não

17
Cowboys do asfalto. Página 33 (inserir nota completa)

21
partilham de aceitação, pois ficam “em cima do muro”, mesmo o gênero tendo
uma gênese só, o sertanejo.

Diferentemente dos discos que se consagraram durante o século XX


como um todo, e suas atualizações constantes, já discutidas no primeiro
capítulo, na sua grande maioria os álbuns de sertanejo universitário são de
composições “ao vivo”.

Em contrapartida, o sertanejo universitário apresenta hibridismos


notáveis, sendo difícil classificar ou não se este apresenta um reflexo do
panorama sociocultural ao qual está inserido ou se esse gênero quer fazer-se
parecer.

22
2.1 Consumismo
Um dos temas mais frequentes dentro da música sertaneja universitária
é a questão do consumo. Muitas vezes os compositores e interpretes buscam
passar uma mensagem de luxúria e excessos consumistas. Podemos observar
esta questão na música “vida mais ou menos” (2014) de Netinho e interpretada
pela dupla Henrique e Diego:

Música: “Vida mais ou menos”. (Composição: Netinho)

Interpretação: Henrique e Diego

Eu disse vem, aqui tá tudo bem, eu não to nem ai


O que eu quero é me divertir

Dinheiro foi feito pra gastar, se espalham pelo mundo


Que se vire pra juntar

Eu gosto de mulher, eu gosto de luxar


o meu carro é rebaixado
As minas piram pra entrar
E elas me abraçam, e beijam meu pescoço
E dizem "ai que delícia, que safadinho cheiroso"
E nessa eu vou vivendo essa vida mais ou menos
Ai eu tô causando, ai eu tô podendo

Vem beber whisky, vem ver como rico vive


vem andar de ferrari
E depois de mustang
Usa dolce & gabbana, lacoste e armani
e a mulherada chega
E só pega ele e tome

Ô tome, ô tome, tome, tome, ô tome, tome, tome

Enche o copo de whisky, agora vire e tome (4x)

23
Como agente comunicador, a canção não constitui de uma narrativa de
acontecimentos que tem uma conclusão, mas de uma representação resumida
apenas do modo de vida de um indivíduo, o narrador, que se considera um
homem “rico”. Não há uma mensagem organizada. A música começa por um
ponto específico de uma fala na primeira na pessoa e prossegue nesse sentido
até o fim da letra.

Há uma série de indicativas na canção que apontam o porquê do


narrador ser considerado “rico”. Vejamos, por exemplo, estes 4 casos:

1. “Dinheiro foi feito pra gastar”


2. “Eu gosto de mulher, eu gosto de luxar
o meu carro é rebaixado
As minas piram pra entrar”
3. “Vem beber whisky, vem ver como rico vive
vem andar de ferrari
E depois de mustang”
4. Usa dolce & gabbana, lacoste e armani

A palavra “luxar” refere-se propriamente ao luxo, o consumo exagerado,


o consumo pela ostentação da riqueza, que para o narrador chama a atenção
das pessoas em geral, mas principalmente das mulheres, isso a partir do
pressuposto que mulheres são aficionadas por riqueza. O narrador cita posses
que são possíveis apenas para as classes mais altas, que por sua vez, não é o
público que em sua maioria consome a composição.

A letra tem um elemento já pré-decodificado, que é manutenção do


status quo. A forma como a letra aborda o consumo e como esse consumo e
ostentação chamam a atenção das pessoas, mantém os interesses da indústria
cultural funcionando dentro da música, durante toda a letra, onde esses
elementos são apresentados, reafirmando os valores de consumo e criando
uma demanda para o mercado, isso tudo sem possibilidade alguma de
questionamento ou crítica por parte do ouvinte.

Outro aspecto que já se apresenta claramente nessa letra, sendo um


dos mais característicos da indústria cultural, é o fato da música não ser

24
produzida por quem a consome. A questão do luxo e a riqueza são objetivos a
serem alcançados para o público alvo, as massas, porém o narrador não
precisa alcança-lo, ele já o tem. Então o narrador apresenta ao público uma
recompensa, no sentido de estímulo, para que esse alcance a riqueza: status
social, mulheres e diversão.

Aqui então, voltamos à questão da manutenção do status quo, a frase


“Dinheiro foi feito pra gastar, se espalham pelo mundo, que se vire pra juntar”,
por mais que perca o sentido em determinado ponto, pela falta de coerência
para que se possa formar uma rima, onde espalhar o dinheiro trará sentido à
palavra juntar, que por sua vez rimará com a palavra “luxar” na próxima estrofe.
Esse tipo de rima premeditada e que tenta dar sentido a uma narrativa, acaba
por desenvolver a frase de maneira confusa, mas que mesmo assim ainda
mantém seu padrão ideológico: a meritocracia.

Na sociedade capitalista, a ideologia da meritocracia molda tanto o


mercado, como a própria sociedade, já que as corporações e a burguesia
gostam de trabalhar o tema em busca de melhores resultados econômicos e de
um uso mais proveitoso da mão de obra do proletariado. Resumidamente, para
crescer no sistema capitalista, o indivíduo deve mostrar força de vontade,
talento e capacidade, para que possa colher frutos e subir no nível social, para
assim poder “luxar”.

Todos esses pontos são tratados pela indústria cultural como produtos,
como fonte de lucro e isso ocorre a partir de uma relação ambígua. Do mesmo
modo que a indústria cria essas identidades, ela precisa dar-lhes manutenção e
atualização, criando uma demanda para vendê-las novamente ao público. Ou
seja, estamos analisando uma narrativa que se apresenta da seguinte forma:
Todo indivíduo, tem o potencial de enriquecer e, por sua vez, adquirir fama,
status, mulheres e diversão.

A mulher é tratada como objeto de posse, de conquista. Fácil de ser


conquistada a partir de bens de consumo que também foram conquistados, e
que logo após mostra-se o sentido da manutenção desses bens e os
resultados que eles trouxeram para o narrador, como no exemplo:

“O meu carro é rebaixado, as minas piram pra entrar,

25
E elas me abraçam, e beijam meu pescoço
E dizem "ai que delícia, que safadinho cheiroso"

O fato de o carro ser “rebaixado”, demonstra o empenho do narrador em


tornar um bem de consumo aceitável ao padrão do gosto das mulheres,
conseguindo isso, ele atrai sua atenção, tendo como recompensa o carinho e a
conquista.

Assim como carros e acessórios são usados para legitimar a qualidade


financeira do narrador e o seu poder de conquista, existem outros elementos
que apontam isso, produtos que são em geral destinados às classes mais
abastadas por fazer parte de um poder de compra altíssimo e representar o
status social dessas classes, sendo desejado pelas classes mais subalternas,
nesse sentido, destaca-se inclusive a citação de marcas famosas e de renome
internacional, como é o caso da Armani e Dolce & Gabana, além de incentivar
o consumo do Whisky, uma bebida tipicamente destinada a poucos setores da
sociedade.
Como na maioria dos casos da nova música sertaneja, essa letra foi
adaptada de outro estilo musical e enquadrado no que a indústria fonográfica
chama de “arrocha”, o que também foi interpretado por outros artistas.

Partindo da análise da fonte pela esteticidade da composição, é possível


notar a pobreza na construção das rimas. Não há construção poética. As frases
são quase “jogadas” no texto da canção, tentando fazer sentindo com a rima
final.

Os exemplos são:

Rimas que terminam em ar: juntar, luxar, entrar

Rimas que terminam em em: vem, bem

Rimas que... : pescoço, cheiroso

Rimas triviais: tome e tome

26
2.2 Alusão à pedofilia
Toda música, como manifestação cultural que é, trata de uma realidade,
não como um reflexo, mas como uma necessidade, que por sua fez reflete
socialmente. É um círculo vicioso.

Além do consumo, identificamos outras representações sociais dentro


das músicas, onde as letras implicitamente transferem esses conceitos,
tornando-os banais ao ponto de que o consumidor não percebe o discurso que
está reproduzindo. Poderemos perceber um exemplo na canção “vem novinha”
de interpretação da dupla “Henrique e Juliano” (2013).

Música: Vem Novinha (Composição: Desconhecida)


Interpretação: Henrique e Juliano

Ai, novinha, você vai me matar desse jeito


Eu tô viajando vendo você rebolar
Os cara tudo pira nesse teu corpo perfeito
No arrocha você sobe e desce sem parar

E você chega na balada cheio de má intenção


De vestido curto, chamando atenção
Consegue tudo que quer
Com esse seu jeito de olhar
E quando rebola, ai ai ai, isso não vai prestar

Vem, novinha, delícia do papai


Que as mina tudo pira no jeito que o papai faz
Vem, novinha, que eu tô louco pra ver
O que esse teu corpo gostoso é capaz de fazer

Vem, novinha, delícia do papai


Que as mina tudo pira no jeito que o papai faz
Vem, novinha, que eu tô louco pra ver
O que esse teu corpo gostoso é capaz de fazer

Êê êê êê é hoje que eu vou arrochar você


Êê êê êê me provocou, agora cê vai ver.

27
No que se refere ao sentido ideológico da composição, o texto sugere
uma gama de conotações sexuais em relação ao comportamento de uma
garota em uma “balada”, ou seja, uma festa. A narrativa retrata da primeira até
a última estrofe o envolvimento do narrador com outro personagem, que de
acordo com o termo usado para a descrição, “novinha”, trata-se de uma garota
menor de idade.

O termo “novinha18” é utilizado no texto como referência machista à


“perfeição” de um corpo feminino jovem, isso retratado na frase “os cara tudo
pira nesse teu corpo perfeito”. Assim como sexual, a conotação do texto é
machista do inicio ao fim, um elemento pré-estabelecido nos seguintes trechos:

1- Ai, novinha, você vai me matar desse jeito


2- Os cara tudo pira nesse teu corpo perfeito
3- E você chega na balada cheio de má intenção
De vestido curto, chamando atenção
4- Consegue tudo que quer
Com esse seu jeito de olhar
5- E quando rebola, ai ai ai, isso não vai prestar

Como já comentado nos parágrafos anteriores, do começo ao fim o texto


é machista e tem conotação sexual, portanto foram elencados apenas os
trechos que serão discutidos entre a relação da palavra “novinha” e o
machismo implícito na letra.

Voltando ao sentido ideológico, não há uma preocupação por parte do


autor em construir uma crítica de qualquer forma, só há a reprodução do
discurso hegemônico e patriarcal, bem como a adequação da linguagem na
música moderna, isso representado pela palavra “novinha”. A aplicação da
palavra “matar” em relação à personagem feminina faz uma clara alusão ao
desejo do narrador, também apresentado com a frase “os cara tudo pira nesse
seu corpo perfeito”, que, por conseguinte mantém a adequação da linguagem,
justificada com a falta de concordância entre o artigo masculino do plural “os” e

18
Retirado do “Dicionário Informal” online. < http://www.dicionarioinformal.com.br/novinha/>
Acessado em: 10/10/2014 às 16:30.

28
o substantivo “cara”, porém deve-se levar em conta que algumas vezes na
linguagem popular, substantivos no singular tomam sentido de conjunto
coletivo, onde “cara” caracterizaria um contingente de pessoas.

Ao mesmo tempo o autor usa a frase anterior para, na sua continuidade,


indicar que o fetichismo masculino na “novinha”, possa ser usado por ela a seu
favor, apostando então que a personagem feminina usará de má fé contra o
desejo masculino, afirmando que a relação de desejo x sedução não é passiva,
mas sim uma via de mão dupla, onde segundo o autor todos saem
beneficiados:

Consegue tudo que quer


Com esse seu jeito de olhar
Na ultima frase selecionada “e quando rebola, ai ai ai, isso não vai
prestar”, o narrador reúne todo o contexto do texto e aplica um final, que para
ele é previsível, ou seja, baseada na relação de desejo e sedução, é implícita a
afirmação de que tanto a personagem como o narrador já tem noção das
consequências das suas supostas intenções, e que farão usufruto desses
atributos, já que a personagem “rebola” para conquistar e isso acaba
chamando a atenção do narrador.
Além da conotação sexual e do machismo que o discurso do texto
transmite, há também uma breve relação com a cultura do estupro e do
fetichismo com o incesto, reproduzido nessas canções sem que o público
consumidor perceba, e acabe o reproduzindo novamente. Esses discursos
podem ser percebidos nos seguintes trechos:
1- Vem, novinha, delícia do papai
que as mina tudo pira no jeito que o papai faz
2- Vem, novinha, que eu tô louco pra ver
O que esse teu corpo gostoso é capaz de fazer
3- Êê êê êê me provocou, agora cê vai ver.
A palavra “delícia”, referindo-se ao corpo da personagem, legitima o
sentido de desejo do narrador, quando colocada com o artigo masculino “do” e
ao sujeito “papai”, a frase toma uma conotação fetichista baseada na
representação de uma “relação” familiar entre os dois personagens, onde o
“papai” teria desejo pelo que é uma “delícia“, ou seja, a novinha, inclusive, no

29
decorrer da narrativa a frase “que as mina tudo pira no jeito que o papai faz” dá
a prerrogativa de que o termo “papai” já é utilizado de maneira conotativa ao
sexo, quando o substantivo liga-se ao verbo “pira” e ao verbo “faz”. É
importante destacar que o termo “papai”, também reforça a diferença de idade
entre o narrador e a “novinha”, que na condição de”filha” ficaria ainda como
menor de idade.
A última frase do refrão, em especial, chama a atenção pela apologia à
cultura do estupro19:
[...] me provocou, agora cê vai ver.
O Brasil é um país que tem seu histórico de violência sexual, é 7° país
em homicídio de mulheres, onde uma mulher é estuprada a cada 20 segundos
e mais de 15 mil mulheres são estupradas por ano20.

De acordo com Esteves (1989) e Caulfield (2000), nos casos


de estupro, sedução e defloramento, do fim do séc. XIX até
meados do século XX, a associação entre conduta social e
padrão de honestidade estava presente em todos os discursos
jurídicos. Não bastava esclarecer a verdade e determinar o
autor. De acordo com a escola positivista inspirada na defesa
social, o julgamento de um crime deveria levar em conta a
conduta do réu com o fim de determinar a sua periculosidade.
A questão da honestidade passada ou presente era um
elemento subjetivo fundamental apto a completar o conceito
legal de estupro.21
Ou seja, a música reproduz o discurso do século XIX e XX, onde a
índole da mulher é baseada naquilo que ela é ou poderia ser, na sua conduta
total, que é representada pelo seu comportamento “na balada”. Para o narrador
usar um vestido curto é ter má intenção, pois este chama a atenção, também
nota-se o julgamento de valor do narrador ao indicar que o modo como a
“novinha” dança caracteriza uma provocação, e se há uma provocação há uma
vontade, uma necessidade que é justificada pelo desejo.

19
Um conceito feminista que contesta as representações e crenças que
naturalizam a violência contra a mulher.
20
Colocar referencia da revista REDOBRA
21
Colocar referencia da Daniella Georges Coulouris. Página 04

30
Assim como no século XIX e XX as mulheres ainda são vistas através da
sua sexualidade e da sua sensualidade. Para a justiça, é considerado estupro
um ato violento e o não consentimento deve ser claro, o texto da canção, por
sua vez trata a questão de uma personagem que seria menor de idade e que
pela sua roupa e modo de dançar, consente implicitamente no ato sexual, onde
a ultima frase da canção ainda termina em tom de ameaça.
Importante também salientar que as duas músicas analisadas até agora,
por mais que estejam dentro de um segmento da música sertaneja, nada tem a
ver, em momento algum com o campo ou a vida no campo, ambas tratam
especificamente da vida e da rotina na cidade moderna. Ou seja, o que
caracteriza essas duas músicas como sertanejas, são os elementos
harmônicos de instrumentos musicais como o violão e a sanfona, e o próprio
nome do segmento.

31
2.3

32

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