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MYSTICA URBE

UM ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE O


CIRCUITO NEO-ESOTÉRICO NA METRÓPOLE
© 1999 Livros Studio Nobel Ltda.

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Impresso no Brasil / Printed in Brazil


José Guilherme C. Magnani

MYSTICA URBE
UM ESTUDO ANTROPOLÓGICO SOBRE O
CIRCUITO NEO-ESOTÉRICO NA METRÓPOLE

Studio Nobel
Coordenação Editorial
Carla Milano
Edição de texto
Martha Assis de Almeida Kuhl
Revisão
Claudia Jorge Cantarin Domingues
Sandra Regina de Souza
Capa
Moema Cavalcanti
Composição
MCT Produções Gráficas

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Magnani, José Guilherme C., 1944-


Mystica urbe : um estudo antropológico sobre o circuito neo-esotérico na cidade /
José Guilherme Cantor Magnani. — São Paulo : Studio Nobel, 1999. — (Coleção cidade
aberta)

Bibliografia.
ISBN 85-85445-85-8

1. Antropologia urbana — São Paulo (SP) 2. Espiritualidade — São Paulo (SP)


3. Ocultismo — São Paulo (SP) I. Título. II. Série.

99-4717 CDD-307.760981611

Índice para catálogo sistemático:


1. São Paulo : Cidade : Neo-esoterismo :
Antropologia urbana : Sociologia 307.760981611
Sumário

Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7

Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1. O fenômeno do “neo-esoterismo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
2. As interpretações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
3. A proposta deste livro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

1. Os espaços . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
1. Mapeamento e classificação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2. A dinâmica interna . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

2. As práticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
1. Divulgação e formação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
2. Terapias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
3. Vivências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

3. As regularidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
1. No tempo: o calendário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
2. No espaço: circuitos e trajetos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65
2.1. O circuito . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67
2.2. Um exemplo de circuito e trajetos: terapeutas naturistas . . . . . . . . . . . 70
2.3. Os trajetos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

5
2.4. Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 76
3. No discurso: a narrativa de base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78
3.1. A grande narrativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
3.2. Tradição e Ciência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82
3.3. A matriz discursiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

4. O ethos neo-esô . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 99
1. Os freqüentadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100
2. A formação de uma sensibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103
3. O estilo de vida neo-esô . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
Teses e dissertações, relatórios, projetos de pesquisa . . . . . . . . . . . . . . . 140
Jornais, revistas e endereços na internet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142

6
Apresentação

As imagens de maior impacto, quando se quer ilustrar a vida nas metrópoles


contemporâneas, têm como referente a grandiosidade de suas edificações e obras
de infra-estrutura, as repercussões dos eventos de massa e até mesmo a magnitude
de suas catástrofes; ou então o particularismo de personagens excêntricos, com
seus comportamentos exóticos e ocupações pouco convencionais. Justapondo os
dois planos, tem-se como representação o indivíduo em sua singularidade, emer-
gindo da escala desproporcional das estruturas com as quais se enfrenta ou pelas
quais é sufocado.
O efeito é forte, impressiona e ilustra bem uma das dimensões das grandes
cidades. Mas para fazer jus à complexidade da dinâmica urbana falta um termo
nessa polaridade: aquele constituído pelas inúmeras, ricas e mesmo surpreenden-
tes mediações entre a instância da individualidade e a das instituições e contextos
urbanos mais abrangentes.
Se o excepcional chama a atenção, o que caracteriza os processos do coti-
diano é seu caráter reiterativo, revelado por um olhar atento às redes de sociabili-
dade, às formas de uso e apropriação dos espaços públicos, às práticas e aos
padrões de comportamento que fundamentam estilos de vida comuns; vistas desse
ângulo, até mesmo algumas das excentricidades — assim rotuladas pela mídia —
terminam revelando suas próprias e prosaicas rotinas.
Este livro tem como objeto de estudo a presença, na dinâmica da cidade, de
um conjunto de atividades e comportamentos que formam um circuito delimitado
na metrópole paulistana. É o circuito do que aqui será denominado “neo-esoteris-
mo” e que, entre outras características, se apresenta como uma busca de novos
paradigmas de conhecimento, de uma espiritualidade independente de sistemas

7
religiosos institucionalizados e de uma visão “holística” do homem e da natureza,
tendências de ampla circulação e visibilidade nos anos 80 e 90.
Algumas associações que fazem parte desse circuito já existiam antes do
chamado “boom do esoterismo” daquelas décadas, dedicando-se ao estudo, ensi-
no e prática de suas especialidades há algum tempo. Tais atividades, assim como
sua fundamentação, propósitos e seriedade, não estão em pauta aqui: a pesquisa
não se propôs a rastrear a origem, descrever o funcionamento e muito menos
julgar o acerto dessas e das novas práticas ou submetê-las a critérios de verdade;
seu objetivo é identificar a lógica que transcende o horizonte de cada uma e que
assim termina produzindo efeitos no plano do comportamento de um círculo mais
amplo de usuários.
No entanto, independentemente das intenções dos integrantes de grupos, ins-
tituições e espaços que desenvolvem suas atividades à margem do “fenômeno
neo-esotérico” ou anteriormente a ele, agora estão inseridos num mainstream em
que as particularidades, válidas no interior da própria instituição, dialogam com
novas correntes, influenciam-nas e são tocadas por tendências mais gerais, respon-
sáveis por uma imagem pública que a mídia reverbera e não raro homogeneiza.
Isso não significa que estejam todos nivelados, nem que ao lado de prati-
cantes de longa data e profunda convicção não haja aqueles que só recentemente
foram tocados por alguma das múltiplas mensagens da chamada Nova Era e até
mesmo aqueles para quem esse movimento é apenas um (rentável) negócio; o
presente estudo propõe-se a ensaiar critérios que permitam distinguir planos e
tipos que o senso comum muitas vezes junta de forma indiscriminada.
Seja como for, o atual fenômeno do neo-esoterismo está na base de uma forma
particular de pensar, agir, comunicar-se e usufruir o tempo livre no contexto da
metrópole e este é o principal objetivo do livro: identificar a emergência e a consoli-
dação de um estilo de vida que já não pode ser relegado a escolhas meramente
individuais nem reduzido a comportamentos tidos como exóticos, desviantes.
Tendo como referência a área temática da Antropologia Urbana, o horizonte
mais geral da pesquisa é a análise de processos sociais e culturais que se desen-
volvem em escala metropolitana, procurando, com base em determinadas catego-
rias, elucidar alguns aspectos da forma como transcorre a dinâmica cultural no
contexto da grande cidade.
O estudo teve como base um trabalho de campo com levantamentos, entre-
vistas, observação direta, elaboração de mapas e listagens e contou com a partici-
pação de vários integrantes do NAU (Núcleo de Antropologia Urbana), alguns
mais diretamente na fase de coleta de dados, outros na discussão dos resultados e
leitura das primeiras versões. Registro também e agradeço os apoios financeiros
do CNPq e da FAPESP.

8
Introdução

1. O fenômeno do “neo-esoterismo”

Em fins dos anos sessenta o sociólogo Peter Berger lançava um livro com o
sugestivo título Um rumor de anjos, mostrando que os “sinais da transcendência”
— poderosos e visíveis em épocas passadas — teriam sido reduzidos, nos tempos
modernos, a tímidos indícios, algo assim como o som das asas dos mensageiros
divinos.
Quase trinta anos depois, outro livro volta a falar de anjos, mas desta vez na
direção oposta à de Berger. Em Presságios do milênio: anjos, sonhos e imortali-
dade (1996), o ensaísta Harold Bloom expõe os exageros e contrafações desses
temas nas atuais práticas “esotéricas” ou “místicas” nos Estados Unidos, em
comparação com os contextos históricos do gnosticismo cristão, da cabala judaica
e do sufismo muçulmano, com os quais, segundo o autor, aquelas crenças estão
originariamente relacionadas.1
A julgar pela atual disseminação, em âmbito mundial, dessas e outras práti-
cas mais comumente agrupadas sob a genérica denominação de “esotéricas” —
fenômeno também conhecido como Nova Era, Conspiração Aquariana, Movi-
mento do Potencial Humano, Era de Aquário, Nova Consciência2 —, o delicado
rumor dos arautos do sobrenatural mudou de escala e subiu de tom. Agora, está
por toda parte: nos anúncios classificados de jornais e revistas, em lugar de
destaque nos estandes das livrarias e no topo das listas do mais vendidos, é tema
de talk-shows da televisão e de chats na internet, faz parte de selecionados mai-

9
lings mas também circula nos adesivos de automóveis, é divulgado em folhetos e,
finalmente, estava, na época, disponível na linha 0900 de serviços de telefone.
Ponto de confluência de elementos das mais diferentes tradições, esse con-
junto passou a abrigar uma ampla gama de produtos, atividades e serviços que vai
desde consultas a antigas artes divinatórias, passando por terapias não convencio-
nais e exercícios de inspiração oriental, até vivências xamânicas, técnicas de
meditação, cursos e workshops sobre crenças e sistemas filosóficos de várias
origens. Completa esse quadro a disseminação do consumo de artigos correlatos
como compact discs de New Age e world music, livros de auto-ajuda, produtos
orgânicos, incensos, cristais, pêndulos, imagens de anjos e duendes etc.
Há quem considere a difusão desses temas e o consumo a eles ligado um
fenômeno basicamente mercadológico. As impressionantes cifras associadas a
alguns títulos da literatura de auto-ajuda, assim como o sistema de consulta a
oráculos por telefone, amplamente anunciado na mídia, reforçam essa imagem.
Trata-se, para essa interpretação, de mais um modismo escapista e passageiro,
típico da sociedade consumista, induzido por uma bem montada estratégia de
marketing para vender uma linha específica de produtos.3
Outra posição diante de tais práticas é a de determinados órgãos corporati-
vos — conselhos profissionais geralmente da área da saúde — que vêem com
desconfiança a crescente procura pelas terapias “alternativas”. Apesar do reconhe-
cimento pelo establishment médico de algumas dessas técnicas, como é o caso da
acupuntura (aceita com reservas, desde que restrita a determinadas afecções e
aplicada ou supervisionada por certo tipo de profissional), a maioria delas é
considerada desprovida de base científica. Esse argumento, aliás, também é utili-
zado em certos setores da área jornalística e acadêmica para contestar a validade
das previsões da astrologia, dos efeitos da numerologia, das interpretações do
tarô, das cosmologias de base mítico-religiosa etc.
Sem entrar, por ora, no mérito da polêmica, cabe assinalar que muitas dessas
críticas consideram que tais oráculos, terapias e cosmologias fazem parte de um
mesmo bloco indivisível, sem diferenciações, e o público envolvido é encarado
como o protótipo do consumidor indiscriminado, leitor acrítico de livros de auto-
ajuda, seduzido por qualquer sistema dito alternativo e pronto a ver duendes em
toda parte.4
Um contato mais sistemático com esse universo, contudo, mostra que além
do consumidor ingênuo e crédulo existe um tipo mais exigente, informado e que
se dedica a alguns desses temas com outra atitude: não se podem, de imediato,
nivelá-los. Para poder avaliar o alcance dessa difusão, a real profundidade de sua
inserção e as bases sobre as quais se assenta é preciso, por conseguinte, ir além do
panorama desenhado pela mídia. Com tal propósito e seguindo as próprias pistas

10
dos anúncios veiculados nos meios de comunicação, coordenei a realização de um
levantamento inicial na cidade de São Paulo que permitiu elaborar uma primeira
listagem das instituições, espaços, associações, núcleos, centros e lojas dedicados
às diversas práticas oferecidas sob a designação de “místicas” ou “esotéricas”.5
O traço mais significativo no primeiro contato sistemático com a oferta
dessas atividades, produtos e serviços foi poder constatar, ao lado de sua diversi-
dade, a recorrência de alguns padrões com relação ao funcionamento, gerência,
periodicidade, recursos mobilizados e até programa arquitetônico dos espaços.
Assim, além da esperada salinha alugada para consultas e atendimento indi-
vidual, foram encontradas verdadeiras clínicas aparelhadas para o ensino e a apli-
cação de diversas técnicas terapêuticas; centros de estudos, dedicados principal-
mente a atividades de formação, ofereciam palestras, workshops e cursos para
uma clientela regular sobre os mais variados temas. Contando com recursos de
computação, muitos desses espaços dispõem ainda de equipamento capaz de pro-
duzir o material necessário para os cursos; alguns possuem gráficas ou editoras.
Nada mais distante, por conseguinte, do grupo informal e esporádico de
estudos sobre algum assunto hermético, de interesse apenas para uns poucos
iniciados.
Mas a lista continua: livrarias com amplo e variado estoque, farmácias espe-
cializadas, lojas com material para o exercício das diferentes especialidades
(óleos, essências, instrumentos) e outras com os já emblemáticos cristais e incen-
sos indianos, além de uma imensa variedade de itens de consumo para o público
em geral. Entrepostos de ervas medicinais e alimentos produzidos com base em
determinados princípios, assim como feiras de produtos hortigranjeiros cultivados
segundo as normas da agricultura orgânica, completam o quadro dos estabeleci-
mentos que oferecem a infra-estrutura e a necessária base de sustentação para as
atividades desse meio.
Agências de viagem anunciam pacotes com roteiros por “lugares sagrados”
em âmbito internacional (Machu-Picchu, no Peru; Mount Shasta, na Califórnia;
Varanasi, na Índia; Katmandu, no Nepal, entre outros) e nacional (São Tomé das
Letras — MG; Chapada dos Veadeiros/Alto Paraíso — GO), garantindo uma
forma de lazer que se pauta por outros princípios que não os do turismo conven-
cional. Algumas datas são celebradas de forma diferente, nesse circuito: as brin-
cadeiras de halloween, por exemplo, alheias ao calendário festivo nacional mas
recentemente introduzidas pelos incontáveis cursos de inglês espalhados pela
cidade, terminaram se transformando, em alguns casos, em celebrações do drui-
dismo celta, valorizando o feminino pela reivindicação da figura da bruxa; as
passagens do solstício e do equinócio, ocorrências de reduzida percepção no
contexto urbano, assim como as fases da lua, são motivo de rituais periódicos.

11
Toda essa atividade vai buscar sua fundamentação — às vezes de maneira
mais elaborada, às vezes na forma de um leve verniz — em alguns sistemas de
pensamento e religiões de origem oriental, em cosmologias indígenas, em corren-
tes espiritualistas, no esoterismo clássico europeu e até em propostas inspiradas
em certos ramos da ciência contemporânea; e não poucas vezes em todos eles,
simultaneamente, resultando em surpreendentes bricolages.
Trata-se, enfim, de um fenômeno de proporções, consolidado na cidade, que
mobiliza recursos, envolve pessoas, modifica comportamentos, inventa ritos e
propõe novas modalidades de uso do tempo livre. Diversificado, apresenta uma
série de nuances que impedem que seja tomado como um bloco, sob pena de
colocar num mesmo caldeirão realidades bastante diversas.
A primeira questão que se apresenta, então, é: apesar da inegável heteroge-
neidade — de práticas, propósitos, fundamentação —, o que é que caracteriza
esse fenômeno? É possível distinguir nele alguma unidade, podendo ser chamado
de sistema, ou mesmo de movimento? Apresenta-se como herdeiro ou depositário
de alguma corrente anterior, com a qual mantém uma linha de continuidade?
Um dos pontos de referência que praticamente todas as interpretações, nati-
vas e acadêmicas, costumam invocar para situá-lo é o movimento da contracultura
que, a partir dos anos cinqüenta, nos Estados Unidos, ensaiava alternativas ao
status quo — nos campos da política, da estética, da religião, dos costumes.6 Indo
um pouco para trás, pode-se também detectar nele a influência, entre outras, do
espiritualismo e da teosofia de fins do século XIX e, se se quiser, quando se pensa
numa gênese mais remota, é possível incluir, de períodos mais recuados, muitas
outras correntes e grupos ocultistas tanto do Ocidente como do Oriente. Contudo,
mais do que tentar refazer a trajetória dos múltiplos e intrincados caminhos que, a
partir das inesgotáveis fontes de antigas tradições, desembocaram no atual boom,
já nas décadas de 1980 e 1990, o que importa é reconhecer sua contemporaneida-
de e as dimensões que hoje ostenta.
Os desacordos, porém, começam já com a denominação, tanto entre os
praticantes quanto entre os analistas. No levantamento inicial foi possível consta-
tar a presença desde correntes de forte orientação religiosa até grupos reconheci-
damente agnósticos; sociedades iniciáticas, vinculadas ao esoterismo clássico e
práticas principalmente terapêuticas; academias dedicadas a práticas corporais
ligadas a tradições específicas como o hinduísmo ou o taoísmo. Que termo pode-
ria dar conta de toda essa diversidade?
Espaços mais ecléticos se autodesignam ora “esotéricos”, ora “místicos” —
termos consagrados na mídia, mas evidentemente já sem nenhuma relação com o
significado mais técnico que possuem no quadro dos estudos de religião. A deno-
minação “alternativo”, tributária ainda do movimento da contracultura, por deno-

12
tar um caráter de contestação a valores dominantes, como no caso de Ferreira
(1984), é mais comumente usada para qualificar práticas na área de saúde, como
faz Russo (1993), que no entanto prefere “complexo alternativo”; Tavares (1998),
citando Champion, fala em “nebulosa místico-esotérica” e também em “holísti-
co”; D’Andrea (1996), seguindo a tendência internacional mais difundida, empre-
ga “New Age” ou “Nova Era”, da mesma forma que Amaral (1998), a qual,
porém, para designar os espaços concretos, utiliza “holísticos”.
Neste livro mantenho a expressão que já utilizei anteriormente — “neo-
esotérico” — sendo que o prefixo neo cumpre a função de estabelecer a necessá-
ria diferença em relação a dois usos já consagrados da categoria esotérico: em
termos técnicos, no campo do estudo das religiões e sistemas iniciáticos. Esotéri-
co designa aqueles ritos ou elementos doutrinários reservados a membros admiti-
dos a um círculo mais restrito, opondo-se, assim, a exotérico, a parte pública do
cerimonial; o outro significado do termo é aquele empregado por Carvalho (1998)
e que poderia ser qualificado de esoterismo histórico.7
A expressão em sua forma composta (e na versão apocopada, neo-esô) tem a
vantagem de não ser usada por nenhum espaço, o que lhe empresta certa distância
do campo, sem contudo perder o poder evocativo dado pelo uso atual e generali-
zado do termo esotérico. Neste livro, não será utilizada para caracterizar especifi-
camente esta ou aquela instituição, atividade ou crença; aparecerá principalmente
em dois contextos: ao lado de “universo” ou outro termo similar, apontando para
um conjunto mais geral e ainda difuso de determinados valores, hábitos, discur-
sos, e como “circuito neo-esotérico”, nesse caso para designar a distribuição e a
articulação entre espaços e práticas concretas que de uma forma ou de outra
integram aquele universo.

2. As interpretações

Ainda que o movimento editorial gerado pelo fenômeno neo-esotérico seja


de grandes proporções, não são muitas as obras, de dentro do movimento, que
oferecem um quadro interpretativo mais global. Dentre estas, destaco as de dois
autores bastante conhecidos — Marilyn Ferguson (1980) e Fritjof Capra ([1975]
1995); ([1982] 1995 b) — apenas para apontar uma linha de interpretação bem
difundida e marcar a diferença com os enfoques de fora, de corte acadêmico.

13
Ferguson, jornalista, e Capra, escritor e ex-pesquisador na área de física de
alta energia, detectaram os inícios da onda, tendo-se dedicado a estabelecer elos
entre suas múltiplas manifestações e assim oferecer uma visão de conjunto. Fer-
guson fala em “conspiração” — o título do livro é A conspiração aquariana (op.
cit.) — e Capra, principalmente em O ponto de mutação (1995 b), refere-se à
emergência de uma nova consciência. Ambos tentam mostrar a ocorrência simul-
tânea — silenciosa, não combinada — de iniciativas e propostas que levam a uma
significativa mudança nos modos de pensar, sentir e relacionar-se, com conse-
qüências nos campos da ciência, política, saúde, religião.
Para eles, tratar-se-ia do surgimento de um novo paradigma que deixa para
trás velhos modos de encarar os contatos interpessoais, o trato com a natureza, a
produção do conhecimento e as relações com o sobrenatural. Resultado de encon-
tros entre Oriente e Ocidente, ciência contemporânea e antigas cosmologias, tra-
dições indígenas e novas propostas ecológicas, esse movimento é considerado de
caráter transnacional, suprarracial e interclassista — planetário, até — que anun-
cia o advento de uma nova consciência mundial e de uma nova era, já prevista
segundo alguns: a famosa Era de Aquário.
Esse cenário, que enfatiza o caráter harmônico, de totalidade e de comple-
mentaridade entre pólos opostos,8 contrasta com leituras de fora do movimento:
ao vinculá-lo a determinadas características das condições de vida modernas (ou
pós-modernas, conforme a periodização), estas últimas apontam mais para os
aspectos de individualismo, da fragmentação e da destradicionalização. Claro, há
nuances entre uma e outra posição, mas pode-se dizer que essa polaridade básica
reproduz-se (de forma mais elaborada ou mais ligeira) em todos os níveis da
discussão.
Tomando como referência apenas o panorama da produção nacional, verifi-
ca-se que as primeiras indagações, circunscritas ao campo de estudos da religião,
tinham como quadro de referência e pano de fundo o debate em torno do processo
de “secularização” seguido por movimentos de “reencantamento”. Um dos desdo-
bramentos dessa discussão, que constatava um revival do sentimento e práticas
religiosas após o período de desencantamento, foi a caracterização de um novo
campo religioso em termos de “mercado”. As práticas do circuito neo-esô, para
alguns, constituíam o exemplo mais bem acabado das regras desse mercado, no
qual cada consumidor, insatisfeito com as opções religiosas institucionalmente
predominantes, faria as escolhas sem maiores lealdades, seja com as origens ou
com os princípios de base das doutrinas e objetos selecionados, para compor seu
próprio kit de espiritualidade.
A literatura mais específica sobre o assunto é recente e ainda pequena:
alguns poucos livros, teses não publicadas, principalmente artigos e papers apre-

14
sentados em congressos e encontros. É possível, no entanto, distinguir dois con-
juntos de contribuições: um primeiro bloco constituído por autores que, mesmo
não se dedicando explicitamente ao tema aqui denominado neo-esoterismo, escre-
veram os primeiros ensaios, tendo o mérito de haver reconhecido e registrado sua
presença, sob diferentes denominações, no contexto brasileiro. Esses autores o
fizeram no interior dos estudos de religião, seu campo principal de atuação. Entre
outros podem ser citados Carlos Rodrigues Brandão, Luiz Eduardo Soares e José
Jorge Carvalho, cujos insights abriram espaço para os trabalhos de uma fase
posterior, oferecendo as primeiras pistas de interpretação. O que discutem é o
surgimento de novas respostas a uma situação de “crise das instituições produto-
ras de sentido”, para usar o termo empregado por Brandão (1994). Alguns, como
Carvalho, ressaltam o aspecto dissonante de certos arranjos, em comparação com
estilos de espiritualidade já consagrados (1992:147). Soares refere-se a uma
“nova consciência religiosa”, em resposta às condições de vida na modernidade e
em diálogo com elas: em seu citado artigo “Religiosos por natureza: cultura
alternativa e misticismo ecológico no Brasil”, afirma que “a nova consciência
religiosa parece ser, afinal, o último avatar do racionalismo moderno ocidental ou
a expressão mais radical de um de seus efeitos mais significativos” (1989:143).9
O campo fora reconhecido, mas ainda não constituído: o uso de termos
como “transumância”, “andarilho”, “nomadismo”, para designar o caráter fugidio
dessas novas opções no terreno religioso, denotava também a necessidade de
novas estratégias para lidar com um fenômeno mais recente que demandava pes-
quisas especificamente voltadas para ele: são essas pesquisas que constituem o
segundo bloco dos estudos voltados para temas do neo-esoterismo.
Estando ainda em seu início, é possível listar grande parte dos trabalhos
atualmente disponíveis: “A ciência dos mitos ou o mito da ciência”, estudo pio-
neiro de José F. Ferreira Neto (1984), sobre ufologia; “O mundo da astrologia”,
de Luiz Rodolfo Vilhena (1990); “O corpo contra a palavra”, sobre terapias
corporais, de Jane Russo (1993); “Relativismo mágico e novos estilos de vida”,
sobre literatura de auto-ajuda, de Patrícia Birmann (1993); “Mosaicos de si: uma
abordagem sociológica da iniciação no tarô”, de Fátima R. G. Tavares (1993);
“Nova Era: um desafio para os cristãos” de Leila Amaral et alii (1994); “Esotéri-
cos na cidade: os novos espaços de encontro, vivência e culto”, de José G. C.
Magnani (1995); “Bioenergética: uma abordagem etnográfica do corpo”, de Car-
mita Lima de Santana; “O self perfeito e a Nova Era: individualismo e reflexivi-
dade em religiosidades pós-tradicionais”, de Anthony D’Andrea, (1996); “O
buscador e o tempo: um estudo antropológico do pensamento esotérico e da
experiência iniciática na Eubiose”, de Antônio Carlos Fortis (1997), “Carnaval da
alma: comunidade, essência e sincretismo na Nova Era”, de Leila Amaral (1998);

15
“Alquimias da cura: um estudo sobre a rede terapêutica alternativa no Rio de
Janeiro”, de Fátima R. G. Tavares (1998).
Como se pode perceber, em se tratando de pesquisas concretas, os recortes
são mais específicos: alguns sobre sistemas oraculares e técnicas de cura, outros
sobre determinada prática ou sociedade iniciática; há também levantamentos so-
bre a disseminação do fenômeno e tentativas de buscar sua lógica interna, articu-
lando-o seja com a metrópole, seja com determinadas características da
contemporaneidade, pensada como “alta modernidade”, “modernidade tardia” ou
“pós-modernidade”, conforme a linha ou autores adotados.10 Os quadros interpre-
tativos, conquanto levem em conta a dimensão religiosa, já não se circunscrevem
a ela, pois fatores de caráter mais geral, principalmente a questão da reflexivida-
de, a presença de uma “cultura psicológica” preexistente, a emergência do pensa-
mento ecológico, entre outros, são incorporados à análise.

3. A proposta deste livro

A contribuição mais imediata do conjunto dessas pesquisas — para além da


diversidade dos recortes empíricos e das orientações seguidas — foi demarcar o
campo e mostrar sua especificidade com relação aos temas e enfoques habituais
nas ciências da religião que forneceram os primeiros quadros explicativos. Todas
compartilham o pressuposto de que, contrariamente ao que diz o senso comum,
não se está diante de um mero fenômeno de mercado e, diferentemente do que
algumas das primeiras interpretações deixavam entrever, não se trata de um “caos
semiológico”, um mosaico indigesto e sem sentido: parece haver alguma ordem
nesse ruído todo, sendo necessário, para detectá-la e descrevê-la, desenvolver uma
estratégia específica de pesquisa.
Da mesma forma que os demais estudos, o presente livro também reconhece
a heterogeneidade constitutiva do fenômeno neo-esotérico, tendo percebido a
partir de um primeiro contato que não se tratava de algo fútil, descartável, facil-
mente rebatido com dois ou três lugares-comuns sobre a objetividade da ciência
versus a credulidade do público. O grau e as formas de adesão, a extensão do
negócio e, por fim, a capacidade de gerar comportamentos mostram que se está
diante de algo que vai além de um mero modismo passageiro sujeito às escolhas
aleatórias de cada consumidor tomado individualmente.

16
Com efeito, por meio da observação sistemática, notou-se a ocorrência de
determinadas regularidades — na implantação e distribuição dos espaços, nas
normas de funcionamento, no calendário das atividades e até num discurso de
base. A pesquisa buscou, então, um enquadramento para o entendimento do fenô-
meno, procurando pistas não tanto pelo viés negativo — como resposta à suposta
falência das religiões institucionalizadas ou à crise de “instituições produtoras de
sentido” — mas na própria positividade do movimento, percebido como gerador
de comportamentos coletivos, no contexto da cidade. O que o diferencia de outros
trabalhos é que neste caso se pretende determinar sua lógica, não a partir de
características internas ao movimento, mas dos vínculos e pactos que estabelece
com a dinâmica cultural em que está inserido — com o ritmo, as instituições e a
paisagem da metrópole.11
A pergunta inicial foi suscitada por uma constatação empírica: ao término
de um estudo sobre formas de lazer e sociabilidade na metrópole paulistana,12
chamaram a atenção as atividades de certos personagens como cartomantes, adi-
vinhos, tarólogos, que se supunha atuarem em recintos fechados e de forma
privada, em plena atuação em viadutos do centro, em praças e em lojas em bairros
de classe média; afinal de contas, tais práticas diziam respeito a indagações sobre
o futuro, tratavam do destino, da saúde e de problemas espirituais do consulente
— ou ao menos era o que seus oficiantes apregoavam. E, no entanto, eram
realizadas no espaço público ou em contextos pouco afeitos ao mistério, recolhi-
mento e privacidade, como era possível comprovar principalmente no chamativo
caso das “feiras místicas” montadas em parques, shopping centers, praças e clu-
bes.
Observando mais de perto, verificou-se que, além dessa surpreendente visi-
bilidade, mudara também seu sistema de funcionamento: a maneira como muitos
desses serviços estavam sendo oferecidos contrastava com o estilo habitual — o
contato pessoal com a cartomante atendendo em sua própria casa, ou com o
adivinho, no recesso de uma sala escura e repleta de objetos misteriosos. Agora
era diferente: a leitura das cartas, a interpretação do I-Ching, o alinhamento dos
chakras, a prática de yoga, a aplicação do do-in e outras tantas atividades que
integram, de forma genérica, o caldeirão das práticas neo-esotéricas, finalmente
se modernizavam: seus praticantes não desdenham equipamentos, condições e
técnicas, como computação, marketing, terciarização, franchising, comuns a qual-
quer das atividades de prestação de serviços nos grandes centros urbanos. O
neo-esoterismo virara empreendimento (micro) empresarial!
Tratava-se, sem dúvida, de mudanças significativas e se, para muitos, essa
modernização e mercantilismo redundam na perda de aura e mistério, para a
pesquisa, contudo, constituíram valiosos indícios na busca de uma via explicativa

17
nova. Começava a ganhar corpo uma hipótese apontando para a emergência de
novos padrões de comportamento no contexto da cidade e em consonância com
determinadas tendências da vida contemporânea.
Com efeito, ao assumir abertamente e sem rebuços essas atitudes, os usuários
atuais afastam-se dos antigos moldes, de acordo com os quais uma consulta a
cartomantes, xamãs, adivinhos, feita de maneira clandestina ou envergonhada, era
vista como uma regressão a práticas primitivas. Por outro lado, já não se estava
propriamente diante de atividades “alternativas”: instaladas em espaços próprios,
em processo de legitimação institucional e com forte presença na mídia, encon-
tram-se já incorporadas no dia-a-dia e na paisagem das grandes metrópoles.
Em suma — não obstante a primeira impressão produzida pela notável
amplitude, fragmentação e variabilidade do universo das crenças e práticas neo-
esôs —, quando se olhava o fenômeno desse outro ângulo, o das condições atuais
de implantação na cidade, o panorama era outro. Em vez de lugares inacessíveis,
freqüentados de forma esporádica por uma clientela difusa, o que se constatava
era a oferta regular de determinados bens e serviços em endereços bem localiza-
dos, para um público consumidor formado por pessoas escolarizadas, de bom
poder aquisitivo (condições necessárias, aliás, para manter o consumo de itens
caros e sofisticados), sensíveis ao argumento da qualidade de vida e interessadas
por temas tão diversos, como filosofias orientais, ecologia, valorização do femini-
no, terapias soft.
Tornou-se factível, então, postular que a regularidade dessa oferta, em ter-
mos de implantação espacial, regras de funcionamento, periodicidade, é a base
sobre a qual se desenvolvem e consolidam comportamentos que, longe de serem o
resultado de meras escolhas individuais, conformavam um determinado estilo de
vida claramente reconhecido, com valores, padrões de consumo e formas de
sociabilidade peculiares cultivado preferencialmente dentro de um novo conceito
de utilização do tempo livre.13
Diante do heteróclito e cosmopolita universo dessas práticas — que iam da
crença em duendes nórdicos ao uso de florais canadenses; do consumo de incenso
indiano à prática da acupuntura chinesa; da meditação tibetana ao shiatsu japo-
nês; dos livros de auto-ajuda americanos ao xamanismo siberiano; da bruxaria
celta aos rituais dos índios da Amazônia —, surgia a preliminar e básica pergunta:
por onde começar?
Os passos iniciais da pesquisa foram dedicados à busca de um primeiro,
ainda que provisório, ordenamento. Integram essa etapa o mapeamento, na cidade
de São Paulo, dos espaços onde tais práticas são oferecidas, a descrição do pro-
grama arquitetônico de alguns estabelecimentos-tipo, sua classificação em grupos

18
a partir dos objetivos, bem como normas de funcionamento e natureza do produto
ou serviço que oferecem.
A partir de um contato mais próximo com os espaços e as práticas, foi
possível, então, detectar e descrever as regularidades que estão na base de seu
funcionamento e organização, distribuição no tempo e no espaço e também no
discurso que lhes serve de fundamento. Finalmente chegou-se ao perfil dos usuá-
rios — desde o tipo mais erudito até o consumidor ocasional — em busca de
padrões que permitem explicar seu comportamento em termos de “estilo de vida”,
tendo como fundamento uma matriz discursiva comum e como base de sustenta-
ção os “circuitos” e “trajetos” que se recortam na paisagem da cidade.

19
Notas

1. “Nossas indústrias em desenfreado florescimento de culto aos anjos, ‘experiências de


quase morte’ e astrologia — redes de adivinhação de sonhos — são versões em massa de
um gnosticismo adulterado ou travestido (...). A comercialização da angelologia e das
mistificações das viagens fora do corpo junta-se apropriadamente à história secular da
astrologia e da adivinhação de sonhos mercantilizadas.” (Bloom, 1996: 32, 33)
2. Essas denominações não são sinônimos, tendo surgido em diferentes momentos, desig-
nando assim várias nuances do fenômeno. (Cf. Heelas, 1996; Carozzi, 1998). Recente-
mente entrou em voga uma nova denominação, Next Age, em substituição à anterior e
supostamente já desgastada New Age. Segundo Luís Pellegrini (1998) essa mudança não
passa de um novo rótulo justamente para os excessos — principalmente o mercantilismo,
o consumismo, o cultivo do ego — cometidos sob a égide da New Age. O mesmo vale
para o fenômeno designado como millies, nos Estados Unidos, mote midiático referido à
próxima virada do milênio e ligado à moda, consumo e comportamento, com vagas
referências à “espiritualidade”, “busca de equilíbrio” etc. Folha de S. Paulo, 21 mar. 1998.
3. Além do sucesso editorial de Paulo Coelho (o grande ícone, tanto para os entusiastas
como para os críticos dessa literatura), com seus 20 milhões de livros vendidos até agora
— para citar apenas o nome mais conhecido —, cabe mencionar os inúmeros serviços
telefônicos do tipo “disque-0900” que oferecem consultas e orientações baseados na
numerologia, astrologia, tarô, baralho cigano, runas etc. Segundo matéria publicada na
Revista da Folha, em 14 set. 1997, o porto-riquenho Walter Mercado contabiliza em torno
de 50 milhões de chamadas em 23 países, incluindo o Brasil, movimentando em torno de
US$ 150 milhões. A empresa dos discípulos de Omar Cardoso, entre muitas outras,
também mantém um serviço similar, e seu disque-0900 registra 30 mil ligações por mês.
4. Algumas dessas análises tomam como referência ou objeto de suas críticas certas
facetas veiculadas de forma caricata, como a do já citado Walter Mercado e o bordão
“ligue djá” de seu serviço de consultas por telefone, ou as representações de duendes
calcadas nas imagens infantis dos contos populares. Ainda que façam parte do circuito que
está sendo estudado, não podem ser tomadas como representativas nem do complexo tema
dos sistemas oraculares, num caso, nem, no outro, dos “elementais”, presentes sob formas
diferentes mas de maneira recorrente em várias tradições, sagas e mitos.
5. Ver, mais adiante, capítulo I.
6. E que deu origem à great rucksack revolution dos anos 60, conforme expressão cunhada
por Jack Kerouac (1958).

20
7. “(...) um tipo particular de esoterismo que passou a ser construído no Ocidente sobretu-
do a partir do século XVII, que se expandiu durante o apogeu do Iluminismo e que veio a
culminar com os grandes movimentos orientalizantes e espiritualistas da segunda metade
do século XIX” (Carvalho, 1998:56). O emprego do termo “neo-esoterismo”, contudo,
não configura nenhuma novidade, tendo sido usado por vários autores e em diferentes
contextos, tais como debates, colóquios etc. Martelli (1995), por exemplo, também recorre
a ele, tomando-o emprestado de Berzano (1989). Este último distingue um esoterismo a
que chama de “residual”, ligado a formas tradicionalistas e contraculturais, de outro, o
qual então denomina “neo-esoterismo, (...) portador de instâncias críticas em relação às
capacidades da ciência em responder aos desafios do presente” (apud Martelli, 1995, p.
408). Em Morin (1972:278) — agradeço a Silas Guerriero pela referência — também se
encontra o termo “neo-esoterismo”, ainda que esse autor empregue preferencialmente a
expressão “nova gnose”. Já Berger (1973 [1968] p.118) fala em “neomisticismo” para se
referir a uma mescla de espiritualidade e psicoterapia; Terrin (1996:22) também recorre à
partícula “neo” antecedendo “xamanismo” com o propósito de chamar atenção para algu-
mas características, atuais, de determinadas práticas agrupadas sob essa denominação.
8. Nos moldes de uma “metanarrativa”, segundo a expressão de Lyotard (1989:72).
9. As contribuições desses autores deram-se principalmente a propósito ou por ocasião de
encontros que terminaram em coletâneas. Os títulos são sugestivos: “Sinais dos tempos:
seitas no Brasil” (1989); “Sinais dos tempos: tradições religiosas no Brasil” (1989); “Di-
versidade religiosa no Brasil” (1990); “O impacto da modernidade sobre a religião”
(1992), todos promovidos pelo ISER. “Misticismo e novas religiões” (1994), promoção da
PUC/SP e IFAN e, finalmente, na USP: “Dossiê magia” (1996). Cabe lembrar o texto “La
Croyance aux Parascienses: de nouvelles formes de religiosité?” de Eduardo Diatahy B.
de Menezes (1989-90).
10. No encontro “VII Jornadas Alternativas Religiosas na América Latina” (São Paulo, 22
a 25 de setembro de 1998) foi possível ampliar esse quadro, com a apresentação de papers
sobre práticas no Distrito Federal e Recife; primeiros resultados de novas pesquisas em
Goiás, Rio de Janeiro, São Paulo além de contribuições vindas da Argentina. A quantidade
de trabalhos propostos nesse encontro, classificados na rubrica “Esoterismo/Nova Era”, dá
uma idéia do interesse que o tema vem despertando como objeto de pesquisa: 48, sobre
um total de 191. Em segundo lugar vinham trabalhos sobre religiões evangélicas (40),
depois catolicismo (29); afro-brasileiras (28); outras religiões (25) e trabalhos de caráter
geral (21). Fonte: Secretaria das VII Jornadas. Ao final, na bibliografia, estão as referên-
cias aos principais trabalhos apresentados nas mesas-redondas dedicadas a temas da Nova
Era.
11. O que não significa que pesquisas claramente situadas no campo de estudos de
religião não possam buscar esse tipo de relação com o contexto e práticas urbanas. Ver, a
propósito, “Povo-de-santo, povo de festa: estudo antropológico do estilo de vida dos

21
adeptos do candomblé paulista”, de Rita de Cássia de Mello Peixoto Amaral (1992), e “Os
orixás da metrópole”, de Vagner Gonçalves da Silva (1995).
12. J.G.Cantor Magnani — “Os pedaços da cidade” — Relatório final CNPq, 1991; Na
metrópole: textos de antropologia urbana (co-org., com Lilian de Lucca Torres), EDUSP
(1996).
13. Segundo o projeto de pesquisa “Espiritualidade em ritmo metropolitano: os novos
espaços de encontro, vivência e culto na cidade” (Magnani, 1994), o objetivo da pesquisa
era (...) “identificar e analisar a emergência de padrões de comportamento que, como
hipótese, começam a caracterizar significativamente a oferta e procura de bens na área das
práticas mágico-esotéricas no contexto das grandes cidades, instituindo modos ou estilos
de vida diferenciados. De ‘alternativas’, essas práticas passam cada vez mais a disputar e
ocupar um espaço visível e legítimo, organizando-se, para tanto, em moldes empresariais,
procurando alianças com outras instituições já estabelecidas e buscando um discurso de
fundamentação próprio”.

22
1
Os espaços

Segundo a hipótese inicial que norteou a pesquisa, as atividades do circuito


neo-esotérico, tal como foram identificadas no contexto da metrópole, não são o
resultado de iniciativas individuais e atomizadas nem respondem a uma demanda
aleatória, difusa ou clandestina, circunscrita aos limites restritos de uma relação
pessoal entre adivinho e consulente. Ao contrário, desenvolvidas em termos pro-
fissionais e realizadas de maneira constante, apresentam formas de implantação
plenamente reconhecíveis na paisagem urbana, configurando uma extensa rede
constituída por espaços, agências, publicações, encontros, congressos, treinamen-
tos intensivos e forte presença na mídia.

1. Mapeamento e classificação

A primeira e necessária providência para ter acesso a tal rede e avaliar seu
alcance foi elaborar um levantamento das instituições, espaços, associações, nú-
cleos, centros e lojas dedicados a essas práticas. A listagem obtida,1 que numa
primeira versão reuniu mais de mil endereços, foi elaborada a partir das seguintes
publicações: o semanário dominical Shopping News que mantinha uma coluna,
“Vida Alternativa”, com temas e anúncios de serviços na área do neo-esoterismo
(foram compulsadas 55 edições, anos 1990 e 1991);2 o suplemento semanal São

23
Paulo da revista Veja (item “Esotéricos” dos classificados, de março de 1990 a
maio de 1992); a revista Agenda Alternativa (julho, agosto e outubro de 1991;
fevereiro, abril, maio e junho de 1992). Outra fonte de informações foi o próprio
trabalho de campo que permitiu colher endereços a partir dos folhetos, prospec-
tos, folders, cartazes, agendas e cartões de visita expostos e distribuídos nos
diferentes espaços visitados.
A listagem inicial fornecia uma primeira aproximação que, evidentemente,
precisava ser trabalhada até constituir uma peça mais confiável. Após uma série
de revisões chegou-se ao número de 842 endereços, resultado que continua longe
de ser definitivo, pois alguns desses espaços surgem e desaparecem muito rapida-
mente: a lista precisa ser atualizada constantemente.3
Foram estabelecidos três cortes, agrupando os diferentes distritos de acordo
com o número de ocorrências de espaços dedicados ao neo-esoterismo: Vila Mariana
(103 espaços), Pinheiros (86), Jardins (84) e Perdizes (61) constituem o primeiro
grupo; em seguida vêm Moema (47), Campo Belo (40), Itaim Bibi (35), Santana
(30), Consolação (26), Saúde (22), Santo Amaro (20), Ipiranga (19), Sé (19),
República (18) e Bela Vista (18), constituindo o anel intermediário. Jabaquara
(15), Lapa (14), Liberdade (14), Tatuapé (11), Mooca (10), Santa Cecília (8),
Belém (7), Butantã (6), Cambuci (6), Cidade Ademar (6), Vila Prudente (6),
Morumbi (5), Alto de Pinheiros (4), Raposo Tavares (4) e Vila Sônia (4) formam
o último grupo, desprezando-se, para efeitos de consignação no mapa, os demais
bairros com ocorrências inferiores a três espaços.4
É interessante observar que o núcleo mais denso não cobre propriamente o
centro da cidade, mas quatro bairros — Perdizes, Pinheiros (direção oeste), Jar-
dins, Vila Mariana (direção sul) — caracterizados como de classe média e média
alta, amplamente providos de serviços e equipamentos urbanos. A área que apare-
ce em segundo lugar em número de ocorrências abrange o Centro (Sé, Consola-
ção, República), mais alguns bairros antigos (Ipiranga, Bela Vista) e outros
(Moema, Campo Belo, Itaim Bibi), de classe média e média alta.
Com a finalidade, porém, de ir além da mera localização e introduzir um
segundo princípio de ordem diante da impressão inicial marcada pela heteroge-
neidade de propósitos, crenças e rituais que caracteriza o universo do neo-esote-
rismo, os estabelecimentos listados foram submetidos a uma primeira e provisória
classificação, levando-se em consideração os objetivos a que se dedicam, as nor-
mas de funcionamento interno e o produto que oferecem. Dessa forma, foram
identificados cinco grupos: Grupo I — Sociedades Iniciáticas; Grupo II — Cen-
tros Integrados; Grupo III — Centros Especializados; Grupo IV — Espaços Indi-
vidualizados; Grupo V — Pontos de venda. Os 842 espaços estavam distribuídos
de acordo com esta classificação:

24
Vila Mariana, Pinheiros,
Jardins, Perdizes
Moema, Campo Belo, Itaim
Bibi, Santana, Consolação,
Saúde, Santo Amaro, Ipiranga,
Sé, República, Bela Vista
Jabaquara, Lapa, Liberdade,
Tatuapé, Mooca, Santa Cecília,
Belém, Butantã, Cambuci,
Cidade Ademar, Vila Prudente,
Morumbi, Alto de Pinheiros,
Raposo Tavares, Vila Sônia

Mapa dos espaços neo-esôs no município de São Paulo — 1990-92

25
Grupo I 36 4,28%
Grupo II 109 12,95%
Grupo III 131 15,56%
Grupo IV 261 31,00%
Grupo V 284 33,73%
(Outros) 21 2,48%
Total 842 100,00%

Grupo I — Sociedades Iniciáticas: caracterizam-se por apresentar um sis-


tema doutrinário com base em princípios filosófico-religiosos definidos, com um
corpo de rituais próprios e níveis de iniciação codificados; possuem graus de
hierarquia interna, que permitem estabelecer, ao menos, a distinção entre o con-
junto de seguidores e os mestres/dirigentes. Muitas delas são filiais, adaptações
ou criações locais inspiradas em instituições com sede ou origem no exterior.
Fazem parte deste grupo, entre outras, as seguintes instituições: Sociedade Teosó-
fica no Brasil, Sociedade Brasileira de Eubiose,5 Sociedade Antroposófica, Or-
dem Rosacruz AMORC, Sociedade Internacional Rosacruz Áurea, Círculo Eso-
térico Comunhão do Pensamento.
O grupo é constituído basicamente por entidades que se inserem numa linha
de continuidade, algumas com o movimento teosófico-espiritualista do século
XIX e outras com as sociedades secretas da franco-maçonaria do século XVIII.6
Anteriores ao atual boom do neo-esoterismo e produtoras de sínteses doutrinárias
próprias, constituem pontos de referência para muitos participantes do universo
neo-esô, alguns dos quais foram nelas iniciados.7
Mesmo desprovidas do elemento iniciático que caracteriza esse conjunto,
mantêm alguma relação com ele determinadas instituições que apresentam ao
mesmo tempo um caráter propriamemente religioso e certas semelhanças e proxi-
midade com o meio neo-esô. De fundação recente e com formas de gerenciamen-
to e organização interna mais modernas, cultivam, entre outras características, o
ideal da prosperidade, a busca do auto-aperfeiçoamento, a preocupação com a
ecologia, a qualidade de vida etc.8
Cabe uma observação especial com relação ao budismo: apesar de sua ine-
gável e importante influência sobre vários integrantes do circuito neo-esotérico,
enquanto instituição religiosa não foi incluída no universo do presente estudo. A
pesquisa de campo, conquanto presente em atividades desenvolvidas em alguns
dos inúmeros centros, escolas e templos das variadas linhagens e procedências
(tibetana, chinesa, japonesa etc.), não teve a pretensão de tomá-las em sua relação

26
com o arcabouço institucional e doutrinário budista, já que isso teria exigido uma
linha de análise que fugia ao enquadramento da pesquisa.9
Grupo II — Centros Integrados: são aqueles que reúnem e organizam,
num mesmo espaço, vários serviços e atividades, como consultas a algum dos
diferentes sistemas oraculares, terapias e técnicas corporais alternativas, palestras
e cursos de formação, venda de produtos, vivências coletivas. Não apresentam um
corpo doutrinário fechado, mas fundamentam suas escolhas (no campo editorial,
no leque de serviços que oferecem, na linha de produtos que vendem) com base
em uma corrente em particular ou num conjunto de discursos mais ou menos
sistematizado, podendo, contudo, combinar elementos de várias tendências filosó-
ficas, religiosas e esotéricas clássicas.
Gerenciados em moldes empresariais — muitos deles são microempresas —,
têm como base o trabalho de profissionais da casa (geralmente são os proprietá-
rios), mas abrem espaço para atuação permanente ou esporádica de pessoal de
fora.10 “Iluminati — Centro de Desenvolvimento Humano”; “Espaço Cultural
Tattva Humi”; “Triom — Centro de Estudos Marina e Martin Harvey: Livraria,
Editora, Cursos”; “Espaço Astrolábio”, “Imagick”, entre outros, podem ser consi-
derados integrantes do Grupo II.
Grupo III — Centros Especializados: incluem associações, institutos, es-
colas, academias e clínicas voltados para pesquisa e ensino de algum tema especí-
fico, assim como treinamento e/ou aplicação de algumas das técnicas
correspondentes: dança, artes marciais, artes divinatórias, práticas terapêuticas.
Podem comportar mais de uma atividade, mas a principal é que dá o nome:
“Associação Palas Athena — Centro de Estudos Filosóficos”; “Paz Géia — Insti-
tuto de Pesquisas Xamânicas”; “Ceata — Centro de Estudos de Acupuntura e
Terapias Alternativas”; “Espaço A.M.OR — Associação de Massagem Oriental
do Brasil”.
As instituições deste grupo, classificadas pela atividade que oferecem, seja o
ensino de temas específicos, sejam o treinamento e a aplicação de técnicas parti-
culares, não se diferenciam dos espaços definidos no grupo anterior na sua forma
de organização, estilo de gerenciamento e dinâmica interna. Apesar da especiali-
zação, característica que formalmente as distingue dos Centros Integrados, na
prática oferecem também outros serviços de forma complementar. Nos termos da
implantação física e dos vínculos de sociabilidade que seus freqüentadores termi-
nam criando, muitas delas aproximam-se do modelo do Grupo II.
Grupo IV — Espaços Individualizados: são aqueles que oferecem alguma
das mais conhecidas modalidades de práticas neo-esotéricas, a cargo de uma ou
duas pessoas, mas sem uma identificação particular ou proposta mais geral. Não
apresentam uma linha doutrinária ou arranjo específico no interior do universo do

27
neo-esoterismo, nem organização gerencial, e sim uso comum das instalações,
quando se trata de mais de um profissional. Exemplos: “Faz-se mapa astrológico:
Marlene”; “Liu Chi Ming, José Domingos Resende: Acupuntura e massagem”;
“Michelle e Henri Feldon: cura através dos chakras”; “Quirologia, consultas indi-
viduais com Celi Coutinho”; “Tânia e Mauro: Shiatsu”. “Pela primeira vez nesta
cidade: Dona Laura, búzios e tarô”; “Profª. Milena: Astrologia, Grafologia, Búzi-
os e Tarô”.
Este grupo, o segundo maior na listagem inicial (261 casos, o que corres-
ponde a 31% do total), constitui a forma mais simples e menos dispendiosa de
exercício das práticas neo-esotéricas: inclui os numerosos casos em que duas ou
mais pessoas apenas compartilham um espaço (algumas salas, por exemplo) para
atender a seus clientes e os casos mais numerosos ainda de atendimento individu-
al, na própria residência do especialista. Abrange a legião de cartomantes, viden-
tes, “sensitivas”, quiromantes,11 e até pais e mães-de-santo, ekédis e ogãs que
jogam búzios. São práticas oferecidas e encontradas em todo o espaço da cidade
por uma rede informal de circulação de informações que inclui principalmente
folhetos, simples cartões de visita deixados em painéis de avisos de centros
maiores, “por ouvir dizer”, recomendação de amigos.
Tais atividades apresentam, pois, uma série de características que não só
justificariam sua inserção num grupo especial como também apontam problemas
bastante específicos, sendo um deles sua aproximação com o universo da religio-
sidade popular.12 Na outra ponta deste grupo, todavia, podem ser encontrados
estudiosos e pesquisadores de algum ramo esotérico que até fazem atendimentos,
mais por hobby do que por necessidade de profissionalização.
Grupo V — Pontos de venda: em virtude de seu caráter claramente comer-
cial, são os que mantêm com o universo do neo-esoterismo uma relação mais
instrumental e pragmática que doutrinária. Apesar dessa característica, não se
pode descartar, em muitos desses espaços, um genuíno interesse e envolvimento
de seus proprietários ou funcionários pelos aspectos filosófico-espirituais do
ramo, o que se manifesta na forma de aconselhamento e indicações de uso.
Importantes livrarias do circuito neo-esotérico, como a Spiro e a Zipak, não
apenas vendem livros ou oferecem algum tipo de orientação ao consumidor:
servem de contato entre profissionais e seus clientes, promovem palestras, divul-
gam eventos, organizam vivências.
Este é o grupo mais numeroso, registrando 284 ocorrências, que correspon-
dem a 33,73% do total. É constituído por livrarias, farmácias homeopáticas e de
ervas, agências de turismo eco-esotérico e produtoras de eventos, feiras e entre-
postos de produtos orgânicos, lojas de comercialização de instrumentos e insumos
de trabalho, imagens, incenso, talismãs, fitas de música new age etc. Exemplos:

28
“Bioaccus, Comércio de Produtos Terapêuticos Ltda. — Materiais de Acupuntura
em geral”; “Distribuidora de Produtos Esotéricos”; “Shopping Mágico Alemda-
lenda”; “New Age Viagens e Turismo”; “Mundo Verde: produtos naturais-dietéti-
cos-esotéricos”; “Sankar Sana — Distribuidora de Artigos Indianos”.
Por fim, cabe reiterar que essa classificação em cinco grupos é aproximati-
va, pois nem sempre os estabelecimentos concretos, em sua diversidade e poliva-
lência, se encaixam clara ou exclusivamente neste ou naquele item; sua finalidade
é introduzir um primeiro princípio de organização e estabelecer um quadro inicial
de referência. Neste, os Centros Integrados ocupam um lugar especial por reuni-
rem, num só espaço, características específicas de todos os demais, razão pela
qual foram privilegiados como objeto de observação. A partir da observação mais
próxima de alguns deles foi possível apreender o ambiente, o “clima”, desses
espaços que, apesar de diferentes, apresentam uma aura particular, para usar um
termo corrente no meio. Concorrem para a produção desse clima especial a distri-
buição dos espaços internos, a etiqueta e normas de uso.

2. A dinâmica interna

O primeiro aspecto observado foi o tipo de edificação ocupada pela maioria


dos Centros Integrados (Grupo II) e por muitos do Grupo III. Já a partir do
levantamento inicial pôde-se constatar que os espaços desses grupos geralmente
funcionam em casas térreas e sobrados; as plantas baixas e elevações de alguns
deles mostram sobrados com aproximadamente 150 m² de área, de três dormitóri-
os, duas salas, copa e cozinha. É um tipo de edificação ainda marcante na paisa-
gem de alguns bairros de classe média paulistanos, sobretudo nas regiões sul e
oeste. Em razão do novo uso, foram reapropriados e reorganizados de acordo com
as necessidades ditadas pelas práticas neo-esotéricas, embora as reformas não
tenham implicado alterações físicas de caráter estrutural.
O espaço interno apresenta a seguinte disposição: a) sala de recepção,
loja/livraria; b) balcão para chá/café/lanches; c) auditório/salão para práticas cole-
tivas; d) saletas para atendimento; e) biblioteca, no caso dos centros maiores. Esse
programa responde à principal característica dos Centros Integrados que se dedi-
cam a várias atividades no campo do neo-esoterismo, pela combinação de cursos,
palestras, vivências, tratamentos terapêuticos, venda de produtos. Percebe-se um

29
Fachada do Aruna-Yoga

30
Planta do Aruna-Yoga

31
gradiente desde a área mais pública da recepção, onde o amplo painel informa a
programação do mês, passando para o espaço dedicado à venda de livros, objetos,
fitas etc., em direção ao auditório, amplo e equipado para palestras e cursos.
Na parte mais interna — nos fundos, ou, quando se trata de sobrado, no
pavimento superior, em lugar dos antigos dormitórios — encontram-se as saletas
de atendimento. As janelas são mantidas fechadas e a iluminação é do tipo regulá-
vel: a penumbra e o silêncio constituem as condições ambientais para a correta
aplicação e o devido aproveitamento das técnicas.
Existe toda uma etiqueta condizente com essa reordenação de espaços e
funções. Na recepção pode-se sentar, conversar; o movimento é mais livre, favo-
recendo o clima de encontro e sociabilidade. Mas no antigo setor social da casa,
agora dedicado a vivências e rituais, ou nas salas de atendimento do andar supe-
rior, muda o comportamento. Região liminar da casa, a recepção ainda abriga um
pouco de tudo o que se faz lá fora (conversas, luz mais intensa, agitação); no
espaço considerado interno, entretanto, uma nova postura é solicitada: tiram-se os
sapatos, cessa a conversa. Ultrapassado o limite que deixa para trás o exterior, a
luz diminui até chegar à penumbra — o equivalente ao silêncio na fala e no andar.
O espaço mobiliado torna-se espaço vazio e o corpo muitas vezes tem de acomo-
dar-se ao chão ou à almofada em vez de à cadeira:
“Nessa primeira parte do sobrado as luzes são intensas, pode-se falar normalmente e
até rir sem estardalhaço. No entanto, ao passarmos pela porta da recepção que
conduz ao restante da casa, nota-se imediatamente a mudança. Entramos em um
corredor com meia-luz e forte cheiro de incenso. Deixamos nossos sapatos, bolsas e
mochilas na sapateira e nos cabides sob a escada que leva ao andar superior. Ana
Terra nos convida a entrar na sala madeira, a sala das aulas de todos os cursos. Cada
sala tem o nome de um dos elementos da natureza (água, terra, fogo, ar), que para
adeptos da massagem oriental inclui a madeira, relacionada ao fígado.”13
Em resumo, na área interna, ao contrário do que ocorre com o uso habitual
do espaço, que em parte subsiste na recepção, imperam o silêncio, a penumbra, o
vazio, o aroma de incenso, produzindo um clima de paz e recolhimento, em
contraposição à fala, ao cheio, ao ruído e ao movimento que preenchem, na
experiência diária, o espaço construído.14
Com relação ao funcionamento interno, um bom número de Centros Inte-
grados e Especializados tem registro de microempresa. Além dos funcionários
administrativos, contam com profissionais “da casa” — os responsáveis pelos
cursos de formação ou pela prática terapêutica que constitui a pièce de resistance
do espaço —, mas recebem e promovem a participação de pessoal de fora. Infor-
matizados, dotados de infra-estrutura capaz de produzir e editar ao menos materi-
al informativo, de publicidade e apostilas, muitos deles contam até com editoras.

32
Com relação aos serviços oferecidos, a pesquisa pôde perceber que uma das
características que diferenciam os Centros Integrados dos demais grupos é justa-
mente a de oferecer atividades de todos ou quase todos os conjuntos em que estão
subdivididas as práticas neo-esotéricas.15 Mesmo no caso dos Centros Especiali-
zados, a maior ou menor ênfase nesta ou naquela prática dependerá da forma
como cada instituição elabora sua proposta: pode estar, por exemplo, centrada
numa linha mais formativa, de estudo e pesquisa (palestras, cursos regulares,
seminários, oficinas), como é o caso da “Associação Palas Athena — Centro de
Estudos Filosóficos”, que apresenta uma ampla biblioteca (9 mil títulos), possui
um centro editor responsável pela revista semestral Thot, livros16 e um informati-
vo das atividades. Apesar desse enfoque, entretanto, não descura práticas como
yoga, tai-chi-chuan, lian gong, meditação.
Já o “Espaço Cultural Tattva Humi”, tipicamente um Centro Integrado, mais
eclético, oferece cursos, que se dividem em “terapêuticos” (cura prânica; reiki;
massagem bio-psíquica); “esotéricos” (baralho cigano; energização dos mestres e
dos anjos; técnicas de iniciação do Antigo Egito) e “científicos” (projeção extra-
física; neurolingüística; alquimia ambiental); mantém ambulatório (de cura prâni-
ca, reiki e florais), atividades permanentes como dança do ventre, yoga tibetano,
além de rituais (lua cheia, lua nova) e palestras.17
Entretanto, a oferta de todas essas práticas não é aleatória ou indiscrimina-
da. Existe uma lógica: o anúncio de palestras gratuitas à noite, nos fins de sema-
na, atrai um público que toma conhecimento das outras atividades, como os
cursos e atendimentos, devidamente pagos. Tais cursos versam sobre temas que
também são abordados de forma prática, pelo atendimento terapêutico (shiatsu,
cromoterapia, radiestesia) ou pela venda do produto (florais de Bach, essências
aromáticas, pêndulos). Essa estratégia é reforçada, de tempos em tempos, com
atividades do tipo bazares, vivências coletivas e rituais por ocasião do solstício de
inverno, ou equinócio de primavera, lua cheia, excursões eco-esotéricas etc.
Produz-se, assim, uma espécie de relação que, se não configura necessaria-
mente proselitismo do tipo confessional/religioso, se traduz em laços de lealdade
e identificação. Os espaços que integram o circuito neo-esô, e especialmente os
Centros Integrados, oferecem ao usuário uma forma de conhecimento, em seguida
produtos que complementam esse conhecimento, uma aplicação prática e a possi-
bilidade de vivenciá-los de maneira coletiva.
Para concluir a caracterização podem-se identificar seus modelos institucio-
nais. Trata-se, como foi mostrado, de atividades que funcionam como pequenas
empresas localizadas na região mais central e em bairros privilegiados do ponto
de vista de equipamentos e serviços urbanos e, finalmente, agenciadas de acordo
com um programa arquitetônico funcional. Nesse aspecto aproximam-se das de-

33
mais lojas e estabelecimentos comerciais instalados em sobrados e casas antigas
recicladas desses bairros que oferecem os mais variados serviços.
Se tal é o padrão de implantação e gerenciamento, a relação que se estabele-
ce entre seus profissionais e o público usuário segue o modelo terapeuta/paciente
e o de mestre/aprendiz. O mote do autoconhecimento, um dos eixos articuladores
do discurso neo-esotérico, permite uma associação com o trabalho que se desen-
volve na relação entre terapeuta e paciente, professor e aluno, só que — e aqui
reside uma das especificidades das práticas integrantes do circuito neo-esô — os
princípios, a fundamentação, a base desse trabalho são outros. Ancoradas numa
concepção “sistêmica”, “holística”, o que essas práticas contestam é justamente o
modelo ocidental, tanto de ciência (racional, cartesiano) quanto de cura (biomédi-
co, tecnofarmacológico).18 Mas seu formato é preservado, incorporado, até como
mais uma estratégia de legitimação de atividades que não gozam ainda do aval
das instâncias de poder.
O ambiente de clínica ou escola, entretanto, é complementado e amenizado
pela presença de outro modelo, o do lazer. Os Centros Integrados, e também
alguns Centros Especializados, pontos de referência estáveis no circuito neo-eso-
térico, constituem lugares de encontro e sociabilidade para pessoas cujos gostos,
formação, preocupações espirituais e hábitos de vida se assemelham. Nesses es-
paços os temas não são apenas discutidos ou ensinados: são praticados, vivencia-
dos em grupo, complementados por objetos de consumo (livros, revistas, fitas
cassete e de vídeo, peças ritualísticas e decorativas, óleos aromáticos, amuletos)
que são vistos, apreciados, comentados.
Dessa forma, a freqüência aos Centros Integrados, seja por ocasião de algu-
ma palestra ou ritual, seja na forma de uma busca mais sistemática de um cami-
nho espiritual, enseja o estabelecimento de laços entre os próprios usuários que aí
encontram uma opção também para seu tempo livre mais de acordo com o estilo
de vida que cultivam e que os aproxima.

34
Notas

1. Feita no início da primeira etapa da pesquisa, anos 1991-92. Participaram de sua


elaboração Lilian de Lucca Torres, Luiz Groppo e Cristiane Gonçalves.
2. Publicação dominical distribuída gratuitamente nos domicílios da região central da
cidade de São Paulo e que na época do levantamento apresentava quatro cadernos, mais
dois suplementos (trinta páginas no total) contendo informações, temas e matérias varia-
das sobre urbanismo, saúde, moda, comportamento, ecologia, turismo, compras, com
destaque para a cidade de São Paulo.
3. Não se trata, contudo, de uma tarefa meramente burocrática, pois o manuseio da
listagem permite identificar aquelas instituições de maior tradição — e as de fôlego curto
—, assim como também acompanhar seus movimentos e tendências no mapa da cidade.
Por outro lado, a contínua checagem da lista possibilita assinalar o momento de fecha-
mento do corpus, ou seja, quando as informações (referentes às instituições agrupadas no
interior dos itens classificatórios) se tornam repetitivas é sinal de que o universo construí-
do a partir de fontes abertas (as séries, mesmo incompletas, de publicações) começa
também a mostrar seu perfil definitivo; novos endereços constituiriam meros acréscimos a
um núcleo já delineado, ou então permitiriam observar tendências tendo como referência
esse núcleo.
4. Com o propósito de transpor para o mapa da cidade de São Paulo as informações do
endereçário, foi necessário proceder a um reagrupamento, uma vez que a divisão em
bairros tal como aparecia na listagem (a partir dos anúncios) não coincidia com a dos
distritos usada pela Secretaria das Administrações Regionais da Prefeitura do Município
de São Paulo.
5. Até 1969 denominada “Sociedade Teosófica Brasileira”.
6. Estas, por sua vez, remontam ao rosacrucianismo do século XVII, e daí ao movimento
hermético-cabalista da Renascença, ao gnosticismo cristão do século I d. C., às “religiões
de mistério da antiguidade tardia” (Burkert, 1992) e assim por diante, numa lógica em que
mito e história se imbricam para produzir uma continuidade que se pretende sem interrup-
ções. (Ver, a propósito, Fortis, 1997.) Como se poderá comprovar mais adiante, essa
lógica também está presente no discurso dos atuais neo-esotéricos: as sínteses daí resul-
tantes, contudo, ao contrário das daquelas vetustas sociedades, são mais efêmeras, conjun-
turais, sujeitas às vicissitudes das trocas na dinâmica metropolitana.
7. A primeira loja teosófica no Brasil foi fundada em Pelotas (RS) em 1902; o Círculo
Esotérico da Comunhão do Pensamento data de 1909; a Sociedade Antroposófica, de
1917; a Sociedade Teosófica Brasileira (Eubiose), de 1916; a ordem Rosacruz AMORC de

35
1956, e a Escola Espiritutal da Rosacruz Áurea, de 1956 (Fortis, op. cit.). Outras institui-
ções que podem ser incluídas no Grupo I são as várias fraternidades (Aquarius-Sofia,
Fraternidade dos Guardiães da Chama, Pax Universal e outras) e ordens (Golden Dawn,
do Templo, dos Guardiães da Luz etc.).
8. Soka Gakkai, Sociedade Internacional da Consciência de Krishna, entre outras e tam-
bém as chamadas “novas religiões” assim denominadas em contraposição às “religiões
estabelecidas” — basicamente Budismo e Xintoísmo, das quais incorporam diversos ele-
mentos, como também do Cristianismo e de crenças populares. Surgidas em torno de
líderes carismáticos, têm grande participação de mulheres (em muitos casos como funda-
doras), dando pouca importânica à distinção entre clero e laicato. Voltadas prefencialmen-
te para a vida codidiana, enfatizam o tema da prosperidade mais do que questões ligadas à
vida depois da morte. Alguns autores vinculam seu surgimento com situações de crise
social e econômica no Japão, principalmente no período da depressão e do militarismo e
após a Segunda Guerra. (Cf. Pereira, 1992:29-35)
9. É bem conhecido o fascínio que o budismo e filosofias genericamente rotuladas de
“orientais” exerceram sobre os movimentos precursores do neo-esoterismo como a contra-
cultura e a geração beat nos Estados Unidos. As interfaces do movimento neo-esô com as
grandes religiões constituem um tema à parte. Se o budismo (enquadrado de forma genéri-
ca, junto com o hinduísmo e o taoísmo, numa suposta vertente “oriental”) tem seu lugar
garantido, o mesmo não ocorre com as religiões da tradição judaico-cristã. Destas, o que é
absorvido é antes o que rejeitam, escondem ou circunscrevem a grupos específicos —
misticismo, bruxaria, cabala, sufismo — do que aquilo que é pregado em sua teologia e
praticado nos cultos oficiais. Quando elementos e personagens centrais são incorporados
(Cristo, Maria), entram como parte de outros arranjos paradigmáticos: Cristo é um “ava-
tar”, ao lado do conde Saint-Germain, Buda etc.; Maria é introduzida, juntamente com
outras entidades femininas, no panteão da “Grande-Mãe”, “Grande-Deusa”, e assim por
diante.
10. Algumas de suas características serão descritas mais adiante, no item 2, “A dinâmica
interna”.
11. Que se apresentam com o costumeiro bordão “Madame Cleide, pela primeira vez
nesta cidade”, apelo que remonta ao caráter muitas vezes nômade desses personagens.
12. Uma rápida verificação desses folhetos permite, contudo, perceber uma nova tendên-
cia: geralmente os serviços oferecidos têm como fundamento a vidência ou o espiritismo,
incluindo consulta com guias umbandistas e uso dos búzios; a maioria deles, entretanto, já
vem apregoando, sistematicamente, o emprego do trio “cartas/búzios/tarô”. Um desses
folhetos é particularmente significativo: prometendo solução para “a depressão, angústia,
insegurança e insucesso para obter o autoconhecimento”, apresentava os serviços da “céle-
bre d. Olga, orientadora espiritual, médium da linha oriental, vidente, que emprega bara-
lho astrológico, tarô, búzios, energização com cristais e mapa astral pessoal”. Incluía

36
‘angiologia’ (sic): “saiba tudo sobre seu anjo”, mas sem esquecer o velho e bom patuá
para o amor. “Não confunda com outras!” é a advertência final...
13. Evento “Consciência Corporal e Dança”, Escola A.M.OR, 5 ago. 1996, 20h (relato:
Adriana C. Capuchinho).
14. Cf. Fortis, 1994, também autor dos desenhos da fachada e planta mostradas.
15. a) Formação e divulgação; b) Terapias; c) Vivências. Ver adiante, capítulo 3.
16. Entre outros, O poder do mito, de Joseph Campbell (1993), de grande sucesso edito-
rial; Cartas a um amigo, de Nagarjuna (1994); Mente Zen, mente de principiante, de
Shunryu Suzuki, tradução de Odete Lara (1994); O livro tibetano do viver e do morrer
(1999), de Sogyal Rinpoche, tradução de Luiz Carlos Lisboa.
17. Os termos, bem como a classificação dos cursos em “esotéricos”, “terapêuticos”,
“científicos” e demais informações foram retirados da programação do mês de abril de
1998.
18. Este aspecto será retomado mais adiante.

37
2
As práticas

Da mesma forma como foi feito em relação aos espaços que integram o
circuito neo-esô, a pesquisa, após um tempo de contato com as atividades neles
desenvolvidas, experimentou vários princípios classificatórios com o propósito de
também enquadrá-las num conjunto inteligível. A tarefa não se mostrou de fácil
resolução: além da previsível variedade, tais práticas apresentam-se como “holís-
ticas”, o que significa, entre outras conotações, que englobam as “dimensões
espiritual, física e mental”.
Assim, dificilmente uma atividade dirige-se com exclusividade a um só
desses planos; na maioria das vezes uma palestra termina com uma vivência
coletiva, da mesma forma que um ritual sempre começa com uma explicação do
sistema ou tradição de que é originário, e uma terapia corporal exige o concurso
de energias espirituais. Como, portanto, classificá-las? Apesar desses complicado-
res, e em nome também da simplicidade, optou-se finalmente por um quadro com
apenas três divisões:

1. Divulgação e formação — inclui aquelas atividades destinadas a difundir os


diferentes sistemas e ensinar suas aplicações por meio de palestras, cursos,
aulas abertas, demonstrações, simpósios, congressos.
2. Terapias — grupo que inclui toda a variedade das práticas de atendimento
individual ou coletivo voltadas para a cura e prevenção de distúrbios e também
técnicas para o desenvolvimento de potencialidades psíquicas ou corporais.

39
3. Vivências — grupo que inclui cerimônias e ritos realizados por ocasião de
datas especialmente significativas, seja para o universo neo-esô como um todo,
seja para determinado sistema ou espaço em particular, e durante workshops
de treinamento intensivo e coletivo de determinada prática.1

1. Divulgação e formação

Os espaços do circuito neo-esô desenvolvem uma intensa programação des-


tinada à divulgação de suas atividades, discussão de seus temas, formação de
quadros e consolidação de uma clientela. Não se trata, contudo, como já foi dito,
de uma atividade de proselitismo, nos moldes de associações religiosas: em vez
de “doutrinação”, os especialistas dos diferentes sistemas, apesar de sua crítica a
métodos excessivamente racionais em detrimento da via mais emocional e intuiti-
va, buscam o convencimento — por palestras, cursos, demonstrações, discussão
de filmes, lançamento de livros, seminários, simpósios, congressos. Oferecidas
principalmente em espaços dos Grupos II (Centros Integrados) e Grupo III (Cen-
tros Especializados), as atividades de divulgação e formação pautam-se antes pelo
modelo da escola ou do grupo de estudo e pesquisa do que pelo da seita religiosa
ou iniciática. As modalidades deste item podem ser reunidas basicamente em três
subgrupos, a seguir.
Em primeiro lugar, as de divulgação propriamente ditas, que compreendem
palestras, demonstrações, aulas abertas e fazem a primeira aproximação com o
público. São gratuitas, mas não sem algum compromisso; em geral os folhetos
solicitam que os interessados façam sua inscrição previamente por telefone —
pois “as vagas são limitadas” — e cheguem com “quinze minutos de antecedên-
cia”. Essas recomendações obedecem a uma estratégia: a garrafa térmica com
chá, à entrada, enseja um primeiro contato entre os participantes e destes com o
pessoal da casa, permitindo o preenchimento de uma ficha que será utilizada para
posterior envio de correpondência via mala direta e proporcionando um tempo
para a apreciação dos livros, CDs e demais objetos à venda. Exemplos:
“INSTITUTO PARA EXPANSÃO DA CONSCIÊNCIA”: Palestras gratuitas —
agosto/97
01 — Massagem Tântrica: a alquimia do amor
08 — A doença e a cura na Era de Aquarius

40
15 — Aula aberta do Grupo de Movimento
22 — Radiestesia e Radiônica
29 — Dança do Ventre: a arte sagrada do feminino.
“Reserve sua vaga pelo telefone ou pessolmente no IEC; o número de pessoas é
limitado”
“TRIOM — Centro de Estudos Marina e Martin Harvey
Palestras: entrada franca — inscreva-se com antecedência”
Como já foi assinalado, a palestra gratuita é também uma forma de fazer o
público se interessar pelas demais atividades do espaço, permitindo, eventualmen-
te, um aprofundamento do tema da palestra em cursos; estes constituem o segun-
do subgrupo e podem ser de longa, média e curta duração. Os cursos de longa
duração destinam-se principalmente à formação de profissionais que poderão vir
a exercer o ofício por conta própria, mas também constituem a principal forma de
continuidade dos princípios e métodos de trabalho da própria instituição — uma
espécie de mecanismo de reprodução de sua estrutura simbólica e de seus qua-
dros. Assim, por exemplo, é condição para se tornar membro pleno da Associação
Palas Athena ter concluído o curso de Introdução ao Pensamento Filosófico man-
tido em sua programação. Outros espaços, com diferentes propósitos, também
oferecem cursos de longa duração:
“PAZ GÉIA: Curso de Formação de Facilitadores Xamânicos — Direção de Carmi-
nha Lévi. Duração: 3 anos.”
“ESCOLA A.M.OR — Associação de Massagem Oriental do Brasil — Curso de
Formação em Massagem e Sensibilidade. Duração: 2 anos.”
“ARUNA-YOGA: Formação de instrutores de yoga. Duração: março a dezembro.”
Os cursos de média duração — de dois, três meses, em média — abarcam
um espectro mais amplo na medida em que incluem outros temas além daquele
que define a principal atividade da casa. Podem, dessa forma, ser ministrados por
profissionais de fora e em princípio representam para o público uma oportunidade
de aprimoramento pessoal ou de reciclagem. Exemplo:
“ESPAÇO ASTROLÁBIO
• Curso de cristais: Quarta-feira — 14:00 às 16:00 e 20:00 às 22:00. (5 meses)
• Cabala: Módulo I (3 meses)
• Florais de Bach (4 meses)
• Radiestesia e Radiônica: Módulo I (1 mês); Módulo II (2 meses); Módulo III (3
meses)”
E, finalmente, os cursos de um ou dois dias, geralmente nos finais de semana:

41
“ESPAÇO CULTURAL TATTVA-HUMI — Janeiro de 1998
• Cristais — Dias 17 e 18 (das 9 às 18 horas)
• Angelologia — Dias 19 e 26 (das 20 às 22 horas)
• Projeção extrafísica — Dia 24 (das 9 às 19 horas)
• Feng Shui — Dias 24 e 25 (das 9 às 17 horas)
• Transcomunicação instrumental — Dia 30 (das 20 às 22 horas)
• Numerologia — Dia 31 (das 9 às 17 horas)
• Reiki I — Dias 31/1 e 1/2 (das 9 às 17 horas)”

Outras modalidades complementam, nos espaços, essa programação desti-


nada à divulgação de temas, princípios e sistemas que compõem o universo do
neo-esoterismo: lançamento de livros, acesso a bibliotecas com salas de leitura e
empréstimo de volumes, projeção e discussão de filmes, relatos de viagens e/ou
experiências iniciáticas, demonstração de técnicas e produtos, apresentações mu-
sicais.2 Cabe registrar também uma intensa produção, nos próprios espaços, de
textos de apoio na forma de apostilas, folhetos, manuais.
Merecem destaque, entre outros, pelo alcance, a Gráfica e Editora da Asso-
ciação Palas Athena, com uma linha própria de publicações; “Planeta”,3 revista
mensal de tradição e prestígio no meio neo-esô que no ano de 1997 comemorou
seus 25 anos de presença no mercado nacional. Esta última publicação mantém
uma seção chamada Agenda que informa mensalmente as atividades — palestras,
cursos, encontros, workshops — oferecidas pelos espaços principalmente de São
Paulo.4 E, como não poderia deixar de ser, é possível acessar, via internet, o site
Agenda Esotérica que, entre muitos outros, exibe a programação periódica de
inúmeros espaços.
O terceiro subgrupo — congressos, encontros, simpósios — apresenta um
outro tipo de dinâmica que complementa a analisada nos anteriores: trata-se de
eventos que, de certa forma, apresentam o lado público do debate em torno dos
temas neo-esôs. Alguns exemplos:
“VII ENCONTRO PARA A NOVA CONSCIÊNCIA: o pensamento da cultura
emergente” (Campina Grande—PB, 20/24 de fevereiro de 1998);
“VI CONGRESSO HOLÍSTICO E TRANSPESSOAL INTERNACIONAL: a sabe-
doria da Europa, a força emergente dos EUA, o coração da América Latina e as
tradições do Oriente representados pelos mais famosos especialistas no assunto”
(Águas de Lindóia/SP, de 4 a 7 de setembro de 1997);
“VIII CONFERÊNCIA INTERNACIONAL DE METAFÍSICA” — promoção da
Fraternidade Pax Universal, São Paulo, Centro de Convenções do Anhembi, 14/15
de junho de 1996);

42
“SIMPÓSIO SAÚDE INTEGRAL NO LIMIAR DA ALTA TECNOLOGIA: diálo-
go transdisciplinar entre as práticas terapêuticas de origem ocidental e oriental” (10,
11 e 12 de maio de 1996, Centro de Convenções do Anhembi, São Paulo);
“IMAGINÁRIA 95: Arte, Ciência, Economia e Espírito numa visão de futuro”.
(Sesc/Pompéia, São Paulo, de 6 a 12 de novembro de 1995).

Enquanto os espaços, no seu dia-a-dia — oferecendo palestras e cursos —,


dedicam-se a desenvolver e ensinar os princípios, sistemas e técnicas que fazem
parte de sua proposta, esta outra modalidade oferece a oportunidade de encontros
mais amplos, organizados segundo o formato de congressos científicos ou con-
venções empresariais. O evento “Imaginária 95”, por exemplo, um dos que foram
acompanhados de perto pela pesquisa, foi precedido de um intenso marketing na
mídia e realizado em moldes profissionais, com base no apoio de uma extensa
lista de instituições patrocinadoras.5 Na parte da manhã ocorriam as palestras, a
cargo dos especialistas convidados; à tarde, colóquios nos quais os palestrantes
entravam em contato mais direto com o público, ampliando e discutindo o tema
apresentado. Entremeando e amenizando essas atividades, consideradas a parte
central do evento, havia rituais (dança nativa americana, danças de Findhorn,
dança ritual árabe, ritual judaico), mostra de vídeos, shows musicais.
Uma das características pretendidas por esses encontros é a multidisciplina-
ridade, que visa não apenas ao debate entre diferentes correntes e movimentos do
próprio meio neo-esô, como também à presença de outros sistemas, seja da ciên-
cia, política, instituições privadas etc. Assim, o “Imaginária 95” — cujo subtítulo
era “Arte, Ciência, Economia e Espírito numa visão de futuro” — apresentava-se
como “encontro de especialistas de diversas áreas em torno de soluções criativas
para o futuro e de novas visões de mundo numa sociedade em transformação”.
Essa multidisciplinaridade, entretanto, tende a polarizar-se em torno de dois
eixos, Ciência versus Tradição, por exemplo, ou de outros que mantenham esse
mesmo contraste ou distância. Assim, no simpósio “Saúde integral no limiar da
alta tecnologia” a tensão era entre “Ocidente versus Ocidente”, conforme se
depreende de uma chamada de seu programa de atividades: “Diálogo transdisci-
plinar entre as práticas terapêuticas de origem ocidental e oriental”.
Apesar das declarações em favor de uma atitude de diálogo entre “Ciência e
Tradição”, “Ocidente e Oriente” etc., a tônica das discussões induz à tomada de
partido pelo segundo desses pólos, considerando o outro representante dos valo-
res ocidentais, do paradigma racionalista, da visão positivista, de desvios tecno-
cráticos. No entanto, tal visão acredita haver certos setores da ciência que fogem
a esse modelo, pois não só não se chocam com a perspectiva da tradição, como,
ademais, a confirmam: são aqueles considerados, no meio neo-esô, “de ponta” ou

43
identificados com a busca de novos paradigmas.6 No final acaba-se fazendo uma
aliança entre o saber tradicional, acumulado em diferentes culturas, e as hipóteses
julgadas mais arrojadas de algumas disciplinas.
Mas se uma ciência mais convencional, identificada com instituições univer-
sitárias e centros de pesquisa comprometidos com o status quo, é descartada em
favor de pesquisas e indagações afinadas com pontos de vista “holísticos”, essa
mesma ciência “oficial” reaparece, meio à sorrelfa, com outra função: a busca de
legitimidade. Assim, a participação, nesses congressos, de acadêmicos de institui-
ções consagradas é peça fundamental num processo de legitimação pública de
sistemas e atividades enfrentados com reservas, desconfiança e até com medidas
legais por parte de órgãos que detêm o monopólio sobre determinado campo, em
especial da área médica.
Na lista dos acadêmicos anunciados na programação oficial do evento “Ima-
ginária 95”, cabe chamar a atenção para a titulação colocada em destaque: Ubira-
tan D’Ambrosio “doutor em Matemática (USP), pós-doutorado na Brown
University, professor emérito da UNICAMP”; Alfredo Padma Samten Aveline,
“ex-professor no Departamento de Física da UFGS (1969/1994), fundador e atual
presidente do Centro de Estudos Budistas, dedica-se aos fundamentos epistemo-
lógicos da Teoria Quântica, é membro do corpo docente da Universidade Holísti-
ca Internacional, em Porto Alegre”; Carlos Arguello, “com pós-graduação na USP
e pós-doutorado nos EUA, é professor de Física na UNICAMP, criou e dirigiu o
Museu Dinâmica de Ciências de Campinas, dedicado à melhoria do ensino de
ciências”; José Zatz, “físico e engenheiro eletrônico formado pela USP, foi pes-
quisador associado ao Centro Nuclear de Saclay (França) e ao Centro Europeu de
Pesquisas em Genebra”.
A presença de outras figuras de projeção, em seus respectivos domínios,
reforça essa busca por legitimação. No evento em questão, por exemplo, consta-
vam ainda da programação, entre outros: Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba,
conhecido por seus projetos urbanísticos para essa cidade; Fernando Gabeira,
deputado federal ligado a causas ecológicas e aos direitos humanos; Fábio
Feldman, então deputado federal ligado à defesa do meio ambiente; Amyr Klink,
economista e navegador, membro da Royal Geographical Society, protagonista de
arrojadas travessias marítimas em veleiros (cabo Horn, Ártico) e autor de best
sellers com o relato de suas aventuras. E mais: os cantores e/ou compositores
Gilberto Gil, Marlui Miranda e Fortuna. No simpósio “Saúde Integral...”, estavam
anunciados: frei Betto, Ângelo Gaiarsa, Roberto Shinyashiki, Pierre Weill, Carlos
Byington; no “VI Congresso Holístico Transpessoal Internacional”: Rose Maria
Muraro, Roberto Romano, Carlos Rodrigues Brandão, o rabino Henry Sobel entre
outros.7

44
A participação de alguns convidados especiais, geralmente estrangeiros,
pode ser encarada como parte dessa mesma estratégia. No caso do evento “Imagi-
nária 95”, vale citar: Edgard D. Mitchell, “astronauta, membro da expedição
Apollo 14, sexto homem a caminhar pela superfície lunar, fundador do Institute
of Noetic Sciences (1972), voltado para pesquisas destinadas a aprofundar os
insights que teve a partir de sua experiência no espaço”; Grand Father Semu
Huaute, “um dos mais respeitados índios americanos”, segundo o release, xamã e
healer da nação chumash, originária da Califórnia; Barbara Marx Hubbard, futu-
róloga, ex-candidata à vice-presidência dos EUA em 1984, fundadora da School
For Conscious Evolution; Elisabet Sahtoris, bióloga e ecologista, defensora da
“Hipótese Gaia”,8 co-fundadora da Worldwide Indigeneous Science Network;
Stanley Krippner, psicólogo e antropólogo, dedicado a estudos sobre xamanismo;
Peter Russel, físico, consultor de empresas; Ralph Abraham, matemático, espe-
cialista na Teoria do Caos.9
Em resumo: trata-se de invocar o testemunho da ciência considerada oficial
(ainda que desqualificando alguns de seus fundamentos epistemológicos), o pres-
tígio de instituições reconhecidas e a aura de personalidades de renome de forma
a construir um multifacetado argumento de autoridade em favor de sistemas de
pensamento, crenças e práticas, muitos dos quais não gozam do reconhecimento
oficial e/ou legal.
Não se trata, contudo, de mera estratégia, no sentido de um artifício monta-
do de forma consciente e sub-reptícia: a participação de cientistas nesses encon-
tros não significa, por um lado, nem que estejam sendo manipulados, nem, por
outro, que se identifiquem com a totalidade dos pressupostos das posições holísti-
cas. Muitos deles, todavia, manifestam claramente sua insatisfação com os para-
digmas vigentes e sua crença na necessidade da busca de modelos inovadores. O
certo é que há setores do universo neo-esô que realmente colocam em pauta e
discutem questões que não fazem parte da agenda ou currículo das universidades,
instituições e centros de estudo oficiais; muitas de suas formulações são altamen-
te elaboradas e sofisticadas.10

45
2. Terapias

Este item compreende um conjunto de práticas, com atendimento pessoal ou


coletivo, voltadas para o diagnóstico, a cura e a prevenção de distúrbios e para o
desenvolvimento de potencialidades nos planos corporal, psíquico e espiritual.
Também conhecidas, ainda, como “alternativas”,11 essas terapias apresentam-se
como portadoras de alguns atributos que servem de contraposição às convencio-
nais — aquelas desenvolvidas por especialidades médicas cujo aprendizado e
exercício estão sujeitos a normas contidas em textos e mecanismos legal e institu-
cionalmente constituídos.
Tais atributos são, entre outros, seu caráter “holístico”, “soft” e “natural”.
Pelo primeiro deles opõem-se à excessiva especialização da medicina oficial,
procurando levar em consideração o paciente em sua totalidade — corpo/men-
te/espírito — e em relação com os diferentes planos em que está inserido, desde o
meio ambiente imediato até o nível cósmico mais abrangente; pelo caráter “soft”
essas terapias apresentam-se como menos agressivas em suas intervenções, me-
nos caras que o complexo tecno-hospitalar das modalidades hard e menos de-
pendentes de equipamentos. E, finalmente, são “naturais” pelo fato de, tendo
como princípio o poder curativo do próprio organismo vivo, para reforçá-lo ou
regenerá-lo, usar elementos naturais, preferíveis à via medicamentosa de base
química.
Classificar as inúmeras práticas dessa área de atuação do universo neo-esô
no interior de um quadro em que se possam minimamente discriminá-las com
base em algum critério não é tarefa fácil.12 No entanto, mesmo correndo o risco
de uma certa arbitrariedade, vale a pena o exercício de distribuí-las segundo
alguns princípios simples e advindos do próprio universo semântico do campo. O
principal deles e mais difundido, já explicitado anteriormente para estabelecer um
ponto de corte com as terapias convencionais, é o princípio holístico que, aplica-
do à própria doença, permite entendê-la como um estado de desequílibrio, seja de
origem interna ao organismo, seja externa a ela, em seu regime de trocas com o
meio, desde o mais imediato até o que abrange a dimensão cósmica. O que as
terapias propõem é restaurar esse equilíbrio, ativando ou fortalecendo o fluxo
energético, e podem fazê-lo a partir de cada uma destas três dimensões, e por
meio delas, que para a visão holística devem estar integradas, em plena harmonia:
a dimensão mental, a física e a espiritual.13
Assim, é possível classificar a maior parte das terapias alternativas confor-
me os planos “corpo/mente/espírito” que as técnicas, instrumentos e métodos

46
privilegiam para estabelecer a ordem ameaçada pela doença: no primeiro subgru-
po, que favorece o plano mental, estão aquelas práticas que ativam “os poderes da
mente”, como as “mancias” e sistemas divinatórios em geral: astrologia, baralho
cigano, cabala, cleromancia, encromancia, geomancia, I-Ching, numerologia, qui-
rologia, quiromancia, radiestesia, runas, tarô etc. Ao contrário do que vulgarmen-
te se acredita, a maioria dessas práticas não é empregada para adivinhar o futuro
dos consulentes — ao menos nos espaços dos grupos I, II e III; nestes, e no
contexto terapêutico, são usadas principalmente como instrumentos de diagnósti-
co e de acesso ao conhecimento interior. Nesse subgrupo incluem-se as técnicas
de programação neurolingüística (PNL), iridologia, psicossíntese, psicologia
transpessoal, terapias de vidas passadas (TVP), treinamento autógeno (TA), re-
gressão, jogo da transformação, diferentes modalidades de meditação, desdobra-
mento, viagem astral, canalização.
Se a via escolhida é a do plano físico, então é sobre o corpo que inicialmen-
te incidirão as técnicas de cura. É possível distinguir o subgrupo das práticas mais
propriamente denominadas “terapias corporais”,14 em que o papel mais ativo cabe
ao terapeuta, compreendendo as massagens áurica, automassagem dirigida, ayur-
védica, a bioenergética (e outras, de inspiração reichana), o do-in, quiroprática,
reiki, shantala, shiatsu, toques sutis, tui-ná; o subgrupo das técnicas em que o
paciente desenvolve o papel mais ativo, principalmente as “práticas corporais”,
como aikidô, biodança, dança clássica indiana, danças circulares sagradas, danças
étnicas, dança flamenca, dança do ventre, hologinástica, jin shin jyutsu, liangong,
qi gong, relaxamento, respiração holotrópica, self-healing, yoga, tai-chi-chuan,
entre outros; e, finalmente, o subgrupo das práticas com a utilização de algum
elemento externo: acupuntura, aromaterapia, aura-soma, auriculopuntura, cromo-
terapia, cromopuntura, cristaloterapia, energização com pirâmides, moxaterapia,
fitoterapia, homeopatia, florais e outras mais do gênero.
Quando o processo terapêutico visa mais diretamente ao plano espiritual,
procurando reestabelecer a harmonia do indivíduo com dimensões identificadas
com o sobrenatural (daí esperando-se a cura), têm-se práticas realizadas como
rituais no interior de sistemas religiosos específicos: roda da medicina, resgate de
alma e sauna sagrada no contexto do xamanismo; rituais tântricos, roda da
medicina tibetana, ritos das tradições druídica, wicca, relaxamento Kum Nye
(Nyingma) e assim por diante.15
Cabe destacar, mais uma vez, que esses planos se interpenetram e dificil-
mente podem ser considerados de forma estanque ou tratados isoladamente; ade-
mais, há sistemas que se apresentam de maneira mais global, como é o caso da
medicina antroposófica, que inclui clínica (Clínica Tobias), laboratório (Weleda
do Brasil — Laboratório e Farmácia Ltda.) etc.,16 cujos serviços e produtos são

47
articulados de acordo com os princípios filosóficos da instituição. O mesmo pode
ser dito de vários outros, geralmente no interior dos espaços classificados no
Grupo I, no qual as distinções apontadas, para efeitos de classificação, não se
aplicam de maneira rígida.17
Com relação às formas de atendimento, podem-se distinguir três modalida-
des principais; a mais recorrente é aquela que se verifica no interior dos espaços,
principalmente dos Grupos II e III, segundo a dinâmica já descrita: paciente e
terapeuta estabelecem um contato personalizado, mas no contexto de um espaço
provido com determinada infra-estrutura e onde atuam outros profissionais.
Uma segunda modalidade é constituída pelo oferecimento de vários serviços
e especialidades, de acordo com o modelo da clínica, do plano de saúde e até
mesmo de “spa”. Assim, da mesma forma como foi observado em relação aos
congressos sobre temáticas ligadas ao universo neo-esotérico, se de um lado os
defensores das terapias alternativas contrapõem-se ao que denominam a natureza
mecanicista, fragmentária e tecnocrática da medicina ocidental, nem por isso —
ao menos alguns deles — rejeitam certas normas de funcionamento vigentes.
Assim:
“QUALIS — QUALIDADE DE VIDA EM SAÚDE oferece plano individual e
plano familiar para as seguintes especialidades, entre outras: Acupuntura e Medicina
chinesa, Homeopatia, Fisioterapia, RPG, Odontologia, Psicoterapias, Terapia floral,
Fonoaudiologia, Massagens etc.”
“TZOLKIN — TERAPIAS INTEGRATIVAS — descontos especiais para convenia-
dos médicos nas sessões individuais.”
“PAC — Sociedade Brasileira de Programação em Auto-Conhecimento e Comuni-
cação anuncia um check-up holístico.”
“SPAÇO CORPO & MENTE EM EQUILÍBRIO — Um local onde tratamentos e
terapias procuram unir o Corpo e a Mente, o físico e o psíquico através da união
entre filosofias milenares do Oriente com as tecnologias de ponta do Ocidente
atingindo a harmonia físico-estética, emocional e mental, imprescindível para nos-
sos órgãos e o perfeito equilíbrio do ser.”
Esses são alguns exemplos de formas de atendimento em moldes profissio-
nais e até empresariais que vão além daquelas mais conhecidas e popularizadas,
como as inúmeras propostas de massagem de inspiração vagamente “oriental”
realizadas na sala de visitas da própria casa do terapeuta ou em pequenos espaços
compartilhados com outros, como é o caso de muitos estabelecimentos do Gru-
po IV. Muito difundidas — constituem a terceira modalidade —, exigem quase
nenhum equipamento e, como são técnicas de conhecimento prático e progressi-
vo, permitem a qualquer aficionado, mesmo iniciante, arvorar-se em terapeuta.

48
Não é o caso, evidentemente, daqueles que se dedicam a essas práticas
segundo um padrão mais erudito,18 ou seja, no contexto de uma instituição ou
sistema filosófico mais amplo, no interior do qual se situam estes últimos, aliás,
preocupados com o profissionalismo e as repercussões negativas de usos indevi-
dos, criticam asperamente a banalização e advertem para os perigos que o apren-
diz de “massoterapia” ou até mesmo um simples curioso podem causar à coluna
ou aos tendões de algum desavisado. O mesmo pode ser dito com relação à fitotera-
pia, florais ou outra modalidade qualquer ministrada de maneira amadorística.
Seja qual for o caminho escolhido para a cura e a obtenção do bem-estar
físico ou espiritual, é bom lembrar a importância que é dada à alimentação, desde
o cuidado na escolha dos produtos, dando-se preferência àqueles cultivados sem
defensivos e adubos químicos, até a adoção de princípios mais gerais como os da
macrobiótica, do vegetarianismo, veganismo19 e outros. Essa é uma das áreas na
qual o universo neo-esô, em sua interface com propostas dos movimentos ecológi-
cos, deixa sua marca na conformação de um estilo de vida tido como “saudável”.

3. Vivências

Enquanto as atividades do grupo “Divulgação e formação” destinam-se ao


conhecimento e aprofundamento dos diferentes sistemas que compõem o univer-
so neo-esô e as do grupo “Terapias” tiram desses sistemas instrumentos destina-
dos à cura e ao aperfeiçoamento pleno de cada um, as atividades listadas em
“Vivências” oferecem um espaço de socialização no qual aqueles princípios e
técnicas são vividos, de forma mais intensa, em grupo. É possível distinguir três
subconjuntos, a seguir descritos.
O primeiro compreende bazares, feiras místicas, festivais e modalidades do
gênero que congregam um número grande de pessoas e apresentam um caráter
realmente de feira e festa. Ao lado das banquinhas expondo e vendendo os produ-
tos típicos do meio neo-esô, como incensos, velas, óleos e essências aromáticas,
anjos, duendes, cristais, pêndulos etc., estão as barracas onde tarólogos, numeró-
logos e demais cultores de toda sorte de “mancias” oferecem suas especialidades;
há demonstrações artísticas ligadas ao meio (dança do ventre, música new age) e
não faltam os chás e sanduíches “naturais”.
Ponto de encontro e espaço de sociabilidade para os simpatizantes dessas
práticas, funcionam também como primeira forma de contato com o universo

49
neo-esô. Analisando o conjunto dessas modalidades, nota-se claramente que se
tornaram uma iniciativa de fácil implementação e sucesso garantido, seja qual for
o motivo ou circunstância: angariar fundos para obras beneficentes, conseguir
algum recurso extra para o espaço, encerrar as atividades do ano. É já uma
espécie de “marca registrada” do universo neo-esô, com know-how de domínio
público.
Tais atividades, compreendidas no primeiro subconjunto da rubrica “vivên-
cias”, não devem ser confundidas com as da “feira mística” como modalidade
empresarial de oferecimento regular de determinados serviços do universo neo-
esô, aqueles constituídos pelos sistemas oraculares de runas, tarô, baralho, búzios,
I-Ching etc. Esse modelo de atendimento, implantado em São Paulo desde 1988
pelo tarólogo espanhol Matias Diego, é montado em lugares abertos, geralmente
praças — a mais conhecida é a “feira mística” do Parque Ibirapuera — nos fins
de semana. Mediante pagamento padronizado, controle por fichas e tempo deter-
minado para a consulta, o usuário tem acesso, à sua escolha, aos serviços dos
diferentes profissionais que aguardam no interior das barracas dispostas em filei-
ra. Apesar do caráter até certo ponto descompromissado dessa forma de atendi-
mento, muitos consulentes terminam mantendo vínculos mais duradouros, o que
se traduz em retorno para novas consultas. Seja como for, trata-se de uma modali-
dade específica de oferta de serviços identificados com o universo neo-esô, ao
lado dos Centros Integrados, Centros Especializados, etc.20
Já as cerimônias realizadas por ocasião de ocorrências regulares, do tipo
“ritual da lua cheia”, “celebração da primavera” e outros, reúnem pequenos gru-
pos para celebrações mais intimistas, alguns em clima de religiosidade. Cada
espaço escolhe a temática, reelabora ou inventa o próprio ritual; os participantes
são em geral membros da casa, alunos e ex-alunos de algum curso ou workshop.
É uma modalidade que mantém e reaviva os laços principalmente quando se trata
de espaços que apresentam uma continuidade institucional, transformando-se em
núcleos aglutinadores de “gerações” de freqüentadores, desde os fundadores até
turmas mais recentes. Instaura uma forma de sociabilidade e confraternização que
reforça laços comuns, concorrendo para a troca de experiências e para a sedimen-
tação e ampliação de um estilo de vida que se compartilha.
Os workshops de fim de semana realizados em sítios próximos à cidade
(Embu, Cotia, Itapecerica da Serra), em fazendas do interior do estado e até em
algumas das cidades e regiões do circuito neo-esô no plano nacional (São Tomé
das Letras — MG, Chapada Diamantina — BA, Chapada dos Veadeiros — GO)
envolvem maior necessidade de infra-estrutura (transporte, alojamento, alimenta-
ção) e, por conseguinte, são mais caros. Intensivos, estreitam os laços entre os
participantes e entre estes e o “facilitador”, estabelecendo vínculos de lealdade

50
mais firmes com o espaço que os oferece e com o sistema que lhes serve de base.
Mesmo aí não se descarta o espírito de lazer, já que um fim de semana num belo
sítio, com boa alimentação e a prática de saudáveis exercícios sempre faz bem,
sobretudo para quem mora numa cidade como São Paulo, seja qual for a inspira-
ção filosófica subjacente ao evento...
Cabe uma observação a respeito da celebração de ritos mais estruturados e
de caráter propriamente religioso, em geral em instituições do Grupo I. Para
tanto, é necessário algum esclarecimento a respeito de termos muitas vezes usa-
dos indistintamente e até como sinônimos: religião, religiosidade e espiritualida-
de. Sem nenhuma pretensão de defini-los e apenas para estabelecer algumas
fronteiras e diferenciações ao longo de um continuum, pode-se dizer que numa
ponta está a religião, sistema institucionalizado de crenças e rituais a cargo de um
corpo de especialistas; a religiosidade pode ser entendida como um estilo peculiar
e coletivo de expressar o sentimento religioso; enquanto espiritualidade refere-se
a uma experiência pessoal expressa em formas idiossincráticas individualizadas.21
Apesar da presença e da influência de religiões no meio neo-esô, este certa-
mente não constitui um sistema religioso, no primeiro sentido: faltam-lhe a cen-
tralidade de um conjunto de dogmas, a autoridade de uma hierarquia, o arcabouço
litúrgico dos rituais. A dimensão da espiritualidade, por outro lado, é uma cons-
tante nas práticas do circuito neo-esô, desde uma versão mais soft, de enlevamen-
to proporcionado pela contemplação da natureza, por exemplo, até genuínas
experiências de ordem mística. A religiosidade, porque supõe uma manifestação
coletiva, exteriorizada, pode apresentar desde formas mais codificadas até a in-
venção, na hora, de gestos compartilhadas por um grupo — como acontece nas
celebrações da lua cheia, encerramento de encontros etc.
Dos bazares aos workshops, passando pelos rituais cíclicos, há uma grada-
ção com relação aos efeitos que as atividades do terceiro grupo produzem, em
termos de sociabilidade e vivências comuns. Bazares e feirinhas “místicas”, com
seu típico ambiente de festa e “agito”, congregando às vezes um grande número
de pessoas, produzem ambiente animado, mas a permanência dos freqüentadores
é fluida e cambiante: os laços criados são ainda efêmeros. Nos rituais cíclicos, o
ambiente é de recolhimento, os convidados são em pequeno número e as celebra-
ções são de curta duração. Os workshops, em função das condições de sua reali-
zação — em geral fora da cidade, em ambiente com os participantes em constante
interação —, criam laços de maior intensidade. Todos, no entanto, de uma forma
ou de outra, concorrem para a “sensação de comunidade”, experiência de funda-
mental importância para se entenderem os efeitos que as práticas integrantes do
universo neo-esô produzem no plano do comportamento e da constituição de um
estilo de vida no contexto, dinâmica e paisagem de uma metrópole.

51
Notas

1. No decorrer da pesquisa (até 1998 inclusive) foram realizadas mais de oitenta idas a
campo para observação dessas práticas, 66 das quais foram objeto de registro e descrição
mais detalhados. Algumas das idas a campo e correspondentes relatos foram realizados
por membros do NAU. Quando for o caso, haverá menção expressa da autoria.
2. Não se pode deixar de assinalar, independentemente do circuito dos espaços, o conheci-
do e significativo movimento editorial (livros, revistas, CDs) cuja especificidade exigiria
um tratamento à parte. Da mesma forma cabe apenas assinalar, já que não foram objeto do
presente estudo, programas de rádio e televisão dedicados a temas neo-esôs.
3. Foi fundada em 1972 pelo conhecido escritor Ignácio de Loyola Brandão, por enco-
menda de Luis Carta, da Editora Três, nos moldes da congênere francesa Planète, de
Louis Pauwels e Jacques Bergier, estes últimos também autores do famoso “Le matin des
magiciens: introduction au réalisme fantastique”, de 1960, lançado no Brasil com o título
O despertar dos mágicos (1975). Cf. Revista Planeta, ed. 300, ano 25, n. 9, setembro de
1997.
4. A edição nº 305, de fevereiro de 1998, anunciava 131 eventos, oferecidos por 28
espaços e instituições, para o período de 15 de fevereiro a 15 de março de 1998.
5. O evento foi realizado por “Imaginária Produções Culturais” (da jornalista Mirna
Grzich, conhecida pelo programa “Música da Nova Era”, que dirigiu durante dez anos na
Rádio Eldorado FM (92,9 MHz) e pelo Sesc-Pompéia, com patrocínio do Banco Real e
Nutrimental; promoção da Revista Isto É, Rede Bandeirantes de Televisão, Rádio Eldora-
do, Sistema NET de tevê a cabo; apoio de Yázigi International, Parthenon Flat, Câmara
Americana de Comércio, Pico Cinematográfica e Ministério da Cultura — lei federal de
incentivo à cultura; colaboração da Associação Palas Athena, Centro de Comunicações de
Artes do Senac, Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável e Instituto de
Estudos do Futuro.
6. Entram nesse rol, por exemplo, tanto a chamada “Hipótese Gaia” e a “Teoria do Caos”
como a mecânica quântica, a biologia molecular etc. Ver, mais adiante, item 3 do capítu-
lo 3.
7. No II Congresso Holístico Internacional, realizado em Belo Horizonte (1991), a lista de
convidados incluía, entre outros: José Angelo Gaiarsa, Rose Maria Muraro, Ailton Kre-
nak, Cristovam Buarque, Ubiratan D’Ambrósio, Celina Albano, Carlos Byington, Mirna
Grzich, alguns dos quais constituem presença constante nesses eventos.
8. Sistema hipotético que procura explicar o equilíbrio do planeta. Desenvolvida por
James Lovelock e Lyn Margulis, postula que a Terra, em vez de constituir espaço ou

52
ambiente para o desenvolvimento de formas de vida, é ela própria um supra organismo
auto regulado — dotado de consciência, em algumas versões — que mantém as condições
necessárias para a existência e manutenção das diferentes espécies. (Thompson, 1990).
9. Todos os títulos, especialidades e atribuições dos nomes citados constam dos folhetos e
programas dos respectivos eventos.
10. O que tampouco quer dizer que não haja atitudes oportunistas, levianas e de má-fé por
detrás de muitas propostas diluídas no eclético e cambiante universo neo-esô. O que está
em pauta aqui não é separar o joio do trigo, identificando as propostas “sérias”, e sim
captar lógicas e tendências mais gerais, como já foi ressalvado na “Apresentação” deste
livro. Não é preciso mencionar a desconfiança e o ceticismo com que práticas do movi-
mento neo-esô são vistas por parte do establishment acadêmico: a questão da “cientifici-
dade” de muitas formulações correntes no meio neo-esô abre uma discussão à parte. O
físico norte-americano Alan Sokal, autor do polêmico Impostures Intellectuelles (1997),
em que denuncia o emprego abusivo e errôneo de conceitos das ciências exatas por parte
de alguns renomados autores da área de ciências humanas (filosofia, lingüística, teoria
literária) como Jacques Lacan, Julia Kristeva, Bruno Latour, Gilles Deleuze, entre outros,
considera o não menos conhecido Fritjof Capra (autor de O Tao da Física [1995], O ponto
de mutação [1995 b], A teia da vida [1997] — referências obrigatórias nos círculos
neo-esôs) um físico sério, principalmente nos primeiros trabalhos, mas não deixa de
criticar o contexto em que esse autor manipula, nesses livros, as formulações da mecânica
quântica, por exemplo. (Comunicação pessoal do autor, quando de sua participação, junta-
mente com Jean Bricmont, no evento “Visões de Ciência”, Instituto de Estudos Avançados
e FFLCH/USP, 27 e 28 de abril de 1998, São Paulo.) Marcelo Gleiser, autor de A dança
do Universo — dos mitos de criação ao Big Bang (1998) e Retalhos cósmicos (1999),
reconhece a complementaridade entre a ciência e determinadas tradições filosóficas orien-
tais e relata que sua decisão de dedicar-se à física foi em parte determinada pela leitura de
Capra (revista Planeta, fevereiro de 1998).
11. Russo (1993:112) usa o termo “complexo alternativo” para se referir a um dos campos
no qual situa as terapias corporais que analisa em seu trabalho.
12. Há pesquisas específicas sobre o tema. Russo (op.cit.), por exemplo, propõe uma
divisão em quatro grupos das práticas que constituem ao que chama de “complexo alter-
nativo”: a) “Práticas divinatórias ou esotéricas”; b) “Práticas orientais”; c) “Seitas mais
explicitamente religiosas”; d) “Práticas curativas paralelas à medicina oficial”. Entretanto,
ela própria conclui que “se trata sem dúvida de uma classificação bastante precária” e
aduz o motivo para isso: a dificuldade em encontrar critérios para operar a classificação
(:113). Entidades do meio também têm suas próprias classificações: o “Conselho Federal
de Terapia Holística”, por exemplo, lista as seguintes modalidades: arteterapeuta, cromo-
terapeuta, fitoterapeuta, iridólogo, naturoterapeuta, psicoterapeuta holístico, reflexotera-
peuta, terapeuta em sincronicidade, terapeuta corporal, terapeuta em estética, terapeuta

53
floral, terapeuta em técnicas tradicionais, yogaterapeuta, instrutor em terapia holística. O
SINTE (Sindicato dos Terapeutas), no artigo 4º de seu estatuto, enumera em torno de 97
especialidades, algumas sobrepostas a outras (Cf. http://www.sintecfth.com.br). Os profis-
sionais que podem se filiar ao SINATEN (Sindicato Nacional dos Terapeutas Naturistas)
são, conforme sua classificação: “acupunturistas, massoterapeutas, terapeutas florais, fito-
terapeutas, terapeutas com recursos autóctones (hidroterapeutas, geoterapeutas, técnicas
respiratórias, trofoterapeutas)”. Cf. O Terapeuta, ano 1, nº 0, outubro de 1997.
13. “Para desenvolvermos uma abordagem holística da saúde que seja compatível com a
nova física e com a concepção sistêmica dos organismos vivos, não precisamos abrir
novos caminhos, mas podemos aprender com os modelos médicos existentes em outras
culturas. O moderno pensamento científico, em física, biologia e psicologia, está condu-
zindo a uma visão da realidade que se aproxima muito da visão dos místicos e de numero-
sas culturas tradicionais, em que o conhecimento da mente e do corpo humano e a prática
de métodos de cura são partes integrantes da filosofia natural e da disciplina espiritual. A
abordagem holística da saúde e dos métodos de cura estará, portanto, em harmonia com
muitas concepções tradicionais, assim como sera compatível com as modernas teorias
científicas”(Capra, 1995b:299).
14. Russo distingue “práticas corporais” — que não incluiriam a concepção de tratamento
ou cura — das “terapias corporais”, dando como exemplo das primeiras a biodança,
corpo-análise, eutonia, antiginástica, tai-chi-chuan, kempô (: 116).
15. Cabe lembrar que entre os exemplos citados para ilustrar a classificação não estão
incluídos os incontáveis casos de técnicas inventadas a partir da junção de elementos de
sistemas diferentes e da imaginação do terapeuta.
16. Além de um centro de pesquisas farmacêuticas, uma fazenda de agricultura biodinâmi-
ca, consultoria empresarial, vários centros assistenciais, uma editora, estabelecimentos de
ensino, entre outros.
17. É justamente a referência a um sistema filosófico-religioso que termina constituindo o
aval para a confiabilidade do produto ou prática, como observa Cândida Meirelles, astró-
loga e fitoterapeuta, presidente da Associação dos Amigos do Parque Água Branca (situa-
do no bairro da Barra Funda, São Paulo), e que mantinha até há pouco uma banca com
ervas na Feira de Produtos Orgânicos desse parque. Cândida chamou a atenção para o fato
de que o aumento da procura por tais produtos acaba inviabilizando economicamente a
oferta de ervas realmente cultivadas e manipuladas de acordo com as normas da naturopa-
tia. Para atender a esse mercado, muitos fitoterapeutas recorrem a atravessadores para
adquirir matéria-prima e já não têm controle sobre a qualidade do produto que manipu-
lam. Assim, conclui Cândida, quando não se conhece pessoalmente o fornecedor, a única
garantia que se tem de estar consumindo um produto de qualidade é saber que provém de
alguma instituição filosófico-religiosa como a antroposofia, por exemplo. Em suma, ou

54
conhecimento e inserção na rede, por meio de contatos pessoais, ou a chancela de algum
sistema do Grupo I para fazer frente às regras de um mercado em expansão.
18. Padrão “erudito”, como será explicitado mais adiante, não é sinônimo de “científico”;
significa que é coerente com relação a determinado sistema e se pauta em procedimentos
ditados e referendados por ele. No meio neo-esô, por exemplo, têm muito prestígio as
práticas da medicina chinesa, com base em pressupostos da filosofia taoísta — o que não
implica que sejam reconhecidas como “científicas” para os padrões da medicina ocidental.
19. “Veganismo” é uma modalidade mais estrita do vegetarianismo que proscreve não só
qualquer alimento ou produto de origem animal como também aqueles em cujo processo
de produção tenha havido utilização de testes com animais.
20. Ver, a propósito, Magnani (1994b) e Guerriero (1998).
21. Diferentes estilos de expressão do sentimento religioso podem coexistir no interior de
uma mesma religião, como é o caso do catolicismo rústico ou da renovação carismática,
na Igreja Católica. Cf. Carvalho (1994), para outra categorização de estilos de espirituali-
dade.

55
3
As regularidades

Se as práticas do circuito neo-esô não constituem propriamente um movi-


mento com unidade interna, tampouco se apresentam sob a forma de uma suces-
são de elementos sem nexo, produto de iniciativas erráticas e atomizadas. Ao
contrário: desenvolvidas em termos profissionais e realizadas de maneira regular,
tais atividades exibem modos de implantação plenamente identificáveis na paisa-
gem da cidade, configurando uma rede articulada de espaços que oferecem uma
ampla gama de serviços e produtos.
Postulada essa regularidade, em contraposição a uma idéia corrente para a
qual o universo do neo-esoterismo não passa de um mero agregado de crenças e
práticas das mais variadas e díspares origens — um imenso e desencontrado
mosaico, desprovido de sentido —, a pesquisa buscou verificar a existência de
padrões em diferentes planos: na periodicidade de seu calendário, na localização
dos espaços, na lógica de uma narrativa de base que preside a formação de seus
inúmeros sistemas de significado e, finalmente, em códigos que definem padrões
de consumo e comportamento permitindo identificar diferentes tipos de usuários.

1. No tempo: o calendário

A primeira forma de regularidade que é possível verificar na oferta das


práticas presentes no meio neo-esô é sua freqüência: algumas vivências e celebra-

57
ções, assim como a programação de cursos e palestras, distribuem-se de forma re-
gular durante o ano, constituindo uma espécie de “calendário neo-esotérico”. Tal
fato mostra que essas práticas já estão incorporadas na dinâmica da metrópole de
maneira recorrente, pois, independentemente da rotina de cada instituição, exis-
tem festas, comemorações e rituais que se impõem, repetindo-se de modo cíclico.
Não se trata, evidentemente, de alguma marcação do tempo hermética e
exclusiva de supostos seguidores de seitas esotéricas, no sentido mais técnico do
termo. Na realidade, é uma pontuação pública, sobreposta ou alternativa a outros
calendários e que recupera outros sistemas de classificação para estabelecer cor-
tes significativos no fluxo da vida cotidiana. Mudanças no ciclo da natureza, nem
sempre perceptíveis no ambiente de grandes centros urbanos, como as fases luna-
res e o ciclo das estações, são especialmente enfatizadas.
A pesquisa pôde determinar eventos de freqüência anual, outros que aconte-
cem a cada semestre, a cada mês, durante os fins de semana e feriados prolonga-
dos, durante a semana e até mesmo ao longo de um dia. Esse calendário de certa
forma funciona como estrutura de base, induzindo atitudes e comportamentos:
nos inúmeros ritos que comemoram a passagem da primavera, por exemplo, com
profusão de flores, frutas, roupas claras e coloridas e música apropriada, as pesso-
as comportam-se alegre e expansivamente; já na comemoração do solstício de
inverno, o clima é outro, de introspecção, em consonância com o ritmo da nature-
za, que mergulha no longo período de recolhimento:
“Na verdade estamos ainda no final do ciclo do inverno, que representa um mergu-
lho para dentro. É a inspiração, ao contrário da primavera, que é expiração”, explica
Valmira Simão, do Espaço Kiokawa Cultural.

O calendário neo-esô levantado pela pesquisa acopla-se a datas já previstas e


comemoradas nos calendários religioso e/ou civil oficiais, dando-lhes, é claro,
outros significados. Veja-se por exemplo o tipo de sugestões de presentes de Natal
anunciados pelo espaço Triom — Centro de Estudos Marina e Martin Harvey:
“Para você presentear neste Natal, a Livraria Triom, além de uma grande variedade
de títulos nacionais e estrangeiros, faz estas sugestões especiais: agendas Inner
Reflections e livros vindos diretamente do Self-Realization Fellowship com os ensi-
namentos de Yogananda, Cartas dos Anjos e calendários Trees for Life vindos da
comunidade de Findhorn, sinos Mensageiros da Paz em vários tamanhos, velas de
cera de abelha, medalhas artesanais em prata e o recém-lançado Jogo da Transfor-
mação em português. Desejamos a todos um Feliz Natal e, para aqueles que vierem
escolher seus presentes na TRIOM, teremos uma mensagem individual de alegria,
amor e otimismo para 1995.”

58
“Neste Natal, dê um presente criativo! Você só precisa nos passar os dados de
nascimento da pessoa e ela receberá: um mapa astrológico indiano; uma fita gravada
com a interpretação; recomendação de pedras específicas para a pessoa.” (Instituto
Ratna de Cultura Indiana).
O Espaço Alquimia Interior programava eventos específicos para jovens
(“Uma Aventura Alquímica”) e crianças (“Brincando de Alquimia”) como prepa-
ração para o Natal; para o Ano-novo propõe um “Ritual de Renovação”, espécie
de retiro no campo. “Renascer — Espaço de Reeducação Holística” propunha um
“Réveillon da Nova Era”, para o dia 31/12. A agência de viagens Novo Tempo,
por sua vez, anunciava:
“Réveillon da Magia! Rotas místicas e energéticas — Machu Picchu, a cidade
sagrada dos Incas. Cerimônia de Ano Novo em “Intiwatana” com a energização dos
cristais. Viva essa experiência fascinante, de introspecção, com tempo exclusivo
dedicado ao seu Eu Interior em paz profunda no primeiro dia do ano de 1998.
Invocando a liberdade do Ser, do Espírito, da mente, do corpo e os pensamentos.
Deixar fluir toda a energia e a força cósmica da natureza envolto à todo o seu ser
(sic) — Eu Interior e vibrar energias puras para 98 com vibrações positivas, medita-
ção, visualização, prosperidade e abundância para você e para toda a Humanidade.”
Mas não é apenas o Ano-novo comercial que é comemorado; assim, na
programação do primeiro semestre de 1994 do “Espaço Aruna — Yoga e Cultu-
ra”, estava prevista, para os dias 18, 19 e 20 de março, em um sítio a sessenta
minutos de São Paulo, uma “Maratona de Meditação de Ritual de Ano Novo”:
“A meditação é uma poderosa fonte de inspiração e criatividade para a nossa vida.
Junto à natureza, você vai participar de exercícios de concentração, visualização,
meditação com sons, com ideagramas cósmicos, confecção de mandalas pessoais,
relax, programação de sonhos, além dos momentos de lazer. Vamos aproveitar a
entrada do ano novo astrológico para realizarmos um ritual de renascimento interior.”
No ano seguinte, Aruna anunciava, para o dia 22 de março de 1995 às 20
horas:
“Junto com a entrada do Outono, vamos celebrar o Ano-novo Astrológico. Um ritual
alegre onde você vai conhecer as previsões para o próximo ano, assimilar os ensina-
mentos do último ciclo e se reprogramar para o próximo. Traga flores e frutos.
(Grátis).”
Mardoqueu Lopes, então um dos responsáveis pelo espaço, assim explicou a
dinâmica desses rituais:
(...) “esse ritual não foi inventado. É um ritual que faz parte do yoga. Pra gente,
recebe o nome de Sat Chakra, e que pode ser feito para qualquer coisa: para

59
comemorar um casamento, um batizado, uma data importante. Esse ritual, ele era
assim uma vez por ano, que é no final do ano. Um ritual de confraternização de
final de ano. Aí a gente começou a fazer mais rituais, porque as pessoas começa-
ram a pedir mais. Então, pensamos ‘por que a gente não faz nas mudanças de
estação?’ Porque todo mundo se junta, tem toda uma vibração. Aí a gente começou
a fazer mais, a cada estação. Só que também não tem uma obrigatoriedade. Às
vezes a gente resolve. ‘Vamos fazer no inverno.’ Inverno e primavera a gente
sempre faz. Outono, esse ano, por exemplo, a gente não fez. Então, é assim.
Inverno, primavera e verão, a gente faz. Outono a gente vê se faz ou não.” (trecho
de entrevista, julho de 1994)
Valmira Simão, do Espaço Kiokawa Cultural, salientava os aspectos comuns
desses rituais, o que confirma a existência de um padrão que se repete e se impõe:
— Na verdade, você que inventou seu ritual?
— É.
— Ele seguiria uma linha oriental, mas tem uma base...
— É. Tem que ter as flores assim, essas frutas, esses mantras, esse suco e aí a gente
põe a luz assim.
— É o seu jeito...
— E depois veio uma aluna minha falar: ‘Você sabe que eu participei de um ritual
de primavera? Era uma celebração’. Eu perguntei como foi. Ela disse que tinha
frutas, flores e que no fim as pessoas escreveram textos...
— E onde é que foi feito isso?
— Foi o pessoal do Alemdalenda.
— Foi exatamente o que você fez?
— Foi exatamente como o que eu fiz. Isso, por um lado eu fico contente. Por outro...
(trecho de entrevista, 21 out. 1993)
A cerimônia de Natal do Espaço Imagick combina, no que chama de “ritual
crístico”, tradições bíblicas relativas ao nascimento de Jesus com evocações de
viagens espaciais e personagens mitológicos que remetem ao universo medieval
centro e norte-europeu; realiza-se não na data convencional, mas na segunda
semana do mês de dezembro.
Outras datas classificadas como anuais pela pesquisa, por exemplo as cele-
brações por ocasião do Dia das Mães, também são revestidas de novos significa-
dos. Assim, a Associação Hastinapura programou, para um dia 13 de maio, uma
palestra com o título “Mãe Cósmica: o lado feminino de Deus: os atributos da
Divindade, representada em forma de Mãe, foram cultuados por todas as culturas
antigas. Conheceremos um pouco mais das deusas da Índia, Egito, etc. e do princípio
feminino no Universo”. “DéjàVu — Espaço Esotérico” prometia uma supresa para o
Dia dos Pais:

60
“De 26 a 31 de julho venha ao DéjàVu. Nós estamos preparando uma promoção
surpresa para o dia dos pais. Não perca porque, igual a esta, só no ano que vem!
Anote na sua agenda! Não esqueça!”

Para o mês de junho, quando se celebra o Dia dos Namorados, a Livraria


Spiro e Triom — Centro de Estudos Marina e Martin Harvey anunciavam:
“Mesa-redonda sobre o encontro — masculino/feminino — a busca da unidade, da
compreensão, do amor e da sensualidade (...). Sugestões de presentes para o Dia dos
Namorados: bijuterias delicadíssimas; caleidoscópios mágicos; kit de ervas; jogos
de papéis de cartas” (Livraria Spiro); “Promoção para os namorados: em junho, os
CDs e objetos para presente estarão com desconto de 5 a 15%” (Triom).

Já o xamã urbano Léo Artese, por intermédio da “Novo Tempo Operadora


de Turismo e Eventos Ltda.”, anunciava uma nova forma de passar o Halloween:
propunha um “encontro marcado com as bruxas” no Spa Holístico Embaúba
(Santa Isabel, SP), no dia 20 de outubro. Essa data, bastante popular nos Estados
Unidos, até recentemente não tinha muita divulgação no Brasil, com exceção de
algumas festinhas restritas a alunos de escolas de inglês. Sua apropriação, nos
espaços do circuito neo-esotérico, deu-se por duas conotações: uma, a partir da
própria figura da bruxa, valorizada enquanto detentora de um poder tipicamente
feminino; e outra, no interior de um discurso (e práticas corrrespondentes) que
reinventa certa concepção de xamanismo. Esta última é a que está presente na
proposta citada, como se pode perceber no texto que a acompanha:
“Um evento de caráter folclórico-cultural, que irá transpor para os dias de hoje o
verdadeiro espírito das festas sagradas da tradição céltica. Todos os detalhes conspi-
ram para fazer desta festa um evento enriquecedor e inesquecível. As comidas,
bebidas, música, dança, o cenário ao ar livre, junto à natureza, para reconstruir o
mais fielmente a festa do ‘shaman’. Todos os convidados participam ativamente do
evento, vestidos de forma e com as cores corretas, tomando parte das danças sagra-
das e rituais que irão acontecer.”

É nítida a intenção de diferenciar-se de uma mera festa “de curtição”, ressal-


tando os aspectos “sagrados” do evento, sua ligação com as origens “célticas”. Já
o espaço “Alemdalenda dos Jardins” enfatizava a primeira conotação, calcada no
feminino, ao promover, na semana do Halloween (25/28 de outubro), uma série
de eventos com palestras, entre as quais:
“O caminho de Morgana: a religião feminina e a teologia da Mãe Terra; a bruxaria,
o neopaganismo e o culto da Deusa no mundo atual; lançamento do livro de Márcia
Frazão, Revelações de uma bruxa; poemas e contos da tradição celta, cantos celtas e
cantigas mágicas das bruxas.”

61
Uma citação no folheto junta as duas idéias, poder feminino e “religião
primitiva”:
“A bruxa é uma pessoa que acredita na religião primitiva atualmente chamada Wicca.
Ela é uma religião do mundo natural e da fertilidade.” (Robin Skelton, poeta e bruxo)
“Paz Géia — Instituto de Pesquisas Xamânicas” comemora a festa da pa-
droeira do Brasil:
“Dia 12/10 às 20h30, Celebração da Madona Negra (Nossa Senhora Aparecida). A
Paz Géia conclama todos os xamãs a uma meditação particular, em seus lares, às
20h30, por Luz e Paz para o Brasil.”1
Com relação às comemorações classificadas pela pesquisa como mensais, as
mais difundidas são os diversos rituais da lua cheia: Paz Géia, Centro de Dharma
Shi-De-Choe Tsog, Instituto Nyingma do Brasil, Triom, entre outros, promovem
a celebração:
“Nas noites de Lua Cheia, todos os meses, o Instituto Nyingma do Brasil realiza
uma cerimônia de canto de mantra, das 20h00 às 21h30. Atividade aberta ao públi-
co. Sugerimos que se ofereçam frutas, flores, velas ou incenso.”
“Meditação da Lua Cheia: Reunião pela harmonia, paz e amor entre os homens. As
reuniões de 1995 já tem datas e horários marcados. Consulte-nos e chegue com 15
minutos antes do horário, por favor.” (Triom — Centro de Estudos Marina e Martin
Harvey)
As celebrações de ocorrência cíclica — anuais e mensais — compreendem
principalmente as do tipo “vivências”. Não há rituais de fim de semana (no domingo
ou sábado), obrigatórios e/ou regulares, como acontece na maioria dos cultos religio-
sos da tradição judaico-cristã. As atividades de divulgação e formação e as terapêuti-
cas seguem outro tipo de periodicidade, a do calendário escolar e a do tratamento de
saúde: distribuem-se durante a semana, com ênfase na parte da noite, e nos finais de
semana e feriados. No entanto, acompanhando de perto o ritmo das atividades urba-
nas, alguns espaços não descuram até mesmo as subdivisões do dia:
“Novidade! Meio-dia esotérico: Palestras de 45 minutos para você aproveitar sua
hora de almoço! Para participar, não é preciso fazer reserva: as vagas são das
primeiras pessoas que chegarem. Sempre às 12h15. Veja os temas das palestras,
assinalados com *.” (DéjàVu — Espaço Esotérico, rua Peixoto Gomide, 449, Cer-
queira César)

62
Quadro sinóptico do calendário das práticas neo-esotéricas

Periodicidade Tipo Exemplos


“Neste Natal, dê um presente criativo! Você
só precisa nos passar os dados de
nascimento da pessoa e ela receberá: um
mapa astrológico indiano; uma fita gravada
com a interpretação; recomendação de
1) Comemorações que se acoplam a
pedras específicas para a pessoa.” (Ins-
certas datas do calendário religioso
tituto Ratna de Cultura Indiana)
católico e civil: Natal, Ano-Novo, Dia
“Dia 12/10 às 20h30, Celebração da Ma-
da Padroeira do Brasil etc., dando -lhes
dona Negra (Nossa Senhora Aparecida). A
outras conotações.
Paz Géia conclama todos os xamãs a uma
Anual 2) Comemorações novas: solstício de
meditação particular, em seus lares, às
verão e inverno; equinócio de prima-
20h30, por Luz e Paz para o Brasil.” (Paz
vera e outono;
Géia)
3) Ressignificação de datas comerciais
“Junto com a entrada do Outono, vamos
como Dia dos Pais, das Crianças e di-
celebrar o Ano Novo Astrológico. Um
vulgação de outras como Halloween.
ritual alegre onde você vai conhecer as
previsões para o próximo ano, assimilar os
ensinamentos do último ciclo e se reprogra-
mar para o próximo. Traga flores e frutos.
Grátis.” (Espaço Aruna-Yoga)
“Novo Tempo — Turismo Ecológico e
Aventuras apresenta: Rotas Místicas
(Roteiros do Autoconhecimento): Machu
Férias de julho e fim de ano: excursões Picchu — Os Mistérios do Império do Sol;
Semestral
eco-esotéricas. Bolívia, Cultura e Misticismo nos Andes;
São Thomé das Letras, cidade mística das
pedras — vivências/ meditação/ energi-
zação.”
— “Nas noites de Lua Cheia, todos os
meses, o Instituto Nyingma do Brasil
realiza uma cerimônia de canto de mantra,
das 20h00 às 21h30. Atividade aberta ao
público. Sugerimos que se ofereçam frutas,
Cerimônias relativas às fases da lua, flores, velas ou incenso.”
Mensal
principalmente à da lua cheia. — “Ritual da Lua Crescente: vamos nos
encontrar, comemorar mensalmente brin-
cando, dançando no nosso ritual da lua
crescente. Volta ao culto da grande mãe.
Dias 20/10-23/11-21/12.” (Espaço Mo-
mento de Paz)

63
Periodicidade Tipo Exemplos
“Um fim de semana inesquecível onde
você vai participar do ritual das luzes em
homenagem à Lakshmi, a deusa da
prosperidade na mitologia hindu. O Diwali
celebra também o Ano-Novo indiano. Na
programação, práticas de Yoga e medi-
Feriados/fins
Workshops, re tiro s, treinamentos tação, dança indiana, caminhadas pela
de semana
intensivos, vivências. mata, brincadeiras, além de aproveitar
prolongados
todas as opções de lazer que o hotel
oferece: piscina, sauna, jet-sky, caiaque,
lancha, cavalos, etc. (2 parcelas de R$
65,00 incluindo transporte, hospedagem e
refeições)”. (Da programação distribuída
por Aruna-Yoga, out./nov./dez. 94)
“Os chakras e os corpos sutis” — 27 de
agosto a 15 de outubro, terças-feiras, das
1) dias úteis: programação regular dos
20 às 21:30 horas.” (Atria — Espaço multi-
cursos e sessões de terapia
disciplinar)
Semanal 2) fins de semana: palestras, demons-
“Palestras gratuitas — Sextas-feiras às
trações de técnicas, aulas abertas grátis,
20:30 — 22/11: Medicina Oriental (His-
shows, concertos.
tória e Ciência) — Cuidar de si; Ciência
Mental.” (Espaço Ch’i)
“Novidade! Meio-dia esotérico: Palestras
de 45 minutos para você aproveitar sua
Práticas no âmbito privado: medita- hora de almoço! Para participar, não é
ções, exercícios, leituras, rituais pri- preciso fazer reserva: as vagas são das
Cotidiano
vados e também nos espaços do circuito primeiras pessoas que chegarem. Sempre
neo-esotérico. às 12h15. Veja os temas das palestras,
assinalados com *.” (DéjàVu — Espaço
Esotérico)
“Simpósio ‘Saúde integral no limiar da era
da alta Tecnologia’ — 10/11/12 de maio de
1995. Centro de Convenções Anhembi.
Eventos Congressos, encontros, jornadas.
“Imaginária 95: Arte, Ciência, Economia e
Espírito numa visão de futuro” — 6 a 12 de
novembro, SESC Pompéia

64
2. No espaço: circuitos e trajetos

A evidência inicial de regularidades no meio neo-esô foi a forma particular


de distribuição dos seus espaços na cidade, constatada a partir do levantamento
preliminar já descrito. Como foi mostrado no capítulo 1, os endereços aglutinam-
se em determinadas regiões, fornecendo a pista para uma primeira correlação,
aquela entre o universo neo-esô e a classe social de seus praticantes. As atividades
desse universo, diferentemente de outras práticas mágico-religiosas, não estão
associadas com camadas populares, de baixa renda e escassa escolaridade. Ao
contrário: utilizando-se da mídia como meio de divulgação e oferecidas em esta-
belecimentos implantados preponderantemente em bairros de classe média e mé-
dia alta, não deixam dúvidas quanto ao meio socioeconômico de seu
público-alvo.
Apesar de concentrada em quatros bairros de classe média, a distribuição
dos espaços não conformava uma mancha contígua na cidade. Em busca de algum
outro padrão uniforme de implantação, optou-se por concentrar a atenção num só
bairro, naquele que se sobressaiu como o top das práticas correntes no circuito
neo-esô, com a marca de 103 espaços: trata-se da Vila Mariana, bairro misto com
áreas de intensa ocupação comercial e de serviços e também residencial, com
significativa presença, na paisagem, da edificação tipo sobrado, de casas térreas e
vilas.
A pesquisa, inicialmente, havia seguido a divisão por distritos, conforme
critério adotado pela Secretaria Municipal do Planejamento da Prefeitura do Mu-
nicípio de São Paulo; nesse caso, Vila Mariana, como distrito, abrangia os bairros
Aclimação, Paraíso, Praça da Árvore e Vila Mariana propriamente dita. Uma
atualização posterior listou 127 endereços para o distrito, confirmando os que
permaneceram e incorporando os novos. Agora, porém, ao focar de maneira mais
restritiva o bairro da Vila Mariana, deixou-se de lado a divisão oficial, optando-se
por aquela que é realmente utilizada como referência pela população em seus
usos e deslocamentos.
A estratégia de reconhecimento e identificação dos endereços foi, também,
modificada: em vez de anúncios na mídia, decidiu-se pela caminhada, procurando
identificar in situ os espaços ligados ao universo neo-esô.2 Numa primeira etapa o
trecho percorrido — basicamente o núcleo do bairro — tomou como referência a
principal via, no alto do espigão, estendendo-se por um quadrilátero compreendi-
do entre as estações do metrô Vila Mariana e Ana Rosa, o Cemitério da Vila
Mariana e o Instituto Biológico.

65
O eixo central, constituído pela rua Domingos de Morais, é cortado por
algumas vias com ocupação mais densa por espaços neo-esôs: ruas Carlos Petit,
Joaquim Távora, Conselheiro Rodrigues Alves e a própria Domingos de Morais.
No interior dessa malha foram percorridas, entre outras, as seguintes ruas: França
Pinto, Tomás Alves, Morgado de Mateus, Arthur de Godoy, Dr. Fabrício Vampré,
Gandavo, Gregório Serrão. O resultado, tendo em vista apenas o núcleo do bairro,
foi de 82 endereços.
Alguns espaços, sobretudo os surgidos apenas em função do boom pelo qual
passou esse ramo de atividades, apresentam alta rotatividade: muitos instalam-se
em endereços anteriormente ocupados por atividades similares, aproveitando-se
não apenas de um espaço já devidamente reformado segundo um programa arqui-
tetônico característico, mas também da clientela já formada.
Entretanto, alguns estabelecimentos mais tradicionais terminam constituin-
do pólos aglutinadores em torno dos quais vão-se estabelecendo outros, de menor
tradição, ainda pouco conhecidos e de recente implantação. É o caso, por exem-
plo, do Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos, que desdobra suas funções
em duas casas, uma na rua Ignácia Uchoa nº 4, onde funcionam o ambulatório, o
consultório homeopático e a biblioteca; e outra na rua Bartolomeu de Gusmão n.º
86, a sede principal, onde são oferecidos cursos de “pós-graduação” em homeo-
patia, acupuntura, psicossomática, psicologia junguiana, fitoterapia, iridologia,
terapia floral e programação neurolingüística.
Os espaços mais conhecidos e localizados no núcleo do bairro funcionam
também como centrais de informação pois, no hall de entrada, ou à porta do
estabelecimento (quando se trata de ponto de venda), existe sempre um mural
onde são afixados cartões, folhetos e cartazes, anunciando os mais diversos servi-
ços e eventos.
Ocorre também um significativo fenômeno que mostra o apelo da “marca”
do neo-esoterismo: trata-se do aproveitamento da onda neo-esô para batizar esta-
belecimentos cujas atividades nada têm a ver com essas práticas: “Cabeleireiro
Macktub”, “Padaria Ayel” (usando no logotipo a figura do anjo); “Farmácia de
Manipulação Biolife”; loja de roupas “Orion”, loja de cosméticos “Namastê”,
café expresso e happy hour cultural “Alquimia do Café”, “Nova Era Plásticos e
Embalagens” etc.
Caminhar pelo bairro mostrou, ademais, outra particularidade que, já se
previa, altera o resultado do número final de espaços neo-esôs, se colhidos princi-
palmente com base em anúncios, cartazes, folhetos, cartões de visita: além daque-
les publicamente anunciados, qualquer que seja o meio, existem os que não
exibem sinais claros de identificação, sendo procurados por intermédio de outro
sistema de comunicação, o da indicação pessoal. Muitos desses estabelecimentos,

66
sobretudo os que se dedicam a atividades terapêuticas, ainda corriam o risco de
denúncia, pois seus agentes nem sempre são devidamente credenciados; nesses
casos, a discrição é fundamental.
E, finalmente, numa segunda etapa, resolveu-se ampliar o raio de caminhada
e observação para todo o bairro de modo a poder identificar o comportamento de
categorias já utilizadas em outros estudos para designar lógicas espaciais. O
trecho percorrido foi aquele delimitado pelo seguinte perímetro: rua Luiz Góis,
av. Rubem Berta, rua Pedro Alvares Cabral, av. Brigadeiro Luiz Antonio, av.
Paulista, rua do Paraíso, rua Ximbó, Cemitério da Vila Mariana, av. Lins de
Vasconcelos, rua Domingos de Morais, rua Santa Cruz, av. Dr. Ricardo Jafet. Esse
perímetro inclui Paraíso e Vila Clementino no bairro de Vila Mariana.3
O levantamento localizou 139 espaços e, mais que o número, interessa
indagar a lógica de sua distribuição. Uma delas é devida ao poder aglutinador
exercido pelo metrô e nesse sentido o comportamento das atividades tipicamente
neo-esôs não difere de outros tantos serviços que usufruem das economias exter-
nas induzidas por esse meio de transporte. A área contemplada pelo levantamento
é atravessada por um segmento da Linha Azul (Norte/Sul) com quatro estações:
Paraíso, Ana Rosa, Vila Mariana e Santa Cruz.
Outro pólo aglutinador é exercido pelo complexo do Hospital São Paulo.
Em volta desse estabelecimento-âncora distribuem-se inúmeros serviços ligados à
área da saúde como consultórios, farmácias, laboratórios, venda de produtos ci-
rúrgicos, raios X, tomografia etc., entre os quais muitos espaços do circuito
neo-esô dedicados principalmente a atividades terapêuticas. Nesse caso pode-se
considerar que se está diante da ocupação tipo “mancha”, tal como ocorre em
áreas ocupadas por outros complexos hospitalares tipo Hospital das Clínicas (av.
Rebouças e av. Dr. Arnaldo), Hospital São Camilo (av. Pompéia) e outros. Não se
trata de uma mancha4 neo-esô propriamente dita, mas de saúde, em geral; entre-
tanto, é digno de nota que uma instituição “oficial” termine sendo um ponto de
referência para práticas não convencionais.

2.1. O circuito

A partir dos casos específicos observados nesse bairro, pode-se concluir que
o padrão de implantação dos espaços e atividades neo-esôs, de forma geral, não é
a “mancha”, mas o “circuito”. Essa é uma categoria surgida a partir da observação
de outras formas de uso do espaço urbano que permite identificar um conjunto de

67
estabelecimentos caracterizados pelo exercício de determinada prática ou oferta
de algum serviço, porém não contíguos na paisagem urbana, sendo reconhecidos,
contudo, em sua totalidade, pelos usuários habituais.
Cabe aqui uma retomada da “família” de categorias a que pertence (a lista
completa inclui pedaço, mancha, pórtico, circuito, trajeto) para analisar as rela-
ções — paralelismos e diferenças — entre elas.
Assim, pedaço e mancha têm em comum uma referência espacial bem
delimitada: a relação do primeiro com o espaço, entretanto, é mais transitória,
pois o pedaço pode mudar-se de um ponto para outro sem se dissolver, já que seu
outro componente constituitivo é o simbólico, que lhe permite a criação de laços
em razão do manejo de determinado código por parte dos integrantes.5 Já mancha
— delineada pelos equipamentos que se complementam ou competem entre si no
oferecimento de determinado serviço — apresenta uma relação mais estável com
o espaço e é mais visível na paisagem: é reconhecida e freqüentada por um
círculo mais amplo de usuários.
Circuito é a categoria que também designa um uso do espaço e de equipa-
mentos urbanos, possibilitando, por conseguinte, o exercício da sociabilidade (en-
contros, comunicação, manejo de códigos), porém de forma mais independente
com relação ao espaço, sem se ater à contigüidade, como ocorre na mancha. Tem
existência observável: pode ser levantado, descrito, localizado. É um conjunto
articulado, hierarquizado, com determinado tipo de ordem; é conhecido pelos
usuários habitués.
Em princípio faz parte do circuito a totalidade dos estabelecimentos que
concorrem para a oferta de determinado bem ou serviço, mas na prática terminam
sendo reconhecidos apenas os mais significativos, aqueles que dão sustentação à
atividade. Assim, alguns deles funcionam como referência para todo o circuito;
outros são secundários. É possível distinguir circuitos em múltiplos planos: desde
um mais abrangente, que reúne as diferentes modalidades de uma mesma prática
— é o circuito principal —, até segmentos mais particularizados, congregando
setores específicos. Assim, por exemplo, pode-se delimitar o circuito dos terapeu-
tas naturistas e, no seu interior, distinguir o circuito dos acupunturistas, o dos
massaterapeutas etc. — são os circuitos derivados. Em outro exemplo, no interior
do circuito formado pelas artes divinatórias, pode-se contemplar apenas o seg-
mento formado pelos tarólogos, e assim por diante. Seguindo essa lógica, num
plano mais geral, pode-se então falar no circuito neo-esô, reunindo espaços, ativi-
dades e propostas vinculados pela prática e pelo comportamento de determinada
classe de usuários e seus contatos.
A noção de circuito tem implicações metodológicas: oferece um princípio
de classificação aplicável em diferentes níveis de abrangência, permitindo distin-

68
guir tantos planos quantos sejam necessários para estabelecer um conjunto homo-
gêneo e comparável. Assim, se o que está em questão é uma atividade específica
— digamos, a acupuntura —, é possível situá-la no circuito específico dessa
modalidade e desse modo comparar os diversos estilos, metodologias, bases filo-
sóficas, técnicas e até instrumentos utilizados. Esse procedimento permite encarar
o problema do “caos semiológico”, sensação que se tem quando se faz referência
a uma prática vinculada diretamente ao caldeirão do universo neo-esô: nesse caso,
dificilmente se encontram parâmetros comparativos, pois eliminam-se as media-
ções. Caos, aliás, que também é diagnosticado em outras situações da vida metro-
politana cada vez que se isola um determinado indivíduo de sua rede, enfren-
tando-o diretamente com a cidade; nessas condições é inevitável a sensação de
anonimato, fragmentação, desordem. Esse é um olhar de longe e de fora; ajustan-
do-se devidamente o foco da análise, contudo, é possível perceber os diferentes
circuitos que o usuário reconhece e percorre, ao estabelecer seus próprios traje-
tos, seja no plano profissional, do lazer, do consumo, das práticas devocionais etc.
O circuito formado pelos espaços e práticas neo-esôs não foge a essa dinâmica.
Mancha e circuito, todavia, têm em comum o fato de designarem recortes
observáveis e identificáveis na paisagem urbana, reunindo conjuntos de ofertas
aos freqüentadores. O que movimenta esses conjuntos, no entanto, o que transfor-
ma as possibilidades em uso real, é a noção de trajeto: o usuário, ou um grupo
homogêneo deles, circula, vai de um ponto ou equipamento a outro, dentro de
uma mancha ou no interior de um circuito.
O trajeto é resultado de escolhas, um “sintagma” particular construído a
partir das possibilidades abertas pela totalidade, o “paradigma”, e sua análise
permite identificar tipos de usuários, agrupando-os segundo os critérios das esco-
lhas. Um trajeto típico, no interior do circuito mais geral neo-esô, inclui o espaço
de maior freqüência (dos Grupos I ou II), que funciona como o ponto de aglutina-
ção para palestras, cursos, rituais, encontros; depois, a livraria, loja ou entreposto
de produtos (alimentícios e de consumo pessoal ou doméstico); em seguida, um
espaço (do Grupo III) que oferece alguma prática corporal. Eis um trajeto possí-
vel: o usuário que segue algum curso na Associação Palas Athena (Paraíso) pode
comprar seus livros ou CDs preferidos na Livraria Spiro (Jardins), adquirir seus
medicamentos na Farmácia Homeopática Brasileira (Vila Mariana), fazer o curso
de cromoterapia no Espaço Tattva (Pompéia) e realizar suas sessões de massagem
na Escola A.M.OR (Vila Madalena). É nesse trânsito que se forma uma teia de
encontros mais vasta, ampliando a sociabilidade estabelecida no interior de cada
espaço identificado com o universo neo-esô.
O trajeto também pode estar referido a uma especialidade, como por exem-
plo as escolhas de um massagista, desde sua escola de formação, passando pelos

69
pontos de venda onde se abastece dos produtos necessários ao exercício de sua
prática, até os espaços em que atua como profissional. Aos trajetos aplica-se o
critério de “gramaticalidade”, pois são o resultado de escolhas que obedecem a
uma lógica de compatibilidades, ditada pelo sistema mais geral que o usuário
segue: não são arbitrários.6 Por isso é que, no caso dos neo-esôs, constituem uma
pista valiosa para identificar gostos e estilos de vida: as pessoas que perfazem os
mesmos trajetos (ou aproximados) com certeza partilham valores semelhantes.
As noções de circuito e trajeto, ao possibilitar que se desvincule uma prática
ou teia de sociabilidade dos limites da contigüidade espacial, oferecem condições
para situá-las num contexto muito mais amplo. No caso das práticas identificadas
com o meio neo-esô, permitem dar conta dos laços que se estabelecem para além
até mesmo da cidade. Não é rara uma movimentação que inclui viagens, contatos,
iniciações e cursos em sítios e praias, em outros estados e até mesmo em outros
países. O horizonte, dessa forma, alarga-se consideravelmente, permitindo conta-
to com um leque muito mais variado de experiências e estabelecendo um fluxo
aberto de trocas.

2.2. Um exemplo de circuito e trajetos: terapeutas naturistas

Com o propósito de mostrar mais concretamente a aplicação das categorias


acima descritas, sobretudo a de circuito, serão apresentadas algumas atividades
terapêuticas denominadas “naturistas”, em especial a acupuntura e a massotera-
pia.7 Trata-se de um exemplo; ainda que inclua espaços realmente importantes,
não pretende ser exaustivo pois não se propõe a dar conta de todos os estabeleci-
mentos do circuito, nem dos vários pressupostos filosóficos que servem de funda-
mentação para as técnicas aplicadas e os resultados esperados. Do circuito total
será feita referência — a partir de dados obtidos no levantamento feito na Vila
Mariana8 — a um segmento que se estende por outros bairros, incluindo os que a
primeira fase da pesquisa revelou como os de maior incidência de espaços neo-
esôs.9
O exercício dessas práticas não constitui novidade e, na cidade de São
Paulo, sua difusão deu-se bem antes da atual onda neo-esotérica. Sua principal
fonte de inspiração e quadro de referência é a chamada medicina tradicional
chinesa que, por sua vez, repousa na filosofia taoísta.
Nesse sistema, o Tao10 representa um movimento mais geral entre dois
pólos — yin e yang — que, aplicados ao corpo humano, permitem mapear os

70
trajetos por onde circula o Ki (ou ch’í, segundo outra forma de transcrição dos
ideogramas), a energia vital: em seis linhas yin, a energia sobe na direção ter-
ra/céu e em seis linhas yang ela desce do céu para a terra. Cada linha é acoplada a
uma parceira de polaridade oposta e, em pares, são relacionadas com determinada
área fisiológica e emocional de acordo ainda com as características de cinco
elementos — fogo, terra, metal, água e madeira. Da harmonia entre as forças
energéticas yin e yang e entre os elementos decorre o equilíbrio na saúde.
A alimentação, os estados emocionais, a prática ou não de exercícios físicos,
a relação com o meio, tudo irá influenciar no bom equilíbrio energético. A culiná-
ria e as plantas medicinais também estão incluídas nesse sistema; a macrobiótica,
por exemplo, derivada da filosofia taoísta, que classifica as ervas e alimentos em
yin e yang, recomenda como saudáveis as dietas alimentares que procuram articu-
lar, em cada caso e circunstância, essas duas forças.11
Alguns pontos naquelas linhas, denominadas meridianos, são portas de co-
municação entre as funções do corpo e os fluxos energéticos. Os pontos de
tratamento podem ser estimulados por meio de agulhas (acupuntura), pressão
com os dedos (do-in) ou calor (moxabustão), desobstruindo os canais para que o
Ki possa fluir livremente. O princípio dessa medicina, em todas as suas ramifica-
ções, é sempre o de manter livre a corrente de energia Ki no organismo, de modo
que o sistema imunológico permaneça capacitado a enfrentar os distúrbios orgâ-
nicos enquanto ainda estão no início. Presente em outros contextos culturais, esse
sistema produziu práticas locais, como o shiatsu, no caso japonês.
Essa medicina chegou ao Brasil com imigrantes provindos do Extremo
Oriente, no final do século XIX e começo do século XX e, no caso de São Paulo,
permaneceu restrita às comunidades que se estabeleceram no tradicional bairro da
Liberdade. A partir da década de 1950, o professor Frederico Spaeth começou a
ministrar cursos de acupuntura para médicos brasileiros, mas, até meados de
1970, quando aumentou o interesse por essas práticas, a acupuntura e terapias
afins eram ainda consideradas charlatanismo. Em 1975 a OMS recomendou que
fossem utilizadas, principalmente nos países em desenvolvimento, outras formas
terapêuticas então chamadas de “alternativas” — entre as quais se inclui a
acupuntura.
O contato com filosofias orientais promovido pelo movimento de contracul-
tura contribuiu para a disseminação dessas e de outras técnicas, como as proveni-
entes da Índia e do Nepal. Por outro lado, as terapias corporais (sobretudo as de
inspiração reichiana, como a bioenergética) que começaram a difundir-se por
volta do final dos anos 70 colaboraram para uma crescente tendência de contrapo-
sição à medicina alopática. O aumento da demanda incentivou a formação de um
maior número de profissionais — terapeutas corporais, acupunturistas, massagis-

71
tas, naturopatas, homeopatas etc. — identificados com propostas mais “holísti-
cas” de tratamento.
Consolidado o mercado, já na década de 1980, os profissionais de algumas
modalidades começaram a se mobilizar para se organizar melhor como categoria.
De acordo com o dr. Wu Tou Kwang, presidente da ANAMO — Associação
Nacional de Acupuntura e Moxabustão —, em 1985 o Conselho Federal de Fisio-
terapia e Terapia Ocupacional e, em 1986, o Conselho Federal de Biomedicina
indicavam a acupuntura como habilitação. Com relação aos massoterapeutas —
cuja especialidade, segundo Armando Austregésilo (diretor do Espaço A.M.OR,
sede da Associação de Massagem Oriental do Brasil), já fora reconhecida pelo
Decreto-lei nº 8345, de 10 de dezembro de 1947 —, só recentemente, nos anos
noventa, aliaram-se a outros profissionais em prol de uma regulamentação mais
adequada ao exercício da profissão.12 O processo é sustentado por uma intensa
mobilização envolvendo ações nos planos federal, estadual e municipal, pressão
sobre parlamentares, gestões junto ao Ministério da Saúde, criação de associações
mais abrangentes — sindicatos, cooperativas, conselhos — e luta contra ao que
chamam de “reserva de mercado” como tentativa de limitar o exercício da acu-
puntura a formados em medicina ou em outra área biomédica.13
Com relação à sua distribuição espacial, a pesquisa inicial mostrou que as
práticas médicas com base em filosofias orientais não mais se limitam ao bairro
da Liberdade, tendo se disseminado por toda a cidade. Se já não há uma região
específica, na forma de mancha, congregando os profissionais que seguem esses
sistemas, é possível, porém, identificar e localizar algumas instituições que so-
bressaem nesse universo, atuando como pólos de contato entre terapeutas, ense-
jando o estabelecimento de associações, sediando encontros e congressos, cons-
tituindo um circuito, enfim.
Conforme foi explicitado, essa noção não designa simplesmente a totalidade
ou um conjunto de atividades: quando se fala em circuito, está-se diante de uma
rede na qual os estabelecimentos mantêm entre si relações ditadas por princípios
de parceria, afinidade, complementaridade e também competição; é a dinânica
dessas relações que torna vivo o circuito e faz dele um ponto de referência não só
para a atividade profissional, como também para a inculcação de padrões de
consumo e comportamento, possibilitando alternativas de filiação a essa ou aque-
la tendência.
Assim, a Escola de Massagem Oriental de São Paulo (EMOSP), situada no
Cambuci, oferece, entre outros, um curso regular de acupuntura e medicina tradi-
cional chinesa e mantém relação de parceria com o Centro de Estudos de Acupun-
tura e Terapias Afins (CEATA), no bairro de Pinheiros. Este último, por sua vez,
sedia a Associação Nacional de Acupuntura e Moxabustão (ANAMO), que partici-

72
pa ativamente na luta pela regulamentação da acupuntura. No CEATA são minis-
trados cursos de massagem, como o do-in e outros ligados à medicina chinesa;
esse espaço oferece atendimento profissional e venda de produtos para os profis-
sionais, como livros, bastões para o “moxa”, ímãs para ativação de pontos, agu-
lhas para acupuntura, mapas dos meridianos etc. Tais produtos também costumam
ser comprados na Bioaccus, na Liberdade, loja com tradição no ramo.
O CEATA e a EMOSP participam do Congresso Nacional de Terapias Natu-
rais que acontece já há oito anos e tem sido a base para o estabelecimento das
conexões entre algumas instituições que exercem atividades na área de medicina
oriental, principalmente as escolas, pois são elas que formam os profissionais e
lhes fornecem uma diretriz de atuação. As Faculdades Integradas São Camilo
sediaram o VIII Congresso Nacional de Terapias Naturais e o II Encontro Nacio-
nal de Essências Florais, ocorridos em novembro de 1997. Promovido pelo SINA-
TEN (Sindicato Nacional dos Terapeutas Naturistas), esse congresso teve como
principais temas as drogas (tratamento e prevenção) e os distúrbios emocionais e
mentais.
Apoiaram e também participaram do evento: ABREFLOR — Associação
Brasileira de Essências Florais; ABTK — Associação Brasileira de Tchi Kun, Qi
Gong e Terapias Afins; ANAMO; ANTN — Associação Nacional de Terapeutas
Naturistas; UNITEN — Cooperativa Nacional dos Profissionais em Terapias Natu-
rais; Espaço A.M.OR.14
O SINATEN e a UNITEN funcionam na sede do Espaço A.M.OR, que tam-
bém abriga a Associação de Massagem Oriental do Brasil. Assim como o CEATA,
com a qual mantém vínculos, essa associação é um dos pontos de referência do
circuito de massagem terapêutica, pois vem lutando desde sua fundação, em
1982, pela regulamentação da profissão de massoterapeuta, além de aglutinar uma
rede de espaços onde atuam e lecionam profissionais também formados nessa
instituição.
Sua orientação, contudo, não se restringe ao taoísmo: práticas e técnicas de
outras tradições fazem parte do currículo seguido pelas escolas vinculadas. Isso
se deve em parte ao contato e à troca de experiências entre seus idealizadores,
Sidney Donatelli, proveniente da área artística (dança e expressão corporal), além
da bioenergética, e Armando Austregésilo, mais voltado para a massagem oriental
e fundador da Associação. Atualmente dirigem os dois espaços mais importantes
da rede: o primeiro coordena as atividades da Escola A.M.OR na Vila Madalena e
o segundo, as do Espaço A.M.OR, na Vila Mariana.15
O Espaço A.M.OR da Vila Mariana, além do curso básico de formação em
massagem e sensibilidade, com duração de dois anos, oferece outros, mais breves,
sobre temas afins como shantala, moxabustão, quiropraxia etc. e mantém um

73
serviço de atendimento, tanto individual como coletivo. A escola estende sua
atuação por meio de estágios em instituições voltadas para a população carente,
como a Casa dos Velhinhos Ondina Lobo (Alto da Boa Vista), Creche Dom José
Gaspar (Vila Morse), Casa Eliane de Gramont, dedicada ao atendimento de mu-
lheres em situação de violência (Vila Mariana) e Posto de Saúde Bezerra de
Menezes (Itu, SP).
A Escola A.M.OR da Vila Madalena segue, apesar de algumas diferenças, a
mesma orientação e formato — cursos, palestras, atendimento. Merece destaque,
entretanto, a idéia de circuito, a utilização de sítios fora de São Paulo (mais
precisamente em Camanducaia, MG) para vivências e workshops e também para
o cultivo de plantas medicinais e o preparo de óleos, pomadas e tinturas que serão
empregados na atividades terapêuticas.
Outra instituição que mantém parceria com a A.M.OR, o Espaço Holísti-
co/UTATE (Universidade de Terapias Alternativas e Técnicas de Evolução), é mais
eclética, pois, apesar de manter convênio com a Associação nos estágios, seguir
seu currículo e oferecer o seu curso básico, assume mais explicitamente sua
vinculação com outros sistemas do universo neo-esô. Seu diretor, Otávio Leal,
apresenta-se como sacerdote do Budismo Tantrayana hindu, iniciado no Budismo
Japonês, mestre em Reiki e membro de várias escolas iniciáticas (Rosacruz,
Eubiose, Colégio dos Magos etc.), opções que se fazem presentes na orientação
dos cursos, palestras e formas de atendimento oferecidos.
A realidade de cada uma das instituições citadas — seu leque de atividades,
linhas de orientação, dinâmica interna, assim como o panorama da movimentação
em torno da legalização de suas práticas — é muito mais rica e complexa do que
as indicações apresentadas sugerem; o propósito, no entanto, era menos o de
descrever as características de cada uma e mais as interconexões que evidenciam
a existência de um circuito (ou melhor, um segmento desse circuito) na paisagem
da cidade.

2.3. Os trajetos

O Espaço A.M.OR da Vila Mariana, em razão de sua localização, reúne


alunos de vários pontos da Grande São Paulo, os quais, para suas compras de
material didático, podem recorrer tanto à conhecida loja Bioaccus, da Liberdade
— acessível pelo metrô —, como a pontos de venda das redondezas: há um
estabelecimento de produtos medicinais chineses numa galeria situada à rua Do-

74
mingos de Moraes, que é indicada pelos professores do Espaço, bem como as
farmácias Panizza da rua Vergueiro e Sensitiva, vizinha à escola, na própria rua
Joaquim Távora. Na mesma galeria está instalado o consultório de uma das pro-
fessoras da A.M.OR, formada na Escola da Vila Madalena, mas que leciona no
Espaço da Vila Mariana e também no Espaço Holístico, em Moema. Pode-se
identificar o trajeto dessa professora, que inclui, além das escolas onde leciona, o
Instituto Liu-Pai-Lin, tradicional centro de estudos da medicina chinesa, onde
pratica lian-gong e tai-chi-chuan, também na Vila Mariana, e o CEATA, onde
costuma fazer cursos de especialização; seus alunos tendem a freqüentar esse
mesmo trajeto, ou parte dele.
Outros exemplos de trajetos de algumas pessoas16 também vinculadas à
prática da massoterapia nessa região: Regina mora no bairro do Sumaré, zona
oeste, formou-se como massagista no Espaço Holístico/UTATE, na alameda dos
Aicás (Moema), e nas escolas A.M.OR da Vila Madalena e da Vila Mariana.
Freqüenta palestras nesses espaços e também no Via Corpore, na rua Machado de
Assis (estação Ana Rosa/Vila Mariana). Faz as compras necessárias ao exercício
de sua especialidade (óleos, por exemplo) na Farmácia Homeopática H&N, na
rua Cristiano Viana, (Pinheiros) e na Farmácia Sensitiva, na rua Joaquim Távora
(Vila Mariana); livros, compra-os na Livraria Belas Artes, na av. Paulista. É nessa
região — nas bancas da av. Paulista e rua da Consolação — que adquire incensos;
seu suprimento de cereais, ervas e produtos naturais é adquirido na zona cerealis-
ta do Centro. Costuma freqüentar rituais e restaurante da Associação Hare-Krisna,
na av. Paulista .
Isaura mora na Vila Nova Conceição (região sul) e completou sua formação
como massagista no Espaço A.M.OR (Vila Mariana). Freqüenta cursos e palestras
nos seguintes espaços: Altermed, rua Loefgreen (Vila Mariana); CEMETRAC —
Centro de Medicina Tradicional Chinesa, na rua Pirapitingui (Liberdade); Associ-
ação Brasileira de Reiki, na rua Machado de Assis (estação Ana Rosa — Vila
Mariana), Livraria Triom (Jardins) e Associação Brasileira de Lian Qong, na rua
Manoel da Nóbrega (Paraíso). Compra óleos e produtos naturais na Farmácia
Artemísia, (metrô Praça da Árvore) e livros na Livraria Saraiva — Mega Store
(Shopping Center Eldorado/Ibirapuera) e na Ática Shopping (atual FNAC), na rua
Pedroso de Moraes (Pinheiros). Em busca de tratamento (manipulação vertebral)
procura a Via Corpore, na rua Machado de Assis (estação Ana Rosa do metrô), e
homeopatia na rua Pedro de Toledo (Vila Mariana). Freqüenta o Templo Taoísta
na rua José Antonio Coelho (Paraíso).
Cecília mora em Moema (região sul) e completou sua formação como mas-
sagista no Espaço Holístico/UTATE na alameda dos Aicás (Moema) e no Espaço
A.M.OR da Vila Mariana. Frequenta cursos e palestras nos seguintes espaços: Via

75
Corpore, na rua Machado de Assis (estação Ana Rosa); Espaço Seara Bendita, na
rua Demóstenes (Campo Belo); Círculo Esotérico da Comunhão e Pensamento,
na av. do Estado; Curso de Reiki com Úrsula Pandorf (Brooklin). Compra óleos,
livros e produtos naturais na Farmácia Alternativa, na rua França Pinto (Vila
Mariana) e em supermercados; compra incensos no entreposto indiano da rua 25
de Março. Freqüenta semanalmente rituais de centro kardecista e também o Tem-
plo Taoísta, na rua José Antonio Coelho (Paraíso) e a Fraternidade Branca —
Ponte para a Liberdade (Moema). Trata-se com dr. Aluizio Rosa (florais), na rua
Guarará (Vila Mariana). Atividades fora de São Paulo: Comunidade Harmonia em
São Tomé das Letras (MG).
Elena mora no Brooklin (região sul) e completou sua formação como mas-
sagista no Espaço A.M.OR da Vila Mariana. Freqüenta cursos e palestras nos
seguintes espaços: Via Corpore, na rua Machado de Assis (estação Ana Rosa);
Chandra Surya — yoga, no Brooklin; Centro de Terapias Holísticas, na rua Prin-
cesa Isabel (Brooklin), Curso de Reiki com Úrsula Pandorf (Brooklin). Compra
óleos, incensos, remédios e produtos naturais na Farmácia Apoteca (Brooklin);
livros, em sebo da rua Guararapes (Brooklin). Freqüenta o Templo Taoísta, na rua
José Antonio Coelho (Paraíso) e trata-se com florais, na rua Manoel da Nóbrega
(Paraíso) e reiki, na travessa da rua Thomas Carvalhal (Paraíso).
Adriana mora em Santana (região norte) e freqüenta, para consciência cor-
poral e relaxamento, a Escola A.M.OR da Vila Madalena, onde também assiste a
palestras. Compra óleos e incensos em O Magista, na rua Voluntários da Pátria
(Santana) e na rua 24 de maio (Centro); compra livros na Spiro Livraria, na
alameda Lorena (Jardins); pedras e bijouterias na Shaula, na rua Duarte de Azeve-
do (Santana) e roupas indianas na Arkashan House/Samadhy: Shopping La Plage,
Guarujá (SP). Costuma freqüentar shows e eventos no SESC Pompéia e da Vila
Mariana.

2.4. Conclusão

Se não se pode identificar, na Vila Mariana, uma mancha de atividades


ligadas à medicina chinesa, em geral, e à prática da massoterapia, em particular
— uma vez que não configuram contigüidade espacial —, a presença de terapeu-
tas naturistas e de escolas nesse bairro levou a procurar outros padrões de implan-
tação, na forma de circuito e trajetos. Os espaços listados constituem os pontos de
articulação de um segmento de circuito que se estende para outros bairros, agluti-

76
nando e servindo de ponto de referência para inúmeros outros estabelecimentos,
como consultórios, salas, lojas. Como já foi assinalado, a presença do Hospital
São Paulo, que oferece atendimento em acupuntura, certamente desempenha im-
portante fator de atração de atividades ligadas à saúde, entre as quais as não
convencionais.
Cabe notar que, no circuito descrito, não obstante as inter-relações aponta-
das entre as diversas instituições que o integram, não se verifica homogeneidade
nas linhas de orientação e métodos de intervenção: enquanto alguns espaços,
como CEATA e EMOSP, pautam-se basicamente em princípios do taoísmo, privi-
legiando a acupuntura, as escolas da rede A.M.OR incorporam também técnicas e
sistemas de inspiração hinduísta, com ênfase na massagem, no toque. Essa cons-
tatação mostra que, apesar da diversidade de sistemas e princípios filosóficos que
coexistem no universo neo-esô — o que induz a certas conclusões sobre o “caos
semiológico” que, segundo alguns autores,17 imperaria nesse meio — os contatos
e as trocas que se realizam ao longo de circuitos e trajetos mostram configurações
que permitem supor a atuação de alguns poucos modelos responsáveis pelos
padrões dominantes.
A partir da análise do modelo de implantação das práticas de um segmento
do circuito neo-esô num bairro específico, pode-se concluir que se está diante de
uma sólida, bem estabelecida e consolidada rede, base para as escolhas que, pelos
trajetos, determinam aproximações entre os freqüentadores por meio da adoção
de certos princípios, hábitos e padrões de consumo. A noção de circuito, aplicada
às atividades do universo neo-esô permite situá-las na confluência de outros, na
dinâmica da cidade, sem constituir um gueto, excêntrico, à parte: determinados
eventos, como festivais, shows, apresentações, de maior repercussão, terminam
atraindo um público mais amplo, sendo realizados em espaços não necessaria-
mente identificados com esse universo, como os teatros do SESC, o Tuca, da
PUC, o Centro Cultural São Paulo da Secretaria Municipal de Cultura, o Parque
da Independência, no Museu do Ipiranga, e assim por diante.

77
3. No discurso: a narrativa de base

Planetary Alignment January 23, 1997 — 12:35 p.m. EST New York

“No dia 23 de janeiro de 1997 haverá um excepcionalmente raro e arquetipicamente


oportuno alinhamento planetário, um momento no tempo expresso nos céus na
forma de uma perfeita estrela de seis pontas. Esta configuração surge no dia exato
em que três planetas, Júpiter, Urano e Netuno, entram em conjunção pela primeira
vez em quase duzentos anos; desde a Renascença não ocorria tão harmoniosa dispo-
sição. No dia 23 de janeiro este conjunto de planetas estará centrado nos primeiros
graus de Aquário, seguidos pelo Sol, com a Lua Cheia em oposição. Assim, talvez
essa configuração possa ser vista como uma simbólica representação da tão anuncia-
da aurora da Era de Aquário.” (Gaia Mind Project: http://www.gaiamind.com)

78
3.1. A grande narrativa

Com essa mensagem divulgada na internet, Gaia Mind Project18 conclama-


va para um momento coletivo e simultâneo de prece e meditação, no período
compreendido entre as 17h30 e 17h35 (GMT) desse dia. O apelo, em tom proféti-
co, estilo urbi et orbi — a referência para o momento exato do alinhamento era
12:35 p.m. New York City —, exortava os participantes dessa grande corrente a
visualizar uma luz branca e, assim, entrar em ressonância global à espera de
grandes transformações.
A mensagem propunha uma mudança no relacionamento com o planeta: em
vez de pensar que nossa espécie está se transformando num tipo de câncer para o
meio ambiente — a superpopulação seria um de seus sintomas mais dramáticos
— devia-se considerar o gênero humano “emergente consciência auto-reflexiva
da Terra viva”. O limiar de grandes mudanças — prosseguia a argumentação — é
sempre considerado momento de desordem e os instantes do renascimento são
precedidos e vividos como situações de morte, o que pode explicar a atual fasci-
nação da mídia — “o sistema nervoso fetal do planeta” — por violência, sexo e
morte, os três temas relacionados com a matriz do nascimento. O ano de 1997
poderia vir a ser, para os anos noventa, o que 1968 representou para os sessenta,
com uma diferença, porém: enquanto estes teriam constituído uma explosão dio-
nisíaca, aqueles, marcados já pela dissolução, estariam plenos para uma súbita
transformação espiritual. A perfeita mandala representada pelo alinhamento pla-
netário anunciava essa possibilidade e caberia pôr em movimento um processo
intencional para catalisar a emergência de uma consciência planetária.
Tal interpretação de uma ocorrência astrológica considerada rara e particu-
larmente significativa oferece uma mostra do alcance que alguns temas da chama-
da Nova Era vêm tomando, principalmente à medida que se aproxima a virada do
milênio. Os excertos seguintes, provenientes de outros contextos, oferecem um
bom efeito comparativo:
“Holística, do grego ‘Holos’, significa Todo/Inteiro. É um novo paradigma que se
apresenta como resposta evolutiva à crise de fragmentação vivida pelo homem na
atualidade, quer pela atomização do conhecimento ou pela criação e divisão de
fronteiras que só existem na mente humana. A Visão Holística que a UNIPAZ
procura desenvolver representa o encontro entre a ciência moderna, a arte e a sabe-
doria antiga. É essa visão fragmentada que levou a humanidade a um notável pro-
gresso tecnológico de um lado, mas impediu uma maior expansão da consciência
para um progresso harmônico, essencialmente holístico. As guerras, a fome, a misé-
ria e todas as fronteiras econômicas, raciais e culturais são resultados dessa visão

79
fragmentada. Levaram o homem a uma crise sem precedentes neste final de século.
Uma das saídas para evitar o caos e a violência generalizada, que ameaça pessoas e
nações, está justamente nesse novo paradigma holístico.”19
“A Associação Transpessoal Internacional (ITA) anuncia seu próximo e excitante
projeto, a Conferência Caminhos para o Sagrado, a realizar-se de 16 a 21 de maio de
1996, no Hotel Tropical, em Manaus, Brasil, no coração da floresta amazônica.
Nessa conferência exploraremos teórica e praticamente o amplo espectro das ‘tecno-
logias do sagrado’, práticas antigas, indígenas e modernas que podem mediar o
acesso às dimensões espirituais da existência (...). Há boas razões para acreditar que
a investigação de estratégias experimentais voltadas para o despertar espiritual seja
de grande relevância prática para o futuro de nosso planeta. À medida que nos
aproximamos rapidamente do terceiro milênio encaramos uma situação sem prece-
dentes em toda a história da humanidade. Este é um tempo de inimaginadas possibi-
lidades, mas também de graves riscos. Ao longo deste século, os atordoantes triun-
fos da ciência e da tecnologia levaram a humanidade à beira da catástrofe global, na
medida em que não foram matizados por um desenvolvimento comparável nos
planos emocional, moral e espiritual (...).”20
“Fome, miséria moral, doenças incuráveis, escândalos políticos, degradação ambi-
ental, intolerância religiosa, conflitos étnicos e genocídios. Pensamento dissociado
do viver (...) retratam com fidelidade a condição de crise generalizada atingida pelo
processo civilizatório neste ocaso de milênio. (...) No entanto, assim como entendi-
am os gregos (krisis = decisão), crise apenas assinala um momento grave de decisão
em todo o processo de transformação que vem marcando a presença humana no
Planeta Azul. (...) Às vésperas do terceiro milênio, o VII Encontro Para a Nova
Consciência tem como pauta a discussão da crise na perspectiva da transformação
planetária (...). É uma nova conciência apontando rumo a uma aurora para além da
crise.”21
Dos trechos citados importa reter, se não a constatação da emergência de
uma nova “consciência planetária”, ao menos a de um amplo esquema explicativo
cujo propósito é, diante de um quadro de incertezas levado à escala planetária, a
busca de sentido e ordenamento capazes de dissipar ambigüidades, descobrir e
interpetar sinais tornando-os auspiciosos e de esconjurar perigos pressentidos
como iminentes, catastróficos. Nada muito diferente, como se pode perceber, da
ininterrupta fabulação que de tempos em tempos produz narrativas — seja de
conotação religiosa, política ou ideológica — propondo ordem para o pensamen-
to, regras para a ação e significado para o mundo.22
Postular a existência de sínteses mais abrangentes, subjacentes às múltiplas
práticas e sistemas em que se divide e subdivide o universo neo-esotérico difere,
em certa medida, da linha de uma das interpretações mais conhecidas sobre a
Nova Era. Trata-se daquela que enfatiza seu caráter fragmentário, considerando-a

80
um mero epifenômeno da pós-modernidade, identificada com a quebra de para-
digmas, o império do simulacro e do pastiche, a inevitável presentificação com
sua falta de profundidade histórica e perspectiva futura.23
O chamado Movimento Nova Era — ou, como está sendo preferencialmente
denominado neste trabalho, o conjunto das práticas do circuito neo-esotérico —
cai como uma luva para ilustrar esse cenário no âmbito da religiosidade: à decan-
tada falência das religiões institucionalizadas com seus dogmas, esquemas de
poder e burocracia se sucederiam práticas ditadas pela livre experimentação e
associação; cada buscador seria levado a montar seu próprio kit devocional a
partir de um mercado que expõe, lado a lado, elementos oriundos das mais diver-
sas, distantes e opostas tradições espirituais. As novas propostas, pessoais ou de
grupos, provindas dessa estratégia que permite infinitas possibilidades de combi-
nação, parecem entregues ao acaso das escolhas aleatórias: não há autoridade
nessa espécie de “religião pós-moderna” que possa impedir as junções, por mais
estranhas que possam parecer — tarô de Marselha com yoga indiana, meditação
transcendental com xamanismo indígena, crença na reencarnação com manuais
de auto-ajuda, ritos tântricos e pesquisas ufológicas.24
Mas, tal como aconteceu na análise anterior das práticas e espaços do circui-
to neo-esô — que mostrou a presença de padrões na base de sua distribuição
espacial, funcionamento e periodicidade —, também é possível identificar, para
além da diversidade das explicações localizadas, a recorrência e a lógica interna
de alguns planos discursivos mais gerais. Pode-se mesmo postular que tais planos
não só constituem narrativas de base como, ademais, se pretendem metanarrati-
vas, no sentido de se colocarem acima de diferenças étnicas, ideológicas, religio-
sas ou de classe, dirigindo-se ao homem em sua condição de protagonista num
plano de dimensões cósmicas. “Somos todos tripulantes da nave Terra”, costuma-
se afirmar no meio neo-esotérico.
Assim, no interior das práticas, doutrinas, princípios e ritos dos grupos
integrantes do circuito neo-esô, é possível discernir algumas matrizes discursivas,
e a variação que se observa na superfície do fenômeno (e que tanto chama a
atenção) não é senão o resultado das escolhas e ênfases que cada arranjo particu-
lar realiza a partir de uma estrutura gerativa e dentro de uma combinatória ditada
por regras de compatilibidade próprias.
Cada grupo, instituição, entidade e às vezes até mesmo cada experiência
pessoal, apoiando-se implícita ou explicitamente em alguns pressupostos, cons-
truirá quadros de referência com maior ou menor coeficente de coerência interna
conforme o manejo, erudito ou canhestro, das premissas e matrizes comuns. Há,
evidentemente, aquelas sínteses plenamente identificadas e com maior grau de
elaboração interna, como é o caso da Teosofia (com base na obra de Helena

81
Petrovna Blavatski), ou da Antroposofia, de Rudolf Steiner. Essas sínteses, assim
como o pensamento desenvolvido em escolas, obras e movimentos sob a influên-
cia de personagens como G. I. Gurdjieff, Aleister Crowley, Éliphas Lévi, René
Guénon e muitos outros — pensadores e mestres esoteristas com vasta erudição
sobre religiões orientais e o ocultismo ocidental —, funcionam como manuais,
fontes de inspiração e guias, nesses intrincados caminhos, para muitos freqüenta-
dores do circuito neo-esô de hoje.

3.2. Tradição e Ciência

Antes de tudo é preciso discriminar alguns dos componentes mobilizados


para a elaboração dessas sínteses ou quadros explicativos mais amplos para em
seguida identificar sua matriz discursiva de base, a partir do material difundido
pelos espaços visitados, das palestras neles proferidas, das discussões dos simpó-
sios, do temário dos congressos e justificativas de workshops. Cabe ressaltar que
a análise não se pretende exaustiva com relação ao conjunto do chamado movi-
mento da Nova Era, não se aplica integralmente a cada sistema que se identifica
com ele, tampouco compulsou a infinidade de ensaios encontrados na abundante
literatura que locupleta as estantes marcadas com o rótulo “esotérico” nas livrari-
as. Tendo como fonte o material recolhido durante o trabalho de campo, seu
alcance limita-se ao horizonte das atividades tal como são praticadas no circuito
neo-esotérico da cidade de São Paulo e, mais especificamente, nos espaços con-
templados pela pesquisa.25
Existe um grande eixo em torno do qual se aglutinam os elementos mais
recorrentes que entram na composição dos discursos correntes no meio neo-esô e
que funciona também como a instância legitimadora de todos esses discursos — é
o designado pelo termo “Tradição”. Não é demais lembrar que essa noção está
sendo utilizada de acordo com um sentido bastante particular: no meio neo-esoté-
rico, “Tradição” é considerada a fonte e depositária de determinado tipo de co-
nhecimentos a respeito da natureza, destino e lugar do homem na ordem mais
geral do universo, produzidos ao longo do tempo, nas mais diferentes sociedades.
Disseminados e não raro dissimulados num amplo corpo de doutrinas secretas,
mitos, fórmulas herméticas e saberes empíricos, tais conhecimentos formariam
uma corrente perene e ininterrupta — ainda que descontínua e às vezes subterrâ-
nea ao plano da manifestação — suscitada por questões comuns a toda a humani-

82
dade e ancorada em capacidades cognitivas desenvolvidas por grupos e persona-
gens especiais, presentes em todas as culturas.
Dada sua amplidão, torna-se difícil determinar exatamente quais conheci-
mentos, crenças, saberes, mitos e outros elementos constituem o repertório dessa
sabedoria tradicional; nela cabem desde peças universalmente difundidas e reco-
nhecidas até por seu valor literário (como o poema épico hindu Bhagavad Gita,
por exemplo, ou então os relatos da mitologia grega, as sagas nórdicas etc.) até
fórmulas e ritos mágicos atribuídos a povos caçadores pré-históricos sem escrita.
Numa primeira aproximação e tomando como base os temas que mais se repetem
nos espaços pesquisados, é possível começar distinguindo os elementos que cos-
tumam ser reunidos no interior desse referente comum que é a Tradição: a primei-
ra grande divisão a ser feita para organizar as informações é entre uma vertente
que poderia ser chamada de erudita para diferenciá-la de outra, ágrafa/popular.
No primeiro bloco, o das fontes eruditas, estaria compreendida a produção
codificada, acessível em documentos escritos ou conjuntos significativos de cul-
tura material, de quatro grupos distintos:

a) grandes civilizações do passado, já desaparecidas, ou já não mais em seus


dias de esplendor. As mais recorrentes são as tradições genericamente desig-
nadas como orientais — que incluem códigos e panteão religiosos, corpos de
mitos, sistemas divinatórios, técnicas de cura e ordenamentos morais prove-
nientes de ou referidos ao Antigo Egito, às cidades-estado da Mesopotâmia, à
India, Extremo Oriente — sem maiores referências à duração, superposição
ou abrangência das respectivas áreas e períodos de influência;
b) o esoterismo ocidental, que vai dos cultos de mistérios gregos e romanos,
passando pelo druidismo celta, pela cabala e alquimia medievais e renascen-
tistas até as sociedades ocultistas da época moderna;
c) as civilizações sul e meso-americanas, principalmente a incaica, azteca e
maia;
d) por último, figuram os saberes atribuídos a civilizações e/ou cidades perdidas
como “Atlântida”, “Lemúria”, conhecidos por um suposto registro arqueoló-
gico (principalmente inscrições rupestres) ou por traços preservados no inte-
rior da cultura de outros povos.26

O segundo bloco, o das fontes ágrafas/populares, abrange estas contribui-


ções: a primeira, daquelas culturas que, desprovidas da escrita, permitem o acesso
a seu legado pelo recurso à oralidade (quando contemporâneas) ou por vestígios
arqueológicos, no caso dos grupos pré-históricos. Grupos indígenas contemporâ-

83
neos ou descendentes de antigos povos, principalmente da América do Norte
(Estados Unidos, Canadá), América Central, altiplano andino, terras baixas da
América do Sul, Oceania e outras regiões com uma ainda significativa presença
indígena integram este subgrupo; a segunda contribuição, embora sem o mesmo
prestígio que a anterior, pois, enquanto a distância exotiza, a proximidade, ao
contrário, banaliza, é a das tradições populares camponesas e urbanas, com a
imensa legião de curandeiros e adivinhos cujas práticas e ensinamentos são o
resultado de trocas e fusões entre sistemas religiosos transplantados e antigas
práticas autóctones.
O quadro pode parecer demasiadamente esquemático, mas de nada adianta-
ria inflacioná-lo com uma enfiada de tradições particulares de todos os quadrantes
do mundo introduzindo novas divisões e subdivisões, pois sempre subsistiria a
impressão de se estar manipulando um conjunto incompleto.27 Mais importante
que uma listagem, catálogo ou inventário, contudo, é tentar captar a especificida-
de e o alcance dessa noção de “tradição” enquanto referência para os discursos
neo-esôs, o que se torna mais factível quando se estabelece, para efeitos compara-
tivos, o elemento que atua como o outro pólo de um sistema de oposição. Trata-se
da ciência, que a todo momento aparece no contexto neo-esotérico fazendo par
com a idéia de tradição.
Como foi visto, o saber tradicional é considerado a resultante da contribui-
ção de culturas distantes no tempo (as grandes civilizações do passado) ou no
espaço (culturas indígenas atuais), o que lhe dá um caráter de contraponto à
civilização ocidental, encarada sob o prisma de suas mazelas e distorções. Os
neo-esôs voltam-se para a Tradição justamente porque — dizem — preserva algo
de que o homem contemporâneo, dominado pelos imperativos de uma modernida-
de que terminou se revelando arrogante e parcial, fora despojado.
Esse legado tradicional — totalizador, voltado para as perguntas básicas da
existência humana — não é, todavia, uma verdade revelada, como no cânone
judaico-cristão. Fruto da elaboração cumulativa de refinadas civilizações, tanto
quanto, no outro extremo, de rudes (mas “autênticos”) selvagens, é considerado
produto de uma multifacetada experiência humana que inclui processos de ordem
especulativa, experimental, incluindo as de caráter místico e religioso. Por conse-
guinte, não se opõe ao pensamento científico, como se fosse portadora de uma
verdade outorgada desde outra ordem, separada, divina. No entanto, mantém sua
especificidade demarcando o próprio campo com relação aos pressupostos, méto-
dos e propósitos da ciência.
Mas, cabe perguntar, de que ciência se está falando? A visão de ciência que
circula no meio neo-esô nem sempre corresponde àquela (ou àquelas) que preva-
lece(m) no campo acadêmico; tampouco existe uma visão única, e sim várias

84
concepções. Em primeiro lugar, está o que se considera o paradigma “oficial” —
positivista, cartesiano – diante do qual se tem uma atitude crítica, pois é tido
como materialista e fechado a temas não convencionais.
Entretanto, cabe lembrar as estratégias pelas quais se dão os contatos com o
campo científico convencional: a pesquisa mostrou algumas delas, entre as quais
os congressos, simpósios temáticos, cursos de treinamento, palestras de especia-
listas, intercâmbio nos espaços do circuito neo-esô etc., realizados segundo mol-
des acadêmicos — mesas-redondas, pesquisa bibliográfica, ensaios. Mais: não
obstante a atitude de desconfiança e as críticas às bases epistemológicas da deno-
minada ciência “oficial”, paradoxalmente, quando se divulga um evento, a titula-
ção dos palestrantes, assim como sua vinculação a universidades e centros de
pesquisa de renome, são realçadas.
Em segundo lugar, costuma-se enfatizar o que é celebrado como coincidên-
cias entre descobertas científicas recentes e verdades há muito conhecidas via
Tradição: aqui, porém, não se trata de qualquer ciência — há algumas preferidas.
Dentre as disciplinas a que mais se recorre, como referência ou testemunho para a
validação de determinadas asserções correntes no ideário neo-esô, estão a física, a
matemática e a biologia entre as naturais ou exatas; a antropologia, a arqueologia,
a história das religiões e ciências cognitivas e psicológicas, entre as humanas.
Mesmo assim não se trata das mesmas disciplinas exatamente como são
entendidas, transmitidas e praticadas nos centros de pesquisa e ensino universitá-
rios convencionais. Em alguns casos, o que se privilegia são determinados enfo-
ques, hipóteses ou linhas consideradas, no meio neo-esô, “de ponta”: a mecânica
quântica, a teoria do caos, as estruturas dissipativas, a hipótese Gaia, etc.;28 em
outros, constrói-se uma leitura muito particular de determinada disciplina, como
acontece com uma suposta “arqueologia fantástica”, voltada, por exemplo, para a
decifração de inscrições rupestres atribuídas a civilizações desaparecidas ou mes-
mo a seres de outras galáxias ou dimensões. Repete-se, aqui, o processo já men-
cionado na composição da Tradição, em que o legado de civilizações plenamente
documentadas figura, aparentemente sem maiores problemas epistemológicos, ao
lado de civilizações simplesmente tidas como “desaparecidas”, sem registro do-
cumental.
A antropologia, para dar um exemplo, é valorizada na medida em que é tida
como depositária de informações sobre povos primitivos e seu modo de vida
considerado “comunitário”, em contato com a “mãe-terra”, praticando ritos xa-
mânicos, supostamente em perfeita comunhão com a natureza. Essa disciplina é
ainda invocada para validar a ocorrência de fases de desenvolvimento da humani-
dade como a passagem do “matriarcado” para o “patriarcado” e, juntamente com
a arqueologia, desvendar o significado de inscrições pré-históricas, pinturas ru-

85
pestres e das conhecidas estatuetas femininas às quais se atribuem vínculos com
cultos e rituais de fertilidade. A mitologia comparada e a história das religiões,
por sua vez, fornecem símbolos, ritos, relatos que são reinterpretados por meio de
conceitos tirados das ciências psicológicas, basicamente de perspectiva junguiana.
Os ícones são Mircea Eliade, Carl Jung, Joseph Campbell, Illia Prigogine, Gre-
gory Bateson, entre outros.
Em suma, no par Tradição versus Ciência, esta última não entra tanto como
fonte e sim como instância legitimadora de um conhecimento que se reputa
indispensável para a plena realização do homem. Se a ciência não é garantia de
esperança num futuro melhor (como as Luzes anunciavam, e as guerras, a injusti-
ça, os desequilíbrios ecológicos terminaram desmentindo), a ela — por meio
principalmente daquelas disciplinas entendidas como mais próximas ou sensíveis
aos valores correntes no meio neo-esô — reserva-se o papel de confirmar e
legitimar a validade, coerência ou ao menos a verossimilhança das verdades tradi-
cionais.
Não se trata, portanto, de escolher entre Tradição e Ciência: o homem da
Nova Era não opta pelo irracionalismo, pois não rejeita os incontestáveis avanços
científicos ou seus métodos de trabalho. Diante dessa dicotomia, fica com os dois
termos, definindo-os a seu modo e hierarquizando-os, pois à ciência cabe um
papel subordinado. Se a tendência é valorizar as terapias soft, o hemisfério direito
do cérebro, o contato com o “eu superior”, isso se faz em nome de uma visão
holística, integradora, em conformidade com leis cósmicas, já antevistas nas anti-
gas tradições e que agora a ciência começaria a comprovar.

3.3. A matriz discursiva

Se no par Tradição/Ciência o primeiro termo reúne os elementos e contri-


buições dessa fonte perene de conhecimento, e o segundo é invocado para refe-
rendar verdades já antecipadas pelos antigos saberes, o que põe em movimento
esse sistema é a noção de evolução: aplicada aos vários planos — individual,
histórico e cósmico, produz diferentes temporalidades. Cabe lembrar que na mai-
oria das versões neo-esôs o processo evolutivo não é entendido numa única pers-
pectiva, a seqüencial-progressiva: é temperado com seu concorrente, o modelo
cíclico.
Assim, na instância individual é possível progredir, aperfeiçoar-se, mas no
limite só se poderá chegar ao ponto de partida de onde cada indivíduo — como de

86
resto o universo todo — emanou; trata-se de atingir níveis superiores de consciên-
cia e não de expiar alguma falta original, como no relato bíblico. Essa particular
leitura terá conseqüências: vai concluir pelo estado de perfectibilidade, porém não
de culpa, da condição humana. A visão de uma divindade separada, pessoal e
criadora é substituída pela proposição de um princípio superior, englobante —
panteísta, diriam os apologetas cristãos.29
Na dimensão macro, o movimento evolutivo percorre grandes ciclos — o
modelo mais conhecido é o das eras regidas pelo zodíaco; de acordo com esse
esquema, a era de Touro correspondeu às religiões mesopotâmicas; a de Áries, à
religião mosaico-judaica; a de Peixes, à era cristã, e a de Aquário é a que se abre
agora. Um outro modelo combina sistemas de inspiração ecológica, como a Hipó-
tese Gaia, e a visão cósmica e teleologicamente orientada desenvolvida pelo
padre jesuíta Teilhard de Chardin.30
O alto rendimento dessa postura evolucionista na elaboração do pensamento
neo-esô evidencia-se ainda no terceiro plano de aplicação, situado entre o plano
da realização individual, restrito à biografia de cada um, e o cósmico, que aponta
para níveis superiores de consciência: é o plano de processos históricos, com
avanços e retrocessos, nos quais os cortes são estabelecidos com base em crité-
rios tirados da paleontologia, arqueologia, história, antropologia e mitologia com-
parada.
Um exemplo concreto deste último é oferecido pela aplicação das catego-
rias “matriarcado” e “patriarcado” já citadas, entendidas como duas grandes eta-
pas sucessivas: a primeira, marcada pela condição feminina, corresponderia ao
período em que a humanidade teria vivido em contato estreito com, e até imerso
em, processos naturais. A então preponderância da mulher estaria diretamente
associada àquela dependência, pois é seu corpo que exibe as regularidades ligadas
à procriação; daí a idéia da natureza como a Grande Mãe, o culto à Lua, a
importância atribuída às famosas “Vênus pré-históricas”, aos ritos de fertilida-
de.31 O patriarcado, na maioria das versões, está associado à era dos metais,
descoberta que teria permitido aperfeiçoar as artes da guerra e o predomínio
masculino; em contraposição ao estado de igualitarismo do matriarcado, teria
instaurado a hierarquia e a propriedade. “Daí em diante, o culto à Lua passou a
ser substituído pelo culto ao Sol, ressaltando-se o poder masculino encarnado na
imagem de um deus guerreiro, portador da luz e da razão suprema. Nessa nova
estrutura de poder, a sensibilidade, o sentimento, a imaginação e a intuição —
qualidades do universo feminino — teriam perdido importância para o raciocínio
lógico, a técnica e as leis”.32 O atual “resgate do feminino”, mote em voga em
muitos espaços do circuito neo-esô, mostraria o início de uma nova etapa, marca-
da pela combinação e a colaboração entre valores masculinos e femininos.

87
Esta é uma caracterização sumária e generalizante, mas que abrange grosso
modo, as versões que circulam nos espaços do circuito neo-esô.33 Analisando sua
lógica interna, contudo, percebe-se que nem sempre há coincidência quando se
trata de situar os cortes e as fronteiras entre as etapas, principalmente quando são
utilizadas datações, terminologia e referências da história ou arqueologia. O ma-
triarcado ora abrange o paleolítico, ora estende-se ao neolítico; o patriarcado em
alguns casos está associado aos caçadores; em outros, começa com o neolítico;
em outras, ainda, tem início com as invasões dos povos indo-europeus e suas
divindades. Aparece também a divisão nomadismo versus sedentarismo, associan-
do-se o primeiro termo a uma “Idade de Ouro” e o segundo, ao início da “Idade
da Civilização”.
É preciso lembrar que, não obstante as referências a disciplinas “oficiais” —
história, antropologia, paleontologia, arqueologia — e o uso de termos delas
oriundos, esta é uma elaboração bastante particular, nem sempre coincidente com
os resultados de pesquisas e quadros teóricos dessas disciplinas. Desse ponto de
vista, os próprios termos “matriarcado” e “patriarcado” seriam colocados em
suspeição: aceitos no quadro explicativo do evolucionismo cultural de meados do
século XIX, hoje estão descartados como categorias capazes de delimitar fases
sucessivas e universais de desenvolvimento da humanidade.34 O mesmo ocorre
com as datações utilizadas na pesquisa arqueológica: as grandes divisões —
paleolítico, mesolítico, neolítico etc. —, em que pese seu poder evocativo, pouco
significam quando empregadas sem especificações mais detalhadas.
No entanto, se non è vero è ben trovato; a despeito das imprecisões, o
esquema matriarcado-patriarcado tem ampla aceitação no meio neo-esô, pois ofe-
rece um princípio classificatório de bom rendimento; o mesmo ocorre com o
termo “comunidade”, entendido como típico de sociedades de pequena escala
cujos membros viveriam em harmonia consigo mesmos e com a natureza35 e
assim com muitos outros.
Qual seria, portanto, a lógica que costura terminologia, métodos e conclu-
sões provenientes de tão diferentes campos? Uma pista, já clássica, para o enten-
dimento do fenômeno é a oferecida por Lévi-Strauss (1976): estamos no terreno
do mito, não da ciência, com o modo de operar descrito por ele como bricolage;
nesse esquema, alguns dos termos podem ser científicos, mas a estrutura do
constructo pertence ao mito. As incongruências, as aproximações forçadas, os
anacronismos, a utilização de conceitos de diferentes contextos teóricos, tudo
isso, que aos olhos da lógica da ciência constitui empecilho à formação de propo-
sições com sentido, na lógica do mito é absorvido no interior de uma estrutura
que é o que importa, pois é o que dá um significado particular ao todo.36

88
Mesmo as grandes sínteses já apontadas, como a da Teosofia e a da Antro-
posofia — de maior fôlego e coerência —, não escapam a essa forma de apropria-
ção e lógica de ordenamento. Cabe lembrar, também, que mito aqui não está
empregado no sentido vulgar de “falso”, “ilusório”, mas como um gênero com
convenções retóricas próprias.37
Faz parte desse modo de operar a presença de certos mitemas, ou seja,
formulações sintéticas de alto poder classificatório, empregadas com inde-
pendência de seus contextos de origem: assim abundam, no meio neo-esô, as
referências aos quatro elementos — “terra, água, ar, fogo” — que se desdobram
nas quatro estações, nos quatro ventos, nas quatro direções, nos quatro animais
arquetípicos etc. O mesmo ocorre com formulações ternárias: as três dimensões
do homem (corpo, mente, espírito) e, finalmente, com as binárias — eu superior
versus eu inferior, e assim por diante. Termos como “sincronicidade”, “energia”,
“elementais”, “vibração”, “holismo”, “carma”, “chakras” e outros passam a ter
significado unívoco no meio neo-esotérico: instauram uma espécie de zona franca
atuando como termos de um léxico de livre circulação e imediata compreensão.
Identificados o regime da sincronia com o par Tradição/Ciência e o princí-
pio que coloca seus elementos no plano diacrônico, a evolução, resta explicitar o
mecanismo de base que estrutura o modelo. Reitero que, também nesse caso,
trata-se de uma conclusão tirada com base nos dados observados em campo e não
no conjunto exaustivo das combinações existentes no campo neo-esô, muitas das
quais podem seguir outras narrativas de base.38 A figura é um triângulo:
Totalidade

Indivíduo Comunidade

Numa ponta está o Indivíduo, em suas diversas denominações e graus de


profundidade — “eu interior/eu superior”, “lenda pessoal”, self, inner spirituality,
self-spirituality, inner voice —;39 na outra, o pólo de onde emanou, do qual faz
parte e para onde tende esse indivíduo, ou seja, a Totalidade (Transcendência,
Absoluto, Cosmos, o Princípio Superior, a Natureza, conforme cada versão). A
história da humanidade não seria senão a longa caminhada, matizada pelas idios-
sincrasias de cada cultura para restabelecer o contato pleno do múltiplo com o
uno e isso só é possível porque aquele sempre foi parte deste último. Tendo em

89
vista, porém, o caráter societário do modo de vida do ser humano, entre Indivíduo
e Totalidade medeia um tertium, a Comunidade — depositária e guardiã de cada
tradição particular e dos meios que possibilitam a seus membros, em cada contex-
to histórico, alcançarem sua verdadeira natureza.40
O modelo ideal, portanto, supõe o indivíduo, tomado em sua integralidade
(corpo/mente/espírito), que pertence ao seio de uma comunidade considerada
harmônica e se aperfeiçoa nele; ambos imersos e integrados numa realidade mais
inclusiva e total, da qual é preciso tomar consciência.41
Concluindo, tem-se, deste modo, a formulação de um “modelo de” (na
linguagem geertziana) que se desdobra em “modelos para”: as terapias alternati-
vas, a dinâmica das vivências, os métodos de cura, as técnicas de autoconheci-
mento, os modelos de comportamento e consumo são calcados — levando-se em
conta as variações de cada síntese — na combinatória do triângulo que, por sua
vez, articula elementos do par Ciência e Tradição.42
Muitas variantes decorrem dessa matriz discursiva, dependendo da ênfase
dada a este ou aquele elemento constitutivo da estrutura; algumas serão mais
elaboradas, outras menos, conforme o grau de sofisticação das escolhas e articula-
ção interna. Cabe registrar (entre outras) duas dessas sínteses, já citadas: um
modelo de orientação mais ecológica representado pela Hipótese Gaia e o Holis-
mo Cristão, este último apoiado nas formulações do padre jesuíta Teilhard de
Chardin.43 Na impossibilidade de apresentar um corpus mais completo dessas
sínteses, o que teria permitido um melhor acompanhamento da análise preceden-
te, transcrevo o texto introdutório com que a Universidade Holística Internacio-
nal, com sede em Brasília, abre a página da Formação Holística de Base de seu
site e que, por sua abrangência e representatividade,44 ilustra os principais pontos
da discussão anterior:
“A nossa realidade cotidiana tem nos revelado o crescente aumento de desagregação
— entendida como crise de desvinculação e fragmentação que nos afasta do propó-
sito maior que é a Evolução do Ser e a Integração com o Universo. Sendo assim,
torna-se emergencial a possibilidade de uma consciência, de uma nova civilização
mais humana, justa, centrada em valores mais elevados; e uma necessidade de
melhorar e ampliar a qualidade de vida em seus aspectos básicos de sobrevivência:
social, político, educacional e científico. Nos horizontes já ampliados da Consciên-
cia Humana, surgiu uma Visão — O Paradigma Holístico — que representa o mais
significativo evento histórico dos últimos séculos posteriores ao Renascimento,
além de significar uma nova concepção do mundo. O Paradigma Holístico expressa
também uma atitude inovadora. Holístico (do grego Holos = todo) é um termo que
remonta aos pré-socráticos; Heráclito, filósofo grego, já usava o termo Holismo,
afirmando que o Todo está contido no Um, ou que “as partes estão no todo e o todo
nas partes”. A visão Holística objetiva a importância do processo de evolução das

90
partes para uma síntese na totalidade e traz consigo o respeito à natureza e suas
formas de vida e ao conjunto dos valores culturais e, ao mesmo tempo, incentiva o
desenvolvimento em todas as áreas. A partir do momento que o homem se conside-
rar integrante do Universo, terá início a transformação das relações. Visando o
despertar de uma visão holística no Homem, a Unipaz implantou o curso de Forma-
ção Holística de Base, constituído através de três fases:
1. O Despertar (Ecologia Interior) Integração das funções psíquicas, de acordo com
o modelo junguiano (sensação — intuição — pensamento — sentimento), visan-
do a harmonização do plano pessoal e transpessoal.
2. O Caminho (Ecologia Social) Aprofundamento da fase anterior, com aplicação
da vivência pessoal às esferas do conhecimento científico, espiritual, filosófico e
artístico. Inclui a realização de estágios em centros holísticos indicados pela
UnHI.
3. A Obra-Prima (Ecologia Planetária) Etapa final, que facultará ao aprendiz a
expressão do seu processo de aprendizagem e de integração holística.”

91
Notas

1. Essa referência a Nossa Senhora Aparecida deve-se à ênfase ao que Paz Géia chama de
xamanismo matricial: “O xamanismo matricial busca sua origem na aurora da Humanida-
de quando vivíamos uma época de Ouro na qual homens, mulheres, animais e natureza
faziam parte de um contexto sagrado de adoração à Grande Deusa, a Grande Mãe, que
chega até nós como a Madona Negra. O xamanismo matricial propõe uma mudança de
paradigma do patriarcado para os valores da Grande Deusa — uma nova (ou antiga) forma
de parceria regida pela igualdade sexual, liberdade, justiça, alegria, beleza, amor e poder
como sinônimo de responsabilidade (...)”. (Do site http://www.unipaz.com.br/pazgeia,
1997).
2. Participaram no processo de coleta de dados Patrícia da Silva (bolsa-trabalho, Co-
seas/USP) e Daniela Sanches Carrara (bolsa CNPq/IC). Cf. “Relatório de atividades de
campo na Vila Mariana entre julho e dezembro de 1996” (1997).
3. Maria Regina Cariello de Moraes, Flávia Prado Moi e Adriana Capuchinho realizaram
o levantamento, com recursos de uma dotação orçamentária concedida pela Pró-Reitoria
de Pesquisa da USP, em 1997.
4. Mancha, como se sabe, designa a distribuição, de forma contígua num espaço, de
determinados estabelecimentos que se complementam ou competem no oferecimento de
tal ou qual bem ou serviço, muitas vezes induzidos por um em especial que os aglutina —
função que nesse caso é exercida pelo Hospital São Paulo. Assim, os espaços neo-esôs
entram na composição dessa mancha, mas não são eles que dão o tom. Não deixa de ser
significativo, como foi notado, que estejam na órbita de uma instituição oficial, benefici-
ando-se de sua visibilidade, oferecendo também serviços de saúde mas baseados em outra
lógica. Cabe ressaltar, contudo, que o próprio Hospital São Paulo, da Universidade Fede-
ral de São Paulo, oferece à população algumas dessas modalidades não convencionais,
como a acupuntura, na forma de pronto atendimento e ambulatório. Essa modalidade
terapêutica também é oferecida como disciplina no Departamento de Ortopedia e Trauma-
tologia dessa universidade. Embora reconhecida como especialidade médica pelo Conse-
lho Federal de Medicina em 1995, a residência médica em acupuntura já existia desde
1994. É preciso mencionar também que o Hospital do Servidor Público Municipal, que
desde 1989 mantinha o Serviço de Medicina Tradicional Chinesa com atendimento de
acupuntura, acaba de inaugurar um espaço para meditação. De acordo com o médico
responsável pelo novo serviço, nos Estados Unidos a meditação é indicada para pacientes
que passaram por cirurgias cardíacas e sofreram traumas e por doentes com o sistema
imunológico deprimido (Folha de S. Paulo, 6 jun. 1999).

92
5. Uma apresentação mais completa dessas categorias encontra-se em Magnani, 1998, e
Magnani & Torres, 1996.
6. Da mesma forma como foi apontado no caso dos trajetos de lazer na mancha da
Consolação onde o bar Riviera apresenta incompatibilidade em relação ao bar Metrópolis:
“A construção dos trajetos não é aleatória nem ilimitada em suas possibilidades de combi-
nação. Estamos diante de uma lógica ditada por sistemas de compatibilidades. No exem-
plo ‘Livraria Belas Artes/Cine Belas Artes/Bar e Restaurante Riviera’ — que mostra uma
combinação não apenas possível, mas bastante freqüente — não entra na seqüência (nem
como alternativa) o bar Metrópolis, apesar de estar situado na mesma mancha. Outra é a
gramática que permite compreender o significado desse bar e do trajeto em que se increve
(...)”. (Magnani & Torres, 1996:44).
7. A análise que segue incorporou alguns dados colhidos por Maria Regina Cariello
Moraes (bolsa USP) e Adriana Capuchinho, em 1998. Agradeço ainda a Maria Ely pela
leitura e sugestões.
8. Dos endereços aí registrados, 29% são de consultórios e escolas voltados para aplicação
e ensino dessas modalidades.
9. Ver mapa apresentado no capítulo 1.
10. Todo o cuidado é pouco até para citar o Tao, tendo-se em vista que o primeiro
aforismo do Tao Te King, atribuído a Lao-Tzu (fim do século VII a.C.), diz: “O Tao que
pode ser pronunciado não é o Tao eterno” (Wilhelm, 1993:37). Já Radcliffe-Brown
[1951](1978) não tem muitos pruridos em defini-lo: “(...) a mais completa elaboração da
idéia [unidade de contrários] se encontra na filosofia Yin-Yang da antiga China. A frase
em que ela se resume é: Yi yin yi yang wei tse tao. Um yin e um yang fazem uma ordem.
Yin é o princípio feminino; Yang, o masculino. A palavra tao pode aqui ser mais bem
traduzida como um todo ordenado”. Radcliffe-Brown prossegue, mostrando a aplicação
desse princípio ao casal (homem/mulher), a unidades de tempo (dia/noite; verão/inverno)
e até para regras de casamento entre clãs: “a evidência é de que neste sistema de casamen-
to um homem se casava com a filha do irmão de sua mãe, ou uma mulher da geração
apropriada do clã de sua mãe” (: 55).
11. Conforme explicita Da Liu, presidente da T’ai Chi Ch’uan Society de Nova York “Este
princípio tem sido, desde tempos imemoriais, a base da interpretação chinesa da saúde e
da doença. A boa saúde exige um equilíbrio entre as forças yin e yang do corpo. Quando
ocorre uma acentuada predominância de uma delas, advém a doença. O objetivo das
ciências médicas, que incluem tanto a acupuntura como a medicina herbácea, é descobrir
a origem do desequilíbrio e fazer com que as forças retornem à adequada proporção
(1995:13).
12. Decreto-lei que teve continuidade na forma de lei federal aprovada pelo Congresso
sob o nº 3968 em 5 de outubro de 1961. (Cf. “Campanha de mobilização entre massagis-

93
tas e massoterapeutas” e, para o caso da acupuntura, “Histórico da Campanha pela regula-
mentação da Acupuntura”, em O Terapeuta, ano 1, nº 0, outubro de 1997.)
13. Processo nem sempre marcado pelo consenso, como mostram, por exemplo, as diver-
gências de posições e estratégias entre associações como SINATEN e SINTE (Sindicato dos
Terapeutas). Para informações mais detalhadas sobre o atual estágio e conquistas já alcan-
çadas, ver O Terapeuta, ano 3, nº 2, abril de 1999.
14. Outro sinal da inter-relação entre as instituições do circuito: associados da ABTK têm
descontos de 10% a 30% nos produtos oferecidos — cursos, atividades, produtos fitoterá-
picos — por vários desses espaços e instituições, como ABREFLOR, Espaço A.M.OR,
Escola A.M.OR, Panizza Phytoshop, Corpo e Mente, Espaço Citrino Oriente, Brasil Orien-
te etc.
15. Em Campinas, Curitiba e Rio de Janeiro também há espaços vinculados à A.M.OR.
16. Os nomes dessas pessoas foram modificados.
17. Cf. Ferreira (1984:23).
18. De acordo com as informações veiculadas no referido site, “O projeto Gaia Mind é
uma proposta transdenominacional e sem fins lucrativos, iniciada por Juliana Balistreri e
Jim Fournier (San Francisco, CA), dedicada à difusão de uma meditação e prece para a
transformação da consciência global, no dia 23 de janeiro de 1997. A participação é aberta
a todos e não está vinculada a crenças de alguma religião ou ideologia em particular,
inclusive da astrologia. Além dos fundadores, milhares de pessoas em todo o mundo, de
diferentes tradições espirituais, são agora co-criadores deste evento único (...). O Projeto
Gaia Mind aspira a servir de catalisador para a cura global ao buscar soluções práticas,
criativas, espiritualmente orientadas aos desafios enfrentados pela humanidade e pelo
planeta. O projeto serve como ponte para explorar a interface entre ciência, medicina,
filosofia e as tradições da sabedoria espiritual universal. A iniciativa de 23 de janeiro de
1997 posta na website como www.gaiamind.com renascerá como www.gaiamind.org para
tornar-se um fórum dedicado a essas idéias” (tradução minha). Devo a Cristina Rocha, a
quem agradeço, a notícia do evento e o endereço do site.
19. A UNIPAZ — Universidade Holística Internacional — foi fundada em 1986, em
Brasília, por iniciativa do conhecido psicólogo Pierre Weil e atualmente conta com campi
avançados em Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Salvador e Forta-
leza (em fase de implantação). Entidade de expressão no meio neo-esô, oferece cursos de
formação, assessorias, organiza congressos, mantém convênios com inúmeras universida-
des e instituições públicas e privadas. Entre seus “facilitadores”, podem ser citados Rober-
to Crema, Ubiratan D’Ambrosio, Stanley Krippner, Gray Gibsone, May East, Chagdud
Tulku Rinpochê, Alfredo Aveline, frei Betto, Carminha Levy, Mestre Liu Pai Lin
(http://www.unipaz.com.br).

94
20. Trechos da apresentação do programa, assinada pelo coordenador da conferência,
Stanislav Grof.
21. “VII Encontro Para a Nova Consciência”, 20/24 de fevereiro de 1998, Campina
Grande/PB.
22. Se a comparação com o clima e as preocupações que marcaram a passagem anterior,
do primeiro milênio, é inevitável, cabe distinguir o que ocorre atualmente como tendência
no circuito neo-esô de determinadas posturas de grupos milenaristas autocentrados cujo
fanatismo é já objeto de medidas de prevenção.
23. “(... a religiosidade da Nova Era) é simples e inexoravelmente o produto do pós-mo-
derno: de uma cultura que viu ruir todos os seus mitos, as ideologias, a verdade e os
valores. É uma religiosidade amadurecida por meio de um encontro com as formas ex-
pressivas e artísticas em nível de non sense e já se encontra impregnada de ‘irracional’, de
sensações mais do que idéias, de vontade de crer mais do que de convicções, de visões e
perspectivas deformadoras e de pluralismos indefinidos mais do que apego a tradições, às
grandes histórias e aos grandes mitos do passado” (Terrin, 1996: 9-10).
24. Algumas dessas características sem dúvida podem ser encontradas em diversos sistemas
neo-esôs, como mostram vários estudos que apontam significativas e consistentes correlações
entre formas de religiosidade contemporânea e determinados aspectos da modernidade. O que
aqui está sendo posto em questão é a relação mecânica e direta entre esses dois conjuntos de
fenômenos, tidos como unívocos, em que o primeiro é apresentado como o reflexo do segun-
do. Nem um nem outro, contudo, são homogêneos, nem há acordo sobre seu enquadramento
conceitual: há autores inclusive que desqualificam o próprio termo “pós-moderno” por consi-
derar que o projeto da modernidade ainda não se completou, sendo inadequado, por conse-
guinte, falar numa etapa “pós-moderna”. Por outro lado, como vem sendo mostrado, as
práticas agrupadas sob as denominações de Nova Era, neo-esoterismo ou outras tampouco
podem ser tomadas constituindo um bloco indivisível, capaz de ser nomeado por alguns traços
inequívocos. Assim, considerar o movimento Nova Era a “religião pós-moderna”, tout court,
por mais evocativo que possa parecer, está antes para título de matéria de revista semanal do
que para uma proposição minimamente demonstrável.
25. O que não é pouco e, mesmo assim, deve ser considerado uma tendência.
26. Note-se que pouca diferença faz, para a lógica que preside a esta classificação, a
disparidade de critérios (em termos de evidências documentais) que permite incluir este
último item ao lado dos anteriores.
27. Riffard (1996: 155-166) apresenta quadros sinópticos mais detalhados, com maior
número de informações.
28. Um exemplo desse contato é fornecido pelas obras de Fritjof Capra. O primeiro
parágrafo de um de seus livros mais divulgados, O Tao da Física (1995), descreve uma
experiência pessoal que relaciona a visão do movimento das ondas do mar — moléculas e

95
átomos em vibração — com a dança do deus Shiva, da mitologia indiana (p.13), e que
acabou se tornando o paradigma da aproximação entre a sabedoria tradicional e as desco-
bertas num campo científico específico, no caso o da mecânica quântica. Esse tipo de
aproximação pode tanto ensejar uma linha específica de reflexão conduzida com o rigor
de procedimentos próprios da ciência e guiada por intuições tidas por meio de experiênci-
as totalizadoras próprias das tradições místicas, quanto diluir-se na forma de uma popula-
rização tal como se pode ver em muitos folhetos, palestras e comentários correntes nos
espaços neo-esôs. Mesmo nesse caso, não obstante a ligeireza das aproximações entre
ciência e tradição, resultante da vulgarização de conceitos, pode-se reconhecer aí uma
busca de novos padrões de conhecimento e explicação de fenômenos que escapam aos
paradigmas e padrões cognitivos reconhecidos.
29. Nota-se aí a presença da matriz do gnosticismo: “Conhecer a centelha que é o eu mais
interior implica necessariamente conhecer o potencial do eu. Se somos fragmentos do que foi
outrora uma plenitude, o Pleroma, como o chamavam os antigos gnósticos, então podemos
conhecer o que fomos um dia e o que poderemos voltar a ser” (Bloom, op. cit.:163). Outra
aproximação entre essa visão e a dos gnósticos do século II pode ser apreciada em Pagels
(1990:179): “Además de definir a Dios de manera opuesta, los gnósticos y los ortodoxos
diagnostican la condición humana de modo muy distinto. Los ortodoxos seguían la tradicional
ensenãnza judía de que lo que separa a la humanidade de Dios, además de la disimilitud
esencial, es el pecado humano.(...) Muchos gnósticos, por el contrario, insistían en que la
ignorancia y no el pecado es lo que causa el sufirimiento de las personas”.
30. Geólogo e palentólogo, o padre jesuíta Pierre Teilhard de Chardin (1881—1955)
desenvolveu uma visão evolutiva de dimensões cósmicas, e seu esforço foi demonstrar que
esta não se chocava com a doutrina cristã do universo. Ele via a humanidade como o eixo
central de um fluxo que, a partir de uma “cosmogênese” primordial, passaria pela etapa da
“antropogênese” e, com o surgimento da consciência (“noosfera”), avançaria em direção
ao Ponto Ômega, interpretado como o ápice da integração de todas as consciências indivi-
duais, correspondendo à segunda vinda de Cristo. Há, evidentemente, muitos outros mo-
delos correntes no meio neo-esô que distinguem grandes ciclos e idades, como o grego
(com as quatro idades — a do Ouro, Prata, Bronze e Ferro; cf. Vernant, 1990), o hinduísta
das quatro Yuga, o calendário maia etc.
31. “(...) uma imagem do mundo de harmonia e consonância no corpo vivo de uma Mãe
Universo que, como o trabalho de Marija Gimbutas tem mostrado, era representada nas
artes neolíticas mais primitivas da velha Europa, 7000-3500 a.C. como a única ‘Grande
Deusa da Vida, da Morte e da Regeneração’” (Campbell, 1997:144).
32. Romeo Graziano Filho, 1997:54-55.
33. Há, evidentemente, versões mais elaboradas; estou apresentando uma espécie de “tipo
ideal” das versões tal como aparecem em cursos, palestras, rituais, folhetos etc.

96
34. No campo dos estudos de parentesco, na antropologia, os termos utilizados são “matri-
linear”, “patrilinear”, “matri” e “patrilocal” etc., conforme se esteja referindo a regras de
descendência, residência etc. do grupo estudado. São termos técnicos, de uso preciso, sem
a abrangência e o caráter evolutivo sugeridos por “matriarcado” e “patriarcado”.
35. Os conflitos e costumes pouco “elogiáveis” (o canibalismo, por exemplo) que o relato
etnográfico registra e interpreta no contexto das culturas em que ocorrem ou ocorreram
geralmente não são mencionados. Por outro lado, termos como clã, tribo, rituais xamânicos,
conselho de anciãos e outros são empregados de forma indiscriminada para designar um modo
de vida e instituições que se supõem serem comuns a todos os povos indígenas. Em última
análise, o que normalmente acontece, mesmo com o uso desses termos, é que se recorre a eles
mais em busca de seu poder evocativo, metafórico, do que de uma precisão técnica.
36. Cf. Lévi-Strauss, 1976:32, 37 e ss.
37. Ver, a propósito, a discussão de Lévi-Strauss sobre as diferenças entre conto e mito, na
análise sobre a obra de Vladimir Propp (1976 (b): 133-136) e também Vernant, 1992.
38. Nesse caso prefiro manter os termos “discursos” e “narrativa” — este para referir-me a
um quadro mais geral e aqueles para designar formulações localizadas — antes que
“cosmologia”, para ressaltar o caráter gerativo e de combinatória do modelo proposto.
Quando se trata de um repertório mais específico, em determinados contextos e sistemas,
pode-se falar de uma determinada cosmologia, com cor local.
39. Cf. Heelas, 1966:16,19,56.
40. Daí a atração de alguns grupos neo-esôs, senão pela volta a um estado ideal de
comunidade (ainda encontrada, segundo crêem, em culturas não contaminadas pela socie-
dade moderna), ao menos por seus ideais, buscados nos limites dos pequenos grupos que
se reúnem nos espaços, nas vivências e workshops intensivos de fins de semana. Essa é
uma característica que se contrapõe às visões que associam, sem maiores mediações, o
neo-esoterismo à fragmentação e ao individualismo da pós-modernidade.
41. O esquema acima, por constituir um modelo, ao mesmo tempo que leva ao extremo as
características “ideais” de cada termo — a totalidade é cósmica, o indivíduo é senhor de
suas escolhas e a comunidade é o reino da harmonia e consenso —, equilibra o alcance de
cada termo pela presença dos demais.
42. A noção de modelo tal como a define Geertz (1978) possui dupla acepção: “modelo de” e
“modelo para”. Enquanto os “modelos de” oferecem uma visão de mundo “que relaciona a
esfera de existência do homem a uma esfera mais ampla” (op. cit.:124), os “modelos para”
transformam essa visão em normas para a ação, em regras de comportamento.
43. E que pode ser apreciado em formulações de Leonardo Boff (1998) e de frei Betto,
entre outros, após suas recentes incursões pela seara da Nova Era .
44. Ver nota 13.

97
4
O ethos neo-esô

Identificado, em linhas gerais, um “modelo de” — a partir de marcas e


pistas deixadas nos planos da distribuição espacial, do calendário e do discurso
—, cabe agora analisar seu processo de transformação em “modelos para”, ou
seja, sua capacidade de produzir efeitos no âmbito do comportamento. Esse é o
momento para retomar a hipótese inicial do trabalho, pois se trata de observar de
que forma visões de mundo terminam induzindo modificações não apenas no
comportamento individual, mas na geração de padrões coletivos, configurando
assim um “estilo de vida” peculiar.1
Antes de tudo, cabe lembrar as duas visões mais correntes sobre o fenômeno
do neo-esoterismo, que servem de contraponto à análise que vem sendo apresen-
tada: uma que reduz seus participantes ao protótipo de seguidor crédulo, pronto a
acreditar em qualquer previsão das cartas ou a confiar suas vértebras ao primeiro
terapeuta autodenominado holista que se apresentar; outra, mais elaborada, que
sob as lufadas da pós-modernidade não vê senão um cenário marcado pela inter-
cambiabilidade dos produtos, a fragmentação das propostas e a individualização
das escolhas.
Na realidade o que vem se delineando aponta para um quadro com diferen-
tes graus de entendimento, inserção e compromisso em que padrões e recorrên-
cias, em vários planos, mostram a presença de princípios de ordenamento. Trata-
se agora de detectar esses princípios no âmbito dos freqüentadores e seus com-
portamentos.

99
1. Os freqüentadores

Observando a movimentação habitual nos espaços do circuito neo-esô, prin-


cipalmente os do Grupo II e III, tem-se a impressão, num primeiro momento, de
que os eventos que aí transcorrem e que foram objeto de observação durante a
pesquisa — lançamentos de livros, concertos, palestras, cursos, vernissages, exi-
bição de filmes, performances etc. — não se distinguem daqueles que normal-
mente constituem a rotina cultural da cidade. O elemento diferenciador começa a
ficar claro à medida que se constata não se tratar de quaisquer livros, concertos ou
palestras.
Mas não é apenas o tema ou o conteúdo específico de tais atividades que
fazem a diferença. O ambiente — a música que antecede ou acompanha o evento,
os produtos oferecidos como degustação, os objetos em exposição ou à venda —
assim como a atitude dos participantes não deixam lugar a dúvidas: trata-se de
pessoas cujas preferências não se pautam pelo que é comumente anunciado nos
cadernos de lazer e cultura dos jornais.
Esse quadro aplica-se perfeitamente à programação da Associação Palas
Athena, por exemplo, que pressupõe um público não apenas intelectualizado, com
determinado grau de escolaridade, mas detentor de um conjunto específico de
informações e, o que é mais importante, de um certo gosto — condições que lhe
permitem compreender, por exemplo, as sutilezas do teatro nô ou apreciar a
sonoridade de uma sitar indiana. O mesmo se pode dizer da platéia que ali
comparece para uma palestra sobre a obra de Ibn’Arabî, mestre sufi do século
XIII, ou para assistir a um vídeo sobre Jiddu Krishnamurti, por ocasião do cente-
nário de seu nascimento.2
O mesmo ocorre quando se trata do circuito da saúde no meio neo-esô:
aqueles que decidiram substituir a medicina alopática pelos procedimentos natu-
ristas justificam suas escolhas com um discurso sobre os fundamentos e as vanta-
gens de tais sistemas e podem discorrer, com maior ou menor fluência, sobre a
localização dos “meridianos”, o papel dos chakras, os fluxos e bloqueios da
energia e assim por diante.
Contudo, não se pode generalizar. Há quem participe no universo do neo-
esoterismo apenas por acreditar em duendes, consultar esporadicamente as cartas
do tarô e apreciar a fragrância de um incenso: são diferentes os graus de adesão
porque são inúmeras as possibilidades de arranjos, a partir das narrativas de base
desse universo. Esta é a razão da dificuldade em definir os possíveis adeptos: a
ausência de dogmas, de uma hierarquia e um código de ética comum tornam

100
bastante difícil distinguir, sob a heterogeneidade das práticas, normas claras de
compatibilidades determinando o quadro das prescrições e interdições. Tem-se a
impressão — e algumas análises carregam nessa linha3 — de que se está diante
de um segmento do famoso “mercado de bens simbólicos”, aberto a arranjos
absolutamente individualizados, em que cada qual compõe seu próprio estojo
pós-moderno de primeiros socorros espiritual.
Entretanto, é possível distinguir graus de comprometimento, a que corres-
pondem determinados tipos-ideais de freqüentadores. Proponho separar, numa
ponta do espectro, o tipo erudito, que em princípio se caracteriza por escolhas
mais restritas, ditadas por critérios definidos com maior homogeneidade e clareza
no interior de um sistema de compatibilidades; no outro extremo, está o tipo
ocasional, cujas escolhas são determinadas menos pelo manejo de algum código
do que por apelos do marketing; entre ambos situa-se o tipo participativo,
freqüentador habitual dos espaços do circuito neo-esô: diferentemente do tipo
ocasional, suas escolhas são ditadas por um código de compatibilidades; sua
performance, contudo, é mais maleável que a do tipo erudito.4
O tipo erudito abrange vários segmentos: compreende, por exemplo, o sub-
conjunto dos profissionais — os “facilitadores”, “focalizadores” — que, em virtu-
de da atuação como agentes desta ou daquela prática, possuem mais informações
sobre o tema de sua especialidade. Outro subtipo é representado pelo iniciado,
aquele cuja prática pessoal, geralmente em algum Grupo I, supõe graus de com-
prometimento exclusivo e em caráter progressivo; nesse caso, seu código tem
como referente o próprio sistema ao qual está filiado. E por último inclui-se neste
grupo o estudioso ou pesquisador que por algum motivo de ordem pessoal apro-
funda um tema de forma autodidata.
Todos esses subtipos têm em comum o manejo de um código que se caracte-
riza pela referência a uma só matriz de significados ou, quando combina elemen-
tos de várias delas, o todo é coerente — ou seja, o arranjo final obedece a
compatibilidades aceitas por todos os campos semânticos envolvidos.
No outro extremo do espectro está o tipo ocasional5 que participa do univer-
so neo-esô de forma assistemática: não apresenta competência6 no manejo dos
códigos disponíveis, limitando-se a absorver fragmentos que lhe são oferecidos
de forma aleatória pelo mercado. Assim, digamos, acompanha o horóscopo diá-
rio, faz invocações ao seu anjo, lê alguma obra de auto-ajuda e não lhe causa
nenhum prurido a incompatibilidade entre as noções cristãs de alma e os pressu-
postos reencarnacionistas da TVP (terapia de vidas passadas) ou da idéia de
carma, por exemplo.
Na verdade, é a esse tipo de consumidor e às propostas a ele dirigidas que se
aplicaria a maior parte das críticas negativas geralmente disparadas contra a tota-

101
lidade do universo neo-esô. “Gurus” em busca de lucro fácil, manipulando algum
aspecto, símbolo ou discurso muitas vezes apenas longinquamente identificados
com determinado sistema do circuito neo-esô, só se sustentam com base num
público consumidor sem capacidade de discriminação e por isso mesmo sujeito
ao fascínio das soluções rápidas — a possibilidade de alguma experiência espiri-
tual indizível depois de umas poucas sessões de meditação, ou a tão sonhada
harmonia interior após o encontro, sem maiores sobressaltos, com o “eu mais
profundo”...
O tipo participativo, por sua vez, é o freqüentador característico e público-
alvo preferido dos espaços do circuito neo-esô. Ao contrário do tipo ocasional,
seu manejo dos códigos e narrativas de base correntes no universo neo-esô permi-
te-lhe referir os elementos (os termos do léxico: carma, aura, chakras, animal de
poder, ch’i e outros) aos campos semânticos correspondentes ou, ao menos, reco-
nhecer as diferenças entre eles. Mas, diferentemente do erudito, não necessaria-
mente pauta sua visão de mundo e comportamento por um só desses campos.
Transita mais livremente entre eles, ainda que respeitando algum nível de compa-
tibilidade:
“Pode passar do yoga para o liangong (mas não para a aeróbica), consulta ora as
runas ora o tarô, assiste à peça Laços Eternos e ao filme O Pequeno Buda, prefere
São Tomé das Letras a Campos do Jordão. Seu código registra Vivaldi (no ritual da
Primavera), os arquétipos de Jung, a dicotomia yin/yang e permite distinguir entre
mantras, mudras e mandalas; a culinária que aprecia (ou pratica) é light ainda que
não radicalmente macrô ou vegetariana; pode ler Paulo Coelho, mas também Joseph
Campbell; enfrenta pequenos distúrbios orgânicos com fitoterapia e, para o equilí-
brio das emoções, recorre aos florais de Bach; quando se trata de algo mais sério,
busca a homeopatia.”7
É essa competência específica, essa familiaridade com os temas correntes
do universo neo-esotérico e essa receptividade a eles — mas não a lealdade
exclusiva a algum em particular, pois pode sem maiores traumas bandear-se para
outro sistema8 — que fazem do tipo participativo o alvo privilegiado das pales-
tras, cursos e vivências oferecidos pelos espaços, principalmente os do Grupo II
(Centros Integrados) e III (Centros Especializados). Note-se que esse continuum
pode apresentar uma infinidade de graus intermediários e só idealmente é que os
cortes propostos — erudito, participativo, ocasional — adquirem contornos
definidos. Os que circulam no meio neo-esô e seus arranjos pessoais ou coletivos
distribuem-se de forma nuançada ao longo do gradiente, razão pela qual se torna
pouco produtivo multiplicar tipos e subtipos, uma vez que nunca darão conta das
variações empíricas.

102
Esse esquema permite equacionar um problema de difícil solução em muitas
das apreciações, análises e comentários sobre as práticas do circuito neo-esô e
seus seguidores: ou são jogados na vala comum da mistificação, do engano e do
consumismo, ou dissolvidos de tal forma numa fragmentação que já não subsiste
nenhum traço identitário ou princípio classificatório. A proposta permite compro-
var as particularidades de certos grupos, espaços e personalidades que certamente
rejeitariam a denominação de “neo-esotéricos” para não serem aproximados, com
razão, ao estereótipo do consumidor ingênuo e descomprometido, sem deixar de
reconhecer a existência concreta de um plano — visível no espaço, na perio-
dicidade, no discurso — independentemente das opções filosóficas, pureza ética e
rigor técnico que cada um possa exibir.
Os tipos descritos foram construídos com base nas relações que mantêm
com as referências objetivas do universo neo-esô, ou seja, o circuito, o calendário,
as narrativas: maior ou menor conhecimento do circuito todo, características dos
trajetos pessoais escolhidos dentre as inúmeras possibilidades, grau de assiduida-
de aos espaços e suas atividades, coerência e “gramaticalidade” com relação aos
discursos de base.
Mesmo assim não se caracterizam ou distinguem apenas pela freqüência aos
espaços e manejo intelectual de um código: além da compreensão dos temas —
que são tratados nos cursos, palestras e encontros —, é preciso vivenciá-los,
incorporá-los na prática cotidiana, o que supõe o cultivo de uma sensibilidade
especial.

2. A formação de uma sensibilidade

Vista de fora por alguns como excentricidade, mas vivida como exercício de
novos valores, essa sensibilidade é resultado de vários fatores, entre os quais, sem
pretensão de exaustividade, ressalto os seguintes: a disseminação de terapias cor-
porais no contexto da valorização da individualidade, a vivência comunitária, a
preocupação com a ecologia e a redescoberta do feminino.
Em primeiro lugar pode ser citada a disseminação de técnicas terapêuticas
alternativas ao tratamento psicológico ou psicanalítico convencional. William
Reich, Carl Jung, Carl Rogers, Karen Horney, Arthur Janov, Stanislaf Grof, Frie-
derich Peris, Ken Wilber são alguns dos nomes que, direta ou indiretamente, estão

103
na base de uma infinidade de experimentos em que o primado das emoções, a
linguagem do corpo e a experiência grupal são contrapostos ao caráter considera-
do demasiadamente racional das abordagens principalmente da linhagem freudia-
na.
Em O corpo contra a palavra (1993), Jane Russo refere-se a esse processo e
mostra que a proliferação das terapias corporais é um desdobramento recente, ao
lado do lacanismo, do boom da “cultura psi”, marcada pela difusão da psicanálise
nos anos 70.9 Essas terapias, que fazem parte do que a autora denomina “comple-
xo alternativo”, estabeleceram uma significativa diferença com respeito à teoria e
prática dos lacanianos: enquanto estes últimos caracterizaram-se pela ênfase no
texto, na palavra, o antiintelectualismo dos “alternativos” levou-os a privilegiar a
emoção, a sensação, a intuição: é no corpo que eles vão buscar seu ponto de
inflexão.
Russo, que nesse trabalho se dedica sobretudo às terapias corporais de ori-
entação reichiana, destaca o que denomina fluidez do complexo alternativo, resul-
tado, segundo ela, da indeterminação de suas fronteiras e da interpenetração entre
suas diversas práticas.
No entanto, observando a rotina dos espaços que oferecem tanto terapias
como práticas corporais, pode-se perceber a consolidação de uma forma “canôni-
ca”, uma sintaxe particular, se não dos tratamentos propriamente ditos (cada qual
possui sua própria metodologia), ao menos das múltiplas vivências inspiradas
neles. Eis uma seqüência muito seguida: os participantes, descalços, dispõem-se
em círculo (em pé, ou sentados em almofadas), dão-se as mãos (para estabelecer e
compartilhar fluxos de energia), cantam e/ou dançam; como variantes podem ser
propostos o “grito primal”, o uso de instrumentos de percussão e “lutas” ritualiza-
das:
(...) “Após os aplausos e cumprimentos aos formandos seguiu-se a cerimônia de
harmonização. Os presentes deram-se as mãos formando quatro círculos concêntri-
cos. Sidney colocou um mantra tocado e cantado em uníssono pedindo a todos que
fechassem os olhos e sentissem a energia do grupo fluir por suas mãos. Com sua
fala suave falou sobre a necessidade de se encontrar a paz e o amor em todas as
coisas durante todo o tempo para que todos pudessem vibrar em uníssono como o
mantra. Enquanto ele falava, as pessoas começaram a acompanhar a música com
sons nasais e a balançar-se para um e outro lados (...).”10

O relaxamento, em meio a uma atmosfera de silêncio e penumbra, com


música suave, onde o olhar introspectivo explora os segredos do “eu interior”,
funciona como alternativa ou complemento àquelas vivências mais grupais e
expressivas. Nesses casos, o “focalizador” dirige a mentalização:

104
(...) “Imaginem uma luz azulada que entra pelas plantas dos pés, percorre o corpo
pela pele e nervos, concentra-se nos quadris, sai pelas palmas das mãos; adiante, há
uma caverna esculpida na rocha, numa magnífica floresta. Um impulso interior leva
a entrar. Lá dentro um sábio, de barbas brancas, que é o sábio interior de cada um
(...).”11
Os participantes são levados, na seqüência, a relatar suas emoções, experi-
ências interiores e sensações. O resultado é uma maior aproximação entre as
pessoas, já que os depoimentos, até por seguirem um determinado padrão narrati-
vo, mostram que essas experiências percorrem caminhos comuns:
(...) “Embora o objetivo deste Ritual da Lua Cheia tenha sido despertar certas
virtudes nos participantes, este tem como efeito secundário promover uma aproxi-
mação entre pessoas que em geral se desconhecem totalmente. Ou seja, aproximan-
do-se em princípio por apresentarem os mesmos defeitos (ou vícios), pelo ritual, as
pessoas se identificam pela manifestação de um propósito comum. Além disso, o
próprio ritual na medida em que aproxima fisicamente as pessoas e faz circular
‘energia’ entre elas também parece criar uma certa identidade de grupo. Nesse
sentido os cumprimentos frios da chegada são substituídos na despedida por conver-
sas paralelas, trocas de impressões e até mesmo por uma despedida mais calorosa
(...).”12
Tal tipo de vivência não se restringe aos espaços especialmente dedicados às
terapias: se nestes segue-se uma metodologia mais completa e sofisticada, formas
mais simples são aplicadas ao término de palestras, encontros, workshops em
qualquer um dos demais espaços. Aqui também, como se pode perceber, funciona
um gradiente homólogo ao sugerido pelo esquema erudito/participativo/ocasio-
nal: as modalidades mais elaboradas correspondem ao padrão erudito enquanto as
mais simples se situam na outra ponta do continuum.
Em todos eles, contudo, percebe-se a ênfase na valorização de uma realida-
de interior e dos processos de transformação espiritual em que a referência é a
expressão das experiências pessoais, o cultivo da individualidade. Pode-se mesmo
dizer que, entre os fatores que caracterizam o ethos neo-esô, este é o que suscita
rara unanimidade; do discurso corrente às interpretações mais sofisticadas, de
uma leitura mais religiosa à atitude mais pragmática, da visão mística à psicologi-
zante, num aspecto todos estão de acordo: o eixo dessa “nova consciência”, o
plano privilegiado da “nova espiritualidade” é o da individualidade. As ênfases,
assim como as denominações, variam — “eu interior /eu superior”, inner self,
“lenda pessoal”, inner voice —, mas todas remetem, cada qual à sua maneira,
àquele elemento que no modelo da narrativa de base constitui um dos vértices do
triângulo.

105
Como já foi explicitado, esse núcleo íntimo contém em germe potencialida-
des passíveis de desenvolvimento porque abriga uma centelha do Princípio de
onde emanou; não se trata, porém, do binômio Queda/Remissão — aquela em
razão de uma ruptura, esta por obra da graça divina —, mas de uma progressiva
(ou súbita, em alguns casos) tomada de consciência de um vínculo sempre exis-
tente.
Todo sofrimento, todo mal, toda doença ou desordem advêm de algum tipo
de falência no trânsito entre os planos que compõem a individualidade e entre
esta e os outros pólos da relação; e todas as práticas — terapias corporais, medita-
ção, técnicas de respiração, alimentação natural, massagens, rituais, augúrios —
têm como objetivo último desobstruir os canais de comunicação no interior do
microcosmos (corpo/mente/espírito) e em seu contato com o macrocosmos, de
forma que a energia possa fluir alimentando a vida, abrindo a consciência, produ-
zindo a necessária harmonia e o conseqüente desabrochar pleno do “eu inte-
rior”.13
Não é pois de admirar que o papel desempenhado pelo indivíduo nesse
esquema tenha suscitado linhas de análise que buscam explorar as inter-relações
de algumas características ligadas à chamada Nova Era com a ideologia indivi-
dualista típica da sociedade moderna, da qual o “expressivismo psicológico” é
uma de suas manifestações. Este último, segundo Amaral (1998:51-52), é o resul-
tado da articulação de duas facetas ou modalidades do individualismo moderno:
uma que busca numa natureza humana, perfeita e universal, a libertação de pres-
sões e injunções externas, tidas como artificiais, e outra que se volta para o
cultivo da personalidade individual com suas idiossincrasias.
Assim, o expressivismo psicológico, enquanto cultivo de características in-
dividuais e subjetivas cuja base é uma natureza acabada e idêntica, é o fundamen-
to dessa incessante busca de autoconhecimento, auto-aperfeiçoamento dos neo-
esôs. Os “expressivistas”, diz Heelas, “estão interessados em si mesmos: em sua
natureza e naquilo em que eles poderão vir a ser” (op.cit.: 144).
Essas análises têm ainda em comum o próprio recorte sociológico: trata-se
basicamente de setores das camadas médias urbanas, permeados pela ideologia
individualista e expostos a veículos e ideologias da modernização, o que, para
Salém (1985:18), os leva a consumir as terapias alternativas.14 Modernização/in-
dividualização/psicologização: eis o tripé que, segundo Russo (:37), é acionado
quando se discute o ethos de grupos pertencentes a essas camadas, no interior das
quais insere sua própria pesquisa sobre as terapias corporais de inspiração reichia-
na. Com base no enquadramento teórico dumontiano, que articula individualismo
e hierarquia “como duas configurações de valores que regem diferentes tipos de

106
sociedades (:13),15 Russo recorta seu objeto de estudo no processo mais amplo de
difusão das práticas psi entre estratos médios urbanos no Rio de Janeiro.
Em busca de fundamentação, a autora, a partir de conceitos não só de
Dumont como também de Simmel (deste último retém o termo uniqueness, singu-
laridade), propõe-se a buscar uma conciliação entre duas perspectivas: a desenvol-
vida por Da Matta, que, segundo ela, enfatiza o individualismo jurídico —
passagem da noção de pessoa para a de indivíduo, o que supõe primado da
igualdade, de leis universais —, e a vertente mais psicológica desenvolvida por
Velho. Assim, se no plano jurídico individualismo implica igualitarismo e leis
universais, no plano psicológico significa antes “singularidade”, ou seja, acarreta
a idéia de opção pessoal, ênfase no espaço interno e nas qualidades inerentes de
cada um, em detrimento da posição dada de antemão na sociedade.
Existe uma noção, contudo, que, tanto quanto a de indivíduo, entra na com-
posição da ideologia das terapias corporais e das práticas “alternativas”, segundo
Russo: é a de energia. Citando Soares — “energia é a moeda cultural do mundo
alternativo, que prepara o terreno simbólico para o desenvolvimento de uma
linguagem comum, independente das diversidades” (1989:129) —, conclui que
existe aí um paradoxo: de um lado um indivíduo quase rousseauniano e, de outro,
uma totalidade cósmica, corporificada na noção de energia. Como resolver? Na
verdade, o paradoxo é aparente: trata-se de uma totalidade que não contradiz os
pressupostos básicos da ideologia individualista. As terapias corporais (e as alter-
nativas em geral) continuam sendo individualistas: não são holistas/totalizadoras
porque não supõem uma perspectiva hierárquica, como deveria ser segundo o
esquema de Dumont a propósito das sociedades tradicionais:
“Mais do que uma concepção totalizante (ou holista) do mundo, o que parece haver
é uma concepção universalizante de homem, na qual todo ser humano encerra
dentro de si, não a humanidade — como seria típico do universo individualista, mas
a natureza. A natureza é uma categoria de caráter nivelador e igualitário, que sobre-
puja as diferenças sociais e nega a possibilidade de diferença cultural.” (:192)
Em suma, a cultura psicológica dos anos 80 volta-se para a singularidade e a
diferença como representações ideais dominantes, deixando para trás o ideal de
igualdade, hegemônico nos anos 70, configurando assim uma espécie de passa-
gem do projeto igualitário para o reinado da singularidade, com a correspondente
dissociação estrutural do campo psicanalítico (:201). Os “alternativos” fazem-se
presentes nesse campo onde trabalham
“(...) com a concepção de um indivíduo pleno de poderes, que tira sua força da
comunhão com a natureza, capaz de curvar a sociedade a seus desejos e impulsos.
Indivíduo que comunga com seus semelhantes não uma cultura ou uma linguagem,

107
mas a imersão no oceano cósmico da Energia Vital. E que, por isso mesmo, se faz
na mais completa solidão” (:203) [grifo meu].
Na mais completa solidão?... É aqui que identifico um significativo ponto de
inflexão com respeito a essa linha de análise que (com razão) enfatiza o caráter
individualizante do “mundo alternativo”, composto por pessoas que se ligam por
“escolhas e afinidades”, como bem afirma Salém (:7).
Com efeito, além do indivíduo há outro elemento que, juntamente com a
totalidade, completa o triângulo de base da narrativa neo-esô descrita: é a noção
de comunidade.16 E se entra como um dos termos do modelo de base dessa
narrativa, reaparece como fator responsável, também, da sensibilidade caracterís-
tica do modo de vida neo-esô.
Não se trata da comunidade consangüínea, rural, permanente e isolada, refú-
gio dos “renunciadores” da contracultura, fugindo do mundo.17 É a comunidade
que se constrói na metrópole, efêmera, de fim de semana, que permite recarregar
as baterias para enfrentar com êxito as vicissitudes do cotidiano da grande cidade.
E que se dissolve ao final de cada curso, palestra, vivência, mas permanece viva,
só que em estado latente, ancorada no “circuito”.
Não se trata, também, da network descrita por Salém (op.cit.) como “desta-
cada de ancoragens geográficas (...) que une indivíduos dispersos no meio urba-
no”,18 mas de uma rede hierarquizada e objetivada em espaços, lojas, centros com
endereços na cidade e que pode ser recomposta a todo momento — se não com as
mesmas pessoas, ao menos com algumas delas e outras novas; todas, porém, à
vontade com os padrões discursivos e de comportamento, assim como com os
valores e o jargão do circuito, seja o xamânico, o taoísta, o tibetano, o das
massagens, o da programação neurolingüística, o do neopaganismo ou de sua
versão feminina, wicca...
É no contexto dessa comunidade de feições e dinâmica tão peculiares que
transcorre uma sociabilidade alimentada por trocas de pontos de vista, leituras,
objetos, experiências de viagens no contexto do “pedaço” de cada um — aquele
endereço onde os laços de lealdade são mais fortes —, mas principalmente nos
“circuitos” ao longo dos quais se recortam os “trajetos” personalizados.
Trajetos vivos, cambiantes, sempre prontos a agregar mais um ponto, quan-
do se tem notícia, por exemplo, do lançamento de um livro19 sobre meditação
ch’an que atrai não só os freqüentadores da medicina taoísta, mas também inte-
ressados provenientes de outras correntes ou tradições: é sempre uma boa ocasião
para fazer novos contatos, degustar um chá, escutar um novo disco de world
music. Nessas ocasiões termina-se sabendo de tal ou qual show de monges tibeta-
nos, da palestra e vivência com um renomado especialista da Califórnia, ou da
vinda de algum xamã do altiplano com novidades em seu alforje...

108
Essa é, na verdade, uma dinâmica comum a outros circuitos que a metrópole
multiplica — os circuitos de lazer, de reciclagem profissional, do consumo cultu-
ral (livrarias, galerias, cines de arte, exposições) pelos quais se tem acesso ao uso
e desfrute de certos bens e serviços altamente especializados e que só ocorrem na
escala da grande cidade.
Esse contexto metropolitano, cosmopolita, que favorece a disseminação das
práticas neo-esôs, inclui também — basta verificar os anúncios de vivências em
sítios e chácaras nas imediações do perímetro urbano e de excursões — outro
elemento formador de uma sensibilidade própria que em maior ou menor grau se
dissemina pelo meio neo-esô: é a relação que se estabelece com a natureza,
realidade que se pensa estar regida por seres guardiães, espíritos protetores, forças
e energias espirituais:
“Já em nosso primeiro dia na cidade (14/7), na entrada da Gruta do Sobradinho foi
cumprida uma espécie de ritual que se repetiria todos os outros dias. Antes de
‘invadir’ qualquer um daqueles ambientes naturais, pedia-se licença aos domínios
mineral, vegetal e animal para desfrutar de toda a sensação de liberdade, paz, calma,
revitalização, que o mundo natural nos oferece.” (...)
(...) No Carimbado a nossa guia foi a Sheila, que também realizou uma vivência no
interior da gruta, no sentido de sentir o ambiente que estava a nossa volta. As
lanternas foram apagadas para que buscássemos trabalhar nossos outros sentidos. O
Vale das Borboletas foi outro lugar escolhido para purificar os cristais. Quem quis
pôde realizar uma consulta de radiestesia com a Bethy, procurando verificar o
estado de equilíbrio dos sete chakras do corpo humano (básico, umbilical, plexo
solar, cardíaco, laríngeo, terceiro olho e coronário). O Vale foi eleito pelos integran-
tes do grupo como o lugar mais fascinante de toda a excursão. Alguns viram tocas
de duendes (pequenos buracos encravados na maioria das vezes nas encostas da
trilha), Marcelo viu uma fada: ‘Uma fada cor-de-rosa passou cobrindo toda a
região’.”20

Abre-se aqui uma interessante e polêmica interseção entre o universo do


neo-esoterismo, a ecologia e os movimentos ambientalistas.21 Mais uma vez,
está-se diante de um espectro que vai de uma visão rotulada de ingênua, a que
povoa a natureza de “elementais” — duendes, gnomos, elfos, salamandras, fadas
etc.22 —, até uma perspectiva mais erudita, que incorpora perspectivas de maior
consistência, segundo parâmetros ditados pelo discurso científico, como a já men-
cionada “Hipótese Gaia”. Seja como for, uma consciência difusa de respeito e
proteção ao meio ambiente, que muito deve aos valores próprios do universo
neo-esô, ultrapassa os círculos mais restritos e militantes do movimento eco-
lógico.

109
A reverência aos elementais, a procura por produtos não contaminados ou
ainda a busca de sintonia com o equilíbrio energético do planeta — atitudes
motivadas por diferentes visões dentro do universo neo-esotérico em face da
natureza e do caráter místico de que é revestida — migram para o domínio de um
público mais amplo, contribuindo para a disseminação de uma sensibilidade que
acaba sendo incorporada ao senso comum.
Há, evidentemente, outras aproximações entre ecologia e neo-esoterismo.
Luc Ferry, no livro A nova ordem ecológica (1994), mostra os aspectos filosófico
e político entre duas visões de ecologia: uma ainda antropocêntrica, humanista,
ou seja, que subordina a natureza aos interesses do homem, e outra, radical, a
deep ecology, que postula um valor intrínseco à natureza. Essa oposição termina
potencializada por outras dicotomias e posturas políticas mais conhecidas entre
direita e esquerda, maioria e minorias, feminismo e opressão masculina. Uma
sugestiva variante dessa discussão é o “ecofeminismo” que, conforme algumas
versões, postula a íntima relação entre as duas frentes de luta, ecologia e feminis-
mo, pelo fato de a mulher não ter rompido com a natureza, em virtude dos
mecanismos peculiares de seu próprio corpo:
“Mary O’Brien dedica-se, na mesma ótica, a mostrar como a ‘consciência reprodu-
tora’ da mulher é experiência de uma continuidade fundamental com os ritmos
biológicos ‘em conseqüência de ela própria ser nascida do trabalho de uma mulher.
Esse trabalho vem confirmar a coerência genética e a continuidade da espécie’, em
contraste com a consciência reprodutora do homem, que é descontínua e lagunar. O
processo da reprodução apresenta-se assim como um ‘ato de mediação e de síntese
que confirma empiricamente a unidade da mulher com a natureza’. É, portanto,
nessa simbiose que deve se inspirar um discurso ecológico coerente” (Ferry, op. cit.:
163).
Ecos dessa discussão teórico-política chegam ao universo neo-esô sob ou-
tras roupagens, as de uma visão em que a natureza e determinados aspectos do
feminino (mas não do feminismo) são revestidos de uma aura mística. A presença
da mulher no meio neo-esotérico, aliás, é de tal forma marcante — não apenas
pela proporção de sua participação, mas como formadora da sensibilidade domi-
nante no ethos neo-esô — que merece destaque.
Como já foi assinalado, a maioria das análises sobre o fenômeno do neo-
esoterismo — seja de corte acadêmico, ensaístico ou da mídia — concorda num
ponto, o perfil geral de seu público característico: é de classe média, adulto e
majoritariamente feminino. A pesquisa que está na base deste trabalho não proce-
deu a nenhum levantamento quantitativo sistemático capaz de referendar ou ques-
tionar tal impressão; no entanto, tomando como base a observação dos eventos
que foram objeto das etnografias e os depoimentos de pessoas ligadas ao meio, é

110
possível, ao menos como primeira indicação, confirmar até mesmo com porcenta-
gens recorrentes o caráter basicamente feminino da freqüência às práticas neo-
esotéricas, como se pode apreciar no quadro abaixo:

Público
Evento Espaço
Masc. Femin. % Femin.
“Bazar das Estrelas” — ba-
zar de Natal e entrada do Kiokawa Cultural, 12/12/93 10 90 90
verão
“Ritual da Primavera” Aruna-Yoga, 24/9/94 3 14 83
“Encontro Imagick de
Imagick, 16/12/94 28 42 60
Natal”
“Cerimônia de canto da Lua Instituto Nyingma do Brasil.
25 25 50
Cheia” 27/3/94
Paz Géia — Instituto de
Ritual da Lua Cheia Pesquisas Xamânicas, 6 24 80
18/12/94
Excursão eco-esô a São
“Integração do homem com
Thomé das Letras (MG) 2 10 83
a natureza”
Elo Cultural, 13-17/7/94
“Diwali — festival das Aruna Yoga – excursão a
14 60 80
luzes” Avaré (SP), 28,29,30/10/94
Instituto 3HO: Serra da
“Festival de Yoga e
Cantareira — (SP) 21, 22, 8 15 65
Meditação”
23/4/95
Centro de Estudos
“Demonstração de pintura
Filosóficos Assoc. Palas 11 25 70
sumiê”
Athena, 30/10/93
Paz Géia – Instituto de
“O cristal encantado”: proje-
Pesquisas Xamânicas — 5 100
ção e análise de filme
out. 1994
Paz Géia — Instituto de
Palestra “A tradição milenar
Pesquisas Xamânicas, 4 6 60
do guerreiro sem armas”
11/11/94
Centro de Estudos
Lançamento do livro Mente
Filosóficos Assoc. Palas 20 80 80
Zen, mente de principiante
Athena, 27/9/94
Paz Géia — Instituto de
Palestra “Tarô: uma leitura
Pesquisas Xamânicas 9 20 70
do Brasil”
17/10/94

111
Note-se que, seja qual for a dimensão do encontro, evento, ritual — consti-
tuído por poucas pessoas, ou conformando um grupo maior, de até setenta, cem
participantes —, não só se mantém a predominância feminina como a própria
proporção revela-se estável, em torno de 70% (68,5%, para ser mais preciso).
Essa porcentagem, aliás, é confirmada por alguns dirigentes de centros situados
no circuito neo-esotérico.
Mardoqueu Lopes, da Aruna-Yoga, por exemplo, fornece alguns dados reve-
ladores, em depoimento concedido no primeiro semestre de 1994. Os números
são os seguintes: à época da entrevista, o espaço contava com setenta alunos
regulares, inscritos nos diferentes cursos; em torno de 2 mil pessoas já haviam
passado pela casa, nos últimos quatro/cinco anos (era esse o total da mala direta
de que dispõe). Desse conjunto, entre quinhentas e mil pessoas podem ser consi-
deradas como mantendo algum vínculo com a casa, ou seja, têm-na como ponto
de referência; do público que participa dos rituais, 80% são constituídos por
alunos; 10% são ex-alunos e 10% vêm pela primeira vez; escolaridade: 100%
universitária; idade: entre 27 e 40 anos. E 75% são mulheres, conclui.
Tarcísio da IMCA SOL, em entrevista concedida em 15 de outubro de 1992,
diante da pergunta “Qual o tipo de público?”, responde:
R. Feminino. 95% são as mulheres.
P. Você tem alguma coisa para explicar isso?
R. Tenho e não tenho, né? Eu acho que a mulher, na verdade, ela é... Como é que eu
posso explicar isso pra você? Não é mística não, porque o homem também é místi-
co. Ela é, mas a mulher... Como é que eu posso passar isso para vocês? Ela é muito
mais simples, a mulher, porque acontece o seguinte: existe uma coisa em cabala que
a gente chama de ser perfeito, o triângulo perfeito, e na cabeça desse triângulo você
tem o ser andrógino, aí você tem o homem e a mulher, certo? Isso a gente aprende o
seguinte: por que o andrógino é perfeito? Porque ele assume os seus dois lados,
certo? O homem sofre porque nunca aceitou o seu lado feminino e a mulher hoje
sofre porque quer assumir o lado masculino do homem, então fica essa confusão.
Então eu acredito que a mulher vem querendo se antecipar ao homem há muito
tempo. Esse lado de profissionalismo, essa liberdade, negócio de libertação femini-
na, ela vem querendo se antecipar ao homem e acho que é o que vai acabar aconte-
cendo, porque na parte esotérica, e não é só aqui, acho que 90% são as mulheres que
saem na frente, entendem, 90% são mulheres.23
Isoladamente, tais dados não teriam maior significado; no contexto da pes-
quisa, entretanto, apontam uma pista que pode ser seguida e complementada com
outro tipo de informação: os quadros de referência no interior dos quais essa
presença é pensada. Não se trata de uma justificativa na linha do discurso femi-

112
nista, mas de uma fundamentação cósmica, mitológica: são os temas da “Mãe
Terra”, “O Princípio Divino Feminino”, “A Grande Deusa”, “Mãe Cósmica”,
“Mãe Natureza” e outros, como se pode perceber neste trecho encontrado em
folheto do Espaço Orion:
“O Princípio Divino Feminino, por tanto tempo negado, degradado e subordinado
pelas sociedades patriarcais, renasce na consciência de homens e mulheres através
do resgate dos valores espirituais, da valorização do amor e da compaixão, da
preservação da natureza e respeito pela vida e da reavaliação das relações entre os
seres e o Universo.”
Valmira Simão, do Espaço Kiokawa Cultural, respondendo à pergunta
“Você anda lendo alguma coisa a respeito”, revela que:
“Voltei a ler As Brumas de Avalon, que é o lance da magia; tenho lido muitas coisas do
feminino, do casamento do sol com a lua, que é uma terapêutica junguiana; comprei o
livro da Cris que é a fusão do feminino. Eu estou rodando nestes temas, que é do
feminino, da magia, da sincronicidade. (...) Agora fui na Zipak, queria um livro de tarô;
ela me deu uma pilha; olhei e queria ver o que tinha mais, fui olhando e perguntei o que
tinha do feminino; disseram que tinha os mitos do feminino e eu comecei a folhear.
Achei esses três e não levei nada de Tarô”. (Trecho de entrevista, 21 out. 1993).
As explicações internas ao campo neo-esotérico vão buscar argumentos em
muitos domínios. A entrada da Era de Aquário, citada como responsável pela
atual onda mística, é também motivo para a significativa presença feminina:
“Olha, tem muitas mulheres, a maioria geralmente é mulher. Tem a explicação a
nível esotérico, astrológico. É o seguinte: a gente entrou na era de Aquário. O signo
de aquário é um signo de natureza rebelde, revolucionária, ou seja, as ondas que
emanam de Aquário são as ondas de libertação, e Urano tá muito ligado com a
sexualidade. Urano é o regente de Aquário. Então a cada período de rotação de
Urano (...) que dura 84 anos (...) ele muda sua influência sobre determinado pólo
sexual, o pólo feminino e o pólo masculino (...) o período que a gente está se situa
justamente naquele momento que Urano está denotando uma maior influência, um
maior impulso ao pólo feminino (...) e não é só em relação ao esoterismo, a mulher
está dominando em praticamente todos os campos (...). Está havendo uma grande
modificação, a gente tem participado de vários congressos esotéricos, feiras e o
público feminino é gigantesco.”24
Uma outra vertente para a explicação da presença da mulher no universo
neo-esotérico e a valorização de seu papel é o resgate da figura da bruxa, conside-
rada uma forma de poder tipicamente feminino. No dia 27 de abril de 1994, o
Programa Amaury Júnior da TV Bandeirantes apresentou “Bruxas Modernas”, no

113
qual entrevistou cinco mulheres de destaque identificadas como “bruxas”: Márcia
Frazão, Norma Blum, Arlete Montenegro, Flávia Muniz e Cândida Borges.
Vale a referência, pois é também um indicador da forma como um tema, que já
foi considerado tabu, é veiculado na mídia. Excetuando-se os aspectos “exóticos”
insinuados pelo entrevistador — sobre receitas de poções mágicas, sobre o uso ou
não da vassoura etc. — e que inevitavelmente seriam trazidos à baila, o programa
mostrou aspectos que merecem registro. Márcia Frazão (de Nova Friburgo, RJ), por
exemplo, autora de alguns livros sobre bruxaria, como A cozinha da bruxa e Revela-
ções de uma bruxa, faz imediatamente a relação entre bruxaria e poder feminino:
Entrevistador: Fica chateada de eu te chamar de bruxa?
Márcia: Não, eu tenho muito orgulho.
Entrevistador: Há quanto tempo você é bruxa?
Márcia: Desde que nasci. A minha avó era bruxa, a minha bisavó era bruxa. Eu
venho de uma família que tem a tradição da bruxaria.
Entrevistador: Que tipo de bruxa você é?
Márcia: Uma bruxa como todas são, alguém que cultiva o feminino, a tradição da lua.

Instada a falar da vassoura, sai-se com a idéia de que se trata de um símbolo e


que pode estar associado, por exemplo, à limpeza de impurezas deixadas no meio
ambiente. Relaciona também o poder feminino com a manipulação de elementos
mágicos, na cozinha. A seguir é Norma Blum, atriz, quem dá o depoimento:
Entrevistador: Norma, por que você deixou a carreira no auge — você profissional-
mente estava muito bem, muito requisitada — para se transformar em bruxa?
Norma: Não, bruxa eu sempre fui, no bom sentido. Desde criança que eu tinha contato
com a natureza, com essa magia dos quatro elementos (da terra, do fogo, da água, do ar)
e com esses elementais. Então o meu pensamento sempre foi muito mágico. Mesmo
como atriz eu trabalhei em teatro que contava contos de fadas e estudei mitologia toda a
minha vida. Eu tinha uma avó que era superbruxa. Ela contava contos de morte, contos
de terror. Então ela me ajudou a despertar a minha mentalidade para toda essa coisa do
sobrenatural, dos mundos paralelos, do que é diferente. Então, não é que eu tenha
abandonado a minha carreira, é que atualmente com todos os cursos que a gente está
dando, de autoconhecimento, de astrologia, de magia do amor...

Como se vê, o poder da bruxa é pensado como uma faculdade que não se
aprende, mas que se recebe como herança.25 Solicitada pelo entrevistador a ensi-
nar “alguma coisa, aí, dessa magia do amor”, explica que o curso não se propõe a
fazer feitiçaria, mas a ensinar as pessoas a ficarem mais sedutoras. A poção que se
aprende não é para controlar o outro, é para a própria pessoa centrar-se. No curso
“a magia do amor” aprende-se a ficar harmonioso consigo mesmo, com o univer-
so, aí sim é possível atrair a pessoa certa e ser feliz. E assim como o mago

114
trabalha com a tradição do sol, a bruxa opera com a tradição lunar, seu trabalho
acontece à noite, as ervas são colhidas no sereno e de acordo com as fases da lua.
Também autora — Exorcize sua fada madrinha —, Norma Blum aproxima a tese
central desse livro às técnicas da neuroling|üística: trata-se de transformar deter-
minados comandos cerebrais, verdadeiros “embruxamentos” negativos, recebidos
na infância, em comandos positivos.
Outro indicador da preponderância feminina no universo neo-esô é a posi-
ção da mulher como leitora de livros classificados como “esotéricos”. Um levan-
tamento feito pelo instituto Datafolha em 1995 dos mais vendidos no mês de
janeiro desse ano, discriminando porcentagens de homens e mulheres, evidencia
que estas últimas ultrapassam os homens em torno do índice (mais uma vez) de
70% nesse item. Assim, Na margem do Rio Piedra eu sentei e chorei, de Paulo
Coelho, teve 38% de compradores entre os homens e 62% entre as mulheres; A
profecia celestina, de James Redfield, 30% e 64%; Maktub (Paulo Coelho), 35%
e 65%; Anjos cabalísticos (Mônica Buonfiglio); 21% e 79%; Auto-estima (Lair
Ribeiro), 38% e 62%.
Comentando os resultados, o escritor Paulo Coelho no artigo “Em defesa da
leitora — sensibilidade feminina está anos-luz à frente do racionalismo masculi-
no”, destaca o fato de, em primeiro lugar, os dados mostrarem que a mulher lê
mais que o homem;26 em seguida — seguindo uma argumentação comum no
meio neo-esô — lembra que a sensibilidade feminina, se atendida, teria mudado o
rumo da história: “Na Idade Média enquanto os homens se perdiam num emara-
nhado de teorias a respeito de Deus, as mulheres procuravam vivenciar a experi-
ência prática da comunhão com a divindade”.
Interpretações à parte, de qualquer forma não se pode negar que no universo
de crenças e práticas designado de neo-esotérico o papel da mulher difere radical-
mente do que ocupa em sistemas religiosos da tradição judaico/cristã/islâmica.
Enquanto nestes últimos sua posição foi sempre subordinada, em termos institu-
cionais e rituais, naquele, ao contrário, a mulher não é apenas cliente, mas agente
— proprietária, organizadora, diretora, profissional.27
A partir de todas essas evidências, pode-se concluir que a participação da
mulher no universo do neo-esoterismo constitui elemento determinante na cons-
trução de um certo estilo de comportamento: não se trata de um peso meramente
quantitativo, pois traz consigo certas atribuições associadas a uma visão, uma
estética e uma sensibilidade que se consideram, nesse meio, tipicamente femini-
nas.28
Tais qualidades — intuição, predominância do “lado direito do cérebro”, ou
alternativamente, melhor articulação entre o dois hemisférios com o conseqüente
“pensamento em rede” — são reputadas fundamentais na formulação, por exem-

115
plo, de diagnósticos a partir de alguns sistemas divinatórios; a sensibilidade, a
espontaneidade, o senso estético são considerados determinantes na condução de
algumas terapias corporais, danças etc. A ênfase nessas características sem dúvida
contribui para qualificar algumas das práticas do circuito neo-esotérico, dando-
lhes um “tom”, mesmo quando conduzidas por homens.29

3. O estilo de vida neo-esô

Uma vez identificados alguns dos elementos formadores do ethos neo-esoté-


rico, cabe, por fim, a pergunta: mas, afinal, haveria uma marca comum a todos
esses “buscadores”? Em algum nível seria possível identificar traços distintivos
de um “estilo de vida neo-esô” — algo correspondente àquele conhecido visual
hippie da contracultura dos anos 60, com as longas saias indianas ou o conjunto
“barba, poncho e sandália”?
A tarefa é tentar delinear as opções concretas que compõem o que vem
sendo chamado, até aqui, de maneira indistinta, de “universo” ou “mundo” neo-
esô e que pode receber a chancela de um sentido mais preciso, análogo àquele
empregado por Vilhena (1990) em seu estudo sobre astrologia.
Ao falar do “mundo da astrologia” (:96 e ss.), esse autor pretende, na linha
do trabalho de Howard Becker, transcender um significado apenas alusivo: está
lidando com redes sociais e “padrões de ação coletiva” que permitem o exercício
concreto dessa prática.30 O “mundo neo-esô”, mais difuso e evidentemente mais
abrangente que o da astrologia, pois o inclui, tem como base de sustentação não
apenas uma rede social, mas, conforme a pesquisa mostrou, um sistema de im-
plantação bem determinado na paisagem urbana, na forma dos “circuitos” que
interconectam espaços localizados principalmente em determinados bairros —
além de algumas matrizes discursivas recorrentes e até um calendário.
O reconhecimento dessa e de outras regularidades e de sua manifestação
pública é decisivo porque, se os neo-esôs só se comportassem como tal apenas no
interior dos seus “pedaços” — constituídos por aqueles espaços que usam como
principal ponto de referência —, então não projetariam uma imagem externa; ora,
não foi isso que a pesquisa revelou: os valores cultivados no “mundo neo-esô”,
além de reconhecidos, ultrapassam suas fronteiras, influenciando comportamen-
tos para além dele.

116
A pergunta é: de que forma essa determinação mais geral, a do “universo”
ou “mundo” neo-esô, transparece concretamente em comportamentos, hábitos,
gestos, padrões de consumo, configurando um determinado estilo de vida plena-
mente reconhecido?
Quando se entra nesse campo, é obrigatória a referência às categorias de
Pierre Bourdieu — estruturas, habitus e estilos de vida (1983). Na análise desse
autor, as categorias mencionadas encadeiam-se umas às outras a partir de uma
série de determinações: os habitus, “sistemas de disposições socialmente consti-
tuídos”, ancorados em estruturas objetivas, funcionam como mecanismos de re-
produção dessas mesmas estruturas.31 Por outro lado, enquanto princípio
unificador e gerador de todas as práticas, eles dão unidade aos estilos de vida,
entendidos como conjunto de práticas, símbolos distintivos e propriedades que
expressam as condições de existência.
Nessa seqüência, estruturas, habitus e estilos de vida não só representam
instâncias de determinação mútua, como também estabelecem, umas com relação
às outras, campos mais amplos de possibilidades:
“(...) a correspondência que se observa entre o espaço das posições sociais e o
espaço dos estilos de vida resulta do fato de que condições semelhantes produzem
habitus substituíveis que engendram, por sua vez, segundo sua lógica específica,
práticas infinitamente diversas e imprevisíveis em seu detalhe singular, mas sempre
encerradas nos limites inerentes às condições objetivas das quais elas são o produto
e às quais elas estão objetivamente adaptadas” (idem, op. cit.: 83).

A aplicação dessas categorias, por conseguinte, conservando-se o marco de


referência de origem, pressuporia, na base, uma determinação das posições soci-
ais dos atores; as referências são sempre as classes, frações e segmentos de classe.
No caso das práticas presentes no circuito neo-esô, apesar de sua clara
incidência nas camadas médias (mesmo que não se possa ainda fazer nenhuma
generalização fundamentada em dados quantitativos), não se trata de uma deter-
minação de classe stricto sensu: pertencer à classe média não é, evidentemente,
condição necessária nem suficiente para aderir aos valores implícitos do universo
neo-esotérico. Mas, como a pesquisa mostrou, é inegável que um conjunto de
comportamentos, produtos, valores e símbolos associados a esse universo come-
ça, por sua recorrência, a conformar um padrão. Nesse sentido pode-se falar numa
certa unidade de “propriedades”, na terminologia de Bourdieu (que assim as
enumera: casas, móveis, quadros, livros, automóveis, álcoois, cigarros, perfumes,
roupas) e “práticas” (esportes, jogos, distrações culturais),32 cuja particular com-
binação identifica determinado estilo de vida.33

117
Se não existe uma marca ou modelo de carro associado à visão de mundo
dos habitués do universo neo-esô, é possível identificar um freqüentador típico
desse meio por suas escolhas e preferências diante de uma ampla gama de possi-
bilidades, que vai dos hábitos alimentares ao lazer, passando pela saúde e cuida-
dos com o corpo, vida intelectual e espiritual, preferências estéticas, e assim por
diante.
Para atender a essa demanda, bem específica e nada desprezível em termos
de mercado, existe, como se viu, toda uma rede fornecedora de bens e serviços
que poucas ressonâncias guarda com o termo “alternativo” no velho sentido de
rústico, amador ou improvisado: ao contrário, voltada para a produção de bens
caros e sofisticados é certamente um indicador do perfil de seu consumidor —
informado, exigente, com poder aquisitivo. A descrição feita anteriormente dos
sistemas de classificação dos espaços e práticas do circuito neo-esô dá uma idéia
do caráter empresarial dos empreendimentos; é a partir desse amplo espectro de
possibilidades que as escolhas são realizadas, configurando marcas distintivas de
um “estilo de vida”.
O que foi se delineando, a partir da pesquisa, é que a escolha de itens nesse
universo não é aleatória, individual, esporádica; ainda que muitas pessoas recor-
ram ao I-Ching como um inofensivo entretenimento entre amigos, ou vez por
outra procurem a acupuntura para alívio de uma renitente dor nas costas, leiam
um livro de auto-ajuda e até usem um adesivo sobre sua crença em duendes —
atitudes que configuram o consumidor esporádico —, é possível distinguir, para
além de modismos e até excentricidades individuais, a configuração de padrões
mais consistentes, ao menos como tendência.
Isso quer dizer, por conseguinte, que a adesão a certas crenças, a escolha de
determinados livros e objetos de consumo, a reorganização de itens para uma
dieta considerada saudável, a aceitação de determinadas práticas de saúde e novas
formas de uso do tempo livre começam a se constituir em conjuntos ordenados.
Estruturados com base em regras de compatibilidade definidas com relação a
quadros de referência comuns mais gerais, aplicam-se idealmente ao tipo inter-
mediário do gradiente, o neo-esô propriamente dito, aquele entre o “tipo erudito”
(que teoricamente se pauta pelas normas de seu próprio sistema) e o “ocasional”,
mais identificado com a imagem de consumidor de comportamento errático.
A primeira característica, contudo, é ainda tributária de uma visão negativa:
o mundo neo-esô e seu estilo de vida ainda são conhecidos por um termo que já
não corresponde adequadamente à sua feição contemporânea: é a idéia de “alter-
nativo”, na acepção de “comportamento desviante”. Essa visão, gerada a partir de
atitudes associadas à contracultura dos anos 50 e 60 — enfrentamento com o
establishment, renúncia a seus valores e abandono de padrões dominantes de

118
trabalho, convivência e família — já não dá conta do que efetivamente ocorre no
mundo neo-esô contemporâneo, alheio ao look do velho hippie psicodélico e
rural.
Os neo-esôs, sem dúvida, ainda se contrapõem a valores vigentes, mas essa
contraposição é matizada, seletiva: dirige-se a determinados paradigmas da ciên-
cia, às distorções do sistema produtivo e da tecnologia, às agressões ao meio
ambiente etc. e não redunda num ideal de abandono do mundo. Ao contrário: é o
ideal de “prosperidade”34 que dá o tom. Heelas, por exemplo (1996:68), mostra
que, não obstante a atitude “fora do mundo” ser ainda encontrável no meio
neo-esô, é a sua contrária, a de participar efetivamente no mainstream da vida
social, a mais difundida.35
O freqüentador típico do circuito neo-esotérico tem como referência um
Centro Integrado (Grupo II) e, para questões mais pontuais, como saúde, alguma
prática corporal específica, recorre a um Centro Especializado (Grupo III). No
primeiro encontra, a partir da sociabilidade que aí se estabelece, uma rede mais
próxima de contatos, trocas de experiências e é onde obtém respaldo para sua
estratégia de cultivo pessoal, por meio das palestras, cursos, vivências. É o seu
“pedaço”, atende à maior parte das suas necessidades pois, como foi mostrado, o
Centro Integrado reúne quase todas as funções e atividades dos demais grupos; aí
é possível comprar seus livros, incensos preferidos, velas aromáticas, chás. É
também o ponto de referência — informações, dicas, comentários — para o
estabelecimento de trajetos mais amplos e diversificados, a partir das múltiplas
possibilidades dadas pelo circuito.
O calendário de cursos e palestras estende-se pelo ano todo, havendo sem-
pre a possibilidade de participar de algum workshop conduzido por especialista
de fora — Ken Wilber, Stanley Krippner, Peter Russel, Alberto Willoldo. Em
datas apropriadas ocorrem os rituais costumeiros da casa; é aí também que se
combinam e organizam excursões de férias para Dharamsala, Santiago de Com-
postela, Ilha de Páscoa ou alguma região do Brasil especialmente dotada pela
natureza: beleza, ar puro, energias telúricas... No final do ano há sempre uma
festa ou jantar de confraternização e a possibilidade, no bazar, de fazer umas
compras de Natal diferentes, especiais.36
Do espaço de sociabilidade para o âmbito da rotina diária, na casa: a alimen-
tação é um dos primeiros itens em que se pode apreciar o estilo diferencial do
neo-esô. Não é o caso de repetir o que já é um lugar-comum: a busca de uma
dieta saudável pelo uso de produtos naturais livres de defensivos e fertilizantes
químicos, a preferência por grãos e fibras em detrimento das proteínas de origem
animal e produtos refinados etc. Sem, está claro, os rigores do vegetarianismo ou
macrobiótica estritos, ainda que a classificação yin/yang seja uma referência.

119
Importa ressaltar que essa mudança de hábito, em busca de uma melhor qualidade
de vida, faz-se seguindo os princípios de matrizes discursivas mais gerais, confor-
me se pode apreciar na variante oferecida por este pequeno trecho da introdução
do livro A Culinária da Nova Era:
“(...) a culinária perfeita é a própria ciência da alquimia, em nada diferente da arte
espargírica dos laboratórios dos grandes mestres: as leis cósmicas e as forças aplica-
das são exatamente as mesmas (...). O retorno à simplicidade original, a compreen-
são do dever individual dentro do vasto processamento cósmico é o caminho para a
felicidade real e para o sentido mais profundo da vida. Se a pequena engrenagem
assumir o seu papel dentro do processo evolutivo, deixará de ser uma peça malfun-
cionante que perturba e impede o bom funcionamento do conjunto inteiro” (Bon-
tempo, 1994:13,14).
Esse mesmo cuidado verifica-se no trato com o corpo e com questões relati-
vas à saúde: a preferência é pelas terapias soft e tratamentos com base em produ-
tos naturais, segundo os princípios holísticos; algum exercício, como luta, dança,
ginástica, de preferência fundamentado numa “filosofia oriental”, conforme já foi
mencionado no capítulo 2.
A casa pode passar por uma rearrumação geral, a partir das indicações
obtidas pelo Feng Shui, antiga prática chinesa — agora em voga — de harmoni-
zação de ambientes. A decoração fica por conta das inúmeras possibilidades de
combinar objetos de artesanato indígena (amazônico, norte-americano, do altipla-
no andino), imagens do panteão indiano, tankas tibetanos, pedras, cristais, incen-
sários, algum bonsai e o sino de vento; a coleção de CDs pode incluir Fortuna,
Enya, Aurio Corrá; mantras, música céltica, gregoriana, sons da natureza... É um
filão atraente, em termos de mercado, e o perigo de cair numa espécie de consu-
mismo neo-esô está sempre presente, pois as ofertas não faltam: quem achar que
precisa pode adquirir umas “mantas protetoras contra radiação cosmotelúrica pe-
tron” para colocar sob o colchão,37 ou tomar um café com anjos, encomendando
as “cestas de café da manhã angelicais” para uma ocasião especial.
Não é esse o caso, porém, do tipo-ideal que estamos tomando como referên-
cia para caracterizar o estilo de vida neo-esô; já a espiritualidade, sim, é um
elemento fundamental, enfatizado por vários estudiosos: D’Andrea (1998) refere-
se a essa dimensão como “self-reflexive religiosity”; Leila Amaral (1998), com as
noções de “errância” e “sincretismo em movimento”, aponta para o caráter aberto
da religiosidade da Nova Era. Heelas (1996), que ambos citam, fala ora em “inner
spirituality”, ora em “self-spirituality”. Na base dessa espiritualidade está o “ex-
pressivismo psicológico”, já mencionado, que abre um campo específico de dis-
cussão; cabe apenas lembrar a distinção entre os três planos muitas vezes
confundidos nas análises mais correntes: religião, religiosidade, espiritualidade.38

120
Apesar de alguns templos religiosos integrarem o circuito neo-esô, este não
se caracteriza como religião; mais recorrente, entretanto, é a preocupação com a
espiritualidade, na condição de experiência pessoal expressa em formas idiossin-
cráticas individualizadas.
Já a religiosidade, entendida como um estilo coletivo de expressar o senti-
mento religioso, aparece em algumas modalidades. Os arranjos concretos de sua
manifestação podem variar, mas uma sensibilidade para com a dimensão do sa-
grado, antes vivido como experiência do que tomado na forma de um conjunto de
verdades reveladas, está presente como mais um componente do estilo de vida
neo-esô e se expressa em gestos simples e cerimônias inventadas ad hoc para
contemplar a lua cheia, celebrar o “fogo sagrado”, reverenciar a “Mãe Terra”,
invocar o “animal de poder”.
Outra dimensão, de crescente importância na vida contemporânea, em que
transparece o estilo neo-esô é a do lazer. As preferências observadas nesse campo,
aberto a um leque mais amplo de alternativas e escolhas — este ou aquele show,
cinema, peça, música ou leitura —, são reveladoras da escala de valores dos
usuários. No caso do mundo neo-esô, não se trata apenas de apreciar os itens que
normalmente são classificados como lazer, pois grande parte de suas atividades já
apresenta um caráter lúdico, desde (para alguns) o preparo do alimento, passando
pelos cuidados com o corpo e a saúde até os próprios cursos e palestras freqüenta-
dos.
Os cursos, por exemplo, são seguidos não por obrigação e sim pela busca de
cultivo e aprimoramento de potencialidades pessoais; o mesmo pode ser dito das
vivências e ritos, diferentemente da rotinização dos cultos dominicais de muitas
religiões. Uma interdependência entre celebrações, entretenimento e criação de
vínculos ocorre também naquelas atividades mais identificadas com o lazer, como
as excursões “eco-esôs”, o turismo por “lugares sagrados”, as vivências de fim de
semana em sítios e chácaras.
Há eventos de grande porte e repercussão para além do calendário neo-esô,
realizados em espaços e instituições de maior visibilidade na cidade, como o
Centro Cultural São Paulo (da Secretaria Municipal de Cultura), Teatros do Sesc
(Pompéia, Vila Mariana) e outros mais que passam a integrar, momentameamen-
te, o circuito esotérico. Um exemplo é o Festival Internacional de Artes Cênicas,
que no ano de 1998 trouxe, entre outros, as Danças Sagradas do Tibete com os
monges do Mosteiro de Shetchen, as Danças Tradicionais de Manipur, o Conjun-
to de Percussão do Templo de Kerala.39
E como não poderia deixar de ser, além de sites na internet especialmente
dedicados a seus temas, os aficionados fazem uso de chats e mailing lists. A
comunidade de interesses e intercâmbio de pontos de vista, propiciados pela

121
convivência e a circulação pelo circuito (o real e o virtual) terminam até criando
códigos só entendidos pelos iniciados: por exemplo, em vez de “feliz aniversá-
rio”, é comum o uso da expressão “bom retorno solar”; “já passei pelo retorno de
Saturno” substitui “já passei dos trinta anos”, com a conotação de “experiência de
vida”, e assim por diante. Foi cunhado até um termo especial, “esquisotéricos”,
para se referir aos que se deixam levar pelos modismos e pelo lado consumista do
mundo neo-esô, descuidando o estudo e a busca mais séria da autotransforma-
ção.40
Anúncios na coluna “Clube da Comunicação” da revista Planeta remetem a
vários desses códigos; declinar o próprio signo é fundamental na busca de conta-
tos:
“Desejo conhecer pessoas que gostem de música new age, da natureza e tenham
interesse pelos grandes centros energéticos do planeta. Sou espírita, estudante de
astrologia, viagem astral, alma gêmea e me interesso muitíssimo por várias outras
ciências espiritualistas. Estou com 40 anos, meu signo é Capricórnio, tenho ascen-
dente em Câncer e Lua em Peixes.” (Paulo R...) Revista Planeta, out. 1998
“Tenho 33 anos e sou virginiana. Gosto de música, de ler livros sobre arqueologia,
ufologia e magia e de estar em contato com a natureza. Quero contatar pessoas de
mente aberta para troca de informações e para uma amizade sincera.” (Rose...)
Revista Planeta, jan. 1999
“Estou com 31 anos e sou libriana. Gostaria de ampliar meu círculo de amizades e
também conhecer pessoas espiritualistas que, como eu, se interessam por filosofia
oriental, terapias alternativas, magia e que gostem de palestras, cinema, teatros e
parques.” (Marina...) Revista Planeta, abr. 1999.
Encerra essa caracterização um fato que ilustra certo aspecto pouco reco-
nhecido do estilo de vida neo-esô: diferentemente de uma imagem bastante co-
mum, não se está diante de pessoas sensibilizadas por temas irrelevantes ditados
por uma visão romântica ou ingênua de ecologia e alienadas com relação a
processos sociais e políticos mais amplos. Ao contrário; verifica-se até mesmo um
nível de militância que, se não se pauta por agendas partidárias, atua em vários
planos, principalmente nas áreas do meio ambiente, qualidade de vida, direitos do
cidadão, em alguns casos por meio de ONGs e associações.
Assim, um exemplo dessa atuação pode ser apreciado na forma como algu-
mas atividades próprias do universo neo-esotérico se desenvolveram no Parque
Água Branca, zona oeste da cidade de São Paulo. Esse parque, oficialmente
“Parque Fernando Costa”, fundado em 1929, vem abrigando várias instituições,
públicas e privadas, como o Fundo Social de Solidariedade do Governo do Esta-
do, Núcleo de Escoteiros, Museu de Geologia, diversos centros de pesquisas,

122
associações de criadores de animais (búfalos, cavalos mangalarga, árabe e ou-
tros). Sedia também eventos, como exposições, shows, e é bastante utilizado
como área de lazer sobretudo nos fins de semana em virtude de sua área verde,
convidativa para passeios, caminhadas e atividades similares. Desde 1991 nele
funciona, nos sábados de manhã, a Feira de Produtores Orgânicos.
Tudo começou quando se soube da resistência, por parte da administração
do parque, em renovar a licença para essa feira continuar usando um galpão para
a venda de seus produtos. Correu a informação de que o espaço seria usado para
alojamento dos peões que acompanham, montam e desmontam as feiras, leilões e
exposições de animais de raça e implementos agropecuários.
Paulo e Cândida Meirelles,41 que possuíam uma banca de ervas medicinais
na já concorrida “feira natural”, mobilizaram-se pela manutenção desta e de
outras atividades que estavam sendo ameaçadas pelo uso cada vez mais intenso,
por parte das associações de criadores de animais e pela proliferação de pontos de
venda das mais variadas mercadorias, em detrimento de uma ocupação do espaço
e dos equipamentos do parque gratuita e aberta ao público.42
Também ameaçada pela crescente expansão dos expositores e vendedores,
estava uma aula aberta de tai-chi-chuan, no espaço conhecido como bambuzal: a
pérgola ao lado já estava sendo usada para a venda de orquídeas e implementos de
jardinagem. Quando começou a mobilização, o ocupante logo notou e, alto e bom
som, fez saber sua opinião pouco amistosa a respeito “dessas velhinhas que vêm
aí fazer ginástica...”.
Então, no dia 28 de abril de 1996, aconteceu, como havia sido anunciada, a
fundação da nova associação de usuários do parque, denominada Associação dos
Ambientalistas e Amigos do Parque Água Branca (ASSAMAPAB). Um de seus
objetivos, conforme constava dos abaixo-assinados que circularam previamente,
era atuar mais firmemente junto à administração, representando aqueles usuários
cujos interesses vinham sendo prejudicados.
O ato culminou com uma festa, dali a três semanas, quando a “feira natural”
completaria cinco anos. A programação previa café colonial orgânico, em mesi-
nhas no pátio defronte o galpão; aula aberta de yoga, com o professor Anderson
Allegro, do Espaço Aruna; prática de tai-chi com o professor Jair Diniz; palestra
sobre alimentação natural com o professor Tadeo, do Espaço Transmuther Athio-
nem; apresentação de música new age a cargo do compositor e instrumentista
Walter Pini, do Projeto Musiconsciência, e, finalmente, exibição da dança Bum-
ba-Meu-Boi pelo Grupo Cupuaçu, além de uma bandinha circense.
A partir de então, o parque mudou de cara — passou por uma série de
reformas, recebeu sinalização adequada, teve o uso dos espaços disciplinado e
terminou sendo tombado, em junho de 1996, pelo órgão estadual de defesa do

123
patrimônio cultural — CONDEPHAT. Como se pode apreciar, foram obtidos resul-
tados bastante concretos, desencadeados por uma tomada de consciência do direi-
to sobre o uso do espaço público e levada a cabo por pessoas que participam, em
diversos graus, de atividades identificadas com o universo neo-esô, aliadas a
preocupações relativas à ecologia, cidadania, qualidade de vida.
Assim, a feira — fiscalizada pela Associação de Agricultura Orgânica — foi
mantida, e a ASSAMAPAB passou a editar o boletim “Amigos do Parque”, incenti-
vando e divulgando uma extensa programação cultural no qual o estilo de vida
neo-esô marca sua presença. Mas — e este é o fato digno de nota — não de forma
exclusivista; ao contrário, bastante integrada a outras atividades, grupos e institui-
ções.
O termo empregado para nomear a nova programação e o cumprimento de
todas essas tarefas foi “parcerias”, com políticos, com a nova administração do
parque, grupos de teatro, ecologistas, terapeutas e espaços do circuito neo-esô.
Dessa forma, ao lado de aulas de tai-chi, lian gong, aiki-dô e yoga, aparecem
palestras sobre o autismo, cura prânica, alimentação natural e medicina orto-
molecular; são divulgadas e oferecidas inúmeras opções como lazer para a tercei-
ra idade, oficinas de reciclagem de papel, observação de pássaros e trilhas ecoló-
gicas monitoradas, artes populares (teatro, música, dança) e até vivências xamâ-
nicas.
O ponto de referência, sem dúvida, continua sendo a feira. Porém, não se
trata apenas de comprar e consumir; é preciso apreciar, comparar e sobretudo
conversar. O espaço do “Café Colonial Orgânico”, com suas mesinhas à entrada,
oferece essa oportunidade. Leite, café, sucos, tortas, pães, geléias, queijos, prove-
nientes da própria feira, podem ser degustados após as compras; os adeptos das
caminhadas ou corridas matinais também costumam freqüentar o espaço para um
saudável coffee-break. É nele que às vezes se arma um tablado para a apresenta-
ção de música new age, ou de alguma outra performance; é aí também que índios
Xavante vez por outra expõem objetos provenientes da aldeia de Idzô’uhu e onde
o Grupo Qualis distribui folhetos sobre um plano de saúde com “600 dos melho-
res profissionais em saúde holística, farmácias homeopáticas e de manipulação,
associações, clínicas”.
Definitivamente, um programa que já faz parte também de outro circuito
mais amplo na cidade, articulando espaços de lazer, pontos de encontro e redes de
sociabilidade.

124
Notas

1. Cf. Geertz (1978:141): “Na discussão antropológica recente, os aspectos morais (e


estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos, foram resumidos sob o termo
‘ethos’, enquanto os aspectos cognitivos, existenciais foram designados pelo termo ‘visão
de mundo’. O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo
moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu
mundo que a vida reflete”.
2. Eventos anunciados no Informativo do Centro de Estudos Filosóficos da Associação
Palas Athena, junho/julho/agosto de 1995.
3. Cf. Terrin, 1992:40; 67, 70.
4. Essa categorização, já esboçada no Relatório Final de Pesquisa (CNPq, 1995), recobre
campo homólogo ao recortado por Heelas (1996) com os termos “fully engaged”; “serious
partial time” e “casual part time”. A diferença reside no princípio classificatório adotado:
enquanto Heelas privilegia a quantidade de tempo investida em atividades típicas da New
Age, o critério que utilizo supõe também a existência e o manejo de códigos. Registre-se
que Morin (1972) também utilizou o qualificativo “erudito” para caracterizar determinado
segmento da astrologia, ligado a um público mais restrito.
5. Na realidade, o termo “ocasional” não é bem apropriado, pois há pessoas que podem
participar de um ou outro evento do circuito neo-esô ou consumir algum produto caracte-
rístico desse meio sem que se sintam de forma alguma identificadas com ele, ou que o
façam sem discernimento. No gradiente erudito/participativo/ocasional, este último termo
deve ser tomado com a conotação de credulidade, porque supõe envolvimento sem maior
julgamento crítico.
6. O termo, aqui, não envolve juízo de valor: está empregado no sentido que tem nas
ciências da linguagem, quando em oposição a “desempenho”. Cf. Ducrot e Todorov, 1972:
145-146.
7. Impressão registrada no caderno de campo, transcrito em Magnani 1995:105.
8. Característica já indicada pelos termos “transumância”, “nomadismo”, “andarilho” uti-
lizados por Soares (1989), Brandão (1994), Amaral (1998) e que pode justificar a inclusão
de um subtipo, o “curioso”, que circula entre vários sistemas e frequenta diferentes espa-
ços, sem se comprometer com nenhum em especial.
9. A análise da autora tem como base uma pesquisa desenvolvida na cidade do Rio de
Janeiro. Ela chama a atenção para o fato de abordagens psicológicas serem denominadas
“corporais”; Ferguson (1995) usa o termo “psicotecnologias” para se referir às mesmas
práticas.

125
10. Evento: Confraternização de fim de ano da Escola A.M.OR. — 12 de dezembro de
1994, 20h. (Pesquisa de campo e relato, Adriana Capuchinho.)
11. Evento: Diwali — festival das luzes — excursão de três dias (28/29/30 de outubro de
1994. Local: Hotel Península, município de Avaré/SP). Org. Aruna-Yoga.
12. Evento: Ritual da Lua Cheia. Paz Géia — Instituto de Pesquisas Xamânicas. 18 de
outubro de 1994. (Pesquisa de campo: Sandra Stoll e Silvana M. de Souza; relato: San-
dra.)
13. É possível reconhecer, em diferentes versões desse discurso de base, ressonâncias de
alguns temas clássicos como o carma hinduísta, a “centelha” do gnosticismo, o princípio
do movimento taoísta, a iluminação búdica, a evolução espiritual blavatskiana, entre ou-
tros — alguns próximos da formulação original, outros já como resultado das múltiplas
leituras, releituras e rearranjos em novos conjuntos significantes.
14. “... homeopatia, bioenergética, trabalhos com o corpo, alimentação ‘natural’ etc.”
15. Como se sabe, o conhecido modelo de Louis Dumont — individualismo versus hierar-
quia — foi inicialmente desenvolvido a partir do sistema de castas na Índia e posterior-
mente aplicado às socidades ocidentais contemporâneas.
16. Também Vilhena conclui pela existência dos dois pólos — indivíduo/totalidade — sem
referência, contudo, ao terceiro, a que aqui estou chamando de comunidade: (...) “esse
processo toma como ponto de referência não só o indivíduo como ocorre na psicanálise
mas também, e ao mesmo tempo, uma totalidade que o engloba. Os símbolos que consti-
tuem o sistema astrológico estariam presentes não só no microcosmo como no macrocos-
mo — cada um deles se relacionando com os dois pólos da oposição que identifiquei no
discurso dos informantes. (...) Seja privilegiando a particularidade e a individualidade
quanto a totalidade, os informantes utilizam o simbolismo como ingrediente fundamen-
tal”. (:202). Cf. também D’Andrea: “O Self Perfeito e a Nova Era: Individualismo e
Reflexividade em Religiosidades Pós-Tradicionais” (1997).
17. Como mais uma vez assinala Heelas, mesmo as comunidades mais conhecidas e
comprometidas com esse antigo ideal, como é o caso da conhecida comunidade de Fin-
dhorn, na Escócia, não estão imunes a esse ideal da prosperidade. Cita, por exemplo, a
programação de abril/dezembro de 1990 do Findhorn Foundation Guest Programmes que
incluía informações sobre um Working Retreat for Consultants and Managers e Intuitive
Leadership (:65).
18. A citação mais completa diz: “O papel estratégico que a noção de network desempe-
nha enquanto consubstancializando uma unidade de análise privilegiada por esta literatura
[sobre camadas médias] não é casual. Com efeito, este conceito tem sido utilizado para
denotar uma unidade social cuja sociabilidade se encontra destacada tanto das redes de
família e de parentesco quanto de ancoragens geográficas e residenciais restritas. Neste
sentido, a noção de network qualifica, de modo apropriado, a forma típica de organização

126
da sociabilidade no espaço urbano — ou, ao menos, a das camadas médias. Mais do que
isso: justamente por promover a conexão entre indivíduos geralmente dispersos no meio
urbano e por ser construído com base em critérios de ‘escolhas’ e ‘afinidades’, o network
implica, quase que por definição, fronteiras simbólicas com relação a outras identidades
sociais. É com base nesse conceito que Velho (1981), Dauster (1985), Abreu Filho (1980)
e Heilborn (1985) demarcam os universos sociais a serem investigados” (:6,7). Mais
adiante a autora fará uma uma ressalva afirmando que em alguns casos o conceito adquire
“colorido especial” e em certo sentido “não típico”, pois apresenta enraizamento justa-
mente no parentesco e na localidade. Trata-se de casos de estudos em cidades menores e
em subúrbios. Foi exatamente o reconhecimento dessa referência à localidade que mos-
trou a pertinência da noção de “pedaço” para descrever modalidades de lazer e sociabili-
dade em bairros da periferia de São Paulo (Magnani, [1984], 1998).
19. O lançamento em questão foi do livro Ch’an Tao — Essência da Meditação na
Livraria Spiro, em 1998.
20. Evento “Integração do homem com a natureza”, excursão eco-esotérica a São Tomé
das Letras, MG, promovida pela Agência de Turismo Elo Cultural — 13 a 17 de julho de
1994. Pesquisa de campo e relato, Flávia Prado Moi. “Eu vi borboletas (dezenas delas)”,
concluía, ceticamente, a pesquisadora (1995:21).
21. Tema que, sem dúvida, exigiria uma reflexão mais sistemática.
22. Ingênua quando identifica esses personagens com uma iconografia infantilizada, pois
há quem tome os “elementais” e suas denominações antes como metáforas e/ou categorias
do que como designativos de uma classe especial de seres antropozoomórficos.
23. Tarcísio, IMCA SOL, 15 out. 1992, entrevista obtida por Silva e Groppo, 1992.
24. Gledson, Associação Gnóstica de São Paulo — Agni, 27 out. 1992, entrevista colhida
por Silva e Groppo, 1992.
25. Concepção que remete à diferença entre bruxa e feiticeira: enquanto bruxaria (witch-
craft) é considerada, na literatura pertinente, um poder inato, que se transmite ao longo de
linhagens reconhecidas, a feitiçaria (sorcery) é uma técnica que atua por meio da manipu-
lação de objetos e que pode ser aprendida.
26. Nesse levantamento, as mulheres ultrapassam os homens nos cinco mais vendidos do
item “obras de ficção” e só perdem na última posição do item “não ficção”, Chatô — O
rei do Brasil, de Fernando Morais, em que os homens aparecem como 57% dos compra-
dores contra 43% das mulheres. A observação de Paulo Coelho, aparentemente calcada
num mero lugar-comum, é, no entanto, avalizada (provavelmente sem que o referido
escritor saiba) pela constatação do papel desempenhado pela mulher, como leitora e tam-
bém autora, no próprio processo de surgimento e consolidação do romance moderno, em
meados do século XVIII na Inglaterra e na França, como mostra Marlyse Meyer (1993).

127
27. Ainda aproveitando informações adicionais, dentro do universo da pesquisa, para o
fenômeno da presença feminina nos espaços neo-esotéricos, é digno de nota que, condu-
zindo as sessões, palestras, aulas e demonstrações oferecidos por Palas Athena, no período
março/abril/maio de 1995, havia 25 mulheres e 18 homens.
28. E, acrescente-se, não apenas nesse meio: há estudos, e polêmicas, na área acadêmica
voltados para a explicitação e a fundamentação das diferenças e aptidões entre homens e
mulheres nos mais diversos domínios, do biológico ao cognitivo. A propósito do confron-
to entre os modelos “mulher colhedora” versus “homem caçador” no processo de homini-
zação, ver Johanson, Donald e Shreeve, James (1998:311 e ss.).
29. A importância desse componente pode ser comprovada, ainda, pelo tratamento dado
ao tema em textos “nativos” mais analíticos e de ampla difusão no meio neo-esotérico,
como é o caso de O ponto de mutação, de Fritjof Capra (1995 b). Ao discutir o modelo
biomédico dominante, o autor afirma que (...) “as escolas de medicina promovem vigoro-
samente um sistema de valores machista, desequilibrado, desprezando qualidades como a
intuição, a sensibilidade e a solicitude, em favor de uma abordagem racional, agressiva e
competitiva” (p. 153). As características do feminino e sua adequação às mudanças que
aponta nesse livro têm uma fundamentação na conhecida polaridade yin/yang: “A auto-
afirmação é conseguida através do comportamento yang: exigente, agressivo, competitivo,
expansivo e — no tocante ao comportamento humano — através do pensamento linear,
analítico. A integração é proporcionada pelo comportamento yin: receptivo, cooperativo,
intuitivo e consciente do meio ambiente” ( p. 41).
30. Como Vilhena aponta em seu livro, Becker emprega a expressão para a área das artes:
“Para ele, o mundo artístico, por exemplo, constitui o network que entra em cooperação
para a feitura das obras artísticas que o caracterizam. Tradicionalmente, a criação destas
últimas sempre foi vista como um mero produto do esforço criativo do artista. Becker,
seguindo a linha de pesquisa que tem desenvolvido, se propõe que a arte pode ser estuda-
da como também produto da ação coletiva” (op. cit., p. 106).
31. “(...) o habitus é o produto do trabalho de inculcação e de apropriação necessário para
que esses produtos da história coletiva que são as estruturas objetivas (por exemplo, da
língua, da economia, etc.) consigam reproduzir-se, sob a forma de disposições duráveis,
em todos os organismos (que podemos, se quisermos, chamar indivíduos) duravelmente
submetidos aos mesmos condicionamentos, colocados, portanto, nas mesmas condições
materiais de existência” (Bourdieu, 1983, p. 78-79)
32. Op. cit., p. 83.
33. Caberia aqui um parêntese mais longo para estabelecer mais alguns esclarecimentos a
respeito dessa tão citada categoria. Como foi afirmado, a referência a Bourdieu é sempre
obrigatória; veja-se o caso de Featherstone, para quem, no âmbito da cultura de consumo
contemporâneo, a expressão conota individualidade, auto-expressão e uma consciência de
si individualizada. “O corpo, as roupas, o discurso, os entretenimentos de lazer, as prefe-

128
rências de comida e bebida, a casa, o carro, a opção de férias etc. de uma pessoa são vistos
como indicadores da individualidade do gosto e o senso de estilo do proprietário/consumi-
dor” (1995:119). Após essa caracterização, o autor reafirma que sua perspectiva de análise
segue de perto o conceito bourdieusiano de habitus. Uma visão mais ampla do uso da
categoria é fornecida por Paré (1993) na análise que faz de uma obra coletiva Life Styles:
Theories, Concepts, Methods and Results of Life Style Research in International Perspec-
tive (Filipcova, Glyptis e Tokarski, 1990). A apreciação dos organizadores da coletânea
sobre os 21 textos que a compõem não é lá muito encorajadora: “Life style research is
characterised by wholly terms, imprecise definitions, a lack of theoretical discussion, and
arbitrary operational procedures. Everybody seems to know what life style is, and nobody
can prove them incorrect. [It is] defined as something between everything and nothing”.
Das inúmeras definições e perspectivas de análise resenhadas, contudo, retenho duas, para
delas ressaltar alguns pontos comuns. A primeira é de Ruiz, que se reporta a Tönnies,
Redfield e Bourdieu: “Estilo de vida é a maneira pessoal segundo a qual cada indivíduo
organiza sua vida, isto é, sua relação individual original para com as crenças, valores e
normas da vida cotidiana, assim como a maneira segundo a qual ele integra as normas do
grupo, da classe e da sociedade global a que pertence”. A outra é de Scardigli, que,
remetendo-se à antropologia social, considera “estilo de vida como um sistema de pensa-
mento e ação próprio de um grupo social, permitindo distinguir sua identidade cultural no
espaço e no tempo. O estilo confere coerência, significação e os quadros de referência
sociais à vida cotidiana”. Os elementos comuns a reter, dessa revisão, são vida cotidiana;
coerência/organização; indivíduo/grupo; reordenados, permitem chegar à seguinte conclu-
são: determinado estilo de vida é o resultado de escolhas (individuais ou coletivas) diante
de um repertório (não aberto nem ilimitado) de alternativas que apresenta uma coerência
(não é aleatória nem descontínua, mas configura padrões) que se manifesta na vida cotidi-
ana ou a organiza, identificando pertencimento (a grupo). Esse, finalmente, é o sentido da
expressão “estilo de vida” que emprego neste trabalho, de forma mais pragmática e sem
“comprar” todo o arcabouço bourdieusiano.
34. Mais uma vez é preciso distinguir a busca da “prosperidade” por dicas popularizadas
pelos manuais de auto-ajuda, como “pense positivo”, de uma atitude mais geral que
procura, nas diferentes práticas neo-esôs, melhores condições de vida tanto pessoais como
no âmbito das relações interpessoais e sociais.
35. O que não significa uma atitude simplesmente hedonista; na realidade, é possível
distinguir no universo neo-esô várias combinatórias e arranjos entre dois pólos, um que
enfatiza a prosperidade e outro que postula os ideais da simplicidade, frugalidade; não são
incompatíveis. Compare-se a caracterização que segue com a descrição feita por Ferreira
(1984:19 e seguintes) em sua dissertação de mestrado, trabalho a que tive acesso quando
minha pesquisa já estava praticamete concluída.

129
36. Essa caracterização serve perfeitamente também para descrever um Centro Especiali-
zado e as relação que estabelece com seus próprios freqüentadores: nem sempre as distin-
ções entre um e outro são suficientemente marcadas.
37. Anúncio na revista Planeta, dezembro de 1998.
38. Ver anteriormente o tópico 3 do capítulo 2.
39. Para a presidente do evento, a empresária e ex-deputada Ruth Escobar, o que une
todos os espetáculos é o caráter sacro dos programas escolhidos: “Na Ásia, além de ser
parte integrante do cotidiano, o sagrado está presente nas diversas formas de manifestação
artística”, afirmou em entrevista para a revista Veja São Paulo, julho de 1998.
40. Descrição que de certo modo corresponde às características do “tipo ocasional”.
Agradeço a Rita de Cássia por essas informaçãos colhidas na internet.
41. Cândida apresenta-se como “astróloga, fitoterapeuta, psicóloga, educadora e promoto-
ra de eventos ecoculturais”; e Paulo, “tarólogo, psicólogo, educador em artes cênicas,
jornalista e promotor de eventos ecoculturais”, segundo cartão distribuído.
42. Já em 1992 o conhecido músico e compositor Paulinho Nogueira, então presidente da
Associação dos Amigos do Parque, liderara um movimento contra a tentativa por parte do
governo do Estado de privatizar o parque, transformando-o numa espécie de shopping
center rural.

130
Conclusão

A estratégia, seguida neste estudo, de situar as práticas do universo neo-esô


no contexto da cidade e de sua dinâmica, conduziu a análise em duas direções:
diante da heterogeneidade que o primeiro contato com o objeto mostrava, foi
preciso descobrir suas regularidades; e contrariamente à visão que o considerava
uma massa amorfa, indiferenciada, foram estabelecidas em seu interior as devidas
distinções.
Na primeira etapa, a realização do mapeamento, as classificações de espaços
e práticas, a percepção de recorrências temáticas e, por fim, a descrição do calen-
dário e de uma implantação em forma de circuito mostraram, em planos diferen-
tes, a presença de regularidades. Diante de um fenômeno comumente caracteri-
zado pela fluidez, fragmentação e falta de centralidade — doutrinária, ritual,
simbólica —, foi possível demarcar os contornos de um conjunto, dotado de
sentido, mas sem incidir nos riscos de uma definição substantiva ou essencialista.
A noção de circuito, ao descrever a forma de implantação desse conjunto na
paisagem da cidade e as possibilididades de contato e articulação entre os diferen-
tes espaços, terminou constituindo uma das categorias chaves da pesquisa. Evitou
colocar num mesmo plano grupos e associações de maior tradição ao lado de
empreendimentos mais efêmeros e comerciais sem, contudo, desconhecer os trân-
sitos entre todos eles, pois, independentemente dos propósitos e definições de
cada um, quem estabelece as conexões são os usuários. A designação “neo-esoté-
rico”, certamente inadequada para muitos dos espaços estudados, aplica-se, as-
sim, antes ao circuito do que a cada instituição, prática ou participante tomados
individualmente.1

131
É a partir das múltiplas inter-relações possibilitadas pelo circuito (e realiza-
das nos trajetos) que os freqüentadores usufruem os inúmeros serviços oferecidos,
adquirem os produtos, familiarizam-se com o léxico provindo de algumas matri-
zes discursivas comuns: é, pois, o fundamento concreto que ancora comportamen-
tos coletivos, cuja recorrência configura o que foi descrito como estilo de vida
neo-esô, já no segundo momento do estudo. Estilo de vida como resultado de
escolhas e não como estereótipo, pois nem todos interagem nesse universo com o
mesmo propósito, intensidade e entendimento: aqui, é imprescindível não confun-
dir os vários graus de participação e tipos de compromisso. Encarar o fenômeno
neo-esô por esse ângulo permite distinguir seus vários componentes e destacar a
presença de quem por ele transita motivado por algum dos múltiplos apelos — de
ordem estética, terapêutica, especulativa e até espiritual.
Esta última, a dimensão da espiritualidade, presente e bastante valorizada
nesse universo — por isso mesmo o foco principal de muitos estudos —, aqui
entra como um dos componentes do processo de auto-aprimoramento, mais do
que como uma obrigação de caráter religioso ou confessional. Como já foi obser-
vado, o neo-esoterismo não constitui um sistema ou credo de fronteiras nítidas a
que se possa converter e, como também já foi notado por diferentes autores, não é
propriamente a fidelidade o que caracteriza a adesão aos valores e normas deste
ou daquele espaço que integra o circuito. Adotar um determinado estilo de vida
supõe a incorporação de seus itens — não necessariamente todos —, e o resultado
será mais ou menos consistente, num gradiente que pode ir desde o leve verniz do
modismo passageiro e consumista até envolvimentos mais duradouros.
O freqüentador típico do circuito neo-esô termina funcionando como ele-
mento transmissor ou intermediário junto a um público mais amplo, no sentido
dado por Featherstone, “proporcionando e estimulando um interesse geral pelo
estilo em si mesmo” (1995:129). Assim, alguns de seus itens ou marcas são
visíveis não apenas no comportamento de quem é habitué, mas extravasam para
um círculo mais extenso. Certos elementos provindos daqueles discursos de base
— holismo, sincronicidade, canais de energia, carma, chakra, eu superior — já
fazem parte de um código amplamente reconhecido e aplicado às mais diferentes
situações do cotidiano.2 O mesmo pode ser dito com relação a determinadas
proposições, técnicas e princípios pinçados aqui e ali entre os componentes do
que foi chamado de “sensibilidade neo-esô”: valorização de uma alimentação
entendida como mais saudável (o que não implica que seja integralmente segui-
da), atenção para com os processos do “eu interior”, busca de equilíbrio entre os
planos “físico, mental e espiritual”, posições favoráveis à proteção ao meio ambi-
ente, crença na eficácia de pensamentos e atitudes “positivas”, conhecimento e
utilização de algumas técnicas de relaxamento, meditação, contemplação da natu-

132
reza em busca da “harmonia cósmica” — eis alguns dos elementos mais correntes
já incorporados no plano de um senso comum associado ao ideal de uma melhor
qualidade de vida.
Nessa linha de análise, que privilegia o plano dos comportamentos coleti-
vos, não está em pauta a questão dos fundamentos científicos desta ou daquela
prática ou da totalidade do universo neo-esô. Como foi mostrado, este inclui
elementos das mais variadas vertentes e tradições, o que torna impraticável espe-
cular sobre critérios de verdade, sobretudo quando estendidos para um conjunto,
supostamente homogêneo, a partir da crítica (mesmo pertinente) a um item espe-
cífico.
Para além dessas questões lindeiras com os campos da religião e da ciência
— legítimas, mas que exigiriam outros tipos de enquadramento teórico e estraté-
gias de pesquisa —, abre boas possibilidades de reflexão pensar as práticas ofere-
cidas no circuito neo-esô como uma forma de uso do tempo livre em busca do
aprimoramento pessoal, pelo cultivo das potencialidades do corpo e da mente.
Não se trata tanto de investimento em busca de sucesso e prosperidade,
como evidencia Heelas a propósito da análise que faz da dinâmica dos seminários
de treinamento do tipo est nos Estados Unidos e Inglaterra,3 mas de uma alternati-
va de uso do tempo livre, tema de crescente importância na sociedade pós-indus-
trial, como mostram os estudiosos do lazer. Grande parte das atividades incluídas
no universo neo-esô cabem nessa categoria, pois vão do turismo, incluindo parti-
cipação em congressos, convenções, treinamentos, iniciações à culinária, passan-
do pelo consumo de livros, discos, espetáculos, cursos, artesanato, participação
em grupos de encontro etc.
Essas formas de consumo cultural, com o correspondente desenvolvimento
das redes de sociabilidade e das atividades correlatas, têm seu cenário privilegia-
do: o ambiente da metrópole.
Com efeito, os espaços e as atividades neo-esôs, quando pensados em sua
distribuição e articulação pela categoria circuito, ilustram uma forma particular
de prática cultural e comportamento, permitindo a formação de pequenos grupos
e redes, cenário que em nada lembra a fragmentação, atomização, impessoalidade
e individualismo, traços comumente atribuídos ao ambiente dos grandes centros
urbanos. Pois, contrariamente à idéia de guetos fortificados, dos quarteirões pro-
tegidos, refúgio das “tiranias da intimidade” (Senett, 1988), mostram a possibili-
dade de uso e circulação por espaços não contíguos; e, contrariamente à idéia do
confinamento do indivíduo sufocado diante de estruturas que o sobrepassam,
permite o contato e a criação de laços.
As vivências, palestras, cursos e celebrações se multiplicam ao longo do
circuito, estabelecendo relações de proximidade e de trocas próprias de comuni-

133
dade; não, porém, aquelas das comunidades biológicas, institucionalizadas, per-
manentes, mas de um tipo que se dissolve ao término da atividade, podendo,
entretanto, ser reeditada no próximo evento, em algum outro ponto do circuito —
com os mesmos ou outros participantes, não importa, pois todos conhecem o
código ou ao menos o jargão básico.
Comunidades efêmeras, transitórias, no coração da metrópole, diferentes
daquelas que constituem os protótipos do universo neo-esô — Findhorn, na Escó-
cia; Esalem, na costa oeste dos Estados Unidos; Nazaré, no interior de São Paulo;
Figueira em Minas Gerais —, mas nem por isso menos efetivas. Modalidades
inspiradas nestas últimas ainda existem, são procuradas e continuam como refe-
rência; contudo, no cenário urbano são as clínicas, academias, livrarias, lojas,
centros de estudo, centros de convenções, parques, hotéis-fazenda e até proprieda-
des rurais próximas que constituem o ambiente e fornecem a infra-estrutrura para
os encontros.
Tal é a cidade que, em sua escala metropolitana, permite tanto a vivência
nos limites do pedaço, com sua lógica de criação de vínculos identitários com
base numa referência territorial, como pelos pontos do circuito, por onde transi-
tam participantes de um mesmo universo de valores, ainda que não se conheçam;
nesse caso, são parceiros potenciais de trocas mais amplas que as estabelecidas
entre os “chegados” do pedaço. Pois metrópole não implica necessariamente ex-
periências urbanas que oscilam entre dois extremos, o das multidões indiferencia-
das e o do indivíduo confinado em sua solidão, e sim a possibilidade verdadei-
ramente cosmopolita de trocas numa escala em que a segurança do contato nos
limites de um horizonte compartilhado pode ser combinada com a abertura para
novas experiências.
Isso não quer dizer, evidentemente, que as práticas vinculadas ao mundo
neo-esô e seu estilo de vida correspondente só possam existir nos grandes centros:
de qualquer lugar pode-se entrar em contato com esse universo, acessível por uma
imensa rede formada pelos meios de divulgação e comunicação. O diferencial,
entretanto, oferecido pela escala de uma metrópole, está na variedade e complexi-
dade de seus circuitos — seja qual for o recorte escolhido —, ampliando o leque
dos trajetos e, por conseguinte, as alternativas de contatos, trocas e experiências
para além daqueles dados no horizonte de um cenário já sobejamente palmilhado
e previsível.

134
Notas

1. Aplica-se menos ainda a um suposto “movimento”, pois, como foi visto, a imensa
variabilidade de práticas, sistemas, técnicas e discursos que podem ser encontrados no
circuito neo-esotérico impede reconhecer neles alguma unidade interna mais consistente
— doutrinária, de princípios ou de qualquer outra ordem —, além daquele plano geral
representado por noções do tipo “busca de valores alternativos”, “nova consciência” etc.
2. Um exemplo concreto e significativo, dadas as circunstâncias, dá a medida da difusão
desse léxico e de seu rendimento explicativo: a entrevistada no programa “Timbres, o
corpo do som: a trajetória dos instrumentos musicais” na Rádio Cultura FM — programa
tradicional diário de entrevistas com músicos de formação erudita onde explicam a ori-
gem, particularidades, componentes e processo de confecção dos instrumentos a que se
dedicam —, uma acordeonista, ao descrever a especificidade de seu instrumento, ressalta
que “fica posicionado no chakra cardíaco de onde, acionado pelo braço esquerdo, ao
ritmo da respiração, integra os princípios masculino e feminino, o antigo e moderno, de
introversão e extroversão” (transcrição livre de trecho da entrevista levada ao ar no dia 14
de setembro de 1998).
3. Est é a sigla que designa os Erhard Seminars Training, seminários propostos por
Werner Erhard. Segundo Heelas, a idéia básica dos treinamentos ao estilo dos est — assim
como de outras formas de atividades da Nova Era — é desencadear potencialidades para a
obtenção de resultados (op. cit., p. 60).

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Revista da Folha — 14 set. 1997.
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GaiaMind Project: http://www.gaiamind.com
Paz Géia — Instituto de Pesquisas Xamânicas: http://www.unipaz.com.br/pazgeia.
SINTE e CFTH: http://www.sintecfth.com.br/
SINATEN: http://www.sinaten.com.br
UNIPAZ: http://www.unipaz.com.br/
VII Jornadas sobre Alternativas Religiosas na América:
http://www.sociologia-usp.br/jornadas/

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