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O autor declara que as informações contidas neste livro são corretas e completas tanto
quanto é de seu conhecimento, e não se responsabiliza por eventuais imprecisões e
omissões, cabendo ao leitor buscar suas próprias fontes e tirar suas próprias conclusões,
em qualquer caso de dúvida. Os conceitos e ideias apresentados nesta obra refetem os
pontos de vista do autor. As ideias de design aqui apresentadas são sobretudo sugestões
para fns ilustrativos, e não receitas universais ou infalívveis. Nada substitui o bom senso e
a experiência própria. O autor exime-se de qualquer responsabilidade sobre os resultados
ou consequências da aplicação inadequada das ideias aqui contidas.
Sabe, quando você olha para as pessoas individualmente, talvez pareça que
não há nada errado, que estão apenas cuidando de suas vidas — trabalhando,
tratando de sobreviver, cuidando de suas casas e suas famívlias, perseguindo seus
sonhos... Mas, quando você olha para a humanidade como um todo, parece que
estamos determinados a destruir até a última mata, a poluir até o último rio e
último mar, levar à extinção até a última forma de vida, exceto aquelas que nos
são diretamente úteis. Certamente, qualquer ser extraterrestre de inteligência
suprema que visitasse nosso planeta não teria de nós outra impressão, senão essa.
Agora, é claro que nós, seres humanos, também somos apenas seres vivos,
e dependemos dos mesmos recursos que as demais espécies para sobreviver.
Assim, ao poluirmos as águas, destruirmos os solos e acabarmos com a
biodiversidade, estamos decretando também nossa própria destruição. Mas o
pior é que a imensa maioria das pessoas nem sequer está ciente deste terrívvel
fato! Este assunto é um imenso tabu e jamais é tratado de forma direta, clara.
Você pode assistir televisão a vida toda, ouvir rádio, ler todos os jornais e
revistas, e jamais vai ouvir alguém falando sobre isso. Tampouco nas escolas, e
mesmo nas universidades, se fala sobre isso! Embora assuntos ligados à
sustentabilidade estejam presentes o tempo todo, são sempre apresentados de
forma vaga, oblívqua, evasiva, jamais sequer aranhando a profundidade e
magnitude do problema e, especialmente, sua urgência.
Claro que há pessoas que estão cientes da gravidade da nossa atual crise
ambiental e civilizacional, e suas terrívveis implicações para o futuro da
humanidade e a vida na Terra. Porém, mesmo essas, talvez por inércia, ou por
não conseguirem enxergar uma alternativa viável, continuam na prática se
comportando exatamente como todas as demais; ou seja, por estarem presas aos
paradigmas vigentes da nossa sociedade atual, a simples consciência não basta
i
para fazer com que as pessoas deixem de fazer parte do problema e passem a
contribuir com qualquer solução.
ii
Dedico este livro ao planeta Terra
Índice
1
UMA HISTÓRIA DE
INSUSTENTABILIDADE
Sustentabilidade é uma palavra que está na moda (na verdade, acho que já
até saiu de moda!). Nos últimos tempos, ela tem sido usada tão abusivamente
que, para muitos, já passou a não signifcar nada em particular. Empresas
afrmam em suas propagandas que estão comprometidas com a sustentabilidade;
polívticos simplesmente enfam a palavra aleatoriamente em seus discursos, como
algum tipo de palavra mágica. Livros escolares e programas de televisão
apresentam o assunto de forma tão superfcial, vaga e desconexa que acabam
dando a impressão de que não há nada com que se preocupar.
Mas, afnal, o que é a sustentabilidade, e por que isso é importante? Uma
consulta ao dicionário é pouco esclarecedora: “sustentabilidade. sf. Qualidade,
característica ou condição de sustentável.” Onde sustentável é algo que pode
permanecer ou sustentar-se.
Agora, o que temos a ver com isso? Qual a importância disso para a
humanidade?
A nossa civilização é totalmente insustentável, pois com uma combinação
fatal de superpopulação, hiperconsumo e uso irracional de recursos, estamos
consumindo vorazmente os recursos naturais necessários à nossa própria vida.
Vivemos em um planeta fnito, de recursos fnitos; por simples lógica
matemática, seu consumo contívnuo levará à sua exaustão. Com o fm dos
recursos que servem de base para a existência de vida, obviamente não poderá
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 1. Uma História de Insustentabilidade
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 1. Uma História de Insustentabilidade
expansão ainda maior para regiões frias, maior proteção contra predadores e um
aumento na disponibilidade de alimentos, pela cocção. O fogo também foi muito
utilizado como parte essencial de estratégias de caça, e na modifcação em larga
escala do ambiente para facilitar deslocamentos, construir assentamentos, etc.
O homem primitivo permaneceu assim, como caçador-coletor, por dezenas
de milhares de anos, até o advento da agricultura, há cerca de 10.000 anos.
Embora tenha permanecido com uma população relativamente constante por
esse perívodo, o homem caçador-coletor foi capaz de se espalhar por todos os
continentes e causar a extinção de diversas espécies de grandes mamívferos,
através da caça.
O próximo grande passo da espécie humana rumo à insustentabilidade — e
talvez o mais notável — foi o desenvolvimento da agricultura, evento que se
confunde com o nascimento da própria civilização, cerca de 10.000 anos atrás.
O desmatamento para ampliar terras agrívcolas e a criação de gado passam a
representar uma pressão sem precedentes no meio ambiente, e inicia-se o
processo de desertifcação antropogênica (i.e. causada pelo homem) do planeta.
De nômades, as sociedades passaram a ser sedentárias, e tecnologias cada vez
mais sofsticadas passaram a ser desenvolvidas, tecnologias essas que conferiam
poder sem precedentes a seus detentores, possibilitando a ascensão de impérios,
que progressivamente conquistaram ou destruívram sociedades mais primitivas,
espalhando-se pelo planeta, praticamente extinguindo sociedades tribais e
impondo a civilização como norma.
A Revolução Industrial, no século XVIII, trouxe o desenvolvimento
acelerado de tecnologias industriais, com crescente mecanização e uso de
combustívveis fósseis dando uma nova dimensão ao impacto das atividades
humanas no ambiente: além de uma aceleração sem precedentes na taxa de
crescimento populacional, esse perívodo trouxe também, pela primeira vez, a
poluição industrial. Inicia-se nesse perívodo o processo do êxodo rural, com
concentração crescente da população mundial em cidades. Houve, portanto, um
enorme agravamento do caráter de insustentabilidade das atividades humanas.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 1. Uma História de Insustentabilidade
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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RETRATO DO MUNDO HOJE
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
Sociedade
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
para satisfazer as massas com seus discursos e suas posturas, apelando para o
subconsciente irracional (emoções, imagens) muito mais que o racional (fatos e
argumentos), e assim alcançar e manter o poder, servindo a seus próprios
interesses, e não os das massas que os elegem, ou o bem comum.
A aplicação disseminada das técnicas de marketing moldaram a sociedade
como um todo, desde o nívvel individual (comportamento, valores), passando
pelo coletivo (comportamento das massas), até a organização social e as
estruturas de poder.
Criou-se um elevado grau de alienação das pessoas: o “ser” foi substituívdo
pelo “ter”; bens materiais passaram a ser endeusados, e as aparências passaram a
prevalecer sobre a essência. Para satisfazer seus vívcios de consumo, os indivívduos
trabalham cada vez mais, e vivem cada vez menos — a norma passa a ser uma
vida caracterizada por sobrecarga de trabalho, endividamento, sensação crônica
de insatisfação, ansiedade e vazio existencial, desperdívcio e depressão.
Paradoxalmente, quanto mais um indivívduo atinge seus objetivos (“sonhos de
consumo” e status social), pior ele se sente, numa sívndrome social que recebeu o
nome de affluenza.
Movida por suas necessidades crescentes de consumo criadas por essa
cultura, a sociedade como um todo passou a ser caracterizada por um vívcio pelo
crescimento econômico; a competitividade entre as pessoas, o individualismo e a
obsessão por status intensifcaram-se. Observa-se um endeusamento de marcas e
criação de “tribos”, que nada mais são que grupos de pessoas que assumem
comportamentos padronizados e estereotipados, de acordo com o nicho de
consumo em que se encontram.
As estruturas de poder da sociedade foram profundamente afetadas pelo
marketing e pela ascensão das grandes corporações. Detentoras da supremacia
econômica e vasto domívnio sobre as massas, as corporações passaram a ser o
elemento central, o poder estabelecido.
O próprio Estado é, hoje, penas um vassalo dos interesses das corporações.
Ao fnanciarem as campanhas polívticas, as corporações garantem que os
governos servirão aos seus interesses, seja na criação ou modifcação de leis que
expandam seus mercados, reduzam seus impostos, ou através de facilitações em
contratos, fraudes em licitações, enfm todo tipo de esquemas de corrupção. Da
mesma forma, grandes bancos fnanciam campanhas ajudando a eleger polívticos,
em troca de polívticas econômicas que os favoreçam, garantindo-lhes lucros
exorbitantes, sempre em detrimento da população em geral.
Vive-se, portanto, uma ilusão de democracia, pois aquela ideia que o povo
escolhe seus representantes para cuidarem de seus interesses e do bem comum
em nada corresponde à realidade. Temos instalada, de fato, uma espécie de
“ditadura das corporações”, ou corporocracia, já que o poder polívtico emana
das corporações, e não do povo — esse é mera massa de manobra.
Na corporocracia, polívticas públicas e leis são feitas visando acima de tudo
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
GRANDES BANCOS
E CORPORAÇÕES
CONTROTAM
GOVERNOS E
GRANDE MÍDIA
CONTROTAM SUSTENTA
POVO EM GERAT
DESTROEM
MEIO AMBIENTE
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
Estilo de vida
Artifcialização
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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Energia
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
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Transporte
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
Água
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
irrigação agrívcola etc, o volume de água consumido por habitante atinge valores
muito mais altos e difívceis de calcular. Essa água toda sendo consumida,
obviamente não está deixando de existir, mas sim sendo transformada em
esgotos, que poluem ambientes aquáticos como rios, lagos e mares, destruindo e
acabando com a vida nesses ecossistemas, e ao mesmo tempo diminuindo a
quantidade de água limpa disponívvel, tanto para a natureza como para uso
humano.
Alimentação
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
Agricultura
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 2. Retrato do Mundo Hoje
* Steinfeld, H. et al. Tivestock’s long shadow: environmental issues and options. Food and
Agriculture Organization of the United Nations. 2006.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
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A CRISE AMBIENTAL
Superpopulação
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
A 8
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População humana mundial
6
(em bilhões)
Ano
B 10 bilhões
População humana mundial
1 bilhão
100 milhões
10 milhões
1 milhão
Ano
Gráfco: população humana global ao longo da história, em
escala aritmética (painel A), e logarítmica (B).
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
Desmatamento
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
Poluição
Poluição do ar
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
* Gerber et al. Tackling climate change through livestock: a global assessment of emissions
and mitigation opportunities. Food and Agriculture Organization of the United Nations.
2013.
** Burden of disease from the joint efects of household and ambient air pollution for 2012.
World Health Organization. 2014.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
água com suas mãos? Provavelmente, não. Por que? Simplesmente porque o
pobre rio está tão poluívdo que você tem nojo até de chegar perto dele, ou sentir
seu cheiro. Você se arriscaria a tentar pescar nesse rio? O que será que viria no
anzol?
Agora, você acredita que esse mesmo rio, até algum tempo atrás, era lindo,
lívmpido e cristalino, envolto por uma rica mata ciliar, com água pura e cheio de
peixes e inúmeras outras formas de vida? Mas, o que aconteceu para que ele
fcasse deste jeito, para que ele sofresse essa transformação tão negativa? A
resposta é uma só: a humanidade aconteceu. Somos nós que fazemos isso com o
rio, e com a água, e com o resto do meio ambiente.
São quatro as principais fontes de contaminação da água: esgotos
domésticos, poluição industrial, poluição agrívcola e lixo.
• Esgotos domésticos. Todos os dias, pelos corriqueiros atos de tomar
banho, lavar louça ou roupa, mas especialmente de ir ao banheiro e dar a
descarga, bilhões de pessoas estão poluindo os rios, lagos e mares com seus
esgotos. Esgotos domésticos são a principal fonte de poluição de águas na
maioria das cidades do mundo. Infelizmente, porém, a imensa maioria das
pessoas não se enxergam de modo algum como responsáveis por aquela
poluição. É como se apenas os outros fossem culpados, como se seus próprios
esgotos, da privada de suas próprias casas, também não fossem para o mesmo
rio!
• Poluição industrial. A indústria, incluindo o setor energético, é uma enorme
fonte de poluição de águas, com contaminantes extremamente nocivos à saúde
humana e ao meio ambiente. Poluentes ambientais de toda sorte, resívduos da
atividade industrial e mineração, são comumente descartados em corpos d'água.
Além disso, a maioria das indústrias requer enormes quantidades de água para
suas atividades. Essa água passa por vários processos, sendo contaminada com
compostos quívmicos tóxicos e depois lançada em rios, lagos e mares. Os
poluentes mais comuns incluem metais pesados, hidrocarbonetos policívclicos,
compostos orgânicos voláteis, poluentes orgânicos persistentes como dioxinas e
PCBs, fosfatos, enxofre, resívduos radioativos, solventes como tricloroetileno e
detritos orgânicos entre outros. Petróleo e seus derivados são um dos principais
poluentes dos oceanos, devido a derramamentos de navios petroleiros e
plataformas, vazamentos em poços de petróleo, além de limpeza clandestina de
tanques de navios, derramamentos e vazamentos cotidianos por milhões de
embarcações ao redor do mundo, efuentes de indústrias, descarte ilegal de óleo
velho ao mar, etc., enquanto usinas nucleares vazam material radioativo que
contamina lençóis freáticos, rios, mares e oceanos em várias partes do mundo.
• Poluição agrícola. A agricultura convencional é uma das principais fontes
de poluição das águas, globalmente. Agrotóxicos são carregados pela chuva, indo
acumular-se nos corpos d'água, onde arrasam praticamente toda e qualquer
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
* Diaz, R. J.; Rosenberg, R. Spreading dead zones and consequences for marine
ecosystems. Science. 2008.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
Lixo
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
Extinções em massa
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 3. A Crise Ambiental
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
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PROJEÇÕES
PARA O FUTURO
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
Dinastia Dinastia
Império Tang
Civilização Han
Romano
do Vale do Ocidental
Indo Maias
Império Civilização
Civ. Anasazi
Acádio Cartaginesa
Micênica
Império Khmer
Rapa
Nui
0
0
00
00
00
00
0
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00
50
00
50
00
-5
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-2
-1
-3
-2
-1
Ano
Ascensão e queda de algumas civilizações passadas
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
A Terra é um espaço fnito, com recursos fnitos, e por causa das atividades
humanas todos os dias há menos forestas, menos água limpa, menos solos férteis
e menos biodiversidade que no dia anterior. Por outro lado, todos os dias há mais
pessoas, mais carros, mais fábricas... mais rios, lagos e mares poluívdos, mais
lixo, mais gases do efeito estufa, etc. que no dia anterior. Logicamente, o
resultado inevitável desse processo é que chegaremos a um ponto em que o
planeta estará coberto de gente, lixo e poluição, enquanto os recursos mais
básicos necessários à manutenção da vida humana se tornarão tão escassos que
isso forçará a uma redução da população.
Para melhor entender essa situação, vamos focar no que está acontecendo
com dois dos recursos mais essenciais à vida humana: a água e o solo.
Água
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
Solo
Solos são a base da vida terrestre, incluindo a humana — 95% dos nossos
alimentos vêm do solo.
A porção do solo que é capaz de suportar vida (e, portanto, produzir
alimentos) é a camada superfcial, geralmente até cerca de 20 centívmetros de
profundidade. Essa é a porção que contém a maior concentração de matéria
orgânica, microrganismos e nutrientes.
Solos superfciais formam-se ao longo de milênios e são, por isso, para
efeitos práticos, considerados recursos não renováveis. Acontece que os solos
superfciais estão sendo destruívdos rápida e progressivamente devido à marcha
do desmatamento e práticas agrívcolas insustentáveis, conforme já descrito.
Atualmente, cerca de 80% dos solos agrívcolas ao redor do mundo já estão
* Coping with water scarcity – challenge of the twenty-first century. Food and Agriculture
Organization of the United Nations. 2007.
** Crawford, J. What if the world’s soil runs out? Time/World Economic Forum. 2012.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
* Gomiero, T. Soil degradation, land scarcity and food security: reviewing a complex
challenge. Sustainability. 2016.
** Rhodes, C. J. Peak phosphorus – peak food? The need to close the phosphorus cycle.
Science progress. 2013.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
fazem praticamente todo o serviço pesado, e por isso as pessoas podem fcar
sentadas, fazendo muito pouco esforço fívsico, engordando, e ainda assim terem
casa, carro(s), viagem de avião nas férias, etc.
Aqui é conveniente citar o conceito de “escravos energéticos”, introduzido
por Richard Buckminster Fuller, arquiteto, inventor e flósofo americano. O
conceito é o seguinte: se não fosse pela tecnologia moderna e uso de fontes
artifciais de energia, o padrão de vida, comodidade e conforto de qualquer
homem moderno só poderia ser mantido se ele tivesse à sua disposição dezenas
ou centenas de escravos fazendo para ele todo o serviço pesado (de cultivar os
alimentos, transporte, mineração, fabricação de bens, etc.). O escravo energético
é uma unidade abstrata de energia que representa o trabalho braçal de um ser
humano adulto, mas que é na verdade feito pelas máquinas modernas
(tecnologia), usando fontes de energia como petróleo, eletricidade, etc. O
número de escravos energéticos varia de acordo com a classe social e nívvel de
consumo, mas calcula-se que para que uma pessoa tenha um padrão de vida
normal de classe média, ela deve ter permanentemente à sua disposição cerca de
150 escravos energéticos. Agora, não é só o padrão de vida das pessoas que
depende dos escravos energéticos. Na verdade, eles são as verdadeiras bases que
sustentam toda a nossa civilização industrial.
Claro que todo esse consumo de energia e outros recursos é um fator
central da crise ambiental. Mas o problema não é só esse: combustívveis fósseis
são recursos finitos e não renováveis. Todo o petróleo que existe foi produzido
milhões de anos atrás, e tudo o que estamos fazendo é extrair e consumir esse
petróleo, a uma taxa exorbitante e cada vez maior. A extração contívnua desse
recurso fnito levará inevitavelmente a um desfecho totalmente previsívvel: sua
exaustão.
Tecnicamente falando, o que acontecerá não é exatamente o fm do
petróleo, mas sim um declívnio nas reservas convencionais, de óleo de boa
qualidade e que pode ser extraívdo de forma economicamente viável, levando à
necessidade de investimentos cada vez maiores para obter um retorno cada vez
menor em termos de energia, já que só sobrarão reservas cada vez mais difívceis
(e caras) de acessar, e de qualidade cada vez pior, forçando, a partir de um certo
ponto, a uma redução na produção anual global (declívnio terminal) associada a
uma elevação progressiva dos preços. Esse ponto, em que a extração global de
petróleo atinge seu máximo, é chamado de pico do petróleo.
É consenso entre cientistas que as reservas de petróleo já estão em um
estágio avançado de depleção, e que os efeitos do pico do petróleo poderão ser
sentidos num futuro muito próximo — antes de 2030 e, provavelmente, antes de
2020.*
* Miller, R. G., Sorrell, S. R. The future of oil supply. Philosophical Transactions. Series A,
Mathematical, physical, and engineering sciences. 2016.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
Outros
Indústria
Residencial (32%)
e serviços
(18,5%)
Transportes
(14,5%)
Agricultura
(25%)
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
330
400
325
390 Dióxido de carbono Óxido Nitroso
(CO2) 320 (N2O)
380
315
370
360 310
350 305
340 300
330 295
1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015 1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
1850
Partes por bilhão (ppb)
1800 Metano
(CH4)
1750
1700
1650
1600
1550
1975 1980 1985 1990 1995 2000 2005 2010 2015
* Stocker, T. F. et al. Technical summary. In: Climate Change 2013: The physical science
basis. Contribution of Working Group I to the Fifth Assessment Report of the
Intergovernmental Panel on Climate Change. 2013.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
0,8
Média Anual negativos do aquecimento
0,6 global no futuro, incluindo
0,4 a elevação dos nívveis dos
0,2
oceanos (devido à expansão
térmica e derretimento de
0
calotas polares), mudanças
-0,2 no padrão de chuvas,
-0,4 expansão dos desertos,
aumento na frequência e
-0,6
intensidade de eventos
1880 1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020
Ano climáticos extremos como
Gráfco: variação da temperatura média global da ondas de calor, secas,
superfície terrestre (terra e oceano) de 1880 a 2017, tempestades com
relativa à média de 1951-1980. inundações, tufões, etc. e
Fonte: NASA Goddard Institute for Space Studies, EUA também uma intensifcação
da acidifcação dos oceanos
(com morte de corais) e extinções de muitas espécies por alteração das
temperaturas e perda de habitat.
O aquecimento global trará serívssimas conseqüências para a humanidade: a
elevação do nívvel dos oceanos forçará ao deslocamento de centenas de milhões
de pessoas que vivem nas zonas costeiras, já que grande parte dessas cidades
fcarão submersas. O aumento da temperatura poderá tornar boa parte da zona
tropical simplesmente inabitável. Além disso, devido à perturbação do regime de
chuvas e expansão de desertos, vastas regiões enfrentarão crises hívdricas e de
abastecimento, levando à fome generalizada em diversas regiões tropicais. Isso
tudo forçará à migração de bilhões de pessoas que ali vivem, gerando uma crise
migratória global sem precedentes. Esses fatores adicionarão enorme estresse nas
relações polívticas entre paívses, com fortifcação de fronteiras para conter os
fuxos migratórios de famintos e sedentos, exacerbando a crise humanitária.
Ligando os pontos
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 4. Projeções para o Futuro
matéria prima muitas indústrias pararão; sem produtos para vender, o comércio
também vai parar. Com a crise nesses setores, o setor de serviços também
sofrerá, pois sem emprego as pessoas não terão dinheiro para gastar, gerando
uma “bola de neve” de desemprego. Com a paralisação das atividades
econômicas, não haverá arrecadação pelos governos, e assim os serviços públicos
como educação, saúde, infraestrutura, saneamento, segurança pública, etc.
também serão interrompidos.
Desempregadas e sem renda, as pessoas não terão dinheiro para comprar
alimentos. A população vivendo em grandes centros urbanos estará
especialmente vulnerável, pois o transporte dos alimentos a partir das regiões
produtoras fcará extremamente encarecido ou inviabilizado pela escassez de
combustívveis. Pior ainda, tampouco haverá alimentos, pois toda a agricultura
fcará inviabilizada, já que a agricultura moderna depende totalmente de tratores,
fertilizantes quívmicos e pesticidas, todos dependentes do petróleo, que é o
combustívvel para os tratores e a matéria-prima para os fertilizantes e pesticidas.
Com a exaustão desses insumos, cairá por fm a máscara da agricultura
industrial, mostrando que ela destruiu completamente a fertilidade natural dos
solos, tornando-os estéreis, desprovidos de vida e incapazes de produzir
alimentos.
Isso tudo sem contar a crise hívdrica global! A falta de água e escassez de
alimentos levará à fome generalizada, que atingirá primeiramente as classes mais
vulneráveis e as regiões mais pobres, avançando inexoravelmente até que todos
sejam atingidos. E tudo isso será enormemente agravado pelas mudanças
climáticas.
O desespero das pessoas levará à instabilidade e caos social, colapso
econômico de paívses e esfacelamento de instituições, guerras civis e ascensão de
regimes totalitários. Assim como já citado para a água, guerras serão travadas e
paívses subjugados e destruívdos em disputas pelos últimos recursos agrívcolas
como solos e nutrientes (pobre Marrocos, com suas reservas de rochas
fosfáticas!). Viveremos uma crise humanitária global sem precedentes em que
todos os dias morrerão milhões de pessoas, e a população humana será reduzida,
de forma drástica, progressiva e irreversívvel, por fome, sede, violência, guerras e
epidemias, em meio às ruívnas da civilização.
Ou seja, temos um cenário de “tempestade perfeita”, em que um conjunto
de fatores extremamente sombrios, cada um dos quais isoladamente já seria uma
grave ameaça à nossa civilização, vêm se avultando, convergindo para causar
uma crise sem precedentes, ainda este século. Mas a coisa pode fcar ainda pior
do que o já descrito, pois na iminência do colapso, quando paívses travarem
guerras para se apoderar de recursos energéticos, agrívcolas e hívdricos, isso criará
o cenário ideal para uma provável terceira guerra mundial, com um risco
substancial de aniquilação nuclear global.
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Parte I – A Crise Ambiental e Civilizacional 5. Estado de Emergência Planetária
5
ESTADO DE EMERGÊNCIA
PLANETÁRIA
Diante do exposto até aqui, fca evidente que estamos de fato num estado
de emergência planetária, e que a insustentabilidade humana é o maior problema
do mundo.
Claro que há muitos outros problemas no mundo atual, como pobreza,
fome, violência, desigualdade e injustiça social, corrupção de governos, guerras,
doenças como câncer e AIDS, etc., todos também importantes, tristes realidades
que devemos nos empenhar em mudar. Porém, mesmo em conjunto, todos esses
problemas não se comparam, em gravidade, à insustentabilidade. Se todos esses
outros problemas atuais fossem milagrosamente resolvidos, e de repente
tivéssemos um mundo sem pobreza ou injustiça social, somente governos
honestos, e mesmo que fossem descobertas curas para todas as doenças, etc.,
certamente terívamos um mundo muito mais feliz; porém, mantendo nossos
estilos de vida insustentáveis como são, essa felicidade duraria pouco. Com a
exaustão dos recursos, tudo isso desmoronaria como um castelo de cartas,
descambando para o mesmo cenário apocalívptico descrito acima.
Se quisermos ter uma chance de sobreviver como espécie e deixar um
mundo saudável ou pelo menos habitável para as próximas gerações,
necessitamos urgentemente de uma mudança radical de paradigma. A
preservação do meio ambiente e dos recursos naturais deverão ser prioridade
máxima e a busca da sustentabilidade, o objetivo principal da humanidade. Esta
é justamente a proposta da permacultura, apresentada nas páginas seguintes.
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Parte II
A Alternativa da
Permacultura
Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
6
TEMPO DE MUDANÇA
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
pai ou sua mãe, pode até ser você mesmo — que tem um emprego qualquer,
numa fábrica, ou loja, um banco... pode ter seu próprio negócio, talvez uma
ofcina ou restaurante, ou talvez seja professor, ou funcionário público, etc. Ou
seja, está envolvido na produção e venda de bens e serviços, seja direta ou
indiretamente, ou de alguma forma dando suporte a essas atividades. Essa pessoa
ganha seu salário, compra coisas para sua casa, comida, roupas para si e sua
famívlia... talvez tenha um carro que usa diariamente para ir trabalhar, fazer
compras, viajar nas férias com a famívlia, etc. Essa pessoa junta dinheiro para
comprar sua casa própria, garantir a faculdade dos flhos, uma segurança para a
velhice, etc. Claro que não há absolutamente nada de errado em nada disso,
certo? Trata-se de uma pessoa perfeitamente normal e comum, que muito
provavelmente ama sua famívlia e preocupa-se com o próximo, procura cumprir
as leis, contribuir para a sociedade; que tem necessidades, expectativas, sonhos,
etc. — uma pessoa como qualquer outra. Agora, e se eu te disser que são
justamente todas essas atividades descritas acima (assim como todas as outras
não citadas, mas que fazem parte do dia a dia de qualquer pessoa normal) que
estão destruindo o planeta? Ora, cada vez que você usa um carro (ou mesmo
transporte público!), está não apenas poluindo a atmosfera e contribuindo para o
efeito estufa, mas também patrocinando toda a destruição ambiental causada
pela indústria petrolívfera, infraestrutura viária, etc. Cada vez que compra
alimentos, está patrocinando a agricultura industrial e toda a destruição
ambiental associada. Toda vez que compra alguma coisa, está patrocinando a
poluição industrial, a mineração, etc., e toda vez que põe o lixo para a coleta,
está entupindo os lixões de materiais que levarão milhares ou milhões de anos
para se decompor (claro que a reciclagem melhora bastante isso, mas quantos %
do seu lixo é realmente reciclado?). Cada vez que acende uma lâmpada ou liga a
televisão, está patrocinando a destruição das forestas pelas usinas hidrelétricas,
ou a liberação de gases do efeito estufa ou produção de lixo nuclear, dependendo
de onde esteja, e toda vez que dá a descarga no banheiro, está poluindo os rios
e/ou lençóis freáticos com seus dejetos, e por aív vai.
Podemos estar sempre todos limpinhos, cheirosos e arrumadinhos, em
vizinhanças decentes e bonitas (se tivermos sorte), mas é necessário alertar para
o fato que cada aspecto de nossa cômoda vida moderna envolve um imenso
consumo de recursos e geração de resívduos, que se traduz em degradação
ambiental — ainda que longe de nossas vistas. Agora, multiplique isso por
alguns bilhões de pessoas, e está explicada a imensa crise ambiental em que
estamos metidos!
Ou seja, a natureza não está sendo destruívda apenas pelos ricos e
poderosos. Claro que eles são grandes culpados, mas o fato é que a natureza
também está sendo destruívda por cada homem e mulher, cada pessoa neste
mundo que leva uma vida “normal”, nos moldes de nossa sociedade atual,
inserida na civilização industrial de consumo. Porém, muitas pessoas não estão
preparadas para aceitar esse fato, inclusive muitos dos fervorosos ativistas de
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
para salvar o planeta, quando obviamente apenas essas atitudes pontuais não
farão diferença alguma.
Há também aqueles que, sentindo-se moralmente impedidos de continuar
fazendo parte desta tragédia, passam a rejeitar o modo de vida convencional e
valores da sociedade; porém, sem conseguirem visualizar uma alternativa viável,
passam a viver às margens da sociedade, vivendo “na estrada”, ou em ocupações,
praticando freeganismo, etc. — o que também é uma ilusão, pois permanecem
totalmente dependentes da sociedade que reprovam, não representando,
portanto, nenhuma solução, nenhum caminho para frente.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
Histórico da permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 6. Tempo de Mudança
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
7
ÉTICAS E PRINCÍPIOS
DA PERMACULTURA
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
Éticas da permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
O cuidar das pessoas nos lembra que uma sociedade, para ser sustentável,
tem que ser antes de tudo justa para com todos, tanto a natureza como os seres
humanos. Esta ética contrapõe-se ao egocentrismo, individualismo e
competitividade exacerbados da nossa sociedade atual, que resultam em uma
brutalização e insensibilização em relação às necessidades e a essência da pessoa
humana.
A ética do cuidado das pessoas tem também a vital função de combater a
misantropia — sentimento de distanciamento, aversão e desprezo pela
humanidade, comum em pessoas sensívveis às causas ambientais. Na
permacultura, visa-se não apenas um mundo sustentável do ponto de vista
ambiental, mas um mundo melhor, mais saudável e feliz em todos os sentidos.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
Princípios da permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
2. Valorize a diversidade
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
3. Promova a integração
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
muitos recursos (água para irrigação, fertilizantes), sem produzir nada. Pense no
tanto de fores, verduras e arbustos frutívferos poderiam ser plantados ali! E as
abelhas, pássaros, etc. que se benefciariam disso, além de nós mesmos,
humanos.
Regiões semi-áridas e desérticas têm abrigado populações humanas há
milhares de anos; portanto, é perfeitamente possívvel viver nessas áreas, mas os
sistemas produtivos e mesmo o estilo de vida devem ser adequados às condições
locais.
É verdade que em muitas situações é possívvel obter um aumento da
biomassa e biodiversidade de uma área, além do que ocorre naturalmente,
através da aplicação habilidosa dos princívpios e técnicas da permacultura.
Porém, deve-se fcar muito atento, pois na maioria das vezes, devido ao uso de
estratégias inadequadas, uma aparente melhoria da vida em uma área no curto
prazo pode vir a um alto custo ambiental, não sendo sustentável e tendo, no
médio e longo prazo, um efeito global negativo ao meio ambiente. Seguem
alguns exemplos:
• Em locais de clima semiárido, o uso indiscriminado da irrigação pode
causar sérios problemas, como excessivo uso de energia e custo ambiental
associado, e redução na vazão e mesmo secamento de rios. O uso de águas
subterrâneas para irrigação causa abaixamento progressivo do lençol freático,
não sendo sustentável a longo prazo. Além disso, via de regra causa a salinização
do solo, tornando-o estéril.
• O uso de fertilizantes quívmicos para melhorar a fertilidade do solo pode
aumentar a biomassa no curto prazo, mas seu uso contívnuo é tóxico ao solo,
reduzindo sua biodiversidade, não sendo, portanto, sustentável. Ainda,
contamina cursos d'água, reduzindo a qualidade da vida nesses ecossistemas, ou
seja, tem um efeito global negativo.
• Mesmo com fertilizantes orgânicos (e.g. esterco animal), é preciso ter
cuidado. Embora criem uma melhora da vida onde são usados, deve-se observar
que, na verdade não houve um aumento da fertilidade, mas sim uma
transferência da mesma: essa fertilidade que aumentou em sua área talvez tenha
passado a faltar no local de onde o adubo foi retirado. Por isso, deve-se ser
crívtico quanto à fonte desse adubo, procurando captá-lo de locais e situações
onde ele de outra forma seria desperdiçado, enfm, obtê-lo de formas que não
causem um dano no local de origem, levando também em consideração o custo
energético relativo ao seu transporte, etc.
Portanto, o único caminho sustentável para se obter um aumento na
quantidade e qualidade da vida em uma área é através do uso dos princívpios da
permacultura: utilizando recursos do próprio local, fxando a água, reciclando
nutrientes, atentando para a efciência energética, valorizando as espécies locais,
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
mais efciente. Use essa água para regar seu jardim, lavar roupa, o chão, etc. (o
estilo de vida da permacultura será o assunto do capívtulo 14)
Claro que apenas medidas desse tipo não serão sufcientes para resolver o
problema da insustentabilidade, mas tudo tem que começar com elas! Isso é
essencial para iniciar a jornada da permacultura — é uma transformação que
leva tempo, e o importante é começar, e continuar caminhando.
Um erro que muitas pessoas cometem ao fcarem muito empolgadas e
ansiosas com a permacultura é querer fazer grandes movimentos em um curto
espaço de tempo. Por não terem experiência, acabam gastando muito dinheiro,
causando estragos e na maioria das vezes os sistemas não funcionam a contento.
Arrumam briga com familiares e vizinhos, etc., e isso tudo muitas vezes faz com
que desanimem e desistam, o que é a pior coisa que pode acontecer. Portanto, o
melhor é começar pequeno e ir reavaliando-se constantemente (veja o princívpio
n.o 18), para evoluir gradualmente, alcançando resultados mais profundos.
Enquanto você assimila essas atitudes, deve dedicar-se continuamente à
elaboração de planos para uma vida realmente sustentável, à luz da
permacultura. Este planejamento é muito importante, e deve ser feito com calma
e com a máxima seriedade. Não adianta nada querer fazer uma revolução de
forma precipitada, e acabar não sobrevivendo, morrendo na praia.
O mesmo princívpio se aplica quando a pessoa vai desenvolver seu projeto
de permacultura rural. Um erro muito comum é a pessoa bolar um plano que ela
acredita ser ótimo, e chegar fazendo grandes modifcações na paisagem, usando
maquinários, suprimindo vegetação, mexendo na topografa... consumindo um
monte de petróleo, trazendo um monte de recursos de fora, investindo um monte
de dinheiro, partindo do argumento que os resultados fnais compensarão todo
esse estrago (tendo em mente aquela visão de seu projeto num futuro próximo,
lindo, exuberante e altamente produtivo). Infelizmente, porém, na maioria das
vezes os resultados fnais fcam muito aquém do esperado — os benefívcios não
se concretizam, e fca apenas o estrago. O fato é que quanto maior a escala de
nossas ações, maiores os danos e menor nossa capacidade de prevê-los ou
consertá-los, e isso é agravado pela inexperiência. Começando devagar e
lentamente, com observação e reavaliação constante, podemos evitar esses danos
e aperfeiçoar gradualmente nossos sistemas, podendo, depois, se necessário,
aplicá-los em maior escala, de forma segura.
É preciso sempre lembrar que a natureza também está trabalhando para sua
própria restauração, pois é isso que ela faz. O princívpio das soluções lentas e
pequenas também inclui o conceito da mínima interferência, ou seja, de deixar a
natureza fazer o seu trabalho. Muitas vezes, quando interferimos demais, apesar
de nossas boas intenções acabamos atrapalhando-a e comprometendo a
recuperação ambiental que ocorreria naturalmente.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
* Para uma análise aprofundada deste tema, recomendo a leitura de “Techno-Fix: why
technology won’t save us or the environment”, de Michael Huesemann e Joyce
Huesemann.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 7. Éticas e Princípios da Permacultura
Principais referências:
David Holmgren. Permaculture: principles and pathways beyond sustainability. Holmgren
Design Services. 2002.
Bill Mollison; Reny Mia Slay. Introduction to permaculture. Tagari Publications. 1991.
Sepp Holzer. Sepp Holzer’s permaculture: a practical guide to small-scale, integrative
farming and gardening. Chelsea Green Publishing. 2011.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
8
ÁGUA EM PERMACULTURA
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
* Claro que o ciclo das águas é muito mais complexo que isso, incluindo os oceanos,
geleiras, etc. Porém, para maior simplicidade, nos ateremos às partes do ciclo que ocorrem
no nível local, da propriedade, e sobre as quais nos é possível intervir, tendo portanto mais
relevância prática.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Assim, o homem segue furando poços cada vez mais fundos, em busca da
última gota de água. Nascentes secando por toda parte, rios desaparecendo.
Aquívferos profundos que levaram milhares de anos para se preencherem estão
sendo drenados rapidamente, gerando a crise hívdrica global discutida na Parte I.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Cultivar a água
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Também nas cidades, diversas estratégias podem ser usadas nesse sentido,
conforme será discutido mais adiante.
Isso tudo leva não apenas a uma preservação, mas de fato a um aumento da
quantidade e qualidade da água no local. Por isso dizemos que, em
permacultura, nós não apenas utilizamos a água — nós cultivamos a água.*
Para que se consiga um uso racional da água, devemos planejar
cuidadosamente nossos sistemas, visando o aproveitamento máximo desse
recurso, da forma mais efciente possívvel, evitando desperdívcios e gastos
desnecessários de energia. Para isso, é necessário um dimensionamento
adequado dos sistemas; planejá-los de forma que a água fua por gravidade,
reduzindo ou abolindo a necessidade de bombeamento e gasto energético e, por
fm, uma perfeita integração com os outros sistemas, potencializando os
benefívcios e evitando problemas como erosão, enchentes, etc.
A água é um recurso limitado, e a tendência é a situação piorar
progressivamente, devido às mudanças climáticas. Portanto, ao planejar nossos
sistemas, é necessário fazê-lo com um olho no futuro, preparando-se para um
cenário diferente, mais difívcil que o atual. Isso signifca instituir sistemas de
captação e armazenamento maiores do que seria necessário para suprir nossas
necessidades hoje, e também construir sistemas altamente efcientes e
econômicos em seu uso de água.
103
Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
é simplesmente perdida, sem cumprir qualquer função, quer para o homem, quer
para a natureza.
Assim, fca claro que o ponto crucial na questão do abastecimento de água
não é se há uma nascente ou rio no terreno ou não, e sim a captação e
armazenamento de água de chuva. Na imensa maioria dos casos, a água da chuva
seria plenamente sufciente para suprir todas as necessidades de uma propriedade
rural, bastando apenas que esse recurso fosse efcientemente captado e
armazenado, e utilizado de forma racional.
Há diversas estratégias possívveis para se captar, armazenar e utilizar a água
de chuva em situações rurais. As principais técnicas serão abordadas a seguir.
Lagoas artifciais
Escolha do local
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
abastecimento de água para a casa. Claro que você pode ter mais lagoas, tantas
quantas quiser ou conseguir construir em seu terreno. As lagoas mais baixas
tendem a ter mais matéria orgânica e nutrientes, devido a contaminação oriunda
das criações de animais e plantações, sendo mais indicadas para produção, tanto
vegetal como de peixes, rãs, patos, etc. e também para irrigação.
Na escolha do local da construção da lagoa, deve-se levar em consideração
também outros fatores. Um deles é a topografa: locais mais ívngremes são
sempre muito mais complicados de se armazenar água. Locais com menos
inclinação são mais fáceis e seguros: com menos interferência na topografa, e a
um custo muito menor, você conseguirá construir lagoas muito maiores, com
muito mais capacidade, evitando também riscos de rupturas e desmoronamentos.
Locais rochosos devem ser sempre que possívvel evitados, por motivos óbvios.
Outro fator a ser considerado é o grau de vegetação arbórea do local: deve-se,
sempre que possívvel, dar preferência a locais que já tenham clareiras, de forma
que você não tenha que cortar árvores para construir a lagoa.
Tamanho da lagoa
A lagoa pode ter praticamente qualquer tamanho, mas tem que comportar
um volume sufciente de água para suprir as suas necessidades. Não adianta ter
uma lagoa muito pequena que a água acabe no meio da estação seca! Também
tem que ser compatívvel com seu potencial de captação — não adianta ter uma
lagoa enorme que não enche nunca. Por isso, o tamanho da lagoa tem que ser
planejado cuidadosamente. Como ponto de partida, para um projeto em pequena
escala, em um terreno com uma área de 5.000 a 25.000 m 2, pode-se pensar em
lagoas com cerca de 10 a 25 metros de largura e 1 a 2 metros de profundidade,
com uma capacidade para 50 a 500 metros cúbicos, aproximadamente.
Construção da lagoa
Teoricamente, qualquer lagoa pode ser escavada à mão, com enxadões, pás
e carrinho de mão, etc. Porém, trata-se de um trabalho árduo e demorado. A não
ser que se trate de uma lagoa bem pequena, ou você tenha à sua disposição um
bom número de pessoas dispostas e motivadas e não tenha pressa, o mais
comum é escavar com maquinário pesado, como retroescavadeiras, pás
carregadeiras ou tratores de esteira.
Em locais bem planos, a escavação de uma lagoa produz grande quantidade
de terra, que pode ser usada para aterramentos, construção, fazer barreiras de
terra, ou simplesmente fazer um morro ao lado da lagoa, que pode criar um
efeito paisagívstico interessante, ou ajudar a criar um microclima, servindo como
barreira contra o vento, aumentando a sombra, retendo calor do sol, etc. Claro
que esses efeitos benéfcos dependem de seu posicionamento adequado, o que
por sua vez depende de planejamento cuidadoso. Já em locais de topografa
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
inclinada, a escavação da lagoa não gera nenhum excedente de terra. Isso porque
a terra escavada deve ser depositada na margem inferior da lagoa e compactada,
formando a barragem que dará forma e capacidade à lagoa.
Lagoas de água de chuva devem ser rigorosamente impermeabilizadas, pois
qualquer perda por penetração da água ou vazamentos pode signifcar uma lagoa
vazia no meio da estação seca.
A forma mais simples e garantida de impermeabilizar uma lagoa é com a
instalação de uma lona plástica. Lonas plásticas são 100% impermeáveis, mas
são fotodegradáveis, o que signifca que, se fcarem expostas à radiação solar,
deterioram-se e rompem-se em questão de poucos anos. Porém, se protegidas do
sol, podem durar virtualmente para sempre. Por isso, a lona plástica deve
receber uma cobertura permanente de terra.
Antes da instalação da lona, o interior da lagoa deve ser adequadamente
preparado. As laterais devem ser feitas em “degraus”, com plataformas planas de
no mívnimo 20 cm de largura, e taludes com inclinação máxima de 45° e altura
de cerca de 45 cm. Esse formato é importante para permitir que a terra
permaneça sobre a lona, ao invés de escorrer toda para o fundo da lagoa na
primeira chuva forte.
O interior da lagoa
deve ser bem compactado
Degraus
45 cm de altura com soquetes ou mesmo
com os pés. Quaisquer
Plataformas tocos ou pedras devem ser
20 cm de largura cuidadosamente removi-
(mín.) dos, e a superfívcie interna
Inclinação dos taludes
45° (máx.) deve fcar bem lisa, para
evitar danos ou ruptura na
lona plástica.
Também, antes de se instalar a lona plástica, é necessário preparar o local
onde será construívdo o canal de entrada de água. Este é uma depressão na lateral
da lagoa em forma de canaleta, com dimensões e capacidade superiores às do
canal de captação. Como o próprio nome já diz, é por ele que a água entrará na
lagoa. O canal de entrada deve ser escavado cuidadosamente, mantendo-se o
padrão de degraus, e suas bordas devem ser elevadas para ajudar a confnar o
fuxo de entrada de água dentro do canal, mesmo em dias de chuva muito forte.
Preparado o interior da lagoa, procede-se à instalação da lona plástica. Há
tipos de lona especívfcos para impermeabilização de lagoas, muitas vezes
comercializados com o nome de “geomanta” que, embora apropriados para esse
fm, infelizmente costumam ser substancialmente caros. Como alternativa, pode-
se usar uma lona plástica de PEAD (polietileno de alta densidade) de 200 μm de
espessura, daquelas normalmente usadas para cobrir silos. Essas lonas custam
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Fluxo da
água
Canal de entrada
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Canais de captação
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
portanto, sempre que chove passa por ali um enorme volume de água. Isso
representa claramente uma ótima oportunidade de captação de água. Porém, não
se deve nunca tentar represar a água na grota em si. Isso porque o local onde se
forma a grota é sempre a porção mais ívngreme do terreno, devendo ser evitado,
conforme já mencionado. Ao invés disso, você deve construir a lagoa num local
de topografa mais amena, e apenas um fosso de captação na grota (ou seja, uma
pequena escavação e uma parede reforçada com pedras, pneus, sacos de terra,
concreto, etc.), conduzindo essa água através de uma curva em desnívvel até a
lagoa conforme descrito acima.
Escave um pequeno fosso, talvez com 1,5 m de diâmetro por 1 m de
profundidade, ao fnal do canal de captação, logo antes da entrada na lagoa. Esse
fosso não deve ser impermeabilizado. Ele servirá para reter terra, areia, restos
vegetais ou quaisquer materiais carregados com a água, evitando que entrem e se
acumulem na lagoa. O fosso deve ser limpo periodicamente, com remoção dos
materiais retidos.
Canais de
captação
Fosso seco
Canal de entrada
Interior da lagoa
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
evitando que escorra com as chuvas. Plante também plantas aquáticas, como
aguapés e taboas, etc., no interior da lagoa, uma vez que esteja cheia. Rãs e
pererecas virão espontaneamente habitar a lagoa, mas você também pode
introduzir peixes, pitus, etc. (falaremos um pouco sobre aquacultura no capívtulo
9, “Permacultura Rural”).
Agora, um detalhe muito importante de segurança: você deve cercar bem a
sua lagoa, com uma boa cerca de arame ou alambrado. Isso é vital para a
segurança das pessoas, pois sempre há riscos de afogamento, e também para
proteção da lagoa em si — você não vai querer um animal grande e pesado
como uma vaca ou cavalo entrando na sua lagoa, e danifcando a lona plástica
com seus cascos! Mesmo que você não tenha esses animais, é sempre possívvel
que alguém esqueça uma porteira aberta, ou os animais do seu vizinho
atravessem a cerca e entrem no seu terreno — esse tipo de ocorrência é
extremamente comum na zona rural. Por isso, cerque bem sua lagoa, e você
viverá muito mais tranquilo.
Por fm, plante árvores em volta da lagoa, para fazer sombra na água,
mantendo-a fresca e evitando evaporação excessiva, e dando um efeito
paisagívstico agradável. Em climas frios, plante árvores caducifólias no lado
ensolarado, permitindo que o sol aqueça a água no inverno.
Séries de lagoas
Você pode e deve ter mais de uma lagoa na propriedade. De fato, pelo
princívpio da redundância, é sempre melhor ter duas ou mais lagoas menores do
que uma única lagoa enorme — assim, se você tiver algum problema com uma
lagoa, seu suprimento de água estará garantido.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Começar construindo uma lagoa pequena para depois construir mais lagoas
traz ainda várias outras vantagens. Você terá água mais rápido, já que uma lagoa
menor é mais rápida de construir e encher. Com essa água, tudo fcará mais fácil:
construir, plantar e até construir as demais lagoas. Além disso, é melhor adquirir
experiência construindo lagoas menores — você irá se aperfeiçoando e tudo
fuirá melhor nas lagoas subsequentes. E o custo também é fracionado, o que é
uma grande vantagem. Por fm, você terá os benefívcios da lagoa espalhados pelo
terreno: a criação de microclimas favoráveis à produção, a possibilidade de
sistemas independentes de irrigação, e múltiplas oportunidades para dar usos
variados, como sistemas de aquacultura. Você também criará muitos pontos de
fomento à vida selvagem, fornecendo água, abrigo e alimento para animais
silvestres, aves migratórias, etc.
As diversas lagoas podem ser de formatos e tamanhos variados, de acordo
com a topografa e outras qualidades do terreno, como potencial de captação de
água, espaço disponívvel, etc.
A captação de água para essas múltiplas lagoas deve ser feita em série,
onde o excesso de água de uma lagoa mais alta fui para a próxima lagoa no
sistema (o canal de saívda de uma lagoa é um canal de captação da próxima lagoa
mais abaixo).
Canal de saída
Fosso seco
Tagoa artificial
Próxima lagoa
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Cisternas subterrâneas
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Reflorestamento
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
possa se recuperar sozinha, mas isso pode demorar séculos ou milênios. Quando
você tenta intervir nesse processo, por exemplo plantando mudas para acelerar a
recuperação, você vê que é muito difívcil e trabalhoso ter sucesso — suas mudas
têm uma grande difculdade de sobreviver e crescer, e se desenvolver, produzir,
etc. Claro que isso não signifca que essas áreas devam ser abandonadas, muito
pelo contrário, pois é justamente aív que está um dos maiores e mais belos
desafos da permacultura: atuar não apenas na conservação, mas também na
recuperação da natureza, e ao mesmo tempo suprir as necessidades humanas.
Técnicas e estratégias para estabelecer forestas e agroforestas serão
discutidas no capívtulo 9, “Permacultura Rural”.
Bacias em meia-olua
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Água retida
Penetração
corte aterro
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Terraços
Inflitração
Terraços
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Bacias de infltração
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Por seu porte, as bacias devem ser vistas como reservatórios temporários
de água da chuva, e por isso devem contar com uma rota planejada de
transbordamento. O melhor é que essa água excedente seja conduzida para longe
da estrada, através de drenos em suave desnívvel (com uma caívda de cerca de 2%)
até uma área de topografa mais plana e bem vegetada, que possa absorver ou
lidar com essa água sem sofrer danos. Essa água também pode ser vista como
um recurso, pois ao trazê-la para dentro do seu terreno você tem um aumento da
água disponívvel, que pode ser usada para fns produtivos.
Lombadas
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
ano fosse coletada e armazenada, essa água sozinha seria sufciente para suprir
todas as necessidades da casa e seus moradores, na maioria dos casos. Mesmo
que você tenha ótimas lagoas que possam fornecer água para a casa por
gravidade, ou que você confe na companhia de abastecimento de água da sua
cidade, não há desculpa para desperdiçar toda essa água que você ganha de
presente, literalmente do céu, todo ano.
Para captar água da chuva do telhado, você vai precisar instalar calhas, que
levarão a uma caixa d'água ou cisterna. Para começar, você pode simplesmente
colocar bombonas plásticas de 200 litros recebendo a água das calhas, ou mesmo
uma caixa d’água convencional, se tiver espaço na sua casa. Isso pode ser feito
sem complicação ou muitos custos, e você fcará surpreso com a facilidade com
que esses reservatórios se enchem, e com a qualidade da água — limpinha!
Provavelmente fcará perplexo: “como eu pude desperdiçar toda essa água a vida
toda?” Você descobrirá o prazer de usar essa água para molhar suas plantas,
lavar suas roupas e outros usos menos exigentes.
Porém, isso é só um começo mesmo, pois esses reservatórios improvisados
são muito pequenos perante o potencial de captação dos seus telhados. O que
normalmente acontece nessa situação é que, durante a estação chuvosa, seus
reservatórios se enchem muito rapidamente, a partir do que passam a
transbordar a cada chuva, ou seja, você estará perdendo a maior parte da água.
Com o fm das chuvas, você rapidamente acaba com aquele volume armazenado,
e seus reservatórios passarão todo o perívodo das secas vazios. Isso não é muito
racional ou efciente. Além disso, reservatórios instalados sobre o chão não são
muito convenientes para uso — você não vai querer fcar tirando a água com
baldes a vida toda.
Pelos princívpios da utilização da água, ela deve ser captada e armazenada o
mais alto possívvel, permitindo seu uso por gravidade. Porém, no caso da
captação de água da chuva do telhado de uma casa, para uso na própria casa,
isso geralmente não dá muito certo, pois os telhados muitas vezes não são altos o
sufciente, e além disso, fazer um reservatório de grande capacidade a mais de
dois metros de altura do solo apresenta inúmeros inconvenientes, como
difculdade de construção, alto custo, o grande espaço que ocupa, impacto
estético, etc.; portanto, temos que lançar mão de outras estratégias.
Em situações rurais, muitas vezes você tem um galpão ou garagem em um
nívvel acima do da casa — uma estrutura que tem um telhado grande, com boa
capacidade de captação de água de chuva, mas que consome pouca água. Nesses
casos, você pode armazenar essa água em uma cisterna no local, e usá-la por
gravidade para abastecimento da casa abaixo. E a água do telhado da casa, por
sua vez, pode ser usada por outra casa mais abaixo, talvez por um vizinho, ou
usada para irrigação, etc.
Em situações urbanas, devido principalmente à limitação de espaço,
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
água da primeira chuva estará realmente suja, e ela só servirá mesmo para
irrigação. Mas, na estação chuvosa, com chuvas regulares, mesmo essa primeira
água será limpa o sufciente para outros usos, como limpeza geral e até lavagem
de roupas, bastando o bom senso na avaliação da qualidade da água (aspecto
lívmpido).
Devido ao fato da água no interior da cisterna ser totalmente protegida da
luz solar, ela normalmente não terá a tendência de desenvolver problemas como
crescimento de algas ou mau cheiro. Assim mesmo, como todo reservatório de
água, a cisterna deve ser limpa regularmente.
A água da chuva, desde que adequadamente captada e armazenada, pode
ser usada para todos os fns domésticos, inclusive para beber e cozinhar. Porém,
antes de ser usada para consumo humano, ela deve ser devidamente sanitizada
(e.g. fltragem, cloração).*
Nas cidades, a perturbação do ciclo das águas pela ação humana ocorre
com a máxima intensidade. Geralmente, mais de 90% da superfívcie do solo nos
centros urbanos é impermeabilizada, com casas, edifívcios e pavimentação
(asfalto e concreto), e hoje em dia não é difívcil encontrar locais com uma taxa de
impermeabilização próxima de 99%.
Os problemas decorrentes dessa impermeabilização são muitos. Nesse tipo
de cenário, obviamente pouquívssima água da chuva consegue penetrar no solo.
Desse jeito, como o lençol freático vai sobreviver? Dentro das cidades, em locais
onde há nascentes, elas são consideradas um problema (!!), empecilhos ao
desenvolvimento urbano, e por isso essas áreas são comumente aterradas,
drenadas, etc., enfm, destruívdas. As poucas nascentes que sobrevivem já vêm
com água poluívda, contaminada pesadamente pelos esgotos das milhares de
fossas sépticas e vazamentos de redes de esgotos, que penetram no solo até
atingirem o lençol freático. Os rios são transformados em canais de enxurrada e
esgotos. Por fm, são muitas vezes canalizados, estando portanto mortos e
sepultados.
A impermeabilização também signifca que praticamente toda a água da
chuva escorrerá pela superfívcie, o que em chuvas fortes causa enxurradas
violentas que causam enchentes, danos a propriedades, perdas de vidas e
transmissão de doenças de veiculação hívdrica, como leptospirose e cólera, além
das doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue.
Além de todos esses problemas, a impermeabilização das cidades ainda as
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Aumento da permeabilidade
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Pavimentos permeáveis são totalmente viáveis tanto em áreas privadas como nas
vias públicas, podendo ser usados não apenas em passeios e calçadas como
também na pavimentação das ruas.
• Aplicação de perfl coletor de água na arborização urbana, canteiros,
rotatórias etc. O perfl coletor de água signifca fazer as áreas permeáveis e
vegetadas em um nívvel mais baixo que o da rua, e com aberturas
estrategicamente planejadas na sarjeta, permitindo que a água de escorrimento
superfcial da chuva fua a partir da rua para dentro desses espaços. Isso funciona
de forma semelhante às bacias de infltração: a água acumulada nessas estruturas
será absorvida pelo solo, melhorando a hidratação das plantas, contribuindo para
o lenços freático, e ao mesmo tempo reduzindo o volume da enxurrada.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
Telhados verdes
* Área de preservação permanente (APP) é definida como uma área com a função
ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a
biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das
populações humanas.
** Corredores ecológicos serão discutidos no capítulo 9, “Permacultura Rural”.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 8. Água em Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
9
PERMACULTURA RURAL
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
é necessário para fechar o ciclo dos nutrientes, sem o que não pode haver
sustentabilidade.
Solos
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Pelo que discutimos acima, sobre como os solos são formados, deve ter
fcado clara uma coisa: a fertilidade não está no solo, e sim na biomassa do solo.
Claro que a biomassa também faz parte do solo, mas o que isso quer dizer é que
os nutrientes não estão simplesmente presentes ali, soltos, de forma solúvel na
matriz mineral do solo. Se você separar a biomassa (matéria orgânica) da matriz
mineral do solo de uma foresta, os nutrientes estarão na primeira, e não na
última.
A construção da fertilidade do solo pelo processo de acumulação biológica
de nutrientes ocorre de maneira tão mais efciente quanto maior for a densidade
e diversidade das formas de vida no local. Isso porque diferentes espécies têm
diferentes necessidades nutricionais e, portanto, diferentes habilidades de
absorção e utilização, resultando em fxação de nutrientes. Deste modo, estando
inúmeras espécies diferentes todas juntas e em alta densidade, todos os
nutrientes serão efcientemente fxados e acumulados no ecossistema terrestre.
Em outras palavras, a fertilidade do solo depende da manutenção de alta
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Agroflorestas
Agroforestas podem ser vistas como ecossistemas forestais altamente
diversifcados, projetados por humanos em maior ou menor grau, em que além
de elementos (espécies) nativos da área em questão, são incluívdos, em
proporções relativamente elevadas, espécies particularmente úteis aos humanos,
como alimentos, madeiras, fbras, etc. Elas são sistemas altamente integrados
que imitam forestas naturais, cumprindo todas as funções e serviços ecológicos
de uma foresta natural, como preservação do solo, do ciclo das águas, do clima e
da biodiversidade, enquanto suprindo também as necessidades humanas.
Agroforestas têm enorme potencial para produzir diversos tipos de
alimentos para humanos, especialmente frutas, nozes, castanhas, raívzes, produtos
animais, etc. Porém, a maior parte da alimentação humana atualmente consiste
de grãos, especialmente cereais, realidade que nasceu juntamente com a
agricultura, há cerca de 10 mil anos. O problema é que grãos em geral são
culturas anuais, não perenes, e não são efcientemente produzidos em sistemas
agroforestais. Este impasse sugere que a transição para um estilo de vida
sustentável deve contemplar uma mudança nos hábitos alimentares, afastando-se
dos cereais e aumentando a importância de alimentos de espécies perenes, de
fácil produção agroforestal. Porém, isso talvez não seja possívvel ou viável em
todas as partes do mundo onde há humanos. Além disso, há que se considerar o
fato que mudanças grandes de paradigma, inclusive relacionado a hábitos
alimentares, levam tempo e requerem todo um processo de transição. Isso tudo
signifca que temos que ter também opções de práticas agrívcolas tão sustentáveis
quanto possívvel para a produção de grãos, e também hortaliças. Essas técnicas,
amplamente empregadas na agricultura orgânica e também na permacultura,
serão descritas a seguir.
Plantio direto
Chama-se de plantio direto a prática de plantio que dispensa o
revolvimento sistemático do solo (aração e gradagem) caracterívstico da
agricultura convencional. Com isso, evita-se a destruição da estrutura do solo,
evitando-se portanto a erosão, perda de matéria orgânica, preservando-se sua
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Rotação de culturas
Rotação de culturas signifca a alternação de culturas diferentes em um
dado local, ao invés de plantar sempre as mesmas coisas nos mesmos lugares. O
cultivo rotacionado traz duas vantagens principais:
• Preservação da fertilidade. Cada espécie vegetal utiliza com mais
intensidade um certo conjunto de nutrientes. Se você ocupa uma certa área
repetidamente com a mesma espécie vegetal (monocultura), acontecem
duas coisas: os nutrientes mais intensamente utilizados são depletados por
sua extração, e os demais nutrientes vão se perdendo por lixiviação, por
não estarem sendo utilizados e, portanto, retidos na biomassa. Ao alternar
culturas diferentes, evitam-se parcialmente esses efeitos. levando a uma
maior conservação dos nutrientes no solo.
• Redução na ocorrência de doenças e pragas. Nas monoculturas, a grande
densidade e repetitividade das mesmas espécies criam condições ideais
para a proliferação, propagação e perpetuação de agentes patogênicos
(fungos, vívrus, bactérias) e pragas (insetos, moluscos, etc.), que terão um
suprimento farto e contívnuo de seus alvos preferidos. Com a alternação de
culturas, quebra-se essa continuidade e, consequentemente, esses ciclos de
transmissão, e portanto você terá plantações mais saudáveis.
Plantio consorciado
O plantio consorciado consiste em cultivar duas ou mais espécies juntas, ou
seja, em grande proximidade, na mesma área e ao mesmo tempo. Um exemplo
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Adubação orgânica
Adubação orgânica signifca adicionar restos orgânicos ao solo para lhe
fornecer nutrientes. Na verdade, isso signifca fechar o ciclo dos nutrientes — o
que veio do solo deve voltar ao solo. Com isso, estamos não apenas adicionando
nutrientes, mas o estamos fazendo da forma mais estável possívvel, na forma de
matéria orgânica, ou seja, biomassa, encorajando sua atividade biológica, o que
garante que os nutrientes sejam fxados e continuamente reciclados no local, de
forma natural.
Os principais adubos orgânicos são resívduos de origem animal,
especialmente estrume, mas também outros produtos como penas, cascas de
ovos, conchas de moluscos, guano, etc., e composto orgânico, proveniente da
compostagem de lixo orgânico. Na verdade, alguns desses adubos, especialmente
estrumes animais, são universalmente utilizados, tanto pela agricultura orgânica
como pela industrial, já que seu valor como fertilizante é amplamente
reconhecido. Isso faz com que eles raramente sejam desperdiçados, e em muitas
situações são comercializados, adquirindo o status de commodities.
Os adubos orgânicos incluem ainda os excrementos humanos, seja na forma
de lodo de esgoto tratado, seja na forma de composto orgânico proveniente de
banheiros secos. Esse assunto será discutido em detalhes no capívtulo 11,
“Saneamento Ecológico”.
Adubação verde
Chama-se de adubação verde a prática de plantio consorciado de suas
plantações com diversas espécies de leguminosas, para que essas enriqueçam
nutricionalmente o solo com nitrogênio.
O nitrogênio é um dos principais macronutrientes necessários ao
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Muito dano já foi feito, pois, conforme visto na Parte I, cerca de 80% dos
solos agrívcolas do mundo já estão degradados, e a cada dia a situação fca pior.
Portanto, faz parte da missão da permacultura atuar na restauração dos solos
degradados, ajudando na recuperação dos ecossistemas e garantindo que haverá
comida no futuro.
Para tanto, adotar as práticas descritas acima é imprescindívvel; porém, isso
só não será sufciente, pois trata-se de medidas preventivas, sendo necessárias
também medidas complementares de caráter curativo.
A recuperação da fertilidade do solo e dos ecossistemas em geral ocorre
naturalmente, mas ao longo de enormes perívodos de tempo, que vão de séculos a
milênios. Por isso, temos que empregar todas as técnicas disponívveis para
favorecer esse processo, para que ocorra no menor tempo possívvel. Além disso,
num cenário de exaustão de nutrientes do solo, quer in situ, quer nas reservas de
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Sequência natural
Dá se o nome de agricultura de sequência natural a práticas agrívcolas e de
manejo do solo, águas e meio ambiente em geral em que se imitam as sequências
de eventos que ocorrem no processo de regeneração natural de ecossistemas e
paisagens, tomando-se medidas para preservar e estimular esses processos para
que a regeneração ocorra no menor tempo possívvel, e que ao mesmo tempo se
consiga extrair a maior produtividade possívvel da área, de forma natural.
A agricultura de sequência natural emprega todas as técnicas e práticas
descritas até agora: fxação da água no terreno e favorecimento de sua penetração
para evitar erosão e perda de nutrientes, aumentar a hidratação do solo
favorecendo desenvolvimento de biomassa e preenchimento do lençol freático,
revertendo ainda problemas como a salinização do solo (que será discutida mais
adiante), e demais técnicas de preservação da fertilidade, como plantio direto,
cobertura vegetal morta do solo, adubação verde, etc.
Agora, em relação à produção vegetal, as áreas degradadas representam um
enorme desafo, pois os nutrientes não estão lá — foram perdidos, destruívdos,
removidos por anos de práticas agrívcolas insustentáveis. Muitas vezes, adubos
orgânicos não são disponívveis em quantidade sufciente na área, nem podem ser
trazidos de fora de forma economicamente viável ou ambientalmente
responsável. Mesmo a adubação verde nesses casos fca inviabilizada, por dois
motivos: primeiro porque as leguminosas fornecem nitrogênio apenas — elas
não produzem outros nutrientes e, portanto, poderiam resolver apenas parte do
problema. Além disso, elas também são plantas, que requerem nutrientes e um
ambiente propívcio para se desenvolverem. Em um solo severamente degradado,
sem nutrientes, ressecado, salinizado, etc., as espécies de leguminosas
comumente utilizadas em adubação verde também não crescerão, e portanto elas
sozinhas não poderão ajudar em nada.
A agricultura de sequência natural parte da observação de como a
regeneração ocorre na natureza. Geralmente, mesmo em áreas severamente
degradadas, alguma vegetação ainda consegue sobreviver e se desenvolver. São
as espécies pioneiras, que são extremamente rústicas e adaptadas a adversidades
como falta d’água, insolação intensa, solos pobres e ácidos ou salinos, etc. Se
uma área degradada é abandonada, essas espécies são as primeiras a se instalar,
e começam o longo trabalho de melhorar as condições do local, fxando os
nutrientes do solo, favorecendo a penetração de água, fornecendo sombreamento
parcial, fomentando a fauna, etc., tornando-o mais propívcio para outras espécies
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
— as secundárias — que são um pouco mais exigentes e sensívveis, mas uma vez
instaladas passarão também a agir, favorecendo outras espécies, e assim
progressivamente até a restauração da área a um nívvel semelhante ao original.
Na agricultura de sequência natural, procuramos focar sempre nessas
espécies que são adaptadas e portanto conseguem sobreviver e produzir no local.
As espécies espontâneas são valorizadas e encorajadas, e outras espécies com
potencial de serem úteis também são tentativamente introduzidas, visando obter
o máximo de cobertura vegetal e atividade biológica possívvel na área, atuando na
sua restauração.
Agora, pelos princívpios da permacultura, devemos obter um rendimento.
Por isso, sempre que possívvel, temos que introduzir espécies pioneiras que
produzam algo de interesse para nós, humanos, sejam alimentos, fbras,
madeiras, etc. que possamos utilizar ou vender para obter alguma renda tão logo
quanto possívvel, viabilizando assim nossa própria sobrevivência e o trabalho de
restauração da área. Conforme o processo de restauração evolui, podemos
passar a utilizar espécies cada vez mais produtivas e exigentes.
Uma questão importante é que, em uma área degradada, os recursos são
poucos e estão diluívdos, espalhados em uma larga área. Quando não for possívvel
aumentar esses recursos rapidamente através de sua importação (discutida a
seguir), é imprescindívvel que se concentrem os recursos para que se tenha
sucesso. Ou seja, ao invés de plantar coisas espalhadas por todo o terreno, você
deve criar focos, núcleos onde os recursos serão concentrados, possibilitando o
crescimento vegetal, a atividade biológica e a produção. O primeiro recurso a ser
concentrado é a água, com o uso das técnicas já descritas, como barreiras em
curvas de nívvel ou, principalmente, as bacias em meia-lua. Ao concentrar a água
da chuva na bacia, você terá ali uma umidade acima da média no terreno,
favorecendo o desenvolvimento vegetal. Além de água, essas estruturas
acumularão também matéria orgânica, nutrientes, sementes, detritos que servirão
de cobertura de solo, etc., dando as melhores condições possívveis para a
produção.
O melhor é fazer bacias amplas e rasas, com braços de captação longos que
captem chuva de uma grande seção do relevo e a infltrem em uma área que
comporte não apenas uma, mas algumas árvores — uma pequena moita. Isso
porque as plantas, ervas, arbustos e árvores, também se benefciam mutuamente
da proximidade umas com as outras — elas fornecem alguma sombra, evitando
o calor e evapotranspiração excessiva; mais plantas também mantêm o solo
melhor coberto, preservando melhor a umidade. Uma moita de plantas fornece
uma barreira contra o vento, etc., ou seja, também as plantas, unidas são mais
fortes!
A partir do estabelecimento consolidado da vegetação em um certo núcleo,
ele passa a ser capaz de se manter e tende a ir naturalmente se expandindo — as
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Importação de recursos
Nos casos de defciência leve a moderada de nutrientes no solo, pode ser
possívvel ter uma produção substancial apenas utilizando as estratégias acima
descritas. Porém, em casos de degradação mais severa do solo, essas técnicas,
mesmo em conjunto, podem ser insufcientes para se ter qualquer produção em
um prazo razoável, inviabilizando seu projeto.
Uma das formas de saber a condição do seu solo é fazendo uma análise
laboratorial para determinar o teor de matéria orgânica, acidez e nívveis dos
principais nutrientes. Mas você não precisa fazer uma análise de solo de cara. O
problema de se partir logo de inívcio para uma análise do solo é que, tipicamente,
essas análises, sua interpretação e recomendações são feitas ou coordenadas por
agrônomos e outros técnicos que estão inseridos no paradigma da agricultura
industrial. Quando você faz uma análise, quase invariavelmente eles
recomendarão a aplicação em larga escala de adubos quívmicos, pois isso é o que
eles fazem. Porém, em muitas situações, isso pode não ser necessário, e você
poderia perfeitamente alcançar uma boa produção e recuperação da área
utilizando apenas técnicas naturais e orgânicas. Portanto, o mais indicado é
seguir os princívpios da permacultura: usar soluções pequenas e lentas, captar e
utilizar recursos naturais disponívveis e, enfm, utilizar tecnologias
apropriadamente, o que pode, sim, em muitos casos, incluir o emprego de
fertilizantes minerais.
Comece observando o que já está crescendo no seu local, pois isso dará
uma indicação da qualidade do solo. Pergunte aos vizinhos, antigos donos ou
moradores, pessoas que conheçam bem o terreno e a região, para obter
informações sobre o histórico de produção do terreno: o que era produzido, e
com que difculdade? O que não se conseguia produzir? Essas informações te
darão um bom ponto de partida na tomada de decisões.
Agora, será essencial você fazer seus próprios experimentos. Plante de tudo
que você quer, e veja o que acontece. Será que vai crescer bem? Se crescer bem,
ótimo. Caso o desempenho de suas plantas esteja abaixo do esperado, você terá
que ir tentando coisas diferentes, mudar isso ou aquilo: plantar em locais
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Também aqui, assim como na zona tropical úmida, você tem uma grande
diferença entre terrenos férteis e degradados, e da mesma maneira, os férteis
devem ser preservados, e os degradados, recuperados. O desmatamento é, via
de regra, o fator desencadeador do processo de degradação, então a solução
passa necessariamente pelo reforestamento ou, de um ponto de vista mais
prático, o estabelecimento de agroforestas, para restaurar o equilívbrio da área.
Porém, como fazer para que as suas mudas sobrevivam, e cresçam e se
tornem árvores em condições tão adversas, de escassez hívdrica e um ambiente
particularmente hostil? Aqui, mais que em qualquer outro lugar, é necessário
empregar uma estratégia de concentração de recursos.
Focos
Conforme já discutimos acima, na agricultura de sequência natural, em
uma área difívcil ou severamente degradada não devemos tentar restaurar uma
grande extensão de uma vez, mas sim estabelecer núcleos ou focos com várias
plantas dispostas em proximidade, onde concentraremos nossas atenções e
esforços, e também os recursos. Isso é particularmente importante no caso de
climas áridos e semiáridos. É importante ressaltar que uma árvore sozinha não
será capaz de recuperar a pequena área que ocupa; mas, ao se criar um foco
mais amplo, com uma área maior, talvez de uns 10 metros de diâmetro, essa
área passa a ser gradualmente recuperada. A disposição das plantas em
proximidade nos focos ainda é importante para que elas se ajudem
mutuamente, aumentando a taxa de sobrevivência das plantas e a velocidade do
estabelecimento da vegetação naquele foco.
Água
Como aqui você tem uma estação chuvosa muito curta, com um volume
anual pequeno, e uma estação seca muito prolongada, é imprescindívvel que
você não meça esforços para captar e armazenar toda a água da chuva que for
possívvel. Isso poderá signifcar um custo substancial, mas valerá muito a pena.
Faça sistemas interligados de lagoas artifciais e grandes cisternas. Cisternas são
mais caras e geralmente têm menor capacidade, mas têm a vantagem que você
não terá perdas de água por evaporação. Um grande volume de água será muito
importante para manter suas plantas hidratadas e saudáveis através da irrigação
durante a estação seca, permitindo um estabelecimento dos núcleos muito mais
rapidamente.
Claro que você não contará apenas com a rega para hidratar o seu solo:
nos núcleos, você terá que usar a técnica da bacia em meia-lua — isso é
essencial. Em um terreno com pouca declividade, você pode fazer o núcleo
todo em apenas uma grande bacia, plana e rasa, e dentro dessa grande bacia,
cada muda de árvore terá também sua pequena bacia particular, para
possibilitar uma rega efciente na estação seca. Agora, em terrenos mais
inclinados, você deverá fazer várias bacias próximas umas das outras,
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Salinização
Áreas semiáridas e áridas são muitas vezes caracterizadas por uma elevada
salinidade, ou seja, alta concentração de sais no solo e águas subterrâneas. Você
pode furar um poço e encontrar água, mas essa água muitas vezes será salobra.
A diferença é que nas áreas de alta pluviosidade o sal é continuamente “lavado”
do solo, sendo levado para fora da área através das nascentes e pelos rios até o
mar, já que não é um nutriente essencial para as plantas e, portanto, não é
especifcamente retido na malha da vida. Já nas regiões com baixo ívndice de
chuvas, esse processo não ocorre com a mesma intensidade, resultando em
nívveis mais elevados de sal no ambiente.
O problema da salinidade é muito mais comum em planívcies baixas.
Nessas áreas, a topografa plana não favorece a drenagem de água através de
nascentes e rios, como ocorre nas topografas acidentadas, ou seja, você tem
uma certa estagnação da água no local. Sendo assim, aquele processo de
lavagem contívnua dos sais para fora da área não ocorre de forma efciente,
resultando em sua acumulação no solo e lençol freático. Além disso,
diferentemente das áreas de topografa acidentada, onde o declive favorece o
escorrimento superfcial da água da chuva, em locais com topografa plana a
água naturalmente penetra no solo com grande efciência, com ou sem
vegetação. Portanto, aqui o lençol freático é preenchido, inevitavelmente.
Então, nessas áreas tipicamente você tem uma combinação de lençol freático
alto e salinidade.
O excesso de sal é tóxico às plantas, mas mesmo assim a zona semiárida
muitas vezes consegue desenvolver uma cobertura vegetal substancial. Isso
porque a própria vegetação atua na regulação da distribuição dos sais no perfl
do solo, impedindo que se concentrem nas camadas mais superfciais onde se
encontram a maior parte das raívzes. Agora, as atividades humanas,
especialmente o desmatamento e agricultura, causam um aumento progressivo
da concentração de sais na camada superfcial do solo, num processo chamado
de salinização, que então começa a comprometer a saúde e potencial produtivo
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Zona 0
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Zona 1
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Miniterraços
permitem o cultivo
em porções íngremes do terreno
Adaptado de: Bill Mollison. Permaculture in humid landscapes. In: Dan Hemenway
(ed.). Permaculture design course series (3. a ed.). Yankee Permaculture. 2001.
Há várias formas de se utilizar a água cinza para irrigação, que podem ser
aplicadas isoladamente ou em conjunto. Um sistema simples de ferti-irrigação
passiva consiste em se fazer um dreno em desnívvel, com uma caívda de cerca de
2%, percorrendo o terreno abaixo da casa em zigue-zague. Você pode
simplesmente plantar suas hortaliças em ambas as margens desse dreno — elas
se manterão sempre irrigadas e fertilizadas pela água cinza, sem encharcar. O
dreno deve ser limpo regularmente para remoção de excesso de matéria
orgânica, e esse material pode ser compostado, retornando depois como adubo
para a própria horta.
Outra técnica é passar a água cinza por um fltro simples — um tambor
cheio de serragem, por exemplo — e depois armazená-la em um tanque para
uso em irrigação no momento desejado. O tanque deve ser esvaziado todos os
dias (toda a água sendo usada na irrigação) e lavado regularmente, pois o
acúmulo prolongado pode causar mau cheiro. A serragem do fltro, quando
saturada de matéria orgânica, deve ser compostada e substituívda por serragem
nova. Para evitar a proliferação de moscas, cubra a boca do fltro com uma tela
de nylon (tipo “sombrite”).
Informações sobre técnicas de produção de hortaliças são facilmente
encontradas em livros de agricultura e horticultura orgânica. Porém, esses livros
costumam ser “contaminados” com o paradigma da agricultura convencional,
em que “um canteiro de alface é um canteiro de alface” e “um canteiro de
tomates é um canteiro de tomates”. Esse tipo de abordagem, embora
consagrado pela prática, signifca que você terá várias pequenas monoculturas,
lado a lado, e que a cada ciclo o canteiro terá que ser totalmente reformado. Em
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Zona 2
A zona dois é aquela que não está debaixo do seu nariz e ao alcance da sua
mão o tempo todo — talvez você tenha que desviar do seu caminho algumas
dezenas de passos para alcançá-la. Aqui, você terá basicamente o seu pomar,
algumas plantações anuais mais exigentes e seus animais. Normalmente, a zona
dois também estará próxima o sufciente para permitir o uso de água cinza para
irrigação. Claro que o tamanho da zona um e da zona dois, e de fato todas as
zonas, vai variar de acordo com as prioridades de cada permacultor, além de
outros fatores, como o tamanho da área total, número de pessoas, objetivo
principal, etc. Se seu foco for a produção de verduras, talvez não sobre água
cinza para o pomar, pois ela será toda usada na zona um.
O pomar, assim como a horta, deve ser feito em uma abordagem de
“agroforesta”, ou seja, várias espécies misturadas, de forma integrada,
potencializando as interações positivas entre as plantas, aumentando a
densidade vegetal, aumentando portanto a biomassa e a biodiversidade.
Posicione as espécies de forma que elas não se atrapalhem — não plante um
arbusto que precisa de sol, como um pé de acerola, muito próximo e na sombra
de uma árvore frondosa, como uma mangueira. Você deve conhecer as
caracterívsticas e necessidades de cada espécie para ser capaz de posicioná-las de
forma habilidosa e efciente, levando em consideração também a topografa do
local, direção do sol, etc. Um pomar assim estabelecido tem alta produtividade
devido ao adensamento, que se traduz em alta efciência no uso do espaço, e por
sua diversidade e harmonia é algo lindo de se ver. Também é muito agradável
de se trabalhar, pois sempre haverá uma sombra.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Arbustivas e arbóreas
pequenas no talude
Anuais no platô
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Zona 3
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
proximidade e interação com outras plantas. Aqui, vale lembrar o conceito das
plantas companheiras — plantas que, quando postas em proximidade, ajudam-
se mutuamente, ou seja, têm uma interação benéfca, seja por fornecerem
sombreamento parcial, ou por fxarem nitrogênio no solo (caso das
leguminosas), ou por repelirem insetos ou atraívrem predadores de pragas, etc.
Esses são mecanismos simples e conhecidos de interações positivas entre
plantas, mas pode haver outras formas de interações benéfcas, como por
exemplo interações hormonais ou através de substâncias do metabolismo
secundário. Essas interações harmônicas são chave para a máxima biomassa e
biodiversidade, e a perfeita integração observada em uma foresta. Portanto,
para o estabelecimento de uma agroforesta, é fundamental aplicarmos os
princívpios da permacultura, levando em consideração os tipos de relações entre
os diversos elementos, favorecendo as relações benéfcas e evitando as relações
negativas para obter o máximo de integração e autorregulação do sistema como
um todo.
Na zona 3 você terá sua agroforesta manejada — podas, adubação e
talvez até irrigação para máxima produtividade. Aqui também fcarão alguns
dos seus animais.
Solo
Quanto às condições do solo, particularmente em relação à fertilidade,
você tem basicamente dois cenários possívveis: área degradada e área fértil
(claro que esse são os dois extremos, e seu caso pode estar em qualquer ponto
intermediário). No caso de solo degradado, maltratado pela agricultura e sem
fertilidade, ressecado e compactado, com baixívssima matéria orgânica, você
terá que aplicar todas as técnicas já discutidas, e terá que trabalhar duro para
que suas árvores cresçam. Já no caso de um terreno fértil, é praticamente só
plantar que cresce, mas você terá que controlar a vegetação espontânea para que
ela não abafe suas mudas. Portanto, procurar um terreno mais fértil pode ser
muito tentador. Porém, o ideal é justamente o contrário: focar em terrenos
degradados, de forma que você possa usar a permacultura para recuperá-los,
efetivamente prestando uma relevante contribuição para o meio ambiente.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Se você fzer uma pesquisa sobre técnicas para plantar uma agroforesta,
fcará surpreso com a quantidade de informações diferentes e confitantes que
encontrará. Há quem recomende o plantio direto por sementes, enquanto outros
recomendam o plantio por mudas; mesmo assim, há divergências entre o que é
melhor: mudas pequenas em tubetes, ou mudas maiores, em sacos de 600 ml,
por exemplo. Também as recomendações em relação ao preparo do solo, ou o
número e disposição das espécies, varia enormemente entre diferentes autores.
A única conclusão que podemos tirar disso é que há várias abordagens
possívveis, e que a melhor abordagem dependerá das suas condições especívfcas,
devendo ser determinada, em cada caso particular, baseado em experimentação,
ou seja, tentativa e erro com as diversas opções possívveis.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Coletando sementes
Para estabelecer uma agroforesta, você precisará de muitas sementes e/ou
mudas. Isso pode representar um custo substancial, mas também pode ter custo
virtualmente zero. Para isso, basta você incorporar ao seu estilo de vida o lindo
hábito de plantar as sementes das frutas que você consome, produzindo suas
próprias mudas! Também para as espécies forestais, você pode coletar suas
próprias sementes e produzir suas próprias mudas. Para isso, você precisa saber
quais são as espécies de árvores da sua região, ser capaz de identifcá-las, e sair
à caça de sementes. Pode parecer uma tarefa muito difívcil, mas há uma maneira
de torná-la bem mais fácil. Siga os seguintes passos:
1. Faça uma boa pesquisa e elabore uma lista de espécies de árvores da sua
região. Você deve consultar a internet, livros especializados (a série
“Árvores Brasileiras”, de Harri Lorenzi, é um recurso excelente), e
perguntar para moradores antigos da área. Pessoas mais antigas,
especialmente as da zona rural, muitas vezes têm um conhecimento
considerável sobre a fora e fauna locais.
2. Elabore um calendário com as épocas de foração e frutifcação das
espécies da sua lista.
3. Cultive o hábito de andar sempre prestando atenção nas árvores, focando
naquelas que estão com fores ou frutos. Procure identifcá-las, tomando
por base o mês do ano em que elas estão foridas ou com frutos. Por
exemplo, você encontrou uma árvore que está dando sementes, e você está
no mês de outubro. Portanto, para identifcá-la, você não terá que
consultar toda a sua lista de espécies, mas sim apenas aquelas que,
conforme seu calendário, frutifcam em outubro. Isso facilita
enormemente a identifcação, e favorece a construção de um bom
conhecimento das espécies e seus ciclos — um aprendizado lindo e muito
importante! Use esse conhecimento para atualizar sua lista de época de
foração e frutifcação, pois pode haver variações regionais.
Você não deve sair coletando sementes e plantando-as indistintamente em
seu terreno, ou produzindo mudas adoidado. O mais recomendado é você
estabelecer critérios de seleção das espécies a serem utilizadas, para maximizar
a efciência do seu trabalho na consecução dos seus objetivos. Trataremos
desses critérios mais adiante. Claro que você também pode reservar parte do
seu esforço e tempo para um plantio aleatório, pois o fator acaso muitas vezes
traz surpresas maravilhosas.
Produzir suas próprias mudas a partir de sementes das frutas que você
comeu, ou sementes que você mesmo coletou em suas expedições a matas ou
bosques, ou mesmo nas praças, parques e ruas da cidade — isso representa
muito mais do que economia de dinheiro. Trata-se de um aprendizado
importantívssimo, e seu relacionamento com suas plantas terá um signifcado
muito mais profundo.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Produzindo mudas
Produzir mudas é a coisa mais simples do mundo: junte todas as caixinhas
de leite e sacos plásticos resistentes, como os de feijão, arroz, açúcar, etc., que
tenham capacidade entre 0,5 e 5 kg. Peça para amigos e parentes guardarem
para você, também, pois você vai precisar de bastante. Com uma tesoura faça
dois buracos de cerca de 1 cm no fundo dos sacos, encha-os de terra e plante as
sementes próximo à superfívcie. Quanto à profundidade de plantio, como regra
geral, plante a semente a uma profundidade de aproximadamente 1,5 vezes o
tamanho da semente (por exemplo, uma semente de 1 cm deve ser plantada a
cerca de 1,5 cm de profundidade). Mantenha os blocos (ou seja, seus sacos com
terra e semente ou muda) em local parcialmente sombreado, e regue conforme
necessário, para que permaneçam sempre úmidos, mas não encharcados. Logo,
suas sementes germinarão, e você terá suas mudas!
A taxa de germinação e o tempo para que ocorra variam muito entre as
espécies e as condições do seu local, mas é preciso ter paciência, pois algumas
sementes podem levar meses para germinar.
Outra abordagem útil é fazer uma sementeira: um canto no seu jardim, ou
uma caixa baixa feita de madeira e cheia de terra, onde você planta todas as
sementes que quer, e vai regando e esperando germinarem. Então, você as retira
cuidadosamente e transplanta para os saquinhos. Esta abordagem é mais
indicada para espécies com taxa de germinação baixa, muito lenta ou
desconhecida.
Agora, a terra a ser usada para fazer seus blocos ou sementeiras pode ser
preparada com solo superfcial do seu terreno, misturada a composto orgânico
na proporção de 2:1, ou seja, duas partes de terra para uma de composto.
Mudas requerem atenção diária, especialmente em locais e épocas de
clima quente e seco, quando elas tem que ser regadas diariamente. Por isso, o
viveiro deve ser feito na zona um, bem próximo à casa. Se você ainda mora na
cidade, é melhor ter o viveiro lá, no quintal, garagem ou varanda, onde for
melhor, desde que receba sol sufciente.
Agora, há uma consideração a ser feita quando você prepara suas próprias
mudas. Algumas espécies apresentam grande variabilidade da qualidade dos
frutos, como laranjas e uvas, por exemplo: você planta a semente de uma fruta
que gostou, mas a árvore que você obtém pode ter frutos de qualidade muito
diferente. Isso é normalmente evitado pelo cultivo de plantas enxertadas. A
técnica da enxertia consiste de se unir um galho (enxerto) de uma planta no
tronco de outra planta (o porta-enxerto). Os tecidos do enxerto e porta-enxerto
fundem-se, e o enxerto passa a crescer usando o porta-enxerto como base,
suporte e fonte de nutrição. O galho usado para enxerto é proveniente de uma
planta conhecida, e selecionada devido às qualidades desejáveis de seus frutos,
enquanto o porta-enxerto é uma muda compatívvel (geralmente da mesma
espécie ou gênero) que seja de fácil produção e alta rusticidade. A planta
enxertada produzirá frutos semelhantes aos da árvore-mãe do enxerto. As
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Técnicas de plantio
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Época de plantio
Cuidados
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vezes isso não ocorre na prática, e os motivos para essa aparente contradição
são geralmente desconhecidos. Muitas vezes, espécies originárias de outros
ecossistemas substancialmente longívnquos e diversos têm maior sucesso que as
nativas da própria área. Por isso, o ideal é começar de forma bastante ampla,
usando a maior variedade possívvel de espécies, e ir vendo quais dão mais certo,
para depois focar nessas espécies. As espécies que não derem bom resultado,
você pode abandonar, ou insistir de novo mais tarde, tentando abordagens
diferentes, a seu critério. Mas, quanto maior a sua base (número de espécies
tentadas), mais opções você terá, e maiores suas chances de sucesso.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Formigas cortadeiras
Quando você for fazer uma agroforesta, você terá que fazer algo a
respeito das formigas cortadeiras — saúvas e quenquéns. Acredito que isso vale
para qualquer parte do Brasil, e possivelmente qualquer parte da América
tropical, exceto talvez em grandes altitudes.
As formigas cortadeiras formam colônias imensas, com milhões de
indivívduos. Seus ninhos são gigantescos, com até 200 m 2 de área, e atingindo
profundidades de até 8 metros. Elas têm um apetite insaciável por plantas. Na
verdade, elas não comem as plantas, e sim levam para a colônia, onde usam essa
matéria vegetal para cultivar um fungo especívfco, do qual se alimentam.
Quando saem para forragear, saem aos milhares. Por onde passam,
formam caminhos que são verdadeiras estradas de formigas! Elas escolhem
uma planta, e cobrem essa planta de formigas enormes e vorazes. Vão cortando
e carregando os pedaços das folhas, e só param depois de desfolhar
completamente a pobre vívtima. Você chega, e encontra só o talinho, todo roívdo.
Seu efeito sobre hortaliças e mudas de árvores é simplesmente devastador. Em
um viveiro, podem destruir dezenas de mudas da noite para o dia.
Se você fzer uma pesquisa, encontrará várias propostas de técnicas para o
controle natural das formigas cortadeiras. Porém, infelizmente, na prática todas
deixam muito a deseja, em termos de efciência. Por isso, ao invés de tentar
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1 2
Recorte
Aplique vaselina
4
3
Grampeie Pronto!
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Animais na agrofloresta
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Abelhas
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Além das abelhas da espécie Apis mellifera, que são as mais comumente
criadas ao redor do mundo, deve-se olhar também com carinho para a criação
das inúmeras espécies de abelhas nativas do continente americano (e também
África e Oceania), especialmente as da tribo Meliponini, conhecidas
vulgarmente como abelhas sem ferrão, grupo que inclui as jataívs, mandaçaias,
uruçus, jandaívras e manduris, entre outras.
Embora a produção de mel seja substancialmente menor que das abelhas
do gênero Apis, a criação dessas espécies de abelhas é revestida de um
signifcado muito especial, pois representa um esforço de preservação dessas
espécies tão lindas e tão ameaçadas pela destruição de seu habitat natural e
poluição agrívcola por agrotóxicos. A preservação dessas espécies também
representa a preservação de inúmeras espécies de plantas que são polinizadas
efcientemente somente por elas, e portanto de todos os organismos que delas
dependem, ou seja, uma enorme parte dos ecossistemas. Além disso, a criação
de abelhas sem ferrão (ou meliponicultura) tem profundas raívzes históricas e
culturais, sendo praticada há milênios pelos maias, por exemplo. Trata-se ainda
de uma atividade extremamente recompensadora e prazerosa, que felizmente
ganha adeptos apaixonados a cada dia. A criação de abelhas sem ferrão é
considerada simples (o fato de elas não picarem também ajuda bastante) e
acessívvel, e pode ser realizada praticamente em qualquer lugar, desde uma mata
fechada até mesmo na varanda de sua casa, e mesmo nas cidades. E para
melhorar ainda mais, há uma boa fartura de literatura e materiais didáticos e
técnicos sobre o assunto disponívveis gratuitamente na internet.
Aquacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Os restos orgânicos atrairão moscas, que ali depositarão seus ovos. Em poucos
dias, você terá uma infnidade de larvas, que podem ser lançadas à lagoa para
alimentar os peixes (podendo ser fornecidas também a galinhas e outras aves).
Após a colheita das larvas, os restos orgânicos e chorume devem ser
adicionados à composteira, e o larvário lavado para ser novamente utilizado. Os
larvários devem sempre contar com uma cobertura, para evitar entrada de água
da chuva ou calor excessivo e desidratação pela ação do sol. A manutenção de
umidade adequada é importante, pois permitirá o desenvolvimento máximo das
larvas que consumirão a matéria orgânica rapidamente. A colheita de larvas
normalmente se dá quatro dias após adição do material orgânico.
Zona 4
A zona quatro já é uma área onde você raramente vai. Ela pode ser uma
agroforesta mais extensiva, sem podas, adubação ou irrigação, sendo mais
viável portanto para espécies menos exigentes, mais rústicas ou adaptadas, além
é claro das nativas espontâneas. É uma zona ideal também para plantar espécies
madeireiras para uso no futuro.
Por ser mais distante, menos manejada, o estabelecimento da zona quatro
tende a ser mais demorado. Aqui, você pode focar nas técnicas de plantio mais
simplifcadas; aplicará as técnicas adequadas de retenção de umidade, ou seja,
bacia e cobertura vegetal, somente nas fases iniciais de estabelecimento.
Geralmente, irrigação não é viável na zona quatro. Por isso, deve-se
procurar plantar somente na primeira metade da estação chuvosa. Assim, você
terá uma boa taxa de germinação de suas sementes, e com sorte a maioria de
suas mudas conseguirão se desenvolver e enraizar sufcientemente para
sobreviver ao perívodo seco subsequente.
Devido ao fato de ser um sistema bastante extensivo, de baixo manejo,
você pode esperar por uma taxa de perdas considerável. Por isso, não tenha
medo de plantar em excesso, especialmente sementes, que têm baixo custo
(sempre lembrando que sementes e mudas podem ter custo virtualmente zero,
se você coletar suas próprias sementes e produzir suas próprias mudas).
Na fase de estabelecimento de sua agroforesta, que levará alguns anos,
você vai ter que fazer manutenção periódica: controle de plantas indesejáveis,
especialmente capins, para que não abafem suas mudas; refazer as bacias e
reaplicar cobertura vegetal conforme necessário, replantar para substituir as
mudas que morreram e, muito importante, proteger suas mudas do ataque de
formigas cortadeiras com o cone protetor. Depois que a muda atinge uns 3
metros de altura, geralmente já pode ser considerada fora de perigo, e você
pode concentrar seus esforços somente nas menores.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Corredores ecológicos
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
de corredores ecológicos.
Os ecossistemas ao redor do mundo estão sofrendo não apenas por sua
destruição, mas também por sua fragmentação. Não basta que haja áreas com o
ambiente preservado, sendo também de vital importância que essas áreas sejam
conectadas, e não isoladas. Essa conexão é essencial para que haja o fuxo de
animais e plantas (sementes), microrganismos, etc. de uma área para outra.
Quando você tem áreas de natureza preservada mas essas estão isoladas umas
das outras, por exemplo por áreas de pastagens ou estradas largas, ou grandes
cidades, etc., isso traz vários problemas, pois a maioria dos animais são
incapazes de atravessar esses obstáculos, fcando presos, “ilhados” em um
desses bolsões de natureza. Animais que necessitam de vastas áreas, como
grandes felinos, por exemplo, veem-se extremamente prejudicados nessa
situação, pois a “ilha” de natureza onde se encontram talvez não contenha
recursos (e.g. presas) sufcientes, mas teriam sua sobrevivência garantida se
pudessem transitar entre as áreas preservadas, ou seja, se fossem conectadas.
Assim, elas passariam a representar uma grande área que seria, sim, capaz de
sustentar aquela espécie em questão.
Outra questão vital é a do fuxo genético entre as diferentes áreas. Sabe-se
que a diversidade genética é vital para a saúde das populações de animais e
plantas. Quando poucos indivívduos são mantidos isolados dos demais da sua
espécie, o que acaba ocorrendo é o endocruzamento, o que leva a uma alta taxa
de homozigose, trazendo efeitos deletérios à saúde, que em casos extremos
pode levar ao colapso populacional e extinções de espécies. É isso que
comumente ocorre quando você tem áreas naturais isoladas umas das outras,
impedindo o fuxo genético entre elas.
Corredores ecológicos, também chamados corredores de biodiversidade,
são faixas de vegetação preservada que ligam fragmentos forestais (ou de
outros ecossistemas) remanescentes separados pelas atividades humanas
(desmatamento, pastagens, agricultura, cidades, etc.), possibilitando o
deslocamento da fauna entre esses fragmentos e, consequentemente, a dispersão
de sementes, contribuindo portanto para a preservação da diversidade genética
e do ecossistema como um todo.
Perceba que não estamos falando de aumentar a área de preservação
(embora isso também seja muito importante!), mas sim de conectar as
diferentes áreas. Por exemplo, você pode ter 20% de natureza preservada em
uma região, e ter uma redução progressiva na saúde genética desse ecossistema,
e espécies irem desaparecendo ao longo do tempo, porque essas áreas de
natureza preservada estão desconectadas, formando “ilhas”. Se esses mesmos
20% fossem conectados através de corredores ecológicos, você teria uma
estabilidade muito maior do ecossistema, ou seja, um desempenho bem melhor
da função de preservação ambiental.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Isso vale para qualquer região do mundo. Todas as áreas rurais deveriam
contar com áreas de proteção ambiental, conectadas formando corredores
ecológicos. Agora, isso é simples de se fazer: basta que todas as propriedades
rurais disponham suas áreas de preservação nas margens do terreno, mantendo a
vegetação preservada numa faixa ao longo das divisas com outras propriedades.
Assim, essas áreas de preservação das diferentes propriedades se fundem,
formando uma malha que permite o livre fuxo dos animais e da biodiversidade
em geral. Isso acontece automaticamente na permacultura, pelo planejamento
por zonas.
Zona 5
Este é o seu santuário natural, seu maior tributo à natureza. Aqui, faça um
reforestamento com espécies nativas, visando a reconstituição do ecossistema
local. Plante espécies ameaçadas do bioma da sua região. Também plante
espécies frutívferas nativas, para nutrir e encorajar a fauna local.
Quanto ao estabelecimento, é semelhante ao da zona quatro. Após
estabelecida sua zona cinco, esse será um local onde você quase nunca vai —
exceto para meditar quietamente, ou verifcar se não há algum problema. É
importante não perturbar essa área, para não afugentar aquelas espécies muito
sensívveis que simplesmente não toleram a presença humana. Não entre lá para
apanhar lenha — deixe-a apodrecer ali mesmo, como sempre foi na natureza.
Pense na sua zona 5 como uma espécie de “mata virgem do futuro”, que,
com algum otimismo, daqui a alguns séculos ainda estará lá, com algumas das
árvores que você mesmo plantou ainda vivendo lá, assim como descendentes de
outras árvores que você plantou, e outras que vieram sozinhas, em meio a um
ecossistema completo e perfeito, servindo de refúgio e expansão de vida natural
para toda a área ao seu redor.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
Estratégia de transição
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
O foco pode ser apenas uma moradia ecológica, feita com materiais e
técnicas naturais, alta efciência energética, captação de água de chuva e
tratamento sanitário de efuentes, com um limitado esforço em produção de
alimentos; pode ser voltado para produção de alimentos para consumo próprio,
em pequena escala, ou uma produção comercial de alimentos e outros produtos
orgânicos. Um projeto de permacultura pode visar alcançar um estilo de vida
altamente natural, integrado aos ciclos da natureza, autossufciente, ou mesmo
primitivo! Pode ainda ser voltado para a pesquisa, promoção e divulgação da
permacultura, ou seja, um centro de permacultura, etc. É bom que esses
objetivos já estejam estipulados desde o inívcio do planejamento do projeto, para
melhor guiar as estratégias e esforços em seu estabelecimento. Mas claro que
nada impede uma mudança de foco no decorrer do desenvolvimento do projeto.
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situações como estudo, trabalho etc. Esse tipo de oportunidade pode ser útil para
pôr em prática os princívpios da permacultura, adquirir experiência, etc. Mas é
importante ter em mente que se trata de um projeto provisório, e não fazer
grandes investimentos ou criar expectativas de longo prazo, pois a qualquer
momento o dono tomará o terreno de volta e destruirá tudo o que você estava
fazendo ali. Isso é muito comum. Portanto, aceite a oportunidade, se quiser, mas
não se apegue ao terreno que não é seu! Essa mesma recomendação se aplica
também a projetos de permacultura urbana, como veremos mais adiante no
capívtulo 13.
Infelizmente, fnanciamentos ou empréstimos geralmente não são
disponívveis a pessoas interessadas em iniciar projetos de permacultura.
Financiamentos para comprar terras agrívcolas em geral são bastante restritos e
não acessívveis a pessoas que ainda não tem terras nem são agricultores. Além
disso, tais fnanciamentos, quando existentes, obrigam o contratante a seguir
recomendações técnicas impostas pelo banco, que na prática impedem a
aplicação dos princívpios da permacultura, pois são ditadas pela agricultura
convencional.
Além do mais, não é uma boa ideia se endividar para iniciar um projeto de
permacultura. Não que a permacultura não possa dar lucro, mas por se tratar de
um empreendimento de longo prazo e largamente experimental, especialmente
no caso de permacultores iniciantes, não se deve contar com lucros a curto e
médio prazo. A pressão de uma dívvida, e especialmente dos juros, pode
signifcar um fm triste para um projeto que quer nascer.
Por tudo isso, a forma mais segura e mais indicada de se aquirir terra para
iniciar um projeto de permacultura é com recursos próprios. Eu sei que pode
soar desanimador, mas caso ainda não se disponha dos recursos, vale a pena se
segurar no emprego por mais um tempo, ou arrumar um emprego caso já não
tenha um, e economizar ao máximo para poder juntar o dinheiro necessário, no
mais curto prazo possívvel. Essa “espera” não é necessariamente uma coisa ruim:
esse perívodo deve ser utilizado para que o aspirante a permacultor obtenha o
máximo de informações possívvel sobre a permacultura, leia livros, veja vívdeos,
participe de fóruns... adquira experiência prática realizando trabalhos voluntários
aos fnais de semana e férias, procure cuidadosamente por um local, conhecendo
todas as opções de regiões e terrenos, etc. Enquanto faz isso tudo, o permacultor
deverá planejar cuidadosamente seu projeto, agregando os conceitos que são
aprendidos, e as caracterívsticas dos terrenos visitados, etc. Tudo isso leva tempo
para amadurecer! Sendo assim, não há qualquer lugar para imediatismo.
Inclusive, caso o aspirante julgue que não tem condições de ter uma renda
sufciente para levantar os recursos para aquisição de um terreno, por exemplo
por não ter uma profssão, então ele deve focar inicialmente em adquirir uma
qualifcação que o habilite a tal. Até porque, como veremos a seguir, a
necessidade de recursos fnanceiros não cessa com a compra do terreno! É
necessário ter paciência, o que é muito diferente de acomodação; toda conquista
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Na maioria dos casos, especialmente se você vai se mudar para outra área
ou mudar de atividade econômica, é impossívvel ter certeza que seu plano
funcionará. Talvez não haja demanda para o produto que você deseja vender ou
serviço que pretende prestar, ou talvez os custos e difculdades sejam maiores
que o esperado, etc. Por isso, é importante ter não apenas um plano, mas
considerar várias opções, ou seja, uma opção principal ou plano A, e opções
alternativas, planos B, C, etc., para te dar mais chances de sucesso. É vital que
você tenha tudo isso pensado, planejado e preparado com antecedência, e não
deixar para “se virar na hora”, caso seu plano dê errado! Isso é muito
importante.
Outra coisa que vale menção é que nem sempre você desejará abandonar
defnitivamente sua profssão ou ocupação econômica e substituív-la totalmente
pela produção de alimentos, por exemplo. Na maioria dos casos, é possívvel
conciliar as duas coisas, ou seja, continuar desempenhando uma atividade que
gosta e faz bem, paralelamente às atividades permaculturais, mesmo depois que
seu projeto estiver pronto e maduro.
196
Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
197
Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
198
Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
A importância do planejamento
199
Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
produção. E não são anos de espera, mas sim anos de trabalho duro, esforço
contívnuo. Portanto, para que você alcance esses resultados, serão necessários,
além do planejamento e dedicação, também doses maciças de paciência e
perseverança.
Aqui, creio que vale a pena abrir um parênteses para elaborar um pouco
sobre a diferença entre paciência e acomodação, pois muitas pessoas se
confundem a esse respeito.
Paciência e acomodação são coisas completamente diferentes. Na
paciência, o indivívduo está se preparando, está caminhando ou construindo seu
caminho para chegar à realidade que deseja, sem imediatismo e sem agir com
precipitação. Já na acomodação, o indivívduo deixa de lutar ou se dedicar àquele
fm, e fca apenas esperando que as coisas aconteçam sozinhas;
consequentemente, acaba estagnado na realidade atual, sem transitar, sem
progredir. Ou seja, paciência é bom e acomodação é ruim. Na verdade,
paciência é essencial para qualquer transformação profunda e sólida, real.
Pessoas que não entendem a importância disso tendem a agir de forma atirada,
precipitada, e achar que isso é atitude. Porém, enganam-se. O indivívduo que age
de forma precipitada, no começo vai parecer que está progredindo mais
rapidamente — enquanto o amigo ainda está estudando, planejando ou
levantando recursos, ele já vendeu seu carro, comprou um terreninho e já está
até bioconstruindo! Porém, esse é o que morrerá na praia, como discutido acima.
O amigo “devagar”, que não teve pressa, se preparou adequadamente e elaborou
uma estratégia sólida, teve resiliência para lidar com imprevistos e coisas que
deram errado, e tenacidade, frmeza em seguir tentando, reavaliando-se,
adaptando-se, aperfeiçoando-se — esse é o que vai ter sucesso em sua mudança
de vida, e colherá os frutos de sua paciência e perseverança.
200
Parte II – A Alternativa da Permacultura 9. Permacultura Rural
seus projetos. Elas poderão ser a sua salvação no futuro, dependendo de como
se derem as mudanças no clima.
• Pico do petróleo. Devemos evitar o uso excessivo de tecnologias
dependentes do petróleo hoje por questões de sustentabilidade ambiental, mas
enquanto esse recurso ainda está ao nosso alcance, quase inevitavelmente
acabamos por usá-lo em diversas situações, pensando no uso apropriado de
tecnologias disponívveis. Porém, é necessário ter sempre em mente que o fm da
era do petróleo deverá trazer grandes mudanças, e devemos estar preparados
para elas. Talvez surjam novas tecnologias que substituam o petróleo, talvez
não. Por isso, é vital que ao projetarmos nossos sistemas e fazer planos para
nossas vidas no futuro, não contemos com o petróleo, e acima de tudo, não
dependamos dele. Valorize e use todas as estratégias possívveis que não
dependam de mecanização e transporte motorizado.
• Crise econômica e colapso das estruturas sociais. Não quero soar
apocalívptico aqui, mas conforme vimos na Parte I, é necessário estar preparado
para o pior. No caso de um colapso da sociedade, quanto menos você depender
da economia, do Estado, das instituições, das tecnologias, etc., melhor. Você
pode estar super bem em seu emprego, ou sua situação de renda no momento,
mas com o colapso econômico, isso poderá simplesmente desaparecer. Por isso,
é sempre muito importante visar um alto grau de autossufciência em seu
projeto. Aproveite a situação atual para fazer sua transição de forma sólida e
segura, use os recursos sociais disponívveis. Mas procure estabelecer sistemas
automantenedores e estáveis, que não necessitarão da importação de recursos e
especialmente recursos tecnológicos no futuro, pois eles poderão não estar mais
disponívveis.
201
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
10
A HABITAÇÃO
PERMACULTURAL
202
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Tamanho
A casa permacultural não deve ser muito grande. Deve ser grande apenas o
sufciente. Casas maiores que o necessário ocupam espaço demais — roubando-
o das demais criaturas da Terra. Também consomem mais recursos para sua
203
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Posição
Área de captação de
água de chuva
Tagoa
art.
Casa Horta
Pomar
204
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Impacto paisagístico
Impacto na topografa
Escadas
Aterro
Muro de
arrimo
205
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Forma
206
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
207
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Verão Inverno
(sombra) (sol = aquecimento)
208
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Durante o dia o sol aquece o solo e, à noite, o solo dissipa essa energia
térmica transferindo-a para a atmosfera, enquanto se esfria. Essa futuação
cívclica na temperatura do solo é máxima na superfívcie e vai diminuindo
exponencialmente em sua amplitude de acordo com a profundidade, devido à
grande inércia térmica do solo. A partir de uma certa profundidade,
normalmente cerca de 2 metros abaixo da superfívcie, a temperatura torna-se
praticamente estável, variando senão poucos graus em relação à temperatura
média anual do local em questão.
Por ser um ambiente protegido, a temperatura do ar dentro da casa
normalmente varia menos que a temperatura externa, mas ainda assim futua
substancialmente ao longo do dia. Agora, a constância da temperatura dos nívveis
mais profundos (porém acessívveis) do solo cria uma ótima oportunidade, tanto
para colher calor (aquecimento em momentos de frio intenso) como para
dissipar calor (refrigeração em momentos de calor intenso).
30
Temperatura (°C)
25
20 Externa
Interna
15 A 2m de profundidade
10
5
0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24
Hora
Gráfco: exemplo ilustrativo de variações na temperatura externa, interna
(dentro da casa), e a 2 metros de profundidade no solo, ao longo do dia.
209
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
210
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
lado que pega o sol da tarde. A água vem da caixa d’água, passa pela espiral
onde é aquecida pelo sol, indo então até o chuveiro e torneiras onde se queira
água quente. Para maior efciência e durabilidade, instala-se uma caixa baixa,
feita de chapa metálica e pintada de preto, cobrindo a espiral e ajustada
perfeitamente às ondulações do telhado. Essa caixa ajudará a aquecer a água e a
manterá aquecida por mais tempo noite a dentro. Além disso, evitará a
deterioração da mangueira pela radiação solar.
Bioconstrução
211
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
signifca que podem ser obtidos a custo reduzido ou virtualmente zero. Também
são materiais ecológicos pois não são oriundos de mineração, dispensam a
queima ou calcinação em altos-fornos, ou mesmo combustívvel para transportes a
longas distâncias, etc. Muitas vezes também são utilizados resívduos da nossa
civilização — materiais como pneus velhos, garrafas usadas, restos da
construção civil convencional, etc., retirando esses materiais do ambiente,
dando-lhes um destino útil.
A bioconstrução utiliza técnicas de construção naturais e fexívveis, que
podem ser realizadas praticamente por qualquer pessoa, dispensando
maquinários ou mão de obra especializada. Isso permite ao permacultor
construir sua própria casa, dando liberdade no design, um enorme senso de
realização e conexão com a casa, além de economia de dinheiro.
A maioria das técnicas utilizadas em bioconstrução são técnicas
tradicionais, muitas vezes étnicas e até primitivas, usadas pela humanidade há
séculos ou milênios. A bioconstrução representa assim um movimento de resgate
desses conhecimentos de diferentes povos de toda parte do mundo. Também são
comuns a fusão ou mesclagem de diferentes técnicas, adaptações e mesmo o
desenvolvimento de técnicas inéditas em bioconstrução.
Outra grande vantagem da bioconstrução é que ela praticamente não gera
entulhos, e seus materiais são recicláveis. Tomemos como exemplo uma velha
casa de pau-a-pique com telhado de sapé que se decide demolir. O sapé do
telhado pode ser usado como cobertura morta de solo, ou como material de
cobertura na composteira; as madeiras ainda boas podem ser reaproveitadas em
novas construções; as defeituosas podem ser usadas como lenha, e as meio
podres como cobertura de solo, ou para fazer composteiras, barreiras contra
erosão, etc. Já o barro das paredes e pedras da base podem ser aproveitados para
fazer novas bioconstruções. Ou seja, nenhum resívduo é produzido! E, mesmo
que você não faça nada, simplesmente deixe a casa desmanchar naturalmente
com o tempo, seus materiais se reintegrarão lentamente com o ambiente, sem
causar qualquer impacto negativo.
Resumidamente, os objetivos e vantagens da bioconstrução são:
• Construir com mívnimo impacto ambiental, poupando recursos naturais e
não produzindo resívduos.
• Alcançar um resultado estético agradável, de simplicidade e rusticidade, em
harmonia com o ambiente natural em volta.
• Favorecer a autoconstrução, ou a possibilidade de construir você mesmo,
com mívnima necessidade de insumos externos ou mão de obra
especializada.
• A possibilidade de construir a um custo muito reduzido, ou em situações
onde materiais de construção convencionais modernos simplesmente não
estejam disponívveis.
212
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
O barro cru não é tão rívgido como o concreto ou tijolos cerâmicos — o que
não é necessariamente uma desvantagem. Para lidar com isso, normalmente
deve-se fazer paredes mais grossas do que se faria normalmente com técnicas de
alvenaria convencional. Assim, o resultado que se tem em bioconstrução são
paredes mais espessas e porosas. Essas paredes apresentam maior massa térmica
e maior isolamento térmico, resultando em melhor conforto térmico — as
temperaturas internas são mais estáveis, variando menos em função das
oscilações externas, comparativamente às casas de alvenaria convencional.
Também apresentam maior respirabilidade. Isso mesmo, paredes que
“respiram”! Por isso, possibilitam mais trocas gasosas, não são propensas à
condensação e não retêm umidade como o concreto. Por tudo isso, essas paredes
não têm a tendência de criar mofo ou ácaros, produzindo ambientes internos
muito mais confortáveis e saudáveis.
213
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Fundação
A fundação deve ser feita de algum material muito denso e resistente para
suportar e distribuir o peso da casa, evitando rachaduras. Pedras, quando
disponívveis, são o material mais indicado para a fundação, pois, além de
preencherem os requisitos acima, são boas isolantes de umidade, ajudando a
proteger as paredes de infltrações por capilaridade. Outra boa opção às vezes
disponívvel é o reaproveitamento de grandes blocos de concreto provenientes de
demolição (colunas e vigas, por exemplo), que podem ser utilizados como se
fossem pedras. Ou então, pode-se fazer uma fundação de concreto convencional,
mas nesse caso é importante utilizar uma barreira de umidade, caso contrário o
concreto transmitirá umidade às paredes.
A importância do acabamento
214
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Técnicas de Bioconstrução
Cob*
O barro
Uma das coisas legais sobre as construções de terra é poder fazer a casa
usando a terra do próprio local onde ela será construívda. Devem ser usados solos
areno-argilosos livres de matéria orgânica (ou seja, excluindo-se a camada de
solo superfcial). A proporção ideal de areia:argila é algo em torno de 2:1 (duas
partes de areia para uma de argila). Porém, essa proporção é bastante fexívvel, e
solos com teor de argila entre 15 e 50% podem ser usados sem problemas. Na
prática, isso signifca que a grande maioria dos solos areno-argilosos são
adequados para construir com cob (assim como as outras técnicas descritas a
seguir).
Deve-se ter o cuidado de obter o barro de forma que não cause impacto
ambiental ou paisagívstico, por exemplo por implicar em desmatamento, ou
propiciar erosão, ou desfgurar a topografa ou a paisagem, etc. A fonte do barro
também deve ser o mais próxima possívvel do local da construção, diminuindo
assim os custos e impactos relativos ao transporte, já que a quantidade de
material para qualquer construção é substancial. Uma opção inteligente é, ao
escavar reservatórios de água, como lagoas, açudes e cisternas, utilizar a terra
* O livro “The Cob Builders Handbook”, de Becky Bee, é leitura obrigatória para quem
deseja se aprofundar nesta técnica de bioconstrução.
215
Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Preparo do barro
Deve-se preparar um local plano e limpo para misturar e amassar o barro,
o mais próximo possívvel do local da construção. Você traz o barro para esse
local, quebra os torrões (se houver) usando uma enxada, adiciona a palha e
outros aditivos (se for o caso) e água, e vai “virando” esse barro com a enxada.
Em seguida, deve-se “amassar” bem o barro com os pés — para muitos, esta é a
parte mais divertida da construção com barro! Pode-se amassar em grupos, e às
vezes se mistura esta tarefa com música e danças improvisadas, tornando-se uma
verdadeira festa!
Misture e amasse o barro, ajustando o teor de água até fcar com uma
consistência relativamente frme, porém plástica. Se estiver muito duro e
esfarelando, é indicativo de falta de água; mas, se estiver muito mole,
escorrendo, é sinal de excesso de água. Acertar no teor de umidade é muito
importante, pois uma massa muito seca não dará boa aderência, e a parede fcará
muito porosa e fraca. Por outro lado, excesso de umidade (consistência de lama)
fará com que a parede, ao secar, rache excessivamente.
Aditivos
Construções perfeitamente boas podem ser feitas apenas com a terra,
conforme descrito acima. Porém, embora não seja estritamente necessário, a
maioria dos bioconstrutores do presente e do passado, em todas as épocas e
regiões do mundo, têm incluívdo aditivos à massa de barro para melhorar suas
caracterívsticas e a qualidade da construção. Os principais aditivos são a palha e
estrume bovino fresco.
• Palha. A adição de palha pode aumentar a resistência da construção e
reduzir sua tendência a rachaduras. Para isso, pode-se ceivar, roçar ou
mesmo arrancar capim, deixá-lo secar ao sol por alguns dias, e depois picá-
lo em pedaços de 3 a 5 cm, usando para isso um facão afado e um bloco
de madeira (ou um triturado de capim, claro, se disponívvel). Adicione essa
palha à massa de barro; você perceberá que a adição de palha deixa a
massa mais seca, fazendo necessária também a adição de mais água para
atingir a consistência ideal para construção. O ideal é usar capins de folhas
fnas, e podem ser usados restos de culturas como arroz e trigo. Evite
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Construindo a parede
Tome porções da massa de barro com ambas as mãos e aplique com um
golpe ágil sobre a base de pedra, formando uma camada de cerca de 10 cm de
altura, e da largura que se pretende dar à parede, por todo o contorno da casa e
também as paredes internas. Estruturas acessórias como sofás, prateleiras,
lareiras, etc. também podem ser construívdas de cob concomitantemente, em uma
estrutura inteiriça com as paredes! Mas isso não é necessário, você também
pode deixar para construir essas coisas depois que a casa estiver pronta.
Ao se aplicar cada “mãozada” de barro, deve-se massagear ligeiramente,
dando tapas, pancadas e pressionando com os dedos para moldar e obter uma
melhor fusão entre os bolos de barro. Terminada a primeira camada, você pode
iniciar uma nova camada sobre ela. Você pode fazer até umas 2 ou 3 camadas
em um dia. Então, é necessário esperar que o cob seque e endureça o sufciente
antes de aplicar mais camadas — geralmente 2 a 3 dias, dependendo da
temperatura e umidade, ocorrência de chuvas, etc. É bom proteger o topo das
paredes de com com uma lona plástica ou fardos de palha, etc. ao fnal do dia de
trabalho, em caso de chuvas. No inívcio de um novo dia de trabalho, enquanto se
prepara a masseira, deve-se molhar o topo da parede de cob algumas vezes, até
que fque bem úmida para possibilitar melhor adesão com a nova camada de
barro.
Os batentes de portas e janelas devem ser instalados preferencialmente
conforme a construção das paredes prossegue. Instalações para fações elétricas e
tubulações de água também devem ser planejadas com antecedência e feitas
concomitantemente à construção das paredes, para maior praticidade.
A grossura da parede varia bastante, em função principalmente do peso a
ser suportado, ou seja, a altura da construção, se terá um ou mais andares, peso
do telhado, etc. Normalmente usa-se uma largura de no mívnimo 25 cm para
construções bem simples e baixas; 40 cm para uma casa térrea, e mais larga para
construções de mais de um andar. Geralmente constroem-se paredes mais
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Acabamento
As paredes esculpidas à mão invariavelmente fcam com uma superfívcie
bastante irregular e rugosa. Algumas pessoas podem gostar desse aspecto
rústico, mas você pode deixá-las bem mais lisas e regulares desbastando-as com
uma lâmina metálica, que pode ser um facão, por exemplo. Aív, ela estará pronta
para receber o reboco e pintura.
Existe um princívpio que diz que materiais semelhantes têm afnidade entre
si. Por isso, não se deve nunca utilizar massa de cimento para rebocar
construções de terra. Além de não aderir direito, as diferenças de rigidez e
respirabilidade fazem com que rebocos de cimento rachem e descasquem das
bioconstruções em pouco tempo. Por isso, deve-se sempre usar materiais
naturais também para o acabamento.
O reboco natural pode ser feito com uma massa de barro muito
semelhante à do cob em si, mas com ingredientes mais fnos, peneirados.
Inúmeras variações são possívveis, mas uma receita básica para reboco seria um
barro com proporção areia fna:argila de cerca de 2:1, e estrume fresco de vaca
peneirado numa proporção de 10 a 20% do total da massa. Além da função
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Adobe
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Assentando os blocos
Pau-oa-opique
* Muitos bioconstrutores preferem pré-secar os blocos à sombra por alguns dias, antes de
levá-los ao sol. Isso pode ser importante para evitar deformações ou rachaduras
excessivas, dependendo das características do barro, tamanho dos blocos, clima local, etc.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Barro
Base
Taipa de pilão
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Terra ensacada
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Telhado
Telhados de palha
Palha tem sido usada como material para cobertura de casas há milhares de
anos, por povos desde os mais primitivos até os civilizados, em todos os
continentes. Diversas espécies vegetais fornecem folhas adequadas à confecção
de telhados, incluindo algumas gramívneas como o sapé, santa fé e o trigo;
palmeiras (piaçava, carnaúba, coqueiro, etc.), plantas aquáticas como juncos,
taboas, etc.
Telhados de palha são bastante charmosos e podem ser bastante efetivos,
desde que bem feitos. Com manutenção adequada, que deve ser feita a cada 3 a
5 anos em média, podem durar décadas. Além disso, por serem leves e fexívveis,
permitem a utilização de materiais alternativos de baixo impacto ambiental para
a estrutura do telhado, como o bambu, por exemplo, desde que devidamente
tratado para maior durabilidade.
Um detalhe técnico importantívssimo em telhados de palha diz respeito à
caívda, que deve ser bem ívngreme, com pelo menos 45° (ideal entre 50 e 60°),
para permitir que a água da chuva efetivamente escorra. Caso contrário, ou seja,
se você não der ao telhado uma caívda adequada, a água penetrará na palha,
fazendo com que você tenha problemas com goteiras. Além disso, a umidade
acaba fcando retida na palha, fazendo com que ela apodreça rapidamente.
Fazer um simples telhado de palha não é difívcil; porém, fazer um bom
telhado de palha pode ser bastante complicado, dependendo de mão de obra
especializada e experiente, que nem sempre é fácil de encontrar. Bioconstrutores
amadores e iniciantes, quando se aventuram a fazer telhados de palha,
normalmente têm problemas com goteiras. Portanto, se quiser experimentar, é
aconselhável usar essa técnica em construções menos crívticas, como galpões,
galinheiros, etc., antes de usá-la para cobrir a sua casa.
Outra limitação dos telhados de palha é que na maioria dos locais, não há
disponibilidade de palha adequada à construção de telhados em quantidade
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Telhado verde
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Domos
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
Telhados convencionais
* Não é recomendado o uso de eucalipto bruto (não tratado) em bioconstrução, a não ser
talvez em estruturas acessórias (andaimes, escoras, escadas, etc.) e temporárias (galpão
temporário para ferramentas), pois tem durabilidade natural extremamente baixa.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 10. A Habitação Permacultural
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
11
SANEAMENTO ECOLÓGICO
Importância do saneamento
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Histórico do saneamento
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Unidos no Perívodo Moderno. Na Ásia, essa prática continuou sendo comum até
a metade do século XX.
Essa situação geral só iria começar a mudar após a Revolução Industrial, e
especialmente durante o século XIX, com as descobertas cientívfcas de Louis
Pasteur e outros sobre a microbiologia, ou seja, a existência de microrganismos
como agentes causadores de doenças, e as implicações disso para a higiene e
saúde pública.
Ao longo do século XX, sistemas de saneamento passaram a ser instituívdos
em cidades por todo o mundo, mas de forma gritantemente desigual, de modo
que ainda hoje têm-se exemplos de todos os estágios de saneamento acima
citados, nas diferentes partes do mundo, indo desde a defecação ao ar livre,
amplamente praticada na África, Índia, etc., passando por sistemas precários de
saneamento como valas e canais de esgoto a céu aberto, fossas negras, coleta e
disposição de esgotos brutos em corpos d’água, até estações de tratamento de
esgotos, que são a norma em paívses economicamente desenvolvidos. O Brasil é
um caso à parte, já que aqui você tem exemplos de todos esses estágios do
saneamento dentro de um mesmo paívs! Muitas vezes, dentro de uma mesma
cidade você tem uma área atendida por uma estação de tratamento de esgoto,
outras áreas onde há coleta, mas não há tratamento (o esgoto é simplesmente
lançado nos rios ou mar), e bairros na periferia onde não há qualquer
saneamento, e os esgotos são lançados a canais a céu aberto que correm entre as
casas, com crianças brincando ao redor, expostas a todo tipo de doenças… uma
verdadeira tragédia.
Saneamento convencional
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
lançado aos corpos d’água também não é livre de poluentes! Claro que os teores
de matéria orgânica e poluentes em geral são bem menores que no esgoto bruto.
Porém, esses efluentes de estações de tratamento de esgoto ainda contêm uma
carga bacteriana muito elevada, além de serem contaminados com produtos
quívmicos de diversas fontes, inclusive do próprio processo de tratamento.
Portanto, embora menos nocivos aos ambientes aquáticos que os esgotos brutos,
os esgotos tratados continuam sendo fonte de poluição das águas. Você não ia
querer nadar ali.
Além da poluição ambiental, esse modelo de saneamento também traz dois
outros grandes problemas: o uso excessivo de água e o desperdício dos
nutrientes do solo.
A composição básica dos esgotos domésticos é a seguinte:
aproximadamente 1% são excrementos humanos, e 99% água, sendo que dessa
água cerca de 30% foi usada para dar descarga na privada (pense nisso: água
limpa, tratada, sendo misturada a fezes e urina), enquanto o restante foi usado
para diversos fns, como banho, lavagem de roupas e louça, limpeza geral, etc.
Agora, com relação aos excrementos, eles são obviamente resultado do
processamento dos alimentos pelo nosso corpo. Então, o que acontece é o
seguinte: os nutrientes do solo são utilizados pelas plantas, e assim são
produzidos os alimentos, os quais consumimos e processamos biologicamente, e
o resultado disso são os excrementos — fezes e urina. Quando esses excrementos
são lançados na forma de esgotos aos rios e mares, isso signifca que os
nutrientes neles contidos jamais retornarão ao solo, de onde vieram. Portanto,
nesse sistema, você tem uma contívnua transferência dos nutrientes do solo, onde
eles teriam a capacidade de criar vida e produzir alimentos, para os mares, onde
se acumulam na forma de poluição. Com isso você tem de um lado o
empobrecimento progressivo da fertilidade do solo, com redução na capacidade
de produção de alimentos, e a destruição progressiva dos ecossistemas marinhos,
também reduzindo a produção de alimentos ali. Agora, projete essa situação para
o futuro, num mundo com cada vez mais pessoas, e cada vez menos capacidade
para produzir comida, e você vai entender por que a sustentabilidade é
importante, e por que o modelo de saneamento atual é um grave problema.
Saneamento ecológico
232
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
* O livro “Manual Humanure”, de Joe Jenkins, é a referência mais completa sobre este
assunto, sendo geralmente considerado uma espécie de “bíblia do banheiro seco”.
** Germer, J. et al. Temperature and deactivation of microbial faecal indicators during small
scale co-composting of faecal matter. Waste Management. 2010.
† Jensen, P. K. et al. Survival of Ascaris eggs and hygienic quality of human excreta in
Vietnamese composting latrines. Environmental Health. 2009.
233
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
234
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
235
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Respiro
Porta
Assento
Acesso Câmara de
externo compostagem
Uma limitação deste sistema é que geralmente não é possívvel fazer uma
adaptação em um banheiro já existente. Às vezes é possívvel projetar e construir
um banheiro seco vertical contívguo à casa, especialmente quando a topografa do
terreno for favorável, já que o banheiro tem que fcar a uma altura no mívnimo
cerca de 1,5 m acima do nívvel do solo do lado externo à casa, para permitir
espaço vertical para a construção da câmara de compostagem, sendo necessário
também uma área de circulação do lado de fora para permitir a retirada
periódica do composto. Porém, na prática a grande maioria das pessoas que
utilizam este sistema optam por construir o banheiro como uma estrutura
independente e externa à casa, o que pode representar um custo substancial,
além de requerer um espaço considerável, podendo ainda ser considerado
bastante inconveniente (imagine ter que sair da sua casa para ir ao banheiro num
dia de chuva!).
Por fm, cabe ressaltar que há muitas pessoas que utilizam esse modelo de
banheiro seco, e estão satisfeitas.
236
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
237
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
O tamanho da
composteira pode
variar, mas um tamanho
de 1 metro cúbico é
geralmente adequado.
Elas podem ser
construívdas de tábuas de
reuso, como tábuas de
construção ou de pallets.
Banheiro seco horizontal As composteiras devem
ser bem feitas, para que
resistam por todo o perívodo de enchimento e compostagem (cerca de um ano, ao
todo). Como geralmente usamos madeiras reaproveitadas, na maioria das vezes
de pinus, que apodrecem facilmente, geralmente as tábuas não podem ser usadas
mais do que uma ou duas vezes, tendo que ser substituívdas. Se você usar
madeiras mais resistentes ou tratadas, talvez possam ser usadas por vários anos.
As composteiras devem ser construívdas fora da casa, mas não muito longe,
para facilitar o manejo. Convém provê-las com uma cobertura, para evitar o
ressecamento excessivo na estação seca, e encharcamento na estação chuvosa.
Você pode construir composteiras isoladas, ou um módulo duplo com
compartimento para armazenar serragem no centro (veja ilustração abaixo). O
telhado é provido de calhas e tanque para armazenamento de água de chuva, que
pode ser usada na lavagem dos baldes. As composteiras são usadas
alternadamente: enquanto você vai enchendo uma, a outra, já cheia, permanece
intocada, repousando por todo o perívodo necessário para a compostagem. Caso a
composteira em uso se encha antes do perívodo mívnimo para abertura da outra,
devem ser construívdas composteiras adicionais.
Serragem
238
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
239
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
material de cobertura à pilha de composto. Cinco minutos, uma vez por semana
— não é pedir muito, é? Certamente um pequeno sacrifívcio que vale a pena,
considerando os enormes benefívcios oferecidos pelo banheiro seco. Se, ainda
assim, você se deixar desencorajar por isso, ainda tem a opção do banheiro seco
vertical.
Exceto nos momentos acima citados, um banheiro seco e uma composteira
bem manejada não devem jamais emitir qualquer odor. O único motivo para
maus odores é aplicação insufciente ou inadequada de material de cobertura.
Alguns materiais de cobertura são menos efcientes em bloquear odores; por
exemplo, serragem muito grossa, ou palha. Prefra serragem média, ou uma
mistura de serragem de diferentes granulometrias, para melhores resultados.
Palha, folhas mortas e outros restos vegetais devem ser, preferencialmente,
triturados para uso como material de cobertura. Cinzas de fogão e forno a lenha,
churrasqueiras, fogueiras, etc., que usualmente contêm algum resto de carvão,
também podem ser adicionadas como material de cobertura e são úteis na
eliminação de odores.
Uso de aditivos
Muitos manuais de compostagem citam ou recomendam a aplicação de
calcário agrívcola às pilhas de composto, para neutralizar acidez, desinfetar o
composto, fornecer nutrientes (cálcio e magnésio), etc. O mesmo pode-se dizer
das cinzas de madeira, que têm constituição semelhante e os mesmos efeitos.
Você pode aplicar cinzas ou calcário em pequenas quantidades no
composto, seja no balde, misturado ao material de cobertura, ou sobre a pilha de
composto na composteira, mas isso não é necessário. A adição de grandes
quantidades não é recomendada, pois interferirá negativamente na degradação
microbiana da matéria orgânica e desbalanceará demasiadamente a composição
quívmica e de nutrientes do composto.
Conforme já citado, a adição de cinzas de fogão a lenha ao composto pode
ajudar a bloquear odores (embora geralmente não seja necessário).
Problemas com pragas
Esta é uma preocupação que atinge muitas pessoas interessadas em
começar a usar um banheiro seco, ou fazer compostagem em geral: “não vai
atrair bichos? moscas? ratos? baratas?”
Trata-se de uma questão pertinente, já que você terá ali concentrada uma
grande quantidade e variedade de materiais orgânicos que são sabidamente
atrativos a essas pragas. Porém, o fato é que, assim como em relação aos odores,
na prática nada disso deve constituir problema, devido à “magia” do material de
cobertura. Basta você aplicar material de cobertura adequado, em quantidades
adequadas, e estará livre de odores e pragas.
É conveniente ressaltarmos uma coisa: nem só de microrganismos é feita
uma compostagem — macrorganismos, sejam eles fungos, insetos, larvas,
241
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
* Newton, G. T. et al. Research Briefs: Black soldier fly prepupae – a compelling alternative to
fish meal and fish oil. Annual meeting of the regional research committee, S-1032 “Animal
Manure and Waste Utilization, Treatment and Nuisance Avoidance for a Sustainable
Agriculture”. 2008.
242
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
caso exemplar é o Vietnã, onde mais de 90% dos agricultores usam banheiro
seco de compostagem e empregam esses nutrientes rotineiramente em suas
lavouras, orientados por normas técnicas do governo daquele paívs, as quais são
devidamente embasadas em pesquisas cientívfcas.*
Claro que essa segurança depende do cumprimento das recomendações
descritas acima, respeitando sobretudo o tempo de compostagem. Também é
necessário ressaltar que nada substitui as boas práticas de higiene alimentar,
especialmente a prática de lavar bem as frutas e verduras, enfm alimentos
consumidos crus, antes de comê-los.
Pode-ose compostar também fezes de cães e gatos?
Esta é uma dúvida que muitos compostadores têm e, por falta de
conhecimento, muitas pessoas acabam incluindo excrementos de animais de
estimação em uma lista de itens proibidos da compostagem.
É fato que, assim como as fezes humanas, fezes de cães e gatos também
têm o potencial de nos transmitir doenças (zoonoses), especifcamente a larva
migrans visceral, causada pelo Toxocara canis, e a toxoplasmose, causada pelo
Toxoplasma gondii — o primeiro, um verme nematoide que parasita o intestino
de cães, e o segundo, um protozoário coccívdeo que tem como hospedeiro
defnitivo os gatos. Porém, já foi demonstrado cientifcamente que o processo de
compostagem é efcaz na eliminação de ovos e oocistos de vermes e protozoários
parasitas.** Portanto, para efeitos de compostagem, fezes de cães e gatos podem
e devem ser compostadas, da mesma forma e com o mesmo rigor que fezes
humanas, podendo o composto resultante ser usado como fertilizante,
igualmente.
Todo tipo de material orgânico, ou seja, tudo que veio da terra, deve voltar
à terra, e isso pode ser feito de diversas maneiras. Uma delas é a compostagem.
Outras são depositar diretamente sobre o solo (e.g. usar restos vegetais como
cobertura morta do solo) e enterrar, por exemplo. Você pode escolher. A
maioria das coisas orgânicas pode ir para a composteira, sem qualquer problema.
Agora, muitas vezes você verá pessoas dizendo que não se deve adicionar restos
de comida como carnes, peixes e laticívnios à composteira, pois isso atrairá
animais como ratos e cães, que causarão problemas. De fato, restos de comida
— arroz, feijão, macarrão, carnes, peixes, queijos, pães, bolos, pizzas, etc.,
adicionados sistematicamente e em altas quantidades à sua composteira,
provavelmente atrairão mesmo não apenas ratos e cães, mas também gatos,
* Jensen, P. K. et al. Hygiene versus fertiliser: the use of human excreta in agriculture – a
Vietnamese example. International Journal of Hygiene and Environmental Health. 2008.
** Amorós, I. et al. Prevalence of Cryptosporidium oocysts and Giardia cysts in raw and
treated sewage sludges. Environmental Technology. 2016.
243
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
urubus, carcarás, corvos, guaxinins, ursos, etc. (dependendo de onde você mora).
Mas isso não é um problema da compostagem, e sim um sintoma de um
problema anterior e muito mais grave, que é o seu péssimo hábito de desperdiçar
comida! Alimentos devem ser consumidos, e não jogados fora ou compostados.
Então, por restos de cozinha entendemos apenas cascas e restos não
comestívveis. Esses devem ir para a composteira, e não se preocupe, pois
geralmente não atrairão visitantes indesejáveis. Agora, algum pequeno
desperdívcio de comida que eventualmente, acidentalmente aconteça, por
exemplo quando por descuido você deixou estragar alguma coisa, também pode
ir para a composteira, que não causará problemas. O problema surge, conforme
já explicado, do hábito de jogar comida fora, que infelizmente muita gente acha
normal.
É importante ressaltar que, para que haja uma compostagem efciente e
perfeita, deve haver um equilíbrio nos materiais compostados — devem ser
adicionados materiais variados e em proporções balanceadas. Quanto maior a
variedade de ingredientes, melhor será o seu composto, pois terá todos os
nutrientes, o que é importante tanto para a qualidade do composto fnal, em
termos de nutrientes para as plantas, como para o processo de compostagem em
si (os organismos responsáveis pela compostagem também precisam dos
nutrientes). Por isso, se você compostar o material do banheiro seco juntamente
com restos da cozinha, aparas de grama e podas, mais outros materiais de
cobertura (dos quais o mais comum é a serragem), cinzas do fogão a lenha, etc.
sua compostagem certamente será um sucesso. Lembrando também que deve-se
tratar de manter um teor de umidade adequado no material durante a
compostagem, ou seja, sempre úmido, mas não encharcado, além de respeitar o
perívodo mívnimo para que ocorra a compostagem completa, especialmente
quando são adicionados excrementos humanos e animais.
244
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
245
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Urina
* Zavala, M. A. et al. Biological activity in the composting reactor of the bio-toilet system.
Bioresource Technology. 2005.
246
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
* Whiteside, S. A. et al. The microbiome of the urinary tract – a role beyond infection. Nature
reviews. Urology. 2015.
** Rose, C. et al. The characterization of feces and urine: a review of the literature to inform
advanced treatment technology. Critical Reviews in Environmental Science and Technology.
2015.
247
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Aplicação no solo
Urina humana diluívda pode ser aplicada no solo como uma forma de
fertilização ou ferti-irrigação. A diluição mívnima deve ser de 1:10, ou seja, uma
parte de urina para dez partes de água. Essas preparações relativamente “fortes”
(concentradas) podem ser usadas principalmente na estação chuvosa, com uma
frequência de uma a duas vezes por semana, a um volume de 5 a 10 litros por
muda, podendo aumentar proporcionalmente conforme a planta cresce, e
conforme a necessidade de suplementação. Aplique a preparação de urina
diretamente dentro da bacia, por cima ou debaixo da cobertura vegetal morta. A
mesma preparação de urina pode ser usada para fertilização de hortas, podendo
ser aplicada na razão de 5 a 10 litros por metro quadrado de solo (porém, para
aplicação em hortaliças, é preferívvel a aplicação subsuperfcial, que será
discutida mais adiante).
Agora, na estação seca, a urina deve ser usada mais diluívda, algo entre 1:40
até 1:100. Desta forma, sua aplicação passa a ter uma função dupla: de fornecer
umidade e nutrientes ao mesmo tempo, ou seja, ferti-irrigação. Nessa época, é
essencial que o solo ao redor das plantas esteja sempre muito bem protegido com
* Este assunto é discutido em profundidade no livro “Liquid gold: the lore and logic of using
urine to grow plants”, de Carol Steinfeld.
248
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
uma generosa camada de matéria vegetal morta, para evitar o excesso de perda
de umidade por evaporação. Essas duas medidas (maior diluição e cobertura do
solo) são muito importantes também para prevenir o acúmulo de sais da urina no
solo superfcial, o que poderia causar problemas de toxicidade às plantas.
Adubação foliar
As plantas são capazes de absorver nutrientes não apenas pelas das raívzes,
mas também através da superfívcie das folhas (e mesmo do caule). Isso permite a
suplementação de nutrientes às plantas por essa via, na chamada adubação foliar.
A adubação foliar é uma prática disseminada tanto na agricultura convencional
como orgânica, e praticada tanto por agricultores profssionais como amadores.
Sua principal vantagem diz respeito à velocidade de absorção, que é
praticamente imediata, ao contrário da adubação do solo, já que nesse caso leva
um tempo até que os nutrientes se difundam e/ou as raívzes cresçam, permitindo
o contato e portanto a utilização pela planta. Outra coisa legal sobre a adubação
foliar é que ela também é, ao mesmo tempo, uma adubação do solo, pois o
excesso de adubo foliar inevitavelmente escorre indo parar no solo.
A urina é um excelente adubo foliar, pois contém quantidades balanceadas
dos principais nutrientes requeridos pelas plantas, tanto macro como
micronutrientes. A maioria das espécies de plantas podem se benefciar da
adubação foliar com urina diluívda a 1:10. Porém, há algumas espécies que têm
folhas particularmente sensívveis a queimaduras pela urina. Isso na verdade não é
tão comum, e também, mesmo que aconteça, não signifca que sua planta irá
morrer — poderá fcar com um aspecto um pouco prejudicado, mas basta parar
a aplicação que ela se recuperará rapidamente, então você não precisa ter receio
de fazer experimentações para saber como a adubação foliar com urina
funcionará com as suas plantas. Claro que você pode pesquisar sobre quais
plantas podem e quais não devem receber adubação foliar com urina, mas as
informações obtidas não necessariamente corresponderão à sua realidade. Vou
citar o meu exemplo pessoal: encontrei em um artigo a informação que
tomateiros são sensívveis e não devem receber adubação foliar com urina; porém,
em minha experiência prática, tomateiros benefciam-se dessa adubação sem
exibir qualquer efeito negativo. De todas as espécies que tenho testado (dezenas
delas), a única que foi prejudicada foram as jabuticabeiras, que exibem
queimaduras nas folhas após aplicação de urina diluívda a 1:20, que é a diluição
que normalmente uso. Porém, se benefciam da aplicação no solo, sem qualquer
problema. Portanto, o mais recomendado é que você faça seus próprios
experimentos, pois essa é a única forma confável de saber como suas plantas
reagirão à adubação foliar. Caso alguma espécie de planta apresente
queimaduras pela urina, você pode testar preparações mais diluívdas, ou optar
pela aplicação somente no solo.
249
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Cheiro de urina
Uma preocupação comum e totalmente pertinente em relação ao uso de
urina como fertilizante diz respeito ao cheiro. Afnal, ninguém quer seu jardim
ou horta fedendo!
Infelizmente, existe, sim, a questão do cheiro. Todos sabemos que urina
não é inodora, e sua aplicação no ambiente tende a produzir… cheiro de mijo
velho. Esse cheiro pode ser maior ou menor, dependendo de vários fatores.
Quanto mais diluívda a urina, menor a tendência a problemas com odores.
Também, a aplicação direta no solo tende a feder menos que a aplicação foliar.
Se você adicionar a urina cuidadosamente dentro da bacia ao redor de sua
planta, sob uma boa camada de cobertura de solo, o odor será praticamente
imperceptívvel. De qualquer forma, o cheiro de urina tende a desaparecer dentro
de algumas horas, então muitas pessoas julgam que este é um inconveniente
tolerável. Porém, isso pode não ser aceitável em todas as situações. Nesses casos,
é melhor desistir da adubação foliar, e você pode optar pela aplicação na forma
de ferti-irrigação subsuperfcial (logo chegaremos lá).
Cinzas + urina
Uma combinação que tem ganhado destaque na agricultura orgânica e
permacultura é o uso de cinzas de madeira associado à urina na correção e
fertilização do solo. Conforme já mencionado no capívtulo 9 (“Permacultura
Rural”), cinzas de madeira têm grande valor na correção da acidez do solo e
fornecimento de importantes nutrientes. Sua associação com a urina tem-se
mostrado muito efetiva no incremento da produção vegetal. * Agora, o ideal é
você usar aquele velho princívpio: “tudo que veio da terra deve voltar à terra”, e
aplicar em conjunto seu composto orgânico, estrumes animais, se disponívveis,
cinzas e urina — aív sim suas plantas terão uma nutrição completa e perfeita!
Agora, a combinação de cinzas e urina tem ainda outra grande utilidade:
aplicadas nas folhas ou no solo tem a propriedade de combater pulgões, larvas,
lesmas e caracóis, entre outras pragas e doenças. Você pode usá-las de diversas
formas: só urina diluívda; só a cinza, polvilhando; ou as duas em conjunto. Você
pode molhar as plantas com urina diluívda, e polvilhar com cinzas em seguida,
fazendo com que adiram às folhas, ou você pode optar por fazer uma calda de
cinzas em água ou em urina diluívda, e aplicar sobre as plantas, etc.
A combinação de urina e cinzas atua por diversos mecanismos no combate
e prevenção de pragas e doenças: alteram o pH e condições quívmicas em geral na
superfívcie da planta, tornando-as desfavoráveis ao desenvolvimento da praga; a
* Pradhan, S. K. et al. Stored human urine supplemented with wood ash as fertilizer in tomato
(Solanum lycopersicum) cultivation and its impacts on fruit yield and quality. Journal of
Agricultural and Food Chemistry. 2009.
250
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Águas cinzas
Águas cinzas são todas as águas residuais de uma casa que não contêm
fezes (ou seja, excluindo-se apenas o esgoto proveniente de vasos sanitários).
Portanto, águas cinzas são aquelas originadas no banho, pias, lavagem de roupa e
louça, limpeza da casa, etc.
Cada pessoa produz em média cerca de 100 litros de água cinza por dia,
correspondendo à maior parte das águas residuais produzidas. Águas cinzas são
muito diferentes de esgotos, tendo valores de sólidos totais, matéria orgânica e
bactérias muito inferiores. Ainda assim, podem ter teores signifcativos de
matéria orgânica e nutrientes do solo. Trata-se, portanto, de um recurso valioso
que não deve ser desperdiçado.
O destino fnal mais apropriado das águas cinzas é o solo superfcial, na
forma de irrigação. Sua composição é quase totalmente água (> 99,9%); além
disso, a matéria orgânica e nutrientes ali presentes são benéfcos ao ecossistema
do solo e às plantas. Ainda, seu pH geralmente alcalino auxilia na correção da
acidez do solo, problema extremamente comum na maior parte do Brasil.
Embora exista o risco de contaminação da água cinza com patógenos, seu uso
em irrigação não constitui uma via signifcativa de contaminação ambiental ou
transmissão de doenças, sendo portanto considerada uma prática segura do ponto
de vista sanitário.*’ **
Uma preocupação frequente que as pessoas têm em relação ao uso de água
cinza na irrigação diz respeito à contaminação quívmica pelos diversos produtos
usados na higiene pessoal e doméstica. Trata-se de uma preocupação pertinente,
especialmente considerando o caráter desconhecido da composição quívmica de
muitos produtos de uso doméstico. Porém, pesquisas cientívfcas têm comprovado
que mesmo o uso intenso e prolongado da água cinza para irrigação não causa
qualquer problema à saúde e produção das plantas, sendo seguro para o meio
ambiente.† Sendo assim, a preocupação com contaminação quívmica deve se
reverter de forma positiva, ou seja, não desestimulando o reuso de água cinza na
* Busgang, A. et al. Epidemiological study for the assessment of health risks associated with
greywater reuse for irrigation in arid regions. Science of the Total Environment. 2015.
** Water Research Australia fact sheet – health risks of greywater use. 2013.
† Alfiya, Y. et al. Potential impacts of on-site greywater reuse in landscape irrigation. Water
Science and Technology. 2012.
251
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Irrigação subsuperfcial
252
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
253
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Economize água
Este é o ponto mais elementar de nossos hábitos diários que deve ser
mudado, visando a sustentabilidade. A água é um recurso valiosívssimo que está
em declívnio devido a um conjunto de fatores que inclui desperdívcio, destruição
ambiental (de forestas, mananciais), mudanças climáticas, etc. Águas
municipais, tratadas e seguras, são muito baratas para o consumidor e isso,
embora seja bom por torná-las acessívveis, infelizmente não estimula as pessoas a
economizarem, o que leva a uma enorme taxa de desperdívcio. Porém, embora
não pese no bolso, essa água vem a enormes custos ambientais, no represamento
e desvio de cursos d’água, custos de tratamento e distribuição, e também no
custo do tratamento dos esgotos, cujo volume gerado é proporcional ao consumo
de água. O consumo médio de água doméstica é de cerca de 150 litros por
pessoa por dia. Porém, é perfeitamente possívvel viver com uma pequena fração
desse volume diário, sem prejudicar o conforto ou higiene — apenas cortando os
desperdívcios!
Reduzir o consumo signifca reduzir o volume de esgotos gerados, e quanto
menor o volume de esgotos, mais fácil, barato e efciente será o seu tratamento,
com benefívcios portanto à economia e ao meio ambiente. Reuse, recicle as suas
águas cinzas: colete água do chuveiro para dar descarga, e diminua o número de
descargas por dia. Reuse sua água cinza também na limpeza da casa e rega de
suas plantas, reduzindo ainda mais o volume de esgoto gerado.
254
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
A água de uso doméstico representa apenas uma parte do total de água que
de fato consumimos, e esgotos que geramos. Não podemos nos esquecer que
todos os produtos industrializados têm um consumo de água embutido, que pode
ser muito grande, e que os esgotos industriais também são nossa
responsabilidade, à medida que consumimos esses produtos. Portanto, abandonar
o consumismo é chave para a melhoria da sustentabilidade também no que diz
respeito ao saneamento.
255
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
256
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
258
Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
Pesando os riscos
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 11. Saneamento Ecológico
260
Parte II – A Alternativa da Permacultura 12. Energia
12
ENERGIA
261
Parte II – A Alternativa da Permacultura 12. Energia
262
Parte II – A Alternativa da Permacultura 12. Energia
Eletricidade
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 12. Energia
264
Parte II – A Alternativa da Permacultura 12. Energia
265
Parte II – A Alternativa da Permacultura 12. Energia
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
13
PERMACULTURA URBANA
267
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Recursos
268
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
fertilizante, que será necessário para sua produção de alimentos. Caso possa,
queira ou necessite, pode também pedir aos seus vizinhos que separem e doem
seus resívduos orgânicos, de forma que você possa contar com uma quantidade
maior de composto orgânico para suas atividades. Agora, se você tiver bastante
espaço, uma boa adesão da sua vizinhança e facilidade de obtenção dos demais
recursos necessários, também pode pensar em fazer compostagem em mais larga
escala, para venda do composto orgânico como forma de atividade econômica,
além do cunho ambiental. Essa ideia será discutida no capívtulo 17 (“Consultoria
e Prestação de Serviços em Permacultura”).
Em geral, água não deverá ser um problema na zona urbana, pois você tem
uma relação de área de telhado/área de plantio enorme. Deve-se enfatizar que
devemos sempre focar no uso de água de chuva para irrigação (e águas cinzas,
também), e evitar o uso de águas tratadas municipais para esse fm, pois isso
caracteriza uma prática insustentável.
Espaço
Zona zero
269
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Zona 1
270
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Quintal
Suponhamos que você tenha um quintal com tamanho razoável em sua
casa, o que infelizmente pode ser considerado um luxo, quase uma extravagância
para a maioria das pessoas que moram em cidades hoje em dia. Esse quintal tem
um óbvio potencial para produção de comida, exceto nos casos (infelizmente não
raros) em que você tem seu quintal na sombra o dia inteiro, devido ao fato de sua
casa ser cercada por prédios. Agora, num cenário mais favorável, em que você
tem um bom quintal em sua casa, e ele recebe uma quantidade razoável de sol,
certamente você deverá usar esse quintal para plantar comida e outras coisas,
como fores, ervas, temperos, remédios, etc. O quintal será sua zona um, e tudo o
que discutimos a respeito disso no capívtulo 9 (“Permacultura Rural”) pode e
deve também ser aplicado na zona urbana. Curvas de nívvel, terraços, cobertura
vegetal morta, irrigação com água cinza… tudo. Também, no seu quintal,
arbustos e pequenas árvores frutívferas são muito bem-vindos.
Agora, muitos permacultores costumam discorrer apaixonadamente por
ideias mirabolantes de design de jardins e hortas urbanas, com termos modernos
que soam sofsticados, e podem impressionar amadores e novatos na
permacultura. Porém, o fato é que nada disso é essencial ou sequer importante,
pois na prática quase sempre não se refete em uma maior produtividade. Como
em praticamente tudo na vida, o importante está na simplicidade. Minhas avós, e
acredito que as avós da maioria das pessoas, especialmente as mais antigas e
com raívzes no interior ou no campo, morreriam de rir se vissem as hortas
urbanas da maioria dos permacultores atuais, com suas espirais de ervas,
mandalas e outras ideias recorrentes nos cívrculos da permacultura. Isso porque as
hortas que elas sempre tiveram em seus quintais, nos moldes simples de
antigamente, sempre tiveram uma produção muito maior e muito diversifcada, e
ninguém fcava dando palestras ou cursos, ou se gabando por causa disso! Por
este motivo, costumo dar uma dica que considero muito importante: sempre que
possívvel, procure em sua área pessoas antigas que cultivam hortas e jardins em
seus quintais, e procure aprender algo com elas. Converse sobre a terra, as
plantas, espécies e variedades, sua utilidade, como cultivar, épocas de plantio,
enfm, tudo. Geralmente, elas se sentem valorizadas e contribuem de muito bom
grado, e daív podem nascer relacionamentos bastante enriquecedores. As pessoas
antigas, especialmente as do interior, muitas vezes têm um conhecimento prático
profundo sobre como ter uma zona um linda, rica, altamente produtiva (claro
que elas não chamam de zona um!) — um conhecimento tradicional, passado de
geração a geração, e que infelizmente está se extinguindo rapidamente, à medida
que as novas gerações se mudam para apartamentos e cidades grandes, ou
simplesmente cimentam seus quintais, pois não sabem como cultivar, nem têm
tal interesse.
É bom ressaltar que o cultivo não deve se restringir ao quintal dos fundos.
Sempre que houver um jardim na frente da casa, esse também deve ser um
271
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Jardins verticais
Há muitas maneiras de se fazer um jardim vertical. Ele pode ser feito em
qualquer muro ou parede externa, e às vezes também interna, desde que haja
sufciente exposição solar. Você pode fazê-los com potes de qualquer formato,
pendurando-os em série com correntes ou cordas; pode fazer suas próprias
foreiras de parede usando tábuas de pallets usados, ou mesmo usar garrafas
plásticas cortadas, pendurando-as em cascata, umas sobre as outras, suspensas
por cordas ou arame galvanizado. Pode-se construir um muro verde em uma
única tarde, utilizando blocos de construção, bastando fazer furos no fundo para
permitir que a água escoe, enchê-los de terra e empilhá-los, canto com canto,
deixando vãos entre eles onde as plantas crescerão. Em várias situações, você
também pode substituir cortinas por “cortinas de vasos”, pendurados em série
com correntes ou cordas, etc. As opções de materiais e design são praticamente
ilimitadas!
Paredes de corredores, muros e divisórias entre terrenos, as paredes
externas da sua casa, todos são ótimos locais para se fazer um jardim vertical.
As vantagens desse tipo de jardim são inúmeras: eles praticamente não ocupam
espaço, e transformam os muros e paredes em locais de produção vegetal.
Conferem conforto acústico, pois absorvem ruívdos, e também conforto solar e
térmico: sabe aquele refexo desagradável do sol em paredes e pisos claros?
imagine isso sendo absorvido por plantas, transformado em fotossívntese e
produção! São também muito práticos de regar e econômicos em água: você
rega as plantas de cima, e o excesso de água vai drenando, e regando as de baixo
automaticamente. Instale reservatórios, que podem ser feitos de chapa metálica
(daquelas usadas para fazer calhas) ou travessas de plástico, em baixo do jardim
vertical para coletar o excesso de água, e use essa água novamente para regar as
plantas no dia seguinte. Assim, você não terá nenhum desperdívcio de água, e
nenhuma molhaceira no chão.
Voltando um pouco agora à nossa zona zero, também dentro da casa,
272
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
paredes de banheiros, cozinha e sala também podem ser cobertas com vasos,
pendurados individualmente ou em “colunas”, sustentados por cordas ou
correntes, além da já citada ideia das “cortinas de vasos”. Claro que, ainda que
os jardins verticais não ocupem muito espaço, em locais realmente apertados
isso pode se tornar inviável.
Horta no telhado
No capívtulo 8, “Água em Permacultura”, já falamos sobre o telhado verde,
e como essa técnica pode ajudar a resolver ou amenizar muitos dos problemas
das cidades. Os telhados verdes também são uma excelente forma de produzir
comida nas cidades! Esta é sem dúvida a forma mais inteligente de usar esse
espaço, geralmente abandonado, para um fm extremamente produtivo. E aqui
você difcilmente terá problemas com falta de sol!
Porém, quando a fnalidade é produção, não dá muito certo aquele esquema
de telhado verde por cima das telhas, ou chapa de compensado, e sim em cima
de lajes. Isso porque para uma produção substancial e perene, você precisará de
uma boa quantidade de terra, e uma boa profundidade, o que só é viável sobre as
lajes, já que são muito mais fortes e quase planas. Você pode fazer canteiros de
horta diretamente por sobre a laje, mas é recomendável fazê-lo por sobre uma
camada de material impermeabilizante (e.g. lona plástica), para garantir que isso
não causará infltração de umidade na casa. Ou então, pode fazer canteiros
suspensos, ou seja, grandes foreiras, que podem ser feitas de tábuas, ou tonéis ou
bombonas plásticas cortadas (transversal ou longitudinalmente) e instaladas
sobre blocos de construção. Desta forma, você pode plantar qualquer tipo de
fores, ervas, verduras, etc., e até mesmo arbustos e pequenas árvores em grandes
vasos. Pode manter árvores frutívferas em tamanho pequeno usando a técnica do
bonsai, possibilitando uma produção no seu telhado, assim como em outros
locais onde normalmente não caberia uma árvore.
Mesmo com a horta no telhado, sua laje continuará sendo um local de
captação de água. Você pode usar a estratégia descrita no capívtulo 8, de construir
seu reservatório de água de chuva no nívvel do solo ou subterrâneo, e usar uma
bomba elétrica acionada por um painel solar para mandar essa água para uma
caixa instalada sobre a laje, possibilitando o uso na casa e também na sua horta
do telhado, para irrigação.
273
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
jardim da frente da casa do seu vizinho, que não produz nada, etc.
Inevitavelmente, você passa a “cobiçar” esses espaços, não no sentido de
propriedade ou posse, mas no sentido de ter a oportunidade de aplicar os
conceitos da permacultura e seus esforços naqueles locais, prestando serviços à
natureza e às pessoas (pela melhoria estética e potencial de inspiração), além, é
claro, de benefciar a si mesmo e a outros, pela produção de alimentos e outros
produtos úteis. Naturalmente, essa vontade será tão mais forte quanto maior for
a restrição de espaço para produção dentro da sua casa ou do seu terreno. Ou
seja, se você tem uma casa com um quintal bem grande, talvez isso nem passe
pela sua cabeça, mas se você morar num apartamento pequeno, com outras
pessoas, talvez esses espaços externos e públicos sejam sua única opção de tentar
plantar alguma coisa.
Vamos discutir alguns locais e abordagens que podem ser tentadas, para
aumentar o espaço disponívvel para você produzir.
Calçadas
Em muitos locais, o projeto da rua contemplava arborização e paisagismo
urbano, e por isso, quando da construção da calçada, foi deixado aquele espaço
aberto, com terra, para possibilitar o plantio. Porém, muitas vezes as árvores
nunca chegam a ser plantadas, ou até o são, mas por falta de cuidados morrem e
não são substituívdas, de forma que aquele espaço, quadrado ou retangular, passa
a abrigar apenas capim e, não raro, lixo. Você pode resolver “fazer justiça com
as próprias mãos”, e assumir para si a tarefa de colocar uma árvore ali.
Idealmente, você deverá pedir autorização à prefeitura e também contar com a
permissão do morador em frente ao local em questão. Em cidades pequenas,
será fácil falar com o encarregado da prefeitura, e quase invariavelmente, você
contará com uma permissão informal imediata. Já em cidades grandes, você
geralmente terá bem mais difculdade de ter acesso à pessoa encarregada do
cuidado das ruas e arborização pública, e enfrentará mais burocracias, que lhe
tomarão tempo. Mesmo que consiga falar com a pessoa “certa”, ela
provavelmente nem sequer sabe da existência da sua rua. Por esses e outros
motivos, talvez faça mais sentido você simplesmente plantar sua árvore e ver o
que acontece.
É importante plantar árvores que sejam adequadas à arborização urbana,
levando em consideração implicações futuras em relação à fação elétrica acima,
e impacto no calçamento e tubulações de água e esgoto abaixo, etc. Muitos
municívpios contam com manuais de arborização urbana, com recomendações
especívfcas de espécies adequadas àquela área em questão; nesses casos, é
conveniente se ater às espécies e recomendações da prefeitura, para evitar
problemas futuros. Nós, permacultores, sempre queremos plantar árvores
frutívferas, pois achamos maravilhosa a ideia de produzir alimentos na cidade,
então você pode tentar fazer isso. Mas, se a prefeitura tiver recomendações
expressas contra árvores frutívferas na arborização urbana, ou se seu vizinho for
274
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
contra a ideia, é melhor não fazer isso. Caso você insista, o que pode acontecer é
o seguinte: você vai plantar, e cuidar por anos; enquanto a árvore é jovem, não
incomodará a prefeitura ou o vizinho. Porém, assim que começar a produzir, eles
provavelmente decidirão cortar a árvore, trazendo-lhe grande decepção,
frustração e revolta. Daív, você poderá reclamar, criticar e chorar, mas isso
adiantará em nada. Portanto, é melhor evitar esses problemas logo de cara, na
escolha da espécie a ser plantada.
Mas não basta plantar uma muda e cuidar dela — você deverá providenciar
uma proteção bastante sólida, preferencialmente feita de metal, de forma
profssional em uma serralheria, e pintada, seguindo o padrão do seu municívpio
(não vale apenas enfar pedaços de pau ou estacas de bambu!). Embora isso
implique em custo, é essencial para dar visibilidade e respeitabilidade para sua
atitude. Caso contrário, infelizmente muitas pessoas falharão em ver a diferença
entre uma muda de árvore plantada e cuidada, e um mato qualquer que ali
nasceu, sendo comum transeuntes pisarem e quebrarem, ou mesmo o pessoal da
manutenção das ruas vir capinar e acabar cortando ou arrancando sua muda,
acidental ou intencionalmente.
Sempre que o espaço em questão não for estritamente em frente à sua
própria casa, conversar com o vizinho e contar com seu consentimento e
cooperação também é muito importante. Muitas vezes, pessoas simplesmente
não querem uma árvore em frente à sua casa, alegando uma variedade de
motivos, um mais esdrúxulo que outro. Exemplos desses motivos alegados
incluem: “faz muita sujeira” (referindo-se às folhas caívdas), “atrai vagabundos e
maconheiros” (sem comentários...), ou simplesmente “não gosto”. A verdade é,
infelizmente, que muitas pessoas têm preconceito ou simplesmente odeiam
árvores. Então, se vem a prefeitura e planta uma árvore em frente às suas casas,
talvez aceitem, pois se trata de uma autoridade; mas se for você, apenas uma
pessoa, talvez não aceitem. Talvez, com uma conversa amigável, elas concordem
e cooperem, talvez não. Por isso, é sempre melhor começar conversando com as
pessoas. Se elas não se mostrarem receptivas, procure outro local.
Agora, não se trata apenas de árvores: na bacia ao redor da árvore, você
pode plantar fores, ervas, etc., deixando tudo bem lindo. O mesmo em relação a
canteiros e foreiras que às vezes existem em calçadas. Você pode até plantar
verduras, mas isso talvez não seja uma boa ideia. Isso porque muitas pessoas não
respeitam, e suas verduras estarão sujeitas a todo tipo de “ataques”: pessoas
jogarão lixo e pisarão em suas verduras; outras, as colherão antes do tempo, não
lhe dando a oportunidade de colher o que você mesmo plantou. Em alguns
locais, o próprio poder público (prefeitura) pode destruir sua verdura, por
considerar que “ali não é lugar”. Plantar verduras na beira da calçada e rua é
uma receita já comprovada inúmeras vezes de colher desentendimentos e
desilusões. Mas, nada te impede de tentar. Talvez tenha sorte em sua vizinhança
em particular. Agora, uma alternativa muito mais segura é plantar PANCs, pois
não serão reconhecidas como verduras pela imensa maioria das pessoas, a não
275
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
ser pessoas conhecedoras de PANCs que são, geralmente, pessoas com muito
mais consciência. Portanto, você terá mais chances de sucesso, e de colher o que
plantou, se plantar alimentos não convencionais.
Terrenos baldios
Nem todos os bairros têm terrenos baldios — eles costumam ser raros em
regiões centrais da cidade, e comuns em áreas mais periféricas. Se eles existirem
em sua área, são geralmente ótimas oportunidades para a permacultura urbana.
Seu potencial produtivo é óbvio. Além disso, costumam causar dor de cabeça
para os proprietários, pois eles têm que fcar de olho e cuidar do terreno,
mantendo-o roçado (controlando o crescimento de mato) e evitando que se
transformem em depósitos clandestinos de lixo e entulho, etc.
Procure saber quem é o proprietário do terreno baldio de seu interesse, e
proponha um acordo informal, um comodato: ele te deixa usar o terreno para
plantar, por um perívodo de tempo preestipulado, que pode ser de 6 meses ou um
276
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
ano, de forma que ele não se sinta privado da autonomia e direito sobre seu
imóvel. E você se compromete a manter o terreno limpo, livre de mato, lixo ou
entulho, e talvez a compartilhar a produção com o proprietário, de forma que
todos saem ganhando! Inclusive a vizinhança, que deixará de ter um terreno
abandonado para ter um lindo jardim-horta que embeleza o local e traz boas
inspirações.
Você pode combinar que o proprietário fca livre para colher o que quiser
da produção, pois na maioria dos casos, ele colherá nada ou quase nada, mas o
acordo que lhe preserva a liberdade para entrar e colher o que é produzido em
seu próprio terreno remove qualquer insegurança que ele possa ter em relação à
cessão parcial de direitos sobre seu imóvel. Talvez, isso o inspire a também
participar, envolver-se, ajudar com os trabalhos, o que signifcará não apenas
ajuda para você, mas também um fortalecimento do movimento da
permacultura!
Praticamente todas as técnicas descritas a respeito da zona um no capívtulo
9 podem ser aplicadas aqui, igualmente.
Agora, uma coisa muito importante de se pensar é a fonte de água para sua
plantação. Terrenos baldios muitas vezes não contam com instalação de água
municipal, e mesmo que contem, esse não é um uso adequado dessa água. A
melhor opção é você pedir aos moradores vizinhos a permissão para colher a
água da chuva de seus telhados, ligando suas calhas a uma tubulação que traga
essa água até o terreno que você utilizará. Para armazenar essa água, você pode
comprar uma caixa d’água plástica ou cisterna de polietileno, de 2.000 a 5.000
litros, e instalá-la no terreno, mas isso representará um custo substancial, e não é
realmente necessário. Uma opção válida e extremamente barata é você construir
uma cisterna temporária subterrânea: escave um buraco quadrado no chão, com
2 m de largura por 2 m de comprimento, e 1,25 m de profundidade. Use essa
terra para fazer suas curvas de nívvel no terreno. Agora, revista esse buraco
internamente com uma lona plástica de polietileno de alta densidade (PEAD) de
boa qualidade, sendo que a melhor opção são as lonas dupla face (branca e preta)
usadas para cobrir silos. Cubra as bordas da lona, que fcaram para fora do
buraco, com uma camada de terra, formando uma borda elevada para sua
cisterna. Para tampar a cisterna, você pode usar uma tela de sombreamento de
PEAD tipo “sombrite”, armada em um quadro de madeira, de forma a impedir o
acesso de mosquitos, e para proteção extra, cubra tudo com uma tampa de
madeira (podem ser tábuas de construção usadas). Pronto, você tem uma
cisterna com capacidade para 5.000 litros, discreta (quase invisívvel!), por uma
fração do custo de uma caixa d’água do mesmo volume. Os únicos materiais
novos que você precisará comprar são um pedaço de lona plástica de 5 × 5 m,
um pedaço de sombrite de 2,5 × 2,5 m, e 8 m de ripas de madeira para a tampa.
Para tirar a água da cisterna, você pode instalar uma bomba do tipo “puxa-
empurra”, que você mesmo pode fazer usando tubos e conexões de PVC, a um
baixo custo.
277
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Caso o terreno não seja murado, você terá que providenciar um muro ou
cerca para lhe dar privacidade e proteger seu jardim-horta de invasores animais
e humanos. Você pode fazer uma bonita cerquinha de madeira, usando pallets
usados — na maioria dos casos, isso será sufciente. Caso deseje, pode plantar
uma cerca viva, podendo usar hibiscos, por exemplo, que são propagados por
estacas e crescem rapidamente. Hibiscos são excelentes pois, além das vantagens
já citadas, não têm espinhos e ainda dão lindas fores! Você deverá manter
aparada sua cerca viva, o que lhe dará um bom suprimento de matéria vegetal
morta para cobertura de solo em sua horta. Você pode ainda optar por espécies
de hibisco comestívveis, e plantar mais de uma espécie, dando um aspecto
particularmente lindo à sua cerca viva, e fornecendo fores para suas saladas,
conservas e chás.
Parques e praças
Em muitas áreas, as praças e parques públicos existem, mas, devido à falta
de adequada manutenção, caem em decadência, o que se torna visívvel pelo
crescimento desordenado de vegetação, especialmente capins, acúmulo de lixo e
deterioração progressiva de infraestruturas como calçamento, iluminação, cercas,
lixeiras, bancos, brinquedos infantis e aparelhos de lazer em geral. Cobrar das
autoridades competentes do poder público providências para a manutenção
adequada desses espaços é geralmente inútil.
Essas áreas também podem ser vistas como locais com potencial produtivo
que podem estar disponívveis a quem tiver disposição para trabalhar nelas. Num
trabalho onde se assume combinadamente as responsabilidades de limpeza,
paisagismo, talvez alguma manutenção de infraestruturas, associado a trabalhos
de cunho mais estritamente ambiental, como fxação de água de chuva, aumento
de biomassa e biodiversidade, aliado ainda à produção de alimentos, sem dúvida
todos saem ganhando! Isso de fato acontece em muitos lugares, felizmente.
Do ponto de vista do planejamento da utilização da área, aqui você poderá
aplicar os conceitos discutidos no capívtulo 9, referentes às zonas um, dois e três,
talvez até a quatro, dependendo do tamanho da área. Ou seja, você poderá ter
canteiros de fores e verduras (sendo sempre uma boa ideia focar nas PANCs),
agroforestas arbustivas e arbóreas, e também áreas com um reforestamento
mais nativo.
Porém, diferentemente dos casos que vimos discutindo até agora, esse não
é o tipo de trabalho que normalmente possa ser feito por uma pessoa
individualmente. O motivo para isso é que se trata de áreas públicas, destinadas
a uso público; portanto, se você pedir autorização às autoridades competentes
(na verdade, incompetentes), difcilmente será autorizado a utilizar a área para
um fm diferente daquele a que o local se destina. Mesmo que conseguisse tal
autorização e fzesse ali um bonito trabalho, muito provavelmente você não teria
um amplo apoio da população local, pois muitos sentiriam que você está
usurpando um espaço que não é seu.
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
descobrir que nem todo mundo que apoia e parece adorar a ideia num primeiro
momento terá a mesma disposição e perseverança que você.
Você deve fazer todo esse procedimento de mobilização da comunidade, e
realmente desejar esse trabalho em conjunto. Isso poderá ter um grande efeito
transformador em sua vizinhança, em múltiplos nívveis: na melhoria estética da
rua, na devolução de uma área de lazer a todos, no resgate do senso de
comunidade, aumento e melhoria das relações sociais, inspiração para a
mudança em toda a vizinhança, envolvendo pessoas de todas as idades, etc.
Porém, você deve também estar totalmente preparado para fazer tudo sozinho!
Muitas vezes, as pessoas aderem no inívcio, mas desanimam rapidamente, e a
adesão às atividades pode cair progressivamente, até que só reste você. Mesmo
que isso aconteça, é importante que você não se deixe desanimar. Pelo menos,
você fez sua parte, e, além disso, conseguiu o que de inívcio pretendia, que era o
acesso, de forma legívtima, àquela área para uso em produção e recuperação
ambiental. Feito desta forma, você difcilmente perderá esse direito, porque você
começou do modo correto.
Agora, claro que há casos em que a mobilização conta com uma grande
adesão da comunidade, e se transforma em um movimento que cresce, toma
corpo e seriedade. Quando isso acontece, você, juntamente com os demais
membros, podem optar por formalizar a associação como uma organização não-
governamental legalmente instituívda. Isso permitirá à sua associação lançar-se a
projetos mais ambiciosos, e poderá também dar acesso a recursos fnanceiros
públicos e privados. Porém, é preciso ter em mente que esse maior alcance vem
acompanhado de uma grande carga de burocracia e novas responsabilidades.
Mas você não deve se preocupar com nada disso no começo. O melhor é você
começar pequeno e simples, focando no que pode ser feito com mívnimos
recursos, e ir se adequando conforme a coisa fui.
Outra coisa muito importante que deve ser dita: quando se trata de atuar na
revitalização de uma área, ou qualquer projeto de plantio, seja para produção ou
recuperação ambiental ou ambos, o mais fácil é sempre começar — o mais
difívcil, porém essencial, é continuar trabalhando. Isso, na verdade, se aplica a
qualquer empreendimento permacultural, seja na zona rural ou urbana, em seu
próprio terreno ou de outrem, e também a outras atividades socioambientais em
geral. Conforme já mencionado, a maioria das pessoas que aderem a essas
iniciativas o fazem na base do “fogo de palha”, ou seja, com grande empolgação
no inívcio, mas que não se sustenta ao longo do tempo. É vital que você garanta
que esse não será também o seu caso! Repito aqui o que disse no capívtulo 9
(“Permacultura Rural”): plantar uma muda é a coisa mais fácil; cuidar dela até
que se torne árvore é que é difívcil! Sei por experiência própria, e também por
relatos de inúmeras pessoas, que se você plantar uma árvore, seja onde for, mas
especialmente numa área pública, e simplesmente virar as costas achando que já
fez o seu trabalho, quando você voltar lá, depois de algum tempo, difcilmente
encontrará sua muda, muito menos uma árvore. Ou seja, embora possa te dar
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Muitas vezes, quando queremos plantar mas não temos espaço, começamos
a observar os espaços públicos e privados, como ruas, praças e parques, quintais
subaproveitados dos vizinhos e terrenos baldios, etc. Embora muitas vezes seja
possívvel utilizar esses espaços, conforme discutido acima, você tem que ter
sempre em mente que as pessoas em geral muitas vezes não compartilham dos
seus pontos de vista, até por falta de conhecimento e consciência ambiental. Por
isso, o que muitas vezes acontece é que, embora você consiga autorização para
uso de espaços que não são de sua propriedade, ao iniciar atividades que não são
comuns na área, muitas vezes isso gera insatisfação em outras pessoas, o que cria
tensões que podem lhe causar problemas. Há vários motivos prováveis para isso,
incluindo:
• Questões culturais arraigadas, em relação a um senso estético estabelecido
em que a aridez e monotonia são valorizadas sobre a vida e a
produtividade.
• Questões relativas ao ego: a atitude medívocre caracterívstica de pessoas
ineptas que nada de produtivo fazem, e sentem terrívvel tensão psicológica
ao verem outras pessoas fazerem coisas boas e belas, e se sobressaívrem —
trocando em miúdos, inveja.
• Medo da perda do controle: se alguém é dono, detém a posse ou de alguma
forma um controle sobre uma área qualquer, essa pessoa muitas vezes terá
medo que você, ao cuidar daquela área e torná-la produtiva, lhe roube a
autoridade ou controle sobre o local, etc.
Por esses e outros motivos, infelizmente é muito comum que, embora você
tenha obtido consentimento para uso de uma área, a qualquer momento no
desenvolvimento do seu projeto esse consentimento seja retirado, seja por
insatisfação do próprio dono, ou devido a pressões por parte de outros. Sendo
assim, você tem que ter sempre em mente que, não importa o quão lindas
estejam suas plantas, seus canteiros, enfm, tudo o que você fez e o amor que
você depositou ali, alguém poderá vir e simplesmente destruir tudo, a qualquer
momento, talvez antes mesmo que você consiga colher qualquer coisa.
Isso não deve te desanimar ou impedir de ao menos tentar usar esses
espaços com fnalidades produtivas, contanto que você não crie grandes
281
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
expectativas, não faça planos de longo prazo, e não se apegue àqueles pedaços de
chão e aquelas plantas que você plantou, pois, caso o faça, estará plantando
desilusão.
* Hough, R. T. et al. Assessing potential risk of heavy metal exposure from consumption of
home-produced vegetables by urban populations. Environmental Health Perspectives.
2004.
** Barker A. V.; Bryson, G. M. Bioremediation of heavy metals and organic toxicants by
composting. The Scientific World Journal. 2002.
282
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
Até aqui, vimos discutindo coisas que você pode fazer sozinho ou num
nívvel comunitário, em permacultura urbana — o que você pode fazer com a sua
casa para torná-la mais sustentável, ou como produzir alimentos na sua casa e
suas imediações. Mas a permacultura urbana certamente não pára por aív!
As cidades são uma realidade concreta e inescapável da nossa civilização. E
em geral elas são extremamente insustentáveis. Agora, há uma porção de coisas
que podem ser feitas para tornar as cidades mais sustentáveis e mais produtivas,
através da aplicação dos princívpios da permacultura. Cabe, portanto, ao
permacultor urbano atuar também nesse nívvel coletivo mais amplo, como uma
força transformadora para melhorar a cidade e a vida das pessoas no tocante à
sustentabilidade, qualidade de vida, qualidade ambiental, etc. Isso pode ser feito
de diversas maneiras, seja de forma individual e voluntária, ou através de
prestação de serviços e consultoria, atuando na conscientização e mobilização
social, talvez através de organizações não-governamentais; atuando em áreas
técnicas dentro da esfera pública, em órgãos do governo, ou junto ao poder
legislativo, etc.
Alguns dos principais problemas das cidades no tocante à sustentabilidade
já foram discutidos, e propostas de soluções apresentadas, nos capívtulos
anteriores. Por exemplo, a destruição do ciclo das águas nas cidades e formas de
revertê-la, conforme discutimos no capívtulo 8 (“Água em Permacultura”), ou o
gravívssimo problema da poluição das águas e desperdívcio de nutrientes pelos
esgotos, tratados no capívtulo 11 (“Saneamento Ecológico”). Agora, há ainda
muitas outras coisas que podem e devem ser feitas para que as cidades sejam
mais sustentáveis, e também mais saudáveis, humanas e agradáveis. Por
exemplo, aumentar a efciência da reciclagem de resívduos sólidos urbanos, ou
reduzir a dependência do transporte motorizado individual, melhorando o
transporte público e estimulando o uso da bicicleta como meio de locomoção, ou
* Sun, G. et al. Metal exposure and associated health risk to human beings by street dust in
a heavily industrialized city of Hunan province, central China. International Journal of
Environmental Research and Public Health. 2017.
283
Parte II – A Alternativa da Permacultura 13. Permacultura Urbana
284
Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
14
ESTILO DE VIDA DA
PERMACULTURA
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
Passo a passo
286
Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
Faça de todas essas mudanças hábitos. É justamente aív que está a força
transformadora dessas pequenas atitudes. Você se sentirá muito bem com seus
novos hábitos. Você provavelmente notará uma reação de confusão e
perplexidade de algumas pessoas ao seu redor, ao verem suas atitudes, mas não
deixe isso te incomodar ou desencorajar! Mais cedo que você imagina, você verá
algumas delas seguindo o seu exemplo, e isso fará você se sentir melhor ainda. É
você fazendo as pessoas pensarem, ajudando o movimento a crescer.
Aliás, aqui vale um parêntese: não fque se gabando de sua consciência ou
seus hábitos sustentáveis; não tente impor isso às outras pessoas ao seu redor,
pois essa é uma atitude arrogante, tívpica de pessoas imaturas e inseguras que
querem chamar a atenção e parecer superiores aos demais — é assim que as
pessoas lerão seu comportamento, e isso só servirá para fechar portas, ou seja,
fazer com que não te levem a sério, o que consequentemente as impedirá de se
sentirem inspiradas por seu exemplo, sendo portanto totalmente
contraproducente. Apenas faça a sua parte, e deixe que seu exemplo (e não
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
288
Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
mas vá pensando, avaliando opções. Caso seu emprego ou área de estudo seja em
um ramo ou função que seja contra seus princívpios, por exemplo por ser
intrinsecamente insustentável, considere mudar de ramo. Mas mantenha a
prudência, não faça movimentos bruscos; só não se deixe cair em estagnação.
Olhe em novas direções.
Há diversas formas de ter a permacultura como seu estilo de vida, mas a
melhor forma de começar é assim, com o que é fácil e está imediatamente ao seu
alcance, e avançando passo a passo. A partir daív, há diversos caminhos possívveis:
permacultura rural ou urbana, educação, prestação de serviços e consultoria,
projetos ambientais ou socioambientais através de ONGs, etc. Examine as
opções, entre em contato com grupos já existentes, converse com as pessoas.
Comece a bolar sua própria estratégia para passar da situação em que você está
para a que deseja estar. Esse processo de transição, é normal que leve anos, mas
é muito melhor do que se atirar em algo precipitadamente, só para depois morrer
na praia. Ninguém vira um “herói da sustentabilidade” da noite para o dia! É
preciso jogar fora o imediatismo, domar a ansiedade. Toda transformação
profunda leva tempo. O importante é não confundir paciência com comodismo:
a primeira é uma virtude necessária, enquanto a última é um vívcio mortal. Cada
passo pequeno na direção certa é uma vitória. O importante é a direção, e não a
velocidade.
Precisamos de mais pessoas que fazem da permacultura seu estilo de vida,
que consumam menos e poluam menos, que em suas pequenas atividades do dia
a dia preservem e ajudem a recuperar os ecossistemas, e que inspirem outros,
fortalecendo assim o movimento — ao invés de um monte de gente apenas
falando de sustentabilidade, sem mudar em nada seus hábitos, como muitas
vezes vemos por aív.
Trabalhar a terra
289
Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
Um pé lál, outro cá
Agora, é claro que não se pode sugerir que todas as pessoas evacuem as
cidades e mudem-se para o campo para viverem totalmente autossufcientes.
Isso seria não apenas impossívvel ou inviável, como também, sob a maioria dos
aspectos, indesejável. Se todos largassem seus empregos urbanos (claro que isso
jamais aconteceria, mas apenas como suposição), isso signifcaria a perda de
todas as tecnologias e um retorno à idade da pedra! Um retorno do qual poucos
sobreviveriam, diga-se de passagem. Então, não se está sugerindo de forma
alguma o abandono da civilização, e sim uma reinvenção da mesma.
O que quero dizer é que todas as profssões (tá legal, nem todas, mas a
maioria) continuarão sempre sendo importantes ou necessárias. Portanto, não
faz parte da proposta da permacultura abandonar essas atividades. O problema
é quando a norma é a pessoa dedicar-se integralmente a um emprego urbano
qualquer, dependendo de seu salário para comprar todas as coisas de que
precisa, para suprir todas as suas necessidades (e também seus excessos e
superfuidades), enquanto a natureza é massacrada sem que ninguém se
enxergue como responsável. Ou seja, o que se está propondo é um equilívbrio
entre atividades para a provisão direta ou indireta das necessidades humanas de
forma sustentável, preservando e restaurando a terra e os ecossistemas, e as
atividades convencionais necessárias aos aspectos positivos da vida civilizada.
Conforme discutido no Capívtulo 9 (“Permacultura Rural”), a manutenção
de uma profssão convencional é desejável e muitas vezes mesmo necessária na
fase de preparação e também por toda fase de estabelecimento de seu projeto
de permacultura, e sua transição para esse estilo de vida, sendo que, uma vez
completo seu processo de transição e amadurecido seu projeto, você pode optar
por continuar se dedicando a esse emprego, ofívcio ou atividade, em caráter de
tempo parcial, conciliando com o trabalho com a terra e outras atividades
permaculturais, ou deixar de vez a vida antiga e dedicar-se inteiramente à
permacultura.
Deve-se ressaltar que algumas profssões e atividades são particularmente
compatívveis com a proposta da permacultura por poderem contribuir para a
solução de problemas relativos à atual crise ambiental e civilizacional. Isso
depende muito da maneira que você trabalha. Por exemplo, você pode ser um
engenheiro que desenvolve tecnologias de reciclagem, ou desenvolver mais
produtos com obsolescência programada, reforçando o consumismo e
desperdívcio; você pode ser um professor que traz informações relevantes aos
seus alunos e estimula o pensamento crívtico, ou apenas forçá-los a decorar um
monte de informações inúteis ou mesmo falsas para passar nas provas; pode ser
290
Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
Proatividade e engajamento
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 14. Estilo de Vida da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
15
COMUNIDADES EM
PERMACULTURA
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
preocupações são infundadas, nossas expectativas não são realistas, que o que
queremos fazer nunca vai dar certo, etc. Podemos muitas vezes passar a vida
toda sem jamais encontrar ou conhecer alguém que compartilhe de nossas
ideias, valores e visões, o que certamente é extremamente desanimador.
Existe uma enorme pressão por parte das pessoas — familiares, amigos,
colegas, patrões, enfm, da sociedade em geral para que você se adeque à norma
— a forma como você se veste, o carro que você tem, seus papos, suas ideias,
etc., tudo tem que estar dentro de um conjunto de opções pré-defnidas,
consideradas “normais”, dentre as quais você tem “liberdade” para escolher. Se
pisar fora da linha, te olham torto; e se “pisar muito na bola”, você é perseguido,
ou simplesmente excluívdo. Todos que não se adequam às normas implívcitas
impostas pela sociedade sentem o peso dessa pressão. Frente a isso, há
basicamente dois caminhos possívveis: ceder, ou não ceder à pressão, ou, em
outras palavras, o caminho da submissão e o da “rebeldia”.
Muitos acabam cedendo às pressões da sociedade para se conformarem aos
seus ditames de normalidade, e por isso acabam padecendo de uma sívndrome
chamada de normose, caracterizada por depressão, baixa suto-estima, etc.,
levando muitas vezes a tendências destrutivas, como a misantropia e mesmo
tendências suicidas.
Por outro lado, os que não cedem à pressão e se mantém féis às suas
próprias essências muitas vezes acabam se isolando (ou sendo isolados), o que
fatalmente resulta em infelicidade crônica, já que ninguém pode ser feliz
sozinho. Porém, basta você encontrar alguém, ou de preferência um grupo de
pessoas que compartilham de seus pontos de vista e ideais para que você
melhore instantaneamente! Naquele momento, toda a pressão da sociedade
torna-se algo distante, irrelevante, e você se sente imensamente fortalecido,
passando a olhar com esperança para a possibilidade de um futuro empolgante, e
um caminho excitante para chegar até ele.
Se é o isolamento que nos enfraquece, então somente através da união
podemos nos fortalecer. A união possibilita o fuxo de ideias, que leva ao
amadurecimento; a troca de experiências, que ensina e encoraja; o
compartilhamento de trabalho, que o torna mais leve e produtivo, e o convívvio
saudável e respeitoso, que possibilita uma vida feliz. Daív decorre a importância
do conceito de comunidades em permacultura.
Existem muitas formas de você se inserir em algum tipo de grupo que de
alguma forma represente uma comunidade de pessoas; todas essas formas são
válidas, e se complementam.
Comunidades virtuais
294
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
Associações
295
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
às suas atividades, inspiradas pelas suas ações, muito mais que pelas suas
palavras
Esses trabalhos de mobilização da sociedade local são muito importantes
pois aproximam as pessoas, formando um verdadeiro senso de comunidade.
Ecovilas
A “cola” da ecovila
296
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
ela pode também contar com uma escola própria para servir primariamente às
crianças da própria comunidade. Nessas escolas, normalmente se adotam
pedagogias alternativas e conteúdos diferenciados, em certo grau, da educação
formal convencional, em concordância com as visões de mundo dos membros da
ecovila.
297
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
Propriedade compartilhada
298
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
propriedade individual.
Desvantagens da propriedade compartilhada:
• A formação deste tipo de ecovila encontra um obstáculo inicial muito
grande: a difculdade de se formar um grupo e chegar a um acordo para
formar a ecovila, já que há muitos pontos a serem defnidos, como: onde
será a ecovila? qual será o tamanho do terreno? qual o valor máximo por
pessoa? quantas pessoas? quais atividades serão desenvolvidas? etc.
• Tendência de ocorrerem muitos confitos. Decisões por consenso signifcam
o cerceamento da liberdade individual, pois muitas vezes a pessoa deseja
fazer algo, mas é vetado na assembleia, enquanto é obrigada a fazer outras
coisas contra sua vontade, pois assim foi decidido pela maioria, etc.,
levando a frustrações que tendem a acumular-se ao longo do tempo,
enfraquecendo a comunidade. Além disso, frequentemente ocorrem vários
tipos de parasitismo, por exemplo pessoas que nunca aparecem para plantar
ou cuidar, ou pegar no trabalho pesado, mas estão sempre lá para colher,
comer e usufruir; ou ainda, pessoas que trazem visitas indesejáveis, que se
instalam nas áreas de uso comum causando desarmonia no grupo, etc.
Esses fatores muitas vezes contribuem para uma certa instabilidade da
ecovila, causando uma rotatividade elevada de seus membros, e muitas
vezes levam a um fm precoce da comunidade.
Propriedade centralizada
299
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
Propriedade individual
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
301
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
302
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
Além disso, o que na verdade ocorre é que, quando se busca essa utopia, de
uma comunidade “pura”, isso na verdade cria o cenário ideal para a criação
de uma distopia. Os inevitáveis confitos internos, agravados pelo
isolamento e as enormes difculdades práticas de sobrevivência podem criar
um verdadeiro inferno, que acaba com a dissolução da ecovila, e muitos
corações partidos.
Para que uma ecovila seja saudável e duradoura, deve estar sempre
integrada à sociedade maior que a cerca, para que seus membros possam
usufruir de seus benefívcios, manter-se em contato com famívlia e amigos, e
até para que a ecovila possa cumprir sua missão de ter um papel
transformador nessa sociedade.
303
Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
Economia solidária
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 15. Comunidades em Permacultura
305
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
16
APRENDIZADO DA
PERMACULTURA
Quando a permacultura foi criada nos anos 70 por Bill Mollison e David
Holmbren, logicamente não havia ainda nenhum livro ou material didático de
permacultura propriamente dita. Mas claro que tampouco foi a permacultura
criada “do nada”. O que havia era um grande acervo de conhecimentos e
informações registradas na forma de literatura técnica e cientívfca,
conhecimentos tradicionais e étnicos, experiência pessoal e visões de mundo dos
criadores do movimento, que catalisaram a aglutinação desses elementos na
criação do que passou a ser chamado de permacultura. Talvez a criação da
permacultura não represente a invenção de um estilo de vida sustentável, mas um
caminho viável para pessoas que nasceram e foram criadas em um modelo
insustentável alcançarem um modo de vida sustentável — um caminho, vale
ressaltar, que ainda está em construção.
Naqueles anos iniciais do movimento da permacultura, a natureza escassa,
difusa e incompleta da literatura e recursos didáticos disponívveis sobre os
assuntos pertinentes à crise ambiental e o viver sustentável representavam um
grande obstáculo ao seu ensino e disseminação. Foi nesse contexto que nasceram
os Cursos de Design em Permacultura, ou “PDC” (do inglês “Permaculture
Design Certificate”) como principal modelo de ensino da permacultura à época, e
que existem até os dias de hoje.
306
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
307
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
Cursos de Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
Palestras introdutórias
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
° Bioconstrução
° Efciência energética e hívdrica
° Saneamento ecológico
- Ecossistemas
° Solos
° Florestas
° Semiáridos
° Desertos
- Água e Energia
- Permacultura rural
° Sistemas de água
° Planejamento por zonas
° Agroforestas
° Animais em permacultura
° Aquacultura
° Permacultura nos trópicos úmidos
° Permacultura nos trópicos secos
° Permacultura em climas temperados
- Permacultura urbana
- Comunidades em permacultura
- Ensino da Permacultura
- Consultoria em Permacultura
- Proposta de uma transição global
- Conclusão
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
A indústria do certifcado
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
314
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
verdade muitas vezes não sabe sequer citar o nome de uma música, e talvez
esteja até confundindo com outra banda! O mesmo vale para livros em
formato digital: muitas pessoas têm a mania de acumular arquivos em PDF;
não raro, têm centenas de livros armazenados em seu computador, sem
jamais tê-los lido. Não obstante, continuam a baixar mais arquivos — e a
não lê-los.
A explicação psicológica para esse fenômeno é simples: baixar um arquivo
é simples e rápido, e dá uma sensação de satisfação imediata, e até uma
sensação de “poder”, pois você pode ler aquilo tudo, e portanto tem o
potencial de um grande conhecimento. Por outro lado, ler os livros é
demorado e trabalhoso. Numa sociedade crescentemente caracterizada por
imediatismo e superfcialidade, a ilusão do “tenho milhares de livros (em
PDF), portanto manjo muito do assunto” é sedutora e parece até natural
para muitas pessoas. Porém, é preciso ter a clareza que é melhor ter apenas
um livro e lê-lo, do que ter mil livros e não ler nenhum! Portanto, para
aprender sobre a permacultura (e qualquer assunto), é necessário ter
disciplina e seriedade, e realmente ler, reler, estudar, devorar os materiais
disponívveis!
• Nem tudo o que foi escrito merece ser lido. Claro que, dentro do
universo de materiais que você vai encontrar, alguns serão ótimos; outros,
bons, e outros ainda, ruins mesmo. Use o bom senso para fltrar os
materiais que você encontrar. Avalie: faz sentido aquilo que você está
lendo? Desconfe de tudo o que parecer muito “milagroso” (bom demais
para ser verdade) ou baseado em pseudociência. Dê prioridade aos
materiais de maior qualidade e reputação, e faça bom uso do seu tempo de
estudo.
• Tenha perseverança. A permacultura compreende um mundo novo para
ser descoberto, aprendido; um universo de informações, conhecimentos e
habilidades necessárias para se viver em harmonia com a natureza, sendo
que nada disso nos foi ensinado na escola ou pela mívdia e a sociedade em
geral — estas só nos ensinam conhecimentos que nos permitam um
convívvio social, ter um emprego, pagar impostos, consumir e poluir.
Aprender qualquer profssão, ou mesmo a tocar um instrumento musical,
falar uma lívngua estrangeira ou se tornar bom em um esporte ou qualquer
arte requer anos de estudos dedicados e prática. É claro que com a
permacultura não poderia ser diferente! É preciso jogar fora o imediatismo
e a preguiça, e ter a coragem e determinação para se dedicar intensamente
e por muito tempo ao estudo teórico e também prático da permacultura,
para se atingir o grau necessário de compreensão e habilidade necessários
para ter sucesso nessa mudança de vida.
315
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
316
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
Vivência ou voluntariado?
317
Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
pode ser necessária justamente para viabilizar essa atividade, esse serviço,
para garantir que continue sendo feito e atingindo cada vez mais pessoas.
Agora, restringir o acesso à informação em função do poder econômico é
no mívnimo questionável, ainda mais em se tratando de informações que são
para o bem da humanidade e do planeta. Além disso, o objetivo de lucro
tende a corromper e desvirtuar, esvaziar qualquer coisa de sua essência ao
transformá-la em mercadoria. Se permitirmos que o ensino da
permacultura se transforme em mera mercadoria, fatalmente ocorrerá o
mesmo que ocorre no jornalismo, por exemplo, onde o que se transmite
não é necessariamente o que é mais verdadeiro, mas sim aquilo que vende
melhor.
2. Quem oferece cursos de permacultura teoricamente não precisa de muito
dinheiro, justamente por ser permacultor. Se alguém se oferece para
ensinar a permacultura (e cobrar por isso), subentende-se que se trata de
um permacultor experiente e competente, certo? Ora, quanto melhor for o
permacultor, menor sua necessidade de dinheiro, pois mais autossufciente
ele será, ou maior sua renda pela venda de excedentes de produção
agrívcola.
É comum encontrar permacultores que alegam depender do ensino da
permacultura como fonte de renda, para sua sobrevivência. Porém, o indivívduo
que o faz comete na verdade um tipo de charlatanismo, pois, considerando que
uma das principais promessas da permacultura é a produção de alimentos em
abundância, permitindo a autossufciência e até alimentar o mundo, ele está de
fato “ensinando” algo que nunca conseguiu ele próprio fazer. Portanto, desconfe
de cursos, vivências e materiais de permacultura excessivamente caros. Procure
conhecer pessoalmente os méritos e resultados práticos do professor antes de
comprar um curso — e não basear-se na imagem que ele conseguiu vender de si
mesmo. Tenha sempre em mente que a construção de uma imagem glamourosa
depende muito mais de habilidade em marketing do que de méritos reais da
pessoa associada àquela imagem.
Faculdade de permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 16. Aprendizado da Permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
17
CONSULTORIA E PRESTAÇÃO DE
SERVIÇOS EM PERMACULTURA
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
Prestação de Serviços
323
Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
permacultor. Por exemplo, você pode abrir sua própria empresa em qualquer um
dos ramos em que possa contribuir para uma sociedade mais sustentável, como
uma empresa de reciclagem de materiais, ou uma operação de compostagem em
larga escala, utilizando os resívduos orgânicos municipais e talvez lodo de esgoto,
produzindo e vendendo composto orgânico de alta qualidade; você pode abrir
uma fora, um viveiro de mudas, contribuindo para pessoas que desejam praticar
a jardinagem, horticultura, reforestamentos, etc. Como já discutido no capívtulo
13, você pode atuar também no setor público ou no terceiro setor (ONGs),
atuando para melhorar a gestão dos resívduos sólidos em sua cidade, enfm, as
opções são praticamente ilimitadas.
Agora, em muitos casos é útil, importante ou necessário que você também
tenha uma qualifcação profssional formal para dar condições técnicas,
credibilidade e amparo legal para seus serviços permaculturais. Por exemplo, se
você for um arquiteto ou engenheiro civil, poderá atuar na elaboração de
projetos arquitetônicos e responsabilidade técnica sobre edifcações sustentáveis
em qualquer jurisdição; se for um urbanista, pode elaborar projetos de
assentamentos sustentáveis, como condomívnios, bairros e cidades planejadas; se
for agrônomo, poderá ser responsável técnico de empresas do ramo de produção
e benefciamento de alimentos, e se for engenheiro forestal, poderá coordenar
projetos de reforestamento em larga escala para clientes corporativos e
governamentais, etc. Por isso, é essencial que tenhamos na permacultura pessoas
com qualifcação formal em todas as áreas relevantes do conhecimento.
Consultoria
324
Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
caso, o permacultor deve intervir, explicando por que aquilo não é uma boa
ideia, e propor alternativas. Caso o cliente se mostre intransigente, o consultor
deverá recusar o serviço.
Em seguida, o permacultor deverá fazer uma pesquisa aprofundada para
conhecer as condições e recursos disponívveis para o projeto: reconhecimento da
propriedade e da área, utilizando inclusive plantas e cartas topográfcas, quando
disponívveis; caracterívsticas do local, como altitude, clima, pluviosidade, tipo de
solo, bioma nativo, etc.; atividades agrívcolas e outras, atuais e recentes;
condições ambientais do local, como grau de deterioração ambiental (degradação
do solo, erosão, contaminação quívmica, etc.) ou estágio de regeneração atual;
recursos disponívveis no local e na região, incluindo materiais disponívveis, mão de
obra, condições de mercado, etc. Conhecimentos e aptidões especívfcas do
cliente também devem ser conhecidas e levadas em consideração na elaboração
do projeto.
Então, o permacultor passará à elaboração do projeto em si, e fornecerá ao
cliente um relatório de recomendações técnicas detalhado, bem como seu
orçamento. O relatório muitas vezes inclui um memorial descritivo que pode ser
feito a partir de uma imagem aérea obtida através da internet (e.g. Google Earth)
sobre a qual é plotada uma planta da propriedade onde são representados os
elementos constantes do projeto. Inclui ainda plantas baixas e desenhos técnicos
conforme necessário, descrição das técnicas a serem utilizadas, listas de espécies
de plantas recomendadas e informações como quantidade, disposição, técnicas
de plantio e manejo, etc. Listas de materiais que serão necessários, e talvez uma
cotação de preços, também vão aqui.
No relatório, devem ser dadas ainda instruções especívfcas a respeito das
fases de estabelecimento do projeto. Ou seja, não se pode simplesmente dar um
apanhado de recomendações, e deixar que o cliente decida por onde vai começar
— ele deve ser orientado quanto à sequência mais racional e efciente possívvel
(as fases de estabelecimento de um projeto de permacultura rural foram
abordadas no capívtulo 9, “Permacultura Rural”).
No próprio relatório você pode recomendar profssionais especívfcos para
desempenhar cada parte do projeto, como arquitetos, bioconstrutores,
jardineiros, etc. Por isso, é importante formar uma malha de relações, uma rede
de trabalho com outros permacultores e profssionais competentes.
Geralmente, o trabalho do consultor não acaba no relatório. O mais comum
é continuar prestando serviços ao cliente, seja na execução dos trabalhos ou na
coordenação e supervisão das atividades.
Agora, há uma consideração importante a se fazer em relação a consultoria
na elaboração de projetos de permacultura completos, ou seja, módulos de
autossufciência ou viver sustentável à luz da permacultura, sejam rurais ou
urbanos. Embora esse tipo de consultoria possa parecer bastante atrativo tanto a
325
Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
consultores como a clientes, deve-se ter em mente que isso só faz sentido se o
cliente for permacultor. É importante ressaltar que a permacultura é, acima de
tudo, uma cultura, ou seja, um estilo de vida; portanto, ninguém se tornará um
permacultor somente por contratar um serviço de consultoria. Do que adianta
você elaborar todo um projeto, implementar um conjunto de sistemas, se a
pessoa que vai viver e trabalhar ali não tem ideia do que fazer, e provavelmente
tenderá a viver exatamente como sempre o fez? Claro que isso não tem como
dar certo. Ou seja, o relatório de consultoria servirá como uma orientação, uma
base de ideias que, por mais completo que seja, de maneira nenhuma elimina a
necessidade de o cliente possuir ou adquirir uma base sólida de conhecimentos
de permacultura (o aprendizado da permacultura foi discutido no capívtulo 16).
A resposta curta para essa pergunta é: não. Agora, isso vai deixar muitos
professores irritados, pois dependem dos cursos (e.g. PDCs) para sobreviverem
e, por isso, fazem de tudo para defender a velha cultura do certifcado. Mas não
deixe ninguém lhe convencer que você precisa de um certifcado para prestar
serviços e consultoria em permacultura. O que você precisa é: saber o que está
fazendo, assumir a responsabilidade sobre seu trabalho, e aderir integralmente às
éticas e princívpios da permacultura.
Conforme citado no capívtulo anterior, um certifcado não passa de um
pedaço de papel que não diz nada sobre você, seu conhecimento ou
competência, etc. Além disso, a ideia que um curso de duas semanas o tornará
326
Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
apto a prestar consultoria é uma falácia total — isso requer anos de estudos e
prática, para que possa ser feito com seriedade (a não ser os trabalhos mais
simples, que você fará na condição de iniciante, justamente enquanto acumula
experiência para se lançar a projetos mais ambiciosos, conforme já discutido).
Alguns permacultores argumentam que a obrigatoriedade de um certifcado
de curso protegeria a permacultura, impedindo que se distorça, se desvirtue.
Embora essa preocupação seja totalmente pertinente, está claro que esse critério
(certifcado) é totalmente inefcaz nesse sentido. Profssões formais estabelecidas
contam com conselhos de classe legalmente instituívdos, para essa fnalidade.
Talvez, criar tal conselho também para a permacultura fosse benéfco nesse
sentido. Porém, isso estaria inevitavelmente vinculado à criação de um curso
formal (e.g. bacharelado em permacultura), ofcialmente reconhecido, o que,
conforme discutimos no capívtulo anterior, não se sabe se ocorrerá.
Por fm, vale lembrar que o próprio Bill Mollison jamais possuiu um
certifcado de curso de permacultura, o mesmo podendo ser dito de David
Holmgren, Sepp Holzer, Masanobu Fukuoka, entre outros dos mais famosos
nomes da permacultura.
327
Parte II – A Alternativa da Permacultura 17. Consultoria e Prestação de Serviços
Foco em consultoria?
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
18
PROPOSTA DE UMA
TRANSIÇÃO GLOBAL
329
Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
permacultura sempre teve uma postura de ‘como podemos criar o mundo que
nós queremos’.
“Quando se trata de mudar o modo como a sociedade funciona, a maioria
das pessoas pensam em maneiras de mudar polívticas públicas — como
infuenciar os cívrculos do poder de forma a mudar o funcionamento das
grandes estruturas da sociedade. Mas essa é uma maneira velha, ultrapassada
de mudar o mundo. A maneira nova, que já está bem comprovada, é mudar
você mesmo, sua vida, e o que você faz. O que muitos dos estudiosos e
pessoas que pensam em como podemos fazer para mudar o mundo ainda não
se tocaram é que na verdade, ao mudar você mesmo, isso não representa
apenas uma pequena contribuição para uma mudança em maior escala — na
verdade, isso talvez seja a coisa mais poderosa que você pode fazer.”
330
Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
difívcil impedir. Além disso, essa replicação permite uma evolução muito
rápida onde você pega um exemplo de alguma coisa, e você aprimora; então,
vem alguém e copia, e modifca e aperfeiçoa, então você tem uma evolução
progressiva. Se nós fzéssemos grandes projetos que são todos motivados por
conceitos de sustentabilidade mas representam imensas realocações dos
recursos da sociedade, isso sempre termina em bagunça, porque de algum
modo a complexidade dessas coisas... Você pode ter as ideias, mas quando
você vai realmente pôr em prática, nunca dá tão certo. Então, a replicação
em pequena escala, ao invés de projetos grandes, gigantes, além de ser muito
mais viável, é um bom processo de aprendizado, e também permite que as
pessoas adaptem as soluções a situações diferentes, e isso é muito
importante, porque cada situação é diferente. E então, quando você consegue
mais pessoas fazendo isso, isso lhe dá, se quiser ver dessa maneira, mais
poder de barganha; você diz: ‘olha, todos nós aqui estamos fazendo isso...’
Você tem uma certa base de poder através da autonomia, e não uma base de
poder tentando fazer barulho para fazer as autoridades mudarem as polívticas,
porque essa é realmente uma abordagem que não tem força alguma. E nós
podemos ver nos últimos 30 anos como movimentos populares conseguiram
mudanças em polívticas públicas... mas tem sido cada vez mais difívcil
conseguir essas mudanças, e requerido cada vez mais recursos desses
movimentos. Então, por que nós simplesmente não fazemos algo por nós
mesmos e com nossos próprios recursos, e damos um exemplo para os
outros? Esse é verdadeiramente o impulso para uma mudança positiva
maior.”*
331
Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
Nada disso, porém, signifca dizer que uma atuação polívtica em outros
sentidos, seja no ativismo ou na representação polívtica convencional, sejam
inúteis ou devam ser abandonados — muito pelo contrário. Mas signifca, sim,
que essas outras formas de atuação, para que sejam efetivas, devem ser
precedidas e acompanhadas de exemplos concretos por parte daqueles que as
defendem, pois só assim esses esforços terão qualquer efcácia. Além disso, para
que a via polívtica convencional possa ter uma participação viável numa
transformação mais global da sociedade rumo à sustentabilidade, é preciso que
antes o movimento da permacultura já tenha crescido e se tornado grande
demais, e forte demais para ser ignorado.
332
Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
333
Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
Desafos da permacultura
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
que o movimento está indo perfeitamente bem; temos que aplicar o nosso
princívpio n.o 18 (“reavalie-se constantemente”) de forma que possamos sanar as
defciências, corrigir erros, fazer o movimento da permacultura evoluir e
avançar, para que possa cumprir a sua missão. E devemos ter nisso um grande
senso de urgência — não há tempo a perder, pois a crise ambiental se agrava a
cada dia.
Mudança de atitude
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
estratégia sólida de transição. Muitas vezes, iniciam sua jornada, mas o fazem de
forma mole, apática, anêmica — não no discurso, esse sim, sempre empolgado,
mas uma empolgação que não se traduz em empenho nos trabalhos, e acima de
tudo, na tenacidade necessária ao sucesso de qualquer empreendimento
permacultural e, de fato, qualquer coisa na vida.
“Se alguém te disser que a permacultura é fácil, isso só pode significar duas
coisas: ou ele não sabe do que está falando, ou ele quer o seu dinheiro.”
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
Ganhar visibilidade
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 18. Proposta de Uma Transição Global
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 19. Conclusão
19
CONCLUSÃO
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 19. Conclusão
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Parte II – A Alternativa da Permacultura 19. Conclusão
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“Curar a Terra e purificar o espírito humano são o mesmo processo.”
— Masanobu Fukuoka