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SÉRIE: 77Z
VOLUME: 121
TÍTULO: RESGATE NA EMBAIXADA
CAPA: BENICIO
AUTOR: COMBY KING
EDITORA: MONTERREY
ANO DA PUBLICAÇÃO: 1980
PREÇO DA PUBLICAÇÃO: CR$ 30,00
PÁGINAS: 128

SCANS E TRATAMENTO: RÔMULO RANGEL


romulorangel@bol.com.br

DISPONIBILIZAÇÃO
BOLSILIVRO-CLUB.BLOGSPOT.COM.BR
Bolsilivro-club@bol.com.br

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RESGATE
NA
EMBAIXADA
COMBY KING

Capa de BENICIO

PROIBIDA A REPRODUÇÃO NO TODO OU EM PARTE

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EDITORA MONTERREY LTDA.
Rua Visconde de Figueiredo, 81
Caixa Postal 24.119 - ZC-09 20550
TIJUCA – Rio de Janeiro - RJ
Fones: 248-7067
------------------------------------------------------------

© EDITORA MONTERREY LIMITADA


MCMLXXX Publicação no Brasil 1979
Composto e Impresso pela
GRÁFICA LUX LTDA.
Distribuído por:
FERNANDO CHINAGLIA DISTRIBUIDORA S.A.

Todos os personagens desta novela são imaginados pelo autor e não


tem relação com nomes ou personalidades da vida real. Qualquer
semelhança terá sido mera coincidência.

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PRÓLOGO

William Craig era embaixador dos Estados Unidos em


Sant’Anna há cerca de três anos.
Nos primeiros doze meses de seu mandato, a missão
revelara-se relativamente fácil.
Sant’Anna tinha se mostrado um país sem problemas,
apesar das imensas jazidas de petróleo descobertas na
região sul e os lençóis de gás natural localizados ao norte.
O pequeno território semi-independente era governado
por um ditador de mão férrea, que reprimia com extrema
violência qualquer tentativa de anarquia dentro ou fora do
país. Os adversários políticos do ditador encontravam-se
num estado de quase apatia, incapazes de reagir à tirania e,
de certa forma, acomodados à situação nacional, que, por
outro lado, lhes trazia benefícios consideráveis.
Porém, quando Craig somava o décimo terceiro mês de
mandato como embaixador, a situação em Sant’Anna
complicou-se. Um antigo exilado que se encontrava na
França, onde organizara um partido de férrea oposição ao
ditador, ameaçava voltar ao país e estava mobilizando a
opinião pública, através de emissões radiofônicas
clandestinas e distribuição maciça de propaganda escrita
espalhada nos centros escolares e universitários, onde
começou a fomentar um claro sentimento de revolta contra
o ditador e suas medidas repressivas severas, a absoluta
falta de liberdade e a política paternalista e arcaica.

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Finalmente, o shanton Kahslar, o exilado rebelde,
regressou ao país, sendo acolhido por uma multidão
inacreditável, contra a qual nem a política nem os agentes
secretos do ditador puderam o que quer que fosse. Daí à
eclosão de um golpe de estado, que derrubou com relativa
facilidade o governo do ditador, foi apenas um passo. Um
novo regime político e social foi instaurado no país, com
preponderância dos estudantes na liderança das células
regionais, apoiando fanaticamente o já não muito jovem
shanton, que em dialeto nativo significava chefe, líder,
sacerdote.
Muitos abusos foram cometidos, especialmente sobre
as pessoas, bens e relações dos correligionários do ditador
deposto. Este foi obrigado a fugir apressadamente para o
estrangeiro, a fim de livrar a cabeça, que deveria rolar para
satisfação dos revolucionários, que não abdicavam dessa
medida vingativa. Novas torturas e represálias substituíram
as antigas, abusos e coerções se sucederam aos que o
ditador deposto havia instaurado, e a anarquia ameaçou
instalar-se no país, sobre o qual caíram as pressões
internacionais, especialmente dos interessados em seu
petróleo e em seu gás natural; mais concretamente, os
americanos e os soviéticos. Estes acabaram recorrendo a
outras fontes de abastecimento de gás, embora
continuassem adquirindo alguma quantidade de Sant’Anna,
a preços que se tomavam proibitivos de dia para dia.
O governo revolucionário de Sant’Anna respondia às
pressões com atitudes cada vez mais arrogantes, em
especial as ditadas pela mente um tanto desequilibrada do
shanton e de seus assessores mais diretos.
A situação nos bastidores estava tornando-se
insustentável e os mais representativos membros das
agremiações populares regionais começaram a perguntar a

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si mesmos se a revolução estaria mesmo seguindo o
caminho por eles idealizado quando decidiram apoiar o
shanton.
Os conselheiros de Kahslar perceberam isso, mas, ao
invés de moderarem suas atitudes, resolveram estudar uma
forma de restaurar o prestígio do líder, seriamente abalado.
Algumas reformas foram esboçadas, porém abortou-se
a maioria, por fatores diversos, desde a inépcia dos
executantes até o desinteresse das massas a favorecer.
Nesse pé se encontrava a situação no pequeno, mas rico
país, ande as Estados Unidos da América do Noite, um dos
que mais tinham a perder com a anarquia em Sant'Anna,
eram representados diplomaticamente por William Craig.
O embaixador temia um levante a qualquer momento,
de consequências imprevisíveis e controle improvável. De
Washington pareciam não acreditar muito nessa
possibilidade, pois todas as advertências de Craig eram
olimpicamente ignoradas, bem assim como os constantes
pedidos de redução do número de funcionários da
embaixada.
Craig escutara, mais de uma vez, boatos sobre a
presença de espiões capitalistas entre os muitos
funcionários da representação diplomática. Washington foi
informada sobre esses boatos e respondeu com um
laconismo exasperante, afirmando que tudo não passava de
um absurdo boato, a que nem o próprio shanton daria
ouvidos.
No entanto, Craig sentia que os acontecimentos podiam
precipitar-se a qualquer momento e estava inquieto com as
consequências. Seus funcionários eram acusados de
manobras contra o regime do shanton e isso podia
transformar-se em atitudes bem desagradáveis por parte do
governo local. O que mais irritava Craig era a displicência

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com que o governo de Washington encarava as ameaças de
que os americanos eram vítimas em Sant’Anna.
Finalmente, o que William Craig temia aconteceu.
Nessa tarde, o diplomata estava sentado diante de sua
mesa, no gabinete instalado no segundo andar do prédio que
a embaixada ocupava, quando escutou um alvoroço
invulgar no andar inferior.
Ligou o interfone e chamou a secretária, uma mulher de
vinte e seis anos, loura, de olhos verdes, chamada Alice
MacHistar. Não obteve resposta imediata e isso o deixou
mais inquieto. Finalmente a voz de Alice apareceu no
aparelho.
— O que está acontecendo, Alice? — perguntou, com
voz áspera.
— Tem... tem aqui algumas pessoas que querem vê-lo,
embaixador — respondeu nervosamente a garota.
— Quem é?
— É... bem, é um estudante que insiste em falar com
você...
Havia medo na voz de Alice MacHistar e Craig notou
isto.
— Está bem, pode trazê-lo até aqui.
Desligou e encostou-se para trás, na cadeira.
Não pressagiava nada de bom. Acendeu um cigarro
americano e ficou esperando.
Momentos depois, a porta abriu-se e Alice entrou,
seguida por três jovens de pele morena, que empunhavam
fuzis-metralhadora com atitudes agressivas.
— O que significa isto? — perguntou alarmado, com os
olhos fitos nas armas.
Um dos jovens adiantou-se e os outros dois ocuparam
os cantos da sala, apontando os fuzis ostensivamente para o
diplomata.

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— Significa que você e seu pessoal estão sob custódia
popular, embaixador — disse o que parecia liderar o grupo.
— Custódia popular? Que idiotice é essa?
— Em termos mais diretos, vocês estão presos,
embaixador.
— Presos? — empalideceu o diplomata. — Com que
direito vocês invadem o território americano?
— Território americano? — perguntou ironicamente o
rapaz. — Vocês estão em Sant’Anna, embaixador.
— Pelas leis diplomáticas internacionais, a embaixada
americana é considerada território americano e sua entrada
abusiva constitui uma agressão nacional.
O rapaz soltou uma gargalhada sardónica.
— Ora, embaixador! Deixe de besteiras. Vocês estão
sob prisão popular e não adiantam seus truques sujos para
nos dissuadir da idéia de fazer justiça.
William Craig empalideceu mais ainda.
— Justiça? Que bobagem é essa? Retirem-se
imediatamente, antes que eu chame a minha segurança ou
as autoridades de Sant’Anna!
O rapaz desferiu um murro sobre a mesa e encarou
friamente o embaixador.
— Chega, William Craig! Seu país deu abrigo a um dos
piores traidores de nossa pátria e recusa-se a devolvê-lo,
para que seja julgado pele povo de Sant’Anna e receba o
castigo que merece. Enquanto não o fizerem, enquanto não
atenderem esse direito legítimo de justiça, não libertaremos
os americanos que se encontram nesta embaixada.
— Você ficou louco? — bradou o embaixador. — Isso
é sequestro, pirataria, violação dos direitos internacionais e
pode ser punido até com a morte!

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— Enfrentaremos as consequências. Nosso povo tem
sede de justiça e esse traidor terá o que merece, ou todos
vocês sofrerão as consequências. Fui bem claro?
O embaixador enfrentou duramente o jovem rebelde e
murmurou:
— Você está ciente de que o que estão fazendo é uma
invasão do território americano e pode desencadear uma
operação militar contra seu país?
— Você está querendo dizer que os Estados Unidos
poderão declarar guerra a meu país?
O tom mordaz do jovem armado irritou ainda mais o
embaixador.
— É exatamente isso que eu quero dizer, idiota!
A bofetada atingiu surdamente o rosto do embaixador,
atirando-o para trás.
— Não somos idiotas, Craig — rugiu. — Somos
nacionalistas e estamos dispostos a acabar com a influência
nefasta que vocês, gringos, têm exercido sobre nosso país,
explorando-nos à sombra de acordos sujos que efetuaram
com o tirano, o vil ditador que agora se esconde em Nova
York, enquanto nós lutamos aqui contra os imperialistas e
exploradores.
— O homem de quem você está falando encontra-se em
meu país como visitante comum, efetuando um tratamento
para sua saúde abalada. Não está em questão, nesse
momento, se ele foi um traidor a seu país, se merece ser
julgado, morto ou idolatrado como herói. Isso é tarefa que
compete a vocês decidir e não aos americanos. No entanto,
ele pediu permissão para se tratar nos Estados Unidos e essa
permissão foi concedida. É nosso hóspede, portanto e não
vamos expulsá-lo apenas porque vocês o querem assassinar.
O embaixador disse todas essas palavras quase sem
parar. Estava profundamente irritado com a arrogância do

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jovem nacionalista e desejava poder expulsá-lo dali a
pontapés.
— O ditador é um criminoso nacional, um traidor. Terá
que ser julgado e, enquanto seu governo não o deportar para
Sant’Anna, vocês estarão aqui, sob a vigilância da brigada
nacionalista.
O embaixador olhou-o por alguns instantes, fixamente.
— Você sabe quantas pessoas se encontram nesta
embaixada?
— Sessenta e duas, incluindo mulheres, negros e três
homens de outra nacionalidade que não a americana.
— E você pensa poder manter toda essa gente
prisioneira por muito tempo?
— O tempo que for necessário. Vamos permitir a saída
das mulheres e dos cidadãos de outros países, além dos
negros. Ficarão aqui apenas os americanos homens e
brancos.
— Mas isso é uma loucura! Por que essa divisão
absurda?
— Os negros americanos são explorados, discriminados
em seu país. Eles são vítimas, como nós fomos, durante os
anos de opressão do tirano, dos interesses capitalistas
americanos. Por isso poderão sair da embaixada. Os outros,
não.
— Vocês enlouqueceram de vez...
— Trate de redigir um comunicado para seu governo,
com nossas exigências. Deportação imediata do tirano, do
traidor, ou vocês ficarão aqui indefinidamente.
— Vocês serão severamente punidos por essa atitude,
meu jovem.
O rapaz fez um esgar de raiva.

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— Meu nome é Issar Bash e quanto à nossa punição,
não se preocupe com isso. Trate de fazer o que lhe
ordenamos.
— É uma loucura...
— Chega, Craig. Convoque a imprensa para um
comunicado que faremos ainda hoje sobre estes
acontecimentos.
O embaixador levantou-se lentamente. Tinha o rosto
ainda ardendo em virtude da bofetada que recebera.
— Vocês são leais ao shanton Kahslar, ou não?
— Claro que somos. Ele é o nosso grande líder, o
paladino de nossa revolução, o chefe político, militar e
espiritual.
William Craig assentiu vagarosamente com a cabeça.
— Compreendo. Ele apoia esta sua atitude, Issar Bash?
— Apoiará, quando souber. Nós queremos apenas fazer
justiça, trazer o tirano de volta ao lugar onde terá que
responder por seus crimes contra nossa pátria e nosso povo.
— O esquadrão que o shanton enviou a Paris para
liquidar o ditador não foi bem-sucedido, não é? 'Por isso
vocês acham que, com uma atitude absurda como esta, vão
conseguir resolver todos os problemas...
— Não queremos resolver todos os nossos problemas
com este ato, Craig. Apenas fazer justiça, para que nossos
mortos, nossos torturados, nossos perseguidos, sejam
vingados. E só com sangue, com o sangue do tirano traidor,
esses crimes contra nosso povo poderão ser lavados. Fui
bem claro?
Craig balançou a cabeça.
— Muito claro, na verdade, Issar Bash. E lamento que
a razão esteja abandonando o pensar dos jovens de
Sant’Anna.

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Por um momento, Craig teve a sensação de que o jovem
revolucionário ia agredi-lo novamente. Porém, depois de
uma breve hesitação, Issar Bash fez meia-volta e deixou a
sala impetuosamente, seguido pelos dois correligionários.

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CAPÍTULO PRIMEIRO

Missão religiosa

Horace Young Kirkpatrik, trinta e quatro anos, alto,


forte, cabelos louros e longos, encrespados na nuca;
presidente da K.K.K Steel, Ltda., um dos maiores
consórcios de aço do mundo; playboy atraente e viril, dos
mais solicitados no jet set internacional, cobiçado pelas
mulheres, temido e invejado pelos homens. Tal poderia ser,
sucintamente, a ficha do homem vigoroso, de sorriso
zombeteiro, cujos olhos cinzentos esverdeados percorriam
gulosamente o corpo escultural da morena que se
espreguiçava languidamente no sofá.
— Horace querido — sussurrou a mulher, de uns vinte
e cinco anos, longos cabelos negros e ondulados, olhos
pretos de pestanas sedosas e busto ereto e agressivo. —
Sente aqui do meu lado e me deixe olhar sua mão direita.
O milionário sorriu e fez-lhe à vontade, instalando-se
no sofá, ao lado dela.
— Vai ler minha sorte, Meg?
— Vou. Minha avó era cigana e me ensinou a arte da
quiromancia. Normalmente dá certo. É difícil eu me
enganar, querido.
— Muito bem, boneca. Vamos ver o que sua avó diria
das linhas de minha mão.

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Meg Stuart, uma exuberante morena do Alabama,
ajeitou-se no sofá e segurou a mão forte e bronzeada do
atraente playboy. Por longos momentos concentrou-se nas
linhas irregulares da palma da mão, com um sorriso
travesso cruzando-lhe os lábios bem desenhados.
— A linha mais evidente é a do coração, querido
Horace. Posso ver sem sombra de dúvida que você vai viver
momentos de grande paixão, nos braços de uma mulher
muito atraente, morena, de olhos negros e sangue
escaldante. Uma morena que está desejando tê-lo apertado
contra o peito, sufocá-lo com beijos quase violentos e...
Calou-se e ergueu os olhos para o elegante milionário.
Seus olhos diziam muito mais do que as palavras. Tinha
as pupilas brilhantes, os lábios úmidos e a respiração
profunda e descompassada fazia erguer e abaixar os seios
firmes e tentadores.
Kirkpatrik desceu o rosto e seus lábios colaram- se
impetuosamente aos da bela mulher, que se apertou contra
ele, as pernas formando uma espécie de tenaz, aprisionando
o corpo vigoroso do companheiro. As mãos ávidas e
experientes de Kirkpatrik percorreram demoradamente o
corpo estonteante da morena, desvendando segredos
perturbadores que fizeram a temperatura subir alguns graus.
As roupas de ambos, como frágeis armaduras contra as
investidas da paixão e do desejo, foram parar no chão em
poucos segundos, arrancadas freneticamente, e em breve os
dois corpos nus se entrelaçavam, num cântico sublime de
paixão.
Meia hora mais tarde, exaustos, mas saciados, os dois
repousavam no chão, as costas apoiadas no sofá, quando o
telefone tocou insistentemente.
Protestando contra a intromissão, Meg estendeu o braço
e pegou o fone. Por alguns instantes escutou e, com uma

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careta de desagrado, murmurou, entregando o aparelho para
o milionário.
— Ê para você, Horace. Um tal de mister Smith.
Kirkpatrik franziu a testa e pegou o fone.
— O que ele quererá a uma hora destas?
— Pergunte para ele e mande-o para o inferno, da
minha parte. Essa gente parece que faz questão de
interromper os melhores momentos dos seus semelhantes...
Kirkpatrik conteve uma risada e falou:
— Alô? Horace Kirkpatrik falando.
Do outro lado da linha chegou a voz firme de um
homem:
— Horace? Preciso vê-lo com urgência. Trabalho
importantíssimo. Me procure no escritório dentro de trinta
minutos.
— Algo grave, mister Smith? — perguntou, ainda de
testa franzida.
— Muito. Venha logo.
O elegante milionário desligou com uma expressão de
contrariedade.
— Sinto muito boneca, mas vamos ter que interromper
nosso romance. Aconteceu algum problema de certa
gravidade numa de minhas usinas e preciso ir ver o que foi.
A bela mulher fez um muxoxo de desagrado e
sussurrou:
— Cretinos! Incompetentes! Não podem resolver nada
sem gritar pelo chefe? Será que precisavam nos
interromper, logo agora?
— Pode deixar o champanhe no gelo, amor. Não vou
demorar, com certeza.
Pouco depois, deixava o apartamento da bela morena e
partia ao encontro de mister Smith, aliás, mister Lattuada,
chefe do Departamento 77 da CIA.

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***

Horace Young Kirkpatrik, além de milionário e


badalado playboy das altas esferas internacionais,
desempenhava ainda uma outra função em sua vida
interessantíssima. Era um aspecto desconhecido de todo o
mundo, à exceção de um número reduzidíssimo de pessoas,
entre elas seu chefe direto, mister Lattuada.
O atraente milionário era, também, o temido agente fora
de série da CIA, sob o código 77Z. O agente 77Z atuava sob
a égide do Departamento 77, da CIA, embora muitas vezes
agisse como o temível Máscara Negra, para o DCA
(Department of Couvert Activities), ramo supersecreto da
agência, dedicado a atentados e sabotagens políticas
internacionais e espionagem científica de alto gabarito.
Tratava-se de uma faceta desconhecida do grande
amoroso, um aspecto de sua personalidade que o tornava
um ser frio, calculista, extremamente inteligente, para quem
a missão que lhe cabia resolver vinha acima de qualquer
outra coisa. Nesse caso transformava-se numa verdadeira
máquina de espionagem, capaz de decifrar enigmas que o
mais comum dos mortais nem se atreveria a equacionar. Sua
vida corria perigo em todas as missões para que era
designado, especialmente porque seus extraordinários
serviços apenas seriam requisitados por mister Lattuada
para casos que exigiam uma capacidade incomum, pela
sutileza e perigo que envolviam.
O temido agente 77Z atuava normalmente sozinho.
Porém, recentemente, o departamento escalara uma jovem
de rara beleza e inteligência para trabalhar com ele, como
coadjuvante. Tratava-se de Violet Baltimore, de pouco mais
de vinte anos, corpo escultural e bem treinado para qualquer

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tipo de luta. Inicialmente relutante, Kirkpatrik acabou
aceitando a colaboração da bela espiã, tendo terminado a
missão satisfeito com ela. Isso significava que voltariam a
trabalhar juntos, até porque Violet Baltimore era agora o
único agente, americano ou estrangeiro, efetivamente
trabalhando, que conhecia a verdadeira identidade de 77Z.
Kirkpatrik pensava nela enquanto dirigia seu
conversível pelas ruas pouco movimentadas de Manhattan,
às três horas da madrugada, ao encontro do autor do
telefonema que o arrancara dos braços da bela Meg Stuart,
estrela de um espetáculo canadense de patinação no gelo
que se apresentava no Madison.
O irresistível playboy acabou confessando a si mesmo
que Violet Baltimore era na verdade uma companhia
agradável, sedutora mesmo. Não seria má idéia se o chefe
do Departamento 77 houvesse decidido colocá-la mais uma
vez ao seu lado, na missão que certamente tinha reservada
para ele nesse momento.
Quarenta e cinco minutos depois, estava sentado diante
do homem grave e sisudo que dirigia o departamento.
Mister Lattuada dispensou as formalidades de
saudações costumeiras, as ironias e jogos de palavras que
gostava de trocar com o inteligente subordinado, e foi direto
ao assunto:
— Você tem um trabalho delicadíssimo pela frente,
Horace.
Kirkpatrik acendeu um aromático cigarro e olhou em
volta. Estavam num discreto escritório num dos muitos
arranha-céus de Manhattan e quem os observasse de longe
jamais poderia imaginar que estava diante de dois dos
homens mais poderosos no campo da espionagem
internacional.

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— Presumi isso mesmo assim que entrei e vi seu rosto,
mister Lattuada. Normalmente você diz uma piada,
pergunta como vão as garotas, o aço, minha saúde, essas
banalidades amenas. Hoje, porém, manteve-se fechado
como uma ostra. O que aconteceu?
— Você já ouviu falar do shanton Kahslar, suponho...
— começou o chefe do Departamento 77.
O agente 77Z franziu a testa e chupou vigorosamente o
cigarro.
— O líder político e religioso de Sant’Anna?
— Esse mesmo. O homem que, com sua impensada
atitude ao sequestrar quarenta e sete cidadãos americanos,
está conseguindo colocar em perigo a segurança e a paz
mundiais.
O milionário esboçou uma expressão de incredulidade.
— Não está dramatizando demais, chefe?
— Não. Infelizmente, não estou. O shanton insiste em
dar carta branca aos jovens revolucionários sanfannenses
que ocuparam nossa embaixada e eles estão dispostos a
julgar todos os nossos funcionários como espiões. O mais
grave é que eles serão julgados num tribunal popular,
revolucionário, a priori hostil a nosso país, como toda a
juventude idealista de Sant’Anna.
— Eles não se atreverão tanto, mister Lattuada — sorriu
o agente 77Z, dubitativo.
O chefe do Departamento balançou gravemente a
cabeça.
— Você não conhece essa gente, Horace. Eles se
atreverão a isso e a muito mais. Se não tomarmos
providências, os prisioneiros serão realmente julgados por
espionagem, provas serão forjadas e alguns serão
condenados estupidamente. É claro que mantemos naquela
embaixada um serviço permanente de informações, mas

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isso acontece em toda a parte do mundo. Ê quase uma tática
aceita e respeitada internacionalmente. Não é motivo para
o que está acontecendo.
Kirkpatrik cofiou a ponta do queixo com o polegar da
mão esquerda e perguntou:
— Na sua opinião, chefe, a que se deve tudo isso? Qual
é o verdadeiro objetivo dessa absurda atitude?
— É evidente que se trata de uma forma de cativar as
simpatias do mundo, em especial do próprio povo de
Sant’Anna, que se sentirá orgulhoso de ter líderes que se
atrevem a enfrentar os poderosos Estados Unidos. O mais
absurdo, o mais ridículo, é que o shanton acredita poder sair
vitorioso desta contenda.
— Demagogia apenas. Ele deve saber que os Estados
Unidos dispõem de poder suficiente para pressionar o
mundo inteiro, de forma a isolar Sant’Anna de maneira
catastrófica para o próprio shanton Kahslar.
— Lamentavelmente, Kahslar parece ter perdido o
senso da realidade, a noção de suas exatas dimensões e
alcances. Está confiante em que seu petróleo e seu gás
natural são o bastante para boicotar qualquer tentativa de
isolamento preparado por nós. Enquanto isso, vão dirigindo
seus ataques frontalmente para o governo americano,
apelidando o povo dos Estados Unidos de pobres vítimas
exploradas por um governo inepto e corrupto. Com isso
pretendem desencorajar qualquer atitude mais enérgica de
nossa parte, que teria forçosamente de merecer o apoio do
povo, depois do desastroso Vietnã.
— E se deportássemos o ditador deposto? — alvitrou o
agente 77Z. — Afinal, parece que eles pretendem é julgá-
lo e condená-lo, pelos crimes que eventualmente tenha
cometido durante os anos de seu governo.

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— Esse é um ponto de honra de Washington. Por mim,
talvez acabasse entregando o ditador para esses loucos e
eles que resolvessem tudo à sua maneira. Infelizmente, eu
não tenho o poder de determinar o que Washington deve
fazer. Dessa forma, nosso presidente está igualmente
servindo-se da crise para fortalecer sua posição com vistas
às próximas eleições, mostrando uma imagem forte e
generosa, inflexível perante as pressões e ameaças de
loucos como o shanton.
— Politicamente compreensível, claro. Bom, mas o que
é que eu tenho a ver com a situação? Onde é que eu entro,
nessa história de loucos?
— Você pode ajudar a resolver a crise, Hora- ce.
— Eu? Como? Pelo que entendi, pertenço a essa elite
que eles abominam, a quem chamam de porcos
imperialistas do capital, embora eles não sejam
propriamente comunistas.
— Nem propriamente nem de outra forma qualquer,
Horace. Eles são visceralmente contra o comunismo, mas
detestam igualmente o capitalismo. Acredito que, no fundo,
nem eles mesmos sabem o que são, que linha ideológica
seguem. De qualquer forma, isso não está em questão neste
momento.
— Bom, o que é que está em questão, chefe? —
perguntou pacientemente o louro agente 77Z.
— É preciso resgatar aqueles reféns, Horace. É a única
forma de desmoralizar o shanton, sem atacá-lo
frontalmente. Um ataque militar é o último recurso para que
nosso governo apelará, embora muitas vozes se tenham já
erguido no Congresso e nos jornais pedindo uma
intervenção militar naquele país. É quase certo que
poderíamos contar com o apoio soviético, que invadiria o
país pelo norte, apoderando-se dos lençóis e refinarias de

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gás natural, muito importantes para a União. Soviética.
Porém, no momento a ação militar está fora de cogitação.
O agente 77Z franziu a testa.
— Espere um momento, chefe... Não está pensando que
eu posso entrar no edifício da embaixada e libertar quase
meia centena de pessoas, enfrentando todo o exército de um
'shanton meio louco, não é?
O chefe do Departamento 77 da CIA esboçou um meio
sorriso pouco convincente, olhou com insistência as pupilas
cinzentas do agente e murmurou por fim:
— Para lhe falar a verdade, Horace, é mais ou menos
isso que eu estou pensando.
Kirkpatrik balançou a cabeça, perplexo.
— Vocês devem ter ficado todos loucos...
— Nem tanto, Horace. Tenho certeza de que você
conseguirá fazer alguma coisa, especialmente para libertar
dois dos homens que se encontram dentro da embaixada.
— Dois homens... — ecoou o louro agente.
— Exato. Entre os quarenta e sete prisioneiros, dois
deles podem tomar-se perigosos, porque sarem demais
sobre algumas coisas.
— Homens da CIA?
— De certa forma. São agentes duplos, que se
encontravam de passagem por Sant’Anna, com importantes
informações. Ficaram alguns dias naquela embaixada,
como parte do disfarce. Infelizmente, foram apanhados na
onda de loucura.
— Quem são esses homens?
— Barry Schuman, americano de origem alemã, e
Tennessee Bughs. Oficialmente são técnicos petrolíferos,
estagiando em Sant’Anna por algumas semanas. É preciso
tirar esses homens de lá, antes que o shanton monte a
palhaçada do julgamento popular, ou nossos amigos

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soviéticos decidam arriscar tudo numa tentativa para salvar
os mesmos dois homens, seus agentes também, e com isso
ponham em perigo a vida dos restantes quarenta e cinco
americanos.
— Compreendo. Os captores suspeitam de alguma
coisa em relação a Schuman e a Bughs?
— Não especialmente, eu acho, embora não haja
informações concretas. De qualquer forma, conseguiram
achar a documentação falsa de Schuman, que ele guardava
num fundo falso da pequena maleta que conservava em seu
poder. Nada muito importante. Apenas um passaporte com
a foto dele e um nome e nacionalidade diferentes, além de
algumas armas sofisticadas.
— Isso fez perigar a situação dos reféns, não?
— Exatamente, pois reforçou a idéia de que todos são
espiões e que é preciso julgá-los e condená-los. Acredito
mesmo que, ainda que devolvêssemos o ditador deposto, os
sequestradores manteriam seu propósito de julgar os reféns;
— Já existem informações sobre uma data provável
para esse julgamento maluco?
— Pelo que conseguimos apurar, ele estaria sendo
preparado para dentro de um mês exatamente. De maneira
oficial, porém, cie não foi marcado.
Kirkpatrik suspirou, resignadamente.
— E como acha que eu posso entrar na embaixada e
libertar essa gente? Ou, pelo menos, os dois homens
especiais?
— O objetivo principal é libertar Schuman e Bughs,
claro. Mas o resultado ideal seria a libertação de todos os
reféns. Sei que isso não é tarefa fácil, mas se o
conseguíssemos vibraríamos um golpe definitivo no
shanton. Aliás, seu rival político, um outro shanton de nome
Palmak, está fortalecendo-se no leste do país e um golpe

— 24 —
dessa natureza sobre Kahslar seria a brecha por onde ele
penetraria, para derrubar definitivamente esse louco
megalómano.
— Compreendo. A intenção é, indiretamente, dar uma
mãozinha a Palmak, forçando-o a uma atitude, no momento
em que o prestígio de Kahslar e seus correligionários se
encontre abalado.
— Exatamente, Horace. Você pode conseguir isso,
tenho certeza.
— Muito bem. Vamos supor que haja alguma chance.
Para começar, como é que eu vou me aproximar dos reféns?
— Isso já foi arranjado por nós. Conseguimos, depois
de muitos esforços e graças à mediação de um país vizinho,
que o shanton permitisse a entrada de três religiosos: um
católico, um protestante e um batista, para a celebração de
serviços religiosos para os reféns.
Kirkpatrik não conteve uma risada nervosa.
— Está querendo me dizer que eu serei um padre, desta
vez?
— Exato. Não um padre católico, mas um reverendo
protestante, moderno, descomplexado, sem preconceitos. O
reverendo Young; Hynes Young Jr., de Minnesotta. É
bastante parecido fisicamente com você e até suas vozes são
idênticas. Só lhe peço que tenha cuidado com as mulheres
que fatalmente existem dentro da embaixada. Refiro-me a
mulheres de Sant’Anna, revolucionárias também, mas
jovens e provavelmente bonitas. Lembre-se que está na pele
de um pastor protestante, que, apesar de assedia do pelo
belo sexo, é conhecido por levar uma vida exemplar em
Minnesotta.
Kirkpatrik soltou uma nova gargalhada.
— Pode ficar tranquilo. Se eles me aceitarem, verão
exatamente um reverendo protestante, recatado e pudico. E

— 25 —
meus dois companheiros religiosos? Eles são realmente
genuínos? E sabem quem eu sou?
— Não. Tivemos o cuidado de escolher reverendos que
não se conhecem, nunca tiveram o menor contato e não
representem o perigo de se reconhecerem ou criarem
situações embaraçosas uns para os outros. Claro que eles
são genuínos.
— Está bem. Seja o que Deus quiser. E que as bênçãos
do Céu caiam sobre mim, nesta missão. Do contrário,
estarei perdido... — ironizou o louro milionário.
— Tudo dará certo, tenho certeza.
— Obrigado pela fé e confiança que deposita neste
ministro do Senhor. Quando devo partir?
— Amanhã à noite. O avião sairá de Nova York às oito
horas. Seus companheiros estarão no aeroporto, esperando.
Nesta pasta você tem tudo o que precisa saber sobre a
situação, os reféns, especialmente Schumann e Bughs, o
shanton e seu rival, além de uma completa biografia sobre
Hynes Young Jr. Dedique o tempo que lhe resta para ler
tudo isso, pois não poderá levar estes documentos com
você, logicamente.
— Claro. É mais uma noite que ficarei sem dormir e um
novo programa estragado.
— Sinto muito, Horace.
O agente 77Z fez um gesto vago com a mão.
— Você gosta de patinação no gelo, mister Lattuada?
— Patinação no gelo? Está brincando comigo?
— Não. É sério.
— Está bem. Claro que gosto. Por quê?
Kirkpatrik retirou um ingresso do bolso.
-— Então vá assistir a esse espetáculo. Repare bem
numa morena exuberante de grandes olhos negros, a estrela
do show. Chama-se Meg Stuart e é canadense. Tente falar

— 26 —
com ela e explique-lhe que uma de minhas fábricas sofreu
uma sabotagem gravíssima, em Estocolmo, por exemplo, e
eu tive que voar para lá.
— Mas o que significa isto?
— Significa que estou deixando em suas mãos uma das
mais belas e escaldantes mulheres de minha vida, que o
shanton acaba de me roubar.
O chefe do Departamento 77 esboçou um sorriso
compreensivo e meteu o ingresso no bolso do paletó.
— Está bem. Pode ficar sossegado. Guardarei a
pombinha para você.
— Ótimo. Pode beber o champanhe que está no gelo,
mas tenha cuidado...
— Cuidado?
— Isso mesmo. A avó de Meg era cigana e ensinou-lhe
a arte da quiromancia. Se ela lhe pedir a mão para ler,
obedeça imediatamente...
Com uma nova risada, o agente 77Z levantou-se e
deixou o escritório onde se encontrara com mister Lattuada.

— 27 —
CAPÍTULO SEGUNDO

Um líder inseguro

Issar Bash olhou detidamente os homens que tinha na


sua frente.
O primeiro era negro. Chamava-se Ted Palmer e era
pastor batista. Devia ter uns sessenta anos, cabelos quase
inexistentes e olhos negros e vivos.
O segundo, um ruivo alto, de barba curta e enrolada,
tinha olhos azuis, brilhantes, sardas no rosto ossudo e
queixo proeminente. Chama-se Fred Mansfield e era padre
católico. Sua idade não ultrapassava os trinta anos.
O terceiro, alto e louro, olhos cinzentos e queixo firme,
quadrado, denotava fortaleza incomum e não devia ter mais
de trinta e cinco anos. Atendia pelo nome de Hynes Young
Jr. e era pastor protestante.
— Espero que vocês saibam qual é, exatamente, seu
papel dentro da embaixada, senhores — disse
cerimoniosamente o jovem revolucionário, fitando-os um
por um.
— Naturalmente, jovem — sorriu beatifica- mente o
louro protestante. — Nosso papel é apenas o de dar um
pouco de conforto moral a nossos compatriotas, nesta dura
crise que o Senhor lançou sobre eles e sobre o povo de duas
grandes nações.

— 28 —
Kirkpatrik sentia-se bem no papel de Hynes Young. As
palavras pareciam afluir com naturalidade a seus lábios,
traduzindo uma crença e uma fé genuinamente vocacionais.
— Esse deve ser, exata e estritamente, o papel de vocês
nesta embaixada. Dar assistência espiritual e moral a seus
compatriotas, enquanto durar a crise entre nosso país e os
Estados Unidos.
— Foi muita bondade sua, permitir que viéssemos, meu
amigo — falou Mansfield, pela primeira vez.
— A Igreja Católica está realmente evoluindo, —
comentou o revolucionário. — Acredito que, há alguns
anos, numa situação destas, teriam mandado um velho cura,
calvo e barrigudo, vestindo um hábito negro, de colarinho
impecavelmente branco.
Fred Mansfield sorriu com franqueza e retorquiu:
— Nosso mundo está em constante evolução.
meu amigo. É natural que a Igreja acompanhe essa
evolução, não acha?
— Não disponho de argumentos suficientes para
enfrentar uma discussão teológica, padre. Por isso, é melhor
que me abstenha de responder a sua pergunta.
— A fé não necessita de argumentos, irmão — interveio
o pastor batista, Ted Palmer.
— Também não se trata de uma questão de fé,
reverendo. De qualquer forma, e sem pretender ofender os
demais, devo confessar que, desde já, minha simpatia fica
em primeiro lugar com você, por pertencer a uma classe
oprimida, marginalizada e discriminada em seu próprio
país: os negros.
Tel Palmer apertou os lábios numa expressão de
contrariedade.
— Não gostaria de manter uma discussão com você a
esse respeito, irmão. Basta que eu saiba que, perante o

— 29 —
Senhor, todos os homens terão que se despir de suas
roupagens terrenas, sejam elas brancas, amarelas, negras ou
vermelhas e lembrar-se de que a alma não tem cor.
— O argumento clássico. Mas está bem. Desejo que
tenham sorte em suas missões e que não nos criem
problemas.
— Como você mesmo disse, meu jovem, nosso papel é
apenas o de levar o conforto moral e espiritual a nossos
irmãos e compatriotas — sorriu o louro pastor protestante.
— Exatamente. E considero muito saudável que não
esqueçam isso em momento algum.
— Não esqueceremos, jovem amigo.
— Ótimo! Mandei preparar um dos quartos da ala leste
da embaixada, onde poderão instalar- se. Sinto muito não
lhes oferecer nada mais confortável, mas as dependências
do edifício não são tão vastas que permitam maiores
confortos. Terão que ficar os três no mesmo quarto.
— Para mim, está ótimo, meu amigo — sorriso católico.
— Para mim, também — acrescentou o batista.
— Nosso corpo pode repousar em qualquer canto,
jovem amigo — disse o protestante. — Nossa alma, esta
sim, repousa na generosidade divina e é o que lhe basta.
— Você fala muito bem, reverendo. Como é mesmo o
seu nome?
— Hynes Young Jr. Pode me tratar de reverendo
Young, ou simplesmente Young, ou Hynes. Como quiser.
— Ótimo, reverendo Young. Eu sou Issar Bash e dei
ordens para que sejam tratados de acordo com suas
posições.
— Obrigado pela gentileza, Bash — murmurou
Kirkpatrik.
— Quero também que saibam que vocês não são
prisioneiros. Poderão deixar a embaixada quando quiserem.

— 30 —
Se isso acontecer, não poderão voltar, é claro, mas talvez os
tranquilize saber que não estão prisioneiros e que os reféns
estão sendo bem tratados.
— Os sentimentos humanitários devem presidir a todas
as atitudes dos homens — sorriu o reverendo Hynes Young.
— Isso quer dizer que os homens não devem explorar e
humilhar seus semelhantes, não é mesmo, reverendo? —
ironizou o revolucionário.
— Exatamente. Eu sei que existem muitas Injustiças
neste mundo de Deus e nossa obrigarão e lutar contra elas,
através do ministério da fé.
— Cada um luta com as armas de que dispõe, reverendo
— comentou Issar Bash. — Vocês poderão lutar com o
ministério da fé. Eu e meus companheiros usamos a força
para aplacar um pouco a fúria das injustiças.
— Violência gera violência, Bash — retorquiu o
reverendo protestante. — Vocês poderiam dar um exemplo
de grandeza e fraternidade ao mundo, libertando esses
pobres reféns, ue afinal nada têm a ver com os eventuais
erros de seu governo.
Issar Bash levantou-se, contornou a mesa que havia
pertencido ao embaixador William Craig e parou diante do
americano.
— Está começando a revelar seu jogo, reverendo
Young?
Hynes Young, aliás Kirkpatrik, sorriu pacientemente e
murmurou:
— Você é um jovem muito inseguro, cheio de
incertezas e desconfianças, não é, Bash?
— Não sou eu quem está em julgamento, reverendo.
Você veio aqui unicamente para prodigalizar a seus
compatriotas o conforto espiritual de que carecem. Evite,

— 31 —
portanto, comentários sobre nossa atitude ou opiniões sobre
o que devemos ou não fazer.
A voz do jovem revolucionário de Sant’Anna havia
endurecido bastante e seus olhos brilhavam estranhamente.
— Não precisa ficar irritado, Bash. Fiz apenas um
comentário honesto e sincero.
— Pois evite esses comentários, reverendo, se quiser
ser bem tratado em nosso país.
— Permita-me apenas lembrar que isto é uma
usurpação, que a embaixada é território maricano que vocês
estão invadindo estupidamente — disse friamente o
reverendo Young.
Issar Bash empalideceu. Era na realidade um jovem
cheio de dúvidas e incertezas e o fato de um religioso ousar
contrariá-lo irritava-o profundamente.
— Você está agindo de maneira muito mais estúpida,
reverendo. Sua pele não valerá muito, se insistir em nos
hostilizar.
— Assim você não estará lutando pela justiça, meu
jovem amigo. Invasão é crime internacional, embora eu não
esteja aqui para julgá-lo ou acusá-lo. Mas creio que o
próprio shanton Bahslar desaprova esta sua atitude,
especialmente porque ele também é um líder religioso.
— Você fala demais, reverendo Young... E estou
começando a perder a paciência com você.
Kirkpatrik sorriu cinicamente.
— Como eu disse, você é um jovem cheio de incertezas
e inseguranças.
Issar Bash acabou perdendo definitivamente a cabeça.
Lançou-se sobre o reverendo americano, de mão erguida e
disposto a golpeá-lo.
Os outros dois religiosos avançaram, tentando impedir
a agressão, mas não teriam chegado a tempo.

— 32 —
Kirkpatrik, porém, não estava disposto a deixar-se
agredir. Esquivou levemente o corpo para a direita e ergueu
ambas as mãos, segurando com firmeza de ferro o pulso de
Bash.
O rapaz gemeu alto, soltou uma imprecação e seu rosto
ficou rubro de indignação.
Nesse momento a porta abriu-se e dois outros jovens
revolucionários entraram, correndo para Kirkpatrik.
Agarraram-no fortemente pelos braços, imobilizando-o, e o
agente fora de série da CIA pensou que tinha ido longe
demais na provocação.
Porém Issar Bash fez um esforço sobre-humano e
controlou-se.
— Levem-no daqui, rapazes! É um elemento perigoso
e sua liberdade acabou neste momento. Juntem-no com os
outros reféns e que seja tratado como eles.
Os dois começaram a arrastar Kirkpatrik e Ted Palmer
adiantou-se.
— Você não está agindo de maneira coerente, meu
irmão — murmurou com firmeza. — O irmão Hynes Young
é apenas um reverendo, um servo do Senhor, e não pode ser
tratado desta maneira.
— O reverendo Young fala e pensa demais sobre
assuntos que não lhe dizem respeito. Isso o torna um
homem perigoso e eu preciso manter a segurança dentro da
embaixada, até que seu governo cínico decida nos entregar
o ditador.
— O ditador é um homem doente, que precisa de
tratamento, antes de poder decidir sobre sua vida. Vocês
não têm o direito de fazer isso com ele, por enquanto. Por
que não esperam que ele se restabeleça e esteja em
condições de viajar. Talvez ele decida entregar-se, então, e
tudo estará resolvido.

— 33 —
— Muitos dos reféns desta embaixada são espiões a
serviço dele e do cínico governo que o acoberta.
— Você está exagerando, meu jovem — interveio
Mansfield. — São simples funcionários diplomáticos. Além
disso, cumprem ordens, ainda que elas possam desagradar
vocês.
— Conversa fiada, reverendo. Tudo isso não passa de
conversa fiada. Vão para seus aposentos e comportem-se
apenas como religiosos.
— O que vai acontecer com o reverendo Young? —
perguntou Palmer.
— Nada. Ele simplesmente se transformou em mais um
refém. Só isso. Ficará junto com os outros, até que a
situação se defina.
— Você não pode fazer isso com ele, Bash — atalhou
Mansfield.
O jovem revolucionário soltou uma risada.
— Tanto posso que estou fazendo.
Ted Palmer suspirou resignadamente e, voltando-se
para Kirkpatrik, murmurou:
— Sinto muito, reverendo.
Kirkpatrik sorriu com tranquilidade e respondeu:
— Não se preocupe, reverendo Palmer. Bash e seus
seguidores ainda acabarão por reconsiderar e concluir que
estão agindo erradamente.
— Quando poderemos ver os reféns? — perguntou
Mansfield.
— Amanhã de manhã, reverendo Mansfield. Agora vão
para seus aposentos e tratem de repousar. Assim talvez de
manhã estejam mais lúcidos e saibam melhor o que lhes
convém. Isto é, não nos hostilizar.
Os dois religiosos inclinaram as cabeças e deixaram-se
conduzir por um dos soldados revolucionários, enquanto o

— 34 —
outro arrastava Kirkpatrik, sob a ameaça de uma
metralhadora.

— 35 —
CAPÍTULO TERCEIRO

Sumiço na embaixada

Contra o que se pensava fora da embaixada, não havia


quarenta e sete reféns, mas apenas quarenta e um, incluindo
Schuman e Bughs.
Kirkpatrik foi literalmente jogado dentro do salão onde
os quarenta e um homens faziam toda sua vida, à exceção
das necessidades fisiológicas, para o que existia um
banheiro anexo ao salão, que servia para todos.
As idades dos reféns oscilavam entre os vinte e seis
anos, um texano de nome Bill, e os sessenta e quatro de um
homem calado e grave, natural de Indiana.
De um modo geral os prisioneiros estavam bem de
saúde e não pareciam maltratados, a exceção de três deles,
que apresentavam diversas equimoses pelo corpo e pelo
rosto, produto, sem dúvida, de agressões violentas.
Os homens olharam Kirkpatrik com desconfiança no
começo e uma ponta de esperança mais tarde.
— Olá, amigos — saudou o agente fora de série da CIA.
— Eu sou o reverendo Hynes Young Jr. Fui mandado por
Washington, juntamente com o reverendo batista Tel
Palmer e o padre católico Fred Mansfield. Nossa missão é
prestar assistência religiosa aos reféns. Inicialmente nós três
éramos livres para sair da embaixada quando quiséssemos,
mas depois de algumas palavras que troquei com esse

— 36 —
palhaço chamado Issar Bash, minha liberdade foi cancelada
e estou, agora, nas mesmas circunstâncias que vocês. Sou
mais um refém. Os outros dois religiosos encontram-se num
quarto separado, podendo sair quando quiserem...
Os prisioneiros seguiam atentamente cada palavra
pronunciada por Kirkpatrik. Um deles, com cerca de
cinquenta anos, adiantou-se e estendeu a mão para o
suposto reverendo Hynes Young Jr.
— Bem-vindo ao clube, reverendo. Eu sou William
Craig, embaixador americano em Sant’Anna. Como vê,
aqui reina a mais completa democracia. Todos somos
prisioneiros dos mesmos loucos, com os mesmos direitos.
Isto é, todos podemos continuar vivos, respirar, ir ao
banheiro duas vezes por dia, ler propaganda ideológica
desses idiotas, olhar as caras dos guardas quando nos
trazem a comida e escutar piadas sobre um pretenso
julgamento sob a acusação de espionagem.
Kirkpatrik sorriu suavemente.
— É agradável ver que consegue ainda manter o senso
de humor, embaixador. No entanto, receio que tenha uma
notícia desagradável para todos vocês.
William Craig olhou-o de testa franzida.
— É difícil conseguir achar uma notícia desagradável a
esta altura dos acontecimentos, reverendo Young.
— As notícias sobre o julgamento por espionagem não
são uma piada. Extraoficialmente fui informado de que esse
julgamento está previsto para dentro de um mês,
aproximadamente.
O embaixador empalideceu, mas ficou silencioso. Um
outro homem, de cerca de quarenta anos, adiantou-se e
bradou:
— Mas será possível que ninguém faça nada? Estes
homens estão loucos, completamente inebriados pelo poder

— 37 —
e querem nos transformar em bodes expiatórios de qualquer
jeito. Entreguem logo o ditador que eles exigem, para que
possamos ser libertados. Eu sofro de diabetes e preciso de
alimentação adequada, que não tenho aqui. Outros têm
problemas de coração, colesterol, fígado, etc. etc. Não
dispomos de recursos para nos tratarmos e mais um mês
nesta situação pode ser desastroso. Além disso, esse
julgamento é a coisa mais absurda que já ouvi.
Kirkpatrik assentiu gravemente com a cabeça.
— Concordo com você, meu amigo. Não sei qual é a
sua crença religiosa, mas aconselho-o a ter fé no Senhor. Eu
sou reverendo protestante e se puder ajudar em alguma
coisa...
Q homem soltou uma imprecação e grunhiu:
— E para que é que nós precisamos de um reverendo,
nesta altura dos acontecimentos? Deveriam ter mandado de
Washington um pelotão de comandos, para nos libertarem,
como os israelenses fizeram em Entebe. Não três religiosos
que apenas podem invocar o nome de Deus e esperar um
milagre!
O embaixador adiantou-se e colocou a mão no braço de
Kirkpatrik.
— Desculpe nosso amigo Reynolds, reverendo. Ele é o
segundo secretário da embaixada e dos que mais
dificilmente estão aguentando esta situação. Aliás, todos
nós estamos muito nervosos, compreensivamente, eu acho.
Kirkpatrik sorriu com indulgência.
— Claro, claro. Pode ficar sossegado, embaixador. Eu
entendo perfeitamente o que está acontecendo e não o
censuro, nem aos seus colaboradores. Toda a opinião
pública, americana e mundial, está abalada com o que
aconteceu aqui e pede medidas drásticas e imediatas para a
solução do impasse.

— 38 —
— E o que foi que nosso governo fez até agora?
— Tomou uma série de medidas de caráter político e
econômico, convocou o Conselho de Segurança da ONU e
o Tribunal Internacional de Haia, que condenaram
veementemente o sequestro, e espera-se que a qualquer
momento o shanton Kahslar reconheça a incongruência da
situação e ordene que os reféns sejam libertados.
Reynolds adiantou-se mais um passo e bradou:
— Ele não vai fazer isso nunca, por esse processo,
reverendo. Kahslar é completamente louco e seus
seguidores são fanáticos doidos, como esse jovem
revolucionário, Issar Bash e seus correligionários. Se
Washington não usar a força, jamais sairemos daqui. Vivos
pelo menos.
Kirkpatrik acendeu um cigarro e percorreu a sala com
os olhos.
— Pelo que sabemos lá fora, devia haver quarenta e sete
reféns. Mas pelo que vejo há apenas quarenta e um. O que
aconteceu?
— Faltam seis, realmente, em relação ao número
original de prisioneiros. Eles foram levados por Issar Bash
e não voltaram até hoje.
O embaixador murmurou com tristeza:
— Até hoje não entendemos por que levaram aqueles
seis. Pensamos que teriam sido libertados, mercê de algum
acordo, mas depois nos desmentiram isso. Um deles voltou,
ainda, mas levaram-no outra vez no dia seguinte. Era
Tennessee Bughs e estava apavorado. Nem seu grande
amigo, Barry Schuman, conseguiu fazê-lo falar.
O chamado Barry Schuman adiantou-se de um grupo
que permanecia à esquerda de Kirkpatrik, para dizer:
— Eu sou Barry Schuman, reverendo. Era muito amigo
de Bughs e posso afirmar que eles fizeram alguma coisa

— 39 —
com o pobre homem. Estava aterrorizado, como que em
estado de choque. A única coisa que consegui arrancar dele
foi o medo de que, se voltassem a levá-lo, não mais
regressasse. E foi o que aconteceu...
— O que é que vocês acham que fizeram com eles,
embaixador?
William Craig estremeceu involuntariamente e
murmurou:
— Não faço a mínima idéia. Mas se tivesse realmente
sido libertado, os jornais acabariam falando e você saberia,
não, reverendo?
— Creio que sim. Mais tarde tentarei saber de Issar
Bash o que foi feito dos reféns desaparecidos.
— Bom, o que tenciona fazer, reverendo? — perguntou
Barry Schuman.
— No momento, nada. Estou confinado a este salão,
como vocês. Mas acredito que Issar Bash vai querer falar
comigo de novo e me mandará chamar. Vocês são bem
alimentados?
— Razoavelmente — respondeu o embaixador. —
Duas vezes por dia nos trazem uma refeição que tentam
parecer americana, mas que deixa muito a desejar.
Possuímos uma máquina de fazer café, a que pertencia à
embaixada e que foi colocada aqui dentro, além de um bom
suprimento de refrigerantes, água fresca e cigarros. Uma
vez por semana nos mandam uma garrafa de uísque, para
matarmos o desejo de um trago... Quanto ao resto, somos
tratados com uma fria gentileza. De vez em quando, um ou
outro guarda nos dirige um insulto mais grosseiro, mas, fora
disso, são apenas piadas de mau gosto, para nos manterem
num estado de tensão permanente.

— 40 —
— Ainda bem que não são maltratados. Espero poder
fazer alguma coisa junto de Issar Bash. Ele me parece bem
acessível, apesar de suas incertezas e dúvidas.
— O que espera fazer, reverendo?
— Não sei ainda. Mas talvez possa conseguir uma
maior liberdade de circulação pela embaixada para vocês,
naturalmente dentro das normas de segurança dos
revolucionários, jornais, revistas e outras fontes de
informação americanas, televisão, possivelmente.
— Isso eles não vão permitir. Mantendo-nos assim
podem nos contar todas as mentiras que desejem, sem que
nos possamos rebelar.
— Veremos o que eu consigo. De qualquer forma,
tenho certeza de que a Providência Divina não se esquecerá
de nós e em breve poderemos estar festejando alegremente
nosso regresso à pátria.
Um homem ainda jovem, louro e franzino, murmurou
displicentemente, do lado direito de Kirkpatrik:
— Você acredita realmente nisso, reverendo?
— Claro que eu acredito, meu jovem amigo. Como é o
seu nome?
— James Twillinger, reverendo. E acredite que.eu
gostaria de ter sua fé. Sou católico praticante, mas não
desprezo os protestantes. Só acho que está exagerando na
esperança.
— Talvez não, James. O Senhor nos ajudará, sem olhar
para o estilo de nossa crença, tenha certeza.
Nesse momento a porta pesada foi aberta devagar e dois
homens armados entraram. Traziam as metralhadoras
empunhadas com firmeza, as barbas crescidas e sorriam
cinicamente.
— Reverendo, venha conosco. Issar Bash preparou um
pequeno espetáculo e gostaria que você o assistisse.

— 41 —
CAPÍTULO QUARTO

Dois jovens inexperientes

Kirkpatrik seguiu os dois homens por um corredor


ladeado de diversas portas, desceu uma escada ampla e
chegou a um salão no andar térreo.
Ali o esperava, sorridente, Issar Bash, acompanhado de
uma mulher alta, de cabelos negros e olhos escuros. Ela
devia ter uns vinte e três ou vinte e quatro anos, corpo
esbelto, seios agressivos e cintura estreita.
— Mandou me chamar, Bash? — perguntou
calmamente o suposto reverendo Hynes Young.
— Mandei, sim, reverendo. Reconsiderei e acho que fui
talvez um pouco severo demais. Esta é Mali Karpec, uma
nossa companheira de luta.
— Muito bonita para estar metida numa loucura destas,
não acha, Mali? — perguntou Kirkpatrik, com um sorriso
cativante.
A bela mulher esboçou por sua vez um sorriso e
murmurou:
— Os americanos são sempre muito gentis.
Mesmo os religiosos sabem apreciar a beleza
feminina...
— A beleza da mulher é uma dádiva de Deus e, como
tal, deve ser admirada por todos... desde que não sejam
cegos.

— 42 —
— Obrigada, reverendo Young.
. — Bom, chega de conversa fiada e vamos ao que
interessa — cortou asperamente o revolucionário. — Não o
chamei aqui para que admire a beleza de Mali Karpec.
— Imagino que não, amigo Bash. Seus homens falaram
de um espetáculo.
— Exatamente. Com certeza você já foi informado
sobre o desaparecimento de seis dos reféns, não?
— Já, sim. E tencionava justamente perguntar-lhe o que
aconteceu com eles.
Issar Bash sorriu enigmaticamente.
— Bom, entre os seis que desapareceram encontrava-se
um especial, chamado Tennessee Bughs. Esse nome lhe diz
alguma coisa?
— Não. Na realidade, e apesar de meu governo ter
insistido diversas vezes, vocês ainda não forneceram uma
lista com os nomes dos reféns.
— Tem razão. Foi um lapso de nossa parte e, inclusive,
já fomos chamados à atenção pelo ministro das relações
exteriores por causa disso. Oportunamente divulgaremos os
nomes dos detidos.
— Bom, e daí?
— Esse homem, Tennessee Bughs, é muito importante,
sabia?
— Tão importante como o são todos os seres humanos,
criaturas do Senhor.
— Não estou me referindo a isso, reverendo Young.
Bughs, além de alto funcionário, era um espião. Aliás, é um
espião, pois ainda continua vivo.
— Mais uma bobagem das suas, Bash? Como a de
julgar todos os reféns por espionagem, num tribunal
popular?

— 43 —
— O caso de Tennesee Bughs é bem mais grave. E os
outros serão realmente julgados e isso não é nenhuma
bobagem.
— Está bem. Por que é que o caso de Bughs é mais
grave?
— Porque ele é, reconhecidamente, um espião. E um
agente secreto que interessa aos Estados Unidos e à União
Soviética.
Kirkpatrik não demonstrou qualquer reação diante da
informação exata do revolucionário.
— Vocês estão positivamente loucos, meu jovem
amigo. Já veem espiões e inimigos em toda a parte...
Bash ruborizou-se de indignação. Porém conteve seu
mau humor e conseguiu responder, de maneira sorridente:
— Não é loucura, reverendo. Bughs é um homem que
interessa tanto aos soviéticos, que o embaixador russo tem
feito inúmeras pressões para conseguir sua libertação.
— Isso não prova que ele seja um espião.
— E por que os russos se interessariam tanto por ele?
Exclusivamente por ele?
— Não sei. Alguma razão deve existir, com certeza bem
diferente do que vocês pensam.
— Temos informações de nossos serviços secretos,
muito concretas, aliás, sobre Tennessee Bughs. E de outros,
também. De qualquer forma, isso não importa agora. É fato
pacífico que estamos diante de um perigoso espião, sem
dúvida um agente duplo, o que significa que ele tem
informações preciosas, que nossos escalões mais altos terão
muito interesse em conhecer.
— Já o interrogaram?
— Claro. Mas ele nega-se a dizer seja o que for.
— E por que me chamou aqui? O que é que eu tenho a
ver com tudo isso?

— 44 —
— É muito simples. Você é um pastor protestante, da
mesma religião de Tennessee Bughs. Isso significa que ele
provavelmente vai abrir-se com você, contando-lhe coisas
interessantes. Está muito combalido e não se vai opor a
fazer-lhe confidências.
Kirkpatrik balançou negativamente a cabeça.
— Jamais eu lhe revelaria o que esse homem me
confessasse na qualidade de Ministro do Senhor.
Issar Bash encolheu displicentemente os ombros.
— Essa atitude poderá agravar a situação dele e a sua,
reverendo. Seria bem melhor para todos que ele confessasse
de uma vez. Evitaria, inclusive, o julgamento público.
— Já disse isso para ele?
— Já. Mas não quis me ouvir.
— Então eu não posso fazer nada, Bash.
— No seu lugar, reverendo, não estaria tão renitente.
— Você no meu lugar faria exatamente o mesmo que
eu. Posso conversar com meu compatriota, mas não tentarei
extorquir-lhe o que quer que seja. E tudo o que ele me
revelar ficará apenas comigo.
Issar Bash aproximou-se bastante de Kirkpatrik e
segurou-o pelas abas do paletó.
— Pode estar assinando sua condenação e a de Bughs,
reverendo Young — disse sibilante.
— Acredito que estaríamos condenados de qualquer
maneira, meu jovem amigo...
Bash ficou rubro de indignação.
— Pek! Toska! — gritou.
Os dois guardas que haviam trazido Kirkpatrik
entraram de novo, de expressões sombrias.
— Pronto, Bash!
— Levem o reverendo Young para a ala norte e deem-
lhe uma lição. Pode ser que depois ele se decida a colaborar.

— 45 —
Os dois guardas avançaram resolutamente e agarraram
o agente 77Z pelos braços, arrastando-o para uma porta que
se abria do lado esquerdo do salão.
— Você está procedendo muito mal, Bash — disse
secamente o suposto reverendo Young.
— Vá para o inferno! Levem-no daqui!
Um dos guardas encostou a metralhadora nas costas de
Kirkpatrik e empurrou-o na direção da porta, que cruzaram
rapidamente.
— Vocês, americanos, são todos uma cambada de
estúpidos! — grunhiu um dos guardas. — Você não
concorda comigo, Toska?
— Totalmente, Pek. Esses imbecis podiam muito bem
colaborar conosco de maneira mais positiva... Seria melhor
para eles e para nós.
— Vocês são loucos, amigos — murmurou Kirkpatrik.
— O que estão fazendo é muito grave.
— Grave vai ser para vocês, se não colaborarem. Nós
odiamos espiões.
— Não há espiões nesta embaixada, Pek. Vocês estão
sendo enganados.
O guarda deteve-se e olhou duramente para Kirkpatrik.
— Enganados? O que quer dizer com isso, porco
espião?
— Isso mesmo, amigos. O governo de vocês estão se
aproveitando de um impulso de vocês para tirar partido
político de uma situação que se resolveria com um pouco
de bom senso.
— Ora, você é que está ficando maluco, reverendo.
Todos nós sabemos que vocês, americanos, estão dando
guarida ao ditador porque foram vocês mesmos que o
ajudaram a massacrar, oprimir e explorar o nosso povo. E
agora não querem que ele pague por isso. Sabem que, se ele

— 46 —
fosse julgado, vocês estariam em julgamento também. Seria
um dos maiores escândalos internacionais.
— Não diga bobagens, meu amigo. Vocês estão sendo
usados e não perceberam. Mas isso também não importa
agora. O que vão fazer comigo?
— Sinto muito, reverendo, mas nossas ordens são para
lhe dar uma lição e é isso que vamos fazer.
— Vão me agredir?
— É a única forma de ensinar certas pessoas a
colaborarem.
Tinham chegado diante de uma porta na ala norte e os
dois guardas detiveram-se.
— Entre aí, reverendo — ordenou Toska.
Kirkpatrik sorriu e avaliou suas possibilidades de
reação. Não eram muitas, mas precisava fazer alguma coisa.
— Vocês deviam pensar um pouco e ver que estão
cometendo um crime internacional, amigos.
— Cale o bico e vamos entrando — grunhiu Pek.
Kirkpatrik encolheu os ombros e entrou.
Tratava-se de um compartimento vasto, repleto de
estantes, onde se alinhavam inúmeras pastas contendo, sem
dúvida, os arquivos da embaixada. No centro havia uma
mesa ampla, sobre a qual se viam algumas pastas também e
papéis soltos. Num canto, amontoados, havia mais dossiers,
com sinais evidentes de terem sido revistados recentemente.
Os dois guardas entraram atrás do suposto reverendo
Young e Pek fechou a porta. Logo ele e o companheiro
encostaram as armas na parede e avançaram para
Kirkpatrik, com expressões claras nos rostos pouco
inteligentes.
— Muito bem, reverendo — disse Toska. — Continua
não querendo colaborar?

— 47 —
— Jamais colaboraria com um crime internacional,
meus amigos — sorriu o agente 77Z. — E se estão
esperando me impressionar, enganaram-se .
Os guardas entreolharam-se e Toska sorriu
cinicamente.
— Não queremos apenas impressioná-lo, reverendo.
Vamos ser obrigados a abrir sua inteligência com alguns
golpes, mas esperamos que sejam precisos poucos para que
comece a cooperar conosco.
Toska estava já muito perto de Kirkpatrik. No entanto,
tanto ele como o amigo eram inimigos muito fracos,
grosseiros, para um agente com a preparação do 77Z. Suas
intenções eram por demais evidentes, suas táticas tão
convencionais, que o louro americano poderia dizer,
antecipadamente, como seria o seu ataque.
Por isso não teve dificuldades para esquivar o corpo ao
primeiro murro que Toska lhe dirigiu. Foi um golpe que
pretendia surpreendei1 o suposto reverendo, atingindo-o na
face esquerda. Porém o agente fora de série da CIA iludiu o
ataque e o punho de Toska atingiu apenas o vazio.
O guarda revolucionário soltou uma imprecação e
atirou-se de novo para a frente, quando seu companheiro
estava já a pouca distância, disposto a massacrar também o
inimigo.
De repente, Kirkpatrik deixou-se cair para trás, ergueu
ambas as pernas e distendeu-as certeiramente. Os saltos de
seus sapatos acertaram com precisão os rostos dos dois
guardas, que gemeram alto e foram projetados para trás, o
sangue escorrendo do nariz e dos lábios arrebentados.
Kirkpatrik não esperou que cies se recompusessem.
Com um salto ágil estava de novo em pé, já carregando
sobre Toska, que tivera seu recuo interrompido pela mesa.

— 48 —
Um golpe cruzado de esquerda atingiu o guarda na
ponta do queixo, com a violência de um coice de mula.
Como um saco vazio o guarda girou nos calcanhares e
abateu-se pesadamente.
Seu companheiro chocara-se contra a parede e,
limpando o sangue do rosto com as costas da mão, avançou
sobre o suposto reverendo.
Foi recebido com um murro em plena testa, que o
deixou atordoado.
Imediatamente Kirkpatrik ergueu a esquerda num
gancho poderoso que acertou o fígado de Pek. O guarda
dobrou-se angustiadamente, em busca de ar que parecia ter
escapado completamente de seus pulmões.
Disposto a acabar com aquela situação, Kirkpatrik
entrelaçou os dedos e descarregou um golpe, com ambas as
mãos, na nuca do infeliz guarda de Issar 'Bash.
Pek soltou um suspiro dolorido e mergulhou em direção
ao chão, onde ficou imóvel, de bruços, o sangue escorrendo
dos ferimentos no rosto e começando a formar uma mancha
nas tábuas empoeiradas.
O agente 77Z sacudiu as roupas, esfregou as mãos e
balançou tristemente a cabeça.
Era uma pena que os jovens não entendessem como
podiam ser utilizados, em nome de seu idealismo, por gente
que estava apenas interessada em jogos políticos que nada
tinham a ver com essa mesma juventude.
Issar Bash talvez não estivesse tão cego como parecia.
Na verdade, ele parecia muito seguro de si, muito
consciente do que estava fazendo. No entanto Kirkpatrik
quase jurava que a conversa de Pek e Toska era apenas fruto
de uma catequização intensa e bem orientada.
Ia voltar-se para a porta, quando esta foi aberta
repentinamente e uma figura inesperada apareceu. Trazia

— 49 —
uma automática na mão direita e sorria, como se a cena que
estava apreciando não constituísse uma surpresa.

— 50 —
CAPÍTULO QUINTO

Consciência e dúvida

Kirkpatrik olhou para a porta e seus lábios distenderam-


se num sorriso zombeteiro.
— Seu amigo Issar Bash parece que não teve muita
sorte com os dois guardas que escolheu para mim, Mali.
A garota de cabelos negros e olhos escuros e brilhantes
tinha a boca entreaberta, numa clara expressão de
assombro.
— Vocês, religiosos, estão evoluindo bastante, sem
dúvida — murmurou. — Jamais pensei que um pastor
protestante, apesar de ser um pouco diferente dos austeros
católicos, pudesse agir dessa forma. Quero dizer, topar uma
briga corpo a corpo e deixar dois soldados nesse estado...
Kirkpatrik encolheu os ombros displicentemente e
comentou:
— Eles nunca foram e nunca serão bons soldados,
minha filha. Por outro lado, não é por sermos ministros do
Senhor que deveremos descurar a preparação de nosso
corpo físico, não acha? Da mesma forma que não posso
deixar de admirar sua beleza.
Mali Karpec sorriu lisonjeada e murmurou:
— Vocês, protestantes, podem casar, não podem?
— Claro.
— E você é casado, Hynes?

— 51 —
Kirkpatrik reparou que ela mudara a forma de tratá-lo,
passando para uma mais íntima, mas não comentou o fato.
Limitou-se a balançar a cabeça negativamente,
acrescentando:
— Sou solteiro. Sua pergunta encerra alguma
declaração amorosa, ou uma tentativa de me propor
casamento?
— Por que iria fazer isso?
— Bom, eu sou um homem culto, atraente, forte,
saudável. Você é uma mulher muito bela e apetecível.
Ambos somos jovens e livres...
Mali Karpec soltou uma risada nervosa e comentou:
— Você não é um homem livre, Hynes.
— Por que não?
— Você é prisioneiro de Issar Bash e seus
companheiros revolucionários.
— Quem lhe disse? No momento em que cu quiser sair
desta embaixada, posso fazê-lo. Os companheiros de Issar
Bash não são suficientemente perigosos e hábeis para me
impedirem.
— Está muito seguro de si, Hynes. Pode enganar-se.
— Não acredito. Vocês, ou Issar Bash, pelo menos,
doutrinaram seus companheiros de maneira muito frágil,
incoerente. São jovens carregados de dúvidas e incertezas,
fáceis de esclarecer.
— Você fala como se Issar estivesse enganando os
rapazes, Hynes...
— É evidente que está. Mentindo de uma maneira tão
grosseira que qualquer pessoa que não estivesse obcecada
por um ideal impossível teria percebido desde o começo.
— Você é um homem muito estranho, Hynes. Sabe o
que eu estou realmente pensando?
— O que é?

— 52 —
— Você não deve ser um pastor protestante.
Kirkpatrik abriu muito os olhos, numa expressão de
assombro.
— Como é que é?
— Isso mesmo... Creio que você não é um pastor
protestante.
— Não sou um pastor protestante? O que serei então?
— Não sei. Talvez um espião.
O agente 77Z soltou uma gargalhada zombeteira e
disse:
— Você é uma garota com muita imaginação, Mali.
Mali Karpec avançou alguns passos, pousou a
automática sobre a mesa e sorriu, provocante.
— Não creio que seja apenas imaginação, Hynes. Mas
pode ficar sossegado. Se Issar não descobrir por si mesmo,
da minha boca não escutará nada sobre você.
— É muita generosidade da sua parte, Mali. Mas
realmente não há motivo para isso. Eu sou um pastor
protestante, talvez um pouco avançado em relação ao que
as pessoas se acostumaram a imaginar sobre os religiosos,
mas isso não é culpa minha.
— Pode ser que seja verdade. Mas eu não acredito
muito nisso, Hynes. Você tem mais o tipo de um agente
supersecreto, desses que a gente costuma ver nos filmes
americanos. Atraente, provocante, forte, hábil em todo o
tipo de lutas, em resumo, um homem muito atraente.
— Não está mais com medo de mim, Mali?
— Por que essa pergunta?
— Você abandonou a arma...
— É verdade. Não sinto medo em relação a você.
Apenas uma grande atração. Isso o constrange?
Ela tinha fechado a porta suavemente e havia se
aproximado do louro agente da CIA. Kirkpatrik sentiu o

— 53 —
corpo quente e provocante colar-se ao seu, produzindo-lhe
uma agradável sensação de calor.
— Está tentando me testar? Tentando ver se eu cedo aos
prazeres da carne, ao desejo louco dos impuros?
— Nada disso, Hynes. Você me fascina. Sinto meu
corpo tremer de amor e desejo quando me aproximo de
você. Mas sinceramente não desejaria que você resistisse ao
apelo da carne...
Kirkpatrik sentia uma vontade louca de apertar aquela
mulher entre os braços, esmagar sua boca sedutora,
acariciar o corpo deliciosamente tentador.
. — O que é que você pensaria, se eu cedesse à sua
provocação?
— Pensaria que era um homem inteligente, só isso.
Kirkpatrik hesitou ainda por mais alguns segundos. No
entanto, se conseguisse transformar Mali Karpec numa
aliada, as coisas ficariam bem mais fáceis para ele.
Por isso, respirou fundo, esqueceu que estava
representando o papel de um pastor protestante e apertou a
garota contra ele. Seus lábios desceram sobre os dela e o
beijo foi longo, intenso, quente. Sufocada, a garota
interrompeu a carícia e, arfante, murmurou:
— Para um religioso, você é um espetáculo grandioso
beijando, Hynes.
— Gostou?
— Não chegou nem para tomar o gosto, Hynes. Quer
repetir?
O irresistível playboy voltou a apertá-la contra ele e
beijou-a mais uma vez. Ao mesmo tempo, suas mãos
conhecedoras percorreram o corpo bem feito da morena,
acariciando-a ousadamente e arrancando de sua boca
sussurros em voz rouca.

— 54 —
Há momentos em que uma mesa pode ter outras
finalidades, além daquelas para que foi criada. E essa foi
uma das ocasiões em que aquela mesa foi utilizada para fins
diferentes.
Com uma leve pressão nos ombros, Kirkpatrik deitou a
garota para trás. Mali Karpec não opôs resistência alguma,
muito ao contrário. Ficou de olhos fechados, os lábios
entreabertos, respirando com ansiedade. O louro agente da
CIA abriu habilmente os botões da blusa e os seios túrgidos
quase pularam para as mãos dele.
Kirkpatrik continuou acariciando o corpo esplêndido,
sabendo como fazer uma mulher quase delirar de prazer.
Nem a presença dos dois guardas desmaiados na mesma
sala perturbou os dois jovens em seus devaneios amorosos,
que atingiram momentos de verdadeira loucura e desespero.
Finalmente, exaustos, ficaram imóveis, de costas sobre
a mesa grande da sala do arquivo da embaixada.
Kirkpatrik acendeu dois cigarros e entregou um Mali
Karpec, que recusou:
— Não fumo, querido.
O agente 77Z esmagou o cigarro na beira da mesa e
sentou-se, murmurando:
— Como é que você entrou nesta loucura, Mali?
A garota ficou olhando-o por alguns instantes,
silenciosa, e respondeu com outra pergunta, finalmente:
— Por que é que você está aqui, fazendo-se passar por
um pastor protestante, Hynes?
O agente 77Z estremeceu imperceptivelmente e sorriu.
— Não estou me fazendo passar por pastor protestante,
Mali. Eu sou um pastor.
— Um verdadeiro pastor protestante não ama como
você, Hynes. Pelo menos é isso que penso dos religiosos e...

— 55 —
— Já lhe disse que sou um religioso avançado para o
conceito que o mundo faz dos aspectos religiosos.
Provavelmente serei um fracasso como pastor, capaz de
envergonhar qualquer fiel, mas creio que agora é tarde
demais para recuar.
Kirkpatrik sentia certa aversão em ter que continuar
representando aquele papel. No entanto, o êxito da missão
e a vida dos reféns podiam depender disso. Não tinha outro
remédio senão prosseguir.
— Confesso que, como homem, não gostaria que você
mudasse, Hynes — murmurou ela, provocante.
— Você não respondeu à minha pergunta, Mali.
— Que pergunta?
— Como é que você entrou numa loucura como esta?
— Para muitos de nossos jovens, isto não é uma
loucura, mas um ato heroico, um desafio ao poder, à
prepotência, da grande América.
— O que constituiu uma loucura e uma infantilidade
ainda maiores, Mali.
— Não sei se será loucura. Se nós conseguirmos forçar
os Estados Unidos a aceitarem nossas condições, nossas
exigências, teremos contribuído, de alguma forma, para
uma atenuação do desequilíbrio entre os poderosos e
desenvolvidos e os fracos, ricos e explorados países
subdesenvolvidos, o Terceiro Mundo...
— Vocês acabarão mais humilhados ainda, Mali. Seu
país não dispõe de armas suficientes para enfrentar uma
grande potência.
— Temos o petróleo, o gás...
— O que é que seu país fará, se deixarmos de comprar
o seu petróleo, se os russos deixarem de adquirir seu gás?
— Outros países comprarão.

— 56 —
— Não, se os Estados Unidos ou a Rússia exercerem
pressões no sentido contrário.
— Não estou muito certa disso. Mas que importam
essas questões neste momento? Estamos aqui os dois,
passando momentos agradáveis, e o melhor que temos a
fazer é esquecer a política, os revolucionários, o fato de
você insistir em passar por pastor protestante, essas coisas
todas...
— Não posso esquecer que sou um prisioneiro, Mali,
Que Issar Bash mandou me surrar e que mais de quarenta
compatriotas meus estão aqui, como reféns.
— E o que é que você pode fazer contra isso?
— Não tenho muita certeza, ainda, mas você já viu que
seus companheiros não são adversários perigosos...
Mali olhou os corpos dos dois compatriotas desmaiados
e balançou tristemente a cabeça.
— Reconheço que Issar está se excedendo um pouco,
Hynes. Nosso ideal era bem mais elevado, no começo.
Talvez seja por isso que meus companheiros não se
mostram muito eficientes...
— Bash está sendo um irresponsável. O que me
surpreende é que seu governo parece apoiar essa atitude
impensada, a troco de uma campanha de valor discutível.
— Também já pensamos nisso. Inclusive, alguns
companheiros nossos consideram já a hipótese de
abandonar esta aventura para se dedicar a um tipo de
atividade mais de acordo com nossos ideais de justiça.
— Issar Bash não vai permitir, Mali. Vocês estão
enterrados nesta loucura até o pescoço, juntamente com ele.
Terão que ir até o fim. A menos que...
Mali Karpec olhou de soslaio para o agente 77Z e
murmurou:
— A menos que... o quê?

— 57 —
— A menos que vocês decidam entregar os reféns às
autoridades competentes, isto é, libertá-los.
— Não poderíamos fazer isso porque nem todos estão
dispostos a sair desta aventura louca. E teríamos que
enfrentar os que acham que Issar está certo e que o shanton
precisa ser promovido junto do povo, para que possa se
eleger definitivamente.
— Sempre haverá um jeito, Mali.
— Que jeito?
— Bom, como é que você acha que os reféns poderiam
sair da embaixada?
— Não sei. É uma situação muito difícil.
— Mas deve haver uma forma de iludir a vigilância.
— Talvez. Mas neste momento não sei. Possivelmente
a saída dos fundos. Uma das duas saídas dos fundos deve
estar menos protegida. De qualquer maneira, isso teria que
ser estudado e não posso contar com ninguém
concretamente. Um erro poderia ser fatal para os reféns e
para os que os ajudassem.
— Concordo. Mas eu talvez pudesse arranjar uma
forma de cooperar com você.
— Não sei como, sendo um prisioneiro.
— Poderia organizar uma fuga dos reféns, de forma a
não comprometer os que nos ajudassem.
A dúvida, a incerteza, estava instalando-se claramente
na cabeça da bela garota.
— Não sei se daria certo, Hynes. Issar e seus seguidores
mais fiéis são muito astutos.
— Tenho certeza disso, Mali. Mas nada perderíamos
em tentar, você não acha?
Mali Karpec inclinou a cabeça para a esquerda e um
sorriso travesso cruzou seu rosto.

— 58 —
— Sabe que está começando a me tentar, Hynes? Você
tem um poder persuasivo espantoso...
— Não é meu poder de persuasão, Mali. Apenas a voz
de sua consciência, de seu bom-senso, que está falando
mais alto.
— Talvez seja isso. De qualquer maneira, não quero
meditar agora sobre os motivos de minha vacilação. Espero
não estar atraiçoando a causa que me propus defender. A da
liberdade e da justiça entre as nações e entre os seres
humanos.
— Isso significa que vai colaborar comigo, Mali? Vai
ajudar os reféns a ganhar a liberdade?
A morena ficou silenciosa por alguns instantes, ainda
em dúvida. Por fim, sorriu e balançou a cabeça
afirmativamente.
— Está bem, Hynes. Vou estudar uma forma de
ajudarmos os reféns a ganhar a liberdade. Mas com uma
condição.
— Que condição?
— Quando tudo tiver terminado, eu quero sair de
Sant’Anna. Quero ficar fora do país enquanto o shanton
governar.
— Posso entender o que está sentindo e prometo que
farei o possível para que você saia do país em segurança.
Mali Karpec abraçou-se impulsivamente ao agente fora
de série da CIA e beijou-o com paixão.
Nesse instante a porta abriu-se e a figura zombeteira de
Issar Bash recortou-se no umbral.
— Muito enternecedor, sem dúvida. É uma pena que o
castigo dos traidores e traidoras seja a morte...

— 59 —
CAPÍTULO SEXTO

Captor cativo

Kirkpatrik voltou-se rapidamente para a porta.


Ali estava Issar Bash, com os polegares metidos entre o
cinto e a pele, sorrindo com cinismo, ladeado por dois
guardas empunhando metralhadoras, de canos apontados
para os dois jovens.
— Issar... — murmurou, petrificada, Mali Karpec.
— Eu mesmo, traidora. É uma pena que a porta da sala
do arquivo da embaixada seja tão fina. Deu para escutar
tudo o que você e esse falso pastor conversaram.
— Espere... Eu posso explicar — tentou Kirkpatrik.
Issar Bash aproximou-se com largas passadas e agarrou
o agente fora de série da CIA pela camisa.
— Explicar o quê? Explicar como conseguiu aliciar
uma de nossos revolucionários a trair sua própria pátria,
canalha?
— Não é nada disso. Mali Karpec não é uma traidora.
Vocês é que estão traindo a confiança do povo que
acreditou em vocês. A troco de uma promoção barata e
ridícula para o seu líder político e religioso, você está
arrastando uma multidão de jovens idealistas e
inexperientes numa aventura que põe em perigo inclusive a
segurança e a paz mundiais, Bash.

— 60 —
— Não seja imbecil! Queremos apenas mostrar ao
mundo, em especial aos povos oprimidos, que o grande
gigante, o algoz de meio mundo, a poderosa nação dos
Estados Unidos da América, não é tão invulnerável assim;
que não pode continuar impunemente explorando os países
subdesenvolvidos. Nós faremos com que se curvem, com
que saiam humilhados perante a opinião pública mundial.
Aí, seu poder estará no fim. Ninguém mais os temerá, ou
respeitará sequer. Não farão com Sant’Anna o que quiseram
fazer com o Vietnã. Sant’Anna não será mais uma colônia,
não se curvará aos desejos e ordens dos gringos!
O rapaz tinha os olhos dilatados, as faces rubras de
exaltação, Kirkpatrik considerou mais oportuno não
alimentar o ódio evidente do revolucionário e preferiu
manter-se calado.
— Vamos! Argumente, gringo! Diga que estou errado,
que sou um louco. Diga isso! Fale alguma coisa, para que
eu não tenha um só motivo para o riscar da face da Terra!
— Você está fora de si, Bash. E se procura um motivo
para me assassinar, porque atrapalho seus planos, está
enganado. Não lhe darei esse prazer. Se quiser se livrar de
mim terá que ser por assassinato mesmo, friamente.
Issar Bash apertou os lábios raivosamente e, por um
momento, deu a sensação de pretender sc lançar sobre o
suposto reverendo. Porém, conseguiu controlar-sc e recuou
alguns passos.
— Não sei quem você é e o que pretendendo, Hynes,
mas de qualquer maneira vai passar um mau bocado.
Kirkpatrik encolheu os ombros e abriu os braços numa
expressão de resignação.
— Talvez você acabe compreendendo que está
cometendo um erro muito grave, Bash. Mas receio que
nessa altura seja tarde demais.

— 61 —
O revolucionário ignorou as palavras do agente fora de
série da CIA e voltou-se para a garota.
— Quanto a você, Mali, seu crime é bem mais grave.
Você traiu a confiança de seus companheiros, pretendeu
atraiçoar igualmente sua pátria.
— Não, Issar... Você está enganado — replicou a
garota.
— Eu escutei tudo, Mali! — gritou Bash. — Você
começou por entregar-se a esse gringo. Depois aceitou sua
proposta para ajudar a libertar os reféns. Isso é alta traição,
porque o próprio shanton tinha determinado o julgamento
dos prisioneiros.
— Isso é uma loucura, Issar! — gemeu ela. — Essa
gente está inocente dos crimes que você lhes imputa.
— São espiões, Mali. E você deveria saber disso.
— É mentira! Tudo isso foi arquitetado por você para
ajudar na campanha promocional do shanton. Essa gente
não tem nada a ver com nossos problemas internos e você
está sacrificando-os em benefício de um sensacionalismo
barato, em que o mundo nunca vai acreditar. Será que você
não pode entender isso, Issar? Está tão cego assim?
O jovem revolucionário deu alguns passos na direção
dela e, de repente, sua mão direita ergueu-se e estalou
sonoramente contra o rosto de Mali Karpec, que foi atirada
para trás, rudemente, até chocar-se contra a parede.
— Sua coragem e valentia resumem-se nisso, Bash —
disse Kirkpatrik, com desprezo. — Silenciar com agressão
covarde as declarações da verdade feitas por quem tem mais
bom senso do que você.
Dessa vez Issar Bash não se conteve e partiu para cima
do americano, de punhos em riste, com um rugido de cólera.
O agente 77Z estava esperando uma reação desse tipo e
preparou-se para tirar partido dela.

— 62 —
Quando Bash estava a poucos centímetros dele, ergueu
o braço esquerdo e, com a mão espalmada, conteve o murro
violento que o revolucionário se preparava para desferir em
seu rosto. Imediatamente sua direita cruzou o espaço que o
separava do adversário e o punho enterrou-se com força no
fígado de Bash.
O rapaz dobrou-se para diante, procurando o ar que
escapava de seus pulmões.
Antes que os dois guardas que o tinham acompanhado
pudessem intervir, Issar Bash sentiu-se rodar nos
calcanhares, ao mesmo tempo em que um braço hercúleo se
fechava em torno de seu pescoço.
Protegendo seu corpo com o do revolucionário,
Kirkpatrik disse tranquilamente:
— Se fizerem um só gesto, amigos, quebro o pescoço
de seu líder. Soltem as metralhadoras agora mesmo.
Houve um momento de hesitação por parte dos guardas.
Kirkpatrik apertou o pescoço de Bash com mais força e os
olhos do rapaz rolaram nas órbitas, quase sufocado.
— Façam o que ele diz, coiotes! Estou ficando
sufocado!
Os dois guardas entreolharam-se, ainda vacilantes.
Porém a ordem estava partindo diretamente de Bash e só
lhes restava obedecer.
— Vamos, estúpidos! Esse canalha vai me estrangular!
Os guardas assentiram lentamente com a cabeça e
deixaram cair as metralhadoras no chão.
Kirkpatrik sorriu cinicamente e abrandou a pressão que
exercia no pescoço de Bash. O jovem revolucionário tentou
voltar-se e atacar, mas o agente 77Z não lhe deu tempo.
Ergueu mais uma vez a mão direita e acertou-lhe uma
cutilada na base da nuca. O corpo do revolucionário

— 63 —
amoleceu subitamente e teria caído, se o louro americano
não continuasse a segurá-lo com firmeza.
Rapidamente Kirkpatrik arrastou o corpo até a mesa
onde repousava a automática de Mali Karpec. Empunhou-a
firmemente e abandonou por fim o corpo de Bash, que caiu
no chão de tábuas.
— Muito bem, rapazes. Sinto muito ter que agir desta
forma, mas vocês não me deixaram outra alternativa.
Pensando que o americano tencionava liquidá-los
friamente, os dois guardas balançaram freneticamente as
cabeças e um deles murmurou, apavorado:
— Não... Nós estávamos cumprindo ordens de Bash e...
Não pode nos matar!
Kirkpatrik soltou uma risada e replicou:
— Podem ficar tranquilos, rapazes. Não tenciono matá-
los, como certamente teriam feito comigo, se a situação
fosse diferente.
Os jovens entreolharam-se, espantados.
— O que... o que vai fazer?
— Nada. Apenas mantê-los aqui dentro, trancados,
enquanto cuido dos reféns.
Expressões de alívio estamparam-se nos rostos dos dois
rapazes.
— Eu vou com você, Hynes — decidiu Mali,
colocando-se ao lado do agente americano.
— Muito bem. Esta sala me parece ideal para funcionar
como cela temporária. Não possui janelas e tem apenas uma
porta. Entrem, amigos. Os guardas obedeceram e ficaram
do lado da mesa, junto do corpo inanimado de Issar Bash.
— Agora tratem de ficar sossegados, pois não sei como
reagirão meus compatriotas, assim que se sentirem em
liberdade.
Um dos guardas falou, finalmente:

— 64 —
— Você jamais vai conseguir chegar junto deles,
gringo. Nossos companheiros vão impedir.
— Não se preocupe com isso, rapaz. Eu darei um jeito.
Mali Karpec encaminhou-se para a saída, precedendo o
agente fora de série da CIA.
— Se... se você conseguir libertar seus compatriotas, o
que vai fazer conosco? — perguntou o segunda guarda,
receoso.
— Nada. Apenas deixá-los aí, até que alguém os liberte.
Os soldados do shanton se encarregarão de vocês.
O medo estava estampado no rosto dos dois guardas.
— Eles... eles vão nos liquidar...
— Problema de vocês. Nada posso fazer.
Meu compromisso é com os americanos que estão
presos e impossibilitados de desfrutar dos direitos e
liberdades mais elementares.
Sem esperar resposta, deixou a sala, seguindo Mali
Karpec. Girou a chave duas vezes na fechadura e jogou-a
num canto. Pouco depois caminhavam cautelosamente pelo
corredor.

— 65 —
CAPÍTULO SÉTIMO

Um osso duro de roer

— Onde costumam estar os seus companheiros, Mali?


— perguntou o agente fora de série da CIA, parando no
salão de entrada do edifício.
— Espalhados por aí. Sem dúvida Issar deve ter
escalados mais alguns para proteger as saídas, depois que
ouviu nossa conversa.
— É provável... Suponho que ele deve ter tomado todas
as precauções, temendo algum ataque do exterior.
— Claro. Chegou a comentar-se a hipótese de uma ação
militar, tipo comandos, efetuada pelos americanos, iludindo
a vigilância dos soldados do shanton.
— Isso naturalmente está ou esteve nos planos de meu
governo. Para tanto, conseguiu a condenação de Sant’Anna
nos tribunais e plenários internacionais. Porém, até o
momento de eu ser mandado para cá, não tinha sido
acionado nenhum esquema nesse sentido.
Mali franziu a testa, preocupada.
— Você acha que existe alguma chance de sairmos
daqui, Hynes?
— Vamos, pelo menos, tentar, Mali.
Sem mais palavras, o louro agente encaminhou-se na
direção dos salões onde estavam prisioneiros os
americanos. Depois que abriram a primeira porta que

— 66 —
comunicava com um dos amplos corredores, surgiu o
primeiro obstáculo.
Dois soldados de Issar Bash, toscamente
uniformizados, olharam para os jovens e ergueram as
metralhadoras ameaçadoramente.
— O que é que está fazendo o prisioneiro, aqui? —
perguntou um deles, dirigindo-se a Mali Karpec.
— Issar deu ordem para que ele pudesse circular
livremente — respondeu a garota, com pouca firmeza.
O guarda, porém, não pareceu convencer-se e
engatilhou a arma.
— Se isso tivesse acontecido, nós teríamos sido
avisados. Fiquem onde estão. Tuk, vá perguntar a Issar se o
prisioneiro pode circular pelo edifício.
O companheiro assentiu gravemente com a cabeça e,
com a metralhadora apontada para o chão, afastou-se.
. Kirkpatrik deu mais alguns passos na direção do
guarda. Não tinha tempo a perder. Tuk voltaria a qualquer
momento com a informação de que Issar estava preso e isso
seria o fim de Kirkpatrik e Mali Karpec.
— Fique quieto, onde está, gringo! — berrou o guarda.
— Calma, amigo — sorriu o agente 77Z. — Você está
se precipitando. Seu companheiro vai trazer a confirmação
das palavras de Mali Karpec e tudo estará em ordem.
— Vamos esperar que seja assim mesmo, gringo, pois
do contrário...
Não chegou a concluir a ameaça.
Kirkpatrik inclinou-se subitamente para trás, ao mesmo
tempo que erguia a perna direita com agilidade, traçando
um arco nos ares. A ponta do pé acertou com precisão o
pulso que sustentava a pequena metralhadora, fazendo com
que o guarda soltasse uma imprecação e largasse a arma.

— 67 —
Com um rugido de fera, o guarda projetou- se sobre o
prisioneiro, com evidentes intenções de acabar com ele a
golpes. Kirkpatrik esquivou o corpo com facilidade ao
primeiro ataque. O punho do jovem soldado passou a
escassos centímetros de sua cabeça.
Imediatamente, o agente fora de série da CIA contra-
atacou, com um gancho de esquerda que subiu
vertiginosamente, chocando contra o queixo do inimigo.
O inimigo soltou um verdadeiro urro e foi atirado para
trás. Kirkpatrik não lhe deu tempo para sc refazer. Com um
salto ágil, estava junto dele, desferindo um novo murro em
seu fígado, com a violência de um coice de mula. Logo
completou o ataque com um golpe cruzado de esquerda, que
atingiu o adversário na ponta do queixo e o fez mergulhar
em direção às tábuas.
O guarda caiu surdamente e ficou imóvel, de bruços,
com o sangue escorrendo pelo nariz.
— Vamos dar o fora daqui, Mali!
Correram para a porta, no instante em que esta se abria,
e Tuk voltava, agitando a sub- metralhadora.
— Cuidado com o americano, Poli — começou. —
Ele...
Kirkpatrik não o deixou continuar. Suas mãos
aferraram-se freneticamente na arma e puxaram com força.
O guarda viu-se desarmado numa fração de segundo, pouco
antes de receber um murro brutal no rosto, que o lançou
para trás, pela porta aberta.
O agente fora de série da CIA foi no seu encalço,
disposto a não lhe dar tempo de reagir e soltar o alarme.
O rapaz, porém, não ia ser um inimigo fácil de vencer.
Com um golpe de rins, endireitou-se e esquivou o corpo
ao segundo ataque. Simultaneamente, adiantou o punho
esquerdo, pegando Kirkpatrik de surpresa.

— 68 —
O murro acertou a ponta do queixo do louro americano,
de baixo para cima, atordoando-o. Kirkpatrik recuou aos
tropeções, até suas costas chocarem com o umbral da porta.
Tuk estava de novo em cima dele, animado por uma raiva
incrível.
— Eu acabarei com você, reverendo impostor...
E desferiu um novo golpe, que acertou o americano no
estômago.
Kirkpatrik dobrou-se para diante, com a sensação de
que todo o ar de seu corpo tinha escapado pela boca. Ficou
lívido e não pôde evitar mais um golpe certeiro de Tuk, que
o atingiu do lado esquerdo do rosto.
Foi atirado para o lado, com brutalidade, perdeu o
equilíbrio e caiu desamparadamente.
Tuk soltou uma risada brutal e precipitou-se sobre ele.
Seu pé direito ergueu-se resoluto, disposto a acertar uma
patada definitiva na cabeça de Kirkpatrik.

***

— Depressa com isso, idiotas? — berrou Issar,


acertando um pontapé na porta da sala, que resistiu às
tentativas de abertura.
Três dos homens do jovem revolucionário lutavam com
a fechadura, tentando arrebentá-la. O quarto guarda
dominado por Kirkpatrik continuava inconsciente, no chão.
— Você sabe que escolhemos esta sala para
interrogatórios e cela dos gringos mais renitentes por causa
de sua fortaleza e quase inviolabilidade, Issar... —
comentou um dos homens.
— Isso não me importa, agora, idiota! Quero essa porta
aberta antes que o maldito reverendo tenha tempo de

— 69 —
libertar seus compatriotas. Se isso acontecer, estaremos
perdidos. O shanton jamais nos perdoará...
— Estamos tentando, Issar. Mas não está sendo fácil...
Issar Bash grunhiu um palavrão e andou de um lado
para o outro, na sala do arquivo da embaixada. Todo o seu
plano ameaçava fracassar, depois que Kirkpatrik o
encarcerara ali dentro.
— Acho que não vamos conseguir, Issar. Este tipo de
fechadura só abre pelo lado de fora e todo o sistema dela
está desse lado. Daqui apenas poderemos nos cansar e
machucar, sem resultado algum.
— Calem a boca e continuem arrombando essa maldita
porta!
Os guardas entreolharam-se e, finalmente, encolheram
os ombros, continuando a tentar arrombar a porta, usando
facas e pequenos canivetes. Sabiam que era um trabalho
inútil, mas Issar Bash não desistia com facilidade.
Issar Bash, por seu lado, deixara-se cair numa cadeira e
o ódio e o desespero começaram a tomar conta dele. Dava
frequentes murros no tampo de madeira, remoendo a raiva
que sentia contra os americanos em geral e o reverendo
Young, em particular.
— Quando eu botar as mãos nesse gringo, vou acabar
com sua raça... — rosnou. — E a traidora que o acompanha
vai desejar mil vezes a morte...
Os guardas olharam para ele por um instante, mas logo
voltaram sua atenção para a porta, que, obstinadamente,
teimava em resistir a seus esforços.

***

— 70 —
Kirkpatrik abriu os olhos no instante em que o pé,
calçando uma bota grosseira, descia furiosamente em
direção a seu rosto.
Com um esforço supremo de vontade, rolou para a
esquerda, exatamente no instante em que a bota chocava
brutalmente com as tábuas do chão.
Tuk soltou uma imprecação e voltou-se, procurando o
inimigo, que considerava já vencido.
Kirkpatrik respirou com força e ergueu-se rapidamente,
ficando diante do adversário. Os rostos de ambos estavam
bastante maltratados, com o sangue escorrendo pelo nariz e
marcas das agressões mútuas.
Com um rugido de cólera, Tuk atirou-se para diante,
com os braços estendidos. Kirkpatrik ergueu as mãos e seus
dedos de ferro seguraram com firmeza os punhos do guarda.
Ao mesmo tempo, subiu o joelho direito com raiva,
acertando uma pancada seca, angustiante, entre as pernas
do outro.
Tuk dobrou-se com uma expressão de desespero no
rosto, levou as mãos ao local atingido e não pôde evitar que
o agente fora de série da CIA cruzasse os dedos de ambas
as mãos e as descesse com violência sobre sua nuca.
Tuk recebeu o golpe definitivo, brutal, demolidor, que
constituiu um alívio para ele.
Mergulhou velozmente para o chão, onde bateu com o
rosto, já sem sentidos.
Ficou imóvel, de bruços, numa posição grotesca, com
os braços embaixo do corpo, as mãos ainda entre as pernas.
Kirkpatrik endireitou-se, ofegante, e Mali Karpec
correu ao seu encontro, aninhando-se em seus braços.
— Tive tanto medo, Hynes... — murmurou.
Kirkpatrik sorriu com esforço e acariciou-lhe os
cabelos.

— 71 —
— Já passou tudo, Mali. Agora vamos. Precisamos
encontrar meus compatriotas e libertá-los. Tuk pode ter
dado o alarme e não demorará para que todos os seus
companheiros estejam nos procurando, com ordens para
atirar em nós.
Correram para o fim do corredor e abriram a primeira
porta que encontraram.
Uma expressão de assombro e perplexidade desenhou-
se no rosto do agente fora de série da CIA, observando os
três homens que ali se encontravam.

— 72 —
CAPÍTULO OITAVO

Turba enfurecida

— Muito interessante, este quadro! — murmurou o


agente da CIA.
— Você é um reverendo muito perigoso, Young —
sorriu o homem que lhe apontava uma automática de grosso
calibre.
— Ou muito me engano, ou vocês não pertencem ao
grupo de loucos revolucionários de Sant’Anna.
— Acertou, camarada. Meu nome é Vassiliev, de
Moscou. Este é meu companheiro, Boris Rutov.
Kirkpatrik assentiu com a cabeça e murmurou:
— O terceiro, eu conheço muito bem. Trata-se de meu
compatriota Barry Schuman.
— Exatamente, reverendo Young. Devo confessar que,
como religioso, você é fora de série — sorriu de novo o
russo Vassiliev.
— Obrigado. Posso saber o que é que vocês estão
fazendo dentro desta embaixada e como conseguiram
chegar até aqui?
— Bom, talvez isso não lhe diga respeito, camarada
reverendo. No entanto, posso lhe assegurar que não estamos
do lado do shanton, a quem consideramos um louco e um
irresponsável. Aliás, nosso governo o condenou assim que

— 73 —
ele apoiou os revolucionários que ocuparam a embaixada
americana.
— Muito reconfortante, isso. E o que é que Barry
Schuman tem a ver com agentes da KGB?
— Quem lhe disse que somos agentes da KGB?
— Ora, não sejamos ingênuos, Vassiliev. O interesse de
vocês por Barry Schuman me parece por demais
elucidativo.
— É mesmo? Talvez você possa nos dar uma
informação.
— Qual?
— Ouvimos comentar, por aí, que o reverendo Young
estava armando o maior rebuliço na embaixada, numa louca
tentativa de libertar seus compatriotas. A propósito, todos
os guardas estão procurando vocês, com ordens para o
abater sem perguntas.
— Já imaginava. Mas qual é a informação que você
queria?
— Onde se encontra seu compatriota, Tennessee
Bughs?
Kirkpatrik fez uma expressão de perplexidade. No
entanto, sabia perfeitamente por que os russos estavam
perguntando por Bughs. Ele e Schuman eram agentes
duplos e aos dois soviéticos fora designado a missão de os
libertar, sem dúvida.
— A última vez que ouvi falar dele, tinha sido torturado
para que confessasse ser um espião. Inclusive, Issar Bash, o
líder deste banco de loucos, acrescentou que os russos
tinham efetuado diversas e suspeitosas pressões para que
esse refém fosse libertado. Não acha isso estranho,
Vassiliev?
— Talvez... O que motivaria essa atitude de Moscou?
— perguntou o russo, cinicamente.

— 74 —
— Não importa, agora, Vassiliev. Pelo visto, estamos
os dois do mesmo lado. Queremos libertar os reféns desta
absurda prisão. Por que não nos aliamos?
Vassiliev coçou a nuca, sem deixar de apontar a
automática para Kirkpatrik.
— Quem me garante que você vai confiar em nós,
reverendo?
— É um risco que teremos de correr, Vassiliev. Eu
também não tenho garantias de poder confiar em vocês.
O russo sorriu e balançou a cabeça.
— Creio que tem razão, reverendo Young... lerá que
você é mesmo reverendo?
— Será que você está mesmo contra o shanon?
Vassiliev guardou finalmente a automática e
aproximou-se de Kirkpatrik.
— Está bem, reverendo. Nós entramos aqui raças a uma
autorização especial do shanton, ia qualidade de repórteres
do Pravda, de Moscou.
— Era o que eu supunha, Vassiliev. O que acha que
devemos fazer?
— Procurar seu compatriota, Tennessee lughs.
Kirkpatrik sorriu.
— Você está tão interessado nele, que eu sugiro que o
procure com seu companheiro, enquanto trato de libertar os
demais reféns. A noite está descendo e me parece uma boa
ocasião para tentarmos deixar o edifício.
— Espero que os manifestantes tenham vontade de
dormir, camarada reverendo. Quando entramos havia umas
seiscentas ou oitocentas pessoas aí fora, berrando contra os
americanos e queimando retratos de seu presidente.
Kirkpatrik assentiu vagarosamente com a cabeça.
— Precisamos ter cuidado, então, Vassiliev.
— Concordo. Eu irei pela ala norte.

— 75 —
— Então nós iremos pela ala sul. Tenha cuidado com
uma porta que dá para o arquivo da embaixada. Está
trancada por fora e Issar Bash, com quatro guardas,
encontram-se trancados lá dentro. Devem estar verdadeiras
feras...
— Especialmente contra você, não, reverendo?
— Creio que sim, Vassiliev. De qualquer forma, tenha
cuidado.
Não foi difícil achar o salão onde os reféns estavam
prisioneiros.
Kirkpatrik abriu a porta sem dificuldade, pois não se
encontrava qualquer guarda por perto, todos sem dúvida
empenhados na busca aos fugitivos. A embaixada era
bastante grande para permitir que o suposto reverendo e a
garota passassem despercebidos por algum tempo.
Assim que a porta foi aberta, o embaixador aproximou-
se, perplexo.
— O que significa isto, reverendo? Os guardas
estiveram aqui, há poucos minutos, revistando salas de
banho, embaixo dos móveis, enfim, por toda a parte.
Disseram que você e uma traidora tinham escapado, mas
que só podiam estar dentro do edifício e...
— Agora não há tempo para explicações, embaixador.
Reúna os reféns e me sigam. Vamos tentar uma fuga
audaciosa, aproveitando a noite.
Os reféns tinham formado um grupo compacto em volta
do suposto reverendo Young e em seus rostos estampavam-
se expressões de esperança.
— Faltam dois reféns, reverendo — cortou o
embaixador. — Tennesee Bughs, que não regressou ainda,
e Barry Schuman, que saiu há pouco, acompanhado por
dois estrangeiros muito estranhos.

— 76 —
— Esses dois estrangeiros são agentes russos
interessados em libertar Tennesee Bughs e Barry Schuman.
Estão neste momento procurando Bughs, que ainda está na
embaixada, embora maltratado.
William Craig franziu a testa.
— Não podemos permitir que...
— Calma, embaixador. Esses dois agentes estão do
nosso lado, desta vez. Você, que conhece bem a embaixada,
deve saber como poderemos chegar até as portas dos fundos
sem muito alvoroço.
—- Claro. Basta seguirmos pela ala sul, atravessando as
salas de expediente. No final, encontraremos uma saída de
emergência e...
— Vamos para lá então.
Pouco depois, o grupo compacto seguia o embaixador
Craig é Kirkpatrik, rumo à liberdade.
De repente, uma rajada de metralhadora cortou o
relativo silêncio da embaixada. O grupo de- teve-se
subitamente e Kirkpatrik ordenou:
— Sigam para as saídas dos fundos e me esperem lá.
Creio que nossos amigos soviéticos encontraram
dificuldades pelo caminho.
— Cuidado, reverendo. É muito arriscado, deve haver
muitos guardas patrulhando os corredores e...
— Schuman e Bughs estão com os dois agentes da
KGB, embaixador. Tenham cuidado, vocês também.
Kirkpatrik moveu-se com agilidade na direção de onde
partira a rajada de metralhadora. Tinha uma ruga profunda
na testa. Se os manifestantes tivessem escutado a rajada,
talvez decidissem invadir a embaixada e isso poderia
significar a morte de todos os reféns.
— Eu vou com você, Hynes — murmurou Mali,
seguindo resolutamente.

— 77 —
— É mais prudente que você vá com o embaixador e os
reféns, Mali — disse ele.
— Nada disso. Onde você estiver, eu estarei também. E
posso ser mais útil, pois conheço alguns guardas.
— Está bem. Vamos então.
— Os tiros partiram da ala norte, Hynes. Sem dúvida
das proximidades da sala de arquivos da embaixada.
— É o que cu suponho também, Mali. Vassiliev e
Rostov devem ter encontrado algum grupo de guardas.
— Ou Issar conseguiu libertar-se e deparou com os
falsos jornalistas.
Kirkpatrik olhou-a de soslaio.
— É uma possibilidade também. Temos que nos
apressar.
— O que fará, se deparar com Issar? Ele certamente vai
atirar em você, Hynes.
— Tentaremos evitar que isso aconteça, Mali.
— Cada vez me convenço menos que você seja
realmente um pastor protestante, Hynes — murmurou ela,
enquanto avançavam pelos corredores desertos.
— Não é hora para insistirmos nessa conversa, Mali.
Nesse momento, o rumor que há alguns momentos se
escutava no exterior do edifício aumentou
consideravelmente e as primeiras pancadas surdas nos
portões começaram a escutar-se.
A multidão escutara os disparos e forçava a entrada na
embaixada, certa de que estava se registrando uma tentativa
de fuga dos prisioneiros. Procurariam impedir isso pelos
meios mais drásticos, isto é, o linchamento...

— 78 —
CAPÍTULO NONO

Liberdade almejada

Quando Kirkpatrik entrou no corredor onde ficava a


sala de arquivo, não pôde evitar uma reação de asco.
Perto da porta do arquivo encontravam-se dois corpos
caídos, ensanguentados, com as cabeças brutalmente
arrebentadas pelas balas das submetralhadoras. Olhando
com mais atenção, o agente fora de série da CIA reconheceu
os dois agentes russos.
Alguns metros adiante, um outro corpo estava no chão,
de bruços, com o cabo de uma faca enterrado nas costas e
sangrando abundantemente. Pelas roupas, o agente 77Z
pôde identificar Barry Schuman, o agente duplo que se
encontrava com os russos.
— Meu Deus! — murmurou a garota, atrás de
Kirkpatrik.
— Miseráveis! — bradou o louro americano. —
Assassinaram friamente os três.
— O que vamos fazer agora, Hynes?
— Não sei se Vassiliev já teria encontrado Bughs.
Precisamos investigar isso.
— É perigoso, Hynes.
— Não posso abandonar Bughs, Mali.
— Vamos então — suspirou ela.

— 79 —
Passaram pelos cadáveres, fazendo um esforço para não
olhar. Não era um espetáculo muito agradável...
Chegaram ao final do corredor e abriram a porta que
comunicava com a ala sul.
Kirkpatrik tinha-se abaixado momentos antes e
apanhado a automática que havia pertencido a Vassiliev e
que ele havia largado certamente ao ser atingido.
Nesse instante, uma voz irada soou atrás deles:
—- Issar! O reverendo americano!
Kirkpatrik voltou-se com a rapidez de um relâmpago.
No extremo oposto do corredor, estava Issar Bash,
acompanhado por quatro jovens, todos empunhando
submetralhadoras.
— Atirem nele! Para matar! — berrou o líder
revolucionário.
Kirkpatrik reagiu com a rapidez que o caracterizava em
situações de emergência. Um treinamento adequado e uma
longa prática em missões perigosíssimas o tinham dotado
de uma extraordinária capacidade de reação, o que mais
uma vez salvou sua vida.
Com um violento empurrão, derrubou Mali Karpec, ao
mesmo tempo que se deixava cair de bruços e engatilhava
a automática de Vassiliev.
O primeiro tiro da automática coincidiu com a rajada de
metralhadora do jovem revolucionário.
No entanto, o grito lancinante partiu da garganta de
Issar Bash, quando a bala disparada por Kirkpatrik se
enterrou em sua cabeça, empurrando-o para trás, já morto.
Os quatro guardas recuaram apressadamente,
esquecendo o corpo do chefe, e Kirkpatrik aproveitou a
chance para se levantar e arrastar a garota para fora.
— Vamos dar o fora daqui garota. Dentro de alguns
segundos, todos os guardas de Bash estarão neste local,

— 80 —
como feras sedentas de sangue. Sem contar com os
manifestantes, que não tardarão a arrombar os portões.
Mali não esperou que ele repetisse a ordem. Correu para
o final do corredor. Ali os esperava uma outra surpresa.
Dois guardas armados escoltavam um preso, sem
dúvida levando-o ao encontro de Bash.
— Parem! — gritou um dos guardas, apontando a
metralhadora para a garota, que estava mais adiantada.
Kirkpatrik levantou a automática, apontou e, friamente,
apertou o gatilho.
O guarda soltou a arma e levou a mão esquerda ao braço
direito, atingido à altura do ombro.
— Você, amigo, largue a metralhadora, se não quiser
que lhe estoure os miolos — ordenou o agente fora de série
da CIA, para o segundo guarda.
O homem hesitou por alguns instantes, mas acabou
considerando que suas chances não eram muitas e
obedeceu.
— Você é Tennessee Bughs, amigo? — perguntou o
agente 77Z.
O homem que se encontrava entre os guardas assentiu
com a cabeça e caminhou ao encontro de Kirkpatrik. Estava
bastante maltratado, com evidentes sinais de ter sido
agredido e, até torturado.
— Quem é você? — perguntou.
— Sou Hynes Young, reverendo protestante, enviado
por Washington para lhes trazer conforto moral e espiritual
e, eventualmente, tentar negociar sua libertação e a dos
outros reféns.
— Uma forma estranha de negociar, essa sua,
reverendo...
— Issar Bash me obrigou a isso, desde o começo.
— Onde está esse miserável?

— 81 —
— Morreu há poucos instantes.
Os dois guardas abriram muito os olhos, espantados.
— Isso não é verdade... — murmurou o ferido.
— Infelizmente, é. Ele está no corredor da sala do
arquivo, amigo. Sinto muito que as coisas tenham tomado
este rumo, mas Bash, seu chefe, não me deixou outra
alternativa. Podem ir para lá.
Os guardas entreolharam-se.
—- Podemos ir...? Você não vai nos...?
— Não, amigo. Podem ir à vontade. Nada tenho contra
vocês e acredito que muitos nem sequer sabem por que
estão nesta louca aventura.
Os dois homens entreolharam-se mais uma vez e, antes
que o americano mudasse de idéia, encaminharam-se para
a saída do corredor, onde estaria o corpo de Issar Bash.
— Vamos embora, Tennessee — ordenou Kirkpatrik.
— Não demorará muito para termos os guardas em cima de
nós outra vez, além da multidão que está a ponto de
arrombar os portões e invadir a embaixada.
Rapidamente deslocaram-se para o sul, transpondo
salas sem qualquer vigilância. Os guardas deviam estar
reunidos, deliberando sobre o que fazer, após a morte de
Issar Bash.
Guiados por Mali Karpec, que se sentia ainda atordoada
pela violência que havia estourado na embaixada, chegaram
sem dificuldade às saídas de emergência.
O grupo liderado por William Craig estava ali,
esperando.
— Você conseguiu recuperar Bughs — comentou o
embaixador, entusiasmado. — Infelizmente, Schuman e os
dois agentes russos foram mortos pelos guardas de Issar
Bash,: que conseguiu arrombar a porta da sala onde o
tranquei.

— 82 —
— Assassino! — rosnou Tennessee.
— Bash também morreu — disse Mali Karpec.
Ninguém fez qualquer comentário. Na verdade, todos
estavam ansiosos para se verem livres da embaixada e dos
revolucionários do shanton.
— Alguém faz idéia de como poderemos deixar o país?
— perguntou Kirkpatrik.
— A fronteira fica apenas a sessenta quilômetros, para
o sul. Se conseguíssemos transporte para lá, antes que
bloqueassem as estradas...
Um dos funcionários da embaixada murmurou:
— A uns duzentos metros daqui ficam as garagens de
uma empresa de ônibus. Talvez...
Kirkpatrik sorriu.
— Você é um gênio, amigo. É para lá que vamos
imediatamente.
Os fundos da embaixada davam para um terreno baldio,
ainda deserto, mas que não tardaria a ficar cheio de gente,
assim que a fuga fosse descoberta.
— E o que fazemos com os quatro guardas que
surpreendemos, reverendo? — perguntou Craig.
— Guardas?
— É... Havia quatro guardas vigiando as saídas dos
fundos. Tivemos que dominá-los e...
— Onde estão?
— Trancados na última sala.
— Você acha que poderão escapar rapidamente?
— Só poderão tentá-lo dentro de uma hora, mais ou
menos. Estão desmaiados, ainda.
— Então vamos deixá-los lá. Não adianta puni-los.
Ordeira e silenciosamente, atravessaram o terreno
baldio em direção à garagem da empresa de transportes
coletivos.

— 83 —
Um vigia que se encontrava na porta mal teve tempo de
perguntar o que o jovem louro e decidido desejava.
Kirkpatrik recuou o braço e com uma pancada seca na
base do pescoço deixou-o no chão, sem sentidos.
— Vamos. Tratem de procurar um ônibus com o
depósito cheio de gasolina, que possa nos levar até a
fronteira.
(Mali Karpec estava agarrada ao braço de Kirkpatrik,
excitada.
— Você prometeu que me levava para fora do país,
Hynes...
— Prometi e vou cumprir. Você terá uma poltrona
dentro desse ônibus, garota.
Pouco depois, estavam instalados dentro de um ônibus
moderno, com o depósito cheio de combustível. Um dos
reféns abriu as portas da garagem e o pesado veículo
ganhou a rua, começando a afastar-se rapidamente, ficando
cada vez mais longe do edifício da embaixada, onde os
manifestantes lutavam para arrombar os portões de ferro e
invadir o edifício.

— 84 —
EPÍLOGO

Foi relativamente fácil atingir a fronteira.


Os sessenta quilômetros que separavam os reféns da
liberdade definitiva foram percorridos a uma velocidade
razoável, reduzida apenas nas proximidades de postos
policiais ou de patrulhas do exército.
Chegaram finalmente à vista do posto fronteiriço.
Meia dúzia de guardas haviam formado uma barreira na
estrada, onde tinham colocado alguns tambores, impedindo
a passagem.
Sem dúvida a fuga havia sido comunicada a todos os
postos.
— Como é que vamos passar por esses guardas,
reverendo Young? — perguntou o motorista.
Kirkpatrik observou a barreira.
— Esses guardas devem ter ordens para atirai em nós,
antes de fazer perguntas.
— Com certeza, reverendo. O shanton deve estar uma
fera. Nossa fuga foi um duro golpe em seu prestígio, perante
o povo. Não vai nos perdoar nunca.
O embaixador tinha pronunciado essas palavras com
uma expressão preocupada.
Encontravam-se nesse instante protegidos por um
grupo de árvores que os mantinham ocultos das vistas dos
guardas.

— 85 —
Antes que o agente 77Z pudesse responder, o silvo de
uma sirene, que aumentou rapidamente, indicando tratar-se
de, pelo menos, uns quatro ou cinco carros, ouviu-o na
retaguarda dos fugitivos.
— A Polícia está se aproximando, reverendo —
anunciou o motorista. — Provavelmente será também o
exército do shanton...
Kirkpatrik pensou rapidamente.
— Não temos escolha, amigos. Mantenham- se
abaixados, porque vamos furar a barreira pela força.
— É muito arriscado, Hynes — murmurou Mali
Karpec.
— Ê a única saída que nos resta, Mali. Deitem-se no
chão, embaixo das poltronas, de qualquer forma. Eu
dirigirei.
Como se estivesse esperando uma decisão desse tipo, o
motorista abandonou seu lugar, deitando-se no corredor e
protegendo-se assim dos disparos do exterior.
Kirkpatrik ocupou a cadeira do motorista, ligou o motor
do pesado veículo, que começou a movimentar-se,
descendo a ladeira que conduzia ao posto de fronteira.
O ônibus aumentou rapidamente de velocidade,
enquanto as sirenes se escutavam a menos de um
quilômetro, sendo visíveis, já, as cinco viaturas que
perseguiam os fugitivos.
O primeiro tiro partido da barreira soou quando eles se
encontravam a menos de duzentos metros. Uma bala
perfurou o vidro dianteiro do veículo, estilhaçando-o.
Kirkpatrik abaixou-se e pisou o acelerador com
decisão.
O ônibus pareceu dar um salto para diante e investiu,
sob a chuva de tiros, contra os tambores vazios que
obstruíam a estrada.

— 86 —
Os tambores foram jogados violentamente para o alto e
para os lados. Os guardas do posto fronteiriço gritavam
impropérios e afastavam-se apressadamente, crivando o
ônibus de balas, que, no entanto, se mostraram inofensivas.
Os dois fugitivos tinham retirado os assentos das poltronas
e formado com eles almofadas protetoras, onde algumas
balas se cravaram, sem atingir os reféns libertados.
O ônibus cruzou a barreira a grande velocidade,
afastando-se rapidamente e ficando fora do alcance dos
projéteis em poucos minutos.
As viaturas carregadas de perseguidores frearam
bruscamente na barreira e fizeram ainda alguns disparos
pouco convincentes sobre os fugitivos. Finalmente
desistiram e Kirkpatrik respirou, aliviado.
O primeiro a levantar-se foi Ted Palmer, o pastor
batista.
— Creio que o perigo passou, amigos. Estamos a salvo
e só espero que as autoridades deste país nos recebam com
mais cortesia do que as de Sant’Anna...
Lentamente os reféns foram se erguendo, os sorrisos de
alívio e esperança reaparecendo em seus rostos.
Kirkpatrik deteve o veículo e cedeu o lugar de novo ao
motorista, enquanto Mali pendurava-se em seu braço, com
um sorriso feliz.
William Craig aproximou-se do suposto reverendo
protestante e murmurou:
— Não sei como lhe agradecer, reverendo, por haver
nos livrado das garras daqueles loucos. Se houver alguma
coisa que eu possa fazer assim que voltarmos aos Estados
Unidos...
— Não será preciso nada, embaixador. Fiz o que achei
ser meu dever, para ajudar meus compatriotas.

— 87 —
— Foi um trabalho demasiado invulgar para um
reverendo... — comentou o pastor batista.
— Nem sempre os ministros do Senhor têm
oportunidade de fazer chegar às mentes mais obtusas a
justiça e o direito através de simples palavras, por mais
carregadas de fé que elas sejam.
O embaixador sorriu e trocou um olhar com Ted
Palmer.
— Creio que tem razão, reverendo. Provavelmente nós
poderíamos ter tentado alguma coisa antes, mas nos faltou
a iniciativa.
Kirkpatrik sorriu enigmaticamente e deixou-se cair
numa poltrona, com Mali do seu lado. Em breve estariam
voando para os Estados Unidos e o pesadelo criado pela
ambição e loucura de um político em desespero teria
cessado.

***

O louro milionário do aço sorveu um gole de bourbon e


olhou por cima do copo para o chefe do Departamento 77.
— E como é que o shanton reagiu, mister Lattuada?
— Você pode imaginar, Horace. Ele ameaçou
represálias sem fim, corte de venda de petróleo para todos
os países que estivessem de acordo com a fuga arrojada,
uma porção de bobagens.
— Esse homem é um louco...
— Um louco desesperado, Horace. Palmak levantou o
povo contra ele no nordeste do país e está avançando
rapidamente em direção à capital.
— Creio que o shanton não terá uma vida muito longa,
então.

— 88 —
— É evidente que não. Tampouco poderá pensar na
fuga dos reféns, uma vez que Palmak continua ameaçando-
o, cada vez com mais perigo.
— E os russos, como reagiram à morte de seus agentes?
— Da maneira que esperávamos. Afirmam que seus
agentes foram enviados com o propósito de libertar os
reféns americanos, num gesto de solidariedade e
impaciência diante do fracasso das negociações pacíficas. E
que seus homens morreram, permitindo com isso que os
reféns fugissem, através da brecha aberta pelos agentes da
KGB e protegidos por eles, ao morrerem como mártires, em
holocausto pela causa da liberdade e dos direitos humanos.
— Uma versão muito emocionante, sem dúvida.
— Comovedora, como se esperava.
— Foi uma pena que Barry Schuman tivesse morrido...
— É... Foi lamentável. Mas esse é o preço que pagamos
pela liberdade dos reféns.
— Como estão os outros?
— Insistem em promover uma festa de homenagem ao
corajoso e valente reverendo Hynes Young Jr., pela
decisão, valentia e arrojo que demonstrou salvando-os.
— São muito gentis e o reverendo Young agradece... —
sorriu o agente 77Z.
— Claro. Só estamos tendo um pequeno problema.
— Problema? Que problema?
— Entre os reféns que você resgatou de Sant’ Anna
existe alguém que não é americano e que não se conforma
com o desaparecimento do reverendo Hynes Young.
O louro agente da CIA sorriu enigmaticamente e
murmurou:
— E daí?

— 89 —
— Daí que eu acho bom você convidar essa pessoa para
um bom programa uma noite qualquer, pok está difícil
aguentar uma garota como aquela.
— Garota? — fez-se de desentendido o agente.
— Você sabe muito bem de quem estou falando,
Horace. Mali Karpec ameaçou ir à Associação Central das
Organizações 'Protestantes e exigir o endereço do
reverendo Hynes Young.
— É uma garota obstinada...
— Diz até que receia que o shanton tenha enviado seus
agentes aos Estados Unidos com o objetivo de assassinar o
reverendo Young e que nós estejamos encobrindo isso dela.
— Grande imaginação, tem a boneca...
— Enorme. E o pior é que tivemos de lhe dizer
exatamente isso. Quero dizer, que você estava escondido
como medida de segurança contra alguma tentativa mais
suja do shanton...
— Terei que fazer uma visitinha a essa garota. Ela deve
estar se sentindo muito só.
Mister Lattuada sorriu maliciosamente e murmurou:
— Concordo. A senhorita Karpec está longe dos seus,
longe da família e amigos, sem ninguém por aqui. Só deve
regressar a Sant’Anna quando Palmak derrubar o shanton e
restaurar o clima de tranquilidade no país.
— Então não devo ter muito tempo para visitá-la ...
— Claro que não. Apenas uma semana, no máximo. O
regime do shanton não deve durar mais do que isso. Sugiro,
portanto, que se apresse.
O agente fora de série da CIA levantou-se e esmagou o
cigarro no cinzeiro.
— Onde está ela?
— Num hotel, esperando impacientemente. Tome o
endereço.

— 90 —
Escreveu alguma coisa num guardanapo de papel, que
Kirkpatrik pegou com um sorriso.
—- Lá vou eu de novo, em missão, chefe.
— Missão?
— Claro. Uma missão de boa vontade, junto de uma
estrangeira que está sofrendo horrores pela situação
dramática que seu país atravessa...
O chefe do Departamento 77, da CIA, não pôde evitar
uma gargalhada bem-humorada.
— Você não tem jeito mesmo, Horace. Mas tenha
cuidado. Seu relacionamento com Mali Karpec ainda pode
nos custar um incidente diplomático internacional.
— Como assim?
— Bom, você é um pastor protestante e os agentes do
shanton podem alegar imoralidade na sua conduta,
especialmente por envolver uma cidadã de Sant’Anna.
Kirkpatrik encolheu displicentemente os ombros e
retorquiu, sorrindo:
— Pode ficar sossegado, chefe. Eu me encarregarei de
esclarecer certos aspectos para Mali. Ela é uma garota
muito compreensiva.
Antes que o chefe do Departamento 77 pudesse
responder, Kirkpatrik saiu, assoviando alegremente.
Mister Lattuada ficou olhando para a porta,
pensativamente. Kirkpatrik era um homem extraordinário,
mas tinha um ponto fraco: as mulheres bonitas o deixavam
transtornado. Jamais resistia ao apelo de um par de pernas
bem desenhadas...

FIM

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