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Giovanni Levi

A herança
imaterial
Trajetória de um exorcista no
Piemonte do século XVII
PREFÁCIO DE
Jacques Revel

TRADUÇÃO DE
Cynthia Marques de Oliveira

CIVILIZAÇAO IJI\ASILEIIIA

Rio de Janeiro
2000
COPYRIGHT e Giu/io Einaudi editore s.p.a., Turim, 1985 Sumário
COPYRIGHT DO PREFÁCIO © Éditions Gallimard, 1989

TfTULO ORIGINAL ITALIANO

Lleredità immateriale: Carriera di un esorcista


nel Piemonte dei Seicento

CAPA
Evelyn Grumach

PROJETO GRÁFICO

Evelyn Grumach e João de Souza Leite


PREFÁCIO
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS ~ A história ao rés-do-chão 7
Nerval Mendes Gonçalves

TRADUÇÃO DO PREFÁCIO ABREVIAÇÕES E TABELA DE EQUIPARAÇÃO DE PESOS E MEDIDAS 41


Fernanda Abreu

EDITORAÇÃO ELETRÔNICA INTRODUÇÃO 43


Imagem Virtual

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE CAPíTULO I


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. Os exorcismos de massa: o processo de 1697 53
Levi, Giovanni
NOTAS 84
L644h A herança imaterial: trajetória de um exorcisra no Pie-
monte do século XVIII Giovanni Levi; prefácio de jacques
Revel, tradução Cynthia Marques de Oliveira. - Rio de CAPíTULO 11
Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
Três histórias de família: os núcleos parentais 87
2721'.
NOTAS 127
ISBN: 8'>-200-0497-0

1. Chiesa, Giovan Battisru - Séculos XVII e XVlII.


CAPíTULO 111
2. Exorcismo -Irália- História -Século XVII. 3. Cura
espiritual - Itália - História - Século XVII. 4. Itália - Reciprocidade e comércio da terra 131
História - Século XVII. I. Título.
CDD-94.>.07 NOTAS 168
99-0475 CDU - 945

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou CAPíTULO IV


transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia A autoridade de um homem ilustre: Giulio Cesare Chiesa 173
autorização por escrito.
NOTAS 197
Direitos desta edição adquiridos pela BCD União de Editoras S.A.
Av.Rio Branco 99/20" andar, 20040-004, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Telefone (21) 263-2082, Fax / Vendas (21) 263-4606 CAPíTULO V
PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL A herança imaterial: o processo de 1694 203
Caixa Postal 23.052, Rio de Janeiro, RJ, 20922-970
NOTAS 224
Impresso no Brasil
2000
5
A HERANÇA IMATERIAl

CAPiTULO VI
Prefácio*
A definição do poder: as estratégias locais 227
NOTAS 249

CApiTULO VII

As aparências do poder: a paz no feudo 251


NOTAS 265

A HISTÓRIA AO RÉS-DO-CHÃO

1. Aos leitores que esperam de um livro de história algo mais do que


uma narrativa envolvente, um exotismo previsível, o eco de sua própria
nostalgia, A herança imaterial deveria proporcionar os prazeres sutis e
complicados de uma experiência intelectual. O livro não lhes propõe
nada menos do que associá-los à reflexão de um historiador à procura
de seu objeto. Nada menos pretensioso, nada mais ambicioso também
do que este pequeno livro, cujo primeiro mérito é nos oferecer a chance
de um verdadeiro!ypa sement. Chance por demais rara para não ser
aproveitada.
A obra foi traduzida para o francês quatro anos depois de sua pu-
blicação em italiano com o título Eereditã immateriale. A herança ima-
terial anunciada por essa fórmula cristalina e secreta é, como logo sabe-
remos, a do poder no interior de uma comunidade rural reinserida em
seus diversos contextos. Teremos ocasião de voltar a isso. Mas é conve-
niente lembrar que o livro foi publicado na coleção "Microstorie" (Mi-
cro-histórias), que seu autor, Giovanni Levi, dirige com Carlo Ginzburg

.• Este prefácio foi publicado na edição francesa com o título "L'histoire au ras du sol"
Paris, Éditions Gallimard, 1989.

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A HERANÇA IMATERIAL PRE FÁCI o

desde 1980 na editora turinense Einaudi. O livro adquire sentido dentro há dois séculos. Não nos cabe aqui retraçar sua história. Lembremos
de um projeto conjunto para cuja formulação e ilustração contribuiu, e apenas que ela encontrou pontos de fixação a partir do século XIX em
ao qual deve ser relacionado. propostas de natureza muito diversa: no campo da análise sociológica,
A micro-história nasceu a partir de uma série de propostas enuncia- é claro, de Tocqueville a Marx e de Durkheim a Weber, mas também em
das há dez ou quinze anos por um grupo de historiadores italianos de- uma reflexão psicológica desde então esquecida, ou ainda no romance,
dicados a empreitadas comuns. Não constitui absolutamente uma técni- para não falar no ethos populista nunca desmentido do qual Michelet
ca, menos ainda uma disciplina, ao contrário do que por vezes tentou-se permanece o profeta genial. De um país a outro, segundo a força e o
fazer dela: uma opinião historiográfica ávida ao mesmo tempo de novi- agenciamento das tradições culturais nacionais, com descompassos ine-
dades e de certezas. Deve na verdade ser compreendida como um sin- vitáveis e através de formulações algumas vezes muito diferentes tanto
mm..a: ç.Q!!louma.~eaç.ão a um momento específico da história social, da pela argumentação quanto pelo tom, uma evolução comparável parece
qual propõe reformular certas exigências e procedimentos. Não pareceu ter imposto lentamente a convicção de que não existe história verdadeira
inútil evocar aqui os grandes traços do debate. a não ser a do coletivo.
Na França, como se sabe, foi o movimento dos Annales que, desde o
final dos anos 20, se identificou essencialmente com essa inflexão histo-
2. Há mais de meio século, a importância da história social não pára de riográfica. Em seu nascimento bem como em suas reformulações, ele não
aumentar, ao mesmo tempo que parecia ser capaz de renovar incessan- pode ser separado de um conjunto de debates e de tensões que atravessam
temente seus objetos e seus procedimentos. Mesmo que, hoje, ela esteja a vida intelectual francesa no século XX.1 De qualquer modo, seu sucesso
longe de ter invadido o conjunto das práticas historiográficas - ao con- catapultou os Annales para muito além das fronteiras nacionais e transfor-
trário do que é por vezes afirmado com demasiada complacência, seja mou-os - ao preço, é bem verdade, de muitos mal-entendidos - em um
para se alegrar ou para lamentar -, é verdade que ampliou seu território dos termos de referência do trabalho histórico no mundo. Não é portanto
de forma desmedida. O sucesso dessa metáfora espacial (e de bom grado abusivo evocar em linhas gerais, a partir de seu exemplo particular, as
imperialista) sugere os progressos de uma disciplina à qual, durante mui- conseqüências para o trabalho dos historiadores acarretadas pela escolha
to tempo, nada parecia poder resistir. Ela não foi capaz de anexar terri- da história social. O privilégio dado ao grande número, em detrimento do
tórios considerados, por definição ou tradição, irredutíveis: ontem, a singular, exigia a invenção de fontes adequadas, ou ainda um novo trata-
história das culturas, hoje, talvez, a história política? mento das fontes tradicionais. Supunha também, e ao mesmo tempo, o
Essa história tinha por base inicialmente uma convicção simples. ajuste de tratamentos adaptados aos materiais, na maior parte das vezes
Contra os mais antigos hábitos historiográficos, afirmava ue o estino imperfeitos, conservados nos arquivos. A história.dos ..llIPcedimento~ de
coletivo_h~o mais peso do que o destino dos indivíduos mesmo ~ca ª
ão e uela S.QJllple.mentar,~çi.ilsfo!~.a~<!~ cl~~ifiC::ls~~i~da
reis ou heróis; que as evoluções m~ciças eram as únicas capazes de des- estão integralmente ara ser' escritas. Elas nos interessam aqui, sobretudo,
pcl~
vendar ~o - entenda-se a dir~ão e o significado - das trans-
formações das sociedades humanas através do tempo. Tal afirmação é
--- transformações que m"duzU:-am.-- .-'
----
-~
Mencionaremos três dessas transformações princi ais. A primeira está
hoje banal, a tal ponto que nos é difícil conceber que não tenha sido diretamente ligada a~tode ~dir ~s fenômenos soci~-;Pa"rtirde
sempre assim. É no entanto recente, e inseparável da reflexão que vem in~dores si!EEles ou si~plifjgt.Qõ.s. A prime~ forma são.2s re ~.ou
sendo conduzída pelas sociedades democráticas a seu próprio respeito ; renda; depois os níveis de fortuna e das distribuições profissionais, nas-
-..-..- ~ -
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A HERANÇA IMATERIAL PREFÁCIO

cimentos, casamentos e falecimentos; enfim, as assinaturas contadas em- tornarem-se praticamente indiscerníveis. A admirável primeira parte de
baixo dos atos notariais ou documentos de estado civil, ou ainda cláusulas O Mediterrâneo, de Fernand Braudel (1947), nos deixou, depois dos
testamenteiras que permitiam reconstruir as atitudes de determinados gru- Traços originais da história rural francesa de Marc Bloch (1931») o pro-
pos em relação à morte. Reconhece-se, por trás desses exemplos escolhidos tótipo de uma história estrutural de início atenta àquilo que não mudava.
dentre muitos outros possíveis, alguns dos grandes sucessos da história Mais perto de nós, o sucesso da "história imóvel" de Emmanuel Le Roy
social francesa no último meio século. Todos esses índices têm em comum Ladurie (1973) junto a um público que as vicissitudes da história real,
o desejo de extrair do documento bruto uma propriedade, um traço iso- as do fim do crescimento e da crise econômica mundial haviam tornado
lado cuja crítica permita acompanhar sua evolução através do tempo. Eles cético, dá uma boa idéia do enraizamento de uma convicção implícita.ê
podem em seguida ser aproximados uns dos outros, suas correlações po- Paradoxalmente, tudo aconteceu como se os historiadores se convences-
dem ser medidas, de forma que possam entrar na constituição de modelos sem, de bom grado, que nas sociedades que estudavam nada acontecia
mais ou menos complexos. Mas eles só são ertinentes se permitirem realmente, ou talvez até elas só fossem tão interessantes justamente por-

ti---- -~-
destacar da matéria hi~Qric"ª~ar.ealidadeIestrita
.. -e de na~za c~nstan-
-. que nada acontecia.
Trata-se de uma constatação trivial, mas cujas conseqüências para a Uma terceira grande transformação remete também ao projeto cien-
produção histórica não foram poucas. tífico - alguns dirão, sem indulgência, cientista - que desde a origem
O segl!.I1do dos efeitos~vocados também remete à ambição, que foi inspirou a empreitada dos Annales, ao mesmo tempo que à dinâmica de
a dos fundadores osAnnales, de uma história que se desviaria do único, uma pesquisa ativa, produtiva, segura de seus objetivos e de seus recur-
do acidental, para investir-se completamente ~o estudo das, r~8!!larida- sos. Bloch, Febvre e uma parte de sua geração haviam aprendido com
des - <:' por que Eão ~<.Ü!§ k!s - .22
soci~ Aqui a referência durkhei- seus mestres durkheimianos ue só existe ~e.!Q d~ estudo c~struído
miana, retomada com vigor por François Simiand, é decisiva. Mas a através de procedimentos ex licjta~os em .i~nç~o dc:.uma J~ipó!ese daqa,
primazia dada às regularidades, em detrimento do acidente, às repeti- eemsegliida--;'ubmetido a validação. Essas regras de método elementares
ções em detrimento do incidente, permit;;;m dúvida compreender por foram respeitad~mpr~? 'Sem dúvida a história da esqui~~
que essa história interessou-se 9.!J-ª.§eimediatamente elos sistemas e p'e- ~.!!ç~o~· etos cãda -y-eJ:1tlais..s.ofis.tkl!clos.Os procedimentos
~tabilidad~~,Lm vez dt el~muda~a. História pesada, história le-;;- tornaram-se mais complexos e mais controlados. No entanto, ao mesmo
ta, e que encontrou instintivamente, nas sociedades pré-industriais, em tempo, o caráter experimental, hipotético desses objetos foi algumas
uma Idade Média quase milenar e em uma modernidade que se estende vezes deixado de lado. Com freqüência ficou-se tentado a considerá-Ios
por mais de três séculos, a longa duração necessária à execução de seu como coisas. A evolução da história dos preços entre os trabalhos do
rojeto. Tal escolha implicava, é claro, a renúncia a um certo número primeiro Labrousse (1933) e os anos 60 é um bom exemplo dessa ten-
de objetos de estudo. Também servia de reconforto à convicção de que dência ao endeusamento dos recortes e das categorias, assim como o é,
a única história importante escapava, para parafrasear uma célebre fór- a uma geração de distância, a história das classificações socioprofissio-
mula de Marx, ao conhecimento e, mais ainda, à vontade dos homens nais ou a das unidades espaciais de observação.! A prioridade parece ter
a história. O curto e mesmo o médio prazo tornavam-se, assim, de sido dada cada vez mais à acumulação de dados classificados de acordo
difícil compreensão. Mas há mais ainda. A valorização diferencial dos com categorias sedimentadas e não criticadas, descritas mais que anali
níveis e dos ritmos da realidade histórica parecia, sem que isso fosse dito . sadas, e que pensa triunfar hoje com o estoque informatizado de enor-
de maneira tão clara, favorecer as evoluções mais lentas, ao ponto delas mes bancos de dados inertes, <lue deveriam um dia poder servir para

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A HERANÇA IMATERIAL PREFÁCIO

tudo (ou seja, possivelmente, a nada). Talvez esse achatamento da pes- ditores de Past and Present, profetiza a "volta da narrativa" ao mesmo
quisa também faça compreender que se tenha, afinal, refletido muito tempo que oferece um diagnóstico pessimista e raivoso sobre o trabalho
pouco sobre as articulações internas da realidade histórica assim recons- realizado por sua geração de historiadores.é Se, a despeito de suas apro-
tituída. Durante muito tempo, contentou-se em justapor seus diferentes ximações e de seus equívocos, esse exame de consciência teve tamanha
aspectos. Na tradição dos Annales, sabe-se, a história dos grupos sociais repercussão internacional, foi sem dúvida porque Stone foi um dos pri-
entrou no molde proposto pela história econômica; e as primeiras ten- meiros a formular, sem se preocupar com sutilezas, um mal-estar, ques-
tativas de uma história social da cultura, a partir da metade dos anos 60, tões esboçadas por toda parte, e mais ainda porque convidava, a seu
submeteram-se por sua vez instintivamente à grade de leitura socioeco- modo, a refletir sobre um momento da historiografia.
nômica que lhe era oferecida. Pode-se ver aí menos a influência de um O otimismo que havia animado os grandes empreendimentos da pes-
marxismo que, devido à sua própria mediocridade teórica em nosso país, quisa, e que culminava com a introdução dos métodos infcrmatizados,
provavelmente não exerceu uma influência determinante na reflexão parece então se obscurecer. Ainda deve-se buscar uma explicação para essa
dos historiadores franceses, do que o efeito de uma espécie de dormência mudança recente. Assinalemos ao menos que ela remete a ordens de ra-
epistemológica que foi como o contragolpe de uma pesquisa superativa, ciocínio muito diversas. Algumas delas são internas à disciplina. É provável
que multiplicou suas áreas de interesse e suas conquistas durante quatro que muitos historiadores tenham tido a sensação de um rendimento de-
ou cinco décadas. crescente das vastas pesquisas quantitativas dos anos 1960-1970 (mesmo
que o estabelecimento dos questionários estivesse, sem dúvida alguma,
muito mais na berlinda do que a abordagem pesada propriamente dita).
3. Esse quadro é, naturalmente, tendencioso. Insiste nas dificuldades ou Ao mesmo tempo, seus próprios avanços empurravam a história social em
impasses de um empreendimento generoso, inventivo, poderoso e que direção a formas de especialização técnica definidas por competências e
se revelou de uma fecundidade surpreendente. Não menciona tampouco muitas vezes aceitas como pressupostos. Os Annales quiseram criar con-
os esforços, individuais ou coletivos, para repensar novamente o projeto dições para uma interdisciplinaridade maleável. No entanto via-se o rea-
e os recursos de uma história social problemática. Nos próprios Annales, parecimento de circunscrições bem delimitadas, ciosas de sua nova auto-
e em torno deles, esses esforços apareceram, mesmo se continuamos com nomia. A "história total" ou "história global", essa palavra de ordem algo
a impressão de que eles nem sempre foram escutados como deveriam nebulosa mas apesar de tudo empolgante e que havia impulsionado três
ter sido. Trata-se aqui, aliás, não de fazer um julgamento, fácil demais a gerações de pesquisadores parecia esquecida em prol de formas mais rígi-
posteriori, mas sim ao contrário de compreender como, a partir da pró- das de institucionalização. Era evocada então de maneira nostálgica. Ao
pria prática dos historiadores do social, nasceram as reflexões e as exi- mesmo tempo, essa tendência ao esfacelamento, aliás previsível, encon-
gências que esboçam há cerca de dez anos um ponto crítico." trava-se reforçada por uma evolução intelectual mais profunda e mais
Há muito tempo algumas pessoas vêm denunciando o que chama- ampla. Esses mesmos anos viram o colapso de grandes paradigmas, Partl~-
vam, de modo ambíguo, "os cansaços de Clio" - entenda-se a despro- cularmente os do marxismo e do estruturalismo, que, juntos ou em con-
porção entre os árduos trabalhos da história quantitativa e os resultados corrência, haviam dominado durante algum tempo a história e as ciências
obtidos. Mas é em torno do final dos anos 70 que a dúvida parece ins- sociais. Com eles apagava-se, ao menos provisoriamente, o projeto, e tal-
talar-se no seio da corporação. É então que Lawrence Stone, grande vez a ambição, de uma síntese dos saberes sobre as sociedades.
praticante da história social - se algum dia existiu tal coisa - e um dos Deve-se acrescentar a essas razões internas, que aqui apenas evoca-

12 13
PREFÁCIO
A HERANÇA IMATERIAl

mos de maneira difusa e que, algum dia, deverão ser objeto de um exame certamente diminuem, os discursos tornam-se mais modestos, pelo
mais sério, outras de ainda mais difícil delimitação e que remetem a uma menos de imediato. Mas esse tempo de recuo aparente poderia ser o
mutação bastante repentina das atitudes coletivas. Os anos de crise mun-
dial foram um momento de revisão brutal, que anunciava inclusive as
-
de uma reconstrução. A~.Q:hist§ria
uma tentativa nesse sentido.
.. _-----~
deve ser compreendida como

revisões suaves das quais 1968 havia sido o sintoma generalizado nas
s iedades ocidentais. O progresso deixava de ser uma certeza ao mesmo
tempo que se começava a duvidar da capacidade indefinida dessas so- 4. Os textos que definem o projeto micro-histórico são pouco numero-
ciedades para resolver seus problemas latentes. A angústia ecológica, sos, e são breves. Poder-se-ia ver aí a confissão de uma insuficiência
hoje mundial, é um bom exemplo disso. O passado deixava de ser um teórica radical, ou ainda a expressão de uma modéstia insistente. Por
terreno de experiência, o palco onde se construíam cenários que torna- minha parte, escolho compreender essa discrição como a reivindicação
riam o presente mais inteligível, para tornar-se o alvo da melancolia de princípios de um direito à experimentação em história, o que não
desamparada dos contemporâneos. Dever-se-ia crer que os historiadores desassociaria a afirmação de propostas gerais de um trabalho específico.
escapam mais do que os outros às solicitações da moda? Não é absurdo Pode ser a chance de lembrar aqui que a micro-história nasceu das trocas
pensar que o movimento que carrega a história social há mais de meio de um pequeno grupo de historiadores italianos reunidos em torno de
século não é ele próprio completamente desvinculado do dinamismo e uma revista, Quaderni Storici, que retomaram em 1970 e transforma-
do voluntarismo de uma época que, apesar (ou na companhia) dos dra- ram, em alguns anos, em um dos palcos centrais do debate historiográ-
mas que conheceu, pretendia dominar e organizar o seu futuro. Essa fico. Os mais conhecidos na França são sem dúvida Carlo Ginzburg,
ascensão estagnou, esse desejo é, hoje, menos certo. Quanto aos histo- Cado Poni, Edoar o Gre . e Gio.Yªllni Leri (mesm;seQ movimento
riadores, eles estão talvez menos certos de ser absolutamente capazes de que conduzem tenha se ampliado consideravelmente de quinze anos
administrar a duração que pretendem analisar. para cá). O primeiro é um historiador da cultura. Os três outros são
Insistimos até agora nos aspectos negativos de uma crise vivida de historiadores da economia. Mas essas especialidades de nada importam
forma confusa, pouco à vontade, e raramente explicitada. Seria talvez aqui - menos, em todo caso, do que a preocupação, comum a todos
igualmente legítimo arriscar uma interpretação menos pessimista. Po- eles, de redefinir certas modalidades do trabalho histórico.
demos sugerir, por exemplo, que o desaparecimento dos principais Para melhor compreender seu procedimento, partamos, apesar de
paradigmas colocou os historiadores diante de suas próprias respon- tudo, de um texto programático. Há dez anos, Ginzburg e Poni publi-
sabilidades; o que, aliás, coincidiu com o fim de um período em que cavam em sua revista uma dezena de páginas curiosamente intituladas
muitas vezes os programas superaram as realizações. O "esfac~lamen- "O nome e corno"." Seu texto abre com uma pergunta: como pôde a
to" da história que se denuncia com demasiada complacência consti- historiografia italiana ter sido tão obstinadamente reticente à história
tui, certamente, um risco. Mas ele também pode traduzir o fato de que social? Certas respostas são classicamente conhecidas. O pesado legado
os historiadores, assim como os outros praticantes de ciências sociais, do idealismo crociano, trazendo consigo uma suspeita generalizada em
limitam provisoriamente suas ambições a objetos mais restritos e mais relação às ciências sociais, constituiu uma barreira eficaz para as inova-
fáceis de serem manipulados, no interior de campos circunscritos de- ções. De maneira mais prosaica, a organização ao mesmo tempo hierar-
finidos não mais por hábitos disciplinares ou técnicos, segundo recor- quizada e atomizada da universidade italiana se adaptava mal, até uma
tes conceituais preestabelecidos, mas sim por práticas. As ambições época muito recente, a empreitadas coletivas e anônimas, adaptadas ape-

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14
A HERANÇA IMATERIAL PREFÁCIO

nas aos grandes temas da história nova, mesmo que as incríveis riquezas os grupos restritos, recusava-se por definição a levar em conta o indivi-
dos arquivos da península tivessem podido lhe oferecer recursos extre- dual. Assim, vastos territórios permaneciam abandonados, que se pode-
mamente favoráveis. Nesse bloqueio duplo, esboçado de maneira um ria tentar reconhecer. Aqui explica-se o sentido algo sibilino do artigo
tanto alusiva, os autores viam a origem de uma situação característica de 1979. ~os pela enorme jazida arquiyislli;a italialla •..os ~s
de seu país: os historiadores ciosos de se afastar de caminhos já dema- propunham.E.ma out~!.l!.~'z..!?..s:.~~is~ ••o,9,alac.ompa-
siado percorridos não teriam tido nenhuma outra escolha a não ser en- ....... _ . ~.,........-,.,..-a~.~~
rthando o "nome" ró rio dos indivíduos ou dOI>gru os de indivíduos, ,"'QO;,u_~~4J

trar na dependência de modelos historiográficos importados, principal- O paradoxo é apenas aparente. Pois a escolha do individual não é con-
mente da França ou dos países anglo-saxões, e aos quais seus recursos siderada contraditória com a do social: torna ossível uma abordagem
eram decididamente mal-adaptados. diferente dest~. Sobretudo, ermite destaca!,).ao lon o de um
Essa análise envelheceu. Uma década depois, sua rudeza lhe empres- ~o eSRecífico- oA~~~Ym..h..9~m, ~e_~~~~e, g~
ta ares ironicamente terceiro-mundistas que convencem ainda menos uma obra -, a complexa rede de relações, a multiplicidade dos espaços
devido ao fato da cultura italiana, mais cedo obrigada a revisões cruéis, e dos tem os nos uais se inscreve:I>e certa ma;}cira, é o antigo sonho
ter-se aberto mais rapidamente e com mais facilidade do que a nossa às de uma história total vista de baixo que Ginzburg e Poni encontram
renovações externas, e soube tirar partido de um verdadeiro cosmopo- então: "A análise micro-histórica tem portanto duas faces. Usada em
litismo. Resta que, quando este texto foi escrito, ele propunha - e é pequena escala, torna ;uitas vez~í~reconstit~ição-do vivido
isso que importa - um convite ao trabalho com os recursos disponíveis, inacessível às outraS-ãbÕrd;ge~~ hi~toriográficas. Propõe-se -por outr9
que estavam longe de ser derrisórios. Faltava logística? Convinh~- lado a identificar as'e~uras invisíveis ~gundoãs- quais es~e vivido se
articula." .--,.- ....- -- -,.c - ;.. • -... . --
tanto delimitar o trabalho de outra maneira, limitar o ..dos.ohe.
jetos estu~dos Etventando regrali ~j,l.RrpyS! "tamSll2 "l1t~y"º..Q1lde-as. --r>eve-se, a exemplo de nossos dois autores, definir a micro-história
grandes pesquisashistóricas se contentavam muitas vezes com uma cul- como "ciência do vivido" ao final desta análise? A fórmula não conquista
. ur~nea~"'fA"niié~tóriâiíãófõTp~rt~;~~,·it;IT;nô~dõ necessariamente uma adesão unânime. Evoca sem dúvida o antigo ape-
small is beautiful, então tão em voga (mesmo que tenha se beneficiado, tite dos ogres-historiadores pela carne fresca, mas também corre o risco
mais tarde, dessa estética perecível). Sugeria uma resposta possível a uma de dissolver a originalidade do projeto em uma generalidade um pouco
situação concreta. indistinta. Parece-me mais importante o desejo fortemente afÍfmado de ..
Ainda assim, as limitações que pesam sobre o trabalho dos historia- estudar o social não co~o um objet~do -de-mQ.Rrieda.de~,ma~A~ .
dores não são suficientes para explicar, menos ainda para justificar o ~~;-~~~ c~njunto d~ i~ter-rel;çÕes ~óveis dentro de configurações em
projeto micro-histórico. ~~f,SgJ.!ão ge~scala.proposta por Ginzburg e c~;;nte -adaptação. P~~cebe~e bem"'~aqui;in~~'d;;-;~~ antropo-
Poni, depois de Grendi," convidava a uma outra leitura do social. A l~o-"~;~ã menos afetada do que a nossa pelas grandes arquiteturas
história social dominante refletia sobre agregados anônimos acompa- sistemáticas, mas mais atenta, por vezes, à construção de papéis sociais
nhados durante um longo período. Seu p~ peso ameaç~a não lhe e à sua interação. Reencontra-se em todo caso uma fascinação comum
permitir articular entre si os diferentes aspectos das realidades pelas e algo melancólica do historiador pela experiência de terreno, privilégio
quais se interessava através de categorias precocemente solidificadas. Ela do etnólogo. Sente-se isso desde o início do livro de Giovanni Levi:
tinha dificuldades para apreender as durações médias ou curtas, e com "Tentei, portanto, estudar um minúsculo fragmento do Piemonte do
mais razão ainda os acontecimentos; não sabia muito o que fazer com século XVII, utilizando uma técnica intensiva de reconstrução das vicis-

16 17
A HERANÇA IMATERIAL PREFÁCIO

situdes biográficas de cada habitante do lugarejo de Santena que tenha P S, no mesmo ano de 1979, em um artigo célebre: "Sinais: raízes de
deixado vestígios documentados." Mas a fascinação logo encontra suas 11111 paradigma indiciârio".? Decidido a estabelecer a legitimidade do
justificações: "Todas as estratégias pessoais e familiares talvez tendam a JlI' cedimento que defendia com seus amigos, Ginzburg sugeria, como
parecer atenuadas em meio a um resultado comum de relativo equilí- 11111 virtuoso, que a micro-história, no fundo, apenas manifestava a ori-
brio. Todavia, a participação de cada um na história geral e na formação ginalidade do procedimento histórico em geral. Este último teria errado
e modificação das~~ruturas essenciais da realidade social não pode ser no tomar como exemplo as ciências sociais e, mais ainda, as ciências
avaliada somente com ase nos resultados perceptíveis: durante a vida .xatas; ter-se-ia enganado ao se esforçar em estabelecer regularidades
de cada um aparecem, ciclicamente, problemas, incertezas, escolhas, en- enquanto sua vocação seria, pelo contrário, partir em busca do "indício",
fim, uma política ~ vida cotidian.!l cui centro é a uti' ão estratégica do resto significativo, autorizando um conhecimento "in . eto" e "con-

-----
das normas sociais." A intenção anuncia-se claramente: a abordagem
micro-histórica deve permitir o enriquecimento da análise social, torná-
Ia mais complexa, pois leva em conta aspectos diferentes, inesperados,
jec~~", segunaõO a~r próximo da interpretação psic~~alítica ou
ainda da investigação policial. Ninguém duvidará um só instante que
essas propostas são testemunhas explícitas de uma crise contemporânea
multiplicados da experiência coletiva .. da razão. Parece mais duvidoso que bastem para esboçar um paradigma
Pode-se ver claramente: a micro-hisrória não propõe uma revolução científico alternativo, e na minha opinião vestem a empreitada dos
epistemológica, nem tampouco limita-se ao engenhoso quebra-cabeça rnicro-historiadores com uma vestimenta teórica ao mesmo tempo um
recomendado por Ginzburg e Poni a seus colegas italianos no início de pouco grande e um pouco larga. Se buscamos uma unidade para as rea-
seu artigo. Trata-se de um procedimento prático - o u~ não quer lizações da micro-história, poderemos encontci-l;-~ai;;odestamente
p
absolutamente dizer que n'ão ~e~h; i"ii1 licaç6es ou cons~ üências te&i- ~ uns tra os ue ~ .e~~C~It!.1igÉili~~tivos. a;;~~ pa;~ ser
caso Em todo caso: pode-;~ ~~ompreend;r -q~~
não s~ tr~ta aqui, ab- em b~ .
~;~luto, de uma renúncia à história social, mas sim de um esforço deci- O primeiro, que pode ser deduzido com bastante clareza do que foi
dido a reconsiderar e aprofundar seus conceitos no momento em que dito anteriormente, consiste em uma rela -ª.O ue l2oderíamQ~q!Hlificar
seu dinamismo parecia perder o fôlego. Essa primazia da prática pode de inventivl c~m a re!!lidade históri a. Todos sabemos que os historia-
ajudar a compreender o aspecto de canteiro de obras, um pouco desor- dores devem se esforçar para construir seu objeto, mas muitas vezes
denado aos olhos do espectador afastado ou apressado, das realizações tiramos disso conseqüências medíocres. Por terem escolhido fazer variar
da rnicro-história. O catálogo da coleção "Microstorie'" é testemunho de forma sistemática e controlada o foco de sua lente, os micro-histo-
disso: há dez anos, reúne títulos cuja unidade pode nem sempre parecer riadores têm em comum a qualidade de estarem, talvez mais do que
evidente, seja pelos assuntos abordados ou pelos gêneros histórico-lite- outros, ~tQ~ à c()..m.t.rução _~9._!.eal!,.aE papel que aí desempenham o
rários usados. Ocorre que essa unidade deve ser buscada menq~$.!!Ll!!!1a obserza or e seus_.~~~E1~s: A matér~óricãque nos oferecem
. ~_"""""---"""_~~"""''''''''''''-'''~''~''''''~''"~;;..o.,,,,-~,.,,,,,
ç,<11s~-2.~.9.~~.B.~izad ..w~que em um. ~~!.?!i,~cçmYJP....ge é muitas vezes rica, mas é também problemática. Encontraremos a prova
~o~ç~s, çI!J-Yll1}--çt!J~1l<tiJ"i']uIê§f5&1~,_~!P_H~~ ..J.2E!~.Ue disso na rec~s~~ muito praticada por esses autores, das hipóteses funcio-
at ção - .tln<?s-P!..!E:l~?1~!.~~J~m uma certa ua~dade de sensibi~ nalistas, das "explicaç6êS que-tendem a SlmpÍificar "~s~~anismos cau-
~,<W,. ainda tePlos.~ er~ll~~~g~!~..!qui. '~ais ;;descrever ~ passado Zomo ~~ ~trclaÇa~ento 'in~itável de ne-
Tudo isso, percebe-se, não implica em nada uma definição rigoro- .'C.~ssidã(fe;biol.ªgica;, ..polític~s, eéo~Ô"'micas". A redução-de escalá, o
samente unificada. No entanto, foi isso mesmo que Carlo Ginzburg pro- interesse por destinos específicos, pór e~colhas confrontadas a limita-

18 19
A HERANÇA IMATERIAL PREFACIO

ções, convidam a não se deixar subjugar pela tirania do fato consumado ficações posteriores durante a análise. Nasce assim uma forma de expo-
- "aquilo que efetivamente aconteceu" - e a analisar as condutas, sição que pode parecer sinuosa, complicada, mas que reintroduz a todo
individuais e coletivas, ~~poss~de~, que ..2-historjill!.or instante as regras do jogo na própria narrativa do jogo. Giovanni Levi
pode tentar descrever e compreender. Ela movimenta as imagens rece- gosta de comparar o trabalho do historiador àquele da heroína de uma
bi as, pois, re~do de manei-;;-diferente a distância e a abertura de novela de Henry James: a telegrafista trancada Na jaula,10 ela reconstrói
sua objetiva, os observadores fazem aparecer outra trama, recortes di- o mundo exterior a partir de fragmentos de informação que recebe para
ferentes, e ao mesmo tempo a inadequação parcial dos instrumentos transmitir. Mas a metáfora tem seus limites: pois o que distingue, even-
conceituais de que dispunham até então. (Notemos que, a esse respeito, tualmente, o historiador da telegrafista é que, tão desmunido quanto
a dimensão "miero" não goza de nenhum privilégio particular. Ela é hoje ela, ele sabe que sua informação é uma escolha na realidade, à qual
a mais exótica por ser a mais estrangeira aos hábitos intelectuais dos superpõe outras escolhas. Ele pode tentar ao menos medir suas conse-
historiadores; mas esse, não duvidemos, foi o caso da dimensão "macro" qüencias e tirar partido delas.
quando, há cinqüenta anos, começou-se a refletir sobre agregados. O Abordemos enfim o terceiro tra o. Dentre os instrumentos à dispo-
ponto importante aqui é, portanto, o princípio mais do que a direção sição dos historiadores, há os clássicos, ou que, pelo menõ;," são reco-
da variação.) :f.
nhecidos como tal pela profissão. o ca..@.do~conceitos, ~da dos
O se undo tra o se deduz com bastante facilidade do precedente. métodos d . vesti a ão das técnicas de mediç~tc. Há outros~
Os trabalhos dos micro-historiadores exibem deliberadamente uma di- menos importantes mas sobre os quais raramente refletimos, seja por
mensão ~xperim!~tal, e A herança imaterial é o melhor exemplo disso. serem objeto de uma convenção tácita, ou porque, mais simplesmente,
O termo requer um comentário. O que pode ser uma experimentação parecem já aceitos: forI?~~l!!en!ªY..Y.l!-s, mo@s_de e!!.uncia~ão, fi.1_a~
em história, ou seja, em uma disciplina que toma por objeto fatos ocor- neiras de citar, jo osA.t:....metáfoE.~
ou, de maneira mais geral, formas de
ridos e não-reproduzíveis, por oposição àqueles estudados pelas outras escrever a história. Aproximamo-nos aqui de um vasto conjunto de pro-
ciências sociais? A pergunta admite várias respostas. Há vinte anos, os
:-,------
blemas que surgem hoje de modo um tanto selvagem, em todo caso

_~ __ 4___ ~
praticantes da New Economic History sugeriam a seus colegas quanti-
tativistas o recurso a hipóteses contrafactuais para a construção de mo-
desordenado, nas preocupações dos historiadores (e daqueles que ob-
servam seu trabalho). Durante muito tempo, essas questões não pare-
delos alternativos: qual teria sido o crescimento econômico dos Estados ciam sequer se prestar à interrogação: a escrita da história parecia às
Unidos no século XIX se não se levasse em conta a existência e o desen- vezes decidida a ser apenas o estrito protocolo de um trabalho científico;
volvimento da ferrovia? A proposta é intelectualmente interessante na mais freqüentemente, fazia referência (ao menos implicitamente) ao mo-
----' -..,. ... . --
medida em gue convida ~ escãpar da evidência da~~~Il!çÕes c~~eci-
-...- - - ~
das, mas sua implementação é necessariamente limitada a $LadosqU-ª!J-
delo clássico do romance de quem o organizador domina soberanamente
os atores e seu destino; tentava-se até mesmo misturar os dois gêneros.
titativos s: aeseja~<?.st~st,!r ê-x;l!~adeheurí~tica da_hipóte~. O proce- Essa época de certezas passou. A escrita romanesca, desde Proust, Musil
dimento sugerido pela micro-história é ao mesmo tempo mais discreto ou Joyce, está sempre experimentando novas fórmulas. A escrita histó-
e, provavelmente, mais suscetível de ser generalizado. Consiste na cria- rica, com algum atraso, faz o mesmo: pode-se também, afinal, ler as três
ção de condições de observação que farão aparecer formas, organizaçõ- temporalidades inventadas por Braudel em O Mediterrâneo como uma
es, objetos inéditos. Traduz-se, por outro lado, por um recurso constante tentativa de contar a mesma história de três pontos de vista e em três
a condições assim definidas ao mesmo tempo, é claro, que a suas mo di- registros diferentes, fragmentando-a e recompondo-a em seguida. Em

20 21
A HERANÇA IMATERIAl PREFÁCIO

todo caso, o problema está colocado. Parece-me evidente que, em seus presente, mas sob a forma de uma variação mais ou menos acabada sObr~
trabalhos, os defensores da micro-história consideram essa dimensão de um tema que nunca aparece. 11
seu trabalho tão experimental quanto os procedimentos da própria pes- O jogo poderia ser prolongado por algum tempo, sem grandes van-
quisa. Na verdade, os dois aspectos não são dissociáveis. Limitaríamos tagens. Cada um dos leitores deste livro terá provavelmente o gosto de
abusivamente essa exigência se nos propuséssemos a restringi-Ia a um , recompô-I o como quiser. Mas o essencial está em outro lugar: uma das
simples jogo, estetizante, com as formas (ainda que o problema, aqui originalidades do trabalho de Levi é não se limitar a categorias aceitas.
mais uma vez, esteja longe de ter uma importância secundária). Enga- Creio que os militares chamam de estratégia o engano do dispositivo
nar-nos-íamos do mesmo modo se estimássemos que, devido à mudança que consiste em atrair o adversário a um terreno onde já não se estará.
de escala proposta, a escrita biográfica fosse o gênero privilegiado, ou Suspeito que o autor use o mesmo artifício. Darei dois exemplos. A
até mesmo único, sobre o qual os micro-historiadores refletem e traba- herança imaterial começa efetivamente como uma história de vida: a do
lham. É apenas um gênero entre outros, e se possível associado a outros, padre Giovan Battista Chiesa, vigário da paróquia de Santena e herói
como veremos em um instante. O ue é central, por outro lado é a involuntário destas páginas; encontramo-I o em meio a uma campanha
inyel:l~ão d..e,uIDJ!}odo de exposição que contr~~xpli~it~-;êm~ ~ de exorcismos que o leva de vilarejo em vilarejo durante o verão de
;; p-rodução de um ;;ro tipo de inteIígiblliããde nas condições definjg~;, 1697, até que a atenção das autoridades eclesiásticas seja atraída para
Ó ~roblema, hoje"""c"óh)'"~do d~~&~~te:trata de"objetos de tamanho in- - esses acontecimentos, e esta se esforce para dar-lhes fim e comece a ditar
condicionalmente reduzido. Mas nada impede que trate em breve de ordens. Mas, tirando o fato de que não sabemos grande coisa a seu
outras áreas, outras dimensões da pesquisa histórica. respeito, Chiesa logo desaparece do livro. A partir da página 72, o des-
tino do padre Chiesa perde-se no vazio com "as últimas palavras [dele]
que nos foi dado conhecer" - assim como o de certos personagens de
5. Chegamos portanto, enfim, ao livro de Giovanni Levi. Trata-se, à Queneau ou de Tex Avery; e nada saberemos de seu destino depois disso.
primeira vista, de um objeto complexo, complicado, de difícil apreen- Quando o reenc7mtra~os (no capítulo V), é em um período anterior de
são. De que fala, ga yer~!l4s,,4n<;herana imate . J~O leitor apressado sua vida e em condições que não nos permitem saciar, reconheçamos,
perceberá de pass~m. iliy'e~ o.sta.um~~~is, das quais nenhuma nosso apetite biográfico. Trata-se mesmo, a propósito, de uma biografia?
é absolutamente errada, mas que tampouco são exatas e que, por outro Não, no sentido clássico do termo, com todas as limitações que este
lado, são aparentemente difíceis de ajustar entre si. Assim: a) o livro implica: um começo, um fim, uma continuidade da narrativa. Mas sim,
relata, como indica seu subtítulo, a carreira de um exorcista no Piemonte sem dúvida, se aceitamos refletir "sobre o que é importante e o que não
do século XVII; b) o estudo está centrado nas estratégias familiares e o é quando se escreve uma biografia", ou seja, sobre as condições e os
individuais, com particular insistência na lógica dos comportamentos contextos nos quais tal história toma corpo e sentido.V
econômicos e no funcionamento do mercado da terra; c) podemos en- Estaríamos mais felizes se escolhêssemos o gênero da monografia
contrar, no centro da análise, as relações hierárquicas, as formas de po- de vilarejo, gênero canônico por excelência na produção histórica con-
der que estruturam o Antigo Regime; d) o eixo da demonstração é for- temporânea? Eis aqui uma comunidade, Santena, situada a cerca de vinte
, mado antes de tudo pelas relações entre centro e periferia, entre a capital quilômetros de Turim. Ela foi sistematicamente fichada. O trabalho
e uma comunidade local, durante um período decisivo para a construção exaustivo em arquivos, principalmente notariais e cadastrais, serviu de
do Estado moderno; e) cada um desses itens (e alguns outros ainda) está base para uma vasta pesquisa prosopográfica abrangendo quarenta anos

22 23
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PREFÁCIO
A HERANÇA IMATERIAL

(1672-1709), que permitiu reunir mais de 32.000 referências nomina- 11111 objeto
convenientemente limitado. Seria ainda necessário que o jogo
tivas. Mas o enfoque demográfico é mais que lacunar, assim como nos valesse a pena. Tal não é o caso, evidentemente. O lugar da pesquisa não

1
escapa a gestão administrativa e política do vilarejo em seu dia-a-dia, , como já dissemos, excepcionalmente favorecido pelas fontes. Mas não
por falta de fontes. Não conheceremos nem o número aproximado de o por mais nada tampouco: "[ ... ] escolhi um lugar banal e uma história
habitantes de Santena nem as atividades de toda uma parte da popula- -omum. Santena é uma pequena aldeia e Giovan Battista Chiesa é um
ção, que não deixou vestígios documentais. Existem certamente cente- to 'co padre exorcista." E, mais longe: "O que espero tenha me permitido
nas de comunidades, na Itália como em outros países, mais documenta- mostrar, onde aparentemente nada há, não é uma revolta aberta, nem
das e aparentemente mais atraentes para alguém que deseje descrever as lima crise definitiva, uma heresia profunda, ou uma inovação extraor-
distruibuições sociais, a estrutura da propriedade e da renda, a evolução dinária, e sim a vida política, as relações sociais, as regras econômicas e
dos nascimentos, dos casamentos e das mortes, a produção agrícola ou IS reações psicológicas de uma cidadezinha comum." Banalidade, nor-
a tecnologia agrária, todas etapas costumeiras desse tipo de pesquisa. malidade: em todo caso, nenhum desses elementos de dramatização que
Aqui, as descrições estão em grande parte ausentes. A tendência portanto parecem abrir caminhos na espessa camada do social. Essa história co-
é pensar que Giovanni Levi não teve a intenção, apesar das aparências tidiana é privilegiada, menos porque seria mais representativa de uma
enganosas, de nos dizer tudo o que podemos saber sobre um vilarejo do Nituação normal na zona rural do Antigo Regime - o problema, na
verdade, não se coloca nestes termos - do que por permitir ver outra
século XVII.
Seu livro não se situa portanto onde se poderia esperar. Parece-me .oisa, de um ponto de vista diferente. Ela nos mostra a história ao rés-
articular dois p~s, um definido de modo muito aberto, o segundo do-chão.
de modo mais estreito. O primeiro é claramente formulado desde a Não a mesma história dos acontecimentos desse final de século
introdução. Consiste na tentativa de reconstrução, tão exaustiva quanto XVII: a guerra européia, na qual o Piemonte se deixou levar contra a
possível, de uma série de destinos inscritos no espaço de uma comuni- França de Luís XIV esperando encontrar benefícios políticos e simbóli-
dade restrita. Mas isso, parafraseando _Musil, para "mostrar quantas coi- 'os incertos, mas que, a curto prazo, devasta seu território; a afirmação
l sas importantes podemos ver acontecer enquanto aparentemente nada <.10 Estado centralizado, de seus valores, de seus procedimentos, de suas
\
acontece". Eis aqui a segunda proposta: "A hipótese da qual partimos
, é [..'.] a da assunção de uma racionalidade específica do mundo campo-
ixigências também, tal como impunham os representantes da capital; a
.ompetição das grandes dinastias aristocráticas que tecem suas estraté-
1I.
" nês [... ] Esta racionaliJ;dePo~ mais bê'in descrita se admitirmos
que ela se expr~ssava não só atrav~s de uma resistência à nova sociedade
rias na escala de toda a Europa. Mas tampouco uma história completa-
mente diferente, aquela que, se acreditarmos nas centenas de monogra-
\ que se expandia, mas fosse tambem empregada na obra de transforma- fias rurais, aconteceria longe das principais vicissitudes desse mundo em
Jção e utilização do mundo social e natural. E neste sentido que usei a uma espécie de isolamento feliz ou miserável, e que só despertaria de
sua letargia para ser confrontada com evoluções então inevitáveis. A
l!..alavra estratégia."
,. hipótese de Giovanni Levi reúne essas duas sugestões preguiçosas para
nos convidar a ler, em Santena,~'!~~~.s.IM~!l!§.t9Jjê.
6. Interessemo-nos um instante por essas propostas. A primeira parece Ela se inscreve em acontecimentos minúsculos: a multiplicação das
conduzir-nos pelo caminho, já percorrido, da reconstituição histórica. vendas e compras de terra, o movimento incessante~;:é;-ffiãis ôifítl'l-
Ele poderia sugerir o sonho de um conhecimento integral (ou quase) de de acompanhã'f, dô' cr"'édito; ~~~~~õd~onjuntos familiares,
__ """_ ••..••.••• .to:lO •• --....-~ ..•.• ~~,...~ __ ~~"'~ fIII""""";'\: ~.~~.~,!_
•••.

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A HERANÇA IMATERIAL PREFÁCIO

com seus ganhadores e perd*es;~alut~ pelo prestígio e P 10 poder famílias que, com suas alianças e suas aquisições, esperam menos um
~a1, 9E~ parece muitas vezes se li~tar a? paga~énto de algumas taxas resultado econômico imediatamente quantificável do que uma garantia
em mercadorias, a alguns galos, a uma presença na igrejaa s d mingos, coletiva reforçada contra aquilo que pode acontecer; nos cálculos dos
fi ividualmente, nenhum desses-deta lles tem a menor imp rtância. notários de Santena que, através da diversificação de suas atividades e
Tratados juntos, permitem reconstruir os contornos de um rande jogo do recurso a modos sutis de transmissão de seus privilégios ao longo de
s~e poiíticOque é o ver ãâéiro assú~t~te livro. m dúvida, suas linhagens entrecruzadas, buscam a proteção de sua posição; enfim,
~um dos hâbitantes de Santenã, sequer as i"andes família nobres no investimento espiritual e afetivo no sagrado, onde, qualquer que seja
que dividem o controle do lugar, é capaz de influir no destino da guerra a ligação de uma família a uma devoção e a uma confraria, evita-se
e nem mesmo nos progressos do Estado administrativo e fiscal. Mas colocar todos os ovos em uma mesma cesta. De cima para baixo, e em
todos, e cada um em seu lugar, se esforçam para encontrar uma resposta todos os registros da vida cotidiana, esses homens são obcecados por
para os problemas que lhes vêm da grande história. Fazem-no com mais ameaças individuais e coletivas que pesam sobre eles: a incerteza das
ou menos sucesso, com mais ou menos cartas na mão; são submetidos colheitas, a fragilidade da vida, a relação, constantemente questionada,
a limitações e solidariedades, verticais mas também horizontais, que res- do grupo familiar com as exigências e as possibilidades da exploração,
tringem sua capacidade de manobra e sua possibilidade de invenção. a relação com o mundo exterior, Eles respondem ao seu modo, que é a
Mas procuram proteger-se dos acontecimentos e, melhor,neles se apoiar matéria deste livro, Mas fazem mais ainda: "Esta sociedade, como qual-
para melhorar suas chances. )( quer outra, é composta por indivíduos conscientes da imagem de im-
A herança imaterial é portanto uma tentativa de decifrar a repartição previsibilidade que organiza cada comportamento, Esta incerteza não
local de uma história que pensávamos conhecer e que 05 deve ser lida deriva apenas da dificuldade em prever o futuro mas, também, da cons-
apenas de cima para baixo; um esforço para colocar ai 11111, ordem na ciência de que dispõe de informações limitadas quanto às forças que
desordem aparentemente não-essencial do cotidiano. Esse 'sf rço, por- operam no ambiente social no qual se deve agir, Tal sociedade não era,
tanto, vira heroicamente as costas aos dois modelos de nu lise que têm todavia, paralisada pela insegurança, hostil a qualquer risco, passiva ou
prevalecido !lª.s ciências so~is ~onte~porân~s: ~ modelo funciona- enraizada sobre fatores imóveis de autoproteção. O a rimoramento da
lista e ao modelo .!struturalis..!a,13 para opor-lhes uma 1111 Iise de tipo previsibilidade para aumentar a segurança foi um motor potenredeT~
estratégico. Assim com reend~~-,.§e..ll1..d.úvida ue o p 'I' Oll!lg 'J11cen- VãÇãotécnica, psicolÓgic; e s~cial [... ]:-;-,it;rr;;-;produção-agrícola, as
refi as, as alianças, as solidariedades locais (e, para alguns, supralocais),
---- ---.-~ ..--"-""_----
tral deste livro não seja nem o exorcista Giovan Battistn hl 'sa nem
.~---..~ ..
mesmo a comunidade âê SaP.tena, mas sim_u.m<J..~llºção lI, trato e.J!o o além são portanto, e ao mesmo tempo, objeto de estratégias complexas

~ ~---.._,,_ - ....
entanto ~;;~õ;trás d~s ~Õnip~rta~~tQSe das I t olh IN: a in-
..~.... ~ ~ .--~'~~
que não obedecem a uma racionalidade abstrata (por exemplo: rnaxi-
mizar os ganhos, ou ainda: aumentar sistematicamente o capital em ter-
------rua é a principal figura através da qual os homens de 11111('I Hl ti preen- ras) mas à busca da melhor adaptação em um mundo de alto risco e cujas
dem seu tempo. Eles devem entrar em um acordo com .lu t', 1111 til «lida principais coordenadas estão sempre em movimento, Essas estratégias
do possível, reduzi-Ia, Podemos encontrá-Ia em toda r)lll 11: 111 'spera ~: tão li ad~.!!m'~ oJJi.~_N ..•ã;.;,.O;...;.;Sã..
dos pacientes que, junto ao exorcista, vêm menos procut \I I 'uro de tam _ouco ditadas por u!!1~e reprodução simples. Reconhecem, ao
seus males do que a diabolização da infelicidade capaz de' ti li' umn ex- mesmo temp~~ permite~- ver, os -i;rt~;Ios, as ambigüidades
plicação simples e única de seu sofrimento; nas estratégiu coll'liv IR das deixadas abertas pelos sistemas de dominação e de controle e pelas ins-

26 27
A HERANÇA IMATERIAL PREFÁCIO

tâncias de sociabilidade. Encontram pontos de apoio que autorizam uma estar sempre inventando um contexto pertinente, ou seja, a moldura
ação, na maior parte das vezes coletiva, cujos caminhos podem ser si- referencial que torna inteligível sua Ilíada cam onesa das b;bita ões
nuosos mas cuja finalidade é clara: a sobrevivência biológica do grupo,
a conservação do status social de uma geração para outra (e, se possível,
~as
. ,---
duas pontes até o tabuleiro de xadrez euro e!LDP,q,~1
se traçam arCIamente, os estinos as famíliãs aristocrátic s. Para citar
seu fortalecimento), um melhor controle do meio natural e social. a~s um contextõ pãrtiêular; o d~ relaç6esde poder, fica~íamos ten-
tados a reduzir a história de Santena a um episódio, entre tantos outros,
7. Isso tudo sem dúvida ajuda a compreender melhor a complexidade da tensão que opõe uma comunidade periférica às solicitações insistentes
deste pequeno livro. Trata-se aqui de nada menos do que compreender do absolutismo piemontês em plena expansão. Mas, justamente, os per-
como uma sociedade fortemente diferenciada responde aos acidentes da sonagens da peça são muito mais numerosos. Entre Santena e Turim se
história. Não retomarei o detalhe das análises, longas e persuasivas, que interpõem, ou interferem, as pretensões de Chieri, cidade de médio por-
Levi dedica ao agenciamento dessas estratégias. Mas vale a pena insistir te que no entanto estima ter sua palavra a dar; as do arcebispado de
na construção do social que torna possível tal trabalho. Ela obedece a Turim, do qual a paróquia depende; as dos principais feudatários, que
uma máxima que todo historiador poderia, me parece, tomar como sua: afirmam sua dominação local. A própria sociedade do vilarejo se divide
por que ser simples quando se ode ser complicado? Ou, para ser um em função dos interesses divergentes dos grupos específicos de que '
pouco menostt~l: o~. d~se'!'yador não é ler a realidade que composta. Esses atores coletivos se afrontam, mas também se aliam de
es!!!ilit~os instrumentos geralmente sim lificadores gu recebeu acordo com as possibilidades, elas mesmas em constante mutação. As
(simplificadores na maior parte as vezes porque ele os recebeu, na ver- frentes estão sempre se deslocando para em seguida se recomporem.
dade). Cabe-lhe pelo contrário enriquecer o real introduzindo na análise Foram precisamente a multiplicidade e a complexidade dos interesses
o maior número possível de variáveis, sem no entanto renunciar a iden- em jogo que permitiram a Santena a sorte coletiva de permanecer um
tificar suas regularidades. O desafio aqui é conseguir construir uma série "lugar escondido", como que à margem das grandes manobras do Estado
de modelos a partir de uma informação em parte descontínua e em um central. A crise política, econômica, social, ideológica dos anos 1690
período de tempo médio - meio século, grosso modo - com uma demole todo esse belo equilíbrio, não apenas porque as necessidades de
seqüência de fases extremamente contrastadas. Ela é bastante dominada, Turim se fazem mais exigentes mas também porque a interação local das
mas ao preço de uma constante reelaboração dos instrumentos de ob- forças de resistência e a gestão local dos poderes se desfazem. Em um
servação que responde a uma não menos radical redefinição dos objetos desses vilarejos onde nada nunca acontece, certamente aconteceu algo
de estudo. Tomarei três exemplos. que é como o avesso da história do absolutismo - e que torna essa .
Todo autor de monografia sabe que deve situar sua unidade de es- história possível.
tudo em um contexto: ecológico e demográfico (a terra e os homens, Meu segundo exemplo remete a um quebra-cabeça clássico com o
mais recentemente o clima), contexto administrativo e político, contex- qual todos os historiadores sociais tiveram um dia que se defrontar:
to econômico e, por que não, cultural. Cada monografia apresenta sem como construir uma Ia,Àe..deJeit~ que represente as sociedades que
uvida traços próprios, mas de uma para outra a concepção do contexto estudam? Como identificar as unidades pertinentes, ou seja, aquelas que
é marcadamente repetitiva. Na verdade, ela é um sumário, e enquadra permitirão integrar o maiornúm~sível de fatos observados? Clas-
as generalizações mais obrigatórias do campo de análise. Um dos inte- sicamente opõem-se as classificações abstratas, ou supostamente abstra-
resses principais do procedimento de Levi me parece ser, pelo contrário, tas (de acordo com a origem social, a fortuna, o tipo e o nível da renda,

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A HERANÇA IMATERIAl PREFÁCIO

a profissão, o lugar no processo de produção etc.), às classificaçõegjg- dedicado aos notários - definição improvável e no entanto evidente na
J1! enas .•,que por sua vez retomam antigos recortes, significativos em sua história do vilarejo - mostra como, durante um período relativamente
época (por exemplo, de acordo com o poder, a estima, as diferentes longo, um grupo que não pode ser limitado nem em termos de classifi-
distribuições profissionais, de novo a fortuna etc.). Giovanni Levi não cação indígena nem tampouco de acordo com uma taxinomia moderna
ignora nenhuma das duas, e boa parte do enorme trabalho proso o~ toma furma diante de situações semelhantes; como um grupo que joga
fico que conduziu serviu à construção de tais quadros descritivos - deliberadamente com a diversificação de suas atividades e de seus recur-
me;,mo que nunca apareçam em seus textos como tais. Ainda assim, sua sos, sem a transmissão, em parte oculta, de seu capital social, que nunca
concepção das ident' adesscciais é diferente, mesmo que não seja capaz detém nenhum poder institucional visível, se afirma de modo a vir a ter
de ignorar as propriedades "objetivas" da população analisada. Ela é, um peso decisivo na política local, até poder ele também ser descrito em
em primeiro lugar, inseparável da interrogação sobre a "racionalidade suas propriedades sociais.P
limitada" que ele tenta explicitar nos comportamentos do mundo cam- Chego enfim ao tema que dá título à edição francesa deste livro e
ponês. Testemunha exemplar disso é o longo e importante debate sobre que o atravessa de ponta a ponta: o tema do poder. * Se existe um con-
a família "tradicional". Levi não se contenta em lembrar que não se trata ceito que fascina os historiadores e os especialistas em ciências sociais,
aqui de uma sociedade onde a aventura - a aventura do sucesso ou, na com certeza é este, t~ez devido a uma espécie de compen~aç~o !p~l!p.:
maior parte dos casos, a luta pelo statu quo - pode ser pensada em cólica. E se existe um conceito constantemente e abusivamente endeu-
termos de empreitada individual: ela é fundamentalmente familiar. Ele 'sado, mais uma vez é este. Inclusive, talvez as duas constatações não
demonstra ainda que as estratégias familiares não pod .m ser compreen- sejam completamente estranhas uma à outra. Segundo as inclinações dos
didas ao nível da família tomada como unidade residcncial (ou seja, da que o estudam, o poder será colocado do lado do comando, de um
realidade que é alvo de atenção dos arquiv fiscais ou paroquiais que capital de estima ou de fidelidade, do lado da detenção de •.im capital
os registram e nos permitem, conseqüent '111 nre, r' onstruir). Essas es- de bens materiais ou culturais, ou ainda nos esforçaremos para demons-
tratégias colocam em jogo, e é esse um dos aspe t mais importantes trar que todos esses capitais obedecem a uma lei tendencial de con-
deste livro, "f tes familiares" formadas por unidades uc não residem centração, que eles se acumulam de acordo com regras mais ou menos
!u~s ,mas "u~as por laços de parem '/1<:0 onsnn rüín o, por alianças complexas. Levi parte da hipótese contrária: o poder não é uma coisa.
ou relaç§.eLde parentesco fictícias". fetivnm ·nt·, '11 .sse nível que se Decifrado ao nível de um mundo minúsculo como o de Santena" - .~.
.."""" _ ~.~...- _.í!"QCIer.-~1QIl - ~~-

pode evitar a incerteza própria às so i xlud 's rur IÍs do Antigo Regime, tema a arece bem diferente: identifica-se a uma rede tradicional
~o=;;.:;;..;.;,!;.;,;;;.;.;;;,;:;",,;;;.;.;;;.o,.;:;~t.:~,;v9clLlre_~~~~~~ cons-
que os cálculos em termos de ganho ou p .•.d I tornam-s ' significativos tantemente em movimento. Sem dúvida há ali, como em toda parte,
i .:fiI!! ••••••~

ao longo de gerações (como demonstra ,'11\ pnrticulnr, n I nga discussão ricos e pobres; empreendedores "livres" e trabalhadores presos a laços
sobre o funcionamento do mercado-da H·I'm). de dependência. Sem dúvida também, a luta pelo simbólico está sempre
Mas há mais ainda. Essas identidade o ·jnis nindn s, O oncebidas pronta para despertar: não se poderia de outro modo explicar o conflito,
como realidades dinâmicas lásticas, qlll' se consriru '111 • 11• deformam ao mesmo tempo burlesco e grave, das duas principais casas senhoriais
diante dos problemas com os quais os aIOI" 'o luis 11 () xmfrontados.!"
É claro, os senhores continuam send 1l"llhor's l' S 'IIS Hss[\lnrindos con- •. O título do livro em sua edição francesa, publicada pela Gallimard e da qual foi tirado
tinuam sendo, na maior parte das vez '/l, 11//1ilnrindoe. As mrncterísticas este prefácio, é Le pouuoir au vi/Jage - Histoire d'un exorciste dans le Piémont du XVlI"

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rígidas existem e seu papel é sem dúvida pr xlominnnt '. Mas capítulo siêde (N. da T.).

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A HERANÇA IMATERIAl PREFÁCIO

do lugar, os Tana e os Benso, a respeito de onde colocar suas armas ou a comunidade, feito de serviços prestados, de fidelidade reconhecida,
da obtenção de seu banco de honra na igreja paroquial. Mas tudo isso de respeito e de dependência. t.
ao pé da letra, imaterial. Não nos es-
faz parte da ordem das coisas e é, se nos permitimos dizer, tautológico. pantamos então com o fato de ter esêolhido rransmiti-lo ao mais velho
O, od.erJ.nédito o que não es ~k)S~ ó que vemos se construir ao de seus filhos, .Qi..ovan Battista, o padre, que consegue colocar como
longo do livro, é aquele que não é garantido por nenhuma instituição e vigário de Santena. Quem melhor do que aquele que tem a cura das
que traduz uma influência imprevista sobre a realidade social. almas poderia ter condições de fazer frutificar esse capital impalpável?
É claro, a saga dos Chiesa ilustra esse fato de maneira incomparável. O filho herda portanto uma renda de situação. Ela não autoriza tudo, e
Oferece também, é bom notar, o único momento dramático de um livro o vigário pagará caro, no início de sua função, pelo fato de não' ter
jansenista e que se recusa a lançar mão de qualquer efeito. O leitor pode, compreendido que os limites do poder espiritual também são claramente
efetivamente, se interrogar a respeito do que liga a campanha de exor- marcados. Então se converterá, com um sucesso inegável, à cura e ao
cismos de Giovan Battista Chiesa entre 1694 e 1697 à tentativa de des- exorcismo. Mas é decididamente um mau intérprete da política do vila-
crição do mundo de Santena que constitui o corpo da obra. No entanto, rejo. Não se deu conta de que a geopolítica local, assim como o equilíbrio
2. po~r es iri.tl!~do exorcista não veio do nada. Chiesa também é um de forças do ducado, se modificaram. Os equilíbrios que haviam tornado
, herdeiro. De seu pai, Giulio Cesare, recebeu uma "heran ~at~ o pai um intermediário indispensável modificaram-se. Giovan Battista
que tentou interpretar a seu modo. Esta herança existe, mas não é sepa- pagará com sua queda esse desconhecimento do terreno.
rável de uma prática social que lhe empresta corpo e eficácia. Esse pai Portanto, a definição do poder não pode ser separada da organiza-
apareceu no vilarejo meio século antes, na metade dos anos 1640, levado ção de um campo onde agem forças instáveis e que estão sem r~Q
por uma rede de alianças e solidariedades, e também requisitado pelo reclassificadas. Novamente, o po er (ou certas ormas e poder) é a
conflito sociopolítico que atingia então a comunidade e ameaçava fra- recompensa daqueles que sabem explorar os recursos de uma situação,
gilizá-la diante do mundo exterior. A conquista de Giulio Cesare Chiesa, tirar partido das ambigüidades e das tensões que caracterizam o jogo
que se tornou ~ de Santena, terá sido encontrar os caminhos social. Alguém questionará que se trata de ruínas derrisórias, de uma'
para um novo equilíbrio entre os protagonistas locais assim como entre espuma de história? Responderemos que essa atividade minúscula, pre-
o vilarejo e aqueles que, de fora, tivessem a pretensão de influenciar seu cária, em perpétuo movimento foi provavelmente o que deu corpo e
destino. Terá também consistido em tornar-se indispensável às diferentes forma às grandes entidades abstratas cuja irrepreensível afirmação na
facções tornando-se seu mediador obrigatório, aquele que, justamente, história estam os sempre evocando: o crescimento do Estado, o fim do
~-~~~

dispõe da informação tão preciosa às estratégias coletivas e que a modula isolamento das zonas rurais a reforma católica e tantas outras. Também
segundo sua vontade. Ei-lo portanto transformado em faz-tudo e em
homem indispensável. É a ele que Santena deve quarenta anos de paz e
é e a que âi. co~ue,)idaÂQ.!"é~:;,4~b!Q T~~~ .. ·~g!l.!J!ja,
provavelmente
___ .....n~- difen:;mG*4ã-ckJ:9.,d.QâJ)'§~Q.!JJJ:Q.S~g~I~§·
d J)t ;P:

o fato de ter se tornado o lugar escondido que escapa em grande parte


à autoridade central. Em contrapartida, Chiesa torna-se uma espécie de
chefe do vilarejo, ~Ji;imJ!iro dos notários. No entanto, sua promoção 8. Eis que surge outro problema, que é na verdade inseparável do pró-
não vem acompanhada de ~ os sinais esperados. Ele não investe prio projeto da micro-história, Admitamos que, ao limitar o campo de
em terras, enquanto seria o homem mais bem capacitado para fazê-lo. observação, façamos surgir dados não apenas mais numerosos, mais re-
Seu capital é constituído por uma espécie de crédito generalizado sobre finados, mas que além disso se organizam de acordo com configurações

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A HERANÇA IMATERIAl PREFÁCIO

inéditas e fazem aparecer uma outra cartografia do social. Qual poderia totalidade da informação constituída, mas sim em extrair deles os ele-
ser a representatividade de uma amostra tão circunscrita? O que ela pode mentos para um modelo. Essas três biografias familiares, bastante con-
nos ensinar que seja generalizj~c;.l? trastadas, são suficientes para fazer aparecer regularidades nos compor-
A pergunta foi feita iIlUito cedo e recebeu respostas que não convi- tamentos coletivos de um grupo social específico. Testar a validade do
davam de modo algum à adesão. Em um artigo já antigo, Edoardo Gren- modelo consiste portanto não em uma verificação de tipo estatístico,
di previra a objeção criando um 2~(l!I0!:Q. elegante: propunha a noção mas sim em sua experimentação sob condições extremas, quando uma
de "~epcional normal'U" Esse diamante obscuro deu muito o que ou muitas das variáveis que o formam são submetidas a deformações
falar. Exerce a fãscrnação dos conceitos que gostaríamos de poder utili- excepcionais. A formação de um dossiê sistemático é precisamente o que
zar se apenas soubéssemos defini-los exatamente. Devemos ver no "ex- torna possível uma verificação desse tipo.
cepcional normal" um eco, em total consonância com a sensibilidade O percurso sinuoso, complicado, proposto por Levi me parece por
dos anos pós-1968, da convicção segundo a qual as margens de urna ~ outro lado ter o mérito de nunca fechar o campo restrito da pesquisa
~iedade..dizem mais sobre ela do que o seu centro? Qu;;s l~, os pesada sobre si mesmo, mas sim examinar de maneira racional o que
marginais, os doentes, as mulheres (e o conjunto dos grupos dominados) poderíamos chamar de variações de escala de observação.!? Da própria
são os detentores privilegiados de uma espécie de verdade social? Deve- Santena, sabemos grosso modo tudo o que hoje se pode saber sobre
se compreender isso em um sentido diferente, o de um afastamento um período de meio século: tudo, ou seja, muito sobre as realidades
significativo (mas de quê)? Ou ainda como uma primeira formulação do econômicas e sociais, e alguma coisa, muitas vezes vestígios mais re-
paradigma indiciário mais tarde proposto por Carlo Ginzburg? Essas duzidos, sobre a dinâmica política que anima essa comunidade. Mas
diversas hipóteses, e outras ainda, talvez sejam verdadeiras; são em todo a inteligência dessa av~tura aro uiã) não pode ser apreendida ape-
caso plausíveis; e pode até ser que tenham coexistido no pensamento de
G.!endi, sob a reserva de serem compatíveis entre si (o que não é certo).
(NãO sendo o autor desse mistério epistemológico, não fingirei organi-
_~
nas no nível local. É atr~Y~Ldº, t~ç!l.I§Q...,sisJemáticoa variações de
distância focal ue ermitem inscrever
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a realidade al'arece diferente,•.•......•.•...e o jogo do microisto-
.. ~ ...~- .... _~-~~.,.,..,.,.'
imPlesmente que qualquer uma delas deixa em aberto o problema de ""'"

ria dor consiste em conectar essas realidades em umsiStema 'de ,interá:",

lli
saber quais ensinamentos gerais podemos esperar tirar de uma pesquisa
local, pontual, ancorada em sua própria excepcionalidade.
A esse debate aberto, o livro de Giovanni Levi me parece trazer um
~;~u.lliP19.Dá mesma ior~~~~;<~ ~de;~in~do Éstad~~;;õd~~~~'~e
desenhou no palco de centenas, de milhares de Santenas, o agencia-
mento delicado e sutil dos equilíbrios no interior da comunidade é
certo número de respostas que deslocam a argumentação de maneira
útil. Ele lembra em primeiro lugar que se pode refletir sobre a exempla- resultado de forças plurais, orientadas em todos os sentidos, que ora
são ampliadas, ora~bscu;~cTd;;:}\;;;p~1Çãc;dêTIber-;da desse jogo
ridade de um fato social sem ser em termos rigorosamente estatísticos.
O segundo capítulo, dedicado às estratégias desenvolvidas por três fa- de escalas sugere uma paisagem totalmente diferente, ao mesmo tem-
mílias de meeiros de Santena, opera uma escolha entre algumas centenas po que uma outra idéia da representatividade de um caso local. Os
de outros casos possíveis, que não recebem nenhum tratamento com- acontecimentos são, naturalmente, únicos, mas só podem ser com-
parável mas que estão todos presentes no dossiê prosopográfico. O pro- preendidos, até mesmo em sua particularidade, se forem restituídos
cedimento, portanto, não consistiu em inserir esses três exemplos na aos diferentes níveis de uma dinâmica histórica.

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9. Contentamo-nos aqui em puxar alguns dos fios da teia sabiamente pelos múltiplos ataques de um público decididamente nostálgico do "mundo que perde-
tecida por Giovanni Levi. Resta ao leitor recompor, de acordo com sua mos" nos anos de Montail/ou e do Cheval d'orgueil (1975).
.J 3 Sobre este último ponto, rernero aos artigos incisivos de j. Rougerie, "Faut-il dépar-
vontade e seu prazer, o belo objeto que lhe 'é proposto. Gostaria no
tementaliser l'histoire de France?",Annales E.s.C., 1, 1966, pp. 178-193, e de Chrisrophe
entanto de lembrar, para terminar, que é no ponto ao qual chegamos,
Charle, "Histoire professionnelle, histoire sociale?", Annales E.s.C., 4, 1979, pp. 787-
onde os privilégios da rnicro-hisrória parecem mais evidentes, que estes 794.
me parecem se dissolver e nos remeter à lei comum dos historiadores v 4 Cf., mais recentemente, o apelo "Histoire et sciences sociales: un tournant critique?",
do social. Pois o conjunto das exigências e ambições que acabam de ser Annales E.S.C., 2, 1988, pp. 291-294.
rapidamente citadas não é, ou não deveria ser, privilégio dos rnicro-his- " J L. Stone, "The Revival of Narrative. Reflections on a New Old History", Past and
toriadores. É justo: não se pode ver muito bem o que poderia impedir Present, 85, 1979, pp. 3-24, bem como numerosos outros artigos do mesmo autor deci-
didamente "revisionistas". ,
os macro-historiadores (ou qualquer outro membro da tribo) de usar os
.j 6 C. Ginzburg e C. Poni, "Il nomee il come: mercato storiografico e scambio disugua-
mesmos procedimentos, em particular de buscar escalas variáveis de ob- le", Quaderni Storici, 40, 1979, pp.. 18'1-i90 -.'Ver 'também a apresentação da coleção
servação mais adequadas ao estudo de fenômenos relacionados entre si. "Microstorie" por G. Levi, Turim, Einaudi; í980.' '
O mérito da proposta micro-histórica terá sido ao menos de chamar a v 7 E. Grendi, "Microán~lisi e storia sociale", QúadernfStoriei; 33, 1972, pp, 506-520.
atenção, através do exemplo e através do fato, para essas verdades de " H Dezesseis volumes publicados .até '1989.' I ' ',. '

bom senso, ao sugerir uma mudança de parâmetros eficaz. De reafirmar .; "Spie. Radicí di un paradigrna indizíario", em A. Gargani, Crisi della
~ C. Ginzburg,

também que o social não é um objeto definido, mas que deve ser cons- ragione. Nuovi mod~1Ii nelrapporta ira sapei-e e aÚivitàuman~,Turim, 1979; pp. 56-106.
,,10 H. James, Dans Ia cage (Na jaula), trad, franc., Paris, Stock, 1982.
truído a partir de interrogações cruzadas. Nesse sentido, A herança ima-
V 11 Tal é,por exemplç; Ó pont~'de ~is~a'desenvólvido por Sergio Bertç.1li em um inven-
terial pode servir de modelo, já que nos conduz por caminhos um pouco
tário muito negativo/e, pode-se dizer, pouco compreensivo) publicado na Reuue d'huma-
negligenciados da história-problema. nisme et Renaissance; 1987, pp. 297-302. '
--l 12 São estes os ter~ós de uma discussão, evocada em uma nota, do autor com seu pai,
]ACQUES REVEL , Riccardo Levi, a que_m 0. livro é dedicado e ele mesmo autor de uma bela autobiografia
cívica t. política. "
J 13 Aproximaremos essas propostas das de P. Bourdieu em Esquisse d'une théorie de Ia
pratique, Paris e Genebra, Broz, 1973, desenvolvidas em LeSenspratique, Paris, Éd. de Minuit,
1981. Notemos no entanto que Levi 'nem sempre escapa da tentação funcionalista. É o caso,
NOTAS em particular, quando as lacunas documentais o forçam a reconstruir hipoteticamente uma
dinâmica histórica a partir de resultados constatáveis: assim é no relatório de atividades de
.J
I Cf. j. Revel, "Histoire et sciences sociales: les paradigmes des Annales", Annales
Giulio Cesare Chiesa enquanto podestade de Santena, no final do capítulo Iv.
E.S.C.,6, 1979, pp. 1360-1376. 14 Devemos evocar aqui a obra que continua a ser o modelo deste tipo de análise, o

" 2 E. Le Roy Ladurie, "L'histoire immobile", aula inaugural no Collêge de France, 30 livro de E. P. Thompson, The Making of the English Working Class, Londres, 1963.
de novembro de 1973, publicado em Annales E.S.C., 3, 1974, pp. 673-692, e em Le comparável, cf, L. Boltanski, Les Cadres. La for-
1S Para um exemplo contemporâneo
territoire de I'historien, tomo 11, Paris, Gallimard, 1978, pp. 7-34. Note-se a inflexão do mation d'un groupe social, Paris, Éd. de Minuit, 1982.
tema no espaço de alguns anos: Les paysans de Languedoc (1966) evocava um grande ciclo 16 E. Grendi, "Microanalisi... ", art, cito
agrário de mais de quatro séculos, cujo imobilismo aparente encobria, na verdade, osci- 17 Essas linhas devem muito às discussões que tive sobre esse tema com Bernard Lepetir,
lações muito importantes. A estabilidade das antigas sociedades rurais tornou-se tema acerca de questões que nos pareceram comuns. Sou o único responsável, é evidente, pela
predominanre da aula de 1973. Nenhuma dúvida de que ele foi ainda mais amplificado leitura aqui proposta.

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