Sunteți pe pagina 1din 14

AGRUPAMENTO DE ESCOLAS RAFAEL BORDALO PINHEIRO

Escola Básica de Santa Catarina


Ano Letivo 2014/2015 FICHA DE PORTUGUÊS LÍNGUA 2 – 9.ºAno

Nome: _____________________________________
Auto da Índia - Resumo
Turma:________ Nº:_____ Data: ____/____/____

Auto da Índia (farsa)

Primeira farsa de Gil Vicente e da literatura portuguesa, foi representado em 1509, em Almada, perante a rainha
D. Leonor, viúva de D. João II.

Personagens: Ama, Moça, Castelhano, Lemos e Marido.

Argumento: Diferente dos outros autos, o Auto da Índia é uma peça de enredo cuja intriga se desenvolve ao
longo de vários anos, contendo abreviações de tempo que imprimem agilidade e vivacidade ao seu andamento.
A personagem principal é uma mulher de Lisboa cujo marido parte numa carreira da Índia, à procura de fortuna,
deixando-a sozinha. Se mesmo quando o marido está na cidade esta mulher tem uma vida dúbia, durante a sua
ausência a mulher vai levando uma vida de diversão. Com a cumplicidade da moça, mantém simultaneamente
duas ligações extraconjugais.
Regressado do Oriente sem riqueza, o marido conta as suas façanhas que nada tiveram de dignificante: "Fomos
ao rio de Meca,/ pelejámos e roubámos". A mulher, disfarçando uma alegria que não sentia pelo seu regresso,
mente tranquilamente dizendo que sentiu muitas saudades durante a sua ausência.
O auto termina com o retomar pacífico da vida em comum pelo casal, como se nada se tivesse passado.
Ideologicamente, este auto configura uma crítica, vendo-se facilmente nele "o reverso do mito dos
Descobrimentos". Na verdade, através das falas das personagens que nos fazem recordar o discurso do "Velho
do Restelo" do episódio "As despedidas de Belém" de Os Lusíadas, o autor apresenta os malefícios que a saída
para o "desconhecido" comporta, nomeadamente no que se refere às mortes desnecessárias de muitos dos
navegadores e ao comportamento menos lícito dos portugueses face ao "outro civilizacional" (a cristianização
pela força das armas). Mas a crítica mais notória é feita ao abandono das mulheres e família que enveredavam
muitas vezes por comportamentos pouco dignificantes que conduziam à desestruturação da célula familiar.

in Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. [consult. 2015-04-27 00:51:33]. Disponível na
Internet: http://www.infopedia.pt/$auto-da-india-(farsa

Auto da Índia (versão original) Auto da Índia (versão adaptada pela professora)

Moça: Jesu! Jesu! Que é ora isso? Moça: Jesus! Jesus! O que é agora isso?
É porque se parte a armada? É porque parte a armada (conjunto de barcos)?

Página 1 de 14
Ama: Olhade a mal estreada! Ama: Olhai a mal estreada! (A mal estreada é uma
Eu hei-de chorar por isso? forma de a Ama insultar a criada. Ser «mal estreada» quer
dizer que a Moça perdeu a virgindade com homem de baixa
Moça: Por minha alma, que cuidei condição.)
E que sempre imaginei Eu hei-de chorar por isso?
Que choráveis por nosso amo.
Moça: Por minha alma, que pensei
Ama: Por qual demo ou por qual gamo E que sempre imaginei
Ali má hora chorarei? Que choráveis por nosso amo. (marido da Ama).
Como me leixa saudosa!
Toda eu fico amargurada! Ama: Por qual demónio ou por qual marido
enganado
Moça: Pois porque estais anojada? Ali infelizmente chorarei?
Dizei-mo, por vida vossa! Como me deixa saudosa!
Toda eu fico amargurada!
Ama: Leixai-me ora, eramá!
Que dizem que não vai já. Moça: Pois porque estais triste?
Dizei-mo, pela vossa vida!
Moça: Quem diz esse desconcerto?
Ama: Deixai-me agora, caramba!
Ama: Dixeram-me por mui certo Pois dizem que já não vai partir em viagem.
Que é certo que fica cá
O Concelos me faz isto. Moça: Quem diz esse disparate?

Moça: Se eles já estão em Restelo Ama: Disseram-me por muito certo


Como pode vir a pêlo? Que é certo que fica cá O Concelos (Concelos é a
abreviatura de Vasconcelos, e este Concelos é o homem que
Melhor veja eu Jesu Cristo.
a avisou de que o marido já não embarca para a Índia.) me
Isso é quem porcos há menos
faz isto.
Ama: Certo é que bem pequenos
Moça: Se eles já estão no Restelo. (Praia do
São meus desejos que fique...
Restelo, em Belém, de onde partiam os barcos em
direção à Índia)
Moça: A armada está muito a pique
Como pode ser isso possível?
Melhor veja eu Jesus Cristo.
Ama: Arreceo al de menos.
Não tenhais medo disso.
Andei na maora e nela
A amassar e a biscoutar
Ama:
Pera o demo o levar
O meu desejo que ele fique é muito pouco.
à sua negra canela
e agora dizem que não.
Moça: A armada está quase a partir.
Agasta-se-me o coração
Que quero sair de mim.
Ama: Tenho medo que já não parta.
Trabalhei que nem uma escrava
Moça: Eu irei saber se é assim.
A amassar e a cozer bem o pão e biscoitos para o
meu marido comer
Ama: Hajas a minha benção.
Para o diabo o levar
Para a Índia
Vai a Moça e fica a Ama dizendo
e agora dizem que já não parte.
Estou tão triste
Ama: A Santo António rogo eu
que já nem sei o que estou a sentir.
Que nunca mo cá depare:
Não sinto quem não se enfare
Moça: Eu irei saber se é assim.
De um diabo Zebedeu.
Dormirei, dormirei,
Ama: Tens a minha bênção.
Boas novas acharei.
S. João no ermo estava
Vai a Moça e fica a Ama dizendo
E a passarinha cantava.
Página 2 de 14
Deus me cumpra o que sonhei. Ama: A Santo António peço eu
Que nunca mo cá apresente:
Cantando vem ela e leda. Não há quem não se aborreça
De um diabo como o meu.
Moça: Dai-me alvíssaras, Senhora, Dormirei, dormirei,
Já vai lá de foz em fora. E boas notícias terei.
O meu marido tinha partido
Ama: Dou-te ua touca de seda. e eu estava feliz
Espero que o meu sonho se realize.
Moça: Ou, quando ele vier,
Dai-me do que vos trouxer. Ela vem alegre e cantando.

Ama: Ali, muitieramá! Moça: Dai-me o meu prémio, Senhora,


Agora há-de tornar cá? A nau já vai em alto-mar.
Que chegada e que prazer!
Ama: Dou-te uma touca de seda.
Moça: Virtuosa está minha ama!
Do triste dele hei dó. Moça: Ou, quando ele vier,
Dai-me do que vos trouxer.
Ama: E que falas tu lá só?
Ama: Ali, em má hora!
Moça: Falo cá com esta cama. Agora há de voltar?
Que chegada e que prazer!
Ama: E essa cama, bem, que há?
Mostra-me essa roca cá: Moça: Satisfeita está minha ama!
Siquer fiarei um fio. Tenho pena do marido infeliz.
Leixou-me aquele fastio
Sem ceitil. Ama: E que dizes tu sozinha?
Moça: Ali, eramá Moça: Falo cá com esta cama.
Todas ficassem assi.
Leixou-lhe pera três anos Ama: E que conversas tens com essa cama?
Trigo, azeite, mel e panos. Mostra-me essa roca:
Pelo menos fiarei.
Ama: Mau pesar veja eu de ti! Deixou-me aqui farta dele,
Tu cuidas que não te entendo? Sem dinheiro.
Moça: Que entendeis? Ando dizendo Moça: Em má hora o diga!
que quem fica assi sem nada, Todas ficassem assim.
coma vós, que é obrigada... Deixou-lhe para três anos
Já me vós is entendendo?... Trigo, azeite, mel e panos.
Ama: ah, ah, ah, ah, ah, ah! Ama: Maldita sejas!
Est' era bem graciosa, Tu pensas que não te entendo?
quem se vê moça e fermosa
esperar pola ira má! Moça: Que entendeis? Ando dizendo
I se vai ele a pescar que quem fica assim sem nada,
mea légua polo mar... como vós, que é obrigada..
Isso bem o sabes tu: Já me vós entendeis?...
quanto mais a Calecu!
Quem há tanto de esperar? Ama: ah, ah, ah, ah, ah, ah!
Melhor, Senhor, sê tu comigo Esta' era bem graciosa,
à hora de minha morte, quem se vê moça e formosa
que eu faça tão peca sorte! esperar pelo marido!
Guarde-me Deus de tal perigo. Aí se vai ele a pescar
O certo é dar a prazer. meia légua pelo mar...
Pera que é envelhecer
Página 3 de 14
esperando pelo vento? Isso bem o sabes tu:
Quant' eu por mui nécia sento quanto mais indo o teu marido para Calecut! (Índia)
a que o contrairo fizer. Quem há tanto de esperar?
Partem em Maio daqui Que o senhor esteja comigo
quando o sangue novo atiça à hora de minha morte,
parece-te que é justiça? que eu faça tão grande disparate!
Melhor vivas tu amém Guarde-me Deus de tal perigo.
e eu contigo também. O certo é divertir-me com outros homens.
Quem sobe por essa escada? Para que serve envelhecer
esperando por alguém que poderá nunca mais
Castelhano: Paz sea nesta posada. voltar?
Penso que é muito tola
Ama: Vós sois? Cuidei que era alguém. a que o contrário fizer.
Partem em Maio daqui
Castelhano: Asegun esso soy yo nada. quando nos sentimos mais carentes:
parece-te que é justiça?
Ama: Bem, que vinda foi ora esta? Melhor vivas tu amém
e eu contigo também.
Castelhano: Vengo aqui en busca mia, Quem sobe por essa escada?
que me perdi en aquel dia
que os vi hermosa y Castelhano: A paz esteja nesta casa.
honesta,
y nunca mas me topé. Ama: Sois vós? Pensei que era alguém.
Invisible me torné,
y de mi crudo enemigo; Castelhano: Segundo a vossa opinião, eu não sou
el cielo, empero, es testigo ninguém.
que de mi parte no sé.
Y ando un cuerpo sin alma, Ama: Bem, que vinda foi agora esta?
um papel que lleva el viento
un pozo de pensamiento Castelhano: Venho à procura de mim mesmo,
una fortuna sin calma. Porque me perdi naquele dia
Pese al dia em que nasci; Em que vos vi, bonita e honesta
vos e Dios sois contra mi, E nunca mais me encontrei.
e nunca topo el diablo. Tornei-me invisível,
Reís de lo que yo hablo? E cruel inimigo de mim próprio;
O próprio céu é testemunha
Ama: Bem sei eu do que me ri. que não sei o que é de mim.
E sou um corpo sem alma,
Castelhano: Reísvos del mal que um papel que leva o vento
Padezco. un poço de pensamento
reísvos de mi desconcierto, um destino sem calma.
reísvos que teneis por cierto Maldito o dia em que nasci;
que miraros non meresco. Vós e Deus sois contra mi.
E nunca encontrei o diabo.
Ama: Andar embora. Rides do que vos digo?

Castelhano: Ó mi vida y mi señora, Ama: Bem sei eu do que me ri.


luz de todo Portugal,
teneis gracia especial Castelhano: Ride-vos do mal de que sofro,
para linda matadora. Do meu desconcerto,
Supe que vuesso marido Porque achais
era ido. Que não mereço olhar para vós.

Ama: Ant'ontem se foi. Ama: Continua, continua.

Castelhano: Al diablo que lo doy Castelhano: Ó minha vida e minha senhora,


el desastrado perdido. luz de todo Portugal,
Página 4 de 14
Que mas Índia que vos, tendes graça especial
que mas piedras preciosas, para linda mulher fatal.
que mas alindadas cosas, Soube que vosso marido
que estardes juntos los Embarcou para a Índia.
dos?
No fué él Juan de Çamora. Ama: Foi-se embora há pouco.
Que arrastrado muera yo, .
si por quanto Dios crió Castelhano: Que vá para o diabo
os dexara media hora. o desastrado e perdido.
Y aunque la mar se Não há Índia que valha o estarem juntos os dois,
humillara marido e mulher. (A crítica vicentina às consequências
y la tormenta cessara, sociais dos descobrimentos está aqui patente.)
y el viento me obedeciera
y el quarto cielo se abriera, No foi o Juan de Çamora. (nome do castelhano)
un momiento no os dexara. Que morra eu arrastado, (o adjetivo «arrastado» refere-
Mas como evangelio es esto: se a uma das penas de morte da altura.)
que la Índia hizo Dios, Por tudo o que Deus criou, se vos deixasse, meia
solo porque yo con vos hora que fosse.
pudiesse passar aquesto. Ainda que o mar acalmasse
Y solo por dicha mia, e a tempestade parasse,
por gozar esta alegria e o vento me obedecesse
la hizo Dios descobrir: e o Sol se abrisse,
y no ha mas que dezir eu não vos deixava.
por la sagrada Maria! Isto é tão verdadeiro como o Evangelho.
Deus criou a Índia
Ama: Moça, vai àquele cão só para que eu me
que anda naquelas tigelas. pudesse encontrar convosco.
E só para minha felicidade,
Moça: Mas os gatos andam nelas. Para gozar esta alegria,
Fê-la Deus ser descoberta:
Castelhano: Cuerpo del cielo con vos! E não tenho mais que dizer
Hablo en la tripas de Dios pela sagrada Maria!
Y vos hablaisme en los
gatos! Ama: Moça, afasta aquele cão
que anda naquelas tigelas.
Ama: Se vós falais desbaratos
em que falaremos nós? Moça: Mas os gatos andam nelas.

Castelhano: No me hagais derreñegar Castelhano: Ide para o diabo!


o hazer un desatino. Falo com sinceridade de coisas importantes
Vós pensais que soy divino? E vós falai-me em gatos
Soy hombre y siento el pesar.
Trayo de dentro un león Ama: Se vós dizeis disparates
metido en el corazón: em que falaremos nós?
tiéneme el alma dañada
d'ensangrentar esta espada Castelhano: Não me façais praguejar
en hombres, que és Ou fazer um disparate.
perdición. Pensais que sou divino?
Ya Dios es importunado Sou homem e sinto a tristeza.
de las almas que le embio; Trago dentro um leão
y no es en poder mio metido no coração:
dexar uno acuchillado. tenho um desejo enorme
Dexé bivo allá en el puerto de ensanguentar esta espada
un hombrazo alto e tuerto, com sangue de homens,
y despues fuylo encontrar; o que é perdição.
pensó que lo iba a matar O próprio Deus está aborrecido
y de miedo cayó muerto. Com tantas almas que lhe envio;
Página 5 de 14
Ama: Vós queríeis ficar cá? Não sou capaz de
Agora é cedo ainda; Poupar um ferido.
tornareis vós outra vinda Deixei vivo, perto de um porto,
e tudo bem se fará. Um homem alto e zarolho.
Fui depois procurá-lo;
Castelhano: A que horas me mandais? Como pensou que eu o ia matar,
Caiu morto com medo
Ama: Às nove horas e nô mais.
E tirai ua pedrinha, Ama: Vós queríeis ficar cá?
pedra muito pequenina Agora é cedo ainda;
à janela dos quintais. tornareis vós outra vinda
Entonces vos abrirei e tudo bem se fará.
de muito boa vontade:
pois sois homem de verdade, Castelhano: A que horas quereis que venha?
nunca vos falecerei.
Ama: Às nove horas em ponto.
Castelhano: Sabeis que ganais en E atirai uma pedrinha,
esso? pedra muito pequenina
El mundo todo por vuesso! à janela dos quintais.
Que aunque tal capa me veis, Então vos abrirei
tengo mas que pensareis: de muito boa vontade:
y no lo tomais en gruesso. pois sois homem de verdade,
Bésoos las manos Señora, estarei sempre pronta a amar-vos.
Voyme con vuessa licencia
Mas ufano que Florencia. Castelhano: Sabeis que o ganhais com isso?
O mundo todo como presente!
Ama: Ide e vinde muit'embora. Que ainda que me vejas com uma capa rota
tenho mais do que pensais:
Moça: Jesu! Como é rebolão! Não penseis que estou a exagerar.
Dai, dai ò demo o ladrão! Beijo-vos as mãos, Senhora,
Retiro-me com vossa licença
Ama: Muito bem me parece ele.
Mais vaidoso que Florença (cidade ou mulher?)
Moça: Não vos fieis vós naquele,
Porque aquilo é refião. Ama: Ide e vinde em boa hora.

Ama: Já lh'eu tenho prometido. Moça: Jesus! Como é fanfarrão!


Dai, dai ò diabo o ladrão!
Moça: Muito embora, seja assi.
Ama: Muito bem me parece ele.
Ama: Um Lemos andava aqui
Meu namorado perdido. Moça: Não vos fieis vós naquele,
Porque aquilo é rufião.
Moça: Quem? O rascão do sombreiro?
Ama: Já lhe prometi que ia dormir com ele.
Ama: Mas antes era escudeiro.
Moça: Muito embora, seja assim.
Moça: Seria, mas bem safado;
não suspirava o coitado Ama: Um Lemos andava aqui
senão por algum dinheiro. Meu namorado perdido.

Ama: Não é homem dessa arte. Moça: Quem? O vadio que usa um chapéu de abas
largas?
Moça: Pois inda ele não esquece?
Há muito que não parece. Ama: Mas antes era escudeiro.( A Ama tenta
valorizar o estatuto social do Lemos afirmando que ele
já foi escudeiro.)
Ama: Quant'eu dele não sei parte.
Página 6 de 14
Moça: Como ele souber, à fé, Moça: Seria, mas desavergonhado;
que nosso amo aqui não é, não suspirava o coitado
Lemos vos visitará. senão por algum dinheiro. (A Moça revela que
também este namorado é muito pobre.)
Lemos: Hou da casa!
Ama: Não é homem dessa condição.
Ama: Quem é lá?
Moça: Então, ainda não se esqueceu dele?
Lemos: Subirei? Há muito que não aparece.

Ama: Suba quem é. Ama: Eu não sei o que é feito dele.

Lemos: Vosso cativo, Senhora! Moça: Quando ele tiver a certeza de


que nosso amo não está,
Ama: Jesu! Tamanha mesura! Lemos vos visitará.
Sou rainha por ventura?
(da rua)
Lemos: Mas sois minha emperadora.
Lemos: Ó da casa!
Ama: Que foi do vosso passear
com luar e sem luar Ama: Quem está aí?
toda a noite nesta rua?
Lemos: Subirei?
Lemos: Achei-vos sempre tão crua,
que vos não pude aturar. Ama: Suba.
Mas agora como estais?
Lemos: Vosso escravo, Senhora!
Ama: Foi-se à Índia meu marido,
e depois homem nacido Ama: Jesus! Tamanha vénia!
não veo onde vós cuidais; Por acaso sou rainha?
e por vida de Constança
que se não fosse a lembrança... Lemos: Sois mais minha imperatriz.

Moça: Dizei já essa mentira. Ama: Porque é que nunca mais passeastes
com luar e sem luar
Ama: ...que eu vos não consentiria toda a noite nesta rua? ( A Ama queixa-se de que o
entrar em tanta privança. Lemos nuca mais rondou a casa, de noite.)

Lemos: Pois que agora estais singela Lemos: Achei-vos sempre tão cruel,
que lei me dais vós, Senhora? que vos não pude aturar.
Mas agora como estais?
Ama: Digo que venhais embora.
Ama: Foi-se à Índia meu marido,
Lemos: Quem tira àquela janela? e depois homem nascido
não vejo onde vós cuidais;
Ama: Meninos que andam brincando e por vida de Constança ( A Ama revela o seu nome –
e tiram de quando em quando. Constança – e jura por sua vida que nenhum homem
entrou em sua casa desde que o Marido partiu.)
Lemos: Que dizeis, Senhora minha? que se não fosse a boa recordação...

Ama: Metei-vos nessa cozinha, Moça: (Dizei já essa mentira.)


que me estão ali chamando.
Ama: que eu vos não consentiria
Castelhano: Abrame, vuessa merced, entrar em tanta intimidade.
que estoy aqui a la verguenza;
esto úsase en Siguenza: Lemos: Pois que agora estais sozinha
pues prometeis, mantened. que ordens me dais vós, Senhora?
Página 7 de 14
Ama: Calai-vos, muitieramá, Ama: Digo que bem-vindo sejas.
até que meu irmão se vá
dissimulai por i entanto. Lemos: Quem atira pedras àquela janela?
Ora vistes o quebranto?
Andar, muitieramá! Ama: Meninos que andam brincando
e as atiram de vez em quando.
Lemos: Quem é aquele que falava?
Lemos: Que dizeis, Senhora minha?
Ama: O Castelhano vinagreiro.
Ama: Metei-vos nessa cozinha,
Lemos: Que quer? que me estão ali chamando.

Ama: Vem polo dinheiro Castelhano: Abra-me a porta, senhora


Do vinagre que me dava. que estou aqui envergonhado;
Vós quereis cá cear? isto é assim em Siguenza: (Cidade de Castela, de
Eu não tenho que vos dar. onde provavelmente o Castelhano seria natural e onde
quem promete, mantém a palavra dada.)
Lemos: Vá esta moça à Ribeira
e traga-a cá toda inteira Ama: Calai-vos,
que toda se há-de gastar. até que meu irmão vá embora
disfarçai.
Moça: Azevias trazerei? Ora vistes o mau olhado?
Desaparece daqui!
Lemos: Dai ó demo as azevias:
Não compres, já me enfastias. Lemos: Quem é aquele que falava?

Moça: O que quiserdes comprarei. Ama: O Castelhano vinagreiro.

Lemos: Traze ua quarta de cerejas Lemos: Que quer?


E um ceitil de breguigões.
Ama: Vem pelo dinheiro
Moça: Cabrito? Do vinagre que me fiava.
Vós quereis cá cear?
Lemos: Tem mil barejas. Eu não tenho que vos dar.

Moça: E ostras, trazerei delas? Lemos: Vá esta moça à Ribeira (Mercado da


Ribeira, Cais do Sodré)
Lemos: Se valerem caras, não: e traga tudo o que há no mercado
ante traze mais um pão que tudo se há de gastar.
e o vinho das Estrelas
Moça: Trago peixe?
Moça: Quanto trazerei de vinho?
Lemos: Dai ao diabo o peixe:
Lemos: Três pichéis deste caminho. Não compres, já me enjoa.

Moça: Dais-me um cinquinho, nô mais? Moça: O que quiserdes comprarei.

Lemos: Toma aí mais dous reais. Lemos: Trazei cerejas


Vai e vem muito emproviso. E berbigões.

(Canta) Moça: Cabrito?

«Quem vos anojou, meu bem, Lemos: Tem muitas moscas.


bem anojado me tem.»
Moça: E ostras, trago?
Ama: Vós cantais em vosso siso? Lemos: Se forem caras, não:
Página 8 de 14
Traz antes mais um pão
Lemos: Deixai-me cantar, Senhora. e o vinho das Estrelas

Ama: A vizinhança que dirá, Moça: Quanto trago de vinho?


se meu marido aqui não está,
e vos ouvirem cantar? Lemos: Três jarras deste tamanho.
Que razão lhe posso eu dar
que não seja muito má? Moça: Dais-me uma moeda de prata?

Castelhano: Reniego de Marinilla: Lemos: Toma lá duas moedas de cobre.


esto és burla, ó és burleta? Vai e vem muito depressa.
Quereis que me haga trompeta,
que me oiga toda la villa? (Canta)
«Quem vos aborreceu, meu bem,
Ama: Entrai vós ali, senhor, bem aborrecido me tem.»
Que ouço o corregedor.
Temo tanto esta devassa! Ama: Estais louco?
Entrai vós nessoutra casa
Que sinto grande rumor. Lemos: Deixai-me cantar, Senhora.

(Chega à janela) Ama: A vizinhança que dirá,


se meu marido aqui não está,
Falai vós passo, micer e vos ouvirem cantar?
Que razão lhe posso eu dar
Castelhano: Pesar ora de San Pablo. que não seja muito má?
Esto és burla ó es diablo?
Castelhano: Juro que
Ama: Eu posso-vos mais fazer? isto é farsa.
Quereis que me faça de trompeta,
Castelhano: E aun en esso está ahora Que me ouça toda a vila?
La vida de Juan de Çamora?
Son noches de Navidá Ama: Escondei-vos ali, senhor,
quiere amanecer ya Que ouço o corregedor. (O corregedor desempenha
que no tardará media hora. as funções do polícia.)
Tenho medo que ele reviste a casa!
Ama: Meu irmão cuidei que se ia. Entrai naquele quarto
Que sinto grande rumor.
Castelhano: Ah, Señora y reísvos vós
Abrame cuerpo de Dios! (Chega à janela)

Ama: Tornareis cá outro dia. Falai baixo, meu senhor.

Castelhano: Assosssiega, corazón Castelhano: Com mil diabos!


adormientate, león, Isto é farsa ou é diabo?
no heches la casa en tierra,
ni hagas tan cruda guerra, Ama: Que vos posso mais fazer?
que mueras como Sansón.
Esta burla es de verdad, Castelhano: E agora como é que fica a vida de
Por los uesos de Medea, Juan de Zamora? (nome do castelhano)
sino que arrastrado sea É Natal
mañana por la ciudad; Não tardará meia hora até que amanheça.
por la sangre soberana
de la batalla troiana, Ama: Meu irmão (A Ama trata Lemos por irmão
y juro a la casa sancta... para se desculpar) pensei que se ia embora.

Ama: Para que é essa jura tanta? Castelhano: Ai senhora, abri-me a porta, por amor
de Deus!
Página 9 de 14
Castelhano: Y ain vos estais ufana?
Quiero destruir el mundo, Ama: Tornareis cá outro dia.
quemar la casa, es la
verdad, Castelhano: Sossega, coração,
despues quemar la ciudad; Adormece-te, leão,
Señora en esto me fundo. Não deites a casa abaixo,
Despues, si Dios me dixere, Não faças uma guerra tão cruel.
quando allá con él me viere, que morras como Sansão ( Referência à figura de
que por sola una mujer... Sansão que perdeu a força quando a mulher lhe cortou o
Bien sabré que responder, cabelo.)
quando a esso viniere.
Esta burla é verdadeira,
Ama: Isso são rebolarias. Pelos ossos de Medeia, (poderosa feiticeira que
casou com Sansão.)
Castelhano: Séame Dios testigo, Ainda que seja arrastado
que vós vereis lo que digo pela cidade,
antes que passem tres dias Juro pelo sangue soberano
da batalha troiana
Ama: Má viagem faças tu e pelos céus…
caminho de Calecu,
preza à Virgem consagrada! Ama: Para que é tanta jura?

Lemos: Que é isto? Castelhano: Ainda vós estais vaidosa?


Quero destruir o mundo,
Ama: Não é nada. Queimar a casa,
Depois queimar a cidade
Lemos: Assi viva Berzebu. E depois, quando estiver perante Deus
E tiver de responder pelas minhas loucuras,
Ama: I-vos embora, Senhor Direi que tudo aconteceu apenas
que isto quer amanhecer. Por causa de uma mulher.
Tudo está a vosso prazer,
com muito dobrado amor. Ama: Isso são fanfarronices.
Oh, que mesuras tamanhas!
Castelhano: Seja Deus testemunha,
Moça: Quantas artes, quantas manhas, que vós vereis o que digo
que sabe fazer minha ama! antes que passem três dias.
Um na rua, outro na cama!
Ama: Má viagem faças tu
Ama: Que falas? Que te arreganhas? caminho de Calecute,
preza à Virgem consagrada!
Moça: Ando dizendo entre mi
que agora vai em dous anos Lemos: Que é isto?
que eu fui lavar os panos
além do chão de Alcami; Ama: Não é nada.
e logo partiu a armada
domingo de madrugada. Lemos: Assi viva o Diabo.
Não pode muito tardar
nova se há-de tornar Ama: Ide-vos embora, Senhor
Nosso amo pera a pousada. que isto quer amanhecer.
Tudo está a vosso prazer,
Ama: Asinha? com intenso amor.
Oh, quantas vénias!
Moça: Três anos há
que partiu Tristão da Cunha. Moça: Quantas artes, quantas manhas,
que sabe fazer minha ama!
Ama: Quant'eu ano e meo punha. Um na rua, outro na cama!

Página 10 de 14
Moça: Mas três e mais haverá. Ama: Que dizes? De que te ris?
Ama: Vai tu comprar de comer.
Tens muito pera fazer, Moça: Ando dizendo a mim mesmo
não tardes. que agora faz dois anos
que partiu a armada
Moça: Não, Senhora; domingo de madrugada.
eu virei logo nessora, Não pode muito tardar
se m'eu lá não detiver. Notícia se há de tornar
Nosso amo pera a casa.
Ama: Mas que graça que seria,
se este negromeu marido Ama: Tão cedo?
tornasse a Lisboa vivo
pera minha companhia! Moça: Três anos há
Mas isto não pode ser; que partiu Tristão da Cunha.
que ele havia de morrer
somente de ver o mar. Ama: Eu pensava que ele só tinha partido há um ano
segura de nunca o ver. e meio.

Moça: Ai, Senhora! venho morta: Moça: Mas três e mais haverá.
nosso amo é hoje aqui.
Ama: Vai tu comprar de comer.
Ama: Má nova venha por ti. Tens muito para fazer,
Perra excomungada, torta! não demores.

Moça: A Garça,em que ele ia, Moça: Não, Senhora;


vem com mui grande alegria; eu virei imediatamente,
per Restelo entra agora. se, por acaso, não me demorar mais do que o
Por vida minha, Senhora, previsto.
que não falo zombaria.
E vi pessoa que o viu Ama: Mas que graça que seria,
gordo, que é pera espantar. se este negro (a Ama refere-se ao marido como
negro, uma vez que os marinheiros, quando
Ama: Pois, casa, se te eu caiar, regressavam da Índia, vinham muito bronzeados)
mate-me quem me pariu. meu marido
Quebra-me aquelas tigelas voltasse a Lisboa vivo
e três ou quatro panelas, para minha companhia
que não ache em que comer. Mas isto não pode ser;
Que chegada e que prazer! que ele havia de morrer
Fecha-me aquelas janelas; somente de ver o mar.
deita essa carne a esses gatos; segura de nunca o ver. (A Ama tem o marido em
desfaze toda essa cama. muito pouca consideração uma vez que o considera
medricas que possivelmente morreu «somente de ver
Moça: De mercês está minha ama; o mar»)
desfeitos estão os tratos.
Moça: Ai, Senhora! venho morta:
Ama: Porque não matas o fogo? nosso amo chega hoje.

Moça: Raivar, que este é outro jogo. Ama: Má nova venha por ti.
Cadela, excomungada, desleal!
Ama: Perra, cadela, tinhosa,
que rosmeas, aleivosa? Moça: A Garça,(Garça é o nome dado ao navio em que o
Marido embarcou. Pelo nome da nau deduz-se que Gil
Vicente se refere à armada de Tristão Vaz da Cunha,
Moça: Digo que o matarei logo.
comandante de uma das expedições à Índia.) em que ele
ia, vem com muito grande alegria;
Ama: Não sei pera que é viver.
Pelo Restelo entra agora.
Por vida minha, Senhora,
Página 11 de 14
Marido: Hou lá! que não estou a brincar.
E vi pessoa que o viu
Ama: Ali, maora, este é. gordo, que é para espantar.
Quem é? Ama: Pois, casa, se te eu caiar,
mate-me quem me pariu.( a Ama afirma que não irá
Marido: Homem de pé. caiar a casa para receber o Marido, nem que a sua mãe a
mate. )
Ama: Gracioso se quer fazer. Quebra-me aquelas tigelas
Subi, subi pera cima. e três ou quatro panelas,
que não ache em que comer. (Este conjunto de atos de
Moça: É nosso amo: como rima! destruição destinam-se a simular um estado de pobreza
extrema, a fim de que o Marido não se aperceba dos
divertimentos ocorridos. )
Ama: Teu amo? Jesu! Jesu! Que chegada e que prazer!
alvíssaras pedirás tu! Fecha-me aquelas janelas;
deita essa carne a esses gatos;
Marido: Abraçai-me, minha prima. desfaz toda essa cama.
Ama: Jesu! Quão negro e tostado! Moça: A minha Ama está mesmo alegre
Não vos quero, não vos quero! (observação irónica);
acabaram-se os arranjinhos
Marido: E eu a vós si; porque espero
serdes mulher de recado. Ama: Porque não apagas o fogo? ( Apagar o fogo no
lar significa simbolicamente luto, ausência de um ente
Ama: Moça, tu que estás olhando? querido, ou casa abandonada. )
Vai muito asinha saltando,
faze fogo e vai por vinho Moça: Enfurece-te, que agora a tua vida mudou.
e a metade dum cabritinho,
enquanto estamos falando. Ama: Perra, cadela, tinhosa,
Ora como vos foi lá? De que resmungas, maldosa?

Marido: Muita fortuna passei. Moça: Digo que o matarei logo.


Ama: Não sei para que é viver.
Ama: E eu, oh quanto chorei, Marido: Olá!
quando a armada foi de cá! Ama: Infelizmente, é ele mesmo
E quando vi desferir, Quem é?
que começastes de partir, Marido: peão!
Jesu! Eu fiquei finada; Ama: Está a armar-se em engraçadinho.
três dias não comi nada, Subi, subi para cima.
a alma se me queria sair. Moça: É nosso amo: como calha bem!
Ama: Teu amo? Jesus! Jesus!
Marido: E nós, cem léguas daqui, Alvíssaras pedirás tu!
saltou tanto sudoeste, Marido: Abraçai-me, minha prima.
sudoeste e oes-sudoeste, Ama: Jesus! Quão negro e tostado!
que nunca tal tormenta vi. (A longa viagem bronzeou a pele do Marido e
esse é motivo suficiente para a Ama evitar o
Ama: Foi isso à quarta-feira, abraço com que ele a tenta enlear. )
aquela logo primeira? Não vos quero, não vos quero!
Marido: E eu a vós sim; porque espero
Marido: Si; e começou na alvorada. serdes mulher honesta.
Ama: Moça, tu que estás olhando?
Ama: E eu fui-me de madrugada Vai muito depressa saltando,
a Nossa Senhora d'Oliveira. faz fogo e vai pôr vinho
E com a memória da cruz e a metade dum cabritinho,
fiz-lhe dizer ua missa, enquanto estamos falando.
e prometi-vos em camisa Então como correram as coisas por lá?
a Santa Maria da Luz: Marido: Muitas tormentas passei.
e logo à quinta-feira Ama: E eu, oh quanto chorei,
Página 12 de 14
fui ao Spírito Santo quando a armada partiu!
com outra missa também; E quando vi desfraldar as velas,
chorei tanto que ninguém que começastes de partir,
nunca cuidou ver tal pranto. Jesus! Eu ia morrendo;
Correstes aquela tormenta? três dias não comi nada,
Andar. a alma se me queria sair.
Marido: E nós, cem léguas daqui,
Marido: Durou-nos três dias. saltou tanto sudoeste,
sudoeste e oes-sudoeste,
Ama: As minhas três romarias, que nunca tal tempestade vi.
com outras, mais de quarenta. Ama: Foi isso à quarta-feira,
aquela logo primeira?
Marido: Fomos na volta do mar Marido: Sim; e começou na alvorada.
quase quase a quartelar: Ama: E eu fui-me de madrugada
a nossa Garça voava, a Nossa Senhora d'Oliveira.
que o mar se espedaçava. E com a memória da cruz
Fomos ao rio de Meca, fiz-lhe dizer uma missa,
pelejámos e roubámos, e prometi-vos em camisa (A expressão
e muito risco passámos significa que a Ama prometeu à santa o peso do
à vela, árvore seca. Marido em cera. )
a Santa Maria da Luz:
Ama: E eu cá esmorecer, e logo à quinta-feira
fazendo mil devações, fui ao Espírito Santo
mil choros, mil orações. com outra missa também;
chorei tanto que ninguém
Marido: Assi havia de ser. nunca pensou ver tal choro.
Como passaste tal tempestade? Sofrestes
Ama: Juro-vos que de saudade aquela tormenta?
tanto de pão não comia Continuai.
a triste de mi cada dia. Marido: Durou-nos três dias.
Doente, era ua piedade. Ama: As minhas três romarias, (A
Já carne nunca a comi: estratégia da Ama é fazer crer ao Marido que
esta camisa que trago ele se salvou das tempestades porque ela
em vossa dita a vesti, passou o tempo nas igrejas a rezar pela
salvação da Armada. )
porque vinha bom mandado.
Onde não há marido com outras, mais de quarenta.
cuidai que tudo é tristura, Marido: afastando-nos de terra
não há prazer nem folgura; Mudando de rumo
sabei que é viver perdido. a nossa Garça voava,
Alembrava-vos eu lá? que o mar se espedaçava.
Fomos ao Mar Vermelho,
Marido: E como!... lutámos e roubámos,
e muito risco passámos
Ama: Agora, aramá: com os mastros desfeitos pelas
tempestades e brigas.
Iá há índias mui fermosas;
lá faríeis vós das vossas Ama: E eu cá morrendo aos poucos,
e a triste de mi cá, fazendo mil devações,
encerrada nesta casa, mil choros, mil orações.
sem consentir que vizinha Marido: Assim havia de ser.
entrasse por ua brasa, Ama: Juro-vos que de saudade
por honestidade minha. tanto de pão não comia
a triste de mi cada dia.
Marido: Lá vos digo que há fadigas, Doente, era uma piedade.
tantas mortes, tantas brigas Já carne nunca a comi:
e p'rigos descompassados, esta camisa que trago
que assi vimos destroçados, em vossa intenção a vesti,
porque me deram boas notícias.
pelados coma formigas.
Página 13 de 14
Onde não há marido
Ama: Porém vindes muito rico? pensai que tudo é tristeza,
Marido: Se não fora o capitão, não há prazer nem alegria;
eu trouxera a meu quinhão sabei que é viver perdido.
um milhão, vos certifico. Também te lembravas de mim, lá na
Calai-vos, que vós vereis Índia?
quão louçã haveis de sair. Marido: E como!...
Ama: Eu acredito lá nisso:
Ama: Agora me quero eu rir Iá há índias muito bonitas;
disso que me vós dizeis. lá faríeis vós das vossas
Pois que vós vivo viestes, e a triste de mim cá,
que quero eu de mais riqueza? encerrada nesta casa,
Louvada seja a grandeza sem consentir que uma vizinha
de vós, Senhor, que mo trouxestes. cá entrasse só para pedir uma brasa,
A nau vem bem carregada? para não acabar com a minha
reputação.
Marido: Vem tão doce embandeirada! Marido: Lá vos digo que há fadigas,
tantas mortes, tantas brigas
Ama: Vamo-la, rogo-vo-lo, ver. e perigos enormes,
que assim vimos destroçados e muito
Marido: Far-vos-ei nisso prazer? pobres.
Ama: Porém vindes muito rico?
Ama: Si, que estou muito enfadada.
Vão-se a ver a nau, e fenece esta primeira farsa. Marido: Podeis ter a certeza de que, se não fosse o
capitão, eu tinha trazido a minha parte: um milhão
de cruzados.
Calai-vos, que vós vereis
quão elegante haveis de sair.
Ama: Agora me quero eu rir
disso que me vós dizeis.
Pois que vós vivo viestes,
que quero eu de mais riqueza?
Louvada seja a grandeza
de vós, Senhor, que mo trouxestes.
A nau vem bem carregada?
Marido: Vem tão lindamente embandeirada!
Ama: Vamo-la, rogo-vo-lo, ver.
Marido: Far-vos-ei nisso prazer?
Ama: Sim, que estou muito aborrecida.
Vão-se a ver a nau, e acaba esta primeira farsa.

Página 14 de 14

S-ar putea să vă placă și