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por
1995
BANCA EXAMINADORA
_________________________
Presidente
_________________________
1º examinador
_________________________
2º examinador
GARCIA, Paulo Roberto, As bem-aventuranças em Mateus - Uma
SINOPSE
comunidade que vive o discipulado radical. Isso pode ser percebido quando se
procura estudar o texto a partir de uma estrutura que nele não é muito
explorada: o quiasmo.
GARCIA, Paulo Roberto, The Matthew’s beatitudes - a proposed Literary
ABSTRACT
have received looks of distrust to the degree that, in presenting its first blessing
of Jesus. In truth, as much the first affirmation, about structure, as the second,
connect with the hypotheses fo the comprehension of the text. Already the
discipleship. This can be perceived when studying the text on the thesis of a
de ensino.
A Igreja Metodista, lugar onde minha vida ganhou novo sentido, e onde
SINOPSE ..................................................................................................................................................... 3
ABSTRACT ................................................................................................................................................ 4
AGRADECIMENTOS ............................................................................................................................... 5
INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 9
AS MOTIVAÇÕES ...................................................................................................................................... 9
1. O desafio de abordar um texto de um Evangelho ................................................................................ 9
2. A motivação de trabalhar as bem-aventuranças ................................................................................ 13
3. O desafio de olhar o texto a partir da estrutura literária .................................................................. 14
CAPÍTULO I ............................................................................................................................................ 16
ABORDAGEM LITERÁRIA ..................................................................................................................... 16
1. TRADUÇÃO ....................................................................................................................................... 16
2. COMPARAÇÃO ENTRE OS TEXTOS DE MATEUS E LUCAS ........................................................ 17
2.1 Primeira bem-aventurança ............................................................................................................................ 21
2.2 Segunda bem-aventurança ............................................................................................................................. 22
2.3 Terceira bem-aventurança ............................................................................................................................. 24
2.4 Quarta bem-aventurança................................................................................................................................ 25
2.5 Quinta, sexta e sétima bem-aventurança........................................................................................................ 27
2.6 Oitava bem-aventurança ................................................................................................................................ 29
CAPÍTULO II ........................................................................................................................................... 32
DELIMITAÇÃO E ESTRUTURA LITERÁRIA ....................................................................................... 32
1. Nove bem-aventuranças ..................................................................................................................... 32
1.1. Problemas literários dos versículos 11 e 12 ................................................................................................. 33
1.2. Propostas de estruturação em nove bem-aventuranças ................................................................................. 35
2. Sete bem-aventuranças com uma glosa .............................................................................................. 36
2.1. Problemas literários em relação às bem-aventuranças aos mansos e aos versículos 11 e 12 ........................ 37
3. Oito bem-aventuranças ...................................................................................................................... 39
3.1 Oito divididas em duas sequências de quatro ................................................................................................ 40
3.2 Oito bem-aventuranças formando um quiasmo ............................................................................................. 42
CAPÍTULO III ......................................................................................................................................... 44
A ESTRUTURA DAS BEM-AVENTURANÇAS - UM QUIASMO ......................................................... 44
1. Pobres em espírito e perseguidos por causa da justiça...................................................................... 48
1.1. Bem-aventurados.......................................................................................................................................... 48
1.2. Pobres em espírito e perseguidos por causa da justiça ................................................................................. 50
1.2.1. Em espírito ............................................................................................................................................ 50
1.2.2. Justo ...................................................................................................................................................... 57
1.2.3. A convergência dos termos - o conflito no campo social ...................................................................... 60
2.1. Aflitos........................................................................................................................................................... 64
2.2. Fazedores da Paz .......................................................................................................................................... 67
3. Mansos e puros de coração ................................................................................................................ 69
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 8
AS MOTIVAÇÕES
bem-aventuranças de Mateus?
América Latina a Bíblia foi sendo redescoberta, retrabalhada. Pela porta dos
leitura da Bíblia1.
esse movimento usou .foi o Antigo Testamento2. A partir do Êxodo, a Bíblia foi
2 Os nomes dos biblistas que veiculavam esse nova reflexão estavam ligados ao Antigo Testamento.
Nomes como Milton Schwantes, Carlos Mesters, Frei Gorgulho, entre outros, foram responsáveis pela
redescoberta da Bíblia e do Antigo Testamento no Brasil e na América Latina.
3 Schwantes, Milton, et alli, Bibliografia Bíblica Latino-Americana. Volumes 1 a 5.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 11
Penta Histór. Profét Escrito Deut Total Ev/Atos Paulo Catól. Apocal Total
t . .
Mat.
601 183 595 600 49 2295 2997 595 607 130 124 4605
Observações:
1. Na coluna dos Evangelhos e Atos, os números correspondem à soma de Mateus, Marcos, Lucas, João e
Atos.
2. A divisão agrupando os livros da Bíblia é a mesma usada pela Bibliografia Bíblica Latino-Americana.
Essa vasta produção tem uma característica marcante. Dos artigos que
neotestamentária.
do Frei Gorgulho e Ana Flora Anderson em 19846, outro do Pe. Luiz Mosconi
5 Essa série é editada pelas editoras Sinodal, Vozes e Impressa Metodista e representa um esforço
ecumênico dos biblistas latino-americanos em produzir comentários a todos os livros da Bíblia numa
perspectiva latino-americana.
6 Anderson, Ana Flora & Gorgulho, Gilberto. Não tenham medo. 1984.
7 Mosconi, Luis. Evangelho Segundo Mateus. In série: "A palavra na vida", CEBI - Centro de Estudos
Bíblicos, 1990.
8 Storniolo, Ivo, Como ler o Evangelho de Mateus, 1990.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 13
um interesse por esse texto, que já foi alvo de um trabalho anterior9. Neste
que Lucas falava mais à realidade latino-americana e Mateus não tanto. O que
nos levou, naquela época, a chegar a esta conclusão foi, principalmente, o fato
americana. Hoje, com base nas pesquisas pessoais, e nos trabalhos surgidos,
percebemos que Mateus tem tanta importância para a América Latina como o
Evangelho de Lucas. Por isso, este trabalho atual visa "pagar" uma dívida
de trabalhar num campo onde temos muito material das mais diversas linhas.
Na introdução encontramos:
estrutura literária visa a buscar uma porta de entrada que não é muito
cotidiana.
texto.
CAPÍTULO I
ABORDAGEM LITERÁRIA
1. TRADUÇÃO
exegese bíblica. Julius Wellhausen defendia que uma boa tradução, exata e
Mateus 5.3-10
Mateus 5.11-125
3 A tradução "misericordiados" não é usual na língua portuguesa, embora não sendo gramaticalmente
incorreta. Ela é usada aqui para enfatizar o passivo, que é importane na estrutura, conforme veremos no
terceiro capítulo.
4 Estamos traduzindo o termo apax eirenopoios pelo sentido das palavras que o compõem: eirene
(paz) e poiéo (fazer).
5 Estamos apresentando a tradução destes versículos separadamente porque, conforme veremos na
delimitação, eles não pertencem ao conjunto anterior das bem-aventuranças.
6 A palavra mentindo está entre colchetes pois, segundo as informações que aparecem no aparato
crítico e no texto de Nestle-Alland, Novum Testamentum Graece, p. 9, não deve fazer parte do original.
É, possivelmente, um acréscimo posterior influenciado pelo paralelo (Lucas). Como se costuma fazer com
os textos que, embora não fazendo parte do original, têm um largo uso desde as tradições mais antigas
dos documentos da Igreja, ele é colocado na tradução entre colchetes.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 18
MATEUS 5 LUCAS 6
3. Bem-aventurados os pobres em espírito, 20b. Bem-aventurados vós7, os pobres,
porque deles é o Reino dos Céus. porque vosso é o Reino de Deus.
4. Bem-aventurados os aflitos, 21b. Bem aventurados vós, que agora chorais,
porque eles serão consolados. porque rireis.
5. Bem-aventurados os mansos,8
porque eles herdarão a terra.
7. Bem-aventurados os misericordiosos,
porque eles serão misericordiados.
8. Bem-aventurados os puros de coração,
porque eles verão a Deus.
9. Bem-aventurados os "fazedores da paz",
porque eles serão chamados filhos de Deus.
10. Bem-aventurados os perseguidos por
causa da justiça
porque deles é o Reino dos Céus.
11. Bem-aventurados sois quando vos 22. Bem-aventurados sereis quando os homens
injuriarem, vos aborrecerem,
e perseguirem, e falarem todo mal contra vós e quando vos separarem, e vos injuriarem, e
[mentindo] por minha causa. rejeitarem o vosso nome como mau, por causa
do filho do homem.
12. Alegrai-vos e regozijai-vos, 23. Sedes alegrados9 nesse dia, exultai;
7 Nessa tradução estamos inserindo o “vós”, como aparece na tradução Almeida, para caracterizar
que as bem-aventuranças lucanas aparecem na segunda pessoa do plural, enquanto as mateanas aparecem
na terceira pessoa do plural. A diferenciação de pessoa aparece no segundo termo da bem-aventurança.
8 Estamos apresentando em itálico as bem-aventuranças que não possuem paralelo em Lucas.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 19
porque a recompensa vossa é grande nos eis que a recompensa vossa é grande no céu,
céus,
pois assim perseguiram os profetas antes de pois assim faziam os seus pais aos profetas.
vós.
5. Bem-aventurados os mansos,11
porque eles herdarão a terra.
7. Bem-aventurados os
misericordiosos,
porque eles serão
misericordiados.
8. Bem-aventurados os puros de
coração,
9 Traduzimos sedes alegrados para enfatizar que é a mesma palavra de Mateus, mas no imperativo
passivo.
10 Nessa tradução estamos inserindo o “vós”, como aparece na tradução Almeida, para caracterizar
que as bem-aventuranças lucanas aparecem na segunda pessoa do plural, enquanto as mateanas aparecem
na terceira pessoa do plural. A diferenciação de pessoa aparece no segundo termo da bem-aventurança.
11 Estamos apresentando em itálico as bem-aventuranças que não possuem paralelo em Lucas.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 20
11. Bem-aventurados sois quando 22. Bem-aventurados 25. Ai de vós, quando falarem
vos injuriarem, sereis quando os homens bem de vós todos os homens,
vos aborrecerem,
e perseguirem, e falarem todo mal e quando vos separarem, e
contra vós [mentindo] por minha vos injuriarem, e rejeitarem
causa. o vosso nome como mau,
por causa do filho do
homem.
12. Alegrai-vos e regozijai-vos, 23. Sedes alegrados nesse
dia, exultai;
porque a recompensa vossa é eis que a recompensa
grande nos céus, vossa é grande no céu,
pois assim perseguiram os pois assim faziam os seus desse modo faziam aos falsos
profetas antes de vós. pais aos profetas. profetas os vossos pais.
perceber que Mateus apresenta um número maior delas (aos mansos, aos
por causa da justiça). Contudo, a versão de Lucas apresenta uma série de “ais”
há um “ai” correspondente.
Uma outra diferença, que vai aparecer em quase todo o conjunto das
pessoa do plural.
descrita, sendo que neste caso, essa expressão é uma característica redatorial
de Lucas.
o uso da expressão Reino dos Céus (Cf 5.3, 10, etc). Tanto que enquanto ela
Lucas e Marcos.13
12 Usaremos nessa parte a tradução do texto de Lucas que se encontra na comparação acima entre as
duas versões das bem-aventuranças.
13 Allison, Dale C.. The Sermon on the Mount. p. 410.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 22
versículos está na inclusão "em espírito". Ela provém da tradição que Mateus
Mateana, apresenta uma longa relação de estudiosos que defendem que essa
14 Jeremias, Joachin. O Sermão da Montanha, p. 34. Devemos destacar que neste texto Jeremias
permanece reticente nessa questão.
15 Luz, Ulrich. Matthew 1-7, p. 226-227.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 23
semelhanças. Elas têm relação apenas no sentido da frase, mas os termos são
que a única vez que aparece em Lucas está no “ai” aos que riem (6.25b), que
estão rindo, Lucas apresenta que eles irão lamentar (pentésete) e chorar
(klaúsete).19
poderia apontar que o termo usado por Mateus é mais antigo, sendo que
prevê uma ação “curativa” ao mal descrito no primeiro verso - diante da aflição,
ser consolado.
Lucas ela é a terceira petição, logo após a dos que têm fome, para Mateus ela
justiça.
Neste caso, podemos mais facilmente mostrar que o texto é fruto do trabalho
redacional de Mateus.
vezes em Mateus (5.5, 11.29, 21.5). Embora seja pequena sua ocorrência no
vezes) e em Mateus (43 vezes), contra Lucas (25 vezes) e Marcos (19 vezes).
Mateus.
mesmas.
chaves21, sendo que a palavra justiça (dikaiosynen) é uma delas. Além disso,
(6.47, 49);
Senhor (7.28);
Das sete vezes que ela aparece no Evangelho, cinco vezes ocorre no
de Lucas essa palavra ocorre uma única vez em um texto que não tem paralelo
Deste modo, podemos afirmar que essa inclusão faz parte do trabalho
bem-aventuranças.
transmissão do texto.
que nos demais sinóticos. Ele aparece oito vezes em Mateus (5.7; 9.27; 15.22;
17.15; 16.24; 18.33; 20.30ss), contra três vezes em Marcos (sendo que dois
textos têm paralelos em Mateus e Lucas) e quatro vezes em Lucas (sendo que
Deste modo, temos dois textos com influência marcana (Mateus 9.27;
20.30-31), um texto com provável influência da fonte "Q" (Mt 17.15 paralelo a
Lc 17.13) e quatro textos exclusivos de Mateus (5.7; 15.22; 16.24; 18.33). Isso
exclusivas dele, confirmando uma predileção de Mateus pelo uso deste termo.
(22 vezes), ela é muito comum em Mateus (16 vezes), sendo que em cinco
vida física e espiritual do ser humano. Ele é o centro da vida interior do ser
O termo "puros" ocorre poucas vezes nos sinóticos (quatro vezes), sendo
três vezes em Mateus e uma vez em Lucas (no texto paralelo a Mateus).
ele ocorre no Novo Testamento uma única vez, que é nesta passagem.
Vemos que o uso desse título para pessoas não é comum nos
mateano.
Mateus, neste capítulo 5, esta é a última. Por isso achamos importante abordá-
la separadamente das anteriores que, como esta, não têm paralelo em Lucas.
que é uma forte marca de Mateus, conforme vimos acima. O que não podemos
trabalho redacional.
conjunto das anteriores, que não têm paralelos em Lucas. Ela é caracterizada
por ser escrita na terceira pessoa do plural, com dois membros, seguindo a
repete aqui, formando uma moldura que engloba o conjunto das demais seis
bem-aventuranças.
básica da delimitação.
1. NOVE BEM-AVENTURANÇAS
Sermão do Monte.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 33
anteriores são vários. Em primeiro lugar eles aparecem num tempo verbal
sois quando ...”. Essas diferenças levam especialistas na fonte Q, como por
versículo 3:
versículos 11 e 12:
esquema. Após a introdução, que usa o mesmo termo das oito anteriores
parte final, que não é uma promessa, mas sim uma explicação do porquê de
ser bem-aventurado.
que essa nona bem-aventurança faz parte do conjunto das anteriores. São
2 Allison, Dale C.. The structure of the Sermon on the Mount, p. 429. Esta citação é uma nota de
rodapé à següinte frase: "The sermon is headed by nine beatitudes, 5:3-12". Concorda também com a
unidade formada pelas 9 bem-aventuranças Kodjak, Andreis, A structural analysis of the Sermon on the
Mount, p. 42 a 50.
As bem-aventuranças em 5.11-12, não deveriam ser, como algumas vezes são, excludas do número
total de bem-aventuranças e ligadas não a 5.3-10, mas a 5.13 (...) Portanto, 5.11-12, que é tematicamente
fiel ao relato de 5.10 (ambas tratam de perseguição), não deveria ser separado de 5.3-10.
3 Cf. Allison, Dale C., The Sermon on the Mount, p. 406.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 36
61, sendo que algumas apontam isso mais que as outras. Deste modo, a
a nona em 61.10-11.5
aventuranças formado por duas partes. A primeira seria formada pelo conjunto
explicaria devido estar presente no texto a figura do que fala "por minha
causa".6
4 Luz, Ulrich, Matthew 1-7, p. 38. Luz não apoia uma estrutura na forma apresentada, contudo, ele
levanta o assunto da importância dos números em seu livro.
5 Davies, W.D., & Allison Dale C., The Gospel According to Saint Matthew, p. 436 a 437.
6 Stenger, W., Los Métodos de la Exégesis Bíblica, p. 302 a307.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 37
diferente. Considera-se que ela não faz parte do conjunto das oito bem-
aventuranças.
7 Conforme encontramos no aparato crítico de Nestle-Alland, Novum Testamentum Graece, 27ª Ed, p.
9, os documentos que apoiam a inversão são: os ocidentais D, 33 (que é chamado de "Rainha dos
Cursivos"); as versões Antiga Latina e Vulgata (lat), Siríaca Curetoriana (syc), Coptica Bohairica (boms);
os pais da Igreja Origines (Or) e Eusébio de Cesaréia (Eu). Alem disso, cf. Nestle-Alland, p. 748,
Tischendorf e Bover defendem essa inversão. Metzger, Bruce M., A Textual Commentary on The Greek
New Testament, p. 12 afirma:
If verses 3 and 5 had originally stood together, with their rhetorical antithesis of
heaven and earth, it is unlikely that any scribe would have thrust ver. 4 between them. On
the other hand, as early as the second century copyist reversed the order of the two
beatitudes so as to produce such an antithesis and to bring ptochói and praêis into closer
connection.
“Se os versos 3 e 5 tinham originalmente ficados juntos, com suas antíteses retóricas
de céu e terra, é indiferente que qualquer escriba tenha colocado o versículo 4 entre elas.
Por outro lado, no começo do segundo século, copistas reverteram a ordem das duas bem-
aventuranças assim como o produto delas, uma antítese, colocando ptochói (pobres) e
praêis (mansos) em uma conexão mais próxima.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 38
terceira posição poderia indicar uma outra possibilidade, a de que esta bem-
The variation in order has led many scholars to hold that the
blessing on the `gentle' is an interpolation, and that the sequence
as it left the hand of Matthew included only seven beatitudes
(Wellhausen, T. W. Manson, Lagrange, Bultmann, J. Schmid,
Dodd, and many others). We would then have another example of
Matthew's predilection for the number seven - seven Woes in
chapter 23, seven petitions in the Lord's Prayer; three groups of
twice seven in the genealogy; seven parables in the collection of
chapter 13; the charge to forgive not seven times but seventy-
seven times (18:21). And it is observed that fluctuations of order in
the witnesses is itself evidence of some weakness in the attestation
(T. W. Manson, Sayings, p. 152). It is recognized by all that the
beatitude is based on Psalm 37:11 as rendered in LXX (Ps.
36:11).8
Mesmo com as possibilidades apontadas, quer de glosa, quer de inversão de ordem, ainda assim, frente
ao peso documental que apóia o texto na ordem fixada porNestle-Alland, iremos trabalhar com o texto
fixado por eles na 26ª e 27ª ed. de seu Novum Testamentum Graece.
8 Beare, Francis Wrigth, The Gospel Accordin to Matthew, p. 128.
A variação na ordem tem levado muitos estudiosos a sustentar que a bem-aventurança
aos mansos é uma interpolação, e que a seqüência deixada por Mateus incluiria somente
sete bem-aventuranças (Wellhausen, T. W. Manson, Lagrange, Bultmann, J. Schmid,
Dodd, e muitos outros). Nós teríamos, então, outro exemplo da predileção de Mateus pelo
número sete - sete “ais” no capítulo 23, sete petiçoes na oração do Pai-Nosso, três grupos
de duas vezes sete na genealogia, sete parábolas na coleção do capítulo 13; a obrigação de
perdoar não sete vezes, mas setenta vezes sete (18.21). E é observado que a flutuação na
ordem nos documentos (testemunhos) é, por si mesma, evidência de uma debilidade na
fixação do texto [na afirmação] (T. Manson). É reconhecido por todos que a bem-
aventurança é baseada no Salmo 37.11 a partir da LXX (Sl 36.11).
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 39
trabalhar.
3. OITO BEM-AVENTURANÇAS
and 5:6. This work has resulted in two groups of four Beatitudes
(5:3-6; 5:7-10). The first, beginning with the same allusion to Isa
61.1-3 (cf. 5:3), and the second, concluding with the same allusion
(cf. 5:10), form an inclusio. Furthermore, the first Beatitude of each
group concludes with a specific reference to dikaiosinen (5:6,10).12
p".14
sentido diferenciado:
atentando para os obstáculos enfrentados pela vida cristã, e o outro grupo para
perceber na amostra de autores que concordam com essa posição, ela tem
predileção por esta estrutura16, devemos verificar se ela não está presente
a humanidade carrega" (burden that humanity bears) e o segundo grupo de "o modo que o povo atua" (to
the way that people act); Luz, Ulrich. op. cit., p. 230.
16 Luz, Ulrich, Matthew..., p. 40.
17 Davies & Allison, op. cit., p. 429 a 431.
18 Bravo G., Carlos, Mateus: boas novas para os pobres perseguidos, p. 33
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 43
perícope19.
Neste capítulo estaremos propondo uma estrutura para o texto das bem-
apontava frente a essa situação. Isso porque nenhum texto tem existência
dialoga com eles. Dessa forma, estaremos buscando os sinais dessa realidade
quatro primeiras.2
como vimos acima, compreende que elas são o caminho daqueles que "têm
conduta. Essa divisão, para ele, é irrelevante, o importante é que o texto fala
3ídem, ibidem.
4 Bravo G., Carlos, Mateus: Boas-novas para os pobres-perseguidos, p. 33 (grifo meu).
5 Cf. Luz, Ulrich, Matthew 1 a 7, p. 40 a 49. Luz aponta essa caracteristica marcante do evangelho,
apontando como exemplo o Sermão do Monte como um todo e diversas outras passagens. Ele não faz isso
para as bem-aventuranças, mas aponta numa nota de rodapé que existe um quadro enorme de
possibilidades de quiasmos em Mateus. Contudo, ele destaca que é necessário ser cauteloso, buscando
determinar essa forma literária em textos que tenham uma unidade estrutural (textual) muito clara.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 47
Mateus 5.3-10
fecha com o Reino dos Céus como promessa. A partir desta moldura, com o
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 48
1.1. Bem-aventurados
designar pessoas que possuíam atributos que poderiam ser creditados aos
passa a designar não mais a felicidade nesta vida, mas a felicidade que
6 Reimer, Ivoni R. , 4º Domingo Após a Epifânia, p. 64 a 68. Nesse auxílio homilético Ivoni propõe
uma estrutura semelhante, sendo que a moldura inicial é a mesma (vs 3 e 10), depois dividindo-se em dois
blocos, no primeiro as "conseqüências reais da injustiça"(vs 3, 4 e 5) e no segundo as "concretizações da
prática da justiça" (vs 7, 8 e 9). Ao centro, o vs 6 com o "clamor pela justiça".
7 Garland, David E., Reading Matthew, p. 52 a 53.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 49
João Batista e não foi reconhecido pelo povo (17.12) e, dessa forma, o Reino
8 Não estamos usando a expressão “nesse período” no conceito de redação mas de circulação. Os dois
escritos citados por Garland, Jesus Sirach e Salmos de Salomão foram escritos entre o final do 2º século e
início do 1º século antes da era cristã. Contudo, estes textos circulavam na sociedade da época, sendo
encontradas partes deles nas escavações em Qunram.
9 Garland, David E., op. cit., p. 53.
Sirach olhou para um passado dourado e considerou bem-aventurados aqueles que
viram Elias (48.11). O autor dos Salmos de Salomão olhou adiante, para um futuro
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 50
mesmo tempo, esta passagem agrupa duas categorias que são importantes
em Mateus, e que ecoam em nosso texto: a) os justos (os que têm fome de
um grupo. Isso reforça o que iremos apontar mais adiante, que o discurso das
1.2.1. Em espírito
aventuranças?
12 Reimer, Ivoni R., op. cit., p. 64. Ivoni não concorda com essa afirmação. Ela vai apontar como
motivo para a essa expressão o contexto sócio-histórico da comunidade.
13 Troadec, H.. Comentario a los Evangelios Sinópticos, p. 68.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 52
traduzida por "encurvados", ou seja, os pobres que não têm forças para se
defender.14
espiritualiza a palavra pobre, muito pelo contrario, ele aponta o motivo que
levou a comunidade a ser pobre. Em outras palavras, pela opção da vida "em
vezes o termo, e Lucas 36 vezes, Mateus usa esse termo apenas 19 vezes.
Vejamos as ocorrências:
Espírito Santo
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 53
• Mt 4..1 - Jesus, levado pelo Espírito (// Mc 1.16, Lc 4.1. Lucas usa
E.Santo)
demônios)
Percebemos que o uso da palavra espírito não é chave para Mateus. Não
pelo tema. Daí, nas bem-aventuranças, o termo deve ter um significado ligado
ao contexto da perícope.
"pobre em espírito" aparece em uma clara ligação aos "perseguidos por causa
dois têm como prêmio o Reino dos Céus. Eles se equivalem e, em nossa
ligação seria possível também entre "em espírito" e "por causa da justiça"?
estas coisas vos serão acrescentadas" (Mt 6.33. Almeida - grifo meu).
Lucas (12.31) não possui esta expressão. A perícope, como um todo, coloca
que encabeça a unidade que contém o texto de 6.33: "Não andeis cuidadosos
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 55
quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber;
nem pelo vosso corpo, pelo que haveis de vestir" (6.25 - Almeida, grifo meu).
encontrou, para possuir o tesouro, necessita vender tudo o que tem para
valiosa que, uma vez encontrada por um negociante, para possuí-la, necessita
bens. O texto pode sugerir que para fazer parte do Reino é necessária uma
fariseu, rico, que não quer abandonar seus bens e ficar pobre para seguir a
conclusão é uma frase dura: onde está o tesouro, aí está o coração. Esta frase
dinheiro (mamon).
“justo”.
1.2.2. Justo
righteous and just (94.6, 96.7, 97.6). They bear false witness en
order to persecute the righteous (95.6, 99.1). They coerce the
righteous with their power (96.8) and pervert the law for their own
means (99.2).20
19 idem, p. 17.
20 idem, p. 10.
“Outro documento que data aproximadamente do mesmo período dos escritos de
Qunran, I Enoch, abrange uma visão similar daqueles que têm o poder. Eles são corruptos
e infiéis e rapidamente serão julgados. O autor descreve a todos como pecadores (96.22;
98.4; 100.7). Esses pecadores cometem idolatria (99.7;104.9); blasfêmia (94.9; 96.7) e o
maldizer (95.4). Eles oprimem os justos (íntegros) e os justos (94.6; 96.7; 97.6). eles
pagam falso testemunho e ordenam a persequição dos justos (95.6; 99.1). Eles coagem os
justos com seu poder (96.8) e pervertem a lei com a sua interpretação (99.2).”
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 59
Esses dois aspetos vão marcar a relação dessa nova liderança judaica
O conflito teológico
22 Schurer, Emil, História del Pueblo Judio en Tiempos de Jesus. p. 596. Tradução de Bravo G,
Carlos. Mateus: Boas-novas para os pobres-perseguidos, in Ribla - Revista de Interpretação Bíblica
Latino-Americâna, Nº 13, p. 32. Nessa tradução Carlos omite a frase final da benção, que é uma frase de
louvor: “Bendito eres, Señor, que humillas al insolente”.
23 Bravo G, Carlos, op. cit., p. 32.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 61
24 Camacho, Fernando, La Proclama del Reino, p. 107 a 108. Definindo os pobres em espírito como
humildes temos VV.AA. A mensagem das bem-aventuranças, p. 63 a 69.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 62
Nesta síntese que Camacho faz, podemos perceber que a adição "em
da "bênção aos hereges", que vimos acima, levam a algumas posturas contra
e a pobreza econômica.
(Mt 13.44-46), vindo a ser economicamente pobre. Por isso, aos pobres que
ficaram pobres pela opção cristã, sendo perseguidos por causa da justiça
religiosa e econômica.
2.1. Aflitos
comunidade. Enquanto Lucas usa o termo "os que choram" (oi klaiontes),
29 Reimer, Ivoni R., op. cit., p. 65. Davies W. D. & Allison, Dale C., Matthew, p. 447, discordam de
Ivoni Reimer na medida em que defendem que o termo usado por Mateus é oriundo da fonte Q, sendo que
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 65
Carlos Bravo irá definir os aflitos como aqueles que sofrem (essa é a
tradução que ele usa) "devido a perda da identidade como povo de Deus"30.
Com isso ele caminha pela trilha proposta por Ivoni Reimer, contudo, ele
da perda da identidade, Carlos Bravo irá somar a falta de poder para fazer
bem-aventurança dos aflitos aos que têm fome e sede de justiça. Desse modo,
para ele, os aflitos são aqueles que "movidos por intenso anseio da vinda do
foi Lucas que alterou o termo com finalidades redacionais. Nos concordamos com a posição de Davie e
Allison pelos motivos mencionados no capítulo anterior. Contudo, concordamos com a posição de Ivoni
Reimer que essa bem-aventurança reflete a situação da comunidade, entretanto, questionaremos a
interpretação de Ivcni sobre o motivo da alteração.
30 Bravo G., Carlos. op. cit., p. 35.
31 Galiléia, Segundo. Espiritualidade da Evangelização, p. 69,
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 66
do Deus que ouve o clamor do povo, com o povo que, em meio a uma situação
de opressão, clama a Deus pedindo por justiça. Essa relação encontramos, por
exemplo, no Salmo 34.19: "O Senhor está próximo dos que têm o coração
ela é uma palavra que aparece uma única vez no Novo Testamento.35 Por isso,
é muito difícil determinar qual o sentido que essa palavra teria no contexto da
abaixo:
podemos buscar no Novo Testamento textos que nos auxiliem nessa tarefa.
podem ser lidas junto com o texto de Mateus, aclarando assim o seu sentido.
paz pode ser entendida como uma busca do bem-estar entre os cristãos38.
Com isso, dentro da linha das outras bem-aventuranças, fazer a paz pode ser
e assim assume o que Rom 3.17 chama de “caminho da paz”, tornando-se o que Mt 5.9
chama como “fazedores da paz”; ou quem oferece hospitalidade com o oferecimento de
paz; ou quem combina esses elementos.
37 idem ibidem, p. 97.
A outra possibilidade de instância ética de “fazer a paz” no NT é a bem-aventurança
de Mt 5.9 : “Bem-aventurados os fazedores da paz, pois eles serão chamados filhos de
Deus” (...) “Fazedores da paz” pode ter pelo menos quatro interpretações possíveis: a)
alguém que resolve conflitos, do qual ele não é parte; b) quem traz a Pax Messiânica que,
de alguma forma, assemelha-se a Pax Romana; c) um apóstolo que transmite o evangelho
dizendo “paz!” em nome de Deus; ou d) alguém que tem seu modo de vida como um
reconciliar o outro consigo mesmo”.
38 idem ibidem, p. 69 a 72.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 69
Por outro lado, a expressão pode estar ligada a um contexto mais político
buscava uma alternativa para a "vida em paz" que era oferecida pelo império
Com isso, podemos afirmar que, do mesmo modo que discutimos acima o
A comunidade é desafiada a fazer a paz a partir dos aflitos, uma paz que
seja consolação e bem-estar. Os que praticam essa paz são filhos de Deus.
divina, muito pelo contrário, diviniza o imperador, essa paz aponta um modo de
3.1. Mansos
Evangelho de Mateus.
4.21, II Co 10.1, Gl 5.23; 6.1, Ef 4.2, Cl 3.12, II Tm 2.25, Tt 3.2, Tg 1.21; 3.13, I
Pd 3.15.
acima, quatro vezes. Em Mateus ela ocorre três vezes (5.5, 11.29, 21.5). A,
conjuntura:
de viabilização da vida como seita em meio à sociedade. Isso aponta que essa
palavra se une, como uma forma de viver na sociedade, às outras palavras que
40 Elliott, John H., Um Lar Para Quem Não Tem Casa, p. 86.
41 Elliott, John H., op. cit., p. 78 (grifos meus).
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 73
Como citamos acima, das quatro vezes que essa palavra é usada no
Novo Testamento, três delas aparece em Mateus. Dessas três vezes que ela
de Jesus.
vós o meu jugo, e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e
encontrareis descanso para vossas almas (11.29 - Almeida, grifo meu). O texto
Septuaginta: "Dizei à filha de Sião: Eis que teu rei aí te vem, manso e
carga". (21.5 - Almeida, grifo meu). Nesta citação existem diferenças com o
texto da Septuaginta: uma delas é que nas características do rei que vem, o
Diferente dos reis conhecidos, entre eles César de Roma, que eram fortes e
e jumentinho, que o texto faz questão de frisar que são animais de carga, do
trabalho humilde.
Salmo 37?
'anawin, que pode ser traduzida por "oprimido, humilhado, miserável, aflito,
42 Na Septuaginta (LXX), tradução do Antigo Testamento para o Grego, o salmo aparece com o
número 36.
43 Rahlfs, Alfred., Septuaginta, p. 36 a 37, (grifo meu).
44 Nestle, Erhard & Alland, Kurt. Novun Testamentun Graece, p. 9 (grifo meu).
45 Kirst, Nelson et alli, Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-Português, p. 183.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 75
fraco"46. Esse verbo aparece por volta de oitenta vezes nos Salmos47 e tem o
encurvado, daquele que não consegue fazer valer os seus direitos. O oprimido.
situação do injustiçado, que quer ver sua justiça triunfar (vs 6). O ímpio trama
contra o justo e "range os dentes" (vs 12), usa da violência (vs 14); mente (vs
21); atenta contra a vida do justo (vs 32). Nessa situação, o justo é chamado a
46 idem
47 Tamez, Elza. A Bíblia dos Oprimidos, p. 26.
48 Tamez, Elza. op. cit., p. 28 a 29.
49 Tamez, Elza, op. cit., p. 29.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 76
50 Soares, Sebastião A. G.; Os pobres possuirão a terra - Conselhos do Salmo 37, p. 32 a 34.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 77
desperta esperança e convoca a uma prática. Nesse sentido é que o termo vai
realidade, relendo, dessa forma, essa tradição e dando um novo sentido a ela
Seu lugar santo. Isso poderia ser interpretado como estar na presença de
Deus:
53 Nestle, Erhard & Alland, Kurt. Novun Testamentun Graece, p. 9 (grifo meu).
54 Rahlfs, Alfred. Septuaginta, p. 22, (grifo meu). Na LXX esse Salmo é o de número 23.
55 Davies, W.D., Allison, Dale C., op. cit., p. 455 a 456.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 79
aventurança ao Salmo 24, como o faz a maioria dos autores57. Mas a questão
que deve ser enfocada é o que significa, para Mateus, puro de coração.
de poder com o farisaismo era uma questão muito séria. A sociedade era
impuro.
pureza. Isso em Mateus é muito comum, sendo que em alguns textos que
Mateus tem como fonte o Evangelho de Marcos, ele tende a acentuar essa
56 VV. AA., A mensagem das bem-aventuranças, p. 75 (sublinhado meu). O autor acrescenta a essa
citação uma nota de rodapé que achamos importante reproduzir aqui:
No tempo de Jesus, a Bíblia era lida nas sinagogas em hebraico, embora essa língua há
muito tempo não fosse mais falada. A leitura era seguida de uma tradução em aramaico, a
lingua falada, tradução essa bastante livre, parafraseada: é o que denominamos targum. Os
textos targúmicos são muito interessantes para nós, porque nos mostram como eram
entendidos certos textos no tempo de Cristo.
57 Não vamos colocar a lista de autores que apoiam essa dependência porque é muito extensa, contudo
podemos citar alguns a título de amostragem: Davies e Allinson; Carlos Bravo G.; Segundo Galiléia e
outros.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 80
grifos meus):
MARCOS 7 MATEUS 15
está naquilo que "sai do homem" (vs 20), para Mateus está em que aquilo que
"sai pela boca, procede do coração". Mateus reforça aqui o que encontramos
atitudes que contaminam o ser humano, tanto que Marcos afirma que o
estabelecendo um embate.
preceitos.
Contudo, queremos acrescentar a isso o conflito teológico que está por detrás
desse conceito.
60 Schürer, Emil, Historia del pueblo judio en tiempos de Jesus - Instituiciones Políticas y Religiosas,
pg 601 a 602.
61 Bravo G., Carlos. op. cit., p. 35.
62 Galiléia, Segundo. A Igreja das Bem-aventuranças, p. 87 a 88. Embora o autor não faça a leitura a
partir da confrontação da justiça da comunidade de Mateus com a justiça do fariseus, ele aponta essa
ruptura entre legalismo e práxis.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 84
Torá. Os que seguem esta prática, como vimos acima, em especial no primeiro
pouco usual, e que preferimos conceituar, como vimos acima, como uma
releitura do Salmo 24. É na prática da justiça que emana dos corações puros
judaísmo formativo.
4.1. Os misericordiosos
63 Davies, W. D. & Allison, Dale C.. op. cit., p. 454. O termo hannûn, de hanan, é traduzido em
português por misericórdia.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 85
misericórdia.
viúva"66.
que isso aponta? Para um desejo e uma espera da ação divina? Ou para uma
forma de ser do justo? Isso seria uma carência ou um modo de ser nesse
mateana. Fome e sede podem ser interpretadas como "desejo de" ou até a
"aspiração por". Com isso o que tem fome e sede de justiça, ou o que "aspira
69 Veja por exemplo Mt 1.18-25, onde José é chamado de justo porque, não querendo cumprir a lei,
que condenava Maria e a criança à morte, resolve abandoná-la. Com isso ele recebia o peso da lei e
preservava a vida da mulher e da criança. O justo aqui é o que preserva a vida da mulher e da criança.
Do mesmo modo, em Mt 23.29-39 os escribas e fariseus são acusados de enfeitar os túmulos dos
profetas e dos justos, lamentando o que os pais fizeram. Embora a ênfase da perícope é o sangue dos
profetas, ela recebe um corte literário passando para o "sangue justo" (vs 35) que cairá sobre a cabeça dos
escribas e fariseus e tem em toda sua parte final (vs 34-39) um discurso sobre a perseguição que esses
representantes da religiosidade oficial vão promover sobre os seguidores de Jesus.
Na parábola do julgamento (Mt 25.31-46), o justo é aquele que faz a vontade do pai e recebe por
herança o Reino. Aqui são retomadas as promessas das bem-aventuranças. Contudo, o justo é aquele que
alimentou aos famintos, saciou a sede dos sedentos, hospedou os estrangeiros, vestiu o nu, visitou os
doentes e acompanhou os presos. Ser justo é ter uma prática de solidariedade aos pequeninos.
Por outro lado, quando os fariseus criticam a Jesus, por Ele sentar com pecadores à mesa (Mt 9.9-14),
e aqui está presente o conceito farisaico de justo, a resposta é que Jesus não veio salvar o justo (no
conceito farisaico) mas sim o pecador (também no conceito farisaico). Tanto que ao final do texto
encontramos a frase: "Misericórdia quero, e não sacrifício". Aqui aparece uma citação do Antigo
Testamento (Os 6.6), Mateus retoma o sacrifício não como a prática sacrificial ligada ao Templo, que não
existia mais, mas a prática do guardar os preceitos da Lei. Assim, a aspiração é pela misericórdia, prática
dos justos segundo Mateus, e não sacrifícios (guardar os preceito da Lei), prática dos justos segundo os
fariseus.
As bem-aventuranças condensam todos esses desafios que o Evangelho apresenta.
70 Ver Luz, Ulrich. op. cit., p. 238.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 88
perfeito o vosso Pai que está nos céus" (Mt 5.48, ed. Almeida).
Passivo.
passivo, ou seja, correspondem a uma ação externa àqueles que são objeto
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 90
daquilo que eles praticam hoje. Esse texto reflete a mesma atitude da parábola
pequeninos (da comunidade e fora dela). O Reino dos Céus era a promessa
àqueles que possuíam essa práxis. Por isso a primeira e a última bem-
73 Conforme apresentamos no primeiro capítulo, o uso de misericordiados, que não é uma palavra
corrente na lingua portuguesa, embora não esteja gramaticalmente incorreta, tem por finalidade enfatizar
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 91
realidade material e espiritual, separadas por uma estrutura que divide as bem-
ficará comprometida.
levantem e marchem.
propõe uma estruturação literária a um texto, junto com ela já se embute nele
uma pré-interpretação.
As Bem-aventuranças em Mateus - Uma Proposta de Estrutura Literária - Página 93
julgamento). Ao fazer isso, elas aparecem como um desafio para uma prática
Com isso, aos cristãos que sofrem, mas que têm determinada postura
problema dessa postura é que não há um desafio a uma prática radical de uma
sendo a-histórica.
história.
conseqüência da fé radical.
ser justo não é ser alguém que pratica os preceitos da Lei, mas sim aquele que
grupos que não tinham a prática da Lei como o centro da vida. Entre esses
prática da justiça. Contudo a justiça para eles estava ligada a uma prática da
Lei, uma justiça legalista. Por isso o evangelho vai desafiar a comunidade:
"Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e
grande valor. Uma vez que se encontra o Reino de Deus, a pessoa tem de
são sinônimos. Por isso, a promessa é a mesma. Não temos aqui uma
(perseguido por causa da justiça). O que temos é uma opção radical de fé que
busca, em meio a uma situação de opressão, o Deus que ouve e faz justiça. A
coração”
figura do que é passivo frente aos poderes, do que não reage aos chamados
outra direção.
variadas ciladas. É aquele que perdeu direitos, perdeu sua herança, que não
seja, é uma postura que nasce daquilo que sente, acredita e decide cada
membro que a compõe. Não é uma prática exterior de preceitos, leis, como
mal, nela não há lugar para uma das características do mal, que é o "falso
perseguição.
Sua presença.
os “misericordiosos”.
Aqui está o cerne do desafio a uma práxis radical de fé. Fazer parte da
comunidade é ter fome e sede de justiça. Uma justiça que é caracterizada por
uma práxis que contraria o discurso oficial. Não se é justo por cumprir a Lei. A
aos necessitados. Ela pressupõe uma práxis solidária. Com isso, ela reafirma o
desse código é a prática da justiça solidária que tem como alvo prioritário a
econômica, a perseguição por parte daqueles que não vivem de acordo com
esse código.
opressor e que subsiste na forma de legitimação desse poder que tem como
Cristo se torna uma possibilidade para a vida. Palavras que devolvem a corpos
revolucionário delas.
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Vozes, 1993. 90 p.