Sunteți pe pagina 1din 58

Economia e Ética

Autores: Prof. Maurício Felippe Manzalli


Profa. Regina Meira Aguiar
Professores conteudistas: Maurício Felippe Manzalli/Regina Meira Aguiar

Maurício Felippe Manzalli

Economista pela Universidade Paulista – UNIP (1995) e mestre em Economia Política pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2000). Atualmente é professor da UNIP nos cursos de Ciências Econômicas e Administração e
também coordenador do curso de Ciências Econômicas na mesma universidade.

Regina Meira Aguiar

Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1981) e mestrado em Ciências da Religião
pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000). Tem larga experiência na área de Educação em Humanidades,
atuando principalmente nos seguintes temas: sociedade da informação, ética profissional, globalização da economia,
pós-modernidade, desencantamento de mundo, entusiasmo, reencantamento do mundo, inclusão social e tolerância.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M296e Manzalli, Maurício Felippe.

Economia e ética. / Maurício Felippe Manzalli, Regina Meira


Aguiar. – São Paulo: Editora Sol, 2015.

56 p., il.

Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e


Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XX, n. 2-055/14, ISSN 1517-9230.

1.Informática e tecnologia educacional 2.Informática I.Título

681.3

© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor

Prof. Fábio Romeu de Carvalho


Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças

Profa. Melânia Dalla Torre


Vice-Reitora de Unidades Universitárias

Prof. Dr. Yugo Okida


Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa

Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez


Vice-Reitora de Graduação

Unip Interativa – EaD

Profa. Elisabete Brihy


Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli

Material Didático – EaD

Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)

Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos

Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto

Revisão:
Carla Moro
Lucas Ricardi
Sumário
Economia e Ética

APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................8

Unidade I
1 ÉTICA GERAL....................................................................................................................................................... 13
1.1 O conceito de ética............................................................................................................................... 13
1.2 O conceito de ética e sua relação com a moral........................................................................ 14
1.3 O conceito de valor.............................................................................................................................. 16
1.4 A história da ética − gênese da ética: a noção de justiça e bem comum..................... 17
2 FORMAÇÃO DA ÉTICA: LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE............................................ 19
2.1 A evolução da ética.............................................................................................................................. 20
3 AS TEORIAS SOBRE A ÉTICA......................................................................................................................... 24
4 A CLASSIFICAÇÃO DA ÉTICA........................................................................................................................ 25
4.1 Ética empírica......................................................................................................................................... 25
4.1.1 Ética anarquista (subjetiva)................................................................................................................. 26
4.1.2 Ética utilitarista........................................................................................................................................ 26
4.1.3 Ética ceticista............................................................................................................................................ 26
4.2 Ética dos bens......................................................................................................................................... 26
4.3 Ética formal............................................................................................................................................. 27
4.4 Ética valorativa....................................................................................................................................... 27

Unidade II
5 ÉTICA NO MUNDO ECONÔMICO................................................................................................................ 31
6 A ÉTICA EMPRESARIAL................................................................................................................................... 34
7 ÉTICA PROFISSIONAL...................................................................................................................................... 39
7.1 As origens da ética profissional....................................................................................................... 41
7.2 A competência como valor fundamental da ética profissional......................................... 42
8 CONSTRUIR UMA VIDA ÉTICA PROFISSIONAL FACTÍVEL.................................................................. 46
8.1 Os desafios e propostas para a prática da ética profissional.............................................. 47
APRESENTAÇÃO

Este livro-texto destina-se aos alunos que estão aprimorando seus estudos sobre a ética. Procurando
distanciar-se dos jargões bastante específicos da área, mas não incorrendo na questão da simplicidade,
apresentamos os principais conceitos, abordagens e desdobramentos do estudo da área para que se
possa entender a importância da ética, não somente no âmbito da academia e da vida discente, mas
também diante de todos os ambientes em que a vida nos permite transitar, incluindo o profissional.
Trata-se também de material de apoio à disciplina Economia e Ética.

Como o objetivo é introduzir o conhecimento com as questões da ética, nossa preocupação não é
a de aprofundar demasiadamente cada assunto relacionado, mas apresentá-los de forma mais geral,
ficando ao leitor a incumbência do aprofundamento e uso quando necessário.

Note que o livro-texto está dividido em duas unidades. Em cada uma delas você encontrará:

• textos explicativos que elucidam a matéria;

• resumos do conteúdo estudado;

• indicações de leitura obrigatória a partir do acesso à biblioteca virtual;

• tópicos para refletir, em que convidamos você a pensar sobre assuntos da atualidade;

• a seção Saiba Mais, em que indicamos livros e demais leituras que, de alguma forma, complementam
os temas investigados. Não deixe de explorar essas sugestões; garantimos que você irá ampliar
seu conhecimento sobre os temas apresentados e que isso será extremamente útil, não apenas na
questão específica da disciplina, mas na sua vida profissional;

• Lembretes, anotações pontuais que remetem a alguma informação já conhecida, e Observações,


apontamentos que chamam sua atenção para algum ponto destacado sobre o assunto em
desenvolvimento são recursos que reforçam algumas questões que quisemos salientar.

Na Unidade I abordaremos questões iniciais da ética a partir da filosofia: conceito de ética e sua
relação com a moral e conceito de valor. Apresentaremos a história da ética e sua gênese, continuando
com a discussão da formação da ética num sentido de liberdade, igualdade e fraternidade.

Em seguida, na Unidade II, mapearemos a ética no mundo empresarial e abordaremos a ética


profissional e suas origens no âmbito geral.

Qual nosso propósito e objetivo?

O propósito da disciplina Economia e Ética é o de apresentar ao aluno a formação da ética na


Ciência Econômica, permitindo assim que ele entenda as influências sociais na construção das
diversas linhas de pensamento econômico e as relações existentes entre o comportamento humano
7
no plano moral e as Economias de Mercado, em especial, no exercício desta ciência em seu campo
profissional no Brasil.

De outra forma, nosso objetivo é fazer com que você consiga, a partir da leitura de nosso texto,
desenvolver habilidades para entender o que vem a ser ética e moral bem como identificá-las. Para
tanto, é necessária a aquisição do conhecimento das diferentes vertentes da ética, desde o início, com
a curiosidade por um assunto qualquer, passando pelo processo de desenvolvimento filosófico da área.

Este livro-texto não esgota o assunto, obviamente. É de extrema importância que você proceda à
leitura obrigatória que está indicada ao longo do livro. Esperamos, sinceramente, que a leitura seja de
grande utilidade nos diversos ambientes, além do acadêmico e o profissional.

Boa leitura!

INTRODUÇÃO

No início do século XX, a utopia ocidental era de que nos últimos anos do segundo milênio a
humanidade já teria avançado o suficiente para dar um salto no processo civilizatório rumo à igualdade
entre povos, culturas e sexos. No início do século XXI, temos, por um lado, um mundo de evolução
técnico-científica sem precedentes na imaginação humana e, por outro, guerras e violências desprovidas
de sentido. Jamais se poderia pensar que o mundo estaria tão integrado por meio de técnicas de mídia
e de transporte e tão desintegrado naquilo que se refere à alma humana.

Observação

O ser humano necessita de realidades transcendentes ao indivíduo. Isso


comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser satisfeitos
apenas com a autossuficiência.

Era impensável um conhecimento científico tão avançado a ponto de manipular os segredos mais
íntimos da vida, mas ao mesmo tempo incapaz de evitar a morte de milhares por doenças que, desde há
muito, se descobriu como curar; conhecimentos médicos capazes de tornar a vida humana mais longa,
mas que surgiram com doenças promotoras da infelicidade do vazio existencial.

Ninguém acreditaria que a humanidade pudesse em tão pouco tempo dispor de tecnologia
automatizada e robotizada que aplicada no agronegócio retirasse das relações humanas o fator de
miséria que é a escassez de alimentos, sem conseguir resolver o problema da fome. Ao contrário, a
aplicação da biotecnia na produção agropecuária promoveu um aumento da parcela de famintos na
população mundial, além de gerar um sério desequilíbrio ecológico e um desemprego crônico.

No alvorecer do século XX, a humanidade não poderia prever uma ciência biomédica que fosse capaz
de tocar, engendrar e alterar os mais herméticos segredos da vida vegetal, animal e humana. E que, ao
mesmo tempo, não fosse capaz de evitar tanto o aumento da desnutrição e morte pela fome quanto
8
o uso de drogas, a contaminação dos alimentos e as doenças psicossomáticas. Os paradoxos estão por
toda a parte: enquanto uns morrem de fome, outros morrem de gordura. Enquanto se é capaz de contar
os genes de animais inferiores, não se descobre a cura para as epidemias e as pandemias. Enquanto
construímos máquinas inteligentes, não somos capazes de ensinar a ler e escrever populações inteiras.

Hoje, nas sociedades modernas, cada vez mais se verifica uma cisão entre indivíduo e comunidade
social, de tal modo que as desgraças e as calamidades que atingem determinadas camadas sociais ou
grupos de indivíduos ficam restritas a esses segmentos. Enquanto isso, os demais procuram ignorar
não só as desgraças, mas até mesmo os próprios indivíduos que foram atingidos. Nesta direção, vai se
delineando uma determinada tendência cultural que propõe resolver várias situações de dificuldade na
qual se encontra a sociedade moderna, inclusive as situações de luta e de conflitos entre raças e culturas
diferentes por meio de um projeto de convivência que visa garantir segurança e bem-estar às pessoas
na dimensão terrena.

Leitura obrigatória

Os grandes problemas da humanidade de hoje só podem ser resolvidos


por meio da reconstrução de valores que possam orientar normas e padrões
gerais de conduta. Neste sentido, para que você possa aprofundar o que
aqui se apresenta, está convidado a consultar o livro a seguir:

PELIZZOLI, M. L. Homo ecologicus: ética, educação ambiental e


práticas vitais. Caxias do Sul: Educs, 2011. Disponível em: <http://unip.bv3.
digitalpages.com.br/users/publications/9788570616128>. Acesso em: 11
nov. 2014.

Leia a parte II – “Tempos de ação”, notadamente os capítulos 4 e 6.

Entende-se que os grandes problemas da humanidade atualmente, mesmo sem rejeitar a grande
contribuição que a ciência e a tecnologia podem dar para superar as condições de miséria e deficiências
dos diferentes gêneros, só podem ser resolvidos com a reconstrução de valores que possam orientar
normas e padrões gerais de conduta. O ser humano necessita de realidades transcendentes ao
indivíduo. Isso comporta exigências, imperativos e valores que não podem ser satisfeitos apenas com a
autossuficiência, não sendo possível para as comunidades humanas e grupos sociais transcenderem por
si mesmos aos interesses meramente econômicos. Portanto, mais do que nunca, é imperativo retomar os
valores que direcionam nossa vontade de agir no sentido de buscar além da satisfação das necessidades
materiais, a reconstituição das regras de conduta e de normas de convivência que possam reduzir os
antagonismos e os individualismos desenfreados. É a exigência ética de nosso tempo, é nosso dever.  

Hoje, a exigência ética fundamental consiste em recuperar a possibilidade de reconstruir


relacionamentos de comunhão entre pessoas e comunidades. A pretensão de resolver o problema da paz
e da felicidade das pessoas querendo reduzir a sociedade ao indivíduo é um erro grave porque a felicidade
humana não é alcançável fora da comunhão com os outros. Tal ideia significa reduzir irremediavelmente
9
o homem às dimensões terrestres, fechando-o em relação a sua dimensão transcendente que não pode
ser satisfeita no plano material. Essa dimensão só pode ser satisfeita por meio dos valores que permitam
construir a civilização.

Por efeitos não desejados, como diria Max Weber (1996), a construção da modernidade terminou
por construir uma mentalidade individualista. O que vemos hoje é o resultado de um longo processo da
tentativa humana de fazer uma ciência extremamente racional, voltada a fins racionais e desprovida de
valores morais, isto é, valores metafísicos, desde as mais antigas manifestações, idealistas ou religiosas,
da disciplina de bem viver até o estudo racional das formas de conduta, preocupando-se sempre em
estabelecer razões de consenso entre os seres humanos, de modo que a virtude pudesse prevalecer sobre
o vício. Tais virtudes estruturam o campo político, o social e o econômico no Ocidente.

O modelo consumista-individualista da convivência favorece a difusão dos males morais sociais do


nosso tempo (a busca das vantagens pessoais em prejuízo dos outros, a redução das relações sociais
a relações de força, a violência, a criminalidade, a corrupção, a ausência de regras éticas nas relações
econômicas, a transgressão juvenil, entre tantos outros males). A vivência ética, solidificada em valores
estruturadores da civilização ocidental, em todas as esferas da vida humana (familiar, cultural, social,
econômico, político) é o mais potente antídoto contra os males atuais. Isso porque só é possível ser
humano ao se reconhecer no outro humano.

Lembrete

Apenas no contato com o outro é possível crescer responsavelmente em


relação a si mesmo e à comunidade. Desenvolvemos, assim, a solidariedade,
que é a própria essência da humanidade.

Coube aos Estados Nacionais o papel civilizador de desenvolver os laços de solidariedade nacionais.
Compete ao Estado o papel de inserir as novas gerações no padrão de conduta ética, ou seja, ensinar
às pessoas as linguagens e as crenças simbólicas, valores morais caros ao capitalismo. Isso se deu, na
Europa, por meio das escolas públicas, na passagem para a Modernidade, e no terceiro mundo à medida
que chegavam as indústrias.

Hoje, esses Estados tornados mínimos pela ideologia neoliberal não têm dado conta de
instrumentalizar seus cidadãos nas capacidades necessárias à mundialização. Não estão sendo capazes
de inserir as novas gerações nos valores morais de conduta exigida pela racionalidade capitalista. E,
menos ainda, são capazes de impedir que as mídias, ansiosas pelo lucro fácil, desenvolvam em jovens e
adultos “contra-valores”, como narcisismo, hedonismo e niilismo, dentre outras mazelas que os dirigem
para o desejo do lucro fácil e o prazer a qualquer custo. Isso porque vivemos em uma sociedade em
rede, onde tudo é feito a despeito das fronteiras nacionais por meio das redes de informática e de
informações que vão da mídia ao tráfico de drogas e à corrupção. No Estado democrático há uma
íntima relação entre Governo – que envolve o executivo nos três níveis – e o judiciário – parlamento e
tributação. Todo pacto democrático está estruturado, economicamente, no consentimento dos cidadãos
em entregar uma parcela de seu patrimônio e de seus rendimentos ao Estado, sob a forma de tributos.
10
Esse consentimento parte do pressuposto de que essa parcela será gerida em prol do bem comum, da
manutenção da coisa pública, e não do abastecimento de interesses particulares. Assim, o pagamento
de impostos é um imperativo ético. A finalidade nuclear do Estado democrático é gerir por todos e para
todos, para garantir a igualdade de direitos e deveres para todas as pessoas físicas ou jurídicas. É por
isso que a corrupção pública e a sonegação fiscal, além de lesar a capacidade do Estado de promover
a Igualdade, ainda tira a confiança dos mais ricos em aplicar recursos no país. O capital não pode se
estabelecer e se desenvolver fora de padrões éticos.

As empresas capitalistas não podem sobreviver numa sociedade onde os valores éticos ocidentais
não estão estruturados nas consciências individuais. Nessas sociedades, cada trabalhador na sua
individualidade, e por sua consciência, deve agir em seu trabalho individual e solitário no sentido de
evitar a fuga dos lucros da empresa. Assim, as empresas, ao se estabelecerem numa sociedade, clamam
(a imprensa e o seu canal de comunicação) por valores éticos e pela educação para esses valores.

A conduta ética sempre foi um fator fundamental para o desenvolvimento das empresas capitalistas.
Com a globalização da economia, essa necessidade é maior, pois o mercado global, que dirige a economia
e as relações empresariais, exige confiança, e confiança só é possível entre grupos que possuam os
mesmos valores éticos.

O debate sobre a importância de conduta ética é reacendido cada vez que ocorrem novas denúncias
de fraudes e corrupções. Por exemplo, os recentes escândalos envolvendo as grandes organizações,
bem como a rés publica. Tais escândalos interferem diretamente na confiança dos investidores e dos
consumidores em todo o mercado e concorrem para a sociedade ensejar uma maior fiscalização em
todas as empresas por parte do poder público.

Por toda essa situação de ausência de valores comuns é que as empresas propõem um retorno à
ética. Um estudo sistemático dos valores comuns e caros ao ocidente por parte de todos os profissionais,
de tal maneira que o seu agir seja sempre uma ação que promova o bem comum.

Observação

As empresas exigem um retorno à ética pautada em valores que


estruturam a confiança, sem a qual o capital e a sociedade em geral não
podem existir.

Um dos objetivos de se estudar ética hoje é encontrar mecanismos que nos permitam mergulhar
dentro de nós mesmos, compreender que atitudes moralmente corretas podem promover o bem comum
e que a nossa felicidade só é possível à medida que a sociedade for justa, garantindo os direitos, uma vez
que todos cumpriram com os seus deveres.

11
ECONOMIA E ÉTICA

Unidade I
1 ÉTICA GERAL

1.1 O conceito de ética

Etimologicamente, a palavra “ética” vem do grego ethos e significa “morada coletiva e vida coletiva”.
Daí o conceito ser usado para ações que promovam o bem comum ou a justiça no meio social. Devido ao
fato de que os gregos a utilizavam no sentido de hábitos e costumes que privilegiassem a boa vida e o
bem viver entre os cidadãos, com o tempo tal palavra passou a significar modo de ser ou caráter. Enfim,
um modelo de vida que deveria ser adquirido ou conquistado pelo homem por meio da disciplina rígida
que lhe formaria o caráter e que seria transmitida aos jovens pelos adultos.

Na Grécia, o homem aparece no centro da política, da ciência, da arte e da moral, uma vez que
para sua cultura até os deuses eram humanos com seus defeitos e qualidades. O primeiro filósofo que
escreveu sobre ética foi Aristóteles. Com esse título, Aristóteles escreveu duas obras: Ética a Nicômaco
(que era filho dele) e Ética a Eudemo (aluno do filósofo).

Os filósofos gregos sempre subordinaram a ética às ideias de felicidade da vida presente e de


soberano bem. Nos textos antigos, ética quase sempre parece estar relacionada com desejo inato ao
homem de busca da realização do supremo bem. A filosofia grega preocupa-se com essa reflexão desde
os primórdios. Isso porque ética, ou a sede de justiça, é uma das três dimensões da filosofia. As outras
duas seriam a teoria e a sabedoria. Em Roma, ética passa a ser denominada mores, que significa “moral”.
No direito romano, a palavra refere-se a normas de conduta ou princípios que regem a sociedade ou um
determinado grupo em uma determinada época.

A ética é histórica. Isso se deve ao fato de estar solidificada em noções de valor, que mudam à medida
que se descobrem novas verdades. O agir ético não será apenas uma simples ação-reprodução de ações
das gerações anteriores, mas uma atividade reflexiva que oriente a ação a seguir num determinado
momento de nossa vida pessoal. Quando surgem questionamentos sobre a validade de determinados
valores ou costumes, e a realidade exige novos valores que possam orientar a ética, surge a necessidade
de uma teoria que justifique esse novo agir, uma vez que é impossível a ação ética sem que o agente
compreenda a racionalidade dessa ação. Aqui aparecem os filósofos que produzem uma reflexão teórica
que oriente a prática, ou a crítica do viver ético.

Assim, não é possível o agir ético sem uma reflexão entre o que eu devo fazer e o que eu gostaria
de fazer em um determinado momento. A ação ética sempre deve buscar o bem comum e consiste
na recusa de todas as ações que propiciem o Mal. O agir ético vai além de um conjunto de preceitos
relacionados à cultura, crenças, ideologias e tradições de uma sociedade, comunidade ou grupo de
pessoas. Muitas vezes nossa ação vai ao sentido oposto a essas crenças, pois sendo a noção de dever
13
Unidade I

seu principal valor estrutural, em algumas ocasiões, o nosso dever é justamente se indignar com tais
crenças. Uma vez guiada pela razão e não pelas crenças, a ética, via de regra, está fundamentada nas
ideias de bem e virtude que nossa civilização considera como valores que devem ser perseguidos por
todo ser humano para a promoção da vida, da maneira e onde quer que ela se manifeste.

1.2 O conceito de ética e sua relação com a moral

Frequentemente se confunde ética com moral e isso tem uma razão de ser. É que a palavra “moral”
vem do latim mos (singular) e mores (plural), que significa “costumes”. Já a palavra “ética” vem do
grego e possui o mesmo significado, ou seja, “costumes”. Por isso, muitos utilizam a expressão “bons
costumes” como sinônimo de moral ou moralidade. Ética e moral são sinônimos perfeitos, só modificados
semanticamente devido às diferentes línguas de origem das duas palavras. Até o século XVIII, já que a
língua oficial do saber acadêmico era o latim, a palavra usada foi “moral”.

Alguns filósofos modernos passaram a usar as duas palavras com sentido diferentes. Kant, por
exemplo, definiu como moral o conjunto de princípios gerais (valores civilizatórios) e ética como sua
aplicação concreta. Portanto, ética é sempre um agir ético. Outros filósofos concordaram em designar
por moral a teoria dos deveres para com os outros, e por ética a doutrina de salvação e sabedoria
desvinculada de crenças religiosas. Assim, hoje temos duas palavras usadas por muitos autores com o
mesmo significado: ética e moral.

Devido ao fato de o pensamento kantiano ter uma importância medular para quem se interessa
pela reflexão sobre ética no mundo capitalista, preferimos compreender que ética diferencia-se
da moral. Moral está mais relacionada a crenças estruturadas em valores, acumuladas desde a mais
tenra infância e transmitidas pelos grupos sociais de interações afetivas, tais como a família e a Igreja.
Moral está diretamente relacionada à consciência que é o locus privilegiado dos valores, enquanto a
ética é a exteriorização da conduta humana em sociedade. Além disso, desde o início os pensadores
liberais preferiram a palavra “ética” para expressar normas de conduta de grupos organizados, como as
categorias profissionais e seus Códigos de Ética.

Compreendemos que moral está muito ligada à cultura e à religião. Assim, em uma cidade como
São Paulo, que possui muitas culturas convivendo, podem, também, coexistir diversos tipos de moral.
Esses diversos grupos de moral específicos sempre se reportam aos valores éticos fundamentais que,
na verdade, são os traços comuns da civilização. Portanto, ética é um conjunto de valores morais que
permite a permanência da civilização. Sem esses valores a civilização como conhecemos desapareceria.
Seus fundamentos foram construídos durante todo o processo civilizador e são iguais para todos os
cidadãos do mundo ocidental, independentemente de cultura ou religião. Ela carrega fundamentos
que tiveram origem no pensamento cristão na medida em que esses fundamentos contribuíram para
a formação do pensamento ocidental. Contudo, não é a transposição pura e simples dos valores da
religião para o campo civilizatório.

Hoje a imprensa costuma usar a palavra ética com muita frequência, às vezes até de forma abusiva.
Essa insistência se deve ao fato de o capitalismo ter se mundializado, pois sem os valores éticos é
impossível a reprodução da sociedade capitalista. Isso porque o capitalismo é irmão gêmeo da democracia,
14
ECONOMIA E ÉTICA

uma vez que ambos nascem juntos do pensamento liberal e um não vive sem o outro. Como os pilares
basilares da democracia são a liberdade pessoal, a busca da felicidade e o individualismo, não há espaço
para a vigilância constante das ações individuais numa sociedade de direitos plenos. Tal sociedade é a
única possível para o bem estar do capital.

Para a mentalidade moderna, ética não pode ser entendida como algo que resulta de um poder
punitivo explícito, como é o caso da moral. A punição que a transgressão do agir ético traz é de
consciência individual, portanto, absolutamente individual, e essa consciência é formada no processo
educativo. Se nossa consciência não considerar a apropriação da propriedade alheia, por exemplo, como
um mal, e sim como uma esperteza, isto é, um bem, não haverá como impedir que façamos uso indevido
do que não é nosso.

Assim, a sociedade capitalista e democrática aceita a existência de diferentes formas de conduta


moral no aspecto privado, desde que a conduta pública esteja em conforme com as virtudes, ou seja,
esteja dentro da ética. Entende-se que a sociedade tem um conjunto de regras, normas e valores
e que não se identifica com os princípios e normas de nenhuma moral em particular, mas com os
valores formadores do núcleo da civilização, sem os quais a civilização entra na barbárie, uma luta
de todos contra todos, onde os direitos – inclusive a propriedade e o lucro – são destruídos, pois
não há como obrigar as pessoas a cumprirem seus deveres. A ética é, nesse sentido, a própria defesa
da civilização.

Sendo cultural, a moral é o conjunto de regras que se impõe às pessoas pelo grupo ao qual
pertencem, numa ação coletiva que tende a agir de determinada maneira com a consolidação
de práticas e costumes observados no geral pelo receio de uma reprovação social (a pressão é
externa). Partindo desse pressuposto, todo ser humano é moral ao cumprir normas de conduta que
são oriundas de um conjunto de crenças inquestionáveis dentro de sua cultura. No entanto, ética
envolve reflexão, por isso não significa apenas um conjunto de normas, mas vai além. Ela é um
conjunto de juízos valorativos (racionais) construídos pela civilização, assumidos e manifestados
na ação individual de cada um (a pressão é interna). Está estruturada em valores de conduta e é
sempre civilizatória.

Leitura obrigatória

Vá até a biblioteca virtual e consulte o livro a seguir:

ANTUNES, M. T. P. Ética. São Paulo: Pearson, 2013. Disponível em:


<http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788564574540>.
Acesso em: 11 nov. 2014.

Leia a Unidade I: “Introdução à ética”, que tratará do homem em


sociedade, do conceito de ética, fontes das regras morais e comportamento
ético e, ainda, de algumas doutrinas éticas.

15
Unidade I

1.3 O conceito de valor

Como, ao se tratar de ética, sempre estaremos nos referindo ao conceito de valor, é importante um
olhar, ainda que breve, sobre o conceito. Ele aparece pela primeira vez no sentido que damos hoje com
os primeiros trabalhos sobre Economia. A ciência econômica moderna difere das demais ciências sociais
pela capacidade de quantificar, senão a atividade econômica, pelo menos seus frutos, ou seja, o produto
social. Está estruturada em leis universais, tais como a lei da oferta e da procura, a lei do valor da moeda
etc. O que torna possível de medição e avaliação das relações econômicas, como acontecem e em que
medidas acontecem, é o conceito de valor.

Observação

A utilização da ideia de valor como conceito de “algo” que é incorporado


na mercadoria foi instituído pelos fundadores da Ciência Econômica, Adam
Smith e David Ricardo. Tal conceito foi transportado puramente da Filosofia
Moral para o âmbito econômico.

A axiologia, ou “teoria do valor”, tem suas raízes no solo econômico e somente nos século XIX e
XX que se expandiu como expressão infinita daquilo que “deve ser”, abrangendo todas as criações do
espírito humano.

É o conceito de valor que permite atualização de uma unidade de medição essencial para praticamente todos
os fenômenos do mundo econômico. Há duas maneiras de definir valor: uma delas retira o valor da relação do
ser humano com a natureza e parte do pressuposto de que as pessoas têm uma série de necessidades materiais
e procura satisfazê-las com produtos. Essa é a atividade econômica básica à natureza humana. Ao transformar
um objeto qualquer da natureza em algo que possa melhorar de algum modo sua vida, o ser humano incorpora
nessa transformação o valor essencialmente humano: o valor-trabalho e, dialeticamente, transforma o objeto
em valor-utilidade, também chamado de valor de uso. Essa é a teoria do valor do trabalho.

Outra maneira de compreender valor é observar como os pensadores que buscam refletir sobre a
ética entendem o conceito. Para eles, valor é sempre coletivo, uma vez que valores são construções
mentais elaboradas pela visão de mundo da nossa cultura, podendo ser ensinados, e que formam nossos
juízos de bem, mal, justo, injusto, belo e feio.

Leitura obrigatória

Consulte o livro a seguir:

BUARQUE, C. Da ética à ética: minhas dúvidas sobre a ciência econômica.


Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: <http://unip.bv3.
digitalpages.com.br/users/publications/9788565704137>. Acesso em: 11
nov. 2014.
16
ECONOMIA E ÉTICA

Leia a Parte II − “Da ética a ética: as tensões na história do pensamento


econômico do século V a.C. ao século XXI d.C.”

1.4 A história da ética − gênese da ética: a noção de justiça e bem comum

Para muitos autores, a experiência ética fundamental ocorre quando sentimos que o agir das
pessoas está desconectado dos valores caros à civilização. É a experiência de ”estranhamento” frente
à realidade, de sentir-se estranho (fora da normalidade) diante do modo como funciona a sociedade,
ou até mesmo em relação ao modo de ser e agir de outrem. Cada vez que a sede de justiça – aquilo
que deveria ser ou o que se deveria fazer para buscar o funcionamento justo da sociedade – se
estabelece, há um avanço da ética.

A história da ética, portanto, se confunde com o próprio processo civilizatório. É a própria história
das ideias morais da humanidade, desde os tempos pré-históricos até nossos dias. Isto é, a história
da reflexão humana de como instituir normas que regulem a conduta social na busca da felicidade
individual e, ao mesmo tempo, o bem comum, instaurando a diminuição da violência. Os filósofos
faziam a crítica da realidade social de sua época e, a partir dessa crítica, ofereciam saídas de como teria
de ser a conduta das pessoas para evitar os infortúnios que levariam ao desaparecimento do ethos
comum. A sociedade, então, considerando aquelas ideias úteis, passou a educar as novas gerações com
aqueles valores. Muitas vezes, por ser um novo dever, o Estado transformava as normas em leis até que
as condutas fossem incorporadas nas consciências individuais. Assim, lentamente, foram estruturados
os valores que hoje consideramos essenciais. Nesse sentido, a ética não é imutável: a humanidade vai
abandonando valores e adquirindo outros que antes não pensava que fossem essenciais.

Antes de Sócrates não houve, ao menos que se saiba, uma reflexão metódica sobre a ética e o “homem
moral”, por isso é que se diz que ele é o “Pai da ética”. Contudo, é preciso ponderar que desde períodos mais
antigos havia uma identidade perfeita entre o bem comum e o bem individual tão arraigada na mente
grega que talvez tal reflexão não fosse necessária ou sequer capaz de ser concebida. Só a dissociação
entre bem comum e bem individual (o público e o privado), que começa a ocorrer durante o período da
decadência grega, é que justifica a necessidade de alguma teoria que explicasse essa dualidade.

Nossa visão de ética hoje deve muito também a Platão. Platão constrói idealmente a “Cidade Perfeita”;
nela tudo e todos são guiados por uma ética muito semelhante ao ideal de perfeição social de hoje.

A ética de Platão está relacionada intimamente com sua filosofia política porque, para ele, a pólis
(cidade-estado) é o terreno próprio para a vida moral. Assim, buscou um Estado ideal, utópico, cujo
modelo seria o corpo do ser humano. Daí vem o costume de dizermos até hoje o “corpo social” como
sinônimo de sociedade.

Portanto, como o corpo possui cabeça, peito e baixo-ventre, também o Estado deveria possuir,
respectivamente, governantes, sentinelas e trabalhadores. O bom Estado é sempre dirigido pela razão em
busca da prática da justiça, que seria o equilíbrio entre os direitos e os deveres dos cidadãos na construção
de uma pólis virtuosa. Assim, se faz necessária a prática das virtudes. As virtudes seriam funções da alma
humana, determinadas pela natureza da alma e pela divisão de suas partes. Tais virtudes seriam todas
17
Unidade I

aquelas que produzem a beleza, o bem e a verdade absoluta. Para tal prática seria necessária a vontade,
o ânimo, o que para Platão significava o domínio das paixões pela razão.

Pela razão, faculdade superior é característica do homem: a alma se elevaria, mediante contemplação,
ao mundo das ideias. O fim último da razão é purificar-se ou libertar-se da matéria para contemplar
o que realmente é, acima de tudo, a ideia do bem. Para alcançar a purificação é necessário praticar as
várias virtudes que cada alma possui. Platão julga que cada parte da alma possui um ideal, ou uma
virtude, que deveria ser desenvolvido para seu funcionamento perfeito. A razão deve aspirar à sabedoria,
a vontade deve aspirar à coragem e os desejos devem ser controlados para atingir a temperança. Cada
uma das partes da alma, com suas respectivas virtudes, está relacionada com uma parte do corpo. A
razão se manifesta na cabeça, a vontade no peito e o desejo no baixo-ventre. Somente quando as três
partes do homem puderem agir como um todo é que temos o indivíduo harmônico. A harmonia entre
essas virtudes constituía uma quarta virtude, a justiça.

Devido ao fato de ter sua teoria adotada como parcialmente verdadeira pela Igreja Católica, a
ética de Aristóteles finca vínculos indeléveis em nossa compreensão de ética. Sua concepção ética
privilegia as virtudes (justiça, coragem, fortaleza e sinceridade, felicidade pessoal e bem comum),
tidas como propensas tanto a provocar um sentimento de realização pessoal àquele que age quanto
simultaneamente beneficiar a sociedade em que vive. Portanto, a felicidade pessoal só é possível onde o
bem comum também o é. A ética aristotélica compreende a humanidade como parte da ordem natural
do mundo, por isso é denominada ética naturalista.

Segundo Aristóteles, toda atividade humana, em qualquer campo, tende a busca do bem supremo
ou sumo bem, que seria resultado do exercício perfeito da razão, função própria do homem. Assim, o
homem virtuoso é aquele capaz de deliberar e escolher o que é mais adequado para si e para os outros,
movido por uma sabedoria prática em busca do equilíbrio entre o excesso e a escassez.

Na Antiguidade, o conceito de sábio era entendido como um homem virtuoso ou que busca uma vida
virtuosa, e que assim consegue estabelecer, em sua vida, a ordem, a harmonia e o equilíbrio que todos
desejam. Essa harmonia é conseguida se vivermos de acordo com a natureza – o cosmos para os gregos
–, e o justo é viver de acordo com o seu lugar na natureza, uma vez que compreendiam que o cosmos,por
si só, é sempre justo e bom. Uma das finalidades da vida humana seria encontrar seu lugar no seio dessa
ordem cósmica, o que seria a vida ética. Assim, a prática da justiça, a virtude geral, de onde se originam
todas as demais, nos tornaria semelhantes ao divino, àquilo que transcende o próprio homem, ao imortal.

Leitura obrigatória

Para que possa aprofundar seus conhecimentos acerca de Platão e


Aristóteles, leia o livro a seguir:

CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: Editora Intersaberes,


2012. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/
publications/9788582122143>. Acesso em: 11 nov. 2014.
18
ECONOMIA E ÉTICA

A leitura da parte I − “A concepção clássica de homem: a filosofia


da Antiguidade grega” auxiliará na compreensão do que foi até então
apresentado.

2 FORMAÇÃO DA ÉTICA: LIBERDADE, IGUALDADE E FRATERNIDADE

Os principais filósofos organizadores da ética cristã são: Santo Agostinho, em A cidade de Deus
e Confissões, e São Tomas de Aquino, em Suma teológica. Durante a Idade Média, o cristianismo se
estabelece como teoria no campo filosófico. A representação ocidental do “divino” não é mais a natureza
e passa a encarnar uma pessoa: Jesus Cristo. Essa nova visão do logos provoca mudanças profundas na
compreensão do que é o Bem e, portanto, da ética. O cristianismo traz uma concepção revolucionária
cristalizada até nossos dias: a nova concepção de amor.

A moral passa a ser entendida como a busca da perfeição: “a imitação de Cristo” como
característica de cada ser humano. Essa nova concepção do indivíduo é o próprio cerne do processo
civilizador ocidental, resultando em todos os direitos da pessoa. Contudo, é na compreensão do
que é a liberdade que o cristianismo vai promover uma revolução se comparada ao conceito da
Antiguidade Clássica.

Observação

Enquanto para os antigos, a liberdade só se realizava no campo político e


era entendida como sinônimo de cidadania, no cristianismo ela é deslocada
para o interior de cada ser humano.

A ética cristã articula liberdade e vontade, apresentando esta última como essencialmente dividida
entre o bem e o mal. Foi o cristianismo que subordinou o ideal de virtude à ideia de dever e de obrigação.
Fez da humildade uma virtude essencial, o que era desconhecido pelos antigos. Mais do que isso, o
cristianismo também exigiu a submissão da vontade humana à vontade divina, tornando problemática
e quase impossível à finalidade ética dos antigos, isto é, a autonomia, a capacidade de escolha por si só
dos valores que norteiam as ações humanas.

Se para os gregos antigos a virtude era um talento natural, para o cristianismo o que é moral ou não
é o uso que se faz desses dons naturais; essa liberdade de escolha vai ser chamada pelos filósofos de
“livre arbítrio”. Aparece aqui a ideia do “mérito”, tão cara ao capitalismo. Não importam mais os talentos
que recebemos da natureza, mas o que faremos com eles. Por meio desses talentos podemos sair do
estado de desigualdade natural para entrar na igualdade por nós construída. Portanto, a liberdade se
torna fundamento da moral.

Uma vez que todos são livres e iguais porque filhos do mesmo Deus e com direito à salvação vinda de
Cristo, toda a humanidade é composta por irmãos, fraternos entre si. Essa nova noção de fraternidade
era desconhecida pelos antigos.

19
Unidade I

Lembrete

No cristianismo, a noção de responsabilidade individual é ao mesmo


tempo universal e faz surgir uma virtude também desconhecida pelos
antigos, que é a caridade, ou seja, a responsabilidade pela salvação do
outro, material e espiritual, seja o outro quem for.

O amor passa de uma noção pessoal e carnal – o amor-paixão – para um amor de compaixão,
o amor ao próximo, sendo o próximo qualquer pessoa, já que todos são irmãos. A compaixão, a
benevolência, a solicitude para com os outros, até mesmo com outras formas de vida, passam a ser
regra de comportamento ético.

Ser virtuoso – portanto, ético – passa a ser agir em conformidade com a vontade de Deus; logo, se
agir é um dever e como Deus se manifesta na pessoa humana, a responsabilidade com o outro passa a
ser um valor ético. Portanto, a autonomia, tão cara aos gregos antigos, dá lugar ao conceito de dever
como limite da liberdade.

Leitura obrigatória

Para que possa aprofundar seus conhecimentos acerca do assunto, leia o


livro a seguir:

CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: Editora Intersaberes,


2012. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/
publications/9788582122143>. Acesso em: 11 nov. 2014.

A leitura da parte II − “A concepção de homem na Idade Média e a


filosofia cristã” aborda justamente os pensamentos de Santo Agostinho e
Tomás de Aquino.

2.1 A evolução da ética

A Modernidade começa com o desaparecimento da ideia de uma ordem universal e hierarquia


natural dos seres, cedendo para as ideias de universo infinito, desprovido de centro e de periferia, e
de indivíduo livre, átomo no interior da natureza e para o qual já não possui a definição prévia de
seu lugar próprio e, portanto, de suas virtudes próprias. A ordem do mundo não é mais dada de fora
do mundo, quer seja pelo cosmos, como queriam os gregos, quer seja por Deus, como pensavam os
cristãos na Idade Média. Assim, a modernidade afasta a ideia medieval de um universo regido por forças
espirituais secretas que precisam ser decifradas para que com elas entremos em comunhão. O mundo se
desencanta, como escreveu Weber, e passa a ser governado por leis naturais racionais e impessoais que
podem ser conhecidas por nossa razão e que permitirão aos homens o domínio técnico sobre a natureza.

20
ECONOMIA E ÉTICA

No livro A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, Weber (1996) relaciona o papel do


protestantismo cristão na formação do comportamento típico do capitalismo moderno.

Saiba mais

Leitura extremamente interessante e importante para esta parte é o


livro a seguir:

LIMA, R. R. A. de; SILVA, A. C. S. R. e. Introdução à sociologia de Max


Weber. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012.

Observação

Weber descobre que os valores do protestantismo, tais como a disciplina


ascética, a poupança, a austeridade, a vocação, o dever e a valorização do
trabalho como instrumento de salvação da ética protestante, promovem
o surgimento do capitalismo. Para Weber, tais valores são incorporados na
ética ocidental como estrutura da confiança, valor essencial à manutenção
da sociedade do contrato, que é a sociedade burguesa.

Durante o período compreendido entre os séculos XVII e XX, pouco a pouco, a ética vai deixando de
estar em conformidade com a Natureza ou com Deus para centrar sua reflexão na condição humana.
No século XVIII, Rousseau faz uma crítica ao pensamento de Aristóteles, segundo o qual o homem se
diferenciaria dos animais por ser racional. Para Rousseau, o que diferencia o ser humano dos animais é
sua capacidade de decisão por si só: a liberdade e a capacidade de aperfeiçoar-se ao longo da História.
Como consequência dessa nova definição de humanidade temos a historicidade, a igual dignidade entre
os seres humanos. Por ser livre e por não ter nada a dirigir suas ações é que o ser humano é moral. É
seu espírito crítico que vai dotar o homem de valores morais, pois o ser humano sempre busca o bem e
nasce intrinsecamente bom.

O maior representante da ética nos últimos séculos foi sem dúvida Immanuel Kant (1724-1804), o
mais importante filósofo da Modernidade, sobretudo para quem se interessa pelo estudo da ética e, mais
ainda, da ética profissional. Seu pensamento talvez seja aquele que mais contribuiu para a forma de se
pensar ética tal como pensamos hoje. O homem é livre, diz Kant (2004), porque não está sujeito às leis
físicas da natureza. Sua virtude reside na ação ao mesmo tempo voltada para interesses individuais e
universais. Estes são os princípios basilares da ética kantiana: o desinteresse e a universalidade. A ação
moral é a única ação verdadeiramente humana e a liberdade consiste na faculdade de transcender
as tendências naturais. Uma vez que as tendências naturais nos levam sempre ao egoísmo, é preciso
resistir a essas tendências. Tal resistência é denominada por ele de “boa vontade”, ponto que ele vê como
princípio de toda a moralidade verdadeira.

21
Unidade I

Para Kant, na natureza há leis, na ética há deveres; e a existência do dever me diz que sou naturalmente
livre. Do “dever” porque pelo fato de ser livre e ter boa vontade e preocupação com o interesse geral, há
algo em nós que ordena uma resistência e até mesmo um combate contra a naturalidade ou animalidade
que exista em nós. Kant dá um exemplo: se um tirano obriga alguém a testemunhar falso contra um
inocente, ele pode ceder e dizer o falso. Contudo, depois sentiria remorso, pois algo em nós nos orienta
para o bem, que é a voz da razão. Isso demonstra que a testemunha sabia que podia dizer a verdade:
sabia, devia, podia. E sabia porque seria irracional, uma vez que num mundo em que todos dissessem o
falso, seria impossível viver; portanto, para nossa razão, seria obrigatório dizer a verdade. Essa é a prova
da universalidade e necessidade da norma ética.

Essa voz da razão, que aparece sob a forma de ordens indiscutíveis, é chamada por Kant de imperativo
categórico: imperativo porque não se pode subtrair a ele, não é um conselho, e categórico porque não
admite o contrário daquilo que está mandando. Tudo isso devido ao fato de que, da concepção de
perfectibilidade humana, a ética kantiana vai propor que a liberdade humana consiste justamente na
nossa capacidade de ir além das determinações naturais de satisfazer nossos interesses particulares para
agir de acordo com os interesses gerais, isto é, universais. Por isso, a ética moderna vai repousar na ideia
do mérito, ou seja, todos nós temos dificuldades em realizar nosso dever, em seguir os mandamentos
da moral, apesar de todos nós o considerarmos legítimos. Daí nosso mérito em agir em conformidade
com o bem comum e não em conformidade com nossos desejos e paixões. A modernidade vai valorizar
toda a ação de dever: é a ética moderna fundamentalmente meritocrática de inspiração democrática.

A partir de Kant passa a vigorar no campo de estudo da ética o que se convencionou chamar de
humanismo moderno. Não só no plano da moral, mas no político e no jurídico, o fundamento está
unicamente na vontade dos homens, desde que se aceite como restrição a vontade dos outros. A
liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros. É apenas essa limitação pacífica
que pode permitir uma vida social harmônica e feliz. Logo, essa harmonia é uma construção humana
e não mais um fato pronto pela natureza ou dada por Deus, ou seja, os homens vivendo em liberdade,
mas com a vontade dirigida pelo dever (responsabilidade) na construção de uma sociedade com valores
comuns, que Kant chama de “reino dos fins”. Como seres dotados de dignidade absoluta, os homens
não poderiam ser tratados como meios usados para objetivos pretensamente superiores, ou seja, o fim
absoluto digno de respeito absoluto: o centro do universo é a humanidade.

Kant elaborou um imperativo categórico da razão do agir ético: “age tendo a humanidade como
fim e jamais como meio” (não tratar os sujeitos como coisas) e “age como se a máxima de tua ação
pudesse ser realizada por todos os homens e para qualquer homem” (a universalidade da razão garante
a universalidade do sentido da ação). Isso significa que a pessoa deve agir espontaneamente, por sua
vontade e não sob coação ou por vontade alheia, só assim o comportamento será eticamente valioso.
Tal comportamento terá valor universal. O que o imperativo categórico pede é que a máxima (princípio
subjetivo) seja de tal natureza que possa ser elevada à categoria de lei de universal observância,
construindo assim o conceito de igualdade como principio ético.

Ele propõe um valor absoluto para servir como fundamento objetivo dos imperativos, e esse valor
absoluto é a pessoa humana. O objeto de nossos desejos tem valor relativo, é apenas um meio de
alcançar nossos objetivos. Só o homem tem valor absoluto. Sob dois prismas, as pessoas diferem dos
22
ECONOMIA E ÉTICA

demais seres: primeiro, uma vez que as pessoas têm desejos e objetivos, as outras coisas têm valor
para elas em relação aos seus projetos, as meras coisas, e isso inclui os animais que não são humanos,
considerados por Kant incapazes de desejos e objetivos conscientes. Segundo, e ainda mais importante,
os seres humanos têm um valor intrínseco, isto é, dignidade, porque são agentes racionais, agentes livres
com capacidade para tomar as suas próprias decisões, estabelecer os seus próprios objetivos e guiar a
sua conduta pela razão. Uma vez que a lei moral é a lei da razão, os seres racionais são a encarnações
da lei moral em si. Portanto, a única forma para a bondade moral poder existir são as criaturas racionais
apreenderem o que devem fazer e, agindo a partir de um sentido de dever, fazê-lo.

O filósofo deixou para o ocidente a ideia de que o ser humano é a única coisa com valor moral,
assim, se não existissem seres racionais, a dimensão moral do mundo simplesmente desapareceria.
Tal reflexão foi essencial para que a humanidade deixasse de considerar seres humanos como coisa
e abandonassem a ideia da escravidão de outros seres humanos como direito de propriedade, além
de estruturar teoricamente a luta por direitos iguais, independentemente de diferenças físicas,
psicológicas, culturais e étnicas. Como são os seres cujas ações são sempre conscientes, Kant
conclui que o seu valor tem de ser absoluto e não comparável com o valor de qualquer outra coisa.
Se o seu valor está acima de qualquer preço, segue-se que os seres racionais têm de ser tratados
sempre como um fim e nunca como um meio para se atingir esse determinado fim. Lança-se aqui,
numa construção racional, a ideia cristã da igualdade entre os homens e que será o núcleo do
Estado democrático.

O Estado democrático é o conjunto de iguais dentro de um determinado espaço geográfico. Isso


significa que temos o dever estrito de buscar a prática do Bem, não só para nós mesmos como para
as outras pessoas. Temos de lutar para promover o seu bem-estar; temos de respeitar os seus direitos,
evitar fazer-lhes mal, e, em geral, empenhar-nos, tanto quanto possível, em promover a realização dos
fins dos outros.

Somente se reveste valor ético à conduta autônoma, fruto da vontade do agente. A conduta
heterônoma é aquela que nos faz agir pela vontade alheia, é desprovida de valor moral. A dignidade
humana exige que o indivíduo não obedeça mais normas do que as que ele mesmo se autoimpôs,
usando de seu livre arbítrio. Os valores kantianos de liberdade, de responsabilidade, de autonomia e de
culto ao dever foram incorporados na ética ocidental como valores essenciais à civilização.

Na modernidade, conservou-se do cristianismo a ideia de que é virtude a obediência à razão


contra o império caótico das paixões; que a virtude é dever e obrigação em face de normas e
valores universais; que a liberdade é o poder humano para enfrentar com suas próprias forças as
contingências e a adversidade; que a responsabilidade é marca da honradez virtuosa, pois não há
liberdade sem responsabilidade, mas todos esses termos perderam a universalidade pretendida,
pois lhes falta o centro ordenador: o cosmos antigo ou a providencia medieval. Somente com a
ideia de civilização foi possível definir um novo centro que permitiria o surgimento de uma razão
prática com pretensões ao universal no campo ético. Ou seja, há que se viver de acordo com um
conjunto de valores expressos por deveres ou imperativos que nos pedem respeito pelo outro sem
o qual uma vida pacificada é impossível.

23
Unidade I

Leitura obrigatória

Leia a obra a seguir:

WEYNE, B. C. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da


filosofia de Kant. São Paulo: Saraiva, 2012. Disponível em: <http://online.
minhabiblioteca.com.br/books/9788502182806>. Acesso em: 11 nov. 2014.

Nela, você poderá melhor aprofundar o que aqui foi apresentado sobre
Kant. Leia o capítulo I – “Esboço histórico da ideia de dignidade humana” e o
capítulo III – “O princípio da dignidade humana em Kant”.

3 AS TEORIAS SOBRE A ÉTICA

A ética teoriza sobre as condutas morais. Contudo, não existe uma única teoria ética. Selecionamos
Max Weber, pois foi esse autor, no nosso entender, que mais desvelou a relação entre ética e profissão
na sociedade capitalista. Segundo o autor nos ensina, há pelo menos duas teorias éticas: a ética
da convicção, entendida como deontologia (estudos dos deveres), e a ética da responsabilidade,
conhecida como teleologia (estudo dos fins humanos).

Escreve Weber (1959):

[...] toda atividade orientada pela ética pode subordinar-se a duas máximas
totalmente diferentes e irredutivelmente opostas. Ela pode orientar-se pela
ética da responsabilidade ou pela ética da convicção. Não que a ética de
convicção seja idêntica à ausência de responsabilidade. E esta última sinta a
ausência de convicção. Não se trata evidentemente disso. Todavia, há uma
oposição abissal entre a atitude de quem age segundo as máximas da ética
da convicção – em linguagem religiosa, diremos: “O cristão faz seu dever e
no que diz respeito ao resultado da ação remete-se a Deus”- e a atitude de
quem age segundo a ética da responsabilidade que diz: “Devemos responder
pelas consequências previsíveis de nossos dias” (WEBER, 1959, p. 185).

Apesar de termos objetivamente só os dois tipos de ética desenvolvidos por Weber, a tradição filosófica
ainda difere os diversos tipos de ética dentro da mesma realidade social. Assim, faz-se comumente a
seguinte divisão:

• Ética normativa: é aquela que se baseia em princípios e regras morais fixas e que pouco muda
com o tempo porque está essencialmente ligada ao seu objeto. Como exemplo, pode-se citar a
ética profissional e a ética religiosa. Nelas, as regras devem ser obedecidas ou deixaremos de ser o
profissional ou o religioso. O descumprimento de suas normas leva-nos a perder a essência do ser.

24
ECONOMIA E ÉTICA

• Ética teleológica: é aquela cujos valores norteadores são julgados, por muitos, até imorais.
Podemos dizer que é oposta à ética normativa, pois para tal ética “os fins justificam os meios”.
Como exemplo, pode-se citar a ética da economia neoliberal, na qual o lucro advindo da lei do
mercado é sempre “moral”.

• Ética situacional: é aquela que podemos dizer ser uma ética amoral. Ou seja, seus agentes não têm
os valores bem demarcados em sua consciência. Assim, mudam de acordo com as circunstâncias
e seus interesses de momento. Tudo é relativo e temporal. Como exemplo, pode-se citar a ética de
alguns políticos e ”artistas” na sociedade pós-moderna. Para essas pessoas, tudo é possível, pois
para quem tem poder, vale tudo.

4 A CLASSIFICAÇÃO DA ÉTICA

A ciência dos valores admite várias classificações, já que existem muitas escolas, ideologias ou
correntes de pensamento. Quanto mais as sociedades se tornam complexas e as redes de comunicação
permitem um contato entre as diversas culturas e visões de mundo, maior é o numero de concepções
sobre ética.

Preferimos essa classificação, uma vez que desenvolve as quatro formas fundamentais de
manifestação do pensamento ético na história ocidental. São elas: ética empírica, ética dos bens, ética
formal e ética valorativa. Na realidade, os diferentes tipos se interpenetram e se apresentam como
formas ecléticas. O sentido de separação é apenas para facilitar o estudo, portanto foi necessária uma
abstração da realidade.

4.1 Ética empírica

É aquela em que os princípios foram derivados da observação dos fatos. Mais do que isso, foi
a experiência concreta na vida social que levou seus defensores a provar o fato de que sem os
valores éticos a vida social é impossível. Seus defensores são chamados de “empiristas” e suas
teorias da conduta se baseiam no exame da vida moral. Segundo os empiristas, os preceitos
disciplinadores do comportamento estão implícitos no próprio comportamento da maioria dos
seres humanos. Para os teóricos da ética empírica, não se deve questionar o que o homem
deve fazer, e sim examinar o que o homem normalmente faz. Pois o homem deve ser como
naturalmente é, e não se comportar como as normas queiram que ele seja. O drama ocidental foi
que o empirismo nos levou ao relativismo.

Como a conduta humana varia de acordo com a cultura e o tempo histórico, a defesa que os
empiristas fazem da existência de uma moral universal, natural e própria do ser humano mostra-se
improvável nos dias atuais. Tanto que o subjetivismo, próprio da visão da ética empírica, terminou por
gerar visões de ética que são opostas ao conceito grego original – defesa da vida comunitária. É possível
assim dividir as teorias éticas nascidas da ética empírica.

25
Unidade I

4.1.1 Ética anarquista (subjetiva)

O anarquismo repudia toda norma, todo valor, direito, moral, convencionalismos sociais, religião.
Para tal visão, tudo constitui exigência arbitrária, nascida da ignorância, da maldade e do medo. Assim,
não há legitimidade nas normas, sejam elas morais ou jurídicas. É uma doutrina egoísta, pois nela o que
vale é a vontade humana num dado momento e esta varia de indivíduo para indivíduo. Não é possível
uma direção para o agir social considerado modelo.

4.1.2 Ética utilitarista

Toda ética busca o bem absoluto na vida social. Para a teoria utilitarista, só é bom o que
é útil. A conduta ética desejável é a conduta útil. A utilidade, porém, é mero atributo de um
instrumento. A eficácia técnica dos meios não corresponde ao valor ético dos fins. Exemplo: a arma
utilizada para abater um animal a ser sacrificado em decorrência de portar enfermidade grave
é tão útil como aquela que serve ao assaltante para liquidar sua vítima. Não existe consistência
no utilitarismo como aplicação para necessidade de uma conduta ética dos homens, salvo se
referente a uma finalidade: a obtenção do supremo bem, a felicidade das pessoas. O utilitarismo
tem sentido moral se entendido como prudente emprego dos meios aptos à consecução de fins
moralmente valiosos.

4.1.3 Ética ceticista

É a ética do cético. Cético é a pessoa que põe em dúvida todas as crenças tidas como verdadeiras
para as demais pessoas. Uma teoria de ética cética, portanto, é aquela em que o valor moral maior
consiste justamente em colocar em dúvida todos os valores aceitos como essenciais para a maioria dos
teóricos. O cético duvidando de tudo coloca o método filosófico como fim de compreensão da realidade.
É dúvida sistemática.

Aqui cabe, mesmo que sucintamente, distinguir entre dúvida metódica e dúvida sistemática. Dúvida
metódica é utilizada como método filosófico de busca da verdade última das coisas. Duvidar como
instrumento metódico leva a um saber que se aproxima da ausência do erro. Por exemplo, a máxima de
Sócrates, “só sei que nada sei”, sustenta que algo se sabe com certeza: sabe-se, ao menos, que nada se
sabe. Esse é o primeiro passo no caminho do conhecimento. Sócrates compreendeu o valor da dúvida
como método dialético (método de discussão). Já a dúvida sistemática, própria dos ceticistas, é aquela
em que se põe em dúvida tudo e de forma permanente. Eles declaram não crer em coisa alguma e aqui,
segundo alguns filósofos, está seu primeiro e mais profundo erro, pois se fossem realmente céticos,
duvidariam até mesmo da sua afirmação de que em nada creem.

4.2 Ética dos bens

A ética dos bens se preocupa com a relação estabelecida entre o proceder individual e o supremo
fim da existência humana. A ética dos bens defende a existência de um valor fundamental denominado
bem supremo. O bem supremo é aquele que não pode ser meio de qualquer outro para se obter um
fim. Desta forma, hierarquicamente, a vida pessoal e o prazer de viver são o principal bem supremo. As
26
ECONOMIA E ÉTICA

manifestações mais importantes da ética dos bens são o eudemonismo (confiança na felicidade como
destino humano), o idealismo ético (aspiração ao ideal) e o hedonismo.

4.3 Ética formal

Para tal teoria, a significação moral do agir ético reside na pureza da vontade e na retidão dos
propósitos do agente considerado. Tal retidão de propósito reside na boa vontade do agente ético
se comportar socialmente conforme o seu dever e por dever. Exemplificando: conservar a vida é um
dever. Portanto, se atentamos contra a vida em quaisquer circunstâncias, estaremos descumprimos o
dever. Mas, se alguém perdeu todo o apego à vida e mesmo não temendo, ou até desejando, a morte,
conserva a existência para não descumprir o dever de conservar a vida, sua conduta tanto externa como
internamente está em acordo com a lei moral e possui valor moral pleno. Por isso, seu agir é ético.

4.4 Ética valorativa

Pressupõe que os valores devam ser ensinados, pois seus teóricos defendem a idéia de que basta
saber o que é a bondade para ser bom. O construtor dessa teoria foi Sócrates. Segundo ele, basta
conhecer a bondade para que se seja bom. Para nós, tal ideia pode parecer ingenuidade, pois já está
profundamente gravado na nossa mente que só algum grau de coerção é capaz de evitar que o homem
seja mau. Na Antiguidade, esta era uma noção perfeitamente coerente com o pensamento, ainda que
não com a prática da sociedade grega. Além do mais, essa ideia é a base que orientará a ética ocidental.

Resumo

O que foi possível aprender nesta unidade? Iniciamos com uma breve
introdução sobre a importância da ética enquanto urgência não só no
mundo dos negócios, mas também nos paradigmas de convívio social.

Avançamos para a discussão do conceito de ética no âmbito geral. A


abordagem deu-se a partir da etimologia à filosofia. Vimos a relação da
ética com a moral, procurando entender ao mesmo tempo a diferença
entre os dois conceitos, bem como suas relações internas e externas.

O conceito de valor também foi trazido ao debate, mapeado inicialmente a


partir dos estudos da ciência econômica para depois partir para a questão geral.

A história da ética, bem como sua gênese, também esteve presente na


unidade. Neste aspecto, foi possível perceber a noção de justiça e bem comum.
A formação da ética no sentido de liberdade, igualdade e fraternidade também
foi abordada na unidade, partindo das discussões filosóficas e cristãs.

A evolução da ética com Kant também foi apontada, assim como as


teorias e classificações da ética, finalizando a unidade.
27
Unidade I

Exercícios

Questão 1. Veja os dois textos abaixo:

Texto 1

De acordo com Manzalli e Aguiar (2015, p. 14), “devido ao fato de o pensamento kantiano ter uma
importância medular para quem se interessa pela reflexão sobre ética no mundo capitalista, preferimos
compreender que ética se diferencia da moral. Moral está mais relacionada a crenças estruturadas
em valores, acumuladas desde a mais tenra infância e transmitidas pelos grupos sociais de interações
afetivas, tais como a família e a Igreja. Moral está diretamente relacionada à consciência que é o locus
privilegiado dos valores, enquanto a ética é a exteriorização da conduta humana em sociedade. Além
disso, desde o início os pensadores liberais preferiram a palavra ‘ética’ para expressar normas de conduta
de grupos organizados, como as categorias profissionais e seus Códigos de Ética”.

Texto 2

Em relação aos dois textos acima, é possível afirmar que:

A) Não há relação entre eles, já que o segundo nega a possiblidade de ética mesmo entre pessoas
com elevado grau de instrução.

B) O segundo texto se opõe ao primeiro, já que evidencia a incapacidade de a escola formar cidadãos
éticos.
28
ECONOMIA E ÉTICA

C) Há relação entre os dois textos, já que o primeiro explica a diferença entre valores apreendidos
(moral) e valores exteriorizados (ética), o que é evidenciado no segundo texto.

D) Não há relação entre os dois textos, já que o primeiro distingue moral e ética e o segundo coloca
moral e ética como possuindo o mesmo significado.

E) Não há relação entre os dois textos, já que a moral e a ética são questões metafísicas que não
estão associadas a condutas pessoais ou profissionais.

Resposta correta: alternativa C.

Análise das alternativas

A) Alternativa incorreta.

Justificativa: o segundo texto não nega a possiblidade de comportamento ético entre pessoas de
elevado nível superior; ao contrário, o que ele mostra é que moral e ética são dimensões diferentes e que
se revelam de formas diferentes. Este é, aliás, o conteúdo do primeiro texto.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: não há oposição entre os dois textos, já que o segundo mostra que mesmo a escola,
fonte e origem de transmissão de valores morais, pode abrigar comportamentos não éticos. Isso não
significa que a escola seja incapaz de formar cidadãos éticos, mas tão somente que ética e moral são
dimensões distintas, tal como o explicado no primeiro texto.

C) Alternativa correta.

Justificativa: os dois textos estão associados; o primeiro explica a diferença entre ética e moral;
o segundo evidencia que, embora apreendidos, valores podem não ser materializados exatamente da
forma como foram transmitidos e absorvidos. Tal posição encontra abrigo na filosofia kantiana, como
explicado pelos autores do primeiro texto.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: há relação entre os dois textos já que os dois tratam das diferenças entre moral e ética.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: há relação entre os dois textos e, em nenhum deles a moral e a ética são tratadas como
atributos metafísicos, sem quaisquer relações com a conduta pessoal ou profissional. Ao contrário, os
dois textos estabelecem essa associação entre valores aprendidos e valores exteriorizados.

29
Unidade I

Questão 2. (Enade 2010, adaptada) Analise a charge abaixo:

A charge representa um grupo de cidadãos pensando e agindo de modo diferenciado, frente a uma
decisão cujo caminho exige um percurso ético. Considerando a imagem e as ideias que ela transmite,
avalie as afirmativas a seguir.

I – A ética não se impõe imperativamente nem universalmente a cada cidadão; cada um terá de
escolher por si mesmo os seus valores e ideias, isto é, praticar a autoética.

II – A ética política supõe o sujeito responsável por suas ações e pelo seu modo de agir na sociedade.

III – A ética pode se reduzir ao político, do mesmo modo que o político pode se reduzir à ética, em
um processo a serviço do sujeito responsável.

IV – A ética prescinde de condições históricas e sociais, pois é no homem que se situa a decisão ética,
quando ele escolhe os seus valores e as suas finalidades.

É correto apenas o que se afirma em:

A) I e II.
B) I e IV.
C) II e IV.
D) III e IV.
E) I, II e III.

Resolução desta questão na plataforma.

30
ECONOMIA E ÉTICA

Unidade II
5 ÉTICA NO MUNDO ECONÔMICO

Na atual sociedade, lamentavelmente, o sucesso econômico passou a ser a medida de todas as


coisas. Também a ciência libertou-se da ética e está a serviço do lucro. Dupas (2000, p. 76), em Ética
e Poder na Sociedade da Informação, alerta para um “estado de vazio ético”. Tal vazio ocorre porque
os valores e as referências tradicionais desaparecem e os fundamentos ontológicos, metafísicos e
religiosos da ética se perderam. Diz ainda que o paradoxo mais claro de nossa época é que, apesar de
o capitalismo ter se desligado da sua origem, que era ver o homem como um fim, e não um meio, as
pessoas que mesmo não praticando a ética buscam exigir a ética e os preceitos morais estão sempre
no debate por toda a sociedade.

Leitura obrigatória

Para rever a construção do capitalismo, bem como seus desdobramentos


econômicos e sociais, busque pelo livro a seguir:

HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. 22. ed. Rio de Janeiro:


LTC editora, 2010. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br/
books/978-85-216-1954-3/page/iv>. Acesso em: 11 nov. 2014.

Leia obrigatoriamente os capítulos 20, 23 e 24 da Parte II.

Quase todos os dias os programas da mídia e os jornais debatem a questão do dever. Há uma nova
ordem surgindo, uma exigência de uma ética da responsabilidade em relação ao futuro longínquo pelo
qual somos responsáveis, uma vez que, como é sabido, a grande questão ética que se propõe hoje é
a salvação do planeta e do homem como espécie. Como vivemos em uma sociedade em rede, o que
acontece a uma parte da humanidade acontecerá a todos nós.

Desde seus primórdios, mas acentuadamente nos últimos séculos, o capitalismo e sua ideia de
progresso sem fim vai aos poucos restringir sua ação apenas na busca do lucro como resultado
mecânico da livre concorrência entre seus diferentes componentes. A produção científica e os
centros de pesquisa amarrados ao lucro capitalista perderam o sentido original de produzir bens que
trouxessem para a humanidade o bem-estar e procuram aumentar sua produtividade no sentido de
buscar o lucro sobre o lucro. A técnica, ao invés de levar à emancipação e à felicidade dos homens,
como era seu objetivo inicial, tem causado sofrimento e exclusão de uma parte considerável da
população mundial.

31
Unidade II

Observação

Veja que há no mundo contemporâneo o entendimento de que o


capitalismo se apresenta de forma diferente daquele nascente.

Saiba mais

Para obter maiores informações acerca do desenvolvimento do


capitalismo, vale a pena a leitura dos capítulos 2 e 3 do livro a seguir:

FEIJÓ, R. História do Pensamento Econômico. 2. ed. São Paulo:


Atlas, 2007. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br/
books/9788522465255/page/ix>. Acesso em: 11 nov. 2014.

Prevalece a ideia de que havia necessidade de normas de condutas para as empresas, porque elas
são pessoas jurídicas, e, ao mesmo tempo, uma relação comunitária, pois é por meio das empresas que
o capitalismo como tal se manifesta. Para retomar normas morais de conduta no mundo econômico,
há que se atingir sua manifestação corpórea: as empresas. Tal concepção surge pela primeira vez nos
Estados Unidos, na década de 1960. Por essa época, havia nesse país uma crise generalizada de confiança.
Por ser uma nação democrática, os órgãos de mídia são extremamente livres e começaram a denunciar
o que se passava no mundo dos negócios: os escândalos de corrupção, os atentados à saúde pública, os
subornos, o tráfico de influências, o uso de informação privilegiada, a distribuição injusta do benefício,
a manipulação dos preços etc.

Observação

Juntamente com a crise de confiança que essas denúncias fizeram surgir,


o país vivia a crise da Guerra do Vietnã e as consequências do escândalo
Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon.

Tantos escândalos e desrespeito ao bem comum, ao patrimônio público e até aos direitos fundamentais da
pessoa humana geraram na grande nação uma atmosfera de desconfiança de todas as esferas da vida pública e
também de um setor para com o outro. Tal situação fez com que se instalasse na sociedade estadunidense um
clima de desconfiança tão profundo que políticos e homens de negócio perderam a credibilidade indispensável
à atividade política e econômica. Uma sociedade só pode funcionar dentro de um nível mínimo de confiança,
sem o qual desmorona. A situação ficou muito complicada na década de 1970, nos Estados Unidos. Naquela
nação, propulsora do mundo econômico, a desconfiança foi de tal ordem que os analistas concluíram não ser
possível esperar para que a sociedade, mais concretamente o setor empresarial, recuperasse por si mesma o
grau de confiança necessário ao mercado e ao mundo social como um todo.

32
ECONOMIA E ÉTICA

Considerou-se que o estado de degradação da confiança que se tinha instalado era de tal ordem
que a sociedade entregue a si mesma já não tinha energia para recuperar. Era necessário fazer alguma
coisa para que a confiança indispensável aos negócios ressurgisse de modo a superar a crise em todas
as suas dimensões. A partir daí, então, começa a pressão da sociedade e do grande capital, no sentido
de se retornar a ética dos fundadores do capitalismo, ou seja, a ética como elemento constitutivo da
sociedade de organizações.

A ética que gira em torno desses dois eixos procura dar conta da responsabilidade do indivíduo
enquanto pessoa e das responsabilidades sociais da empresa, bem como visa compreender melhor o
papel do elemento empresarial no seio da ordem alargada da cooperação humana, tendo em conta que
a ordem econômica numa sociedade livre só se pode entender no contexto de certas normas morais e
jurídicas que tornam tal ordem possível.

Assim, as grandes empresas, a princípio, depois todo o mundo econômico, passam a exigir que
os estudantes tenham curso de ética e que as empresas desenvolvam com seus colaboradores uma
reflexão sobre a importância da ética empresarial. Pressionada por um capitalismo global, a ética
torna-se um dos temas mais discutidos nos últimos anos no Brasil e no mundo, em especial quando
aplicada ao exercício profissional e mais ainda no que se refere aos cargos de gestão empresariais.
Isso porque as informações que apoiam os processos de tomada de decisão interferem diretamente
no processo de construção da imagem e da própria continuidade das empresas. Além do mais, o
Estado na ideologia neoliberal que é adotada pelo Brasil a partir da década de 1990 deixa de ser
empresário. Não há mais praticamente empresas estatais e as empresas encarregadas da prestação
de serviços para o Estado contribuem para a imagem negativa ou positiva da própria nação brasileira
no mundo todo.

Os grandes escândalos que ocorrem na relação empresa-Estado no Brasil têm demonstrado como
está longe por aqui a ética da responsabilidade por parte de muitos homens de negócios. A desvinculação
das normas religiosas de conduta moral no Brasil não foi um fenômeno que começou a partir de
estudo sistematizado dos filósofos da moral, como na Europa e nos Estados Unidos. A grande empresa
nacional nasce estatal e se estabelece por decreto durante o governo Vargas; nossos empresários vão
se especializando em produtos e serviços que serviam às empresas estatais ou, a partir da década de
1950, às empresas multinacionais. A maior parte dessas empresas se especializou sem que seus gestores
percebessem a extrema ligação, como já provara Max Weber, entre a ética da responsabilidade e o
estabelecimento e reprodução do capitalismo.

Leitura obrigatória

Para maior entendimento da Era Vargas, leia o capítulo 9, “O processo


de industrialização”, do livro a seguir:

ECONOMIA brasileira. São Paulo: Academia Pearson, 2011. Disponível em:


<http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788576055785/
pages/_7>. Acesso em: 11 nov. 2014.
33
Unidade II

São os valores que orientam as normas de conduta ética, que exige como função principal do
Estado promover a igualdade entre desiguais pela natureza e pela história, que promoveram a própria
civilização capitalista liberal e democrática por meio da educação. Os valores que orientam a conduta
ética têm que ser ensinados, eles não vêm de berço. Sem a prática de tais valores no mundo econômico
não é possível ter responsabilidade moral geradora de confiança e respeito pela empresa, tornada pessoa
pelo capitalismo; mesmo para aqueles agentes econômicos que se comportam fora das regras morais, o
que parece ser uma esperteza termina por ser desvantajoso. O capitalismo é racional.

O lucro oriundo da corrupção, que parece ser grande de imediato, acaba sumindo em comissões,
subornos, problemas com a justiça, pagamento de indenizações e outros arranjos. A insegurança em
relação à empresa com fama de corrupta diminui os investimentos e faz cair o valor de suas ações, entre
outras mazelas. Tudo contribui para a morte da própria empresa e esse é um dos motivos para nossas
empresas não conseguirem uma sobrevida à vida de seus fundadores.

Como o capitalismo é racional e metódico, não pode viver na irracionalidade dessa situação. Se for
urgente para todo o mundo falar em ética nos negócios, no Brasil se trata de “uma questão de vida
ou morte”, uma vez que dentro de uma economia cada vez mais entrelaçada e em rede não é possível
a solução ao nosso “jeitinho” de hábitos que levam à morte muitos brasileiros: por fome, por doenças
endêmicas e epidêmicas, por violência gratuita e por exclusão social. Além disso, o capital foge de onde
não há confiança de reprodução com lucro e em paz.

Leitura obrigatória

Vale a pena a leitura do capítulo “Exploração capitalista do homem pelo


homem e corrupção”, escrito por Alaor Coffé Alves, bem como o capítulo
“Poder econômico, ética da administração pública e corrupção”, escrito por
Tercio Sampaio Ferraz Junior. Você encontrará estes capítulos no livro a seguir:

PODER econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. São Paulo:


Manole, 2009. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/
publications/9788520425916/pages/_7>. Acesso em: 11 nov. 2014.

6 A ÉTICA EMPRESARIAL

É neste contexto, e com o objetivo de o mundo empresarial recuperar a confiança, que surge a ética
empresarial. Para responder à situação, as universidades começam a organizar cursos de ética aplicada aos
negócios; diversas publicações científicas ou ligadas ao mundo empresarial têm se interessado pelo tema.

Observação

Atualmente, nas escolas de Gestão ou Economia, disciplinas de ética


geral ou profissional integram seus cursos.
34
ECONOMIA E ÉTICA

Outro fator importante para o surgimento da ética empresarial foi a influência da luta ideológica
promovida pelas forças de esquerda, partidos e sindicatos, e também, de um modo particular, a atividade
das igrejas na sua luta pela justiça social, dando especial destaque ao pensamento desenvolvido pela
igreja católica. Outro fator importante é a utilização das empresas dos recursos hídricos e ecológicos,
bens comuns que terminam por ser apenas um meio de lucro para algumas empresas em detrimento da
comunidade. Como exemplo, podemos citar a poluição por meio de dejetos industriais de rios e lagos.

A ética passa a ser, então, um caminho para promover as empresas aos olhos da opinião pública.
Uma empresa que põe em primeiro lugar os seus clientes, respeita o meio ambiente, reconhece ter uma
responsabilidade social e se preocupa com a vida cultural dos seus trabalhadores está atenta a todos os
que, direta ou indiretamente, têm alguma relação com ela, melhorando a sua imagem e tirando disso
benefícios diversos, dentre eles os benefícios econômicos.

Lembrete

Como a ética empresarial é rentável, os empresários verificaram que


as empresas que manifestavam preocupações éticas tinham melhores
resultados do que as outras. Esta constatação contribuiu muito para que a
Ética Empresarial entrasse na moda e fosse vista como instrumento para o
aumento de lucros.

Os empresários rapidamente compreenderam que a ética, enquanto marketing, favorecia o bom


nome das empresas melhorando a sua imagem e, consequentemente, aumentando os negócios, criando
fidelidades e contribuindo para aumentar os lucros. A ética é rentável não só quando usada no marketing,
mas quando a empresa, no seu interior, consegue fazer com que a ética anime o espírito de todos aqueles
que integram o seu quadro de pessoal. Por outras palavras: a ética revela-se também rentável quando,
por meios eficazes, a empresa incute nos seus colaboradores princípios e regras éticas que os conduzem
na sua atividade dentro da empresa. Uma organização que partilha valores comuns e assume regras de
funcionamento com uma marca ética é mais eficiente economicamente e sobrevive melhor no mercado.

A ética aplicada dentro da empresa produz dois fatores geradores de lucro. O primeiro diz respeito
à diminuição de investimento em mecanismos de controle. Toda a organização tem necessidade de
possuir mecanismos que permitam controlar o seu funcionamento. Esses mecanismos vão desde
relógios de ponto, por exemplo, a sistemas de vigilância para controle de tempos máximos ou mínimos
para diversas operações de modo a garantir os ritmos de trabalho às hierarquias de responsáveis que
zelarão pelo bom funcionamento da empresa etc. Quando as pessoas estão sensibilizadas pelo espírito
ético e veem o seu trabalho como caminho de realização moral, a empresa pode dispensar-se dos
investimentos de controle, ou pelo menos reduzir esses investimentos ao mínimo. Além disso, tal atitude
é racional, uma vez que é impossível controlar a todas as pessoas, o tempo todo.

O segundo fator que produz rentabilidade tem origem nos aumentos de produtividade. Um
trabalhador que encara o seu trabalho como um dever moral desempenha as suas tarefas de um modo
diferente daquele que vê no trabalho apenas um processo para adquirir os meios necessários à sua
35
Unidade II

subsistência. Quando um homem ou uma mulher vê o seu trabalho na empresa como um meio para a
realização da sua dimensão moral, aderindo aos princípios éticos propostos pela organização, a sua taxa
de produtividade aumenta. Isso porque falta menos ao trabalho, cumpre mais rigorosamente os horários
e dedica-se totalmente às suas obrigações de trabalhador. Ocorre, então, um aumento do ritmo com que
as diversas tarefas são feitas porque o trabalhador se sente responsável pela empresa.

A justificação filosófica para a ética empresarial não está só na possibilidade do lucro das empresas,
mas no homem, na dignidade do homem. Na medida em que a empresa é uma criação humana, na
medida em que ela contribui para a realização do homem, para a vida boa, ela deve ser ética. A ética
empresarial justifica-se assim não por ser rentável, mas porque a empresa, sendo uma construção
humana, deve acolher a dimensão que faz do homem o que ele é, a dimensão moral.

Saiba mais

Leia o capítulo II – “Ética no mundo da empresa” que está no livro a seguir:

ALENCASTRO, M. S. C. Ética empresarial na prática. Curitiba: Editora


Intersaberes, 2012. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/
users/publications/9788565704229/pages/5> Acesso em: 11 nov. 2014.

A atividade humana na empresa é movida por interesses econômicos, mais precisamente pelo lucro.
Apesar de na nossa tradição o dinheiro, oriundo do lucro, nem sempre ser visto como algo moral,
lembremos que a empresa como conhecemos foi uma criação dos protestantes, que pensavam nela como
a produtora do bem, pois promove a felicidade humana e evita a escassez por meio da produtividade.

Observação

Desde a tradição judaica, a riqueza era habitualmente vista como sinal


da generosidade de Deus para com aqueles que agiam bem.

O protestantismo também pensa dessa maneira sobre a posse da riqueza. Nos países de tradição católica,
o dinheiro foi habitualmente olhado com suspeita. Sintomaticamente, nos países católicos, os ricos tendem,
ou pelo menos tendiam, a mostrarem-se discretos no que se refere à manifestação pública da riqueza.

Lembrete

Como já referimos, para Kant a ação só tem valor moral quando é


determinada pelo dever. Contudo, antes de expormos as consequências
dessa posição no que respeita à atividade empresarial, analisemos o agir
humano em geral.

36
ECONOMIA E ÉTICA

A atividade humana em geral é sempre ditada por inúmeras motivações. Agir humanamente implica
estar atento a múltiplos fatores tanto no que se refere aos fins a atingir como aos meios a utilizar e nas
condicionantes da ação. A reflexão ética deve ter como ponto de partida a vida e não deve ser uma ética
abstrata originada por uma razão descarnada que deve dizer o que a vida é; o que a vida é não pode ser
negado por uma teoria ética.

Se uma atividade humana tem vários objetivos e entre eles está a vivência da dimensão moral, não
se pode negar a existência desta pelo fato dela não ser a única dimensão presente. Aliás, nunca há
uma ação que tenha como motor apenas a moral, que tenha a ver apenas com a moral. Toda ação é ao
mesmo tempo política, econômica, social e moral. A dimensão moral está presente na ação que é um
agir imensamente complexo.

Para uma ação ter dimensão moral, é preciso que seja ação, livre e responsável, um movimento
que implica complexidade. Para haver moralidade no pagamento dos impostos, é preciso cumprir a
lei pagando os impostos. Só se pode cumprir o dever de amar os outros amando. O que determina a
moralidade da ação, para além da liberdade e do conhecimento, é a intenção, a intenção dominante.
Ora, a intenção inicial dos fundadores do capitalismo era gerar riquezas que diminuíssem a escassez
natural de bens e serviços. Isso era sua responsabilidade, seu dever, não só com a sociedade, mas com o
próprio Deus. O lucro, a princípio, era apenas resultante do trabalho efetuado.

Hoje, a ética se desvinculou dessa noção de dever, uma vez que as intenções que movem o homem no
seu agir são múltiplas. Na empresa, as coisas não são diferentes, pois o homem não visa apenas aos aspectos
econômicos. Contudo, vida empresarial tem uma finalidade específica ou interna, que lhe confere um sentido:
seu interesse racional é a obtenção do lucro. Mas, por mais individual que possa parecer essa proposição, o
fato de agir levando em consideração os outros (clientes, fornecedores, acionistas, colaboradores) dá um
caráter social à atividade empresarial. O dever, então, agora passa a ser um dever de responsabilidade com o
futuro da organização, com a sociedade em que está envolvida, com toda a humanidade e com o futuro do
planeta. É o que deve estar presente quando se discute a moralidade nas empresas.

Além de atender a objetivos econômicos irrenunciáveis (o primeiro de todos, evidentemente, é o da


própria sobrevivência num mercado cada vez mais competitivo), as empresas devem levar em consideração
os interesses legítimos dos diferentes parceiros, entre eles os interesses éticos. A empresa não pode deixar
de buscar seus interesses econômicos sob o risco de desaparecer e entre seus interesses o maior é o lucro.
Entretanto, sendo humana a atividade empresarial, ela no seu desempenho não pode deixar de ser moral,
moralmente boa ou moralmente má. Aí aparecem os limites de como conquistar mercados, clientes e
fornecedores sendo moralmente boa. É a própria racionalidade do capitalismo que impõe esses limites, uma
vez que é humana e, tornada pessoa jurídica, lhe é impossível sob pena de fracasso ir contra a humanidade.

Assim, mesmo que seja pelo pensamento egoísta de consecução dos lucros, a atividade empresarial,
nos dias de hoje, não pode ir muito longe sem uma conduta ética e sem exigir de seus parceiros o mesmo
agir ético sob o risco de negar a si mesmo. A empresa necessita desenvolver-se de tal forma que a ética,
a conduta ética de seus integrantes, bem como os valores e convicções primários da organização, se
tornem parte de sua cultura. Entre essas ações concretas de conduta empresarial voltada para a ética,
podemos citar:
37
Unidade II

• Balanço social

É um instrumento utilizado pela empresa para divulgar sua política de Gestão de Pessoas e suas
implicações no processo produtivo. O balanço social é o instrumento utilizado pela empresa para
comunicar a todos os parceiros (partes envolvidas) a evolução na gestão social e ambiental, o andamento
dos diferentes programas implantados, seu impacto nos públicos envolvidos e o firme comprometimento
da administração com o processo.

• Cidadania

É o exercício pleno dos direitos e obrigações por parte dos cidadãos. A empresa ética procura
participar de projetos que busquem a prática da cidadania, uma vez que, nos tempos atuais,
a participação na luta contra a exclusão social é cada vez mais necessária para evitarmos a
explosão de violência. A empresa enquanto pessoa jurídica é, muitas vezes, o único agente que
pode promover e englobar a luta da comunidade. Ela pode, dentro do lugar onde se estabeleceu,
buscar apoios públicos que valorizem o respeito às pessoas, ao meio ambiente. Assim, estará
no caminho do cumprimento dos seus deveres enquanto agente social. É cada vez maior o
número de empresas que procuram cuidar dos jovens e adultos, não só estudantes, mas também
profissionais, bem como das relações com a família e as instituições. Os jovens formados nessas
condições poderão optar pela escolha consciente, votar em representantes que promovam o bem
comum, por exemplo. A empresa então estará inserida numa comunidade que favorecerá uma
maior produtividade.

• Compromisso social

O compromisso social acontece se a comunidade é uma coletividade na qual os participantes


possuem interesses comuns e estão afetivamente identificados uns com os outros; se a empresa
está inserida nessa comunidade; se for coerente entre o que ela cobra dos agentes públicos e
sua prática. Atualmente, as empresas tendem a se comprometer com a região em seu entorno,
promovendo diversas atividades que vão além da expectativa de lucro ou de marketing, mas no
sentido de compromisso social.

• Códigos éticos de empresas

Quase todas as empresas possuem um Código de Ética. Tal código procura dar conta do
papel da ética no desempenho profissional de cada um dos colaboradores. Isso porque
fundamentalmente as regras éticas não são diferentes para diferentes papéis hierárquicos. Os
modelos desses códigos vieram das empresas estrangeiras que precisavam ensinar aos brasileiros
as normas de conduta que possibilitassem a polidez entre os funcionários e destes com clientes
e fornecedores. Com pequenas diferenças entre seus preceitos, os códigos de conduta fornecem
juízos de valor comum a toda empresa capitalista, para que as tomadas de decisões resultem
num agir voltado para liberdade, o bem, a retidão moral e a competência profissional, ou seja,
para a ética profissional.

38
ECONOMIA E ÉTICA

• Filantropia empresarial

É o apoio, em recurso financeiro ou material, dado pela empresa a alguma ação social individual ou a
entidades, sem acompanhar o uso desse recurso ou se envolver diretamente no projeto. É o único modo
para a empresa agir dentro do principio ético da compaixão; ainda que não tenha coração (apesar de ser
uma pessoa), a empresa por definição não pode fazer caridade. Resta-lhe fazer filantropia, que se trata
da ação social externa à empresa, tendo como beneficiário principal a comunidade em suas diversas
formas: organizações não governamentais, Conselhos Comunitários, Associações e entidades do terceiro
setor, em geral. Como exemplo, podemos citar o Instituto Ethos.

Saiba mais

Visite o site do Instituto Ethos, você encontrará vasta quantidade


de artigos e discussões acerca da ética e responsabilidade social nas
organizações.

<http://www3.ethos.org.br/>

• Governança corporativa

É o conjunto das melhores práticas e relacionamentos entre acionistas, Conselho de Administração,


diretoria, auditoria independente e Conselho Fiscal, orientado a assegurar a transparência das
informações, no sentido de otimizar o desempenho da empresa e facilitar o acesso ao capital através do
mercado aberto, com garantia de uso das melhores práticas de gestão. Em outras palavras, governança
corporativa é a forma de gestão pela qual a empresa reconhece os direitos de todas as partes nela
interessadas, ou seja: acionistas, fornecedores, cliente, trabalhadores, governo e comunidade.

Leitura obrigatória

Você poderá obter maiores conhecimento acerca do assunto governança


corporativa consultando o livro a seguir:

SILVA, A. L. C. da; LEAL, R. P. C. Governança corporativa: evidências empíricas


no Brasil. São Paulo: Atlas, 2007. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.
com.br/books/9788522468287/page/iv>. Acesso em: 11 nov. 2014.

7 ÉTICA PROFISSIONAL

Se entendermos ética como a conduta do ser humano em sua comunidade e em sua classe
profissional, uma reflexão mesmo que superficial pode nos levar a ponderar que um tipo de conduta
nem sempre tem o mesmo valor social nos diferentes tempos históricos.
39
Unidade II

Algumas normas de conduta desaparecem na medida em que o conhecimento científico nos


convence que tal atitude, longe de proteger o tecido social, pode levar ao esfacelamento da sociedade.
Isso porque a ética não é imutável. Sendo racional por excelência, tudo que a ciência nos prova como
erro altera nossa maneira de pensar uma determinada atitude. Por exemplo, até a Segunda Guerra
Mundial, o valor “coragem” era entendido como a capacidade do homem em matar nas guerras em
defesa de seu país ou nação. A tolerância era vista como uma fraqueza e falta de honra, tanto que
qualquer ofensa era motivo para duelo entre dois homens.

Hoje, coragem não só alterou o sentido como se tornou um valor também feminino. Coragem hoje é
a luta metafórica. É buscar agir de acordo com o coração, mas no sentido de por em prática seus projetos
pessoais, independentemente do que as pessoas pensem deles. É ir além de seus limites físicos e psicológicos
para promover o bem. A Tolerância (assim mesmo com letra maiúscula) é para muitos filósofos a virtude
ética fundamental num período histórico em que pessoas das mais diversas etnias, culturas e religiões devem
(imperativo ético) cooperar, entre si, para defender a vida de nosso maior bem comum: o planeta Terra.

Como é sabido, o Brasil faz parte do que se convencionou chamar de civilização ocidental. No
Ocidente, as ações consideradas éticas são dirigidas por valores construídos durante o processo
civilizatório. Tal processo inclui desde o decálogo mosaico, passando pelas inovações cristãs de caridade,
solidariedade, igualdade e fraternidade, até as contribuições do pensamento humanista cuja ideia de
moral se funda na razão. Portanto, o agir ético é a busca da ação desinteressada, a universalidade de
valores e os homens como portadores de história e de dignidade.

Assim, se construiu no Ocidente capitalista e liberal a convicção de que cada pessoa é portadora em
sua humanidade de todo o universo civilizatório, sendo insubstituível e livre, mesmo quando suas ações
são contrárias às leis e aos costumes.

Observação

Foram essas reflexões que permitiram ao Ocidente a promoção de


constituições de Direito pleno e de órgãos internacionais e nacionais de
defesa dos direitos da pessoa humana, denunciando internacionalmente as
nações, instituições e pessoas que os desrespeitam, a exemplo da Declaração
Universal dos Direitos da Pessoa Humana − ONU, 1948.

Uma pessoa ética não só deve pautar seu comportamento dentro de normas de conduta
consideradas civilizadas, mas estar sempre em busca de uma reflexão teórica que analisa e critica
ou legitima os fundamentos e princípios que regem um determinado sistema moral. Não é raro na
história o surgimento de filósofos ou profetas que propõem um sistema ético criticando a moral
vigente e propondo uma revolução nos valores e normas estabelecidas na sociedade: Sócrates, por
exemplo, questionou com sua filosofia os valores de democracia ateniense. Jesus, com sua prática
e ensinamentos, criticou profundamente a moral judaica do seu tempo. Os filósofos iluministas e
os reformadores protestantes demonstraram que a sociedade cristã, nos séculos XVI e XVII, havia se
afastado dos valores morais cristãos.
40
ECONOMIA E ÉTICA

Na verdade, a experiência ética fundamental para os dias de hoje é justamente essa sensação de
”estranhamento” frente à realidade. É uma capacidade que vem da reflexão sistemática e metódica
sobre o que é o bem comum e que nos faz perceber que algo está fora da normalidade. Isto é, que o
modo como funciona a sociedade, ou até mesmo o modo de ser e agir de outrem, não tem coerência
com aquilo que a ética nos ensina como modo de vida que produza o bem comum.

Se antes essa experiência ética fundamental ocorria a cada milênio ou séculos, hoje, devido à
velocidade de tudo, ela é uma constante, sobretudo na esfera profissional. Portanto, ser ético hoje é
mais do que nunca estar refletindo entre o que se deve fazer e como se deve agir em determinada
situação, quando se deve escolher entre o desejo e o dever, entre um bem comum e o bem de alguns.
Essa situação de escolha é o dilema ético, companheiro constante de um profissional no mundo pós-
moderno.

7.1 As origens da ética profissional

É a experiência ética fundamental para os protestantes puritanos nos séculos XVI e XVII que
inaugura a ética profissional moderna. Eles perceberam que a práxis dos cristãos, nessa época, era
bem diferente daquilo que a Bíblia pregava. Naquele tempo, devido ao poder político da Igreja
Católica, moral se confundia com religião e com ética. Isso foi provado por Weber em seu livro A
Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo: diz ele que aquilo que denominamos de ”vocação”,
ou seja, o sentimento de amor e realização em algum tipo de trabalho e que nos leva a um plano
de vida, nem os povos predominantemente católicos, nem a Antiguidade Clássica conheceram um
termo equivalente.

Ocorre que os protestantes, nesse período, e só eles ao longo da História, ao traduzirem a Bíblia,
alteraram o sentido da palavra para justificar a nova mentalidade burguesa. Na Bíblia, a palavra
vocação significava um chamamento, uma ordem divina para sair do mundo e dedicar a vida a Deus em
conventos e monastérios. Devido à mentalidade – de reforma da religião cristã − do tradutor, a palavra
é interpretada como chamamento divino sim, mas para agir no mundo e transformá-lo para a glória de
Deus, construir o reino de Deus no mundo, por meio do trabalho.

Desse modo, não apenas a palavra vocação ganha um novo sentido: o sentido que damos a ela até
hoje, como o valor que até então era dado ao trabalho, vai ser alterado. O trabalho deixa de ser uma
punição para se tornar (até hoje o vemos assim) uma salvação e um projeto coletivo de promoção do
bem comum e da felicidade geral. Portanto, essa mentalidade que resultará no espírito do capitalismo é
produto da Reforma Religiosa Protestante.

É também produto da Reforma a valorização do cumprimento do dever dentro das profissões,


procurando fazer o trabalho o mais perfeito possível, como se o labor cotidiano demonstrasse a presença
divina na execução das tarefas. E mais, como se todo o trabalho fosse feito para o próprio Deus, pois se
acreditava que a qualquer momento o Cristo encarnado poderia voltar para julgar os seres humanos
de acordo com sua conduta, sendo imprescindível que o crente estivesse sempre trabalhando dentro de
uma disciplina rígida.

41
Unidade II

Os valores de disciplina ascética, poupança, austeridade e dever vão ser incorporados ao mundo do
trabalho, o que relacionou o conceito de competência com ética profissional no mundo capitalista até
os dias atuais. Quando Kant escreveu Crítica da Razão Prática, em 1788, desenvolvendo sua reflexão
sobre o desinteresse e a universalidade como pilares da moral para construir sua noção de dever, tais
valores já eram praticados na vida cotidiana dos protestantes puritanos.

Os textos que orientam as diversas práticas profissionais definem profissão como trabalho que se pratica
com habitualidade a serviço de terceiros, reforçam que a profissão além da utilidade para o indivíduo é
uma rara expressão social e moral ou ainda consideram essa prática como alta expressão de humanidade.
A profissão permite ao indivíduo status social e realização plena. Por meio da profissão, provamos nossa
capacidade, habilidade, sabedoria e inteligência. Ela treina nossa personalidade para vencer os obstáculos,
entre eles o domínio de nossos desejos e paixões. Na verdade, tais textos estão desenvolvendo um
raciocínio de acordo com a ética kantiana, na qual liberdade, virtude da ação desinteressada (boa vontade)
e preocupação com o interesse geral definem as modernas morais do dever.

Leitura obrigatória

Convidamos você à leitura do livro a seguir:

WEBER, O. J. Ética, educação e trabalho. Curitiba: Editora


Intersaberes. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/
publications/9788582127605/pages/-2>. Acesso em: 11 nov. 2014.

Como vimos, essa visão do dever gerou de maneira indelével na cultura ocidental a ideia do mérito.
Se a pessoa consegue vencer seus interesses privados e por dever praticar ações que levam ao interesse
comum, ela se coloca um sobrevalor, ela se torna competente. A competência, sobretudo a profissional,
é um valor fundamental da ética profissional na civilização ocidental.

7.2 A competência como valor fundamental da ética profissional

Competência, na sua raiz etimológica, significa saber fazer bem. Se procurarmos o significado
do advérbio “bem”, ele indica algo que diz respeito tanto à verdade, do ponto de vista do
conhecimento, como ao valor, do ponto de vista da atitude que se exige do profissional. Assim,
ser competente é saber fazer bem o dever. Ao dever se articulam, além do saber, o querer e o
poder, já que é fundamental o domínio dos conteúdos específicos da atividade profissional.
Contudo, esse saber perde seu significado se não está ligado a uma vontade política (no sentido
de vida em sociedade), a um querer que determina a intencionalidade do gesto para com o outro
no espaço do trabalho. Esse gesto não se exerce se não contar com a liberdade enquanto poder
de direcionamento do processo.

Somos seres sociais e, desta maneira, nosso caráter, espírito e atitudes são construídos socialmente,
isto é, tudo o que sentimos, pensamos e nossos valores (o certo e o errado, o bem e o mal, o belo e o feio)
nos foram ensinados não só pelas nossas famílias, cursos, grupos e mídia, mas também por todo o nosso
42
ECONOMIA E ÉTICA

entorno social. Alguns filósofos têm representado os seres humanos como seres aprendentes. Assim, a
competência profissional, que é um valor ético profissional, foi durante toda a modernidade ensinada
pelas gerações de profissionais anteriores à nossa na carreira que escolhemos.

Leitura obrigatória

Em Minha biblioteca, você encontrará o livro a seguir:

DUTRA, J. S.; FLEURY, M. T. L.; RUAS, R. Competências: conceitos,


métodos, experiências. São Paulo: Atlas, 2008. Disponível em: <http://
online.minhabiblioteca.com.br/books/9788522468317/page/iv>. Acesso
em: 11 nov. 2014.

Enfim, quando se ingressava numa carreira, os profissionais mais velhos nos ensinavam o habitus ético
da categoria profissional a que iríamos pertencer por toda nossa vida. Carreira significava originalmente
na língua inglesa uma estrada para carruagens, e, como acabou sendo aplicada ao trabalho, terminou
por ter o sentido que hoje damos ao conceito: um canal para as atividades econômicas de alguém
durante a vida inteira (SENNET, 1999).

Quanto ao conceito de habitus, podemos elucidar que foi criado pelo sociólogo francês Pierre
Bourdieu para a análise da realidade social, hoje tão fragmentada e com um tão grande número de
subculturas que o conceito de classe social não é mais confiável.

Observação

O conceito de classe social foi um instrumento de análise social até


mais ou menos a década de 1980. Até esse momento histórico, a inserção
individual era bem definida na esfera da produção da sociedade capitalista.
Aprendia-se uma profissão trabalhando nela.

Até a instalação do capitalismo flexível, entre as décadas de 1980 e 1990, havia três possibilidades de
se inserir no mundo do trabalho: uma carreira na indústria, onde se entraria como aprendiz de operário
aos 14 anos ou menos, com instrução elementar (as séries iniciais bastavam desde que se soubesse ler,
escrever e realizar as quatro operações); profissional técnico burocrático, com educação de nível médio/
técnico; ou profissional liberal, isto para aqueles que nascessem em famílias com recursos econômicos
suficientes para bancar os estudos até a universidade.

Havia ainda a classe dos donos do capital, consequência direta do poder político que tinha
uma educação elitista, quase sempre feita na Europa ou mais recentemente nos Estados Unidos.
Essas classes se reproduziam por meio da ideologia que permeava a cultura de classe. O setor
de serviços era exclusividade e dever do Estado, que era forte e regulava com rigidez as relações
entre capital e trabalho, com leis construídas historicamente por meio da luta política da classe
43
Unidade II

trabalhadora e dos partidos políticos com ela comprometidos. Denominado welfare state ou
Estado do bem-estar social, o Estado democrático estava comprometido com as classes que
o apoiavam politicamente. Todos os setores sociais tinham compromissos e obrigações que os
estruturavam por meio da cultura.

Costuma-se definir cultura como um conhecimento coletivo que pode ser percebido nas interações
sociais, mas também como um conjunto de conhecimentos, ideias e crenças que foi acumulado na
memória social. Por isso, cultura implica em princípios, modelos, esquemas de conhecimento, geradores,
conservadores e, muitas vezes regeneradores de ideologias que dirigem a consciência coletiva. Ora, a
linguagem e o mito são elementos constituintes da cultura, então:

[...] a cultura não contém somente uma dimensão cognitiva; ela é um


instrumento cognitivo, cuja prática é de natureza cognitiva. Neste sentido
poderíamos dizer – metaforicamente – que a cultura de uma sociedade é
uma espécie de complexa mega-unidade de cálculo que armazena todas
as entradas (informações) cognitivas e, por dispor de propriedades quase
lógicas, [...] formula normas praticas, éticas e políticas dessa sociedade
(ORTIZ, 1994, p. 72-73).

Assim, cada indivíduo ao ingressar no mundo do trabalho adquiria não só a competência, mas a
produtividade, a sociabilidade, a honestidade, a fidelidade, o zelo, e o sigilo: valores essenciais da ética
profissional com seus companheiros no próprio cotidiano de labor e durante uma vida inteira.

Vivemos, hoje, na era da informação e do capitalismo flexível; fragmenta-se a burocracia, e muda


a rotina do trabalho e até a terminologia que usamos para ele. A palavra “job” (serviço, emprego), em
inglês do século XIV, queria dizer um bloco ou parte de alguma coisa que se podia transportar numa
carroça de um lado para outro. “A flexibilidade hoje traz de volta esse sentido arcano de job, na medida
em que as pessoas fazem blocos, partes de trabalho, no curso de uma vida” (SENNET, 1999, p. 9).

Atualmente, o mundo do trabalho não permite que tenhamos planos para uma carreira de uma
vida toda e, muito menos, as certezas de nossos avós que viviam em uma sociedade estruturada em
valores duros. Tomemos, por exemplo, um operário. Aos 14 anos, ele poderia planejar sua vida: ingressar
como aprendiz numa grande fábrica e sonhar com ascensão profissional até chefe de seção, casar-se,
morar na vila operária, pagar mensalmente as prestações da casa, enquanto os filhos cresciam e ir-lhes
ensinando sua profissão e os atributos morais ligados a ela. Instruir esses filhos na luta sindical, a votar
nos partidos da classe trabalhadora, a ter a carteira assinada e os direitos de assistência social.

Tal trabalhador, junto com os outros trabalhadores, construiria uma rede de solidariedade
geralmente ligada ao sindicato, às associações de bairro ou a comunidades religiosas. Poderia ter
acesso a um conjunto de orientações burocráticas para organizar suas experiências em longo prazo. As
leis estruturavam rigidamente salários, benefícios e pensões. Assim, ao final da vida, podia aposentar-
se e ingressar numa velhice achacada por doenças profissionais, mas tranquila dentro dos mesmos
valores morais, religiosos e éticos, da mesma vila e junto à mesma comunidade em que nascera ou
para onde migrara.
44
ECONOMIA E ÉTICA

A competência é um valor ético fundamental do mundo profissional. De nada adianta praticar todos
os princípios éticos se não tivermos a competência necessária para nosso trabalho. Afinal, é impossível
até sermos honestos no campo profissional se não tivermos competência.

A “descoberta” da perspectiva ética presente na competência profissional pode contribuir para uma
melhoria na qualidade do trabalho que fazemos se formos competentes em nosso espaço profissional.
Isso se consegue vivendo de maneira relacional entre teoria e práxis na nossa profissão. A teoria se
consegue por meio do saber cientifico historicamente acumulado; ao aplicá-la (a práxis), buscam-se
novos saberes que possibilitarão outras formas de ação competentes, e assim sucessivamente. Há uma
relação dialética entre saber e fazer.

Outro valor ético fundamental nas relações de trabalho dentro da burocracia capitalista é o zelo, que
consiste no cuidado amoroso com os instrumentos do trabalho e na própria execução da tarefa como
se estivéssemos trabalhando para a própria divindade. Faz parte do zelo profissional o cuidado com a
higiene pessoal e com tudo que se relaciona com o corpo do profissional e com sua aparência dentro
dos hábitos do grupo de trabalho que faz parte.

Além disso, é preciso haver em cada um de nós o sigilo, que é a capacidade de não revelar a ninguém
que não componha os quadros da empresa as informações que só interessam aos profissionais da
organização. Ao sigilo se refere o falar baixo e claro dentro da empresa, bem como evitar comentários
da vida privada, tanto nossas como de outrem.

Por fim, temos a honestidade como valor ético profissional fundamental. Do latim honestus, sinônimo
de honoris status, tem a ver com o homem íntegro e virtuoso. A honestidade é diferente da coação
externa, feita, por exemplo, por medo ou culpa. Não é o mesmo que sinceridade. Valor de respeito ao
outro e ao coletivo construído a partir de várias formas de educação que recebemos. Ninguém nasce
honesto. A honestidade é uma construção do entorno social.

Honestidade significa a capacidade de respeitar a propriedade alheia. Por propriedade alheia se


entende desde o dinheiro até o computador e tudo que a ele se refere.

Observação

É antiético colocar, por exemplo, fotos de parentes nossos no


computador do trabalho, onde deveria estar o logotipo da empresa. Não
existe meia honestidade.

Todo o material da empresa está sob nossa guarda para ser utilizado apenas e tão somente em
serviços profissionais, jamais em trabalhos pessoais. Até inconscientemente as pessoas pressentem o
risco do caos que seria viver entre desonestos.

A competência, o zelo, a honestidade e o sigilo se relacionam de maneira dialética, isto é, quando


desenvolvemos um desses valores acabamos por desenvolver todos os outros. Além disso, é preciso
45
Unidade II

lembrar que ética é conduta e que conduta se muda pelo exemplo. Pode ocorrer que, se cada um de nós
tiver valores éticos fortes, poderemos elevar o nível de conduta e aspiração do grupo de trabalho a que
pertencemos.

8 CONSTRUIR UMA VIDA ÉTICA PROFISSIONAL FACTÍVEL

A ética ocidental nos impõe um conjunto de valores que norteiam nossa conduta e que fundamentam
as nossas opções entre o bem e o mal, o justo e injusto. Tais opções correspondem à única forma
possível de liberdade. Liberdade que gera a responsabilidade por nossos atos e pelo “bem viver” dos
outros, sobretudo os mais fracos e dependentes. Isso será possível se cumprirmos bem nosso dever. Agir
de acordo com os nossos deveres como cidadãos, profissionais e pessoas nos levará a gerar laços de
solidariedade. Para melhorar o mundo hoje, o viver solidário é o traço fundamental para recuperarmos o
“viver” ético nas relações de trabalho, nas organizações empresariais públicas ou privadas e na sociedade
como um todo. Agimos quase automaticamente dentro daquelas normas de conduta que nos foram
ensinadas pelo nosso entorno social ao longo de nossas vidas.

Lembrete

As normas de conduta que dirigem nossas ações no cotidiano (ética que


temos) são pautadas em valores. Tais valores formam as crenças construídas
ao longo de nossas vidas pelas convicções políticas, pelo exemplo de
comportamento de família, pela educação escolar, pelos amigos, pela TV
e rádio, pela religião, pela cultura e pelos companheiros mais velhos de
profissão, entre outros.

No Brasil há duas éticas distintas e antagônicas: de um lado, a ética do capitalismo neoliberal (que
inverteu a ética protestante original e colocou o poder no lugar do dever), competitivo, narcisista,
individualista e centrado nas leis do mercado e regido pelo lucro. Por outro lado, a ética da solidariedade,
do amor ao próximo, da compaixão não só pelos seres humanos, mas por toda forma de vida, da
tolerância com o outro que sendo diferente não deixa de ser fraterno. É a ética pela qual clama a
sociedade civil, os movimentos pelos direitos sociais e as religiões.

É urgente que estejamos sempre refletindo sobre a diferença entre o que temos a fazer e o que devemos
fazer. Examinando constantemente as questões que se encontram em jogo nas nossas ações pessoais,
profissionais ou políticas, de preferência em comum com os mais diversos grupos a que pertencemos,
podemos nos tornar um profissional mais livre e justo e promotor do bem comum. Isso evitará a rede
da antiética que está por todos os lados, que pode nos seduzir com facilidades e “jeitinhos” e que pode
nos levar à escravidão dos vícios e na prisão por crimes. Longe, portanto, da felicidade pessoal que os
fundadores do capitalismo e da ética profissional sonharam para nossa época.

Somente por meio dessa reflexão constante e profunda é possível favorecer um projeto mais
consistente de sociedade e de trabalho condizentes com a essência humana de busca da felicidade, o
que só será possível onde houver plenitude da tolerância e do respeito à dignidade humana.
46
ECONOMIA E ÉTICA

Precisamos ter coragem para colocar a ética em primeiro lugar, para não permitir que nossas mentes
se fechem para o sofrimento do outro. Coragem para estar abertos às mudanças e para pensar em novas
questões que a princípio possam parecer extremadas. E, acima de tudo, precisamos ter coragem de agir
no sentido de buscar soluções para as nossas preocupações políticas e sociais; coragem para tomar
decisões éticas de contribuir para o planejamento de nosso futuro comum participando ativamente
em nossa comunidade. Isso é essencial para todos os profissionais e cidadãos, afinal vivemos numa
sociedade em rede na qual o valor fundamental é a tolerância.

Cuidando do outro como a nós mesmos pode nascer uma revolução, porque este modo de agir
toca o outro, que se interroga e sente o desejo de começar e experimentar também. Deste modo são
recuperadas as razões da convivência e as motivações das exigências éticas. Somente os valores éticos,
já que são uma síntese de todo o processo civilizatório, podem fortalecer o tecido social e melhorar a
convivência humana. Na verdade, a ética necessita ser construída e reconstruída em cada pessoa e em
cada geração no dia a dia da vida, a partir das pequenas coisas.

8.1 Os desafios e propostas para a prática da ética profissional

O campo de trabalho criou uma cultura, se é que podemos chamar por esse nome, onde tudo é
efêmero: as comunicações eletrônicas substituíram o senso de comunidade, os contratos substituem
o conjunto burocrático. Há uma frequência de mudança de emprego que põe em cheque a noção
de responsabilidade. A carreira tradicional, que avança passo a passo pelos cargos de uma ou duas
instituições ao longo da vida, e também a utilização de um único conjunto de qualificações no decorrer
de uma vida de trabalho estão fenecendo.

Como construir no mundo atual a competência? E, como desenvolver em curto prazo os compromissos
de lealdade e solidariedade? De que maneira é possível o sigilo, como valor ético, se a posse de uma
informação nova é capital para ingresso em uma empresa concorrente e com salários mais altos? A
“descoberta” da perspectiva ética presente na competência profissional pode contribuir para uma
melhoria na qualidade do trabalho que fazemos?

Nada se fez até agora com base apenas no fervor e na espera. É preciso agir
de outro modo, entregar-se ao trabalho e responder as exigências de cada
dia – tanto no campo da vida comum, como no campo da vocação. Este
trabalho será simples e fácil, se cada qual encontrar e obedecer ao demônio
que tece as teias de sua vida (WEBER, 2000, p. 52).

Cremos que insistir em determinadas ideias é de fundamental importância num momento como
o atual. As organizações operam como estruturas de rede flexível, frouxa, e não têm um comando de
cima para baixo que determinaria um código ético a ser seguido. As empresas tendem a deixar para o
profissional a culpa por deslizes no campo ético. A cobrança social e as possíveis punições recairão sobre
o contador. É o profissional que recebe as demandas por ética da parte dos cidadãos, que atualmente
são vistos por tais organizações, apenas, como consumidores ou clientes.

47
Unidade II

Propomos uma ética profissional voltada para a ideia de que somos seres culturais por excelência e
que os seres humanos constroem essa cultura ao mesmo tempo em que são por ela construídos, graças
ao recurso cognitivo da linguagem. Esta é também historicamente elaborada a partir dos conhecimentos
adquiridos, aptidões aprendidas, experiências vividas, consciência histórica e crenças místicas, em
íntima solidariedade – portanto corpórea – com os demais membros da sociedade onde vivemos. Dessa
maneira, os ”simbolismo coletivo”, ”consciência coletiva” e ”universo imaginário coletivo” constroem as
linguagens e são por elas construídos.

Como dissemos anteriormente, a cultura determina não só as regras e normas que organizam a
sociedade, como também o comportamento individual. Por isso, ao mudar as linguagens, mudam-se os
comportamentos e, além do inverso ser verdadeiro, ocorre um íntimo intercambiamento complexo entre
conduta, visão de mundo e linguagens usuais. A linguagem sendo respeitosa e ética pode contribuir para
uma ação ética no mundo do trabalho, uma vez que não é mais possível construir a ética profissional
como ela era construída pelas gerações anteriores.

O ser humano desenvolveu uma linguagem e, diferente de outros animais, aprendeu a solucionar
as situações-problema do presente por meio de um conjunto de representações simbólicas que foram
herdadas do passado individual e/ou coletivo. Toda sua compreensão de um fenômeno qualquer envolve
perspectivas de futuro. Dessa maneira, a linguagem, que é o veículo do pensamento, se tornou com o
tempo um conjunto complexo.

Nossas linguagens se estabeleceram em comunidades, voltadas ao trabalho, para as festas no tempo


das atividades agrícolas ou aos ritos de passagem das fases da vida humana. A linguagem é produto dos
seres humanos, resultado da nossa incapacidade de vivermos sós e da capacidade de previsão de nossas
necessidades futuras. Resgatando a linguagem concordata, elegante, mansa e eficaz, talvez seja possível
resgatar a moral de nossos ancestrais na atividade profissional.

Desta maneira, devemos sim nos indignar eticamente quando as linguagens, aparentemente
inocentes, utilizadas por companheiros de trabalho ou por nós mesmos, denotarem um desrespeito à
vida de qualquer espécie. Cuidar da linguagem, então, pode ser outra forma de zelo profissional.

Observação

Não podemos nos esquecer que os dois males do mundo do escritório


hoje, o assédio moral e o assédio sexual, têm sua origem em linguagens
inapropriadas às relações trabalhistas.

Para aceitar o desafio de sermos éticos em nossa vida profissional, civilizando a Terra, primeiro temos
que tomar consciência de que estamos no mesmo barco, isto é, o que acontece em qualquer lugar do
planeta nos diz respeito:

A salvação que o intelectual busca, sempre é uma salvação de ‘aflição íntima’


e, por isso, por um lado de caráter mais estranho à vida, porém, por outro, de
48
ECONOMIA E ÉTICA

caráter mais profundo e sistemático do que a salvação da miséria concreta que é


própria das camadas não privilegiadas. O intelectual, por caminhos cuja casuística
chega ao infinito, procura dar a seu modo de viver um sentido [...] Quanto mais o
intelectualismo reprime a crença na magia, ‘desencantando’ assim os fenômenos
do mundo, e estes perdem seu sentido mágico, somente ‘são’ e ‘acontecem’, mas
nada ‘significam’, tanto mais cresce a urgência com que se exige do mundo e
da ‘condução da vida’, como um todo, que tenham uma significação e estejam
ordenados segundo um sentido (WEBER, 1994, p. 343-344).

Resumo

Nesta unidade pudemos ter contato com a discussão da ética no


mundo dos negócios. Partimos das considerações acerca da ética conforme
apresentadas na unidade I, incorporando-as ao mundo econômico. O
assunto foi abordado desde o início do capitalismo e sua evolução ao
período recente.

Para o período recente, a abordagem esteve concentrada na ética


empresarial, suas condutas morais no ambiente da cultura organizacional
genérica. Neste aspecto, questões relacionadas ao marketing como forma
de geração de lucros foram apontadas também.

Sobre a ética empresarial, percebeu-se que as empresas precisam se


desenvolver de tal forma que a ética, a conduta ética de seus integrantes e os
valores e convicções primárias da organização se tornem parte de sua cultura.
Para tanto, adotam algumas atitudes, como o desenvolvimento do balanço
social e o exercício de cidadania e compromisso social além do código de ética
inserido no ambiente de governança corporativa relacionada à ética profissional
dentro de uma discussão de competência, valores e bem agir.

Exercícios

Questão 1. Leia o texto a seguir:

Segundo Manzalli e Aguiar (2015, p. 16), “a ética ocidental nos impõe um conjunto de valores que
norteiam nossa conduta e que fundamentam as nossas opções entre o bem e o mal, o justo e injusto.
Tais opções correspondem à única forma possível de liberdade. Liberdade que gera a responsabilidade
por nossos atos e pelo “bem viver” dos outros, sobretudo os mais fracos e dependentes. Isso será possível
se cumprirmos bem nosso dever. Agir de acordo com os nossos deveres como cidadãos, profissionais e
pessoas nos levará a gerar laços de solidariedade. Para melhorar o mundo hoje, o viver solidário é o traço
fundamental para recuperarmos o “viver” ético nas relações de trabalho, nas organizações empresariais
públicas ou privadas e na sociedade como um todo”.
49
Unidade II

Considere as ações empresariais descritas abaixo:

I – Uma ampla campanha de divulgação para tornar pública a destinação de parte do lucro obtido
com a venda de um produto para uma entidade assistencial.

II – A contratação, por parte de uma empresa, de pessoas com necessidades especiais apenas para
atender às exigências estipuladas pelo poder público.

III – A adoção, por parte de uma empresa, de programas de atendimento especial para funcionários
com problemas relacionados ao consumo de álcool ou de outras drogas.

Há associação entre o texto de Manzalli e Aguiar (2015) e a ação descrita em:

A) I, apenas.

B) II, apenas.

C) I e II, apenas.

D) III, apenas.

E) I e III, apenas.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a campanha de divulgação da ação solidária da empresa pode se confundir com


marketing promocional ou social. Assim, não se pode falar de uma ação apenas com motivação ética, já
que ela está também associada à obtenção de lucro ou de melhoria da imagem institucional da empresa.

II – Afirmativa incorreta.

Justificativa: a contratação de pessoas com necessidades especiais não pode ser resultado única e
exclusivamente das exigências do poder público. O comportamento ético prescinde de coerção.

III – Afirmativa correta.

Justificativa: a adoção de programas para atendimento aos funcionários sem que haja obrigatoriedade
e não havendo intenção de lucro por parte da empresa configura-se como uma ação solidária pautada
na ética e na moral, exatamente de acordo com o texto de Manzalli e Aguiar (2015).

50
ECONOMIA E ÉTICA

Questão 2. (Enade 2004, adaptada). Analise a charge a seguir:

A charge de Millôr aponta para:

A) a fragilidade de princípios éticos.

B) a defesa das convicções políticas.

C) a persuasão como estratégia de convencimento.

D) o interesse no bem-estar social da população.

E) o desrespeito às relações profissionais.

Resolução desta questão na plataforma.

51
REFERÊNCIAS

Textuais

ALENCASTRO, M. S. C. Ética empresarial na prática. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em:
<http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788565704229/pages/5> Acesso em: 11 nov.
2014.

ANTUNES, M. T. P. Ética. São Paulo: Pearson, 2013. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/


users/publications/9788564574540>. Acesso em: 11 nov. 2014.

BETHEL, S. M. Qualidades que fazem de você um líder. São Paulo: Makron Books, 1995.

BUARQUE, C. Da ética à ética: minhas dúvidas sobre a ciência econômica. Curitiba:


Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/
publications/9788565704137>. Acesso em: 11 nov. 2014.

CARLI, R. Antropologia filosófica. Curitiba: Editora Intersaberes, 2012. Disponível em: <http://unip.bv3.
digitalpages.com.br/users/publications/9788582122143>. Acesso em: 11 nov. 2014.

CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

COHN, G. Max Weber: sociologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1982.

___. Sociologia: para ler os clássicos. Rio de Janeiro: LTC, 1977. 

DUPAS, G. Ética e poder na sociedade da informação. São Paulo: Editora da Unesp, 2001.

DUTRA, J. S.; FLEURY, M. T. L.; RUAS, R. Competências: conceitos, métodos, experiências. São Paulo:
Atlas, 2008. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br/books/9788522468317/page/iv>.
Acesso em: 11 nov. 2014.

ECONOMIA brasileira. São Paulo: Academia Pearson, 2011. Disponível em: <http://unip.bv3.
digitalpages.com.br/users/publications/9788576055785/pages/_7>. Acesso em: 11 nov. 2014.

ELIAS, N. O processo civilizador. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.

FEIJÓ, R. História do Pensamento Econômico. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007. Disponível em: <http://
online.minhabiblioteca.com.br/books/9788522465255/page/ix>. Acesso em: 11 nov. 2014.

FORTES, J. C. Ética e responsabilidade profissional do contabilista. Fortaleza: Ed. Fortaleza, 2002.

GIDDENS, A. As consequências da Modernidade. São Paulo: Unesp, 1991.

52
___. Política, sociologia e teoria social: encontros com o pensamento social clássico e contemporâneo:
São Paulo: Unesp, 1998.

HABBERMANS. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

HÄRING, B. Tolerância: por uma ética de paz e solidariedade. São Paulo: Paulinas, 1995.

HUBERMAN, L. História da riqueza do homem. 22. ed. Rio de Janeiro: LTC editora, 2010. Disponível em:
<http://online.minhabiblioteca.com.br/books/978-85-216-1954-3/page/iv>. Acesso em: 11 nov. 2014.

KANT, I. Crítica da razão prática. São Paulo: Edições e Publicações Brasil Editora S.A., 2004.

LIMA, R. R. A. de; SILVA, A. C. S. R. e. Introdução à sociologia de Max Weber. Curitiba: Editora


Intersaberes, 2012.

LISBOA, L. P. Ética geral e profissional em contabilidade. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

MALAGUTI; CARCANHOLO (Org.). A quem pertence o amanhã? Ensaios sobre o neoliberalismo. São
Paulo: Edições Loyola, 1997.

___. Neoliberalismo: a tragédia de nosso tempo. São Paulo: Cortez, 1998.

MAXIMIANO, A. C. A. Teoria geral da administração. São Paulo: Atlas, 1974.

MÁYNEZ, E. G. Ética empírica. Ética de bens. Ética formal. Ética valorativa. 18. ed. Cidade do México:
Editorial Porrua, 1970.

MOREIRA, J. M. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999.

MOTTA, N. de S. Ética e vida profissional. Rio de Janeiro: Âmbito Cultural Edições, 1984.

NALINI, J. R. Ética geral e profissional. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

NASH, L. L. Ética nas empresa. São Paulo: Makron Books, 1993.

NOBRE, M.; REGO, J. M. Conversas com os filósofos brasileiros. São Paulo: Ed. 34, 2000.

ORTIZ, R. Mundialização e cultura. São Paulo: Brasiliense, 1994.

PELIZZOLI, M. L. Homo ecologicus: ética, educação ambiental e práticas vitais. Caxias do Sul: Educs,
2011. Disponível em: <http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788570616128>. Acesso
em: 11 nov. 2014.

53
PODER econômico: direito, pobreza, violência, corrupção. São Paulo: Manole, 2009. Disponível em:
<http://unip.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788520425916/pages/_7>. Acesso em: 11
nov. 2014.

RIOS, T. A. Ética e Competência. 7 ed. São Paulo: Cortez, 1999.

SÁ, A. L. de. Ética profissional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1998.

___. Ética profissional. 4º ed. São Paulo: Atlas, 2001.

SENNET, R. A corrosão do caráter: consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de


Janeiro: Record, 1999.

SILVA, A. C. R. (Org.). Abordagens éticas para o profissional contábil. Brasília: CFC, 2003. 90 p.

SILVA, A. L. C. da; LEAL, R. P. C. Governança corporativa: evidências empíricas no Brasil. São Paulo:
Atlas, 2007. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br/books/9788522468287/page/iv>.
Acesso em: 11 nov. 2014.

SMITH, A. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. São Paulo: Nova
Cultural, 1985.

SUNG, J. M. Desejo, mercado e religião. Petrópolis: Vozes, 1997.

___. Teologia e economia: repensando a teologia da libertação e utopias. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

SUNG, J. M.; SILVA, J. C. da. Conversando sobre ética e sociedade. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1995. 

TOURAINE, A. Crítica da modernidade. 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

VALLS, A. L. M. O que é ética. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1986.

VÁZQUEZ, A. S. Ética. 19. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.

WEBER, M. A ética protestante e o espírito do capitalismo. 11. ed. São Paulo: Pioneira, 1996.

___. Economia e Sociedade. 3. ed. Brasília: UnB, 1994. Vol. I, cap. V.

___. Ciência e política: duas vocações. 10. ed. São Paulo: Cultrix, 2000.

___. Le Savant et le Politique. Paris: Union Générale d’Édittions, 1959.

WEBER, O. J. Ética, educação e trabalho. Curitiba: Editora Intersaberes. Disponível em: <http://unip.bv3.
digitalpages.com.br/users/publications/9788582127605/pages/-2>. Acesso em: 11 nov. 2014.
54
WEYNE, B. C. O princípio da dignidade humana: reflexões a partir da filosofia de Kant. São Paulo:
Saraiva, 2012. Disponível em: <http://online.minhabiblioteca.com.br/books/9788502182806>. Acesso
em: 11 nov. 2014.

Site

<http://www3.ethos.org.br/>

Exercícios

Unidade I – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2010: Fisioterapia.
Questão 10. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_superior/enade/provas/2010/
fisioterapia_2010.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2015

Unidade II – Questão 2: INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO


TEIXEIRA (INEP). Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) 2004: Formação Geral.
Questão 3. Disponível em: < http://facitec.br/enade/downloads/Provas_Anteriores/Prova_de_
Formacao_Geral_2004.pdf>. Acesso em: 31 jul. 2015.

55
56
Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

S-ar putea să vă placă și