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INTRODUÇÃO
A ninguém é lícito interpretar a própria Escritura contra este sentido nem contra o
sentir unânime dos Padres.."
Por outro lado, é sabido que Mateus 16:18 é um texto crucial na justificação bíblica
dos dogmas que estabelecem o bispo de Roma como Cabeça visível da Igreja.
A interpretação mais comum nos Padres é que a pedra sobre a qual é edificada
a Igreja não é Pedro pessoalmente, mas a fé ou confissão que faz Pedro.
Uma opinião minoritária diz que a Pedra são todos os Apóstolos (Jerónimo e
Isidoro de Sevilha). Outra, elaborada por Cipriano de Cartago, vê no episcopado
universal a pedra sobre a qual se fundamenta a Igreja.
Num dos seus polémicos escritos, Tertuliano de Cartago afirmou que Pedro e
somente ele, pessoalmente, é a pedra.
Dois Padres de tal época que podem invocar-se a favor desta posição são Jerónimo
e Agostinho. No entanto, é interessante que o primeiro a expresse numa carta
dirigida precisamente ao bispo de Roma, e o segundo numa carta escrita a
propósito de uma ameaça de cisma.
Além disso, em outros de seus escritos, Jerónimo expressa que a Pedra é o próprio
Cristo, ou que se tratava de Pedro e dos demais Apóstolos.
(1) Pedro era a pedra como figura de toda a Igreja, ou seja que, na sua fé e
também na sua fraqueza, representava todos os que compõem o Corpo de Cristo
(Sermão 26)
(2) Que a pedra era Pedro, enquanto permanecesse na fé (Exp Salm 45:14)
De modo que o ilustre bispo de Hipona e Doutor da Igreja não parece ter tido uma
interpretação única deste versículo.
Em suma, o único dos Padres que de maneira consistente sustenta que a pedra era
Pedro pessoalmente e seus sucessores na pessoa dos bispos de Roma,
é precisamente um bispo de Roma, Leão Magno, em meados do século V.
A única razão que pode aduzir-se é que o Magistério hoje crê nela. Ou seja, deve
ser verdadeira, apenas porque Roma o diz e, como todos sabem, "ela não pode
equivocar-se".
Se, por o Senhor ter dito a Pedro, «Sobre esta pedra eu edificarei a minha Igreja»,
«a ti eu te dei as chaves do reino celestial», ou «qualquer coisa que ligares ou
desligares na terra, será ligada ou desligada nos céus», tu portanto supores que o
poder de ligar e desligar derivou para ti, ou seja, para toda a Igreja semelhante a
Pedro, que tipo de homem és, subvertendo e mudando totalmente a intenção
manifesta do Senhor, conferindo (como foi a sua intenção) isto pessoalmente a
Pedro? «Sobre ti», diz, «eu edificarei a minha Igreja»; e «Eu te darei as chaves a
ti», não à Igreja; e «o que desligares ou ligares», não o que «eles desligarem ou
ligarem». Pois assim adicionalmente ensina o resultado. No próprio (Pedro) a Igreja
foi criada; isto é, através do próprio (Pedro); ele próprio testou a chave; tu vês
qual: «Homens de Israel, deixai que o que digo penetre nos vossos ouvidos: Jesus
Nazareno, homem destinado por Deus para vós», e assim. O próprio (Pedro),
portanto, foi o primeiro a abrir, no baptismo de Cristo, a entrada para o reino
celestial, no qual são desligados os pecados que estavam antes ligados; e aqueles
que não foram desligados são ligados, segundo a verdadeira salvação...
Outra vez, Ele muda o nome de Simão para Pedro ... Mas, porquê Pedro? Se fosse
pelo vigor da sua fé, havia muitos materiais sólidos que poderiam emprestar o seu
nome por causa da sua força. Foi porque Cristo era uma rocha e uma pedra? Pois
lemos que foi posto «como pedra de tropeço e rocha de escândalo».
E se nós também dissermos como Pedro, «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo»,
não como se carne e sangue no-lo tivesse revelado, mas pela luz do Pai nos céus
tendo resplandecido no nosso coração, nos tornamos um Pedro, e a nós nos
poderia dizer o Verbo, «Tu és Pedro», etc. Pois é uma pedra cada discípulo de
Cristo de quem beberam aqueles que beberam da pedra espiritual que os seguia, e
sobre cada pedra assim é edificada cada palavra da Igreja, e o governo de acordo
com ela; pois em cada um dos perfeitos, que têm a combinação de palavras e
actos e pensamentos que preenchem a bem-aventurança, é a Igreja edificada por
Deus.
A promessa dada a Pedro não é restrita a ele, mas aplicável a todos os discípulos
como ele.
Mas se supões que sobre este Pedro somente toda a Igreja é edificada por Deus,
que dirias sobre João o filho do trovão ou de cada um dos Apóstolos? Atrever-nos-
emos, de outro modo, a dizer que contra Pedro em particular não prevalecerão as
portas do Hades, mas que prevalecerão contra os outros Apóstolos e os perfeitos?
Acaso o dito anterior, «as portas do Hades não prevalecerão contra ela», não se
sustém em relação a todos e no caso de cada um deles? E também o dito, «Sobre
esta pedra edificarei a minha Igreja?» São as chaves do reino dos céus dadas pelo
Senhor só a Pedro, e nenhum outro dos bem-aventurados as receberá? Mas se esta
promessa, «Eu te darei as chaves do reino dos céus» é comum aos outros, como
não o serão também todas as coisas de que anteriormente se falou, e as coisas que
estão subordinadas como tendo sido dirigidas a Pedro, ser comuns a eles? Pois
neste lugar estas palavras parecem ter sido dirigidas somente a Pedro ... Mas no
Evangelho de João, o salvador tendo dado aos discípulos o Espírito Santo soprando
sobre eles, disse, «Recebei o Espírito Santo»...
«Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo». E se alguém diz isto a Ele ... obterá as
coisas que foram faladas conforme a letra do Evangelho àquele Pedro, porém,
como o espírito do Evangelho ensina, a todo o que se torna tal como era Pedro.
Pois carregam o sobrenome de «pedra» todos os que são imitadores de Cristo, isto
é, da pedra espiritual que seguiu os que estavam sendo salvos, para que possam
beber dela na seca espiritual. Mas estes carregam o sobrenome da pedra tal como
o faz Cristo. Mas também como membros de Cristo que derivam o seu sobrenome
d`Ele eles são chamados cristãos, e da pedra, Pedros.
O Senhor disse a Pedro: Digo-te (disse Ele) que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. E dar-
te-ei as chaves do reino do céu, e o que ligares na terra, será ligado no céu, e o
que desligares na terra, será desligado no céu (Mateus 16:18-19). A ele de novo,
depois da Sua ressurreição, lhe diz: Alimenta as minhas ovelhas. E embora a todos
os Apóstolos, depois da Sua ressurreição, tenha dado um igual poder, e diga,
"Como o meu Pai me enviou, assim também eu vos envio: Recebei o Espírito
Santo; àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados, e àqueles a
quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos (João 20:21); - todavia, para manifestar
unidade, Ele por sua própria autoridade providenciou a origem dessa unidade, ao
começar de um. Certamente os outros Apóstolos também eram o que era Pedro,
dotados de um igual companheirismo de honra e poder; mas o começo procede da
unidade. Uma Igreja que, também, no Cântico dos Cânticos, o Espírito Santo
designa na pessoa de nosso Senhor, e diz: "Uma é a minha pomba, a minha
imaculada; ela é a única de sua mãe, eleita dela que a concebeu" (Cantares 9:6).
Sobre a unidade da Igreja 3-4 (ANF 5:672)
Sobre esta fé a Igreja de Deus foi fundada. Com esta expectativa, sobre esta pedra
o Senhor Deus colocou os fundamentos da Igreja. Quando, então, o Senhor estava
indo para Jerusalém, perguntou aos discípulos, dizendo: «Quem dizem os homens
que é o Filho do homem?» Os apóstolos dizem: «Alguns que Elias, outros que
Jeremias, ou um dos profetas». E Ele diz, mas vós, isto é, meus eleitos, vós que
me seguistes por três anos, e vistes o meu poder, e milagres, e presenciastes eu
andando sobre o mar, que partilhastes a minha mesa, «Quem dizeis que eu sou?»
Instantaneamente, o Corifeu dos apóstolos, a boca dos discípulos, Pedro, «Tu és o
Cristo, o Filho do Deus vivo».
Uma crença de que o Filho de Deus é Filho só de nome, e não em natureza, não é a
fé dos Evangelhos e dos Apóstolos ... por que motivo, eu pergunto, foi que o
bendito Simão Bar-Jonas confessou a Ele, Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo? ...
Se Ele era Filho por adopção, onde assenta a bem-aventurança da confissão de
Pedro, que ofereceu um tributo ao Filho para o qual, neste caso, Ele não tinha mais
direito que qualquer membro da comunidade dos santos? A fé do
Apóstolo penetrou numa região fechada ao raciocínio humano... E esta é a pedra
da confissão sobre a qual a Igreja é edificada ... que Cristo não deve ser somente
nomeado, mas crido, como Filho de Deus.
Por isso devemos buscar antes de todas as coisas, se Ele é Filho, e sobre este
ponto esquadrinhar especialmente as Escrituras; pois foi isto, quando os apóstolos
foram interrogados, que Pedro respondeu, dizendo:
"Tu és o Cristo, o Filho do Deus Vivo" ... esta é a verdade e o princípio soberano da
nossa fé ... E como Ele é um fundamento, e nós pedras edificadas sobre ele ... A
Igreja está firmemente estabelecida; está fundada sobre a pedra, e as portas do
inferno não prevalecerão contra ela ... E porque esta é a fé da Igreja, que eles de
alguma maneira entendam que o Senhor enviou os Apóstolos e lhes mandou fazer
disto o fundamento da Igreja.
E a casa de Deus, situada nos cumes das montanhas, é a Igreja segundo a opinião
do Apóstolo. Pois ele diz que deve-se saber «como comportar-se na casa de Deus».
Ora, os fundamentos desta Igreja estão sobre as montanhas sagradas, uma vez
que está edificada sobre o fundamento dos apóstolos e profetas. Uma destas
montanhas era certamente Pedro, sobre cuja pedra o Senhor prometeu edificar a
sua Igreja. Verdadeiramente por certo e por maior direito são as almas sublimes e
elevadas, almas que se elevam acima das coisas terrenais, chamadas
«montanhas». A alma do bendito Pedro foi chamada uma alta pedra porque ele
tinha um forte apoio na fé e suportou constante e valentemente os golpes infligidos
pelas tentações. Todos, portanto, que adquiriram um entendimento da divindade –
por causa da amplitude da mente e das acções que procedem dela - são os cumes
das montanhas, e sobre eles é edificada a casa de Deus.
A calidez dos nossos louvores não se estende a Simão [Pedro] enquanto ele era um
pescador; antes se estende à sua firme fé, a qual é ao mesmo tempo o fundamento
de toda a Igreja.
A fé, pois, é o fundamento da Igreja, pois não foi dito da carne de Pedro (da sua
pessoa), mas da sua fé, que «as portas do Hades não prevaleceriam contra ela» ...
Faz um esforço, portanto, para ser uma pedra! Não procures a pedra fora de ti,
mas dentro de ti! A tua pedra é a tua obra, a tua pedra é a tua mente. Sobre esta
pedra é edificada a tua casa. A tua pedra é a tua fé, e a fé é o fundamento da
Igreja. Se fores uma pedra, estarás na Igreja, porque a Igreja está sobre uma
pedra. Se estiveres na Igreja as portas do inferno não prevalecerão contra ti.
Isto é, antes de tudo, porque ele confessou que «Cristo» é «o Filho do Deus vivo»,
e se lhe disse, «Sobre esta pedra da fé segura edificarei a minha Igreja» - pois ele
claramente confessou que Cristo é o verdadeiro Filho.
Panarion, II-III
Jerónimo (342-420)
Porém, dizes, a Igreja foi fundada sobre Pedro: ainda que em outro lado o mesmo
é atribuído a todos os Apóstolos, e eles recebem todos as chaves do reino do céu, e
a força da Igreja depende de todos eles por igual, mas um dentre os doze é
escolhido para que estando uma cabeça nomeada, não pudesse haver ocasião para
cisma. Mas por que não foi escolhido João, que era virgem? Foi prestada deferência
à idade, porque Pedro era o mais velho: alguém que era jovem, quase diria um
garoto, não podia ser posto sobre homens de idade avançada; e um bom mestre
que estava disposto a tirar toda a ocasião de contenda entre os seus discípulos ...
não deve pensar-se que daria motivo de inveja contra o jovem que tinha amado...
Pedro é um Apóstolo, e João é um Apóstolo; mas Pedro é somente um Apóstolo,
enquanto João é um Apóstolo, e um Evangelista, e um profeta. Um Apóstolo,
porque escreveu às Igrejas como mestre; um Evangelista, porque compôs um
Evangelho, coisa que nenhum outro dos Apóstolos, excepto Mateus, fez; um
profeta, porque viu na ilha de Patmos, onde tinha sido exilado pelo imperador
Domiciano como um mártir do Senhor, um Apocalipse contendo os ilimitados
mistérios do futuro... O escritor virgem expôs mistérios que não pôde expor o
casado, e para resumir brevemente tudo e mostrar quão grande foi o privilégio de
João, a Mãe virgem foi confiada pelo Senhor virgem ao discípulo virgem.
O único fundamento que o arquitecto apostólico pôs é nosso Senhor Jesus Cristo.
Sobre este estável e firme fundamento, que foi depositado sobre terreno sólido, é
edificada a Igreja de Cristo ... Pois a Igreja foi fundada sobre uma pedra ... sobre
esta pedra o Senhor estabeleceu a sua Igreja; e o Apóstolo Pedro recebeu o seu
nome desta pedra (Mt 16,18) ... Ela, que com uma firme raiz está fundada sobre a
pedra, Cristo, a Igreja católica, é a única pomba; ela se ergue como a perfeita, e
perto da Sua mão direita, e nada sinistro tem nela ... A pedra é Cristo, que
concedeu aos seus apóstolos que eles também fossem chamados pedras, «Tu és
Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja».
«Vós, porém, quem dizeis que eu sou?» Nem todos responderam, mas somente
Pedro, interpretando a mente de todos: «Tu és o Cristo, Filho do Deus vivo». O
Salvador, aprovando a correcção desta resposta, falou, dizendo: «Tu és Pedro, e
sobre esta pedra» - isto é, sobre esta confissão - «edificarei a minha Igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela».
Pois se a sucessão linear de bispos for tomada em conta, com quanto mais certeza
e benefício para a Igreja podemos contar para trás até chegarmos ao próprio
Pedro, a quem, como transportando numa figura toda a Igreja, o Senhor disse:
«Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não
prevalecerão contra ela»! O sucessor de Pedro foi Lino, e os seus sucessores numa
continuidade inquebrantada foram estes...
O Evangelho que acaba de ser lido … nos dá a entender que o mar é o mundo
presente, e o Apóstolo Pedro o tipo da única Igreja. Pois Pedro, primeiro na ordem
dos Apóstolos, e no amor de Cristo mais avançado, responde muitas vezes sozinho
por todo o resto. De novo, quando o Senhor Jesus Cristo perguntou, "Mas quem
dizeis vós que eu sou?" Pedro respondeu "Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo". Um
deu a resposta por muitos, Unidade na multiplicidade. Então lhe disse o Senhor,
"Bendito és tu, Simão Bar-Jonas, porque carne e sangue não to revelou, mas meu
Pai que está no céu". Então acrescentou "E eu te digo a ti". Como se Ele tivesse
dito, "Porque tu mo disseste a mim, «és o Cristo, o Filho do Deus vivo», eu
também te digo «Tu és Pedro»". Pois antes ele era chamado Simão. Ora, este
nome de Pedro lhe foi dado pelo Senhor, e isso numa figura, que deveria significar
a Igreja. Pois vendo que Cristo é a Pedra (Petra), Pedro é o povo cristão. Pois a
pedra (Petra) é o nome original. Portanto, Pedro é chamado assim a partir da
pedra, não a pedra a partir de Pedro; como Cristo não é chamado Cristo a partir do
cristão, mas o cristão a partir de Cristo. "Portanto", disse, "tu és Pedro; e sobre
esta Pedra" que tu confessaste, sobre esta Pedra que reconheceste, dizendo "Tu és
o Cristo, o Filho do Deus vivo, edificarei a minha Igreja;" ou seja sobre Mim, o Filho
do Deus vivo, "edificarei a minha Igreja." Eu te edificarei a ti sobre mim, não a
mim sobre ti.
A seguir Agostinho trata do incidente registado uns poucos versículos mais à frente,
em Mateus 16:22ss, onde quando o Senhor anuncia a sua paixão, Pedro tenta
persuadi-lo, e Jesus lhe diz"Para trás de mim, Satanás, porque me serves de
tropeço". O bispo de Hipona prossegue:
Sermão 26.
Cristo, como vês, edificou a sua Igreja não sobre um homem mas sobre a confissão
de Pedro. Qual é a confissão de Pedro? «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo». Aqui
está a pedra para ti, aqui está o fundamento, aqui é onde a Igreja foi edificada, a
qual as portas do inframundo não podem conquistar.
Sermão 229P.1
Daí que Ele admoeste assim a Pedro quando este lhe deu mau conselho. Pois o
Senhor, quando estava prestes a sofrer pela nossa salvação, também anunciou o
que haveria de ocorrer relativamente a essa mesma Paixão; e Pedro diz, «Longe
esteja isto de Ti!, Deus não o permita!, Isto não acontecerá!» ... Mas o Senhor,
para fazer que não fosse à frente d`Ele, mas seguindo após Ele, diz, «Para trás de
mim, Satanás!» É por esta razão que disse «Satanás», porque estás pretendendo ir
à frente d`Ele, a quem deves seguir; mas se estiveres atrás, se o seguires a Ele,
não serás daqui em diante «Satanás». E daí? «Sobre esta Pedra edificarei a minha
Igreja».
Mas imediatamente quando o Senhor começou a falar da Sua Paixão, ele temeu
que perecesse pela morte, enquanto nós próprios pereceríamos se Ele não
morresse; e disse: «Longe de ti, ó Senhor, esta coisa não há-de ser feita». E o
Senhor, àquele a quem pouco antes tinha dito, «Bendito és tu, e sobre esta Pedra
edificarei a minha Igreja», lhe disse, «Para trás de mim, Satanás, porque és uma
ofensa para mim». Por que então é «Satanás» aquele que pouco antes era
«bendito» e uma «Pedra»? «Porque não cuidas das coisas que são de Deus», disse
Ele, «mas sim das coisas que são do homem». Um pouco antes ele cuidava das
coisas que são de Deus: porque «não to revelou carne nem sangue, mas meu Pai
que está nos céus». Quando [Pedro estava] em Deus, louvou o seu discurso, não
Satanás mas Pedro, de petra; mas quando [estava] em si mesmo e desde a
enfermidade humana, o amor carnal do homem, o qual seria um impedimento para
a sua própria salvação, e a do resto, é chamado Satanás. Porquê? Porque pretendia
ir à frente do Senhor, e dar conselho terrenal ao Líder celestial... Tu dizes, «Longe
esteja» e tu dizes, «Ó Senhor»; certamente se Senhor é Ele, sabe o que faz, sabe
o que diz. Mas tu desejas guiar o teu Líder, ensinar o teu mestre, mandar no teu
Senhor, escolher por Deus: foste demasiado longe, retrocede...
Se n`Ele formos tentados, n`Ele podemos vencer o diabo ... «Sobre a Pedra me
exaltaste». Agora, pois, aqui percebemos quem está clamando desde os confins da
terra. Tragamos à mente o Evangelho: «Sobre esta Pedra edificarei a minha
Igreja». Portanto clama desde os confins da terra Ela, que Ele tinha querido que
fosse edificada sobre uma Pedra. Mas para que a Igreja pudesse ser edificada sobre
a Pedra, quem foi feito tal Pedra? Escuta Paulo dizendo: «Mas a Pedra era Cristo».
Sobre Ele portanto fomos edificados. Por esta razão essa Pedra sobre a qual fomos
edificados, primeiro foi açoitada com ventos, inundações, chuvas, quando Cristo
estava sendo tentado pelo diabo. Vê sobre que firmeza Ele quis estabelecer-te.
Com razão a nossa voz não é em vão, mas é ouvida com atenção: pois em grande
esperança fomos firmados: «Sobre a Pedra me exaltaste».
Mas por que dizemos que eles são «fundamentos da terra»? Pois Cristo é o
fundamento e a base inabalável de todas as coisas ... Mas os seguintes
fundamentos, aqueles mais próximos de nós, pode entender-se que são os
apóstolos e evangelistas, aquelas testemunhas oculares e ministros da Palavra que
foram levantados para o fortalecimento da fé. Pois quando reconhecemos que as
suas próprias tradições devem ser seguidas, servimos a uma fé que é verdadeira e
não se desvia de Cristo. Pois quando [Pedro] sábia e irrepreensivelmente confessou
a sua fé a Jesus dizendo, «Tu és Cristo, Filho do Deus vivo», Jesus disse ao divino
Pedro, «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja». Ora,
pela palavra «pedra» Jesus indicou, penso eu, a inamovível fé do discípulo...
Cristo, que esquadrinha os corações, perguntou aos seus discípulos: «Quem dizem
os homens que eu, o Filho do Homem, sou?». Não porque não soubesse as
diversas opiniões dos homens acerca de Ele próprio, mas estava desejoso de
ensinar a todos a mesma confissão que Pedro, inspirado por Ele, pôs como a base e
fundamento, sobre a qual o Senhor edificou a sua Igreja.
Epístola 253
Que ninguém nesciamente suponha que o Cristo é qualquer outro senão o Filho
unigénito. Não nos imaginemos mais sábios que o dom do Espírito. Escutemos as
palavras do grande Pedro, «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo». Escutemos o
Senhor Cristo confirmando esta confissão, pois «Sobre esta pedra», diz, «edificarei
a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela». Portanto
também o sábio Paulo, excelentíssimo arquitecto das igrejas, não fixou outro
fundamento senão este. «Eu», diz, «como sábio arquitecto pus o fundamento, e
outro edifica sobre ele. Mas que cada um veja como edifica sobre ele. Pois nenhum
homem pode pôr outro fundamento senão o que está posto, o qual é Jesus Cristo».
... Portanto nosso Senhor Jesus Cristo permitiu ao primeiro dos apóstolos, cuja
confissão Ele tinha fixado como uma espécie de alicerce e fundamento da Igreja,
que vacilasse, e que o negasse, e então o levantou de novo ... Certamente ele está
chamando à fé piedosa e à confissão verdadeira uma «pedra». Pois quando o
Senhor perguntou aos seus discípulos quem dizia o povo que ele era, o bendito
Pedro falou, dizendo «Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo». Ao que o Senhor
respondeu: «Em verdade, em verdade te digo que és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela».
E quando eles registaram as várias opiniões de outras pessoas, Ele disse, «Mas
vós, quem dizeis que eu sou?» ... Perante isto o bendito Pedro, cuja confissão
divinamente inspirada estava destinada a beneficiar todas as nações, disse, «Tu és
Cristo, o Filho do Deus vivo». E não imerecidamente foi ele declarado bendito pelo
Senhor, tomando da pedra angular principal a solidez do poder que o seu nome
também expressa, ele, que, através da revelação do Pai, confessou-lhe ser ao
mesmo tempo Cristo e Filho de Deus...
Uma vez que, portanto, a Igreja universal tornou-se uma pedra (petra) através da
edificação da Pedra original, e o primeiro dos Apóstolos, o beatíssimo Pedro, ouviu
a voz do Senhor dizendo, «Tu és Pedro, e sobre esta pedra (petra) edificarei a
minha Igreja», quem é que se atreve a assaltar tal fortaleza inexpugnável, a não
ser o anticristo ou o diabo, que, permanecendo inconverso na sua impiedade, está
ansioso por semear mentiras mediante os vasos da ira que são apropriados para a
sua perfídia, enquanto sob o falso nome de diligência pretende estar em busca da
Verdade.
E justamente foi o bendito Apóstolo Pedro louvado por confessar esta união, que
quando o Senhor estava inquirindo o que conheciam d`Ele os discípulos,
rapidamente se antecipou ao resto e disse, «Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo».
E isto certamente viu, não pela revelação de carne ou sangue, que poderiam ter
dificultado a sua visão interior, mas pelo próprio Espírito do Pai operando no seu
coração crente, para que em preparação para governar toda a Igreja ele pudesse
primeiro aprender o que haveria de ensinar, e para a solidificação da Fé, a qual
estava destinado a pregar, pudesse receber esta garantia, «Tu és Pedro, e sobre
esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela». Esta força, portanto, da Fé cristã, a qual, edificada sobre uma pedra
inexpugnável não teme as portas da morte, reconhece o único Senhor Jesus Cristo
como verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, acreditando igualmente que ele é o
Filho da Virgem, que é o Criador da sua Mãe; nascido também no final dos tempos,
embora seja o Criador do tempo; Senhor de todo poder, e ainda assim mortal;
ignorante do pecado, e ainda assim sacrificado pelos pecadores à semelhança da
carne pecaminosa.
«Não será abalada» diz-se acerca da Igreja à qual somente essa promessa foi
dada: «Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do
Inferno não prevalecerão contra ela». Pois a Igreja não pode ser abalada porque se
sabe que foi fundada sobre a pedra mais sólida, a saber, Cristo o Senhor ... Deste
«fundamento», é inferido rectamente Cristo, que é uma pedra inabalável e uma
pedra inexpugnável. Acerca disto diz o Apóstolo: «Pois nenhum outro fundamento
pode algum homem pôr senão aquele que já está posto, o qual é Cristo Jesus».
Mas uma vez que não é a minha causa, mas a de Deus, uma vez que as leis
piedosas, uma vez que os veneráveis sínodos, uma vez que os próprios
mandamentos de nosso Senhor Jesus Cristo são transtornados pela invenção de
uma certa orgulhosa e pomposa frase, que seja o piedosíssimo senhor a cortar o
lugar da chaga, e prenda o paciente remisso nas cadeias da augusta autoridade.
Pois ao atar estas coisas justamente alivias a república; e, enquanto cortas estas
coisas, provês o alargamento do teu reinado.
Pois a todos os que conhecem o Evangelho lhes é evidente que pela voz do Senhor
o cuidado de toda a Igreja foi confiado ao santo Apóstolo e Príncipe de todos os
Apóstolos, Pedro. Pois a ele se diz, «Pedro, amas-me? Apascenta as minhas
ovelhas». A ele é dito, «Eis que Satanás desejou peneirar-vos como trigo; e eu orei
por ti, Pedro, para que a tua fé não desfaleça. E tu, quando te converteres,
fortalece os teus irmãos». A ele se diz, «Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei
a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as
chaves do reino do céu; e o que ligares na terra será também ligado no céu; e o
que desligares na terra, será desligado também no céu».
Eis que ele recebeu as chaves do reino celestial, e lhe é dado poder para ligar e
desligar, lhe é confiado o cuidado e a principalidade de toda a Igreja, e ainda assim
ele não é chamado o Apóstolo universal; enquanto o santíssimo homem, o meu
companheiro sacerdote João, pretende ser chamado bispo universal. Estou forçado
a gritar e dizer Oh tempos, oh costumes!
Eis que todas as coisas nas regiões da Europa são entregues ao poder dos
bárbaros, as cidades são destruídas, os campos arrasados, as províncias
despovoadas, nenhum lavrador habita a terra, os adoradores de ídolos prevalecem
e dominam para a matança dos fiéis, e ainda assim sacerdotes, que deveriam
chorar jazendo no chão e em cinzas, buscam para si nomes de vanglória, e se
gloriam em títulos novos e profanos.
O homem sábio que edificou a sua casa sobre a pedra significa o mestre fiel, que
estabeleceu os fundamentos da sua doutrina e vida sobre Cristo ... Além
disso, Cristo é chamado um «fundamento» porque a fé é estabelecida nele, e
porque a Igreja católica é edificada sobre ele.
Tu és Pedro e sobre esta pedra da qual tomaste o teu nome, ou seja, sobre mim
mesmo, edificarei a minha Igreja, sobre essa perfeição de fé que tu confessaste
edificarei a minha Igreja de cuja sociedade de confissão se alguém se desviar ainda
que em si mesmo pareça fazer grandes coisas, ele não pertence ao edifício da
minha Igreja. ... Metaforicamente é dito a ele que a Igreja há-de ser edificada
sobre esta pedra, ou seja, o Salvador que tu confessaste, que concedeu
participação ao fiel confessor do seu nome.
E Pedro, inflamado por um ardente zelo e incitado pelo Espírito Santo, replicou:
«Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo». Oh, bendita boca! Perfeitos, benditos lábios!
Oh, alma teológica! Mente preenchida por Deus e feita digna pela instrução divina!
Oh, divino órgão pelo qual Pedro falou! Justamente és bendito, Simão filho de
Jonas ... porque nem carne nem sangue nem mente humana, mas meu Pai no céu
revelou esta divina e misteriosa verdade a ti. Pois ninguém conhece o Filho, senão
aquele que é conhecido por ele ... Esta é a firme e inamovível fé sobre a qual,
como sobre a pedra cujo sobrenome carregas, a Igreja está fundada. Contra esta
as portas do inferno, as bocas dos hereges, as máquinas dos demónios – pois eles
haverão de atacar - não prevalecerão. Eles pegarão em armas mas não vencerão.
Fernando Saraví