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Universidade do Sul de Santa Catarina

Negócios
jurídicos

UnisulVirtual
Palhoça, 2014

1
Créditos

Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul


Reitor
Sebastião Salésio Herdt
Vice-Reitor
Mauri Luiz Heerdt

Pró-Reitor de Ensino, de Pesquisa e de Extensão


Mauri Luiz Heerdt
Pró-Reitor de Desenvolvimento Institucional
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Pró-Reitor de Operações e Serviços Acadêmicos
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Diretor do Campus Universitário de Tubarão


Heitor Wensing Júnior
Diretor do Campus Universitário da Grande Florianópolis
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Diretor do Campus Universitário UnisulVirtual
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Campus Universitário UnisulVirtual


Diretor
Fabiano Ceretta

Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) - Educação, Humanidades e Artes


Marciel Evangelista Cataneo (articulador)
Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Ciências Sociais, Direito, Negócios e
Serviços
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Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Produção, Construção e Agroindústria
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Unidade de Articulação Acadêmica (UnA) – Saúde e Bem-estar Social
Aureo dos Santos (articulador)

Gerente de Operações e Serviços Acadêmicos


Moacir Heerdt
Gerente de Ensino, Pesquisa e Extensão
Roberto Iunskovski
Gerente de Desenho, Desenvolvimento e Produção de Recursos Didáticos
Márcia Loch
Gerente de Prospecção Mercadológica
Eliza Bianchini Dallanhol

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Gisele Rodrigues

Negócios
jurídicos

Livro didático

Designer instrucional
Luiz Henrique Queriquelli

UnisulVirtual
Palhoça, 2014

3
Copyright © Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por
UnisulVirtual 2014 qualquer meio sem a prévia autorização desta instituição.

Livro Didático

Professor conteudista Projeto gráfico e capa


Gisele Rodrigues Equipe UnisulVirtual

Designer instrucional Diagramador(a)


Luiz Henrique Queriquelli Marina Broering Righetto

Revisor(a)
Amaline Boulos Issa Mussi

3421
C54 Goedert, Gisele Rodrigues Martins
Negócios jurídicos : livro didático / Gisele Rodrigues Martins
Goedert ; design instrucional Luiz Henrique Queriquelli. – Palhoça :
UnisulVirtual, 2014

94 p. : il. ; 28 cm.

Inclui bibliografia.

1. Direito civil. 2 Direito e fato. I. Queriquelli, Luiz Henrique. II.


Título.

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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Sumário

Introdução  |  7

Capítulo 1
Fatos jurídicos  |  9

Capítulo 2
Negócio jurídico  |  21

Capítulo 3
Defeitos e invalidade dos negócios jurídicos  |  39

Capítulo 4
Atos ilícitos e prova nos negócios jurídicos  |  57

Capítulo 5
Prescrição e decadência  |  75

Considerações Finais  |  89

Referências  |  91

Sobre o Professor Conteudista  |  93

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Introdução

Este livro didático se propõe a oferecer uma introdução ao segundo momento da


parte geral do Código Civil, também chamado de Livro III, em que se supera a
conceituação da pessoa enquanto sujeito de direitos e obrigações e se assume
o indivíduo como sujeito principal dos acontecimentos que produzem efeitos no
mundo jurídico.

De maneira geral, o Direito Civil está presente em todos os momentos. Quaisquer


acontecimentos sociais, ações ou omissões provocadas pelo comportamento
humano em geral podem ter influência no mundo jurídico. De que forma se pode
minimizar esses efeitos, para que os sujeitos envolvidos tenham condições de
manter uma convivência harmoniosa e pacífica em sociedade? A resposta a esta
pergunta você encontra ao longo das páginas que seguem.

Portanto, convido-o/a a esta leitura, a fim de obter o aprofundamento necessário


para entender melhor tais questões. Como você poderá observar, o primeiro
capítulo pretende apresentar o conceito de fato jurídico em sentido estrito, bem
como identificar a classificação de fato jurídico em sentido amplo. Por meio
desses conceitos, será possível contextualizar a finalidade negocial e os modos
de aquisição, conservação, modificação e extinção de direitos, que são a chave
para o início do estudo propriamente dito, referente ao negócio jurídico.

É justamente a partir da formação do negócio jurídico que se pode verificar a


formação das relações jurídicas e a formalização das obrigações. Dentre as
inúmeras classificações que serão estudadas nessa etapa, partiremos para o
estudo dos elementos constitutivos do negócio jurídico, identificados pelos
planos de existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos.

Os negócios jurídicos nem sempre serão perfeitos e, por vezes, apresentarão


vícios ou defeitos que acabarão culminando com a sua invalidade. Nesse
contexto, será possível identificar os defeitos que podem ocorrer nos negócios
jurídicos em geral, tais como o erro substancial, o dolo, a coação, o estado de
perigo, a lesão e a fraude contra credores. Em razão disso é que se menciona
a invalidade do negócio jurídico. Esta invalidade ocasionada pelos defeitos
apresentados poderá culminar com a inexistência do negócio jurídico, com
a nulidade absoluta (negócio nulo) ou, ainda, com a nulidade relativa ou
anulabilidade (negócio anulável).

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Você verá, ainda, que há situações nas quais a parte ou as partes podem
atuar contrariamente ao que o direito determina, e acabar, por vezes,
causando algum prejuízo tanto para elas mesmas quanto para terceiros.
Essa atuação contrária pode se identificar como um ato ilícito, o que
invariavelmente provocará a configuração da responsabilidade civil, ou seja,
originará o dever de indenizar.

Na continuidade do estudo, abordaremos um assunto de fundamental


importância para o negócio jurídico que é a prova. Sabe-se que, de maneira
geral, em nome da segurança jurídica, a prova é elemento essencial para a
configuração da responsabilidade civil originada por um negócio jurídico.
Poderá esta ser identificada através da confissão, da documentação
apresentada, das testemunhas, pela presunção e, ainda, pela designação
de perícia.

Finalizando nosso estudo, conheceremos as regras que podem limitar


ou autorizar o exercício do direito, identificadas em nosso livro como a
prescrição e a decadência. Afinal, o direito não socorre a quem não o exerce
em tempo hábil.

Desejo que este momento sirva de estímulo ao estudo do Direito Civil e


tenha o poder de transformar positivamente seu modo de ver e estudar o
Direito!

Sucesso, sempre!

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Capítulo 1

Fatos jurídicos

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de


conceituar os fatos jurídicos em sentido estrito e em
sentido amplo. Além disso, ao final do seu estudo,
você estará apto/a a distinguir as modalidades
de finalidade negocial, entre elas, a aquisição, a
conservação, a modificação e a extinção de direitos.

Seções de estudo Seção 1:  Fato jurídico

Seção 2:  Atos lícitos

Seção 3:  Finalidade negocial

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Capítulo 1

Seção 1
Fato jurídico
A partir de agora, adentraremos no segundo momento da parte geral do Código
Civil, não mais conceituando a pessoa enquanto sujeito de direitos e obrigações,
mas a pessoa como parte essencial e sujeito principal dos acontecimentos que
produzem efeitos no mundo jurídico. Para tanto, segundo Pablo Stolze Gagliano
(GAGLIANO, 2006 p. 331), “todo acontecimento, natural ou humano, que
determine a ocorrência de efeitos constitutivos, modificativos ou extintivos de
direitos e obrigações, na órbita do direito, denomina-se fato jurídico.”

Interessante a argumentação de Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 314),


quando aponta que o direito também tem seu ciclo vital: nasce, desenvolve-se
e extingue-se. Essas fases ou momentos decorrem de fatos denominados fatos
jurídicos, exatamente por produzirem efeitos jurídicos. Nem todo acontecimento
constitui fato jurídico. Alguns são simplesmente fatos, irrelevantes para o direito.
Somente o acontecimento da vida relevante para o direito, mesmo que seja fato
ilícito, pode ser considerado como fato jurídico.

Fato jurídico não é um conceito de direito civil, mas de todo o direito. Assim, seu
estudo é mais apropriado na teoria geral do direito, pois não apenas se aplica
às situações juscivilistas mas também às de todos os demais ramos de direito
privado ou público. (LOBO, 1986, p. 221).

Nem todos os fatos jurídicos são objeto do Código Civil, no entanto está regulada
no Livro III da Parte Geral, a matéria que se denomina “fatos jurídicos”. Para
Paulo Lobo, fatos jurídicos são todos os fatos naturais ou de conduta aos quais o
direito atribui consequências jurídicas. (LOBO, 1986, p. 221).

Verifica-se, assim, que todo fato, para ser considerado jurídico, deve passar
por um juízo de valoração. O ordenamento jurídico, que regula a atividade
humana, é composto de normas jurídicas, as quais preveem hipóteses de fatos
e consequentes modelos de comportamento considerados relevantes, e que, por
isso, foram normatizados. Estes, depois de concretizados, servem de suporte
fático para a incidência da norma e o surgimento do fato jurídico. (CARLOS
ROBERTO GONÇALVES, 2008, p. 314).

1.1 Fatos jurídicos em sentido amplo

O fato jurídico pode ser fato jurídico em sentido amplo (lato sensu) e fato
jurídico em sentido estrito (stricto sensu). Este último refere-se tão somente
aos acontecimentos naturais que possam produzir efeitos na órbita jurídica.
Fato jurídico lato sensu é todo acontecimento que se encontra regulado
pelo direito.

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Negócios Jurídicos

Desdobra-se em fato jurídico stricto sensu, ato-fato jurídico, ato jurídico stricto
sensu e negócio jurídico. (ROBERTO SENISE LISBOA, 2004, p. 368).

Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 315-316), os fatos naturais, também


denominados fatos jurídicos em sentido estrito, por sua vez, dividem-se em:

1. ordinários: como o nascimento e a morte, que constituem,


respectivamente, o termo inicial e final da personalidade, bem como
a maioridade, o decurso do tempo, todos de grande importância, e
outros. Logo, pode ser entendido como um evento natural bastante
comum e previsível;
2. extraordinários, que se enquadram, em geral, na categoria do
fortuito e da força maior: terremoto, raio, tempestade etc. Ou seja, é
o evento decorrente da natureza.
Confira, agora, a conceituação de fato jurídico em sentido amplo.

1.2 Fatos jurídicos em sentido estrito


Os fatos jurídicos em sentido amplo podem ser classificados em:

1. fatos naturais ou fatos jurídicos stricto sensu; e


2. fatos humanos ou atos jurídicos lato sensu.
Os primeiros decorrem de simples manifestação da natureza e os segundos da
atividade humana.

Os fatos humanos ou atos jurídicos em sentido amplo são ações humanas que
criam, modificam, transferem ou extinguem direitos. Estes, por sua vez, dividem-
se em lícitos e ilícitos.

Seção 2
Atos lícitos
Para efeito de conceituação, consideram-se lícitos os atos humanos a que
a lei defere os efeitos almejados pelo agente. Praticados em conformidade
com o ordenamento jurídico, produzem efeitos jurídicos voluntários, queridos
pelo agente. Os ilícitos, por serem praticados em desacordo com o prescrito
no ordenamento jurídico, embora repercutam na esfera do direito, produzem
efeitos jurídicos involuntários mas impostos por esse ordenamento. Em vez de
direito, criam deveres, obrigações. Hoje se admite que os atos ilícitos integram a

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Capítulo 1

categoria dos atos jurídicos pelos efeitos que produzem. Estes estão regulados
nos artigos 186 e 927 do Código Civil, em que se ressalta a obrigação de
indenizar. (GONÇALVES, 2008, p. 316).

Os atos ilícitos serão objeto de estudo em momento oportuno, cabendo,


primeiramente, nos dedicarmos ao estudo dos atos denominados lícitos.

Em se tratando de matéria com diversidade de classificações idealizadas pelos


autores da área, e, ainda, com o intuito de tornar o estudo mais fácil e didático,
utilizar-se-á a classificação proposta por Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 251):

Os atos lícitos dividem-se em:

a. ato jurídico em sentido estrito ou meramente licito;


b. negocio jurídico; e
c. ato fato jurídico.

2.1 Ato jurídico em sentido estrito (stricto sensu)


Nessa espécie, há uma manifestação de vontade do agente, mas suas
consequências são as previstas em lei e não na vontade das partes.

O ato jurídico em sentido estrito promana de manifestação ou declaração


unilateral de vontade, projetando-se na orbita jurídica de terceiros. Não depende
de assentimento ou concordância do destinatário ou beneficiário para que seja
considerado válido e eficaz.

Lobo (1986, p. 237) ainda menciona que outra nota determinante e peculiar do
ato jurídico em sentido estrito é que seu autor não pode definir seus efeitos,
seus limites e seu alcance. A vontade é sua, podendo ou não exteriorizá-la, mas,
desde o momento que o faz, perde o controle de sua destinação. A lei é que
define para que serve essa vontade exteriorizada, qual ou quais pessoas podem
ser afetadas por ela, positiva ou negativamente, e seus preciosos fins.

Para Tartuce (2011, p. 312), um bom exemplo de ato jurídico stricto sensu é o
reconhecimento de um filho. Digamos que uma pessoa teve um filho fora do
casamento e, como pai, quereria reconhecê-lo. Com o reconhecimento, surgem
efeitos legais, como direito do filho de usar o nome do pai, o dever do último de
prestar alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, entre outros.

Sendo reconhecido um filho, os efeitos decorrentes do ato não dependem da


vontade da pessoa que fez o reconhecimento, mas da lei, da norma jurídica.
Como é notório, não pode o pai limitar esses direitos decorrentes de lei.

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Negócios Jurídicos

Ou seja, o efeito da manifestação da vontade está predeterminado na lei, e a


ação humana se baseia não em uma vontade qualificada mas em uma simples
intenção. (GONÇALVES, 2008, p. 251).

2.2 Negócio jurídico


Para efeitos da classificação estudada, “Negócio jurídico é todo evento
decorrente da vontade humana, que se consubstancia em um conjunto de
atos jurídicos dependentes entre si, dispostos pelos negociantes em uma
ordem temporal lógica, para obtenção do resultado ou interesse pretendido
pelas partes.”(LISBOA, 2004, p. 371). Essa modalidade ainda será estudada
pormenorizadamente.

2.3 Ato-fato jurídico


Além dos conceitos acima, alguns autores defendem a existência de um
instituto denominado ato-fato jurídico. Impende salientar que o Código Civil não
recepcionou essa modalidade, no entanto a doutrina se manifesta, em grande
parte, pela sua existência, ainda que controversa.

Para Tartuce (2011, p. 310), o ato-fato jurídico pode ser conceituado como “um
fato jurídico qualificado por uma atuação humana, por uma vontade não relevante
juridicamente.”

Os atos-fatos jurídicos são atos ou comportamentos humanos em que não


houve vontade, ou, se houve, o direito não as considerou. Nos atos-fatos
jurídicos, a vontade não integra seu suporte fático. É a lei que os faz jurídicos e
atribui consequências ou efeitos a eles, independentemente de estes terem sido
queridos, ou não. Das espécies de fatos jurídicos, a menos conhecida, ou menos
precisa, é o ato-fato jurídico, por se encontrar a meio caminho entre o fato jurídico
em sentido estrito e o ato jurídico em sentido amplo. (LOBO, 1986, p. 232).

A título de esclarecimento, Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 339) traz o exemplo


da compra e venda feita por crianças. Ninguém discute que a criança, ao
comprar o doce no boteco da esquina, não tem a vontade direcionada
à celebração do contrato de consumo. Com efeito, o que se ressalta, na
verdade, é a consequência do ato, ou seja, o fato resultante, sem se dar maior
significância se houve vontade, ou não, de realizá-lo. Percebe-se que, em
alguns momentos, torna-se bastante difícil diferenciar o ato-fato jurídico do ato
jurídico em sentido estrito.

13
Capítulo 1

Para facilitar a compreensão da classificação estudada, vejamos o seguinte


esquema:

Figura 1.1 – Classificação dos fatos jurídicos

Ordinários
Fatos naturais
Ato jurídico em
Extraordinários
Fatos jurídicos sentido estrito ou
(em sentido amplo) meramente lícito

Fatos humanos Lícitos Negócio jurídico


(atos jurídicos em
sentido amplo)
Ilícitos Ato-fato jurídico

Fonte: Gonçalves (2008, p. 250).

Cumprido o estudo da classificação, o próximo tópico dedica-se ao estudo


da Finalidade Negocial, que abrange os efeitos constitutivos, modificativos
ou extintivos de direitos e obrigações. Estes efeitos são considerados fatores
determinantes na configuração do fato jurídico (ato jurídico em sentido amplo),
especialmente do negócio jurídico e do ato ilícito, que será objeto de estudo em
momento posterior.

Seção 3
Finalidade negocial
No negócio jurídico, a manifestação da vontade tem finalidade negocial, que
abrange a aquisição, conservação, modificação ou extinção de direitos.

3.1 Aquisição de direitos


Ocorre aquisição de um direito com a sua incorporação ao patrimônio e à
personalidade do titular. O Código Civil atual não menciona expressamente a
aquisição dos direitos, diferente do que ocorria no Código Civil de 1916, mais
precisamente no artigo 74, que dispõe:

Art. 74. Na aquisição dos direitos se observarão estas regras:

I - adquirem-se os direitos mediante ato do adquirente ou por


intermédio de outrem;

II - pode uma pessoa adquiri-los para si, ou para terceiros;

14
Negócios Jurídicos

III - dizem-se atuais os direitos completamente adquiridos, e


futuros os cuja aquisição não se acabou de operar.

Parágrafo único. Chama-se deferido o direito futuro, quando


sua aquisição pende somente do arbítrio do sujeito; não deferido,
quando se subordina a fatos ou condições falíveis.

No entanto, mesmo não fazendo mais parte do nosso Código Civil atual, como
se trata de conceito consagrado pela doutrina, ainda é bastante utilizado.
(GAGLIANO, 2006, p. 335).

Antes de se estudar a aquisição de direitos propriamente dita, faz-se necessário


o esclarecimento de alguns conceitos fundamentais, expressos no já mencionado
art. 74, III, do Código Civil anterior, tais como a terminologia direito atual, direito
futuro, dentre outros, que, no entanto, como já foi dito, continuam com sua
essência preservada.

3.1.1 Conceituações necessárias


Antes de você estudar as formas de aquisição, é necessário entender os
conceitos de:

•• direito atual;
•• direito futuro;
•• direitos eventuais;
•• expectativa de direito;
•• direitos condicionais.

Direito atual é o que, tendo sido adquirido, está em condições de ser exercido,
por estar incorporado ao patrimônio do adquirente.

Direito futuro é aquele cuja aquisição ainda não se operou, que não pode
ser exercido. Sua realização depende de uma condição ou prazo. Há fatos
que devem acontecer, para que esse direito se aperfeiçoe. Por exemplo: no
compromisso de compra e venda de imóveis a prazo, o direito real só surgirá com
o pagamento final do preço e o registro no competente Cartório do Registro de
Imóveis.

A expressão direito futuro abrange gênero que compreende todas as relações


potenciais ainda não exercíveis ou exercitáveis, por faltar-lhes um ou outro
elemento. O direito não se corporificou. Com essa terminologia, compreendemos
não só os direitos a termo e os condicionais, propriamente ditos, como também
os chamados direitos eventuais, matéria da qual nos ocuparemos a seguir.

Nesse sentido, Silvio de Salvo Venosa (2007) ainda elucida que o direito futuro

15
Capítulo 1

pode ser deferido. É, conforme a lei, aquele que, para o complemento de


sua aquisição há dependência exclusiva de um ato do próprio sujeito, de sua
própria aceitação. São exemplos dessa categoria a situação do herdeiro ou
do legatário na transmissão da herança. Em que pese a herança se transmitir
automaticamente, o ato jurídico só se completa pela aceitação dos titulares, pois
os herdeiros podem renunciar à herança.

O direito futuro será não deferido quando, para seu aperfeiçoamento, houver
dependência de condições falíveis, que escapam ao mero arbítrio do interessado.
É o caso da promessa de recompensa, pois dependerá de credor, inicialmente
incerto, que aceite e realize as condições da promessa, para que possa exigir
recompensa.

O direito eventual é direito incompleto, que pode ter vários aspectos. O direito
eventual é direito futuro, pois depende de um acontecimento para completar-se,
mas já apresenta características embrionárias, isto é, já apresenta características
em alguns de seus elementos constitutivos. Trata-se de relação jurídica ainda
incompleta. Podem ser exemplificados pela venda de coisa alheia: quem vende
algo que ainda não possui, fica na dependência de adquirir a coisa para poder
transmiti-la. Nesses casos, os direitos já se apresentam moldados, faltando
apenas um ou alguns elementos para completá-los.

Pode ser direito quase completo, apresentando-se como direito futuro, mas, com
certa relação com o presente, já desfruta de alguma proteção jurídica.

Algumas vezes o direito se forma gradativamente. Na fase preliminar, quando há


apenas esperança ou possibilidade de que ele seja adquirido, a situação é de
expectativa de direito. Consiste esta, pois, na mera possibilidade de se adquirir
um direito, tal qual ocorre no direito sucessório. (GONÇALVES, 2008, p. 321).

A lei só concede proteção jurídica quando a expectativa de direito se transforma


em direito eventual, isto é, quando a expectativa se converte em direito. Enquanto
não houver proteção jurídica, estaremos diante de mera expectativa, e não de um
direito. (VENOSA, 2007, p. 391).

Os direitos condicionais partem da noção de condição dada pelo art. 121 do


Código Civil: condição é a cláusula que subordina o ato jurídico a evento futuro
e incerto. Direitos condicionais, portanto, são os subordinados a evento futuro e
incerto. Para tanto, o Código Civil define: “Considera-se condição a cláusula que,
derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio
jurídico a evento futuro e incerto.” (art. 121).

Tanto nos direitos eventuais como nos condicionais existe subordinação a evento
futuro e incerto. Há numerosas coincidências nessas duas categorias.

16
Negócios Jurídicos

Os direitos eventuais, contudo, trazem elemento futuro e incerto inerente e


essencial ao próprio negócio jurídico, enquanto, nos direitos condicionais, o
fato dito condicional é externo ao ato. Nem todo elemento futuro e incerto deve
ser considerado condição. O negócio jurídico eventual é negócio jurídico ainda
incompleto o qual necessita que algo ocorra para completar-se. É de índole
interna. Quem vende, por exemplo, coisa que ainda não tem, depende de obtê-la
para poder transmiti-la.

Nos direitos condicionais, o direito já se perfez. Apenas se agregou um elemento


externo, uma condição, para ser exercido, uma vez que sua existência jurídica
depende desse elemento condicional. A condição aposta a um direito é acessória.

No direito eventual, o evento futuro e incerto é essencial à integração do direito.

Temos de concluir que, para fins práticos, tanto o direito eventual como o direito
condicional devem ser tratados de maneira idêntica. (VENOSA, 2007, p. 389-392).

Feitas as considerações necessárias no tocante à contextualização do modo


de aquisição dos direitos, buscaremos, a partir de agora, compreender sua
classificação. Inicialmente, a aquisição dos direitos poderá ser originária ou
derivada. (GONÇALVES, 2008, p. 320).

3.1.2 Formas de classificar a aquisição


A aquisição de direitos pode ser originária, derivada, gratuita ou onerosa, ou a
título singular ou universal.

Será originária quando a aquisição ocorre no momento do surgimento do direito;


do início da relação jurídica. Ou seja, quando se dá sem qualquer interferência
do anterior titular. Ocorre, por exemplo, na ocupação de coisa sem dono:
nasce o direito de se obter a posse, mesmo que o imóvel tenha sido direito de
propriedade anterior de alguém.

Derivada é a aquisição que decorre de transferência feita por outra pessoa. Nesse
caso, o direito é adquirido com todas as qualidades ou defeitos do titulo anterior,
visto que ninguém pode transferir mais direitos do que tem. Por exemplo, o direito
de usufruto deriva do direito à propriedade ou posse. Mas o direito ao usufruto não
é, exatamente, um direito originário, pois não deriva de uma relação jurídica.

Classificamos uma aquisição como gratuita ou onerosa de acordo com a


existência, ou não, de uma contraprestação para a aquisição do direito.

Quanto à sua extensão, poderá ser a título singular ou universal: ocorre no


tocante a bens determinados: em relação ao comprador, na sucessão inter vivos,
e em relação ao legatário, na sucessão causa mortis. A título universal, quando o
adquirente sucede o seu antecessor na totalidade de seus direitos, como se dá
com o herdeiro.

17
Capítulo 1

3.2 Conservação de direitos


Em se tratando da segunda modalidade da finalidade negocial, qual seja, a
conservação de direitos, entende-se que, para resguardar ou conservar seus
direitos, o titular deverá valer-se de algumas medidas, muitas vezes de caráter
acautelatório, podendo ser sistematizadas, segundo Pablo Stolze Gagliano (2006,
p. 337), da seguinte forma:

•• Atos de conservação: atos praticados pelo titular do direito para


evitar o perecimento, turbação, esbulho de seu direito. É o exemplo
evidente das medidas e ações cautelares.
•• Atos de defesa do direito lesado: tendo ocorrido a violação
ao direito, o ajuizamento de ações cognitivas ou executivas, no
exercício do direito constitucional de ação (art. 5º, XXXV, da CF/88),
é a medida adequada para a conservação do direito.
•• Atos de defesa preventiva: antes mesmo da violação – mas
diante da sua ameaça evidente – é possível o ajuizamento de
procedimentos próprios para uma defesa preventiva, como é o
caso dos interditos proibitórios ou no estabelecimento de cláusulas
contratuais, com evidente característica de defesa preventiva
extrajudicial, como, por exemplo, a fiança.
•• Autotutela: ocorrida a violação, a ordem jurídica admite, sempre
excepcionalmente, a pratica de atos de autotutela, como por
exemplo, o direito de greve, no direito do trabalho.

3.3 Modificação de direitos


Para melhor compreensão desse item, podemos dizer que os direitos subjetivos
nem sempre conservam suas características originárias ou permanecem
inalterados no decorrer de sua existência, o que significa que podem sofrer
modificações.

Para grande parte da doutrina, as modificações podem ser objetivas ou


subjetivas:

18
Negócios Jurídicos

A modificação objetiva diz respeito ao seu objeto. A alteração pode ser tanto de
quantidade – volume, ou qualidade – conteúdo de objeto ou direitos. Pode afetar a
quantidade ou a qualidade do direito, forma ou intensidade de exercê-lo.

A modificação subjetiva refere-se ao titular. É a alteração da titularidade do objeto


ou direito, pode-se dar tanto pela substituição do sujeito ativo ou passivo quanto
pela multiplicação ou concentração de sujeitos ou mesmo desdobramento da
relação jurídica. É como se o alienante perdesse o direito para quem alienou.

Como exemplo, temos o contrato de compra e venda. Nele, o antigo proprietário


perde o direito de domínio do bem, no entanto o direito à propriedade ainda
existe, sendo este exercido pelo comprador que, a partir desse momento, será
o novo titular. Ressalte-se que a modificação subjetiva é possível para a maioria
dos direitos, exceto aos direitos personalíssimos. (GAGLIANO, 2006, p. 336).

3.4 Extinção de direitos


Assim como podem ser adquirido, conservado ou modificado, o direito também
poderá ser extinto. Aliás, são várias as razões que podem autorizar a extinção
dos direitos.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 324), costumam ser mencionadas, entre
outras, as seguintes: o perecimento do objeto sobre o qual recaem, alienação,
renúncia, escoamento do prazo, prescrição e decadência. Algumas causas de
extinção podem ser:

•• objetivas (perecimento do objeto sobre o qual recaem),


•• subjetivas (quando o direito é personalíssimo e morre o seu titular);
e outras ainda,
•• concernentes ao vinculo jurídico (perecimento da própria
pretensão ou do próprio direito material, como na prescrição e na
decadência).
Finalizado o estudo das classificações atinentes aos fatos jurídicos
propriamente ditos e considerando o estudado na finalidade negocial, o
próximo tópico se destina à abordagem do Negócio Jurídico, modalidade de
ato jurídico em sentido amplo.

19
Capítulo 2

Negócio jurídico

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você a habilidade de


conceituar e classificar os negócios jurídicos. Além
disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a a
distinguir o que é necessário para que um negócio
jurídico tenha existência, validade e eficácia.

Seções de estudo Seção 1:  Negócio jurídico: contextualização e


conceito

Seção 2:  Classificação dos negócios jurídicos

Seção 3:  Planos de existência, validade e eficácia

21
Capítulo 2

Seção 1
Negócio jurídico: contextualização e conceito
Neste tópico, será abordado o negócio jurídico, parte da matéria considerada
fundamental para a compreensão dos demais conceitos da parte geral, bem
como da parte especial do Código Civil. É no negócio jurídico que reside toda a
essência para a formação das relações jurídicas e a formalização das obrigações.

Historicamente, o negócio jurídico teve início na doutrina germânica, conforme


contextualiza Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 347):

A categoria dos negócios jurídicos desenvolveu-se graças ao labor da doutrina


germânica em período relativamente recente. Por isso, Clóvis Bevilaqua, ao
elaborar o Código Civil em 1899, não cuidou de dispensar a devida atenção,
deixando de consagrá-la em seu projeto. Aliás, analisando as suas normas,
verificamos que, em nenhum momento, utilizou-se a expressão negócio jurídico,
não obstante o tratamento legal dado ao “ato jurídico” fosse perfeitamente
aplicável. Tal inconveniente foi contornado pelo Novo Código Civil, cuja Parte
Geral, da lavra do Min. Moreira Alves, merecedora de justos elogios, disciplina
exaustivamente a categoria de negócios jurídicos, sem desconsiderar os atos
jurídicos em sentido estrito.

A partir do Código Civil atual, pode-se dizer que houve uma verdadeira revolução
no modo de se visualizarem as obrigações, os contratos, o casamento e,
sobretudo, os negócios jurídicos, já que profundas foram as alterações sociais
e econômicas pelas quais passou o mundo civilizado. Importante salientar
que o Código Civil de 2002 não buscou conceituar tanto o ato jurídico stricto
sensu quanto o negócio jurídico, demonstrando somente quais seriam os seus
elementos estruturais (art. 104 do CC). O foco principal do negócio jurídico, a
manifestação da vontade, sofreu um verdadeiro impacto, apontando alguns
autores que é praticamente impossível, hoje, a sua manifestação inequívoca e
plena, a exemplo dos contratos de adesão. (TARTUCE, 2011, p. 314).

Ou seja, o negócio jurídico passou por algumas mudanças significativas ao longo


dos tempos.

No negócio jurídico há uma composição de interesses, um regramento


bilateral de condutas, como ocorre na celebração de contratos. A
manifestação da vontade tem finalidade negocial, que, como já vimos no
capítulo anterior, em geral se traduz em criar, adquirir, transferir, modificar
ou extinguir direitos. (GONÇALVES, 2008, p. 326).

22
Negócios Jurídicos

Para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona (2010, p. 353), “negócio jurídico
é a declaração de vontade, emitida em obediência aos seus pressupostos de
existência, validade e eficácia, com o propósito de produzir efeitos admitidos pelo
ordenamento jurídico pretendidos pelo agente.”

Já Maria Helena Diniz conceitua o negócio jurídico como o “poder de


autorregulação dos interesses que contém a enunciação de um preceito,
independentemente do querer interno.” (DINIZ, 2004, p. 472)

Seção 2
Classificação dos negócios jurídicos
Conceituado o negócio jurídico, passamos ao estudo da sua classificação. Em se
tratando da classificação dos negócios jurídicos, além de ser extensa, há clara
divergência doutrinária no tocante à sua concepção e subdivisão. Desta forma,
optamos pela classificação que se apresenta de maneira mais didática, qual
seja, a de Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 327-337), que dispõe poderem os
negócios jurídicos ser classificados em:

•• unilaterais, bilaterais e plurilaterais;


•• gratuitos, onerosos, neutros e bifrontes;
•• inter vivos e mortis causa;
•• principais e acessórios;
•• solenes ou formais e não solenes ou de forma livre;
•• simples, complexos e coligados;
•• dispositivos e obrigacionais;
•• fiduciário e simulado.

Confira o que determina cada classificação.

2.1 Unilaterais, bilaterais e plurilaterais


Quanto ao número de declarantes ou de manifestações de vontade necessárias
ao seu aperfeiçoamento, os negócios jurídicos classificam-se em unilaterais,
bilaterais ou plurilaterais.

23
Capítulo 2

2.1.1 Negócios jurídicos unilaterais


Negócios jurídicos unilaterais são os que se aperfeiçoam com uma única
manifestação de vontade (Exemplo: testamento, codicilo, instituição de fundação,
aceitação e renúncia da herança, promessa de recompensa etc.).

Subdividem-se em duas espécies:

•• receptícios – são aqueles em que a declaração de vontade tem de


se tornar conhecida do destinatário para produzir efeitos (exemplo:
denúncia ou resilição de um contrato, revogação de mandato etc.);
•• não receptícios – são aqueles em que o conhecimento por parte
de outras pessoas é irrelevante (exemplo: testamento, confissão de
dívida etc.).

2.1.2 Negócios jurídicos bilaterais


Negócios jurídicos bilaterais são aqueles que se perfazem com duas
manifestações de vontade coincidentes sobre o objeto. Essa coincidência chama-
se consentimento mútuo ou acordo de vontades (contratos em geral).

Podem existir várias pessoas no polo ativo e, também, várias no polo passivo,
sem que o contrato deixe de ser bilateral pela existência de duas partes, pois
estas não se confundem com aquelas.

Em outras palavras, o que torna o contrato bilateral é a existência de dois polos


distintos, independentemente do número de pessoas que integre cada polo.

2.1.3 Negócios jurídicos plurilaterais


Negócios jurídicos plurilaterais são os contratos que envolvem mais de duas
partes, ou seja, mais de dois polos distintos (exemplo: contrato social de
sociedades com mais de dois sócios).

2.2 Gratuitos, onerosos, neutros e bifrontes


Quanto às vantagens patrimoniais que podem produzir, os negócios jurídicos
classificam-se em gratuitos e onerosos, neutros e bifrontes.

2.2.1 Negócios jurídicos gratuitos


Negócios jurídicos gratuitos são aqueles em que só uma das partes aufere
vantagens ou benefícios (Exemplo: doação pura ou comodato).

24
Negócios Jurídicos

2.2.2 Negócios jurídicos onerosos


Negócios jurídicos onerosos são aqueles em que ambos os contratantes auferem
vantagens ou benefícios, aos quais, porém, corresponde uma contraprestação
(Exemplo: compra e venda, empreitada, locação etc.).

Pode-se dizer, portanto, que todo negócio oneroso é bilateral, mas a recíproca
não é verdadeira (Exemplo: doação, comodato).

Os negócios jurídicos onerosos podem ser:

•• comutativos – quando a prestação de uma parte depende de uma


contraprestação da outra, que é equivalente, certa e determinada;
•• aleatórios – quando a prestação de uma das partes depende de
acontecimentos incertos e inesperados. A álea, a sorte, é elemento
do negócio (Exemplo: contrato de seguro).

2.2.3 Negócios jurídicos neutros


Há negócios que não podem ser incluídos na categoria dos onerosos, nem dos
gratuitos, pois lhes falta atribuição patrimonial.

São chamados de neutros e se caracterizam pela destinação dos bens. Em geral,


coligam-se aos negócios translativos, que têm atribuição patrimonial, como, por
exemplo, a instituição das cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade.

2.2.4 Negócios jurídicos bifrontes


Negócios jurídicos bifrontes são os contratos que podem ser onerosos ou gratuitos,
segundo a vontade das partes (Exemplo: mútuo, mandato, depósito etc.).

A conversão de negócio jurídico só se torna possível, se o contrato é definido


na lei como negócio gratuito, pois a vontade das partes não pode transformar
um contrato oneroso em gratuito, uma vez que subverteria a sua causa.

Nem todos os contratos gratuitos podem ser convertidos em onerosos por


convenção das partes.

A doação e o comodato, por exemplo, ficariam desfigurados, se tal acontecesse,


pois se transformariam, respectivamente, em venda e locação.

2.3 Negócios jurídicos inter vivos e causa mortis


Considerando o momento da produção dos efeitos, os negócios jurídicos podem
ser classificados em inter vivos e causa mortis.

25
Capítulo 2

Inter vivos – destinam-se a produzir efeitos desde logo, isto é, estando as partes
ainda vivas (Exemplo: promessa de venda e compra).

Causa mortis – são os negócios jurídicos destinados a produzir efeitos após a


morte do agente (Exemplo: testamento).

2.4 Negócios jurídicos principais e acessórios


Quanto ao modo de existência, os negócios jurídicos poderão ser principais e
acessórios.

Negócios jurídicos principais são os negócios jurídicos que têm existência


própria e não dependem da existência de qualquer outro para produzir efeitos
(Exemplo: compra e venda, locação etc.).

Negócios jurídicos acessórios são os que têm sua existência subordinada a


um negócio jurídico principal (Exemplo: cláusula penal, fiança etc.), de forma que
seguem o destino do principal. Extinta a obrigação principal, extingue-se também
a acessória, mas o contrário não persiste.

2.5 Negócios solenes ou formais e não solenes ou de forma


livre
Em relação às formalidades a serem observadas, os negócios jurídicos estão
subdivididos em solenes ou formais e não solenes ou de forma livre.

2.5.1 Negócios jurídicos solenes ou formais


São os negócios jurídicos que devem obedecer à forma prescrita em lei para que
se aperfeiçoem.

Quando a forma é exigida como condição de validade do negócio, este é solene


e a formalidade é ad solemnitatem, isto é, constitui a própria substância do ato
(Exemplo: escritura pública na alienação de imóvel, no testamento público etc.).

Mas determinada forma pode ser exigida apenas como prova do ato. Nesse caso,
se diz tratar-se de uma formalidade ad probationem tantum (Exemplo: assento do
casamento no livro de registro – art. 1536).

2.5.2 Negócios jurídicos não solenes ou de forma livre


Em regra, os negócios jurídicos obedecem a forma livre. Como a lei não reclama
nenhuma formalidade para o seu aperfeiçoamento, podem ser celebrados por
qualquer forma, inclusive a verbal (art. 107 – CC).

26
Negócios Jurídicos

2.6 Negócios jurídicos simples, complexos e coligados


Quanto ao número de atos necessários, classificam-se em negócios jurídicos
simples, complexos ou coligados.

Simples são os negócios que se constituem por ato único.


Complexos são os que resultam da fusão de vários atos com
eficácia independente.

Compõem-se de várias declarações de vontade, que se completam, emitidas


pelo mesmo sujeito ou diferentes sujeitos, para a obtenção dos efeitos jurídicos
pretendidos na sua unidade (Exemplo: alienação de um imóvel em prestações,
que se inicia pela celebração de um compromisso de compra e venda e se
completa com a outorga da escritura definitiva).

O negócio jurídico complexo é único e não se confunde com o coligado.

Coligados são os que se compõem de vários outros negócios jurídicos distintos


(Exemplo: arrendamento de posto de gasolina, coligado pelo mesmo instrumento
ao contrato de locação das bombas, de comodato de área para funcionamento
de lanchonete, de fornecimento de combustível, de financiamento etc.).

2.7 Negócios jurídicos dispositivos e obrigacionais


Considerando as modificações que podem produzir, os negócios jurídicos
poderão ser dispositivos ou obrigacionais.

Dispositivos são aqueles utilizados pelo titular para alienar, modificar ou extinguir
direitos (Exemplo: a constituição de usufruto em favor de terceiro).

Obrigacionais são os que, por meio de manifestações de vontade, geram


obrigações para uma ou para ambas as partes, possibilitando às mesmas a
exigência de uma contraprestação (Exemplo: compra e venda. Um se dispõe a
pagar o preço e o outro a entregar a coisa).

2.8 Negócio fiduciário e negócio simulado


Por derradeiro, quanto ao modo de obtenção do resultado, o negócio jurídico
pode ser fiduciário e simulado.

Negócio fiduciário é aquele em que alguém, o fiduciante, transmite um direito


a outrem, o fiduciário, que se obriga a devolver esse direito ao patrimônio
do transferente ou a destiná-lo a outro fim. Visam as partes um fim prático,

27
Capítulo 2

realizando um negócio cujos efeitos ultrapassam os objetivos do que foi


celebrado. Há uma discrepância entre o negócio jurídico utilizado e os fins a
serem buscados.

Negócio simulado é o que tem aparência contrária à realidade, ou seja, não é


válido. Embora, nesse sentido, seja semelhante ao negócio fiduciário, neste as
declarações de vontade são falsas (Exemplo: declarações falsas para fraudar o
Fisco).

Finalizando esta etapa, analisaremos nesse momento as regras referentes aos


elementos constitutivos do negócio jurídico, já apontadas anteriormente, quais
sejam, os Planos de Existência, Validade e Eficácia.

Seção 3
Planos de existência, validade e eficácia
Seguindo a linha dos doutrinadores que estudam o tema, Pablo Stolze Gagliano
e Rodolfo Pamplona (2010, p. 354-355) entendem que, para apreendê-lo
sistematicamente – e não simplesmente reproduzir regras positivadas –, faz-se
mister analisá-lo sob os três planos em que pode ser visualizado:

Existência: um negócio jurídico não surge do nada, exigindo-se, para que seja
considerado como tal, o atendimento a certos requisitos mínimos;

Validade: o fato de um negócio jurídico ser considerado existente não quer dizer
que ele seja considerado perfeito, ou seja, com aptidão legal para produzir efeitos;

Eficácia: ainda que um negócio jurídico existente seja considerado válido, ou seja,
perfeito para o sistema que o concebeu, isto não importa em produção imediata de
efeitos, pois estes podem estar limitados por elementos acidentais da declaração.

Estes três Planos (Existência – Validade – Eficácia) são denominados pela


doutrina como a “Escada Ponteana”, em homenagem ao grande jurista brasileiro
Pontes de Miranda. Observe o gráfico:

28
Negócios Jurídicos

Figura 2.1 - Escada ponteana: existência, validade e eficácia

Plano da eficácia:
• condição;
• termo;
• consequências do
inadimplemento negocial
(juros, multas, perdas e
danos);
• outros elementos.
(efeitos do negócio)

Plano da validade:
• capacidade (do agente);
• liberdade (da vontade ou
consentimento);
• licitude, possibilidade,
determinabilidade (do
objeto);
• adequação (das formas).
(requisitos da validade)

Plano da existência:
• agente;
• vontade;
• objeto;
• forma.
(pressupostos de 
existência)

Fonte: Tartuce (2011, p. 320).

Vejamos, cada um deles pormenorizadamente.

3.1 Plano de existência


Inicialmente, não discutiremos a validade ou eficácia do negócio jurídico, mas
tomaremos como base a existência, ou não, do mesmo. Para isso, o Plano de
Existência é composto por alguns elementos constitutivos ou denominados
pressupostos de validade, que, para Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
Filho (2010, p. 360), são:

•• manifestação de vontade;
•• agente emissor da vontade;
•• objeto; e
•• forma.

29
Capítulo 2

3.1.1 Manifestação da vontade


A manifestação de vontade pode ser expressa (quando for demonstrada pela
palavra escrita ou falada, ou por meio de gestos e sinais) ou, ainda, poderá
ser tácita (quando resultante de um comportamento do agente). (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2010, p. 363).

Entende-se, ainda, que o silêncio também pode significar manifestação de


vontade, conforme determina o Art. 111 do CC: “O silêncio importa anuência,
quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a
declaração de vontade expressa.”

Ou, ainda, o Art. 147 também do CC: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio
intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte
haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não
se teria celebrado.”

Note-se que o emprego de meios que neutralizem a manifestação volitiva, tais


como a violência física ou, até mesmo, a hipnose, torna inexistente o negócio
jurídico.

Ainda em se tratando da manifestação da vontade, temos a reserva


mental. Ocorre reserva mental quando um dos declarantes oculta a sua
verdadeira intenção, isto é, quando não quer um efeito jurídico que declara
querer. Tem por objetivo enganar o outro contratante ou declaratário. Se
este, entretanto, não soube da reserva, o ato subsiste e produz os efeitos
que o declarante não desejava. Ou seja, a reserva é o que se passa na
mente do declarante, não produzindo efeitos.

Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 352) esclarece:

Alguns exemplos são mencionados, ora agindo o declarante


de boa-fé, ora de má-fé. Da primeira hipótese é aquele em que
o declarante manifesta a sua vontade no sentido de emprestar
dinheiro a um amigo (contrato de mútuo), porque este tinha a
intenção de suicidar-se por estar em dificuldades financeiras. A
intenção do declarante não é a de realizar o contrato de mútuo,
mas, tão somente, salvar o amigo do suicídio. Ainda assim, o
propósito do engano continua presente, sendo hipótese típica de
reserva mental.

Passemos ao próximo elemento, qual seja, o agente emissor da vontade.

30
Negócios Jurídicos

3.1.2 Agente emissor da vontade


Ora, sem o sujeito, não se pode falar em ato, mas, tão somente, em fato jurídico
em sentido estrito. A participação do sujeito de direito (pessoa natural ou jurídica)
é indispensável para a configuração existencial do negócio jurídico. (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2010 p. 362).

Ou seja, o negócio jurídico dependerá de uma pessoa para manifestar sua


vontade.

Importa salientar que uma parcela significativa da doutrina trata este elemento
juntamente com o anterior, formando um só elemento, denominado manifestação
ou declaração de vontade, ou, apenas, vontade. A subdivisão desses elementos
foi realizada com o intuito de promover a compreensão do tema de maneira mais
didática.

3.1.3 Objeto
Todo negócio jurídico pressupõe a existência de um objeto, sendo este não
necessariamente um bem exclusivamente material mas também imaterial, como
no caso de um contrato de direito autoral.

Assim, na análise do objeto, Sebastião José de Assis Neto (2009, p. 167) observa
que o conteúdo das obrigações contraídas pelas partes também está englobado
no objeto. Para o autor, deve-se observar que o objeto do negócio engloba não
só um bem especificamente descrito na declaração de vontade mas ainda o
conteúdo das obrigações contraídas pelas partes.

3.1.4 Forma
Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona (2010, p. 363) entendem que a forma é o
meio pelo qual a declaração se exterioriza, ou, em outras palavras, o tipo de
manifestação através do qual a vontade chega ao mundo exterior. Sem uma
forma pela qual se manifeste a vontade, por óbvio, o negócio jurídico inexiste,
uma vez que a simples intenção encerrada na mente do agente (cogitação) não
interessa para o direito.

Importante que não se confunda a forma como se exterioriza a declaração, que


é elemento constitutivo, com a forma legalmente prescrita, que é requisito de
validade. Assim, é possível que um negócio exista, mas não atenda ao requisito
da forma legalmente prescrita, o que poderia torná-lo inválido, embora existente.
(OLIVEIRA, 2012).

Encerrado o estudo do Plano de Existência, passa-se à abordagem do Plano de


Validade do Negócio Jurídico. Vejamos:

31
Capítulo 2

3.2 Plano de validade do negócio


“A validade do negócio jurídico requer: I – agente capaz; II – objeto lícito possível,
determinado ou determinável; III – forma prescrita ou não defesa em lei.” (CC.
Art. 104).

3.2.1 Agente capaz


São capazes as pessoas que estão aptas a exercer pessoalmente os atos da
vida civil. Lembre-se: nada impede que a pessoa considerada incapaz seja titular
do direito a ponto de realizar um negócio jurídico, no entanto esta deverá ser
representada ou assistida conforme a sua incapacidade. Relembre:

Quadro 2.1 - Incapacidade absoluta e incapacidade relativa

Incapacidade Absoluta art. 3º Incapacidade Relativa art. 4º

Representação                    Tutor                     Assistência

Art. 3º São absolutamente incapazes de Art. 4o São incapazes, relativamente a certos


exercer pessoalmente os atos da vida civil: atos, ou à maneira de os exercer:

I - os menores de dezesseis anos; I - os maiores de dezesseis e menores de


dezoito anos;

Representação                  Curador                   Assistência

II - os que, por enfermidade ou deficiência II - os ébrios habituais, os viciados em


mental, não tiverem o necessário tóxicos, e os que, por deficiência mental,
discernimento para a prática desses atos; tenham o discernimento reduzido;

III - os que, mesmo por causa transitória, III - os excepcionais, sem desenvolvimento
não puderem exprimir sua vontade. mental completo;

IV - os pródigos.

Fonte: Elaboração do autor (2014).

Esse pressuposto está diretamente vinculado ao estudado na Introdução ao


Direito Civil.

Desta forma, resta-nos esclarecer alguns pontos no tocante à figura da


representação.

O negócio jurídico é realizado ou celebrado pelas partes diretamente, na maioria


dos casos. Mas um terceiro pode agir em nome e no interesse da pessoa que
é parte no negócio jurídico (representado), para tanto exercendo determinados
poderes. Essa intermediação denomina-se representação, e a pessoa que age
em nome de outra é o representante. (LOBO, 1986, p. 255).

32
Negócios Jurídicos

O Código Civil traz um capítulo dedicado à Representação, conforme se observa:

CAPÍTULO II

Da Representação

Art. 115. Os poderes de representação conferem-se por lei ou


pelo interessado.

Art. 116. A manifestação de vontade pelo representante,


nos limites de seus poderes, produz efeitos em relação ao
representado.

Art. 117. Salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável


o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por
conta de outrem, celebrar consigo mesmo.

Parágrafo único. Para esse efeito, tem-se como celebrado


pelo representante o negócio realizado por aquele em quem os
poderes houverem sido subestabelecidos.

Art. 118. O representante é obrigado a provar às pessoas,


com quem tratar em nome do representado, a sua qualidade
e a extensão de seus poderes, sob pena de, não o fazendo,
responder pelos atos que a estes excederem.

Art. 119. É anulável o negócio concluído pelo representante em


conflito de interesses com o representado, se tal fato era ou devia
ser do conhecimento de quem com aquele tratou.

Parágrafo único. É de cento e oitenta dias, a contar da conclusão


do negócio ou da cessação da incapacidade, o prazo de
decadência para pleitear-se a anulação prevista neste artigo.

Art. 120. Os requisitos e os efeitos da representação legal são


os estabelecidos nas normas respectivas; os da representação
voluntária são os da Parte Especial deste Código.

Chama a atenção o disposto no art. 117 em relação à restrição legal para a


realização do autocontrato, ou contrato consigo mesmo. É importante destacar,
segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 379), que
o contrato consigo mesmo, enquanto manifestação de uma representação, em
uma interpretação a contrario sensu do dispositivo legal, é aceitável, desde que
a modalidade contratual adotada seja permitida legalmente ou, omissa a norma
legal, desde que houver livre manifestação de vontade do representado.

Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 366) classifica a representação em três


espécies: a legal, judicial e convencional.

33
Capítulo 2

•• Representação legal decorre de lei, ou seja, a lei confere poderes


para administrar bens e interesses alheios, como, por exemplo, os
curadores em relação aos curatelados.
•• Representação judicial é aquela em que o juiz nomeia o
representante como nos casos do inventariante nomeado para
cuidar dos interesses de herdeiros etc.
•• Representação convencional é a espécie em que o indivíduo
nomeia um representante para que este o represente em
determinados atos, seja de forma geral ou especial. Pode ser
exemplificada como aquela em que o representante poderá alienar
ou dar quitação pelo representado.

Feitas as elucidações em relação à Representação, passa-se ao próximo


pressuposto que é a licitude do objeto.

3.2.2 Licitude, possibilidade e determinação do objeto


Continuando, o art. 104, II determina que a validade do negócio jurídico requer,
ainda, objeto lícito, possível, determinado ou determinável.

Pois bem. Objeto lícito é aquele que não atenta contra a lei, a moral ou os bons
costumes. O objeto deve ser, também, possível. Quando impossível, o negócio é
nulo. A impossibilidade pode ser física ou jurídica.

Impossibilidade física - A impossibilidade física é aquela que emana das leis


físicas ou naturais. Deve ser absoluta, isto é, atingir a todos, indistintamente. A
relativa, que atinge o devedor, mas não outras pessoas, não constitui obstáculo
ao negócio jurídico (Art. 106 do CC/02).

Impossibilidade jurídica - A Impossibilidade jurídica do objeto ocorre quando o


ordenamento jurídico proíbe, expressamente, negócios a respeito de determinado
bem, como a herança de pessoa viva (CC. art. 426) e alguns bens fora do comércio.

O objeto do negócio jurídico deve ser, igualmente, determinado ou determinável


(indeterminado relativamente ou suscetível de determinação no momento da
execução). (GONÇALVES, 2008, p. 359).

3.2.3 Forma prescrita ou não defesa em lei


A forma do negócio jurídico em princípio é livre, quando não for substancial. A
desobediência à forma prescrita em lei é a causa da nulidade, a modalidade mais
forte de invalidade. A forma que invalida é substancial – formalismo negocial (ad
substantiam) – e não a formalidade com finalidade simplesmente probatória (ad
probationem).

34
Negócios Jurídicos

A forma substancial tem por objetivo obrigar as pessoas a refletir sobre as


consequências daquele negócio jurídico, a facilitar o reconhecimento do negócio
jurídico por terceiros e quando se impuser maior segurança. A forma especial só
pode ser exigida quando a lei assim determinar, para determinadas situações.
(LOBO, p. 250).

Do ponto de vista da forma, o negócio jurídico é solene (ou formal) se a


manifestação de vontade precisa ser feita de uma forma especial e solene
(forma prevista em lei).

Para finalizar, podemos concluir que a regra geral de liberdade de forma só


poderá ser rebatida quando a lei expressamente o determinar. Passamos agora
ao último plano da escada ponteana.

3.3 Plano de eficácia do negócio jurídico


Percebe-se que alguns negócios jurídicos não produzem efeitos imediatamente
depois de realizados. No entanto podem as partes estabelecer cláusulas, de
modo que os efeitos desses negócios estejam subordinados a acontecimentos
futuros para que passem a ser exigíveis. A estes acontecimentos podemos
denominar de condição, termo e modo ou encargo.

Para a doutrina, esses acontecimentos também podem ser chamados de


elementos acidentais do negócio jurídico.

3.3.1 Condição
A condição é a cláusula contratual acessória, derivada da vontade das partes,
que subordina a eficácia do negócio jurídico a um acontecimento futuro e incerto.

A condição poderá ser de duas espécies: suspensiva ou resolutiva.

De acordo com o art. 125 do Código Civil, a condição suspensiva não deixa


acontecerem os efeitos práticos do negócio até a sua ocorrência, isto é, os
efeitos do negócio passam a ocorrer no momento em que a condição acontece.
Fábio Ulhoa Coelho (2003, p. 318), exemplifica: Se Darcy, produtor de laranjas,
vende a Evaristo, que fabrica suco, todas as frutas de sua próxima safra, podem
eles pactuar que o negócio fique sujeito à colheita. Quer dizer, caso se perca a
produção em razão de uma geada, Darcy não será obrigado a vender a laranja,
nem Evaristo a comprá-la. O negócio jurídico existe, é valido, mas somente
produzirá efeitos se houver a colheita.

35
Capítulo 2

Na condição suspensiva, os efeitos do negócio jurídico só se projetam com a


verificação do evento (art. 125, CC) e, na resolutiva, deixam de existir caso o
evento se verifique (art. 127, CC). O exemplo da venda da laranja condicionada à
colheita da safra é pertinente à condição suspensiva.

Para exemplificar a condição resolutiva, Paulo Lobo (1986, p. 265) expõe: pago-
lhe uma mesada até a conclusão de seu curso universitário, ou seja, o negócio
jurídico produz desde já seus efeitos, que se extinguirão quando a condição
se concretizar. O negócio existe, é valido, e seus efeitos acontecem desde o
momento do pagamento da mesada até o da conclusão do curso universitário.
Neste caso, a condição resolutiva é o “término do curso universitário”.

A doutrina costuma proibir as condições que privarem de todo efeito o negócio


jurídico (perplexas); as que o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes
(denominadas puramente potestativas); as ilícitas, as física ou juridicamente
impossíveis e as incompreensíveis ou contraditórias. (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2010, p. 445).

3.3.2 Termo e prazo


Denomina-se Termo o que o direito civil considera o início e o fim do tempo do
negócio jurídico. O termo é a determinação acessória, estabelecida pelas partes,
que condiciona a produção dos efeitos práticos do negócio a um acontecimento
futuro e certo.

Todo negócio jurídico tem termos inicial e final, até mesmo quando aparenta
ser instantâneo. Quando alguém fez uma proposta de venda de algo e o outro
imediatamente aceitou, houve algum tempo – minutos, segundos – entre a
aceitação, que fez exsurgir o início do negócio jurídico, e o pagamento do preço
após a entrega da coisa, que é seu termo final. (LOBO, 1986, p. 267).

Assim como a condição, esta cláusula refere-se a acontecimento futuro, ficando


descaracterizada no caso de o evento já ter ocorrido.

O termo não suspende a aquisição do direito por ser evento futuro, mas dotado
de certeza. Difere da condição, que subordina a eficácia do negócio a evento
futuro e incerto. Sendo o termo um acontecimento certo, inexiste estado de
pendência, não se cogitando de retroatividade, existente apenas no negócio
condicional. O titular do direito a termo pode, com maior razão, exercer sobre
ele atos conservatórios. Pode ocorrer, em certos casos, a conjugação de
uma condição e um termo no mesmo negócio jurídico. Por exemplo: “dou-te um
consultório se te formares em medicina até os 25 anos.” (GONÇALVES, 2008, p. 391).

Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 391), há várias espécies de Termo. Estas
podem ser na forma: convencional (estabelecido pelas partes), de direito (decorre
da lei), de graça (dilação de prazo concedida ao devedor).

36
Negócios Jurídicos

O mesmo autor ainda dispõe:

Pode ocorrer que o termo, embora certo e inevitável no


futuro, seja incerto quanto à data de sua verificação. Exemplo:
determinado bem passará a pertencer a tal pessoa a partir da
morte de seu proprietário. A morte é certa, mas não se sabe
quando ocorrerá. Neste caso, a data é incerta. Sob esse aspecto,
o termo pode ser dividido em incerto, como no referido exemplo,
e certo, quando se reporta a determinada data do calendário ou a
determinado lapso de tempo.

A data em que têm início os efeitos do negócio jurídico chama-se termo inicial,
termo suspensivo ou dies a quo; a data que estes têm fim é denominada termo
final, termo resolutivo ou dies ad quem. Ao termo inicial e final, diz a lei, aplica-
se, no que couber, o disposto, respectivamente, sobre condição suspensiva e
resolutiva, conforme dispõe o art. 135 do Código Civil. (COELHO, 2003, p. 322).

Prazo é o tempo decorrido ou a decorrer entre a declaração e o termo, ou entre o


termo inicial e o final. A lei prevê as regras para a contagem dos prazos, conforme
se verifica na leitura do art. 132 do Código Civil:

Art. 132. Salvo disposição legal ou convencional em contrário,


computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o
do vencimento.

§ 1o Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á


prorrogado o prazo até o seguinte dia útil.

§ 2o Meado considera-se, em qualquer mês, o seu décimo quinto


dia.

§ 3o Os prazos de meses e anos expiram no dia de igual número


do de início, ou no imediato, se faltar exata correspondência.

§ 4o Os prazos fixados por hora contar-se-ão de minuto a minuto.

Especificamente para os testamentos, presume-se o prazo em favor do herdeiro,


e, nos contratos, em proveito do devedor, salvo, quanto a esse, se do teor do
instrumento, ou das circunstâncias, resultar que se estabeleceu a benefício do
credor, ou de ambos os contratantes. (TARTUCE, 2011, p. 339).

3.3.3 O modo ou encargo


Modo ou encargo é o ônus que recai sobre uma das partes do negócio jurídico,
que deve suportá-lo como requisito para aquisição e exercício do direito. Não se
confunde com condição, pois não suspende ou extingue a eficácia do negócio

37
Capítulo 2

jurídico. Contudo, as partes podem ajustar que, enquanto não for atendido, o
encargo suspenda a aquisição ou o exercício do direito.

Pode ser entendida como cláusula acessória, determinada pela vontade das
partes, obrigando o beneficiário do negócio jurídico à realização de determinado
ato. É cláusula típica das liberalidades (especialmente a exemplo das doações,
testamentos etc.).

O encargo não pode ser fixado nos negócios onerosos, pois equivaleria a uma
contraprestação. No caso de descumprimento, o negócio continua sendo válido e
eficaz, restando, apenas, a opção da cobrança judicial do encargo.

O valor do encargo não pode ser superior ao do objeto doado, pois isso cortaria o
caráter de liberalidade da doação. Entendemos que, para se configurar o contrato,
a liberalidade deve consistir no valor prevalecente, no confronto entre o objeto
doado e o encargo proposto. Como exemplo, podemos citar: “doação de imóvel
para que se construa um hospital.” (PAULO LOBO, 1986, p. 270-271).

A regra geral positivada de interpretação dos negócios jurídicos é, sem sombra


de dúvida, o já transcrito art. 112 do CC, em que se vislumbra, claramente, a
ideia de que a manifestação de vontade é seu elemento mais importante, muito
mais, inclusive, do que a forma com que se materializou. O art. 112 do CC
assim dispõe: “Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas
consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”; e, também, o art. 113
do CC: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os
usos do lugar de sua celebração”.

O Código Civil, por sua estrutura, é permeado de cláusulas gerais. Estas


permitem a interpretação e a utilização dos princípios basilares já estudados em
Introdução ao Direito Civil, tais como a socialidade, eticidade e operabilidade
englobando a boa-fé objetiva, ética, a função social, dentre outros.

Enfim, encerrado o estudo de Negócio Jurídico, você vai seguir para o terceiro
capítulo, que diz respeito aos Defeitos do Negócio Jurídico.

38
Capítulo 3

Defeitos e invalidade dos


negócios jurídicos

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você a habilidade


de identificar os defeitos que podem ocorrer
nos negócios jurídicos em geral, tais como o
erro substancial, o dolo, a coação, o estado de
perigo, a lesão e a fraude contra credores. Além
disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a
a compreender a invalidade do negócio jurídico
ocasionada pelos defeitos identificados.

Seções de estudo Seção 1:  Defeitos dos negócios jurídicos

Seção 2:  Invalidade dos negócios jurídicos

39
Capítulo 3

Seção 1
Defeitos dos negócios jurídicos
A importância de se estudarem os defeitos dos negócios jurídicos reside na
identificação dos vícios que podem macular o ato jurídico celebrado, atingindo a
sua vontade ou gerando repercussão social, tornando o negócio passível de ação
anulatória ou declaratória de nulidade pelo prejudicado. (TARTUCE, 2011, p. 349).

Consideram-se defeitos do negócio jurídico, para o Código Civil: o erro, o dolo, a


coação, o estado de perigo, a lesão e a fraude contra credores. Vejamos, nesse
momento, cada um deles.

1.1 Erro
Erro consiste em uma falsa representação da realidade. Nessa modalidade de
vício de consentimento, o agente engana-se sozinho. Quando é induzido em
erro pelo outro contratante ou por terceiro, caracteriza-se o dolo. (GONÇALVES,
2008, p. 398).

O erro é um engano fático, uma falsa noção, em relação a uma pessoa,


objeto do negócio ou direito, que acomete a vontade de uma das partes
que celebrou o negócio jurídico. (TARTUCE, 2011, p. 350).

Para Pablo Stolze Gagliano (2006, p. 386), embora a lei não estabeleça distinções, o
erro é um estado de espírito positivo, qual seja, a falsa percepção da realidade, ao
passo que a ignorância é um estado de espírito negativo, o total desconhecimento
do declarante a respeito das circunstâncias do negócio. O erro, entretanto, só é
considerado como causa de anulabilidade do negócio jurídico, se for:

•• essencial (substancial); ou
•• escusável (perdoável).

Assim dispõe o art. 138 do CC: “São anuláveis os negócios jurídicos, quando as
declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido
por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.”

Ato contínuo, a legislação, em seu art. 139, trata de conceituar o erro substancial:

Art. 139. O erro é substancial quando:

I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da


declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais;

40
Negócios Jurídicos

II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a


quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído
nesta de modo relevante;

III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei,


for o motivo único ou principal do negócio jurídico.

Ou seja, substancial é o erro que incide sobre a essência (substância) do ato que
se pratica, sem o qual este não se teria realizado. É o caso do colecionador que,
pretendendo adquirir uma estátua de marfim, compra, por engano, uma peça
feita de material sintético. (GAGLIANO, 2006, p. 386).

1.1.1 Erro substancial


Em razão das diversas classificações apresentadas pelos doutrinadores,
utilizaremos, para efeitos do presente estudo, a classificação do erro substancial
proposta por Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 400-403), que expõe:

a. Erro sobre a natureza do negócio (error in negotio): é aquele que


ocorre quando a pessoa pretende celebrar um negócio jurídico,
mas, na verdade, acaba realizando outro diferente daquilo que
pretendia. Um exemplo de erro sobre a natureza do negócio é
pensar estar alugando o imóvel para alguém, quando, na verdade,
está vendendo o bem para esta pessoa.
b. Erro sobre o objeto principal da declaração (error in corpore):
é aquele que incide sobre a identidade do objeto. O indivíduo
manifesta interesse sobre um determinado objeto, no entanto,
na celebração do negócio, sua vontade acaba recaindo sobre
objeto diverso do pretendido. Exemplo: o de um comprador o qual
acredita estar adquirindo um terreno que supõe valorizado, pois
situado em uma rua importante, mas que, na verdade, tem pouco
valor, porque localizado em rua do mesmo nome, porém de um
pequeno vilarejo.
c. Erro sobre as qualidades essenciais do objeto principal (erro
in substantia ou error in qualitate): essa espécie de erro ocorre
quando uma das partes acredita que o objeto do negócio jurídico
possui qualidades as quais, posteriormente, verifica-se inexistirem.
Exemplo: quando se adquire um quadro pensando ser original pelo
alto preço, mas, na verdade, tratava-se de cópia.
d. Erro quanto à identidade ou qualidade da pessoa a quem se refere
a declaração de vontade (error in persona): relaciona-se tanto à
identidade quanto às qualidades de uma pessoa. Para que seja
possível anular um negócio jurídico em que haja erro com relação

41
Capítulo 3

à identidade ou qualidade da pessoa, é necessário que este erro


tenha influenciado diretamente e de modo relevante a declaração
de vontade do autor do erro. Exemplo: doação ou testamento
deixando bens a alguém que o doador ou testador pensa ser seu
filho natural, mas que, na verdade, não é.
e. Erro de direito (error juris): é o falso conhecimento, ignorância ou
interpretação errônea do que dispõe a lei no caso em concreto.
Nestes casos, o agente pensa que está atuando de acordo com a
lei, mas não está, seja porque a lei mudou, seja porque foi revogada,
seja porque a interpretação feita foi incorreta, seja porque não
existe lei regulamentando tal situação. Logo, apesar do disposto
no art. 3º da LINDB, o qual determina que “ninguém se escusa
de cumprir a lei alegando que não a conhece”, este não se pode
confundir com o erro de direito, uma vez que tal erro pode ser
arguido quando a pessoa tinha o propósito de cumprir a lei, mas,
achando que a conhecia, realizou negócio jurídico por ela vedado,
não autorizado, ou em desacordo com a norma. Exemplo: pessoa
que contrata a importação de determinada mercadoria ignorando
existir lei que proíbe tal importação. Como tal ignorância foi causa
determinante do ato, pode ser alegada para anular o contrato, sem
com isto pretender que a lei seja descumprida.

1.1.2 Erro escusável


Erro escusável refere-se à espécie de erro justificável, desculpável, exatamente o
contrário de erro grosseiro ou inescusável, de erro decorrente do não emprego de
diligência ordinária.

O Código Civil adotou o critério de comparar a conduta do agente com a da


média das pessoas. Nesse caso, pode o juiz considerar escusável, por exemplo,
a alegação de erro quanto à natureza do negócio, como, por exemplo, a
celebração de um contrato de compra e venda julgando tratar-se de contrato de
doação feito por uma pessoa rústica e analfabeta e, por outro lado, considerá-
la inescusável, injustificável quando o mesmo contrato for celebrado por um
advogado. (GONÇALVES, p. 405).

Conforme dissemos acima, apresentamos, aqui, algumas das espécies de erros


na classificação de Carlos Roberto Gonçalves. Importante salientar que existem
outras classificações propostas por outros doutrinadores as quais merecem ser
estudadas também. Fique atento/a!

42
Negócios Jurídicos

1.2 Dolo
Considera-se dolo a malícia ou o artifício inspirado na má-fé para induzir a outra
parte a realizar o negócio jurídico em seu prejuízo. É o enganar consciente. Vem
do latim dolus, com o significado de ardil, logro, artifício, esperteza. (LOBO,
1986, p. 280).

Assim, exemplificam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010,


p. 390-391) que o sujeito que vende uma caneta de cobre, afirmando
tratar-se de ouro, atua com dolo, e o negócio jurídico poderá ser anulado.
Em tempo: o dolo não se presume das circunstâncias de fato, devendo ser
provado por quem o alega, ou seja, dispensa a prova de efetivo prejuízo
para sua caracterização.

De acordo com o art. 145 do Código Civil, “São os negócios jurídicos anuláveis
por dolo, quando este for a sua causa”. Para tanto, convém classificar as
espécies de dolo.

Quanto à extensão dos efeitos no negócio jurídico, Pablo Stolze Gagliano e


Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 391) definem que o dolo poderá ser:

•• principal (essencial); ou
•• acidental.

O dolo, para invalidar o ato, deve ser principal – atacando a causa do negócio em
si -, uma vez que o acidental, aquele que não impediria a realização do negócio,
gera, apenas, a obrigação de indenizar.

No dolo principal, uma das partes do negócio utiliza artifícios maliciosos, para
levar a outra a praticar um ato que não praticaria normalmente, visando obter
vantagem, geralmente contemplando o enriquecimento sem causa. (TARTUCE,
2011, p. 355).

O dolo acidental, que não é causa para o negócio, não pode gerar a sua
anulabilidade, mas, somente, a satisfação em perdas e danos a favor do
prejudicado. Nesse sentido, demonstra o art. 146 do CC: “O dolo acidental só
obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o
negócio seria realizado, embora por outro modo.”

Para esclarecer o disposto no artigo acima, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo


Pamplona Filho (2010, p. 392) exemplificam:

43
Capítulo 3

[...] o sujeito declara pretender adquirir um carro, escolhendo


um automóvel com cor metálica, e, quando do recebimento da
mercadoria, enganado pelo vendedor, verifica que a cor é, em
verdade básica. Neste caso, não pretendendo desistir do negócio,
poderá exigir compensação por perdas e danos. Diferente seria
se o sujeito somente interessasse comprar o veículo se fosse da
cor metálica – hipótese em que o elemento faria parte da causa
do negócio jurídico. Nesse caso, tendo sido enganado pelo
vendedor para adquirir o automóvel, o comprador buscaria a
anulação do negócio jurídico com base em dolo.

Vejamos as demais classificações apontadas pela doutrina.

1.2.1 Dolus bonus e dolus malus


Esta classificação possui sua origem no Direito Romano e considera o dolus
bonus como aquele tolerável e insuficiente para viciar a manifestação da vontade.
É comum no comércio em geral e considerado normal quando, por exemplo, os
vendedores exageram na qualidade das mercadorias.

Ainda assim, é importante salientar que O Código de Defesa do Consumidor


proíbe a propaganda enganosa, de modo que tal dolo não será tolerado se
enganar o consumidor.

Já o dolus malus é revestido de gravidade, exercido com o propósito de ludibriar


e de prejudicar. Pode consistir em atos e palavras e até mesmo no silêncio
maldoso. Para diferenciar entre o dolo tolerável do que vicia o consentimento
caberá ao juiz a análise do caso concreto.

1.2.2 Dolo positivo (ou comissivo) e dolo negativo (ou omissivo)


O primeiro é o que se pratica por meio de ações, condutas comissivas e o
segundo por omissão intencional. Ocorre tal dolo quando a parte silencia sobre
circunstâncias importantes do negócio, não revelando (ou omitindo) fatos que, se
viessem à tona, a vítima não faria o negócio. Observe a previsão legal:

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional


de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra
parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que
sem ela o negócio não se teria celebrado.

Ou seja, provada tal circunstância, admite-se a anulação do negócio jurídico.

44
Negócios Jurídicos

1.2.3 Dolo de terceiro


Esta espécie fundamenta-se no art. 148 do Código Civil que dispõe:

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo
de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse
ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o
negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e
danos da parte a quem ludibriou.

Ou seja, o dolo, pode ser praticado por uma terceira pessoa que não faz parte do
negócio, mas engana a vítima para ajudar o outro interessado. Nesse caso, temos o
dolo de terceiro que pode gerar tanto a anulação do negócio quanto o pagamento
de perdas e danos à vítima. Assim, exemplifica Gonçalves (2008, p. 419):

Se o adquirente é convencido, maldosamente, por um terceiro, de que o relógio


que está adquirindo é de ouro, sem que tal afirmação tenha sido feita pelo
vendedor, e este ouve as palavras de induzimento utilizadas pelo terceiro e não
alerta o comprador, o negócio torna-se anulável. Entretanto, se a parte a quem
aproveite (o vendedor) não soube do dolo de terceiro, não se anula o negócio,
mas caberá ao lesado reclamar perdas e danos. Incumbe ao lesado provar, na
ação anulatória, que a outra parte, beneficiada pelo dolo de terceiro, dele teve ou
deveria ter conhecimento.

1.2.4 Dolo do representante


Nessa espécie, quem age com dolo não é um terceiro, mas sim o próprio
representante da parte. Para tanto, eis o dispositivo legal:

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só


obriga o representado a responder civilmente até a importância
do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante
convencional, o representado responderá solidariamente com ele
por perdas e danos.

Justamente por ser o representante da parte, poderá enganar a vítima, para


beneficiar o seu representado. A lei distingue o dolo praticado pelo representante
legal (no caso os pais, tutores ou curadores) do dolo praticado pelo representante
convencional (mandatário ou procurador).

No caso do dolo praticado por representante legal, os representados deverão


ser responsabilizados até o limite da vantagem obtida no negócio. Já no caso do
procurador, a responsabilidade é solidária, ou seja, ambos terão responsabilidade
perante a vítima do dolo.

45
Capítulo 3

1.2.5 Dolo bilateral


O dolo bilateral está regulado pelo art. 150 do Código Civil, dispondo que “se
ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o
negócio, ou reclamar indenização.”

Nesse caso, há dolo, má-fé das duas partes na celebração do negócio, não
havendo na lei a possibilidade de se invocar anulação ou perdas e danos.

1.3 Coação
Coação pode ser conceituada como sendo uma pressão física ou moral exercida
sobre o negociante, visando obrigá-lo a assumir uma obrigação que não lhe
interessa. Aquele que exerce a coação é denominado coator e o que a sofre,
coato, coagido ou paciente. (TARTUCE, p. 359).

A coação está fundamentada a partir do art. 151 do Código Civil:

Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta
ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua
família, ou aos seus bens.

Parágrafo único. Se disser respeito a pessoa não pertencente à família do


paciente, o juiz, com base nas circunstâncias, decidirá se houve coação.

Para tanto, a doutrina também identifica suas espécies:

•• coação física (vis absoluta); e


•• coação moral (vis compulsiva).

A coação física é aquela que age diretamente sobre o corpo da vítima. A doutrina
entende que este tipo de coação neutraliza completamente a manifestação da
vontade, tornando o negócio jurídico inexistente, e não simplesmente anulável.
Imagine a hipótese de um lutador de boxe pegar a mão de uma velhinha
analfabeta, à força, para apor a impressão digital em um instrumento de contrato
que ela não quer assinar. Logicamente que um exemplo como este parece
um tanto absurdo, mas é uma situação em que sequer se discute a invalidade
do negócio jurídico, pois ele não será considerado juridicamente existente.
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 395).

Por outro lado, há também a coação moral. Esta pode ser conceituada como
a coação efetiva e presente, causando fundado temor de dano iminente e
considerável à pessoa do negociante, à sua família, à pessoa próxima ou aos seus
bens, conforme identificado acima, no art. 151 do CC. (TARTUCE, 2011, p. 360).

46
Negócios Jurídicos

Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 395) definem como
aquela espécie que incute na vítima um temor constante e capaz de perturbar seu
espírito, fazendo com que ela manifeste seu consentimento de maneira viciada.

É importante lembrar que o magistrado deverá observar, na identificação


da coação, o determinado no Código Civil em seu art. 152: “No apreciar
a coação, ter-se-ão em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o
temperamento do paciente e todas as demais circunstâncias que possam
influir na gravidade dela.”

Desse modo, para tornar mais claro o entendimento a respeito da coação, Tartuce
(2011, p. 361) exemplifica:

Pensemos o caso em que alguém celebra um casamento sob


pressão de ameaça do irmão da noiva. Se a última tiver ou
devesse ter conhecimento dessa coação, o negócio é anulável,
respondendo ambos, irmão e irmã, solidariamente. Por outro lado,
diante da boa-fé da noiva que não sabia da coação, o casamento
é conservado, respondendo o cunhado perante o noivo por
eventuais perdas e danos decorrentes de seu ato.

Portanto, podemos entender que a caracterização da coação depende também


da boa-fé ou má-fé dos envolvidos quando da efetivação do negócio jurídico. Isto
significa que a existência da coação deverá ser analisada pelo magistrado de
acordo com o caso concreto apresentado, podendo, dessa forma, incidir, ou não,
a anulação do negócio.

1.4 Estado de perigo


Estado de perigo é o defeito externo de consentimento em que o sujeito declara
assumir obrigação excessivamente onerosa, por estar sua vontade constrangida
por necessidade premente de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave
dano conhecido do declaratário. (COELHO, 2003, p. 354).

Para tanto, o Código Civil nos traz:

Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém,


premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família,
de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação
excessivamente onerosa.

Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família


do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.

47
Capítulo 3

Como exemplos, a doutrina costuma apresentar os seguintes exemplos: o


indivíduo abordado por assaltantes oferece uma recompensa ao seu libertador
para salvar-se; o sujeito está se afogando e promete doar significativa quantia
ao seu salvador; até mesmo a expressão “meu reino por um cavalo” da obra
de Shakespeare pode ser um exemplo didático desse vício. (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2010, p. 406).

1.5 Lesão
Lesão é o defeito do negócio jurídico caracterizado pela vantagem
desproporcional de uma das partes, que age de má-fé, aproveitando-se da
situação de vulnerabilidade da outra. É defeito do negócio jurídico, mas não vício
do consentimento, pois não há desconformidade entre a vontade real e a que se
exteriorizou (existente no erro, no dolo e na coação). (LOBO, 1986, p. 286).

No Código Civil, a lesão está prevista no artigo 157, que preceitua:

Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente


necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação
manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.

§ 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os


valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio
jurídico.

§ 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido


suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a
redução do proveito.

Identificamos no artigo supracitado a existência de dois elementos: o elemento


objetivo, formado pela desproporção das prestações, a gerar uma onerosidade
excessiva, um prejuízo a uma das partes, bem como o elemento subjetivo: a
premente necessidade ou inexperiência, conforme previsão legal. (TARTUCE,
2011, p. 365).

O instituto da lesão tem por objetivo proteger o contratante, que se encontra em


posição de inferioridade, ante o prejuízo por ele sofrido na conclusão do contrato
comutativo, devido à considerável desproporção existente, no momento da
efetivação do contrato, entre as prestações das duas partes. Maria Helena Diniz
(2004, p. 509) exemplifica:

Se alguém prestes a ser despejado procura outro imóvel para morar e exercer
sua profissão, cujo proprietário, mesmo não tendo conhecimento do fato, eleva
o preço do aluguel. Diante da necessidade de abrigar sua família e levar adiante
suas atividades, o inquilino acaba aceitando o novo contrato, para evitar aquela

48
Negócios Jurídicos

situação vexatória. Perdendo a noção do justo valor locatício é levado a efetivar


contrato que lhe é desfavorável.

Não há dúvidas de que o fator predominante para a caracterização da lesão é


justamente a onerosidade excessiva, o “negócio da China” pretendido por um
dos negociantes, em detrimento de um desequilíbrio contratual, contra a parte
mais fraca da avença. (TARTUCE, 2011, p. 366).

1.6 Fraude contra credores


Fraude contra credores, também considerada vício social, consiste no ato de
alienação ou oneração de bens, assim como de remissão de dívida, praticado
pelo devedor insolvente, ou à beira da insolvência, com o propósito de prejudicar
credor preexistente, em virtude da diminuição experimentada pelo seu patrimônio.
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 412).

Segundo Tartuce (2011, p. 368):

[..] constitui fraude contra credores a atuação maliciosa do


devedor, em estado de insolvência ou na iminência de assim
tornar-se, que dispõe de maneira gratuita ou onerosa o seu
patrimônio, visando afastar a possibilidade de responderem os
seus bens por obrigações assumidas em momento anterior à
transmissão.

Assim, para melhor compreensão, exemplifica-se da seguinte forma: se A tem


conhecimento da iminência do vencimento de dívidas em data próxima, em
relação a vários credores, e vende a B imóvel de seu patrimônio, havendo
conhecimento deste do estado de insolvência, estará configurado o vício social a
acometer esse negócio jurídico. Lembrando que a mesma conclusão serve para o
caso de doação. (TARTUCE, 2011, p. 368).

Dois elementos compõem a fraude: o primeiro, de natureza subjetiva, e o


segundo, de natureza objetiva:

•• consilium fraudis (conluio fraudulento); e


•• eventus damni (prejuízo causado ao credor).
Parte significativa da doutrina entende que o consilium fraudis não é elemento
essencial deste vício social, de maneira que o estado de insolvência aliado ao
prejuízo causado ao credor seriam suficientes para a caracterização da fraude. A
despeito de não haver, nesse particular, unanimidade doutrinária, verdade é que,
tratando-se de atos gratuitos de alienação praticados em fraude contra credores,
o requisito subjetivo representado pelo consilium fraudis (má-fé) é presumido.
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 413-414).

49
Capítulo 3

Para tanto, vale apresentar o art. 158 do CC:

Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou


remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por
eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser
anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus
direitos.

§ 1o Igual direito assiste aos credores cuja garantia se tornar


insuficiente.

§ 2o Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos


podem pleitear a anulação deles.

Para que o negócio jurídico seja anulado, portanto e, em regra, necessária a


presença de um conluio fraudulento entre aquele que dispõe o bem e aquele que
o adquire. O prejuízo causado ao credor (eventus damni) também é apontado
como elemento objetivo da fraude. Não havendo esses requisitos, não há que
se falar em anulação do negócio, para os casos de negócios onerosos como na
compra e venda efetivada com o objetivo de prejudicar eventuais credores.

Entretanto, para os casos de disposição gratuita de bens, por exemplo, o art.


158 supracitado dispensa a presença do elemento subjetivo (consilium fraudis),
bastando o evento se apresentar danoso ao credor. (TARTUCE, 2011, p. 369).

A doutrina tradicional afirma que a anulação do ato praticado em fraude contra


credores será pleiteada por meio de uma ação revocatória denominada ação
pauliana: trata-se de ação anulatória do negócio jurídico que se propõe a restituir
o status das coisas antes da fraude.

Seção 2
Invalidade dos negócios jurídicos
Estão abrangidas nesta seção denominada invalidade dos negócios jurídicos
a nulidade e a anulabilidade. Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 470), a
invalidade é empregada para designar o negócio que não produz os efeitos
desejados pelas partes, o qual será classificado pela forma supramencionada de
acordo com o grau de imperfeição verificado.

Pode-se dizer que a invalidade é a sanção imposta ao ato ou negócio


realizado que não obedece aos requisitos previstos em lei.

50
Negócios Jurídicos

Alguns autores preferem utilizar a expressão ineficácia, que representa a situação


em que o negócio jurídico não produz efeitos. No entanto, como pautamos o
nosso estudo na escada ponteana, utilizaremos a expressão invalidade. Para
melhor contextualização, Flávio Tartuce (2011, p. 383) esquematiza:

A invalidade do negócio jurídico abrange:

• a inexistência do negócio jurídico;

• a nulidade absoluta (negócio nulo); e

• a nulidade relativa ou anulabilidade (negócio anulável).

Inicialmente, façamos uma abordagem introdutória, antes de passar a cada uma


das espécies de maneira pormenorizada.

Diz-se inexistente o negócio jurídico quando lhe falta algum elemento estrutural,
como o consentimento por exemplo. Se não houve manifestação de vontade,
o negócio não chegou a se formar. Ou seja, ele inexiste. Se a vontade foi
manifestada, mas se encontra eivada de erro, dolo ou coação, por exemplo, o
negócio jurídico existe, mas é anulável. Se a vontade emana de uma pessoa
considerada absolutamente incapaz, maior é o defeito e o negócio existe, porém
será considerado nulo. (GONÇALVES, 2008, p. 471).

2.1 Inexistência do negócio jurídico


O negócio jurídico inexistente é aquele que não gera efeitos no âmbito jurídico,
visto que não preencheu os seus requisitos mínimos, constantes do seu plano
de existência. Para os adeptos dessa teoria, em casos tais, não é necessária a
declaração da ineficácia por decisão judicial, porque o ato jamais chegou a existir,
partindo-se da premissa de que não se invalida o que não existe. Costuma-se
dizer que o ato inexistente é um nada para o direito. (TARTUCE, 2011, p. 383-384).

2.2 Nulidade absoluta


Maria Helena Diniz (2004, p. 577) conceitua a nulidade como a “sanção imposta
pela norma jurídica, que determina a privação dos efeitos jurídicos do negócio
praticado em desobediência ao que prescreve.”

Pode-se dizer que a função da nulidade é tornar sem efeito o ato ou negócio
jurídico. A ideia é fazê-lo desaparecer, como se nunca tivesse existido. Os efeitos

51
Capítulo 3

que lhe seriam próprios não podem ocorrer. Trata-se, portanto, de vício que
impede o ato de ter existência legal e produzir efeito, em razão de não ter sido
obedecido qualquer requisito essencial. (VENOSA, 2007, p. 588).

As causas da nulidade estão expostas no art. 166 do Código Civil, vejamos:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;

II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto;

III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito;

IV - não revestir a forma prescrita em lei;

V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial


para a sua validade;

VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;

VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática,


sem cominar sanção.

A ocorrência das hipóteses supramencionadas provoca a decretação da nulidade.


Assim, uma compra e venda realizada por um menor absolutamente incapaz sem
representação legal é nula. Para que o negócio jurídico tenha validade, deverá
o mesmo ser repetido na presença do representante legal do menor. (VENOSA,
2007, p. 594).

As nulidades absolutas por serem de ordem pública, podem ser alegadas por
qualquer interessado ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir (art.
168 do CC).

Tartuce (2011, p. 388-389) aponta uma questão importante que seria a


possibilidade da conversão do negócio nulo em outro negócio jurídico. Para
tanto, a lei exige um elemento subjetivo: é necessário que os contratantes
queiram o outro negócio ou contrato para o qual o negócio nulo será convertido.
Implicitamente devem ter conhecimento da nulidade que acomete o pacto
celebrado.

Passando para o campo concreto, podemos citar como exemplo dessa


conversão a ausência de escritura pública em venda de imóvel com valor superior
a trinta salários mínimos, o que acarretaria a nulidade absoluta do ato.

Por fim, importa ressaltar que a sentença que declara a nulidade absoluta tem
efeitos erga omnes, contra todos, diante da emergência da ordem pública.
Os efeitos declaratórios dessa decisão são chamados também de ex tunc,

52
Negócios Jurídicos

retroativos desde o momento de trânsito em julgado da decisão até o surgimento


do negócio tido como nulo. Ou seja, devem ser considerados nulos todos os atos
e negócios celebrados nesse lapso temporal.

2.3 Simulação como causa de nulidade do negócio jurídico


Durante a vigência do Código Civil de 1916, a simulação era considerada uma
espécie de defeito dos negócios jurídicos, tal como o erro, o dolo, a coação, o
estado de perigo, a lesão ou a fraude contra credores, e implicava a anulabilidade.
No entanto, a partir da vigência do Código Civil de 2002, a simulação foi
deslocada para as regras de Nulidade, acompanhando as tendências da
legislação civil alemã e portuguesa. Significa dizer que o negócio simulado não
pode ser convalidado pelo transcurso do tempo, nem ser confirmado pelas
partes. Não há cura possível para ele, visto que a simulação destrói a causa ou a
função econômico-social do negócio jurídico. (LOBO, 1986, p. 306).

Na simulação, as duas partes contratantes estão combinadas e objetivam


iludir terceiros. Como se percebe, sem dúvida, há um vício de repercussão
social, equiparável à fraude contra credores, mas que gera nulidade, e não a
anulabilidade, conforme a inovação proposta pelo Código Civil atual.

“Simular é uma declaração falsa, enganosa, da vontade, visando aparentar


negócio diverso do efetivamente desejado.” (GONÇALVES, 2008, p. 481).

A simulação está prevista no art. 167 do Código Civil:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que


se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

§ 1o Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:

I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas


daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;

II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não


verdadeira;

III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-


datados.

§ 2o Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos


contraentes do negócio jurídico simulado.

53
Capítulo 3

Para Carlos Roberto Gonçalves (2008, p. 483), a simulação apresenta duas


espécies:

•• simulação absoluta; e
•• simulação relativa.

Na simulação absoluta, as partes, na realidade, não realizam nenhum negócio.


Apenas fingem, para criar uma aparência, uma ilusão externa, sem que, na
verdade, desejem o ato. Diz-se absoluta, porque a declaração de vontade não
produz resultado. Em geral, serve para prejudicar terceiro. Exemplos: Marido que
pretende separar-se da esposa e subtrair da partilha tais bens; falsa confissão de
dívida perante amigo. Nos exemplos, o simulador não realizou nenhum negócio
verdadeiro, apenas fingiu, simulou.

Na simulação relativa, as partes pretendem realizar determinado negócio,


prejudicial a terceiro ou em fraude à lei. Para escondê-lo, ou dar-lhe aparência
diversa, realizam outro negócio. Compõe-se, pois, de dois negócios: um deles
é o simulado, aparente, destinado a enganar; o outro é dissimulado, oculto,
mas verdadeiramente desejado. O negócio aparente, simulado, serve, apenas,
para ocultar a efetiva intenção dos contratantes, ou seja, o negócio real. Como
exemplo, podemos citar a situação em que um homem casado, para contornar a
proibição legal de fazer doação à concubina, simula a venda a um terceiro, que
transferirá o bem àquela; ou quando, para pagar imposto menor e burlar o Fisco,
as partes passam a escritura por preço inferior ao real.

Ou seja, para todos os efeitos, a simulação implica a nulidade do negócio, pelo


fato de a mesma envolver preceitos de ordem pública.

Feitas as considerações a respeito da nulidade absoluta, passaremos, agora, ao


estudo da nulidade relativa, ou anulabilidade.

2.4 Nulidade relativa ou anulabilidade


Nulidade relativa ou anulabilidade é a sanção imposta pela lei aos atos e negócios
jurídicos realizados por pessoa relativamente incapaz ou eivados de algum vício
de consentimento ou vício social. (GONÇALVES, 2008, p. 475).

Sua sanção é bem mais branda que a nulidade. Assim, demonstra o art. 171 do
Código Civil:

Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é


anulável o negócio jurídico:

I - por incapacidade relativa do agente;

II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo,


lesão ou fraude contra credores.

54
Negócios Jurídicos

Quanto ao primeiro inciso, este se refere às pessoas consideradas relativamente


incapazes, elencadas no art. 4º do Código Civil, categorias já estudadas na
Introdução ao direito civil. Os defeitos do negócio jurídico mencionados no
segundo inciso, tais como erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude
contra credores, já foram estudados em tópico anterior.

A nulidade relativa envolve preceitos de ordem privada, de interesse das partes,


o que altera totalmente o seu tratamento legal, se confrontada com a nulidade
absoluta acima estudada. (TARTUCE, 2011, p. 391).

Quanto à sentença da ação anulatória, mais uma vez diante de sua natureza
privada, tem a mesma efeitos inter partes. Tradicionalmente, também sempre
apontou que os seus efeitos seriam ex nunc, não retroativos ou somente a partir
do trânsito em julgado da decisão. (TARTUCE, 2011, p. 394).

Para melhor compreensão, segue quadro comparativo que diferencia a nulidade


absoluta e a nulidade relativa ou anulabilidade:

Quadro 3.1 - Nulidade absoluta e a nulidade relativa

NULIDADE ABSOLUTA (ART. 166 do CC) NULIDADE RELATIVA (ART. 171 do CC)

Interesse público (ordem pública) Interesse privado (ordem privada)

Não pode ser suprida pelo Juiz Pode ser suprida pelo Juiz

Possibilidade de ação de ofício pelo juiz Juiz só age quando provocado

Não sujeição à ação do tempo Sujeita à ação do tempo (os prazos são
estipulados pela lei)

Efeito judicial ex-tunc Efeito da ação é ex-nunc


Fonte: Elaboração do autor (2014).

Finalizado o estudo da invalidade dos negócios jurídicos, passaremos ao próximo


tópico de estudos, qual seja, os atos ilícitos.

55
Capítulo 4

Atos ilícitos e prova nos


negócios jurídicos

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você a habilidade


de compreender a ilicitude de um ato e identificar a
responsabilidade em suas diversas espécies. Além
disso, ao final do seu estudo, você estará apto/a
a analisar as causas excludentes de ilicitude e os
tipos de prova nos negócios jurídicos.

Seções de estudo Seção 1:  Conceito de ato ilícito

Seção 2:  Responsabilidade contratual e


extracontratual

Seção 3:  Responsabilidade civil e responsabilidade


penal

Seção 4:  Causas excludentes de ilicitude

Seção 5:  Prova no negócio jurídico

57
Capítulo 4

Seção 1
Conceito de ato ilícito
Ao estudarmos fato jurídico, foi possível observar que o ato jurídico (em sentido
amplo) é toda ação humana lícita, positiva ou negativa, apta a criar, modificar,
conservar ou extinguir direitos e obrigações. No entanto, há situações em que
a parte ou as partes podem atuar contrariamente ao que o direito determina e
acabar, por vezes, causando algum prejuízo tanto para as partes quanto para
terceiros. Dessa forma, faz-se necessário o estudo dos atos ilícitos bem como
seus efeitos no mundo jurídico.

Para definir o ato ilícito, trazemos a conceituação de Sérgio Cavalieri Filho


(apud GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 477), segundo quem o
ato ilícito é o ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um
dever jurídico.

Deste mesmo conceito é possível identificar alguns elementos, tais como:

•• a ação humana;
•• a contrariedade ao direito ou ilicitude; e
•• o prejuízo, seja este moral ou material.

Ato ilícito é aquele praticado com infração ao dever legal de não lesar a outrem.
Tal dever é imposto a todos no art. 186 do Código Civil, que dispõe: “Art. 186.
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar
direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.”

O Código Civil estabeleceu no artigo supracitado apenas o ato ilícito em si, no


entanto a obrigação de reparar o dano encontra-se no art. 927, a saber: “Art.
927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.”

Em outras palavras, ato ilícito é fonte de obrigação, qual seja, a de indenizar ou


ressarcir o prejuízo causado. É praticado com infração a um dever de conduta,
por meio de ações ou omissões culposas ou dolosas do agente, das quais resulta
dano para outrem. (GONÇALVES, 2008, p. 492).

58
Negócios Jurídicos

Seção 2
Responsabilidade contratual e extracontratual
Uma pessoa pode causar prejuízo a outrem por descumprir uma obrigação
contratual (dever contratual). Por exemplo: o ator que não comparece para dar o
espetáculo contratado. O inadimplemento contratual gera a responsabilidade de
indenizar as perdas e danos no termos do art. 389 do Código Civil, o qual dispõe
que “não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais
juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos,
e honorários de advogado.” (GONÇALVES, 2008, p. 495).

Quando a responsabilidade não deriva de contrato, mas de infração ao dever de


conduta (dever legal) imposto genericamente no art. 927 do Código Civil, diz-se que
ela é responsabilidade extracontratual.

Portanto, a responsabilidade contratual é derivada do descumprimento de


uma relação jurídica obrigacional preexistente, ou seja, quando uma pessoa
causa prejuízo a outrem por transgressão a um dever criado no negócio jurídico.
(CAVALIERI, 2010, p. 15).

Ainda quanto à responsabilidade contratual, Carlos Roberto Gonçalves


(2008, p. 63) preceitua que não é necessário o credor comprovar a culpa
do inadimplemento para obter a reparação do dano, bastando apenas que
demonstre o não cumprimento da prestação. Ainda segundo o autor, o “devedor
só não será condenado a reparar o dano se provar a ocorrência de alguma das
excludentes admitidas na lei: culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força
maior. Incumbe-lhe, pois, o onus probandi.”(GONÇALVES, 2008, p. 63).

De outro modo, haverá a responsabilidade extracontratual ou aquiliana quando o


dever jurídico violado não estiver previsto em um negocio jurídico, mas sim em lei.
Esta espécie de responsabilidade encontra respaldo no supracitado artigo 186 do
Código Civil. Desse modo, ao contrário da responsabilidade contratual civil, aqui
caberá ao autor da ação provar a culpa do agente, ou seja, o ônus da prova é do
ofendido. (GONÇALVES, 2012b, p. 63).

59
Capítulo 4

Seção 3
Responsabilidade civil e responsabilidade penal
A palavra responsabilidade origina-se do latim re-spondere, que encerra a ideia
de segurança ou garantia da restituição ou compensação do bem sacrificado.
Teria, assim, o significado de recomposição, de obrigação de restituir ou ressarcir.
(GONÇALVES, 2008, p. 496).

Inicialmente, identifica-se a disparidade existente entre a responsabilidade civil


e a responsabilidade penal, que, segundo Inácio de Carvalho Neto (2011, p. 38),
representa a própria diferença entre o ilícito civil e o ilícito penal. O ilícito civil é
retratado quando o agente viola uma norma civil de Direito Privado, enquanto, no
ilícito penal, a norma violada é de Direito Público.

Contudo, tanto a responsabilidade civil como a responsabilidade penal implicam


a violação de um dever jurídico. O fundamento de ambas é praticamente o
mesmo, os critérios de conveniência ou de oportunidade é que serão variáveis,
eles se adequam aos interesses da sociedade e do Estado. Assim, aquelas
condutas humanas mais gravosas, referentes a bens sociais de maior relevância,
são sancionadas pela lei penal, enquanto a repressão das condutas menos
graves ficará por conta da lei civil. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 14).

Na diferenciação entre a responsabilidade civil e penal, constata-se que a


culpabilidade é bem mais ampla na área cível e obriga a indenizar, enquanto
que, na esfera criminal, exige-se que a culpa tenha certo grau ou intensidade.
Na verdade, a diferença é apenas de grau e critério de aplicação, porque,
substancialmente, a culpa civil e a culpa penal são iguais, já que possuem os
mesmos elementos. (GONÇALVES, 2008, p. 497).

A imputabilidade também é aspecto diferenciado entre a responsabilidade


civil e a penal, pois, em âmbito cível, os menores de 18 anos poderão ser
responsabilizados, se as pessoas por eles responsáveis não tiverem obrigação de
fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes. (GONÇALVES, 2008, p. 496).

60
Negócios Jurídicos

3.1 Responsabilidade objetiva ou subjetiva


Ressalte-se que ainda há subdivisão entre a responsabilidade objetiva e subjetiva.

A responsabilidade é dita subjetiva quando pressupõe a culpa como fundamento da


responsabilidade civil. Dentro desta concepção, a responsabilidade do causador do
dano somente se configura quando, além da prova da ação ou omissão do agente,
do dano experimentado pela vítima e do liame fático entre conduta e dano, houver a
prova da culpa. (GONÇALVES, 2008, p. 59).

Já, para a responsabilidade objetiva, a culpa é irrelevante, basta que exista o dano e
o nexo de causalidade para justificar a responsabilidade civil do agente. Segundo a
teoria de risco, toda a pessoa que realiza alguma atividade produz um risco de dano
para terceiros, portanto torna-se prescindível a evidência da culpa. (GONÇALVES,
2012b, p. 59)

Neste contexto, Cavalieri Filho (2010, p. 159) aponta as hipóteses atinentes à


responsabilidade objetiva:

O Código Civil de 2002, conforme já ressaltado, fez profunda


modificação nessa disciplina para ajustar-se à evolução
ocorrida na área da responsabilidade civil ao longo do século
XX. Embora tenha mantido a responsabilidade subjetiva, optou
pela responsabilidade objetiva, tão extensas e profundas são
as cláusulas gerais que consagra, tais como o abuso do direito
(art. 187), o exercício de atividade de risco ou perigosa (parágrafo
único do art. 927), danos causados por produtos (art. 931),
responsabilidade pelo fato de outrem (art. 932, c/c o art. 933),
responsabilidade pelo fato de coisa e do animal (arts. 936, 937 e
939), responsabilidade dos incapazes (art. 928) etc.

Na verdade pode-se concluir que a responsabilidade objetiva não substitui a


subjetiva, mas fica circunscrita aos seus justos limites. Na realidade, as duas
formas de responsabilidade se conjugam e dinamizam. Sendo a teoria subjetiva
insuficiente para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador
fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar
independentemente daquela noção. (GONÇALVES, 2008, p. 499).

61
Capítulo 4

3.2 Pressupostos da responsabilidade civil


Para que haja responsabilidade civil, é preciso que sejam identificados, na
conduta do agente agressor, os elementos da responsabilidade civil, quais sejam:
a conduta comissiva ou omissiva; a culpa do agente; o nexo causal entre a
conduta e o resultado; e, finalmente, o dano.

3.3 Elementos da responsabilidade civil


A doutrina de Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 24) explica a conduta humana
comissiva e a omissiva, assim como segue:

Um movimento corpóreo comissivo, um comportamento positivo,


como a destruição de uma coisa alheia, a morte ou lesão
corporal causada em alguém, e assim por diante. Já, a omissão,
forma menos comum de comportamento, caracteriza-se pela
inatividade, abstenção de alguma conduta devida.

É importante também, nesse caso, ressaltar que a responsabilidade civil, para


Silvio Rodrigues (2008, p. 15), “[...] ocorre por ato de terceiro quando uma pessoa
fica sujeita a responder por dano causado a outrem não por ato próprio, mas por
ato de alguém que está, de um modo ou de outro, sob a sujeição daquela.”

Na mesma linha, segundo Inácio de Carvalho Neto (2011, p. 53), “A


conduta do agente causador do dano impõe-lhe o dever de reparar não
apenas quando ocorre infringência a um dever legal […].” Mas a obrigação
de o agente reparar o dano pode ser ocasionada também por ato de
terceiro que esteja sob a sua responsabilidade, bem como por danos
causados por coisas que estejam sob a sua guarda.

Com base nessas citações, verifica-se a definição do pressuposto conduta humana.


Por conseguinte, passa-se, a seguir, à análise do requisito denominado culpa.

A culpa do agente, segundo Inácio de Carvalho Neto (2005, p. 53), condiciona a


obrigação de reparar: “[...] a obrigação de reparar depende de dolo ou culpa do
agente, ou seja, de culpa em sentido amplo, abrangendo uma ou outra hipótese”.

Para Silvio Rodrigues (2008, p. 16):

A lei declara que, se alguém causou prejuízo a outrem por meio


de ação ou omissão, voluntária, negligência ou imprudência, fica
obrigado a reparar. De modo que, nos termos da lei, para que a
responsabilidade se caracterize, mister se faz a prova de que o
comportamento do agente causador do dano tenha sido doloso
ou pelo menos culposo.

62
Negócios Jurídicos

Deve-se, ainda, na forma como leciona Silvio Rodrigues (2003, p. 17),


considerar que:

Ordinariamente, para que a vítima obtenha a indenização, deverá


provar entre outras coisas que o agente causador do dano agiu
culposamente. O encargo de provar a culpa, imposto à vítima,
às vezes se apresenta tão difícil que a pretensão daquela de
ser indenizada na prática se torna inatingível. Com efeito, não é
fácil, para o herdeiro, provar que o motorista do automóvel que
atropelou seu pai e de cujo acidente lhe resultou a morte, vinha
dirigindo com imprudência.

Na mesma diretriz, Sergio Cavalieri Filho (2010, p. 51) aduz que, tendo por
essência o descumprimento de um dever de cuidado, “[...] a dificuldade da teoria
da culpa está justamente na caracterização precisa da infração desse dever ou
diligência, que nem sempre coincide com a violação da lei”.

Com base nesses pensamentos, denota-se o conceito de culpa, inclusive que, na


esfera da responsabilidade civil, essa noção compreende o dolo, ou seja, é aplicada
em sentido amplo, bem como a dificuldade de caracterização desse requisito.

Por conseguinte, tem-se o denominado nexo causal.

A definição de nexo causal, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho (2010, p. 46),
não é jurídica, visto que “[...] decorre das leis naturais, formando um vínculo
apenas com a ligação ou relação de causa e efeito entre o resultado e a conduta
do agente.”

No mesmo norte, Silvio de Salvo Venosa leciona (2007, p. 45):

O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de


causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a
conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação
causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se
de elemento indispensável. A objetiva dispensa a culpa, mas
nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou
o dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao
responsável, não há como ser ressarcida. Nem sempre é fácil, no
caso concreto, estabelecer a relação de causa e efeito.

Sérgio Cavalieri Filho (2010, p. 65) lembra que, no âmbito da responsabilidade


civil, “não basta que o agente tenha praticado uma conduta ilícita; tampouco
que a vítima tenha sofrido um dano.” Segundo o autor, “é preciso que esse dano
tenha sido causado pela conduta ilícita do agente, que exista entre ambos uma
necessária relação de causa e efeito.”

63
Capítulo 4

Assim, cabe frisar que o nexo de causalidade, por referir-se ao liame que
une a conduta do agente ao prejuízo experimentado pela vítima, é um
pressuposto indispensável para a caracterização do dever de indenizar.

O pressuposto conhecido como dano é aquele que, segundo entendimento


de Silvio Rodrigues (2008, p. 18), envolve prejuízo a outrem: “[...] a questão
da responsabilidade não se propõe se não houver dano, pois o ato ilícito só
repercute na órbita do direito civil se causar prejuízo a alguém”.

Nesse diapasão, Antônio Jeová Santos (2003, p. 74) afirma que:

Dano é prejuízo. É diminuição de patrimônio ou detrimento a


afeições legítimas. Todo ato que diminua ou cause menoscabo
aos bens materiais ou imateriais, pode ser considerado dano. O
dano é um mal, um desvalor ou contravalor, algo que se padece
com dor, posto que nos diminui e reduz; tira de nós algo que
era nosso, do qual gozávamos ou nos aproveitávamos, que
era nossa integridade psíquica ou física, as possibilidades de
acréscimos ou novas incorporações, [...].

De acordo com a ideia apresentada no trecho supramencionado, o requisito


dano, além de configurar requisito obrigatório da responsabilidade civil, significa
prejuízo sofrido pela vítima.

Pode-se ainda salientar que o dano pode ser patrimonial ou moral. Arnaldo
Rizzardo (2007, p. 17) declara que:

No dano patrimonial, há um interesse econômico em jogo.


Consuma-se o dano com o fato que impediu a satisfação
da necessidade econômica. O conceito de patrimônio
envolve qualquer bem exterior, capaz de classificar-se na
ordem das riquezas materiais, valorizável por sua natureza e
tradicionalmente em dinheiro. Deve ser idôneo para satisfazer
uma necessidade econômica e apto de ser usufruível.

Assim, ensina a doutrina que “quando o prejuízo afeta bem material, diz-se que
o dano é patrimonial”. Por outro lado, “[...] quando, ao contrário, a lesão afeta
sentimentos, vulnera afeições legítimas e rompe o equilíbrio espiritual, produzindo
angústia, humilhação, dor etc., diz-se que o dano é moral.” (SANTOS, 2003, p. 78).

Segundo Antônio Jeová dos Santos, “o que caracteriza o dano moral é a


consequência de algum ato que cause dor, angústia, aflição física ou espiritual
ou qualquer padecimento infligido à vítima em razão de algum evento danoso.”
(SANTOS, 2003, p. 108).

64
Negócios Jurídicos

Dessa maneira, verificam-se as principais diferenças que englobam os conceitos


de dano material e moral, bem como os meros aborrecimentos do cotidiano, os
quais não apresentam cunho lesivo capaz de ensejar o dever de indenizar.

Seção 4
Causas excludentes de ilicitude
O art. 188 do Código Civil declara não constituírem atos ilícitos os praticados
em legitima defesa, ou no exercício regular de um direito ou em estado de
necessidade.

Para tanto, dispõe:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos:

I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de


um direito reconhecido;

II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a


pessoa, a fim de remover perigo iminente.

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente


quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário,
não excedendo os limites do indispensável para a remoção do
perigo.

Vamos agora examinar essas causas em detalhe.

4.1 Legítima defesa


A legítima defesa pressupõe a reação proporcional a uma injusta agressão, atual
ou iminente, utilizando moderadamente os meios de defesa postos à disposição
do ofendido. A desnecessidade ou imoderação dos meios de repulsa poderá
caracterizar o excesso, proibido pelo direito. Vale lembrar que, se o agente,
ao exercer sua lídima prerrogativa de defesa, atinge terceiro inocente, terá de
indenizá-lo, cabendo-lhe, outrossim, ação regressiva contra o verdadeiro agressor.
(GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 485).

4.2 Estado de necessidade


Já o estado de necessidade, por sua vez, configura-se com a deterioração ou
destruição da coisa alheia, ou lesão à pessoa, a fim de remover perigo iminente.

65
Capítulo 4

No estado de necessidade, sempre há o sacrifício do direito de uma pessoa para


salvar o direito de outra do perigo de se perder. Como exemplo, podemos citar
o caso de um sujeito que, para evitar que seu carro seja atingido por um veículo
desgovernado, realiza manobra arriscada e acaba atropelando o cão de um
terceiro. Não se considera ilícita sua ação, se, no momento que ele atropela o cão,
não houvesse outra alternativa. (COELHO, 2003, p. 380).

4.3 Exercício regular e abuso de direito


Outro caso de excludente da ilicitude é o exercício regular de direito reconhecido.
No ato ilícito, há um procedimento contrário ao direito. Portanto, o exercício
de um direito elimina a ilicitude. Quem exerce o direito não provoca um dano.
Como exemplo, podemos identificar a situação do credor que, preenchendo as
condições legais, requer a falência do devedor comerciante; o proprietário que
constrói em seu terreno tolhendo a vista do vizinho. Apesar de esses agentes
causarem dano a outrem, não estão obrigados a indenizá-lo, porque agem na
esfera de seu direito.

Sempre que o agente, à primeira vista, esteja exercendo direito seu, e extravasa
os limites para os quais esse direito foi criado, ingressa na esfera do abuso de
direito. (VENOSA, 2007, p. 621).

Prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde


da ideia de culpa. O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro
dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seus direito e
exorbita ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral,
violação dos limites objetivos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que
esta se destina. (GONÇALVES, 2008, p. 506).

Exemplificando o abuso de direito, podemos citar o direito contratual quando


há recusa injustificada de contratar, quando há rompimento da promessa de
contratar ou, ainda, no desfazimento unilateral injustificado do contrato. (VENOSA,
2007, p. 623).

Como o abuso de direito envolve limites, a nulidade do ato abusivo corresponde


àquilo que foi além dos limites. Contudo, o ato jurídico abusivo pode ser
declarado nulo quando seu objeto for inteiramente contaminado pelo abuso e não
puder ser aproveitado pela conversão ou pela conservação do negócio jurídico.
(LOBO, 1986, p. 338).

Em relação à configuração do abuso de direito, Silvio de Salvo Venosa (2007, p.


627) ressalta que a colocação do atual diploma inserindo o abuso de direito nos
artigos 186 e 187 foi providencial. De fato, se o abuso de direito não constitui
propriamente um ato ilícito e transcende os limites da responsabilidade civil,
razão prática impõe que as consequências do abuso de direito sejam as mesmas

66
Negócios Jurídicos

da reparação pela responsabilidade civil, cabendo ao julgador valer-se das


cláusulas gerais estabelecidas no Código Civil, especialmente no tocante à boa-fé.

Finalmente, observa-se que o instituto do abuso de direito tem aplicação em


quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o
exercício antissocial dos direitos subjetivos. (GONÇALVES, 2008, p. 507).

Seção 5
Prova no negócio jurídico
Considerando todo o estudado até então, resta-nos, neste tópico, abordar um
assunto de fundamental importância para o negócio jurídico, que é, justamente, a
prova. Uma vez aperfeiçoado, o negócio jurídico pode necessitar de um meio de
prova, visando a certeza e a segurança jurídica.

Para isto, tenha em mente a conexão existente entre o direito material (direito
civil) e o direito processual (direito processual civil), já que, especialmente nesse
ponto da matéria, ambos devem ser estudados sempre em conjunto.

Ao direito civil, cabe a determinação das provas, a indicação do seu valor jurídico
e as condições de admissibilidade; ao diploma processual civil, caberá estudar o
modo de constituir a prova e de produzi-la em juízo. (GONÇALVES, 2008, p. 535).

5.1 Conceito de prova


As provas são os meios de demonstração e comprovação da existência dos
fatos jurídicos. Para Gonçalves (2008, p. 535), “prova é o meio empregado para
demonstrar a existência do ato ou negócio jurídico. Ou ainda, Tartuce (2011, p.
449), citando Clóvis Beviláqua, conceitua prova como um “conjunto de meios
empregados para demonstrar, legalmente, a existência de negócios jurídicos.”

5.2 Meios de prova


Inicialmente, importa esclarecer que, quando a lei exigir forma especial, como o
instrumento público, para a validade do negócio jurídico, nenhuma outra prova,
por mais especial que seja, poderá suprir-lhe a falta (CPC, art. 366; CC, art. 177,
contrario sensu). Por outro lado, não havendo qualquer exigência quanto à forma
(ato não formal), qualquer meio de prova pode ser utilizado, desde que não
proibido, como estatui o art. 332 do Código de Processo Civil: “todos os meios
legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste
Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda ação ou
defesa.” (GONÇALVES, 2008, p. 535-536).

67
Capítulo 4

Feita esta ressalva, os meios de prova estão dispostos claramente no Código


Civil Brasileiro, no art. 212, a saber:

Art. 212. Salvo o negócio a que se impõe forma especial, o fato


jurídico pode ser provado mediante:

I - confissão;

II - documento;

III - testemunha;

IV - presunção;

V - perícia.

Passamos então, neste momento, a estudar cada um dos tipos de prova acima
descritos.

5.2.1 Confissão
Confissão é o reconhecimento livre (por meio da manifestação) da veracidade do
fato que a outra parte da relação jurídica ou do próprio negócio pretende provar.
Nos termos do art. 348 do Código de Processo Civil, “há confissão, quando a
parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao
adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial.” (GAGLIANO; PAMPLONA
FILHO, 2010, p. 459).

No entanto, vale lembrar:

Art. 213. Não tem eficácia a confissão se provém de quem não é


capaz de dispor do direito a que se referem os fatos confessados.

Parágrafo único. Se feita a confissão por um representante,


somente é eficaz nos limites em que este pode vincular o
representado.

A confissão, como dito acima, é prova que consiste em manifestação de uma


parte reconhecendo situação favorável a outra. Por essa razão, somente quem
se encontra inserido na relação jurídica é que estará legitimado a confessar. O
representante legal do incapaz não pode, em princípio, confessar, porque lhe
é vedado concluir negócios em conflito de interesses com o representado (CC,
art. 119), e a confissão opera, essencialmente, contra os interesses do titular do
direito. Situação diversa ocorre quando se tratar de representação voluntária,
visto que, nessa espécie, o representado legitima o representante para tal.
(GONÇALVES, 2008, p. 537).

68
Negócios Jurídicos

5.2.2 Documento
Para fins de prova, o documento poderá ser público ou particular. Tem função
apenas probatória. Públicos são os documentos elaborados por autoridade pública,
no exercício de suas funções, como as certidões, traslados etc. Particulares, como
a própria denominação, são aqueles elaborados por particulares, tais como cartas,
telegramas, declarações. (GONÇALVES, 2008, p. 537)

Documento não se confunde com Instrumento Público ou Particular. O


instrumento público (lavrado por oficial) ou particular (firmado pelas próprias
partes) possui significado jurídico próprio, sendo espécie de documento,
formado com o propósito de servir de prova do ato representado. (GAGLIANO;
PAMPLONA FILHO, 2010, p. 461).

5.2.3 Documento ou instrumento público


A escritura pública (CC, art. 215) exigida pela lei para certos negócios é ato em
que as partes comparecem perante oficial público, como o tabelião ou o escrivão
do cartório judicial, na presença de testemunhas, para fazer declaração de
vontade. É exemplo de documento revestido de fé pública. São seus requisitos,
além de outros exigidos em normas específicas, aqueles especificados nos
incisos I a VII, do § 1º, artigo 215, do Código Civil.

Os instrumentos públicos são chamados pelo direito de prova pré-


constituída. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 461).

Tanto as certidões quanto os traslados lavrados por Tabelião ou Oficial de


Cartório de Registros são dotados de eficácia probatória dos negócios jurídicos
correspondentes. Nessa linha, convém citar os artigos 215 e 217 do Código Civil:

CC Art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é


documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.

CC Art. 217. Terão a mesma força probante os traslados e


as certidões, extraídos por tabelião ou oficial de registro, de
instrumentos ou documentos lançados em suas notas.

O mesmo pode ocorrer com as declarações feitas em processos judiciais. Uma


vez lavradas em cartório judicial responsável pelos autos do processo, possuem
a mesma eficácia. Para isto, deverão conter a reprodução textual do que o sujeito
manifestou em audiência ou petição.

69
Capítulo 4

Dispõe o art. 216 do Código Civil:

Art. 216. Farão a mesma prova que os originais as certidões


textuais de qualquer peça judicial, do protocolo das audiências,
ou de outro qualquer livro a cargo do escrivão, sendo extraídas
por ele, ou sob a sua vigilância, e por ele subscritas, assim como
os traslados de autos, quando por outro escrivão consertados.

5.2.4 Documento particular


O documento particular produz eficácia entre as partes ou ainda perante terceiros.
O documento particular tem sua validade e eficácia suspensas, se for contestada
a assinatura, e enquanto não for comprovada sua autenticidade pelo interessado
na validade. (LOBO, 1986, p. 362).

Vejamos como a legislação se apresenta:

Art. 221. O instrumento particular, feito e assinado, ou somente


assinado por quem esteja na livre disposição e administração de
seus bens, prova as obrigações convencionais de qualquer valor;
mas os seus efeitos, bem como os da cessão, não se operam, a
respeito de terceiros, antes de registrado no registro público.

Parágrafo único. A prova do instrumento particular pode suprir-se


pelas outras de caráter legal.

Art. 219. As declarações constantes de documentos assinados


presumem-se verdadeiras em relação aos signatários.

Art. 222. O telegrama, quando lhe for contestada a autenticidade,


faz prova mediante conferência com o original assinado.

Art. 226. Os livros e fichas dos empresários e sociedades


provam contra as pessoas a que pertencem, e, em seu favor,
quando, escriturados sem vício extrínseco ou intrínseco, forem
confirmados por outros subsídios.

No entanto, para produzir efeitos contra terceiros, isto é, para aqueles que não
tomaram parte no negócio, impõe a necessidade de sua divulgação, ou seja, tem
de dar a devida publicidade conforme preceitua a Lei de Registros Públicos (Lei nº
6.015/73).

Os documentos eletrônicos tiveram a validade atestada pela edição da Lei nº


11.419 de 2006, a qual regulamentou o processo judicial eletrônico. (LOBO, 1986,
p. 365).

70
Negócios Jurídicos

5.2.5 Testemunha
Muito embora seja alvo de críticas, já que dotada de certo grau de subjetividade,
a prova testemunhal é a que resulta do depoimento oral das pessoas que
presenciaram o fato a ser provado. As testemunhas podem ser instrumentárias ou
judiciárias. Estas são as que prestam depoimento em juízo; aquelas são as que
assinam o instrumento. (GONÇALVES, 2008, p. 541).

Vejamos o art. 227:

Art. 227. Salvo os casos expressos, a prova exclusivamente


testemunhal só se admite nos negócios jurídicos cujo valor não
ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao
tempo em que foram celebrados.

Parágrafo único. Qualquer que seja o valor do negócio


jurídico, a prova testemunhal é admissível como subsidiária ou
complementar da prova por escrito.

O Código Civil proíbe certas pessoas de testemunhar, seja em razão da ausência


de discernimento ou pela ausência de neutralidade:

Art. Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

I - os menores de dezesseis anos;

II - aqueles que, por enfermidade ou retardamento mental, não


tiverem discernimento para a prática dos atos da vida civil;

III - os cegos e surdos, quando a ciência do fato que se quer


provar dependa dos sentidos que lhes faltam;

IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital


das partes;

V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os


colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por
consanguinidade, ou afinidade.

Parágrafo único. Para a prova de fatos que só elas conheçam,


pode o juiz admitir o depoimento das pessoas a que se refere
este artigo.

Dispõe também o Código Civil acerca da impossibilidade de se depor quando da


ocorrência de determinados fatos, tais como:

Art. 229. Ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato:

I - a cujo respeito, por estado ou profissão, deva guardar


segredo;

71
Capítulo 4

II - a que não possa responder sem desonra própria, de seu


cônjuge, parente em grau sucessível, ou amigo íntimo;

III - que o exponha, ou às pessoas referidas no inciso


antecedente, a perigo de vida, de demanda, ou de dano
patrimonial imediato.

Recomenda-se, por conseguinte, a leitura do art. 405 do Código de Processo


Civil que relaciona os incapazes para testemunhas, os impedidos e os suspeitos.

5.2.6 Presunção
Para Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 581), presunção é a conclusão que se
extrai de fato conhecido para provar a existência de outro, desconhecido. As
presunções classificam-se em legais (juris) e comuns (hominis).

Para o referido autor, as presunções legais dividem-se em:

•• presunções juris et de jure (absolutas, aquelas que não admitem


prova em contrário); e
•• presunções jures tantum (relativas, aquelas que admitem prova em
contrário).

Nas presunções absolutas (juris et de jure), os fatos e os atos que deles se


deduzem são considerados provados e verdadeiros, ainda que se tente provar
o contrário. Como exemplo, podemos citar a comoriência. Dispõe o artigo 8º do
Código Civil: “se dois ou mais indivíduos falecerem na mesma ocasião, não se
podendo averiguar se algum dos comorientes precedeu aos outros, presumir-se-
ão simultaneamente mortos.” É considerada uma presunção legal absoluta, pois
a lei proíbe a averiguação de quem precedeu ao outro, presumindo-se ambos
mortos ao mesmo tempo. (LOBO, 1986, p. 371).

As presunções relativas (jures tantum) são as que admitem prova em contrário.


Como exemplo temos o caso da presunção de paternidade atribuída ao marido,
em relação ao filho de sua mulher nascido na constância do casamento, podendo
ser elidida por meio da ação negatória de paternidade. Vide art. 1.601 do CC.
(GONÇALVES, 2008, p. 543)

Gonçalves (2008, p. 542) ainda se refere às presunções simples (comuns ou


hominis): são as que se baseiam no que ordinariamente acontece, na experiência
da vida. Presume-se, por exemplo, embora não de forma absoluta, que as dívidas
contraídas do marido são contraídas em benefício da família.

72
Negócios Jurídicos

Muitos entendem que as expressões indício e presunção são


sinônimas. Mesmo tendo ambas valor equivalente como meio
de prova, o indicio é o ponto de partida de onde, por inferência,
chega-se a estabelecer uma presunção. É o caso de quando se
verifica que o agente vende bem por preço irrisório a um parente,
estando assoberbado por dívidas: tal fato indicia que pode haver
fraude contra credores. O indício, portanto, deve ser entendido
como causa ou meio para se chegar a uma presunção, que é o
resultado. (VENOSA, 2007, p. 582).

5.2.7 Perícia
Segundo Silvio de Salvo Venosa (2007, p. 583), o juiz, embora se requeira
que seja pessoa de razoável cultura, não pode ser especialista em matérias
técnicas. Quando o deslinde de uma causa depende de conhecimento técnico, o
magistrado se valerá de um “perito”, que o auxiliará na questão fática.

Perícia é a prova obtida com a utilização de conhecimentos técnicos ou


científicos aplicados pelos respectivos profissionais. A prova de algum fato
pode exigir a participação de um profissional especializado, quando não pode
ser suprida exclusivamente por testemunhas ou documentos. Já o perito é o
profissional acreditado e reconhecido pelas partes que litigam e pelo Judiciário,
incumbido da realização da perícia. (LOBO, 1986, p. 373).

O Código Civil traz dois dispositivos que regulamentam a perícia:

Art. 231. Aquele que se nega a submeter-se a exame médico


necessário não poderá aproveitar-se de sua recusa.

Art. 232. A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá


suprir a prova que se pretendia obter com o exame.

Ressalta-se que ambos estão conectados às ações de investigação de


paternidade. De acordo com a Súmula 301 do STJ: “em ação investigatória, a
recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris
tantum de paternidade.” Muito embora o juiz deva valer-se de outros meios de
prova que corroborem o exame, quem se recusa a realizar o exame de DNA gera
para si a presunção de paternidade.

Recomenda-se, para tanto, a leitura dos dispositivos previstos também no


Código de Processo Civil, a partir do art. 420 e seguintes que regulamentam a
prova pericial.

73
Capítulo 5

Prescrição e decadência

Habilidades Este capítulo desenvolverá em você a habilidade


de compreender as implicações temporais do
exercício de um direito e, assim, diferenciar
prescrição e decadência. Além disso, ao final do
seu estudo, você estará apto/a a identificar todas
as modalidades de prescrição e distinguir os seus
prazos cabíveis.

Seções de estudo Seção 1:  Prescrição

Seção 2:  Decadência

75
Capítulo 5

Seção 1
Prescrição
Vivemos em mundo em constante movimento. A vida não para! Desta forma
ocorre também para o direito. Este, por sua vez, estabelece determinadas regras
para o seu exercício. Diz-se que a pessoa tem de exercer e exigir seu direito
em tempo razoável, ou seja, é o próprio direito que estabelece esses prazos
considerados adequados para que se possa buscar no Judiciário o respaldo para
a pretensão. Não o fazendo em tempo hábil, o sujeito fica impedido de buscar
seu direito, podendo, inclusive, perdê-lo definitivamente, em prol da segurança
jurídica e da pacificação social. Por essa razão, faz-se necessário o estudo
de dois institutos de fundamental importância para o direito, quais sejam: a
prescrição e a decadência.

Conforme dito acima, o exercício de um direito não pode ficar pendente


indefinidamente. Deve ser exercido pelo titular dentro de determinado prazo. Isto
não ocorrendo, perderá o titular a prerrogativa de fazer valer seu direito. (VENOSA,
2007, p. 629).

Desde a concepção do ser humano, o tempo influi nas relações jurídicas de que
o indivíduo participa. É ele o personagem principal do instituto da prescrição.
O decurso do tempo tem grande influência na aquisição e na extinção de
direitos. (GONÇALVES, 2008, p. 510). Como já dizia a máxima do direito romano,
dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre a quem dorme).

Neste sentido, um dos princípios baluartes na nova codificação


é o princípio da operabilidade, inclusive em um sentido de
simplicidade, pelo qual busca facilitar o estudo dos institutos
jurídicos privados. Tal princípio pode ser flagrantemente
percebido pelo tratamento dado pela codificação tanto à
prescrição quanto à decadência, particularmente pela facilitação
de visualização dos institutos.

O Código Civil em vigor traz um tratamento diferenciado quanto a tais conceitos:


a prescrição consta dos seus artigos 189 a 206; e, a decadência, dos artigos 207
a 211.

Distinguem-se, pois, duas espécies de prescrição: a extintiva e a aquisitiva.

A prescrição extintiva, prescrição propriamente dita, conduz à perda do direito


de ação por seu titular negligente, ao fim de certo lapso de tempo, e pode ser
encarada como força destrutiva. (VENOSA, 2007, p. 631).

76
Negócios Jurídicos

Já a prescrição aquisitiva, também denominada usucapião, é tratada na parte


especial do Código Civil, mas não é objeto de nosso estudo no momento. Dito
isto, vamos ao conceito de prescrição.

1.1 Conceito de prescrição


A prescrição extintiva, fato jurídico em sentido estrito, é, portanto, uma sanção
ao titular do direito violado, que extingue tanto a pretensão positiva quanto
a negativa (exceção ou defesa). Trata-se de um fato jurídico stricto sensu
justamente pela ausência de vontade humana, prevendo a lei efeitos naturais,
relacionados com a extinção da pretensão. A sua origem está no decurso do
tempo, exemplo típico de fato natural. (TARTUCE, 2011, p. 410).

Segundo Pontes de Miranda (apud GONÇALVES, 2008, p. 512), a prescrição seria


uma exceção que alguém tem contra o que não exerceu, durante um lapso de
tempo fixado em norma, sua pretensão ou ação.

Segundo o art. 189: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se
extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”

Ou seja, a violação do direito, que causa dano ao titular do direito subjetivo,


faz nascer a possibilidade de se exigir do devedor uma ação ou omissão, a
qual permite a composição do dano verificado. A esse direito de exigir chama
a doutrina de pretensão. Ou seja, pretensão significa o poder de exigir de
outrem uma ação ou omissão. (GONÇALVES, 2008, p. 513).

A prescrição não alcança o direito, mas a pretensão, ou seja, a


etapa da exigibilidade, quando o exercício poderia ser exigido.
Em outras palavras, a prescrição não afeta o direito, e sim
seu exercício. O direito permanece existente; apenas está
desarmado, pois o titular não mais o pode exigir. O direito não
prescreve nunca. O que prescreve é a pretensão. Tampouco
prescreve diretamente a ação, pois esta não pode ser exercida
materialmente (nas hipóteses em que o direito admite que o titular
o faça diretamente, sem a necessidade de se ajuizar uma ação),
pois depende da pretensão. Não há ação quando a pretensão
está prescrita. (LOBO, 1986, p. 342).

Para melhor compreensão, atente para o exemplo citado por Pablo Stolze
Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2010, p. 490):

Caio (credor) é titular de um direito de crédito em face de Tício


(devedor). Nos termos do contrato pactuado, Caio teria direito
ao pagamento de 100 reais no dia 1º de janeiro de 2002 (dia
do vencimento). Firmado o contrato no dia 10 de dezembro de
2001, Caio já dispõe do crédito, posto somente seja exigível

77
Capítulo 5

no dia do vencimento. Observe, pois, que o direito de crédito


nasce com a realização do contrato, em 10 de dezembro. No
dia do vencimento, para a surpresa de Caio, o devedor nega-
se a cumprir a sua obrigação. Torna-se, portanto, inadimplente,
violando o direito patrimonial de Caio de obter a satisfação
do seu crédito. Neste exato momento, portanto, violado o
direito, surge para o credor a legítima pretensão de poder exigir,
judicialmente, que o devedor cumpra a prestação assumida. Esta
pretensão, por sua vez, quedará prescrita, se não for exercida no
prazo legalmente estipulado para o seu exercício (dez anos, no
Código Civil – art. 205).

Observe, no exemplo supracitado, que o direito de ajuizar a ação sempre existirá,


mesmo depois de decorrido o prazo prescricional estabelecido em lei. Logo, o
que prescreve é a pretensão.

Assim, pode-se dizer que a prescrição, conforme (GONÇALVES, 2008, p. 513),


tem como requisitos:

•• a violação do direito, como o nascimento da pretensão;


•• a inércia do titular; e
•• o decurso do tempo fixado em lei.

A prescrição corre sem ligação subjetiva à titularidade do direito. Se há mudança


do titular da pretensão, não importa: o sucessor recebe a fluência do tempo, tal
como vinha do autor. O tempo escoa objetivamente, sem atender a quem é, no
momento, o titular da pretensão. (LOBO, 1986, p. 344).

A prescrição tem por objeto direitos subjetivos patrimoniais e disponíveis,


não afetando, por isso, direitos sem conteúdo patrimonial direto como os
direitos personalíssimos, de estado ou de família, os quais são irrenunciáveis e
indisponíveis. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2010, p. 490).

Lembre-se, também, das pretensões dos direitos da personalidade, já estudadas


na Introdução ao Direito Civil, tais como o direito à honra, privacidade, intimidade,
imagem e identidade das pessoas.

Nessa mesma linha de pensamento, temos as chamadas pretensões


imprescritíveis, que englobam os direitos acima elencados dentre outros.
Sintetizando, a fim de esclarecer melhor essas denominadas pretensões, citamos,
segundo Gonçalves, como pretensões não sujeitas à prescrição:

•• As que protegem os direitos da personalidade, como o direito à


vida, à honra, à liberdade, à integridade física ou moral, à imagem,
ao nome, às obras literárias, artísticas ou científicas etc.

78
Negócios Jurídicos

•• As que se prendem ao estado das pessoas (estado de filiação, a


qualidade de cidadania, a condição conjugal). Não prescrevem, assim,
as ações de divórcio, interdição, investigação de paternidade etc.
•• As de exercício facultativo (ou potestativo), em que não existe
direito violado, como as destinadas a extinguir o condomínio, a de
pedir meação do muro do vizinho.
•• As referentes a bens públicos de qualquer natureza, que são
imprescritíveis.
•• As que protegem direito de propriedade, que é perpétuo
(reinvindicatória).
•• As pretensões de reaver bens confiados à guarda de outrem, a
título de depósito, penhor ou mandato.
•• E, por fim, as destinadas a anular a inscrição do nome empresarial
feita com violação de lei ou do contrato.

Gonçalves (2008, p. 514-515) ainda menciona a questão da Súmula 149 do STF


a qual determina que só não prescreve a ação de investigação de paternidade,
prescrevendo, porém, a de petição de herança. No mesmo sentido, embora não
prescrevam as pretensões concernentes aos direitos da personalidade, a de obter
vantagem patrimonial em decorrência de sua ofensa (que acarreta dano moral,
por exemplo) é prescritível.

1.1.1 Prescrição intercorrente


Outra espécie de prescrição que convém ser citada é a prescrição intercorrente.
Segundo Gonçalves (2008, p. 513), a existência da prescrição intercorrente ocorre
quando o autor de processo já iniciado permanece inerte, de forma continuada
e ininterrupta, durante lapso temporal suficiente para a perda da pretensão.
Interrompida a prescrição, o prazo voltará a fluir do último ato do processo
ou do próprio ato que a interrompeu (a citação válida), devendo o processo
ser impulsionado pelo autor. Não pode permanecer inerte, abandonando
o andamento da causa durante prazo superior àquele fixado em lei para a
prescrição da pretensão.

A prescrição intercorrente foi implicitamente admitida no art. 202, parágrafo


único do Código Civil, que assim dispõe: “Art. 202. Parágrafo único. A prescrição
interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último
ato do processo para a interromper.”

79
Capítulo 5

1.2 Diferenciações necessárias da prescrição


Importa salientar que nem a prescrição nem a decadência (que será abordada
adiante) se confundem com o instituto da preclusão, que, em verdade, é a perda
de uma faculdade ou direito processual, por se haver esgotado ou por não ter
sido exercido em tempo e momento oportunos.

Da mesma forma, não há como confundi-las com a perempção, que, embora


também calcada na ideia de inércia, é instituto de direito processual, aplicável
somente aos acionantes da máquina judiciária, com a extinção do processo civil
ou criminal como sanção pelo não cumprimento de diligências que lhe cabiam.

Tanto a preclusão quanto a perempção são institutos que serão estudados


posteriormente, mais precisamente no Direito Processual.

1.3 Causas de interrupção e suspensão da prescrição


A prescrição, antes da conclusão do prazo correspondente, poderá ser
interrompida ou suspensa, em favor do credor ou titular do direito. As hipóteses
da interrupção e suspensão são taxativamente enumeradas na lei, não podendo
ser criadas, ampliadas ou suprimidas pelos sujeitos dos atos jurídicos. (LOBO,
1986, p. 345).

1.3.1 Causas de suspensão da prescrição


Desta forma, o Código Civil, em seu art. 197, dispõe:

Art. 197. Não corre a prescrição:

I - entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II - entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar;

III - entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores,


durante a tutela ou curatela.

Assim, dispõe o art. 197 que não corre prescrição “entre os cônjuges na
constância da sociedade conjugal”. Se o prazo ainda não começou a fluir, a
causa ou obstáculo (no caso, a constância da sociedade conjugal) impede que
comece. Se, entretanto, o obstáculo (casamento) surge após o prazo ter-se
iniciado, dá-se suspensão. Nesse caso, somam-se os períodos, isto é, cessada
a causa de suspensão temporária, o lapso prescricional volta a fluir somente pelo
tempo restante. Diferentemente da interrupção, que será estudada adiante, em
que o período já decorrido é inutilizado e o prazo volta a correr novamente por
inteiro. (GONÇALVES, 2008, p. 521).

80
Negócios Jurídicos

Justifica-se a suspensão da prescrição em razão da condição em que as pessoas


elencadas no artigo acima transcrito se encontrem, ou seja, pela situação na
qual se encontram (na constância da sociedade conjugal, por exemplo) estarão
impossibilitadas de agir.

Ato contínuo, passamos a estudar o art. 198 do Código Civil, que regulamenta:

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I - contra os incapazes de que trata o art. 3o;

II - contra os ausentes do País em serviço público da União, dos


Estados ou dos Municípios;

III - contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em


tempo de guerra.

Este dispositivo prevê que também não corre prescrição contra os incapazes
relacionados no art. 3º do Código Civil; contra os ausentes do País em serviço
público da União, Estados ou dos Municípios e contra os que se acharem
servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Confira o quadro a seguir.

Quadro 5.1 - Prescrição contra os incapazes

Relativamente incapazes Corre contra ou a favor


Prescrição Se contra: a prescrição não corre.
Absolutamente incapazes
Se a favor: a prescrição corre.

Fonte: Tartuce (2011, p. 419).

1.3.2 Causas de interrupção da prescrição


A interrupção depende, em regra, de um comportamento ativo do credor,
diferente da suspensão, que decorre de certos fatos previstos na lei, conforme
mencionado. Qualquer ato de exercício ou proteção ao direito interrompe a
prescrição, extinguindo o tempo já decorrido, que volta a correr por inteiro,
diversamente da suspensão da prescrição, cujo prazo volta a fluir pelo tempo
restante. (GONÇALVES, 2008, p. 525).

As causas de interrupção da prescrição estão elencadas no art. 202 do Código


Civil, que prevê:

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá


ocorrer uma vez, dar-se-á:

I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a


citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei
processual;

81
Capítulo 5

II - por protesto, nas condições do inciso antecedente;

III - por protesto cambial;

IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário


ou em concurso de credores;

V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que


importe reconhecimento do direito pelo devedor.

Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr


da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo
para a interromper.

Nesse sentido, elucida Silvio de Salvo Venosa (2011, p. 652) que

[...] o ponto principal autorizador da perda do direito pela


prescrição é a inércia do titular. Portanto, não pode ser punido
o prescribente quando defende seu direito, com a intenção de
inutilizar a prescrição. Desse modo, a prescrição é interrompida
com o fato hábil a destruir o lapso de tempo pretérito. A contrário
da suspensão, em que o tempo anterior ao fato X é computado.

Em síntese: enquanto um mesmo prazo pode ser suspenso por várias vezes, a
interrupção só ocorre uma única vez. Imagine o prazo de dez anos que começou
a fluir quando o titular do direito tinha 14 anos. Ficou suspenso até o fim da
incapacidade absoluta. Começou a fluir, assim, no dia em que esse jovem
completou 16 anos. Imagine, porém, que, ao fazer 18 anos, foi convocado pelas
Forças Armadas, em momento em que o Brasil entrara numa guerra. Novamente
ficará suspenso o mesmo prazo até o fim da guerra ou da incorporação às Forças
Armadas. Imagine, finalmente, que o jovem, dois anos depois, casa-se com a
titular da obrigação correspondente ao seu direito. Nova causa de suspensão se
verificou. Quando se trata, porém, de interrupção, ela não é admitida senão uma
única vez. (COELHO, 2003, p. 398).

As causas que interrompem a prescrição poderão ser mais bem elucidadas e


compreendidas a partir do estudo do direito processual, que será iniciado a
partir dessa etapa do curso, razão pela qual, nesse momento, interessa apenas
identificar a essência da interrupção da prescrição.

Dito isto, partiremos ao estudo dos prazos prescricionais.

82
Negócios Jurídicos

1.4 Prazos da prescrição


O prazo de prescrição das pretensões pode ser: geral ou especial.

O prazo geral é de dez anos, conforme disposto no art. 205


do Código Civil: “A prescrição ocorre em dez anos, quando a
lei não lhe haja fixado prazo menor.” Quando a lei determinar
que a inércia no exercício do direito gera prescrição, mas não
determinar qual prazo, remete-se ao geral, qual seja: dez anos.

As obrigações pessoais em geral, especialmente as oriundas de negócios


jurídicos, são remetidas ao prazo geral (dez anos), contado a partir de quando
poderiam ser exigíveis. Após dez anos, as pretensões das dívidas pessoais são
prescritas, salvo se a lei tiver estabelecido prazo menor. Do mesmo modo, as
pretensões que tenham por objeto direitos reais (propriedade, direitos reais
limitados) prescrevem em dez anos, contados a partir da lesão sofrida ou do
início da ausência de exercício do direito. (LOBO, 1986, p. 351).

Os prazos de prescrição ditos especiais estão dispostos no art. 206 do Código Civil:

Art. 206. Prescreve:


§ 1o Em um ano:
I - a pretensão dos hospedeiros ou fornecedores de víveres
destinados a consumo no próprio estabelecimento, para o
pagamento da hospedagem ou dos alimentos;
II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste
contra aquele, contado o prazo:
a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil,
da data em que é citado para responder à ação de indenização
proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este
indeniza, com a anuência do segurador;
b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da
pretensão;
III - a pretensão dos tabeliães, auxiliares da justiça, serventuários
judiciais, árbitros e peritos, pela percepção de emolumentos,
custas e honorários;
IV - a pretensão contra os peritos, pela avaliação dos bens que
entraram para a formação do capital de sociedade anônima,
contado da publicação da ata da assembleia que aprovar o laudo;
V - a pretensão dos credores não pagos contra os sócios ou
acionistas e os liquidantes, contado o prazo da publicação da ata
de encerramento da liquidação da sociedade.

83
Capítulo 5

§ 2o Em dois anos, a pretensão para haver prestações


alimentares, a partir da data em que se vencerem.
§ 3o Em três anos:
I - a pretensão relativa a aluguéis de prédios urbanos ou rústicos;
II - a pretensão para receber prestações vencidas de rendas
temporárias ou vitalícias;
III - a pretensão para haver juros, dividendos ou quaisquer
prestações acessórias, pagáveis, em períodos não maiores de
um ano, com capitalização ou sem ela;
IV - a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa;
V - a pretensão de reparação civil;
VI - a pretensão de restituição dos lucros ou dividendos
recebidos de má-fé, correndo o prazo da data em que foi
deliberada a distribuição;
VII - a pretensão contra as pessoas em seguida indicadas por
violação da lei ou do estatuto, contado o prazo:
a) para os fundadores, da publicação dos atos constitutivos da
sociedade anônima;
b) para os administradores, ou fiscais, da apresentação, aos
sócios, do balanço referente ao exercício em que a violação
tenha sido praticada, ou da reunião ou assembleia geral que dela
deva tomar conhecimento;
c) para os liquidantes, da primeira assembleia semestral posterior
à violação;
VIII - a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a
contar do vencimento, ressalvadas as disposições de lei especial;
IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do
terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil
obrigatório.
§ 4o Em quatro anos, a pretensão relativa à tutela, a contar da
data da aprovação das contas.
§ 5o Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de
instrumento público ou particular;
II - a pretensão dos profissionais liberais em geral, procuradores
judiciais, curadores e professores pelos seus honorários, contado
o prazo da conclusão dos serviços, da cessação dos respectivos
contratos ou mandato;
III - a pretensão do vencedor para haver do vencido o que
despendeu em juízo.

84
Negócios Jurídicos

Como se pode constatar, todos os prazos estabelecidos no artigo acima


mencionado estão relacionados com ações de cunho condenatório e patrimonial,
tratando particularmente de cobrança de valores e reparação de danos.
Passamos, então, ao estudo do instituto da decadência.

Seção 2
Decadência
A decadência é a perda do direito em virtude de seu não exercício durante certo
tempo. Difere da prescrição, porque esta atinge a pretensão, mas não o direito.
(LOBO, 1986, p. 353).

Para Silvio de Salvo Venosa (2011, p. 636), decadência é a ação de cair ou o


estado daquilo que caiu. No campo jurídico, indica a queda ou perecimento de
direito pelo decurso de prazo fixado para o seu exercício, sem que o titular o
tivesse exercido.

Um dos critérios usados pela doutrina para distinguir prescrição


de decadência consiste em considerar que, nesta, o prazo
começa a fluir no momento em que o direito nasce. Desse modo,
no mesmo instante em que o agente adquire o direito já começa
a correr o prazo decadencial. O prazo prescricional, todavia, só
se inicia a partir do momento em que este tem seu direito violado.
(GONÇALVES, 2008, p. 531).

Na decadência, que é instituto de direito substantivo, há a perda de um direito


previsto em lei. O legislador estabelece que certo ato terá de ser exercido dentro de
um determinado tempo, fora do qual ele não poderá mais efetivar-se, porque dele
decaiu o seu titular. A decadência se consubstancia, pois, no decurso infrutífero
de um termo prefixado para o exercício do direito. O tempo age em relação à
decadência como um requisito do ato, pelo que a própria decadência é a sanção
consequente da inobservância de um termo. (GONÇALVES, 2008, p. 532).

O Código Civil considera prescricionais todos os prazos discriminados no rol


taxativo dos artigos 205 e 206, já mencionados anteriormente, o que significa
dizer que todos os demais, os quais por ventura possam aparecer, serão
decadenciais. Note que, além do rol taxativo dos artigos, estes estabelecem os
prazos prescricionais em anos, o que nos leva a entender que os prazos em dias,
meses e ano e dia serão sempre decadenciais. (TARTUCE, 2011, p. 435).

85
Capítulo 5

Diz-se que a decadência pode ter origem na lei (decadência legal) ou na


autonomia privada (decadência convencional). A decadência legal deverá ser
reconhecida pelo juiz de ofício, tal qual ocorre com a prescrição, e não poderá ser
renunciada pela parte. Já a decadência convencional não poderá ser reconhecida
de ofício pelo juiz e pode ser renunciada após a consumação, assim como ocorre
na prescrição. (TARTUCE, 2011, 438).

Prosseguindo com a matéria, preceitua o art. 207 do Código Civil: “Salvo


disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que
impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.” Via de regra, entende-se
que os prazos decadenciais são fatais, no entanto a expressão “salvo disposição
em contrário” nos remete à ideia de que essa regra talvez não seja absoluta.
(GONÇALVES, 2008, p. 533).

Algumas espécies de prazo decadencial poderão ser identificadas nos artigos a


seguir transcritos:

Art. 178. É de quatro anos o prazo de decadência para pleitear-se


a anulação do negócio jurídico, contado:

I - no caso de coação, do dia em que ela cessar;

II - no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou


lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico;

III - no de atos de incapazes, do dia em que cessar a


incapacidade.

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável,


sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de
dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

Estes são alguns exemplos de prazos considerados decadenciais. Para encerrar


a diferenciação entre a prescrição e decadência, observe o seguinte esquema.

Quadro 5.2 – Prescrição x decadência

PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA

Extingue a pretensão. Extingue o direito.

Deve ser declarada de ofício pelo juiz. A decadência legal deve ser reconhecida
de ofício pelo magistrado (agora mesmo
tratamento da prescrição, o que não ocorre
com a decadência convencional).

continua...

86
Negócios Jurídicos

PRESCRIÇÃO DECADÊNCIA

A parte não pode alegá-la. A decadência legal não pode ser renunciada,
em qualquer hipótese. A decadência
O devedor pode renunciar a ela após a convencional pode ser renunciada após a
consumação. consumação, também pelo devedor (mesmo
tratamento da prescrição).

Não corre contra determinadas pessoas. Corre contra todas, com exceção dos
absolutamente incapazes (art. 3º, do CC).

Previsão de casos de impedimento, Não pode ser impedida, suspensa ou


suspensão ou interrupção. interrompida, regra geral, com exceção de
regras específicas.

Relacionada com direitos subjetivos, atinge Relacionada com direitos potestativos,


ações condenatórias (principalmente atinge ações constitutivas positivas e
cobrança e reparação de danos). negativas (principalmente ações anulatórias).

Prazo geral de 10 anos (art. 205 do CC). Não há, para a maioria da doutrina, prazo
geral de decadência. Há um prazo geral
para anular negócio jurídico, de dois anos
contados da sua celebração, conforme o art.
179 do CC.

Prazos especiais de 1, 2, 3, 4 e 5 anos, Prazos especiais em dias, meses, ano e


previstos no art. 206 do CC. dia e anos (1 a 5 anos), todos previstos em
outros dispositivos, fora dos arts. 205 e 206
do CC.
Fonte: Tartuce (2011, p. 441).

87
Considerações Finais

Ao concluirmos o presente estudo, foi possível conhecer um pouco mais sobre


a formação do negócio jurídico bem como os efeitos dele decorrentes. Ou seja,
observamos que esses negócios são constituídos por atos e fatos jurídicos, os
quais, por sua relevância no mundo jurídico, estabelecem conexões que obrigam
e geram responsabilidade para as pessoas envolvidas.

A fim de que o negócio jurídico se torne perfeito, faz-se necessário que ele esteja
pautado em três pilares essenciais idealizados por Pontes de Miranda (escada
ponteana), denominados em nosso estudo de planos de existência, validade e
eficácia.

Vale lembrar que, segundo o plano da existência, existem elementos essenciais


para a existência do negócio jurídico, tais como: as partes envolvidas, a vontade,
o objeto e a forma. Sem estes, não há negócio jurídico.

Da mesma forma, o segundo plano diz respeito à validade, ou seja, deverá


obedecer ao disposto no já estudado art. 104 do Código Civil. Não menos
importante, estudamos também o plano da eficácia, que, por sua vez, está
direcionado aos ditos efeitos do negócio jurídico, os quais poderão suspender ou
resolver o negócio jurídico.

A partir desses conceitos, foi possível contextualizar a finalidade negocial e os


modos de aquisição, conservação, modificação e extinção de direitos, parte
essencial para a compreensão da matéria.

Sendo os negócios jurídicos praticados por pessoas, estes também estarão


sujeitos a falhas, vícios ou defeitos. Estes defeitos são identificados pelo erro
substancial, dolo, coação, estado de perigo, lesão e fraude contra credores.

Consequentemente, constatamos que a ocorrência desses defeitos poderá levar


à inexistência do negócio jurídico, ou, ainda, poderá gerar uma nulidade absoluta
ou uma nulidade relativa, conforme observamos no presente estudo.

Foi possível ainda identificar que, em determinadas situações, especialmente


na formação do negócio jurídico, as partes poderão, no exercício do seu direito,
provocar dano em decorrência da ilicitude do ato. Ou seja, desta conduta
nascerá a responsabilidade civil bem como o dever de indenizar.

89
Universidade do Sul de Santa Catarina

Na sequência, abordamos os principais aspectos que envolvem a prova no


negócio jurídico. Ou seja, sabemos que, no direito, praticamente tudo depende
da prova produzida, desde que, claro, esta seja obtida por meios lícitos. Logo,
a confissão, os documentos, as testemunhas, a configuração da presunção e a
possibilidade da perícia são essenciais no negócio jurídico, eis que contribuem
para a segurança jurídica.

Finalizando nosso estudo, apresentamos os institutos da prescrição e da


decadência, consideradas primordiais não só para o negócio jurídico em si mas
também para a obtenção e exercício dos direitos. Logo, foi possível entender
que o tempo para se pleitear um determinado direito necessita de uma limitação
imposta na lei, de modo que não haja ofensa à segurança jurídica ou abalo
nas relações entre os indivíduos. Em razão disso, o legislador brilhantemente
estabeleceu prazos razoáveis, fundamentais para que a sociedade possa pleitear
os direitos ditos subjetivos que lhe foram colocados à disposição.

Absorvendo o conteúdo aqui exposto, podemos dizer que você está preparado/a
para as demais etapas do direito civil que irão seguir-se, dispostas na parte
especial, e que necessitam deste importante embasamento.

A partir dessas premissas, foi possível entender a influência que o negócio


jurídico exerce na formação da relação jurídica e os efeitos que gera entre as
partes envolvidas, podendo atingir inclusive terceiros.

No mais, desejo-lhe sucesso em seus estudos, e que o Direito Civil seja uma feliz
e constante descoberta para você, que se aventura nesse mundo tão fascinante
chamado direito.

Grande abraço,

Professora Gisele

90
Referências

CARVALHO NETO, Inácio de. Responsabilidade civil no direito de família. 4.


ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011.

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. amp. e


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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do direito civil.
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GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: obrigações. 6. ed. São
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GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito


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RODRIGUES, Silvio. Direito civil: direito de família. 5. ed. rev e atual. de acordo com
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SANTOS, Antônio Jeová. Dano moral indenizável. 4. ed. rev., ampl. e atual. de
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TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. Rio de Janeiro: Forense – São Paulo:
Método, 2011.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral
dos contratos. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007. v. 2.

91
Sobre o Professor Conteudista

Gisele Rodrigues Martins Goedert


Nasceu em Joinville, SC, em 06 de novembro de 1976. Formou-se em Direito
pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em fevereiro de 2000.
Em 2006, concluiu Mestrado em Relações Internacionais para o Mercosul, pela
Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Foi assistente acadêmica da
Coordenação do Curso de Direito, Campus Norte da Ilha, no período de 2005
a 2008. Atualmente, é advogada e professora titular da Universidade do Sul de
Santa Catarina no Curso de Graduação em Direito, nas disciplinas Direito Civil I
(parte geral), Direito Civil IV (contratos), Estágio Supervisionado em Direito e no
Curso de Relações Internacionais na disciplina de Direito Internacional Privado.
Atua, ainda, como professor tutor nos Cursos de Especialização em Direito
Processual Civil e Direito Processual: Grandes Transformações - UNISUL/LFG.
Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Privado.

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