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O impasse na aplicação

do Estatuto da Cidade:
explorando o alcance do PEUC
em Maringá - PR (2009-2015)1
The impasse in the application
of the City Statute:
exploring the achievement of the CSBU in Maringa – PR (2009-2015)

Dânia Brajato A, B, C, D, E, F
Universidade Federal do ABC, Programa de Pós-graduação em Planejamento
e Gestão do Território, Santo André, SP, Brasil

Rosana Denaldi A, E, F
Universidade Federal do ABC, Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas, Santo André, SP, Brasil

Resumo: Este trabalho trata da aplicação do ‘Parcelamento, Edificação ou Utilização


Compulsórios’ (PEUC) em Maringá (PR). Entre 2009 e 2013, o Município notificou para PEUC 705
proprietários de imóveis ociosos, com o correspondente em área a 14,5 milhões de metros quadrados.
Desde 2011, Maringá aplica o IPTU progressivo no tempo. Para compreender os resultados alcançados,
foram identificados, por meio de pesquisa documental e entrevistas, a lógica territorial de aplicação do
PEUC, a resposta dos proprietários notificados e o comportamento do setor imobiliário em relação ao
instrumento. Conclui-se que, no caso de Maringá, a aplicação do PEUC favoreceu de forma limitada
a ocupação dos vazios urbanos e não contribuiu para democratizar o acesso à terra. Os limitados resul-
tados alcançados relacionam-se com a aplicação do PEUC dissociada de uma estratégia geral de plane-
jamento urbano inclusivo nos moldes do ideário da Reforma Urbana.

Pal avras Chave: Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC),


Planejamento Urbano, Estatuto da Cidade, Função Social da Propriedade Urbana, Plano Diretor.

Abstract: This paper provides an analysis regarding the application of Compulsory Subdivision,
Building or Utilization of Land (CSBU) in Maringá, Brazil. Between 2009 and 2013, the city notified through
CSBU 705 owners of vacant areas. This amounted to around 14,5 km². Maringá has enforced the progressive
property and land tax (over time) since 2011. In order to understand the results achieved, we identified, through
documentary research and interviews, the underlying territorial logic of the instrument, the responsiveness of
property owners and the behavior of the real estate market in relation to the instrument. In the case of Maringá,
the application of the CSBU provided only limited incentives to the effective utilization of urban vacant areas,
and it did not contribute to democratize access to land. The limited results achieved are related to the application
of CSBU separate from a general strategy of inclusive urban planning, following the ideals of Urban Reform.

Keywords: Compulsory Subdivision, Building or Utilization of Land (CSBU), Urban


Planning, the Statute City, Social Function of Urban Property, Master Plan.

Contribuição de cada autor/a: A. fundamentação teórico-conceitual e problematização; B. pesquisa de dados e análise estatística; c.
elaboração de figuras e tabelas; D. fotos; E. elaboração e redação do texto; F. seleção das referências bibliográficas.
1 O desenvolvimento deste artigo teve apoio da Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (CAPES) e do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) em parceria com o Ministério da Justiça (MJ).
DOI: https://doi.org/10.22296/2317-1529.2019v21n1p45

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Introdução

O presente trabalho trata da aplicação do Parcelamento, Edificação ou Utili-


zação Compulsórios (PEUC) e de seu instrumento sucedâneo, o imposto sobre a
propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, em Maringá,
município do Estado do Paraná, Região Sul do Brasil. Insere-se no debate sobre os
limites e possibilidades de implementação da agenda urbana construída a partir do
projeto de Reforma Urbana e consolidada pelo marco regulatório definido pela Cons-
tituição Federal (CF) de 1988 e pelo Estatuto da Cidade (EC), Lei Federal nº 10.257,
de 10 de julho de 2001. O conjunto de instrumentos formado pelo PEUC, IPTU
progressivo no tempo e desapropriação-sanção foi previsto na CF e regulamentado
pelo EC, com o objetivo de inibir a retenção especulativa de imóveis urbanos em áreas
dotadas de infraestrutura e com demanda para sua utilização. O PEUC impõe a obri-
gação de que imóveis ociosos sejam parcelados, edificados ou utilizados, em determi-
nado prazo de tempo. Em caso de descumprimento das obrigações estabelecidas pelo
PEUC, o município deverá aplicar o instrumento sucedâneo, o IPTU progressivo no
tempo. Nessa condição, a alíquota do imposto será majorada, podendo ser duplicada
por cinco anos consecutivos, até o limite de 15%. Se, ainda assim, o proprietário
não der o devido aproveitamento ao imóvel, faz-se possível a desapropriação-sanção,
isto é, a desapropriação do imóvel com pagamento em títulos da dívida pública.
Como instrumento jurídico-urbanístico, o PEUC teria potencial para fazer cumprir
a função social da propriedade urbana, pois sua aplicação poderia promover o orde-
namento territorial, por meio da indução à ocupação de zonas e setores da cidade
dotados de infraestrutura, inibindo o espraiamento da malha urbana e o seu avanço
na direção de áreas ambientalmente frágeis ou rurais. Também poderia favorecer a
disponibilização de imóveis para a provisão habitacional de interesse social, especial-
mente se combinado com outros instrumentos urbanísticos, como as Zonas Especiais
de Interesse Social (ZEIS) de vazios. Nessa condição, poderia contribuir para a demo-
cratização do acesso à terra urbanizada e à moradia, finalidades da Reforma Urbana.
A obrigação compulsória estabelecida pelo Poder Público municipal aos proprie-
tários de imóveis urbanos ociosos fundamenta-se no princípio da função social da
propriedade, um dos pilares da ordem jurídico-urbanística brasileira, estabelecido
pela Constituição Federal de 1988. Saule Júnior (2007) argumenta que, a partir desse
princípio constitucional, deve prevalecer o interesse social e cultural coletivo sobre o
direito individual de propriedade e sobre os interesses especulativos.
Apesar da importância do PEUC e sucedâneos, pode-se afirmar que houve
reduzido avanço na utilização desse conjunto de instrumentos no país. Segundo
Denaldi et al. (2015), até janeiro de 2014, dos 288 municípios brasileiros com popu-
lação superior a 100 mil habitantes, apenas oito estavam aplicando ou aplicaram o
instrumento em algum período: Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema
e São Paulo, na Região Metropolitana de São Paulo, além de Maringá, no Paraná,
e das capitais Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Palmas (TO). Em 2017, somente
quatro desses municípios tinham alcançado o estágio de implementação do IPTU
progressivo no tempo: Maringá, São Bernardo do Campo, São Paulo e Palmas. Nesse
contexto de um reduzido número de municípios que efetivamente aplicou o PEUC e
seu sucedâneo, duas questões demandam uma análise mais aprofundada. A primeira
delas diz respeito à compreensão da dificuldade de se aplicar instrumentos urbanís-

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ticos que objetivam o cumprimento da função social da propriedade e que, portanto,


impõem limites ao uso da propriedade privada. A segunda questão está relacionada
à compreensão da efetividade e dos resultados desses instrumentos para organizar
o ordenamento territorial – o uso e a ocupação do solo – e inibir a retenção espe-
culativa da terra urbanizada e a não utilização de imóveis vazios, especialmente em
áreas infraestruturadas e bem localizadas das cidades. A fim de explorar a questão da
efetividade desses instrumentos, analisou-se a experiência colocada em prática em
Maringá, no Estado do Paraná, o município que mais “avançou” na implementação
do PEUC e do IPTU progressivo no tempo no país2. 2 O artigo é resultado da
pesquisa Parcelamento,
Maringá vem aplicando o PEUC desde o ano de 2009, com a notificação de 705 Edificação ou Utilização
proprietários de imóveis ociosos, não parcelados, não edificados ou subutilizados. O Compulsórios (PEUC) e IPTU
progressivo no tempo: regu-
universo notificado corresponde a 14,5 milhões de metros quadrados, cerca de 10% lamentação e aplicação,
da área urbana do município. Em 2015, pouco mais de 550 proprietários notificados contratada pelo Ministério
da Justiça, no âmbito do
foram sancionados com a cobrança do IPTU progressivo no tempo, pelo descum- Projeto ‘Pensando o Direito’,
primento das obrigações estabelecidas pelo PEUC. Para compreender os resultados e pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (IPEA),
da experiência em Maringá, foram identificados, por meio de pesquisa documental e coordenada pela Profa.
e entrevistas: (i) a lógica urbanística (ou a estratégia de ordenamento territorial) que Rosana Denaldi, e da disser-
tação de mestrado de Dânia
orientou a aplicação do instrumento; (ii) a resposta dos proprietários à notificação; Brajato. Os dois estudos
e (iii) o comportamento dos agentes do setor imobiliário quanto à escolha das áreas foram desenvolvidos entre
os anos de 2014 e 2015, e
para utilização, e sua relação com o PEUC. contaram com a colabo-
O artigo está estruturado em três seções, além dessa introdução e da parte final ração de dirigentes e servi-
dores públicos do Município
dedicada à conclusão. A segunda seção traz um breve debate sobre o impasse relacio- de Maringá.
nado à implementação da política urbana à luz do novo marco regulatório estabele-
cido pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Cidade. A terceira seção
é dedicada à caracterização de Maringá, com a apresentação de dados e informações
relevantes à compreensão da estrutura espacial e da dinâmica e legislação urbana do
município. A quarta seção trata da aplicação do PEUC e do IPTU progressivo no
tempo e de seus resultados iniciais. Objetiva-se, por meio da análise da experiência
em curso, revelar as especificidades, limitações e potencialidades da aplicação do
PEUC, assim como identificar os efeitos concretos de sua aplicação no contexto de
Maringá. De forma mais geral, busca-se ampliar o conhecimento sobre a efetividade
dos instrumentos do Estatuto da Cidade.

O novo marco regulatório:


da origem ao impasse

Nas últimas décadas, foram conquistados avanços legislativos no campo da


política urbana no Brasil, com a promulgação da Constituição Federal, em 1988 e,
posteriormente, com a aprovação do Estatuto da Cidade, em 2001. O novo marco
regulatório instituiu uma agenda urbana para o país, sustentada por três pilares: a
função social da propriedade e da cidade, o reconhecimento e a integração dos assen-
tamentos informais à cidade e a democratização da gestão urbana (ROLNIK, 2009).
Essa conquista legislativa é resultado, em grande medida, da retomada do projeto de
Reforma Urbana pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana (MNRU). Vários
3 Maricato (2000, 2010,
autores registraram que a origem desse projeto remonta aos anos de 19603. Maricato 2011); Ribeiro (2003); Santo
(2010) destaca que a primeira proposta de Reforma Urbana no Brasil, formulada no Amore (2013); Souza (2013).

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‘Seminário do Quitandinha’, no ano de 1963, “incorporou o conceito de propriedade
ociosa como ilegítima, a partir da cultura herdada do projeto de reforma agrária” e
que “nessa proposta, uma das raízes do Estatuto da Cidade, a questão da terra era vista
como central para a transformação que o país demandava”. A especulação imobiliária
era então qualificada como “inimiga da Reforma Urbana e contra ela deveriam ser
adotadas medidas de cerceamento” (SERRAN, 1976 apud SANTO AMORE, 2013).
O avanço desse projeto foi interrompido pela instauração da Ditadura Militar, em
1964. Na década de 80, com o aumento da urbanização do país, que alcança dois
terços da população, e o crescimento dos problemas e dos conflitos urbanos, “o caldo
de cultura favorável a uma maior visibilidade da bandeira de Reforma Urbana, em
seu sentido emancipatório, foi se formando” (SOUZA, 2013, p. 157). Nesse período,
constituiu-se um vigoroso movimento de abrangência nacional, o Movimento
Nacional pela Reforma Urbana (MNRU) que, segundo Maricato (2011, p. 09),
“unificou as demandas e lutas pelo Direito à Cidade ou pela justiça urbana, conco-
4 O MNRU era formado, mitantemente contra a ditadura e pela democratização do país”4 . Para Souza (2013,
inicialmente, por setores
progressistas da igreja
p. 158), nesse momento amadureceu a concepção progressista da Reforma Urbana:
católica, por setores não
governamentais, além de
lideranças e técnicos de
[...] um conjunto articulado de políticas públicas, de caráter redistributivista e universa-
assessoria dos movimentos lista, voltado para [...] reduzir os níveis de injustiça social no meio urbano e promover
sociais urbanos (Maricato,
2000). uma democratização do planejamento e da gestão das cidades (objetivos auxiliares ou
complementares, como a coibição da especulação imobiliária, foram e são, também, mui-
to enfatizados).

O processo de redemocratização iniciado em 1985 contou com a elaboração de


uma nova Constituição para o país. O MNRU apresentou à Assembleia Nacional
Constituinte proposta de Emenda Popular de Reforma Urbana, pautada pela demo-
cratização do acesso à terra urbanizada e à moradia e por um modelo participativo de
planejamento e gestão urbanos. Tal Emenda Popular resultou na inserção do capítulo
sobre Política Urbana na Constituição Federal promulgada em 1988. Por meio do
Art. 182, a CF definiu (i) o Plano Diretor (PD) como instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana, cuja elaboração compete aos municípios;
(ii) que a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigên-
cias fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor; e, (iii) sanções
sucessivas para os proprietários de imóveis urbanos ociosos: a aplicação do PEUC,
IPTU progressivo no tempo e desapropriação-sanção. A regulamentação do capitulo
constitucional deu-se apenas em 2001, com a aprovação do Estatuto da Cidade (EC),
que consolidou parte das propostas do MNRU e forneceu nova base jurídica para o
tratamento da propriedade urbana: previu um conjunto de instrumentos voltados ao
cumprimento da função social da cidade e da propriedade, trazendo novas perspec-
tivas para o enfrentamento dos problemas urbanos.
O EC reforçou a obrigatoriedade de os municípios aprovarem ou revi-
sarem seus Planos Diretores, buscando incorporar os princípios e instru-
mentos previstos na nova legislação federal e também determinou que tais
planos fossem elaborados de forma participativa. É possível afirmar que essa
exigência legal resultou no aumento do número de (novos) Planos Dire-
tores no país. Entretanto, pesquisa produzida pela Rede Nacional de Avaliação
e Capacitação para Implementação de Planos Diretores Participativos5

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revelou que a maioria dos municípios com novo Plano Diretor aprovado após a 5 Os planos diretores pós-Es-
tatuto da Cidade: balanço
edição do EC, até 2009, ainda não estava aplicando os instrumentos que fazem crítico e perspectivas (Santos
cumprir a função social da propriedade, ou por não terem sido incorporados ao Junior; Montandon, 2011).

plano, ou por não serem autoaplicáveis, isto é, sua aplicação depende de legislação
complementar ainda não elaborada ou aprovada em âmbito local. Diante desse
cenário, em grande parte dos municípios, a regulamentação e a implementação
de instrumentos para gestão da valorização da terra não se tornaram efetivas. Vale
lembrar que a aplicação do novo marco regulatório pressupõe a construção e manu-
tenção de pactos socioterritoriais na esfera local, o que não constitui tarefa fácil.
Trata-se da dificuldade do Estado em limitar os ganhos especulativos fundiários na
sociedade patrimonialista brasileira.
Cabe ressaltar que a produção e a aplicação de uma nova geração de Planos
Diretores, para atender a obrigatoriedade imposta pelo EC, teriam um ambiente
favorável para seu desenvolvimento. A partir de 2003, a melhora no quadro
macroeconômico do país durante os anos do governo Lula e a implementação de
políticas sociais pelo governo federal possibilitaram um aumento nos programas
de transferência de rendas distributivas e de acesso à habitação e infraestrutura
urbana para as camadas de baixa renda (MARICATO, 2011; SANTO AMORE,
2013; KLINK; DENALDI, 2015). Também houve avanços na dimensão institu-
cional com a construção de instâncias de participação e controle social da política
urbana e habitacional. O Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) foi insti-
tuído e foram realizadas Conferências das Cidades no âmbito das três esferas de
governo. Entretanto, apesar da melhora na qualidade de renda e no acesso a serviços
básicos, verificada ao longo dos últimos 20 anos no país, estudos têm mostrado
que persistem contradições nos espaços urbanos e regionais (KLINK; DENALDI,
2015). Nas cidades, o acesso à terra e à moradia tem se mantido altamente desigual.
Em um cenário de fortalecimento dos quadros institucionais, de democratização
da tomada de decisão e do aumento de recursos subsidiados para programas habita-
cionais voltados à população de baixa renda, a manutenção das profundas contra-
dições socioespaciais e ambientais tem apontado para a existência de um impasse
no projeto de Reforma Urbana no Brasil (MARICATO, 2011).
O impasse na implementação dessa agenda urbana não se relaciona apenas
com a dificuldade de se aplicar os instrumentos, ou seja, de “tirá-los do papel”. Esse
impasse relaciona-se também com a efetividade dos instrumentos, quando aplicados,
de alcançarem as finalidades para as quais foram concebidos. Klink e Denaldi (2015)
alertam que não é inerente que a função social da propriedade será cumprida (apenas)
com a aplicação dos instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade. Faria
(2013) defende que “a função social da propriedade urbana não está necessariamente
vinculada à democratização do acesso à terra urbanizada” e que “a aplicação dos
instrumentos não está relacionada ‘geneticamente’ à reversão de processos de especu-
lação imobiliária próprios da lógica capitalista das cidades, mas, ao contrário, pode
ser funcional a esses processos de valorização”. A análise dos planos diretores e de
suas aplicações demonstra que o sentido de função social relacionado à promoção do
direito à moradia e à democratização do acesso à terra urbanizada, apesar de predo-
minante na ordem de justificativas para sua adoção, esteve longe de hegemonizar as
orientações de finalidade (FARIA, 2013). Sobre esse conceito, Oliveira e Biasotto
(2011) argumentam que a noção de função social da propriedade nos planos diretores

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é frequentemente esvaziada ou banalizada, seja por não ter se traduzido em defini-
ções específicas de parâmetros de ocupação ou uso do solo, seja por ser equiparada
a qualquer uso ou ocupação, desde que definidos na lei de ordenamento territorial.
Conclui-se, portanto, que a aplicação dos instrumentos com potencial para favo-
recer o cumprimento da função social da propriedade nem sempre está associada ao
conceito de democratização do acesso à terra e à moradia. Em outras palavras, não
basta regulamentar e aplicar os instrumentos, é importante observar a atuação do
Estado: em qual contexto e de que forma os instrumentos voltados ao cumprimento
da função social da propriedade urbana, nos moldes do ideário da Reforma Urbana,
estão sendo aplicados?

Maringá: desenvolvimento e
planejamento urbano

O Município de Maringá localiza-se no norte do Estado do Paraná, na Região Sul


do país, e possui aproximadamente 357 mil habitantes, sendo 95% do total em área
urbana (IBGE, 2010). Maringá foi planejada como uma cidade nova pela Compa-
nhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), que implantou um conjunto de cidades
para viabilizar estratégia de ocupação da região norte do Paraná6. Nesse contexto, em
6 Também foram implan- 1947, surgiu Maringá, idealizada por meio de um plano urbano moderno, traçado por
tadas as cidades de
Londrina, Umuarama e
Jorge de Macedo Vieira (CORDOVIL, 2010). Destacam-se como principais caracte-
Cianorte, na qualidade de rísticas do plano urbanístico inicial a sua adequação à topografia do sítio natural e o
núcleos urbanos de maior
importância econômica, zoneamento rigoroso proposto. Já na década de 50, tem início a expansão horizontal
a uma distância de 100 do núcleo urbano, para além do limite do plano inicial, por meio da implantação de
km entre eles, e núcleos
menores, a cada 15 km. novos loteamentos destinados à população de menor poder aquisitivo, em áreas onde
o valor da terra era mais baixo em relação às áreas mais centrais e com infraestru-
tura (CORDOVIL, 2010). Esse processo, intensificado na década de 70 por meio da
construção de conjuntos habitacionais com recursos do Banco Nacional da Habi-
tação (BNH), e facilitado pela ampliação sucessiva dos limites do perímetro urbano,
resultou na formação de vazios e na dispersão da ocupação urbana, desarticulando
espacialmente a parte consolidada da cidade e a periferia que se formava (SILVA,
2015). Cabe destacar que parte dos vazios era formada por terrenos ocupados por
plantações que, mesmo depois de inseridos no perímetro urbano, mantiveram o uso
agrícola. Durante o processo contínuo de expansão urbana, adotou-se como modelo
de ocupação o padrão horizontal de baixa densidade, inspirado nas zonas residen-
ciais do plano urbano inicial. Esse padrão consolidou-se como referência urbanística
da cidade, sendo considerado por dirigentes municipais e agentes imobiliários locais
como “o ‘DNA’ de Maringá”, que garante boa qualidade ambiental e urbana à cidade.
Portanto, um dos principais produtos do mercado imobiliário local é o “loteamento”,
que demanda oferta permanente de terras urbanizáveis. Nas últimas décadas, Maringá
7 A taxa média geométrica
vem sustentando forte crescimento demográfico, com taxas superiores às médias do
de crescimento (TMGC) do estado e do país7. Esse crescimento pode ser explicado por um conjunto de fatores,
município, entre os anos
de 2000 e 2010, foi de 2,15.
dentre os quais: (i) consolidação do município como polo regional de comércio e
Já para o estado e para o serviços; (ii) existência de setor agroindustrial forte, que resulta na chegada de novos
país, a TMGC, no mesmo
período, alcançou 0,88 e profissionais à cidade; (iii) formação de um polo universitário local; e (iv) marketing
1,17, respectivamente. “agressivo” para atração de investimentos e população para Maringá, fundamentado,

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principalmente, na sua boa qualidade ambiental e urbana. O crescimento demo-


gráfico contínuo, associado ao aquecimento do setor imobiliário brasileiro entre os
anos de 2007 e 2013, alimentou um forte dinamismo do mercado local, que pode
ser confirmado pelos números relacionados à produção imobiliária nos últimos anos:
a área construída correspondente a obras concluídas e projetos aprovados no muni-
cípio, entre os anos de 2000 e 2013, somou aproximadamente nove e 11 milhões de
metros quadrados, respectivamente (BRAJATO, 2015).
Em relação à estrutura espacial, o município mantém ainda hoje muitas das carac-
terísticas da ocupação inicial: avenidas amplas e densamente arborizadas, fundos de
vale preservados ao longo dos cursos d’água que cortam a cidade e sistema de áreas
verdes formado por parques e unidades de conservação internas ao perímetro urbano.
No entanto, a área do plano inicial destaca-se do restante da cidade, principalmente
pelo traçado do sistema viário e pela presença dos bosques urbanos. Em contraste com
a forte dinâmica do mercado imobiliário local, o perímetro urbano de Maringá abriga
chácaras e sítios que apresentam atividade agrícola regular – às vezes familiar, de subsis-
tência –, em perímetros delimitados como área urbana, mas que conservam caracte-
rísticas rurais. Além disso, há um número expressivo de vazios urbanos (glebas não
parceladas) e terrenos não edificados nos loteamentos existentes em diversos bairros
consolidados da cidade. Outro aspecto relevante diz respeito à moradia da população
de baixa renda que trabalha na cidade: em sua maioria, sem acesso à cidade formal,
as famílias deslocam-se para os municípios vizinhos de Sarandi e Paiçandu, onde o
padrão urbanístico é menos restritivo e o valor da terra é mais acessível. O processo de
direcionamento das camadas de menor renda para os municípios do entorno, caracte-
rístico da formação e expansão desse aglomerado urbano, tem resultado em segregação
socioespacial e possibilitado que Maringá se consolide na região como um município
com inexpressiva produção informal de moradia, ou seja, sem favelas ou ocupações
irregulares8. Essa condição tem alimentado o “marketing” de atração de investidores e
novos moradores para a cidade. Sobre projetos estratégicos relacionados ao desenvolvi- 8 Maringá e 25 municípios
de seu entorno, apesar de
mento urbano, cabe registrar que o poder público vem implantando, desde 2015, novo legalmente instituídos como
parque industrial denominado “Cidade Industrial”, em área de cerca de 2,5 milhões Região Metropolitana de
Maringá, não se constituem
de metros quadrados, que poderá abrigar também outros usos, dentre os quais o resi- de fato como tal. Trata-se,
dencial multifamiliar: “trata-se de um ‘novo bairro’ na área rural”, em região próxima na realidade, de um aglo-
merado urbano, com popu-
ao aeroporto da cidade (SILVA, 2015). Ainda, o município previa a implantação de lação total de pouco mais
um parque ambiental nas proximidades do novo parque industrial, além de polo aero- de 700 mil habitantes, no
qual se verificam diferentes
náutico nos lotes lindeiros ao aeroporto, todos na região sul da cidade, que também níveis de integração entre
deverá receber uma unidade da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). a cidade polo Maringá e os
municípios do entorno.
Com os novos empreendimentos públicos e a previsão de implantação do Contorno
Sul Metropolitano9, a região sul do município tem se configurado em um novo vetor
de expansão da cidade, tanto na área urbana como na área rural. O maior estoque de 9 Anel viário que prevê a
interligação de Maringá com
glebas urbanizáveis no perímetro urbano está localizado nas porções sudoeste e sul do os municípios vizinhos de
município, que se encontram separadas da malha urbana consolidada pela presença de Paiçandu, Marialva e Sarandi,
que integram a Região
rodovias que cortam Maringá. Metropolitana de Maringá.
Quanto à política urbana, para responder à obrigatoriedade imposta pela Em seu traçado inicial, o novo
Contorno atravessará a área
legislação federal, o município elaborou um novo Plano Diretor, à luz dos princí- rural, nas porções sudoeste
pios, conceitos e instrumentos instituídos pelo Estatuto da Cidade (EC). O novo e sul de Maringá, cortando
a região do aeroporto muni-
Plano, Lei Complementar nº 632, aprovado em 06 de outubro de 2006, definiu cipal (Brajato, 2015).
os princípios da função social da propriedade urbana e da gestão democrática da

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cidade, incorporou instrumentos de política urbana regulamentados pelo EC,
como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)10, o Parcelamento, Edificação
10 Apesar de previsão no ou Utilização Compulsórios (PEUC) e sucedâneos, entre outros instrumentos, e
Plano Diretor, o município
não demarcou nenhum perí-
criou o Conselho Municipal de Planejamento e Gestão do Território (CMPGT).
metro como ZEIS, e remeteu Em relação ao ordenamento territorial, o Plano Diretor definiu um novo macrozo-
a instituição de Zonas Espe-
ciais de Interesse Social à
neamento para o município: o perímetro urbano foi subdividido em cinco Macro-
aprovação de legislação zonas – de Consolidação, de Qualificação, Industrial, de Proteção Ambiental e de
específica.
Contenção – e o perímetro rural foi subdividido em três Macrozonas: de Transição,
de Proteção do Manancial e Rural. Destaca-se a criação da Macrozona Urbana
de Contenção (MUCON), com papel relevante na inibição da expansão urbana,
constituindo faixa de transição entre os perímetros urbano e rural do município11.
11 Para a MUCON, foram Em consonância com os objetivos propostos a partir do novo macrozoneamento,
estabelecidos parâme-
tros para parcelamento do o Plano Diretor estabeleceu como áreas sujeitas ao PEUC e sucedâneos as Macro-
solo e índices de ocupação zonas Urbanas de Consolidação, de Qualificação e Industrial, restrita à Área
mais restritivos do que
para as demais macrozonas Industrial I. Ressalta-se que não há disposições no Plano Diretor sobre aplicação
urbanas, onde o Plano do PEUC nas ZEIS: diferentemente de outros municípios que experimentaram a
Diretor definiu como obje-
tivos otimizar a infraestru- aplicação do instrumento, observa-se que, no caso de Maringá, o PEUC não foi
tura instalada e consolidar a previsto para favorecer a disponibilização de áreas para produção de Habitação de
ocupação urbana.
Interesse Social (HIS)12.
12 Ver Denaldi et al. (2015) e Pouco mais de três anos após sua aprovação, o Plano Diretor passou por sua
Brajato (2015).
primeira revisão. A Lei Complementar nº 799, de 12 de janeiro de 2010, que revisou
o Plano, introduziu uma mudança significativa no ordenamento territorial vigente:
a Macrozona Urbana de Contenção (MUCON) foi transformada em Macrozona
Urbana de Ocupação Imediata (MUOI)13. Os novos objetivos estabelecidos para
13 Macrozoneamento vigente essa porção do território, inicialmente destinada à contenção da expansão urbana,
disponível em: http://www2.
maringa.pr.gov.br/sistema/
passaram a consistir, basicamente, no incentivo à sua ocupação. Os parâmetros
arquivos/geo/mapas/ para parcelamento do solo e os índices urbanísticos definidos inicialmente para
lc_940_2013_macrozonea-
mento_anexo.pdf. Acesso em a MUCON também foram alterados com a instituição da MUOI: a área do lote
16 dez. 2018. mínimo foi reduzida de dois mil para 400 metros quadrados e o Coeficiente de
Aproveitamento (CA) máximo aumentou de 1,0 para 1,4. A alteração promovida no
macrozoneamento respondeu à crescente demanda por terras urbanizáveis durante
o período de aquecimento do setor imobiliário. Tomando-se como referência entre-
vistas realizadas com dirigentes municipais, é possível afirmar que a instituição da
MUCON, em 2006, contribuiu para a supervalorização dos vazios urbanos locali-
zados nas áreas mais centrais da cidade e/ou nas áreas urbanas com melhor oferta de
infraestrutura (BRAJATO, 2015). Assim, a liberação da Macrozona de Contenção
para Ocupação Imediata teve como objetivo principal permitir a ocupação dos
vazios existentes, internos ao perímetro urbano, ainda que periféricos, para ampliar
a oferta de terra sem a necessidade de ampliar o perímetro urbano. Registra-se que
a alteração proposta para o macrozoneamento resultou também na revisão da área
de incidência do PEUC e sucedâneos: a aplicação dos instrumentos foi estendida
para a MUOI, o que reforça a intenção do município em direcionar e expandir
a ocupação urbana para essa porção do território. Cabe destacar que, se por um
lado, houve intenção de que a ocupação dos vazios urbanos existentes, centrais
ou periféricos, era prioritária para a manutenção da cidade “compacta”, por outro
lado, a revisão do Plano, em sentido contrário, introduziu três novos dispositivos
voltados à ocupação da área rural para fins urbanos14. Essas alterações têm poten-

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cial para incentivar a expansão da cidade naquela direção, além de promover a 14 Criação da Área Industrial
3, para implantação de novos
dispersão urbana. Em síntese, a revisão do Plano Diretor ocorrida no ano de 2010 parques industriais nas
abriu novas frentes para a atuação do mercado imobiliário no município, com a Macrozonas Urbana ou Rural;
criação das Zonas Especiais
substituição da Macrozona Urbana de Contenção (MUCON) pela Macrozona de Loteamentos Fechados
Urbana de Ocupação Imediata (MUOI), mas também com as novas possibilidades na Macrozona Rural; e
permissão de parcelamento
de ocupação da área rural para fins urbanos. Evidencia-se, em alguma medida, a do solo para fins urbanos,
retomada do modelo de urbanização vivenciado pelo município durante as décadas em terrenos situados na área
rural, lindeiros ao perímetro
de 70 e 80, quando a malha urbana foi ampliada, deixando para trás vazios que se urbano.
valorizaram e alimentaram o processo de especulação imobiliária.
Ainda em relação à legislação urbanística vigente, cabe registrar que os padrões
restritivos previstos desde a fundação da cidade, que incentivaram a ocupação hori-
zontal de baixa densidade na direção de áreas periféricas, não foram alterados, mesmo
após a elaboração do Plano Diretor à luz do EC. A legislação complementar ao Plano,
aprovada apenas entre 2010 e 2011, ampliou as exigências para o parcelamento e
ocupação do solo, tornando-se ainda mais restritiva: alterou a fração mínima para o
uso bifamiliar15, que passou de 150m² para 200m²; definiu novos parâmetros para o
lote-padrão residencial, que aumentou de 300m² para 400m²16; e reduziu as modali- 15 Ocupação com duas
habitações unifamiliares no
dades de ocupação do solo, suprimindo as categorias ‘vilas’ e ‘conjuntos residenciais’. lote. Na legislação vigente,
Essa nova legislação, além de incentivar a expansão horizontal da cidade, também o uso bifamiliar é permitido
apenas em lotes com área
reforça a valorização das áreas mais centrais, que concentram os terrenos onde o uso igual ou maior que 400m².
residencial multifamiliar é permitido sem pagamento de Outorga Onerosa do Direito
16 Manteve-se dispositivo
de Construir (OODC), com coeficiente de aproveitamento (CA) alcançando índices que permite a utilização de
entre ‘2,5’ e ‘6’. Ressalta-se que o zoneamento do tipo residencial 2 (ZR2), onde é lotes com área inferior à
do lote-padrão residencial
permitido predominantemente apenas os usos unifamiliar e bifamiliar, incide sobre até o mínimo de 300m²,
a maior parte da área urbana. Nas ZR2, o uso multifamiliar é permitido apenas nos desde que o parcelador
doe para o Fundo Muni-
Eixos Residenciais (ERs) e mediante pagamento de OODC. cipal de Habitação (FMH)
3% da área líquida dos lotes
nessa condição previstos no
empreendimento. Contudo,
Aplicação do PEUC e do IPTU progressivo sua associação com outros
parâmetros, especialmente
no tempo em Maringá a fração mínima para o
uso bifamiliar, desestimula
a oferta de lotes dessa
Maringá vem aplicando o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios dimensão.
(PEUC) desde o ano de 2009. A aplicação do PEUC tem como embasamento legal
apenas as disposições relativas ao instrumento contidas no Plano Diretor e em sua
revisão posterior. Segundo o conteúdo do Plano, a utilização do PEUC e sucedâneos
tem por objetivo, além do combate à retenção especulativa do imóvel urbano, outras
finalidades vinculadas à ocupação do território e ao ordenamento do crescimento da
cidade: (i) otimizar a ocupação de regiões dotadas de infraestrutura e equipamentos
urbanos, inibindo a expansão urbana de Maringá na direção de áreas não servidas
de infraestrutura, bem como nas áreas ambientalmente frágeis; (ii) aumentar a oferta
de lotes urbanizados nas regiões consolidadas da malha urbana de Maringá; e (iii)
combater o processo de periferização.
Vale lembrar, contudo, que a revisão do Plano Diretor ocorrida em 2010
estendeu a incidência do PEUC e sucedâneos também para a Macrozona Urbana de
Ocupação Imediata (MUOI). Essa definição contraria os objetivos de utilização do
PEUC previstos pelo município, pois trata-se de área periférica, que não dispõe de
infraestrutura consolidada em toda sua extensão. Essa condição também não atende

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O i m pa s s e n a a pl ic aç ãO d O e s tat u t O da c i da de ...

às exigências do Estatuto da Cidade, que estabelece que a definição das áreas de


aplicação do PEUC deve considerar a existência de infraestrutura e de demanda para
utilização. Além das áreas de incidência, o Plano Diretor estabeleceu os critérios para
a caracterização dos imóveis sujeitos ao PEUC: (i) não edificados – terrenos ou glebas
com área igual ou superior a dois mil metros quadrados, com coeficiente de apro-
veitamento igual a zero; (ii) subutilizados – terrenos ou glebas com área igual ou
superior a dois mil metros quadrados, com coeficiente de aproveitamento inferior ao
mínimo estabelecido para a Macrozona onde se situam; e (iii) não utilizados – todo
tipo de edificação desocupada há mais de dois anos. Em relação ao cumprimento das
obrigações, o Plano Diretor estabeleceu prazo de um ano para os proprietários dos
imóveis apresentarem projeto de parcelamento ou edificação, após o recebimento da
notificação, e de dois anos para início e conclusão das obras, contados a partir da
aprovação do projeto. Na sequência, serão apresentados os resultados alcançados (ou
os efeitos iniciais) da experiência em curso em Maringá, até dezembro de 2015.

o universo notificado e a lógica urbanística

A notificação dos proprietários de imóveis ociosos ocorreu em duas etapas: a


primeira, iniciada no ano de 2009, sob a coordenação da Secretaria de Planejamento
e Urbanismo (SEPLAN), quase três anos após a aprovação do Plano Diretor em
2006, e a segunda, a partir do ano de 2012, já sob a coordenação da Secretaria de
Fazenda e Gestão (SFG) e o Plano Diretor revisado. No total, entre 2009 e 2013,
foram notificados 705 imóveis não parcelados, não edificados ou subutilizados17.
17 Apesar da previsão no O conjunto notificado soma 14,5 milhões de quadrados e corresponde a cerca de
Plano Diretor, Maringá não
notificou imóveis ociosos na 10% de toda a área urbana do município (Figuras 1a e 1b).
condição de ‘não utilizados’,
isto é, imóveis desocupados
há mais de dois anos. Figuras 1a e 1b: Imóveis notificados para PEUC na 1ª etapa (à esquerda) e 2ª etapa
(à direita)

Fonte: Brajato (2015)

Na primeira etapa foram notificados 105 imóveis localizados nas Macrozonas


Urbanas de Consolidação e Qualificação, que incluem a porção mais central e as
áreas com maior oferta de infraestrutura na cidade (Figuras 2a e 2b). O conjunto
notificado somou aproximadamente 4,2 milhões de metros quadrados. Segundo
depoimento do Secretário de Planejamento que conduziu essa etapa, priorizou-se o

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universo de imóveis enquadrados na condição de não parcelados, não edificados ou


subutilizados, com área superior a cinco mil metros quadrados, dentro do zonea-
mento de interesse: o objetivo era ampliar a oferta de glebas e lotes para o uso resi-
dencial (BRAJATO, 2015). Observa-se a existência de uma estratégia territorial que
orientou a aplicação do PEUC, na direção de seus objetivos.

Figuras 2a e 2b: Imóveis notificados para PEUC na 1ª etapa

Fonte: Brajato (2015)

Já na segunda etapa de aplicação do PEUC, foram notificados 600 imóveis, com


o correspondente em área a 10,3 milhões de metros quadrados. Trata-se de volume
expressivo de notificações, não somente em quantidade, mas, sobretudo, em área.
Diferentemente do ocorrido na etapa anterior, os imóveis notificados estão distri-
buídos por todo o perímetro de incidência do PEUC. Essa constatação indica a
ausência de priorização ou estratégia de escalonamento das notificações, no espaço e/
ou no tempo, em função do tamanho dos imóveis, mas principalmente, em relação
à sua localização. Do total notificado na etapa, 68 lotes – que somam cerca de cinco
milhões de metros quadrados, ou seja, quase 50% da área total notificada, localizam-
se na Macrozona Urbana de Ocupação Imediata (MUOI). A maior parte desses lotes,
ainda que periféricos, está próxima da malha urbana consolidada (Figuras 3a e 3b).

Figuras 3a e 3b: Imóveis notificados para PEUC na 2ª etapa, localizados na MUOI,


próximos à malha urbana

Fonte: Brajato (2015)


Entretanto, há grande percentual de lotes notificados que estão separados da
malha urbana por rodovia estadual e pela zona industrial da cidade. Esses lotes estão

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localizados em área sem infraestrutura urbana em toda sua extensão, e, em sua grande
maioria, destinada ao uso agrícola (Figuras 4a e 4b).

Figuras 4a e 4b: Imóveis notificados para PEUC na 2ª etapa, localizados na MUOI,


separados da malha urbana consolidada

Fonte: Brajato (2015)

Também foi notificado na segunda etapa conjunto expressivo de lotes na Macro-


zona Urbana Industrial (MUI) – 199 imóveis, com cerca de 2,5 milhões de metros
quadrados, 25% da área total notificada na etapa –, nas porções oeste-sudoeste e
sul do perímetro urbano, junto às rodovias que cortam Maringá. Considerando que
nesta zona da cidade são permitidos apenas usos destinados a atividades predominan-
temente industriais, comerciais e de serviços setoriais, pode-se supor que esses setores
econômicos, local e mesmo regional, não consigam dar uso a essa quantidade de lotes
no espaço de tempo estabelecido para o cumprimento das obrigações impostas pelo
PEUC. Ainda, a ocupação desse setor sofre concorrência direta com o novo parque
industrial público que se encontra em implantação na área rural, o Cidade Industrial,
onde há subsídio municipal para aquisição de lotes.
Observa-se que, na segunda etapa, o PEUC perdeu seu potencial de induzir o
ordenamento territorial e conduzir o desenvolvimento urbano na direção de setores
prioritários. O objetivo de otimizar a ocupação de regiões dotadas de infraestrutura
e, com isso, inibir a expansão urbana e combater a periferização, deixou de ser perse-
guido. Além disso, nessas condições, o PEUC pode contribuir para o espraiamento
urbano, o que contraria os resultados esperados a partir de sua aplicação. Percebe-se
que a lógica tributária se sobrepôs à lógica urbanística, uma vez que a aplicação do
PEUC foi conduzida por um objetivo essencialmente arrecadatório. Ressalta-se que
um forte indício da ausência de uma estratégia territorial vinculada à aplicação do
instrumento é o fato de que a Secretaria de Fazenda e Gestão, responsável por essa
etapa de aplicação, desconhecia a localização dos imóveis notificados. Ao mesmo
tempo em que aplicava o PEUC, a administração municipal orientou a expansão
urbana para setores que não coincidem com as zonas da cidade que concentram as
áreas notificadas. Essa ação contraditória pode ser evidenciada, principalmente, pela
notificação expressiva de imóveis na Macrozona Industrial, concomitantemente à
implantação de novo parque industrial público na área rural.

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A resposta dos proprietários notificados

A aplicação do PEUC e sucedâneos pressupõe, em princípio, alguma reação


dos proprietários notificados, seja na direção de dar uso aos imóveis, em atendi-
mento às obrigações impostas pelo instrumento, seja para contestação da notificação.
Apesar do conjunto expressivo de imóveis notificados, a Prefeitura de Maringá não
dispunha, até o ano de 2015, de registro das ações dos proprietários no período pós-
notificação, isto é, não contava com sistema de monitoramento e controle das ações
18 Sistema que contém
decorrentes do PEUC. A ausência desse sistema, somada ao afastamento da SEPLAN a relação de todos os
da aplicação do instrumento, tem dificultado a execução do controle urbanístico e, processos administrativos
protocolados para cada
consequentemente, o conhecimento e avaliação dos resultados alcançados por meio imóvel cadastrado. Conta
do PEUC. Com o objetivo de produzir um panorama geral da experiência em curso, também com resumo e
registro de todas as tramita-
ou seja, conhecer os efeitos iniciais da aplicação do PEUC, procedeu-se ao levanta- ções ocorridas, desde a data
mento de informações sobre a situação dos imóveis notificados, por meio de consulta de abertura até o arquiva-
mento, no caso de processos
a sistema municipal de processos18. Os imóveis foram classificados em duas catego- encerrados.
rias: “sem ação” e “com ação”. Os imóveis “com ação” foram subdivididos em dois
19 Pedido de cancelamento
subgrupos: (i) ações que contestam a aplicação do instrumento (impugnações admi- ou recurso à notificação
para PEUC, apresentado na
nistrativas19); e (ii) ações voltadas para dar uso aos imóveis, agrupadas em ‘solicitação esfera administrativa local,
de certidão de viabilidade ou diretrizes para elaboração de projeto’ (parcelamento do como forma de contestação,
por parte dos proprietários
solo ou edificação); ‘apresentação de projeto’; ou ‘início de obra’. Os dados apurados notificados, à obrigação
estão registrados na Tabela 1. imposta pelo município.

Tabela 1: Classificação das ações dos proprietários no período pós-notificação, a


partir de informações que constam em processos administrativos – 1ª e 2ª etapas

Nota 1: processos administrativos não relacionados à aplicação do PEUC


Fonte: Brajato (2015)

Identifica-se, com base nos registros da Tabela 1, número expressivo de proprie-


tários notificados “sem ação” (334 imóveis, 47% do total), como também quanti-
dade significativa de apresentação de pedidos de cancelamento ou recurso à notifi-
cação como primeira reação dos proprietários, isto é, apresentação de impugnações
administrativas à aplicação do PEUC (110 imóveis, 16% do total). Em relação aos
proprietários com ação no sentido de dar uso aos imóveis (205 imóveis, 29% do total
notificado), destaca-se o número de proprietários que apresentou projeto no período

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pós-notificação: 104 proprietários, 15% do total notificado e pouco mais de 50%
do universo com esse tipo de ação. Dentre o conjunto de 104 projetos apresentados,
41 são do tipo parcelamento do solo. A Tabela 2 registra o estágio de licenciamento
desses processos.
Os dados da Tabela 2 revelam que do total de 41 imóveis notificados com
projeto em aprovação, 38 imóveis (92% do total) não avançaram além da primeira
etapa do processo de licenciamento, que compreende emissão de certidão de viabi-
lidade, elaboração de diretrizes e aprovação prévia dos projetos para implantação
de loteamentos ou desmembramentos. Do universo total de projetos apresentados,
apenas três foram aprovados, sendo que somente dois parcelamentos obtiveram alvará
para implantação de loteamentos.

Tabela 2: Estágio do licenciamento de projetos de parcelamento do solo em imóveis


notificados

Nota 1: A etapa engloba pedidos de certidão de viabilidade e diretrizes, além da aprovação prévia dos
parcelamentos. Nota 2: A etapa engloba a aprovação final dos parcelamentos e a emissão de alvará.
Fonte: Brajato (2015)

É importante destacar que foram identificadas situações de exclusão de imóveis


do PEUC mediante a apresentação, pelos proprietários notificados, de certidões
de viabilidade emitidas pelo município em licenciamentos iniciados, mas que não
tiveram prosseguimento (BRAJATO, 2015). Esse procedimento, somado à falta de
monitoramento das ações no período pós-notificação, permite que o proprietário
“escape” da obrigação imposta pelo instrumento. Esses casos indicam que os docu-
mentos e projetos apresentados podem representar apenas uma resposta formal às
exigências legais, servindo para que os proprietários não sejam sancionados com as
alíquotas de progressividade sobre o IPTU. Os reduzidos resultados decorrentes da
aplicação do PEUC implicaram na inclusão de uma grande quantidade de imóveis
no IPTU progressivo no tempo. Do total de 105 imóveis notificados em 2009, 47
permaneciam sancionados com a cobrança do imposto progressivo no exercício
fiscal de 2014. Em relação à segunda etapa, 567 imóveis, dentre 600 notificados
(95% do total), foram incluídos no IPTU progressivo no tempo a partir do exer-
cício fiscal de 2015. Há indícios de que a base tributária de cálculo do IPTU,
descolada dos valores praticados no mercado, associada à adoção de alíquotas de
progressividade no tempo ‘não tão altas’, definidas pelo município, tem contribuído
para a “não reação”, ou seja, pela ausência de ação de parte dos proprietários noti-
ficados, especialmente no período de forte aquecimento do mercado imobiliário
local e alta valorização dos imóveis.

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O comportamento dos agentes do setor imobiliário

A partir do cruzamento dos imóveis notificados com o perímetro dos novos


parcelamentos implantados no município a partir de 2009, constatou-se que a
maioria das glebas que vêm sendo parceladas não são aquelas notificadas para PEUC
(Figura 5).

Figura 5: Parcelamentos implantados após 2009 e imóveis notificados para PEUC na


1ª e 2ª etapas

Fonte: Brajato (2015)

Segundo dados da SEPLAN, de um conjunto de 209 projetos de parcelamento


do solo em fase de aprovação ou aprovados entre 2012 e 2014, incluindo empreen-
dimentos públicos e privados, com área total de aproximadamente 26,8 milhões de
metros quadrados, apenas 41 projetos correspondiam a imóveis notificados, que,
juntos, somavam pouco mais de 5,8 milhões de metros quadrados. Nesses casos, há
coincidência entre os imóveis notificados e os perímetros de novos parcelamentos.
Contudo, o restante do conjunto – 168 projetos, com área total de cerca de 21
milhões de metros quadrados, corresponde a imóveis que não foram notificados. Para
os casos de coincidência, não é possível saber em que medida a aplicação do PEUC
foi um fator de indução à apresentação de projetos para o parcelamento dos imóveis.
Entretanto, pode-se afirmar que a maioria dos parcelamentos está sendo projetada ou
implantada em áreas que não foram notificadas, o que corrobora a constatação do
limitado papel de indução do PEUC no processo de ocupação do território em curso.

Rev. Br as. Estud. Urbanos Reg., SÃO PAULO, V.21, N.1, p.45-62, JAN.-ABR. 2019 59
A localização dos novos parcelamentos implantados após 2009 (Figura 5)
evidencia que esses empreendimentos apresentaram maior viabilidade para o
mercado imobiliário nas áreas mais periféricas da cidade onde há alguma infraes-
trutura e o preço da terra é menor. Parte dos novos parcelamentos do solo valeu-se
das alterações ocorridas no Plano Diretor em 2010, que permitiram a ocupação
da Macrozona Urbana de Ocupação Imediata, mas também da área rural para
fins urbanos. Esses dispositivos, aprovados no mesmo momento da aplicação do
PEUC, resultaram na dispersão da atuação do setor imobiliário em diferentes
frentes. Ademais, os produtores imobiliários chamaram a atenção para o fato de
que a limitada possibilidade de ocupação dos imóveis notificados pode compro-
meter o alcance das finalidades previstas para o PEUC. A legislação urbanística
vigente, que preserva o padrão de ocupação característico da cidade (horizontal de
baixa densidade), o zoneamento restritivo que permite a ocupação multifamiliar
em poucos setores da cidade, além da baixa diversidade de tipologias de ocupação,
podem desestimular e até inviabilizar a execução de empreendimentos nos imóveis
notificados onde o preço da terra é maior, principalmente para os imóveis menores.
Em resumo, os imóveis notificados são preteridos pelos agentes do setor imobiliário
ou pelo alto preço da terra e zoneamento incidente – caso dos imóveis localizados
em áreas mais centrais ou infraestruturadas da cidade – ou pela ausência de infraes-
trutura e localização periférica – caso de parte dos imóveis notificados na 2ª etapa
de aplicação do PEUC.

Conclusão

A experiência de aplicação do PEUC em Maringá destaca-se pela escala das


notificações, pelo processo ininterrupto e pelo pioneirismo na utilização do IPTU
progressivo no tempo no país. A partir da segunda etapa, quando a aplicação do
PEUC incide em todo o perímetro urbano e alcança um universo significativo de
áreas notificadas, o instrumento perde o potencial de ordenar o uso e ocupação
do solo e de orientar a ocupação de setores prioritários. Observa-se, ainda, que o
PEUC, nessas condições, pode induzir o espraiamento da malha urbana, efeito
que contraria a finalidade do instrumento e os objetivos previstos pelo Estatuto da
Cidade e também pelo Plano Diretor do Município. Em Maringá, a aplicação do
PEUC não está associada a outros instrumentos urbanísticos, o que compromete
sua eficácia. Por exemplo, o PEUC não se articula às Zonas Especiais de Interesse
Social (ZEIS) de vazios, com o objetivo de reservar terra para produção de Habi-
tação de Interesse Social. O PEUC também não está associado a uma estratégia de
cobrança de imposto sobre a propriedade (IPTU) voltada à captura de parcela dos
ganhos imobiliários. A aplicação do instrumento urbanístico, que deveria favorecer
o cumprimento da função social da propriedade urbana, não se articula com um
projeto de cidade voltado para essa mesma finalidade. A gestão municipal respon-
sável pela política urbana até 2016 priorizou a viabilização de projetos estratégicos,
revelando-se pouco comprometida com a agenda da Reforma Urbana. Até 2015,
poucos proprietários reagiram no sentido de dar uso aos imóveis e cumprir as
obrigações impostas pelo instrumento. Para os produtores imobiliários, o PEUC
contribuiu para elaboração de projetos, mas não para lançamentos imobiliários,

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Dâ n i a Br a j ato , Ro s a n a De n a l di

ou seja, para dar uso efetivo às áreas notificadas. Dada a ausência de estratégia Dânia Brajato é arquiteta
e urbanista, doutoranda
territorial e o universo de notificações que abrange grande extensão da área urbana, em Planejamento e Gestão
questiona-se a viabilidade de dar uso (cumprir a obrigação) no prazo estabelecido do Território na Univer-
sidade Federal do ABC
pelo PEUC para esse conjunto de áreas notificadas. Pergunta-se: haverá demanda (UFABC) e pesquisadora do
para a totalidade de imóveis notificados? Quais serão as consequências dessas noti- Laboratório de Estudos e
Projetos Urbanos e Regio-
ficações, a médio e longo prazo? No caso de Maringá, a aplicação do PEUC entre nais (LEPUR), Universidade
os anos de 2009 e 2015 favoreceu de forma limitada a ocupação dos vazios urbanos Federal do ABC (UFABC).
Email: dania.brajato@gmail.
e não contribuiu para democratizar o acesso à terra urbanizada. Conclui-se que os com
limitados resultados alcançados relacionam-se com a aplicação do PEUC disso- ORCID: http://orcid.org/
0000-0003-0230-879X
ciada de uma estratégia geral de planejamento urbano inclusivo, nos moldes do
ideário da Reforma Urbana. Vale ressaltar que, mesmo partindo de uma leitura do Rosana Denaldi é arquiteta
e urbanista, doutora em
território e estratégia adequadas, o PEUC tem apenas o potencial de induzir o uso Arquitetura e Urbanismo
e a ocupação do solo. Os instrumentos previstos no Estatuto da Cidade não podem (Universidade de São Paulo
- USP), e professora adjunta
ser dissociados de uma visão mais ampla da intervenção territorial do Estado. As do Centro de Engenharia,
Modelagem e Ciências
estratégias de produção da cidade, de investimento e financiamento apresentam Sociais Aplicadas (CECS),
lógicas que nem sempre convergem com as finalidades pretendidas por meio da Universidade Federal do
ABC (UFABC).
aplicação desses instrumentos. Email: denaldi.rosana@
A experiência de aplicação do PEUC em Maringá confirma que não é inerente gmail.com
ORCID: http://orcid.org/
que a função social da propriedade será cumprida (apenas) com a aplicação dos 0000-0001-6463-4457
instrumentos urbanísticos como o PEUC. A aprovação do Estatuto da Cidade e
Artigo recebido em 07
a aplicação de seus instrumentos deslocaram a discussão da Reforma Urbana e de fevereiro de 2018 e
do “Direito à Cidade” para o campo da regulação urbanística. Caiu-se em uma aprovado para publicação
em 16 de dezembro de 2018.
armadilha, uma vez que tais instrumentos se constituem apenas numa “caixa de
ferramentas”, que pode ser apropriada pelo mercado imobiliário e não cumprir sua Artigo licenciado sob
Licença Creative Commons
finalidade, ou sua aplicação pode ainda não ser eficaz quando dissociada do plano (CC-BY).
político ou da arena local.

Referências

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Maringá (PR). (Dissertação de Mestrado). Santo André, Universidade Federal
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CORDOVIL, F. C. de S. A aventura planejada: engenharia e urbanismo em Maringá,
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