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SESQUICENTENÁRIO DE AS FLORES DO MAL (1857), DE CHARLES

BAUDELAIRE
CAVALCANTI, Camillo (UESB)

O início de século XXI está servindo de crivo para a perpetuação de algumas


referências que orientaram o pensar e o agir do homem. Idéias, personalidades, fatos —
alguns fenecendo no esquecimento e outros vigorando em nossa memória, que é um rico
manancial das coisas que nos interessam. Estamos vivendo a crise de algumas verdades
e a solidificação de novas e antigas perspectivas desprivilegiadas até então. Mas, nesse
processo, alguns ícones da cultura permanecem com sua vitalidade ou mesmo a
expandem. Charles Baudelaire é um deles, vivaz sobremaneira principalmente por suas
Flores do mal.
No entanto, o que faz uma idéia, uma personalidade ou uma ação (política ou
não) se preservar ao longo do tempo, acompanhando o homem em sua experiência
mundana? Justamente a importância que atribuímos, a pertinência que encontramos e a
proximidade que identificamos de um desses ícones da cultura. Ou seja, é a perpetuação
desse ícone que determina sua vitalidade — quão longe iremos, quão eternos
quedamos?
Mas qual! Perpetuação? Eterno? Permanência? Estamos falando de um clássico?
Bem, clássico é o ícone eternizado na cultura, sim, como Homero, Virgílio, Thomas
Morus, Shakespeare, Cervantes. E qual a oposição entre clássico e moderno? Não há.
Como disse acertadamente Baudelaire, os clássicos foram modernos no seu tempo.
Então qual a oposição de clássico? O que se opõe ao clássico é o romântico, e o que se
opõe ao moderno é o antigo. A confusão dessas oposições se deve ao fato de que, quase
sempre, o moderno é romântico e o clássico, antigo. Eu disse ―quase sempre‖, e
justamente igualar moderno e romântico de um lado, de outro clássico e antigo foi o que
malfadou grande parte da crítica. Retirando o ―quase‖, a crítica deixou sempre o
moderno como romântico (ou vice-versa) e sempre o clássico como antigo (ou vice-
versa). Eu vou repetir: igualar moderno e romântico é um erro; igualar clássico e antigo
é outro erro.
O clássico está ligado à obediência de modelos, à rigidez da forma, à ordenação
dos conteúdos como resultado do ―concerto do mundo‖, o equilíbrio e a justeza das
coisas. Por isso, tende a seguir esquemas e a manter padronizações. Algumas pessoas
rejeitaram esse cânone clássico, vendo nele limitação e uniformização, e se puseram
contra a tradição, a favor, portanto, da liberdade individual como maximização da
expressão subjetiva — essas pessoas foram os românticos. Por isso, para os que nós
chamamos de românticos, romantismo era encontrado nas obras de Dante, Shakespeare
e Cervantes, pois estes três autores apresentam obras que superam os esquemas
clássicos e criam fendas por onde jorra a nascente subjetiva em sua plenitude.
Por outro lado, o antigo e o moderno se estabelecem segundo critérios
cronológicos. Segundo o período histórico a que pertence, a obra é tida como antiga ou
moderna. Um autor moderno, por exemplo, é aquele que ―vive‖ no nosso tempo, e
evidentemente nosso tempo, em termos vulgares, tende a ser o tempo mais recente, mais
atual. Por oposição, um autor antigo, bem se vê, está fora de nosso tempo, isto é, está
muito distante temporalmente de nossa atualidade. Eis o surpreendente: percebemos que
a classificação entre antigo e moderno depende da extensão que podemos dar à nossa
atualidade. Então, em sentido lato, as línguas modernas se opõem às antigas justamente
porque as primeiras, as modernas, pertencem à nossa atualidade. Contudo, quando se

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estabeleceram as línguas modernas? No caso do Português, por volta de 1300. Mas em
1300 também funcionava a Inquisição, com suas punições arbitrárias contra a
subjetividade. E, por um acaso, a Inquisição é moderna? É claro que não, mas a
diferença é que a língua moderna está conosco em nossos tempos, enquanto a
Inquisição, não.
Assim, em sentido lato, os grandes clássicos que conosco permanecem em
nossos tempos, vivos através de nosso interesse por suas obras, são modernos porque,
assim como a língua moderna, permanecem em nossa atualidade. Mas um clássico
moderno? Isso foi exatamente o que Baudelaire quis dizer no seu ensaio ―O Pintor da
Vida Moderna‖: os clássicos foram modernos no seu tempo e logram eternidade por se
tornarem universais e não apenas testemunharem uma determinada época. Eduardo
Portella explicitou a modernidade de Camões, portanto um clássico moderno. Como ser
moderno hoje? Assim como os clássicos foram modernos no seu tempo. E o que
fizeram? Instauraram uma iniciação, tanto mística quanto concreta; quer dizer,
interpretaram sua vivência ou o seu tempo atual como início de uma nova era, fundação
de uma nova realidade e de uma nova experiência intra-subjetiva e coletiva.
Então, moderno é tudo aquilo que sobrevive ao tempo, o que será clássico no
futuro. Seria Baudelaire um clássico? A cada dia torna-se mais afirmativa a resposta,
mas hoje é cedo para sustentá-la. Nossos tempos ainda estão sobrecarregados de idéias,
personalidades e ações (políticas ou não) do século XIX e XX, para que possamos nos
sentir saltados para uma nova era de fato. Parece que ela virá com a virada de
pensamento compulsória que a Natureza nos impôs para solucionar o problema
ecológico da destruição dos ecossistemas, pelo capitalismo e pela indústria, através de
seus dejetos poluentes.
Portanto, contra os anseios vanguardistas das duas últimas décadas do século
XX, afirmo: Baudelaire é moderno, pertence a nosso tempo. Um dia será clássico. Mas,
por enquanto, permanece muito próximo de nós, em nossa atualidade pelas Flores do
mal, que comemoram 150 anos. Parece cronologicamente distante, mas, como se disse,
moderno depende da extensão que conferimos a nosso tempo. Num pensamento
alienado, próprio das massas, nem mesmo as produções artísticas de 1970 para cá são
modernas, porque, na mentalidade restrita da massa, não pertencem mais ao dia de hoje
— esta é a reificação total da linguagem, em que o mundo se reduz ao imediato, ao
instante, pretensamente flagrado numa concretude de fato. Para quem assistiu aos
Festivais da Canção, Tropicália, Jovem Guarda, Mutantes são essencialmente
modernos; para quem lia ―O Pasquim‖ recém-saído da prensa, Ziraldo e Jaguar são
grandes interventores da cultura, atualíssimos, portanto, modernos. Já para o
adolescente que não possui essa bagagem cultural, essa memória, esses nomes às vezes
não significam nada, pois não pertencem ao tempo atual na visão jovem.
Quanto mais nós nos humanizamos, mais identificamos que o nosso tempo, o
tempo recente, não é só o segundo imediato, como também não é só a nossa vivência —
isto é uma visão egocêntrica e redutora. Abrindo os horizontes, vemos que nosso tempo
é uma época que às vezes ainda resistirá após nossa morte, assim como podemos estar
numa época que não tenha começado exatamente quando nascemos. Nossa época,
portanto, começa a significar toda a extensão temporal passada que nós podemos
associar a nossos valores, comportamentos e idéias. Nessa dimensão, As flores do mal
são do nosso tempo.
Vejamos alguns exemplos que ilustram essa proximidade, retirados dos
magníficos poemas de Baudelaire. Em primeiro lugar, o já famoso poema ―A uma
passante‖ (―A une passante‖). A rua, com todo o seu barulho ensurdecedor, é a mesma
rua nossa em que percebemos a multidão frenética e espessa. A mulher, transitando
pelas ruas em meio a milhares de pessoas, não dispõe de tempo para divagações
personalíssimas, para intimidades que ultrajam a racionalidade dos segundos e minutos
destinados a cumprir a função ou o papel social no frenesi urbano. Essa realidade fluida,
escorregadia, sem espaço para subjetividades incalculáveis, é também nossa realidade.
Outro poema, ―A uma mendiga ruiva‖, já denuncia a existência dos miseráveis,
indigentes e famintos, todos excluídos do convívio social e da ciranda financeira, e
nossas ruas estão repletas desses mendigos e pedintes. Em geral, para não nos
estendermos, a parte de Flores do mal intitulada ―Quadros parisienses‖ (―Tableaux
parisiens‖) apresenta vários exemplos de conexões entre a realidade contextual do eu-
lírico e a nossa realidade objetiva contemporânea.
Mas a grandeza de As flores do mal — isso já foi dito inúmeras vezes — está de
certo na parte ―Spleen e Ideal‖ (―Spleen et Idéal‖), que mergulha profundamente nos
extratos mais íntimos sua subjetividade. E nisto, Baudelaire se aproxima dos clássicos,
não dos que foram retratos de época e morreram com ela, mas aqueles que sobrevivem
até hoje porque foram modernos no seu tempo. Estes autores, como Shakespeare,
Camões, Cervantes, etc. penetraram de forma peculiar na subjetividade e souberam
expressar o que nos identifica como seres humanos, que evidentemente é eterno:
sentimentos, valores e utopias que traduzem em todas as épocas a mesma ambição
humana pela felicidade ou a mesma angústia de não lográ-la. É sobre essa angústia que
Flores do mal tratam. Os poemas que abrem essa série expõem as agruras de um sujeito
deslocado e desajustado, muitas vezes malquisto pela multidão: em ―Bendição‖
(―Bénédiction‖), o poeta é rejeitado pela própria mãe, que maldiz os céus e a Criação
por tê-la escolhido para gerar o poeta, traste humano sem destino e sem lugar:

BÉNÉDICTION “Comme un tout jeune oiseau qui tremble et qui


Lorsque, par un décret des puissances suprêmes, palpite
Le Poète apparaît en ce monde ennuyé, J’arracherai ce coeur tout rouge de son sein,
Sa mère épouvantée et pleine de blasphèmes Et, pour rassasier ma bête favorite,
Crispe ses poings vers Dieu, que la prend en pitié: Je le lui jeterrai par terre avec dédain!”

“Ah! que n’ai-je mis bas tout un noeud de vipères, Vers le Ciel, où son coeil voit un trône splendide,
Plutôt que de nourrir cette dérision! Le Poète serein lève ses bras pieux,
Maudite soit la nuit aux plaisirs éphémères Et les vastes éclairs de son esprit lucide
Où mon ventre a conçu mon expiation!” Lui dérobent l’aspect des peuples furieux:
[...]
Elle ravale ainsi l’écume de sa haine, “Soyez béni, mon Dieu, qui donnez la souffrance
Et, ne comprenant pas les desseins éternels, Comme un divin remède à nos impuretés,
Elle-même prépare au fond de la Géhenne Et comme la meilleure et la plus pure essence
Les bûchers consacrés aux crimes maternels. Qui prépare les forts aux saintes voluptés!

Pourtant, sous la tutelle invisible d’un Ange, “Je sais que vous gardez une place au Poète
L’Enfant déshérité s’enivre de soleil, Dans les rangs bienheureux des saintes Légions,
Et dans tout ce qu’il boit et dans tout ce qu’il Et que vous l’invitez à l’éternelle fête
mange Des Trônes, des Vertus, des Dominations [...]”
Retrouve l’ambroisie et le nectar vermeil. (BAUDELAIRE, 1942: 83-85)
[...] BENÇÃO
Sa femme va criant sur places publiques; Quando, por uma lei das supremas potências,
“Puisqu’il me trouve assez belle pour m’adorer, O Poeta se apresenta à platéia entediada,
Je ferai le métier des idoles antiques, Sua mãe, estarrecida e prenhe de insolências,
Et comme elles je veux me faire redorer; Pragueja contra Deus, que dela então se apiada:
[...]
"Ah! tivesse eu gerado um ninho de serpentes, Como ave tenra que estremece e que palpita,
Em vez de amamentar esse aleijão sem graça! Aos seio hei de arrancar-lhe o rubro coração,
Maldita a noite dos prazeres mais ardentes E, dando rédea à minha besta favorita,
Em que meu ventre concebeu minha desgraça! Por terra o deitarei sem dó nem compaixão!"
[...]
Ela rumina assim todo o ódio que a envenena, Ao Céu, de onde ele vê de um trono a
E, por nada entender dos desígnios eternos, incandescência,
Ela própria prepara ao fundo da Geena O Poeta ergue sereno as suas mãos piedosas,
A pira consagrada aos delitos maternos. E o fulgurante brilho de sua vidência
Ofusca-lhe o perfil das multidões furiosas:
Sob a auréola, porém, de um anjo vigilante,
Inebria-se ao sol o infante deserdado, "Bendito vós, Senhor, que dais o sofrimento,
E em tudo o que ele come ou bebe a cada instante Esse óleo puro que nos purga as imundícias
Há um gostod e ambrosia e néctar encarnado. Como o melhor, o mais divino sacramento
[...] E que prepara os fortes às santas delícias!
Sua mulher nas praças perambula aos gritos:
"Pois se tão bela sou que ele deseja amar-me, Eu sei que reservais um lugar para o Poeta
Farei tal qual os ídolos dos velhos ritos, Nas radiantes fileiras das santas Legiões,
E assim, como eles, quero inteira redourar-me; E que o convidareis à comunhão secreta
[...] Dos Tronos, das Virtudes, das Dominações.
(JUNQUEIRA, 1985)

O poeta, então, é visto como uma irrisão, tratado como aberração,


pormenorizada no poema abaixo:

L‘ALBATROS O ALBATROZ
Souvent, pour s’amuser, les hommes d’équipage Às vezes, por prazer, os homens da equipagem
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers, Pegam um albatroz, imensa ave dos mares,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage, Que acompanha, indolente parceiro de viagem,
Le navire glissant sur les gouffres amers. O navio a singrar por glaucos patamares.

A peine les ont-ils déposés sur les planches, Tão logo o estendem sobre as tábuas do convés,
Que ces rois de l'azur, maladroits et honteux, O monarca do azul, canhestro e envergonhado,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches Deixa pender, qual par de remos junto aos pés,
Comme des avirons traîner à côté d'eux. As asas em que fulge um branco imaculado.

Ce voyageur ailé, comme il est gauche et veule! Antes tão belo, como é feio na desgraça
Lui, naguère si beau, qu'il est comique et laid! Esse viajante agora flácido e acanhado!
L’un agace son bec avec un brûle-gueule, Um, com cachimbo, lhe enche o bico de fumaça,
L'autre mime, en boitant, l'infirme qui volait! Outro, a coxear, imita o enfermo outrora alado!

Le Poète est semblable au prince des nuées O Poeta se compara ao príncipe da altura
Qui hante la tempête et se rit de l'archer; Que enfrenta os vendavais e ri da seta no ar;
Exilé sur le sol au milieu des huées, Exilado ao chão, em meio à turba obscura,
Ses ailes de géant l'empêchent de marcher. As asas de gigante impedem-no de andar.
(BAUDELAIRE, 1942: 85-86) (JUNQUEIRA, 1985)

Metaforizado pela imensa ave marítima, o poeta possui a grandeza dos heróis,
pois carrega consigo na essência o estro místico da poesia, o talento sublime para
expressar o inefável, mas, ao mesmo tempo, em meio ao mundo contemporâneo da
indústria, do cálculo, da ciência, o poeta não consegue alçar vôo, e suas asas de gigante
debatem-se no chão, como emprestando ao poeta uma feição do decaído, do decadente,
que permanece nessa tensão entre o antigo vate predestinado ao prestígio devido ao seu
contato com o sagrado e o atual poeta oprimido na vaia contra seu ócio criminoso —
criatura desocupada, desprezível e imprestável.
O prenúncio simbolista de Baudelaire brota imiscuído de uma matriz romântica,
porque diz respeito ao aspecto místico e transcendental que subjaz na poesia romântica
de modo geral e se intensifica posteriormente na estética simbolista. A razão de a poesia
de Baudelaire possuir esse elemento transcendental reside no fato de que o poeta tinha
bastante leitura sobre ocultismo, mística e transcendência, principalmente por influência
de Swedenborg, místico sueco. Os famosos poemas Élévation e Correspondances
apresentam essa característica transcendental. Elevação convoca ao misticismo o poeta,
cujo espírito ―sulca alegremente a imensidão profunda‖: [...]
ÉLÉVATION ELEVAÇÃO
Au-dessus des étangs, au-dessus des vallées, Por sobre os pantanais, os vales orvalhados,
Des montagnes, des bois, des nuages des mers, Por sobre o éter e o mar, por sobre o bosque e o
Par delà le soleil, par delá les éthers, monte,
Par delà les confins des spheres étoilées, E muito além do sol, muito além do horizonte,
Para além dos confins dos tetos estrelados,
Mon esprit, tu te meus avec agilité,
Et, comme un bon nageur qui se pâme dans l’onde, Meu espírito, vais, com toda agilidade,
Tu sillones gaîment l’inmensité profonde Como um bom nadador deleitado na onda,
Avec une indicible et mâle volupté. Sulcas alegremente a imensidão redonda,
Levado por indizível voluptuosidade.
Envole-toi bien loin de ces miasmes morbides,
Va te purifier dans l’air supérieur, Bem longe deves voar destes miasmas tão baços;
Et bois, comme une pure et divine liqueur, Vai te purificar por um ar superior,
Le feu clair qui remplit les espaces limpides. E bebe, como um puro e divino licor,
(BAUDELAIRE, 1942: 86) O claro fogo que enche os límpidos espaços.
(NASSETTTI, 2002: 18-19)

As ―Correspondências‖, por seu turno, pairam na natureza que transcende a


função de paisagem e é sondada como organismo vivo e plenipotenciário, ―onde vivos
pilares deixam perfumes sortidos de confusas vozes‖, onde ―o homem passa pelas
florestas de símbolos que o observam com olhares familiares‖:
CORRESPONDANCES CORRESPONDÊNCIAS
La Nature est untemple où de vivants piliers A Natureza é um templo onde vivos pilares
Laissent parfois sortir de confuses paroles; Deixam por vezes sair confusas palavras
L’homme y passe à atravers des fôrets de symboles Lá o homem passa através de florestas de símbolos
Qui l’observent avec des regards familiers. Que o observam com olhares familiares

Comme de longs échos qui de loin se confondent Como longos ecos que de longe se confundem
Dans une ténébreuse et profonde unité, Numa tenebrosa e profunda unidade
Vaste comme la nuit et comme la clarté, Vasta como a noite e como a claridade
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent. Os perfumes, as cores e os sons se respondem.
(BAUDELAIRE, opus cit., p. 87) (MORETTO & MACHADO, in RAYMOND: 21)

É através dessa propensão ao infinito que se fará a redenção, em As flores do


mal, da desgraça social do artista. Essa inclinação aos ideais utópicos e místicos,
estritamente ligados ao âmbito estético, dará um toque romântico à poesia de
Baudelaire, toque este inclusive muito significativo ao longo do seu único livro de
versos. É assim, portanto, que Baudelaire se identificará com o Romantismo e o definirá
no ―Salão de 1846‖: ―a expressão mais atual do belo‖. As matrizes românticas em
Baudelaire tem seu cerne na articulação de ―categorias negativas‖ que, segundo Hugo
Friedrich:
Já com Novalis elas vêm usadas não para censurar, mas para descrever e,
até mesmo, para elogiar. / Suas caracterizações soam como angústias,
confusões, degradação, trejeitos, domínio da exceção e do extraordinário,
obscuridade, fantasia ardente, o escuro e o sombrio, dilaceração em opostos
extremos, inclinação ao Nada. (FRIEDRICH, 1991: 21)

Elas sempre foram empregadas descritivamente e não com a finalidade de


depreciar. Ou seja, desorientação, dissolução do que é corrente, ordem
sacrificada, incoerência, fragmentação, reversibilidade, estilo de alinhavo,
poesia despoetizada, lampejos destrutivos, imagens cortantes, repentinidade
brutal, deslocamento, modo de ver astigmático, estranhamento... (opus cit.,
p. 22)

Mario Praz abriu seu estudo sobre a literatura romântica com tais índices,
resgatando as palavras de Shelley transcritas abaixo:
Jaz, fixando o céu noturno, supina sobre o enevoado cume de um monte;
embaixo, há um tremular de terras distantes. O seu horror e a sua beleza são
divinos. Sobre seus lábios e suas pálpebras pousa a formosura como uma
sombra: irradiam dela, ardentes e embaciadas, as agonias da angústia e da
morte que, embaixo, se debatem. / Não é tanto o horror, mas a graça a
empedrar o espírito do observador, sobre quem se cinzelam os lineamentos
daquela face morta, até que os seus caracteres penetram-lhe, e o pensamento
se turva; é a melodiosa tinta da beleza, sobreposta às trevas e ao esplendor
da punição, que torna humana e harmoniosa a impressão. / E de sua cabeça,
como se fosse de um só corpo, surgem, tal qual ervas de uma rocha úmida,
cabelos que são víboras, e se contorcem e se estendem, e entrecruzam os
seus nós e em infinitos rodeios mostram o seu esplendor metálico, quase
escarnecendo da tortura e da morte interiores, e cortam o ar com suas
mandíbulas rachadas. / E de uma pedra ao lado, um venenoso sardão se
demora a espiar aqueles olhos gorgôneos, enquanto no ar, atônito, um
horrendo morcego é adejado fora da furna onde aquela amedrontadora luz
surpreendeu-o e se precipita como uma traça à luz; e o céu noturno
relampeja de uma luz mais amedrontadora que a escuridão. / É o
tempestuoso encanto do terror: das serpentes lampeja uma cúprica fulgência
acesa nesses seus inextrincáveis rodeios, e cria em torno um vibrante halo,
espelho móvel de toda a beldade e de todo o terror daquela cabeça: um vulto
de mulher com crina vipérea, que na morte contempla o céu das tochas
úmidas / É o tempestuoso encanto do terror... (apud PRAZ, 1996: 44)

Esse feixe de ―categorias negativas‖ aponta para a noção de mal-do-século, outra


matriz romântica. Ian Watt propõe que sua tradição tenha se estabelecido antes mesmo
do Iluminismo, quando alguns mitos populares/modernos plasmaram o embrião do
individualismo — alicerce da modernidade — pela corrosão que impuseram ao sistema
linear e normativo da lógica clássica: ―Fausto, Don Quixote e Don Juan não eram nem
clássicos nem bíblicos, mas criações modernas‖ (1997, p. 14). Na mesma convergência
entre os paradigmas ―moderno‖ e ―profano‖, Maurice de Gandillac considera que ―do
início do século V ao início do século XVII [...] progressivamente se constitui uma
civilização ‗moderna‘‖ (1995, p. 7).
Na verdade, o mal-do-século vem a revelar a face melancólica do sujeito imerso
numa problemática consigo próprio e com o mundo. Todavia, há um fascínio de quem
observa o caráter emblemático desse descompasso ou desacerto, fruto da fragmentação
do mundo e do próprio indivíduo numa feição própria do Romantismo, seja dentre os
antecedentes, seja na primeira fase idealista (Alemanha) e sentimental (França) ou
parnaso-simbolista de fim-de-século. É o horrivelmente belo ou o belamente horrível,
como já dizia Victor Hugo, antes de Baudelaire, no seu célebre Prefácio a Cronwell:
No pensamento dos Modernos, ao contrário, o grotesco tem um papel
imenso. Aí está por toda a parte; de um lado, cria o disforme, e o horrível;
do outro, o cômico e o bufo. (...) É nele que semeia, nas mancheias, no ar, na
água na terra, no fogo, estas miríades de seres intermediários...; é ele que
faz girar na sombra a ronda pavorosa do sabá, ele ainda que dá a Satã os
cornos, os pés de bode, as asas de morcego. É ele, sempre ele, que ora lança
no inferno cristão estas horrendas figuras que evocará o áspero gênio de
Dante e de Milton, ora o povoa com estas formas ridículas no meio das quais
se divertirá Callot... (HUGO, 2002: 30-31)

Por isso, na obra de Praz, Baudelaire aparece na discussão do feio, do grotesco e


do erótico, que constituem algumas ―categorias negativas‖ e fomentam a atmosfera
noturna e sombria do mal-do-século:
Muitos desses temas de beleza ofuscada reaparecem nos românticos, mas
auilo que no século XVII era freqüentemente apenas atitude do intelecto,
torna-se nos românticos atitude de sensibilidade. [...] Um romântico
procurará [...] viver os desvios da fantasia ou, pelo menos, dar a entender
um fundo de experiência.. [...] Nos românticos os mesmos temas se inseriam
naturalmente no gosto geral da época que levava ao desordenado, ao
macabro, ao terrificante e ao estranho. (PRAZ, 1996: 56-57)

Belas mendicantes, velhas sedutoras, negras fascinantes, cortesãs alvitadas:


todos esses motivos [...] reencontramos impregnados de um sabor acre de
realidade nos românticos e no poeta em que a Musa romântica destilou os
mais raros venenos, em Baudelaire. (opus cit., p. 58)

Várias matrizes românticas comparecem na obra de Baudelaire. Além de


―Élévation‖ e ―Correspondances‖, o também já citado poema ―Bénédiction‖ fala da
rejeição do poeta pelo grande público, cujo escárnio é estendido a ―L‘Albatros‖. Essa
rejeição é um tema reiterativo na lírica romântica, pois o poeta se sentia alijado do meio
social, incompreendido em sua genialidade, como se vê na obra do nosso romântico
Álvares de Azevedo:
HIMNOS DO PROPHETA
Eu vaguei pela vida sem conforto,
Esperei minha amante noite e dia
E o ideal não veio...
Farto de vida, breve serei morto...
Não poderei ao menos na agonia
Descansar-lhe no seio!

Passei como Don Juan entre as donzelas,


Suspirei as canções mais doloridas
E ninguem me escutou...
Oh! nunca à virgem flôr das faces bellas
Sorvi o mel, nas longas despedidas...
Meu Deus! ninguem me amou!

Vivi na solidão — odeio o mundo,


E no orgulho embucei meu rosto pallido
Como um astro nublado...
Ri-me da vida — lupanar immundo
Onde se volve o libertino esqualido
Na treva... profanado! [...]
(AZEVEDO: 1942: 108-109)

É claro que há uma potencialização da vaia pública, na qual o indivíduo não é só


marginalizado como sentia o romântico, mas sobretudo é ridicularizado em Flores do
Mal. Baudelaire pode postergar tendências românticas e antecipar veios simbolistas,
mas, sobretudo, é um poeta parnasiano, pois sua idéia de arte é a completa autonomia e
inutilidade do poema: ―a poesia [...] não tem outro fim senão ela mesma‖ (1993, p. 57).
Essa finalidade intrínseca da poesia é a essência do programa arte-pela-arte, cujos
poetas, entre eles Baudelaire, eram chamados parnasianos porque assinaram um
periódico chamado Le Parnasse Contemporain (1966, 1971, 1976) de arte pura,
desinteressada e sem preocupações sociais explícitas. Para os parnasianos, a arte se
justificava por expressar a beleza mais intensa, personificada como deusa avassaladora
que reina absoluta em toda parte porque está acima de todos os outros valores morais ou
filosóficos, materiais ou abstratos — por isso, os parnasianos desenvolvem o ―culto da
beleza‖, engrandecido pelo ―apuro formal‖. A Educação sentimental — e Flaubert era
adepto da arte-pela-arte, cuja defesa no processo contra Madame Bouvary se beneficiou
do artigo de Baudelaire —, a Educação sentimental, como ia dizendo, era o único
caminho para uma transformação do sujeito e da coletividade, desde a subjetividade. No
poema Hymne à la beauté, Baudelaire representa essa deusa soberana, presente em
todos os lugares e senhora de tudo. O desinteresse pelo espectro social surge
metaforizado no desprezo dessa rainha: ―e tu governas tudo e não respondes nada‖
(BAUDELAIRE, 1942, p. 101; traduzi).
Então, o poeta é resgatado da infâmia da esfera pública pelo seu talento artístico
de transcender o mundo ordinário. E o que ele descobre? A Beleza, que é híbrida e
dialética: entre o bem e o mal, o prazer e a dor, o falso e o verdadeiro, o real e o ilusório
— porque a Beleza é totalizante. A Beleza, fonte da poesia, está na transcendência
mística que habita a própria natureza, o próprio mundo perceptível. Ela entrelaça
natureza e infinito, buscando os sinais sensíveis desse diálogo. Em outras palavras, pela
―Elevação‖ — que é busca da transcendência e fuga da infâmia pública —, o poeta
sentirá as ―Correspondências‖ — que são as percepções da ―Elevação‖ — entre
concreto e abstrato.
Essa visão das coisas é a mesma da subparte do livro intitulada ―Quadros
Parisienses‖, embora no geral a crítica esteja desavisada. A poética de Baudelaire não se
presta a fornecer retratos da época em que foi ―Paris capital do século XIX‖ — As flores
do mal são muito mais que essa fisionomia, superando coordenadas históricas e
determinantes sociais de seu tempo. Porque a poesia de Baudelaire é arte em dimensão
mais ampla do que pode conceber a sociologia da literatura.
A obra de arte moderna testemunha o choque experimentado pelo indivíduo,
frente à fragmentação própria de um mundo que sinaliza, na cidade, novos paradigmas de
convivência, consoantes à lógica capitalista. ―A ameaça destas energias [do exterior] se
faz sentir através de choques‖ (BENJAMIM, 2000, p. 109), mas esse choque próprio da
psicologia humana adquire dupla intensidade para o homem moderno: ―a realidade
externa está mais desprovida de significado e de alma porque se tornou mais mecânica e
auto-suficiente‖ (HAUSER, 1998, p. 733). Evidente que Les Fleurs du mal (1857) — a
lírica de maior destaque do século XIX — estariam inclinadas a exprimir o conceito de
modernidade por vias estéticas. Já se identifica a problemática do indivíduo cujo egotismo
é constantemente ameaçado pela multidão que iguala os homens na condição de mercador
e de mercadoria. Nesse sentido, essas flores de Charles Baudelaire (1821-1867) sofrem a
negatividade do mundo moderno, traduzida nas palavras de Hugo Friedrich:
O noturno e o anormal [constituem] o único reduto no qual a alma, estranha a
si própria, ainda pode poetizar e escapar à trivialidade do “progresso” no
qual se disfarça o tempo final. De maneira conseqüente, chama Les Fleurs du
mal “produto dissonante das musas do tempo final”. / Baudelaire meditou
sobre o conceito de modernidade numa extensão bem diversa dos românticos.
É um conceito muito complexo. Sob o aspecto negativo, significa o mundo das
metrópoles sem plantas com sua fealdade, seu asfalto, sua iluminação
artificial, suas gargantas de pedra, suas culpas e solidões no bulício dos
homens. Significa, além disso, a época da técnica que trabalha com o vapor e
a eletricidade e a do progresso. Baudelaire define progresso como
“decaimento progressivo da alma, predomínio progressivo da matéria”.
(FRIEDRICH, 1991: 42-43)

A disposição poemática de Les Fleurs du Mal — da qual já se ressaltaram


exaustivamente a consciência artística e a intencionalidade — confirma a tese de ―arte
pura‖: o primeiro conjunto de poemas se intitula Spleen et Idéal, dedicada a uma
sondagem do território íntimo mais profunda que nas demais partes; só então aparece o
segundo conjunto, Tableaux Parisiens, em que incide mais frequentemente a teoria
obstinada do sociologismo. Contudo, os argumentos lançados por esta crítica tão
prestigiada — e neste trabalho não falta sua bibliografia — não resistem à leitura da obra
(aliás, em geral não há citações da lírica baudelairiana), onde a ―Paisagem‖ se compõe de
elementos abstratos percebidos pela sensibilidade do sujeito lírico:

PAYSAGE PAISAGEM
Il est doux, à travers les brumes, de voir naître É sempre doce ver que à tarde a bruma vela
L'étoile dans l'azur, la lampe à la fenêtre A estrêla pelo azul e a lâmpada à janela,
Les fleuves de charbon monter au firmament Os rios de carvão irem ao firmamento,
Et la lune verser son pâle enchantement. Como a Lua, verter seu frouxo encantamento.
Je verrai les printemps, les étés, les automnes; Eu hei de ver a primavera, o outono e o estio;
Et quand viendra l'hiver aux neiges monotones, E quando o inverno vier, monótono em seu frio,
Je fermerai partout portières et volets Por tudo fecharei cortinas e portões
Pour bâtir dans la nuit mes féeriques palais. Para construir na noite as feéricas mansões.
(BAUDELAIRE, 1942: 179) (HADDAD, 1958: 239)

Outros poemas desse conjunto mais inclinado ao ―social‖ confirmam o ponto de


partida na subjetividade que, diante de um ―entorno‖ de violência contra o íntimo e o
espírito, exprime sua melancolia, sua frustração e sua expiação:
[...] A velha Paris não é mais! (uma cidade
LE CYGNE Muda mais rápido,ai, que um coração mortal);
[...]— Le vieux Paris n’est plus (la forme d’une ville
Change plus vite, hélas! que le coeur d’une mortel); Em minha mente vejo o campo de barracas,
Fustes, capitéis numa pilha de bosquejos,
Je ne vois qu’en esprit tout ce camp de baraques, Ervas, pedras que as poças tornam verdes placas,
Ces tas de chapiteaux ébauchés et fûts, Brilhos do bricabraque sobre os azulejos.
Les herbes, les gros blocs verdis par l’eau des
flaques (BAUDELAIRE, opus cit., p. 183-184)
Et, brillant aux carreaux, le bric-à-brac confus.
(MACHADO,
O CISNE www.revistazunai.com.br/traducoes/charles_baudelaire.htm)

Trata-se de uma negatividade que seduz a alma com prazeres e encantamentos da


perdição — daí a oscilação entre sofrimento e êxtase. Baudelaire já o tinha advertido em
―Planes. Fusées. Projets‖ de Journaux Intimes, ao conceituar o belo como ―um mistério,
um desgosto‖ (cf. BAUDELAIRE, 1994, p. 55-56; in loc. PRAZ, 1996: 47), de estreita
ligação com as vicissitudes da mulher. Note-se que, nas mesmas ―Tableaux Parisiens‖, há
exemplos:
A UNE PASSANTE
A UNE MENDIANTE ROUSSE Agile et noble, avec sa jambe de statue.
Por moi, poèt chétif, Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Ton jeune corps maladif Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
Plein de taches de rousseur La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.
A sa douceur. (BAUDELAIRE, opus cit., p. 191)
(BAUDELAIRE, opus cit., p. 181)
A UMA PASSANTE
A UMA MENDIGA RUIVA Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.
A mim, poeta sofredor, Eu bebia, como um basbaque extravagante,
Teu corpo de um mal sem cura No tempestuoso céu do seu olhar distante,
Todo manchas de rubor, A doçura que encanta e o prazer que assassina.
Só tem doçura. (ALMEIDA, 1996, p. 65; cf.
(HADDAD, 1958, p. 241) www.estacio.br/rededeletras/numero3/allons_enfants/traduzir.
asp)

Multifacetada, a obra Les fleurs du mal se comporta como um fragmento,


expressão de inúmeros sentidos, cuja revitalização acontece devido à sua capacidade de
responder a diferentes olhares interpretativos. A permanência desse mal-do-século
potencializado na lírica baudelairiana a partir da intensificação da transcendência
captada no diálogo com a ambientação negativa chamou a atenção dos simbolistas
posteriormente. A influência baudelairiana nos simbolistas é uma das razões por que
vislumbramos a proximidade entre Simbolismo e Romantismo. Por isso, tardiamente, os
simbolistas sofrem o espírito da Decadência, sentimento depressivo a partir de uma vida
angustiada num mundo em fenecimento. Théophile Gautier, mestre e amigo de
Baudelaire, percebeu que o Decadentismo finessecular foi mais uma influência de Les
fleurs du mal, que já apresentava as bases decadentistas em meados do século. O poeta é
um decaído, debatendo-se no chão com suas asas de gigante. Mas também a musa sofre
a queda para uma existência degradada, no poema ―Remords Posthume‖, pois sua
tirania e seu desdém serão castigados pelo sofrimento, pelo soterramento e pela
corrosão após o enterro de sua natureza imortal. Até mesmo o mundo sensível é
dominado pelos sintomas da Decadência, mundo este que se torna, então, apenas uma
estada de penitências e agouros, como se vê em ―Spleen‖, coleção de 4 poemas, que

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mostra uma ambientação sinistra arrebatada pela fúria de Pluviose, ambientação esta
facilmente transpassada para o território íntimo, a saber, um cemitério odiado pela lua.
Todos os três — poeta, musa e ambiente — rumam para o definhamento, cujo limite é a
morte. Assim, mais uma vez, as imagens de Les fleurs du mal guardam essência
transcendente, pois, embora a morte seja o estertor da dor, por outro lado é o fim do
processo, i.e., o cessar da agonia.
Há críticos que afirmam, tacitamente, que o Satanismo de Les fleurs du mal é
uma afronta ao destino malfadado e um deboche contra a inoperância do Bem. O louvor
a Satã pretende protestar contra um Deus que abandonou o homem:
PRIÈRE PRECE
Gloire et louange à toi, Satan, dans les hauteurs Glória e louvor a ti, Satã, nas amplidões
Du Ciel, où tu régnas, et dans les profondeurs Do céu, em que reinaste, e nas escuridões
De l'Enfer, où, vaincu, tu rêves en silence! Do inferno, em que, vencido, sonhas com
Fais que mon âme un jour, sous l'Arbre de prudência!
Science, Deixa que eu, junto a ti sob a Árvore da Ciência,
Près de toi se repose, à l'heure où sur ton front Repouse, na hora em que, sobre a fronte, hás de
Comme un Temple nouveau ses rameaux ver
s'épandront! Seus ramos como um Templo novo se estender!
(BAUDELAIRE, 1942, p. 234) (ALMEIDA, 1996, p. 77)

De minha parte, considero que este remate de males a concluir a obra sob o
título ―Revolta‖ é apenas uma síntese de todo o Mal reinante no universo poético de
Baudelaire, Mal que estava esparso e intuído, e agora aparece claro e conciso.
Justamente essa escolha de alimentar o Mal propiciou um determinismo das fontes
malignas, que receberam o poder de corromper e corroer todos os seres. A ―Revolta‖ do
sujeito lírico assinala o descentramento da subjetividade, perdido que está no âmago
profundo, confuso e labiríntico de sua vida. Não há justificativas para a ―Revolta‖ do
poeta, porque, afinal, colheu as flores que plantou.

BIBLIOGRAFIA:

AZEVEDO, Álvares de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Cia Ed. Nac., 1942.

BAUDELAIRE, Charles. Les fleurs du mal [préface: André Gide]. Rio de Janeiro:
Librairie Victor/Chantecler, 1942.

______. Algumas flores de flores do mal (trad. Guilherme de Almeida). Rio de


Janeiro: Ediouro, 1996.

______. As flores do mal (trad. Jamil A. Haddad). São Paulo: DIFEL, 1958.

______. As flores do mal (trad. Ivan Junqueira). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

______. Escritos íntimos. Lisboa: Estampa, 1994.

______. Filosofia da imaginação criadora. Trad. Edson Darci Heldt. – Petrópolis:


Vozes. 1993.
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire: um lírico no auge do capitalismo. São
Paulo: Brasiliense, 2000.

FRIEDRICH, Hugo. Estrutura da lírica moderna. São Paulo: Duas Cidades, 1991.

GANDILLAC, Maurice. Gênese da modernidade. Rio de Janeiro: 34, 1995.

HAUSER, Arnold. História social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes,
1998.

HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime: tradução do prefácio de Cronwell. São


Paulo: Perspectiva, 2002.

PRAZ, Mario. A carne a morte e o diabo na literatura romântica (trad. Flora de


Paoli). Campinas: Unicamp, 1996.

WATT, Ian. Mitos do individualismo moderno. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

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