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ESCOLA DE FORMAÇÃO PERMANENTE

DE TEOLOGIA PARA LEIGOS


PARÓQUIA NOSSA SENHORA DE LOURDES

PARQUE INDUSTRIAL

SÃO JOSÉ DOS CAMPOS – SP

Primeiro módulo

2011

SAGRADA ESCRITURA
Primeiro e Segundo Testamentos
Professor:
Pe. José Francisco Schmitt, scj

1
SAGRADA ESCRITURA

ESCOLA DE FORMAÇÃO PERMANENTE DE TEOLOGIA PARA LEIGOS


Módulo I: Primeiro e Segundo Testamentos 16 horas Créditos:
Ano: Semestre:
Módulos: I (X) II ( ) III ( ) IV ( ) V ( ) VI ( ) VII ( ) VIII ( )
2011 I ( X ) II ()
1. Docente

PADRE JOSÉ FRANCISCO SCHMITT, SCJ

1. Conteúdos
Introdução geral ao estudo da Sagrada Escritura do Primeiro e Segundo Testamentos;
uma primeira e razoável compreensão da Origem da Bíblia; história da Revelação; Tradição
oral, processo redacional; visão geral das quatro partes do Primeiro Testamento: livro do
Gênesis, livros históricos, livros sapienciais e livros proféticos; rápida compreensão
histórica do tempo de Jesus; estudos dos evangelhos sinóticos; evangelho de João e
Apocalipse; Atos, os escritos paulinos e cartas pastorais; espiritualidade da Palavra de Deus
na vida cristã e da Igreja.

2. Objetivos
Proporcionar aos participantes da Escola o embasamento do estudo da Sagrada Escritura
e a partir dela como entender a Palavra de Deus no mundo de hoje, como vivê-la na missão
evangelizadora da Igreja; qualificar os nossos fiéis leigos e leigas dedicados aos distintos
ministérios e serviços na vivência da Palavra em sua realidade para uma melhor inserção
pastoral; levar os nossos leigos e leigas a perceber a presença e o agir de Deus na história
do mundo de hoje.

3. Cronograma
Data Horas-aula Conteúdo
14.3 Duas aulas 1ª aula:
Das 19h30 às 21h30
2ª f. 2ª aula:
21.3 Duas aulas 1ª aula.
Das 19h30 às 21h30
2ª f. 2ª aula:
28.3 Duas aulas 1ª aula:
Das 19h30 às 21h30
2ª f. 2ª aula:
4.4 Duas aulas 1ª aula:
Das 19h30 às 21h30
2ª f. 2ª aula:
11.4 Duas aulas 1ª aula:
Das 19h30 às 21h30
2ª f. 2ª aula:
2.5 2ª Duas aulas 1ª aula:
Das 19h30 às 21h30
f. 2ª aula:
9.5. Duas aulas 1ª aula:
Das 19h30 às 21h30
2ªf. 2ª aula:

2
SAGRADA ESCRITURA
Primeiro e Segundo Testamentos

“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir,


para refutar, para corrigir, para educar na justiça,
a fim de que o homem de Deus seja perfeito,
qualificado para toda boa obra”
(2Tm 3, 16-17).

Introdução geral à Sagrada Escritura – Ao abrir a Bíblia1, vocês estão manuseando


um dos livros mais lidos e estudados de toda a história da humanidade. Milhões e mais
milhões de pessoas procuraram na Bíblia um sentido para a sua vida e o encontraram. Se
não o tivessem encontrado, não nos teriam transmitido este livro tão antigo, e já não
teríamos mais nenhum interesse por ela. Mas é o contrário que está acontecendo. Pois só no
século XX (o século que terminou a sete anos, no ano 2001), mais um bilhão e quinhentos
milhões de exemplares da Bíblia foram já impressos e divulgados no mundo inteiro,
traduzidos para 2.454 línguas ou idiomas2 enquanto que no mundo existem 6.700 línguas
diferentes, das quais 3.000 são consideradas principais.
Atualmente circulam na América 26 versões ou traduções aprovadas pela Igreja, que
se podem comprar nas diversas livrarias. O português é uma das línguas mais faladas na
América e dispõe atualmente em torno de 15 traduções da Bíblia. No Brasil, no total, no
ano de 2007 foram distribuídos 9.250.301 exemplares da Bíblia
Diferentes instituições traduziram o Novo Testamento em 216 línguas nativas da
América, o que constitui uma grande bagagem cultural. Muitas delas são traduções
utilizadas também pela Igreja Católica.
Em todos os tempos da história, sobretudo em épocas de crise como a nossa,
voltamos a alimentar-nos da Bíblia. Pois acreditamos que este livro tem a ver com Deus e
com o nosso futuro. A Bíblia é uma história de amor: a história da lealdade de Deus para
com o povo que ele escolheu para testemunhar seu amor (Dt 7,7-8).
Por ser uma história de amor, a Bíblia é uma biblioteca vocacional. Todos os livros a
cada página da Bíblia, de alguma maneira, revelam o chamado de Deus para a vida ou para
a missão. Pois a fé diz que a Bíblia é a Palavra de Deus para nós.
1. Como nasceu a Bíblia – A Bíblia não caiu pronta do céu. Também não foi escrita
de uma só vez. A origem da Bíblia se perde na noite dos tempos. Sua origem é muito
complexa. Quando se aborda a Bíblia devemos perceber em primeiro lugar que não
1
Esse termo foi usado pela primeira vez por São João Crisóstomo (+ 407) para indicar os Livros Sagrados.
“Bíblia” é uma palavra grega, plural de “Biblion” (livrinho). Na realidade, a Bíblia é um único volume,
formado por 73 livros de tamanhos diferentes e escritos por diversos autores ao longo de muitos séculos.
Os outros termos existentes na própria Bíblia Sagrada são usados para se autodefinir, como as expressões:
Livro (Ne 8,1.3.5), Santas Letras (2Tm 3,15), Livro Sacro ou Livro Sagrado (2Mc 8,23) e Livros Santos
(1Mc 12,9).
2
“Gostaria que toda a Escritura fosse traduzida em todas as línguas, de modo que não só os escoceses e
irlandeses, mas também os turcos e sarracenos pudessem lê-la e entendê-la. Gostaria que o camponês pudesse
cantá-la enquanto anda atrás do arado, que o tecelão pudesse cantarolá-la ao ritmo de sua lançadeira, que o
viajante pudesse distrair-se do tédio da sua viagem com estas narrativas” (Desidério Erasmo de Rotterdam,
teólogo holandês, 1469-1536).

3
podemos projetar sobre ela nossas próprias ideias. Isso quer dizer, por exemplo, que ao
lermos a palavra “deus” no Primeiro Testamento (mesmo que o AT), devemos considerar
que o conceito ali apresentado é muito diferente daquele que nós evocamos ao ler esta
palavra hoje. Textos que foram escritos há mais de três mil anos (que cobre todo o arco do
Primeiro Testamento e o Segundo Testamento) provenientes de tradições orais mais antigas
(não escritas), que não podem ser lidas diretamente como entendemos hoje. Ou seja, não
podemos desconhecer ingenuamente as distâncias que existem dos tempos que foram
redigidos e como entender o seu conteúdo. É preciso, antes de tudo, tomar consciência
dessas distâncias. Mais outra observação importante. É necessário dar-se conta da enorme
diversidade interna na Bíblia. Esta não é um livro (no singular), mas sim (no plural), como
indica o seu próprio nome, um conjunto de livros, uma biblioteca, escrita durante um
período de 1500 anos, incluindo aí a transmissão oral. Por isso, num mundo como o da
Bíblia, tão diverso, é possível encontrar de tudo: apoio para qualquer posição... e apoio
também para a posição contrária. Com relação ao conteúdo da Bíblia é impossível fazer
generalizações absolutas, pois tudo tem sua exceção e seu testemunho contrário3.
Esta breve observação que fizemos no parágrafo acima, nos mostra muito claramente
quantos séculos se passaram por um silencioso processo de redação da Bíblia 4. Só como
exemplo, a primeira frase bíblica, ou o primeiro versículo escrito da Bíblia, que deu a
origem ao cântico de Miriam (Maria, irmã de Moisés), é o capítulo 15 do Êxodo, versículo
21, a estrofe do atual cântico de vitória, que diz: “Cantai a Iahweh, pois de glória se
vestiu; ele jogou ao mar cavalo e cavaleiro!”. Este versículo narra o evento que aconteceu
pelo ano 1250 antes de Cristo. Depois desse minúsculo texto do Ex 15,21, temos o cântico
de Débora e de Barac; este poema completo é um dos textos mais antigos da Bíblia e sua
composição deve estar muito próximo dos acontecimentos relatados, em torno de 1125
antes de Cristo. Podemos dizer, que foi a partir dessa data, com o capítulo 5 dos Juízes
começou a história redacional da Bíblia. Entre esses primeiros fragmentos escritos estão Ex
20,1-21: o decálogo ou mandamentos; Ex 24,1-18 e 34,10-26: a conclusão da Aliança; Ex
12, 21-23: prescrição sobre a Páscoa. A partir destes e outros fragmentos escritos e fontes
antiqüíssimas foram compilados os cinco primeiros livros da Bíblia, com a redação final do
Pentateuco pelo ano 445 (a.C). E o Apocalipse foi o último livro da Bíblia, por volta do ano
100 (d.C.).
Portanto, a Bíblia foi gestada a partir do Êxodo do Egito e começou a ser dada à luz
no tempo do exílio babilônico. A gestação no coração do povo começou com Moisés, por
volta de 1200 a.C. Líder do Êxodo e transmissor da Lei tornou-se o ponto de referência da
memória do povo, daquilo que mais tarde ia ser chamado “a Lei e os Profetas”.

O nascimento da Bíblia (isto é, a Bíblia em forma de livro (sempre como texto


escrito) situa-se logo depois do exílio babilônico por volta de 450 a.C. Naquela
circunstância, os judeus, tanto exilados como remanescentes, consignaram em forma de
livro sua memória de “povo eleito por Deus”.

3
Para entender isto, basta pensar no ambiente religioso primitivo que se reflete no Primeiro Testamento é
politeísta; há ali muitas passagens nas quais se reflete esta situação de politeísmo. Assim, no Oriente, naqueles
tempos bíblicos, era comum pensar que cada nação tinha seu deus; este deus tinha jurisdição sobre o
território da dita nação, e a ele era preciso dar culto enquanto se estivesse nesse território. Basta ver o Sl
95,3b: “o grande Rei, muito maior que os deuses todos”.
4
Provavelmente, os primeiros escritos surgiram a partir das tradições dos patriarcas, dos poços e santuários.

4
2. O processo da redação – É muito difícil saber quando foi que se começou a ser
realmente escrita a Bíblia. Pois antes de ser escrita, a Bíblia foi narrada, contada, vivida por
muitas gerações num esforço persistente e fiel de colocar Deus na vida e de organizar
a vida de acordo com a justiça (a Tradição oral: Dt 6,20-25). Primeiro existiu em forma oral
e com suas diversas fontes. Quanto à composição definitiva do Primeiro Testamento
começou pela redação do Pentateuco ao longo de oito séculos, incluindo a tradição oral. O
Saltério (o Livro dos Salmos) estima-se que sua composição definitiva tenha demorado por
um período de mil anos. Outro exemplo interessante da composição redacional é o livro do
Profeta Isaías que perfez um processo de uns 400 anos para ser redigido, com autores
diferentes, como o Proto-Isaías (livrinho do Emanuel, Is 7,1–11,9), o Segundo ou Dêutero-
Isaías (capítulos 40-55, são obras de um profeta anônimo durante o tempo de Ciro [553-
539]) e o Terceiro ou Trito-Isaías (cap. 56–66). O mesmo se diz do livro do Profeta
Zacarias, que demorou uns 200 anos para sua composição final. O NT formou-se ao longo
de um século (100 anos e incluindo o processo oral). Além disso, as narrações dos eventos
ou seus conteúdos dos livros sagrados não estão em ordem cronológica, na ordem de
acontecimentos. Para citar apenas um exemplo: o primeiro capítulo da Bíblia, o Gn 1 – 2,4a
é três séculos mais novo que os capítulos (Gn 2,4b – 3,24). Como também, não é o
Evangelho de Mateus o primeiro escrito do NT, mas é a Primeira Carta aos Tessalonicenses.
3. Quatro fontes principais – Entre as diversas fontes podemos elencar quatro
diferentes ciclos de tradições, denominadas javista (escrito no século IX ou X a.C. no reino
de Judá; Eloístas (datado no século VIII a.C. e composto no reino de Israel);
Deuteronomistas (também no reino de Israel, escrito pelo século VII a.C) e Sacerdotal
(composto durante o Exílio, no século VI a.C). Tais tradições surgiram por escrito
provavelmente em torno de santuários, independente um do outro e não foram reunidos de
uma só vez. Supõem-se pelo menos três redações do Pentateuco com a redação final no
século V, isto é, em torno do ano de 445 a.C.
A fonte Javista se caracteriza pelo uso do nome de Iahweh (1.440 vezes no
Pentateuco e 6.800 na Bíblia toda). Ocupa-se das origens do mundo, da humanidade e de
Israel. Contém a história dos patriarcas, do Êxodo do Egito, da peregrinação pelo deserto
e termina com a morte de Moisés. Sua linguagem é concreta, imaginativa e o conceito de
Deus é antropomórfico5, isto é, Deus é alguém que age como homem, está próximo
e convive com o homem (Gn 2–3).
O Eloísta é assim chamado porque designa a Deus pelo nome de Eloim (975 vezes no
Pentateuco e 2.500 na Bíblia inteira), reservando o nome Iahweh só para depois da
revelação a Moisés (Ex 3). Ocupa-se da história dos patriarcas, do Êxodo do Egito,
da peregrinação pelo deserto, da teofania do Sinai e termina com a morte de Moisés. Tem
gosto pelos sonhos e tendências à moralização. Sua concepção de Deus é mais espiritual,
donde a necessidade de recorrer a figuras de intermediários, como anjos e profetas,
ao falar da comunicação de Deus com o homem.
A fonte Deuteronômica se restringe quase unicamente ao Deuteronômio. Seu estilo é
oratório, caracterizado por fórmulas estereotipadas, como “ouve Israel”, “o Senhor Deus”,

5
Antropomorfismo: modo de falar de Deus atribuindo-lhe maneiras e ser ou qualidades próprias humanas.
Assim, são atribuídos a Deus memória, ira, arrependimento, rosto, mãos etc. A própria Bíblia do Primeiro
Testamento adverte que Deus não é como o homem. Acontece que o ser humano tem grande dificuldade de
expressar o que é próprio de Deus sem recorrer ao uso de imagens da própria experiência.

5
“o país onde corre leite e mel”, etc. Insiste na centralização do culto em Jerusalém,
na eleição gratuita de Israel e no amor de Deus.
A fonte Sacerdotal gosta de genealogias, cronologia, números, datas, ritos mosaicos
da páscoa, dos sacrifícios, sábados, circuncisão e sua linguagem são repetitivas e
monótonas. Sublinha claramente a transcendência e a soberania divina sobre a criação. Não
lhe atribui sentimentos humanos, e Deus nunca entra em contato direto com os homens.
Apenas mostra sua glória em grandes teofanias. Embora esteja presente em todo o
Pentateuco, se identifica, sobretudo com o Levítico, onde se expressa de modo especial o
interesse pelo culto.
4. A Bíblia escrita em diversos lugares e países – A maior parte do Antigo
Testamento e do Novo Testamento foi escrita na Palestina, na terra onde o povo vivia,
por onde Jesus andou e, onde a Igreja teve sua origem com os apóstolos. Algumas partes do
Primeiro Testamento foram escritas na Babilônia, onde o povo viveu no cativeiro no século
VI antes de Cristo. Outras partes foram escritas no Egito, para onde muita agente emigrou
depois de uma longa história de opressão por parte dos faraós. O NT tem partes que
foram escritas na Síria, na Ásia Menor, na Grécia e na Itália, onde havia muitas
comunidades, fundadas e visitadas pelo apóstolo São Paulo.
5. A Bíblia escrita em três línguas diferentes – A maior parte do Primeiro Testamento
foi escrita em hebraico6 (os livros chamados protocanônicos), exceto algumas pequenas
partes que foram escritas em aramaico (algumas partes, como: Jr 10,11; Dn 2,4b–7,28; Esd
4,8–6,18; 7,12-26) e uns poucos livros da última época foram escritos em grego (o livro da
Sabedoria e o Segundo Livro dos Macabeus). O hebraico era a língua que se falava na
Palestina antes do Cativeiro de Babilônia 7. Depois do cativeiro, o povo começou a falar o
aramaico. Mas a Bíblia continuou a ser escrita e lida em hebraico. Para que o povo pudesse
ter acesso à Bíblia, foram criadas escolinhas em toda a parte da Palestina e nas diásporas 8.
Jesus deve ter frequentado à escolinha de Nazaré para aprender o hebraico e ler a Bíblia da
época (a Bíblia judaica). Só uma pequena parte do Primeiro Testamento foi escrita em
aramaico9. Apenas os livros da Sabedoria e o Segundo Livro dos Macabeus e todos os
livros do Segundo Testamento foram escritos em grego.

6
A Bíblia confia-se à pobreza expressiva de uma língua pobre e pedregosa como deserto, despojada e áspera:
trata-se do hebraico clássico que, de resto, só pode recorrer a um arsenal lexical (dicionário de vocábulos)
limitado, composto de apenas 5.750 vocábulos. Enquanto que o nosso Dicionário Houaiss da língua
portuguesa é composto cerca de 228.500 unidades léxicas (vocábulos). O nosso dicionário Houaiss tem quase
40 vezes vocábulos que o antigo léxico hebraico.
7
Temos dois exílios (desterros): Em 722 a.C. uma parte do povo de Israel (Reino do Norte) com a tomada de
Samaria (capital do Reino de Israel) pela Assíria. Nunca mais esse povo voltou para sua terra. Outro exílio,
chamado o Cativeiro de Babilônia desde a queda de Jerusalém (587 a.C.) até que Ciro permite o regresso
(538 a.C.), a reconstrução de Jerusalém e a restauração do culto no templo. O Reino de Israel ou Reino do
Norte surgiu após a morte de Salomão, dez tribos se rebelaram contra seu filho Roboão desde 932 a.C. até a
sua conquista pelos assírios e, 721. O Reino do Sul ficou constituído pela tribo de Judá e a de Benjamim. Sua
capital era Jerusalém.
8
Diáspora, ou “dispersão”, é o termo aplicado aos judeus espalhados pelo mundo pagão do Império Romano
(Jo 7,35: “Irá, por acaso, aos dispersos entre os gregos para ensinar...”). Na era apostólica a população do
Império Romano era de 55 milhões, dos quais 4,5 milhões (8%) eram judeus da diáspora.
9
Os livros de Tobias, Judite, Baruc, Eclesiástico e o Primeiro Livro dos Macabeus foram escritos
originalmente em hebraico ou aramaico, mas chegaram até nós, apenas em grego.

6
6. As traduções da Bíblia – A mais antiga tradução da Bíblia (ainda no Primeiro
Testamento) foi feita do hebraico (com pequenas partes em aramaico) para o grego10, entre
250 e 150 antes de Cristo, na Alexandria (no Egito), por um grupo de setenta e dois sábios
(ao longo de aproximadamente um século) por ordem de Ptolomeu II. Por causa dos setenta
tradutores, chamou-se Versão dos Setenta (LXX, ou Bíblia Grega)11.
Nos começos do século II da era cristã já corriam pelo Norte da África, Grécia e em
algumas partes da Europa traduções latinas, de diversos livros bíblicos. Essas velhas
traduções latinas foram, no tempo de São Jerônimo (cerca 350-420), que por incumbência
do papa Damaso I (366-384), a partir de 383, com o fim de melhorar as diversas versões
existentes foram corrigidos, confrontados com os textos originais e outros traduzidos
diretamente dos originais, para ser um texto único em versão latina para toda a Igreja.
Este penoso trabalho durou praticamente até o ano 405 d.C. Esta tradução de São Jerônimo
recebeu o nome de VULGATA (do latim, vulgo, popular).
O Novo Testamento da Vulgata foi bem aceito por toda a Igreja. Mas com o Primeiro
Testamento aconteceu o contrário. Muitos não admitiram o novo texto latino porque era
uma tradução da tradução hebraica e não da versão dos Setenta (da tradição grega), que era
aceita por todos. O Concílio de Trento, em 1546, num decreto disciplinar não dogmático
declarou que a Vulgata devia ser o texto-base no uso religioso. Em 1592 foi revisado e
editado a pedido pelo papa Clemente VIII. Finalmente, em 1979, a pedido dos padres
conciliares do Concílio Vaticano II, Paulo VI a publicou com nome de Neovulgata (Nova
Vulgata).
As primeiras traduções nas línguas modernas foram feitas pelos Reformadores
protestantes. As mais conhecidas são a tradução de Matinho Lutero (1483-1546) e a “King
James” (século XVI).
7. As traduções em português – Possuímos poucas informações sobre as primeiras
traduções portuguesas da Bíblia. Os primeiros textos no idioma português surgiram pelo
ano 1320, quando os monges de Alcobaça, em Portugal, traduziram o NT e fizeram uma
breve história do AT.
Existem em língua portuguesa apenas quatro traduções integrais da Bíblia. A primeira
mais antiga versão lusitana (sob a influência de James King) se deve ao pregador calvinista
português, João Ferreira de Almeida, quando em 1681, publicou o Segundo Testamento
traduzido do grego. Alguns anos depois, foi publicado o Primeiro Testamento. Essa
tradução é, ainda, usada pela Sociedade Bíblica do Brasil e por várias edições evangélicas.
A segunda tradução a partir da Vulgata, entre 1772 a 1790, em Portugal, foi feita em
estilo clássico pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo, que foi editada no Brasil em 1864.
A terceira, impressa em 1932, ainda em Portugal, de autoria de padre Matos Soares.
No Brasil foi editada pelas Edições Paulinas.

10
Essa tradução se deve pela necessidade que os judeus sentiram de traduzir para o grego, porque havia
muitos judeus morando na Palestina e estes não falavam mais o idioma hebraico, falavam apenas o grego. Isto
motivou os judeus da Alexandria no Egito de traduzir os livros para o grego.
11
Foram escritos no papiro; os originais destes textos nós não temos mais, se perderam. Temos somente
cópias, traduções em línguas antigas, como em hebraico. A partir dos códices gregos e até mesmo em
hebraico, nós podemos reconstruir 95% do texto original, 55% são duvidosos. Nenhum dos textos duvidosos
são textos dogmáticos da Igreja, a Igreja nunca se baseou num texto duvidoso, do ponto de vista da crítica
textual, para definir qualquer coisa. A Igreja Católica oficialmente não adota nenhum texto em língua original.
Ela adota uma tradução latina feita por São Jerônimo, chamada Vulgata.

7
A quarta e última, a Editora Ave Maria publicou em 1958 a Bíblia Sagrada, traduzida
da edição francesa dos Monges de Maredsous na Bélgica. A chamada “Bíblia da Ave
Maria” é hoje um dos textos mais usados e foi reeditada muitas vezes.
Além dessas quatro importantes traduções, podemos acrescentar ainda outras, mas
vamos fazer tão somente uma simples referência às traduções da Bíblia de Jerusalém 12,
da Edição Pastoral e Ecumênica.
A Bíblia de Jerusalém foi publicada em 1981 pelas Edições Paulinas. A tradução em
português é baseada nos originais franceses publicados em 1956. O nome se deve ao fato de
ter sido feita pelos dominicanos da Escola Bíblica de Jerusalém. É um texto muito bom e de
grande valor científico.
Em 1986 as Edições Paulinas editaram o Segundo Testamento da Bíblia Edição
Pastoral: o Primeiro Testamento só foi publicado em 1990. A Bíblia Pastoral procura
traduzir mais o sentido do texto do que as palavras. O objetivo é apresentar um texto bem
popular, para ser usado, sobretudo na pastoral. Com isso se perde um pouco da riqueza do
texto original.
A Bíblia a TEB (Tradução Ecumênica da Bíblia) foi publicada em 1994 pelas Edições
Loyola. É um texto muito bom, feito por biblistas católicos, protestantes, ortodoxos
e judeus. O texto em português é a versão dos originais franceses. É importante observar
que essa tradução, para o Primeiro Testamento, segue a ordem dos livros da Bíblia Hebraica
não a ordem da Vulgata, como as outras versões bíblicas.
8. O assunto da Bíblia não é só doutrina sobre Deus – Na Bíblia tem de tudo:
doutrina, histórias, provérbios, profecias, cânticos, salmos, lamentações, cartas, sermões,
meditações, filosofia, romances, cantos de amor, biografias, genealogias, poesias, novelas
(como o livro de Jonas, é uma história inventada), parábolas, tratados, contratos, leis para a
organização do povo, leis sanitárias (para casos de doenças contagiosas), leis para o bom
funcionamento da liturgia, coisas alegres e coisas tristes, fatos verdadeiros e fatos
simbólicos, estórias para ensinar mensagens de vida (como as nossas estórias para as
crianças de catequese), formas literárias das antiguidades em linguagem simbólica em que
animais, serpentes falam (Gn 3), o discurso das árvores (Jz 9, 6-15); coisas do passado,
coisas do presente e coisas do futuro. Enfim, têm coisas sérias, coisas para rir e para chorar.
Têm trechos na Bíblia que querem comunicar alegria, esperança, coragem e amor; outros
trechos querem denunciar erros, pecados, opressão e injustiças. Têm páginas na Bíblia que
foram escritas pelo gosto de contar uma bela história para descansar a mente do leitor e
provocar nele um sorriso de esperança (livro de Jonas).
9. Número de livros – A Bíblia é tão variada como é variada a vida do povo.
Daí também seu grande número de livros para atender o vasto repertório de assuntos que
compõe a vida humana. A Sagrada Escritura tem 73 livros. No Primeiro Testamento: 46 e
no Segundo Testamento 27. O Primeiro Testamento tem 1.068 capítulos e o Segundo
Testamento 259, totalizado 1.327 capítulos. A Bíblia inteira tem 40.030 versículos 13. Sua
divisão em capítulos aconteceu pelo ano 1214 (da era cristã), feita pelo cardeal inglês
Estevão Langton, arcebispo de Cantuária, e a divisão em versículos foi feita em 1527, pelo
dominicano Sante Pagnini para os livros do Primeiro Testamento. Em 1551 o impressor
12
Em 1982, surgiu a chamada Bíblia Sagrada da Editora Vozes. E, em 1983, as Edições Loyola publicaram
a Bíblia Mensagem de Deus. Em 2002, Paulus Editora publicou em português a versão da Bíblia de Alonso
Schökel (1920-1998), conhecida como Bíblia do Peregrino.
13
Só o Novo Testamento tem 7.956 versículos e 138.020 palavras.

8
francês Roberto Etienne estendeu-a também ao Segundo Testamento. Daí por diante esse
uso se propagou, e até hoje perdura praticamente sem alteração.
Como se pode ver, a Bíblia é, em miniatura, uma biblioteca. Poucas bibliotecas
paroquiais têm a variedade dos livros da Bíblia. É um livro que goza sempre de atualidade.
Sua mensagem transcende ao tempo e é de salvação.
10. A Bíblia é inspirada por Deus – Por “inspiração” entendemos a ação particular de
Deus sobre algumas pessoas. Deus inspirou algumas pessoas para AGIR. Por exemplo,
Abraão, Moisés e muitos outros. Ela Inspirou outras pessoas para FALAR, como os
profetas. E outras foram inspiradas para ESCREVER; esses são os HAGIÓGRAFOS, ou
autores sagrados, que escreveram a Bíblia.
Ao falar da inspiração da Sagrada Escritura, entende-se a inspiração para escrever.
A Igreja herdou dos judeus a fé que seus livros sagrados foram escritos por inspiração
divina.
Para ser mais claro, é importante que se diga aqui, que os textos sagrados não
surgiram de uma ação coletiva intensa em sentido genérico (uma espécie de mutirão
popular em que o povo pudesse ser o sujeito da produção dos textos), mas sim de autores
inspirados. Precisamente esta inspiração que provém de Deus constitui o fundamento da
unidade da Sagrada Escritura. Os autores bíblicos não escreveram como letrados, mas sim
como “enviados” (com carisma especial), ou seja, como membros do Povo de Deus e,
portanto, conduzidos e orientados por Deus.
Esse processo de sedimentação (fixação) na escrita das palavras transmitidas na
Escritura ocorre por meio de novas releituras: os textos antigos são, numa nova situação,
novamente acolhidos, compreendidos, relidos. Nesta nova leitura, nesta leitura continuada,
em calmas correções e em espírito de fé, com aprofundamentos e ampliações, dá-se a
formação da Escritura Sagrada como um processo da palavra, que lentamente abre as suas
interiores potencialidades, as quais estão escondidas como sementes, mas que se abrem
perante o desafio de novas situações, de novas experiências e sofrimentos.
Assim as palavras da Bíblia são muitas vezes retomadas em vários livros sagrados
e todas às vezes manifestam renovadas potencialidades, das quais o próprio autor nem
sempre está consciente. Ele é fruto da inspiração divina. Os textos bíblicos não estão
fechados em si mesmos, mas comportam uma abertura para o futuro. Isto quer dizer, que a
Bíblia inteira converge para Jesus Cristo. Em outras palavras, a inspiração e toda a
Revelação contida na Sagrada Escritura tem sua dinâmica interna e fundamento no mistério
da pessoa de Jesus Cristo.
Quanto à consciência da inspiração, não existe no Antigo Testamento textos explícitos
que falam da inspiração divina. Porém, à proporção que os livros do Primeiro Testamento
vão se formando, cresce sempre mais, entre os judeus a crença na inspiração divina. Assim,
o rei Josias fez uma grande reforma religiosa em Judá, baseado no Livro da Aliança,
encontrado no Templo de Jerusalém (2Rs 23). Sabemos, hoje que esse livro é o
Deuteronômio. Esdras leu ao povo “o Livro da Lei de Moisés, que o Senhor havia prescrito
a Israel” (Ne 8). Esse Livro de Moisés, hoje, é identificado com todo o Pentateuco. Os
rabinos chegaram a afirmar que a Torá (o Pentateuco) tinha sido escrita pelo próprio Deus,
antes da criação do mundo. Por acreditar na origem divina de seus livros sagrados, os
judeus ficaram conhecidos como o “povo do Livro”.

9
Tanto Jesus como os apóstolos acreditavam que as Escrituras eram livros sagrados.
Várias vezes encontramos a afirmação de que Deus ou o Espírito Santo falou através
de Moisés, de Davi ou dos profetas (Mt 4,4; Mt 19, 4-5; Rm 9,17; Gl 3,8; Hb 3,7).
No Novo Testamento, encontramos dois textos claros sobre a inspiração:
“Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para
corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito,
qualificado para toda boa obra” (2Tm 3, 16-17).
“Antes de mais nada, sabei isto; que nenhuma profecia da Escritura resulta de
interpretação particular, pois que a profecia jamais veio por vontade humana, mas os
homens impelidos pelo Espírito Santo falaram por parte de Deus (2Pd 1,20-21).
É certo que, para Jesus e para a Igreja Primitiva, as Escrituras são livros sagrados
onde se encontra a Palavra de Deus. Para isto basta consultar o documento do Concílio
Vaticano II, na Constituição Dogmática Dei Verbum (DV), onde podemos ler:
“As verdades divinamente reveladas que estão contidas e expressas nas Sagradas
Escrituras foram escritas por inspiração do Espírito Santo” (DV 11).
11. A Bíblia não é um livro de história, nem de ciências naturais do campo ou da
psicologia – Hoje, após o Concílio Vaticano II, fala-se de VERDADE BÍBLICA. A verdade
que a Bíblia quer ensinar é religiosa, importante para a nossa salvação. Portanto, não
devemos procurar nela outras verdades. Podemos até encontrar na Bíblia algumas
imprecisões ou equívocos de informações de lugares geográficos devidos ao conhecimento
limitado dos autores humanos. Aliás, não deveríamos falar em “erros”, mas em ignorância.
O erro existe quando, sabendo a verdade, se ensina o falso. A ignorância consiste em não
saber e em não afirmar. Os autores humanos não pretendiam ensinar o falso, mas
ignoravam muitas coisas que nós conhecemos hoje.
A verdade bíblica não deve ser buscada em apenas em um versículo, parágrafo ou
capítulo da Bíblia. Deve ser buscada na totalidade da Bíblia. Porque Deus não se revela de
uma só vez. Mas o faz aos poucos, à proporção que o homem pode compreender. A história
da revelação passa pela pedagogia divina. Por isso a moral do Primeiro Testamento é
imperfeita em comparação com a moral evangélica. O próprio mistério de Deus vai se
esclarecendo pouco a pouco. Deus se revela a Abraão como um entre muitos outros deuses.
Deus se revela a Moisés como o único Deus. Somente Jesus nos revela o mistério profundo
de Deus Uno e Trino. Portanto, é preciso tomar a Bíblia na sua totalidade para conhecer a
verdade que Deus quis que fosse escrita para a nossa salvação.
12. A Sagrada Escritura na vida da Igreja – A Bíblia não é apenas um “objeto de
estudo” que pode ser entendida com as regras da gramática. Ela é, sobretudo, Palavra de
Deus. Por isso, devemos procurar saber o que Deus quer nos dizer. E, para isso, é
necessário o coração. Como os discípulos de Emaús, o nosso coração ardia quando Ele nos
falava (Lc 24,13-35).
A Bíblia deve ser sempre proclamada ou proferida em comunhão com a Igreja.
Mesmo a leitura mais escondida (pessoal ou particular) precisa ser feita em comunhão
espiritual com todo o povo de Deus. É, sobretudo, na liturgia e na catequese da Igreja que a
Bíblia é proclamada, meditada, oferecida. É ali que Deus, em Cristo, quer dialogar com
seus filhos.
A Sagrada Escritura, como Palavra de Deus, tem um lugar importantíssimo em nossa
vida cotidiana e na vida cristã e litúrgica da Igreja. A Bíblia foi escrita no coração do Povo

10
de Deus e para o Povo de Deus, por homens inspirados pelo Espírito Santo. Só nesta
comunhão com o Povo de Deus podemos realmente entrar com o “nós” no núcleo da
verdade que o próprio Deus nos quer dizer. Ela é um livro de diálogo com Deus e com sua
Palavra. O contato íntimo com esta Palavra divina nos conduz a Cristo. Pois ignorar a
Escritura é ignorar Cristo e a Deus. E assim, esta Palavra torna-se estímulo e fonte da vida
cristã para todas as situações e para cada pessoa.
Portanto, temos aqui uma visão bem panorâmica dos principais aspectos que devem
estar presente para um bom estudo sobre a Sagrada Escritura. Não temos condições para
estudar a Sagrada Escritura de forma exaustiva e completa. Isto é impossível para tão pouco
tempo que dispomos14.
O objetivo do nosso curso sobre a Sagrada Escritura quer ser tão somente o primeiro
passo para aprofundar alguns elementos mais importantes e, assim, anunciar o Cristo com
maior ardor com seu mistério de salvação.

14
O nosso Curso de Teologia, Bacharelado, na Faculdade Dehoniana em Taubaté, só para a área da Sagrada
Escritura tem 1.020 horas de aulas, sem contar o estudo das línguas bíblicas. O nosso modesto cursinho sobre
a Sagrada Escritura tem só 14 horas de aulas.

11
PRIMEIRA PARTE
O Primeiro Testamento

Palavras de introdução ao Primeiro Testamento – Neste primeiro momento,


ao começar a estudar o Primeiro Testamento, vamos definir o sentido do termo
“testamento”. Esta palavra não deve ser entendida no sentido jurídico atual, isto é,
o documento com as últimas disposições de uma pessoa ao morrer. Testamento é tradução
latina, um tanto confusa, da palavra hebraica (berit) PACTO, ALIANÇA ENTRE DUAS
PARTES, no sentido de fidelidade, ou amor, ou temor, ou então aderir ao Senhor, para
segui-lo etc.
O Primeiro Testamento refere-se à primeira Aliança feita por Deus com o povo de
Israel (a Abraão e seus descentes). O segundo Testamento é a Aliança definitiva realizada
por Deus em Cristo com toda a humanidade através do mistério pascal.
O Antigo Testamento só existe nas Bíblias Católicas e Protestantes (Testemunha de
Jeová). Em se tratando da Bíblia Hebraica, não podemos falar de Antigo Testamento, pois
nela não existe o Novo Testamento. Para o povo judeu só há os livros da Primeira Aliança,
ou seja, o AT. O judaísmo não considera inspirados os livros que compõem o NT, por isso,
para eles o NT não faz parte da Bíblia Hebraica.
1.1. A divisão da Bíblia do Primeiro Testamento:
1.1.1. A Bíblia Católica – Os 46 livros do Primeiro Testamento são assim divididos:
Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
Livros Históricos: Josué, Juízes, Rute, I e II Samuel, I e II Reis, I e II Crônicas,
Esdras, Neemias, Tobias, Judite, Ester e I e II Macabeus.
Livros Sapienciais: Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos,
Sabedoria e Eclesiástico.
Livros proféticos: Isaías, Jeremias, Lamentações, Baruc, Ezequiel, Daniel, Oseias,
Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias Ageu, Zacarias, Malaquias.
1.1.2. A Bíblia Hebraica – Esta é formada por apenas 39 livros.
LEI (Torá): Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
PROFETAS (Nebiim), divididos em:
Anteriores: Josué, Juízes, I e II Samuel e I e II Reis.
Posteriores: Isaías, Jeremias, Ezequiel e os 12 profetas menores: Oseias, Joel, Amós,
Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.
ESCRITOS (Ketubim): Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cânticos dos Cânticos,
Eclesiastes, Lamentação, Ester, Daniel, Esdras, Neemias e I e II Crônicas.
CRITÉRIOS DE CANONICIDADE DA BÍBLIA HEBRAICA – Para os judeus,
um livro era inspirado e, portanto, canônico, se fosse escrito por um profeta, em hebraico
(para alguns, deve possuir uma grande Antiguidade) e em Israel. Por isso os livros
chamados deuterocanônicos não foram aceitos pelos judeus. Ou porque foram escritos em

12
grego, ou fora de Israel ou por uma pessoa que não era considerada profeta 15. Já os cristãos
olharam a prática de Jesus e dos apóstolos, o uso litúrgico e a sua conformidade com a fé.
1.1.3. A Bíblia Protestante – Ao separar da Igreja Católica, Martinho Lutero (1483-
1546) optou pela Bíblia Hebraica. Assim, na Bíblia Protestante, o Primeiro Testamento
contém apenas 39 livros.
Hoje todas as igrejas e grupos ou movimentos para-religiosos derivados do
Protestantismo seguem a Bíblia de Lutero, porém, devemos notar que, quanto à ordem dos
livros, a Bíblia Protestante segue a Católica.
Portanto, nas “Bíblias” Hebraica e Protestante faltam sete livros: Baruc, Eclesiástico
(também chamado de Sirácida ou Ben Sirac), Sabedoria, Tobias, Judite, I e II dos
Macabeus. Os especialistas católicos chamam esses sete livros de “deuterocanônicos”, isto
é, aprovados num “segundo cânon”. Os protestantes os chamam de “apócrifos16”.
1.2.1. Pentateuco – Na tradição judaica, os cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis,
Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) são chamados TORÁ, ou TORÁ DE MOISÉS.
TORÁ significa orientação, exortação; e mais tarde passou a significar LEI. Esses
livros não são códigos legislativos, mas contém a maioria das leis bíblicas referentes a toda
a vida do povo. Existem na LEI muitos textos narrativos, mas também eles adquirem um
valor normativo para Israel.
Pentateuco é uma expressão grega, formada por dois termos. O termo “Penta”
significa cinco. “Teuchos”, originalmente significa estojo onde se conservavam os rolos de
papiro17 ou pergaminho18. Por isso, a palavra Pentateuco significa cinco rolos, “cinco
estojos” ou “cinco livros”, designa os primeiros cinco livros da Bíblia.
Na realidade, o Pentateuco é um único livro. Para facilitar o manuseio, esse grande
livro, ou melhor, rolo, foi dividido em cinco partes. Não sabemos quando aconteceu essa
divisão, mas podemos supor que foi feita na redação final do texto, ocorrido no século
V a.C., ou seja, pelo ano 400 a.C., quando o Pentateuco recebeu sua forma atual. De fato, a
tradução grega da Bíblia Hebraica, a versão dos Setenta, feita no século III a.C., já possuía
essa divisão.
Cada uma dessas cinco partes, ou livros, é designada, em hebraico, com a primeira
palavra do texto: “No Princípio”, “Nomes”, “Chamou”, “No deserto”, “Palavra”.
A tradução grega dos Setenta deu a esses livros outros títulos que refletem de algum
modo o seu conteúdo. São títulos que conservamos ainda hoje.

15
No final do século I d.C., os rabinos reconheceram que alguns livros “manchavam as mãos”, isto é, eram
sagrados e que depois de manuseá-los era preciso purificar-se. Mas ainda se discutia a canonicidade de alguns
livros. O cânon judaico, com 39 livros, foi fixado nos finais do século II d.C. Um dos motivos que contribuiu
para isso foi a Igreja Primitiva que usava o texto grego da Bíblia, que continha 46 livros. Portanto, com os
sete livros deuterocanônicos, não aceitos pelos judeus.
16
Apócrifos, literalmente significam “ocultos”, assim são chamados os livros que alguns tentaram introduzir
no cânon da Sagrada Escritura que não foram admitidos pela Igreja.
17
Papiro é uma planta que cresce nas margens alagadiças do Rio Nilo e o vale do Jordão. Dessa planta era
utilizada para construir barcas, cestos. Mas o mais importante é que esse material foi usado para fazer com
suas fibras do interior do seu talo sobrepostas e prensadas folhas que eram unidas uma às outras para poder
formar rolos. Sobre esses rolos se escrevia. Esse material é de pouca consistência.
18
Pergaminho – Pele de cabra, ovelha ou de outro animal, que é raspada e polida para servir de material de
escrita. Essa técnica de preparar o pergaminho foi inventada em Pérgamon (hoje Bergama, na Turquia). Daí o
seu nome. Em razão de sua durabilidade difundiu-se no mundo greco-romano. Os mais antigos códigos da
Bíblia são de pergaminho.

13
O conteúdo geral do Pentateuco é uma história de Israel que vai desde a criação do
mundo até a morte de Moisés. O Pentateuco não é um código moderno de leis, nem um
manual de história do provo de Israel. A Lei não é a simples expressão da vontade de um
povo organizado. É o fruto da Aliança divina, a expressão da vontade de Deus a respeito do
povo que ele elegeu. Os relatos históricos têm por finalidade descrever os momentos mais
marcantes desta eleição. Por isso, em Israel os códigos legais jamais tiveram existência
independente como nos povos vizinhos, mas sempre estiveram integrados na história da
salvação.
Nesta perspectiva, a Lei nasceu das lutas e das experiências de libertação do povo no
decorrer de sua história. Os Patriarcas e Moisés são os eixos para compreender seu sentido
e seu apelo para a vida de um povo livre e solidário. No centro da Lei está na manifestação
do Deus Vivo na história da libertação do seu povo. A figura central é Iahweh: o Deus Vivo
que liberta e dá vida. A Lei como manifestação de Deus, parte sempre dos oprimidos e dos
pobres. Visa sempre defender o direito dos pobres, do órfão, da viúva e do estrangeiro. Esse
“espírito” inspira e dinamiza o Decálogo e os diversos Códigos do Pentateuco.
1.2.2. Livro de Gênesis19 – Antes de começar a entender a mensagem ou o conteúdo
da Bíblia, devemos ter sempre presente o olhar da realidade da vida das pessoas que
fizeram experiência de Deus, que viveram sua história, nos deixou sua memória e sua
tradição para a posterioridade, na época em que viveram. Sem esse olhar da realidade
da vida do povo de Israel que viveu no passado, é o mesmo que manter o sal fora da
comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa. É como galho sem tronco, olhos
sem cabeça, rio sem leito.
Por que a realidade da vida é tão importante para a gente entender a Bíblia? Porque a
Bíblia não é o primeiro livro que narra as maravilhas de Deus, nem o mais importante.
O primeiro grande relato ou livro é a própria criação, a natureza, criada pela Palavra de
Deus; são os fatos, os acontecimentos, a história, tudo que existe e acontece na vida do
povo; é a realidade que nos envolve; é a vida que vivemos. O primeiro livro em que Deus
nos fala e se revela é a criação, a natureza, a vida do próprio ser humano, a sua consciência
que convida para fazer o bem e evitar o mal (Gn 2,17; 4,7) 20. Mas, pela desobediência, a
rejeição da proposta de Deus, pelo pecado, o homem passa a viver um mundo
desorganizado e cria uma sociedade tão egoísta, confusa e desorientada, que já não é mais
possível perceber claramente o apelo, a vontade de Deus que trazemos dentro da nossa vida
que vivemos. Por isso, Deus, a partir da revelação de seu amor e, da realidade e da vida do
povo que pecou, começa com a colaboração dos hagiógrafos a escrever um segundo livro
que é a nossa Bíblia.
Ora, este segundo livro ou a Bíblia não veio substituir o primeiro. A Bíblia não veio
ocupar o lugar da vida. A Bíblia foi escrita para nos ajudar a entender melhor o sentido da
vida que vivemos, e a perceber mais claramente a presença do próprio Deus através de sua
Palavra que está dentro da nossa realidade
Santo Agostinho (354-430) resumiu tudo isso da seguinte maneira: a Bíblia,
o segundo livro de Deus, foi escrita para nos ajudar a “decifrar o mundo”, para nos

19
Na Bíblia Hebraica, o primeiro livro recebeu o nome “No Princípio”. Na tradução grega dos Setenta
recebeu o título de “Gênesis”, porque narra a origem do mundo, dos homens, do mal (do pecado), do povo de
Deus e da vocação de Abraão.
20
São Paulo chega a comparar a comunidade de Corinto com uma carta de Cristo: “Vós sois nossa carta,
escrita em nosso coração, reconhecida e lida por todos...” (2Cor 3,2-3).

14
“devolver o olhar da fé e da contemplação”, e para “transformar toda a realidade numa
grande revelação de Deus”.
Feita esta observação, o livro de Gênesis, o primeiro livro da Bíblia, foi escrito para
tentar dar resposta aos grandes enigmas do ser humano: a criação do mundo, o universo,
a vida e a morte, o bem e o mal, o indivíduo e a sociedade, a cultura e a religião,
o sofrimento, a violência, o pecado e a história humana... Tais problemas recebem uma
resposta não teológica ou doutrinal, mas histórica, de acontecimentos, ou seja, descobrir
neles a presença divina. Mas essa história é soberanamente dirigida por Deus, para a
salvação de toda a humanidade. Nessa história da salvação entram as promessas de um
Deus que nos quer salvar. Uma história que caminha para o futuro através da liberdade e da
responsabilidade do ser humano, sempre sob o olhar misericordioso de Deus, que respeita a
liberdade do ser humano.
Devemos lembrar que a redação da Bíblia não é linear. Isto quer dizer, que ela não é
um ato contínuo e cronológico, começando da primeira página até a última frase. O livro de
Gênesis, assim como todo o Pentateuco, não é obra de único autor. Ao contrário,
é resultado de uma longa e complexa tradição literária. Por exemplo, o Livro de Gênesis,
que aparece na Bíblia como o primeiro, mas na verdade esse livro foi o último do
Pentateuco a ser escrito. Os primeiros textos escritos foram os mandamentos, a história de
Abraão e a narrativa do êxodo (saída do Egito). Pois na Bíblia, a história vai e volta.
O resultado final dos livros e textos foi uma verdadeira montagem para quem escreveu
a última versão.
Portanto, o livro de Gênesis, é um livro que tenta buscar o conhecimento das origens,
de tudo o que é criado e ao mesmo tempo quer saber a origem dos fatos da história.
Sobre a criação, temos diversas passagens ou relatos além do Gn 1,1–2,4a e, 2,4b–25: Sl 8;
19 (18), 1-7; 74 (73), 14-17; 89 (88), 10-113; 104 (103); Is 27,1; 51,9-10; Jó 26,12-14;
Sb 9 –10 etc.
A divisão do livro do Gn é muito simples: I. Origens (1,1–11,26); II. Histórias de
Abraão (11,27–25,18); III. Histórias de Isaac e de Jacó (25,19–36,43); IV. José e seus
irmãos (3–50).
1.2.3. Gênesis 1-11 – Esses capítulos contêm os relatos mais famosos da Bíblia, como
a criação, Adão e Eva, dilúvio, torre de Babel, e outros relatos que têm a função de colocar
o povo de Israel no contexto das nações. Neles o autor sagrado trata a origem do
universo, da cultura, da dispersão dos povos e da pluralidade das línguas. Através do relato
simbólico da entrada do pecado no coração do ser humano, este preferiu optar-se a si
mesmo como referência absoluta em vez de confiar em Deus, seu Senhor e Criador. Este
pecado de auto-suficiência se alastrou por toda a história da humanidade (cf. Gn 3–4).
O Gênesis não pretende ser um livro “histórico” com intenção científica no sentido
moderno do termo. Os fatos da vida dos patriarcas só interessam enquanto servem para
ilustrar o plano divino a respeito do ser humano.
Ao ler o Gênesis, o leitor encontrará tipos humanos universais bem caracterizados:
Adão e Eva, Noé, Abraão, Jacó, José, Sara, Rebeca, Lia, Raquel, etc. Em outras palavras,
cada personagem bíblico nos representa, isto quer dizer: cada um de nós em nossa vida é
um Adão, uma Eva, um Caim, um Abel, um Noé, um Abraão, um Jacó, um José... O que
eles viveram em suas vidas em suas épocas, também nós somos chamados a uma missão a
viver, a uma história de salvação que deve ser acolhida no nosso Hoje de Deus.

15
1.2.4. Os Patriarcas – Como o Gênesis é a porta de entrada da história da salvação,
da qual a Bíblia vai falar, ela remonta às origens do mundo e estende sua perspectiva
à humanidade inteira. Na perspectiva dos antigos, a história é uma sucessão de gerações, de
modo que contar a história é contar a história das famílias dos patriarcas.
Notemos que a geração humana transmite para cada novo ser a originalidade com que
Deus criou Adão: à imagem e semelhança de Deus (Gn 5,1-3). Por isso, na genealogia de
Adão (Gn 5,1-32), tem a finalidade de ligar o relato do dilúvio (Gn 6) com o relato das
origens. A extraordinária longevidade atribuída aos patriarcas antediluvianos tem lugares
paralelos na história dos reis babilônicos, onde os dez reis anteriores ao dilúvio viveram
milhares de anos de vida (a vida desses reis chegava até 30.000 anos). A relação dos nomes
não fornece uma lista completa nem as idades tem valor cronológico. São tentativas de
reconstruir o tempo anterior ao dilúvio, no qual se projetam as origens da humanidade.
Assim, a tradição bíblica, com dez nomes, de dez gerações, mede-se a história desde o
começo da humanidade até o dilúvio.
As idades legendárias não chegam nem de longe aos vinte e oito mil anos de alguns
reis da lenda acádica. Para a tradição bíblica (sacerdotal), os números servem apenas para
esquematizar um processo: antes do dilúvio os homens eram longevos; depois, pelo pecado,
com a rejeição da bênção divina por parte dos seres humanos a robustez de sua vida foi se
enfraquecendo.
Portanto, mesmo que esses nomes possam preservar memórias de pessoas que
realmente existiram, as listas não possuem valor histórico. Tanto na Mesopotâmia como em
Israel, elas são um substituto para a história e a tradição; são usadas como (estratégia
literária, ponto de ligação) “enchimento” para o longo período de extensão desconhecida
que se coloca entre a origem do homem e o começo da lembrança da história humana.
Ambos os conjuntos de listas revelam uma crença popular segundo o qual o homem
pré-histórico viveu uma idade muito avançada, o que não tem sido fundamentado em
nenhuma pesquisa da pré-história e deve ser considerado como uma crença popular e nada
mais. As idades dos patriarcas têm variações notáveis entre a origem hebraica, a tradução
dos LXX e o Pentateuco samaritano, embora as variações permaneçam na mesma ordem de
cifras e não se aproximam das cifras mesopotâmicas (pertencem aos antigos povos:
Babilônia e Assíria).
1.2.5. A vocação de Abraão – Na história dos patriarcas sobressai a figura de
Abraão. A história dele se perde na noite dos tempos. A vida de Abraão transcorre nas
dobras do tempo. Ele chega a Canaã cerca de 1850 antes de Cristo (Gn 12). É o único
personagem do Primeiro Testamento que é chamado de “amigo de Deus” (Is 41,8; Tg 2,23).
É, junto com Moisés, figura exponencial do AT. Deus, em Abraão e Sara, começa uma nova
história. No vazio ou nada (cf. Gn 1,1) da esterilidade de Sara, ressoa a Palavra do Senhor:
no princípio, criadora do universo; agora, criadora de uma nova história. Abraão é um
homem que obedece a Palavra de Deus. Em obediência à Palavra do Senhor ele se torna um
nômade. Sai por ordem Deus de sua terra, de Ur dos caldeus (no sul da Babilônia, hoje
Iraque) até a cidade Haran. De lá desceu a Palestina, entra no Egito e volta para Palestina,
onde morre na cidade de Hebron. A fé e a história de Abraão foram escritas conforme o
ideal da fé no tempo do autor. A história sobre Abraão foi elaborada e redigida, em épocas
sucessivas, nos séculos X, IX, VII e VI, sempre a partir da mentalidade e da fé dos
descendentes de sua época.

16
Portanto, estamos diante de um personagem histórico, o mais remoto antepassado do
povo de hebreu. O Evangelho o chama de “pai Abraão” (Lc 3,8; o nome de Abraão é citado
por 72 vezes no NT, inclusive por Jesus). Foi o homem que passou pela maior prova de fé,
por isso é conhecido como pai dos que crêem.
1.2.6. Oferenda de Isaac por Abraão – O Gênesis 22,1-19 nos apresenta o
impressionante e conhecidíssimo episódio em que Deus prova Abraão com assim chamado
sacrifício de Abraão. Os estudiosos bíblicos preferem chamar de, “amarração de Isaac” 21
e, não do “sacrifício de Abraão”.
Lido à luz da história das religiões, este capítulo registra a descoberta de que Deus
não quer sacrifícios humanos. O tema está presente e é condenado no AT: Lv 18,21; Dt
12,31; 2Rs 3,27; 16,3,17,31; 21,6; Jr 7,31; 32,35; Ez 16,20; 20,25; Sl 106 (105),38; Sb
14,23.
É intervenção de Deus, no princípio e no final, é o marco que envolve e ilumina
a narração. O relato envolve um profundo e misterioso silêncio e dramaticidade. A cena
revela grande suspense. O silêncio dos personagens fala mais que as palavras. O pouco
diálogo está carregado de duplo sentido. Tudo é solene. Tudo é importante. Trata-se do
filho único, filho querido Isaac22. Até o local do sacrifício e o dia se revestem de
expectativa e mistério: “país de Moriá23 (...). No terceiro dia... Abraão ergueu os olhos e
avistou o lugar ao longe” (Gn 22,2-4).
Na origem dessa cena do sacrifício pode-se encontrar aqui o relato de fundação de
santuário israelita, em que, diferentemente dos santuários cananeus, ofereciam-se vítimas
humanas. O relato atual justifica a prescrição ritual do regaste dos primogênitos de Israel:
estes, como todas as primícias pertencem a Deus, embora não devam ser sacrificados, mas
resgatados (Ex 13,11). O relato implica, portanto, a condenação muitas vezes pronunciada
pelos profetas contra os sacrifícios de crianças (Lv 18,21).
O autor define o relato como “uma prova”: Deus tira todas as seguranças de Abraão,
para lhe fazer sua promessa e entregar-lhe seu dom (Gn 12,1-9). Abraão é desafiado a estar
alerta, a fim de relacionar-se com Deus e criar uma nova história. Abraão como homem
enfrenta uma situação que o obriga a reagir livremente. Não mostra o que já é, mas o que se
faz, e o fazer-se por si já se mostra. Mas se prestarmos bem a atenção no decorrer do relato,
podemos perceber a atitude confiante de Abraão. No versículo 5, Abraão pede aos dois
servos que esperem no lugar em que tinham chegado, até que ele e menino voltassem da
adoração: “Permanecei aqui... Eu e o menino iremos até lá, adoraremos e voltaremos a
vós”. Outro elemento surpreendente encontra-se na resposta de Abraão ao menino: “Meu
pai!” Ele respondeu: “Sim, meu filho!” – “Eis o fogo e a lenha”, o retomou, “mas onde
está o cordeiro para o holocausto?”. Abraão respondeu: “É Deus quem proverá o
cordeiro para o holocausto, meu filho”. E foram-se os dois juntos” (Gn 22,7-8).

21
Esse episódio ou narrativa do sacrifício de Abraão pode ser entendido segundo o gênero literário por saga.
Este termo tem sua origem na raiz germânica a que se filia o alemão: sagen e o inglês to say, ‘dizer’, pelo
francês saga. Saga é designação comum às narrativas em prosa, agrupamento de histórias e tradições ao redor
de um personagem; porém, a pretensão está em explicar ou refletir acerca de algum problema ou questão
crucial para o grupo ou clã. Por exemplo, o relato de Adão e Eva no jardim do Éden e a expulsão do jardim
(Gn 2-3); a narrativa do assassinato de Abel, (Gn 4) e o sacrifício de Abraão.
22
Em hebreu, “Queira a divindade sorrir”, ou seja, o sorriso de Deus.
23
2Cr 3,1 identifica Moriá com a colina em que se edificou o Templo de Jerusalém (cf. o rodapé da Bíblia de
Jerusalém, Gn 22,2, na letra c).

17
Enfim, se lermos várias vezes esse episódio dentro do contexto do Pentateuco, em seu
conjunto, fica claro que a vontade do Deus Iahweh jamais quer a morte de Isaac. Bem
como, o patriarca Abraão, de maneira alguma, é uma figura de “um pai que quer matar seu
próprio filho. E muito mais, o pai da fé revela como quem confia na justiça de Deus,
mesmo no momento em que precisa temer a perda de quem mais ama.
Eis a grande lição desse relato: a vida é um dom de Deus, mas isso não significa que
ele exige para si a vida de suas criaturas (para serem sacrificadas), nem no passado nem no
presente. Esse relato é o melhor retrato da pessoa que crê em meio à escuridão da vida.
Abraão havia sido convocado a deixar o passado (Gn 12,1), confiando na promessa daquele
que o chamou, prometendo-lhe ter e descendência através de seu filho. Agora é chamado a
renunciar também o futuro, devolvendo a Deus o dom da promessa. Assim acabam todas as
seguranças para o velho patriarca. Deus age desse modo porque somente Ele é segurança,
ele que se mantém fiel até o fim.
No projeto de Deus, o ser humano não deve confiar em si mesmo e nas criaturas.
“Maldito o homem que confia no homem, que faz da carne a sua força, mas afasta seu
coração de Iahweh” (Jr 17,5). “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda
a tua alma e de todo o teu espírito” (Mt 22,37). “Aquele que ama pai ou mãe mais do que a
mim não é digno de mim. E aquele que ama filho ou filha mais do que a mim não é digno
de mim. Aquele não toma sua cruz e não me segue não é digno de mim. Aquele que acha
(ganhar, obter) a sua vida, a perderá, mas quem perde sua vida por causa de mim, a achará”
(Mt 10,37-39).
Dentro desse horizonte teológico, o ato de Abraão, aos olhos judaicos essa oferenda
de Isaac foi o clímax de uma vida de obediência a Deus e caridade para com os outros.
O fato de Isaac não ser oferecido foi considerado uma declaração da justiça de Abraão.
E assim, esse relato apresenta uma lição espiritual mais elevada: o exemplo da fé de
Abraão, que encontra aqui seu ponto culminante. Os padres da Igreja viram nesta cena (ou
relato) do sacrifício de Isaac a figura da Paixão de Jesus, o Filho único.
Para uma razoável compreensão da Sagrada Escritura, bem como o sentido desse
relato do episódio do sacrifício de Abraão, é preciso considerar o seu dinamismo e não
fechar-se num versículo ou num texto isolado destituído de relação com os demais textos e
com toda a Bíblia. Por isso, nunca se deve isolar os blocos temáticos, isto é fora do
conjunto da Bíblia. A própria Bíblia, pedagogicamente no interior de seu conjunto vai
esclarecendo o verdadeiro sentido de sua mensagem.
Portanto, encontramos nesse primeiro livro da Bíblia textos pertencentes
aos documentos ou tradições Javista, Eloísta e Sacerdotal. Estes textos antigos são escritos
entre os séculos X ou IX e VI a.C. Sua redação ou compilação final aconteceu pelo ano 400
a.C.
1.2.7. O Livro do Êxodo – Na Bíblia Hebraica, esse livro se chama “NOMES”,
porque começa relatando os nomes dos filhos de Jacó que desceram para o Egito.
É exatamente o que o diz o Livro do Êxodo 1,1: “Eis os NOMES...”.
Na Bíblia Grega (dos Setenta ou LXX), recebeu o título de “ÊXODO”, que significa
saída.
Este segundo livro do Pentateuco é chamado o Evangelho do Primeiro Testamento.
De fato, anuncia a boa-nova da intervenção divina que libertou um grupo de hebreus no
Egito, para formar deles uma nação santa (Ex 19,4-6).

18
No Êxodo encontramos alguns dos temas básicos da teologia bíblica, como a saída do
Egito (a Páscoa da libertação) e a travessia do mar Vermelho, a Aliança de Deus com o
povo no Sinai e a doação da Lei; a peregrinação pelo deserto e as murmurações do povo.
A leitura deste livro convida o leitor a responder a uma pergunta básica: “O Senhor
está ou não está no meio de nós?” (Ex 17,7). Com um olho nos acontecimentos de sua vida
e outro nas páginas do Êxodo, o leitor será capaz de se encontrar pessoalmente com o Deus
libertador, “compassivo, clemente, paciente, rico em misericórdia e fiel, que perdoa
as culpas...” (Ex 34,6s).
Portanto, os fatos narrados no livro Êxodo constituem objeto central da fé de Israel e,
consequentemente, orientam toda a sua vida. Podemos dizer que o Êxodo é o ponto central
de todo o Antigo Testamento. É o “Evangelho do Antigo Testamento”. Como os
evangelhos, o livro do Êxodo contém a Boa-Nova da libertação. A experiência fundamental
de Deus do povo de Israel é a experiência do Deus libertador. Sem essa experiência ou
intervenção de Deus no povo de Israel através da libertação desse povo com sua páscoa,
quem sabe não teríamos hoje uma história da Bíblia do Antigo Testamento.
1.2.8. O Livro do Levítico – O nome Levítico é posterior e artificial, pois se entende
pelo adjetivo o que pertence ao mundo sacerdotal ou clerical, e não se leve em conta
a distinção entre sacerdotes e levitas de que falam o Livro das Crônicas (cf. 1Cr 23,28-32).
Embora poucas, o Levítico contém também normas do âmbito civil ou leigo.
Na Bíblia Hebraica recebe o título “CHAMOU” como indica o livro do Levítico 1,1:
“Iahweh chamou”.
O Levítico está situado no centro do Pentateuco, como se fosse o coração da Lei.
Todas as leis nele recolhidas são consideradas como dadas por Deus no monte Sinai durante
a celebração da Aliança. Mas uma análise mais profunda mostra que o livro contém leis
muito posteriores, que foram reunidas e colocadas no contexto da Aliança do Sinal.
1.2.9. O Livro de Números – Na tradição hebraica, esse livro é denominado
“DESERTO” (Nm 1,1: “no deserto”), justamente porque narra a travessia do deserto pelos
israelitas. Porém na tradução grega, recebeu o nome de “NÚMEROS” por causa dos
recenseamentos apresentados, sobretudo nos capítulos 1– 4 e capítulo 26.
Mas pode se notar em todo o livro certa preocupação com números: Nm 7 (no
capítulo 7) contém o número exato das oferendas apresentadas pelos chefes das tribos; Nm
15 apresenta a medida das oblações e libações sacrificais; Nm 28–29, o número de animais
a ser imolado nas festas; Nm 35, as dimensões do território de cada tribo.
O livro de Números apresenta, pois, o Israel do deserto como o Israel ideal. Mas nem
por isso deixa de narrar as revoltas sob as mais variadas formas: murmurações, desânimo,
rejeição da mediação de Moisés, descrença, etc. Na teologia do autor, o deserto é o lugar
em que Deus habita e caminha com seu povo, mas é também o lugar do pecado,
da ingratidão, da revolta contra Deus.
1.2.10. O Livro do Deuteronômio – Na Bíblia Hebraica, esse livro é denominado
“Palavras” (“Palavras que Moisés disse a todo o Israel... [cf. Dt 1,1]). Esse é o último livro
do Pentateuco que recebeu na tradução grega o título de “DEUTERONÔMIO”, que
significa, exatamente, segunda (teuteros) lei (nomos).
O livro do Deuteronômio é formado por três discursos de Moisés, pronunciados em
Moab antes de sua morte. O objetivo dos discursos é confirmar a Aliança do Sinai.

19
1.2.11. O NOME DE DEUS – Dentro do contexto do estudo do Pentateuco, vamos
dedicar ainda algumas palavras sobre o Nome de Deus.
Na mentalidade antiga, o nome é uma parte importante da própria pessoa. Não é uma
mera designação externa. O nome é a própria pessoa. Conhecer o nome de alguém
significava ser íntimo, influir, ter poder sobre a pessoa. Por isso, os seres celestes não
gostavam de revelar o seu nome (Gn 32,30; Jz 13,17-18). O ser humano não pode descobrir
o nome divino, é Deus quem o revela.
Iahweh (YHWH) 24ou simplesmente JAVÉ é uma forma verbal derivada do verbo
SER (em hebraico bíblico HYH: ser, existir, aquele que dá ser, faz existir). É normalmente
traduzido por “EU SOU AQUELE QUE SOU”. Essa expressão não define a essência de
Deus, sua natureza íntima. Não é uma definição do mistério de Deus. Em hebraico, SER
não significa apenas existir, mas também estar presente, agir. Ao dizer que: “É AQUELE
QUE É”, Deus está dizendo qual o seu modo de agir. Ele é um Deus presente no meio do
seu povo, que conhece seus sofrimentos, que se compromete em libertá-lo. Deus não pode
ser conhecido por meio de definições, mas pela experiência de sua ação no mundo. O
Nome de Deus é, pois, um convite a descobrir sua presença e a ação na vida e na história
dos seres humanos.
Israel sempre teve consciência da importância e santidade do Nome divino. O Nome
é o próprio Deus. Assim prestar culto a Iahweh ou Javé é “invocar seu santo Nome; o nome
é o substituto da pessoa: “Salve-me, ó Deus, por teu Nome” (Sl 54 [53],3). “Buscá-lo-eis
somente no lugar que Iahweh vosso Deus houver escolhido, dentre todas as tribos, para aí
colocar o seu Nome e aí fazê-lo habitar” (Dt 12,5); “o Nome do Deus de Jacó te proteja”
(Sl 20 [19],2.
Podemos, assim, compreender o “segundo mandamento”: não usar o Nome de Deus
em vão. Seu Nome é santo e deve ser usado apenas no âmbito da santidade: oração, culto,
bênção, juramentos. Por isso, a palavra Iahweh nunca era pronunciada. Cada vez que
aparecia no texto sagrado, era trocado por outro termo como o Onipotente, o Bendito, o
Céu, o meu Senhor, ou simplesmente o Nome.
Quanto ao nome Iahweh, temos um caso curioso, no Gn, a sessão 2,4b–3,24, que faz
parte da tradição javista, é aí utilizado sistematicamente o nome divino composto “Iahweh
Eloim” (Iahweh Deus) que é muito raro. Este duplo título poderia ser o fato de uma revisão
tardia pela tradução grega. Esse procedimento é feito pela Bíblia de Jerusalém. As outras
tradições bíblicas para essa mesma sessão (Gn 2,4b–3,24), a Edição Pastoral usa a palavra
“Javé Deus”, a Bíblia do Peregrino e a tradução da CNBB empregam o termo “Senhor
Deus”, a Vulgata Latina usa a expressão “Dominus Deus”.
Fora da sessão do Gn 2,4b–3,24, nas outras passagens da tradição javista, as diversas
traduções bíblicas utilizam respectivamente o termo Iahweh, Javé, Senhor e Dominus.
Por fim, ao vocalizar o tetragrama (quatro letras: YHWH), os rabinos optaram pelas
vogais da expressão “meu Senhor”, em hebraico ADONAI. Assim, da junção das
consoantes YHWH e das vogais de ADONAI, surgiu a palavra YAHOWAI (nessa

24
Santa Sé pede que se omita termo “Javé”. Cidade do Vaticano, 11 de setembro de 2008 (ZENIT.org) – A
Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos enviou uma carta às conferências episcopais
do mundo sobre o nome de Deus, na qual pede que não se use o termo “Javé”, nas liturgias, orações e cantos.
Segundo a carta, a palavra “YHWH” é “uma expressão da infinita grandeza e majestade de Deus”, que se
manteve “impronunciável e por isso foi substituída na leitura das Sagradas Escrituras com o uso da palavra
alternativa ‘Adonai’, que significa ‘Senhor’. Este título de ‘Senhor’ torna-se “intercambiável entre o Deus de
Israel e o Messias da fé cristã”.

20
transcrição, feita na língua deles, o ‘a’ passou a ser ‘e’), em português JEOVÁ. Mas os
judeus nunca pronunciam Jeová e, sim, Adonai, porque lêem somente as vogais e não as
consoantes que são sagradas. Portanto, a palavra Jeová, usada por muitas denominações
não cristãs, é uma pronúncia errada da palavra hebraica.
1.3. Livros Históricos – Os livros de Josué, Juízes, 1 e 2 Samuel e 1 e 2 Reis formam
um bloco homogêneo, como se fossem um único livro, abrangendo quase setecentos anos
de história entre a conquista da terra prometida (1220 e 1230), a destruição de Jerusalém e
o exílio em 587 a.C. É chamada HISTÓRIA DEUTERONOMISTA, porque seus autores a
escreveram, tendo como base a teologia do livro do Deuteronômio, isto é, Deus não deu a
terra prometida a Israel sem nenhum compromisso da parte do povo, mas condicionou a sua
posse à observância da Aliança, isto é, os mandamentos.
Segundo a maioria dos especialistas bíblicos, a História Deuteronomista começou
a escrita na época do rei Josias pelo ano 560 a.C. Durante o exílio (587-538 a.C.), ela teria
sido revisada, ampliada e aprofundada.
1.3.1. O Livro de Josué – Josué, filho de Nun (Ex 33,11; Nm 11,28, da tribo de
Efraim (Nm 13,8), é o personagem principal do livro que tem como título, o seu nome.
Moisés mudou seu nome original, Oseias, para Josué, que significa “Deus é a salvação”
(Nm 13,16). A mudança de nome na Bíblia indica sempre uma nova missão na história da
salvação.
O objetivo do autor é essencialmente religioso. A entrada em Canaã é a realização da
promessa que Deus fizera a Abraão. O autor se preocupou em mostrar que verdadeiro
conquistador do país foi Iahweh.
1.3.2. O livro dos Juízes – Este livro compreende o período entre a morte de Josué
e a vocação de Samuel, que era profeta e juiz. O livro narra as façanhas de doze juízes.
Nenhum deles governou sobre todas as tribos, mas apenas sobre algumas. Também não
governaram na ordem apresentada no livro.
Os “juízes” foram líderes carismáticos suscitados por Deus para salvar os filhos de
Israel da opressão de outros povos. Daí também a origem do nome do livro. Foram
comandantes ocasionais, munidos de poderes militares e civis para libertar uma ou mais
tribos de uma situação de opressão. Alguns deles exerceram uma autoridade absoluta, quase
como um monarca.
1.3.2.1 Juízes menores – São seis juízes menores: Samgar (Jz 3,31), Tola (Jz 10, 1-2),
Jair (Jz 10, 3-5), Abesã (Jz 12,8-10), Elon (Jz 12,11-12) e Abdon (Jz 12,13-15). Não lhes é
atribuído nenhum ato salvador. Apenas se menciona seus nomes, tribos e se diz que
“julgaram” sobre Israel por determinado tempo.
1.3.2.2. Juízes maiores – São também seis: Otoniel (Jz 3,7-11), Aod (Jz 3,12-30),
Barac - Débora (Jz 4,1–5,31)25, Gedeão (Jz 6,1–8,35), Jefté (Jz 10, 6–12,7) e Sansão (Jz
13,1–16,31). Esses são heróis libertadores e suas façanhas são contadas com mais detalhes.
O livro dos Juízes afirma que as derrotas diante dos outros povos e a perda do
território são consequências das infidelidades do povo. A fidelidade produz sempre
a garantia da proteção divina. Todavia, a Aliança continuava sempre válida apesar dos
pecados do povo. Deus sempre é fiel. Eles enviavam os juízes para libertar seu povo.

25
É uma dupla de nomes significativos: Débora (= abelha) é a mulher valente e decidida; Barac (= raio) é o
homem indeciso; a mulher é profetisa e possui a palavra de Deus; o homem é militar e desanimado.

21
1.3.3. Os Livros de Samuel – Esse título é impróprio porque Samuel não escreveu
esses livros e também não é o personagem principal. Samuel ocupa lugar de destaque
apenas nos primeiros quinze capítulos (1 Samuel 1–15).
Originalmente, os dois livros de Samuel formavam uma única obra. A divisão atual
em dois livros foi introduzida no século III a.C., quando na tradução grega, chamada dos
Setenta, foram utilizados dois rolos de pergaminho de tamanho quase igual. Essa divisão
em dois livros acabou por ser aceita também na Bíblia hebraica a partir do século d.C.
Além disso, a Bíblia grega, esses dois livros foram unidos aos dois livros dos Reis
e receberam o nome comum de Livro dos Reis. Mas essa divisão é artificial. Por isso, mais
tarde, esses livros passaram a ser denominados pela Bíblia hebraica e a católica 1 e 2 de
Samuel e 1 e 2 dos Reis.
Samuel é conhecido como profeta e descrito como um juiz de Israel (1Sm 1–17).
O conteúdo desses dois livros trata basicamente as pessoas que sucessivamente governaram
Israel: o profeta Samuel e os reis Saul e Davi.
1.3.4. Os livros dos Reis – O título “Livro dos Reis”, atribuído por São Jerônimo ao
fazer a tradução latina da Vulgata, é bastante apropriada porque os dois livros contêm
a história dos reis de Judá e Israel desde a morte de Davi (pelo ano 960 a.C.) até
a destruição de Jerusalém e o exílio na Babilônia (587 a.C.), ou seja, por um espaço de 400
anos.
Originalmente formavam um único livro. A divisão em dois volumes foi introduzida
pelos tradutores gregos no século III a.C. Era costume na época dividir em duas partes mais
ou menos iguais os escritos muito longos e que não cabiam em um único rolo de
pergaminho. A divisão em dois volumes é arbitrária, pois divide ao meio os dois anos
do reinado de Ocozias (1Rs 22,52-54 e 2Rs 1,17-18).
A história dos reis de Israel e de Judá (em torno de 40 reis), estão os ciclos dos
profetas Elias (1Rs 17,1–2Rs 1,18) e de Eliseu (2Rs 2,1–8,29).
Provavelmente, esses livros começaram a ser escritos durante a reforma religiosa do
rei Josias (620 a.C.) e foram concluídos durante o exílio (586-538 a.C.).
O autor (ou autores), portanto, quer demonstrar que Israel, com seus reis, não foi fiel
à Aliança e que Deus sempre se mostrou fiel e paciente diante da infidelidade de seu povo.
1.3.5. Os Livros das Crônicas – Na Bíblia hebraica esses dois livros são chamados
“fatos dos dias”, ou seja, anais ou crônica. A Bíblia dos Setenta (ou LXX) deu-lhes o nome
de “Paralipômenos, que significa Primeiro e Segundo livros das “coisas que foram
omitidas” nos livros de Samuel e dos Reis. São Jerônimo chamou-os de “crônicas de toda
história divina”.
O ponto central de toda essa obra é o Templo de Jerusalém. O primeiro templo foi
idealizado por Davi. Ele não construiu, mas adquiriu o lugar onde seria construído,
fez projetos, comprou os materiais (1Cr 22; 28–29) e também organizou todo o culto
litúrgico (1Cr 23–26). A construção do Templo toma praticamente todo o reinado de
Salomão.
1.3.6. Os Livros de Esdras e Neemias – Os Livros de Esdras e Neemias são
a continuação lógica dos Livros das Crônicas. Ao trazer seu povo de volta do exílio na
Babilônia, Deus mostrou sua fidelidade na promessa de dar a terra aos descendentes de
Abraão. Esdras e Neemias foram os instrumentos de Deus na reconstrução do povo judeu.

22
Os dois livros se inserem nos primeiros cento e cinquenta anos do império persa
e descrevem, de modo fragmentário e história não contínua, o retorno dos exilados,
a reconstrução de Jerusalém e do Templo e o surgimento da nova comunidade judaica.
Para o autor, os pontos principais são: a reconstrução do Templo, a reedificação de
Jerusalém e, sobretudo, o restabelecimento da Lei. Para o Cronista, o fator de unidade dos
judeus espalhados por várias nações é a Lei de Deus lida e promulgadas por Esdras. Lei que
exige a unidade de Deus e de seu culto no Templo de Jerusalém.
Em 445 a.C., Neemias (Iahweh consola), um judeu, alto funcionário da corte persa,
recebeu de Artaxerxes I (464-424) a permissão para reedificar as muralhas de Jerusalém 26.
Neemias permaneceu na Judeia por doze anos, retornando para Pérsia em 433 a.C. Algum
tempo depois voltou pela segunda vez para Jerusalém e tomou severas medidas
reformadoras. E Esdras chegou a Jerusalém no sétimo ano de Artaxerxes I, isto é, em 459
a.C. Este foi “pai do judaísmo antigo”. Isso aparece, sobretudo em Ne 8–9. Esdras parece
ter sido quem organizou a religião do “resto de Israel” – os judaítas (judeus) na Palestina e
os demais israelitas na diáspora – em torno da Tora (a Lei, a Instrução) de Moisés, agora
recolhida nos “cinco rolos” que conhecemos até hoje, o Pentateuco.
1.3.7. Os livros dos Macabeus – Primeiramente, a palavra “Macabeu”, em aramaico,
significa “martelo”. Era o apelido dado apenas a Judas, o terceiro filho do sacerdote
Matatias e principal herói na luta contra Antíoco IV, rei da Síria. Com o passar do tempo,
esse apelido foi aplicado a todos os membros da família de Judas, inclusive seu pai,
Matatias.
Existem quatro livros sob o título de “Macabeus”. Mas apenas os dois primeiros
foram aceitos pela Igreja como canônicos, isto é, inspirados. O terceiro e o quarto são
considerados apócrifos.
Os livros 1 e 2 Macabeus não fazem parte da Bíblia hebraica, mas estavam na Bíblia
grega. Foram aceitos na Igreja Católica depois de muita discussão. Por isso, são
considerados “deuterocanônicos”. Em todas as traduções da Bíblia em português, são
colocados logo depois dos livros de Ester, fechando os livros históricos. Mas na TEB
(Tradução Ecumênica da Bíblia) estão entre os deuterocanônicos, no final do Antigo
Testamento.
1.3.7.1. O Primeiro Livro dos Macabeus – Este livro compreende um período
de quarenta anos, entre a subida de Antíoco IV ao trono selêucida (175 a.C.) e a morte de
Simão, último dos macabeus (134 a.C.).
A data mais provável de composição do texto é pelo ano 100 antes de Cristo.
Podemos dizer que o livro é um canto de vitória dos judeus que lutaram por sua
identidade e independência com o heroísmo de seus mártires e a audácia de seus guerreiros.
A identidade nacional é a fidelidade às tradições patriarcais e à Lei Mosaica.
1.3.7.2. O Segundo Livro dos Macabeus – O Segundo Livro dos Macabeus, não
obstante o número progressivo, não é a continuação do Primeiro Livro dos Macabeus.
É uma obra independente, que narra apenas uma pequena parte dos acontecimentos
descritos no primeiro livro. Compreendendo um período de tempo de apenas quinze anos,

26
Neemias foi um homem prático, ativo, mas também de oração. Deixou o sacerdote Esdras no comando e
voltou à Pérsia. Quando retornou a visitar Jerusalém, vários anos mais tarde, verificou-se que o povo violava
as leis de Deus e sentiu a necessidade de exortá-lo a obedecer a Deus (cf. Ne 13,4-31).

23
entre a morte de Seleuco IV, antecessor de Antíoco IV, em 175 a.C., e a vitória de Judas
Macabeu sobre Nicanor, general de Demétrio I, em 160 a.C.
Quanto à data de composição, propõe-se o final do século II a.C., depois de 124 a.C.,
data da primeira carta transcrita pelo autor no início do livro (2Mc 1,10).
E mais, a esperança na ressurreição fez com que Judas Macabeu mandasse oferecer
sacrifícios no templo de Jerusalém pelos soldados mortos durante uma batalha. O objetivo
do sacrifício é pedir a expiação dos pecados dos falecidos (cf. 2Mc 12,43-45). Assim, o
livro ensina a importância da oração dos vivos em favor dos mortos. Também é ressaltada
a intercessão dos santos, isto é, dos que já morreram. Por isso, o autor apresenta o sacerdote
Onias, já morto, orando por todo o povo Judeu (2 Mc 15,12ss). Há uma profunda
comunhão entre os justos desse mundo e os falecidos.
1.3.8. Quatro Histórias edificantes – Os livros de Rute, Tobias, Judite e Ester, embora
colocados entre os Livros Históricos na Bíblia grega (dos Setenta) e latina (Vulgata), na
realidade não são livros históricos, mas didáticos ou edificantes. Todavia, contêm nexo com
a história real. É uma inteligente releitura da história que permite iluminar a situação
presente dos leitores.
São classificados como “Midrash”. Esse termo significa procurar, no sentido de
estudar, explicar. O fato ou o texto bíblico é retomado, não com intuito histórico, mas com
o objetivo didático, de ensinamento religioso para iluminar e guiar o presente. Seu objetivo
é mais edificar do que contar a história.
Para não delongar demais, vamos dar somente a ideia central de cada livro:
Rute – É um pequeno livro que narra as aventuras de uma moabita que se tornou
bisavó do rei Davi. Quanto à composição do livro de Rute, a maioria dos biblistas prefere
datá-lo no século III a.C. A maioria das traduções da Bíblia coloca o livro de Rute depois
dos livros dos Juízes.
Tobias – É um pequeno romance sapiencial, ambientado na época do exílio, que
exalta a fidelidade a Deus, mesmo nos momentos de grandes dificuldades. Tobit é um
personagem fictício e não é autor do livro. A obra foi escrita pelo ano 200 a.C.
Judite – É uma narrativa, ambientada antes do exílio, na época de Nabucodonosor,
rei dos babilônios, descreve como uma bela mulher, graças à sua confiança em Deus,
conseguiu derrotar um exercito. O livro de autoria judaica anônima, escrito na Palestina, no
final do século II a.C. e no início do I a.C.
Ester – Esta pequena obra descreve um fato da época persa que deu origem à festa
dos purim (festa com que os judeus celebram a libertação do perigo de extermínio no tempo
do rei Xerxes da Pérsia [485-465], segundo se conta no livro de Ester 3,7; 9,18). Com muita
probabilidade o texto hebraico foi escrito no século III a.C. Os acréscimos em grego são do
século II a.C.
A Bíblia hebraica contém apenas os livros da Rute e Ester, ambos colocados na
terceira parte, entre os Escritos.
1.4. Livros Sapienciais – A sabedoria na Bíblia se esparrama numa categoria de
livros chamados livros sapienciais que são os seguintes: Jó, Salmos, Provérbios,
Eclesiastes, Cânticos dos Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico. Cada um desses sete livros
possui uma dinâmica própria e foi escrito em espaços e circunstâncias diferentes.
Os sapienciais falam mais da vida do que de Deus. Neles está registrada a lógica da
existência humana, para que ninguém se esqueça dela. Nos livros sapienciais encontramos
o mistério e a profundidade da vida, as contradições do cotidiano, aquilo que muitas vezes

24
nos acompanha a vida toda, mas que muitos de nós precisamos de cinquenta ou sessenta
anos para entender, outros não aprendem nunca e alguns somente aprendem quando estão
na beira do túmulo. É por isso que dizemos que os idosos são mais sábios que os jovens.
É evidente, eles viveram mais tempo para degustar desta universidade chama vida. Tiveram
mais tempo para ruminar, repensar, contemplar e concluir a partir da experiência e não
somente a partir de conceitos acabados.
A revelação de Deus, antes de estar escrita em livros, passa pelo crivo da realidade,
que se torna sabedoria, e se torna depois escritura e ilumina gerações. É isso que os livros
sapienciais querem nos mostrar: Deus presente nas graças e também nas desgraças da vida;
Deus fazendo parte da condição humana; Deus inculturado na sabedoria e na realidade do
seu povo.
Os temas tratados nos livros sapienciais são os temas da vida: saúde, educação,
relações humanas, comportamento, amizade, política, dinheiro, provérbios, namoro e tudo o
mais. É nisso que Deus se revela. É o Deus da vida se mostrando na vida.
1.4.1. O livro de Jó – A obra prima da literatura do movimento sapiencial é o livro de
Jó. Este livro é um tratado existencial sobre o mistério do sofrimento e a condição humana
de finitude. Provavelmente, o específico personagem Jó, do livro de Jó, é um herói lendário
ou folclórico dos tempos antiqüíssimos, por volta do ano 1000 a.C. (cf. Ez 14,14.20)27. O
autor serviu-se dessa velha história para enquadrar no seu livro.
O Livro de Jó de quarenta e dois capítulos é assim um poema didático, que se baseia
possivelmente nalgum conto popular, que pode ter fundo histórico. Muitos o consideram
alegoria (em linguagem bíblica emprega-se essa palavra para expressar realidades em
formas de imagens: Jesus é o bom pastor; e nós somos os ramos). A obra é justamente tida
como uma das mais belas da literatura universal. Há um livro apócrifo denominado
Testamento de Jó.
Mas na história concreta e real nunca existiu, isto é, existiu, existe e existirá sempre,
enquanto houver sofrimento sem explicação lógica. Jó somos nós todos, que participamos
do teatro da vida, das tragédias e das comédias, e que no final, quando as cortinas se
fecham, mesmo arranhados, cansados e machucados, dizemos: valeu a pena.
Jó critica a falsa imagem de Deus nessa antiga visão religiosa; procura a verdadeira
imagem do Deus da Vida, justo, misericordioso, o defensor da vítima inocente (Jó 19).
Jó termina com a confissão de sua inocência. Sua defesa é a manifestação do processo
de integração no qual vive o justo em comunhão com Deus. Jó é justo no passado (Jó 29),
no presente (Jó 30) e no futuro (Jó 31). Sua justiça é um dom de Deus justo e
misericordioso que restaura a integridade de Jó e dele faz uma pessoa realizada e feliz.
Para entender o contexto do livro de Jó é preciso remontar à época depois da
catástrofe de 587 a. C., quando os judeus exilados em Babilônia tinham perdido tudo. Sua
perplexidade levava alguns a perder toda crença no valor da existência e a questionar até
sua fé na justiça de Deus. Servindo-se da bem-conhecida história do infeliz Jó (Ez
14,14.20), um poeta da segunda geração do exílio (cerca de 575 a. C.), nutrido das obras
dos profetas e dos ensinamentos dos sábios, compôs o poema (Jó 3,1–31,40; 38,1–42,6),
com uma finalidade pastoral e profética, semelhante à do seu predecessor Ezequiel (cerca
de 592-580 a. C.). Este poeta traz à cena o herói, que sofria sem causa aparente, e três de

27
Jó figura entre os três heróis populares, que a tradição israelita conhecia bem: Noé, cuja lembrança é
conservada pelos relatos de Gn 6-9; Jó cuja lenda devia inspirar um dos mais belos poemas bíblicos;
finalmente Daniel, desconhecido da Bíblia (exceto Ez 28,3).

25
seus amigos, tentando discutir poeticamente o valor da existência e os direitos do homem à
justiça, humana e divina (Jó 31,35-37). O próprio Deus oferece ao herói ocasião de
defender-se e de condenar a conduta divina (Jó 40,8-14), mas Jó recusa-se a aceitar o
desafio e simplesmente se arrepende da sua presunção (Jó 42,1.6).
O livro é posterior a Jeremias e a Ezequiel. A data mais indicada, mas sem razões
decisivas, é o começo do século V antes de nossa era.
1.4.2. Os Salmos – A palavra salmo vem do grego Psaltérion, propriamente nome de
instrumento de cordas dedilháveis, como a harpa, que acompanhava os cânticos,
os salmos28 se apresentam como uma coleção de cento e cinquenta salmos. Também
chamado de coletânea dos “Louvores”, “Livro dos Hinos”. A enumeração dos salmos em
diversas traduções bíblicas não coincide. Isto pode criar uma pequena dificuldade para
localizá-los. Há salmos que formam unidade, mas estão divididos em dois, como 9–10 e
42–43. No salmo 9–10 a numeração grega se separa da hebraica e continua com um número
a menos até coincidir de novo no Sl 14729. Foi dito, com razão, que o Saltério é uma síntese
de todo o Primeiro Testamento. É o coração do Primeiro Testamento. Daí a necessidade de
ler os paralelos no seu contexto próximo e na sua relação com o salmo.
1.4.2.1. Divisão dos Salmos em forma de Pentateuco – A grande coleção se divide em
cinco coleções ou livros desiguais, como uma espécie de Pentateuco da oração: 1–41
(1° livrinho); 42–72 (2° livrinho); 73–89 (3° livrinho); 90–106 (4° livrinho); 107–150
(5° livrinho). Estes cinco livros foram separados por curtas doxologias 30: 41,14; 72,18-20;
89,53; 106,48. O salmo 150 serve de longa doxologia final do livro inteiro do Saltério. Esta
última doxologia convida todos os instrumentos musicais e todos os seres vivos a louvar
a Iahweh. Enquanto que o Sl 1 é como que um prefácio para dar início ao conjunto. É o
acréscimo de hagiógrafos eruditos, que deram forma final ao Saltério.
Nota-se, também, a existência de grupos de salmos que diferem entre si pela
preferência que dão a um ou outro dos nomes dados a Deus – seja ao nome específico do
Deus de Israel (o tetragrama sagrado YHWH: Senhor): 3–41; 90–150 são os salmos
javistas, seja o nome comum Elohim, isto é Deus, Sl 42–83 são salmos eloístas. É possível
identificar também vários grupos internos, que não é o caso de analisar aqui.
Quanto à antiguidade dos salmos, só sabemos que os primeiros fragmentos escritos
que se tem notícia, são os salmos 19,2-7; 29; 68; 82 e 136.
Na Bíblia hebraica, quase todos os salmos trazem um título que indica o autor,
a circunstância e uma instrução musical. Os Salmos são obras de eruditos, que tentaram
muitas vezes situar historicamente o salmo original. Por isso, muitos peritos não os
consideram. Outras tradições oferecem títulos diferentes.
Hoje é corrente a classificação salmos por gênero literário. O gênero é definido pelo
tema, desenvolvimento, recursos formais e pela situação em que nasce ou para o qual o
salmo foi composto, ou seja, a intenção do compositor.

28
É importante ressaltar aqui o forte aspecto comunitário que se manifesta através de diálogos, coros,
estribilhos, aclamações, responsórios, como Amém! Aleluia! A participação coletiva é conduzida também por
cortejos, procissões, espetáculos: danças, aplausos, genuflexões, prostrações.
29
Diversas Bíblias apresentam uma numeração diferente; a numeração maior é sempre o da Bíblia hebraica. O
número menor, da Bíblia grega, normalmente é colocado entre parênteses, por exemplo, Sl 39 (38).
30
Doxologia é uma forma litúrgica que arremata as grandes orações católicas (hinos, preces, versículos
salmodiais) em que se glorifica a grandeza e a majestade divina.

26
1.4.2.2. Valor espiritual – Não é preciso alongar-nos, tão evidente é a riqueza litúrgica
e religiosa dos salmos. São verdadeiras orações. Os salmos são louvor e aclamação ao Deus
Vivo. Neles, exalta-se o nome glorioso do Senhor. A simples invocação do nome do Senhor
já constitui verdadeira oração. No AT, dá-se grande importância ao nome do Senhor:
“Nosso auxílio é o nome do Senhor que fez o céu e a terra” (Sl 124,8). “Ó Senhor, abre os
meus lábios, e minha língua anunciará o teu louvor” (Sl 51,17).
Portanto, foram compostas para serem rezadas. São preces do Primeiro Testamento,
o próprio Deus inspirou e confirmou com sua graça os sentimentos que seus filhos devem
ter a seu respeito e as atitudes de que devem ter ao se dirigirem a ele. Foram recitados por
Jesus e por Maria, pelos apóstolos e pelos primeiros mártires. A Igreja cristã fez deles, sem
alteração, sua prece oficial. Sem mudar a inspiração: aqueles gritos de louvor, de súplica ou
de ação de graças, arrancados aos salmistas nas circunstâncias de sua época e de sua
experiência pessoal, têm caráter universal, pois exprimem a atitude que todo homem deve
ter diante de Deus.
O aspecto fundamental presente nessas preces do homem do Primeiro Testamento é a
confiança em Deus e a dimensão do diálogo ou coloquial do salmista. Raras vezes
a situação desses salmos é histórica, geralmente é simbólica. Pode ser real ou de imitação
literária ou estilizada.
O primeiro e grande desafio consiste em definir quem pronuncia o salmo na intenção
original. Mais ainda, dentro de alguns salmos falam diversos personagens, e é preciso
identificar suas vozes, por exemplo, Sl 2; 27; 55. Passa o tempo, e outros pronunciam
o salmo em circunstâncias novas, com outro horizonte mental31. E assim acontece
a transformação profunda, sem mudar o texto, quando Jesus os pronuncia, quando
os entrega à sua Igreja. É interessante aqui, chamar a atenção, como os antigos distinguiam:
Jesus Cristo pode pronunciar um salmo como Deus, como homem singular, como cabeça da
Igreja. Na Igreja podem-se distinguir a comunidade e o indivíduo, a terrestre e a celeste.
Para rezar sinceramente, é preciso apropriar-se do salmo. Ou seja, de seus
sentimentos e de sua expressão. Às vezes sentimentos alheios, por compaixão, por
experiência vicária (que faz às vezes do outrem, substituto): por exemplo, Sl 88, o salmo de
um moribundo. A expressão é inteiramente linguagem concreta, rica, simbólica. Às vezes
o salmo dá expressão a sentimentos já existentes; outras vezes a recitação nos comunica os
sentimentos adequados, despertando-os.
No Novo Testamento, os salmos ocupam um lugar privilegiado: são citados mais de
100 vezes. Na verdade as antigas súplicas do Saltério se tornam mais ardentes depois que a
Última Ceia, a Cruz e a Ressurreição ensinaram ao ser humano o amor infinito de Deus,
a universalidade e a gravidade do pecado, a glória prometida aos justos. As esperanças
cantadas pelos salmistas se realizam em Cristo32.
Sobre a excelência dos salmos, Santo Ambrósio (339-397) diz o seguinte: “Embora
toda a divina Escritura exale a graça de Deus, o mais suave é o livro dos salmos... Que de

31
Quanto a isso, não devemos nos esquecer: os salmos são realidade viva. Gerações e gerações, através de
vários séculos (em torno de 1.000 anos), “recitaram” esses cantos, sem deixar de repeti-los: os fiéis os
reviviam, harmonizando-os com as próprias circunstâncias; ademais, devido à sua vinculação com o culto, os
salmos foram atualizados na liturgia, foram, por assim dizer, reeditados em função das circunstâncias novas.
Antigamente não se entendia o conceito de autor e a propriedade literária com o mesmo rigor de hoje.
32
Aparece no total dos quatro evangelhos sinóticos 95 referências assim distribuídas nos evangelhos (Mt: 49
referências; Mc: oito referências; Lc: 17 referências e em Jo 21 referências). Só no Magnificat, Lc 1,46-55 há
cinco referências de salmos. O livro de Atos tem 20 referências de salmos.

27
mais agradável que um salmo? Davi já bem dizia: ‘Louvai ao Senhor, porque é bom o
salmo; a nosso Deus, alegre e belo louvor’.. e é a verdade; o salmo é bênção para o povo, a
glória de Deus, louvor da plebe, aplauso de todos, palavra do universo, voz da Igreja,
canora confissão da fé, devoção cheia de valor, alegria da liberdade, clamor do regozijo,
som da alegria”33
A Igreja, através da reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, deu lugar de destaque
aos salmos, introduzindo na Missa o Salmo de Reposta (Responsorial) entre as leituras.
Pelo fato de serem inspirados, os salmos fazem parte daquela linguagem sublime com que o
próprio Espírito Santo intercede por nós, como escreveu São Paulo em Rm 8,26. Por isso a
Igreja fez dos salmos o núcleo de sua oração oficial, com a qual se santificam os diversos
momentos do dia, a assim chamada “Liturgia das Horas”.
1.4.3. O Livro dos Provérbios – O Livro dos Provérbios é uma coleção de coleções,
como mostram os subtítulos, que atribuem às respectivas partes ora a Salomão
(Pr 10,1; 25,1)34, ora a Agur (Pr 30,1), ora a Lamuel (Pr 31,1), ora aos “sábios” (antigos).
É uma obra didática, destinada a ser decorada, ao uso dos jovens das famílias honradas.
O livro dos Provérbios foi composto no reinado do rei Ezequias, rei de Judá,
no Reino do Sul, conforme podemos conferir no próprio livro (Pr 25,1). Os provérbios são
a fina flor de uma sabedoria popular confirmada por séculos e gerações.
A maioria dos provérbios, na Bíblia ou fora dela, não possui autor definido, ou seja, a
autoria é a cultura do povo, a vida do povo. Provérbios são verdades cristalizadas que
fazem sentido para a cultura e são pronunciados e escritos por quem quiser, inclusive, nos
dias de hoje, escritos nos pára-choques de caminhões. Assim são os provérbios bíblicos.
Existem provérbios sobre qualquer aspecto da vida, amargos e doces, alguns fazem
sentido para nossa cultura, outros menos, mas para aquele povo da Bíblia, nas
circunstâncias deles, era aquilo que mais fazia sentido, expressado no linguajar popular.
São atribuídos a Salomão (Pr 1,1) que, no dizer de 1Rs 5,12, “pronunciou três mil
sentenças” e que foi sempre considerado como o maior sábio de Israel. É impossível datar
os provérbios, por causa do seu caráter anônimo e de unidades minúsculas. O fato de
Salomão ter dado impulso à produção de provérbios pode ser realidade ou pura lenda.
Portanto, abstraindo desse testemunho da tradição, o tom dos Provérbios é por demais
anônimo para ser atribuído com segurança a esse rei. Porém não há razão para duvidar de
que o conjunto dos provérbios remonte a sua época.
1.4.4. O Livro do Eclesiastes – Este livro tem como autor alguém que era muito
engajado em sua comunidade, ouvia tudo o que todos falavam, duvidava de muita coisa,
fazia muitas perguntas sobre os grandes temas e os mistérios da vida, e no final se
transformava em filósofo, conselheiro, sábio e escrevia. No final da vida, nos igualaremos
todos na morte, ricos e pobres, poderosos e humildes, e não sobrará nada daquilo que
acumulamos.
O livro inicia assim: “Palavras de Coélet, filho de Davi, rei em Jerusalém” (Ecl 1,1).
Esta é uma simples ficção literária que quer identificar o autor com Salomão, o sábio por
excelência. “Coélet” não é um nome próprio. É um ofício e designa aquele que fala na
assembleia (em hebraico qahl), em grego ekklesia, em português: pregador).

33
Santo Ambrósio, Liturgia das Horas - Ofício das leituras - sexta-feira e sábado da 10ª Semana do tempo
comum.
34
A coleção principal dos provérbios parece vir da corte de Salomão, destinada a educar os príncipes.

28
A autoria dessa obra é um judeu da Palestina, provavelmente de Jerusalém. Escreve
em hebraico tardio, cheio de aramaísmos. Sua composição se situa pelo ano 150 a.C.
1.4.5. O Livro do Cântico dos Cânticos – O Cântico dos Cânticos, isto é, o Cântico
por excelência, o mais belo Canto, celebra o amor mútuo de um Amado e de uma Amada.
É um pequeno poema, escrito com apenas 1.250 palavras hebraicas. A obra é um hino
de louvor ao amor humano, com seu encantamento, sonhos e beleza. O amor humano, que é
o eixo ao redor do qual gira a composição, pode tornar-se o modelo do relacionamento
entre Deus e o ser humano. O simbolismo nupcial, como é sabido, foi adotado pela tradição
profética para reinterpretar a categoria teológica da Aliança entre Iahweh e Israel (Os 1–3;
Jr 2,2; 3,1ss; Ez 16; Is 54; 62,1-5). O nome Iahweh só parece uma vez sob forma abreviada
e adjetiva, em Ct 8,6: “uma chama de Iah (weh)” ou “suas chamas são chamas de fogo, uma
faísca de Iahweh”. Foi nessa interpretação que o Cântico dos Cânticos foi aceito no cânon
das Escrituras.
O Rabi Aquiba (+ 135 d.C.) afirmou: “O mundo inteiro não é digno do dia em que o
Cântico dos Cânticos foi dado a Israel. Todos os livros da Bíblia são santos, mas o Cântico
dos Cânticos é o mais santo de todos”.
Quanto à origem de sua composição, pode-se, todavia, falar aqui de uma coletânea de
cantos de amor, de uma espécie de repertório de circunstância para a celebração de
matrimônio (cf. Jr 7,24; 16,9).
Por fim, o conteúdo deste Cântico pode se aplicar as relações do Cristo Jesus com sua
Igreja ou em particular com cada um dos fiéis. Essa obra foi composta depois do exílio
babilônico, no século V a.C., mas o material nela recolhido, principalmente canções de
amor, pode ser bem mais antigo.
1.4.6. O Livro do Eclesiástico – Este livro foi transmitido na Bíblia grega, latina e
siríaca, mas não figura no cânon hebraico. Foi escrito por um homem chamado Jesus de
Sirac, aproximadamente duzentos anos antes de Cristo. Jesus era um nome próprio comum
e Sirac era o nome do pai dele. É do termo “eclesiástico” que derivou mais tarde a palavra
ecclesia, de onde vem Igreja, não no sentido de templo, mas de assembleia reunida,
povo reunido por Deus.
É um livro cujos temas também são a sabedoria popular e conselhos dos mais
diversos. Um livro longo, com cinquenta e um capítulos, que era muito lido pela
comunidade do autor, Jesus de Sirac. O último capítulo é uma bela oração escrita por
próprio autor.
1.4.7. O livro da Sabedoria – Muitas vezes chamado simplesmente Livro da
Sabedoria na tradição latina este livro foi escrito inteiramente em grego. O autor real
é certamente judeu, cheio de fé no “Deus dos Pais” (Sb 9,1), orgulhoso de pertencer ao
“povo santo”, à “raça irrepreensível” (Sb 10,15), mas é um judeu inculturado no mundo
grego.
Cita a Escritura segundo a tradução dos Setenta (tradução grega), feita naquele meio: ele,
portanto, lhe é posterior, mas não conhece a obra de Fílon de Alexandria (20 a.C. – 54
d.C.). Por sua vez, este filósofo grego e autor não parece inspirar-se nunca na Sabedoria de
Salomão.
Pode-se dizer que o livro inteiro está construído em torno da oração de Salomão para
adquirir a Sabedoria (Sb 9). Os capítulos anteriores exortam os príncipes (Sb 1,1; 6,1)
a adquirir esse dom, como ele mesmo o fez. E da própria oração surge, a partir do cap 10,

29
a meditação sobre a Sabedoria de Deus na história de Israel, em contraponto com a idolatria
e a injustiça do Egito, onde vivem os leitores.
O autor se dirige aos seus compatriotas judeus, e muito particularmente à juventude judaica
que amanhã deverá governar a comunidade.
É o último livro a ser escrito no Primeiro Testamento, por volta de 50 a. C., certamente em
Alexandria no Egito, no tempo do domínio romano. Fala muito sobre a sabedoria de Deus e
possui uma bela oração pedir sabedoria, no capítulo nove.
É importante ressaltar que essa obra-prima da tradição sapiencial fala da revelação do
verdadeiro Nome de Deus que dá nesse novo êxodo de libertação da idolatria, no quão se
refaz a teofania do Êxodo 3,14 (Sb 13,1; 9,13-17). A idolatria merece toda a severidade do
autor (Sb 16,4-19). Sua insistência leva a perceber o perigo real, a sedução que exerciam
sobre os judeus os cultos idolátricos de seu tempo. Isso explica a frequente menção dos
cultos de animais (Sb 12,24 e 15, 18-19) e a violenta acusação contra o Egito na terceira
parte do livro. De fato, o autor retoma as pragas do primeiro êxodo para mostrar como o
novo êxodo irá realizar-se. A idolatria traz consigo a corrupção dos costumes e a
desintegração da sociedade (Sb 14,22-31).
1.5. Livros proféticos – No texto original da Bíblia em hebraico, o profeta
é designado com a palavra “NABÍ”, que tem sua raiz na língua acádica “NABU”,
que indica ação de gritar, proclamar. Na tradução grega (entre 250 e 150 a.C.) esta palavra
“nabí” foi traduzida por “PROFHETES”, era a palavra grega mais usada para indicar
os mensageiros dos deuses. Esta palavra é formada por dois termos: “pro”: no lugar de
alguém e, “phemi”: dizer, proclamar. Nesse sentido, o profeta é entendido como aquele que
fala no lugar de Deus. Foram chamados pelos rabinos de “boca de Deus”.
Geralmente imaginamos os profetas bíblicos como homens que anunciavam o futuro
Messias e seu reino, ou a destruição futura de Israel. Mas os profetas não estavam
interessados nas previsões futuras, mas na situação presente. Toda vez que falaram sobre o
futuro, falaram relacionado com o presente, como consequências dos acontecimentos de
seu tempo.
Os profetas são homens vigilantes da vida cotidiana e apresentam uma profunda
análise da conjuntura política e socioeconômica. Além disso, eles vão se tornando em Israel
a voz em defesa dos empobrecidos e a voz de Deus que julga os opressores e quer a
libertação de seu povo. Os profetas estão sempre atentos ao projeto dos reis em relação ao
povo no que diz respeito ao projeto religioso e, sobretudo, da Aliança de Iahweh com seu
povo.
É com este olhar da aliança e da defesa dos empobrecidos que os profetas bíblicos são
divididos em dois grupos:
Profetas Maiores: Isaías, Jeremias (com Lamentações e Baruc), Ezequiel e Daniel35.
Profetas Menores: Oseias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miqueias, Naum, Habacuc,
Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias.

35
Na Bíblia, a primeira pessoa a receber o título de profeta é Abraão (Gn 20,7). Também Miriam, irmã de
Moisés é chamada profetisa (Ex 15,20). Durante a travessia do deserto, setenta anciãos de Israel são
revestidos do espírito profético (Nm 11,16-17.24-29). Porém, em nenhum desses casos devemos tomar
a palavra profeta no sentido exato do termo. Abraão é chamado de profeta por interceder junto a Deus;
Miriam porque canta a vitória de Deus sobre os egípcios, e os setenta anciãos o espírito profético para ajudar
Moisés no governo do povo.

30
Ninguém nasce com o dom da profecia. É Deus que escolhe e chama pessoas para
serem seus mensageiros. A profecia é um dom, um carisma transitório, mesmo que dure
toda a vida. Isso significa que o profeta não pode usar do dom quando quiser, mas somente
quando o Senhor lhe comunica algo.
Esses livros não foram escritos cujos nomes são indicados logo no início. Os profetas
foram oradores e não escritores. Os livros surgiram muito tempo depois, na época do exílio
e logo após. São obras dos discípulos e seguidores dos profetas. Foram eles que recolheram
as profecias e escreveram. É provável que alguns profetas tenham escrito pequenos textos.
Por exemplo, Deus deu a Jeremias a ordem de escrever algumas profecias (Jr 36).
Ao compor os livros, os discípulos dos profetas não seguiram a ordem cronológica em que
os oráculos foram pronunciados. Preferiram reuni-los em ordem temática.
Sabemos ainda que alguns livros contêm profecias de vários profetas. Assim, o livro
de Isaías contém as profecias de três profetas diferentes, o mesmo acontece com Zacarias.
E mais. Além dos 18 profetas, temos vários profetas inseridos na Bíblia, que são
pouco conhecidos. Temos, assim, os profetas da corte. Por exemplo: Gad e Natã que se
dirigem ao rei e nunca falam ao povo. E há os profetas que já não viviam mais na corte,
nem perto do rei, esses profetas eram consultados pelos reis. São os seguintes:
- Aías de Silo, no tempo do reinado de Jeroboão de Israel (1Rs 11,29-39; 14,1-20).
- Semeias interpretou a divisão do reino de Salomão como sendo vontade de Deus
(1Rs 12,21-24).
- Hanani, esse advertiu os reis contra falsas alianças militares (1Rs 16,1-10).
- Jeú, filho de Hanani desaprovou Josafá, rei de Juá (2Cr 19, 1-3).
- Miqueias Ben Jemia aparece na vida de Acab, rei de Israel (1Rs 22).
- Jaaziel inspirou Josafá a fazer uma guerra santa contra os moabitas e amonitas
(2Cr 20,1-29).
Por fim, os dois grandes profetas Elias e Eliseu. Elias foi o maior dos profetas
populares. Desenvolveu sua atividade profética no Reino de Israel, entre os anos 874-852
a.C., durante os reinados de Acab e Ocozias. Esteve refugiado no deserto, onde recebeu
uma manifestação divina no monte Sinai (Horeb). Combateu energicamente a idolatria. Foi
grande defensor do monoteísmo javista. O ciclo de Elias encontra-se em 1Rs 17–19).
Eliseu foi discípulo e continuador do profeta Elias. Sua história encontra-se em 2Rs
1-10; 13,14-21).
1.5.1. O livro de Isaías – O nome de Isaías quer dizer: Deus salva. Nasceu em
Jerusalém por volta do ano 760 a.C. Exerceu o profetismo durante aproximadamente
50 anos. É o profeta da justiça.
O livro do profeta Isaías possui 66 capítulos. Na realidade, o livro contém
as profecias de três profetas diferentes que viveram em séculos diferentes. Os capítulos 1–
39 pertencem ao verdadeiro Isaías, que vivem no século VIII a.C. Os capítulos 40–55 são
de um profeta anônimo, que viveu durante o exílio na Babilônia. Os capítulos 56–66
pertencem a um terceiro profeta, também anônimo, que pregou depois do exílio.
Provavelmente, esses profetas anônimos foram seguidores do grande Isaías. Por isso,
receberam o nome de Segundo Isaías (40–55) e Terceiro Isaías (56–66).
Em Isaías, o projeto parte da criança! (Is 7,14; 9,1ss; 11,1ss; cf. 7,3; 8,3.18). A
fraqueza radical é protótipo no novo projeto de justiça sem fim (Is 9,5s), de direito para os
pobres (Is 11,4), de paz até mesmo na natureza. Isaías acentua como critérios messiânicos o

31
direito e a justiça (como defesa dos pobres: Is 11,4; 32,1). Profecia que teima em apostar
nos “pequeninos” como sinais e símbolos de mudança.
1.5.2. O livro de Jeremias36 – Jeremias nasceu no ano 650 a.C. Era de uma família
sacerdotal instalada nas vizinhanças de Jerusalém. Profetizou durante 40 anos. Esteve no
exílio até 587, onde a realidade era de total abandono de Iahweh, o Deus da vida. Depois,
foi levado à força para o Egito, onde morre em data não conhecida.
Foi chamado por Deus em 627 a.C., décimo terceiro ano de Josias (Jr 1,2). Tinha,
portanto, 23 ou 24 anos no momento de sua vocação. Pregou por dezoito anos no reinado
de Josias, desde sua vocação até a morte do rei (609 a.C.).
É o único profeta do qual possuímos uma série de informações, sobretudo seus
conflitos interiores, no exercício de seu ministério. Jeremias foi um homem de fé,
o importante era acreditar e contar com Deus: “Bendito o homem que confia no Senhor...”
(Jr 17,7). Para o profeta, Deus era o único que poderia mudar a qualidade de vida do povo.
Os governantes confiavam mais em alianças políticas com o Egito ou com a Babilônia do
que em Deus.
Jeremias foi um homem que sofreu muito. Chegou a ser preso, flagelado e proibido
de pregar no templo. Há quem veja em Jeremias o Servo Sofredor de Is 52–53.
1.5.3. O Livro das Lamentações - O livro das Lamentações pertence ao gênero
literário dos cantos fúnebres. Provavelmente foram compostas na Palestina após a ruína de
Jerusalém em 587. É certamente obra de um só autor que descreve em termos pungentes o
luto da cidade e de seus habitantes e a deportação do povo para o exílio. O poema de luto se
refere em torno da devastação de Jerusalém e a destruição do Templo por Nabucodonosor,
em 586 a.C.
Na terceira lamentação evoca o indivíduo que sofre pelo povo (o servo sofredor),
e é neste sentido que a liturgia cristã integrou as Lamentações na Liturgia da Sexta-feira
Santa, como evocação de Jesus na hora de seu sofrimento e morte (Lm 3).
Os biblistas atuais são de parecer que o livro das Lamentações pertence a um autor
anônimo que viveu na época dos Macabeus. A atribuição dessa obra à autoria de Jeremias
serve para dar autoridade ao escrito.
1.5.4. O livro de Baruc – Baruc é apresentado como o secretário de Jeremias (Jr 1,1).
Baruc não é, propriamente, um livro profético e sim, sapiencial. É uma narrativa simbólica,
desenvolvida a partir de dados da Escrituras antigas, aproximando-se do gênero midraxe37.
Escrito em grego, provavelmente o século II a.C., o livro não consta da Bíblia
hebraica; é deuterocanônico.
1.5.5. O livro de Ezequiel – Ezequiel significa “Deus é forte”. Conhecemos muito
pouco de sua vida. Era filho de um sacerdote. Casado, mas não tinha filhos. Foi levado para
o exílio na primeira deportação, em 598. Foi chamado ao ministério profético em 593, com
aproximadamente 30 anos de idade.
Ao contrário dos outros profetas, Ezequiel teve muitas visões e êxtases. Sem dúvida,
Ezequiel é uma das maiores figuras espirituais do Primeiro Testamento.
É praticamente impossível fazer uma síntese de sua mensagem. Um dos conceitos
básicos que ele usa é a santidade de Deus. Ataca duramente a idolatria. Judá possui um
36
Provavelmente significa “Javé eleva ou que Javé levante a prumo”
37
Midraxe, em hebreu: “investigação, busca”. Explicações edificantes da Sagrada Escritura que os rabinos
judeus faziam.

32
“coração adúltero”, é um povo rebelde. A destruição de Jerusalém e o exílio são
consequências dos pecados do povo.
Mas o profeta anuncia também a salvação. Deus removerá a impureza de seu povo
(Ez 36, 25.29.33), dar-lhe-á um coração novo, um espírito novo (Ez 36,26). Deus será
o Pastor de seu povo (Ez 34). Ezequiel ainda é chamado de “profeta da responsabilidade
pessoal”, pois procura salientar a culpa e a retribuição individual (Ez 18).
1.5.6. O livro de Daniel – O autor do livro se apresenta como Daniel, um judeu que
viveu na Babilônia no século VI a.C. Ele e seus amigos teriam sido levados por
Nabucodonosor para Babilônia em 607 a.C. Daniel sobressaiu-se aos seus companheiros
por sua grande sabedoria, fidelidade a Deus e pelo dom de interpretar sonhos. Por isso,
recebeu muitas honras dos soberanos babilônicos.
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que o autor do livro era o próprio personagem,
Daniel, que viveu no exílio. Porém, segundo a crítica moderna, o livro foi escrito na época
dos Macabeus (175-163 a.C.).
O livro apresenta uma série de histórias edificantes sobre Daniel e seus três
companheiros e várias visões de caráter apocalíptico da vitória de Deus sobre seus
inimigos.
Três doutrinas principais deste livro influíram de algum modo o NT. A angelologia,
inclusive com os nomes concretos de Miguel e Gabriel. A doutrina da ressurreição
e retribuição na outra vida.
1.5.7. Livro de Oseias 38 – De acordo com o título do livro, o profeta Oseias Ben
Beeri exerceu sua atividade no reino do Norte, durante o reinado de Jeroboão II (782-753).
Oseias e Amós são os únicos dois profetas que pregaram no reino de Israel. Os demais
profetizaram no reino de Judá.
Oseias denuncia as injustiças, a corrupção e o culto formalista. Porém, o grande tema
de sua pregação é a idolatria. Analisa a história da salvação, tendo como critério o amor de
Deus por seu povo. Através de seu matrimônio, o profeta procura mostrar que Deus amou
por primeiro, sem que Israel merecesse tanto amor. Ele é conhecido, como o profeta do
amor de Deus.
O livro deve ter sido escrito durante a perseguição de Antíoco, entre os anos 167-163
antes de Cristo.
1.5.8. Livro de Joel – O seu nome significa “Iahweh é Deus”. A obra revela uma
grande elevação poética. Em sua imaginação poética, a praga de gafanhotos se converte
num exército corajoso e ordenado que assalta e conquista uma cidade.
É muito difícil datar as profecias de Joel. A data mais aceita é por volta do ano 400
a.C. Parece ter vivido e pregado em Jerusalém. Muitos o consideram um profeta cultual por
causa de seu grande interesse pelo templo.
Joel anuncia a chegada do “Dia de Iahweh”. Para descrever esse Dia, serve-se de
muitas imagens como uma invasão de gafanhotos, terremotos, etc. Convida o povo
à conversão, ao jejum, para que o “Dia de Iahweh” seja de salvação e não de condenação.
1.5.9. Livro de Amós – Era vaqueiro ou homem do campo, ligado à terra. Nasceu
perto de Jerusalém, foi forçado a pregar em território do Norte, no reinado de Jeroboão II
(782-753), onde a realidade era de grande exploração por causa da monarquia.

38
Em hebreu significa Javé salva.

33
Amós entendeu as causas primeiras daquela situação, enquanto apascentava seu
rebanho, e se sentiu chamado por Deus para fazer grandes denúncias contra os ricos da
Samaria (capital) e contra os opressores do povo. Para o profeta, o maior problema de Israel
é a exploração dos pobres. É o profeta da justiça social. Essa missão levou-o à expulsão da
cidade.
Amós não anuncia apenas o castigo e suas causas. O profeta apresenta um caminho
de salvação: a busca de Deus. “Procurai-me e vivereis” (Os 5,4). Mas Deus não deve ser
procurado nos santuários e sim na prática da justiça (Os 5,14-15).
1.5.10. Livro de Abdias – Abdias (servo de Iahweh) profetizou contra Edom pouco
depois de 586 e sua obra é o menor escrito do Primeiro Testamento. Contém apenas vinte e
um (21) versículos.
O objetivo dessa obra é reconfortar o povo de Israel que retorna do exílio purificado.
Os edomitas ou idomeus (povo semita situado ao sul do Mar Morto, descendente de Esaú
(Gn 36.1.9 e 19), que aproveitaram da catástrofe de 585 a.C. para se vingar dos judeus,
já estavam sofrendo às duras penas do exílio.
Uma das mensagens importantes de Abdias é que ele considera a solidariedade entre
os fracos como um dos pilares das relações entre os povos. Ele se posiciona contra a união
dos pequenos. E mais. Condena a submissão de povos fracos aos impérios, colaborando
com os senhores do mundo no massacre de outras nações frágeis.
1.5.11. O livro de Jonas 39 – Até alguns anos atrás, o autor do livro foi identificado
como Jonas, filho de Amati, que viveu no tempo de Jeroboão II em Israel, entre os anos
783-743 (2Rs 14,25). Hoje é ponto pacífico que se trata de pessoas diferentes. A
composição do livro de Jonas é normalmente datada entre os anos 400 e 200 a.C.
O livro de Jonas é uma parábola que nos oferece um grande ensinamento, por meio
de uma ironia sustentada, que num ponto chega ao sarcasmo, e conclui com uma pergunta
desafiadora. O grande ensinamento dessa obra novelística é que Deus quer salvar a todos,
mesmo os habitantes de Nínive, capital da Assíria (atual Iraque), que oprimiu e destruiu o
reino de Israel no ano 612 a.C. Nínive é uma cidade pagã, símbolo de todas as potências
inimigas do povo de Deus. A única condição colocada por Deus é o arrependimento
e a conversão dos ninivitas.
O livro de Jonas é uma espécie de novela surgida depois que o povo de Deus retornou
do exílio na Babilônia (538 a.C.). Nessa época o povo começou a assumir um nacionalismo
radical. Com isso cresceram o desprezo e o ódio por outras nações. O mais grave de tudo
isso é o que próprio Deus acabou enquadrado nesse esquema, com se ele apoiasse e
sustentasse esse nacionalismo exclusivista.
O livrinho de Jonas vai arrebentar esse esquema fechado, mostrando que Deus se
preocupa também com o destino das outras nações. Nínive, cidade para a qual Jonas é
enviado, representa o que há de mais detestável e odioso para um judeu, pois é capital da
Assíria, nação-tipo do poder opressor. É por isso que Jonas procura fugir de Deus. Ele não
admite a possibilidade de Nínive, símbolo do imperialismo, receber atenção de Deus. Se os
judeus odeiam está cidade, porque Deus deveria se interessar por ela?
O profeta Jonas representa a mentalidade do povo de Israel, preso na legalidade, na
certeza da Lei e das Tradições e na sua identidade cultural, é o único que não se converte
para as novidades e para a gratuidade de Iahweh. Nem a permanência nas entranhas do

39
Em hebreu significa “pomba” (com asas aparadas, cortadas)

34
peixe e o recordar as orações dos pobres foram capazes de mudar o feitio e a arrogância do
profeta. Esse peixe como todo o relato da profecia de Jonas não é histórico. O NT se servirá
dessa figura para iluminar a ressurreição de Jesus à luz de Mt 12,39s e Mc 8,12. Em Mt
12,41 e Lc 11,29-32, Jesus apresentará com exemplo a conversão dos ninivitas.
O livro de Jonas não é considerado uma profecia, mas uma narração didática,
um texto literariamente construído em forma de novela que tem por objetivo ensinar uma
verdade. Deus é misericordioso para todos os povos da terra. Deus não é somente o Deus
dos judeus, é também o Deus dos gentios (isto é, os que não pertenciam ao povo de Deus),
pois não há se não um só Deus (Rm 3,29).
1.5.12. Livro de Miqueias – Miqueias é um judeu que viveu no ano 722 no tempo do
rei Acab. Foi contemporâneo do profeta Isaías e profetizou a destruição da Samaria (capital
do Reino do Norte). Esse profeta não deve ser confundido com outro profeta, chamado
Miqueias Ben Jemia, que viveu o tempo do rei Acab, no século IX a.C. (1Rs 22; Cr 18).
Como Amós, Miqueias era um homem do campo. Talvez fosse um pequeno agricultor
que perdeu suas terras devido à exploração agrária da classe dominante de Jerusalém. Por
isso, seus oráculos, são de denúncia contra a injustiça social. Seu alvo principal são os
latifundiários, os juizes e os sacerdotes. Não se meteu em política como Isaías.
Miqueias anuncia a destruição dos reinos de Israel e de Judá. As causas são
diferentes. A idolatria é a grande culpa do reino de Israel. Já para o reino de Judá,
a acusação é de ordem social. O profeta volta-se contra os ricos em geral, que se
apresentam soberbos e ávidos de riquezas. “... a vós que odiais o bem e amais o mal, que
lhes arrancais a pele, e a carne de seus ossos” (Mq 3,2-4); “se cobiçam campos, eles os
roubam, se casas, eles as tomam” (Mq 2,2).
Volta-se também contra os falsos profetas que só anunciam bem-estar, que não
denunciam a opressão (Mq 3,5-7).
Nos capítulos 4 e 5, encontramos oráculos de um futuro feliz. O Senhor será
novamente o chefe de seu povo e seu reino será pacifico.
1.5.13. Livro de Naum – De Naum sabe-se que nasceu em Elcós, mas não sabemos
bem onde fica esse lugar (Nm 1,1). Ele profetizou antes da queda de Nínive, capital da
Assíria, no ano 612 a.C.
Quanto à sua mensagem, ele é um profeta otimista e nacionalista. Anuncia a salvação
de Judá com a derrota dos assírios, seus inimigos. A destruição do império assírio é para o
profeta obra de Deus, que é o Senhor da história.
O tema principal, talvez o único, é a justiça inexorável de Deus.
1.5.14. Livro de Habacuc – Desse profeta não conhecemos nada, nem o significado
do nome. Habacuc, pequeno profeta sem pátria e sem sobrenome, vive e escreve na mesma
época de Naum.
Em Daniel 14,33-38, narra-se que Habacuc foi transportado por um anjo até
a Babilônia para levar comida a Daniel, que fora jogado na cova dos leões. Porém, o texto
de Daniel tem o aspecto de lenda e não de história.
O horizonte da atividade do profeta Habacuc deve ser compreendido entre dois
grandes poderes: a Assíria decadente e Babilônia renascente. São tempos turbulentos, em
que Israel pode converter-se em joguete dos impérios entre os anos 622-612 a.C.
Como mensagem anuncia o fim do ímpio e a vitória final do justo. Mas é difícil saber
a quem o profeta chama de ímpio, os estrangeiros que atacam Judas, ou os próprios judeus

35
que exploram seus irmãos. Os justos são aqueles que se mantêm fiéis a Deus. Eles serão
o verdadeiro povo de Deus.
1.5.15. Livro de Sofonias – Seu livro começa com uma genealogia que parece sugerir
que o profeta pertencesse à casa de Judá (Sf, 1,1), mas não é possível confirmar essa
sugestão.
Sofonias profetizou provavelmente no início do reinado de Josias, por volta de 640-
609 a.C.
Como os profetas anteriores, Sofonias denuncia as culpas da sociedade de seu tempo:
a idolatria e a injustiça. Para o profeta, Judá importa ídolos para agradar os conquistadores.
Ataca o rei e a corte por apoiar a idolatria e a imoralidade. Denuncia também os abusos na
administração da justiça, a violência das classes dirigentes contra os pobres.
Para Sofonias, essas culpas são atos de revolta contra Deus e profanação de todo
o país. Isso provoca o castigo divino. Deus intervirá na história para fazer justiça e castigará
os culpados. Como Isaías, o profeta fala de um “resto”, um pequeno grupo de pessoas que
permanece fiel e será a semente de um novo povo.
1.5.16.. Livro de Ageu – Embora Ageu seja citado em Esdras 5,1 e 14, não sabemos
nada sobre sua vida. Só sabemos que o seu ministério profético, segundo seu livro estende-
se de 27 de agosto a 18 de dezembro de 520 a.C., no reinado de Dario da Pérsia.
Sua mensagem está centrada na reconstrução do Templo, que devia preceder a das
casas e do país. A reconstrução do Templo seria causa de bênçãos para o país. Pouco
interesse pelo Templo do Senhor é conseqüência da pouca estima pela Aliança de Deus e
do desânimo dos repatriados. O Templo é o lugar da presença de Deus. Ali Ele se
manifestará a todas as nações.
1.5.17. Livro de Zacarias 40– Segundo Esdras 5,2; 6,14 e Neemias 12,6, Zacarias era
filho de Ado, um dos sacerdotes que regressaram do exílio com Zorobabel. Assim, além de
profeta, era também sacerdote. Foi contemporâneo do profeta Ageu. Pregou entre 520 e 518
a.C.
Atualmente os biblistas falam de dois profetas, cujos oráculos foram reunidos em um
só livro. Zacarias 1–8 e o Segundo Zacarias 9–14.
Zacarias 1–8 pode ser facilmente datado no período de Dario II, na data acima
mencionada. Mas Zacarias 9–14 é de difícil datação e alguns autores preferem datá-lo na
época de Alexandre Magno (no final o século IV ou II a.C.).
O Zacarias (1–8) procura incutir nos repatriados a consciência de ser o povo de Deus
e, como Ageu, Zacarias incentiva a reconstrução do Templo de Jerusalém.
O Segundo Zacarias (1–14) anuncia a vinda do Rei Messias como juiz universal. Fará
desaparecer o mal e instaurará seu reino no mundo. Esse Rei Messias não é um guerreiro
conquistador, mas um dos “pobres de Iahweh”, um justo que realiza a vontade de Deus.
1.5.18. Livro de Malaquias – Malaquias significa mensageiro de Iahweh. Certamente
o profeta pregou depois de 515 a.C., quando o Templo já tinha sido reconstruído (Ml 1,10;
3,1-10). O profeta procura restabelecer a santidade do matrimônio, restringindo a permissão
para o divórcio (Ml 2,16).
Pelo conteúdo (proibição do casamento com não-judias e do divórcio), o texto
original parece datar do tempo de Esdras, depois da volta do exílio (cerca do ano 400). A

40
Em hebreu significa “Javé concorda”.

36
maneira de citar objeções contra o agir de Deus, como num processo contra Deus,
aproxima-o do livro de Jó.
Com este livro de Malaquias estamos encerrando o estudo do Primeiro Testamento
comum a judeus e cristãos; formado pelos livros escritos antes de Cristo. É livro da
primeira grande Aliança.

37
SEGUNDA PARTE
O Segundo Testamento

“Muitas vezes e de modos diversos falou Deus,


outrora, aos Pais pelos profetas;
agora, nestes dias que são os últimos,
falou-nos por meio do Filho,
a quem constituiu herdeiro de todas as coisas,
e pelo qual fez os séculos”
(Hb 1,1-2).

Introdução – O povo de Israel é um povo que viveu de esperança, porque acreditou


na Palavra de Deus que lhe prometeu enviar o Salvador. Essa promessa e essa esperança
passaram de geração em geração, até o nascimento de Jesus. Tanto que o velho Simeão
aguardava ansiosamente esse dia. E, quando tomou Jesus Menino nos braços exclamou:
“Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixai teu servo ir em paz, porque meus
olhos viram a tua salvação, que preparaste diante de todos os povos: luz para iluminar as
nações e glória de Israel, teu povo ”(Lc 2,29-30).
Sem Cristo o Primeiro Testamento não seria entendido. Da face de Cristo projeta-se
uma luz que clareia todas as alianças antigas, e nos ajuda a entender tudo aquilo que a seu
respeito foi anunciado. Sem Jesus Cristo o Primeiro Testamento seria uma promessa não
cumprida, uma esperança frustrada, uma Aliança desfeita, uma história inacabada.
Na Primeira Aliança, o Messias foi visto progressivamente cada vez mais sob um
aspecto. Ora como profeta (Dt 18,15), ora como sacerdote (Sl 110 [109], 4), ora como
“Filho do Homem” (Dn 7,13), ora como Rei vitorioso, conforme escreve o salmista:
“Com trombetas e o som da corneta aclamai ao rei Iahweh! Batam palmas os rios
todos e as montanhas gritem de alegria diante de Iahweh, pois ele vem para julgar
a terra: ele julgará o mundo com justiça e os povos com retidão” (Sl 98 [97], 6.8-9).
O Livro de Isaías, no entanto, fala do Messias dizendo que Ele será um Servo
extremamente humilhado (Is 53,3-7).
Ezequiel, por sua vez, anuncia um Messias que será Pastor de rebanho. Ele coloca na
boca do Salvador estas palavras:
“Certamente eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e delas me ocuparei... Eu as
apascentarei em boas pastagens. Sou eu que apascentarei as minhas ovelhas, sou eu que as
farei repousar, diz o Senhor Deus” (Ez 34,11-15).
Na verdade, Jesus foi tudo isso: Profeta (Mt 21,10-11), Sacerdote (Hb 7), Filho do
Homem (Mt 17,21-22). Essa expressão “Filho do Homem” aparece 81 vezes nos
evangelhos. Jesus aplica tal título a Si mesmo, pois condiz bem com o Mistério do Filho de
Deus feito Homem.
Jesus foi também Rei vitorioso, pois, ressuscitou dos mortos, venceu o pior inimigo:
a morte (Mt 28). O próprio Cristo disse a Pilatos: “Eu sou rei” (Jo 18,37). Igualmente Jesus
foi o Servo extremamente humilhado e desfigurado sob a cruz (Mt 27,27-49).

38
Podemos, assim, perceber como o Primeiro Testamento culmina em Cristo Jesus,
como nova e eterna Aliança, no Novo Testamento. Todo o Primeiro Testamento caminha
para Ele. Todo o Segundo Testamento gira em torno de Jesus. O próprio Cristo fez questão
de dizer por várias vezes, que nele se realizam as Escrituras Sagradas (Lc 24, 27.44). Eis
como Ele falou aos judeus que duvidavam de sua divindade:
“Vós examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna. Ora, são elas
que dão testemunho de mim” (Jo 5,39).
Portanto, retomando o que afirmamos nessa breve introdução a essa segunda parte,
pode-se dizer que a centralidade das Escrituras é Jesus Cristo. O verdadeiro Jesus é o
Ressuscitado que está sentado à direita do Pai, aquele Jesus que está vivo na Igreja, por
conseguinte, o Evangelho é sempre atual. Não podemos acreditar que Jesus Cristo está
presente todo os dias na Eucaristia e pensar, ao contrário, que a palavra pertence
definitivamente ao passado. O Evangelho é vida, é Palavra vivente do povo vivo, que é a
Igreja: um povo que se expressa na palavra é orientado pela palavra e encontra-se na
palavra. Por esta razão, o seu lugar privilegiado é a liturgia. Os dois momentos principais
da Missa são precisamente a liturgia da palavra e a liturgia eucarística. Elas constituem uma
unidade, como afirma o Concílio Vaticano II41.
Na Sagrada Escritura encontra-se a tradição viva, que foi confiada à Igreja. Todavia, a
Igreja não é um museu. Ela vive da palavra 42. Nela desenvolvem-se todas as
potencialidades da palavra. E isto acontece no interior da própria Bíblia, mas realiza-se
inclusivamente no âmbito da vida da Igreja. E por ser a Sagrada Escritura viva, ela revela
continuamente as suas potencialidades e, deste modo, lança luz também sobre os problemas
sociais e morais que surgiram nos períodos sucessivos ao de Jesus Cristo. Jesus chegou
num momento específico da história. Mas veio para permanecer na história. Assim, a Igreja
é a continuação de Cristo. E os cristãos não podem deixar de pensar nos problemas
concretos da vida à luz da fé43.
Feito esse esclarecimento e para melhor adentrar esse mistério de Deus em Jesus
Cristo que está no centro da unidade da Bíblia, vamos dar os primeiros passos no estudo do
Segundo Testamento.
2.1. Jesus e a cultura – Antes de adentrarmos o estudo do Segundo Testamento, é
importantíssimo se colocar no ambiente cultural de Jesus. Não é possível aqui traçar todo o
contexto econômico e sociocultural da época de Jesus. Se fizermos um rápido confronto
comparativo entre Paulo e Jesus quanto ao contexto de nascimento, vamos perceber uma
grande diferença cultural de origem: Paulo nasce numa cidade de 300 mil habitantes, numa
metrópole onde se vive as maiores expressões culturais da atividade humana da época.
Enquanto que Cristo nasce numa pequena cidade, Belém, localizada a sete quilômetros ao
sul de Jerusalém, que poderia ter cerca de 2.000 pessoas; hoje é uma cidade de uns 35.000
habitantes. Desde o primeiro instante, Jesus identifica sua vida com os pobres.

41
Cf. Francesco M. Valiante, Restituir a fé o direito de cidadania contra qualquer preconceito, L’Osservatore
Romano (15.3.2008), p.8.
42
Para a vivência da Palavra de Deus contida na Bíblia, o filósofo ateu alemão Nietzche lançou ao rosto dos
fiéis cristãos esta objeção: “Se a boa-nova da vossa Bíblia também estivesse escrita em vosso rosto, não
teríeis necessidade de insistir tão obstinadamente em que se acredite na autoridade deste livro; as vossas
obras, as vossas ações deveriam tornar quase supérflua a Bíblia, pois vós mesmos deveríeis construir
continuamente a Bíblia nova” (Friedrich Wilhelm Nietzsche, 1844-1900).
43
Cf. L’Osservatore Romano (15.3.2008, p. 8).

39
Com essa observação comparativa, podemos perceber bem claramente nos escritos
dos evangelhos, como que Jesus limitou-se praticamente a Galileia, vivendo e anunciando
o Reinado de Deus nas aldeias. Os evangelhos não o mostram pregando nas grandes
cidades da Galileia – por exemplo, Séforis e Cesareia Marítima, sede do poder de Herodes
Antipas. O que vemos em geral é Jesus percorrer os povoados, as redondezas indo
ao encontro de pescadores e pequenos proprietários de terra (as periferias de hoje). Ele
conhece, por exemplo, o trabalho diário dos camponeses galileus e seus terrenos pouco
aproveitáveis. É o que descobrimos lendo a parábola do semeador (Mc 4,1-34; Mt 13,1-52):
chão duro, pedras, moitas de espinhos, terra de enxada, não de arado (uma só vez em
Lucas).
A linguagem de Jesus é tipicamente rural, sinal de que vive num contexto e cultura do
campo. Seus exemplos são quase sempre a terra, as sementes, o trigo e o joio, a videira e os
ramos, o pastor e as ovelhas, os pardais e os lírios, a rede e os peixes, a mulher amassando
o pão ou girando o moinho. Portanto, Jesus anuncia a Boa-Nova pelas estradas, nos montes,
à beira de lagos. Este é o contexto cultural de Jesus.
2.2. A divisão do Segundo Testamento – Os escritos do Segundo Testamento
adquiriram forma literária essencialmente em quatro gêneros: nos Evangelhos44, nos Atos
dos Apóstolos, nas Cartas e no Apocalipse.
Como a Bíblia toda do Primeiro Testamento, também o Novo Testamento deve ser
entendido conforme o gênero e a finalidade de cada texto, dentro do espírito da comunidade
de fé, que, fiel às suas origens nos fazem comungar da compreensão de sua unidade sempre
atualizada da Palavra de Deus.
Tomando em conta os quatro gêneros literários, podemos apresentar o Segundo
Testamento em quatro partes. A primeira é constituída pelos evangelhos que levam os
nomes de Mateus, Marcos, Lucas e João. São os quatro evangelhos.
A segunda parte seria só os Atos dos Apóstolos, que são na realidade a segunda parte
do Evangelho de Lucas. Uma obra identificada como Atos dos Apóstolos.
A terceira parte são as catorze cartas paulinas e sete cartas católicas. Quanto às cartas,
com o decorrer da vida da Igreja, passaram receber algumas classificações. Como por
exemplo: Cartas Pastorais: as duas cartas a Timóteo, a Carta a Tito e a Filêmon (o lugar
certo de Fm seria nas cartas do cativeiro). São assim denominadas, porque contêm
instruções para a direção da comunidade, para o “ministério pastoral”. Essa denominação
resumida se justifica, visto que as três cartas formam literária e teologicamente um grupo
coeso do “Corpo Paulino”. Outra classificação: Cartas Católicas: a Carta de Tiago; 1ª e 2ª
Carta de São Pedro; 1ª, 2ª e 3ª Carta de São João e a Carta de São Judas. Assim chamadas,
porque são cartas de apóstolos dirigidas indistintamente a todos os cristãos; católico:
universal. Por fim, as Cartas Pseudônimas ou alônimas45: a Carta de Tiago, 1ª Carta de
Pedro e a Carta de Judas. São de autorias desconhecidas. O nome dado às essas cartas como
se fossem desses apóstolos tem por objetivo tão somente para dar autoridade a esses
44
São os únicos que a Igreja admitiu entre muitos que foram escritos sobre a vida e pregação de Jesus. São um
gênero único na literatura universal. Partem de fatos históricos, mas não são meros relatos, mas kerigma ou
anúncio da boa notícia que convida à adesão pessoal a Cristo. Sua primeira intenção não é o biográfico. Nem
são uma elaboração doutrinal ou reflexão sobre o significado de Jesus, mas sim sua apresentação como
Messias, filho de Deus e salvador. Cada um dos quatro evangelistas escreve a partir de sua própria
mentalidade teológica e de acordo com as necessidades de seus destinatários mais imediatos, os da região em
que escreveu.
45
Pseudônimo: nome falso ou suposto; alônimo: publicado sob o nome de outrem.

40
escritos. Além dessa classificação, temos ainda cartas maiores (Rm, 1 e 2Cor e Gl);
as cartas do cativeiro (Ef, Fl e Cl), e por fim, as primeiras cartas (1e 2Ts).
Por fim, o quarto gênero, o Apocalipse ou Livro da Revelação. O que leva a totalizar
vinte e sete (27) livros do Segundo Testamento46.
2.3. A origem e composição do Segundo Testamento – Para falar sobre a origem do
Evangelho, devemos chegar até o núcleo central da nossa fé cristã; a ressurreição
de Cristo. Pois a fé cristã surgiu a partir das experiências do mistério pascal dos discípulos
e das discípulas e era constituída inicialmente na convicção “de que Deus ressuscitou
a Jesus dentre os mortos” (At 2,24; 13,34.37). É a partir do primeiro dia da semana,
de madrugada, diante do sepulcro vazio, no dia da ressurreição de Jesus que se dá a origem
da Boa-Nova vivenciada pelos primeiros discípulos (Jo 20, 1-18). É dessa experiência do
testemunho dos primeiros discípulos que remotamente tem a origem o Evangelho. Do
testemunho pessoal e oral passa ao testemunho da comunidade através da pregação e do
querigma é que vão surgindo os relatos escritos, sobretudo a partir da paixão, morte e
ressurreição de Jesus. Sem essa certeza da fé na ressurreição de Jesus não teria jamais
nascido o testemunho nem a tradição viva e oral que pudesse dar origem aos escritos.
A composição dos livros do Novo Testamento nasceu, portanto a partir da vida das
primeiras comunidades cristãs, que professavam, testemunhavam e viviam em sua vida de
fé a Páscoa, o mistério da ressurreição do Senhor. As comunidades reunidas em celebrações
litúrgicas anunciavam a pessoa e obra salvadora de Jesus. É o que os Atos dos Apóstolos
nos informam através das pregações orais. Muito cedo ainda, para ajudar os pregadores, os
evangelistas e os catequistas cristãos, foram reunidas por temas comuns as principais
“palavras” de Jesus. Delas temos ainda os resquícios em nossos evangelhos atuais: tais
“palavras” (os oráculos do Senhor, segundo Papias) estão frequentemente ligadas entre si
por palavras-ganchos a fim de favorecer a sua memorização.
Esta descrição das comunidades dos primeiros cristãos revela que eles tinham a
mesma fé em Jesus, mas havia uma verdadeira ênfase na maneira de exprimi-la:
Paulo: Jesus é o Cristo crucificado e ressuscitado;
Marcos: Jesus é o Messias Sofredor; o pobre crucificado é o Messias, o Filho de
Deus;
Mateus: Jesus é o novo Moisés, ele ensina a nova Lei;
Lucas: Jesus, cheio do Espírito Santo, é o Senhor de todos;
João: Jesus é a Palavra de Deus encarnada.
Para pregar essa verdade sobre a pessoa de Jesus e sua obra redentora, havia na Igreja
primitiva, narradores especializados, chamados “evangelistas” (At 21,8; Ef 4,11; 2Tm 4,5)
que relatavam as lembranças do anúncio de Jesus sob uma forma que tendia a se fixar pela
46
Quanto ao cânon da Bíblia Católica, os autores dos livros do NT, ao citar texto do AT, usaram todos os
livros da Bíblia grega, inclusive os deuterocanônicos. A Igreja Primitiva, portanto, considerou inspirados por
Deus os 46 livros da Bíblia Grega e não apenas os 39 da Bíblia Hebraica. Mais tarde, um dos fatores que pode
ter contribuído para a fixação do cânon do NT foi o herege Marcião (nascido em 140) que, rejeitou todos os
livros do Primeiro Testamento e do Segundo Testamento e admitiu apenas ao Evangelho segundo Lucas e dez
cartas de São Paulo. Por isso alguns concílios locais, como os de Hipona em 393 d.C. e dos de Cartago em
387 e 419 d.C., aprovaram listas de livros do Primeiro Testamento e do segundo Testamento. Essas listas
coincidem com nosso cânon atual. Mas o primeiro cânon oficial da Igreja é o do Concilio Ecumênico de
Florença, em 1441, sob o papa Eugênio IV. Porém, a declaração definitiva do cânon bíblico só aconteceu em
1546, na IV sessão do Concílio de Trento. Ali foi definido o cânon do Primeiro Testamento com 46 livros e o
do Segundo Testamento com 27.

41
repetição. Parece bem claro que a origem dos evangelhos vem da pregação oral que
remonta aos inícios da comunidade primitiva e têm na sua base e garantia de testemunhas
oculares (cf. Lc 1,1-2). Sabemos também, graças a dois testemunhos independentes, que o
segundo Evangelho foi pregado por Pedro antes de ter sido escrito por Marcos. Portanto, é
na tradição oral que é preciso procurar a causa primeira das semelhanças e das divergências
entre os sinóticos47.
Além dessa tradição oral, com o tempo foram surgindo pequenas composições
literárias, portanto, escritos que estariam na origem de nossos evangelhos. Prova disto
temos que o Evangelho de Mateus aramaico que estaria na origem da tradição sinóptica. Há
ainda uma hipótese que levanta uma possibilidade de existência de redações mais antigas.
Aqui podemos falar da provável existência de um evangelho hoje perdido, que conhecemos
com o nome Q (da palavra alemã Quelle, que significa “fonte”): seria uma coleção escrita
de palavra de Jesus, ausente de Mc, hoje perdida; daí o acordo M=Lc sem Mc; mas este
acordo é relativo, porque Mt e Lc executaram essa operação independente, inserindo as
matérias de Q em lugares diferentes no roteiro dos seus respectivos evangelhos. Antes,
porém, de serem fontes para os evangelhos segundo Marcos e Lucas, o escrito Q foi um
texto autônomo, um “evangelho”, que fundamentalmente conservava palavras de Jesus.
Este “evangelho” não está interessado em relatar as atitudes, gestos ou milagres de Jesus.
Nenhuma menção à morte e ressurreição é nele encontrada. Esta fonte (Q) se importa em
relatar parábolas, sentenças, afirmações do Mestre Galileu. Foi escrito entre anos 40 e 50,
em alguma região da Galileia. A matéria de Q existia originalmente em aramaico – pois
Jesus falava aramaico – e certamente essa matéria já traduzida muito cedo para o grego;
muitas peculiaridades lingüísticas ainda revelam a tradução a partir de um idioma semítico.
Para Q, Jesus é principalmente um mestre; sua sabedoria ensina a viver as diversas
situações cotidianas de conflito e incômodo. Parece que a comunidade onde Q surgiu viveu
uma experiência particular de seguimento de Jesus, baseada nas suas atrevidas palavras, e
que num momento teve de sofrer também rejeição e hostilidade. O que importa notar é que,
para uma comunidade que viveu entre dez e vinte anos depois da morte de Jesus, foi
significativo preservar e atualizar suas palavras.
Bem, tomando em consideração todas essas possibilidades e após ter passado pela
tradição oral, pelas pregações orais dos evangelistas, pela redação desta “Fonte”, bem como
outras pequenas redações antigas ligadas aos três sinóticos e, por fim, a composição final
dos primeiros três evangelhos sinóticos pode ser datada assim: o Evangelho segundo
Mateus (conforme o biblista espanhol Luís Alonso Schökel) deve ser datado na década de
80 a 90 da era cristã. Lugar provável: alguma cidade da Síria, por exemplo, Antioquia
(cerca de 500.000 de habitantes). Marcos escreveu sua obra a partir das pregações de São
Pedro, quando esse ainda vivia em Roma, entre os anos 66 e 73. Enquanto para o
Evangelho segundo Lucas a data de sua composição deve ser colocada na década 80-90,
como o Evangelho segundo Mateus.
Os autores, ou os que escreveram os Evangelhos são chamados de evangelistas
(Mateus e João são apóstolos e, Marcos e Lucas não fazem parte desse grupo). Esses são
representados por símbolos ou figuras, inspirados no livro de Ezequiel 1,4-10 da seguinte
maneira:
47
Evangelhos sinóticos é o nome dado aos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, porque grande parte de
seu conteúdo pode ser disposta em colunas paralelas, já que narram os mesmos fatos ou ensinamentos.
Enquanto o Evangelho de João segue um caminho mais independente; exceto na paixão e ressurreição,
não costuma narrar o que já era conhecido pelos sinóticos.

42
1. Mateus é representado pela figura de um Homem, porque começou a escrever seu
Evangelho apresentando a genealogia de Jesus (Mt 1,1-18). Começa sua história imitando
genealogias do Gênesis (5; 10; 36) e Crônicas que narra a descendência do homem.
2. Marcos é representado pela figura de um Leão, porque começou a narração de seu
Evangelho no deserto, onde mora a fera (Mc 1, 3.12-13).
3. Lucas é representado pelo Touro, porque começou o Evangelho falando do
Santuário (templo), onde eram imolados os bois (Lc 1, 8-10).
4. João é representado pela Águia, por causa do elevado estilo de seu Evangelho, que
fala da Divindade e do Mistério do Filho de Deus (Jo 1,1-5)
2.4.1. Evangelho Segundo Mateus – Mateus48 é um nome hebraico que significa:
“dom de Deus”. Era cobrador de impostos em Cafarnaum 49. Essa profissão era mal vista
pelo povo. Ele mesmo se intitula “Mateus, o publicano”, que significa: o pecador. Foi
pessoalmente convidado por Jesus para ser discípulo, apóstolo.
Seu Evangelho é o primeiro da lista e o mais extenso dos quatros. O original foi
escrito em aramaico, pelos anos 55 a 60. Tal original ou tradução não existe mais na sua
íntegra.
Mateus escreveu seu Evangelho para os cristãos judeus. Narra a história de Jesus para
fortalecer e confirmar as comunidades eclesiais em sua situação. Ele não visa tanto aos
indivíduos, mas às comunidades. Este Evangelho é considerado o evangelho eclesial.
O Evangelho de Mateus ocupa o primeiro lugar entre os evangelhos, por ser o mais
completo. O Evangelho de Mateus se distingue pela clareza da composição. O tom é
didático e o estilo é sóbrio. A grande introdução da infância (Mt 1–2)50 tem valor de relato
programático que se inspira em Moisés, no Egito, e em anúncios proféticos.
Mateus organiza o assunto de todo o seu Evangelho em cinco discursos 51 ou livrinhos
(estes são paralelos aos cinco livros de Moisés ou ao Pentateuco), cada um contendo uma
parte narrativa seguida de um discurso. É nessa perspectiva que está dividida o Evangelho
de Mateus: Primeiro Livrinho trata sobre a “justiça do Reino” (Mt 3,1–7,29); Segundo
Livrinho sobre a “dinâmica do Reino” (Mt 8,1–10,42); Terceiro Livrinho sobre o “mistério
do Reino” (Mt 11,1–13,52); Quarto Livrinho sobre a “Igreja – Semente do Reino”
(Mt 13,53–18,35) e o Quinto Livrinho sobre a “vinda definitiva do Reino”
(Mt 19,1–28,20).
O capítulo quarto de Mateus sobre a tentação no deserto reporta à tentação do povo
de Israel no deserto durante os 40 anos.
48
Na verdade, temos um só Evangelho. Por isso cada evangelista é apresentado pela Igreja: Evangelho
segundo Mateus, Evangelho segundo Marcos, Evangelho segundo Lucas e Evangelho segundo João.
As quatro obras falam e dão testemunho do mesmo e único Jesus: A pessoa de Cristo no espelho dos quatro
Evangelhos.
49
Cafarnaum: Esta cidade mencionada muitas vezes nos evangelhos: Mt 4,13; 8,15; 11,23; 17,24; Mc 1,21;
2,1; 9,33; Lc 4,23; Jo 2,12; 4,16; 6,17.24.59. A cidade estava localizada junto ao lago de Genesaré, quatro
quilômetros ao oeste da desembocadura do Jordão. Nela fixou Jesus, se não sua residência, ao menos o centro
de sua atividade durante a vida pública.
50
A fuga para o Egito e massacre das crianças recém-nascidas tem paralelo na infância de Moisés, descrita
pelas tradições rabínicas: segundo estas, o nascimento da criança foi anunciado por meio de visões. O próprio
retorno do menino Jesus para Nazaré quer mostrar que ele é novo Moisés e um novo Êxodo.
51
Os cinco discursos fazendo parte de cada livro estão assim distribuídos: 1° Discurso: o Sermão sobre a
Montanha ( Mt 5 – 7); 2° Discurso: o Discurso Apostólico (Mt 10,1-42); 3° Discurso: Discurso em Parábolas
(Mt 13,1- 52); 4° Discurso: Discurso Eclesiástico (Mt 18,1-35); 5° Discurso: Discurso Escatológico
(Mt 24,1– 46).

43
Para Mateus, Jesus é, sobretudo, o mestre que nos inicia na arte da vida em
conformidade com Deus e que é ele próprio, um exemplo do que prega. Como novo
Moisés, Jesus é também aquele que conduz à liberdade. Ele nos tira da prisão do Egito para
a Terra Prometida, para a terra em que podemos ser totalmente nós mesmos. As pregações
de Jesus mostram-nos o caminho para a liberdade. E nos dez milagres (Mt 8,1–9,38) – que
correspondem aos dez milagres de Moisés no caminho para a liberdade – ele nos mostra
como é o homem livre.
A mensagem fundamental de Jesus é que somos filhos e filhas amados de Deus. É
uma promessa que Jesus nos faz. Ela começa com as bem-aventuranças no início do
Sermão da Montanha. Jesus nos promete que o Reino dos céus está próximo. Deus quer nos
acolher em sua bem-aventurança, em sua felicidade. Devemos nos converter, para permitir
que Deus reine em nós. Se Deus reina em nós, somos felizes, então nossa vida é bem-
aventurada. O Sermão da Montanha descreve essa nova vida, que nos é possível quando
Deus é o verdadeiro Senhor de nossa vida. No meio do Sermão da Montanha está o Pai-
nosso. Na oração ao nosso Pai comum que está no céu, podemos vivenciar que somos os
filhos amados de Deus. Na verdade, o Sermão da Montanha é um retrato vivo da pessoa de
Jesus Cristo.
Portanto, todo o seu Evangelho é composto conforme um plano bem claro, presta-se
muito bem para a catequese. Imbuído de uma preocupação constante pela comunidade
da fé, é o Evangelho eclesial por excelência.
Mateus, em seu Evangelho, agrega frequentemente textos do Primeiro Testamento
(mais de 60 referências) que se cumprem em eventos da vida de Jesus. Sua genealogia
remonta a Abraão, “nosso pai”.
O Evangelho é dirigido especialmente aos judeus convertidos; por isso tem o cuidado
de mostrar que Jesus é o herdeiro das promessas feitas por Deus a Davi. Portanto, Jesus é o
Messias anunciado pelos profetas.
2.4.2. Evangelho Segundo Marcos – O Evangelho segundo Marcos52 é o mais antigo
dos evangelhos canônicos. Segundo a tradição da Igreja, testemunhada por Pápias (Pápias
(bispo de Hierápolis [60-130 d. C.]; um dos padres apostólicos que foi discípulo de São
João evangelista. João Marcos é o autor do evangelho que leva seu nome 53. O Novo
Testamento afirma que Marcos é filho de certa Maria, em cuja casa se reunia a comunidade
de Jerusalém. Ele é de origem judaica, era primo de Barnabé e foi colaborador de Paulo e
de Pedro (At 12,12; 13,5; 15,36-39; 1Pd 5,13). Marcos é único evangelista a dizer que seu
escrito é Boa-Nova (= Evangelho).
O primeiro versículo do Evangelho de Marcos, além de mostrar brevemente todo
o assunto que vai ser desenvolvido, é o título do próprio livro.
Todo o Evangelho de Marcos é caracterizado como um simples começo 54. Qual é esse
começo, e é começo de quê? Acompanhando o roteiro de Jesus pela Palestina descrita por
Marcos, vamos encontrar Jesus saindo de Nazaré da Galileia (Mc 1,9) para ser batizado por

52
Do etrusco, de “mar”, bater, ferir: martelador, martelo.
53
Para os modernos exegetas, não sabemos quem foi o autor do Evangelho de Marcos. As concepções
geográficas incorretas, constatáveis em várias passagens, eliminam que o pudesse ser um palestinense,
portanto, não poderia ser Marcos o autor desse Evangelho. O nome de Marcos está associado a esse livro na
tradição oral; isto para dar autoridade apostólica na pessoa de Marcos (cf. Philipp Vielhauer. História da
Literatura Cristã Primitiva, p. 377).
54
Esse “começo” tem ressonâncias do Gênesis (1,1).

44
João, após a prisão deste, retornando à Galileia (Mc 1,14), onde inicia sua atividade55. É na
Galileia que Jesus realiza suas ações, até chegar o momento crucial do conflito aberto com
os sumos sacerdotes e anciãos de Jerusalém (Mc 10,1). Depois de sua morte e ressurreição,
as mulheres que foram ao túmulo recebem uma missão: “Agora vocês devem ir e dizer aos
discípulos dele e a Pedro que ele vai para a Galileia na frente de vocês. Lá vocês o verão,
como ele mesmo disse” (Mc 16,7). Isto significa que se os discípulos quisessem se
encontrar com Jesus Ressuscitado teriam que retornar para onde Jesus começou sua
atividade e retomá-la. Portanto a garantia que os discípulos têm de que o Ressuscitado
estará com eles é voltar à Galileia para dar continuidade à prática de Jesus, que foi só um
começo. Retomaremos este ponto mais adiante nesta mesma sessão sobre o Evangelho de
Marcos.
Marcos escreve o seu Evangelho com a finalidade precisa de responder à pergunta:
“Quem é Jesus?”. O evangelista, porém, não responde com doutrinas teóricas ou discursos
de Jesus. Ele apenas relata a prática ou atividade de Jesus, deixando que o leitor chegue por
mesmo à conclusão de que Jesus é o Messias, o Filho de Deus (Mc 1,1; 8,29; 14,61).
Na hora da morte de Jesus, o centurião como autoridade do império afirma oficialmente:
“Verdadeiramente este homem era Filho de Deus” (Mc 15,39).
Como já falamos há pouco acima, o Evangelho de Marcos é apenas o começo da
Boa-Nova (Mc 1,1). O autor deixa bem claro, portanto, que sua obra não é completa e que,
para chegar ao fim, supõe que o leitor tome uma posição. Nesse sentido, todo o Evangelho
de Marcos é sempre o começo da Boa-Nova que dirige aos homens. Essa Boa-Nova
continua, em todos os tempos e lugares através daqueles que seguem a Jesus. Esse dado é
importante para entendermos a intenção do evangelista: percorrer o caminho que leva a
Jesus é estar sempre disposto a começar; a reaprender, pois em Marcos os discípulos se
encontram num estado crônico de ignorância. Em outras palavras, o evangelista se limita
sempre a referir seu “começo”. Marcos emprega 15 vezes as palavras do derivado
“começo”, conjugando o verbo começar, 13 vezes “entrou de novo”, “começou a ensinar”,
“saiu”, “novamente”. Por isso: “Começo da Boa-Nova de Jesus Cristo, Filho de Deus” (Mc
1,1).
Entre os temas específicos, Marcos como nenhum outro, é ele que oferece o primeiro
anúncio (querigma) que os apóstolos dirigiam aos seus contemporâneos. Ainda para nós
hoje, conserva o sabor do primeiro anúncio e é capaz de renovar o impacto de Jesus no
nosso cristianismo, que está um tanto “gasto”. Outro tema importante em Marcos é o que
Jesus anuncia é o Reino Deus já (Mc 1,15). Por fim, outros dois temas em Marcos é
o grande poder de Jesus sobre os demônios e a figura do Filho do Homem, como o Servo
Sofredor no livro de Isaías 53.

55
É importante ressaltar que Jesus revela sua missão salvífica por palavras e ações concretas. Não devemos
esperar o que vamos encontrar nos quatro Evangelhos palavras diretas, “ipsis verbis”: pelas mesmíssimas
palavras pronunciadas por Jesus. Essas mesmíssimas palavras recebem a denominação de “ágrafo”, do grego:
“o não escrito”, que não está escrito. Trata-se de palavras atribuídas a Jesus, mas não referidas pelos
Evangelhos canônicos; encontramo-las quer no resto do Novo Testamento, quer noutros escritos dos primeiros
séculos. Ou seja, aparecem nos livros extrabíblicos, por exemplo, nos evangelhos apócrifos, nos textos
gnósticos, no Talmude (ensinamento, estudo e tradições acrescentadas à Bíblia judaica), no Alcorão e escritos
de alguns padres da Igreja. Os ditos de Jesus não se encontram identificados nos Evangelhos canônicos, mas
nos Atos dos Apóstolos e nas cartas do NT, aparecem alguns ditos. Por exemplo, 1Cor 2,9; Ef 5,14; 1Pd 4,8
foram citados ocasionalmente como ditos de Jesus. – O presumido dito de Jesus At 20,35: “Há mais felicidade
em dar que em receber”.

45
Marcos descreve Jesus sobretudo como autor de milagres. As curas são narradas mais
pormenorizadamente e com todos os detalhes. Ele entende a doença das pessoas como
possessão do demônio. A primeira narração de cura indica o programa de Jesus. Quando
Jesus fala de Deus, seu modo de falar é diferente daquele dos doutores da lei. Não fala
sobre Deus, mas fala de tal forma que Deus se torna palpável. E quando Deus se torna
palpável, agitam-se os demônios, os espíritos das trevas que obscurecem o penar das
pessoas. Jesus ensina como quem tem autoridade.
O Evangelho segundo Marcos termina com o capítulo 16,8. Estes versículos são
o final primitivo desse Evangelho. A conclusão original desse Evangelho é surpreendente,
desconcertante e, termina bruscamente no versículo 8. Donde a suposição de que o final
primitivo desapareceu por alguma causa por nós desconhecida e de que a atual conclusão
foi escrita para preencher a lacuna. Por isso a nova conclusão Mc 16,9-20 difere muito do
livro até aqui; por isso é considerado obra de outro autor. Os cristãos da primeira geração
provavelmente quiseram completar o livro de Marcos com um resumo das aparições de
Jesus e uma apresentação global da missão da Igreja. Parece que se inspiraram no último
capítulo de Mateus (28,18-20), em Lucas (24,10-53) e no início do livro dos Atos dos
Apóstolos (1,1-14). Mesmo sem saber quem o autor desse acréscimo, nas palavras de
Swete, permanece o fato de que ele constitui “uma autêntica relíquia da primeira geração”.
Embora sejam acréscimo e retalhos tomados de outros escritos do Segundo
Testamento, o trecho conserva o pensamento de Marcos, isto é: os discípulos devem
continuar a ação de Jesus. Mesmo assim, esse acréscimo é canônico, ou seja, é inspirado.
Para concluir, o Evangelho segundo Marcos se dirige especialmente aos cristãos
vindos do paganismo; portanto, de origem grega ou romana. Sua linguagem é viva, direta,
muita ação, com muitas minúcias.
2.4.3. Evangelho Segundo Lucas – Lucas56 estudou medicina e estava bem situado
entre as pessoas cultas do mundo greco-romano. Ele é versado em literatura e filosofia
grega. Escreve num estilo grego primoroso. Escreve entre 80 e 90 d. C. não só o
Evangelho, mas também a continuidade da atuação de Jesus os Atos dos Apóstolos. Lucas
não chama seu livro de Evangelho, mas de “narrativa”. É um narrador magistral. Devemos
a ele as mais belas histórias como o encontro de Maria com Isabel (1,39-56), a história do
nascimento de Jesus (2,1-20) e o episódio dos discípulos de Emaús (24,13-35).
Não foi discípulo direto de Jesus, mas de Paulo, de quem se fez grande amigo,
alegrando-se e sofrendo com ele por causa do Evangelho.
Lucas escreveu o terceiro Evangelho, não como testemunha ocular, mas, investigou
os testemunhos antigos e compôs um Evangelho “em boa ordem” (Lc 1,3), conforme as
regras da historiografia de então. A “história” que Lucas escreve não é uma obra acadêmica
como fazem os historiadores de hoje, e sim, uma história teológica: organiza os dados de
maneira a transmitir a imagem de Cristo (e da primeira comunidade cristã) que só a fé pode
conceber.
Lucas é o evangelista que melhor retrata a figura de Maria, fala mais sobre as origens
e a infância de Jesus, sobre o Espírito Santo, sobre os pobres, sobre a gratuidade e a
misericórdia de Deus em Jesus em diversas linhas temáticas, especialmente através das
parábolas (por exemplo, Lc 15), sobre a gratuidade e universalidade da salvação e sobre
o perdão: “Pai, perdoa-lhes! Eles não sabem o que estão fazendo” (Lc 23,34).

56
Do latim Lucius e do grego Lukás: luz, luminoso.

46
A genealogia em Lucas só aparece quando Jesus já tinha começado o seu ministério
público, aos trinta (30) anos de idade. Enquanto Paulo remonta a genealogia de Jesus como
filho da humanidade na figura de Davi (Rm 1,3), Mateus, no seu Evangelho, sobe até
Abraão, e o evangelista Lucas faz Jesus chegar até Deus, Criador de Adão. Jesus na sua
humanidade é descendente de Adão. Em última análise, todos nós homens e mulheres
(como seres humanos) somos todos “filhos-de-Adão” (Lc 3,23-38).
Jesus educa os seus discípulos durante a última e longa viagem missionária relatada
em Lucas 9,51–19,28. Antes dessa viagem de Jesus para Jerusalém, temos o convite
fundamental para a vida: “Se alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome cada dia a
sua cruz, e siga-me” (Lc 9,23ss). Jesus é o educador que mostra, pela sua palavra e ação,
pela sua morte, ressurreição e ascensão, o caminho que leva à salvação e comunhão com o
Pai, fonte e fim de toda a vida.
O ponto alto do Evangelho segundo Lucas está nas palavras de Jesus na cruz:
“Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46).
O Evangelho segundo Lucas é o último do grupo dos sinóticos. Esse Evangelho tem
muitas coisas em comum com Marcos e Mateus. Contudo, o seu Evangelho é uma obra
autônoma e original, por isso, bem diferente.
2.4.4. Evangelho Segundo João – Antes de aparecer por escrito, o Evangelho de
57
João foi vivido por uma ou várias comunidades na mística do discípulo amado. Nasceu
aos poucos, resultado da fé e da luta de várias gerações. É por isso que podemos considerá-
lo herança de uma comunidade em que o amor era o valor absoluto, capaz de tornar todos
iguais.
Este Evangelho foi atribuído pela tradição da Igreja antiga ao apóstolo São João. Sua
mãe chamava-se Salomé (Mt 27,56). Foi chamado pelo próprio Senhor juntamente com seu
irmão Tiago (Mt 4,21-22).
João narra muito pouco. Mostra-nos Jesus em diálogo com pessoas que não o
entendem. Oitenta por cento do Evangelho são discursos e diálogos. Só vinte por cento são
narrativas. E Jesus fala outra linguagem daquela dos sinóticos.
Quanto ao Evangelho de João, é preciso dizer que este é o mais fascinante de todos os
quatro evangelhos. É um Evangelho originalíssimo. Também é o mais difícil e complexo.
Para começar, tudo indica que esse Evangelho foi elaborado em épocas diferentes, com
diversos retoques, de edições, de redações diversas, de um mesmo ensinamento, visto que
o toque final da obra foi dado alguns anos depois da destruição do Templo de Jerusalém
(70 d.C.) e publicado, não pelo próprio João, mas depois de sua morte, em Éfeso como
lugar razoável, por seus discípulos (Jo 21,14) ou por um redator final que trabalhou entre
os anos 100 e 110 da nossa era e redigiu todo o material colecionado pela evangelista (do
Discípulo Amado) entre os anos 80 e 90.
O Prólogo (Jo 1,1-18) é a mais brilhante síntese do Evangelho de João. Ele contém
em miniatura todos os grandes temas que o corpo do Evangelho vai desenvolver no
decorrer da exposição da obra. É poesia e, se excetuarmos os versículos 6-9.15, que
parecem ser um acréscimo em prosa referente a João Batista, o Prólogo pode ser dividido
da seguinte maneira: vv 1-5: a Palavra existindo desde sempre junto de Deus; vv. 10-14: a
Palavra no mundo; vv. 16-18: a Palavra no mundo voltada para Deus.

57
Do hebraico, Yôqqánan, Jehohanan: Iahweh – é gracioso, graça do Senhor; Iahweh concedeu graça,
é misericordioso.

47
O início do Prólogo é um baú de ressonâncias do Primeiro Testamento. Não é uma
pura coincidência começar com que se inicia a Bíblia grega, criando uma ponte simbólica
entre Gn 1,1 e Jo 1,1. Em ambos os casos, lá está a Palavra criadora e geradora de vida. O
que é Palavra? É força criadora que tudo dá vida. Mas o Prólogo parece ir além, fazendo
a Palavra existir desde sempre junto de Deus: “No princípio a Palavra já existia” (1,1a)
Após o prólogo inicia a primeira semana (lembra os sete dias da nova criação) do
Evangelho de João (primeira semana: Jo 1,19–11,57). Os dois os primeiros dias apresentam
o testemunho de João Batista. No primeiro dia, João Batista afirma: “No meio de vós está
alguém que vós não conheceis” (Jo 1,19-28) No segundo dia, “João viu Jesus que se
aproximava dele. E disse: ‘Eis o Cordeiro Deus, aquele que tira o pecado do mundo’”
(Jo 1,29-34).
O terceiro dia continua o testemunho de João, que provoca o seguimento de Jesus por
parte dos primeiros discípulos. Estes, por sua vez, testemunham a outros, suscitando
a adesão a Jesus (Jo 1,35-42).
No quarto e quinto dia Jesus se encontra com Felipe e o chama como apóstolo; este
se encontra com Natanael e o provoca ao seguimento de Jesus (Jo 1,43-51).
No sexto dia (Jo 2,1-12,), aqui termina a primeira semana de Jesus com a festa de
casamento em Caná. Esta festa de casamento com a transformação da água em vinho é o
primeiro sinal de Jesus. Todos os outros sinais acontecem dentro de um “sexto dia”
simbólico. De acordo com Gênesis 1, a criação aconteceu no espaço de uma semana.
No sexto dia Deus criou a humanidade à sua imagem e semelhança (Gn 1,26-27).
No Evangelho de João o sexto dia começa com o casamento em Caná da Galileia. Aí surge
a nova humanidade, formada pelos que dão sua adesão a Jesus pela fé (Jo 2,11)58.
Feita essa ligação do Evangelho de João com a Criação (Gn 1), podemos passar para
algumas observações bem rápidas quanto aos conteúdos.
O Evangelho segundo João se apresenta como os evangelhos sinópticos: começa
mostrando o testemunho de João Batista sobre Jesus, em seguida apresenta certo número de
episódios referentes à vida de Cristo, muito dos quais retoma os da tradição sinótica;
termina pelos relatos da paixão e da ressurreição. Distingue-se por vezes dos outros
evangelhos por numerosos traços: milagres que eles ignoram, como as Bodas de Caná
(a transformação da água em vinho), é bem específica ao evangelho de João a ressurreição
de Lázaro (Jo 11), longos discursos, como o que vem depois da multiplicação dos pães (Jo
6) e do Lava-pés (Jo 13–17); o Evangelho joanino prima por uma cristologia mais evoluída,
que insiste particularmente sobre a divindade de Cristo.
Ainda dentro dos temas específicos, o Evangelho segundo João remonta a um
princípio anterior a Gn 1,1 (Jo 1,1). Ele se coloca diante do mistério do próprio Deus que se
revela como Palavra viva em pessoa unida eternamente ao Pai. Isto é, o Filho único e
eterno, que está sempre em profunda intimidade com o Pai. Daí a grande revelação:
“E a Palavra se fez carne, e habitou entre nós” (Jo 1,14).
Entre os temas específicos já mencionados acima, temos ainda os “sinais” e símbolos
que apresentam e revelam Jesus como Luz, Ressurreição e Vida, Caminho, Verdade e Vida,
Pastor, Porta, Pão da vida, Pão vivo, Hora de Jesus (essa hora ainda não chegou, pois só
acontecerá na sua morte e ressurreição), o Espírito Paráclito (memória da obra
e ensinamento de Jesus), o caráter trinitário do Evangelho, sobriedade em relação à “mãe de
Jesus” (nunca designa pelo seu próprio nome), as outras personagens femininas são

58
A segunda semana inicia em Jo 12,1: “Seis dias antes da Páscoa”.

48
descritas com fina sensibilidade (a samaritana, Marta, Maria de Betânia, identificada como
a mulher que ungiu Jesus, e, sobretudo, Maria Madalena, presente ao pé da cruz e primeira
a ver o Ressuscitado e a anunciar a ressurreição). Por fim, em João faltam inteiramente
as expulsões de demônios, tão importantes nos sinóticos; o silêncio da instituição
da Eucaristia59 tão explícito nos outros evangelistas (embora, veladamente esteja implícito
no seu Evangelho 6,22-71); para João a essência da Igreja é a “permanência” do individuo
em Jesus (Jo 15,1ss) e o amor do indivíduo aos irmãos; os discípulos são mencionados seus
“amigos” por Jesus (Jo 15,14s); João não narra a iniciativa de Jesus para a entrada em
Jerusalém e a preparação do local para a ceia; tampouco faz referência à oração no horto;
João não introduz Simão de Cirene no caminho para a cruz, tampouco menciona em seu
Evangelho o princípio de carregar a cruz para seguir Jesus (Mt 10,38 e seus paralelos);
enquanto os sinóticos mencionam somente uma festa da Páscoa – aquela durante a qual
Jesus morreu –, João menciona além desta (Jo 11,55; 12,1; 12,28), mais outras duas
(Jo 2,13; 8,4). Segundo os sinóticos a atividade de Jesus durou no máximo um ano,
de acordo com João, um pouco mais que dois anos, a última permanência na Judeia e em
Jerusalém durou uma semana nos sinóticos, em João ela se estendeu da festa dos
tabernáculos (Jo 7,2.10) até a festa da páscoa (Jo 11,55, etc.), portanto aproximadamente
meio ano.
O Evangelho segundo João tem 21 capítulos, sendo o último um acréscimo evidente:
provavelmente por um membro da escola de João, e muito cedo, pois consta em todos os
manuscritos. Não obstante, é canônico como o resto. Esse capítulo 21 relata a terceira
e última aparição de Jesus aos apóstolos, única realizada na Galileia (cf. Mt 28.16-20).
Este é o Evangelho que continua fascinando as gerações de todos os tempos.
O Quarto Evangelho proclama a fé em Jesus para provocar a fé dos outros, por isso
esse Evangelho é o mais puro e radical. Somos desafiados diante de Jesus de estar por Ele
ou contra Ele, fé ou incredulidade.
2.4.5. Atos dos Apóstolos – Esta obra foi escrita provavelmente entre 80 e 90 d.C.
Seu autor é o mesmo do terceiro Evangelho. A tradição o identifica com Lucas, o médico
que acompanhou Paulo (Cl 4,14; Fl 24).
Os evangelhos apresentam-nos a Pessoa de Jesus, sua missão e a sua atividade na
terra. Os Atos dos Apóstolos nos mostram o que aconteceu logo após o cumprimento da
missão de Jesus neste mundo. No Evangelho vemos Cristo fundando a sua Igreja. No livro
dos Atos dos Apóstolos, vemos essa mesma Igreja dando os primeiros passos e espalhando-
se pelo mundo.
O livro dos Atos é como uma continuação do terceiro Evangelho, como está escrito
no início (At, 1,1). Essa continuação do Evangelho em Atos está muito clara, quando Lucas
faz a ligação do mesmo episódio da Ascensão no fim do seu Evangelho (Lc 24,50-53) e
retoma em Atos 1,6-11. Em seguida, prossegue numa sequência cronológica: a volta dos
apóstolos a Jerusalém, a escolha de Matias em substituição a Judas Iscariotes, a vinda do
Espírito Santo, as primeiras pregações dos apóstolos em Jerusalém e o testemunho da
Ressurreição do Senhor.
59
Jesus nos explica o mistério da Eucaristia no chamado discurso do pão. Jesus como pessoa é o Pão que nos
alimenta em nosso caminho para a Terra Prometida. E Jesus se dá a si mesmo no pão. É sua carne para vida
do mundo (6,51). Eucaristia e fé formam uma coisa só. Se eu acreditar nas palavras de Jesus, então Jesus é
pão para mim, então posso viver realmente. Assim, torno-me um com Cristo e experimento nisso vida eterna,
via em que coincidem já agora tempo e eternidade, céu e terra. Outra interpretação da Eucaristia nos dá João
no relato do lava-pés (13,1-20).

49
As duas personagens em destaque nos Atos são os apóstolos Pedro e Paulo. São
Pedro, nos primeiros doze capítulos; e São Paulo, nos restantes 16 capítulos. O que é bem
destacado é a ação do Espírito Santo em todas as ações missionárias da Igreja. O livro dos
Atos testemunha o ardor missionário dos apóstolos e dos primeiros cristãos.
2.4.6. Carta aos Romanos – Primeiramente, Paulo60 é o maior apóstolo, também é o
maior escritor do cristianismo. Sem dúvida, Paulo é uma das figuras mais importantes do
Segundo Testamento. Depois de Jesus Cristo, a figura que mais sobressai no Novo
Testamento é Paulo. Segundo os historiadores, Paulo nasceu entre os anos sete e 10 da era
cristã61, na cidade de Tarso da Cilícia, atual Turquia (At 9,11).
Paulo cresceu numa metrópole, uma cidade grande para a época, com cerca de 300
mil habitantes. Conhecia muito bem a cultura urbana, de modo particular a linguagem e as
necessidades das pessoas. Ele tinha contato com as escolas filosóficas, mercado de
escravos, festivais de cultura e muito esporte. Ele era um homem de cultura urbana. Paulo
conhecia o hebraico, o aramaico, o grego e talvez o latim. Não se comunica apenas
oralmente, mas também por escrito, por cartas. Nelas o vemos falando uma linguagem
inculturada. Em outras palavras, ele recria a mensagem com base nos valores culturais da
grande cidade. Ele fala, por exemplo, do arquiteto (1Cor 3,10-17), dos espetáculos nas
arenas (1Cor 4,9; compare com 2Cor 4,8-10), do pedagogo (1Cor 4,15), da compra
(resgate) de escravos no mercado (1Cor 6,20; 7,23; Gl 3,13; 4,5; Rm 3,24). Em seus
escritos estão presentes as competições esportivas, elemento bastante estranho à cultura
judaica da época (atletismo: 1Cor 9,24-27; Fl 3,13-14; 2 Tm 4,7; pugilato: 1Cor 9,26b).
Toma como comparação o soldado (armado: Ef 6,10-17; vencedor: 2Tm 4,7); fala dos
instrumentos musicais (1Cor 14,7-8; conhece a parada militar dos generais vencedores e
sabe que o povo a aprecia (2Cor 2,14-16).
É dentro deste contexto cultural urbano que Paulo, como filho de judeus, cidadão
romano (de “nascença”: At 22,29), da tribo de Benjamim, quando ainda jovem foi para
Jerusalém, onde se especializou no conhecimento da sua religião com o rabino Gamaliel 62.
Tornou-se mestre e fariseu, ou seja, especialista rigoroso e escrupuloso no cumprimento de
toda a Lei judaica. Ele tinha a capacidade de adaptar o evangelho à linguagem do contexto
cultural em que vivia. Os escritos de Paulo revelam toda essa realidade da cultural urbana e
da visão judaica. Ele utiliza palavras empregadas nas cidades, por exemplo, estádios,
competições esportivas, desfiles, armaduras.
Paulo foi quem criou a comunicação escrita no Segundo Testamento e foi aquele que
mais escreveu.
Quanto às cartas paulinas que são os primeiros escritos do Novo Testamento, são
obras anteriores à história da redação dos evangelhos; elas foram escritas de forma direta
sem passar por um complexo processo redacional. Elas surgiram a partir de circunstâncias
especiais e de forma pessoal. Foram escritas para atender às urgentes necessidades

60
Na homilia de Bento XVI, na celebração das Primeiras Vésperas da Solenidade dos Santos Pedro e Paulo,
no dia 28 de junho de 2007, na Basílica de São Paulo Fora dos Muros da cidade de Roma, foi anunciado
oficialmente um especial Ano Jubilar, desde 28 de junho de 2008 até 29 de junho de 2009, por ocasião do
bimilenário do seu nascimento, inserido pelos historiadores entre os anos 7 e 10 d.C.
61
Jesus era de cinco a oito anos mais velho que Paulo. Jesus era do campo, do interior. Paulo era da cidade.
62
Os quatro períodos da vida de São Paulo: 1º. Do nascimento aos 28 anos de idade: o judeu observante;
2º. Dos 28 aos 41 anos de idade: o convertido fervoroso; 3º. Dos 41 aos 53 anos de idade: o missionário
itinerante; 4º. Dos 53 até a morte aos 62 de idade: o prisioneiro (quatro anos) e o organizador das
comunidades (mais cinco anos).

50
formativas e orientações teológico-pastorais das comunidades recém fundadas por Paulo.
Em si, elas fazem parte de sua pregação do “querigma” apostólico, proclamação do Cristo
crucificado e ressuscitado conforme as Escrituras. “Seu Evangelho” (Rm 2,16; 16,25) não
lhe é próprio; é o da fé comum (cf. Gl 1,6-9; 2,2). Os escritos epistolários paulinos estão
fundamentados na revelação63 categórica ou explícita do Cristo, morto e ressuscitado: fonte
de Salvação para a humanidade
Ao todo são catorze cartas ou Epístolas chamadas “Cartas Paulinas”, embora elas não
sejam todas escritas pessoalmente por Paulo. Mas elas mantêm a unidade da doutrina do
Apóstolo.
Os motivos de suas cartas são evidentemente pastorais. Procura iluminar, com
o Evangelho oral e pregado por ele, os problemas enfrentados pelas comunidades cristãs.
Esta carta é dirigida aos cristãos de Roma 64. A Carta aos Romanos é supostamente a
última carta que Paulo escreveu, num momento crítico de sua vida. De acordo com 15,19-
24, o apóstolo encontra-se no fim de sua atividade no oriente, terminou de anunciar
Evangelho desde Jerusalém, seu ponto de partida, até Ilírico 65, sua área missionária mias
ocidental, e “não tem mais espaço nessas regiões”; por isso quer ir a Roma e daí para a
Espanha. De momento, porém, está de partida para Jerusalém, a fim de entregar à
comunidade primitiva a coleta da Macedônia e Acaia66 (15,25.29).
O que deve ser ressaltado que esta carta é a mais doutrinária de Paulo, escrita em tom
sereno (diferente de Gl, que em boa parte expõe o mesmo tema). A população da cidade de
Roma ultrapassava da casa de um milhão de habitantes (mais da metade eram escravos).
Todas as cartas paulinas foram escritas em grego. A Carta aos Romanos foi escrita muito
provavelmente durante sua terceira estada em Corinto, antes da Páscoa do ano de sua prisão
(não antes de 56, não depois de 59 d.C.), provavelmente por volta de 57 d. C.
Paulo nessa Carta fala sobre a justificação da fé em Jesus Cristo; sobre a justiça
salvadora e libertadora; sobre a gratuidade da graça e da universalidade da salvação.
Escreve que o homem é incapaz de salvar-se por seus próprios merecimentos. Somos salvos
pela fé em Jesus Cristo, por pura misericórdia de Deus.
2.4.7. Primeira Carta aos Coríntios – Esta carta aos coríntios faz parte de uma
correspondência intensa entre Paulo e a Igreja de Corinto 67. Essa cidade grega era rica e
com um importante porto comercial, em torno de 600.000 habitantes (é a população da
cidade de são José dos Campos), na maioria escrava.
Paulo menciona uma carta “pré-canônica” em 1Cor 5,9-13 (talvez o fragmento que
atualmente se encontra em 2Cor 6,14–7,1).
63
Aqui, no Novo Testamento, a revelação não é transmissão de conhecimento, e, sim, evento salvífico. Deus
se revela agindo concretamente no Cristo de Nazaré.
64
As origens da cidade de Roma perdem-se na lenda. Seu nome derivaria do nome do seu fundador Rômulo,
cujos antepassados teriam escapado da destruição de Troia pelos gregos. A data da sua fundação remontaria a
21 de abril de 753 a.C., ano a partir do qual os romanos posteriores dataram a sua história.
65
Ilírico ou Ilíria é região montanhosa situada a noroeste dos países balcânicos, chamada depois Dalmácia,
atualmente Albânia e Iugoslávia.
66
Acaia é a região meridional (sul) da Grécia. Nos tempos de Crsito e da Igreja primitiva era uma província
romana. Sua capital era Corinto.
67
Corinto foi destruída por tropas militares romanas em 146 a. C. e foi repovoada somente 100 anos depois,
sobretudo por veteranos romanos, gregos, judeus e escravos. Corinto não tinha boa fama. Esta cidade era
considerada centro de prostituição. A comunidade cristã teve sua origem com um casal judeu-cristão: Áquila e
Priscila. O chefe da sinagoga, Crispo, tornou-se cristão. Mas a maioria dos cristãos vinha do paganismo.
Havia pessoas de todas as classes sociais: gente das classes superiores, artesãos, assalariados e escravos.

51
A atual primeira Carta aos Coríntios foi redigida provavelmente entre os anos de 54 e
56, na Grécia, em Éfeso. A comunidade de Corinto estava dividida: os grupos brigavam
entre si, cada um se apoiando na autoridade de algum pregador do Evangelho. Por isso, o
primeiro objetivo de Paulo é restabelecer a unidade, advertindo que o único líder ou Mestre
é Cristo, e este não está dividido. Aproveita da situação para traçar um retrato do verdadeiro
agente evangelizador (1Cor 1–4). Depois passa a denunciar os escândalos que acontecem
na comunidade: julgamento em tribunais pagãos68 e a imoralidade, e vai elaborando uma
teologia do corpo, pois este é templo do Espírito Santo (1Cor 5–7).
Nesta Carta, Paulo insiste fortemente sobre o verdadeiro caminho que ultrapassa a
todos os dons e aos quais todos os membros da comunidade devem aspirar é o amor
(a caridade). O amor, a caridade é a fonte de qualquer comportamento verdadeiramente
humano, pois leva a pessoa a discernir as situações e a criar gestos oportunos, capazes
de responder adequadamente aos problemas. Não há nada neste mundo que o possa
substituir e estar acima do amor: daí o famoso hino à caridade (1Cor 12,31–13,13).
2.4.8. Segunda Carta aos Coríntios – Seis meses depois, Paulo escreveu a segunda
Carta aos cristãos da cidade de Corinto. Manifesta suas tribulações e esperança. Paulo
defende os direitos gerais de apóstolo e se defende também das acusações que os fiéis
fazem contra sua pessoa. Podemos ressaltar o desabafo de Paulo a partir da 2Cor 10–13:
carta severa escrita entre lágrimas. Ele defende ardorosamente a autenticidade do seu
ministério, fazendo uma espécie de diário apaixonado de sua vida de apóstolo. Os coríntios
o haviam pressionado, exigindo contas quanto à origem de sua vocação, à autenticidade do
seu Evangelho e à sinceridade do seu comportamento. Paulo reage magoado; mas, com
firmeza e de coração aberto, expõe a sua vida. Revela sua personalidade exuberante
e contraditória: ele é forte e fraco, audaz e reservado, impetuoso e terno, mas sempre fiel
à missão apostólica e plenamente convicto do Evangelho que prega.
A segunda Carta é bastante pessoal. Paulo escreve sobre sua decepção e suas aflições
interiores, mas também sobre a certeza de que em toda decomposição (do ser humano
exterior) e o ser humano interior se renova (2 Cor 4,6). A mensagem que nos, como
cristãos, temos de anunciar ao mundo é a mensagem da reconciliação.
2.4.9. Carta aos Gálatas – Galácia não é uma cidade, mas uma região da Ásia
Menor. Esta Carta foi escrita no fim da estada de Paulo em Éfeso, provavelmente no
inverno de 56 a 57. É a única carta de Paulo que começa sem a costumeira ação de graças e
não termina com bênção, fato que testemunha a sua indignação. Prova disto está nesse
versículo: “De agora em diante ninguém mais me moleste, pois trago em meu corpo as
marcas de Jesus” (Gl 6,17). De fato, em tom agressivo, ele defende o seu apostolado
e doutrina, reafirmando que o Evangelho nada tem a ver com a Lei mosaica nem com
qualquer outro tipo de espiritualidade legalista. Paulo critica a imaturidade da fé dos
gálatas. Insiste que a cruz de Cristo é o marco do único Evangelho; toda a salvação passa
por aí.
A Carta aos Gálatas foi definida como o manifesto da liberdade cristã
e universalidade da Igreja. Ao ler a carta aos gálatas, nós, cristãos de hoje, somos
convidados a uma séria revisão: onde está a motivação fundamental que dirige a nossa vida
cristã, numa série de observâncias mecânicas de leis e ritos? Ou no compromisso com Jesus
Cristo, que se realiza através de amor responsável e criativo?
68
Este termo vem do latim paganus: habitante do campo (pagus). Pagãos são os não cristãos que iam ficando
nos meios rurais quando o cristianismo começou a se estender no império romano, sobretudo nas cidades.

52
2.4.10. Carta aos Efésios – As quatro cartas aos Filipenses, a Filêmon,
aos Colossenses e aos Efésios formam o grupo das Cartas do Cativeiro. As três primeiras
foram muito provavelmente escritas em Éfeso, entre 55 e 57. E a Carta aos Efésios foi
escrita em Roma como lugar de seu cativeiro, entre 61 a 62.
A carta aos Efésios é uma carta circular dirigida aos cristãos da Ásia Menor (hoje
Turquia), província romana que tinha a cidade de Éfeso como capital. Recomenda
a unidade dos cristãos. Aí Paulo trata do mistério de Cristo na Igreja. É interessante como o
Apóstolo coloca o centro de atenção, no nível do cotidiano, seja a família, pois além de ser
a célula fundamental da sociedade daquele tempo, ela é também a primeira Igreja,
como a primeira eclesiologia.
A carta aos Efésios pertence aos “escritos teológicos mais importantes do Segundo
Testamento” (Franz Mussner). Desenvolve sobretudo uma teologia da Igreja antes
desconhecida. O etilo e a argumentação teológica são diferentes das outras cartas de Paulo.
Por isso dizem os exegetas que esta carta foi escrita por outro autor e tão-só entre 80 e 100,
ou seja, muito depois das cartas de Paulo.
2.4.11. Carta aos Filipenses – Primeiramente, a cidade de Filipos foi fundada nos
anos 358/357 a. C. pelo rei Filipe II da Macedônia, o pai de Alexandre Mango, e foi
transitoriamente cidade residencial da Macedônia. Por sua localização favorável (próxima à
cidade portuária de Nápoles e do mar Egeu), pela fertilidade da planície da Macedônia
oriental e por meio da ocorrência de minérios (minas de ouro e prata) a cidade conservou
sua importância econômica também nas turbulências políticas dos dois últimos séculos pré-
cristãos.
Filipos tem a honra de ter sido a primeira cidade europeia que recebeu a mensagem
cristã (At 16,6-40). Paulo e Silas estiveram aí na primavera do ano 50, durante a segunda
viagem missionária. O primeiro núcleo da comunidade começa na casa de Lídia. Esta
mulher de boa posição social foi à primeira “europeia” convertida ao Evangelho pela
palavra de Paulo.
A carta aos Filipenses foi escrita em Éfeso, ou em Roma, provavelmente entre 55 e
57. Essa Carta tem um cunho bem pessoal. Depois de ação de graças e prece inicial (Fl 1,3-
11), Paulo comenta seus sofrimentos: sua vida se identifica com o destino do Evangelho e
com o próprio Cristo.
Paulo quer informar a comunidade sobre sua situação, encorajá-la em sua situação de
perseguição e recomendar-lhe Timóteo e Epafrodito. Outro motivo da carta é o
aparecimento de falsos mestres em Filipos (cf. Fl 3,2).
Esta carta recolhe um dos hinos cristológicos mais antigos das comunidades do
Segundo Testamento, hino a Jesus Cristo Senhor e por ele ao Pai (Fl 2,4-11). Esse hino
pode ser datado cerca de vinte anos depois da morte de Jesus. Temos aí uma cristologia
plenamente desenvolvida, na qual se proclama que Jesus era igual a Deus, mas que se
desfez de si mesmo, se fez homem, se humilhou até a morte na cruz, e que agora Lhe é
devida a veneração cósmica, a adoração que Deus anunciou no profeta Isaias (Is 45,23),
como devida apenas a Ele.
A comunidade de Filipos era especialmente querida de Paulo. Foi só por ela que se
deixou sustentar financeiramente. Filipos era habitada por veteranos romanos, mas também
por judeus e gregos.

53
2.4.12. Carta aos Colossenses – Colossas (ou Colossos) é uma pequena cidade da
Ásia Menor evangelizada por Epafras, discípulo de Paulo (Cl 1,7; 4,12s).
Paulo fala nessa Carta do mistério de Cristo na Igreja e acrescenta uma série de
conselhos morais aos cristãos, que vivem uma vida nova em Jesus Cristo.
Sempre atual é o apelo de Paulo a todos os batizados para que vivam a plenitude da
vida nova em Cristo (Cl 2,6-15). “Mas sobre tudo isso, revesti-vos da caridade, que é
vínculo da perfeição. E reine nos vossos corações a paz de Cristo, à qual fostes chamados
em um só coração” (Cl, 3,14s).
A comunidade de Colossos era constituída sobretudo por cristãos vindos do
paganismo. A pesquisa modera Liz que não é Paulo o autor da carta, mas um discípulo seu,
logo após a morte do Paulo, por volta do ano 70.
O maravilhoso hino a Cristo (1,15-20) descreve Cristo como o primogênito de toda a
criação a imagem do Deus invisível, como o princípio. Nele quis Deus fazer habitar toda a
plenitude.
2.4.13. Primeira Carta aos Tessalonicenses – Tessalônica, atual Saloniki, era capital
da província romana da Macedônia desde 146 a.C. É uma grande cidade portuária,
comercial que une o sul da Itália e Ásia Menor e ponto de encontro para muitos pensadores
e pregadores das mais diversas filosofias e religiões.
A Primeira Carta aos Tessalonicenses é o mais antigo escrito do Segundo Testamento.
É o primeiro escrito da Sagrada Escritura do Segundo Testamento e do cristianismo. Paulo
escreveu esta Carta à Igreja de Tessalônica, que ele fundou, acompanhado por Timóteo na
segunda viagem missionária, por volta de 50 ou 51 d.C.
Paulo aborda o tema da nova vinda de Cristo. Os primeiros cristãos esperavam a nova
vinda bem rápida de Cristo. Muitos já morreram, antes da volta de Cristo. Paulo ensina a
seus destinatários que, como cristãos, não precisam ficar de luto por seus falecidos. Pois
Cristo, como ressuscitado, vai conduzi-los à ressurreição. O objetivo final dessa nossa vida
é estar com o Senhor. Na morte, estaremos eternamente com o Senhor.
Em fim, é uma verdadeira carta pastoral: o pastor fala, à distância, com seu rebanho,
para fortalecê-lo em sua caminhada.
2.4.14. Segunda Carta aos Tessalonicenses – Esta Carta foi escrita depois da
primeira, após a morte de Paulo. Tem a intenção de corrigir certas opiniões errôneas, que
surgiu da não correta compreensão do tema sobre a vinda de Cristo da primeira Carta aos
Tessalonicenses. Esse tema veio a ser um problema para os cristãos. A ideia corrente entre
aquela comunidade era que não valia mais a pena esforçar-se na vida do dia-a-dia, porque a
Parusia ou a volta de Cristo estava para acontecer.
Para responder a essas opiniões enlouquecidas, o autor – provavelmente um discípulo
de Paulo, após a sua morte – descreve, à maneira dos “apocalipses” judaicos, em
linguagem altamente simbólica, as coisas que devem acontecer antes que a parusia se
realize.
O autor desta segunda Carta aos Tessalonicenses foi escrito por um discípulo na
“máscara de Paulo”, ou “simulação de uma carta de Paulo”. Isto para que a Carta
permanecesse sob a autoridade da grande figura de Paulo.
2.4.15. Primeira Carta a Timóteo – As cartas a Timóteo e a Tito não são dirigidas a
comunidades, mas a pessoas individuais, colaboradores e sucessores de Paulo em sua
missão pastoral. São chamadas “Cartas Pastorais”.

54
Timóteo se tornou colaborador de Paulo sendo ainda muito jovem (1Tm 4,12). Esta
Carta deve ter sido escrita em 64 a 65 e apresenta Timóteo como responsável pela Igreja de
Éfeso.
2.4.16. Segunda Carta a Timóteo – Esta Carta a Timóteo é a que mais merece o
nome de “Testamento Espiritual” de Paulo. “Já estou sendo oferecido em libação, pois
chegou o tempo da minha partida...” (2Tm 4,6-7).
Nessa Carta, o autor dá normas de vida para homens, mulheres, diáconos e bispos.
Fala-se também aí como devemos tratar as viúvas, os anciãos e os escravos.
Detalhes de sabor pessoal fazem desta carta um retrato vivo do velho Apóstolo,
preocupado até com seu manto e seu material para escrever (2Tm 6,13).
Não obstante todo o caráter pessoal paulino que aparece nesta carta, segundo os
exegetas modernos, a primeira e a segunda epistolas a Timóteo foram escritas,
provavelmente, por volta do ano 100, portanto não por Paulo, mas por um discípulo,
provavelmente por um bispo que invoca a autoridade de São Paulo69.
2.4.17. Carta a Tito – Tito era um cristão convertido do paganismo, grego,
mencionado em Gl 2,1-3 como companheiro de Paulo numa reunião de Jerusalém e foi
enviado como mediador no conflito entre Paulo e os coríntios (2Cor 7,7.13.15).
A carta foi escrita provavelmente pelos anos 64 e 65. Tito seu destinatário, é delegado
pessoal de Paulo na ilha de Greta. O centro da carta é a “sã doutrina”, isto é, a vontade
salvadora de Deus e a salvação gratuita trazida por Cristo. Tito deve instituir presbíteros, a
fim de organizar aquela comunidade.
2.4.18. Carta a Filêmon – Esta carta é uma joia no tesouro Paulino. Trata-se de um
assunto muito delicado, pessoal íntimo. Por isso, a mais breve e a única escrita de próprio
punho. Paulo escreve esta carta em uma prisão (Fl 1 e 9), provavelmente em Éfeso, por
volta de 55 da era cristã. Por essa época, a comunidade de Colossas se reunia na casa de
Filêmon. Um escravo desse senhor, chamado Onésimo (Cl 4,9), fugiu para dar assistência a
Paulo na prisão. Paulo o batizou e agora escreve uma carta de recomendação, para que
Filêmon receba Onésimo (esse nome significa útil, enquanto o termo escravo era inútil) de
volta, sem castigá-lo (ou matá-lo, como os costumes escravistas permitiam), mas como
irmão em Cristo.
2.4.19. Carta aos Hebreus – O escrito conhecido como a Carta aos Hebreus, de carta
só tem as saudações finais. Não tem introdução. Na realidade, é uma homilia. Dirige-se
a judeus convertidos, familiarizados com o culto e o sacerdócio de Israel, a qual a carta
incessantemente se refere. A mensagem central, segundo o próprio autor (Hb 8,1), é que
agora temos um sacerdócio e um sacrifício melhores: Jesus Cristo, o qual se oferece a si
mesmo, instaurando assim a nova e definitiva Aliança.
O autor desta carta desenvolve uma nova teologia, interpretando de modo novo os
escritos do Primeiro Testamento. Mas vincula as afirmações do Primeiro Testamento a
pensamentos da filosofia grega, à ideia, por exemplo, de que descendemos todos de Um, de
que temos todos em Deus nossa origem (2,11). Sua argumentação queria impor-se também
à filosofia helenística. Queria convencer também os cristãos mais cultos.
Como obra é o melhor grego de todo o Novo Testamento. O autor desenvolve uma
teologia nova para reanimar em sua fé os cristãos desanimados e imprimir-lhes novo vigor.

69
Cf. Anselm Grün. Bíblia – Reflexões e Meditações. p.136.

55
Não é de Paulo. Seu autor é desconhecido, a data da redação dessa obra nos remete
para os anos 80 e 90. E talvez se possa dizer algo sobre o lugar de onde o escrito partiu: o
bilhete final fala que “os da Itália” mandam sudações à comunidade que recebe o texto (Hb
13,24). Talvez o escrito tenha surgido em Roma e daí enviado.
2.4.20. Carta de Tiago – A Carta de Tiago é a primeira da coleção chamada “Cartas
Católicas”. O autor apresenta-se como “Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo” (Tg
1,1). Sabemos que ele estava, com seu irmão Judas, entre os parentes de Jesus, que no
início de sua vida pública não aceitavam sua pregação (Mc 6,3; Jo 7,5), mas depois
parecem ter aderido (At 1,14; a mãe de “Tiago Menor” está ao pé da cruz e é testemunho do
sepulcro vazio, na manhã da ressurreição, Mc 1,40; 16,1).
Costumamos chamá-la carta, ainda que de carta tenha bem pouco: uma breve
saudação muito pouco convencional. Tampouco é uma homilia ou um pequeno tratado.
Parece mais um escrito sapiencial do Primeiro Testamento: assemelha-se mais às breves
instruções temáticas do Eclesiástico.
Esse Tiago, o irmão do Senhor (primo de Jesus, Mc 6,3), dirigiu a Igreja de
Jerusalém (At 15,13) e morreu mártir no ano 62. Diversas razões, porém, fazem pensar que
o verdadeiro autor da Carta é um judeu de origem grega do final do século I, e que escreveu
a carta a cerca entre 80 e 100. A carta leva o nome de Tiago para dar maior autoridade e
crédito à mensagem do escritor.
2.4.21. Primeira Carta de Pedro – Esta Carta foi escrita “aos que vivem dispersos
como estrangeiros” (I Pd 1,1) por todas as regiões da Ásia Menor (Turquia). Esses sofriam
humilhações, injúrias, perseguições por serem estrangeiros e cristãos. Pedro, ou outro autor,
escreve, mostrando que a união entre eles, seja na família, seja na comunidade, há de ser
tão fraterna e acolhedora que formem juntos “a casa de Deus”.
Se o autor é Pedro, a carta deveria ter sido escrita antes e 67, data limite do seu
martírio. Se for um discípulo de outra geração, seria durante a perseguição de Domiciano,
entre os anos 95 e 96 a.C.
Seja quem for o autor da carta afirma estar em Babilônia quando a escreve
(1Pd 5,13). Outra indicação que é preciso decifrar: vários textos judeus da época (veja Ap
18) referem-se a Roma qualificando-a como Babilônia, terra da violência e da opressão.
Mas talvez se deva tomar esse nome e outro sentido: como indicativo da situação vivida
pelo autor, um exílio (o que Babilônia provocaria aos judeus séculos antes). Em outras
palavras, quem escreveu a carta compartilha do destino da gente que a deveria receber.
2.4.22. Segunda Carta de Pedro – O autor desta carta imita o gênero literário do
“Testamento dos antepassados”, comum naquela época: coloca conselhos e advertências na
boca dos patriarcas que estão próximos à morte. Os destinatários são fiéis (2Pd 1,1)
convertidos do paganismo. A carta sugere conforme seu estilo, as influências estoicas,
o tipo de heresias que combate.
Seu estilo é pomposo, as imagens rebuscadas, o tom polêmico para fora e para
dentro; são abundantes os adjetivos, nem sempre felizes; gosta de imagens fortes, quase
apocalípticas.
Em poucas palavras, a carta é uma lição importante para o cristianismo, que deve
aceitar ser fermento dentro de uma longa história, embora deva recusar um estabelecimento
triunfal no momento da história. Esta carta de Pedro parece ter semelhança com a carta de
Judas. É possível que entre estas cartas haja alguma dependência de fonte.

56
Pela análise conclui-se que esta carta é bem posterior a Primeira Carta de Pedro,
devendo ser situado por volta do ano 100 d.C. Alguns pensam que seja o último escrito do
Segundo Testamento. Há exegetas que colocam a Segunda Carta de Pedro entre 110 e 150,
escrito por um judeu-cristão helenista, que se apoia na autoridade de Pedro.
Se o autor não é Pedro, mostra-nos contudo como um cristão de outra geração
imaginava Pedro; testemunha da transfiguração (2Pd 1,18). O importante para nós é que o
texto é uma obra inspirada. Com certeza, e a carta tem algo de importante para nos oferecer
no crescimento da fé.
2.4.23. Primeira Carta de João – A primeira Carta de João não tem forma de carta:
faltam endereço e assinatura. É na realidade uma homilia ou exortação enviada por escrito.
Não sabemos a que comunidade foi dirigida, mas pelo conteúdo podemos adivinhar
a situação. Os fiéis se sentem inseguros: será que eles têm comunhão com Cristo, a
comunhão com Cristo e com Deus? A essa certeza, a Primeira Carta de João responde:
o verdadeiro conhecimento de Cristo, a comunhão com ele e com Deus consiste na fé e no
amor: quem crê que Jesus, que viveu entre nós (em carne, isto é: como verdadeiro homem,
1Jo 4,2), veio da parte do Pai; e em praticar sua palavra, amando os irmãos e repartindo
com eles os bens deste mundo. Isso se chama andar na luz. Quem faz isso pode estar
seguro.
O Quarto Evangelho e as três cartas de João fazem parte da tradição do Discípulo
Amado. No final do século primeiro entre os anos de 90 a 120, há uma nova crise no
interior da comunidade do Discípulo Amado70. As três cartas têm em vista a unidade da
Igreja, no interior das comunidades e em sua ligação com as comunidades dos Doze.
A Primeira Carta de João era dirigida às comunidades cristãs da Ásia Menor, que
passavam por séria crise por um grupo de dissidentes que propunham uma doutrina
gnóstica. Esta doutrina afirmava que o ser humano se salva graças a um conhecimento
religioso especial e pessoal. Esse mesmo grupo negava que Jesus era o Messias e o Filho de
Deus encarnado.
2.4.24. Segunda Carta de João – A Segunda e Terceira Cartas de João são
semelhantes no formato, especialmente na abertura e na conclusão. A Segunda Carta tem
semelhança com a Primeira de João, principalmente na ênfase no mandamento do amor ao
próximo (2Jo 5-7; 1Jo 2,7-8). Denuncia os anticristos que negam que Jesus veio na carne
(1Jo 2,18-19; 4,1-2).
A carta se dirige a uma comunidade personificada como “Senhora eleita” (2Jo 1).
Trata-se de comunidade exposta à ameaça de perder o próprio coração da fé e da vida
cristã.
O ancião – o presbítero – representa os antigos da comunidade que tinha visto e
ouvido o Discípulo Amado, o qual, por sua vez, tinha visto e ouvido o próprio Jesus. O
ancião é membro da comunidade dos anciãos e das anciãs que transmitem e são
responsáveis pela tradição autênticas de Jesus e do Discípulo Amado, guiados pelo Espírito
da verdade, dentro da comunidade na qual todos são mestres guiados pelo Espírito da
verdade (1Jo 2,27; 4,1-6).

70
Em Jo 13,23, mencionar-se pela primeira vez Ester discípulo, que nunca será designado pelo nome
(Jo 19,26; 20,2; 21,7.20). Na verdade, o discípulo amado representa a comunidade enquanto seus membros
são amigos e companheiros de Jesus. Sendo o confidente e companheiro inseparável de Jesus. Este discípulo,
figura da comunidade como “prolongamento ou continuação” de Jesus.

57
2.4.25. Terceira Carta de João – Esta é uma carta (ou bilhete) de encorajamento,
que apresenta situação de pessoas bem concretas. O “Ancião” é responsável por um grupo
de comunidades, e está encontrando a oposição de Diótrefes, o bispo de uma Igreja local,
a quem acusa de ser dominador e de ter uma língua ferina ou difamadora. Parece que esse
tal Diótrefes não confiava nos missionários itinerantes ou se sentia ameaçado, a ponto de
excomungá-los.
2.4.26. Carta de Judas – O autor se apresenta como Judas, irmão de Tiago.
Provavelmente, trata-se de Judas, irmão de Tiago e “irmão do Senhor” (Mc 6,3; Mt 13,55).
Não pertence ao grupo dos Doze, pois deles se distingue (Jd 17). Mas os críticos duvidam
que o autor da epístola seja deste Judas. De qualquer forma o autor é um judeu-cristão de
língua grega, que lembra a figura do famoso bispo de Jerusalém e parente de Jesus
(At 12,17; Gl 1,19; 2,9.12) para motivar os leitores judeu-cristãos que o conheceram.
A carta não é atraente. A rigor, Tiago é um texto sapiencial. Tem um tom exortativo.
Alerta diante de situações do cotidiano. Sim, ele faz pensar nos textos da Escrituras,
especialmente Provérbios e Eclesiástico (também chamado de Sirácida ou Ben Sirac),
quanto ao conteúdo e ao tom do seu escrito.
O texto talvez nos ensine que, diante de certos erros doutrinais e morais, é preciso
tomar posição clara e firme. A carta foi aceita como canônica pela maioria das Igrejas
somente pelo ano 200 d.C., talvez em razão do uso que nela se faz dos apócrifos “Assunção
de Moisés”, Henoc (Jd 7.9.14s).
A carta destina-se “aos que foram chamados, amados por Deus Pai e guardados em
Jesus Cristo” (Jd 1) em geral, e contêm uma veemente crítica aos ”ímpios” que se
introduzem sorrateiramente na comunidade, com ataques violentos e genéricos. É difícil
traçar o perfil dos falsos mestres. Provavelmente, trata-se de movimentos gnósticos
denunciados no Apocalipse de João 2, 6.14s.20s.
A carta foi escrita para comunidades judeu-cristãs por volta do ano 90.
2.4.27. Apocalipse de João – Apocalipse quer dizer revelação (A 1,1). Este livro,
portanto, é uma mensagem reveladora.
O gênero literário apocalíptico, muito em voga no judaísmo entre os anos 200 a.C. e
200 d.C., caracteriza-se pela linguagem misteriosa, cheia de símbolos, suspenses, visões e
aparições celestes. Nesse gênero literário, estranho para nós hoje, os detalhes concretos e
uma descrição de imagens com cores e números, assumem dimensões simbólicas que
devem ser traduzidas intelectualmente.
O Apocalipse de João abrange um tempo de decadência, de crise, e a autoridade do
império romano estava seriamente abalada. O contexto político da sociedade daquela época
pode ser compreendido a partir da atuação dos imperadores: Nero (54-68 d.C.), Vespasiano
(69-70 d.C.), este criou a religião imperial, isto é, o culto aos imperadores mortos, além de
atribuir a si mesmos títulos divinos, como “salvador, “benfeitor”, “senhor”; Domiciano (81-
96 d.C.) para manter o império unido, impôs essa religião imperial a todos os povos
dominados, exigindo exclusive o culto ao imperador vivo. Quem recusasse tal culto, era
considerado inimigo, e por isso perseguido e morto.
Dentro dessa situação de pressões externas, perseguições e desistências promovidas
pelo regime político do Império romano, é que deve ser lido e entendido o livro
do Apocalipse de João.
O autor do Apocalipse quer advertir os cristãos quanto aos perigos internos e externos
e animar, fortalecer as comunidades para os momentos difíceis que deverão ser enfrentados

58
por causa da fé. Quer avisar e animar seus irmãos na fé para a grande prova que
se avizinha. Na verdade, o autor pretende mostrar a situação real e traçar uma estratégia de
resistência e ação. O autor quer prevenir e antecipar para o testemunho. É um apelo
à firmeza e uma mensagem de esperança. As comunidades, as Igrejas são chamadas para a
conversão, para o primeiro amor, a opção original pelo seguimento e testemunho de Jesus.
O autor quer reafirmar a certeza da vitória de Cristo e trazer uma mensagem de esperança
para os perseguidos, o “Evangelho eterno” (Ap 14,6) válido para todos os tempos.
O livro tem a forma de uma carta (Ap 1,4.8; 22,21) dirigida às sete igrejas. Na
introdução o autor indica a origem da revelação (de Deus, a Cristo, pelo anjo a João, que é
testemunha), o conteúdo (o que vai acontecer) e promete a bem-aventurança para quem lê
(Ap 1,3), escuta e observa a profecia. O autor se dirige a toda a Igreja com suas cartas
celestiais, pois as sete comunidades juntamente com seus símbolos (candelabros e estrelas)
representam no número sete a totalidade da Igreja (isto é, à plenitude das Igrejas,
emoldurada pelo tema da Igreja).
A obra foi escrita em período de crise e de violenta perseguição, na qual muitos
cristãos perderam sua vida. É um livro de seu tempo, escrito a partir de seu tempo e para o
seu tempo, e não propriamente para as gerações futuras. Mas é válido para todos os tempos,
pois fornece certo número de dados e reflexões histórico-teológicas de perene atualidade.
A tradição em geral concorda em atribuir o Apocalipse ao apóstolo João, a mesma
pessoa que tenha escrito o Quarto Evangelho. Os exegetas contemporâneos estão divididos.
Uns pensam que João e o Apocalipse dependem do apóstolo, mas que foram redigidos por
um discípulo71. Outros ainda supõem duas ou mais etapas de redações, entre 70 e 96 d.C.
O importante não é discutir que o autor se ampara sob o nome do apóstolo, porque o teria
dito.
A novidade da revelação está em anunciar que é preciso “profetizar ainda”
(Ap 10,11). A ação cristã no meio do mundo em conflito é expressão dessa profecia que
coloca o povo de Deus em marcha para a realização plena do Cordeiro imolado, na glória
do Pai.
O livro do Apocalipse é, por isso, predileto das comunidades populares. Ali ela
encontra o ânimo para a luta. Descobrem o critério pra interpretar a dominação e a
perseguição.
Portanto, o Apocalipse é um livro para ser lido em comunidade, em clima de
celebração e discernimento. O autor privilegia a celebração enquanto espaço excelente para
tomada de consciência do ser cristão em meio aos conflitos da sociedade que matou Jesus e
persegue os cristãos. Enfim, o Apocalipse é a grande epopeia da esperança cristã, o canto de
triunfo da Igreja perseguida. A vitória do Ressuscitado coloca a humanidade no caminho da
comunhão definitiva, por meio da nova Aliança, por Ele instaurada, cuja consumação se
dará na Cidade Perfeita, a Jerusalém Celeste.
“Aquele que atesta estas coisas, diz: ‘Sim, venho muito em breve!’ Amém! Vem,
Senhor Jesus!” (Ap 22,20).

71
Para a crítica moderna, o autor do Apocalipse não era filho de Zebedeu, mas um personagem altamente
considerado nas comunidades joaninas. Também não é certamente o mesmo que o autor do Evangelho de
João. Escreve num grego fortemente marcado pelo estilo semita. Conhece o Primeiro Testamento e a tradição
judaica, utilizando-os para descrever a salvação que despontou em Jesus Cristo e que nele ser completada.

59
CONCLUSÃO GERAL
Com a conclusão deste primeiro módulo do nosso curso da ESCOLA DE
FORMAÇÃO PERMANENTE DE TEOLOGIA PARA LEIGOS, acabamos de dar um
rápido voo panorâmico sobre a origem e a história redacional da Bíblia Sagrada, desde o
Livro do Gênesis até o Livro do Apocalipse. Neste estudo, aprendemos e, mais uma vez,
confirmamos a nossa fé, que o Deus de Jesus Cristo, é o Deus que criou o gênero humano,
o homem e a mulher, à sua imagem e semelhança. É aí, neste primeiro instante da criação,
que Deus já começa a se revelar como um Deus de amor. Começa aí a história da Salvação,
a história do amor de Deus para com a humanidade.
Podemos afirmar como primeira ideia certa, que desde o primeiro momento em que o
ser humano foi chamado à existência pelo seu Criador começou também a se expressar
através de uma religião a um Ser Superior, segundo sua consciência, esse ser humano já
começou a ser agraciado por Deus para entrar na história da revelação, do amor e da
salvação.
Todo o conhecimento e todas as informações que adquirimos no decorrer desse
brevíssimo curso, com certeza nos tenham ajudado a perceber a importância e o imenso
tesouro que temos na Sagrada Escritura.
Nesse sentido, para nós cristãos e cristãs, a Bíblia não é um livro qualquer nem um
livro de ciências naturais ou de história erudita ou de caráter científico. Mas é a Palavra de
Deus, o livro da vida do povo de Israel e da comunidade de Jesus que se prolonga pela
Igreja.
A leitura da Bíblia tem seu lugar certo na comunidade eclesial. Importa compreender
a Bíblia no mesmo espírito em que foi escrita. A interpretação dela deve passar sempre pela
comunhão da comunidade de fé, pela Igreja e pelo seu magistério. A Palavra de Deus que
chega até nós pela Sagrada Escritura através do âmbito da vida da Igreja dá continuidade à
obra de Jesus. O ponto máximo de chegada, o centro da Sagrada Escritura é sempre Cristo.
A Bíblia é essencialmente cristocêntrica. Sem Cristo, a Escritura Sagrada jamais teria
atingido sua consolidação como Palavra de Deus.
A Bíblia deve ser lida na comunidade orante e celebrante, e que mantenha sempre
viva a herança de Jesus na prática do amor fraterno e na experiência de Deus como Pai,
mensagem que ressoa na celebração, para ser posta em prática na vida concreta.
Por isso, é preciso que a leitura da Bíblia passe pelo ato de fé à pessoa de Cristo e que
envolva toda a comunidade eclesial. O ponto alto de tal proclamação está na celebração
litúrgica, ampliada na catequese e na reflexão bíblica comunitária.
E quando a Palavra de Deus é proclamada na comunidade eclesial, como que uma
Pessoa viva, ela quer um espaço para entrar no coração das pessoas e da assembleia. Sim,
este é o momento da escuta comunitária da Palavra, que precisa ser acolhida. Os fiéis
reunidos em assembleia eclesial, de fato, são convocados a escutar o que Deus como Pai
quer falar e, esse “Deus Palavra viva” em Cristo quer estar conosco.
Para o apóstolo São João, Jesus não apenas falou como também não nos deixou só
palavras. Ele ofereceu-Se a Si mesmo. Ele nos redimiu com a entrega total de sua vida, isto
é, com o seu doar-se “até ao extremo”, até a Cruz. A sua palavra é mais que um simples
falar; é carne e sangue “pela vida do mundo” (Jo 6,51.63).

60
O papa Bento XVI diz, que “para ser bem compreendida, a Palavra de Deus deve ser
escutada e acolhida com espírito eclesial e cientes da sua unidade com o Sacramento da
Eucaristia... Cristo fala não no passado, mas, sim no nosso presente, tal como ele está
presente na ação litúrgica” (Sacramentum Caritatis, n. 45).
Portanto, a Palavra de Deus contida na Escritura Sagrada, ela reúne, faz crescer
e alimenta o povo de Deus. Ela é força de salvação para os que creem. Cabe a nós,
ao lermos pessoalmente, ou comunitariamente nos encontros bíblicos e nas assembleias
litúrgicas, escutar com disposição interior e exterior para que cresça na vida espiritual e na
experiência cristã a graça de sermos discípulos missionários para uma Igreja toda discípula
missionária e evangelizadora.

BIBLIOGRAFIA

1. VATICANO II, Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina;


2. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, nn. 74–141.
3. JOSÉ BORTOLINI, Tire suas dúvidas sobre Bíblia (159 respostas
esclarecedoras), Paulus, 2005.
4. JOSEPH RATZINGER (Bento XVI), Jesus de Nazaré, do batismo no Jordão à
Transfiguração, Editora Planeta do Brasil, 2007.
5. CELAM, Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopal Latino-
Americano e do Caribe, nn. 246-250.
6. CNBB, Sou Católico: Vivo a minha fé, publicações da CNBB – Subsídio 2,
Edições CNBB, 2007.

7. CNB, Leitura Orante nos Seminários e Casas de Formação. Edições CNBB,


2010.
8. PADRE ZEZINHO. De volta ao catolicismo. – Subsídios para uma catequese de
atitudes. Paulinas, 2009.

9. ANSEL Grün. Bíblia – Reflexões e Meditações. Editora Vozes, 2008.


10. AUTORES DIVERSOS, A História da Palavra I: a Primeira Aliança e A
História da Palavra II: A Nova Aliança. Teologia Bíblica, Paulinas, 2003.

Pe. José Francisco Schmitt, scj,


São José dos Campos, 2 de fevereiro de 2011.

61
PENTATEUCO – Na tradição judaica, os cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis,
Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) são chamados TORÁ, ou TORÁ DE MOISÉS.
TORÁ, etimologicamente significa indicação, instrução, doutrina orientação,
exortação, mas sempre concreta, exterior, fixada; só mais tarde passou a significar LEI.
Esses livros não são códigos legislativos, mas contém a maioria das leis bíblicas referentes
a toda a vida do povo. Existem na LEI muitos textos narrativos, mas também eles adquirem
um valor normativo para Israel.
O espírito da Lei ou Torá é dar testemunho em preparação à chegada do Messias.
Prometia a ação definitiva de Deus anunciava suas linhas mestras.
Com a vinda e a presença de Jesus no mundo, no meio de nós, ele é agora Lei em
Pessoa que revela toda a vontade do Pai. A Lei a que se tem que apelar é o próprio Jesus.
Quem está de acordo com ele e sua atividade, está de acordo com Deus e é considerado
bom; quem a ele se opuser, estará contra Deus e será considerado mau. Jesus é a expressão
plena e total da vontade de deus, e sua presença distingue entre bem e mal, entre bons e
maus. Deus Pai revelou a sua vontade neste mandamento vivo que é Jesus, a expressão do
seu ser, o lugar da sua glória. Jesus é o critério vivo que revela o que é bom e o que é mau.
Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida, Ninguém chega ao Pai a não ser por mim (Jo
14,6). “Aquele que permanece em mim e eu nele produz muito fruto; porque, sem mim,
nada podeis fazer” (Jo 15,5). Estas afirmações revela que Jesus veio substituir Moisés, os
profetas, a Lei e o Templo. Jesus é a definitiva realidade de vida eterna e de salvação dado
pelo Pai. “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Por que
“eu e o Pai somos um” (Jo 10,30).
Aqui está a Palavra de Deus. Cristo é esta Palavra que estava com Deus e era Deus
(Jo 1,1).

A Palavra como Pessoa – Se a Palavra é uma Pessoa, então há uma necessidade de


um relacionamento com essa Pessoa. Por isso há uma profunda verdade na natureza da
Palavra de Deus em relação a nós, ela é maior que nós. Ela é criadora. Ela nos criou. A
própria palavra é uma realidade divina e pessoa. Daí como fica o nosso contato com a
Sagrada Escritura? Se a Palavra de Deus é Deus em Jesus Cristo. Então não somos nós
que Alemos e contemplamos, mas é Ela que nos olha e nos fixa, nos dirige um olhar
terno e, no entanto, severo nos acusa e fere, nos restabelece e salva, nos chama e
acaricia, nos traspassa o coração. Por isso a Bíblia pertence a quem a lê, porque todo
leitor sabe que numa página do livro há alguma coisa escrita sobre ele e para ele.
De acordo com a primeira regra, não somos nós que lemos a Palavra de Deus, mas
é a Palavra de Deus que nos lê, não somos nós que a interpretamos, mas é ela que nos
examina, revelando o caos que às vezes habita em nosso coração. A Palavra de Deus não
nos fala só de Deus, mas também de nós, de cada um de nós. Chegamos aqui uma grande
conclusão de vida e de verdade de fé. Devemos deixar-nos-traspassar pela Palavra o
nosso mais profundo eu, a nossa alma. Para isto consultarmos a carta aos hebreus:
“Pois a Palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de
dois gumes; penetra até dividir alma e espírito, junturas e medulas. Ela julga as
disposições e as intenções do coração. E não há criatura oculta à sua presença. Tudo
está nu e descoberto aos olhos daquele a quem devemos prestar contas” (Hb 4,12s).

62
Quem não experimenta o sentido de sua culpa diante da Palavra não pode estar
tranquilo e feliz. Devemos deixar-nos-julgar-reconciliar pela Palavra (a consciência do
pecado)
A segunda regra é esta: só a Palavra pode fazer amadurecer no crente a consciência
de pecado, pois, por um lado, só o Amor leva a descobrir o nosso não-amor; por outro
lado, só a Palavra de Deus nos revela um Amor que nos acolhe em cada caso, um Deus que
faz festa se nos arrependemos, um bom Pastor que vem procurar-nos se estamos perdidos. .
Então a Palavra é também amada, não só rezada e meditada, mas também estuda e
pregada. Santo Isidoro de Sevilha (636): “Quem quer estar sempre com Deus deve orar
com frequencia, ler também com frequencia. Porque quando oramos, falamos com Deus;
mas quando lemos, Deus fala conosco. O melhor leitor estará mais disposto a realizar o que
leu do que a conhecer. Pois menor é o mal de não saberes o que desejas do que não
cumprires o que sabes”.

Quem deu o nome de Deus a Deus?

Existem diferentes teorias a respeito da etimologia ou origem da palavra Deus. Tudo


indica que essa palavra vem do sânscrito Dei-wo*: céu luminoso considerado como
divindade. Ser supra-humano, transcendente, que governa os elementos e o movimento
deste mundo, e os destinos dos seres humanos. Essa é uma possível hermenêutica da
palavra DEUS.
* Ainda sobre o termo Deus –Dei-wo em sânscrito: língua erudita dos sacerdotes indianos,
da língua dos invasores arianos da Índia, na qual foram redigidos os Vedas, as Escrituras
Sagradas do bramanismo (redigido entre 1500 e 800 a. C), do Brama, deus hindu.
Para uns, o termo vem do latim deus, que por sua vez deriva do grego Theos. Outros
dizem que a palavra grega quer serviu de base para o termo latino foi Zeus, o maior deus da
mitologia grega, deus da luz do céu e dos raios. Há ainda quem afirme que deus vem do
sânscrito di, que significa dia, já que Ele é luz. Em algumas religiões, deus é chamado de
Jeová, termo originado do hebraico Yehowah, estabelecido por rabinos no século VII, como
fusão das "Quatro Letras Sagradas" YHWH - que denotavam "Aquele que é"-, com as
vogais do termo Adonay, significando "Meu Senhor".

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