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o•

Universo
ao Lado
A Vida Examinada
Um Catálogo Elementar
de Cosmovisões

Jam es W. Sire
"Poucas pessoas têm alguma coisa
próxima de uma filosofia articulada —
pelo menos como demonstrado por
grandes filósofos. Menos ainda,
desconfio, possuem um esquema
teológico cuidadosamente construído.
Mas todos têm uma cosmovisão. Toda
vez que qualquer um de nós pensa
sobre qualquer coisa — desde um
pensamento casual (Onde deixei meu
relógio?) até a mais profunda questão
(Quem sou eu?) — estamos operando
dentro de um esquema de
pensamentos e ações. Na verdade, isto
é apenas a hipótese de uma
cosmovisão — básica ou simples —
que nos permite pensar como um
todo.
A batalha para descobrir nossa
própria fé, nossa própria cosmovisão,
nossas crenças sobre a realidade, é o
tema deste livro. Formalmente
declarados, os propósitos deste livro
são: (1) esboçar as cosmovisões
básicas que estão por trás do modo
pelo qual nós, do mundo ocidental,
pensamos sobre nós mesmos, outras
pessoas, o mundo natural e Deus ou
realidade última; (2) traçar
historicamente como estas
cosmovisões se desenvolveram desde o
declínio da cosmovisão teísta,
transitando, por sua vez, para o
deísmo, o naturalismo, o niilismo, o
existencialismo, o misticismo oriental e
fAuA> R

Para estarmos plenamente


conscientes intelectualmente,
deveríamos não apenas sermos
capazes de apreender
as cosmovisões dos outros,
mas estarmos conscientes daquela
que nos apropriamos —
por que a aceitamos e por que
à luz de tantas opções
pensamos ser ela verdadeira?
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UNIVERSO
AO
m m i LADO

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James W. Sire
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® 2001 by James W. Sire

T odos os direitos reservados.


Publicado originalmente por InterVarsity Press, sob o título
The Universe Next Door by James W. Sire.
Traduzido com permissão de InterVarsity Press,
Downers Grove, Illinois, USA.
Todos os direitos de tradução e edição para a língua portuguesa
reservados à Editorial Press.
Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida sob qualquer
forma sem autorização expressa dos editores.

P rimeira E dição : 2001

T radução:
Paulo Zacarias

R evisão:
Andrea Afilatro
Isly Carvalho Marino

C apa:
Denis R. Darin

T extos B íblicos :
Todas as citações bíblicas, quando não indicadas,
foram extraídas da Edição Revista e Atualizada,
tradução de João Ferreira de Almeida,
® Sociedade Bíblica do Brasil, 1969

Catalogação na Fonte do
Departamento Nacional do Livro
Biblioteca Nacional
S619u

Sire, James W.
O universo ao lado / James W. Sire;
[traduzido porj Paulo Zacarias. — São Paulo:
Editorial Press, 2001.
296p .; 21 cm.

ISBN 85-85221-08-9 (broch.)

1. Filosofia. 2. Cosmologia. I.Título.

CDD: 100

Editorial Press
Rua Santa Flora, 80 cjto. 4
São Paulo, SP
01549-040
editorial Telefone: (0xx11) 6161-3844
press vwvw.editorialpress.com.br
Para Marjorie
Carol, Mark e Caleb
Eugene e Linda
Richard, Kay Dee, Derek, Hannah e Micah
Ann, Jeff e Aaron
— cujos mundos entrelaçados
compõem meu florescente universo familiar.
índice

1 Um mundo de diferenças: introdução _________________________ 15


0 que é uma cosmovisão___________________________________ 20
Sete perguntas básicas_______________________________________ 22

2 Um Universo carregado da grandeza de Deus:


teísmo cristão _____________________________________________________ 25
Teísmo cristão básico _________________________________ 28
A grandeza de D eus_____________________________________ ___ 47

3 O Universo mecânico: d e ís m o ___________________________________ 49


Deísmo básico________________________________________________ 54
Um componente instável____________________________________ 61

4 O silêncio do espaço fiinito: naturalismo ____________________ 65


Naturalismo básico___________________________________________ 68
Natuarlismo na prática: humanismo se cu la r_______________ 81
Naturalismo na prática: marxismo___________________________ 82
A persistência do naturalismo_______________________________ 89

5 Marco zero: niilism o______________________________________________ 93


A primeira ponte: necessidade e acaso ___________________ 98
A segunda ponte: a grande nuvem do desconhecido 103
A terceira ponte: ser e dever______________________________ 108
A perda de significado____________________________________ 111
Tensões internas no niilismo _______________________________ 113

6 Além do niilismo: existencialism o___________________________ 119


Existencialismo ateu b á s ic o ___________________________________123
Um santo sem D e u s ___________________________ 130
Muito além do niilism o__________________________ _____________134
Existencialismo teísta b á s ic o _________________________________ 134
A persistência do existencialismo ____________________________ 146

7 Jornada para o O riente: monismo panteísta oriental _____ 147


Monismo panteísta oriental básico ________________________ 151
A diferença z e n _____________________________________________ _ 165
Oriente e Ocidente: um problema de com unicação_____ 167

8 Um universo separado: a nova e r a ____________________________ 169


A transformação radical da natureza h u m a n a ___________173
Um panorama do pensamento da nova era _____________ 175
Relacionamento com outras cosm ovisões________________ 179
Os dogmas básicos da nova consciência _________________ 181
Rachaduras na nova consciência___________________________ 203

9 O horizonte perdido: pós-m odernism o______________________ 211


O problema da d e fin ição _________________________________ 214
A primeira coisa: ser para co n h e c e r_______________________ 215
A primeira coisa: conhecer para sig n ificar________________ 218
A morte da ve rd a d e _________________________________________ 219
Linguagem como p o der_____________________________________ 222
A morte do eu substancial__________________________________ 223
Sendo bons sem Deus ______________________________________ 224
A vanguarda da c u ltu ra _____________________________________ 226
Um panorama do pós-m odernism o_______________________ 227
Pós-modernismo: uma crítica ______________________________ 229
Além do pós-m odernism o__________________________________ 232

10A vida exam inada: conclusão___________________________________ 235


O teísmo cristão revisto ___________________________________ 243

Notas bibliográficas___________________________________________________ 247

índice de n o m e s_______________________________________________________ 285


P refácio à te rce ira
e d iç ã o a m e ric a n a

D esde que este livro fo i p u blicad o pela pri­


m eira vez em 1 9 7 6 , têm havido algum as m u ­
danças im p ortan tes na vida intelectual d o O ci­
dente. Até então, o m o v im en to da N ova Era não
passava de um a classificação singular e a palavra
pós-modernismo restringia-se apenas aos círculos
acadêm icos. A cultura p op u lar n o O cid en te es­
tava em b an h o -m aria co m as idéias insinuadas
do O riente e seus fundam entos no ocultism o. Mas
a fo rm a final do que estava p o r vir estava ainda
em sua fase em brionária.
Na prim eira edição (1 9 7 6 ) escrevia que "es­
tam o s experim en tand o... as dores de parto de
u m a n ov a c o s m o v is ã o ." N a seg u n d a e d içã o
( 1 9 8 8 ) disse que a "criança já nasceu, já m ostra­
va seus prim eiros suspiros e chorava b em alto,
buscand o aten ção ." H o je (1 9 9 7 ) a cosm ovisão
da N ova Era é u m ad olescente ch eio de vida, tão
bem instalad a na cultura, que já é considerada
co m o m ais u m a entre as hostes de cosm ovisões
alternativas. O plu ralism o e relativism o que a
tem acom p an h ad o , m u d ou as vozes caracterís­
ticas de cada p o n to de vista.
Há, tam b ém , um novo con co rren te n o cam ­
po das cosm ov isões. O p ó s-m o d en ism o , com
suas origens em Nietzsche, com suas parábolas e aforism os desani-
m adores, porém brilhantes, é agora, se nada mais o sobreveio, pelo
m enos um a mania intelectual. M ilhares de livros têm em seus títulos
a palavra pós-m odernism o, e novos jorn ais surgiram para transm i­
tir as novas idéias dos artistas, filósofos, sumidades e prognosticado-
res da vanguarda. Esta reflexão auto-consciente do m od ernism o so ­
bre si m esm o está plenam ente abastecida para continuar por um
bom tem po. Tenho, portanto, adicionado um capítulo que trata
som ente dele.
O contínuo interesse dos leitores neste livro, contudo, continua a
surpreender-m e e alegrar-me. O Universo ao Lado tem sido traduzido
para onze línguas (doze com a portuguesa) e a cada ano ele é visto
nas m ãos dos alunos, à pedido dos professores, em cursos os mais
díspares com o Apologética, História, Literatura Inglesa, Introdução
à Religião, Introdução à Filosofia e até cursos sobre as dim ensões
hum anas da ciência. Tal variedade de interesses sugere que um a das
hipóteses sobre a qual o livro está baseado é indiscutivelm ente ver­
dadeira: as questões m ais fundam entais que nós, com o seres hum a­
nos, precisam os considerar não têm fronteiras disciplinares. Qual é
a realidade primária: Deus ou o cosm os? O que é um ser hum ano?
O que acontece quando m orrem os? C om o deveríam os viver? Estas
perguntas são tão relevantes à Literatura quanto à Psicologia, à Reli­
gião quanto à Ciência.
Finalm ente, tentei dar um p olim ento geral no livro, atualizan­
do referências bibliográficas, corrigindo descuidos verbais e, de uma
form a geral, apresentar o livro dentro do contexto dos últim os anos
do século xx. Acrescentei, por exem plo, aos capítulos sobre o deís­
m o e o naturalism o, com entários de Stephen Hawking, Richard
Dawkins e Daniel D ennett. O capítulo sobre o panteísm o agora
diferencia entre o hind uísm o e o zen-budism o não-dualistas. O
capítulo sobre a Nova Era atualizou o trabalho continuad o de seus
proponentes, tais com o Andrew Weil e Jean H ouston, esta últim a
aclam ada com o a conselheira da ex-prim eira dama Hillary Rodham
C linton.
Porém, sobre um a questão perm aneci constante: estou conven­
cido de que para qualquer um de nós estar plenam ente consciente
intelectualm ente, deveríamos não apenas ser capazes de detectar as
cosm ovisões dos outros mas tam bém estar conscientes da nossa
cosm ovisão — por que a adm itim os e por que à luz de tantas o p ­
ções pensam os ser ela a verdadeira. Espero som ente que este livro se
torne um a referência àqueles que peregrinam no cam inho do desen­
volvim ento da sua autoconsciência e justificativa da sua cosm ovi-
são.
Aos m uitos reconhecim entos que se encontram nas notas de ro­
dapé, gostaria de agradecer, em especial, a C. Stephen Board, geren­
te geral da Harold Shaw Publishers, que há m uitos anos convidou-
m e a apresentar m uito do material contido neste livro em form a de
palestras na Christian Study Project patrocinado pela Inter-Varsity
Christian Fellowship e apoiado pela Cedar Cam pus em Michigan.
Ele e Thom as Trevethan, que tam bém fazia parte da equipe daque­
le programa, têm dado excelentes conselhos no desenvolvim ento
do m aterial e na crítica continuada no pensar da m inha cosmovi-
são desde a prim eira publicação deste livro.
O utros am igos que leram os m anuscritos e ajudaram a polir
alguns trechos rudim entares foram C. Stephen Evans (que con tri­
buiu para a seção sobre m arxism o), Os Guinness, Charles Hamp-
ton, Keith Yandell, Douglas Groothuis, Richard H. Bube e Rodney
Clapp. Para eles e ao editor desta edição, Jam es Hoover, m eu since­
ro reconhecim ento. Finalmente, gostaria de reconhecer o feedback de
m uitos estudantes que têm resistido às críticas das cosm ovisões nas
m inhas aulas e palestras.
As responsabilidades por infelicidades e erros evidentes neste li­
vro são, infelizm ente, m inhas.
/

-
Prefácio à prim eira
ed ição b ra sile ira

Estou m uito feliz em ver este livro publicado


em português. Cosm ovisões têm sido m eu gran­
de interesse por m ais de quarenta anos. Foi du­
rante um a introdução à cosm ovisão inglesa do
século XVI que com ecei a entender a poesia da
Renascença. Foi tam bém durante a elaboração
dessa cosm ovisão e o estudo daqueles que a pre­
cederam e a sucederam que um am plo espectro
do m undo da literatura, abrangendo do m undo
antigo ao século xx, do O riente ao Ocidente, do
N orte ao Sul, foi aberto para m im . Através desse
continuado estudo de cosm ovisões é que m inha
fé tem sido plenam ente identificada, elaborada e
confirm ada.
Para todos os que lêem sobre cosm ovisões
pela prim eira vez, espero que usufruam da m es­
m a experiência. D esejo que este livro seja o in í­
cio — ou um significativo prim eiro passo — em
direção ao nosso crescim ento intelectual e espi­
ritual.

J a m e s W . S ir e
Downers Grove, Illinois
Julho de 1999
'
1

UM MUNDO DE DIFERENÇAS

introdução

Contudo, nas mais conglomeradas ruas do mundo,


Apesar do burburinho e do tumulto,
Surge um desejo inefável
Provindo da consciência da nossa mortalidade:
Uma sede de consumir nosso fogo e indomável força
Nos rastros da nossa verdade, trilha original;
Um desejo em adentrar
No mistério deste coração que pulsa
Tão selvagem, tão profundo em nós — conhecer
Donde vieram nossas vidas e para onde vão.

Matthew Arnold
The Buried Life [A Vida Enterrada]
But often, in the world's most crowded streets,
But often, in the din of strife,
There rises an unspeakable desire
After the knowledge of our buried life:
A thirst to spend our fire and restless force
In tracking out our true, original course;
A longing to inquire
Into the mystery of this heart which beats
So wild, so deep in us — to know
Whence our livre come and where they go.

Matthew Arnold
The Buried Life
N o o c a s o d o s é c u lo xix, S te p h e n C ra n e c a p to u
a m e s m a a p re e n s ã o q u e te m o s ag o ra, n o fin a l d o
s é c u lo xx, q u a n d o e n c a r a m o s o U n iv e rso .

U m h o m em disse para o Universo:


"M eu caro, eu existo".
"C o ntu d o ", replicou o Universo,
"O fato não criou em m im
U m sentido de obrigação".1

Q u ã o d ife re n te é e sse p o e m a d ia n te d as p a la ­
v ras d o s a lm is ta q u e , e m te m p o s re m o to s , c o n t e m ­
p lo u a o seu red o r, e le v o u se u o lh a r p a ra D e u s e
escrev eu :

Ó Senhor, Senhor n osso ,


quão m agnífico em toda a terra é o teu n om e!
Pois expuseste nos céus a tua majestade.
Da boca de pequeninos e crianças de peito
suscitaste força, por causa dos teus adversários,
para fazeres em udecer o inim igo e o vingador.
Q uando con tem p lo os teus céus,
obra dos teus dedos, e a lua e as
estrelas que estabeleceste,
que é o h om em , que dele te lem bres?
O U N I V E R S O A O L A DO
18

E o filho do hom em , que o visites?


Fizeste-o, no entanto, por um pouco,
m en or do que Deus, e de glória e de honra o coroaste.
D este-lhe d o m ín io sobre as obras da tua m ão,
e sob seus pés tudo lhe puseste:
ovelhas e bois, todos, e tam bém os anim ais do cam po;
as aves do céu e os peixes do mar,
e tudo o que percorre as sendas dos mares.
Ó Senhor, Senhor nosso, quão m agnífico
em toda a terra é o teu n om e! (Salm o 8)

H á u m m u n d o d e d ife re n ç a e n tre as c o s m o v is õ e s d esses d o is


p o e m a s . N a verd ad e, e le s p r o p õ e m u n iv e rso s a lte rn a tiv o s. T o ­
d avia, o s d o is re v e rb e ra m n a m e n te e n o c o r a ç ã o d as p e s so a s e m
n o s s o s d ias. M u ito s d a q u e le s q u e se id e n tific a m c o m S te p h e n
C ra n e tê m m a is d o q u e u m a le m b r a n ç a d a g ra n d e e g lo rio sa
c o n fia n ç a d e m o n s tra d a p e lo s a lm is ta d o c o n tr o le d e D e u s n o
c o s m o e d e seu a m o r p o r seu p o v o . E le s a n s e ia m p o r a q u ilo q u e
n ã o p o d e m m a is a c e ita r v e rd a d e ira m e n te . O v a z io d e ix a d o p e la
p e rd a d o c e n tro d a v id a é c o m o o a b is m o n o c o r a ç ã o d e u m a
c ria n ç a q u e p e rd e u seu p ai. C o m o a q u e le s q u e n ã o m a is a c re d i­
ta m e m D e u s d e s e ja m a lg o q u e p o s sa p re e n c h e r esse v a z io !
E m u ito s d aq u e les q u e ain d a se id e n tifica m c o m o salm ista,
c u ja fé n o S enhor D e u s d e A braão , Isaq u e e Ja c ó é v ital e tran sb o r-
dante, ain d a se n te m o d ista n c ia m e n to b ru sco n o p o e m a d e C rane.
É a p ró p ria exp eriên cia de p erd er esse D eus. S im , é e x a ta m e n te o
q u e aq u eles q u e n ã o tê m fé n o S enhor in fin ito e p e sso al d o U n i­
v erso d ev em sen tir — a lie n a çã o , s o lid ã o e d esesp ero.
R e c o rd a m o s as lu ta s d e fé d o s n o s s o s a n te p a s sa d o s n o s é c u lo
xix e c o n c lu ím o s q u e, p ara m u ito s , a fé n ã o fo i v ito rio s a . C o m o
T e n n y so n e x p re sso u e m re a ç ã o à m o r te d o seu a m ig o ín tim o :

C ontem plam os, e nada sabem os;


Tenho apenas a certeza de que o bem cessará
Finalm ente — bem distante — assim com o
Todo inverno precede a primavera.

J
I N T R O D U Ç Ã O

19

Assim flui m eu son ho; mas o que sou eu?


U m a criança chorand o na noite;
U m a criança chorand o pela luz;
Sem nenhum a linguagem além de um ch o ro .2 *

C o m o p ró p r io T e n n y so n , a fé c a b a lm e n te p re v a le ce u , m a s a
b a ta lh a s ig n ific o u a n o s d e lu ta s e d ú v id as a se re m reso lv id as.
A b a ta lh a p ara d e s c o b r ir n o s s a p ró p ria fé, n o s sa p ró p ria c o s-
m o v is ã o , n o s sa s c re n ç a s s o b r e a re a lid a d e é o te m a d este liv ro .
F o r m a lm e n te d ecla ra d o s, seu s p ro p ó s ito s sã o : ( 1 ) e s b o ç a r as co s-
m o v is õ e s b á s ic a s q u e e stã o p o r trás d o m o d o p e lo q u a l n ó s, n o
m u n d o o c id e n ta l, p e n s a m o s s o b r e n ó s m e s m o s , o u tra s p e sso as,
o m u n d o n a tu ra l e D e u s o u re a lid a d e fin a l; ( 2 ) tra ç a r h is to r ic a ­
m e n te c o m o essas c o s m o v is õ e s se d e s e n v o lv e ra m d esd e o d e c lí­
n io d a c o s m o v is ã o te ísta , tr a n s ita n d o , p o r su a vez, p ara o d e ís ­
m o , o n a tu r a lis m o , o n iilis m o , o e x is te n c ia lis m o , o m is tic is ­
m o o rie n ta l e a n o v a c o n s c iê n c ia d a N o v a Era; ( 3 ) m o s tra r c o m o
o p ó s -m o d e r n is m o p ro v o c o u u m a re v irav o lta n e ssas c o s m o v i­
sõ e s; e ( 4 ) e n c o r a ja r -n o s a p e n s a r e m te rm o s d e c o s m o v isõ e s ,
isto é, c o m c o n s c iê n c ia n ã o a p e n a s d o n o s s o m o d o d e p en sar,
m a s ta m b é m d o m o d o d e p e n s a r d as o u tra s p e sso a s, p a ra q u e
p o s s a m o s p rim e iro e n te n d e r o s o u tr o s e, e n tã o , e s ta b e le c e r u m a
c o m u n ic a ç ã o e fic a z e m n o s sa s o c ie d a d e p lu ra lista .
T ra ta -se d e u m g ra n d e d e s a fio . N a v e rd a d e se p a re c e m u ito
m a is c o m o p r o je to d e u m a v id a in te ira . M in h a e sp e ra n ç a é q u e
se ja e x a ta m e n te isto p a ra m u ito s q u e le re m e ste liv ro e le v are m
a sé rio su as im p lic a ç õ e s . O q u e e stá e sc rito a q u i é a p e n a s u m a
in tro d u ç ã o à q u ilo q u e p o d e to rn a r-se u m e s tilo d e vid a.
E n q u a n to escrev ia e ste liv ro , a c h e i p a rtic u la rm e n te d ifíc il se ­
p a ra r o q u e d ev eria se r in c lu íd o e o q u e p o d e ria se r d e ix a d o d e
la d o . M as, p o r e u v er o liv ro in te ir o c o m o u m a in tro d u ç ã o , t e n ­
tei ser r ig o ro s a m e n te s u c in to — a lc a n ç a r o â m a g o d e ca d a c o s ­
m o v isã o , su g e rir seu s p o n to s fo rte s e fra co s, e p a ssa r p a ra a p r ó ­
x im a c o s m o v is ã o . C o n tu d o , sa tis fiz m e u p ró p r io in te re ss e in -

( * ) Behold, we know not anything; / 1 can but trust that good shall fall / At last — far o f f —
at last, to all / And every winter change to spring. / So runs my dream; but what am I? / An
infant crying in the night; / An infant crying for the light; / And with no language but a cry.
O U N I V E R S O AO LADO
20

c lu in d o , n o fin a l d o liv ro, n o ta s textu ais e b ib lio g rá fic a s q u e


levarão o s leito res, e sp ero , n u m m e rg u lh o m a is p ro fu n d o q u e
o s c a p ítu lo s e m si. A qu eles q u e d ese jare m , e n tre ta n to , c o n h e c e r
p rim e iro o q u e p ro cu ro m o stra r c o m o âm ag o da q u e stã o , p o ­
d em seg u ram e n te ign o rá-las. M as o s q u e d ese ja re m seg u ir à sua
p ró p ria m a n e ira (e eles talvez fo rm e m u m a le g iã o !) p o d e m e n ­
c o n tra r nas n o ta s p ro v e ito so a u x ílio n a su gestão d e leitu ras a d i­
c io n a is e q u e stõ e s su p le m e n ta re s para in v estigação .

0 QUE É UMA COSMOVISÃO?


A pesar de alg u n s n o m e s de filó s o fo s c o m o P latão , A ristóteles,
Sartre, C am u s e N ie tzsch e ap are ce re m n estas pág in as, este livro
n ã o é u m tra b a lh o de filo s o fia acad ê m ica. E e m b o ra n o s re m e ­
ta m o s ao te m p o e m ais u m a vez ao s c o n c e ito s to rn a d o s fa m o ­
sos p e lo a p ó s to lo P au lo , p o r A g o stin h o , T o m á s d e A q u in o e C al-
v in o , m e s m o assim , este n ã o é u m tra b a lh o a c a d ê m ic o de te o lo ­
gia. E m esp ecial, é u m liv ro de co sm o v isõ e s — de m o d o m ais
b á s ic o e fu n d a m e n ta l d o q u e o s estu d o s fo rm a is e m filo s o fia ou
te o lo g ia .3 O u, d e o u tro m o d o , é u m liv ro d e u n iv erso s ad ap ta­
d o s p elas palavras e c o n c e ito s q u e tra b a lh a m em c o n ju n to para
p ro p ic ia r u m q u a d ro m a is o u m e n o s co e re n te de referên cia para
to d o p e n s a m e n to e a ç ã o .4
P ou cas p esso as tê m alg u m a co isa p ró x im a a u m a filo s o fia
articu lad a — p e lo m e n o s c o m o d e m o n s tra d o p o r g rand es filó ­
so fo s. M e n o s ain d a, d e sc o n fio , p o ssu em u m e sq u e m a te o ló g ic o
c u id a d o sa m e n te co n stru íd o . M as to d o s tê m u m a c o sm o v isã o .
T o d a vez q u e p e n s a m o s s o b re q u a lq u e r co isa — d esd e u m p e n ­
s a m e n to casu al (O n d e d eixei m e u re ló g io ?) até a m ais p ro fu n d a
q u e stã o (Q u e m so u eu ?) — e sta m o s o p e ra n d o d en tro d e u m
e sq u e m a de p e n s a m e n to s e ações. N a verdade, isto é ap en as a
h ip ó te se de u m a c o sm o v isã o — b á s ic a o u sim p le s — q u e n o s
p e rm ite p e n sa r c o m o u m to d o .
O qu e é, então, esta coisa ch am ad a cosm ovisão qu e é tão im por­
tante para todos nós ? Eu nunca ouvi fa la r de nenhum a. C om o poderia
ter um a ? E sta p o d e m u ito b e m ser a re sp o sta de m u ita gente. U m
e x e m p lo p o d e ser e n c o n tra d o e m m onsieur Jo u rd a in , p e rs o n a ­
g em d a p e ça de M o lière, O Burguês Fidalgo, q u e s u b ita m e n te des-
/

I N T R O D U Ç Ã O

c o b riu q u e p asso u q u a re n ta a n o s de sua vid a fa la n d o e m p ro sa


sem sab er o q u e isso significava. M as d e sc o b rir n o ssa p ró p ria
co sm o v isã o é m u ito m ais p re cio so . N a verdade, é u m p asso sig­
n ifica tiv o na d ireção da a u to c o n s cie n tiz a çã o , d o a u to c o n h e c i-
m e n to e d o a u to -e n te n d im e n to .
E n tão , o q u e é u m a co sm o v isã o ? Em e ssên cia, é u m c o n ju n to
de p ressu p o siçõ es (h ip ó te se s q u e p o d e m ser verdadeiras, p arcial­
m e n te v e rd a d e ira s o u in te ir a m e n te fa lsa s ) q u e s u s te n ta m o s
(c o n sc ie n te o u in c o n sc ie n te m e n te , c o n sis te n te o u in c o n s is te n ­
te m e n te ) s o b re a fo rm a çã o b á sica d o n o sso m u n d o .
A p rim e ira co isa q u e to d o s n ó s re c o n h e c e m o s an tes m e sm o
de c o m e ç a rm o s a pensar, é q u e alg u m a co isa existe. E m outras
palavras, to d a co sm o v isã o a d m ite q u e alg u m a co isa existe, ao
c o n trá rio de q u e n ad a existe. Essa h ip ó te se é tã o p rim á ria q u e a
m a io ria de n ó s n e m m e s m o sab e q u e a a ssu m iu .5 N ó s a to m a ­
m o s c o m o m u ito ó b v ia para m e n c io n á -la . É c la ro q u e algu m a
co isa existe!
R e alm e n te existe. Essa é a q u e stã o . Se n ã o a re c o n h e c e m o s,
n ã o ch e g a m o s a lugar n e n h u m . A lém d isso , c o m o m u ito s o u ­
tro s "fa to s " q u e n o s sa lta m ao s o lh o s, o sig n ific a d o p o d e ser
tre m e n d o . N este caso , a ap re e n são de q u e alg u m a c o is a existe é
o c o m e ç o da vid a c o n sc ie n te — assim c o m o tra ta m o s o s d o is
ram o s da filo so fia : M e tafísica (o e stu d o d o ser) e E p iste m o lo g ia
(o estu d o do c o n h e c im e n to ).
O q u e tã o lo g o d e sc o b rim o s, c o n tu d o , é que, u m a vez q u e
re c o n h e c e m o s que alg u m a co isa existe, n ã o re c o n h e c e m o s n e ­
c essa ria m e n te o que alg u m a co isa é. E a q u i é o n d e as co sm o v i-
sões c o m e ç a m a divergir. A lgum as p esso as a d m ite m (p e n sa n d o
o u n ã o so b re isso ) q u e a ú n ic a su b stâ n cia b á sic a q u e existe é a
m atéria. Para essas p esso as, tu d o é e m ú ltim a in stâ n cia u m a c o i­
sa. O u tro s c o n c o rd a m q u e tu d o é e m ú ltim a in stâ n cia u m a co i- V
sa, m as a d m ite m q u e essa co isa é E sp írito o u A lm a o u algu m a
su b stâ n cia n ã o -m a te ria l.
M as n ã o d ev em o s p e rd e r-n o s e m ex e m p lo s. E stam o s agora
in teressad o s n a d e fin iç ã o de u m a co sm o v isã o . U m a c o s m o v i­
são é c o m p o s ta d e u m c o n ju n to d e p re ssu p o siçõ es b ásicas, m ais
ou m e n o s c o n siste n tes u m as c o m as outras, m ais o u m e n o s c o n s ­
c ie n te m e n te e lab o rad as, m ais o u m e n o s verdad eiras. Em geral,
O U N I V E R S O AO LADO
22

não costum am ser question adas por nós m esm os, raram ente
ou nunca são m en cionad as por nossos am igos, e são apenas
lem brad as q u an d o so m o s d esafiados p o r um estrangeiro de
outro universo id eo ló g ico .6

S e t e p e r g u n t a s b á s ic a s
O utra m aneira de entend er com o que um a cosm ovisão se pare­
ce, é vê-la, essencial m ente, com o aquele co n ju n to de respostas
sim ples e im ediatas que tem os na ponta da língua para as sete
perguntas seguintes:
1. Qual é a realidade primordial - o que é realmente verdadeiro? A
isso, pod em os responder: Deus, os deuses ou o cosm o m aterial.
2. Qual é a natureza da realidade externa, isto é, do mundo ao
nosso redor? Aqui nossas respostas sinalizam se vem os o m undo
co m o criado ou au tô n om o , com o caótico ou ordenado, com o
m atéria ou esp írito ; se n o ssa ên fase é su b jetiv a e de re la cio ­
n a m e n to p esso al co m o m u n d o o u se sua o b je tiv id a d e o se­
para de nós.
3. O que é um ser humano? A essa pergunta, p od em os respon­
der: um a m áqu ina altam ente com plexa, um deus adorm ecido,
um a pessoa feita à im agem de Deus, um "gorila nu".
4. O que acontece quando uma pessoa morre? Aqui pod em os
replicar: com extinção pessoal, ou transform ação em estado ele­
vado, ou reencarnação, ou partida para um a existência obscura
"n o outro lado".
5. Por que é possível conhecer alguma coisa? Respostas sim ples
inclu em a idéia de que fom os criados à im agem de um Deus
todo-conhecedor, ou essa con sciên cia e racionalidade desenvol­
veram -se sob as contingências de sobrevivência através de um
longo processo evolutivo.
6. Como sabemos o que é certo e errado? M ais um a vez a respos­
ta: ou fo m o s criados à im agem de um Deus cu jo caráter é b o m ,
ou o certo e o errado são determ inados som ente pela escolha
hu m ana ou pelo que nos faz sentir bem , ou as noções sim ples­
m ente se desenvolveram sob um ím peto orientado à sobrevi­
vência física ou cultural.
7. Qual o significado da história humana? A isso podem os respon­
der: com preender os propósitos de Deus ou deuses, preparar um
I N T R O D U Ç Ã O
23

paraíso na Terra, preparar um povo para um a vida em com unidade


com um Deus am oroso e santo, e assim por diante.
D entro de várias cosm ovisões básicas, outras questões são
levantadas. Por exem plo: Q uem está no com an d o deste m undo
— Deus, os seres hu m anos ou ninguém ? So m o s seres hu m anos /
d eterm inados ou livres? So m o s os ún icos fabricantes de valo­
res? Deus é realm ente bom ? Deus é pessoal ou im pessoal? Deus
existe, afinal? /
Q uan do propostas nessa seqüência, essas perguntas podem
nos deixar atônitos. O u acham os que as respostas são tão óbvias
e ficam os pensando por que alguém nos aborreceria fazendo
tais perguntas, ou então perguntam os a nós m esm os com o cada
um a delas pod e ser respondida com algum grau de certeza. Se
sen tim os que as respostas são óbvias dem ais para m erecer nossa
consideração, então possu ím os um a cosm ovisão, m as não te­
m os nenh um a idéia de que m uitos outros não a com partilham .
Deveríam os perceber que vivem os num m u nd o pluralista. O que
pode nos parecer óbvio talvez seja "um a m entira dos d iabos"
para nosso v izinh o ao lado. Se não reconhecerm os isso, certa­
m en te passarem os p o r in gên u o s o u p ro v in cian os e terem os
m uito que aprender sobre viver no m undo de hoje. Por outro
lado, se acham os que nenh um a das perguntas pode ser respon­
dida sem serm os d esonestos ou com eter suicídio intelectual, já
ad otam os um a espécie de cosm ovisão — um a form a de ceticis­
m o que em sua m ais extrem a expressão nos leva ao niilism o.
O fato é que não p od em os evitar assum ir algu mas respostas
para tais questões. A dotarem os um a ou outra posição. A recusa
em assum ir um a cosm ovisão explícita já é em si um a cosm ovi­
são ou, pelo m enos, um a posição filosófica. Em resum o, fom os
apanhados. C on tan to que vivam os, viverem os um a vida exam i­
nada ou não. A hipótese deste livro é que um a vida exam inada é y
m elhor. /
Por isso, os capítulos seguintes — cada um exam ina um a cos­
m ovisão evidente — são planejad os para ilustrar as possibilida-\
des. Investigarem os as respostas que cada cosm ovisão oferece às \ v
sete perguntas básicas. Isso nos dará um acesso con sisten te a J
cada um a delas, aju dand o-nos a ver suas sem elhanças e d ife re n ^
ças e sugerindo com o cada um a pod e ser avaliada dentro do seu
O U N I V E R S O AO LADO
24

p ró p rio quad ro de referência, b em c o m o do p o n to de vista de


outras cosm o v isõ es con correntes.
A co sm o v isão que ad o tei lo g o ficará evid ente n o curso de
m in h a argum en tação. Mas, para n ão causar n en h u m esforço adi-
v in h ató rio , d eclaro agora q u e ela é o o b je to do cap ítu lo seguin­
te. A pesar disso, o livro n ão é u m a revelação da m in h a co sm o v i­
são, m as u m a exp o sição e crítica das op ções. Se n o curso desta
investigação os leitores d esco brirem , m o d ificarem ou deixarem
m ais exp lícita sua co sm o v isão particular, o o b je tiv o principal
deste livro terá sid o alcan çad o .
H á m u ito s universos con ceitu ais e verbais. Alguns p airam à
n ossa v olta p o r um lo n g o tem p o ; o u tros estão apenas se fo r­
m an d o . Q u al é o seu universo? Q u ais são os universos q u e o
rod eiam ?
2
UM UNIVERSO CARREGADO
DA GRANDEZA DE DEUS:

teísmo cristão

O mundo está carregado da grandeza de Deus.


Vai chamejar - chispas em sacudidas folhas de metal;
Vai espandir-se - óleo que imprensado escorre, tal e qual,
E alaga. Por que o homem não teme o açoite dos céus?

Gerard Manley Hopkins


'God's Grandeur' |'A Grandeza de Deus', Gerard Manley Hopkins - Poemas. Seleção,,
tradução, introdução e notas de Aíla de Oliveira Gomes, págs. 80 e 81. Companhia das
Letras: São Paulo, 1989)
The world is charged with the grandeur o f God.
It will flam e out, like shining from shook foil;
It gathers to a greatness, like the ooze o f oil
Crushed. Why do men then now not reck his rodI

Gerard Manley Hopkins


'God's Grandeur'
No m undo ocidental, até o fim do século xv», a
cosm ovisão teísta era claram ente dom inante. Dispu­
tas intelectuais — e havia tantas quantas há hoje —
eram, em sua m aioria, disputas familiares. D om ini­
canos podiam discordar de jesuítas, jesuítas de angli­
canos, anglicanos de presbiterianos, ad infinitum, mas
todas essas partes concordavam com o m esm o con ­
junto básico de pressuposições. O Deus da Bíblia, triú-
no e pessoal, existia; Ele se revelara a nós e podia ser
conhecido; o universo era sua criação; os seres hum a­
nos eram sua criação especial. Se as batalhas vinham
à tona, elas aconteciam dentro das fronteiras teístas.
Por exem plo, co m o con h ecem o s a Deus? Pela
razão, pela revelação, pela fé, pela contem plação,
por procuração, por acesso direto? Essa luta teve seu
cam po de batalha em m uitas frentes durante deze­
nas de séculos e ainda perm anece com suas ques­
tões rem anescentes no cam po teísta.
Observe, por exem plo, a seguinte questão: o co m ­
po nen te básico do U niverso é apenas m atéria, ape­
nas form a ou um a co m b in ação dos dois? Os teístas
ainda debatem sobre essas questões. Qual o papel
d esem penhad o pela liberdade hu m ana num u n i­
verso ond e Deus é soberano? M ais um a vez, um a
disputa fam iliar.
O U N I V E R S O AO LADO
28

D urante o período que vai do início da Idade M édia até o


fim do século xvii, m u ito pou cos desafiavam a existên cia de
D eus ou sustentavam que a realidade final era im pessoal ou a
m orte significava a extinção individual. A razão era clara. O cris­
tian ism o havia penetrado tanto no m undo ocid ental que, quer
as pessoas acreditassem em Cristo, quer agissem com o cristãos,
todas viviam num contexto de idéias influenciad o e info rm a­
d o pela fé cristã. Até aqueles que rejeitavam a fé m uitas vezes
viviam sob o m ed o do fogo do inferno ou das angústias do
purgatório. Pessoas m ás pod em ter rejeitado a bond ade cristã,
m as reconheciam a si m esm as com o más, basicam ente pelos
pad rões cristãos — ru dem en te entend id os, sem dúvida, m as
cristãos em sua essência. As pressuposições teístas que estavam
por trás dos valores já v in ham no leite m aterno.
É claro que m u ito dessa convicção não é m ais verdade. Ter
nascid o no O cid ente não garante m ais nada. As cosm ovisões
proliferaram . Se você indagasse qualquer pessoa que encontras­
se durante um passeio pelas ruas de qu alqu er grande cidade
européia ou am ericana, ela lhe responderia p ron tam ente com
qualqu er um de um a dúzia de padrões distintivos de com p reen­
são sobre o que é a existência. Q uase nada é bizarro para nós, o
que torna m ais e m ais difícil às hostes de program as de aud itó­
rio conseguirem b o n s índices de audiência cho can d o seus teles­
pectadores. Considere o p roblem a educacional de um a criança
nos dias de hoje.
Jane, um a criança do século xx do m und o ocid ental, freqüen-
tem ente tem sua realidade definida de duas vastas e divergentes
form as — a de seu pai e a de sua mãe. Q u an d o a fam ília se
separa, o ju iz pod e entrar com um a terceira definição da reali­
dade hum ana. Essa situação colo ca um p roblem a d istin to de
com o decidir qual é o verdadeiro aspecto que o m u nd o real­
m ente assume.
João, um a criança do século xvii, contud o, foi em balad a num
con sen so cultural que fornecia um sentido de lugar. O m undo
que o circundava estava realm ente presente — criado por Deus
para existir. C om o vice-regente de Deus, o jovem Jo ão sentia a
outorga de d o m ín io sobre o m undo. Ele era levado a adorar a
Deus, mas Deus era certam ente digno de adoração. Ele era leva-
T E Í S M O C R I S T Ã O
29

do a obedecer a Deus, m as essa obed iên cia significava a verda­


deira liberdade, um a vez que esse era o propósito para o qual as
pessoas tin h am sido criadas. Além disso, o jugo de Deus era
suave e Seu fardo, leve. Seus decretos eram vistos com o prim aria­
m ente m orais, quan do as pessoas eram livres para ser criativas
em relação ao universo externo, livres para aprender seus segre­
dos, livres para m old á-lo com o m ord om os de Deus, cultivando
o jard im divino e oferecendo seu trabalho co m o fruto de verda­
deira adoração diante do D eus que honra sua criação com liber­
dade e dignidade.
Havia um a base tanto para o significado com o para a m oralida­
de e tam bém para a questão da identidade. Os apóstolos do absur­
do ainda não tinham chegado. Nem m esm o o Rei Lear, de Shake-
speare (talvez o herói mais "perturbado" da Renascença inglesa)
não term inou em total desespero. Suas peças posteriores sugerem
que ele tam bém superou o m om ento de desespero e encontrou
finalm ente um significado para o mundo.
É apropriado, portanto, iniciar o estudo sobre as cosm ovi-
sões a partir do teísm o. É a cosm ovisão fundam ental, da qual
todas as outras essencialm en te derivaram e se desenvolveram
entre os anos 170 0 e 1900. Seria possível retornar ao tem po an ­
terior ao teísm o, ao classicism o greco-rom ano, mas, m esm o as­
sim, quan do ele ressurgiu na Renascença, era visto quase so ­
m ente dentro do referencial teísta.1

T eís m o c r is t ã o b á s ic o
No âm ago de cada capítulo tentarei expressar a essência de cada
cosm ovisão num núm ero m ín im o de proposições sucintas. Cada
cosm ovisão considera as seguintes questões básicas: a natureza
e o caráter de Deus ou realidade final, a natureza do universo, a
natureza da hum anidade, a questão do que acon tece quando
um a pessoa m orre, a base do con h ecim en to hu m ano, a base da
ética e o significado da história.2 No caso do teísm o, a proposi­
ção principal relaciona-se à natureza de Deus. U m a vez que esta
prim eira proposição é tão im portante, gastarem os m ais tem po
com ela do que com qualquer outra.
O U N I V E R S O AO LADO
30

1. Deus é infinito e pessoal (triúno), transcendente e im anente,


onisciente, soberano e bom .1
V am o s d iv id ir essa p ro p o s içã o e m partes.
Deus é infinito. Isso sig n ifica q u e E le e stá a lé m d o e sp a ço v i­
tal, a lé m d e m ed id as, n o q u e se refere a n ó s. N e n h u m o u tro ser
n o u n iv erso p o d e c o n fro n tá -lo em sua n atu reza. T u d o m ais é
secu n d á rio . Ele n ã o te m sem e lh a n te , m as s o m e n te E le é o ser-
to ta l e o fim -to ta l da existên cia. Ele é, n a verdade, o ú n ic o ser
a u to -e x iste n te .4 C o m o o S enhor D eu s fa lo u a M o isé s fo ra da sar­
ça ard ente, "Eu sou o que sou " (Ê x o d o 3 :1 4 ) . Ele existe de u m a
fo rm a e m q u e n in g u é m m ais existe. C o m o M o isé s p ro cla m o u ,
"O u v e, Ó Israel: O S enhor n o s so D eu s é o ú n ic o S enhor" (D e u -
te r o n ô m io 6 :4 ). A ssim , D eu s é a ú n ica e x istê n cia p rim o rd ia l, a
ú n ica realid ad e p rim o rd ial e, c o m o d esen v o lv erem os m ais a d ia n ­
te, a ú n ic a fo n te de to d a e q u a lq u e r realid ad e.
Deus é pessoal. Isso sig n ifica q u e D eu s n ã o é u m a sim p le s fo r­
ça, en erg ia o u "su b stâ n c ia " existen te. D eu s é ele; isto é, D eu s
te m p erso n alid ad e. P erso n a lid a d e re q u er duas características b á ­
sicas: ( 1 ) au to -re fle x ã o e ( 2 ) a u to d e te rm in a ç ã o . Em o u tras p a la ­
vras, D eu s é p esso al p o rq u e sa b e q u e m ele p ró p rio é (e le é au to -
c o n sc ie n te ) e p o ssu i as características da a u to d e te rm in a ç ã o (e le
"p e n s a " e "a g e ").
U m a im p lica ç ã o da p e rso n a lid a d e de D eu s é q u e e le é c o m o
n ó s. D e certa fo rm a, isso c o lo c a a carru agem an tes d os b o is. Na
verdad e, s o m o s c o m o ele, m as será c o n v e n ie n te d eix arm o s isso
d e lad o , p e lo m e n o s para u m breve c o m e n tá rio . Ele é c o m o nó s.
Isso sig n ifica q u e e le é alguém fin al q u e existe p ara fu n d a m e n ta r
n o ssa s m ais altas asp iraçõ es, nossa m ais p re cio sa p o sse ssã o — a
p e rso n alid ad e. M as, h á m u ito m ais s o b re isto n a p ro p o s içã o 3.
O u tra im p lica ç ã o da p e rso n a lid a d e d e D eu s é q u e D eu s n ã o
é u m a sim p le s u n id ad e, u m n ú m e ro in te iro . E le te m atrib u to s,
características. E le é u m a u n id ad e, sim , m as u m a u n id a d e de
c o m p le x id a d e .
D e fato , n o te ís m o c ristã o (n ã o n o ju d a ís m o ), Deus n ão é
apenas pessoal, mas triúno. Isso é, "d e n tro d e u m a e ssê n c ia da
D iv in d a d e te m o s de d istin g u ir três 'p e sso as', que, p o r u m lad o ,
n ã o são três deuses, n e m p o r o u tro três partes o u m o d o s de D eus,
m as co -ig u ais e c o -e te m o s c o m D eu s".5 A T rin d ad e é sem dúvida
T E Í S M O C R I S T Ã O

u m gran d e m isté rio , e n ã o p o d e m o s n e m m e s m o c o m e ç a r a


e lu c id á -lo agora. O im p o rta n te a q u i é o b serv ar q u e a T rin d ad e
c o n firm a a c o m u n h ã o , a n atu reza "p e ss o a l" d o ser fin al. D eus
n ã o a p en as existe — u m ser v e rd ad e iram e n te e x iste n te — ele é
p esso al e n ó s p o d e m o s re la cio n a r-n o s c o m ele de m a n e ira p es­
so al. C o n h e c e r a D eus, p o rta n to , sig n ifica c o n h e c e r m ais d o q u e
sua existê n cia. S ig n ifica c o n h e c ê -lo c o m o c o n h e c e m o s u m ir­
m ã o ou , m elh o r, n o s so p ró p rio pai.
Deus é transcendente. Isso sig n ifica q u e D eu s está a lé m de n ó s
e d o n o s so m u n d o . E le é diferente. V eja u m a ped ra: D eu s n ã o é
ela; D eu s está a lé m d ela. V eja u m h o m e m : D eu s n ã o é ele; D eus
está a lé m dele. A pesar d isso, D eu s n ã o está tã o a lé m q u e n ã o
p o ssa m a n te r n e n h u m a relação c o n o s c o e c o m n o s so m u n d o .
D a m e sm a fo rm a, é v erd ad eiro q u e Deus é im anente, e isso sig n i­
fica q u e ele e stá c o n o sc o . V eja u m a ped ra: D eu s e stá p resente.
V eja u m a p esso a: D eu s está presen te. Isso é, e n tã o , u m a c o n tra ­
d ição ? O te ís m o é ab su rd o n essa q u e stã o ? P en so q u e n ã o .
Q u a n d o m in h a filh a C arol tin h a cin co anos, e n s in o u -m e m u i­
to so b re isso. Ela e sua m ãe estav am na c o z in h a e sua m ãe a
estava e n s in a n d o a re sp e ito de D eu s e star e m to d o lugar. Foi
q u a n d o C aro l p erg u n to u : "D e u s está n a sala?".
"S im " , re sp o n d e u sua m ãe.
"E le está n a c o z in h a ? "
"S im " , ela resp o n d eu .
"E sto u p isa n d o e m D e u s?"
S u b ita m e n te m in h a e sp o sa fico u m u d a. M as v eja a q u e stã o
q u e fo i levan tad a. D eu s está aqui d a m e s m a fo rm a q u e u m a p e ­
dra o u u m a cad eira está aq u i? N ão, n ã o e x atam en te . D eu s é im a ­
nente, aq u i, e m to d o lugar, n u m s e n tid o c o m p le ta m e n te h a r­
m ô n ic o c o m su a tra n s c e n d ê n cia . P o rq u e D e u s n ã o é m atéria
c o m o v o cê e eu, m as E sp írito . E a in d a assim , ele e stá aq u i. N o
livro de H ebreu s, n o N ovo T e sta m e n to , Jesu s C risto é a p re se n ta ­
do c o m o "su ste n ta n d o to d a s as c o u sa s p ela palavra d o seu p o ­
der" (H e b re u s 1 :3 ). Isto é, D eu s está a lé m d e tu d o , ap esar de
tud o e su sten ta n d o tu d o .
Deus é onisciente. Isto sig n ifica q u e D eu s é to d o -c o n h e c e d o r.
Ele é o alfa e o ô m e g a e c o n h e c e o p rin c íp io d esd e o fim (A p o ca­
lip se 2 2 : 1 3 ) . E le é a fo n te fin a l d e to d o c o n h e c im e n to e de
O U N I V E R S O AO LADO

32

to d a in te lig ê n cia . É Aquele que conhece. O au to r d o S alm o 139


expressa co m extrem a beleza seu esp anto p elo fato de D eus estar
em to d o lugar, e n ch en d o -o co m sua presença — con h ecen d o -o ,
m e sm o q u an d o ele estava sendo fo rm ad o n o ventre de sua m ãe.
Deus é soberano. E sta é, n a verdade, u m a ra m ific a çã o a d ic io ­
n al d a in fin itu d e d e D eus, m as ela expressa m ais c o m p le ta m e n ­
te o in te re sse d iv in o em governar e cu id ar d e to d a s as açõ e s d o
seu u n iv erso . Ele expressa o fato de q u e n a d a está a lé m d o in te ­
resse fin a l, d o c o n tro le e da au to rid ad e d e D eus.
Deus é bom. E sta é a d eclaração p rim ária so b re o caráter de
D e u s.6 D e le flu e m to d o s o s o u tros. Ser b o m sig n ifica ser b o m .
D eu s é b o n d a d e . Isto é, 0 qu e e le é, é b o m . N ão h á n e n h u m
s e n tid o n o qu al a b o n d a d e ultrap asse D eus o u D eu s ultrap asse
a b o n d a d e . C o m o ser é a essên cia da sua n atu reza, a b o n d a d e é
a essê n cia d o seu caráter.
A b o n d a d e de D eu s é expressa de d uas fo rm as: através da
san tid ad e e através d o am or. A san tid ad e d estaca su a a b so lu ta
ju stiça q u e n ã o to le ra n e n h u m a s o m b ra d o m al. C o m o d isse o
a p ó s to lo Jo ã o : "D e u s é luz, e n ã o h á n e le treva n e n h u m a " (1
Jo ã o 1 :5 ). A s a n tid a d e d e D eu s é sua sep aração d e tu d o a q u ilo
q u e te m o m e n o r v estígio d o m al. M as a b o n d a d e d e D eu s ta m ­
b é m é expressa e m am o r. N a verdade, lo ã o d iz "D e u s é a m o r " (1
Jo ã o 4 :1 6 ) , e isso co n d u z D eus para o au to -sa crifício e a exp res­
são c o m p le ta d o seu favor a seu po v o , ch a m a d o nas Escrituras
H eb raicas de "o v e lh as do seu p a sto " (S a lm o 1 0 0 :3 ).
A b o n d a d e de D eu s sig n ifica, e n tã o , p rim e iro , q u e h á u m
p ad rão a b s o lu to de ju stiça (e le é e n c o n tra d o n o caráter de D eu s)
e, seg u n d o , q u e h á e sp eran ça para a h u m a n id a d e (p o rq u e D eu s
é a m o r e n ã o a b a n d o n a rá sua c ria ç ã o ). Essas o b se rv açõ e s c o m ­
b in a d a s to rn a r-se -ã o e sp e c ia lm e n te sig n ificativ as q u a n d o tra ça r­
m o s o s resu ltad o s d e re je itar a c o sm o v isã o teísta.

2. Deus criou 0 cosm o ex n ih ilo para operar com a u n iform idade de


causa e efeito num sistem a aberto.
D eu s crio u o c o s m o ex nihilo. D eu s é Arqueie qu e é, e a s sim ele
é a fo n te de tu d o m ais. A pesar d isso, é im p o rta n te e n te n d e r q u e
D eu s n ã o fez o u n iv erso fo ra de si m e sm o . Em e sp ecial, D eu s
c h a m o u -o à existên cia. Ele v eio a existir p o r sua palavra: "D is s e
t e í s m o c r i s t ã o

33

D eus: H a ja luz; e h o u v e lu z " (G ê n e sis 1 :3 ). A ssim o s te ó lo g o s


d izem q u e D eu s "c rio u " (G ê n e sis 1 :1 ) o c o s m o ex nihilo — fora
do n ad a, n ã o fo ra de si m e s m o o u d e alg u m c a o s p re e x iste n te
(p o rq u e se o c o s m o fo sse re a lm e n te "p re e x iste n te ", seria tã o e te r­
n o q u a n to D e u s).
Segundo, D eus criou o co sm o c o m o uma uniform idade de causa
e efeito num sistema aberto. Esta frase é u m resu m o útil para dois
con ceitos-chav e.7 P rim eiro, ela significa que o co sm o n ã o foi cria­
do para ser caótico . Isaías declara isso de fo rm a m agnífica:

Porque assim diz o Senhor que criou os céus, o único Deus, que
form ou a terra, que a fez e a estabeleceu; que não a fez para ser
um caos, mas para ser habitada: eu sou o Senhor e não há outro.
Não falei em segredo, nem em lugar algum de trevas da terra;
não disse à descendência de Jacó: Buscai-me em vão; eu, o Senhor,
falo a verdade, e proclamo o que é direito. (Isaías 45:18-19)

Q u n iv erso é o rd e n a d o , e D eu s n ã o o ap re se n ta a n ó s em
co n fu sã o , m as em clarid ad e. A n atu reza d o u n iv erso d e D eu s e a
natu reza d o caráter de D eu s e stão , assim , in tim a m e n te re la c io ­
nadas. O m u n d o é c o m o é p e lo m e n o s e m p arte p o rq u e D eu s é
o q u e é. V erem o s m ais a d ia n te c o m o a Q u e d a q u a lific a essa o b ­
servação. A qui é su ficie n te o b serv ar q u e h á u m a o rd e m , u m a
regularidad e n o u n iv erso . P o d e m o s e sp erar q u e a terra gire, as­
sim o so l "se le v an tará" to d o dia.
M as o u tra n o ç ã o im p o rta n te está o cu lta n e ste resu m o . O sis­
tem a está aberto, e isso sig n ifica q u e n ã o está p ro g ram ad o . D eus
está c o n sta n te m e n te e n v o lv id o n o p ad rão de d e s d o b ra m e n to
de c o n tín u a ativid ad e d o u n iv erso . E assim s o m o s c o m o seres
h u m a n o s! O cu rso d e ativid ad e d o m u n d o está ab e rto ao reor-
d e n a m e n to e fe tu a d o ta n to p o r D eu s c o m o p e lo s seres h u m a ­
nos. A ssim o e n c o n tra m o s d ra m a tica m e n te re o rd e n a d o n a Q u e ­
da. A dão e Eva fizeram u m a e sc o lh a q u e teve tre m e n d o sig n ifi­
cad o . M as D eu s fez o u tra e sc o lh a ao re d im ir as p esso as através
de C risto .
A ativid ad e d o m u n d o é ta m b é m re o rd en ad a p o r n o ssa c o n ­
tín u a ativ id ad e ap ó s a Q u ed a. C ad a ação q u e to m a m o s in d iv i­
d u alm en te, cad a d ecisã o para seg u ir u m a a çã o e m vez d e ou tra,
O U N I V E R S O AO LADO

34

m u d a ou , e m esp ecial, "p ro d u z " o fu tu ro . Jo g a n d o p o lu e n te s


e m rio s d e águas lim p as, m a ta m o s o s p eixes e a lte ra m o s a m a ­
neira c o m o n o s alim en tarem o s n o s an o s vindou ros. "L im p an d o "
n o sso s rios, n o v am en te alteram o s o futuro. Se o universo n ã o fos­
se ord enad o, nossas decisões n ã o teriam efeito. Se o curso dos aco n ­
tecim en to s fosse d eterm inad o, nossas d ecisões n ão teriam signifi­
cado. A ssim o te ísm o declara q u e o universo é o rd enad o, m as não
d eterm in ad o. As im p licaçõ es d isso se to m a m m ais claras, q u an d o
d iscu tim os o lugar da h u m an id ad e n o cosm o .

3. Os seres hum anos são criados à im agem d e Deus e assim possuem


personalidade, autotranscendência, inteligência, m oralidade, senso gre­
gário e criatividade.
A exp ressão -ch av e a q u i é im agem de Deus, u m c o n c e ito a c e n ­
tu a d o p e lo fa to de q u e ela o co rre três vezes n u m cu rto e sp a ço de
te m p o e m d o is v ersos e m G ên esis:

Também disse Deus: Façamos o hom em à nossa imagem, confor­


me a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar,
sobre as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a
terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra. Criou Deus,
pois, o hom em à sua imagem, à imagem de Deus o criou; hom em
e mulher os criou. (Gênesis 1:26-27; compare Gênesis 5:3 e 9:6)

O fa to de p e sso as serem feitas à im a g e m de D eu s sig n ifica


q u e n ó s s o m o s c o m o D eus. fá o b se rv am o s q u e D eu s é c o m o
n ó s. N a verdade, as E scrituras d izem isso de o u tra m an eira: Nós
som os com o Deus c o lo c a a ê n fa se o n d e e la p e rte n ce — n a p rim a ­
zia d e D eus.
S o m o s p esso ais p o rq u e D eu s é p esso al. Isto é, re c o n h e c e m o s
a n o ssa existê n cia (s o m o s a u to c o n s c ie n te s) e to m a m o s d ecisõ es
sem c o a ç ã o (p o s su ím o s a u to d e te rm in a ç ã o ). Em o u tras palavras,
s o m o s cap azes de atu ar p o r n ó s m e sm o s. N ão reag im o s s im ­
p le sm e n te ao n o sso m e io am b ie n te , m as p o d e m o s atu ar de a c o r­
d o c o m n o sso p ró p rio caráter, n o ssa p ró p ria natu reza.
D iz e m o s q u e n ã o existem d uas p e sso as igu ais n ã o só p o rq u e
elas n ã o c o m p a rtilh a m e x a ta m e n te a m e sm a h e re d ita rie d a d e e
am b ie n te , m as p o rq u e cad a u m de n ó s p o ssu i u m caráter ú n ic o
T f í S M O C R I S T Ã O

35

p o r m e io d o qu al p e n sa m o s, d e se ja m o s, p e sa m o s c o n se q ü ê n -
cias, re c u sa m o -n o s a p esar c o n se q ü ê n cia s, p e rd o a m o s, recu sa­
m o s o p erd ão , e m su m a, e sc o lh e m o s agir.
N isso cad a p esso a reflete (c o m o u m a im a g e m ) a tra n s c e n ­
d ên cia d e D eu s s o b re seu u n iv erso . D eu s n ã o e stá lim ita d o p e lo
seu a m b ie n te . D eu s e stá lim ita d o (p o d e m o s d izer) a p e n a s p e lo
seu caráter. D eus, sen d o b o m , n ã o p o d e m en tir, enganar, agir
c o m in te n ç ã o m a ld o sa e assim p o r d ian te. M as n ad a ex te rn o a
D eu s p o d e c o n stra n g ê -lo . Se ele e sc o lh e u restau rar u m un iv erso
caíd o , fo i p o rq u e "q u is " fazê -lo , p o rq u e, p o r e x e m p lo , o a m a e
q u er o m e lh o r para ele. M as D eu s é livre para fazer o q u e quer, e
sua v o n ta d e está em s in to n ia c o m seu caráter ( Q uem E le é ).
A ssim a g im o s em parte e m u m a tra n sc e n d ê n cia s o b re n o sso
m e io a m b ie n te . E xceto n o s e x tre m o s da e x istê n cia — na d o en ça
o u p riv ação física (p assar fo m e a b so lu ta d ev id o à in tem p érie,
ficar p reso n a escu rid ão d u ran te d ias sem fim , p o r e x e m p lo ) —
u m a p esso a n ã o é fo rçad a a n e n h u m a reação n ecessária.
P ise n o m eu pé. D ev o fa la r u m p alav rão? D everia. D evo per-
d o á -lo ? D everia. D evo berrar? D everia. D ev o sorrir? D everia. O
que eu fizer refletirá m e u caráter, m as so u "e u " q u e agirei e n ã o
reajo ap en as c o m o u m a c a m p a in h a q u e to c a q u a n d o u m b o tã o
é p re ssio n ad o .
Em re su m o , as p e sso as tê m p e rso n a lid a d e e são cap azes d e
tran scen d er o c o s m o n o qu al fo ra m co lo ca d a s, n o se n tid o de
q u e p o d e m c o n h e c e r alg u m a co isa d esse c o s m o e p o d e m agir
sig n ificativ am en te para m u d ar o cu rso , ta n to d o s a c o n te c im e n ­
to s h u m a n o s q u a n to d o s ev en to s c ó sm ic o s. Essa é o u tra m a n e i­
ra de d izer q u e o siste m a c ó s m ic o q u e D eu s fez é aberto ao reor-
d e n a m e n to d os seres h u m a n o s.
A p e rso n a lid a d e é a p rin cip al co isa re la cio n a d a a n ó s, seres
h u m a n o s. P en so q u e é ju sto d izer q u e ela é a p rin cip a l co isa
re lacio n ad a a D eus, q u e é in fin ito ta n to e m sua p e rso n a lid a d e
q u a n to em seu ser. N o ssa p e rso n a lid a d e está fu n d a m e n ta d a na
p e rso n a lid a d e de D eus. Isso é, d e s c o b rim o s n o s so verd ad eiro
lar em D eu s e n o ín tim o re la c io n a m e n to c o m ele. "H á u m v azio
n o fo rm a to de D eu s n o c o ra çã o de to d o h o m e m " , escreveu Pas­
cal. "N o sso s c o ra çõ e s n ã o re p o u sa m até q u e e n c o n tre m re p o u ­
so em ti", escrev eu A g o stin h o .
O U N I V E R S O AO LADO

36

C o m o D eus c o m p le ta n o s so ú ltim o d ese jo ? E le o faz de


várias m an eiras: sen d o o perfeito co m p le m e n to para n o ssa p ró ­
pria natureza, satisfazen d o n o sso d esejo p o r um re la cio n a m e n ­
to interp essoal, sen d o em sua o n isciên cia o fim da n ossa bu sca
p o r co n h e cim en to , sen d o em seu in fin ito ser o refúgio de to d o s
os tem ores, sen d o em sua santid ad e o fu n d am e n to ju sto para a
n ossa busca p o r ju stiça, sen d o em seu in fin ito a m o r a causa de
n ossa esp erança p o r salvação, sen d o em sua in fin ita criativid ad e
a fo n te de n ossa im ag in ação criativa e a beleza final q u e b u sca­
m o s refletir q u an d o n ó s m esm o s criam os.
P od em o s resum ir esse c o n ce ito do h o m e m à im agem de Deus
d izen d o que, c o m o Deus, te m o s personalidade, autotranscendên-
cia, inteligência (a cap acid ad e de razão e c o n h e cim e n to ), m orali­
dade (a capacid ade de reco n h ecer e en ten d er o b em e o m al),
senso gregário ou cap acid ad e social (n o ssa característica e d esejo
fú n d am e n tal e necessid ad e p o r c o m p a n h e irism o h u m a n o —
co m u n id ad e — esp ecialm en te representad a p elo asp ecto "m a ­
c h o " e "fê m e a ") e criatividade (a h ab ilid ad e de im ag in ar novas
coisas ou d o tar velhas coisas c o m sig nificad o h u m a n o ).
D iscu tirem o s a raiz da in telig ên cia h u m an a a seguir. G ostaria
de co m e n ta r aqu i sobre a criatividade h u m an a — u m a caracte­
rística freq ü en tem en te ignorada n o te ísm o popular. A criativi­
dade h u m an a nasce c o m o reflexo da criatividade in fin ita do p ró ­
prio D eus. Sir P h ilip S id n ey ( 1 5 5 4 - 1 5 8 6 ) escreveu, certa vez,
sob re o poeta que "fo i alçad o c o m o vigor da sua própria inv en­
ção, cresceu, co m efeito, em outra natureza, fazen d o coisas ou
m elh o res do que a natureza revestida, ou co m p le ta m e n te n o ­
vas, fo rm as tais que n u n ca v im o s n a natureza, ... liv rem en te d is­
postas d en tro d o zo d íaco da sua p rópria sagacidade". H onrar a
criatividade h u m an a, dizia Sidney, é h o n rar a Deus, pois D eus é
o "C riad or celestial d aqu ele criad or".8 A atividade d os artistas
d en tro da co sm o v isão teísta tem u m a base só lid a para o seu
trab alh o . N ada é m ais lib ertad o r q u an d o eles p erceb em que,
p o r causa de sua sem elh an ça c o m D eus, p o d em realm en te in ­
ventar. A inventividad e artística reflete a ilim itad a cap acid ad e de
criação de Deus.
N o teísm o cristão o s seres h u m an o s são realm en te dignos.
Nas palavras d o salm ista, eles são "u m p o u co m e n o r d o que

*
T E Í S M O C R I S T Ã O
37

D eu s", pois o pró p rio D eus os fez dessa m an eira e os co ro o u


"co m glória e h o n ra " (S a lm o 8 :5 ). A d ignidad e hu m an a, de cer­
ta m an eira, n ão é u m a característica própria nossa; ao con trário
de Protágoras, o h o m e m não é a m edida. A d ignidad e h u m an a
é derivada de Deus. M esm o sen d o derivada, as pessoas a p o s­
suem , n ã o im p o rta se c o m o d om . H elm u t T h ielick e expressa
essa verdade c o m propried ade: "Sua grandeza [do h o m em ] re­
pou sa so m e n te n o fato de q u e D eus em sua incom p reen sív el
b o n d ad e con ced eu seu a m o r sobre ele. Deus n ão n o s am a p o r­
que so m o s valio sos; so m o s v alio sos p o rq u e D eus n o s a m a ."9
P ortanto, a d ignidad e h u m an a tem d ois lados. C o m o seres
h u m ano s, so m o s d ignificados, m as isso n ão é m o tiv o de orgu­
lho, p o is se trata de u m a d ignidad e nascid a c o m o reflexo da
D ignid ade Final. Todavia, ela é um reflexo. Assim , as pessoas
que são teístas vêem a si m esm as c o m o u m a esp écie de cen tro
— acim a do resto da criação (p o is D eus deu a elas d o m ín io
sobre a criação — G ên esis 1 :2 8 -3 0 e S alm o 8 :6 -8 ) e abaixo de
Deus (p o is as pessoas n ão são a u tô n o m a s).
Esse é, en tão , o ideal eq u ilib rad o d o status h u m an o . É erran­
do em p erm an ecer nesse e q u ilíb rio q u e n o sso s p ro b lem as sur­
gem, e a h istó ria de c o m o isso aco n teceu é, em grande parte, a
história do te ísm o cristão. M as antes de verm os o que d eseq u ili­
brou este b alan cead o estad o da h u m an id ad e, p recisam o s e n ­
tender um a im p licação ad icion al de ser criad o à im agem de Deus.

4. Os seres humanos podem conhecer tanto o mundo à sua volta quanto


o próprio Deus, porque Deus os proveu com essa capacidade e assumiu
um papel ativo na com unicação com eles.
A base do co n h e cim e n to h u m a n o é o caráter de D eus co m o
criador. S o m o s feito s à sua im agem (G ên esis 1 :2 7 ). C o m o ele é
o to d o -co n h e ce d o r de tod as as coisas, assim p o d em o s ser algu­
m as vezes os sagazes co n h eced o res de algum as coisas. O Evan­
gelho de Jo ão c o lo ca esse c o n ce ito desta m an eira:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era


Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as cousas foram
feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez. A
vida estava nele, e a vida era a luz dos homens. (João 1:1-4)
O U N I V E R S O AO LADO
38

A Palavra (n o grego logos, da qual veio a n ossa palavra lógi­


ca) é eterna, u m asp ecto d o p ró p rio D eu s.10 Isso sig nifica que a
lógica, a inteligên cia, a racion alid ade, tod as elas são inerentes a
D eus. É fora dessa in telig ên cia que o m u n d o , o universo, veio
a existir. E, p o rtan to , p o r causa dessa origem , o universo tem
estrutura, ord em e sen tid o.
A lém disso, na Palavra, essa in telig ên cia in eren te é a "lu z dos
h o m e n s", luz que n o livro de Jo ã o é um sím b o lo para a cap aci­
dade m o ral e a in telig ên cia. O verso 9 acrescenta que a Palavra é
"a verdadeira luz... q u e ilu m in a a to d o h o m em ". A própria in te ­
lig ên cia de D eus é, assim , a base da in telig ên cia h u m an a. O c o ­
n h ec im e n to é, p o rtan to , possível, p o rq u e h á algo para ser c o ­
n h ecid o (D eu s e sua criação ) e algu ém para saber (o D eus o n is ­
cien te e os seres h u m a n o s feito s à sua im a g e m ).11
É claro que o p ró p rio D eus está para sem pre tão além de n ó s
q u e n ão p o d em o s ter nada p arecid o co m u m a co m p reen são to ­
tal dele. N a verdade, se D eus desejasse, ele pod eria p erm an ecer
para sem pre o cu lto . M as D eus qu er q u e n ó s o con h e çam o s, e
para isso ele to m o u a iniciativ a nessa transferência de c o n h e ci­
m e n to .
E m term o s teo ló g ico s essa iniciativ a é ch am ad a de revelação.
D eus se revela o u deixa de revelar-se para n ó s de duas m an eiras
básicas: (1 ) pela revelação geral e (2 ) pela revelação esp ecial. Na
revelação geral D eus fala através da ord em criada do universo. O
a p ó sto lo P aulo escreveu: "P o rq u a n to o q u e de D eus se p o d e
c o n h e ce r é m an ifesto en tre eles, p o rq u e D eus lhes m an ifesto u .
Porque o s atribu to s invisíveis de D eus, assim o seu etern o p od er
c o m o ta m b é m a sua própria divindade, claram en te se re co n h e ­
cem , desde o p rin cíp io do m u n d o , sen d o p ercebid o s p o r m eio
das cou sas q u e fo ram cria d a s"(R o m a n o s 1 :1 9 -2 0 ). Sécu los a n ­
tes de Paulo, o salm ista escreveu:

Os céus proclamam a glória de Deus, e o firmamento anuncia as


obras das suas mãos. Um dia discursa a outro dia, e uma noite
revela conhecim ento a outra noite. (Salmo 19:1-2)

Em outras palavras, a existên cia de D eus e sua natu reza c o m o


C riad or e m a n te n e d o r p o d ero so d o un iverso são reveladas nas
T E I S M O C R I S T Ã O
39

"obras das suas m ã o s", seu universo. Ao c o n te m p la r essa m ag­


nitud e — seu o rd e n am e n to e sua beleza — , p o d e m o s aprender
m u ito sob re Deus. Q u an d o n o s v o ltam o s do im en so universo e
o lh a m o s para a hu m an id ad e, v em o s algo m ais, p o is os seres
h u m an o s acrescen tam a d im en são da personalid ad e. D eus, p o r­
tan to , deve ser p elo m en o s tão pessoal c o m o som o s.
D essa fo rm a rem o ta a revelação geral p o d e prosseguir, m as
não tan to . C o m o T o m ás de A qu ino disse, p o d eríam o s saber que
Deus existe através da revelação geral, m as n u n ca p o d eríam o s
saber que D eus é triú n o, exceto p o r um a revelação especial.
Revelação esp ecial é D eus se d esco brin d o a si m esm o em ca­
m in h o s sobrenaturais. Ele n ão apenas revelou a si m e sm o ap a­
recendo em form as espetaculares, tais c o m o u m a sarça q u e ar­
dia m as n ão se co n su m ia, c o m o ta m b é m falou ao povo na sua
própria linguagem . Para M oisés ele d efin iu a si m e sm o c o m o
"Eu sou o que sou" e id en tifico u -se c o m o o m e sm o Deus que
tin h a atuad o antes em defesa do povo hebreu . Ele ch a m o u a si
m esm o de o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó (Êxodo 3 :1 -1 7 ).
Na verdade, nessa passagem, Deus continuou um diálogo com M oi­
sés, em que um a com u n icação genuína de m ão dupla aconteceu.
Esta é um a m aneira em que a revelação especial ocorreu.
A seguir, D eus en tregou a M oisés os D ez M an d am en to s e re­
velou um lo n g o cód igo de leis p o r m eio d o qual o s hebreu s
po d eriam ser governados. D eus ain d a se revelou aos profetas
num grande n ú m ero de trilh as da vida. Sua palavra veio a eles, e
eles a registraram para a posteridade. O escrito r da carta aos H e­
breus, n o N ovo T estam en to , resum iu desta m an eira: "H avend o
Deus, o utrora, falado m u itas vezes, e de m u itas m an eiras, aos
pais, pelos p ro fetas" (H ebreu s 1 :1 ). Em to d o s esses casos, as re­
velações para M oisés, Davi e aos v ários profetas foram p o r m a n ­
d am en to s de D eus escritas e guardadas para serem lidas repeti­
d am ente para o povo (D e u te ro n ô m io 6 :4 -8 ; S alm o 119). O s es­
critos cum u lativ os cresceram até fo rm arem o V elho Testam ento ,
que fo i co n firm ad o p elo pró p rio Jesus c o m o u m a revelação pre­
cisa e autorizad a de D eu s.12
O escritor da carta aos H ebreus não term in a co m o resum o
da revelação de D eus n o passado. Ele co n tin u a d izend o : "N estes
últim o s dias n o s falou p elo Filho, a q u em co n stitu iu herd eiro
O U N I V E R S O AO LADO
40

de todas as cousas... Ele, que é o resplendor da glória e a expres­


são exata do seu Ser" (Hebreus 1:2-3). Jesus Cristo é a revelação
final e especial de Deus. Porque Jesus Cristo era verdadeiramente
Deus, ele nos mostrou mais plenamente com quem Deus era seme­
lhante do que qualquer outra forma de revelação. Porque Jesus foi
também completamente homem, ele falou mais claramente a nós
do que pode fazê-lo qualquer outra forma de revelação.
Mais um a vez a abertura do Evangelho de João é relevante. "O
Verbo se fez carne e h ab ito u entre nós, ch eio de graça e de
verdade"(João 1:14). Isso é, a Palavra é Jesus Cristo. "E vim os a sua
glória", João continua, "glória com o do unigénito do Pai". Jesus fez
Deus conhecido para nós em term os realmente carnais.
A principal questão para nós é que o teísm o declara que Deus
pode com unicar-se claram ente con o sco e o t3em feito. Em ra­
zão disso, p o d em o s con h ecer m u ito sobre quem D eus é e o
que ele deseja para nós. Isso é verdadeiro para as pessoas de
tod as as épocas e de to d o s os lugares, m as é e sp ecialm en te
verdadeiro antes da Q ueda, à qual agora nos voltam os.

5. Os seres humanos foram criados bons, mas pela Queda, a imagem


de Deus foi desfigurada, embora não completamente arruinada a pon­
to de não ser possível de restauração; pela obra de Cristo, Deus redi­
miu a humanidade e começou 0 processo de restauração das pessoas
para a bondade, embora qualquer pessoa possa escolher rejeitar essa
redenção.
A "h istó ria" hu m ana pode ser entend ida em quatro palavras
— criação, Queda, redenção, glorificação. Já vim os as característi­
cas hu m anas essenciais. A estas devem os acrescentar que os se­
res hu m anos e to d o o resto da criação foram criados e con sid e­
rados bons. C o m o registra o Gênesis: "Viu Deus tudo quanto
fizera, e eis que era m u ito b o m " (G ênesis 1:31). Pois se Deus,
por seu caráter, estabelece os padrões de justiça, a bo nd ad e h u ­
m an a con siste em ser o que Deus queria que as pessoas fossem
— seres criados à im agem de Deus e atuando segundo essa n a­
tureza na sua vida diária. A tragédia é que nós não con tin u am os
da form a com o fom os criados.
C o m o vim os, os seres hu m anos foram criados com a capaci­
dade de autod eterm inação. Deus lhes deu a liberdade de per-
T E Í S M O C R I S T Ã O
41

m anecer ou não num relacionam en to ín tim o à im agem do o ri­


ginal. C o m o Gênesis 3 registra, o casal original, Adão e Eva, es­
colheu desobedecer a seu C riador na única questão em que o
Criador co lo co u lim itações. Esta é a essência da história da Q ue­
da. Adão e Eva escolheram co m er o fruto que Deus lhes havia
proibido com er, e então eles v iolaram o relacio n am en to pessoal
que tinham com seu Criador.
Da m esm a m aneira as pessoas de todas as eras têm tentado
organizar-se co m o seres au tôn om os, árbitros de sua própria m a­
neira de viver. Elas escolheram atuar com o se tivessem um a exis­
tência ind ep endente de Deus. Mas isso é precisam ente o que
elas não têm , pois devem tudo — tanto sua origem com o sua
existência con tín ua — a Deus.
O resultado desse ato de rebelião foi a m orte para Adão e
Eva. E a m orte deles envolveu as gerações subseqüentes durante
séculos de con fusão pessoal, social e natural. N um breve resu­
mo, pod em os dizer que a im agem de Deus no hom em foi desfi­
gurada em tod os os seus aspectos. Em term os de personalidade,
perdem os nossa capacidade de con h ecer a nós m esm os com
precisão, e de determ inar nosso próprio curso de ação livrem en­
te em resposta à nossa inteligência.
Nossa autotranscendência foi debilitada pela alienação que expe­
rim entam os em relação a Deus, porque, com o Adão e Eva se volta­
ram contra Deus, Deus os deixou ir. E com o nós, espécie hum ana,
escapamos do íntim o com panheirism o com a transcendência úni­
ca e final, assim tam bém perdemos nossa capacidade de supervisi­
onar o universo externo, entendê-lo, julgá-lo com precisão bem
com o tom ar decisões verdadeiramente "livres". Pelo contrário, a
humanidade tom ou-se mais um serviçal da natureza do que de
Deus. E nosso status com o vice-regentes de Deus sobre a natureza
(um aspecto da imagem de Deus) foi revertido.
A inteligência hu m ana tam bém ficou debilitada. Agora não
pod em os m ais con qu istar um co n h ecim en to com p letam en te
preciso do m undo à nossa volta, nem som os capazes de pensar
sem con stan tem ente cairm os em erro. Moralmente, nós nos tor­
nam os m en os capazes de discernir o bem e o m al. Socialmente,
com eçam os a explorar outras pessoas. Criativamente, nossa im a­
ginação se separou da realidade; a im aginação tornou -se ilusão,
O U N I V E R S O AO LADO
42

e artistas que criaram deuses à sua própria im agem levaram a


hu m anid ade cada vez m ais longe da sua origem . O vazio em
cada alm a hu m ana criado por essa cadeia de con seqü ências é
realm ente nefasto. (A m ais com p leta expressão bíblica dessas
idéias está nos dois prim eiros capítulos de R om anos).
O s teólogos têm resum ido desta m aneira: to rn am o -n o s alie­
nados de Deus, dos outros, da natureza e até de nós m esm os.
Essa é a essência da hu m anid ade caída.13
Mas a hu m anid ade é passível de rem issão e tem sido rem ida.
A história da criação e Q ueda é contada em três capítulos do
Gênesis. A história da redenção tom a to d o o resto das Escritu­
ras. A B íblia registra o am o r de Deus por nós, sem pre nos bus­
cando, enco n tran d o -n o s em nossa perdição e con d ição alien a­
da e red im in d o-n os pelo sacrifício do seu próprio Filho, Jesus
Cristo, a Segunda Pessoa da Trindade. Deus, num favor im ereci­
do e de trem enda graça, nos oferece a possibilidad e de um a nova
vida, um a vida envolvendo cura substancial das nossas alien a­
ções e restauração da am izade com Deus.
Apesar de Deus ter providenciado um cam in h o de volta para
nós, isso não significa que participam os de um jo g o sem regras.
Adão e Eva não foram forçados a cair. N ão som os forçados a
retornar. Em bora não seja o p ropósito desta descrição do teís­
m o to m ar partido nu m a fam osa disputa dentro do teísm o cris­
tão (predestinação versus livre-arbítrio), é necessário observar que
os cristãos não con cord am sobre precisam ente qual papel Deus
assum e e qual papel ele nos deixa representar. M esm o assim , a
m aioria concordaria que Deus é o agente prim ário da salvação.
N ossa função é responder com o arrependim ento por nossas
atitudes e atos errôneos, aceitar as provisões de Deus e seguir a
Cristo com o S en h o r e Salvador.
A hum anidade redimida é a hu m anid ade no processo de res­
tauração da im agem desfigurada de Deus, em outras palavras,
cura substancial em toda área da vida — personalidade, auto-
transcendência, inteligência, m oralidade, capacidade social e cria­
tividade. A hu m anid ade glorificada é a hu m anid ade totalm ente
curada e em paz com Deus, form ada por indivíduos em paz
com os outros e consigo m esm os. Mas isso acon tece som ente
no outro lado da m orte e da ressurreição corporal cuja im por-
T E Í S M O C R I S T Ã O
43

tância é acentuada por Paulo em 1 C oríntios 15. A pessoa com o


indivíduo é tão im portante que ela retém um a unicidade — um a
existência pessoal e individual para sem pre. A hum anid ade glo­
rificada é a hu m anid ade transform ada num a personalidade pu­
rificada em com u n h ão com Deus e com o povo de Deus. Em
resum o, no teísm o os seres h u m ano s são vistos co m o significa­
tivos porque são essencialm ente sem elhantes a Deus e, em bora
caídos, podem ser restaurados à dignidade original.

6. Para cada pessoa, a morte é ou o portão para a vida com Deus e seu
povo ou o portão para a separação eterna da única coisa cjue completa­
ria, em última instância, as aspirações humanas.
O significado da m orte é realm ente parte da proposição 5,
mas ele é destacado aqui porque as várias atitudes com relação à
m orte são m uito im portantes em cada cosm ovisão. O que aco n ­
tece quando um a pessoa m orre? Vam os colo car isso em term os
pessoais, porque este aspecto da cosm ovisão de alguém é real­
m ente m u ito pessoal. Eu desapareço — extinção pessoal? Eu
hiberno e retorno num a form a diferente — reencarnação? Eu
con tin uo num a existência transform ada no céu ou no inferno?
O teísm o cristão claram ente ensina a últim a opção. Na m or­
te, as pessoas são transform adas. O u elas entram nu m a existên­
cia com Deus e seu povo — um a existência glorificada — , ou
entram nu m a existência para sem pre separada de Deus, susten­
tando sua unicidade em horrorosa solidão, precisam ente longe
daquilo que a com pletaria.
Isso é a essência do inferno. G. K. C hesterton observou certa
vez que o inferno é um m o n u m en to à liberdade hu m ana e, p o ­
dem os acrescentar, à dignidade hum ana. O inferno é o tributo
de Deus à liberdade que ele deu a cada um de nós para que
escolhêssem os a quem serviríam os; é um reco n h ecim en to de
que nossas decisões têm um significado que se estende para além
do âm bito da infin itu d e.14
Aqueles, porém , que respondem à oferta de Deus para a sal­
vação das pessoas no p lano da eternidade com o criaturas glorio­
sas de Deus — com pletas, realizadas, m as não saciadas, com -
prom etem -se com o regozijo etem o da com u n h ão dos santos.
As Escrituras oferecem poucos detalhes sobre essa existência, mas
O U N I V E R S O AO LA D O
44

seus vislum bres do céu em A pocalipse 4-5 e 21, por exem plo,
criam expectativas de esperança cristã a serem cum pridas além
dos seus m ais arraigados desejos.

7. A ética é transcendente e está baseada no caráter de Deus como


bom (santo e amoroso).
Essa proposição já foi considerada com o um a im plicação da
p roposição 1. Deus é a fo n te do m und o m oral, assim com o do
m u nd o físico. Deus é o bem e expressa isso nas leis de princí­
pios m orais que revelou na Escritura.
Feitos à im agem de Deus, som os essencialm ente seres m o ­
rais, e assim não pod em os deixar de usar categorias m orais para
sustentar nossas ações. É claro, n osso senso de m oralidad e foi
violad o pela Q ueda, e agora apenas de form a im perfeita refleti­
m os o verdadeiro bem . Todavia, m esm o em nossa relatividade
m oral, não pod em os livrar-nos do senso de que algum as coisas
são "certas" ou "naturais" e outras não. D urante anos, a h o m o s­
sexualidade foi considerada im oral pela m aior parte da socieda­
de. Agora essa m esm a m aioria não question a m ais sua im o rali­
dade. Ela o faz, não sobre a base de que n enh u m a categoria
m oral existe, m as de que esta área — a hom ossexualidad e — na
verdade deve ter estado do outro lado da lin ha que divide o
m oral do im oral. Os hom ossexuais geralm ente não perdoam o
incesto! Assim, o fato de que pessoas diferem em seu ju lg am en­
to m oral, em nada altera o fato de que con tin u am os a criar, res­
peitar e violar ju lgam entos m orais. Todos vivem num universo
m oral e, na prática, todos — se refletirem bem sobre isso —
reconhecerão esse fato e não terão alternativa.
O teísm o, contud o, ensina que há não apenas um universo
m oral, m as um padrão absolu to pelo qual todos os ju lg am en­
tos m orais são m edidos. O próprio Deus — seu caráter de b o n ­
dade (santidade e am or) — é o padrão. Além disso, cristãos e
judeus sustentam que Deus revelou seu padrão nas várias leis e
princípios expressos na Bíblia. O s Dez M andam entos, o Serm ão
da M ontanha, os ensin am entos éticos do ap óstolo Paulo — nes­
tas e em m uitas outras form as Deus expressou seu caráter para
nós. Há, portanto, um padrão de certo e errado, e as pessoas que
querem saber isso pod em con hecê-lo.
T E Í S M O C R I S T Ã O
45

A m ais com pleta p ersonificação do bem , con tud o, é Jesus


Cristo. Ele é o h o m em com p leto , a hu m anid ade com o Deus
gostaria que fosse. Paulo o cham a de segundo Adão (1 C oríntios
1 5 :4 5 -4 9 ). Em Jesus vem os a genuína vida encarnada. A genuí­
na vida de Jesus foi suprem am ente revelada em sua m orte —
um ato de infinito amor, pois, com o Paulo diz: "D ificilm en te
alguém m orreria por um ju sto... Mas Deus prova o seu próprio
am or para con o sco , pelo fato de ter C risto m orrido por nós,
sendo nós ainda pecadores" (R om an os 5 :7 -8 ). E o ap óstolo João
confirm a: "N isto consiste o amor, não em que nós tenham os
am ado a Deus, mas em que ele nos am ou, e enviou o seu Filho
com o propiciação pelos nossos pecados" (1 João 4 :1 0 ).
Assim, a ética, quando m u ito um d o m ín io hu m ano, é, no
final das contas, um negócio de Deus. N ão som os a m edida da
m oralidade. Deus é.

8. A história é linear, uma seqüência significativa de eventos que conver­


gem para o cumprimento dos propósitos de Deus para a humanidade.
A história ser linear significa que as ações das pessoas — tão
confusas e caóticas quanto possam parecer — são, apesar de tudo,
parte de um a seqüência significativa que tem início, m eio e fim.
A história é não reversível, não repetitiva, não cíclica; a história
não é desprovida de significado. Pelo contrário, a história é te-
leológica, e cam in h a para algum lugar, em direção a um fim
con hecid o. O Deus que con hece o fim desde o com eço é co n h e­
cedor e soberano sobre as ações da espécie hum ana.
Vários m o m ento s im portantes no curso da história são sin ­
gulares, m erecendo atenção especial dos escritores da Bíblia; eles
form am o cenário para a com preensão teísta dos seres hu m anos
no tem po. Esses m o m en to s decisivos incluem a Criação, a Q u e­
da, a revelação de Deus para os hebreus (que inclui o cham ado
de Abraão de Ur para Canaã, o êxodo do Egito, a outorga da Lei,
o testem u nh o dos profetas), a Encarnação, a vida de Jesus, a
Crucificação e a Ressurreição, o Pentecostes, a divulgação das
boas novas através da igreja, a Segunda Vinda de Cristo e o Jul­
gam ento. Essa é um a lista ligeiram ente detalhada dos eventos
com parados ao padrão de vida do h om em : criação, Queda, re­
denção, glorificação.
O U N I V E R S O AO LADO
46

V ista dessa m an eira, a h istó ria em si é u m a form a de revela­


ção. Isto é, não apenas faz D eus revelar-se a si m esm o na h istó ­
ria ( aqui, lá, depois), m as a p rópria seq u ên cia de even tos é revela­
ção. A lguém pod e dizer, p o rtan to , que a histó ria (esp ecialm en te
q u an d o lo calizad a n o povo ju d eu ) é um registro do en v o lv i­
m en to e interesse de D eus n o s even tos hu m an o s. A h istó ria é o
p ro p ó sito d iv in o de D eus na fo rm a con creta.
Esse m o d elo , claro, é d ep en d en te da trad ição cristã. Ele não
parece, à p rim eira vista, levar em co n ta o u tros povos além dos
ju deus e cristãos. Todavia, o V elho T estam en to tem m u ito para
dizer sob re as naçõ es q u e circu ndavam Israel e ou tros povos que
tem iam a D eus (p ov os n ão -ju d eu s que adotavam a crença ju d a i­
ca e foram con sid erad o s parte da p rom essa de D eus). O N ovo
T estam en to ressalta m u ito m ais a d im en são in tern acio n al dos
p ro p ó sito s de D eus e seu reino.
A revelação d os d esígnios de D eus a co n tece p rim ariam en te
através de um povo — o s judeus. E n q u an to p o d em o s dizer com
W illiam Ewer: "Q u ã o estran h o / D a parte de D eus / E sco lh er /
O s ju d eu s", d evem os não p ensar n isso c o m o se ind icasse um
fav oritism o da parte de Deus. Pedro disse: "D eus n ão faz acep ­
ção de pessoas; p elo con trário , em q u alq u er n ação , aq u ele que
o tem e e faz o que é ju sto lh e é aceitáv el" (A tos 1 0 :3 4 ).
O s teístas an tecip am , e n tão , a h istó ria sen d o encerrad a p elo
ju lg a m e n to e p ela inau g u ração de u m a nova era além do te m ­
po. M as antes dessa nova era, o te m p o é irreversível e a h istó ria
está lo calizad a n o esp aço. Esse c o n ce ito precisa ser acen tu ad o ,
u m a vez q u e d ifere d ra m a tica m e n te das n o ç õ e s tip ic a m e n te
o rien tais. Para m u ito s n o O riente, o te m p o é u m a ilu são; a h is­
tó ria é ete rn am en te cíclica. A reen carn ação traz a alm a de v olta
n o te m p o repetidas vezes; o progresso na jo rn ad a da alm a é
lo n g o , árduo e talvez etern o . P orém , segun do o te ísm o cristão,
"aos h o m en s está o rd en ad o m orrerem u m a só vez e, d ep o is d is­
to, o ju íz o " (H ebreu s 9 :2 7 ). As esco lh as in d ividu ais têm sen ti­
d o para essa pessoa, para o s o u tro s e para D eus. A h istó ria é o
resu ltad o d aqu elas esco lh as que, so b a so b e ran ia de D eus, cu m ­
prem os p ro p ó sito s do C riad or para este m u n d o .
Em resum o, o m ais im p o rtan te asp ecto do co n ce ito teísta da
h istó ria é que a h istó ria te m sen tid o p o rq u e D eus — o Logos
T E Í S M O C R I S T Ã O
47

(sig n ifican d o ele m e sm o ) — está p o r trás de to d o s os eventos,


n ão apenas "su sten tan d o o un iverso pela palavra d o seu po d er"
(H ebreu s 1 :3 ), m as ta m b é m "tod as as cou sas co o p eram para o
b em d aqueles que am am a Deus, d aqu eles que são ch am ad o s
segun do o seu p ro p ó sito " (R o m an o s 8 :2 8 ). Por trás do aparen te
caos de eventos, está o D eus am o ro so suprind o a todos.

A GRANDEZA DE DEUS
Deveria estar b em claro, agora, q u e o te ísm o cristão depende,
prim ariam ente, de seus co n ce ito s de Deus, p o rqu e o teísm o sus­
tenta que tud o deriva de Deus. N ada o anteced e o u a ele se igua­
la. Ele é Aquele que é. A ssim , o te ísm o tem u m a base para a m eta­
física. U m a vez que Aquele que é ta m b é m tem um caráter d ig no e
é assim O Único Digno, o te ísm o tem u m a base para a ética. U m a
vez que Aquele que é ta m b é m é Aquele que Conhece, o teísm o tem
um a base para a e p istem o lo g ia. Em outras palavras, o teísm o é
um a co sm o v isão com p leta.
A ssim , a grandeza de D eus é a d o u trin a cen tral do teísm o
cristão. Q u an d o um a p essoa tem esse c o n h e cim e n to e c o n sc ie n ­
tem en te o aceita e age c o m base nele, esse c o n ce ito cen tral é a
rocha, o p o n to tran scen d en te de referência que dá sen tid o à vida
e faz das alegrias e pesares da existên cia diária so b re o planeta
Terra m o m e n to s significativos, n u m d esd o b ram en to do dram a
em que a pessoa espera particip ar p o r to d a a eternidade, não
sem pre c o m pesares, m as algum dia s o m e n te c o m alegria. M es­
m o agora, de q u alq u er form a, o m u n d o , c o m o Gerard M anley
H opkins escreveu certa vez, "está im p reg nad o co m a grandeza
de D eu s".15 Há "in sin u açõ es de D eus em m u itas fo rm as d iárias",
sinais para nós de q u e D eus n ão está apenas nu m paraíso dis­
tante, m as co n o sco — su sten tan d o-n o s, a m a n d o -n o s e cu id an ­
do de n ó s .16 O cristão teísta p len am en te ciente, p o rtan to , não
apenas crê e p ro clam a essa visão c o m o verdadeira. Seu p rim eiro
ato está d irecio n ad o a D eus — u m a resposta de am or, o b e d iê n ­
cia e louvor ao S e n h o r do U niverso — seu criador, m an ten ed o r
e, através de Jesus C risto, seu red en to r e am igo.
3
O UNIVERSO MECÂNICO:

deísmo

Deus nasalturas ouohomemabaixonaTerra,


Ocjuepodemosconcluiralémdaquiloquesabemos?
Oquevemosdohomemalémdasuaexistênciaterrena
Daqual perscrutaousequestionai
Atravésdavastidãodemundos, emboraDeussejaconhecido,
Estáemnósainiciativapordescobri-lo.
Alexander Pope
Essay on Man [Ensaio sobre o Homem]
Sayfirst, ofGodaboveor manbelow,
What canwereasonbutfromwhat weknow?
Of manwhatseewebut hisstationhere
Fromwhichtoreason, or towhichrefer?
Throughworlds unnumberedthoughtheGodbeknown
T isours totracehimonlyinourown.

Alexander Pope
Essay on Man
Se o te ís m o p rev aleceu p o r ta n to te m p o , o q u e
p o d e ria te r a c o n te c id o p ara d e b ilitá -lo ? Se ele res­
p o n d ia s a tisfa to ria m e n te a to d as as n o ssas q u estõ es
básicas, o fe re cia u m refú gio para n o s so s te m o re s e
esp eran ças q u a n to ao fu tu ro , p o r q u e algo m ais o
su ced eu ? As resp o stas a essas q u e stõ e s p o d e m ser
d ad as de várias m an eiras. O fa to é q u e m u itas fo r­
ças o p e ra ra m p ara ro m p e r a u n id a d e in te le c tu a l
b ásica d o O cid en te.
O d eísm o se desenvolveu, segundo alguns, c o m o
u m a tentativa de bu scar u n id ad e fora do caos teo ló g i­
co e das d iscussões filo só ficas que, n o sécu lo xvn, esta­
vam ato lad o s e m interm ináveis disputas, sobre o que
com eçara a se delinear, m e sm o para os debatedores,
c o m o qu estões triviais. Talvez M ilto n tivesse tais ques­
tões em m en te q u an d o anteviu o s a n jo s caídos, fa­
zen d o u m jo g o ép ico de teo lo g ia filosófica:

Alguns se isolaram em descanso numa Colina


Em pensam entos e razão sublim es
De Providência, Presciência, Vontade e Destino
Predestinação, Livre-arbítrio, Presciência absoluta,
E nenhum fim encontraram , em confusões
errantes se perderam.' *

( * ) Others apart sat on a Hill retir'r / In thoughts more elevate, and


reason'd high / O f Providence, Foreknowledge, W ill and Fate, / Fixt
Fate, Free will, Foreknowledge absolute, / And found no end, in wan­
dering mazes lost.
O U N I V E R S O AO LADO
52

Após décadas de fatigantes discussões, luteranos, puritanos


e sacerdotes anglicanos estavam inclinad os a o lh ar novam ente
para os pontos de concord ância. O deísm o, de certa form a, é
um a resposta a esse anseio, em bo ra a direção tom ad a por tais
acordos o ten h a colo cad o , particularm ente, além dos lim ites
do cristianism o tradicional.
O utro fator no desenvolvim ento do d eísm o foi a m udança
na localização da autoridade para o con h ecim en to sobre o divi­
no; ela se d eslocou da revelação especial encontrad a nas Escritu­
ras para a presença da Razão, "a luz de D eus", na m ente hu m a­
na, ou para a intuição, "a luz interior". Por que essa transição de
autoridade aconteceu?
U m a das razões é especialm ente irônica. Está vinculada a um a
im plicação do teísm o que, quando descoberta, foi m u ito bem -
sucedida em seu desenvolvim ento. Através da Idade M édia, de­
vido em parte, especialm ente, à teoria platônica do con hecim en to
então em voga, a atenção dos teístas eruditos e intelectuais se
d irecionou para Deus. A idéia era que os conhecedores, em al­
gum sentido, "transform avam -se" naquilo que conheciam . E um a
vez que alguém , em algum sentido, se tornasse "b o m " e "san­
to ", esse alguém , portanto, poderia estudar a Deus. Foi assim
que a teologia chegou a ser considerada a rainha das ciências
(qu e neste tem po sim plesm ente significavam co n h ecim en to ),
porque a teologia era a ciência de Deus.
Se as pessoas estudavam anim ais ou plantas ou m inerais (Z o o ­
logia, Biologia, Q u ím ica e Física), estavam rebaixando a si m es­
mas. Essa visão hierárquica da realidade é, na verdade, m ais pla­
tônica do que teísta ou cristã, porque em presta de Platão a n o ­
ção de que a m atéria é, de algum a form a, se não um m al, pelo
m en os irracional e certam ente não boa. M atéria é algum a coisa
para ser transcendida, não para ser entendida.
Porém, qu an to m ais bib licam en te orientadas, as m entes co ­
m eçaram a perceber que este é um m und o de Deus — to d o ele.
E, em bora seja um m undo caído, foi criado por Deus e dotado
de valor. Ele é, na verdade, digno de co n h ecim en to e entend i­
m ento. Além disso, Deus é um Deus racional, e seu universo é,
assim , racional, ordenado, conhecível. Atuando sobre essa base,
os cientistas com eçaram a investigar a form a do universo. U m
D E Í S MO
53

quadro do m u nd o de Deus com eço u a surgir; ele era visto com o


sendo um m ecanism o gigantesco, bem ordenado, um relógio
m ecânico im enso cujas engrenagens e alavancas sincronizavam -
se num m ecanism o de perfeita precisão. U m quadro com o esse
parecia tanto surgir da inquirição científica quanto alavancar mais
qu estion am entos e estim ular m ais descobertas sobre a form a­
ção do universo. Em outras palavras, a ciência com o a con h ece­
m os h o je nascia e era m aravilhosam ente bem -sucedida.
Nas palavras de Bacon, o co n h ecim en to se tornou poder —
poder para m anipular e trazer a criação sob o d o m ín io plena­
m ente hu m ano. J. Bronowski con firm a esta visão em linguagem
m oderna: "D efin o ciência co m o a organização do nosso co n h e ­
cim ento, de tal m aneira, que ela prevalece sobre o potencial la­
tente na natureza".2 Se essa m aneira de o bter con h ecim en to so ­
bre o universo foi tão bem -sucedida, por que não aplicar o m es­
m o m étod o ao co n h ecim en to de Deus?
No teísm o cristão, é claro, esse m étodo já era absorvido com o
regra do jogo, porque de Deus se dizia que ele revelara a si m esm o
na natureza. A profundidade do conteúdo, portanto, que tal reve­
lação geral trazia consigo, era considerada limitada; m uito mais foi
dado a conhecer sobre Deus na revelação especial. Mas o deísmo
nega que Deus pode ser conhecido pela revelação, pelos atos espe­
ciais da auto-expressão de Deus, por exemplo, na Escritura ou na
Encarnação. Tendo expulsado Aristóteles com o um a autoridade
em matéria de ciência, o deísm o agora expulsa a Escritura com o
um a autoridade em teologia e perm ite a aplicação apenas da razão
"humana". C om o diz Peter Medawar: "A doutrina do século xvn da
necessidade da razão foi vagarosamente dando lugar a um a crença
na suficiência da razão".3 O deísmo, assim, vê Deus apenas na "Na­
tureza", por m eio do qual ela era conhecida com o o sistema do
universo. E, um a vez que o sistema do universo é visto com o o
m ecanism o de um relógio gigante, Deus é visto com o o relojoeiro.
De algum a m aneira pod em os dizer que lim itar o co n h e ci­
m ento sobre Deus à revelação geral é com o descobrir que com er
ovos no café da m an hã faz bem , e por isso devem os com er so­
mente ov os no café da m an hã (e talvez n o alm o ço e no jantar
tam bém ) pelo resto da vida (qu e agora im perceptivelm ente se
tornou esp ecialm ente lim itad a!) Sem dúvida, o teísm o assum e
O U N I V E R S O AO LADO
54

que p od em os con h ecer algum a coisa sobre Deus a partir da n a­


tureza. Mas tam bém assegura que há m uito mais para conhecer
do que pod e ser co n h ecid o daquela m an eira e que há outras
maneiras para chegar ao conhecimento.

D e ís m o b á s ic o
C o m o Frederick C opleston explica, historicam ente o deísm o não
é, na verdade, um a "escola" de pensam ento. No final do século
xvii e n o século xviii pou cos pensadores vieram a ser cham ad os
deístas ou assim se autod enom inavam . Esses ho m en s sustenta­
vam um a série de p o n to s de vista próxim os, m as nem todos
sustentavam um a doutrina com um . John Locke, por exem plo,
não rejeitava a idéia da revelação, m as insistia em que a razão
hum ana deveria ser usada para julgá-la.4 Alguns deístas, com o Vol-
taire, foram hostis ao cristianism o; outros, com o Locke, não o
foram . Alguns acreditavam na im ortalidade da alm a; outros n ão.

I
Alguns acreditavam que Deus aban d o n o u sua criação para fu n ­
cionar por con ta própria; outros criam na providência. Alguns
acreditavam num Deus pessoal; outros não. Portanto, os deístas
eram m uito m en os unidos sobre as questões básicas do que o
foram os teístas.5
M esm o assim , é valioso pensar do deísm o co m o um sistem a
e afirm ar esse sistem a num a form a relativam ente extrem a, pois
dessa m aneira estarem os aptos a com preend er c o m o as im p lica­
ções das várias "reduções" do teísm o com eçavam a se delinear
n o século xvii. O naturalism o, com o verem os, afasta essas im p li­
cações para m u ito m ais longe.1*

1. Um Deus transcendente, como Primeira Causa, criou o universo,


mas depois o deixou funcionar por sua própria conta. Deus é assim
não imanente, não completamente pessoal, não soberano sobre os ne­
gócios humanos, não providencial.
C o m o no teísm o, a m ais im portante proposição está relacio­
nada com a existência e caráter de Deus. Essencialm ente, o deís­
m o "reduz" o nú m ero de características que Deus revelou. Ele é
um a força transcendente ou energia, o Prim eiro M ovim ento ou
Prim eira Causa, um início para o que, de outra form a, seria o
D E Í S M O
55

in fin ito regresso de causas passadas. Mas ele não é, na verdade,


um ele, em bora o p ro n om e pessoal perm aneça na linguagem
usada so b re D eus. C ertam en te, ele n ão se importa co m a sua
criação ; ele n ão a am a. Ele n ão tem relação "p e sso a l" com
tu d o isso. B uckm inster Fuller, que se considerava deísta, expres­
sou sua fé desta m aneira; "Tenho fé na integridade da sabedoria
intelectual preventiva que pod em os cham ar de 'Deus'.6 O Deus
de Fuller não é um a pessoa para ser adorada, mas sim plesm ente
um intelecto ou força para ser reconhecido".
Para o deísta, então, Deus está distante, estranho, alienado.
C ontu d o, o estado solitário em que essas hipóteses lança a hu­
m anidade não era, aparentem ente, sentido pelos prim eiros deís-
tas. Q uase dois séculos se passaram antes que essa im plicação se
exaurisse no cam po das em oções hum anas.

2. O cosmo que Deus criou é determinado porque ele é criado como


uma uniformidade de causa e efeito num sistema fechado; nenhum
milagre é possível.
O sistem a do universo é fechado em dois sentidos. Prim eiro,
é fechado ao reord enam ento de Deus, pois Deus não está "in te­
ressado" nele. Ele sim plesm ente o trouxe à existência. Portanto,
nenhum m ilagre ou evento que revele qualqu er interesse espe­
cial de Deus é possível. Q ualquer ocupação ou aparente ocu pa­
ção com a m aquinaria do universo sugeriria que Deus com eteu
algum erro no p lano original, e isso seria rebaixar a dignidade
de um a deidade toda-poderosa.
Segundo, o universo é fechado ao reord enam ento hu m ano
porque é fechado à sem elh ança do m ecanism o de um relógio.
Para ser capaz de reordenar o sistem a, qualquer ser hu m ano só
ou com a ajuda de outros teria de escapar, para transcendê-lo,
da cadeia de causa e efeito. Mas isso não p od em os fazer. Deve­
m os observar, con tud o, que essa segunda im plicação não é m u i­
to enfatizada pelos deístas. A m aioria con tin ua assum indo, com o
todos nós o fazem os fora da reflexão, que pod em os agir para
mudar nosso am biente. 3*

3. Os seres humanos, embora pessoais, fazem parte da mecânica do universo.


Sem dúvida, os deístas não negam que os seres hu m anos são
O U N I V E R S O AO LADO
56

p essoais. C ada u m de n ó s tem au to co n sciê n cia e, pelo m e n o s à


p rim eira vista, au to d eterm in ação . M as isso tem de ser visto à luz
das d im en sõ es h u m an as apenas. O u seja, c o m o seres h u m ano s,
n ão tem o s n e n h u m a relação essencial c o m D eus — c o m o im a­
gem do o riginal — e assim n ão existe outra fo rm a de tran scen ­
der o sistem a n o qual n o s en co n tram o s.
O b isp o François Fén elo n (1 6 5 1 -1 7 1 5 ), critican d o o s deístas
do seu tem p o , escreveu: "Eles cred itam a si m esm o s c o m o reco ­
n h e c im e n to de D eus c o m o criador, cu ja sab ed o ria é evid ente
em suas o b ras; m as, seg u n d o eles, D eus n ão seria n em b o m
n e m sáb io se tivesse d ado ao h o m e m o liv re-arbítrio — isto é, o
p o d er de pecar, de se afastar do seu o b je tiv o final, de reverter a
o rd em e estar para sem p re perd id o ".4*7 F én elo n ro ço u seu dedo
na m a io r ferida d en tro do d eísm o : os seres h u m an o s perderam
sua h a b ilid a d e para agir sig n ificativ am en te. Se n ão p o d e m o s
"reverter a o rd e m ", não p o d e m o s ser significativos. P od em o s
ap en as ser fan to ch es. Se u m ind iv íd u o tem p erso n alid ad e, ele
deve, en tão , ser um tip o q u e n ão in clu i o e le m e n to de a u to d e ­
te rm in ação .
O s deístas, é claro, re co n h ecem q u e o s seres h u m a n o s têm
inteligência (sem dúvida, eles en fatizam a razão h u m a n a ), um
sen so de m oralidade (o s deístas estão m u ito interessad os em é ti­
ca), u m a cap acid ad e para a com unidade e para a criatividade. Mas
tu d o isso, e m b o ra in eren te em nós, c o m o seres criados, não está
fu n d am en tad o n o caráter de Deus. Esses atribu to s têm u m a es­
pécie de natu reza a u tô n o m a exatam en te c o m o o resto do m ate­
rial do universo. O s seres h u m an o s são o que são; eles têm p o u ­
cas esp eranças de to rn ar-se algo d iferente ou algo m ais.

4. O cosmo, este mundo, é entendido com o estando em seu estado


normal; ele não é caído ou anormal. Podemos conhecer 0 universo e
podem os determ inar com o Deus é através do estudo do universo.
P orque o universo é e ssen cialm en te c o m o D eus o criou, e
p o rq u e as pessoas têm a cap acid ad e in telectu al para e n ten d er o
m u n d o à sua volta, elas p o d em ap ren d er sob re Deus através de
u m estu do do seu universo. As Escrituras, c o m o v im o s an terio r­
m ente, dão u m a base para isso, pois o salm ista escreveu: "O s
céus p ro clam am a glória de D eus e o firm am e n to an u n cia as
D E Í S M O
57

o b ras das suas m ão s" (S a lm o 1 9 :1 ). É claro, o s teístas tam b ém


su sten tam q u e D eus se revelou na natureza. M as, para o teísta,
D eus tam b ém se revelou em palavras — na revelação p ro p o sicio -
nal verbalizad a a seus profetas e a v ários escritores b íb lico s. Os
teístas su sten tam ta m b é m q u e D eus se revelou em seu Filho,
Jesus — o "Verbo q u e se fez carn e" (Jo ã o 1 :1 4 ). M as, para os
deístas, D eus não se co m u n ica c o m o povo. N en h u m a revelação
esp ecial é necessária, e nada ocorreu.
O h isto riad o r da filo so fia, É m ile Bréhier, resum e b em a d ife­
rença en tre o deísta e o teísta:

Vemos claramente que uma nova concepção do homem, inteira­


mente incompatível com a fé cristã, foi introduzida: Deus, o ar­
quiteto que produziu e manteve uma ordem maravilhosa no uni­
verso, tinha sido descoberto na natureza e não havia mais um
lugar para o Deus do drama cristão, o Deus que concedeu a Adão
"o poder para pecar e para reverter a ordem". Deus estava na natu­
reza e não mais na história; ele estava nas maravilhas analisadas
pelos naturalistas e biólogos e não mais na consciência humana,
com sentimentos de pecado, desgraça ou graça que acom panha­
vam sua presença; ele deixou o homem responsável pelo seu pró­
prio destino.8

O D eus d esco berto p elo s deístas era um arqu iteto , m as não


um D eus a m o ro so o u um ju iz ou, de algu m a m an eira, pessoal.
N ão foi D eus que agiu na história. Ele sim p lesm en te d eixou o
m u n d o só. M as a hu m anid ad e, e m b o ra nu m sen tid o fosse cria-'
dora de seu p róprio d estino, n o u tro estava ain d a trancad a em
um sistem a fech ad o . A liberdade h u m an a de D eus n ão era liber­
dade para algu m a coisa; na verdade, não era liberd ad e de n e n h u ­
m a m aneira.
U m a ten são n o d eísm o é en co n trad a na abertura do Ensaio
sobre o Homem, de A lexander Pope (1 7 3 2 - 1 7 3 4 ) , q u e assim se
expressa:

Deus nas alturas ou o homem abaixo na Terra,


O que podemos concluir além daquilo que sabemos?
O que vemos do hom em além da sua existência terrena
O U N I V E R S O AO L A DO
58

Da qual perscruta ou se questiona?


Através da vastidão de m undos, em bora Deus seja conhecido,
Está em nós a iniciativa por d escobri-lo.9 *(*)

E ssas seis lin h a s a s s in a la m q u e p o d e m o s c o n h e c e r a D eu s


a p e n a s atrav és d e u m e s tu d o d o m u n d o a o n o s s o red or. Essa é a
s a u d a ç ã o d o d e ís m o p ara o e m p ir is m o . A p re n d e m o s a p artir
d as in fo r m a ç õ e s fo rn e c id a s e p ro s s e g u im o s d o e sp e c ífic o p ara o
g eral. N ad a é re v e lad o p ara n ó s fo ra d a q u ilo q u e e x p e r im e n ta ­
m o s . P o p e c o n tin u a :

Ele, que através da vasta im ensid ão pode penetrar,


Ver m undos sobre m undos com p ond o um universo,
Observar com o sistem as dentro de sistem as interagem ,
Q ue outros planetas orbitam outros sóis,
Q uão diferentes são as pessoas com o as estrelas,
Pode dizer por que os céus nos fizeram com o som os.
Mas desta estrutura de sustentações e liames,
Fortes conexões, belas dependências,
Apenas um pouco do tod o tem tua alm a perscm tadora
vislum brado? O u pode um a parte conter o to d o ?10 * *

P o p e a s su m e a q u i u m c o n h e c im e n to d e D e u s e d a n a tu re z a
q u e n ã o é c a p a z d e ser c o n h e c id o p e la e x p e riê n c ia . E le a té a d m i­
te isto , q u a n d o n o s d esa fia , c o m o le ito re s, se re a lm e n te te m o s
" v is lu m b r a d o " o u n iv e rs o e c o n h e c id o seu m e c a n is m o . M as, se
n ã o o c o n h e c e m o s , e n tã o p re s u m iv e lm e n te n e m P o p e o c o n h e ­
ce. D e q u e fo rm a , e n tã o , P o p e o p e rc e b e c o m o u m im e n s o e
to d o -o r d e n a d o m e c a n is m o d e u m re ló g io ?

( * ) Veja o m esm o poem a em inglês na introdução deste capítulo. A tradução desses e


o u tro s poem as neste livro, qu and o n ão indicad o o tradutor, é livre. Para u m a tradução
m ais aprofundada dos p oem as de Pope, v eja A l e x a n d e r Pope, P o em a s, ed ição bilingüe,
tradução e prefácio de Paulo V izioli, Nova Alexandria, São Paulo, 1 9 9 4 .

( * * ) He w ho through vast im m ensity can pierce, / See worlds o n worlds com pose one
universe, / O bserve how system in to system runs, / W hat o th e r planets circle o th er
suns, / W hat varied bein g peoples ev'ry star, / May tell why h eav 'n has m ade us as we
are. / But o f th is fram e th e bearings and th e ties, / T he strong c o n n e c tio n s, nice depen ­
dencies, / G radations just, has thy pervading soul / Looked through? o r can a part
co n ta in th e w hole?

I
D E f S M O

59

N in g u é m p o d e seg u ir d o is c a m in h o s . O u ( 1 ) to d o c o n h e c i­
m e n to v em d a e x p e riê n c ia , e n ó s, s e n d o fin ito s , n ã o p o d e m o s
c o n h e c e r o s is te m a c o m o u m to d o , o u ( 2 ) a lg u m c o n h e c im e n to
v em d e o u tra fo n te — p o r e x e m p lo , d e id é ia s in a ta s e n g e n d ra ­
d as d e n tro d e n ó s o u d a re v e la çã o d e fo ra . M as P o p e, c o m o m u i­
to s d eístas, d e s d e n h a a re v e la ç ã o . E, p e lo m e n o s n e s se " e n s a io " ,
e le n u n c a d e c la ra o u su gere a p o s s ib ilid a d e d e id é ia s in atas.
A ssim te m o s u m a te n s ã o n a e p is te m o lo g ia d e P op e. E fo ra m
ju s ta m e n te ta is te n s õ e s q u e fiz e ra m d o d e ís m o u m a c o s m o v i-
s ã o m u ito in stáv el.

5. A ética é lim itad a à revelação geral; porqu e o universo é norm al,


isso revela o qu e é certo.
O u tra im p lic a ç ã o e m v er D e u s a p e n a s n u m m u n d o n a tu ra l,
u m m u n d o n o rm a l, s e m as c o n s e q ü ê n c ia s d a Q u e d a , é q u e, s e n ­
d o o C ria d o r o n ip o te n te , se to rn a re sp o n sá v e l p e la s c o is a s c o m o
e las sã o . E ste m u n d o deve, e n tã o , re fle tir o q u e D e u s q u e r o u
c o m o e le é. E tic a m e n te , isso c o n d u z à p o s iç ã o e x p re ssa p o r A le-
x a n d e r P o p e:

Toda a natureza não passa de arte desconhecida a ti;


Todo acaso, direção que tu não podes ver;
Toda discórdia, harm onia não entendida;
Todo mal parcial, bem universal;
E, apesar do orgulho e dos erros da razão,
U m a verdade é clara: t u d o o q u e é , é cer to .11 *

Essa p o s iç ã o , n a verd ad e, te rm in a p o r d e s tru ir a é tic a . Se, s e ja


o q u e for, e stá c e rto , e n tã o n ã o e x iste o m a l. N ã o h á d is tin ç ã o
e n tre o b e m e o m a l. C o m o B a u d e la ire d isse: "S e D e u s existe, e le
d eve ser u m d e m ô n io ". O u , p io r a in d a , n ã o d ev e h av er n e n h u m
bem . P o is se m a h a b ilid a d e p ara d istin g u ir, n ã o p o d e h av er n e m
u m n e m o u tr o , n e m b e m n e m m a l. A é tic a d esap are ce .
T o d av ia, c o m o te m o s v isto , n ó s, seres h u m a n o s , c o n tin u a ­
m o s a fa z e r d is tin ç õ e s é tica s. E m a lg u m lugar, q u a lq u e r u m d e

( * ) All nature is but art, unknown to thee; / All chance, directions which thou canst not
see; / All discord, harm ony not understood; All partial evil, universal good; And, spite o f
pride, in erring reason's spite, / O n e truth is clear, whatever is, is r ig h t .
O U N I V E R S O A O L A D O

6o

n ó s distin gu e entre o b em e o m al, o certo e o errado. A ética


d eísta n ão n o s en q u ad ra em n o ssa d im e n sã o h u m an a atual.
N esse p o n to , o d eísm o se to rn a u m a cosm o v isão im praticável,
pois n in g u ém pod e viver p o r ela.
É certam en te necessário salien tar que n em tod os os deístas
re co n h e ciam (o u agora re co n h ecem ) que suas hipóteses herd a­
ram as co n clu sõ e s de Pope. Alguns sen tem , na verdade, que os
e n sin a m e n to s ético s de Jesus eram realm en te leis naturais ex­
pressas em palavras. E, é claro, o Serm ão da M o n tan h a n ã o c o n ­
tém nad a c o m o a p ro p o sição "Tudo o que é, é certo "! U m estu­
do m ais p ro fu n d o d os deístas con du ziria, creio eu, à co n clu são
de que eles sim p lesm en te eram incon sisten tes, m as n ão reco­
n h eceram isso.
O próprio Alexander Pope é inconsistente, pois, em bora sus­
tente que, tudo o que é, é certo, ele tam bém repreende a hu m an i­
dade pelo orgulho (o qual, seja o que for, deve estar certo!).

Em orgulho, em locubrações de orgulho nosso erro se enraiza;


Todos abandonam seus afazeres e se apressam para os céus,
O orgulho ainda almeja os lugares abençoados;
Homens desejam ser anjos, anjos desejam ser deuses...
E quem não deseja inverter a leis
Que nos mantêm em pecado contra a Causa Eterna.12 *

Para u m a pessoa pensar de si m esm o m ais do que lh e c o n ­


vém , era org u lh o . O org u lho era errado, até m esm o um pecado.
Todavia, observe — um pecado não con tra um D eus pessoal,
m as con tra a "C ausa E terna", con tra um a abstração filo só fica.
M esm o a palavra pecado em prega um novo con teú d o nesse c o n ­
texto . M ais im p o rtan te, con tu d o , a n o çã o com p leta de pecado
deve d esaparecer se algu ém sustenta que, sobre outro fu n d am en ­
to, seja o q u e for, está certo.
O s deístas estavam tão interessad os em preservar o co n teú d o
ético d o cristian ism o, que foram incapazes de e n co n trar um a
base ad equ ad a para ele. Foi devido a tensõ es e in co n sistên cias

( * ) In pride, in reas'ning pride our error lies; / All quit their sphere and rush into the
skies. / Pride still aiming at blessed abodes; / Men would be angels, angels would be gods...
/ And who but wishes to invert the laws / O f order sins against th' Eternal Cause.
D E Í S M O
61

c o m o essas que o d eísm o teve um a vida relativam ente curta co m o


u m a co sm o v isão representativa, e m b o ra existam , ain d a h o je,
aqu eles q u e são essen cialm en te deístas, in d ep en d en tem en te de
o ad o tarem e x p licitam en te o u não .

6. A história é linear, pois o curso do cosmo foi determinado na criação.


O s p róprios deístas vêem p o u co interesse na h istó ria porque,
c o m o salien to u Bréhier, eles bu scaram o co n h e cim e n to de Deus
p rim ariam en te na natureza. O curso da h istó ria ju d aica co m o
registrado na B íblia é m ais útil, n ão c o m o um registro dos atos
de D eus na história, m as c o m o ilu strações da lei divina da qual
os p rin cíp io s ético s p o d em ser derivados. Jo h n Tolan d (1 6 7 0 -
1 7 2 2 ), p o r exem p lo , arg u m en to u que o cristian ism o era tão ve­
lh o q u an to a criação; o evangelho era um a "re p u b licação " da
religião da natureza. C om esse po n to de vista, os atos específicos
da história não são m uito im portantes. A ênfase está sobre as re­
gras gerais. C o m o Pope diz: "A prim eira Causa Toda-poderosa /
N ão atua com parcialidade, m as p o r leis gerais".13 Deus está total­
m ente desinteressado nos ho m en s e m ulheres co m o indivíduos
ou m esm o co m o pessoas íntegras. Além disso, o universo é fecha­
do, de form a algum a aberto para o seu reordenam ento.

Um c o m p o n e n t e in s t á v e l
O d eísm o n ão provou ser u m a co sm o v isão estável. H isto rica­
m ente, m anteve in flu ên cia sob re o m u n d o intelectu al da França
e da Inglaterra p o r p o u co tem p o , desde o final d o sécu lo xvii até
a p rim eira m etad e do século . P reced id o p elo teísm o , foi se­
x v i i i

guido p elo n atu ralism o .


O que fez o deísm o ser tão efêm ero? Já m en cio n am o s as princi­
pais razões: as inconsistências dentro da própria cosm ovisão e a
im praticabilidade de alguns de seus princípios. Essas incon sistên­
cias internas, que em breve se to m aram óbvias, incluíam o seguin­
te: (1 ) Na ética, a suposição de um universo não-caído, norm al,
com tendências (nas sem elhanças de Alexander Pope, por exem ­
plo) para im plicar que, seja o que for, está certo. Se, seja o que for,
está certo, então nenh um espaço é deixado para o con teúd o distin­
tivo da ética. M as os deístas estavam m u ito interessados na ética,
O U N I V E R S O AO LADO
62

aquela m ais aceitável que provinha de um a divisão do ensin am en­


to cristão. (2 ) Na epistem ologia, a tentativa de argum entar do par­
ticular para o universal term inava em falha, pois isso exigiria um a
m ente infinita para sustentar os detalhes necessários a um a gene­
ralização precisa. N enhu m a m ente hu m ana era infinita. Portanto,
certo co n h ecim en to do universal era im possível e aos pensadores
restava um a relatividade de con h ecim en to que eles achavam difícil
aceitar.14 (3 ) Em relação à natureza hum ana, um a pessoa não p o ­
dia ter significância e personalidade diante de um universo fecha­
do ao reordenam ento. O significado h u m an o e o d eterm inism o
m ecânico são parceiros incom patíveis.
H oje, p o d eríam o s qu estio n ar m u ito s o u tros aspectos do d eís­
m o . Há m u ito o s cien tistas ab an d o n aram a an alo g ia de um u n i­
verso c o m o o m e ca n ism o de um reló gio gigante. O s elétron s
(para n ão m e n cio n a r outras partículas su b atô m icas até m esm o
m ais con fu sas) n ão se co m p o rta m c o m o p o n te iro s de m in u to s
de u m a engrenagem . Se o universo é u m m e can ism o , ele é m u i­
to m ais co m p lexo do q u e fo i até en tão im agin ad o , e D eus deve
ser c o m p le ta m e n te d iferente de um m ero "arq u iteto " ou "re lo ­
jo eiro ". A lém disso, a perso n alid ad e h u m an a é u m "fa to " do
universo. Se D eus fez isso, ele não deve ser pessoal?
A ssim , h isto ricam en te, o d eísm o é um a cosm o v isão transicio-
nal, e, apesar disso, n ão está m o rto n em em form as p opu lares
n em sofisticadas. N o segm ento popular, m uitas pessoas h o je acre­
d itam q u e D eus existe, m as, q u an d o interrogadas c o m o é esse
Deus, lim ita m sua d escrição a palavras c o m o Energia, Força, Pri­
meira Causa, algu m a co isa que m a n te n h a o universo em m o v i­
m en to e, m u itas vezes, fin alizam c o n fe rin d o -lh e u m a aura de
divindade.
N o segm ento sofisticado, o d eísm o é m an tid o p o r alguns cie n ­
tistas e p o u co s h u m an istas n o s cen tro s acad êm ico s através do
m u n d o . C ie n tista s c o m o A lb ert E in ste in , p o r e x e m p lo , q u e
"v êem " um p od er elevado trab alh an d o p o r trás d o universo e
q u eren d o m an ter a razão n u m m u n d o criad o, p o d em ser c o n si­
d erados deístas sin ceros, e m b o ra sem dúvida m u ito s n ão d ese­
ja ria m d eclarar q u alq u er coisa que soasse tão co m p le ta m e n te
c o m o u m a filo so fia de v id a.15
O astro físico S tep h en H aw king ta m b é m sugere um lugar para
D E Í S M O
63

um D eus deísta. As leis fu n d am en tais do universo "devem ter


sido d ecretadas o rig in alm e n te p o r D eu s", ele escreve, "m as o
que parece é q u e ele, em algum m o m e n to , d eixou o universo
evolu ir segun do essas leis e agora não intervém n e le ".16 Sua re­
je içã o a um D eus teísta é clara. A atriz e líd er da N ova Era, Shir-
ley M acLaine, p erguntou a H aw king n u m a entrevista, se existe
um D eus q u e "criou o universo e guia sua criação". "N ã o ", ele
rep lico u s im p le sm e n te em sua v oz gerada n o c o m p u ta d o r.17
A pesar de tudo, se o universo é "au to co n tid o , n ão ten d o fro n te i­
ras n em m argens", c o m o H aw king suspeita que seja verdadeiro,
en tão n ão há necessid ad e de um criador; D eus se to rn a supér­
flu o .18 H awking, p o rtan to , utiliza "o term o D eus c o m o a p erso ­
n ificação das leis da física".19
H aw king n ão está so z in h o em sua d ificu ld ad e c o m o que
fazer de D eus. N u m a co n v ersa c o m R o b ert W righ t, o físico
Edward Friedkin p o d eria falar p o r m u ito s cientistas:

É difícil para mim acreditar que tudo existe apenas por um aciden­
te... [Todavia] eu não tenho nenhuma crença religiosa. Não acredi­
to que exista um Deus. Não acredito no cristianismo ou judaísmo
ou qualquer coisa parecida, ...? Não sou um ateu... Não sou um
agnóstico. ...Estou apenas num estado simples. Eu não sei o que
existe ou pode existir.... Mas, por outro lado, o que posso dizer é
que, para mim, este universo particular que temos é conseqüência
de alguma coisa que eu chamaria de inteligente.20

Friedkin e H aw king são deístas ou natu ralistas? O u são sim ­


plesm en te agn ó stico s na qu estão de Deus? D e q u alq u er m o d o ,
cientistas c o m visões c o m o as deles n ã o são in co m u n s. U m n a ­
tu ralism o de o rigem n o b re n ão é tão am biv alen te. Essa é a p o si­
ção que verem os n o cap ítu lo seguinte.
4
O SILÊNCIO DO
ESPAÇO FINITO:

naturalismo

Sem nenhum aviso, Davi foi surpreendido por uma visão


perfeita da morte: um largo buraco no chão, pouco
menor que seu corpo, no qual você jazia pálido
enquanto os rostos brancos se dispersavam. Você tenta
alcançá-los, mas seus braços estão atados. As pás jogam
terra na sua face. Lá você estará para sempre, nutria
posição virada para cima, cego e silencioso, e com o
passar do tempo ninguém lembrará de você, e você nunca
será visitado. Como estratos do deslocamento de rochas,
seus dedos se alongam, e seus dentes são distendidos
para o lado numa grande careta subterrânea indistingüível
da própria terra. E a terra se revolverá, o sol expirará,
trevas reinam inalteradas onde antes havia estrelas.

John Updike
P ig e o n F e a th e r s [Plumas de Pombo]
O deísm o é um istm o entre dois grandes co n ti­
nentes — o teísm o e o naturalism o. Para ir do pri­
m eiro até o segundo, o deísm o é a rota natural. Tal­
vez sem ele, o natu ralism o não viesse com tanta fa­
cilidade, pois o d eísm o é apenas um a fase de tran­
sição, quase um a curiosidade intelectual. O natura­
lism o, por sua vez, é um negócio sério.
Em term os intelectuais, a rota traçada é esta: no
teísm o, Deus é o Criador infinito-pessoal e susten-
tad or do cosm o . N o deísm o, Deus é "reduzido";
ele com eça a perder sua p ersonalidade, em bora per­
m aneça co m o Criador e (p o r im p licação ) sustenta-
dor do cosm o. N o naturalism o, Deus é ainda m ais
"reduzido"; ele perde sua própria existência.
O nú m ero de personagens nessa m udança do
teísm o para o naturalism o com p õ e um a legião, es­
p ecialm ente entre os anos 1 6 0 0 e 175 0 . René D es­
cartes (1 5 9 6 -1 6 5 0 ), um teísta confessadam ente ati­
vo, preparou o cenário ao con ceber o universo com o
um m ecanism o gigante de "m atéria" que as pessoas
com preend eriam pela "m ente". Assim, ele inaugu­
rou um m o d elo de realidade dividida em duas es­
pécies de natureza, de tal form a que desde então o
m u nd o o cid ental tem encontrad o dificuldade para
ver a si m esm o com o um to d o integrado. O s natu-
O U N I V E R S O AO LADO
68

ralistas, assu m ind o u m a rota para a un ificação , fizeram da m en te


u m a subcategoria m ecan icista da m atéria.
Jo h n Locke (1 6 3 2 -1 7 1 4 ), con sid erad o u m teísta para a m a io ­
ria das pessoas, acreditava n u m D eus pessoal q u e revelara a si
m e sm o para nós, m as acreditava ta m b é m q u e n o ssa razão, c o n ­
cebid a p o r D eus, era o ju iz do que deveria ser to m ad o c o m o
verdade da "rev elação" na B íblia. O s natu ralistas rem overam o
"co n ce b id a p o r D eu s" dos seus co n ce ito s e tran sfo rm aram a "ra­
z ã o " n o ú n ico critério de verdade.
U m a das p ersonagen s m ais interessantes nessa m u d ança, e n ­
tretanto, foi Julien O ffray de La M ettrie (1 7 0 9 -1 7 5 1 ). Para os seus
con te m p o rân eo s, La M ettrie era con sid erad o um ateu, m as é ele
m esm o q u em diz: "N ão q u e eu q u e stio n e a existên cia de u m ser
suprem o; p elo con trário , a m im m e parece q u e o m ais alto grau
de p ro b ab ilid ad e está a favor desta crença". A pesar disso, ele c o n ­
tin u a: "Isto é u m a verdade teó rica co m p o u co v alo r p rático".1 A
razão para ele co n clu ir que a existên cia de D eus é de tão pou ca
im p o rtân cia prática é q u e o D eus q u e existe é apenas o criador
d o universo. Ele não está p esso alm en te interessad o neste u n i­
verso n em em ser ad o rad o p o r alguém que o h abite. A ssim , a
existên cia de D eus p o d e ser con sid erad a sem im p o rtân cia.2
É p recisam en te este sen tim en to , esta co n clu são , que m arca a
tran sição para o n atu ralism o . La M ettrie é u m deísta teó rico ,
m as um n atu ralista p rático. Foi m u ito fácil para as gerações que
se seguiram criar suas teo rias co n sisten tes c o m as práticas de La
M ettrie, tan to q u e o n atu ralism o foi acreditad o e c o lo ca d o em
p rática.3

N a t u r a l is m o b As ic o
Isto n o s leva à p rim eira p ro p o sição que d efine o natu ralism o .

1. A matéria existe etem am ente e é tudo o que existe. Deus não existe.
C o m o n o te ísm o e n o d eísm o , a principal p ro p o sição se refe­
re à natu reza da existên cia básica. N as duas prim eiras cosm ovi-
sões, a natu reza de D eus é o fator-chave. N o n atu ralism o , é a
natu reza d o co sm o q u e é prim ord ial, p o is n o m o m e n to em que
o D eu s-criad o r é d eixado de lado, o pró p rio c o s m o se to m a eter-
N A T U R A L I S M O
69
n o — sem p re existin d o , e m b o ra n ão n e cessariam en te n a sua
form a presente; na verdade, sem dúvida não em sua fo rm a pre­
sen te.2*4 Cari Sagan, astro físico e p o p u larizad o r da ciên cia, m a n i­
festou este p e n sam en to c o m a m aio r clareza possível: "O C o s­
m o é tu d o o q u e existe o u sem pre existiu o u sem pre será".5
N ada vem do nada. Algum a co isa existe. P ortanto, algum a
coisa sem pre existiu. M as essa algu m a coisa, d izem o s n atu ralis­
tas, n ão é um criad or transcen d en te, m as a própria m atéria do
co sm o . D e algu m a fo rm a to d a a m atéria d o universo sem pre
existiu.
A palavra matéria deve ser en ten d id a de fo rm a m ais ab ra n ­
gente, pois desde o sécu lo xvni a ciên cia tem ap erfeiço ad o sua
com p reen são . O s cientistas do sécu lo xvin aind a tin h a m p o r des­
co b rir a com p lexid ad e da m atéria o u seu estreito re la cio n a m en ­
to co m a energia. Eles c o n ce b ia m a realid ad e c o m o fo rm ad a por
"u n id ad es" indivisíveis, existin d o n u m re la cio n a m en to m ecâ­
n ico-esp acial um as co m as outras, re la cio n a m en to que estava
sen d o investigado, revelado pela Q u ím ica e pela Física e expres­
so p o r "leis" inexoráveis. Posteriorm ente, os cientistas d escobrem
que essa natureza n ão é tão elegante, o u p elo m en os, tão sim ­
ples. A im p ressão que se tem é que n ão há "u n id ad e" indivisível
e que as leis físicas só p o d em ser expressas m atem aticam en te.
Físicos c o m o S tep h en H aw king po d em p esqu isar p o r nad a m e­
nos que um a "co m p leta d escrição do un iv erso ", e até m esm o
esperar e n co n trá -la .6 M as a certeza do que é a natu reza ou a p ro ­
b ab ilid ad e co m o que possa vir a ser d esco berto, h á m u ito se
perdeu.
Até agora, a proposição expressa acim a une os naturalistas. O
cosm o não é com p o sto de duas coisas — m atéria e mente, ou m a­
téria e espírito. C o m o diz La M ettrie: "N o universo inteiro não há
nada mais do que um a única substância com várias m odificações".7
O cosm o é, em últim a instância, um a coisa sem nenh um a relação
com um Ser transcendente; não há "deus" nem "criador".

2. O cosmo existe com o uma uniform idade de causa e efeito num


sistema fechado.
Esta p ro p o sição é sem e lh an te à p ro p o sição 2 do d eísm o . A
diferença é que o universo p o d e o u n ão ser co n ce b id o c o m o
O U N I V E R S O AO LADO
70

um a m áq u in a ou o m ecan ism o de um relógio. O s cientistas


m od ernos têm descoberto que as relações entre os vários ele­
m en tos da realidade podem ser m u ito m ais com plexas, se não
m ais m isteriosas, para que a sim ples im agem do m ecanism o de
um relógio seja considerada.
Apesar disso, o universo é um sistem a fechado. Ele não está
aberto à intervenção externa — ou de um Ser transcendente (pois
não há nen h u m ) ou, co m o discutirem os adiante com m ais de­
talhes, de seres h u m an o s au to tran scend entes ou au tô n o m o s
(p o is eles são com o parte da u n iform idad e). Ém ile Bréhier, des­
crevendo essa cosm ovisão, diz: "O rdem , na natureza, não é nada
m ais do que o arranjo rigorosam ente necessário das suas partes,
inerentes à essência das coisas; por exem plo, a m aravilhosa re­
gularidade das estações não é con seqü ência de um plano divi­
no, m as o resultado da gravitação".8
O Manifesto Humanista II ( 1 9 7 3 ), que expressa a cosm ovisão
de todos aqueles que se au to d en o m in am "hum anistas secula­
res", afirm a: "N ão d escobrim os nenh um a evidência suficiente
para a crença na existência do sobrenatural".8 Sem Deus ou o
sobrenatural, é claro, nada pode acon tecer exceto dentro do d o ­
m ín io das coisas em si. Escrevendo em The Columbia History o f
the World, Rhodes W. Fairbridge diz categoricam ente: "R ejeita­
m os os m ilagres".10 Tal declaração era de se esperar, vinda de um
professor de geologia da Universidade de C olum bia.
O surpreendente é descobrir um professor de sem inário, D a­
vid Jobling, dizendo m u ito m ais que isto: "Nós, [isto é, pessoas
m odernas] vem os o universo com o um a con tin uidad e do espa­
ço, tem po e m atéria, conservando-se unidos, aparentem ente, de
dentro... Deus não está 'fora' no tem po e no espaço, nem fica ao
lado da m atéria, com u n ican d o com a parte 'espiritual' do h o ­
m em ... Devem os achar algum a m aneira de enfrentar o fato de
que Jesus Cristo é o produto de algum processo evolucionário,
assim com o nós o s o m o s."11
Jo bling está tentand o entend er o cristianism o dentro da cos­
m ovisão naturalista. Sem dúvida, após Deus ser colo cad o d en­
tro do sistem a — o sistem a fechado e un iform e de causa e efeito
— a ele terá sido negada sua soberania e m u itos outros atributos
n o s quais os cristãos têm trad icionalm ente acreditado ser verda-
N A T U R A L I S M O
71

de a seu respeito. A questão aqui, contud o, é que o naturalism o


é um a cosm ovisão m u ito difundida e com facilidade enco n tra­
da nos lugares m ais improváveis.
Q uais são as características centrais desse sistem a fech a d o ? À
prim eira vista, pode parecer que os naturalistas, declarando a
"continu id ad e do espaço, tem po e m atéria; conservando-se u n i­
dos... de d entro", seriam determ inistas, assegurando que o siste­
m a fechado se conserva por um inexorável e inquebrável v ín cu­
lo de causa e efeito. M uitos naturalistas são realm ente determ i­
nistas, em bora m u itos poderiam argum entar que isso não nos
isenta do senso de livre-arbítrio ou da responsabilidade por n o s­
sas próprias ações. Esse tipo de liberdade realm ente con diz com
a con cepção de um sistem a fechado? Para responder, devem os
prim eiro analisar m ais detid am ente o con ceito naturalista de
ser hum ano.

3. Os seres humanos são "máquinas" complexas; a personalidade é


uma inter-relação de propriedades químicas e físicas que ainda não
entendemos completamente.
E nquanto Descartes reconhecia que os seres hu m anos eram
em parte m áquinas, ele tam bém pensava neles com o sendo em
parte m ente, sendo que a m ente era um a substância diferente. A
grande m aioria dos naturalistas, contud o, vê a m ente com o a
função de um a m áquina. La M ettrie foi um dos prim eiros a c o n ­
ceber isso em sua form a m ais grosseira; "Vamos con clu ir ousa­
dam ente, então, que o ho m em é um a m áquina, e que no u n i­
verso inteiro não há nada m ais do que um a única substância
com suas várias m o d ificaçõ es".12 C o lo can d o esse co n ceito de
form a ainda mais grosseira, Pierre Jean Georges Cabanis (1 7 5 7 -
1 808) escreveu que "o cérebro secreta pensam ento assim com o o
fígado secreta bílis".13 W illiam Barrett, num a história intelectual
fascinante sobre a perda gradual da noção de alma ou do eu no
pensam ento ocidental desde Descartes até os nossos dias, escreve:

Assim chegamos a La Mettrie... aquelas ilustrações curiosas do


corpo humano como um sistema imaginário de engrenagens,
rodas dentadas e alavancas. O homem, o microcosmo, é apenas
outra máquina dentro da máquina universal que é o cosmo. Ri-
O U N I V E R S O AO LADO
72

mos dessas ilustrações com o esquisitas e grosseiras, mas secreta­


mente podemos alimentar a noção de que elas estão, apesar de
tudo, na direção certa, embora pareçam prematuras. Com o ad­
vento do computador, entretanto, essa tentação em direção ao
mecanicismo se torna mais irresistível, porque aqui não temos
mais uma máquina obsoleta de rodas e polias, mas uma que
parece apta para reproduzir o processo de uma mente humana.
As máquinas podem pensar? Parece ter-se tornado a principal
pergunta para os nossos dias.14

D e q u alq u er form a, a q u estão é que, c o m o seres hu m an o s,


so m o s sim p lesm en te parte do co sm o . N o co sm o há apenas um a
su bstân cia — a m atéria. S o m o s feito s dela e so m en te dela. As
leis que se ap licam à m atéria ap licam -se ta m b é m a nós. D e n e ­
n h u m m o d o tran scen d em o s o universo.
É claro, so m o s m áq u in as m u ito com plexas, e n o sso m e can is­
m o ain d a n ão fo i c o m p le ta m e n te en ten d id o . A ssim , as pessoas
co n tin u a m a n o s surpreender e superar nossas expectativas. T o ­
davia, q u alq u er m istério q u e cerceie n o ssa co m p reen são é o re­
sultad o n ão de um m istério g en u ín o , m as de um a co m p le x id a­
de m e c â n ica .15
O que se p o d e c o n clu ir é q u e a h u m an id ad e não é d istin ta de
ou tros o b je to s n o universo, que é m eram en te um a esp écie de
o b je to entre m u ito s outros. M as os natu ralistas insistem em que
as coisas n ão são b e m assim . Ju lian Huxley, p o r exem p lo , diz
que so m o s ú n ico s entre os an im ais p o rq u e so m e n te n ó s so m o s
capazes de p ensar co n ceitu alm en te, articu lar fala, ser d eten tores
de um a trad ição cu m u lativa (cu ltu ra) e p o ssu ir um m éto d o ex­
clusivo de ev olu ção .16A tudo isso, a m aioria dos naturalistas acres­
cen taria nossa cap acid ad e m oral, um tó p ico que estu d arem os
separadam ente. Todas essas características são abertas e geral m en ­
te óbvias. N enhu m a delas im plica em qualquer poder transcen­
dente ou exige qualqu er base extram aterial, dizem os naturalistas.
E m est N agel assinala que n ão há n ecessid ad e de dar tan to
v alor à "co n tin u id ad e " h u m an a co m os elem e n to s n ão -h u m a-
n o s da n o ssa fo rm ação : "Sem d esco n h ecer que até m e sm o os
m ais d istin tivos traços h u m a n o s são d ep en d en tes das coisas que
n ão são h u m anas, o n atu ralism o m ad u ro esforça-se p o r avaliar
N A T U R A L I S M O

73

a natureza do h o m em à luz das suas ações e realizações, suas aspi­


rações e capacidades, suas lim itações e trágicas falhas, e seu esplên­
dido trabalho de ingenuidade e im aginação".17 P or realçar nossa
humanidade (nossa d istinção do resto do cosm o ), um naturalista
descobre a base para o valor, pois ele sustenta que inteligência,
sofisticação cultural, senso de certo e errado não são apenas distin­
ções hum anas, m as o que nos faz valiosos. Verem os esses aspectos
em m aiores detalhes, m ais adiante, na proposição 6.
Finalm en te, em b o ra alguns natu ralistas sejam d eterm inistas
rigorosos c o m respeito a to d o s os even tos n o universo, in c lu in ­
do a ação h u m an a, neg and o assim q u alq u er sen so de livre-arbí­
trio, m u ito s deles su sten tam q u e so m o s livres para d eterm inar
n o sso pró p rio d estino, pelo m en os em parte. Alguns, p o r exem ­
plo, asseguram que, e n q u a n to um universo fech ad o pressu põe
um d eterm in ism o , o d eterm in ism o é aind a com p atível c o m a
liberd ad e h u m an a, ou p elo m en o s c o m u m sen so de lib erd a­
d e.18 P o d em o s fazer m u itas coisas q u e q u erem o s fazer; n ão s o ­
m o s sem pre co n stran gid os a agir con tra n ossa vontade. Posso,
por exem plo, encerrar os preparativos para um a nova edição deste
livro se quiser. M as n ão quero.
A ssim , para m u ito s naturalistas, fica aberta a p o ssib ilid ad e
para a ação h u m an a significativa, e isso o rd ena u m a base para a
m oralidad e. C o n ta n to q u e sejam o s livres para fazer outra coisa
além do que fazem os, n ão p o d em o s ser acusados de resp o n sá­
veis p o r n o ssa ação. C o n tu d o , a co erên cia desse arg u m en to tem
sid o qu estio n ad a, revelando u m a p equ en a m an ch a n o sistem a
n atu ralista de p en sam en to , c o m o verem os n o cap ítu lo seguinte.

4. A morte é a extinção da personalidade e da individualidade.


Essa é, talvez, a m ais "d u ra" p ro p o sição do n atu ralism o para
as pessoas aceitarem , e m b o ra seja u m a exigência ab solu ta do
co n ce ito natu ralista do universo. H o m en s e m u lh eres são feito s
de m atéria e n ad a m ais. Q u an d o essa m atéria que co n trib u iu
para fo rm ar u m ind iv íd u o é d esorganizada na m orte, en tão a
pessoa desaparece.
O M anifesto Hum anista II declara: "Até o n d e p o d em o s saber,
a perso n alid ad e to tal é u m a fu n ção da transação do org an ism o
b io ló g ico nu m co n texto social e cultural. N ão há n e n h u m a evi-
O U N I V E R S O AO LADO

74

ciência crível de q u e a v id a sobreviv a à m o rte d o c o r p o ".19 Ber-


tran d R ussel escreve: "N e n h u m a fo g u eira, n e n h u m h e ro ís m o ,
n e n h u m a in te n sid a d e d e p e n s a m e n to s e e m o ç õ e s, p o d e p reser­
var a vid a in d iv id u al a lé m d o tú m u lo ".20 A. J. Ayer d iz: "T o m o
isso ... c o m o fa to de q u e a e x istê n cia de alg u ém te rm in a n a m o r­
te".21 N u m se n tid o m ais geral, a e sp écie h u m a n a é ig u a lm en te
v ista para ser tran sitó ria. "O d e stin o h u m a n o " , co n fe ssa E rnest
N agel, "[é] u m e p isó d io e n tre d o is e sq u e c im e n to s ".22
Essas d ecla ra çõ e s n ã o ap re se n ta m a m b ig ü id a d e s e são m u ito
claras. O c o n c e ito p o d e d ese n ca d e a r im e n s o s p ro b le m a s p s ic o ­
ló g ico s, m as sua p re cisão é in d iscu tív el. A ú n ic a "im o rta lid a d e ",
c o m o ap resen tad a p e lo M anifesto H um anista II, "é a c o n tin u id a ­
d e da n o s sa d e s c e n d ê n c ia e a fo rm a c o m o n o s sa s v id as tê m
in flu e n c ia d o ou tras e m n o ssa cu ltu ra".23 Em seu breve ro m a n ce
Pigeon Feathers, Jo h n U p d ik e dá a essa n o ç ã o u m a d im e n sã o m a ­
ra v ilh o sa m e n te h u m a n a , q u a n d o descreve sua p e rso n a g e m , o
jo v e m D avid , re fle tin d o s o b re a d escrição q u e o p a sto r faz d o
p araíso c o m o sen d o "a b o n d a d e de A b rah am L in co ln s o b re v i­
v e n d o à p ró p ria m o rte ".24 C o m o D avid Jo b lin g cito u a n te rio r­
m en te, o p a sto r d e D avid n ã o é m ais u m te ísta, m as e stá s im ­
p le sm e n te te n ta n d o o fe re ce r u m c o n s e lh o "e sp iritu a l" d en tro
da estru tu ra n atu ralista.

5. A história é uma corrente linear d e eventos vinculada por causa e


efeito, m as sem proposta abrangente.
P rim eiro , a palavra história, c o m o u tiliz a d a n essa p ro p o siçã o ,
in clu i ta n to a h istó ria natu ral q u a n to a h is tó ria h u m a n a , p o r­
q u e o n atu ralista as vê c o m o u m a c o n tin u id a d e . A o rig e m da
fa m ília h u m a n a está n a n atu reza. S u rg im o s fo ra d ela e, m u ito
p ro v av elm en te, a ela re to rn a re m o s (n ã o a p e n a s in d iv id u a lm e n ­
te, m as c o m o e sp é c ie ).
A h is tó ria natu ral c o m e ç a c o m a o rig e m d o u n iv erso . A lgu­
m a co isa a c o n te ce u n u m te m p o m u ito re m o to — u m "b ig b a n g "
o u u m a p a re c im e n to sú b ito — q u e v eio , fm a lm e n te , resu ltar na
fo rm a ç ã o d o u n iv erso em q u e agora h a b ita m o s e d o q u al e sta ­
m o s co n sc ie n te s. M as, c o m o e x a ta m e n te isso v eio a acon tecer,
p o u co s e stã o d isp o sto s a dizer. O p ro fe sso r L o d ew ijk W o ltjer,
a s trô n o m o da U niversid ad e d e C o lú m b ia , é o p o rta-v o z da m a io -
N A T U R A L I S M O

75

ria: "A o rig em d o q u e é — o h o m e m , a terra, o u n iv erso — está


en v o lv id a n u m m is té rio cu ja s o lu ç ã o n ã o é tã o fácil c o m o o
fo ra m o s relato s d o G ê n esis".25 U m a série d e te o ria s para e x p li­
car o p ro cesso te m sid o d esen v o lv id a, m as n e n h u m a , n a v erd a­
de, c o m su c e sso .26 M e sm o assim , e n tre o s n atu ralistas, a p re m is­
sa é sem p re a m e sm a: q u e o p ro ce sso fo i ativad o p o r si m e sm o ;
e le n ã o fo i c o lo c a d o e m m o v im e n to p o r u m a P rim e ira C au sa —
D eu s o u algo d iferente.
C o m o o s seres h u m a n o s v ie ram a existir é g e ra lm e n te m u ito
m ais ac e ito d o q u e c o m o o u n iv erso v eio a existir. A te o ria da
ev o lu ção , d u ran te m u ito te m p o ig n o rad a p e lo s n atu ralistas, fo r­
n eceu o "m e c a n is m o " q u e através de D arw in c u lm in o u n a v itó ­
ria. D ific ilm e n te u m liv ro e sc o la r o u a c a d ê m ic o d eixa d e p ro c la ­
m a r a te o ria c o m o u m fato . D ev em o s ser c a u te lo so s, c o n tu d o ,
para n ã o assu m irm o s q u e to d a s as fo rm a s d e te o ria e v o lu cio n is-
ta são e strita m e n te n atu ralistas. M u ito s teístas ta m b é m são evo-
lu cio n ista s. N a verdade, o e v o lu c io n ism o to rn o u -se u m a q u e s­
tão m u ito m ais e m b a ra ço sa e n tre o s cristão s e n atu ralistas d es­
de a p rim e ira e d içã o d este liv ro .27
Para u m te ísta, o D eu s in fin ito e p e sso a l é v isto c o m o o res­
p o n sáv el p o r to d o o p ro ce sso n atu ral. Se a o rd e m b io ló g ic a ev o ­
lu iu, isso só a c o n te ce u e m c o n fo rm id a d e c o m o p la n o de D eus;
isso é te le o ló g ico , tu d o c o n co rre n d o p ara u m fim p e s so a lm e n te
d ese ja d o p o r D eus. Para u m n atu ralista, o p ro ce sso c a m in h a p o r
si m e s m o . G. G. S im p s o n a p re se n ta esse p ro ce sso c o m tan ta
m ae stria, q u e m erece esta lo n g a citação :

A evolução orgânica é um processo inteiramente materialista na


sua origem e operação... A vida é materialista na natureza, mas
ela contém propriedades únicas que são inerentes à sua organi­
zação, não na sua natureza material ou mecânica. O hom em sur­
giu com o resultado da operação da evolução orgânica, e seu ser e
atividades são tam bém materialistas, mas a espécie humana con­
tém propriedades únicas que a diferenciam de todas as outras
formas de vida, que excedem as propriedades únicas da vida en­
tre todas as form as de matéria e ação. A natureza intelectual, so­
cial e espiritual do hom em é excepcional em com paração aos
animais, mas surgiu através da evolução orgânica.28
O U N I V E R S O AO LADO
76

Esta passagem é significativa pela nítida afirmação da continui­


dade hum ana com o restante do cosm o e por sua especial singula­
ridade. Todavia, para não concluirm os que a nossa singularidade, a
nossa posição com o o clím ax da criação na natureza, foi planejada
por algum princípio teleológico operativo no universo, Sim pson
acrescenta: "O hom em não era certamente o objetivo da evolução,
que, por sua vez, não tinha nenhum objetivo".29
Em algum as form as co m o se apresenta, a teoria da evolução
levanta m ais questões do que resolve, pois, em bo ra ofereça um a
explicação do que aconteceu nestes longos períodos de tem po,
não explica por quê. A no ção de um P lan ejad or com um pro p ó ­
sito não é adm itida pelos naturalistas. Pelo contrário, com o disse
Jacques M onod , o h o m em "surgiu com o um nú m ero num a ro­
leta em M onte C ario", num jogo de puro acaso.30 Richard Daw­
kins, u m a das v ozes m ais p ro e m in e n te s do recen te ev olu -
cio n ism o neo-darw inista, con firm a: "A seleção natural é o relo­
jo eiro cego, cego porqu e não vê nada à sua frente, não planeja
as con seqü ências, não tem nenh u m p ropósito em vista".31 Q u al­
quer intencionalid ad e é rejeitada co m o p ossibilidad e para um
início.
De qualqu er form a, os naturalistas insistem em que, com o
alvorecer da hum anidade, a evolução subitam ente to m o u seu
rum o para um a nova dim ensão, porque os seres hu m anos são
autoconscientes — provavelm ente os ú n icos seres autoconscien-
tes no universo.32 Além disso, com o hum anos, som os livres para
ponderar, decidir e atuar. Assim, enqu anto a evolução con sid e­
rava, a rigor, nu m a perspectiva b io ló gico , sua con tin uidad e in ­
con scien te e acidental, o m esm o não acontecia para as ações
hum anas. Elas não eram apenas parte do m eio am bien te "n atu ­
ral". Faziam parte da história hum ana.
Em outras palavras, quando os hu m anos apareceram , a his­
tória significativa, a história hu m ana — os acon tecim entos de
hom en s e m ulheres autoconscientes e autodeterm inados — tam ­
bém apareceu. Mas, da m esm a form a que a evolução, que não
apresenta nenh um o bjetiv o inerente, a história tam bém não tem
nenh um alvo inerente. H istória é o que fazem os acontecer. Os
eventos hu m anos têm apenas o significado que as pessoas lhes
atribuem quando os escolhem ou quando os recordam .
N A T U R A L I S M O

. 77

A história cam inha em lin ha reta, com o no teísm o (n ão em


círculos com o no p anteísm o orien tal), mas não tem nenh u m
o bjetiv o predeterm inado. Em vez de cu lm inar na Segunda V in­
da do D eus-hom em , ela sim plesm ente cam in h a até "durar" o
m esm o tem po que a con sciên cia hum ana. Q uan do partim os, a
história hu m ana desaparece e a história natural con tin u a sozi­
nha o seu cam inho.

6. A ética está relacionada apenas aos seres humanos.


As considerações éticas não têm papel central na ascensão do
naturalism o. O naturalism o por sua vez derivou-se com o exten­
são lógica de certas noções m etafísicas — n oções sobre a nature­
za do m und o exterior. A m aioria dos prim eiros naturalistas co n ­
tinuava sustentando pontos de vista éticos sem elhantes àqueles
da cultura que os rodeavam , posições que pouco se diferencia­
vam do cristianism o popular. Havia um respeito pela dignidade
individual, um a con firm ação de amor, um com p rom isso com a
verdade e um em basam ento na honestidade. Jesus era visto com o
um m estre de altos valores éticos.
Apesar de algumas transform ações graduais, isso ainda se m os­
tra verdadeiro hoje. C om um pou co das variações recentes —
por exem plo, um a atitude perm issiva ao sexo pré-m arital e ex­
traconjugal, um a reação positiva à eutanásia, ao aborto e aos
direitos individuais no suicídio — as norm as éticas do Manifesto
Humanista II (1 9 7 3 ) são sem elhantes à m oralidade tradicional.
Teístas e naturalistas podem , m uitas vezes, viver lado a lado em
h arm onia com um sobre as questões éticas. Sem pre houve desa­
cordos entre eles; esses desacordos aum entam , creio eu, quando
o hu m an ism o se afasta m ais e m ais das suas m em órias da ética
cristã.33 Porém, quaisquer que sejam esses desacordos (ou acor­
dos) sobre as norm as éticas, a base para estas norm as é radical­
m ente diferente.
Para um teísta, Deus é o fundam ento dos valores. Para um
naturalista, os valores são produzidos pelo h o m em . A noção
naturalista segue logicam ente das proposições anteriores. Se não
havia n enh u m a con sciên cia anterior aos hum anos, então não
havia nenh u m senso anterior de certo e errado. Além disso, se
não havia nenh um a capacidade de alguém fazer além do que
O U N I V E R S O AO LADO

faz, q u alq u er sen so de certo e errado n ão teria n en h u m v alo r


p rático. A ssim , para a ética ser possível, têm de existir a co n s­
ciên cia e a au to d eterm in ação . Em resum o, tem de existir p erso ­
nalidad e.
O s natu ralistas arg u m en tam q u e a c o n sciên cia e a a u to d e­
term in ação surgiram c o m os seres h u m an o s, sen d o a ética um
aco m p a n h a m e n to natural desse su rg im ento. N en h u m sistem a
ético p o d e derivar s o m e n te da natu reza das "co isas" externas à
co n sciên cia h u m an a. E m outras palavras, n e n h u m a lei natural
está inscrita n o co sm o . Até m e sm o La M ettrie, que iro n izo u nas
palavras q u an d o escreveu: "A n atu reza n o s crio u a to d o s [h o ­
m em e besta] u n icam e n te para ser feliz", train d o suas raízes deís-
tas, fo i u m natu ralista arraigado n a ética: "Você vê q u e esta lei
natural nada mais é do que u m sen tim e n to ín tim o q u e p ertence à
im ag in ação c o m o to d o s os o u tros sen tim en to s, inclu sive o p e n ­
sam e n to ".34 La M ettrie, é claro, pensava na im agin ação , de u m a
m an eira to ta lm e n te m ecân ica, de m o d o q u e a ética to rn o u -se
para ele sim p lesm en te pessoas seg u ind o os pad rões nelas in c o r­
p o rad o s c o m o criaturas. C ertam en te n ão h á nada, seja o que
for, que tran scen d a em term o s de qu estõ es m orais.
O M anifesto Hum anista II declara o lugar da ética n atu ralista
em term o s b e m claros: "A firm am os q u e os valores m o rais deri­
vam suas fo n tes da exp eriência h u m an a. A ética é autônom a e
situacional, n ão n ecessitan d o de san ção teo ló g ica ou id eológica.
A ética origina-se da n ecessid ad e e interesse h u m an o . N egar isso
é d istorcer a base co m p leta da vida. A vida h u m an a tem sig n ifi­
cad o p o rq u e criam o s e d esenv olv em os n o sso futu ro".35 M uitos
natu ralistas co n scien tes provavelm ente con co rd ariam c o m essa
d eclaração. M as, exatam en te c o m o o v alo r é criad o fora da situ a­
ção h u m an a está tão d istan te de n o sso alcan ce q u an to o ca m i­
n h o que d evem os trilh ar para e n ten d er a o rigem do universo.
A grande q u estão é: C o m o o dever origin a d o ser7. A ética tra­
d icio n al, isto é, a ética d o te ísm o cristão, d eclara a origem trans­
cen d en te da ética e situa n o D eus in fin ito e pessoal a m ed ida do
b em . B o n d ad e é o que D eus é, e isso te m sid o revelado em m u i­
tas e diversas form as, a m aio r parte n a vida plena, n o s en sin a­
m e n to s e m o rte de Jesus C risto.
O s naturalistas, en tretan to , n ão tê m esse ap elo , n e m d esejam
N A T U R A L I S M O
79

criar um . A ética é u m d o m ín io estritam en te h u m an o . E ntão, a


qu estão : C o m o algu ém vai da au to co n sciê n cia e da au to d eter­
m in ação , do d o m ín io d o ser e d o poder, para o d o m ín io do que
deve ser o u deve ser feito?
U m a observação q u e os natu ralistas fazem é q u e tod a pessoa
tem u m a n o ç ã o de valores m orais. Esses valores p roced em , se­
gu nd o G. G. S im p son , da in tu ição (" o sen tim e n to de justiça,
sem u m a investigação o b jetiv a das razões para esse sen tim e n to
e sem u m possível teste para c o m a verdade o u falsidad e das
prem issas en v o lv id as"), da autorid ade e da con v en ção . N inguém
cresce sem apren der os valores do m eio am b ie n te e, em b o ra um a
p essoa possa rejeitá-lo s e arcar c o m as co n seq ü ên cias do o stra­
cism o o u m artírio, raram en te algu ém tem êxito in v en tan d o va­
lores to ta lm e n te d ivorciad os da cultura.
É claro, os valores d iferem de cultura para cultura e n en h u m
parece ser ab so lu ta m e n te universal. Por isso S im p so n advoga
u m a ética basead a na investigação o b je tiv a e a d esco bre nu m
aju ste h a rm o n io so de pessoas um as c o m as outras em seu a m ­
b ien te .36 Q u alq u er coisa q u e p ro m o va tal h a rm o n ia é b o m ; o
que n ã o p rom ove é m au.
Jo h n Platt, n u m artigo em q u e ten ta c o n stm ir u m a ética para
o b eh av io rism o de B. F. Skinner, escreve:

Felicidade é ter reforços curtos congruentes com médios e longos


reforços, e sabedoria é saber como realizá-los. O comportamento
ético resulta quando reforços pessoais curtos são congruentes com
reforços de gmpo longos. Assim, toma-se fácil "ser bom " ou, mais
exatamente, "comportar-se bem".37

O resultado disso é um a definição de b o a ação com o ação apro­


vada pelo gm po e prom otora de sobrevivência. Sim pson e Platt
o p tam pela continuidad e da vida h u m ana co m o o valor acim a de
todos os valores. A sobrevivência tom a-se assim básica, m as é a
sobrevivência humana que é afirm ada com o prim ária.38
S im p so n e P latt são cien tistas co n scien tes de q u e suas res­
p o n sab ilid ad es são p le n a m e n te hu m an as, dessa fo rm a integram
seu co n h e cim e n to cie n tífico e seus valores m orais. D o lad o das
h u m a n id a d e s te m o s W alter L ip p m an n . Em P reface to M orais
O U N I V E R S O AO LADO
8 o

(1 9 2 9 ), Lippm ann assume a postura naturalista com respeito à


origem e falta de propósito do universo. Seu objetivo é construir
um a ética cuja base ele acredita ser o acordo central dos "grandes
mestres religiosos". Para Lippmann, o bem parece ser alguma coi­
sa que tem sido reconhecida até agora apenas pela elite, um a "aris­
tocracia voluntária do espírito".39 Seu argumento é que essa ética
elitista agora está se tom ando obrigatória para todas as pessoas
caso elas queiram sobreviver à crise de valores do século xxi.
O bem em si consiste no desinteresse — um a form a de aliviar
as "desordens e frustrações" do m undo m oderno, agora que os
"ácidos da m odernidade" corroeram as bases tradicionais para o
com portam ento ético. É difícil resumir o conteúdo que Lippmann
traduz para a palavra desinteresse. A terceira e últim a parte do seu
livro é dirigida a esse esforço. Mas é necessário observar que sua
ética se baseia sobre um com prom isso pessoal de cada indivíduo
que seria moral, e que isso está totalm ente divorciado do m undo
dos fatos — a natureza das coisas em geral:

Uma religião que repousa sobre conclusões particulares em As­


tronomia, Biologia e História pode ser fatalmente prejudicada
pela descoberta de novas verdades. Mas a religião do espírito
não depende de credos e cosmologias; ela não tem nenhum in­
teresse adquirido em nenhuma verdade particular. Ela não está
relacionada com a organização da matéria, mas com a qualida­
de do desejo humano.40

A linguagem de Lippm an deve ser cuidad osam ente en ten d i­


da. Por religião, ele quer dizer m oralidade ou im pu lso m oral.
Por espírito, ele quer dizer a faculdade m oral dos seres hum anos,
que exalta as pessoas acim a dos anim ais e acim a dos outros cuja
"religião" é m eram ente "popular". A linguagem do teísm o está
sendo empregada, m as seu con teúd o é puram ente naturalista.
De qualqu er form a, o que resta de ética é a afirm ação de um a
visão elevada do certo d iante de um universo que sim plesm ente
existe e não tem valor em si m esm o. A ética é, assim , pessoal e
escolhida. Lippm ann não está associado com os existencialistas,
mas, com o verem os no capítu lo seis, sua versão da ética natura­
lista é, no final das contas, a deles.
N A T U R A L I S M O
81

O s naturalistas tentaram construir sistem as éticos de form as


as m ais variadas. M esm o os cristãos teístas devem ad m itir que
m u ito do que se con hece da ética naturalista é válido. Na verda­
de, os teístas não ficariam surpresos pelo fato de que nós pod e­
m os aprender verdades m orais pela observação da natureza e do
com p o rtam en to h u m ano , pois se os h o m en s e m ulheres são
feitos à im agem de Deus e se essa im agem não foi totalm ente
destruída pela Q ueda, então eles ainda refletiriam — m esm o
que de m od o turvo — algum a coisa da bond ade de Deus.

N a t u r a l is m o n a p r á t ic a : h u m a n is m o s e c u l a r
Duas form as de natu ralism o m erecem m enção especial. A pri­
m eira é o humanismo secular, term o que veio para ser usado e
abusado tanto por partidários com o por críticos. Alguns esclare­
cim entos desses term os estão explícitos aqui.
Prim eiro, humanismo secular é um a form a do humanismo ge­
ral, mas não a única. O humanismo em si é um a atitude global
em que os seres h u m ano s são de especial valor; suas aspirações,
seus pensam entos, seus anseios são significativos. Há, tam bém ,
um a ênfase sobre o valor da pessoa com o indivíduo.
Desde a Renascença, pensadores de várias con v icções têm
cham ad o a si m esm os e sido cham ad os de humanistas, entre
eles m uitos cristãos. João C alvino (1 5 0 9 -1 5 6 4 ), Erasm o (1 4 5 6 ? -
1 5 3 6 ), Edm und Spencer (1 5 5 2 ? -1 5 9 9 ), W illiam Shakespeare
(1 5 6 4 -1 6 1 6 ) e Jo h n M ilton (1 6 0 8 -1 6 7 4 ), todos cu jos escritos
tiveram sua origem num a cosm ovisão teísta cristã, eram h u m a­
nistas, m otivo pelo qual são algum as vezes cham ad os h o je de
humanistas cristãos. A razão para essa designação é que eles en fa­
tizam a dignidade hum ana, não tão elevada se com parada a
Deus, mas derivada da im agem de Deus em cada pessoa. H oje
há m uitos pensadores cristãos que tan to querem preservar a pa­
lavra humanismo de ser associada a form as puram ente seculares
que assinaram um m an ifesto hu m anista cristão (1 9 8 2 ) d ecla­
rando que os cristãos sem pre afirm aram o valor dos seres h u ­
m an o s.4’
O humanismo secular é outra form a específica de h u m anism o.
Seus princípios são bem expressos no Manifesto Humanista II,
O U N I V E R S O AO LADO
82

traçado por Paul Kurtz, professor de filo so fia na Universidade


Estadual de Nova York em Buffalo.42 O humanismo secular é um a
form a de humanismo com p letam ente enquadrada na cosm ovi-
são naturalista. É ju sto dizer, creio eu, que a m aio r parte d aque­
les que se sentem bem com o rótulo de hum anistas seculares
encontram seus p ontos de vista refletidos nas proposições 1-6
acim a. Os hum anistas seculares, em outras palavras, são sim ­
plesm ente naturalistas, em bora nem todos os naturalistas sejam
hu m anistas seculares.

N a t u r a l is m o n a pr At ic a : m a r x is m o *
Desde a últim a parte do século xix, um a das form as h istorica­
m ente m ais significativas do naturalism o tem sido o m arxism o.
O destino do m arxism o pode ser descrito com o o fluxo e reflu­
xo das marés durante os anos; o colapso do com u n ism o na Eu­
ropa O riental precedida pela U n ião Soviética deixou pou cos
países "o ficialm en te" marxistas. Além disso, na m aior parte do
século xx um a im ensa seção do globo foi d om inad a por idéias
que derivaram do filó so fo Karl Marx (1 8 1 8 -1 8 8 3 ). Atualm ente,
em bo ra o com u n ism o com o ideologia pareça indigente, m uitas
idéias de Marx perm anecem influentes entre os cientistas sociais
e outros intelectuais no O cidente. M esm o na Europa O riental,
os prim eiros com unistas, de certa form a purificados e profes­
sando um com p rom isso com a dem ocracia, parecem estar reali­
zand o um reto m o p olítico.
É m uito difícil definir ou analisar brevem ente o m arxism o,
pois há m u itos e diferentes tipos de "m arxistas".43 Especifica­
m ente, existe um a en o rm e diferença entre as teorias m arxistas
de várias espécies, abrangendo desde pensadores que são hu­
m anistas e com p rom etid os com a dem ocracia de algum a for­
ma, a "stalinistas" linha-dura que identificam o m arxism o com
o to talitarism o. Há outra grande diferença entre as teorias m ar­
xistas de todas as espécies e a realidade da prática m arxista na
U nião Soviética e em outros lugares. Na teoria, supõe-se que o
m arxism o ben eficie a classe trabalhad ora e a capacite a ter o

( * ) Esta seção foi escrita por C. Stephen Evans, professor de filosofia, Calvin College.
N A T U R A L I S M O
83

con tro le e co n ô m ico sobre sua própria vida. Na realidade, a rigi­


dez burocrática da vida sob o com u n ism o conduziu à estagna­
ção eco n ô m ica bem com o à perda da liberdade pessoal.
E m b o ra o m arxism o ten h a, g eralm en te, reiv in d icad o ser
u m a te o ria científica (c o m o n o n o m e "so c ia lism o c ie n tífic o "),
essas reiv in d icaçõ es n ão têm sid o g eralm en te aceitas. É, de
m u itas m aneiras, m ais co n v en ien te pensar no m arxism o co m o
u m a esp écie de hum anism o, e m b o ra , é claro , a m a io ria dos
h u m a n ista s n ão seja m arxista. A pesar de o h u m a n ism o m ar­
xista ter seus p ró p rio s tem as característico s, o m arxism o e o
h u m a n ism o secular, e n q u a n to fo rm as de n a tu ra lism o , c o m ­
p a rtilh a m m u itas con ce p çõ e s.
Todas as form as de m arxism o podem , é claro, ser investiga­
das voltando-se para os escritos de Karl Marx. A questão de quem
são os "verdadeiros herdeiros" de Marx é am argam ente con tes­
tada, mas o m ais hum anista dos m arxistas pode, sem dúvida,
referir-se a alguns tem as im portantes nos escritos de Marx. Num
de seus prim eiros ensaios, ele diz claram ente que "o h o m em é o
ser suprem o para o hom em ".44 É desse tem a hum anista que Marx
deduz seu im perativo revolucionário para a "derrubada de to ­
das aquelas con d ições nas quais o hom em é um hu m ilhado,
escravizado, aband onad o, um ser desprezível".45
M arx chegou ao seu hu m an ism o através de um enco ntro com
dois filó so fos im portan tes do século xix: Georg W ilh elm Frie-
drich Hegel (1 7 7 0 -1 8 3 0 ) e Ludwig Feuerbach (1 8 0 4 -1 8 7 2 ). A
filosofia de Hegel era um a form a de idealism o, que ensinava
que D eus ou "espírito a b so lu to " não era um ser d istin to do
m undo, mas um a realidade progressivam ente entend ida em si
m esm a no m u nd o real. Para Hegel esse processo era dialético
em sua natureza; isto é, ele progredia através de con flito s nos
quais cada realização do espírito evoca seu próprio antagonista
ou "negação". Fora desse co n flito , surge um a realização ainda
mais alta do espírito, que, por sua vez, evoca sua negação, e assim
sucessivamente. Essa filosofia é, em essência, um a filosofia alta­
m ente especulativa da história. Para Hegel, o m eio mais elevado
para a expressão do espírito era a sociedade hum ana, particular­
m ente as sociedades m odernas que estavam chegando à realização
nos estados capitalistas da Europa Ocidental do século xix.
O U N I V E R S O AO LADO
84

Feuerbach foi um m aterialista que ficou fam oso por decla­


rar que os seres h u m an o s "são o que eles co m e m " e que a
religião é um a invenção hum ana. Feuerbach dizia que Deus é
um a p ro jeção da potencialidade hum ana, um a expressão dos
nossos ideais não realizados. A religião tem um a função pernicio­
sa, um a vez que, assim que inventam os Deus, d evotam o-nos a
nós m esm os para agradar nossa própria construção im aginá­
ria, em vez de trabalhar para vencer as deficiências que nos le­
varam à sua invenção no início. Feuerbach am p liou sua crítica
da religião para o idealism o filo só fico de Hegel, vendo no c o n ­
ceito de "espírito" de Hegel, contud o, outra projeção hum ana,
um a versão levem ente secularizada do Deus cristão.
Marx aceitou integralmente as críticas da religião de Feuerbach,
por isso o ateísm o perm anece com o um a parte da m aioria das
form as de m arxism o nos dias de hoje. C ontudo, ele foi golpea­
do pelo fato de que, se as críticas de Feuerbach a respeito de
Hegel estivessem corretas, então a filosofia de Hegel ainda p o ­
deria con ter verdades. Se o con ceito de Hegel de espírito é sim ­
plesm ente um a projeção equivocada da nossa realidade h u m a­
na, então o processo dialético que Hegel descreveu poderia ser
real, com o num film e que, ao ser projetado, pode dar um qu a­
dro preciso da realidade que foi film ada. É apenas necessário
"virar Hegel ao con trário", traduzindo a conversa idealista sobre
o espírito para a conversa m aterialista de seres hu m anos con cre­
tos. U m a vez que percebem os que em Hegel estam os vendo um a
projeção ou um "film e", pod em os interpretar sua visão num a
m aneira que a torne verdadeira. A história tem progredido atra­
vés do con flito no qual as partes beligerantes criam seus pró­
prios antagonistas, e essa série de con flito s históricos está "in do
para algum lugar". O o bjetiv o da história é um a sociedade hu­
m ana ideal e perfeita, m as é equivocado e con fuso cham ar tal
sociedade de "espírito".
Marx cham a a si m esm o de "m aterialista", e em algum sen ti­
do ele certam ente é. Apesar disso, Marx d ificilm ente ou nunca
fala sobre "m atéria". Seu m aterialism o é histórico e dialético; é,
em prim eiro lugar, um a doutrina sobre a história hum ana, e vê
essa história com o um a série de lutas dialéticas. Fatores e co n ô ­
m icos são os determ inantes prim ários dessa história. U m a vez
N A T U R A L I S M O
85

que os seres h u m ano s são m atéria, suas vidas devem ser en ten ­
didas em term os da necessidade de trabalhar para satisfazer suas
necessidades m ateriais.
Marx acreditava que a história hu m ana com eço u em co m u ­
nidades hum anas relativam ente pequenas organizadas em tri­
bos fam iliares. A propriedade privada é d esconhecida; um a es­
pécie de com u n ism o prim itivo ou natural assegura a identidade
individual com a com unid ad e com o um todo, em bo ra essas c o ­
m unidades fossem pobres e incapazes de perm itir que os hu­
m anos prosperassem . Assim que as sociedades desenvolvem a
tecnologia, gradualm ente ocorre um a divisão do trabalho. Al­
gumas pessoas na sociedade controlam as ferramentas ou os recur­
sos dos quais essa sociedade depende; isso lhes dá o poder de ex­
plorar os outros. Assim, fora da divisão do trabalho e conseqüente
controle sobre os m eios de produção social, as classes emergem.
Para Marx as classes sociais são os antagonistas dialéticos da
história, ao contrário das realidades espirituais de Hegel. A história
para Marx é a história das lutas de classes. Desde o legado das socie­
dades primitivas, as sociedades sempre têm sido dom inadas pela
classe que controla os m eios de produção. O processo pelo qual os
bens materiais que a sociedade exige são criados é a chave para a
com preensão da sociedade. Esse processo é cham ado pelos mar­
xistas de a "base" da sociedade. U m sistema particular de produção
de bens materiais, com o um a agricultura feudal ou o capitalism o
industrial m oderno, produz um a estrutura de classe particular. So­
bre essa estrutura de classe depende, por sua vez, o que Marx cha­
ma de "superestrutura" da sociedade: arte, religião, filosofia, m ora­
lidade e, m uito mais importante, as instituições políticas.
As m udanças sociais acontecem quando um sistem a de pro­
dução "d ialeticam ente" dá lugar à ascensão de um novo siste­
ma. A nova "base" e co n ô m ica vem à existência dentro do ventre
da velha "superestrutura". A classe social d o m in an te da velha
ordem , é claro, tenta m anter seu poder o qu an to pode, co n tan ­
do com o Estado para m anter sua posição. Finalm ente, co n tu ­
do, o novo sistem a e co n ô m ico e a classe em ergente se tornam
tam bém poderosos. O resultado é um a revolução na qual a ve­
lha superestrutura é varrida em favor da nova ordem política e
social que m elh o r reflete o fun dam ento da ordem econ ôm ica.
O U N I V E R S O AO LADO
86

A história do capitalism o ilustra claram ente essas verdades,


segundo Marx. As sociedades feudais m edievais criaram as so ­
ciedades industriais m odernas, que são seu o posto dialético. D u­
rante um longo tem po, a aristocracia feudal tentou assegurar
seu poder, mas na Revolução Francesa, M arx viu o triunfo da
nova classe m édia, que controlava os m eios de produção na so ­
ciedade capitalista. C ontu d o, as m esm as form as dialéticas que
conduziram ao capitalism o tam bém o destruirão. O capitalis­
m o exige grande núm ero de trabalhadores sem propriedade, para
explorar o proletariado. Na visão de Marx, a d inâm ica e co n ô m i­
ca do capitalism o necessariam ente conduzirá a um a sociedade
na qual o proletariado será cada vez m ais nu m eroso e cada vez
m ais explorado. As sociedades capitalistas estarão cada vez m ais
produtivas, m as as riquezas estarão cada vez m ais parcam ente
distribuídas. Final m ente, a con centração de riqueza condu z a
um a sociedade na qual a produção pode ser m aior que a de­
m anda; a superprodução leva ao desem prego e m ais sofrim en ­
to. Por fim , o proletariado será levado à revolta.
Para Marx, a revolta do proletariado será diferente de qual­
quer revolução anterior. No passado, um a classe social derruba­
va a classe opressora rival e tom ava-se, p o r sua vez, opressora. O
proletariado será, contud o, a m aioria, não a m inoria. Eles não
têm interesses enco berto s na velha ordem de coisas, assim fará
parte de seus próprios interesses ab o lir o sistem a inteiro da clas­
se opressora. A abun dân cia de m aterial criada pela m oderna tec­
n o lo gia fez disso um a p ossibilidad e real pela prim eira vez na
história hum ana, já que, sem tal abundância, a luta, com petição
e opressão inevitavelm ente irrom periam em novas form as.
A nova sociedad e sem classes que em ergirá tornará possível
o que os m arxistas ch am am de "novo indivíduo socialista". As
pessoas, supostam ente, serão m en os individualistas e co m p eti­
tivas, m ais capazes de enco n trar a satisfação no trabalh o para o
b em dos outros. A "alien ação " de todas as sociedades anteriores
será vencida, e u m a nova e elevada form a de vida hu m an a em er­
girá. Essa visão, em suas m uitas vertentes, tem seu paralelo na
visão cristã da vinda do reino de Deus, e é, p ortan to, fácil de ver,
porqu e alguns têm caracterizado o m arxism o co m o um a here­
sia cristã.
N A T U R A L I S M O
87

Alguém pod e com facilidade perceber p o r que essa visão de


Marx foi tão atraente para m u itos durante tan to tem po. Marx
tin h a um a com preensão profunda da necessidade hu m ana por
um a com un id ad e genuína e pela realização no trabalho . Ele era
sensível não apenas ao p ro blem a da pobreza, mas à perda da
dignidade que ocorria qu an d o os seres h u m ano s eram vistos
sim plesm ente com o dentes de engrenagem num a gigantesca m á­
qu in a industrial. Ele visualizou um a sociedade na qual as pes­
soas expressariam criativam ente a si m esm as em seu trabalho, e
veriam em seu trabalho um a oportu nidad e de ajudar outros tan ­
to co m o a si m esm os. E de algum a form a não está claro que, em
algum p o n to , as con d ições de m ud ança não reacenderão o in ­
teresse por Marx. Alguns teóricos, por exem plo, m ostram -se preo­
cupados, um a vez que nos Estados U nidos há um a distância
crescente entre um a elite eco n ô m ica e a grande m assa de pes­
soas eco n o m icam en te estagnadas, e que esta desigualdade cres­
cen te pod e fazer que as teorias de M arx sejam m ais um a vez
relevantes.
C on tu d o, existem tam bém questões difíceis que M aix não
responde convincentem ente. U m co n ju n to crucial de questões,
é claro, trata da realidade da vida sob o com u n ism o. C o m o p o ­
deria um a teoria que parece tão com prom etid a com a liberação
hu m anista produzir a desum anização e a opressão do stalinis-
m o? Parte da resposta aqui, sem dúvida, está nas m udanças que
Lênin introduziu no m arxism o. M arx havia predito que o socia­
lism o se desenvolveria nas sociedades eco n o m icam en te m ais
avançadas, com o Inglaterra e Estados U nidos, e ele tinha pouca
esperança de que o socialism o verdadeiro fosse possível num
país atrasado com o a Rússia. Lênin acreditava que, se a socieda­
de fosse rigidam ente con trolad a p o r um Partido C om u nista m o ­
n o lítico , isso com pensaria o retardam ento eco n ô m ico . Assim
m u itos m arxistas ocid entais com prom eteram -se com o "so cia­
lism o d em ocrático", argum entando que o estilo lenin ista de co ­
m u nism o foi um a form a herética do m arxism o, e que as pró­
prias idéias de M arx nunca tiveram a m ín im a chance.
Apesar disso, m esm o se alguém ignorasse a realidade da vida
sob o com u n ism o e os horrores do Gulag, há m u itos aspectos
nos quais as idéias de M arx se m ostram vulneráveis. U m a preo­
O U N I V E R S O AO LADO
88

cupação crucial é sua fé de que a história hu m ana está-se des­


lo can d o em direção a um a sociedade ideal. Tendo aban d o n a­
do qualquer crença religiosa na Providência, assim com o a crença
no espírito absolu to de Hegel fu n dam entand o a H istória, Marx
não tem um a base real para essa expectativa. Ele baseia sua pró­
pria esperança no estudo em pírico da história, particularm ente
em sua análise das forças econ ôm icas. C ontu d o, m uitas das pre­
dições de Marx, tais com o suas declarações de que os trabalha­
dores nos países capitalistas avançados se tornariam m ais e m ais
em pobrecidos, têm acertado longe do alvo. Pode algum cientis­
ta social — m arxista ou não m arxista — predizer com precisão o
futuro?
U m segundo problem a para M arx se refere à nossa m otiva­
ção para o trabalho com vistas à sociedade futura, esp ecialm en­
te quan do reconhecem os que essa sociedade é absolu tam ente
inevitável. Por que eu deveria trabalh ar para um a sociedad e
m elh o r e tentar acabar com a exploração social? Marx rejeita
qualquer valor m oral co m o base para tal m otivação. C o m o na­
turalista, ele via a m oralidade sim plesm ente com o produto da
cultura hum ana. N ão há valores transcendentes que possam ser
usados com o base para avaliar criticam ente a cultura. M esm o
assim , o próprio M arx enchia-se de indignação m oral diante dos
excessos do capitalism o. Q ual é a base de M arx para a con d en a­
ção do capitalism o se tais noções m orais com o "ju stiça" e "leal­
dade" são apenas invenções ideológicas?
D ois problem as graves finais para M arx perm anecem em sua
visão da natureza hu m ana e em sua análise do problem a hu m a­
no fundam ental. Para Marx, os seres hu m anos são fu n d am en­
talm ente autocriativos; criam os a nós m esm os através do nosso
trabalho. Q uando nosso trabalho ou atividade vital é alienado,
som os alienados, e quan do nosso trabalho se torna verdadeira­
m ente h u m ano , som os h u m anos tam bém . Avareza, com p eti­
ção e inveja vêm à to n a devido às divisões sociais e à pobreza;
um a sociedade ideal elim in aria to d o esse m al.
A questão é se a visão de M arx da natureza hum ana e da aná­
lise do problem a h u m an o é suficientem ente profunda. E real­
m ente plausível pensar que o egoísm o e a avareza são som ente
produtos da escassez e da divisão de classe? E realm ente possí­
N A T U R A L I S M O
89

vel to rn ar os seres h u m ano s fun d am entalm ente b o n s apenas


propiciando-lhes o am biente adequado? Q uer nos voltem os para
a sociedade capitalista, quer para as sociedades supostam ente
socialistas, a lição da história seria que os h u m anos são m uito
inventivos em descobrir m aneiras de m anipular qualqu er siste­
m a para seu próprio ben efício egoísta. Talvez o p roblem a com a
natureza hum ana repouse m ais fundo do que Marx pensava. E
esse problem a pode trazer à to n a a questão referente aos seres
hu m anos: Som os seres puram ente m ateriais?
Marx estava seguram ente certo ao realçar o trabalho e os fato­
res eco n ô m ico s com o crucialm ente im portantes no am oldam en-
to da sociedade hum ana; porém , há m ais na vida hu m ana do
que fatores econ ôm icos. C ertam ente m uitos jovens, na m aioria
dos países eco n o m icam en te avançados, lutam por d escobrir sen­
tido e propósito em suas vidas. O m arxism o, com o todas as for­
m as de naturalism o, dem onstra m uita dificuldade em oferecer
esse sentid o e propósito para os seres hum anos.

A PERSISTÊNCIA DO NATURALISMO
D iferentem ente do d eísm o, o natu ralism o tem tido grande p o ­
der de perm anência. N ascido no século xvin, ele cresceu no sé­
culo xix e chegou à m aturidade no século xx. Q u an d o os sinais
da idade estão agora aparecendo e as trom betas do pós-m oder-
nism o proclam am a m orte da razão do Ilu m in ism o , o natura­
lism o se m ostra ainda m uito vivo. Ele d o m in a as universidades,
faculdades, colégios e fornece um referencial para a m aioria dos
estudos científicos. Aparece com o o cenário contra o qual a h u ­
m anid ad e con tin u a a lutar pelo valor hu m ano, à m edida que
escritores, poetas, pintores e artistas em geral estrem ecem sob
suas im p licações.46 Ele é visto com o o grande vilão da vanguar­
da pós-m oderna. Além disso, nenhum a cosm ovisão rival foi ain­
da capaz de derrubá-lo, em bo ra seja justo dizer que o século xx
ofereceu algum as o pções de poder, e o teísm o está experim en­
tand o, de certa form a, o renascim en to em todos os níveis da
sociedade.
O que faz o natu ralism o tão persistente? Há duas respostas
básicas. Prim eiro, ele dá a im pressão de ser h o n esto e objetivo.
O U N I V E R S O AO LADO
90

Alguém é convidado a aceitar apenas o que parece estar basea­


do em fatos e resultados seguros da investigação científica ou
da erudição. Segundo, para um grande nú m ero de pessoas, ele
parece ser coerente. Para elas, as im plicações de suas prem issas
são largam ente desenvolvidas e julgadas aceitáveis. O natura­
lism o não aceita n en h u m deus, n en h u m esp írito, n en h u m a
vida após a m orte. Vê os seres h u m an o s co m o criadores de
valores. E m bora rejeite que som o s o cen tro do universo por
virtude ou p ropósito, ele nos perm ite co lo car a nós m esm os
nesse centro e fazer de nós m esm os e por nós m esm os algum a
coisa de valor. C o m o diz Sim pson: "O h o m em é o anim al m ais
elevado. O fato de que som ente ele é capaz de fazer tal julga­
m en to é, em si m esm o, parte da evidência de que esta decisão
é correta".47 Ele é capaz até de sair-se bem nas im plicações de
n osso lugar especial na natureza, con tro lan d o e alterando, com o
d escobrim os ser possível, nossa própria evolu ção.48
Tudo isso é m uito atraente. Se o naturalism o fosse realm ente
co m o descrito, seria talvez não apenas atraente ou persistente,
mas verdadeiro. Poderíam os, então, con tin u ar perseguindo suas
virtudes e transform ar o argum ento deste livro num tratado dos
nossos tem pos.
Mas, m u ito antes de o século xx term inar, as rachaduras co ­
m eçaram a aparecer no edifício. Os teístas críticos sem pre acha­
ram falhas no naturalism o. Eles nunca pod eriam ab and onar sua
convicção de que um Deus infinito-pessoal está p o r trás do u n i­
verso. Suas críticas poderiam ser desprezadas com o não esclare­
cidas ou sim plesm ente conservadoras, com o se eles estivessem
tem erosos de se lançar em águas desconhecidas da nova verda­
de. Mas havia m uita coisa em m ov im ento além disso. C o m o
verem os em m aiores detalhes no capítulo seguinte e no capítu­
lo nove sobre o pós-m od ernism o, nas próprias trincheiras natu ­
ralistas surgiam m urm úrios de d escontentam ento. O s fatos nos
quais o naturalism o se baseava — a natureza do universo exter­
no, sua con tin uidad e fechada de causa e efeito — não eram o
problem a. O problem a era a coerência. O natu ralism o nos deu
um a razão adequada para considerarm os a nós m esm os valio­
sos? O fato de serm os únicos, talvez. M as os gorilas tam bém o
são. E assim é toda categoria da natureza. Valor foi a prim eira
N A T U R A L I S M O
91

questão preocupante. Poderia alguém surgido do acaso ter dig­


nidade?
Segundo, poderia um ser cujas origens fossem tão "duvido­
sas" con fiar em sua própria capacidade para conhecer? C o lo ­
cand o a questão em term os pessoais: Se m inh a m en te está c o n ­
tígua ao m eu cérebro, se "eu" sou apenas um a m áqu ina pensan­
te, co m o posso con fiar no m eu pensam ento? Se a con sciên cia é
um ep ifen ô m en o da m atéria, talvez a aparência de liberdade
hu m ana que reside na base da m oralidade é um ep ifen ô m en o
do acaso ou da lei inexorável. Talvez o acaso ou a natureza das
coisas apenas ten h am em bu tid o em m im o "sen tim en to " de que
sou livre, m as na verdade não sou.
Essas e outras questões sem elhantes não surgem da cosm ovi-
são exterior do naturalista, m as são inerentes a ela. O tem o r que
essas questões levantaram em algum as m entes condu ziram di­
retam ente ao niilism o, que eu tentei cham ar de cosm ovisão, m as
que, na verdade, é um a negação de todas as cosm ovisões.
MARCO ZERO:

niilismo

Se eu me despojasse deste casaco esfarrapado,


E andasse livremente no infinito céu;
Se eu não achasse nada lá
Mas um vasto azul,
Silencioso, ignorante —
De que teria valido tudo isso?

Stephen Crane
The B la ck R id ers a n d O th e r Lines
[Os C a v a leiro s N e g ro s e O u tra s U n h a s]
If I should cast off this tattered coat,
And go free into the mighy sky;
If I should find nothing there
But a vast blue,
Echoless, ignorant —
What then?

Stephen Crane
The B lack R iders a n d O th er Lines
O n iilism o é m ais um sen tim ento do que um a
filosofia. Para ser m ais preciso, o n iilism o não tem
nada de filosofia. Ele é a negação da filosofia, a ne­
gação da possibilidad e do co n h ecim en to , a nega­
ção de que qualquer coisa tenha valor. Se se der se-
qüência a essa negação absolu ta de tudo, o niilis­
m o nega a realidade da própria existência. Em o u ­
tras palavras, ele é a negação de tudo — co n h eci­
m ento, ética, beleza, realidade. N o niilism o, nenh u ­
m a declaração tem validade; nada tem sentido. Tudo
é gratuito, dispensável, isto é, apenas existe.
Todos aqueles que não foram influenciad os pe­
los sen tim entos de desespero, ansiedade e tédio as­
sociados ao n iilism o têm dificuldade em im aginar
que ele pudesse ser um a "cosm ovisão" seriam ente
considerado. Mas é, e é satisfatório para todos os
que querem entender o século xx e experim entar,
pelo m en os indiretam ente, algum a coisa do n iilis­
m o com o um a postura em relação à existência hu­
m ana.
As galerias de arte m oderna estão repletas de seus
produtos — com o se alguém pudesse falar de algu­
m a coisa, tal co m o o b jeto s de arte vindos do nada e
artistas que, se existem , negam o valor final da sua
existência. C o m o verem os m ais adiante, nenhum a
O U N I V E R S O AO LADO
96

arte é, n o final das con tas, niilista, m as algu ns se esfo rçam em


in co rp o rar m u itas das características do n iilism o . As "F o n tes",
de M arcei D u ch am p , um urin o l co m u m co m p rad o em q u a l­
q u er lo ja, assin ad o c o m seu p se u d ô n im o e classificad o c o m o
"F o n te " co m p õ e um b o m p o n to de partida. As peças m ais c o ­
n h ecid as de Sam u el Beckett, c o m o Fim do logo e Esperando Go-
dot, são e xem p lo s p rincip ais na arte d ram ática. M as a arte n iilis ­
ta de B eckett talvez alcan ce seu clím ax em Suspiro, um a peça de
trin ta e cin co segundos em q u e n ão há n e n h u m ato r ou atriz
h u m an o s. O cen ário co n siste em u m a p ilh a de e n tu lh o n o p al­
co, q u e c o m e ça ilu m in ad o p o r u m a luz tênue, vai gan h an d o
lu m in o sid ad e (m as n u n ca co m p le ta m e n te ) e d ep o is retrocede
para o o fu scam en to . N ão há palavras, ap enas um c h o ro "grava­
d o " ab rin d o a peça, um suspiro in alad o , um suspiro exalad o e
o m e sm o c h o ro "gravad o" en cerran d o a peça. Para Beckett, a
vida é c o m o u m "suspiro".
D ouglas Adam s, em seus ro m an ces c ô m ico s de ficção c ie n tí­
fica, retrata para n ó s a situ ação d aqu eles que b u scam na ciên cia
da co m p u tação um a resposta para o sen tid o da vida hu m an a.
Em seus livros O M ochileiro das Galáxias; O Restaurante do fim do
U)niverso; Vida, Universo e sabe lá 0 que mais; e Até mais, valeu 0
peixe, A dam s n o s co n ta a h istó ria do universo do p o n to de vista
de qu atro v iajan tes d o tem p o que pegam caro n a in d o para trás
e para frente através do te m p o e do esp aço in tergalático, da cri­
ação n o Big B ang à d estru ição final d o u n iv e rso .1 D u ran te o
curso dessa h istó ria, um a raça de seres p a n d im e n sio n a is hipe-
rin telig en tes (cam u n d o n g o s, na verdade) co n stró i um c o m p u ­
tad or gigante (" d o ta m a n h o de um a p eq u en a cid a d e ") para res­
p o n d e r "A Q u estão Final da Vida, do U niverso e de Todas as
C oisas". Esse com putad or, que eles ch am am de P en sam en to P ro­
fu n d o , gasta sete m ilh õ e s e m eio de an o s n o s c á lcu lo s.2

Durante sete milhões e meio de anos, Pensamento Profun­


do computou, calculou e, por fim, anunciou que a resposta era,
na verdade, Quarenta e Dois — e assim, outro computador, bem
maior, tinha de ser construído para descobrir o que significava a
questão atual.
E este computador, que foi chamado Terra, era tão grande,
N I I L I S M O

97

que muitas vezes era confundido com um planeta — especial­


mente pelos estranhos seres parecidos com macacos que peram­
bulavam em sua superfície, totalmente inconscientes de que fa­
ziam parte de um enorme programa de computador.
Tudo isso parecia muito estranho, porque justamente sem
esta peça simples e óbvia de conhecim ento, nada do que sempre
aconteceu na Terra podia possivelmente fazer o menor sentido.
Tristemente, contudo, pouco antes do mom ento crítico da leitu­
ra do resultado, a Terra foi de modo inesperado destruída pelos
Vogons a fim de abrir caminho — assim eles justificavam — para
um novo atalho hiper-espacial, e assim toda esperança de desco­
brir um sentido para a vida foi perdida para sempre.
Ou assim parecia.3

N o final do segundo rom ance, os viajan tes do te m p o d esco ­


brem q u e a "q u estão em si" (A Q u estão Final da Vida, do U n i­
verso e de Todas as C o isas) é "Q u a n to s são seis vezes n o v e?"4
A ssim , eles d esco brem q u e tan to a pergunta q u an to a resposta
são inúteis. N ão apenas 4 2 é u m a resposta sem sen tid o para a
q u estão do p o n to de vista h u m a n o (da perspectiva de p ro p ó sito
e sig n ificad o ), m as tam b ém m atem ática das piores. A m ais racio ­
nal das d iscip linas na universidade foi reduzida ao absurd o.
N o fim do terceiro rom ance, te m o s um a exp licação de p o r
que a pergunta e a resposta n ão se en qu ad ram u m a na outra.
Prak, o p ersonagem que se su p u n h a c o n h e ce r o sen tid o final,
diz: "R eceio ... que a Pergunta e a Resposta sejam m u tu am en te
excludentes. O co n h e cim e n to de um a lo g icam en te exclui o c o ­
n h ec im e n to da outra. É im possível q u e am b as p o ssam até ser
con h ecid as n o m esm o U niverso".5 (O s estu dantes de Física vêem
aqui um jo g o co m o p rin cíp io de incerteza de H eisenberg o nd e
a p o sição e o m o m e n to de u m elétro n p o d em ser con h ecid o s,
m as n ão co m precisão ao m esm o te m p o .)
A ssim , p o d em o s de u m a fo rm a o u de outra co n h e ce r as Res­
postas — c o m o 4 2 — q u e n ão sig n ificam q u alq u er co isa sem as
Perguntas. O u p o d em o s ter as Perguntas (q u e dão d ireção à nossa
busca). M as n ão p o d em o s ter am bas. Isto é, n ão p o d em o s satis­
fazer nossa espera p elo sig nificad o final.
Ler Sam u el Beckett, Franz Kafka, Eugene Ion esco , Jo sep h Fiel-
O U N I V E R S O AO LADO
98

ler, Kurt V onnegu t Jr. e, m ais recentem ente, D ouglas Adam s, é


c o m e ça r a sen tir — se algu ém ain d a n ão se sen tiu assim em
n ossa era d ep rim en te — as dores fortes d o vazio h u m an o , da
vida sem valor, sem p ro p ó sito , sem sen tid o .6
M as c o m o algu ém vai d o n atu ralism o ao n iilism o ? O natu ra­
lism o n ão fo i a leitura ilu m in ad a d os resultados garantid os da
ciên cia e da in q u irição in telectu al aberta? C o m o cosm ov isão,
n ão exige dos seres h u m an o s exclusividade entre as coisas do
co sm o ? N ão apresenta o v alo r e a d ignidad e h u m an a? C o m o
clím ax da criação, os ú n ico s seres au to co n scien tes e au to d eter­
m in ad o s n o universo, h o m en s e m u lh eres são regentes de tud o
— livres para v alorizar o que d esejam , livres até para co n tro la r o
futuro da sua própria ev olu ção. O que m ais algu ém pod eria d e­
sejar?
A m aio ria d os natu ralistas se satisfaz p o r fin alizar seu q u es­
tio n a m e n to nesse p o n to . Eles, na verdade, n ão d esejam ir m u ito
longe. Para eles, não há n e n h u m a rota para o n iilism o .
M as, para um crescente n ú m ero de pessoas, o resultado da
razão n ã o está tão garantido, a natu reza fech a d a do universo é
visível em seu c o n fin a m e n to , a n o ção de m o rte c o m o extin ção é
p sico lo g icam en te pertu rbad ora, n ossa p o sição c o m o o clím ax
da criação é visto ou c o m o um a a lien ação do universo ou c o m o
a u n ião c o m ele de tal fo rm a q u e n ão tem o s m ais v alor do que
um seixo na praia. Na verdade, seixos "vivem " m ais! O q u e tem
servido de p o n te en tre um n atu ralism o que declara os valores
da vida h u m an a e um n atu ralism o que n ão o faz? E xatam ente
c o m o o n iilism o surgiu?
O n iilism o veio a existir não p o rqu e os teístas e o s deístas
deixaram o n atu ralism o de lad o. O n iilism o é o filh o natural do
n atu ralism o .

A PRIMEIRA PONTE.- NECESSIDADE E ACASO


A p rim eira e princip al razão b ásica para o n iilism o é en co n trad a
nas im p licaçõ es lógicas diretas das p ro p o siçõ es p rim o rd iais do
n atu ralism o . O bserve o q u e aco n te ce c o m o c o n ce ito de natu re­
za h u m an a, q u an d o alguém to m a seriam en te a n o ção que (1 ) a
m atéria é tu d o o q u e existe e é eterna e q u e (2 ) o co sm o opera
N I I L I S M O

99

co m u n ifo rm id ad e de causa e efeito nu m sistema fechado. Isso


significa que o ser h u m a n o é u m a parte do sistem a. E m bo ra não
p o ssam en ten d er as im p licaçõ es para a liberd ad e h u m an a, os
natu ralistas co n co rd am , c o m o v im o s na p ro p o sição 3: Os seres
humanos são máquinas complexas, cuja personalidade é uma função
de elevadas e complexas propriedades físico-quím icas ainda não en­
tendidas. N ietzsche, co n tu d o , co ra jo sa m e n te reco n h ece a perda
da d ignidad e h u m ana:

Se alguém fosse onisciente, esse alguém poderia ser capaz de cal­


cular cada ação individual [humana] antecipadamente, cada pas­
so no progresso do conhecim ento, cada erro, cada ato de malí­
cia. Sem dúvida, o homem atuante é surpreendido em sua ilusão
da vontade; se a roda do mundo tivesse de parar, ainda que por
um momento, e a mente calculista onisciente estivesse lá para
levar vantagem da sua interrupção, ela seria capaz de relatar o
futuro longínqüo de cada ser e descrever cada volta que a roda
dará. O delírio do hom em atuante sobre si mesmo, sua suposi­
ção de que o livre-arbítrio existe, também faz parte do mecanis­
mo de cálculo.7

M esm o assim , m u ito s natu ralistas ten tam susten tar a liberd ad e
h u m an a nu m sistem a fech ad o.
O arg u m en to deles prossegue dessa m an eira. T od o evento
n o universo é causado p o r um estad o prévio de atividades, in ­
clu in d o a fo rm ação gen ética, a situ ação am b ien tal de cada pes­
soa e até dos d esejo s e v o ntad es pessoais. M as cada pessoa é
livre para expressar essas v o ntad es e d esejos. Se eu q u ero um
sanduíche e a lanchonete está na próxim a esquina, posso escolher
com er o sanduíche. Se eu quero roubar o sanduíche quando o d ono
da lanchonete não estiver o lhand o, posso fazê-lo. Nada constran­
ge m in h a escolha. M inhas ações são autodeterm inadas.
A ssim os seres h u m an o s, que são o b v iam en te au to co n scien -
tes e ap aren tem en te au to d eterm in ad o s po d em agir sig n ificati­
v am en te e estar seguros da resp o n sab ilid ad e p o r seus atos. Pos­
so ser preso p o r ro u b ar u m san d u ích e e razoav elm ente ser o b ri­
gado a pagar a pena.
M as as coisas são tão sim p les assim ? M uitos p en sam q u e não.
O U N I V E R S O A O L A D O

ÍOO

A q u e stã o da lib e rd ad e h u m a n a é m u ito m ais p ro fu n d a do


q u e esses natu ralistas p ercebem . Sem dúvida, p osso fazer q u al­
qu er coisa que d esejo , m as o q u e d esejo é o resultado de esta­
d os p assad os de atividades sob re as quais, n o fin al das con tas,
n ã o tive n e n h u m co n tro le . N ão p o sso s e le c io n a r liv rem en te
m in h a fo rm ação gen ética p articular ou m eu a m b ie n te fam iliar
o riginal. N o m o m e n to em que perguntei se era livre para agir
livrem ente, fui tão m o ld ad o e n u trido pela natu reza que o p ró ­
prio fato de que a q u estão o correu para m im fo i d eterm inad o.
Isto é, m eu próprio ser estava d eterm inad o p o r forças externas.
Posso real m ente fazer tais perguntas, posso agir segundo m eus
desejos e vontades, e posso parecer para m im m esm o livre, m as
é apenas aparência. N ietzsche está certo: "O delírio do h o m em
atuante sobre si m esm o, sua com p reen são de que o livre-arbí­
trio existe, tam b ém faz parte do m ecanism o de cálculo".8
O pro blem a é que, se o universo é verdadeiram ente fechado,
e n tã o sua ativid ad e s o m e n te p o d e ser g o v ernad a de d en tro .
Q u alq u er força que atue para m u d ar o co sm o , q u alq u er que
seja o nível (m icro có sm ico , hu m an o , m acro có sm ico ), é parte do
cosm o . A ssim deveria haver apenas u m a explicação para a m u­
dança: O estado presente de atividades deve governar o estado
futuro. Em outras palavras, o presente deve causar o futuro, que,
p o r sua vez, deve causar o p róxim o futuro e assim p o r diante.
A o b je ç ã o de que n u m universo e in ste n ia n o de te m p o -re la­
tividade a sim u ltan eid ad e é im possível de d efin ir e de que liga­
ções causais são im possíveis de d em onstrar, está além da qu es­
tão. N ão estam o s falan d o aqui sob re c o m o os eventos estão li­
gados co n ju n tam e n te , apenas q u e eles estão ligados. O s eventos
o co rrem p o rq u e o u tros eventos ocorreram . Toda atividade n o
universo está con ectad a dessa m an eira. Talvez n ão p o ssam o s sa­
b er o que são essas ligações, m as a prem issa d o universo fech a­
do nos leva à co n clu são de q u e elas devem existir.
A lém d isso, h á ev id ência de q u e tais ligações existem , p o is
padrões de eventos são perceptíveis, e alguns eventos p o d em ser
preditos de um p o n to de vista do te m p o na Terra c o m quase
absolu ta precisão. P or exem p lo : exatam en te q u an d o e o n d e o
próxim o eclipse acontecerá. Para to d o eclipse nos p róxim os q u in ­
ze séculos a som bra exata pode ser predita e tracejada n o espaço e
N I I L I S M O
ÍO I

no tem po. A m aioria dos eventos não é previsível, m as a estimativa


é que isso acontece porque as variáveis e todas as suas inter-rela-
ções não são conhecidas. Alguns eventos são m ais previsíveis que
outros, m as nen h u m é incerto. Cada evento deve vir a ser.
N um universo fech ad o , a p o ssib ilid ad e de que algum as c o i­
sas p recisam n ão ser, a p o n to q u e outras são possíveis, não é
possível. P ois a ú n ica m an eira de surgir u m a m u d an ça é um a
fo rça em m o v im e n to q u e cause m u d ança, e a ú n ica m an eira em
que esta força p o d e surgir é se fo r m ovida p o r outra força, ad
infinitum. N ão há qu ebra nessa cadeia, da eternid ad e passada à
eternid ad e futura, para sem pre e sem pre, am ém . Para a pessoa
com u m , o d eterm in ism o não se apresenta c o m o p ro b lem a. G e­
ralm en te p erceb em o s a nós m esm o s c o m o agentes livres. M as
n o ssa p ercepção é u m a ilu são. A penas n ão sab em o s qu al a "cau­
sa" que nos levou a decidir. Alguma coisa o fez, é claro, m as senti­
m os que isso foi nossa livre escolha. Essas percepções de liberdade
— quan do alguém não leva dem asiadam ente em con ta suas im ­
plicações — são o suficiente, pelo m en os segundo alguns.9
N um universo fech ad o, em outras palavras, a liberdade deve
ser u m a determ inante irreconhecível, e, para aqu eles que levam
em co n ta suas im p licaçõ es, isso n ã o chega a ser su ficien te para
perm itir a au to d eterm in ação ou a resp o n sabilid ad e m o ral. As­
sim , se eu assaltei um b a n co , isso seria n o final das co n tas devi­
do às inexoráveis (e m b o ra im percep tíveis) forças q u e d esperta­
ram m in h as d ecisões de tal m an eira q u e n ão p osso m ais c o n si­
derar essas d ecisões c o m o sen d o m in h as. Se essas d ecisões não
são m inh as, n ão p o sso ser con sid erad o responsável. E esse seria
o caso para cada ato de cada pessoa.
U m ser h u m a n o é, assim , m era peça da m aqu in aria, um b rin ­
qu ed o — co m p licad o , m u ito co m p licad o — , m as u m b rin q u e ­
do de forças có sm icas im p esso ais. A a u to co n sciê n cia de um a
pessoa é apenas u m e p ifen ô m e n o ; ela é apenas parte da m aq u i­
naria o lh a n d o para si m esm a. M as a co n sciên cia é ap enas parte
da m aqu in aria; n ão há "eu " fora dessa m aqu in aria. N ão há "ego"
que possa "co lo car-se co n tra" o sistem a e m an ip u lá-lo à sua p ró ­
pria vontade. Essa "v o n tad e" é a v o n tad e do co sm o . N esse q u a­
dro, a p ro p ó sito , tem o s p articu larm en te u m a b o a d escrição dos
seres h u m a n o s c o m o vistos p elo p sicó lo g o co m p o rtam en tal B.
O U N I V E R S O AO LADO
102

F. S k in n e r. P ara m u d a r as p e sso a s, d iz S k in n e r, m u d e seu


a m b ie n te , as c o n tin g ê n c ia s s o b as q u a is e las ag em , as fo rças
q u e a tu a m s o b r e elas. U m a p e s so a deve reag ir da m e sm a fo r ­
m a, p o is seg u n d o a v isã o de S k in n e r, cad a p e sso a é a p e n a s
u m reag en te: "U m a p e sso a n ã o a tu a s o b re o m u n d o , o m u n ­
d o a tu a s o b re e la ".10
O s n iilistas seguem este argum en to, que agora p o d e ser d efi­
n id o brevem ente: O s seres h u m an o s são m áq u in as con scien tes
sem a h ab ilid ad e de co n tro la r seus p róprios d estin o s ou de fazer
algo significativo; portan to , os seres h u m an o s (c o m o seres de
v alor) estão m o rto s. A vida é c o m o um "su sp iro " de Beckett,
n ã o a vida q u e D eus "so p ro u " d en tro da p rim eira p essoa no
Éden (G ên esis 2 :7 ).
M as talvez o curso de nosso argum ento tenha andado m uito
rápido. Esquecem os algum a coisa? Alguns naturalistas com certe­
za diriam que sim . Eles diriam que nos desviam os quando disse­
m os que a única explicação para a m udança é a continuidad e de
causa e efeito. Jacques M onod, por exem plo, atribui toda m udança
básica — certam ente a aparência de algum a coisa genuinam ente
nova — ao acaso. E os naturalistas ad m item que novas coisas vêm
à existência através de incontáveis trilhões: assim é cada passo na
escala evolucionária do hidrogênio, carbono, oxigênio, nitrogênio
e assim por diante, em livre associação para a form ação de com p le­
xos am inoácid os e outros b lo co s básicos n o edifício da vida. A
cada ciclo — e isto foge ao nosso cálculo — o acaso introduz um a
coisa nova. Assim, a necessidade, ou o que M onod cham a de "a
m aquinaria da invariância", assum e o com and o e duplica o pa­
drão de acaso produzido. Vagarosam ente, ao longo das eras do
tem po, através da cooperação do acaso e da necessidade, surgiram
a vida celular, a vida m ulticelular, os reinos anim al e vegetal e os
seres h u m an o s.11 Dessa form a, o acaso é apresentado com o o dis­
parador para o florescim ento da hum anidade.
M as o que é o acaso? O u o acaso é a inexorável ten d ên cia da
realid ad e para aco n tecer c o m o acon tece, m o stran d o ser o acaso
o m o tiv o de n ão c o n h e ce rm o s a razão para o que aco n tece (d a n ­
d o ao acaso o u tro n o m e para nossa igno rância das forças do
d eterm in ism o ), ou isso é ab solu tam en te irracio n al.12 Na prim eira
d efin ição, o acaso é u m d eterm in ism o d esco n h ecid o e de ne-
N I I L I S M O
103
n h u m a m an eira representa a liberd ad e. N a segunda, o acaso não
é u m a exp licação, m as a au sência de e x p lica ç ã o .13 U m evento
ocorre. N en h u m a causa p o d e ser d eterm inad a. É u m evento do
acaso. Tal evento p o d e apenas n ão ter aco n tecid o , c o m o n u n ca
p o d eria ter sid o esp erado acontecer. A ssim , e n q u a n to o acaso
prod uz a ap arên cia de liberdade, ele g eralm en te in tro d u z o a b ­
surdo. O acaso é sem causa, sem p ro p ó sito e sem d ire ç ã o .14 É
um im previsto gratuito — u m a gratuidade en carn ad a n o tem p o
e n o espaço.
M as c o m o diz M o n o d , o acaso in tro d u ziu n o te m p o e n o
esp aço u m em pu rrão n u m a nova direção. U m evento n o acaso é
sem causa, m as ele em si m e sm o é u m a causa e é agora parte
integran te do universo fech ad o . O acaso abre o universo não
para a razão, o sen tid o e o p ro p ó sito , m as para o absurd o. De
repente, não sab em o s o n d e estam os. N ão so m o s m ais u m a flor
no tecid o sem costura do universo, m as u m a verruga o casio n al
na pele m acia do im p essoal.
A ssim , o acaso n ão o ferece ao natu ralista o que é necessário
para a p essoa ser tan to a u to co n scien te q u an to livre. Ele apenas
p erm ite a algu ém ser au to co n scie n te e su je ito a cap rich o. Ação
cap rich osa n ão é u m a expressão livre de u m a p essoa co m cará­
ter. É u m a sim p les gratuidade sem causa. A ção cap rich osa é, p o r
d efin ição, n ão u m a reação à au to d eterm in ação , e ain d a assim
so m o s d eixad os sem u m a base para a m o ra lid a d e .15 Tal ação
sim p lesm en te existe.
R esum ind o: A p rim eira razão pela qual o s natu ralistas se v o l­
tam para o n iilism o é que o n atu ralism o n ão oferece u m a base
sob re a qu al u m a pessoa pod e agir significativam en te. Ao c o n ­
trário, ele nega a p o ssib ilid ad e de um ser au to d eterm in an te que
p o d e esco lh er sob re a base de um caráter au to co n scie n te inato.
S o m o s m áq u in as — d eterm in ad as o u caprichosas. N ão som o s
pessoas c o m au to co n sciê n cia e au to d eterm in ação .

A SEGUNDA PONTE.' A GRANDE NUVEM DO DESCONHECIDO


A p ressu p osição m etafísica de q u e o co sm o é u m sistem a fech a­
do tem im p licaçõ es n ã o apenas para a m etafísica, m as tam b ém
para a ep istem o lo g ia. O arg u m en to se resum e nisto : Se u m a pes-
O U N I V E R S O AO LADO
104

so a é o re su lta d o de fo rças im p e s so a is — q u e r su rg in d o a c i­
d e n ta lm e n te q u e r p o r u m a lei in exo ráv el — , essa p esso a n ã o
te m c o n d iç õ e s d e sa b er se o q u e ela p arece sa b er é ilu sã o ou
verdade. V e ja m o s c o m o isso fu n cio n a .
O n a tu ra lis m o su sten ta q u e a p e rce p ção e o c o n h e c im e n to
são o u id ê n tic o s ao céreb ro , o u u m su b p ro d u to d ele; eles surgi­
ram d o fu n c io n a m e n to da m atéria. S em m atéria fu n c io n a n d o
n ã o haveria n e n h u m p e n s a m e n to . M as a m atéria fu n c io n a p o r
sua p ró p ria n atu reza. N ão h á razão para p en sar q u e a m atéria
te n h a q u a lq u e r in te re sse e m gu iar u m ser c o n sc ie n te à v erd ad ei­
ra p e rce p çã o o u a c o n c lu s õ e s ló g icas (isto é, c o rre tas) basead as
e m o b se rv a çõ e s precisas e p re ssu p o siçõ es v erd ad eiras.16 O s ú n i­
co s seres n o u n iv erso q u e se im portam c o m tais q u e stõ e s são os
h u m a n o s. M as as p esso as e stã o lim ita d a s a seu co rp o . Sua c o n s ­
c iê n c ia surge d e u m a c o m p le x a in te r-re la çã o de u m a m até ria
a lta m e n te "o rd en ad a". M as p o r que, q u a lq u e r q u e seja essa m a té ­
ria, teria c o n s c iê n c ia d e estar de alg u m a fo rm a re la cio n a d a ao
q u e n a v erd ad e é o caso ? E xiste u m te ste para d istin g u ir ilu são
da realid ad e? O s n a tu ra lista s a p o n ta m para o s m é to d o s de in ­
q u iriç ã o cie n tífica , o s testes p ra g m á tico s e assim p o r d ian te. M as
tu d o isso u tiliz a o c é re b ro q u e eles e stão te sta n d o . C ad a teste
p o d e ria m u ito b e m ser u m e x e rcício fú til em p ro lo n g a r ao m á ­
x im o a c o n sis tê n c ia de u m a ilu são .
Para o n a tu ra lism o , n ad a existe fo ra d o siste m a em si m e s ­
m o . N ão h á D eu s — ilu só rio o u n ã o , p e rfe ito o u im p e rfe ito ,
p e sso a l o u im p e sso a l. H á a p en as o c o s m o , e o s h u m a n o s são os
ú n ic o s seres co n sc ie n te s. M as eles sã o o s retard atário s. Eles "su r­
g ira m ", m as h á q u a n to te m p o ? Eles p o d e m c o n fia r e m sua m e n te
e em sua razão?
O p ró p rio C h arles D arw in d isse certa vez: "S e m p re surge a
terrível d úvid a se as c o n v ic çõ e s da m e n te d o h o m e m , q u e se
d esen v o lv eu a p artir da m e n te d os a n im a is in fe rio re s, são de
alg u m v alo r o u de alg u m a m a n e ira co n fiáv e l. P od eria algu ém
c o n fia r n a c o n v ic çã o da m e n te de u m m a ca co , se existirem c o n ­
v ic ç õ e s e m tal m e n te ? " 17 E m o u tras palavras, se m e u céreb ro n ã o
p assa de u m cére b ro ev o lu íd o de m a ca co , n ã o p o sso n e m m e s ­
m o estar c erto d e q u e m in h a p ró p ria te o ria so b re a m in h a o r i­
gem deve ser co n fiáv el.
N I I L I S M O
105

Eis u m caso cu rio so : Se o n a tu ra lista D arw in é v erd ad eiro ,


n ã o h á n e n h u m a m a n e ira de e sta b e le ce r sua c re d ib ilid a d e ; d e i­
x e -o q u e prove isso s o z in h o . A c o n fia n ç a na ló g ica é rejeitad a. A
p ró p ria te o ria de D arw in da o rig em h u m a n a deve, p o rta n to , ser
a ceita p o r u m a to de fé. A lg u ém deve su sten ta r q u e u m céreb ro ,
u m d isp o sitiv o q u e v e io a existir através da se le ç ã o n a tu ra l e
p a tro c in a d o p elas m u ta çõ e s d o acaso , p o d e re a lm e n te conhecer
a h ip ó te se o u o c o n ju n to de h ip ó te se s verdad eiras.
C. S. Lew is o b serv a esse caso d a seg u in te m an eira:

Se tudo o que existe na Natureza, o grande evento de entrelaça­


mento despropositado, se nossas mais profundas convicções são
meramente os subprodutos de um processo irracional, então clara­
mente não há a mínima base para a suposição de que nosso senso
de sincronia e nossa fé conseqüente na uniformidade nos diga coi­
sa alguma sobre a realidade externa para nós mesmos. Nossas con­
vicções são simplesmente um fato sobre nós — com o a cor do nosso
cabelo. Se o naturalismo é verdadeiro, não temos razão para con­
fiar em nossa convicção de que a natureza é uniforme.18

Para tal certeza p re cisa m o s da e x istê n cia de alg u m "E sp írito


R a c io n a l" extern o , ta n to a n ó s m e s m o s q u a n to à n atu reza da
qu al n o ssa ra c io n a lid a d e p o d e ria derivar. O te ís m o a ssu m e essa
b ase; o n a tu ra lism o n ã o .
N ão e sta m o s ap en as e n c a ix o ta d o s p e lo p assad o — n o ssa o r i­
gem n u m a m a té ria in a n im a d a e in c o n sc ie n te — ; e sta m o s ta m ­
b é m p reso s p o r n o ssa situ a çã o p re se n te c o m o p en sad o res. Va­
m o s d izer q u e ap en as c o m p le te i u m a rg u m en to n o nív el d e "T o ­
d os o s h o m e n s são m o rtais; A ristó teles O n assis é u m h o m e m ;
A ristó teles O n assis é m o rtal". Essa é u m a c o n clu s ã o co m p ro v a ­
da. C erto ?
Bem, com o sabem os que ela está certa ? S im p les. O b e d e c i às leis
da ló g ica. Q ue leis? C om o sabem os qu e elas são verdadeiras? Elas
são au to -ev id en tes. A fin al d e co n tas, p o d e ria q u a lq u e r p e n s a ­
m e n to o u c o m u n ic a ç ã o ser p o ssív el sem elas? N ão. E n tão , elas
n ã o são verd ad eiras? N ão necessariam ente.
Q u a lq u e r a rg u m e n to q u e c o n s tr u ím o s im p lic a tais leis —
aq u e la s clássicas de id en tid ad e, n ã o -c o n tra d iç ã o e o m e io exclu -
O U N I V E R S O AO LADO
106

dente. Mas esses fatos não garantem a "veracidade" dessas leis


n o sentido de que qualqu er coisa que p ensam os ou dizem os
que a elas obedeça, necessariam ente se relaciona ao que é assim
no universo objetivo, externo. Além disso, qualqu er argum ento
para conferir a validade de um argum ento é em si m esm o um
argum ento que pode estar errado. Q uan do com eçam o s a p en­
sar assim , não estam os longe de um a regressão infinita; nosso
argum ento persegue seu erro num a descida nos sem pre interm i­
náveis corredores da m ente. O u, m elh o r dizendo, ficam os d eso­
rientados num m ar de infm itudes.
Mas não estam os nos desviando em argum entos contra a pos­
sibilid ade do con h ecim en to ? Aparentamos ser capazes de testar
nosso con h ecim en to de tal m aneira que ele geralm ente nos sa­
tisfaça. Algumas coisas que p ensam os saber p od em ser d em o ns­
tradas com o falsas ou pelo m enos com o altam ente não razoá­
veis; por exem plo, que os m icró bio s são gerados esp on tanea­
m en te da totalid ade inorgânica do lim o. E todos nós sabemos
com o ferver a água, coçar nossos arranhões, reconhecer nossos
am igos e distingui-los dos outros num a m ultidão.
Na prática, ninguém é um niilista epistem ológico convicto.
Todavia, o naturalism o não perm ite a um a pessoa ter nenh um a
razão sólida para a con fian ça na razão hum ana. Term inam os,
assim , num irônico paradoxo. O naturalism o, nascido na Era
do Ilu m inism o, foi lançado sobre um a firm e aceitação da h a b i­
lidade hu m ana para conhecer. Agora os naturalistas descobrem
que eles não podem colo car nenh um a con fian ça em seu co n h e ­
cim en to .
A questão com pleta desse argum ento pode ser resum ida bre­
vem ente: O naturalism o nos colo ca com o seres hu m anos pre­
sos nu m a caixa. Porém , para term os qualqu er con fian ça sobre a
veracidade do nosso con h ecim en to de que estam os num a caixa,
precisam os ficar fora da caixa ou ter algum outro ser fora da
caixa que nos forneça essa inform ação (os teólogos cham am isso
de "revelação"). Mas não há nada ou ninguém fora da caixa para
nos dar a revelação, e não p od em os p o r nós m esm os transcen­
der a caixa. Portanto, n iilism o epistem ológico.
U m naturalista que não consegue perceber isso é com o o h o ­
m em no poem a de Stephen Crane:
N I I L I S M O
107

Vi um homem perseguindo o horizonte;


Voltas e mais voltas e eles nunca se encontravam.
Isso me perturbava;
Interpelei o homem.
"Isto é fútil", eu disse,
"Você nunca conseguirá — "
"Você está enganado", ele gritou,
E continuou.19 *

N o sistem a naturalista, as pessoas perseguem o co n h e cim en ­


to que sem pre se afasta delas. N unca pod em os conhecer.
Uma das piores conseqüências de levar o niilism o epistem oló-
gico a sério é que ele tem feito as pessoas questionarem a própria
facticidade do universo.20 Para alguns, nada é real, nem m esm o
eles próprios. As pessoas que chegam a esse estado estão atoladas
em problem as profundos, pois não podem mais agir com o seres
hum anos. Ou, com o dizem os muitas vezes, elas vegetam.
Geralm ente não reconhecem os essa situação com o niilism o m e­
tafísico ou epistem ológico. Ao contrário, cham am os isso de esqui­
zofrenia, alucinação, fantasia, devaneio ou viver num m undo de
sonhos. Nós "tratam os" a pessoa com o um "caso", e o problema,
com o um a "doença". Não tenho nenhum problem a particular em
reconhecer a facticidade do mundo, pois acredito na realidade de
um m undo externo, um m undo que com partilho com outros no
meu referencial espaço-tempo. Aqueles que não podem reconhe­
cer esse fato estão incapacitados. Mas, enquanto pensam os em tais
situações, prim ariam ente em term os psicológicos, e enquanto en­
viam os essas pessoas a instituições onde alguém as manterá vivas e
outros as ajudarão a retom ar de sua viagem interior e trazê-los de
volta à realidade, percebem os que alguns desses casos esquisitos
podem ser perfeitos exemplos do que acontece quando um a pes­
soa não conhece mais, num sentido com um , a maneira de conhe­
cer. É o estado "apropriado", o resultado lógico do niilism o episte­
mológico. Se eu não posso conhecer, então qualquer percepção ou

( ' ) I saw a man pursuing the horizon; / Round and round they sped. / I was
disturbed at this; / I accosted the man. / "it is futile," I said, / "You can never — " /
"You lie,", he cried, / And ran on.
O U N I V E R S O AO LADO
108

so n h o ou im agem ou fantasia se torna igualm ente real ou ilu­


sório. A vida no m u nd o com u m é baseada em nossa h ab ilid a­
de de fazer distinções. Pergunte ao h o m em que acabou de en­
golir um líqu id o in co lo r que ele julgava ser água, mas que na
verdade era m etanol.
A m aioria de nós nu nca viu "casos" esquisitos. Eles são re­
colh id o s m u ito rapidam ente. M as existem , e ten h o en co n tra­
do algum as pessoas cujas histó rias são assustadoras. M uitos
niilistas epistem ológicos convictos, contud o, se enquadram na
classificação descrita por Robert Farrar Capon, que adm ite não
perder m uito tem po com tais tolices:

O cético nunca é real. Lá ele fica, coquetel numa das mãos, o braço
esquerdo apoiado langüidamente sobre a ponta de uma prateleira,
dizendo a si mesmo que ele não pode ter certeza de nada, nem
mesmo de sua própria existência. Eu lhe darei meu método secreto
de destruir o ceticismo universal em quatro palavras. Sussurro para
ele: "Sua braguilha está aberta". Se ele pensa que o conhecimento é
completamente impossível, por que sempre olha?21

C o m o observam os acim a, há dem asiada evidência de que o


con h ecim en to é possível. O que precisam os é um a m aneira de
explicar por que o possuím os. Isso o naturalism o não pode fa­
zer. Então, aquele que perm anece um naturalista consistente deve
ser um niilista.

A TERCEIRA PONTE." SER E DEVER


M uitos naturalistas — a m aioria, até ond e eu sei — são pessoas
de m uita m oral. Eles não são ladrões, nem possuem a tend ência
à libertinagem . M uitos são m aridos e esposas fiéis. Alguns ficam
escandalizados pela im oralidad e do século xx. O p roblem a não
é que os valores m orais não são reconhecid os, m as que não têm
base. C o n clu in d o a posição alcançada por N ietzsche e M axW e-
ber, Allan B loom adverte: "A razão não pod e estabelecer valores,
e sua crença de que ela pod e fazê-lo é a m ais estúpida e a m ais
perniciosa das ilusões".22
Lem bre-se de que, para u m naturalista, o m undo sim ples-
N I I L I S M O
109

m ente existe. Ele não provê a hu m anid ade com um senso de


obrigatoriedade. Ele apenas existe. A ética, entretanto, está relacio­
nada ao que devem os ser, existam os ou n ão .23 O nde, então, um a
pessoa encontra um a base para a m oralidade? O nd e a obrigatori­
edade é encontrada?
C om o notam os, todas as pessoas têm valores m orais. N ão há
tribos sem tabus. Mas esses valores são sim plesm ente fatos de
natureza social, e os valores específicos variam am plam ente. Na
verdade, m uitos desses valores con flitam uns com os outros. As­
sim , som o s forçados a perguntar: Q uais valores são os valores
verdadeiros, ou os valores m ais elevados?
Os antropologistas culturais, reconhecendo a predom inância
dessa situação, respondem claramente: Os valores morais são rela­
tivos à cultura de um a pessoa. O que a tribo, nação, unidade social
diz que é valioso é valioso. Mas há um a trem enda falha aqui. Essa
é apenas outra maneira de dizer que existir (o fato de um valor
específico) equivale a dever (o que deveria ser assim ). Além do mais,
isso não explica a situação de rebeldes culturais cujos valores m o ­
rais não se coadunam com aqueles de seus vizinhos. O fato de o
rebelde cultural existir, não é considerado dever. Por quê? A resposta
do relativismo cultural é que os valores morais do rebelde não p o ­
dem ser perm itidos se eles desestabilizam a coesão e colocam em
risco a sobrevivência cultural. Então, descobrim os que o que existe
não é dever de maneira alguma. O relativismo cultural tem afirm a­
do um valor — a preservação de um a cultura no seu presente esta­
do — com o mais valioso do que sua destm ição ou transform ação
por um ou mais rebeldes dentro dela. Mais um a vez, som os força­
dos a perguntar por quê.
O relativism o cultural, um a vez descartado, não é para sem ­
pre relativo. Ele repousa sobre um valor prim ário aceito pelos
próprios relativistas culturais: que as culturas devem ser preser­
vadas. Assim, o relativism o cultural não con ta apenas sobre o
que existe, m as sobre o que seus partidários pensam que deve ser
o problem a. A questão, aqui, é que alguns antropologistas não
são relativistas culturais. Alguns julgam que certos valores são
tão im portantes que as culturas que não os reconhecem devem
reconhecê-los.24 Assim, os relativistas culturais devem, se eles
conseguirem convencer seus colegas, provar p o r que seus valo-
O U N I V E R S O AO LADO
HO

res são os valores v erd ad eiro s.25 M ais u m a vez n o s ap ro x im a­


m o s da descida in fin ita p elo corred o r da m en te n o qual perse­
gu im o s n o sso s arg u m en to s.
M as v am o s an alisar nov am en te. D evem os estar certos de que
v em o s o que está im p lícito p elo fato de os valores realm en te va­
riarem am p lam en te. Entre trib o s vizinh as, os valores co n flitam .
U m a trib o p o d e con d u zir "guerras religiosas" para propagar seus
valores. Tais guerras existem. Elas devem existir? Talvez, m as ape­
nas se hou ver realm en te um pad rão n ão relativo p elo qual m e ­
dir os valores em co n flito . M as u m n atu ralista n ão tem n e n h u ­
m a m an eira de d eterm in ar quais valores entre aqueles em exis­
tên cia fo rm am a base que dá sen tid o às v ariações esp ecíficas da
trib o . U m natu ralista p o d e apenas ap o n tar o fato do valor, n u n ­
ca u m pad rão ab solu to .
Essa situ ação não é tão crítica, e n q u an to hou ver esp aço su fi­
cien te sep arand o as pessoas de valores rad icalm en te diferentes.
M as n a co m u n id ad e g lo b al do sécu lo xxi, esse luxo n ão é m ais
possível. S o m o s forçad os a lid ar c o m valores em co n flito , e os
natu ralistas n ão têm n e n h u m pad rão, n e n h u m a m an eira de sa­
b e r q u an d o a paz é m ais im p o rtan te do que preservar ou tro va­
lor. D evem os abrir m ão de n o ssa p ropried ad e para evitar a v io ­
lên cia de um ladrão. M as o que d irem o s aos racistas bran co s
que p o ssu em propried ades alugadas na cidade? Q u ais valores
estão governando suas ações, q u an d o u m a p essoa negra tenta
alugar sua propried ade? Q u e d irem os? C o m o d ecid irem os?
O argum en to pod e m ais um a vez ser resum id o c o m o m e n cio ­
n ad o an terio rm en te: O n atu ralism o n o s c o lo ca c o m o seres h u ­
m an o s em caixas eticam en te relativas. Para c o n h e ce rm o s quais
valores d en tro dessa caixa são valores verdadeiros, p recisam os
de u m a m ed ida im p o sta sob re n ó s do exterior da caixa; precisa­
m o s de um fio de p ru m o m oral p elo qu al p o ssam o s avaliar os
valores m orais con flitan te s que o bservam os em n ó s m esm o s e
n o s outros. M as n ão há nada fora da caixa; não há n e n h u m a
m ed ida m oral, nada final, n en h u m pad rão de v alor im utável.
P ortanto, n iilism o é tic o .26
M as o n iilism o é um sen tim en to , n ão ap enas u m a filo so fia.
E na perspectiva da p ercepção h u m an a, Franz Kafka capta, nu m a
breve p arábo la, o sen tim e n to da vida n u m universo sem u m fio
N I I L I S M O
111

de p ru m o m oral.

Passei a primeira sentinela. Fiquei horrorizado, voltei novamen­


te e disse para a sentinela: "Passei por aqui enquanto você ficou
olhando para o outro lado". A sentinela ignorou minha presença
e não disse nada. "Suponho que eu realmente não deveria ter
feito isso", disse. A sentinela continuou muda. "Seu silêncio in­
dica permissão para passar?"27

Q u an d o as pessoas eram co n scien tes de um D eus c u jo cará­


ter era a lei m oral, q u an d o sua co n sciên cia estava in fo rm ad a p o r
um sen so de ju stiça, a sen tin ela gritaria "A lto !" q u an d o elas u l­
trapassassem a lei. Agora a sen tin ela dessas pessoas está calada.
Ela não serve a n en h u m rei e não protege n en h u m reino. O m uro
é u m fato sem sen tid o. A lguém p o d e escalá-lo, cruzá-lo, arro m ­
b á-lo e n e n h u m a sen tin ela reclam a. Resta n ã o o fato, m as o sen ­
tim e n to de cu lp a.28
N um a seqü ên cia de p esad elo n o film e Morangos Selvagens , de
Ingm ar Bergm an, um velh o p rofessor é d en u n ciad o d ian te de
um trib u n al de ju stiça. Q u an d o ele pergunta do q u e está sen d o
acusado, o ju iz replica: "Você é cu lp ad o de culpa".
"Isso é sério ?" pergunta o professor.
"M u ito sério ", resp o n d e o juiz.
P orém , isto é tud o o q u e é dito sob re o su jeito da culpa. N um
universo o n d e Deus está m o rto , as pessoas não são culpadas de
v io lar um a lei m oral; são apenas culpadas de culpa, e isso é m u i­
to sério, pois nada pod e ser feito a respeito. Se algu ém pecou,
p o d e haver expiação. Se alguém q u eb ro u a lei, o legislad or pode
perd oar o crim in o so . M as se algu ém é apenas cu lp ad o de culpa,
não h á c o m o resolver o p ro b le m a p esso al.29
Essa é a d escrição exata de u m niilista, pois n in g u ém pod e
evitar agir c o m o se os valores m orais existissem e c o m o se h o u ­
vesse alguns trib u n ais de ju stiça q u e legislam a culpa p o r pa­
drões o bjetiv o s. M as n ã o h á n e n h u m tribu n al de ju stiça e não
s o m o s a b a n d o n a d o s em p ecad o , m as em cu lp a. R ealm en te,
m u ito sério.
O U N I V E R S O AO LADO
112

A PERDA DE SIGNIFICADO
O s fios d o n iilism o ep istem o ló g ico , m etafísico e ético se en tre­
laçam para fo rm ar u m a cord a lo n ga e fo rte o su ficien te para
susten tar u m a cultura inteira. O n o m e dessa corda é Perda de
Sig n ificad o. T erm in am o s nu m to tal desespero de n u n ca verm os
a n ó s m esm os, o m u n d o e os o u tros em n e n h u m a fo rm a sig n i­
ficativa. N ada tem sen tid o.
Kurt V onnegut Jr., n u m a paród ia de G ênesis 1, capta este d i­
lem a m o d ern o :

No princípio Deus criou a terra, e olhou sobre ela em Sua


solidão cósmica.
E disse Deus: "Façamos criaturas tiradas do barro, tão bar­
rentas que possam ver o que Nós fizemos". E Deus criou cada ser
vivente que agora se move, e um deles era o homem. Somente
um ser barrento na forma de homem podia falar. Deus inclinou-
se o mais próximo possível do barro homem, olhou à sua volta e
falou. O hom em escutou, piscou e replicou polidamente: "Qual
é o propósito de tudo isto?"
"Tudo deve ter um propósito?", perguntou Deus.
"Sem dúvida", disse o homem.
"Então deixo precisamente você para pensar em tudo isto",
disse Deus. E foi embora.30

Pode parecer, à p rim eira vista, u m a sátira sobre a n o çã o teísta


da o rigem d o universo e d os seres h u m an o s, m as é exatam en te
o con trário . É um a sátira sob re a cosm o v isão naturalista, pois
m o stra n o sso d ilem a h u m a n o . F o m o s jo g ad o s n u m universo
im p essoal. N o m o m e n to em q u e o ser a u to co n scien te e au to d e­
term in ad o aparece em cena, essa pessoa levanta a grande q u es­
tão: Q u al é o sen tid o de tud o isto? Q ual é o p ro p ó sito do co s­
m o? M as a própria pessoa do criad or — as forças im p esso ais da
m atéria ro ch o sa — n ão p ô d e responder. Se é para o co sm o ter
sen tid o, d evem os fab ricá-lo p o r nós m esm os.
C o m o S tep h en C rane expressa n u m p o e m a citad o na ab ertu ­
ra do p rim eiro cap ítu lo, a existên cia das pessoas n ão crio u n o
universo "u m sen tid o de obrigação". M ais precisam en te: existi­
m os. P on to. N osso criador n ão tem senso de valor, n en h u m senso
N I I L I S M O

113

de obrigação . S o m e n te n ó s p ro d u zim o s valores. N ossos valores


têm valor? P or qual padrão? S o m e n te n o sso s pró p rio s padrões.
Q uais padrões? O s de cada pessoa. Cada um de n ó s é rei e b isp o
de seu p ró p rio d o m ín io , m as n o sso d o m ín io é tão m in ú scu lo
c o m o um p o n to . Pois n o m o m e n to em que e n co n tram o s outra
pessoa, estu d am o s o u tro rei o u b isp o . N ão há c o m o arbitrar
entre d ois criadores de valores livres. N ão há rei a q u em deva­
m o s igual o b ed iên cia. Existem valores, m as n ão Valor. A so cie ­
dade é apenas um cach o de m ô n ad as in com u n icáv eis, um a c o ­
leção de p o n to s, n ão u m co rp o org ân ico o b e d e ce n d o a um su­
perior, u m a fo rm a abran gen te que arbitra os valores de seus b ra­
ços, pernas, verrugas e rugas sep aradam ente. A socied ad e n ão é
de fo rm a algu m a u m corp o . É apenas um cach o .
A ssim foi o n atu ralism o levado ao n iilism o . Se to m a rm o s se­
riam en te as im p licaçõ es da m o rte de D eus, do d esap arecim en to
do transcen d en te, do h erm etism o do universo, te rm in a m o s ju s­
tam en te n o n iilism o .
P or que, en tão , a m aio ria d os natu ralistas n ã o é niilista? A
resposta ó bv ia é a m e lh o r delas: a m aio ria d os natu ralistas não
leva seu n atu ralism o a sério. Eles são in con sisten tes. A firm am
um c o n ju n to de valores, têm am igos que afirm am o m esm o c o n ­
ju n to de valores, p arecem saber e não perguntam c o m o sabem o
que sabem , parecem ser capazes de esco lh e r e n ão perguntam a
si m esm o s se sua aparen te liberd ad e é realm en te cap rich o ou
d eterm in ism o . Sócrates disse que u m a vida não exam in ad a não
é digna de ser vivida, m as para um natu ralista Sócrates estava
errado. Para um naturalista, é a vida n ão exam in ad a que é digna
de ser vivida.

T e n s õ e s in t e r n a s n o n iil is m o
O p ro b le m a é que n in g u ém p o d e viver a vida exam in ad a, se
essa an álise levar ao n iilism o , p o is n in g u ém p o d e viver u m a
vida co n sisten te c o m o n iilism o . A cada passo, a cada m o m e n ­
to, o s n iilistas p en sam e ju lg am que seu p e n sa m e n to tem su bs­
tân cia, e assim b arateiam sua p rópria filo so fia. Existem , creio
eu, p elo m e n o s cin co razões pelas qu ais n ão se p o d e viver co m o
u m niilista.
O U N I V E R S O AO LADO
114

A p rim e ira é que, da falta d e sen tid o , n ad a p ro ced e, o u , a n ­


tes, n ad a se deriva. Se o u n iv erso é sem s e n tid o e u m a p esso a
n ã o p o d e co n h ecer, e n ad a é im o ra l, q u a lq u e r cu rso o u ação
e stá a b e rto . A lg u ém p o d e reag ir à falta d e s e n tid o p o r q u a l­
q u e r a to q u e seja, p o is n ad a é m ais o u m e n o s ap ro p riad o . O
su icíd io é u m ato , m as n ã o "p ro c e d e " c o m o m ais a p ro p riad o
d o q u e assistir a u m film e d e W alt D isney.
T o d av ia, s e m p re q u e n o s d is p o m o s a u m cu rs o d e a çã o ,
c o lo c a n d o u m p é n a fren te d o o u tro su cessiv am en te, e sta m o s
a firm a n d o u m o b je tiv o . E stam o s afirm a n d o o v a lo r de u m cu r­
so d e ação , m e s m o se para n in g u é m m ais a lé m d e n ó s m e s ­
m o s. A ssim , n ã o e sta m o s v iv en d o p e lo n iilism o . E stam o s cri­
a n d o v a lo r p o r e sco lh a . D esse tip o de a rg u m en to v em a te n ta ­
tiva de Jean -P au l Sartre de ir a lé m d o n iilis m o para o e x iste n ci­
a lism o , q u e co n sid e ra re m o s n o c a p ítu lo seg u in te .31
A seg u n d a razão é q u e to d a vez q u e o s n iilista s p e n sam q u e
c o n fia m e m seu p e n s a m e n to , eles são in c o n siste n te s, p o is n e ­
gam q u e o p e n s a m e n to te n h a v a lo r o u p o ssa levar ao c o n h e c i­
m e n to . M as, n o c o ra çã o d a q u e le n iilista , a a firm a ç ã o p e rm a n e ­
ce u m a a u to c o n tra d iç ã o . M ão h á sentido no universo, g ritam o s
n iilista s. Isso q u e r d izer q u e sua ú n ic a afirm a ç ã o é sem s e n ti­
d o, p o is se e la q u ise sse sig n ifica r alg u m a co isa ela seria fa lsa .32
O s n iilista s estão , n a verdade, p reso s n u m a caixa. N ão p o d e m
ch eg ar a b s o lu ta m e n te a lugar n e n h u m . Eles s im p le s m e n te exis­
te m ; eles s im p le s m e n te p e n sa m ; e seja o q u e for, n ad a d isso
te m sig n ific a d o . E xceto p ara a q u e le s cu ja s a çõ e s a c a b a m p o r
c o lo c á -lo s e m in stitu iç õ e s p siq u iátricas, a q u e le s q u e "tra ta m o s "
c o m o p a c ie n te s , n in g u é m p a re ce re a lm e n te levar a sério seu
pap el seg u n d o o n iilism o .
A terceira razão , é que, e m b o ra u m lim ita d o tip o de n iilis ­
m o p rático seja p o ssív el p o r u m te m p o , u m lim ite fin a lm e n te
é a lca n ça d o . A c o m é d ia C atch-22 [v ersão b ra sile ira , Ardil 2 2 ]
rep o u sa e x a ta m en te nessa p rem issa. O c a p itã o Y ossarian trava
u m a d iscu ssão te o ló g ic a d e m o lid o ra c o m a e sp o sa d o te n e n te
S ch eissk o p f, q u a n d o D eu s é le m b ra d o para u m a b o a d o se de
co n tro v érsia. Y o ssarian está fa la n d o :

[Deus] não está de forma alguma intervindo. Ele está brincan­


do. E tem mais, Ele esqueceu tudo sobre nós. Esta é a espécie de
N I I L I S M O

115

Deus de que vocês estão falando — um caipira rústico, um desajei­


tado, um ineficaz, um desmiolado, um arrogante, um hom em do
mato.
Bom Deus, quanta reverência você deseja para um Ser Su­
prem o que descobre que é necessário incluir fenôm enos com o
fleuma e queda de dentes em Seu sistema de criação?33

A pós v árias ten tativ as m al-su ced id as su p o rta n d o o s ataq u es


v erb ais de Y o ssariam , a e sp o sa d o te n e n te S c h e is sk o p f v o lta-se
c o m v io lê n cia :

"Pare com isso! Pare com isso !", gritou subitam ente a espo­
sa do tenente Scheisskopf e com eçou a socá-lo inutilm ente com
os dois punhos. "Pare com isso!"...
"Por que diabos você ficou tão aborrecida com isso?", ele
perguntou confusam ente num tom de contrito divertimento.
"Pensei que você não acreditasse em Deus."
"Não acredito", ela gemia, explodindo violantem ante em
lágrimas. "Mas o Deus em quem não acredito é um Deus bom ,
um Deus justo, um Deus m isericordioso. Ele não é o estúpido
Deus que você trouxe à existência."34

A qui está o u tro p arad o x o : A fim d e neg ar a D eus, alg u ém


deve ter u m D eu s para negar. A fim de ser u m n iilista prático,
deve haver alg u m a co isa c o n tra a qu al batalh ar. U m n iilista p rá­
tico é u m p arasita e m sig n ificad o . Ele fica sem en erg ia q u a n d o
n ã o há n ad a p ara negar. O c ín ic o está fo ra d o d e b a te q u a n d o ele
é o ú ltim o q u e sob ra.
A qu arta razão é q u e o n iilis m o sig n ifica a m o rte da arte. A qui
ta m b é m e n c o n tra m o s u m p arad o xo , p o is m u ito da arte m o d e r­
n a — literatu ra, p in tu ra, teatro , c in e m a — te m n o n iilis m o seu
âm ag o id e o ló g ico . E m u ito d essa literatu ra é e x ce le n te p e lo s c â ­
n o n e s tra d ic io n a is da arte. Fim do Jogo, d e S a m u el B eckett, Luz d e
Inverno, de In g m a r B ergm an , O Julgam ento, de Fran z Kafka e v á­
rias cab eças d e papas de Francis B a co n sa lta m im e d ia ta m e n te à
m en te. A c o n fu s ã o se resu m e n isto : até o p o n to e m q u e essas
o b ra s de arte a p re se n ta m a im p lica ç ã o h u m a n a de u m a c o s m o -
v isão n iilista , elas n ã o são n iilista s; até o p o n to em q u e elas em
O U N I V E R S O AO LADO
116

si m esm as são sem sentido, não são obras de arte.


A arte não é nad a se n ão fo rm al, isto é, d o tad a de estru tu ­
ra p e lo artista. M as a estrutura em si im p lica sig n ificad o . As­
sim até o p o n to em q u e u m a o b ra de arte tem estrutura, ela
tem significado e assim não é niilista. Até m esm o o Suspiro de
Beckett tem estrutura. O ferro-velho no quintal, o lixo em um a
pilha de entu lho, um m o n te de pedras que acabaram de exp lo ­
dir de um a pedreira não têm n enh u m a estrutura. Não são arte.
Alguma arte con tem p o rân ea tenta ser antiarte sendo aleató ­
ria. A m aio r parte da m úsica de Jo h n Cage é baseada no com p le­
to acaso, sem nenh u m m étod o. Mas isso é tanto estúpido q u an ­
to desagradável, e m u ito poucas pessoas podem ouvi-lo. Isso
não é arte. Há, tam bém , o "Artista Fam in to" de Kafka, um a bri­
lhante em bora d olorosa história sobre um artista que tenta fa­
zer arte a partir da abstinência do pú blico, isto é, a partir do
nada. M as ninguém o lha para ele; tod os passam p o r sua m ostra
no circo para ver um jovem leopardo m archando em sua jaula.
Até a "natureza" do leopardo é m ais interessante do que a "arte"
do niilista. O Suspiro tam bém , p o r m ín im o que seja, está estru­
turado e significa algum a coisa. M esm o se significasse apenas
que os seres h u m anos não têm sentido, ele participa do parado­
xo que exam in am os acim a. Em resum o, a arte im plica significa­
do e é, no final das contas, não niilista, apesar da irônica tenta­
tiva de os niilistas m ostrarem suas m ercadorias por m eio dela.
A quinta e final razão é que o niilism o propõe graves problemas
psicológicos para o niilista. As pessoas não podem viver com o
niilism o, porque ele nega aquilo por que cada fibra do seu ser des­
perto clam a — por sentido, valor, significado, dignidade, im por­
tância. "Nietzsche", escreve Bloom , "substituiu a indolência ou o
ateísm o auto-satisfeito pelo ateísm o agonizado, sofrendo suas con-
seqüências humanas. Desejar crer, junto com a recusa intransigen­
te de satisfazer aquele desejo, é, segundo ele, a profunda resposta à
nossa com pleta condição espiritual".35
N ietzsche term inou seus dias num asilo. H em ingw ay d efen­
deu um "estilo de vida" e, no final, com eteu suicídio. Beckett
escreveu com édias de hu m or negro. Vonnegut e Douglas Adams
desvairaram em esquisitices. E Kafka — talvez o m aio r artista de
todos eles — teve um a vida de tédio quase im possível, escreven-
N I I L I S M O
117

do rom ances e histórias que term inavam num p rolongado c h o ­


ro: "D eus está m o rto ! Deus está m orto! Não está? Q uero dizer,
sem dúvida ele está, não está? Deus está m orto. O h, com o eu
queria, com o eu queria, com o eu queria que ele não estivesse".
É assim que o n iilism o se apresenta para as pessoas m od er­
nas. N inguém que não tenha sondad o o desespero dos niilistas,
escutado suas conversas pacientem ente, sentido co m o eles sen­
tem — m esm o que apenas de form a indireta através de sua arte
— pode entender o século xx. N iilism o é aquela terra profunda
e enevoada através da qual nós, pessoas m odernas, devem os pas­
sar, se querem os construir um a vida na cultura ocid ental. Não
há respostas fáceis para as nossas questões, e n enh u m a dessas
respostas é digna de coisa algum a, a m en os que considere seria­
m ente os problem as levantados pela p ossibilidad e de que nada
de real valor exista.
'


6
ALÉM DO NIILISMO:

existencialismo

Toda coisa existente nasce sem nenhum sentido.


Apesar da fragilidade, prolonga sua existência
e morre por acaso.
Reclinei-me e fechei meus olhos.
As imagens, pressentidas, imediatamente saltaram
e encheram meus olhos fechados com existências:
existência é a plenitude na qual o homem nunca pode
abandonar... Eu sabia que isso era o Mundo,
o Mundo nu subitamente revelando-se a si mesmo,
e eu num acesso de raiva diante deste
estúpido e absurdo ser.

Jean-Paul Sartre
Náusea
N u m e n sa io p u b lica d o e m 1 9 5 0 , A lb ert C am u s
escreveu: "A literatu ra d o d esesp ero é u m a c o n tra ­
d içã o e m te rm o s. ... N as m ais p ro fu n d as trevas d o
n o s so n iilis m o , eu ap e n a s suspirava o s m e io s de
tra n s c e n d ê -lo ".1 A qui, a essê n cia d o m ais im p o r­
ta n te o b je tiv o d o e x iste n cia lis m o está resu m id a em
u m a frase — transcender o niilismo. N a verdade, to d a
c o sm o v isã o rep resentativa surgida d esd e a virada d o
s é c u lo xx te m tid o essa a s p ira çã o c o m o o b je tiv o
m aio r. Para o n iilism o , v ir c o m o v eio , d ireta m e n te
de u m a co sm o v isã o cu ltu ra lm e n te p en etran te, é o
p ro b le m a da n o ssa era. U m a c o sm o v isã o q u e ig n o ­
re esse fato te m p o u ca c h a n c e de prov ar-se relev an ­
te ao p e n s a m e n to m o d e rn o . O e x iste n cia lism o , es­
p e c ia lm e n te n a sua fo rm a secular, n ã o s o m e n te leva
a sério o n iilism o , m as é u m a resp o sta a essa c o s ­
m o v isão .
D esd e o p rin c íp io , é im p o rta n te re c o n h e c e r q u e
o e x iste n cia lis m o assu m e d uas fo rm a s b ásicas, d e­
p e n d e n d o da sua re la çã o c o m as co sm o v isõ e s a n te ­
riores, p o rq u e e le n ã o é u m a c o sm o v isã o c o m p le ­
ta m e n te d esen v o lv id a. O a te ísm o e x iste n cia lista é
u m p arasita d o n a tu ra lism o ; o te ís m o e x iste n cia lis­
ta é u m p arasita d o te ís m o .2
H isto rica m e n te , te m o s u m a situ a çã o estran h a.
O U N I V E R S O AO LADO
122

Por um lado, o existencialism o ateu foi desenvolvido para re­


solver o problem a do natu ralism o que, p o r sua vez, conduziu
ao niilism o, m as ele não aparece em sua plenitude até sua co n ­
solidação no século xx, ao m en os que consid erem os um tem a
superior em Nietzsche, que rapidam ente tornou -se d istorcid o.3
Por outro lado, o existencialism o teísta nasceu na m etade do
sécu lo xix, qu an d o Kierkegaard reagiu à orto d oxia m orta do
lu teranism o dinam arquês. Todavia, so m en te após a Prim eira
Guerra M undial é que um a dessas form as de existencialism o se
to m o u culturalm ente significativa, pois só então o n iilism o fi­
n alm en te cativou o m u nd o intelectual e com eço u a influenciar
a vida e as atitudes de ho m en s e m ulheres com u n s.4
A Prim eira Guerra M undial não torn o u o m u nd o seguro para
um a dem ocracia. A geração das m elind rosas e das bebid as ile­
gais, a ram pante violação de um a absurda lei seca, o quixotesco
m ercado de valores que tanto p rom etia — esses acon tecim en ­
tos antecederam a Grande Seca da década de 3 0 nos Estados
U nidos. C om a ascensão do N acional So cialism o na A lem anha
e sua incrível caricatura de dignidade hu m ana, estudantes e in­
telectuais de to d o o m u nd o estavam dispostos a con clu ir que a
vida é um absurdo e que os seres h u m ano s não tin h am sentido.
N o so lo dessa frustração e d esco n ten tam en to cultural, o exis­
ten cialism o, na sua form a ateísta, aprofu nd ou suas raízes cultu­
rais, florescend o para um a significativa cosm ovisão por volta
da década de 50, que agora p od em os ver com p letam en te desa­
brochad a.
Até certo p onto, todas as cosm ovisões têm suas variações su­
tis. O existencialism o não é um a exceção. A lbert Cam us e Jean-
Paul Sartre, am bo s existencialistas e outrora am igos, tiveram de­
sacordos sobre im portantes diferenças, e m esm o o existencialis­
m o de Heidegger é com p letam ente diferente do de Sartre. Mas,
com o em outras cosm ovisões, focalizarem os nas principais ca­
racterísticas e tendências gerais. A linguagem da m aioria das pro­
posições listadas a seguir provém igualm ente de Sartre ou Ca­
mus. Essa abordagem é com p letam ente intencional, porque essa
é a form a na qual o existen cialism o tem sido, em sua m aio r
parte, digerido pelos intelectuais de hoje, e são Sartre e Cam us
que, através de suas obras literárias, m u ito m ais do que seus
E X I S T E N C I A L I S M O
123

tratad os filo só fico s, aind a p ro jetam en o rm e influ ência. Para


m uitas pessoas m odernas, várias das proposições do existencia­
lism o parecem tão óbvias que elas "n ão sabem o que estão acei­
tand o porque nenh u m outro cam in h o que lhes dê referência
lhes ocorreu".8

E x is t e n c ia l is m o a t e Ista b á s ic o
O existencialism o ateísta com eça por aceitar todas as p roposi­
ções do natu ralism o que se seguem : A matéria existe etem am ente;
Deus não existe. O cosmo existe como uma uniformidade de causa e
efeito num sistema fechado. A história é uma corrente linear de even­
tos ligados por causa e efeito, mas sem uma proposta abrangente. A
ética está relacionada apenas aos seres humanos. Em outras pala­
vras, o existencialism o ateísta professa todas as proposições do
naturalism o exceto aquelas relacionadas à natureza hu m ana e a
nosso relacionam en to com o cosm o. Realm ente, o m aio r inte­
resse do existencialism o está em nossa hu m anid ade e em com o
pod em os ser significativos num m u nd o insignificante.

1. O cosmo é constituído somente de matéria, mas para os seres huma­


nos a realidade se apresenta em duas formas — subjetiva e objetiva.
O m undo, com o ele é visto, existiu m uito antes de os seres
hu m anos entrarem em cena. Ele é estruturado ou caótico, deter­
m inad o por leis inexoráveis ou sujeito ao acaso. Q ualquer coisa
que ele seja não faz a m ín im a diferença. O m u nd o sim p lesm en­
te existe.
Entretanto, algo novo aconteceu, os seres conscientes — aque­
les que distinguem ele e ela do isto, aqueles que parecem deter­
m inad os a determ inar seu próprio destino, a levantar questões,
ponderar, maravilhar-se, buscar sentido, atribuir ao m u nd o ex­
terno seus valores especiais, criar deuses. Em resum o, os seres
hu m anos surgiram. Agora tem os — ninguém sabe por que ra­
zão — duas espécies de seres no universo, aquele que aparente­
m ente expulsou o outro para fora de si m esm o lançando-o num a
existência separada.
A prim eira espécie de ser é o m u nd o o bjetiv o — o m und o da
m atéria, da lei inexorável, de causa e efeito, do tem po cro n o ló ­
O U N I V E R S O AO LADO
124

gico, do fluxo, do m ecanism o. A m aqu inaria do universo, dos


elétrons giratórios, das galáxias espiraladas, dos corpos que caem ,
dos gases que sobem e das águas que fluem — cada um cu m ­
prindo sua função, para sem pre inconscientes, para sem pre ape­
nas existindo, ond e estão e quan do estão. Aqui, diz o existencia­
lista, a ciência e a lógica m ostram sua utilidade. As pessoas co ­
nh ecem o m u nd o externo, objetivo, pela virtude da observação
cuidadosa, registrando, construind o e checando hipóteses pelo
experim ento, sem pre apurando as teorias e provando as h ip ó te­
ses sobre a situação do cosm o ond e vivemos.
A segunda espécie de ser é o m und o subjetivo — o m u nd o da
mente, da con sciên cia, da percepção, da liberdade, da estabili­
dade. Aqui a m ais íntim a percepção da m ente é a con sciên cia
presente, um con stan te agora. O tem p o não tem sentido, pois o
sujeito está sem pre no presente, nunca no passado, nunca no
futuro. A ciência e a lógica não penetram nesse d o m ín io; elas
não têm nada para dizer sobre a subjetividade. Subjetividade é a
apreensão do eu pelo não-eu: a subjetividade faz desse não-eu
parte de si m esm o. O sujeito assim ila con h ecim en to não com o
um a garrafa deixa-se encher de líquid o, m as com o um organis­
m o assim ila o alim ento. O con h ecim en to se transform a no co ­
nhecedor.
O naturalism o tem enfatizado a unidade dos dois m undos
vendo o m u nd o o bjetiv o com o real e o subjetivo com o sua so m ­
bra. "O cérebro secreta p en sam en to ", disse Cabanis, "co m o o
fígado secreta b ílis." O real é o o bjetivo. Sartre diz: "O resultado
de todo o m aterialism o é tratar todos os hom ens, incluindo aque­
les que filosofam , com o o bjeto s, isto é, com o um co n ju n to de
reações determ inadas, de form a algum a distintas daquele c o n ­
ju n to de qualidades e fen ô m en os que con stituem um a m esa ou
um a cadeira ou um a pedra".6 Por essa via, com o vim os, avança
o niilism o. O s existencialistas tom aram outro cam inho.
O existencialism o enfatiza a desunião de dois m undos e opta
fortem ente em favor do m u nd o subjetivo, que Sartre cham a de
"um co n ju n to de valores distintos do d o m ín io m aterial".7 Pois
as pessoas são os seres subjetivos. A m en os que existam seres
extraterrestres, um a p ossibilidad e que a m aioria dos existencia­
listas nem m esm o considera, som o s os ú n icos seres no universo
E X I S T E N C I A L I S M O
125

que têm autoconsciência e autod eterm inação. A razão pela qual


nos tornam os dessa m aneira é um passado de descobertas. Mas
percebem os a nós m esm os com o sendo au toconscientes e au to ­
determ inados, e assim vivem os dessas dádivas.
A ciência e a lógica não penetram nossa subjetividade, mas
isso não tem im portância, porque valor e significado não estão
atrelados à ciência e à lógica. Podemos ter sentido; podemos ser valio­
sos, ou m elhor, podemos ter sentid o e valor. N ossa significância
não diz respeito aos fatos do m u nd o objetivo sobre os quais
não tem os controle, m as à con sciên cia do m und o subjetivo so ­
bre o qual tem os com p leto controle.

2. Para os seres humanos, somente a existência precede a essência; as


pessoas fazem de si mesmas 0 que elas são.
Essa sentença provém de Sartre, e é a m ais fam osa definição
do âm ago do existencialism o. C o lo can d o -a nas palavras de Sar­
tre: "Se Deus não existe, existe pelo m en os um ser no qual a
existência precede a essência, um ser que existe antes que possa
ser definido por qualqu er con ceito, e... esse ser é o hom em ".
Sartre continua: "Antes de tudo, o h o m em existe, cresce, aparece
em cena e, som ente depois, define-se a si m esm o".8
Observe novam ente a distinção entre o m undo objetivo e o sub­
jetivo. O m undo objetivo é um m undo de essência. Tudo surge
trazendo sua natureza. Sal é sal; árvores são árvores; formigas são
formigas. Som ente os seres hum anos não são hum anos antes que
façam a si m esm os hum anos. Cada um de nós faz a si m esm o um
hum ano por aquilo que fazemos com nossa autoconsciência e nossa
autodeterminação. Voltando a Sartre: "N o início, ele [o hom em ]
não é nada. Som ente depois ele será alguma coisa, e ele m esm o
terá feito o que ele será".9 O m undo subjetivo é com pletam ente
subserviente de todo ser subjetivo, isto é, de toda pessoa.
C o m o isso fun ciona na prática? D igam os que João, um sol­
dado, tem a ser um covarde. Ele é um covarde? Apenas se agir
com o um covarde, e suas ações ocorrerão não a partir da nature­
za definida anteriorm ente, m as a partir das escolhas que ele fi­
zer quando as balas com eçarem a voar. Podem os cham ar João
de covarde se, e apenas se, ele realizar ações covardes, e essas
serão ações que ele escolheu para fazer. Assim, se Jo ão tem e m as
O U N I V E R S O AO LADO
1 26

n ã o q u e r ser u m covarde, d eix e-o p raticar ato s d e bravura q u a n ­


d o ele fo r c o n v o c a d o p ara is s o .10

3. C ada pessoa é totalmente livre com respeito à sua natureza e destino.


D a p ro p o s içã o 2 seg u e-se q u e cad a p e sso a é to ta lm e n te livre.
C ad a u m d e n ó s n ã o é o b rig a d o , m as ra d ica lm e n te cap a z para
fazer q u a lq u e r co isa im ag in áv e l c o m n o ssa su b je tiv id a d e . P o ­
d e m o s pensar, ter v o n tad e, im ag in ar, so n h ar, p ro je ta r v isõ es,
co n sid erar, p o n d erar, in v en tar. C ad a u m d e n ó s é rei d o seu
p ró p rio m u n d o su b je tiv o .
E n c o n tra m o s essa co m p re e n s ã o da lib e rd ad e h u m a n a n a d e­
fesa ex iste n cial q u e Jo h n P latt faz d o b e h a v io ris m o c o m p o rta -
m e n ta l de B. F. S k in n er:

O m undo objetivo, o m undo de experim entos isolados e co n ­


trolados, é o m undo da Física; o m undo subjetivo, o m undo do
conhecim ento, valores, decisões e atos — dos propósitos que
esses experim entos estão, na verdade, designados para servir —
é o m undo da cibernética, do nosso próprio com portam ento
orientado a um objetivo. D eterm inism o ou indeterm inism o
perm anecem daquele lado da margem, enquanto a idéia usual
de "livre-arbítrio" perm anece deste lado da margem. Eles per­
tencem a universos diferentes, e nenhum a declaração sobre um
tem qualquer influência sobre o ou tro.11

A ssim , so m o s livres in te rio rm e n te . E dessa fo rm a, p o d e m o s


criar n o sso s p ró p rio s v alo res p ela afirm a ç ã o d o n o s so m érito .
N ão e sta m o s d estin a d o s p e lo m u n d o o b je tiv o d e reló g io s m e ­
c â n ico s, q u ed as d 'águ a e e lé tro n s g irató rio s. O v a lo r é in te rio r e
in te rio r é cad a p esso a e m si.

4. Extrem am ente im placável e herm ético, 0 m undo objetivo organi­


zad o perm an ece contra os seres hum anos e parece absurdo.
O m u n d o o b jetiv o con sid erad o em si m e sm o é c o m o o natu ra­
lista disse — u m m u n d o de o rd em e lei, talvez in iciad o den tro de
u m a nova estrutura p elo acaso. Esse é o m u n d o de existencialidades.
Para nó s, c o n tu d o , a facticid ad e, a d ura e fria e x istê n cia do
m u n d o , ap arece c o m o a lie n a d a . E n q u a n to n o s fo rm a m o s a nó s
E X I S T E N C I A L I S M O
127

m e s m o s através d o m o d e la m e n to da n o ssa su b jetiv id ad e, v e­


m o s o m u n d o o b je tiv o c o m o ab su rd o . Ele n ã o se e n q u a d ra e m
n ó s. N o sso s s o n h o s e v isõ es, n o s so s d ese jo s, to d o o n o s so m u n ­
d o in te rio r de v alo res é c o n fro n ta d o c o m o u n iv erso q u e é im ­
p en etráv el ao s n o s so s d ese jo s. Im a g in e se to d o o d ia v o cê p u ­
desse e scalar u m e d ifício de d ez an d ares e d ep o is flu tu a r c o m
seg u ran ça até o ch ã o . T en te fazer isso.
O m u n d o o b je tiv o é o rd e n a d o ; o s co rp o s c a em se n ã o tive­
rem a p o io . O m u n d o s u b je tiv o n ã o c o n h e c e n e n h u m a o rd em .
O q u e é p re se n te para ele, o q u e está aq u i e agora, é.
E n tão , s o m o s to d o s e stran g eiro s n u m a terra estran h a. E q u a n ­
to m ais ced o a p re n d e rm o s a aceita r isso, m ais ced o tra n sc e n d e ­
re m o s n o ssa a lie n a ç ã o e v e n ce rem o s o d esesp ero .
O fato m ais desagradável para transcen d er é o absurd o final —
a m orte. S o m o s livres e n q u a n to p erm an ecerm o s sujeitos. Q u an d o
m orrem os, cada u m de n ó s é apenas u m o b je to entre outros o b je ­
tos. Assim , diz Cam us, d evem os sem pre viver d ian te d o absurdo.
N ão devem os esqu ecer n ossa ten d ên cia à n ão-existên cia, m as so ­
breviver à ten são entre o a m o r à vida e a certeza da m orte.

5. N o reconhecim ento pleno do e contra 0 absurdo do mundo objeti­


vo, a pessoa autêntica deve revoltar-se e criar valores.
Eis c o m o u m e x iste n cia lista vai a lé m d o n iilism o . N ada tem
v a lo r n o m u n d o o b je tiv o n o q u a l n o s to rn a m o s co n sc ien te s,
m as e n q u a n to s o m o s c o n sc ie n te s c ria m o s v alores. A p esso a q u e
vive u m a e x istê n cia a u tê n tic a é a q u e la q u e se m a n té m sem p re
c o n s c ie n te d o ab su rd o d o c o s m o , m as se re b e la c o n tra esse a b ­
su rd o e cria sig n ifica d o .
"O h o m e m d o s u b m u n d o " de D o sto ié v sk i é u m p arad igm a
a p a re n te m e n te razo áv el d o re b e ld e sem cau sa. N a h istó ria , o
h o m e m d o su b m u n d o é q u e s tio n a d o :

Dois e dois para form ar quatro. A Natureza não pede o seu con­
selho. Ela não está interessada em suas preferências ou se você
aprova ou não suas leis. Você deve aceitar a natureza com o ela é,
com todas as conseqüências que isso im plica. Assim um a pare­
de é um a parede etc., etc.
O U N I V E R S O AO LADO
128

As paredes referidas aqui são as "leis da natureza", "as c o n ­


clusões das ciências naturais, da m atem ática". Mas o h o m em do
subm u nd o é sem elh ante ao que ele questiona:

Mas, Bom Senhor, por que tenho de me afligir com as leis da natu­
reza e da aritmética, se tenho minhas razões para desprezá-las, in­
cluindo aquela sobre dois e dois formam quatro! É claro, não serei
capaz de quebrar esta parede com minha cabeça, se não tiver a for­
ça suficiente. Mas não tenho de aceitar uma parede de pedra só
porque ela existe e não tenho força para quebrá-la.12

Send o assim , é insuficiente o p o r o m u nd o objetiv o contra o


subjetivo e apontar para sua arm a final, a m orte. A pessoa que
quer ser autêntica não é im pressionada. Ser um dente da engre­
nagem da m aqu inaria cósm ica é m u ito p io r do que a morte.
C o m o diz o h o m em do subm u nd o: "O sentido da vida de um
h o m em con siste em provar a si m esm o, a cada m inu to, que ele
é um h o m em e não um a tecla de p iano ".13
A ética, isto é, um sistem a de com preensão do que é bom ,
está sim plesm ente resolvida para um existencialista. A bo a ação
é a ação con scien tem ente escolhida. Sartre escreve: "Escolher ser
isto ou aquilo é ao m esm o tem po afirm ar o valor d aquilo que
escolhem os, porque nunca escolhem os o m al. Sem pre esco lh e­
m os o b em ".14 Assim, o bem é qualqu er coisa que a pessoa esco­
lhe; o bem é parte da subjetividade; não é m edido por um pa­
drão externo à d im ensão do indivíduo hu m ano.
O pro blem a com essa posição é dúbio: prim eiro, a su bjetivi­
dade leva ao solipsism o, a afirm ação de que cada pessoa em si é
a d eterm inante dos valores, e que existem assim tantos centros
de valores qu an to existam pessoas no cosm o a qualqu er tem po
singular. Sartre reconhece essa o b je ção e reage insistin do que,
no en co n tro de outras pessoas, cada um a delas encontra um
centro reconhecível de su bjetivid ade.15 Assim, vem os que o u ­
tros co m o nós estão envolvidos, e nossas ações afetam cada um
de tal m aneira que "nad a pod e ser b o m para nós sem ser b o m
para to d o s".16 Além disso, com o ajo e penso e executo m in h a
subjetividade, estou com p ro m etid o num a atividade social: "Es­
tou criando certa im agem do h o m em de m in h a própria esco-
E X I S T E N C I A L I S M O
129

lha. Escolh en do a m im m esm o, esco lh o o h o m em ".17 Segundo


Sartre, portan to, pessoas vivendo vidas autênticas criam valores
não apenas para si m esm as, m as para os outros tam bém .
Sartre não discute a segunda o b jeção , e isso parece m ais re­
velador. Se, co m o Sartre diz, criam os valores pelo sim ples ato
de escolhê-los e dessa form a "nun ca pod em os escolher o m al",
tem algum sentid o fazer o bem ? A prim eira resposta é sim , pois
o m al é um a "não-escolh a". Em outras palavras, o m al é passivi­
dade, viver através da direção dos outros, ser carregado por al­
guém na sociedade, não reconhecer o absurdo do universo, isto
é, não m anter o absurdo vivo. Se o bem está na escolha, então
escolha. Sartre certa vez acon selhou um jovem que procurou
seu con selho: "Você é livre, escolha, isto é, invente".18
Essa d efinição satisfaz nossa sen sibilid ade m oral hum ana?
O bem é sim plesm ente qualqu er ação p assionalm ente esco lh i­
da? A m aioria de nós pod e pensar em ações aparentem ente es­
colhid as com os o lh o s abertos que se revelaram fatal m ente er­
radas. Em que estado de espírito os russos m assacraram e exe­
cutaram os judeus? E os b o m bard eio s nas vilas vietnam itas, ou
a explosão do Federal Building na cidade de O klahom a, ou os
alvos do U nabom ber? O próprio Sartre tem abraçado causas
m orais cu jos fun d am entos m u itos m oralistas trad icionais acei­
tam . Mas nem todos os existencialistas têm atuado com o Sartre,
e o sistem a parece deixar aberta a possibilid ad e para o U na­
b o m b e r reivindicar im u nid ad e ética para seus assassinatos.
Transferir o lugar da m oralidad e para cada subjetividade in ­
dividual leva à incapacidade de distinguir um ato m oral de um
im oral sob fun dam entos que satisfaçam n osso senso inato de
justiça, um senso que m e diz que os outros têm os m esm os
direitos que eu ten h o . M inha escolha pod e não ser a escolha
desejada pelos outros, em bo ra em m in h a escolha eu possa es­
colh er pelos outros, com o diz Sartre. Algum padrão externo para
o "su je ito " envolvido é necessário para m old ar verdad eiram en­
te as próprias ações e relacio n am en to s entre "sujeitos".
Todavia, antes de aband onarm os o existencialism o sob a acu­
sação de solipsism o e de um relativism o que falha em oferecer
um a base para a ética, devem os fazer m ais do que um a leitura
passageira nas nobres tentativas de A lbert Cam us em m ostrar
O U N I V E R S O A O L A D O

I3O

c o m o u m a b o a v id a p o d e ser d e fin id a e v iv id a . E ssa, m e


p arece, é a ta re fa q u e C a m u s e sfo rça -s e p o r a p re s e n ta r em
seu liv ro A Peste.

U m san to s e m D eu s
Em seu livro Os Irmãos Karam azov ( 1 8 8 0 ) , D ostoiévski, através
de sua p ersonagem Ivan Karam azov, diz que, se D eus está m o r­
to, tu d o é p erm itid o. Em outras palavras, se n ão há n en h u m
pad rão tran scen d en te de bond ad e, en tão n ã o p o d e haver, em
ú ltim a instân cia, n en h u m c a m in h o para d istin gu ir o certo do
errado, o b em do m al, e n ão p o d e haver n em santo s n em p eca­
dores, n e n h u m a pessoa b o a o u m á. Se D eus está m o rto , a ética
é im possível.
A lbert C am u s ap resen ta esse d esafio em seu livro A Peste
( 1 9 4 7 ) , n o qu al n o s co n ta a h istó ria de O ram , u m a cid ad e no
N orte da África, o n d e se esp alh a u m a ep id em ia c o m força m o r­
tal. A cid ade fecha seus po rtõ es ao tráfego, to rn an d o -se, assim , o
sím b o lo de um universo fechado, um universo sem Deus. A d o en ­
ça, p o r ou tro lado, to rn a-se o sím b o lo do absurd o desse univer­
so. A peste é arbitrária; n in g u ém p o d e predizer q u em vai o u não
co n traí-la. N ão é "u m a coisa feita para a m ed ida do h o m e m ".19
Ela é terrível em seus efeito s — física e m e n talm en te d olo ro sa.
Suas origens n ão são con h ecid as, e m esm o assim ela se to rn a
tão fam iliar c o m o o p ão de cada dia. N ão há m eio s de evitá-la.
A ssim , a peste vem para ficar c o m o a própria m orte, pois, c o m o
a m orte, ela é inevitável e seus efeito s são term in ais. A peste
aju d a q u alq u er um em O ram a viver u m a existên cia autêntica,
p o rq u e ela faz q u alq u er um co n scien te do absurd o d o m u n d o
em q u e eles h ab itam . Ela con d u z ao fato de q u e as pessoas nas­
cem c o m um a m o r p ela vida, m as vivem nu m referencial de
certeza da m orte.
A h istó ria se in icia q u an d o ratos co m e ça m a sair d os e sc o n ­
d erijo s e m o rrem nas ruas; e term in a um an o d epois, q u an d o a
peste é erradicada e a vida n a cid ad e v olta ao no rm al. D urante
os m eses de intervenção, a vida em O ram transform a-se nu m
absu rd o to tal. O g ên io de C am us utiliza essa h istó ria c o m o um
referencial co n tra o q u al m ostra as reações de um c o n ju n to de
E X I S T E N C I A L I S M O

»31

personagens, cada u m a das quais representa, de algu m a form a,


u m a atitud e filo só fica.
M onseiur M ichel, p o r exem p lo, é p orteiro nu m prédio de apar­
tam en to s. Ele se vê in su ltad o pela m an eira c o m q u e os ratos
saem das suas to cas e m o rrem n o seu c o n d o m ín io . Logo n o
in ício , ele nega q u e eles existam em seu préd io, m as fm alm en te
é fo rçad o a ad m iti-lo s. Bem n o in ício do rom ance, ele m orre
am ald iço an d o os ratos. M onseiur M ichel representa o h o m em
que se recusa a reco n h ecer o absu rd o d o universo. Q u an d o M on­
seiur M ich el é fo rçad o a ad m iti-lo , m orre, p o is n ão p o d e viver
d ian te do absurd o, rep resentand o to d o s aqu eles q u e estão h a b i­
litad os a ter apenas vidas inautênticas.
O v elh o E sp an hol tem u m a reação m u ito diferente. Ele se
ap o sen to u co m a idade de cin q ü e n ta an o s e foi im ed iatam en te
para a cam a. Vivia m ed in d o o tem p o , dia após dia, d uran te to ­
d os os dias da peste, co lo c a n d o ervilhas de u m a panela noutra.
"C ad a grupo de qu in ze erv ilhas", ele disse, "estão alim e n tan d o
o tem p o . O q u e p o d eria ser m ais sim p le s?"20 O v elh o E sp an hol
n u n ca d eixou seu leito, m as ad qu iriu u m prazer sád ico n o s ra­
tos, n o calo r e n a peste, aos qu ais ch a m o u de "vida".21 Ele é o
n iilista de C am us. N ada na sua vida — d en tro o u fora, o m u n d o
o b je tiv o ou o m u n d o su bjetivo — tin h a valor. A ssim ele vive
essa situ ação em co m p le ta au sência de sen tid o.
Monseiur C ottard representa u m a terceira postura. A ntes de a
peste ter to m a d o a cidade, ele está nervoso, pois é um crim in o so
su je ito a ser preso se fo r lo calizad o . M as, q u an d o a peste recru­
desce, to d o s os fu n cio n ário s da cid ade estão ocu p ad o s em m in i­
m izar as afliçõ es do povo, e C ottard é d eixado livre para fazer o
q u e quiser. E o q u e ele qu er fazer é aproveitar-se da situ ação.
Q u an to m ais a situação piora, m ais rico, m ais alegre e m ais am igo
ele se to m a . "P io ran d o a cada dia, não? Bem , de to d o je ito , to ­
d os estam o s n o m e sm o b a rc o ", diz ele.22 Jean Tarrou, u m a das
p rincip ais personagen s do livro, explica a alegria de C ottard d es­
ta form a: "Ele está n o m e sm o perigo de m o rte c o m o q u alq u er
ou tro, m as este é o p ro b le m a; ele está n isto com os outros".23
Q u an d o a praga co m eça a deixar a cidade, C ottard perde seu
sen tim e n to co m u n itá rio p o rqu e se to rn a no v am en te nu m h o ­
m em procurado. Ele perde o c o n tro le de si m esm o , é reco n h eci-
O U N I V E R S O AO LADO
132

d o n u m a rua e levad o preso so b cu stód ia. Através de to d a a


ep id em ia, suas ações fo ram crim in o sas. Em vez de aliviar o so ­
frim en to d os outros, ele se deleitava nisso. Ele é o p ecad o r de
C am us nu m universo sem D eus — prova, se você quiser, nu m a
fo rm a literária, de q u e o m al é possível nu m universo fech ado.
Se o m al é possível nu m universo fech ad o, e n tão talvez o
b em ta m b é m o seja. N as duas p rincip ais personagens, Jean Tar-
rou e dr. Rieux, C am us desenvolve esse tem a. Jean Tarrou foi
in tro d u zid o na co m u n id ad e dos n iilistas q u an d o visitava seu
pai n o trab alh o . O uviu c o m o seus argu m en tos de advogado de
acusação c o n d e n o u à m o rte um crim in o so , assistind o, a seguir,
sua execução. Esse a co n te cim e n to teve pro fu n d o im p acto sobre
ele. A ssim Jean Tarrou se expressa: "Aprendi que tive um a in flu ên ­
cia in d ireta nas m ortes de m ilh ares de p essoas... Todos n ó s c o n ­
traím o s a peste".24 Foi assim q u e ele perdeu sua paz.
D esde esse a co n te cim e n to , Jean Tarrou faz da sua vida inteira
u m a busca p o r algum c a m in h o para se to rn ar "um san to sem
D eus".25 C am us deixa im p lícito que Tarrou fo i b em -su ced id o
nessa busca. Seu m éto d o jaz na co m p reen são , sim p atia e, por
fim , qu estõ es p ráticas.26 Ele é aq u ele que sugere um corp o de
trabalh ad o res v o lu n tário s para co m b a te r a peste e c o n fo rtar as
v ítim as. Tarrou trab alh a in cessan tem en te co m tod a a sua cap a­
cidade. Todavia, p erm an ece u m vestígio de d esespero em seu
estilo de vida: "ven cer o jo g o " para Tarrou significa viver "ap e­
nas c o m a q u ilo que algu ém sabe e o que algu ém lem bra, e lim i­
n ar a q u ilo q u e algu ém esp era!". C o m o escreve o dr. Rieux, o
narrador do rom ance, Tarrou "co m p reen d eu a lúgubre esterili­
d ade de u m a vida sem ilu sões".27
O pró p rio dr. Rieux é o u tra d escrição de u m h o m e m b o m
nu m m u n d o absurd o. D esde o in ício , ele se prepara c o m todas
as suas forças para co m b a te r a peste — para revoltar-se co n tra o
absurd o. A p rin cíp io sua atitud e é sem p aixão, desligada, in d ife ­
rente. D epois, q u an d o sua vida é p ro fu n d am en te tocad a pelas
vidas e m o rtes d os outros, ele se to rn a m ais flexível e co m p assi­
vo. F ilo so ficam en te, ele chega a en ten d er o que está fazend o. É
to ta lm e n te incapaz de aceitar a idéia de que um D eus b o m p o ­
deria estar n o c o m a n d o das coisas. C o m o disse Baudelaire, isso
faria de D eus o d e m ô n io . A ntes, o dr. Rieux to m a c o m o sua
E X I S T E N C I A L I S M O

133

tarefa "lu tar co n tra a criação à m ed ida q u e a d esco bre".28 Ele


diz: "D esd e que a ord em n o m u n d o está m o ld ad a pela m orte,
não seria m e lh o r para D eus se recusássem os acreditar nEle e lu ­
tar co m to d o n o sso p od er con tra a m orte, sem levan tar n o ssos
o lh o s em d ireção aos céus o n d e Ele está sen tad o em s ilê n c io ? "29
O dr. Rieux faz exatam en te isto: ele luta con tra a m orte. E a
h istó ria q ue ele co n ta é um registro do "q u e teria sid o feito, e o
que seguram ente deveria ser feito no v am en te n u m a luta in fin ­
dável co n tra o terror e seus inexoráveis ataques, apesar das suas
aflições pessoais, p o r to d o s aqu eles que, e m b o ra incapazes de
ser santos, m as recu sand o-se a exterm in ar as p estilências, em pe-
n h am -se ao m áx im o para ser curad ores".30
T enho insistido, afinal, sobre A Peste (apesar de absolu tam en te
n ão ter exau rido suas riquezas artísticas ou c o m o lição de v id a)31
p o rqu e d esco n h eço q u alq u er ou tro livro ou trab alh o de filo s o ­
fia existen cial que to rn e tão atraente a qu estão da p o ssibilid ad e
de viver u m a b o a vida n u m m u n d o o n d e D eus está m o rto , e os
valores estão soterrad os nu m sistem a m o ral externo ao referen­
cial h u m an o . A Peste é para m im quase con v in cen te. Q uase, m as
não o bastan te. Pois as m esm as perguntas o co rrem tan to d entro
do referencial intelectual d e A Peste c o m o d entro do sistem a "exis­
ten cialista" de Sartre.
Por que a d eclaração de vida do dr. Rieux e de Jean Tarrou
deveria ser vista c o m o b o a , e o viver lo n ge da peste, de C ottard,
c o m o m á? Por que deveria a reação n iilista do v elh o E span hol
ser m e n o s certa do que a ação positiva do dr. Rieux? N a verdade,
n ossa sen sib ilid ad e h u m an a está ao lad o de Rieux e Tarrou. M as
reco n h e cem o s q u e o v elh o E sp an h o l n ã o está so z in h o em seu
ju lg am en to . Q u em , en tão , está certo? A queles q u e estão ao lado
do velh o E sp an hol não serão con v en cid os p o r C am us o u por
q u alq u er le ito r q u e esteja ao lado de Rieux, pois sem um refe­
rencial m oral extern o n ã o há base co m u m para d iscu ssão. N ão
há nada m ais do que u m a co n v icção versus outra. A Peste é cati­
vante para aqu eles cu jo s valores m o rais são trad icio n ais, n ão
p o rq u e C am us oferece u m a base para esses valores, m as p o rqu e
co n tin u a a afirm á-lo s m e sm o que eles n ão te n h am n en h u m a
base. In felizm en te, a afirm ação n ão é suficiente. Ela p o d e ser
con tra-atacad a p o r u m a afirm ação op o sta.
O U N I V E R S O AO LADO
134

M u it o a l é m d o n iil is m o ?
O existen cialism o ateísta transcende o n iilism o ? Na verdade,
ele tenta — com paixão e convicção. Todavia, falha em oferecer
um referencial para a m oralidad e que vai além de cada indiví­
duo. Baseando o significado h u m an o na subjetividade, ele o
colo ca num d o m ín io divorciado da realidade. O m u nd o o b je ­
tivo revela-se um intruso: a m orte, a possibilidad e sem pre pre­
sente e a certeza final, torna-se um obstáculo a qualqu er que
seja o sentid o que possa de outra form a ser possível. Isso leva
o existencialism o a sem pre afirm ar e afirm ar e afirm ar; quando
a afirm ação cessa, cessa tam bém a existência autêntica.
C onsiderando precisam ente essa o b jeção à possibilidad e do
valor hu m ano, H. J. Blackham concord a com os term os do ar­
gum ento. A m orte realm ente finaliza tudo. Mas cada vida h u ­
m ana é m ais do que si m esm o, pois ela se origina num passado
da hum anidade e isso afeta o futuro da hum anidade. Além dis­
so, "há um céu e um inferno na eco n o m ia de toda im aginação
hum ana".32 Isto é, diz Blackham : "Eu sou o autor da m in h a pró­
pria experiência".33 D epois de todas as o b jeçõ es terem sido le­
vantadas, Blackham escapa para o solipsism o. E isso m e parece,
precisam ente, o fim de todas as tentativas éticas do p o n to de
vista do existen cialism o ateísta.
O existen cialism o ateu vai além do n iilism o apenas para al­
cançar o solipsism o. M uitos diriam que isso não significa, de
form a algum a, ir além do n iilism o ; apenas colo ca um a m áscara
cham ada valor, um a m áscara despida pela morte.

E x is t e n c ia l is m o t e Ista b á s ic o
C o m o apontad o acim a, o existencialism o teísta surgiu de raízes
filosóficas e teológicas m u ito diferentes daquelas da sua contra-
parte ateísta. Foi a resposta de Soren Kierkegaard ao desafio do
n iilism o teo ló g ico — a ortod oxia m orta da igreja m orta. C o m o
os tem as de Kierkegaard vieram à to n a duas gerações após sua
m orte, eles foram a resposta ao cristianism o que tinha perdido
com p letam ente sua teologia e se acom od ad o num evangelho
diluíd o em m oralidade e bo as obras. Deus havia sido reduzido
a Jesus, que havia sido reduzido a um h o m em puro e sim ples. A
E X I S T E N C I A L I S M O
135

m orte de Deus na teologia liberal não produziu entre os liberais


o desespero de Kafka, m as o o tim ism o de um bispo inglês em
1905 que, indagado sobre o que pensava que im pediria o h o ­
m em de realizar um a u n ião social perfeita, respondeu que não
poderia pensar em nada.
Na segunda década do século xx, contud o, Karl Barth, na Ale­
m anha, viu o que podia acontecer, se a teologia se transform as­
se em antropologia, e respondeu reform ando o cristianism o atra­
vés de linhas existenciais. O que ele e teólogos subseqüentes tais
com o Em il Brunner e Reinhold N iebu hr afirm aram veio a ser
cham ad o de neo-ortod oxia, pois, em bo ra significativam ente d i­
ferente da ortodoxia, afastava Deus m u ito m ais para um segun­
do p lan o .34 N ão será nosso objetiv o o lhar especificam ente para
qualqu er form a de neo-ortod oxia. Pelo contrário, tentarem os
ver as proposições que são com un s à postura existencial teísta.
O existencialism o teísta com eça por aceitar as seguintes pres­
suposições do teísm o: Deus é infinito e pessoal ( triúno), transcen­
dente e imanente, onisciente, soberano e bom. Deus criou 0 cosmo ex
n ih ilo para operar com a uniformidade de causa e efeito num sistema
aberto. Os seres humanos são criados à imagem de Deus, podem co­
nhecer alguma coisa de Deus e do cosmo e podem viver com significa­
do. Deus pode e estabelece comunicação conosco. Fomos criados bons,
mas agora estamos caídos e necessitamos ser restaurados por Deus
através de Cristo. Para os seres humanos, a morte é ou 0 portão para a
vida com Deus e seu povo ou a vida para sempre separada de Deus. A
ética é transcendente e baseada no caráter de Deus.
Se com pararm os a lista acim a com aquela no capítulo 2 sobre o
próprio teísmo, podem os perguntar a nós m esm os o que há de tão
especial no existencialismo teísta. Já não tem os um teísm o sem e­
lhante? Sou tentado a dizer que temos, mas isso seria um a injusti­
ça às variações e ênfases especiais do existencialism o. Pois a ver­
são existencial do teísm o é m u ito m ais um c o n ju n to especial de
ênfases dentro do teísm o do que um a cosm ovisão separada. No
entanto, por causa do seu im pacto sobre a teolog ia do século xx
e sua confusa relação com o existen cialism o ateísta, ele m erece
um tratam en to especial. Além disso, algum as tendências d en­
tro da versão existencial do teísm o co lo cam -n o em desacordo
com o trad icional teísm o. Essas tend ências ganharão especial
O U N I V E R S O AO LADO

1 36

m e n çã o c o n fo rm e surgirem na discussão.
A ssim c o m o o existen cialism o ateísta, os e lem en to s m ais ca­
racterísticos do existen cialism o teísta estão relacionad os n ão com
a natu reza do co sm o o u de Deus, m as c o m a natu reza h u m an a
e n ossa relação co m o co sm o e Deus.

1. Os seres humanos são seres pessoais que, quando chegam à cons­


ciência plena, descobrem-se a si mesmos num universo alienado; se
Deus existe ou não, é uma questão difícil e deve ser resolvida não pela
razão mas pela fé.
O existen cialism o teísta n ão co m e ça co m Deus. Esta é a sua
m ais im p o rtan te variação do teísm o . C o m o teísm o , assu m e-se
in d u bitavelm en te q u e D eus está presente e c o m um d ado cará­
ter; en tão as pessoas são d efinid as em relação a Deus. O existen ­
cialism o teísta chega à m esm a co n clu são , m as co m e ça em ou tro
p o n to .
O existen cialism o teísta enfatiza o lugar n o qual os seres h u ­
m an o s d esco brem a si m esm o s q u an d o pela p rim eira vez a tin ­
gem a au to co n sciên cia. Eles refletem sob re si m esm o s p o r um
m o m e n to . A certeza da sua p rópria existência, sua própria c o n s ­
ciência, sua p rópria au to d eterm in ação — esses são os seus p o n ­
tos de partida. Q u an d o você o lh a à sua volta, c o n fro n ta o s seus
pró p rio s d esejo s co m a realid ad e que se apresenta, e procura
sen tid o para a sua existência, você n ão é ab e n ço ad o co m respos­
tas certas. Você d escobre um universo que n ão se en qu ad ra em
você, um a o rd em social que oferece o que v o cê n ão d eseja e
deixa de oferecer aq u ilo p elo qu al você an seia ard entem ente. E,
a p io r ventura, você n ão reco n h ece D eus im ed iatam en te.
A situ ação h u m an a é am bivalen te, p o is a evid ência da ord em
n o universo é am bígu a. A lgum as coisas parecem explicáveis p e­
las leis q u e parecem governar os eventos; outras não . A realid a­
de d o a m o r e da co m p aixão h u m an a sugere a evid ência para
u m a deid ade b en ev o len te; a realid ad e do ó d io e da v io lên cia,
de um universo im p essoal, ap o n ta para outra direção.
É aqui que o padre P aneloux, n o livro A Peste, sim b o liz a para
n ó s um a postura existen cial cristã. O dr. Rieux, c o m o você deve
lem brar, recusa-se a aceitar a "o rd em criad a" p o rq u e ela era "um
esqu em a de coisas n o qual as crianças eram levadas à tortura".35
E X I S T E N C I A L I S M O

137

O padre P aneloux, p o r ou tro lado, diz: "M as talvez devêssem os


am ar aq u ilo q u e n ão p o d em o s entend er".36 O padre P anelo u x
tem "saltad o " para a fé e o a m o r pela existên cia de um Deus
b o m , m esm o que a evid ência im ed iata seja to ta lm e n te em o u ­
tra d ireção. Em vez de relatar o absu rd o d o universo na base da
Q ueda, c o m o um cristão teísta o faria, o padre P anelo u x supõe
que D eus é im ed iatam en te responsável p o r este universo absu r­
do; p o rtan to , ele co n clu i que deve acreditar em D eus apesar do
absurd o. C am us, em ou tro lugar, ch am a tal fé de "su icíd io in te­
lectu al", e esto u in clin a d o a co n co rd ar c o m ele. M as a qu estão é
que, e m b o ra a razão p ossa levar-nos ao ateísm o , sem pre p o d e­
m o s recusar-nos a aceitar as co n clu sõ es da razão e dar u m salto
em d ireção à fé.
Sem dúvida, se o D eus ju d aico -cristão existe, fizem o s m e lh o r
em reco n h ecê-lo p o rq u e n o sso d estin o eterno d ep en de disso.
M as, d izem os existen cialistas, a in fo rm ação n ão está to ta lm e n ­
te co m p leta e n u n ca estará, e assim tod a pessoa que qu er ser um
teísta deve dar um passo à frente e esco lh er pela fé. D eus nu nca
revelará a si m esm o de u m a fo rm a que n ão seja am bígu a. C on -
seqü en tem en te, cada pessoa, na so lid ão da sua própria s u b je ti­
vidade, rod eada p o r m u ito m ais trevas do que luz, deve e sco ­
lher. E essa e sco lh a deve ser u m ato radical de fé. Q u an d o a
pessoa esco lh e crer, u m c o m p le to p an o ram a se abre. A m aio ria
das p ro p o siçõ e s d o te ísm o tra d icio n a l tran sb o rd a. A pesar de
subjetiva, a base cen trad a na e sco lh a para a cosm o v isão dá cor
ao estilo de cada postura existen cialista cristã d en tro do teísm o .

2. O pessoal é 0 que tem valor.


C o m o n o existen cialism o ateísta, o existen cialism o teísta e n ­
fatiza a d isju n ção entre os m u n d o s o b je tiv o e su bjetivo . M artin
Buber, existen cialista ju deu, apresenta os term o s Eu-Tu e Eu-Isto
para d istin gu ir as duas m an eiras em que u m a p essoa se re lacio ­
na co m a realidade. N o re la cio n a m en to Eu-lsto, um ser h u m an o
é um objetiv ad o r:

Agora, com a lente de aumento numa observação cuidadosa, ele


se curva sobre as particularidades e as torna objetivas, ou com o
campo ampliado de uma inspeção remota, ele as objetiva e as
O U N I V E R S O AO LADO
138

dispõe com o cenário, ele as isola em observação sem nenhum sen­


tim ento de sua exclusividade, ou ele as tece numa trama de obser­
vação sem nenhum sentim ento de universalidade.37

A ssim é o d o m ín io da c iê n c ia e da ló g ica, d o e sp a ço e do
te m p o , d a q u ilo q u e é m e n su ráv el. C o m o B u b e r diz: "S e m Isto o
h o m e m n ã o p o d e viver. M as se e le vive s o m e n te p o r Isto, n ã o é
h o m e m ".38 O Tu é n ecessário .
N o re la cio n a m e n to Eu-Tu, o su je ito e n c o n tra o o b je to : " Q u a n ­
d o Tu é m e n c io n a d o [B u b e r q u e d izer e x p e rie n cia d o ], o fa la n te
n ã o te m n a d a para seu o b je to ".39 P elo c o n trá rio , tais fa la n te s
tê m su je ito s s e m e lh a n te s a si m e s m o s c o m o se c o m p a rtilh a s ­
sem u m a vid a c o m u m . N as palavras d e B u ber: "T o d o viver real é
u m e n c o n tro ".40
A afirm a ç ã o de B u b e r so b re a p rim a z ia d o s re la c io n a m e n to s
p e sso a -a -p e sso a Eu-Tu é agora re c o n h e c id o c o m o u m clássico .
N e n h u m re su m o sim p le s p o d e fazer-lh e ju stiça , e eu e n c o ra jo
o s le ito re s a s en tirem o p razer p o r si m e s m o s n a leitu ra d o p ró ­
p rio livro. D e v e m o s c o n te n ta r-n o s c o m m ais u m a c ita çã o so b re
o re la cio n a m e n to p esso al q u e B u b e r vê c o m o possível e n tre D eus
e seu povo:

Os homens não descobrem Deus se permanecerem no mundo.


Eles não O acharão se deixarem o mundo. Ele, que sai com seu ser
completo ao encontro do seu Tu e carrega consigo todo o ser que
está no mundo, encontra Aquele que não pode ser buscado. É claro
que Deus é o "Outro Completo"; mas Ele é também o Mesmo Com ­
pleto, o Presente Completo. É claro que Ele é o Mysterium Tremen-
dum que aparece e desaparece; mas Ele é também o mistério da
auto-evidência, mais próximo de m im do que o meu Eu.4'

A ssim , o s e x is te n c ia lis ta s te ís ta s e n fa tiz a m o p e s so a l c o m o


o v a lo r p r im á r io . O im p e s s o a l e x iste ; e le é im p o r ta n te ; m a s
d ev e ser a tr ib u íd o a D eu s, a tr ib u íd o p a ra o Tu d e to d o s o s
Tus. A ssim , s a tis fa z o Eu e serv e p a ra e rra d ic a r a a lie n a ç ã o
fo r te m e n te s e n tid a p e la s p e s so a s , q u a n d o se c o n c e n tr a m em
su a s re la ç õ e s Eu-Isto c o m a n a tu re z a e, tris te m e n te , c o m as
o u tr a s p e s s o a s ta m b é m .
E X I S T E N C I A L I S M O

139

Essa d iscu ssão p o d e p arecer p artic u la rm e n te ab strata para o s


cristão s cu ja fé e m D eu s é u m a realid ad e d iária n a q u al eles s o ­
b rev iv em , e m vez de u m ato re fle tid o . Talvez o q u a d ro a seguir,
c o m p a ra n d o as d uas m a n e ira s d e ver o s m e s m o s e le m e n to s b á ­
sico s d o c ristia n ism o , e sclareça essas q u estõ es. E le fo i ad ap tad o
de u m a p alestra d ad a p e lo te ó lo g o H aro ld E n glu n d , da U n iv er­
sid ad e de W isc o n sin , n o in íc io da d écad a d e 6 0 . P en se n a c o lu ­
n a à esq u erd a c o m o d escrev en d o a o rto d o x ia m o rta, c o n tra s ta ­
da c o m a c o lu n a à d ireita, q u e d escreve o e x iste n cia lis m o teísta
vivo.

D e s p e r s o n a l iz a d o P e r s o n a l iz a d o

P ecado Quebrar uma norma Trair um relacionam ento


A rre p e n d im e n to Admitir culpa Pesar sobre a traição pessoal
P erdão Cancelar a penalidade Renovar um relacionam ento
Fé Acreditar num conjunto Com prom eter o próprio eu
de proposições com um a pessoa
V id a Cristã Obedecer a normas Agradar ao Senhor, um a Pessoa

Q u a n d o v ista d essa m a n e ira , a v ersão ex iste n cial é o b v ia m e n te


m ais atrativa. É claro , o s teístas tra d ic io n a is p o d e m m u ito b e m
re sp o n d e r de d uas m an e iras: p rim e iro , a seg u n d a c o lu n a exige
o u im p lica a e x istê n cia da p rim e ira c o lu n a , e seg u n d o , o te ís m o
sem p re in clu iu a seg u n d a c o lu n a n o seu siste m a. A m b as as res­
p o stas e stã o b e m flm d ad as. O p ro b le m a é q u e a c o sm o v isã o
to ta l d o te ís m o n e m sem p re te m sid o b e m e n te n d id a e as igrejas
tê m a te n d ê n cia de aferrar-se a c o lu n a u m . Isso te m levad o o
e x iste n cia lis m o a re a b ilita r m u ito s teístas para o re c o n h e c im e n ­
to c o m p le to d as riq u ezas d o seu p ró p rio sistem a.

3. C onhecim ento é subjetividade; a verdade com pleta é muitas vezes


paradoxal.
A ê n fase e x iste n cia lista n a p e rso n a lid a d e e in teg rid ad e c o n ­
duz a igual ê n fa se n a s u b je tiv id a d e d o g e n u ín o c o n h e c im e n to
h u m a n o . O c o n h e c im e n to s o b re o s o b je to s en v o lv e o s re la c io ­
n a m e n to s Eu-Isto; eles são n e ce ssá rio s m as n ã o su ficien tes. O
c o n h e c im e n to p le n o é u m a ín tim a in te r-re la çã o ; en v o lv e o Eu-
Tu e está firm e m e n te v in cu la d o à vid a au tê n tic a d o co n h e ce d o r.
O U N I V E R S O AO LADO
1 40

Em 1 8 3 5 , quando Kierkegaard foi con frontad o com a decisão


do que seria o trabalho de toda a sua vida, escreveu:

O que realmente preciso é tornar claro em minha própria mente


o que devo fazer, não o que devo conhecer — exceto até o ponto
em que o conhecimento deve preceder cada ação. Uma coisa
importante é entender a que estou destinado, perceber o que a
Divindade quer que eu faça; a questão é encontrar a verdade para
mim, encontrar a idéia pela qual estou pronto para viver e mor­
rer. Que bem eu me faria se eu descobrisse a assim chamada ver­
dade objetiva, mesmo que tivesse de trilhar meu caminho atra­
vés dos sistemas dos filósofos e de estar apto a, se necessário fos­
se, passá-los em revista?42

Alguns leitores de Kierkegaard entend em que ele sugere o


aban d o n o do con ceito de verdade objetiva em sua totalidade;
sem dúvida, alguns existencialistas têm feito precisam ente isto,
separando o o bjetiv o do subjetivo tão radicalm ente que um não
tem nenhum a relação com o outro.43 Isso tem sido especialm ente
verdade para um existencialista ateu com o Jo h n Platt.44 N ão é
que os fatos sejam desprezíveis, m as eles devem ser fatos para
alguém , fatos para m im . Isso m uda seu caráter e faz com que o
con h ecim en to se torne o conhecedor. Verdade nessa d im ensão
pessoal é subjetividade; é a verdade digerida e sobrevivida nos
extrem os da vida hum ana.
Q uan do o con h ecim en to se torna tão in tim am en te relacio­
nado ao conhecedor, ele tem um resquício de paixão, de sim p a­
tia, e tend e a ser difícil dividi-lo logicam ente do próprio co n h e ­
cedor. Buber descreve a situação de um a pessoa na presença de
Deus: "A situação religiosa do ho m em , sua existência na Presen­
ça, é caracterizada por sua essencial e indissolúvel antinom ia".
O que é a relação de alguém com Deus quanto à liberdade ou
necessidade? Kant, diz Buber, resolveu o p roblem a designando
a necessidade para o d o m ín io das aparências e a liberdade para
o d o m ín io do ser.

Mas se eu considerar necessidade e liberdade não em mundos de


pensamento mas na realidade da presença de Deus, se eu sei que
E X I S T E N C I A L I S M O
141

"Estou abandonado à alienação" e ao mesmo tempo sei que "Isto


depende de mim mesmo", então não posso tentar escapar do
paradoxo que tem de ser vivido em concordância com as propo­
sições irreconciliáveis aos dois domínios de validade separados;
nem posso ser ajudado para uma reconciliação ideal por qual­
quer dispositivo teológico: mas sou compelido a tomar ambos
para mim mesmo, para serem vividos conjuntamente, e em vi­
vendo assim eles se tornam um.45

A verdade com pleta está no paradoxo, não na asserção de ape­


nas um lado da questão. Presum ivelm ente, esse paradoxo é re­
solvido na m ente de Deus, mas não na m ente hum ana. E um a
questão de sobrevivência: "D eus, co n to com p letam en te com
você; faça a sua vontade. Estou saindo para agir".
A força de expressar a com preensão da nossa postura diante
de Deus em tal paradoxo é pelo m enos em parte resultado da
inabilid ade que a m aioria de nós tem de expressar nossa postu­
ra não-paradoxalm ente. A m aior parte das declarações não-pa­
radoxais term ina por negar tanto a soberania de Deus qu an to a
significância hum ana. Isto é, elas tendem tan to ao pelagianis-
m o quanto ao hipercalvinism o.
A fraqueza em se con fo rm ar com o paradoxo é a dificuldade
em con hecer ond e parar. Q uais con ju n tos de declarações apa­
rentem ente contraditórias devem sobreviver com o verdade? Se­
guram ente nem to d o con ju n to. "Ame seu v izinho; od eie seu vi­
z in h o ." "Faça o bem àqueles que o perseguem . Reúna todos os
seus am igos e transform e-os seus inim igos." "N ão com eta adul­
tério. Pratique toda u n ião sexual que estiver ao seu alcance."
Assim, acim a do paradoxal, pode parecer que deva haver algu­
ma proposição não-contraditória governando aqueles paradoxos
que garantirão nossa sobrevivência. Na form a cristã de existencia­
lismo, a Bíblia tom ada com o revelação especial de Deus delimita
as fronteiras. Ela proíbe m uitos paradoxos, e isso parece encorajar
outros. A doutrina da Trindade, por exemplo, pode ser um parado­
xo não resolvido, mas faz justiça à inform ação bíblica.46
Entre aqueles que não têm autoridade objetiva externa para
d elim itar as fronteiras, o paradoxo tende a con tin u ar vicejand o.
M arjorie Grene com enta sobre Kierkegaard: "M uito dos escritos
O U N I V E R S O AO LADO
142

de Kierkegaard parece ser m otivado não tanto p o r um a percep­


ção dentro da honestid ad e filosófica ou religiosa do paradoxo
para um p roblem a peculiar, mas pelo puro prazer intelectual no
absurdo por si m esm o".47 Assim esse aspecto do existencialism o
teísta fu n cio na para um nú m ero im enso daqueles críticos que
sustentam um a cosm ovisão teísta trad icional. A m en te hum ana
é feita à im agem da m ente de Deus, e assim , em bo ra nossa m en ­
te seja finita e incapaz de abarcar to d o o co n h ecim en to , é ainda
capaz de discernir algum a verdade. Francis Schaeffer apresenta
essa questão, afirm ando que pod em os ter verdade substancial
m as não verdade exaustiva, e p od em os discernir verdade de to ­
lice pelo uso de princípios de não -co ntrad ição .48

4. A história como um registro dos eventos é incerta e desprezível, mas


a história como um modelo ou tipo de mito para ser feito presente e
vivido é de suprema importância.
O existencialism o teísta deu dois passos adiante do teísm o
tradicional. O prim eiro foi com eçar a d esconfiar da exatidão da
história registrada. O segundo foi perder o interesse em sua fac-
ticidade e enfatizar suas im plicações ou sentido religioso.
O prim eiro passo está associado com a alta crítica de m eados
do século xix. Ao contrário de to m ar os relatos b íb lico s pron ta­
m en te valiosos, aceitand o os m ilagres e tudo mais, os porta-vo­
zes dessa alta crítica, tais com o D. F. Strauss e Ernest Renan, par­
tiram de um a hipótese naturalista de que os m ilagres não p o ­
dem acontecer. Relatos sobre eles devem, portanto, ser falsos,
não necessariam ente fabricados p o r escritores que intenciona-
vam enganar, m as sugeridos pelo povo crédulo e ignorante.
Isso, é claro, tend ia a enfraquecer a autoridade dos relatos
b íb lico s m esm o ond e eles não eram classificados com o m ila­
grosos. O utros desses críticos, sendo o m ais p roem in en te Julius
W ellhausen, tam bém voltaram sua atenção para a unidade in ­
terna do Velho Testam ento e descobriram , assim eles assegura­
vam, que o Pentateuco não havia sido escrito de form a algum a
p o r M oisés. Na verdade, os textos m ostravam que várias m ãos
trabalharam durante vários séculos. Isso enfraquecia o que a Bí­
b lia diz sobre si m esm a e assim questionava a verdade de sua
m ensagem com p leta.49
E X I S T E N C I A L I S M O
143

Em vez de m udar suas hipóteses naturalistas para co m p atib i­


lizá-las com as inform ações bíblicas, eles chegaram à conclusão
de que a B íblia não era h istoricam ente digna de con fian ça. Essa
atitude poderia ter condu zid o ao com p leto ab an d o n o da fé cris­
tã. Pelo contrário, conduziu a u m segundo passo — um a m u ­
dança radical na ênfase. Os fatos que a B íblia registrava não eram
im portantes; im portantes eram seus exem plos de vida e suas
eternas verdades m orais.
M atthew A rnold escreveu em 187 5 que o cristianism o "vive­
rá, porque ele depende de um a verdade e de um a idéia frutífera
inesgotável, a idéia da m orte e ressurreição co m o con cebid a e
desenvolvida por Jesus. ... A im portân cia da crença dos discípu­
los na ressurreição de seu M estre perm anecia em sua convicção,
que era verdadeira, em bo ra eles a tivessem m aterializado. Jesus
tin h a m orrido e ressuscitado novam ente, mas em seu próprio
sentido e não no deles".50 A h istória — isto é, eventos no espaço-
tem po — não era im portante; a fé era im portante. E a m orte e a
ressurreição vieram para ficar, não para a expiação da espécie
hu m ana pelo D eus-hom em Jesus Cristo, m as para um a "nova
v id a" de serviço e sacrifício hu m ano para os outros. O grande
m istério da entrada de Deus no tem p o e espaço foi transferida
do fato para o m ito, um m ito poderoso, é claro, que podia trans­
form ar pessoas com un s em gigantes m orais.
Esses passos foram dados m u ito antes do n iilism o de Nietzs-
che ou do desespero de Kafka. Foram a resposta para "os resulta­
dos garantidos da sabedoria h u m an a" (que, co m o aqueles que
perseguem a m atéria, descobrirão que agora não estão tão segu­
ros). Se a verdade objetiva não puder ser encontrada, não tem
im portância. A verdade real está p o eticam en te con tid a na "h is­
tó ria", na narrativa.
É interessante observar o que m u ito cedo aconteceu a M at­
thew Arnold. Em 1 8 7 5 , ele dizia que pod eríam os ler a Bíblia
co m o poesia; se fizéssem os isso, estaríam os nos en sin an d o a
bo a vida. Em 1 8 8 0 , ele tin h a to m ad o o próxim o passo e exorta­
va que tratássem os a poesia em geral da m esm a m aneira que
costum am os lidar com a Bíblia: "M ais e m ais da espécie hu m a­
na descobrirá que tem os de voltar à poesia para interpretar a
vida, para nos confortar, para nos m anter. ... M uito d aquilo que
O U N I V E R S O AO LADO
144

agora nos passam com o religião e filosofia será substituído pela


poesia".51 Para Arnold, a poesia em geral se tin h a tornad o na
Escritura.
D e qualqu er form a, quando os existencialistas teístas (Karl
Barth, Reinhold Niebuhr, R u dolf Bultm ann e seus colegas) c o ­
m eçaram a aparecer na cena teológica, eles tin h am a solu ção
pronta para o problem a proposto pela ortodoxia, pela alta críti­
ca. Assim, as histórias da B íblia eram suspeitas. O que im porta?
Os relatos são "religiosam ente" (isto é, poeticam en te) verdadei­
ros. Assim, en qu an to a doutrina dos teólogos n eo-ortod oxos pa­
recia m uito m ais com a ortodoxia de C alvino do que o liberalis­
m o de M atthew Arnold, a base histórica para as doutrinas foi
reduzida, e as doutrinas por si m esm as com eçaram a ser rem ovi­
das da história.
Sobre a Q ueda dizia-se que não tinha acon tecid o num rem o­
to espaço-tem po. Pelo contrário, cada pessoa reproduz em sua
própria vida essa história. Cada um entra no m und o com o Adão,
sem pecado; cada um se rebela contra Deus. A Q ueda é existen­
cial — um a proposição aqui e agora. Edward Jo h n Carnell resu­
m e a visão existencial da Q ueda com o "a descrição m itológica
de um a experiência universal da raça".52
Sem elhantem ente, a ressurreição de Jesus pod e ou não ter
ocorrido no espaço-tem po. Barth acredita que sim ; Bultm ann,
por outro lado, diz: "U m fato histórico que envolve a ressurrei­
ção da m orte é absolu tam ente in co n ce b ív el!"53M ais um a vez,
não tem im portância. A realidade por trás da ressurreição é a
nova vida experim entada em Cristo pelos discípulos. O "espíri­
to " de Jesus estava vivendo neles; suas vidas foram transform a­
das. Eles estavam verdadeiram ente vivendo um "estilo de vida
cru cifo rm e."54
O utras doutrinas sobrenaturais são sem elh antem ente "dem i-
tologizad as", entre elas a criação, a redenção, a ressurreição do
corpo, a Segunda Vinda, o anticristo. Sobre cada um a delas diz-
se ser um sím b o lo de im portação "religiosa". Da m esm a form a,
não devem ser tom adas literalm en te ou, se forem , seu significa­
do não está em sua facticidade, m as no que elas ind icam sobre a
natureza hu m ana e nosso relacio n am en to com D eus.55
É aqui — na com preensão da história e da d outrina — que a
E X I S T E N C I A L I S M O
145

m aioria dos teístas encontra falhas com sua contrapartida exis­


tencial. A acusação é dúbia. Prim eiro, os teístas dizem que os
existencialistas iniciam com duas pressuposições falsas ou, obvia­
mente, altam ente suspeitas: (1 ) os milagres são im possíveis (aqui
Bultm ann, mas não Barth) e (2 ) que a Bíblia é historicam ente
indigna de con fian ça. N o p lano das pressuposições, Bultm ann
sim plesm ente com pra a no ção naturalista de universo fechado;
em bora geralm ente associado a teólogos neo-ortod oxos, Bult­
m an n não é propriam ente u m "teísta" existencialista. Os atuais
estudiosos têm percorrido um longo cam in h o em direção à res­
tauração da con fian ça no Velho Testam ento com o um registro
preciso de acon tecim entos, m as os teólogos existenciais igno­
ram esses eruditos ou reduzem a im portância de seus resulta­
dos. E isso nos leva à segunda m aior crítica teísta.
O s teístas acusam os existencialistas de construir seu edifício
teo ló g ico sobre a areia m ovediça do m ito e dos sím bolos. C om o
um com entarista disse sobre um trabalh o existencial de Lloyd
Geering, intitulado Ressurreição: Um Símbolo de Esperança: "C om o
pôde um não-evento (a ressurreição que não acon teceu ) ser es­
tim ad o com o um sím b o lo de esperança ou, sem dúvida, de algo
m ais? Se algum a coisa aconteceu, tentarem os ver o que isso
significa. Se não aconteceu, a questão não pode ser levantada.
Estam os sendo induzidos para a necessidade de um evento da
P ásco a."56
Deve haver um evento se deve haver propósito. Se Jesus res­
suscitou da m orte na form a tradicional que com preendem os isso,
então tem os um evento que significa algum a coisa. Se ele per­
m aneceu no tú m u lo ou se seu corpo foi levado para algum lu­
gar, tem os outro evento, e isso deve significar algum a coisa mais.
Assim, um teísta recusa-se a abrir m ão da base histórica para a fé
e desafia o existencialista a levar m ais a sério as im plicações do
ab an d o n o dos fatos históricos com o religiosam ente im portan­
tes. Tal aban d o n o levaria à dúvida e perda da fé. Mas, pelo c o n ­
trário, isso tem conduzid o a um salto de fé. O significado é cria­
do no m undo subjetivo, m as não tem referencial objetivo.
Nessa área, o existencialism o teísta se aproxim a m uito do exis­
ten cialism o ateísta. Talvez quan do os existencialistas a b an d o ­
nam a facticidade com o um a base significativa, eles devam ser
O U N I V E R S O AO LADO
146

encorajad os a tom ar o próxim o passo e ab and onar o significa­


do em sua totalidade. Essa atitude os condu ziria nas pegadas
apagadas do n iilism o e eles teriam de encontrar outra saída.

A PERSISTÊNCIA DO EXISTENCIALISMO
As duas form as de existencialism o são interessantes para estu­
dar, porque form am um par de cosm ovisões que originaram um
relacionam en to fraterno, mas são filh os de dois pais diferentes.
O existencialism o teísta surgiu com Kierkegaard em reação à m or­
te do teísm o, à ortodoxia m orta, e com Karl Barth em resposta à
redução do cristianism o à pura m oralidade. Isso deu lugar ao
subjetivism o, evidenciou a religião da história e con centrou sua
atenção em propósitos m ais interiores. O existencialism o ateísta
to m o u a dianteira com Jean-Paul Sartre e A lbert Cam us em res­
posta ao n iilism o e à redução do ser hu m an o a insignificantes
dentes de engrenagens na m aquinaria cósm ica. Isso deu lugar
ao subjetivism o, evidenciou a filo so fia da objetividad e e criou
significado a partir da afirm ação hum ana.
Irm ãos em estilo m as não em conteúd o, esses dois con ceitos
de existencialism o ainda com and am a atenção e rivalizam por
adeptos. E nquanto aqueles que seriam crentes em Deus sen ti­
rem saudades de um a crença que não exige dem asiada fé no
sobrenatural ou a exatidão da Bíblia, o existen cialism o teísta
será um a opção viva. Enquan to os naturalistas que não podem
(ou se recusam a) acreditar em Deus estiverem procurando um
cam in h o para achar sentid o em suas vidas, o existencialism o
ateísta será de grande utilidade. Posso predizer que am bas as
form as — em prováveis versões sem pre renováveis — estarão
con o sco por um longo tem po.
JORNADA PARA O ORIENTE:

monismo panteísta
oriental

E todas as vozes, todos os alvos,


todos os desejos, todos os pesares,
todos os prazeres, todo bem e todo mal,
todos juntos eram o mundo...
A grande canção com milhares de vozes
consistia em uma palavra: OM — perfeição.

Hermann Hesse
Sidarta
N o curso do pensam ento ocid ental, finalm en-
te chegam os a um im passe. O natu ralism o leva ao
niilism o, e o n iilism o é difícil de transcender nos
term os em que o m undo ocid ental — perm eado
pelo natu ralism o — deseja aceitar. O existencialis­
m o ateísta, com o vim os, é um a tentativa, mas ele
apresenta, pelo contrário, sérios problem as. O te­
ísm o é um a opção, m as para o naturalista ele não
é m uito convidativo. C o m o alguém pode aceitar a
existência de um Deus transcendente, infin ito e pes­
soal? P or m ais de um século essa questão apresen­
tou-se com o um a grande barreira. M uitas pessoas
h o je acham difícil descartar seu naturalism o, que
ainda parece ser um m elh o ram en to decisivo sobre
as fabulosas religiões que ele próprio rejeitou. Além
disso, a m od erna cristandade, com suas igrejas h i­
pócritas e sua falta de com paixão, é um pobre tes­
tem u n h o para a viabilidade do teísm o. Não, m u i­
tos ponderaram , p o r esse cam in h o não seguirem os.
Talvez devêssem os o lh ar m ais um a vez para o
naturalism o. O nd e erram os? Bem, em prim eiro lu­
gar d escobrim os que, seguindo a razão, nosso n a­
turalism o leva ao niilism o. Mas não precisam os, ne­
cessariam ente, aban d o n ar nosso naturalism o; p o ­
dem os sim plesm ente dizer que a razão não é confiá-
O U N I V E R S O AO LADO
I50

vel. O existencialism o percorreu parte dessa rota; talvez devês­


sem os percorrer a rota inteira agora. Em segundo lugar, visto
que nós, no Ocidente, tem os a tendência de discutir sobre "dou­
trinas", idéias e assim por diante, vamos declarar um a moratória
não apenas sobre as discussões, mas sobre a d iscrim inação in­
telectual de todas elas. Talvez algum a doutrina "ú til" devesse
ser considerada verdadeira. Em terceiro lugar, se to d o o nosso
ativism o para produzir m u d ança através da m an ip u lação do
sistem a do universo resulta em p olu ição e nossos esforços para
o m elh o ram en to social não são recom pensados, por que não
aband onar nosso ativism o? Vam os deixar de reagir e m elhorar
nossa qualidade de vida sim plesm ente deixando o barco cor­
rer. Finalm ente, se as discussões no O cid ente se transform am
em co n flito s arm ados, p o r que não ab an d o n á-las co m p le ta­
m ente? Deixe estar e deixe acontecer: algum a coisa pod e ser
pior do que o que tem os agora? O O riente apresenta, talvez,
um cam in h o m elhor?
Socio lo g icam en te falando, pod em os delinear o interesse no
O riente pela rejeição dos valores da classe m édia através da ge­
ração jovem da década de 60. Em prim eiro lugar, a tecn ologia
do O cid ente (isto é, a aplicação prática da razão) tornou possí­
vel o bem -estar social m od erno. A guerra do V ietnã (a juventude
não estava pessoalm ente atenta aos prim eiros co n flito s) é o re­
sultado da razão. Portanto, vam os ab and onar a razão. Em se­
gundo lugar, a eco n o m ia do O cid ente levou à iniqüidad e ind e­
cente e à opressão eco n ô m ica das m assas. Por isso, vam os rejei­
tar as pressuposições a partir das quais tal sistem a se desenvol­
veu. Em terceiro lugar, a religião ocid ental m ostrou-se generosa
em apoiar aqueles que estavam no con tro le da tecn ologia e do
sistem a eco n ô m ico . Por isso, não vam os cair nessa arm adilha.
A tend ência para o p ensam ento oriental desde a década de
6 0 é, portanto, prim ariam ente um aban d o n o do pensam ento
ocidental. O O cid ente term ina num labirinto de contradições,
atos de suicídio intelectual e um fantasm a do n iilism o que se
abriga nas m argens tenebrosas de to d o o n osso pensam ento.
N ão há outro cam inho?
Realmente, há — um cam in h o m uito diferente. C om seu anti-
racion alism o, seu sincretism o, seu quietism o, sua falta de tec-
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L
»5»

nologia, seu d escom plicado estilo de vida e sua estrutura religiosa


radicalm ente diferente, o O riente é extrem am ente atrativo. Além
disso, o O riente tem um a tradição m uito m ais antiga do que o
O cidente. Há séculos sendo nosso v izinho, o O riente tem apre­
sentado m odos de conceber e ver o m undo diam etralm ente o pos­
tos aos nossos. Talvez o O riente, aquela terra pacífica com um
m od o de vida sim ples e seus gurus m editativos, tenha a resposta
ao nosso anseio por significado e propósito.
Por m ais de um século, o pensam ento oriental vem fluindo
para o m undo ocidental. As escrituras hinduístas e budistas têm
sido traduzidas e agora circulam em edições de b o lso baratas. Já
no ano de 18 9 3 , no prim eiro Parlam ento das Religiões do M un­
do, em C hicago, Swami Vivekananda introduziu os en sin am en ­
tos do seu próprio guru ind iano, Sri Ram akrishna Param aham -
sa. D. T. Suzuki, do Japão, inundou as pu blicações ocidentais
com literatura zen, e Alan W atts que assim ilou o bu d ism o zen
no O riente, retornando, p o steriorm ente para ensin ar seus se­
guidores ocid entais. Por volta dos anos 60, estudos orientais
tin h am penetrado nas escolas de en sin o m édio. Os gurus in d i­
anos cm zaram em revoada os Estados U nidos e a Europa du­
rante várias décadas. O co n h e cim en to do O rien te to rn o u -se
facilm ente assim ilável e m ais e m ais suas visões da realidade
tornaram -se um a opção viva para o O cid en te.1

A/IONISMO PANTEÍSTA ORIENTAL BÁSICO


É claro que o O riente é tão rico e difícil de classificar e categori­
zar quanto o O cidente. Essa dificuldade é óbvia a qualqu er um
que queira esquadrinhar o sum ário de um estudo com o os c in ­
co volum es de Surendranath Dasgupta, in titu lado História da
Filosofia Indiana.2Para efeito do nosso estudo, estou lim itan d o a
descrição da cosm ovisão do O riente ao que dela é m ais popular
no O cidente: o m o n ism o panteísta. Essa é a raiz da cosm ovisão
que subjaz n o sistem a de Sankara (hind u advaita vedanta), a
M editação Transcendental de M aharishi M ahesh Yogi, m uitos
dos upanixades e as visões tão m aravilhosam ente captadas por
H erm ann Hesse em sua obra Sidarta. O bud ism o com partilha
m u ito das características do hind uísm o, m as se diferencia num
O U N I V E R S O A O L A D O

152

p o n to -ch a v e — a n atu reza da realid ad e fin al. Seguirei, p o rta n ­


to , a ap re se n ta çã o geral c o m a d escrição zen , a fo rm a m ais c o ­
n h ec id a d o b u d ism o n o O cid en te.
O m o n is m o p a n te ísta d ife re n c ia -se de o u tras c o s m o v isõ e s
o rie n ta is m e n c io n a d a s p o r seu m o n is m o (a n o ç ã o de q u e a p e ­
nas u m e le m e n to im p e sso a l c o n stitu i a re a lid a d e ). H are Krish-
na n ã o se en q u a d ra n essa c o sm o v isã o , p o is e m b o ra c o m p a rti­
lh e m u ita s das c a ra cte rística s d o m o n is m o p a n te ísta o rie n ta l,
d eclara q u e a realid ad e é, em ú ltim a an álise, p esso al (e assim
c o m p a rtilh a u m a se m e lh a n ç a c o m o te ís m o , to ta lm e n te ise n ta
n o ad vaita v e d a n ta ).
E sp e ra m o s q u e essas o b se rv a çõ e s m isterio sa s fiq u e m m ais
ev id en tes à m e d id a q u e p ro sseg u irm o s. M as p rim e iro d ev em o s
ser m u ito m ais m isterio so s.

1. Atina é B ram a; isto é, a alm a de cad a um e d e todo ser hum ano é


a A lm a do cosmo.
A tm a (a essên cia, a alm a , de q u a lq u e r p e sso a ) é B ram a (a
e ssên cia, a A lm a d e to d o o c o s m o ). O q u e é u m ser h u m a n o ?
Isto é, q u al é o p ró p rio âm ag o de cad a u m de n ó s? C ad a p esso a
a b ran g e to d o o u n iv erso . C ad a p esso a é (c o lo c a n d o e n fa tic a ­
m en te, p o ré m , c o m p recisão , e m te rm o s o rie n ta is) D eus.
M as d ev em o s d e fin ir D eu s e m te rm o s p an teístas. D eu s é o
u m , o in fin ito -im p e s s o a l, a realid ad e fin al. Isto é, D eu s é o c o s ­
m o . D eu s é tu d o o q u e existe; n ad a existe q u e n ã o seja D e u s.3 Se
alg u m a c o is a q u e n ã o seja D eu s v em à existê n cia, e n tã o essa
co isa é m aya, ilu são , e n ã o existe v erd ad eiram en te. Em o u tras
palavras, q u a lq u e r c o is a q u e exista c o m o o b je to d istin to e sep a­
rad o — esta cad eira e n ã o a q u e la o u tra; esta p ed ra e n ã o a q u e la
árvore; eu e n ã o v o cê — é u m a ilu são . N ão é o n o s so sep aratis­
m o q u e n o s d á realid ad e, m as n o ssa u n ic id a d e — o fa to d e q u e
n ó s s o m o s B ram a, e B ram a é U m . S im , B ram a é 0 U m .
A realid ad e fin a l está a lé m da d istin çã o ; ela ap en as é. N a ver­
dade, c o m o v e re m o s q u a n d o d iscu tirm o s e p iste m o lo g ia , n ã o
p o d e m o s expressar e m lin g u ag em a n atu reza d essa u n icid ad e.
P o d e m o s a p e n a s " p e rc e b ê -la ", to r n a n d o -n o s u m a u n icid a d e ,
a p o s sa n d o -n o s d a n o ssa u n id ad e, da n o ssa "d e id a d e ", e p e rm a ­
n e ce r ali a lé m de q u a lq u e r d istin çã o o u o q u e q u e r q u e seja.
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L

153

N o O c id e n te n ã o e sta m o s a c o stu m a d o s a esse tip o de siste­


m a. D ife re n c ia r é pensar. As leis d o p e n s a m e n to exigem d ife re n ­
ciação : A é A; m as A n ã o é não-A . C o n h e c e r a realid ad e é d ife ­
ren ciar u m a co isa da ou tra, classificá-la, catalo g á-la, re c o n h e c e r
suas relaçõ es sutis ao s o u tro s o b je to s n o c o s m o . N o O rie n te "c o ­
n h e c e r" a realid ad e é p assar a lé m da d ife re n cia çã o , "p e rc e b e r" a
u n ic id a d e d o to d o sen d o u m c o m o to d o . Essa e sp écie de c o n ­
c e ito — até o p o n to em q u e isso p o d e ser e n te n d id o p ela m e n te
— é m e lh o r exp resso in d ire ta m e n te . O s u p an ixad es são rico s
nas ten tativ as de exp ressar o in exp rim ív el in d ire ta m e n te em p a­
ráb o las.

"Traga-me um fruto desta bânia."


"Aqui está, senhor."
"Q uebre-o."
"Quebrei-o, senhor."
"O que você vê nele?"
"Pequeninas sementes, senhor."
"Q uebre uma delas, meu filho."
"Quebrei-a, senhor."
"O que você vê nela?"
"Absolutamente nada, senhor."
Então seu pai falou-lhe: "Meu filho, da própria essência da
semente que você não pode ver, veio à verdade esta vasta árvore".
"Acredite-me, meu filho, o espírito de todo o universo é uma
sutil e invisível essência. Isso é Realidade. Isso é Atma. Tu És i s t o ."4

A ssim o p ai, u m guru, e n sin a seu filh o , u m n o v a to , q u e m e s ­


m o u m n o v ato é u m a realid ad e fin al. Todavia, to d o s n ó s — ta n ­
to o rie n ta is c o m o o cid e n ta is — p e rc e b e m o s d ife re n ciaçõ e s. N ão
"p e rc e b e m o s " n o ssa u n icid ad e. E isso n o s leva à seg u n d a p ro ­
p o siçã o .

2. Algumas coisas são m ais únicas do qu e outras.


A qui v e m o s a m u ltip lica ç ã o das o b serv açõ es m isterio sa s n o s
levan d o a lugar n e n h u m . M as n ã o n o s d ev em o s desesperar. O
"p e n s a m e n to " o rie n ta l é assim m e sm o . A lg u m as c o isa s serem
m ais ú n icas d o q u e o u tras é o u tra fo rm a de d izer q u e a realid a-
O U N I V E R S O A O L A D O

t54

de é um a hierarquia de aparências. Algum as "coisas", algum as


aparências ou ilusões, estão m ais próxim as do que outras de ser
um com o U m . A hierarquia com u m oriental se parece m uito
com aquela que os ocid entais podem construir, m as por razões
diferentes. A m atéria pura e sim ples (isto é, m ineral) é a m en os
real; depois a vida vegetal, a vida anim al, e fin alm en te a hu m a­
nidade. Mas a hu m anid ade tam bém é hierárquica; algum as pes­
s o a s e s tã o m a is p ró x im a s da u n id a d e d o q u e o u tra s. O
M estre Perfeito, o Ú n ico Ilu m inad o, o guru são os seres h u m a­
nos m ais próxim os do ser puro.
Em parte, a con sciên cia parece ser o princípio da hierarquia
aqui. "Perceber" a unicidade im plicaria a consciência. Mas, com o
verem os, quando alguém é um com a Unidade, a con sciên cia
desaparece com pletam ente, e esse alguém se torna sim p lesm en­
te u m Ser infinito-im p essoal. C onsciência, co m o técnicas de m e­
ditação, é apenas m ais um a coisa a ser descartada quan do sua
utilidade se esgota.5 Entretanto, a m atéria pura está m uito além
da realização desta unicidade do que a hum anidade, e é isto o
que conta.
A m aio r distância que se pode alcançar da ilusão, nesse caso,
é a m atéria. Em bora sua essência seja Atma, ela não é. Todavia
assim deveria ser. D evem os ser cautelosos aqui para não vincu­
lar qualqu er noção de "m oralid ad e" à nossa com preensão da
necessidade de que todas as coisas são um com o U m . Aqui ela
apenas significa que o próprio ser requer unidade com o Um . O
U m é a realidade final, e tudo aquilo que não é U m realm ente
não é coisa algum a. O que é verdadeiro não tem nenh u m valor
tam bém , mas, m u ito m ais im portante, não tem existência de
form a alguma.
Assim, voltam os à proposição original: Algumas coisas são
m ais um , isto é, m ais real, do que outras. A próxim a questão é
óbvia: C o m o um ser individual, separado, vem a ser um com o
Um ?

3. Muitos (se não todos) os caminhos levam ao Um.


C on quistar a unicidade com o U m não é um a questão de
descobrir o ún ico cam in h o verdadeiro. Há m u itos cam in h o s do
maya para a realidade. Posso ir por um cam inho, você por outro,
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L
155

um am igo por um terceiro, ad infinitum. O p roblem a não é estar


com outro no m esm o cam inho, mas trilhar na direção certa nosso
próprio cam inho. Isto é, devemos ser orientados corretamente.
A orientação não é tanto um a questão de doutrina, mas de téc­
nica. Sobre isso o O riente é inflexível. As idéias não são, em últim a
análise, importantes.6 C om o disse Sri Ramakrishna: "Não argumen­
te sobre doutrinas e religiões. Há apenas uma. Todos os rios fluem
para o oceano. Flua e deixe os outros fluirem tam b é m !"7
Sob um a perspectiva doutrinária, eu e você pod em os, apenas
ocasionalm ente, con cord ar sobre o que é verdade a respeito de
qualqu er coisa — nós m esm os, o m u nd o externo, a religião.
N ão im porta. No final, todas as religiões con du zem ao m esm o
fim . A percepção da unicidade com o U m não é um a questão de
crença, mas de técnica, e m esm o as técnicas se alternam .
Alguns gurus, com o M aharishi M ahesh Yogi, enfatizam o cân­
tico de m antras — um a palavra em sânscrito aparentem ente sem
significado, algum as vezes selecionad a pelo próprio m estre es­
piritual de um a pessoa e entregue em segredo a um iniciado.
O utros recom end am a m editação sobre um a m andala — um a
b o n ita im agem circular altam ente estruturada que se apresenta
com freqüência ornada e fascinante, sím b o lo da totalidade da
realidade. O utros exigem repetições interm ináveis de orações ou
atos de reverência.
Q uase todas essas técnicas, contud o, exigem quietude e so li­
dão. São m étod os de m editação intelectualm ente desprovidos
de conteúd o. Alguém tenta con qu istar um nível vibratório com
a realidade, a fim de se tornar um com a h arm onia do cosm o e
defitivam ente tornar-se o um sólido, não harm ô nico , sem dua­
lidade, a vibração Final — Bram a, o Um.
D e todos os "cam in h o s", um dos m ais com un s envolve can ­
tarolar a palavra Om ou um a frase con ten d o essa palavra, por
exem plo, "O m M ane Padm e Hum". Tanto a palavra Om quanto
a frase com p leta são essencialm ente intraduzíveis porque não
possuem con teúd o intelectual. Alguns têm sugerido para a pala­
vra Om o seguinte: sim, perfeição, realidade final, tudo, a palavra
eterna. M aharishi M ahesh Yogi diz que O m é o "m antened o r da
vida", "o início e o fim de toda a criação", "aquele hum , que é o
prim eiro som silencioso, a prim eira ond a de silêncio que se ini-
O U N I V E R S O A O L A D O

156

c ia d o o c e a n o d e s ilê n c io d a v id a n ã o m a n ife s ta d a ".8 C h ristm a s


H u m p h re y s c o m e n ta q u e O m é "a p rim e ira s íla b a d a fó rm u la
tib e ta n a O m M a n e P a d m e H u m , o s ig n ific a d o m a is e x te rn o d o
q u a l s im p le s m e n te se extrai 'S alv e a Jó ia n o L ó tu s', e seu s ig n ifi­
c a d o m a is ín t im o é o s e n tid o d o U n iv e rs o ".9
É ó b v io q u e a palavra significado n ã o é usad a n esse sistem a o rie n ­
tal d a m e sm a fo rm a q u e é u sad a n o te ísm o o u n atu ralism o . N ão
e sta m o s fa la n d o aq u i so b re c o n te ú d o racio n al, m as s o b re u n iã o
m etafísica. S ó p o d e m o s v erd ad eiram en te "p ro n u n c ia r" O m e "e n ­
te n d e r" seu sig n ificad o q u a n d o s o m o s u m c o m o U m , q u a n d o
A tm a é B ram a n ã o é u m a d eclaração, m as u m a realização .
O m a n d u k y a u p a n ix a d e d e fin e O M d esta m a n e ira :

OM . Esta palavra Eterna é tudo: o que era, o que é e o que


será, e que está além na eternidade. Tudo é OM.
Brama é tudo e Atma é Brama. Atma, o Eu, tem quatro co n ­
dições.
A prim eira condição é o despertam ento da vida através do
mover-para-fora consciente, desfrutrando os sete elem entos mais
externos e grosseiros.
A segunda condição é a vida sonhadora do mover-para-den-
tro consciente, desfrutando os sete sutis e íntim os elem entos na
sua própria luz e solidão.
A terceira con dição é a vida de son o do silêncio consciente,
quando a pessoa não tem desejos e não se interessa por nenhum
son ho. Essa condição de son o profundo é o um da unicidade, a
m assa de silêncio consciente feita de paz e desfrutar da paz.
Esse silêncio consciente é todo-poderoso, todo-conhecedor,
a regra m ais íntim a, a fo n te de tudo, o início e o fim de tod os os
seres.
A quarta condição é Atma em seu próprio estado puro: a
vida despertada da suprem a consciência. Ele não é a consciência
exterior nem interior, nem a sem iconsciência, nem sono conscien­
te, nem consciência ou inconsciência. Ele é Atma, o próprio Espí­
rito, que não pode ser visto nem tocado, que está acim a de toda
diversidade, além do pensam ento e inefável. Na união com ele
está a suprem a prova da sua realidade. Ele é o fim da evolução e
da não-dualidade. Ele é paz e amor.
M O N I S M Ò P A N T E Í S T A O R I E N T A L

157

Esse Atma é a etem a Palavra OM. Seus três sons (pronuncia-se


AUM, portanto A, U e M) são os primeiros três estados da consciên­
cia, e esses três estados são os três sons.
O primeiro som A é o primeiro estado de despertar da consci­
ência, com um a todos os hom ens. Ele é encontrado nas palavras
Apti, "realizar", e Adimatvam, "sendo prim eiro". Q uem sabe isso
realiza na verdade todos os seus desejos, e em todas as coisas se
torna o primeiro.
O segundo som U é o segundo estado da consciência son ha­
dora. É encontrado nas palavras Utkarsha, "rebelião ", e Ubhaya-
tvam, "dubiedade". Q uem sabe isso eleva a tradição do con h eci­
m ento e atinge equilíbrio. Na sua fam ília nunca nasce um a pessoa
que conhece não-Brama.
O terceiro som M é o terceiro estado de son o consciente. É
encontrado nas palavras Miti, "m edida", e na raiz Mi, "para o fim ",
que dá Apti, "o final do fim". Quem sabe isso mede toda a sua mente
e realiza o final do Fim.
A palavra O M com o som de um ( one , em inglês) é o quarto
estado de suprema consciência. Está além dos sentidos e é o fim da
evolução. É não-dualidade e amor. Vai com seu ser para o supremo
Ser que conhece isto, que conhece isto.10

C ito esse u p a n ix a d e e m su a to ta lid a d e p o rq u e e le c o n té m


v árias id é ia s-c h a v e e m p a ssa g e n s re la tiv a m e n te cu rtas. N o m o ­
m e n to , e sto u m a is in te re ss a d o n a p a la v ra O m e e m c o m o ela
re p re se n ta a re a lid a d e fin a l. D iz e r O m n ã o é a trib u ir-lh e c o n ­
te ú d o in te le c tu a l. O m s ig n ific a q u a lq u e r c o is a e tu d o e, p o r ­
ta n to , e s ta n d o a lé m d e d is tin ç ã o , p o d e s im p le s m e n te d ize r-se
q u e n ã o sign ifica n a d a . D iz e r O m é m e lh o r q u e se to r n a r o u
te n ta r t o m a -s e o q u e O m s im b o liz a .

4. P erceber a u n icidade d e alguém com 0 cosm o é u ltrapassar a p er­


son alid ad e.
V a m o s r e to m a r p o r u m m o m e n t o à p rim e ira p ro p o s iç ã o e
v e r o n d e e la n o s leva, q u a n d o v o lta m o s n o s s a a te n ç ã o a o s se ­
res h u m a n o s n e s te m u n d o . A tm a é B ra m a . B ra m a é u m e im p e s ­
s o a l. P o r ta n to , A tm a é im p e s so a l. O b se rv e a c o n c lu s ã o n o v a ­
m e n te : o s seres h u m a n o s n a su a e ss ê n c ia — n o seu m a is v e r­
d a d e iro e m a is p le n o se r — sã o im p e s so a is.
O U N I V E R S O A O L A D O

158

Essa no ção no m o n ism o panteísta é d iam etricalm ente o p o s­


ta ao teísm o. N o teísm o, a personalidade é o elem ento principal
a propósito de Deus e das pessoas. Isso significa que um indiví­
duo tem com plexidad e no âm ago do seu ser. A personalidade
exige au toconsciência e autod eterm inação e isso envolve d uali­
dade — o pensador e a coisa pensante. No teísm o, tanto Deus
qu an to a hu m anid ade são com plexos.
No panteísm o, o elem ento principal a propósito de Deus é a
Unicidade, pura abstração, indiferenciado, unidade não-dual. Isso
coloca Deus além da personalidade. E um a vez que Atma é Brama,
os seres hum anos estão além da personalidade tam bém . Para que
qualquer um de nós "perceba" nosso ser, tem os de abandonar nos­
sa com plexa personalidade e nos diluir no indiferenciado Um.
Vam os retornar, por um m o m en to , a um a seção do m andu-
kya upanixade citado acim a. Atma, ele proclam a, tem "quatro
con d içõ es": despertar da vida, vida sonhad ora, son o profundo
e "a vida despertada da pura consciência". A progressão é im ­
portante; o m ais alto estado é o que m ais se aproxim a do total
olvido, pelo qual alguém sai da atividade da vida com u m no
m u nd o externo para a atividade dos son h o s e da não-atividade,
a não -co n sciên cia, de son o profundo, e term ina num a co n d i­
ção que em sua d esignação soa com o contrária à prim eira —
"pura consciência".
Assim n o tam os que "pura con sciên cia" não tem nada a ver
com qualqu er espécie de con sciên cia co m que estam os fam ilia­
rizados. "Pura con sciên cia" é, m ais apropriadam ente, a u nião
transparente com o Um , e não "co nsciência" com o a en ten d e­
mos, pois esta dem anda dualidade — um sujeito para ser con s­
ciente e um o b je to do qual ser consciente. Até a própria au to ­
con sciên cia exige a dualidade no eu. Mas esta "pura co n sciên ­
cia" não é consciência; é o puro ser.
Essa explicação pod e ajudar-nos a entend er por que o pensa­
m en to oriental m uitas vezes nos condu z ao quietism o e à in a­
ção. Ser é não fazer. A m editação é o principal cam in h o para o
ser, e m editação — qualquer que seja o estilo — é um a descrição
na quietude. U m sím b o lo con h ecid o é o guru hindu sentado de
pernas cruzadas no pico de um a rocha num a m on tanha do H i­
m alaia em arrebatada con tem plação.
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L
159

5. Perceber a unicidade de alguém com 0 cosmo é ultrapassar 0 co­


nhecimento. O princípio da não contradição não se aplica onde a
realidade fin al está relacionada.
Da afirm ação de que Atma é Brama, tam bém se segue que os
seres hum anos, em sua essência, estão além do con h ecim en to .
O con h ecim en to , com o a personalidade, exige dualidade — um
con h eced o r e um con hecid o. Mas o U m está além da dualidade;
ele é a pura unidade. M ais um a vez, com o o m andukya upanixa-
de diz: "Ele é Atma, o próprio Espírito... acim a de toda diversi­
dade, além do p ensam ento e inefável". Em outras palavras, ser
não é conhecer.
Em Sidarta, que talvez seja a m elh o r literatura oriental jam ais
escrita por um ocidental, H erm ann Hesse faz o ilu m inad o Si­
darta dizer:

O conhecimento pode ser comunicado, mas não a sabedoria...


Em toda verdade o oposto é igualmente verdadeiro. Por exem­
plo, uma verdade apenas pode ser expressa e envolvida em pala­
vras se ela é unilateral. Tudo o que é pensado e expresso em pala­
vras é unilateral, apenas meia-verdade; falta-lhe totalidade, com­
plementaridade, unidade.11

O argum ento é sim ples. A realidade é um a; a linguagem re­


quer dualidade, várias dualidades na verdade (a pessoa que fala
e o ouvinte; sujeito e predicado); con clusão: a linguagem não
pode transm itir a verdade sobre a realidade. Juan M ascaro expli­
ca o que isso significa para a d outrina de Deus:

Quando o sábio do upanixade é pressionado para dar uma defi­


nição de Deus, ele permanece em silêncio, sentindo Deus em
silêncio. Quando indagado novamente a expressar Deus em pa­
lavras, ele diz: "Neti, neti", "Não isto, não isto"; mas quando
pressionado a uma explanação positiva, ele profere as sublimes
palavras: "
t a t t v a m" , “Tu É s Isto".'2
a s i

C laro! Já vim os isso na proposição 3. Agora vem os m ais cla­


ram ente p o r que o m o n ism o panteísta oriental é não-d outriná­
rio. N enhum a d outrina pode ser verdadeira. Talvez algum a pos-
O U N I V E R S O A O L A D O

l6 0

sa ser m ais ú til d o q u e o u tra em c o n v e n ce r u m s u je ito a a lca n ­


çar a u n id a d e c o m o c o s m o , m as isso é d iferen te. N a verdade,
u m a m e n tira p o d e até m e s m o ser m ais ú til.
D e s v ia m o -n o s m ais u m a vez. V o lta m o s a p e n sa r c o m o o c i­
d en tais. Se n ã o p o d e haver n e n h u m a d eclaração verdad eira, ta m ­
p o u co p o d e haver u m a m e n tira . Em o u tras palavras, a verdad e
d esap arece c o m o categ o ria, e a ú n ic a d istin çã o relevan te é d es­
n e c e ss á ria .13 E m re su m o , e sta m o s d e v o lta à té cn ic a — a su b s­
tâ n c ia q u e m ais p re o cu p a o O rien te.

6. P erceber a unicidade de alguém com 0 cosm o é estar além do bem


e do m al; 0 cosm o é perfeito a cad a mom ento.
C h e g a m o s a u m d o s m ais d elica d o s assu n to s tratad o s aq u i. É
u m d os p o n to s m ais m e lin d ro so s n o p a n te ísm o o rie n ta l, p o r­
q u e as p esso as se recu sam a n eg ar a m o ralid ad e. Elas c o n tin u a m
a agir c o m o se alg u m as açõ e s fo sse m m ais corretas e ou tras erra­
das. A lém d isso , o c o n c e ito de carm a é q u a se u n iv ersal n o p e n ­
s a m e n to o rie n tal.
C arm a é a n o ç ã o d e q u e o p re se n te d e stin o de alg u ém , seja
ele agradável o u p e n o s o , se ja essa p esso a u m rei o u u m escravo
o u u m m o s q u ito , é o resu ltad o de açõ e s p assad as, e sp e c ia lm e n ­
te n u m a e x istê n cia anterio r. P o rtan to , carm a está re la cio n a d o à
n o ç ã o d e re e n ca rn a çã o q u e segue d o p rin c íp io geral d e q u e n ad a
q u e é real (isto é, n e n h u m a a lm a ) te m a m ín im a c h a n c e d e exis­
tir. P od e levar sécu lo s e sécu lo s até q u e e n c o n tre seu c a m in h o
de v o lta à U n id ad e, m as n e n h u m a a lm a n u n ca existirá. T od a
a lm a é e tern a, p o is to d a a lm a é e ss e n c ia lm e n te A lm a e assim
p ara sem p re a U n id ad e.
E m seu c a m in h o d e v o lta à U n id ad e, c o n tu d o , e la e sq u a d ri­
n h a q u a lq u e r q u e se ja a série d e fo rm a s ilu só ria s q u e as suas
aç õ e s p assad as exigem . C a rm a é a v ersão o rie n ta l d o q u e c o n h e ­
c e m o s c o m o : o q u e v o cê p lan ta, v o cê co lh e . M as o ca rm a e n c e r­
ra u m a e strita n ecessid ad e. Se v o cê "p e c o u ", n ã o h á u m D eus
p ara c a n ce la r seu d é b ito e p e rd o á -lo . A c o n fis s ã o n ã o é u m a
p rática n e m está a o alcan ce. O p e ca d o deve ser re so lv id o e será
reso lv id o . É claro , u m a p esso a p o d e e sc o lh e r seus ato s futu ros,
d essa fo rm a o carm a n ã o en v o lv e d e te rm in ism o o u fa ta lis m o .14
Isso so a m u ito c o m o a d escrição d e u m u n iv erso m o ra l. As
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L
161

p esso as d ev em fazer o b e m . Se n ã o o fizerem , c o lh e rã o as c o n -


seq ü ê n cias, se n ã o n esta vid a, n a p ró x im a talvez até m e s m o re-
e n c a m a n d o c o m o u m ser m a is in fe rio r n a h ie ra rq u ia . C o m o
p o p u la rm e n te im a g in a d o , u m u n iv erso m o ra l é o q u e o O rie n te
n a v erd ad e tem .
M as d uas co isa s d ev em ser o b serv ad as s o b re esse siste m a. Pri­
m e iro , o fu n d a m e n to para fazer o b e m n ã o é p ara q u e o b e m
seja fe ito ou para q u e v o cê b e n e fic ie o u tra p esso a. O carm a e x i­
ge q u e to d a a lm a sofra p o r seus "p e c a d o s" p assad o s, e n tã o n ão
h á v a lo r e m aliv iar o so frim e n to . A a lm a assim aju d a d a terá de
so frer m ais tarde. D essa fo rm a, n ã o h á o am o r-ág ap e, o am o r-
d oad or, n e m alg u m a e sp écie de a m o r q u e fav oreça o receptor.
A lguém p ratica b o a s açõ e s a fim d e a lca n ça r a u n id a d e c o m o
U m . Fazer o b e m é p rim o rd ia l e, an tes de tu d o , u m a m a n e ira de
au to -a ju d a n a vida.
S e g u n d o , to d a s as a çõ e s são s im p le s m e n te p arte d e u m m u n ­
d o in te iro d e ilu sã o . A ú n ic a realid ad e "re a l" é a realid ad e fin al,
e ela está a lé m da d ife re n c ia çã o , a lé m d o b e m e d o m al. B ram a
e stá a lé m d o b e m e d o m al. É a ssim q u e Sid arta e lo q ü e n te m e n -
te expressa:

O mundo, Govinda, não é imperfeito ou evolui vagarosamente


durante um longo cam inho para a perfeição. Não, ele é perfeito
em cada m om ento; todo pecado já traz em si a graça, toda pe­
quena criança já se revela um hom em velho em potencial, todo
recém-nascido tem a m orte dentro dele, toda pessoa que morre
— a vida eterna... Portanto, parece-me que tudo o que existe é
bom — a morte com o a vida, o pecado com o a santidade, a sabe­
doria com o a tolice.15

A ssim c o m o v erd ad eiro e falso , a ú ltim a d istin çã o e n tre o


b e m e o m al d esap arece. T u d o é b o m (o que, é claro , é o m e sm o
q u e d izer "N ad a é b o m " o u "T u d o é m a l" ). O lad rão é o sa n to é
o lad rão é o sa n to ...
Q u e d irem o s a resp eito de to d a a ev id ê n cia c o m q u e as p es­
soas d o O rie n te agem c o m o se suas açõ e s p u d e sse m ser c o n s i­
d eradas certas o u erradas? P rim e iro , o O rie n te n ã o tem m u ito
m e n o s in g e n u id ad e e d ev o to s in c o n sis te n te s d o q u e o O cid e n -
O U N I V E R S O A O L A D O

1Ó 2

te. Segundo, o s teístas d iriam que os seres h u m an o s são seres


h u m an o s; eles devem agir c o m o se fossem seres m orais, pois
são seres m orais. Terceiro, suas ações c o m "ap arên cia m o ra l"
p o d em ser praticadas p o r razões p u ram en te interesseiras: q u em
qu er reencarnar co m o u m m o sq u ito ou um a pedra? É claro, nu m
sistem a am o ral, o eg o ísm o n ã o seria con sid erad o im o ral.
H erm an n H esse extravasa seu talen to em Sidarta e faz seu
h eró i ap aren tem en te dizer nu m sen tid o co m u m que "o a m o r é
a m ais im p o rtan te co isa n o m u n d o ".16 A ssim H esse e C h ristm as
H um phreys in tro d u zem valores d istin to s q u an d o d izem que é
m e lh o r ser ilu m in ad o o u esclarecid o do que ser u m a pessoa c o ­
m u m .17 Pareceria, p o rtan to , q u e m esm o para m u ito s dos ilu m i­
nad os existe a ten d ên cia para agir m o ralm en te em vez de so b re­
viver das im p licaçõ es d o seu p ró p rio sistem a. Talvez essa seja
u m a m an eira de dizer q u e algum as pessoas são "m e lh o re s" do
q u e a co n sciên cia da sua co sm o v isão pod eria perm itir.

7. A morte é 0 fim do indivíduo, da existência pessoal, mas ela não


altera nada de essencial na natureza individual.
Já d iscu tim o s a m o rte e sua relação co m o carm a e a reencar-
n ação . M as ela m erece, c o m o em to d a cosm o v isão , u m trata­
m en to separado. A m o rte h u m an a sin aliza o fim de um encor-
p o ra m e n to ind ividu al de A tm a; da m esm a fo rm a, sin aliza o fim
de u m a pessoa. M as a alm a, A tm a, é indestrutível.
Porém , observe: n e n h u m ser h u m a n o n o sen tid o individual
o u p essoal sobrevive à m orte. A tm a sobrevive, m as A tm a é im ­
pessoal. Q u an d o Atma é reen cam ad o , to m a-se outra pessoa. S en ­
do assim , o h in d u ísm o en sin a a im o rtalid ad e da alm a? Sim , m as
n ão a im o rtalid ad e p essoal e individual.
É claro, através d os o lh o s orientais, o p esso al e o individual
de q u alq u er m an eira são ilusões. S o m e n te A tm a é v alio so. As­
sim , a m o rte n ã o é um grande n eg ócio . N ada de v alo r perece;
tu d o o q u e tem v alo r é e te m o . Isso p o d e aju d ar a exp licar a
o b serv ação q u e o s o cid e n ta is c o m fre q ü ên cia fazem so b re o
b arateam en to da vida n o O riente. P erso n ificaçõ es ind ividu ais
da vida — este h o m em , esta m ulher, você, eu — n ão têm valor.
M as em essência, to d o s eles têm in fin ito valor, pois, em essên ­
cia, eles são in fin ito s.
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L

163
As ra m ifica çõ e s d isso para o s o cid e n ta is q u e p ro cu ram o
O rien te em busca de sen tid o e sig nificad o não devem ser ig n o ­
radas. Pois para um o cid en tal que atribui v alor à in d iv id u alid a­
de e perso n alid ad e — o ú n ico v alo r de u m a vida h u m an a in d i­
vidual — o m o n ism o p an teísta o rien tal provará ser um grave
d esap o n tam e n to .

8. Perceber a unicidade d e alguém com 0 Um é ultrapassar 0 tempo.


O tempo é irreal. A história é cíclica.
U m a das im agens cen trais em Sidarta é o rio. A partir dele,
Sidarta apren de m ais do q u e to d o s os e n sin am e n to s de Buda o u
de to d o s os co n tato s c o m seu pai esp iritu al, Vasudeva. N o c lí­
m ax d o rom ance, Sidarta se in clin a e ouve a ten tam en te o rio:

Sidarta buscou ouvir melhor o rio. A imagem de seu pai, sua própria
imagem e a imagem de seu filho, todas fluíam umas dentro das ou­
tras. A imagem de Kamala também apareceu e fluía, e a imagem de
Govinda e outras emergiam e passavam. Todas elas se tomaram parte
do rio. Era o objetivo de todas elas, aspirando, desejando, sofrendo; e
a voz do rio estava plena de aspirações, cheia de ressentimentos, plena
de insaciáveis desejos. O rio fluía em direção ao seu objetivo. Sidarta
viu o rio se apressar, formado por si mesmo e por seus parentes e por
todas as pessoas que ele jamais vira. Todas as ondas e águas corriam
mais velozmente, sofrendo, em direção aos alvos, a muitos alvos, para
a cachoeira, para o mar, para a corrente, para o oceano, e todos os
alvos foram alcançados e cada um era sucedido por outro. A água
transformou-se em vapor e subiu, transformou-se em chuva e voltou
a cair, tomou-se numa corrente, num riacho e num rio, renovou-se e
continuou fluindo. Mas a voz saudosa tinha se alterado. Ela ainda
ecoava pesarosamente, ansiosamente, mas outras vozes a acompa­
nhavam, vozes de satisfação e pesar, boas e más vozes, vozes de risos e
lamentos, centenas de vozes, milhares de vozes.18

Finalm en te, tod as as vozes e im agen s e rostos se en trelaça­


ram : "E tod as as vozes, to d o s os alvos, to d o s os d esejos, to d o s os
pesares, to d o s o s prazeres, to d o o b e m e to d o o m al, to d o s ju n ­
tos eram o m u n d o ... A grande can ção de m ilh ares de vozes c o n ­
sistia em um a palavra: O m — p erfeição ".19 É nesse p o n to que
O U N I V E R S O AO LADO
164

Sidarta alcança a m ais íntim a unidade com o U m , e "a sereni­


dade do co n h e cim en to " brilha em sua face.
O rio, nessa longa passagem — e através do livro — representa
a im agem do cosm o. Q uando observado do ponto de vista de
um lugar ao longo da margem, o rio flui (o tem po existe). Mas
quando observado em sua totalidade — da nascente para o ria­
cho para o rio para o oceano para o vapor para a chuva para a
nascente — o rio não flui (o tem po não existe). É um a ilusão
produzida quando em repouso na margem em vez de ver o rio
dos céus. O tem po sem elhantem ente é cíclico; a história é que é
produzida pelo fluir da água que passa por um ponto na m ar­
gem do rio. Isso é ilusório. A história assim não tem sentido onde
a realidade está relacionada. Na verdade, nossa tarefa com o pes­
soas que com preenderiam sua própria divindade é transcender a
história.
Isto ajudaria a explicar p o r que os cristãos ocidentais, que
tanta ênfase dão à história, d escobrem sua representação da
base histórica do cristianism o quase com p letam ente ignorada
pelo O riente. Para a m ente ocid ental, se Jesus existiu ou não,
se realizou milagres, curou o doente, m orreu e ressuscitou da
m orte é im portante. Se isso aconteceu, deve haver um signifi­
cado vital para esses estranhos acon tecim en to s não naturais.
Talvez exista um Deus, afinal de contas.
Para a m ente oriental, o argum ento com p leto é supérfluo.
O s acon tecim en to s de o n tem não têm sentido em si m esm os.
Eles não exercem pressão sobre m im h o je a não ser que te ­
nh am um significado aqui e agora; e se eles tiverem um signi­
ficado aqui e agora, então sua facticidade co m o histó ria não
tem n en h u m interesse. As escrituras do O rien te estão cheias
de epigram as, p aráb o las, fábu las, h istó rias, m ito s, can çõ es,
haiku, hinos, épicos — m as quase nenh u m a história no sen ti­
do de even tos registrados p o rqu e eles a co n tecem nu m c o n ­
texto de esp aço-tem po que não pod e ser repetido.
Estar preocupado com essas questões seria inverter toda a
ordem hierárquica. O ún ico não é o real; apenas o absolu to é,
e o tudo que engloba todas as coisas. Se a história tem valor,
ela será assim com o m ito e apenas m ito, pois o m ito elim in a as
particularidades e nos eleva à essência.
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L

165

U m a das im agens da vida hu m ana e da busca por unidade


com o U m está estreitam ente relacionad a às im agens de ciclo,
ou da roda, ou da grande m andala. Sidarta diz: "Para ond e meu
cam in h o m e levará? Este cam in h o é estúpido, ele vai em espi­
rais, talvez em círculos, mas qualqu er que seja o cam inho, eu o
seguirei".20 E Juan M ascaro repete: "O cam in h o da Verdade pode
não ser um cam in h o de lin has paralelas, m as um cam in h o que
segue um círculo: ind o para a direita e elevando-se ao círculo,
ou indo para a esquerda e elevando-se ao círculo, estam os desti­
nados a encontrar o topo, em bora ten h am o s com eçad o em di­
reções aparentem ente contraditórias".21
Esse sím b o lo é desvendado no livro Sidarta; os cam inho s de
Buda, Vasudeva, Sidarta e Govinda se encontram e se cruzam
várias vezes, m as todos eles chegam ao m esm o lugar. Para dei­
xar m ais claro, Hesse m ostra isso na exata identidade dos sorri­
sos na face do radiante Buda, Vasudeva, Sidarta.22 Todas as U n i­
dades Ilum inadas são um a no Todo.

A DIFERENÇA ZEN
Para quem olha de fora, o budism o pode ser m uito parecido com
o hinduísm o. A cosm ovisão por trás dos dois enfatiza, por exem ­
plo, a singularidade da realidade primeira. Apesar disso, há uma
diferença-chave. Para ter um a com preensão do que está envolvido
de um a form a geral, observe o contraste entre o advaita vedanta
(hinduísm o não dualista) que já discutim os e o zen-budism o.23
O m onism o hindu sustenta que a realidade final é Brama — o
Um. O U m tem, ou melhor, é o próprio Ser — o um indiferencia­
do "seja o que for" final. Faz sentido m encionar esse Brama ou
falar do Um. C om o um a lâmpada espargindo fótons de luz mais e
mais dentro das trevas, dispersando mais e mais seus fótons uns
dos outros, de Brama (o U m ) em ana o cosm o (os m uitos).
O m o n ism o zen-budista sustenta que a realidade final é o
Vazio.24 A realidade final não é nada que pode ser no m ead o ou
alcançado. D izer que ela é nada é incorreto, mas da m esm a for­
m a dizer que ela é algum a coisa é igualm ente incorreto. Isso
degradaria sua essência reduzindo-a a um a coisa entre coisas.
O Ú n ico hindu é ainda um a coisa entre coisas, em bo ra seja a
O U N I V E R S O AO LADO
166

prin cip al entre as coisas. O Vazio não é u m a coisa de m an eira


algu m a. É, p elo con trário , a o rigem de todas as coisas.
Essa d istin ção leva a u m a co m p reen são d iferente d os seres
h u m an o s tam b ém . Para um hind u, u m a pessoa individual é um a
alm a (A tm a) e, assim , tem su bstan cial (esp iritual, não m aterial)
realidade, p o rq u e é u m a e m an ação de Bram a (a própria realid a­
d e). N a m orte, u m a alm a ind ividu al perde sua resid ência co rp o ­
ral, m as re e n ca m a em o u tro ind iv íd u o — u m a esp écie de tran s­
m igração da alm a.
Para um budista, um a pessoa individual é um a não-alm a. N ão
h á natureza que possa ser no m ead a n o âm ago de cada pessoa. Na
verdade, cada pessoa é um agregado de pessoas anteriores. Há não
som en te a transm igração da alm a co m o o d esaparecim ento da
pessoa na m orte e a reconstituição de outra pessoa a partir de cinco
agregados ou "fatores de existência": "corpo, sentim ento, percep­
ção, form ações m entais e consciência".25
As práticas religiosas e as técnicas de m editação tam bém são
diferentes n o hind uísm o e n o zen-budism o. É m u ito com u m para
os hinduístas repetir u m m antra, co m o Om, e assim induzir um
transe ou estado sem elhante que é considerado co m o um a ascen­
são em direção à deidade. O s zen-budistas podem , sem elh ante­
m ente, repetir um m antra, m as seu objetivo é atingir um estado de
realização da sua raiz n o não-ser — a não-entidade do seu "rosto
antes de eles nascerem ", por exem plo.26 U m m estre zen pod e desa­
fiar um novato co m koans, questões em baraçosas co m o "O que é o
som de um a m ão ?"27 ou "O que é o corpo darm a de Buda [i.e., o
que é a realidade]?"28 O u o m estre pode dirigir-se ao novato para
sazen ("apenas sentar-se"). Em qualquer caso, a tentativa é feita
para esvaziar a m ente de to d o pensam ento, pois a realidade final
não é apenas o não-ser, é tam bém "não-m ente".
E ntretan to , c o m essas e outras diferenças, o efeito das duas
fo rm as n ão-d u alistas, o h in d u ísm o e o zen -b u d ism o , é c o lo ca r
a p essoa nu m estad o em q u e tod as as d istin çõ es d esaparecem
— aqui e lá, agora e depois, ilu são e realidade, verdade e falsi­
dade, b e m e m al. A pesar da tentativa n o b re d os m estres zen,
tais c o m o D. T. Suzuki, em in sistir q u e o z e n -b u d ism o n ão é
n iilism o , ele g eralm en te aparecerá d essa m an eira para o s le ito ­
res o cid e n ta is.29
M O N I S M O P A N T E Í S T A O R I E N T A L
167

O r ie n t e e O c id e n t e : u m p r o b l e m a d e c o m u n ic a ç ã o
H istória cíclica, cam in h o s que se cm zam , doutrinas que diver­
gem, m al que é bem , con h ecim en to que é ignorância, tem p o que
é etem o, realidade que é irreal: todos esses são artifícios, parado­
xos — até m esm o contradições — m áscaras que encobrem o Um.
O que pod em dizer os ocidentais? Se eles apontam para sua irra­
cionalidade, o oriental rejeita a razão co m o um a categoria. Se eles
ap ontam para o desaparecim ento da m oralidade, o oriental des­
preza a dualidade que é exigida para a distinção. Se eles apontam
para a inconsistência entre a m oral da ação oriental e a teoria am o ­
ral, o oriental diz: "Bem , consistência não é virtude, exceto pela
razão, que já rejeitei e, além disso, ainda não sou perfeito. Q u an ­
do ficar livre dessa carga do carma, então cessarei de atuar com o
se tivesse algum a m oral. Na verdade, cessarei de atuar de um a
m aneira geral e apenas m editarei". Se o o cid ental diz: "M as se
você não com er, você m orrerá", o oriental responde: "Para quê?
Atma é Brama. Bram a é etem o. U m a m orte desejável!"
N ão m e ad m ira que os m issio n ário s ocid en tais têm feito m u i­
to p o u co progresso co m hind u s e bud istas con victos. Eles não
falam a m esm a linguagem , p o is n ão tê m qu ase nada em c o ­
m u m . E d o lo ro sa m e n te d ifícil co m p reen d er a cosm o v isão o rie n ­
tal m e sm o q u an d o alguém tem algu m a id éia de que isso exige
um m o d o de p e n sam en to d iferente do O cid ente. Para m u itos,
que g ostariam de que os o rien tais se to rn assem cristãos (e assim
se to rn assem teístas), parece que os o rien tais tê m m u ito m ais
d ificu ld ad e para com p reen d er que o cristian ism o é, de tod a m a­
neira, ún ico, que a ressurreição n o esp aço -tem p o de Jesus, o Cris­
to, está n o coração das b o a s novas de Deus.
Em am b o s os casos, p arece-m e q u e a co m p reen são de q u e o
O rien te e o O cid en te o p eram sobre d ois co n ju n to s m u ito d ife­
rentes de su p osições é o p o n to de partida. Para in iciar o d iálogo,
pelo m en o s u m a parte deve saber q u ão d iferentes suas su p o si­
ções básicas po d em parecer, m as para a verdadeira co m u n ic a ­
ção hu m an a, am b as as partes devem saber d isso antes de o d iá­
logo se estender. Talvez as d ificu ldad es n o p e n sam e n to orien tal,
que p arecem tão óbvias aos ocid en tais, co m eçarão , p elo m en os,
a ser reco n h ecid as p elo s orientais. Se u m orien tal fo r capaz de
ver c o m o o co n h e cim en to , a m o ralid ad e e a realid ad e são vis-
O U N I V E R S O AO LADO
168

tas, d ig am o s, d o p o n to de v ista d o te ís m o o cid e n ta l, a atrativi-


d ad e d o O cid e n te p o d e ser ó bv ia.
C o n tu d o , o q u e o O rie n te v ê d o O cid e n te e m sua g e n e ra li­
d ad e é m ais rep u lsivo d o q u e Shiva, o gran d e d eu s da p ró p ria
d estru ição . T o d o s a q u e le s q u e g o stariam de c o m u n ic a r a b e le ­
za da v erd ad e e m C risto tê m u m tra b a lh o árd u o , p o is as n é v o ­
as d o im p e ria lis m o rep u lsiv o o cid e n ta l, d a guerra, da v io lê n ­
cia, da g a n â n c ia e da g lu to n a ria são, n a verdade, esp essas.
O n d e, e n tã o , tu d o isso leva o o cid e n ta l q u e fo i para o O rie n ­
te b u sc a r sen tid o e sig n ificad o ? M u ito s, é claro , p e rd em -se p e lo
c a m in h o , te n ta m p egar a ta lh o s para o n irv an a através d as d ro ­
gas, o u recu am , v o lta m para casa e a ssu m e m as ativid ad es n o r ­
m ais da fa m ília , re e n tra n d o n o O cid e n te e d eix an d o o O rie n te
p ara trás c o m p o u co m ais d o q u e a b a rb a p o r fazer, c o m o sin al
d a sua p e re g rin ação (q u e é ap arad a an tes da p rim e ira re u n iã o
d o c o n s e lh o e re m o v id a an tes da seg u n d a). O u tro s resistem n o
c a m in h o p ela vid a. A in d a o u tro s talvez e n c o n tre m o n irv an a e
p e rm a n e ça m to m a d o s em c o n te m p la ç ã o . M as m u ito s s im p le s ­
m e n te m o rre m — p o r in a n içã o , d isen teria, ov erd o ses e q u e m
sab e o q u e m ais. A lguns náufragos se atiram nas praias das co m u ­
nid ades o cid entais e len tam en te se to m a m n o v am en te navegáveis
pela aju d a d os am igos.
D u rante algum as décadas, jov ens e v elh os têm sido arreban h a­
dos p o r vários gurus. As livrarias estão cheias de livros ap o n tan d o
o O riente, co m as costas para o O cid ente, é claro. M editação Trans­
cen d en tal e outras técnicas espirituais do O rien te são com u n s, as­
sim c o m o fu n cio n ário s m ed itan d o a c a m in h o d o trab alh o e aulas
oferecidas nas grandes corporações.
D essa fo rm a, o s o cid e n ta is a in d a p ere g rin am para o O rien te.
E e n q u a n to o O rie n te a p resen tar suas p ro m essas irresistíveis —
p ro m e ssas de paz, de sen tid o , de sig n ifica d o — as p e sso as m u i­
to p ro v av elm en te serão atraídas. O q u e elas re ce b em ? N ão ap e­
nas u m sim p le s cu rativ o o rie n ta l para u m arra n h ã o d o O c id e n ­
te, m as u m a c o m p le ta e n o v a c o sm o v isã o e e stilo de vid a.
8
UM UNIVERSO SEPARADO:

a nova era

Estamos criando energia, matéria e vida na


interface entre o vazio e toda a criação
conhecida. Estamos diante do universo
conhecido, criando-o, preenchendo-o ...
Eu sou "um dos rapazes na casa das máquinas
bombeando a Criação, do vazio para dentro
do universo conhecido; do desconhecido
para o conhecido estou bombeando".

John Lilly
The Center o f the Cyclone [O Centro do CidoneJ
O m isticism o oriental se apresenta com o ún ico
cam in h o para as pessoas no O cid ente que foram
apanhadas na encruzilhada niilista do naturalism o.
M as o m isticism o oriental é estranho. M esm o um a
versão suavizada com o a M editação Transcendental
exige um a reorientação im ed iata e radical do m od o
norm al de captar a realidade no O cidente. C o m o
vim os, essa reorientação condu z a novos estados de
con sciên cia e sen tim entos de p ropósito, m as o cus­
to intelectual é alto. U m a pessoa deve m orrer para
o O cidente, a fim de nascer no O riente.
Existe um c a m in h o m e n o s d o lo ro so , m en o s
árduo para alcançar sentido e significado? Por que
não condu zir um a busca para um a nova co n sciên ­
cia dentro de linhas m ais ocidentais?
Essa busca está sendo feita por um a m ultidão de
estudiosos, entre eles médicos, psicólogos e explora­
dores religiosos. Há um a vanguarda em um a série de
disciplinas acadêmicas que vão das hum anidades às
ciências exatas, e esse transbordar dentro da cultura
parece mais um dilúvio. Esclarecendo m elhor: esta­
m os experim entando um a cosmovisão em sua ado­
lescê n cia.1 E m bora in com p leta, a cosm o v isão da
Nova Era contém muitas arestas e tensões internas,
até m esm o contradições visíveis, m as ela tem to-
O U N I V E R S O AO LADO
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m ad o form a, e p o d em o s, creio eu, v islu m brá-la n u m a série de


p ro p o siçõ es c o m o fizem o s c o m outras cosm o v isõ es.
Q u an d o este livro foi p u b licad o pela p rim eira vez (1 9 7 6 ) ,
havia poucas tentativas de agm par todas essas no çõ es de Nova Era
n u m só lugar. O e sb o ço que se segue era p o r aq u ele te m p o q u a­
se ú n ic o .2 D esde en tão tem havido várias tentativas sig n ificati­
vas, sen d o as m ais co n h ecid as as de M arilyn Ferguson, em A
Conspiração A puariam , F ritjo f Capra em O Ponto de M utação e
Ken W ilb er em Uma Breve História de Todas as Coisas. A prim eira
é a m ais entu siástica e popular, as duas ú ltim as as m ais c o m e d i­
das e eru ditas.3 T o d o s esses escritores prod u ziram im p acto s o ­
bre o m o v im en to da N ova Era em si, d a n d o -lh e um sen so de
co erên cia e d ireção do qu al an terio rm en te ele estava desprovi­
do. Para com p letar, D o u g las G ro o th u is em D esm ascarando a
N ova Era, sua p esqu isa e crítica do m o v im e n to da N ova Era,
co n trib u i para um a d efin ição n ítid a e m ais abran gente.4
Em m eio à d écada de 70, artigos e reportagens de capa na
revista Time e em outras revistas p opu lares de grande tiragem
d em o n straram crescente interesse p elo sobrenatu ral e p elo ad­
m iráv el.5 Em m ead os de 1 9 8 0 o interesse p o r fe n ô m e n o s psí­
q u ico s se divulgara tan to q u e d ificilm e n te provocava o erguer
de um a so b ran celh a apreensiva. M uitas revistas, tais c o m o New
Age Journal, Yoga Journal e East-West Journal, propagavam as idéias
da Nova Era e estavam sem pre disponíveis em bancas de jorn ais.6
Segundo o Calendário Maia, um a Convergência filarm ônica esta­
va program ada para acontecer em agosto de 198 7 . A data foi trata­
da c o m m u ito estard alh aço na m íd ia, m as n en h u m a evid ência
sequ er aflo ro u de que a Era de A quário, um tem p o de grande
paz, havia chegado.
N o final de 1 9 8 7 , a revista Time fo calizo u , m ais um a vez, o
tem a da N ova Era c o m u m a capa retratan do Shirley M acLaine
e u m a p e sq u isa h is tó ric a s o b re "a fé d os cu rad o res, c a n a li­
zadores, viajan tes do espaço, cristais e tc"7. M acLaine agora parece
m e n o s evid ente c o m o a m a io r líd er da N ova Era.8 Em m ead os
de 1 9 9 0 , as h istó rias da N ova Era em grande parte deixaram de
ser n o tícias — não p o rq u e haviam d esaparecido, m as p o rqu e
to rn aram -se m u ito co m u n s, n ão m ais m ereced o ras de p u b li­
cação . C o m o p o d ia ser d iferente, c o m m ais de v in te jo rn a is
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so b re o te m a da N ova Era e alg u m as d ezen as de m e tro s de


esp aço nas prateleiras d estin ad os a livros de N ova Era em m in h a
livraria da esq u in a (três vezes o esp aço d ado à filo s o fia )? 9

A TRANSFORMAÇÃO RADICAL DA NATUREZA HUMANA


B aseand o m u ito da sua esp erança n o m o d e lo e v o lu cio n ário —
um rem an escen te do n atu ralism o o cid en tal — um c o n ju n to de
p en sad o res vangu ard istas estão p ro fe tiz a n d o a v in d a de um
N ovo H o m em e um a Nova Era. Em 1 9 7 3 , Jean H ou ston, da Fu n ­
d ação para a P esquisa da M ente, em P am o n a, Nova York, disse
que este m u n d o precisa é de um "program a p sico n au ta para c o ­
lo car o p rim eiro h o m e m na terra". M as, se n ã o con seg u irm o s
um a con trap artid a p síqu ica da nasa , n o sso p sico n au ta está ch e ­
gando: "É qu ase c o m o se as espécies [h u m an id ad e] estivessem
d and o um salto q u ân tico para um co m p le to e novo c a m in h o
do ser".10 Ela co n clu i que, se ap ren d erm os "a atuar sob re o vasto
esp ectro da co n sciên cia ,... teríam o s acesso a u m a h u m an id ad e
de tal p rofu nd id ad e e riqueza c o m o o m u n d o ja m a is con h eceu ,
tan to que nossos b isn eto s p od erão o lh a r para trás e n o s ver co m o
h o m en s de N eanderth al, tão d iferentes eles estarão".11
D u ran te v in te e cin co anos, H o u sto n tem pregado a m esm a
m en sag em : os seres h u m a n o s ev olu em para u m a co n sciên cia
elevada; as socied ad es e culturas ev olu em para um a m a io r com -
preen sibilid ad e. Agora, n o s ú ltim o s an o s do sécu lo xx, ela diz
q u e já p o d e m o s estar n o s p rim eiro s an o s da C iv ilização de A lto
N ível T ip o I, d uran te a qu al "n o sso s tataran e to s" estarão in d o
para o u tros p lan etas o u co lô n ia s esp aciais "crian d o o paraíso,
c r ia n d o u m a e c o lo g ia v iá v e l e u m m u n d o n o q u a l n o s
n u trirem o s m u tu am en te e n o s ap o iare m o s para a m ais c o m p le ­
ta das n o ssas capacidades". D ep o is d isso v irão as "C iv ilizaçõ es
de Nível T ip o II, nas qu ais n o s to rn arem o s responsáveis p elo
nível sensorial para a orqu estração dos recursos do sistem a solar...
M itic a m e n te e sta re m o s, p ro v av e lm e n te , c h e g a n d o p e rto de
algum m o d o de en carn ar os arqu étip o s. N ós n o s to rn arem o s os
deuses q u e te m o s invocad o". D ep o is, aind a nas C iv ilizaçõ es de
N ível T ip o III, n ó s "n o s ju n tare m o s às red ond ezas galáticas e
n o s to rn arem o s criad ores de m u n d o s, capazes do G ên esis".12
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O co n h e cid o so ció lo g o G eorge Leonard, ed ito r da revista


L o o k a n te s d e e la s a ir d e c ir c u la ç ã o , p re d iz a m e s m a
transform ação radical e ad ianta "o surgim ento de u m a nova
natureza hum ana". Sua fé é inabalável: "Estas novas espécies
evoluirão".'3 Sh irley M acL aine repete a m esm a coisa: ta n to a
t e c n o lo g ia c o m u m q u a n t o a " t e c n o l o g i a i n t e r i o r " tê m
avançado, atestan d o para a "evolução da m en te h u m a n a " e
para "um salto qu ân tico no progresso da espécie h u m ana".14
E m bora o tem a da evolução pessoal ou cultural tenha estado
presente desde a década de 70 até a de 90, a ênfase am bígua
dada pelos professores da Nova Era parece m ais im portante para
m im agora do que fora an tes.15 E isso é bem verdade, pois nada
aconteceu nos ú ltim os vinte anos para m elhorar a sorte hu m a­
na. Sem um a transform ação radical, a espécie hum ana continuará
seguindo de um a tragédia sangrenta para outra. Assim, os espe­
rançosos pregadores da Nova Era interpretam os m od ernos rela­
tos daqueles que reivindicam ter to m ad o um atalho para outra
d im ensão. Eles interpretam (ou m elhor, não interpretam ) os an­
tigos m estres religiosos — Jesus, Buda, Z oroastro — que ainda
têm algum a credibilidade, vêem neles um a pista do progresso
que aguarda toda espécie h u m ana, e co n clu em que há um a
Nova Era chegan d o .16 D ois versos de Alexander Pope, um poeta
do século xviii, parecem apropriados:

Esperança é uma nascente eterna no coração humano:


O homem nunca é, mas sempre deveria ser afortunado.17

C ontu d o, a m aioria de arautos otim istas da Nova Era ficou


em udecida, porém posteriorm ente transform ad a.18 No início da
década de 70 Andrew W eil, M .D ., um pesquisador teórico das
drogas, defendia um a nova e m ais relaxada abordagem ao uso
de drogas psicodélicas e cam in h o s alternativos de alcance de n o ­
vos estados de consciência. A revolução das drogas, ele pensava,
era o prelúdio da Nova Era, um período no qual a espécie h u ­
m ana — em virtude de sabiam en te se utilizar de drogas e técn i­
cas m ísticas — fin alm en te alcançaria a com p leta saúde. Weil (*)

( * ) Hope springs eternal in the human breast; / Man never is, but always to be blest.
A N O V A E R A
175

escreveu: "U m dia, quan do estas m udanças ocorrerem , não te­


rem os dúvidas quan do o lharm os para trás em direção ao pro­
blem a das drogas da década de 70 co m o algum a coisa risível e
m enearm os nossas cabeças com o que dizendo: C o m o não fo ­
m os capazes de ver o que estava realm ente acon tecen d o ?"19 Hoje,
esse o tim ism o está v incu lad o ao que Douglas G roothuis cham a
"tecnoxam anism o". Prom ovida pelos seguidores do falecido Ti-
m othy Leary, a grande esperança agora é perder o "eu" norm al
de alguém e encarregar-se dos poderes de deidade na realidade
virtual do ciberespaço.20
O próprio Weil trocou a ênfase da segurança no uso de drogas
que alteram a consciência para a prom oção da "m edicina integra-
tiva", que Brad Lemley descreve com o "um m odelo m édico que se
em penhe no m elhor dos sistemas terapêuticos, abrangendo da alo­
patia (as drogas e cimrgias regulamentadas pelos departamentos
m éd icos am ericanos) à hom eop atia, acupuntura, herbalism o,
ciência nutricional, hipnoseterapia e muitas outras".21

U m p a n o r a m a d o p e n s a m e n t o da N ova E ra
D o que ten h o dito até aqui, deveria ser ó bv io que a cosm ovi-
são da Nova Era não está con fin ad a a um grupo pequen o da
hum anidade. O que tem os aqui é m ais do que um a m ania dos
intelectuais de Nova York ou dos gurus da C osta Oeste, m ais
do que o ú ltim o culto da teolog ia de Tübingen, Basel ou do
Sem inário U nião. A lista que se segue de disciplinas e represen­
tan tes dessas d iscip lin as c o rro b o ra m esse fato. Pois para as
pessoas m en cionad as aqui, o p ensam ento da Nova Era é tão
natural com o o teísm o é para os cristãos.
Na psicologia, o prim eiro teórico a reconhecer a validade dos
estados alterados de con sciên cia foi W illiam Jam es, posterior­
m ente seguido por C. G. Jung e A braham Maslow. Agora tem os
Robert M asters e Jean H ouston, da Fundação para a Pesquisa da
M ente; Aldous Huxley, escritor e experim entador de drogas; Sta-
nislav Grof, do C entro de Pesquisa de Psiquiatria de M aryland,
que faz experiências com pacientes term inais, aplicand o lsd para
aju dá-los a adquirir um sen tim ento de unidade cósm ica e, as­
sim , prepará-los para a m orte; e Jo h n Lilly cujos prim eiros tra­
O U N I V E R S O AO LADO
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balh o s se iniciaram com golfinhos e progrediram para o experi­


m en to com drogas tendo ele próprio co m o sujeito p rim ário.22
Em Ken W ilber, "a síntese transpessoal de várias escolas de psi­
cologia e filosofia torna seu trabalho intelectualm ente atrativo e
o colo ca sobre a vanguarda da intelligentsia da Nova Era".23
Na sociologia e história cultural, tem os T heod ore Roszak, espe­
cialm ente em Where the Wasteland Ends [O Fim da Devastação] e
Unfinished Animal [Animal Inacabado j, e W illiam Irwin T h o m p ­
son cu jos livros At the Edge o f History [À Margem da História] e
Passages About Earth [Referências sobre a Terra] traçam sua própria
jo rn ad a intelectual do cato licism o ao n atu ralism o à im ersão
nu m a versão oculta da Nova Era. O trabalho de Th o m p so n é
notável, porque, com o antigo professor de história no mit e na
U niversidade de York e sucessor de W oodrow W ilson e co m p a­
nheiros do Velho D o m ín io , ele foi reconhecid o e aprovado pe­
los intelectuais do establishment. Passages About Earth m ostra o
qu an to se afastou dos círculos do establishment .24
Na antropologia, tem os Carlos Castaheda cujos livros têm sido
os m ais vendidos, tanto nos m eios universitários com o nas li­
vrarias em geral. A Erva do Diabo (1 9 6 8 ) foi um a am ostra, sendo
rapidam ente seguido por Uma Estranha Realidade (1 9 7 1 ) e Via­
gem a Ixtlan (1 9 7 2 ). Vários outros livros vieram depois, mas en ­
contraram pouco interesse do p ú blico. Castaneda, que co m e­
çou estudando os efeitos das drogas psicodélicas na cultura in ­
dígena, tornou-se aprendiz de D on Juan, um feiticeiro indígena
da tribo m exicana Yaqui. Tendo com pletad o os ritos de in icia­
ção durante vários anos, Castaneda tornou -se um feiticeiro cuja
suposta experiência com várias espécies de novas realidades e
universos separados torna sua leitura fascinante, algumas vezes
apavorante. Seus trabalhos têm sido um dos maiores portais de
entrada para a nova consciência.25
M esm o na ciência natural são encontrad os elem entos do pen­
sam ento da Nova Era. As pessoas envolvidas profissionalm ente
em Física geralm ente lideram essa corrente, talvez p o r essa área
ser m ais teórica e especulativa e m en os propensa à falsificação
pelo fato. O argum ento da Nova Era para um a interpretação da
Física é um dos m ais populares apresentado pelo físico F ritjo f
Capra e pelo escritor de ciência popu lar Gary Zukav.26 M ais dis-
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eretos na ad oção das idéias da Nova Era são Lewis Thom as e


J. E. Lovelock. Thom as é um b ió lo g o e m éd ico cu jo livro Lives
o f a Cell [Vidas da Célula] alcançou sólid o status no cam po da
literatura científica popular.27 Lovelock é especialista em cro-
m atografia p o r gás, e seu livro Gaia: A New Look at Life on Earth
IGaia: Uma Nova Perspectiva da Vida na Terra] é um trabalh o
influente sobre a m aneira de ver a Terra (G aia é a antiga deusa
grega Terra) com o um sistem a sim b ió tico ú n ico .28
N o cam po da saúde, o nú m ero de terapias incom u n s propos­
tas no que veio a ser cham ad o de m ed icina h olística é enorm e.
Acupuntura, rolfing, cura psíquica, cinesiologia, to qu e terapêu­
tico — essas técnicas representam apenas um pouco das técnicas
utilizadas pelos praticantes no cam po da saúde da Nova Era,29
influencian do m éd icos e enferm eiras. A educação na assistência
m édica, na verdade, pode ser a disciplina m ais atingida pelas
idéias e técnicas da Nova Era. Sob o pretexto de "cuidados espi­
ritu a is ", u m a am p la v aried ad e de té cn ic a s te ra p ê u tica s da
Nova Era estão neste m o m en to sendo ensinadas a estudantes
de m ed icin a.50 Andrew Weil, um propagador da "cura esp on tâ­
nea", diz que aproxim adam ente 3 0 de 134 escolas de m edicina
oferecem algum treinam en to em m edicina alternativa; ele está
dirigindo um novo program a em m edicina integrativa vinculado
à Escola de M edicina da U niversidade do A rizona.31 D eepack
Chopra, M .D ., tam bém surgiu com o professor popular na cura
alternativa da Nova Era.32
O rganizações políticas co m o C idadãos Planetários, fundada
em 197 2 por D onald Keys, propostas co m o P lataform a Política
da Nova Era, de M ark Satin, e partidos políticos com o os Verdes
na A lem anha, advogam ativam ente a im p lem entação política
dos objetivos da Nova Era.33
A ficção científica com o um gênero tem sido am p lam ente d o ­
m inada pelos naturalistas cuja esperança para o futuro da hu­
m anidade está na tecn ologia. Mas poucos desses escritores têm
sido proféticos. Arthur C. Clarke, por exem plo, escreveu dois ce­
nários para a transform ação radical no desenrolar da Nova Era.
Childhood's End [Fim da Infância ] (1 9 5 3 ) é um dos seus m ais
bem -sucedidos trabalhos de im aginação. Seu roteiro para 2001
(1 9 6 8 ), cuja versão em film e é m ais de Stanley Kubrick do que
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1?8

sua, term ina com o alvorecer da Nova Era nu m a nova d im en ­


são com um novo "h o m e m " — a C riança-Estrela.34 E o livro
Stranger in a Strange Land [Estrangeiros Numa Terra Estranha], de
Robert A. H einlein (1 9 6 1 ), em princípio um clássico subversi­
vo, to rn o u -se um tratado para a Nova Era. V alentine M ichael
Sm ith que capta a realidade em sua plenitude, é um protótipo
para um a nova h u m an id ad e.35 O s três ú ltim o s ro m an ces de
Philip K. D ick ( Valis, The Divine Invasion [Valis, A Invasão Divina]
e The Transfiguration o f Timothy Archer [A Transfiguração de Timothy
Archer ]) são tentativas ficcion ais em que ele assum e seus pró­
prios encontros com "um raio de luz rosa".36
N o cinema, um dos m ais eficazes m eios de com u n icação do
m und o m od erno, pod em os observar o trabalho de Steven Spiel-
berg, esp ecialm ente Contatos Imediatos do Terceiro Grau, e a série
Guerra nas Estrelas de George Lucas, ond e a Força, o poder divino
que invade o m undo desses film es, é m u ito parecida com o deus
hindu Brama, incorporand o tanto o bem com o o m al, e o am á­
vel guru Yoda de O Império Contra-Ataca em an a pura m etafísica
da Nova Era. Entre os film es cuja m ensagem é o pensam ento da
Nova Era está o brilhante, surpreendente e interessante My Din-
ner with André ]Meu Jantar com André], um a excursão a u to b io ­
gráfica dentro da m entalidad e de André Gregory.37
M esm o nos esportes estam os vendo m ais e m ais ênfase sobre
técnicas de m editação. Kung fu, judô, karatê e tai-ken-d ô são
artes m arciais baseadas em técnicas orientais que pod em envol­
ver estados alterados de con sciên cia. Pode parecer m u ito natu­
ral, m as as características dos exercícios físicos orientais agora
estão sendo descobertas pelo futebol profissional.38
Finalm ente, o psicólogo Jon K lim o tem pu blicad o um exten­
sivo estudo de canalizadores (um term o da Nova Era para me-
diunidade), e o filó so fo Douglas G roothuis o tem avaliado do
po nto de vista da teologia cristã.39
Pode ser facilm ente contestado que aqueles cujos livros e idéias
apenas m encionei estejam à margem da sociedade ocidental —
um a m argem lunática. Suas idéias não representam a corrente
principal. É claro, isso é em grande parte verdadeiro. O establish-
ment intelectual, com entaristas e críticos — os quais em grande
parte são naturalistas cu jo naturalism o ainda não se torn o u puro
A N O V A E R A

179

n iilism o — têm sido críticos ferrenhos dos livros da Nova Era.40


Mas isso é geralm ente um tributo ao poder que essas idéias estão
com eçan d o a ter. As pessoas cujo trabalho m en cio n ei acim a têm
enorm e influência — pela virtude de sua posição-chave em u n i­
versidades, hospitais e centros de pesquisa ou pelo seu carism a
pessoal — algum as vezes os dois juntos. C on cluind o, um a cos-
m ovisão de im enso im pacto e penetração cultural tem sido for­
m ulada e está sendo prom ovida.

R e l a c io n a m e n t o c o m o u t r a s c o s m o v is õ e s
A cosmovisão da Nova Era é altam ente sincrética e eclética. Ela toma
emprestado de quase toda cosm ovisão representativa. Apesar de
suas misteriosas ram ificações e estranhas dim ensões terem vindo
do panteísm o oriental e do antigo anim ism o, suas conexões com
o naturalismo oferecem a m elhor oportunidade para ganhar co n ­
vertidos além do mais puro m isticism o oriental.
C o m o o naturalismo, a nova con sciên cia nega a existência de
um deus transcendente. N ão há nenh um Senhor do Universo, a
não ser cada um de nós. Há apenas o universo fechado. Na ver­
dade, ele é "povoad o" p o r seres de incrível inteligência e poder
"p essoais", e "a con sciên cia hum ana não está contid a pelo crâ­
nio".41 M as esses seres e m esm o a con sciên cia do cosm o não são
de form a algum a transcendentes no sentido exigido pelo teís­
mo. Além disso, algum a linguagem sobre os seres h u m ano s re­
tém a força total do n atu ralism o.42 F ritjo f Capra, Gary Zukav e
W illiam Irwin T h o m p so n apontam para as sem elhanças dos co ­
rolários entre os fen ô m en os físicos e a Física do século xx.43
T am bém em prestada do natu ralism o é a esperança da m u­
dança evolu cionária para a hum anidade. Estam os nos eq u ili­
brando à beira de um novo ser. A evolução se encarregará da
transform ação.
Tanto no teísmo qu an to n o naturalismo, e d iferentem ente do
monismo panteísta oriental, a Nova Era atribui grande valor no in ­
divíduo. O teísm o fundam enta-se no fato de cada pessoa ser
feita à im agem de Deus. O natu ralism o, refletindo a m em ória
de suas raízes teístas, con tin u a a m anter o valor dos indivíduos,
fu n dam entand o-o na no ção de que todos os seres hu m anos são
O U N I V E R S O AO LADO
l 80

s e m e lh a n te s n a sua h u m a n id a d e c o m u m . Se alg u ém é v a lio so ,


to d o s são.
C o m o n o m onism o panteísta oriental, a nova c o n sc iê n c ia te m
p o r cen tro u m a e x p e riê n cia m ístic a n a q u a l se tra n sc e d e m te m ­
p o, e sp aço e m o ralid ad e. A lguém p o d e ria d e fin ir a n ov a c o n s ­
ciê n c ia c o m o a v ersão o cid e n ta l d o m is tic is m o o rie n ta l n o qu al
a ê n fase m e ta física d o O rie n te (su a su p o siç ã o de q u e A tm a é
B ra m a ) é su b stitu íd a p e la ê n fase n a e p iste m o lo g ia (ver, exp eri­
m e n ta r o u p e rce b e r a u n id a d e d a realid ad e é tu d o o q u e rep re­
sen ta a v id a ). A lém d isso , c o m o n o O rien te, a n ov a c o n sc iê n cia
re je ita a razão (o q u e A ndrew W eil c h a m a de "p e n s a m e n to c o r­
re to " ) c o m o u m gu ia para a realid ad e. O m u n d o é, na verdade,
irra cio n a l o u su p e r-ra cio n a l e exige n o v o s m o d o s de ap re e n são
(u m "d ro g ad o p e n s a n te ", p o r e x e m p lo ).44
M as a n o v a c o n sc iê n c ia está ta m b é m re la cio n a d a ao anim is­
mo, u m a co sm o v isã o q u e a in d a n ã o d iscu tim o s n este liv ro. O
a n im is m o é a v isão geral d a vid a q u e su sten ta as relig iõ es p ri­
m itivas o u as assim ch am ad as religiões pagãs. D izer q u e u m a cos­
m ovisão é prim itiva n ã o q u er dizer q u e ela é sim ples. As religiões
pagãs fo rm am um in te rcâm b io altam en te co m p lexo d e idéias, ri­
tuais, litu rgias, siste m a s de s ím b o lo s , o b je to s d e cu lto e assim
p o r d ian te. M as as relig iõ es pagãs te n d e m a su sten tar certas n o ­
çõ es e m co m u m . Entre elas, as q u e se seg u em sã o refletid as p ela
n o v a c o n sc iê n cia : (1 ) o u n iv erso n atu ral é h a b ita d o p o r in c o n ­
táveis seres esp iritu ais, m u itas vezes c o n c e b id o s n u m a h ie ra r­
q u ia gro sseira, n o to p o da q u a l está o D e u s-C é u (v ag am en te
le m b ra n d o o D eus d o te ís m o , m as d esin te re ssad o n o s seres h u ­
m a n o s ); (2 ) assim o u n iv erso te m u m a d im e n sã o p e sso a l, m as
n ã o u m D eu s-C ria d o r in fin ito -p e s so a l; ( 3 ) esses seres esp iritu ais
v ariam em te m p e ra m e n to d esd e o v íc io e im u n d íc ie ao c ô m ic o
e b e n e v o le n te ; ( 4 ) p ara as p e sso a s p ro sse g u ire m n a v id a, o s
e s p ír ito s m a u s d e v e m s e r a p a z ig u a d o s e o s e s p ír ito s b o n s
a d u la d o s c o m p re s e n te s e o fe re n d a s, c e r im ô n ia s e e n c a n ta ­
m e n to s; ( 5 ) m é d ico s b ru x o s, fe itic e iro s e x am ãs, através de u m
lo n g o e árd u o tre in a m e n to , a p re n d e ra m a c o n tro la r o m u n d o
d o e s p írito d e certa fo rm a , e as p e s so a s c o m u n s sã o m u ito
gratas ao p o d e r q u e eles tê m para exp u lsar e sp írito s de d o en ça s,
seca e assim p o r d ia n te; (6 ) p o r ú ltim o , h á u m a u n id a d e para
A N O V A E R A
181

to d a a v id a — o u seja, o c o s m o é u m a c o n tin u id a d e de esp írito


e m até ria; "o s a n im a is p o d e m ser os an cestrais d os h o m e n s, as
p e sso a s p o d e m tra n s fo rm a r-se e m a n im a is , árv o res e p ed ras
p o d e m p o ssu ir alm a ".45
A n o v a c o n sc iê n c ia reflete cad a asp e cto d o a n im is m o , e m ­
b o ra várias vezes d an d o-lh e u m a co n o tação naturalista — o u des-
m itifican d o -a pela p sicologia. Q u e T h eo d o re Roszak ch a m e a u m
re to m o para a "Velha G n o sis" e às visões de W illiam Blake, e que
C arlos C astaned a ten h a u m lo n g o aprendizado para term in ar em
sua in iciação de feiticeiro, são ind icações de q u e os p ro p o n en tes
da N ova Era estão b e m con scien tes das suas raízes an im istas.46
P o d e a N ova Era — c o m raízes e m três c o sm o v isõ e s sep ara­
das — ser u m siste m a u n ifica d o ? N a verdade, n ã o . O u ain d a
n ã o . E stam o s v e n d o essa c o sm o v isã o e m sua fo rm a çã o . N em
to d as as p ro p o siçõ e s q u e m e n c io n e i a c im a se e n q u a d ra m c o n ­
ju n ta m e n te de m o d o o rd e n a d o ; existe a in d a im e n s a q u a n tid a ­
de de a co rd o s en tre a v angu ard a, e m v irtu a lm e n te cad a área da
cu ltu ra, de q u e alg u m a co isa c o m o esta d escrição seja u m a m a ­
n eira v álid a d e o lh a r a realid ad e — o u p e lo m e n o s útil.

O S DOGMAS BÁSICOS DA NOVA CONSCIÊNCIA


E n te n d e n d o a d elicad eza d este c o n ju n to d e p ro p o siçõ e s c o m o
u m a d escrição p recisa da co sm o v isã o da nov a c o n sc iê n cia , p o ­
d em o s agora com eçar, c o m o fiz e m o s c o m as o u tras c o s m o v i­
sões, c o m a n o ç ã o da realid ad e p rim eira.

1. Q ualquer qu e seja a natureza do ser (id éia ou m atéria, energia ou


partícula), o eu é a m ola mestra — a realid ad e prim eira. C om o os
seres hum anos crescem em sua consciência e se agarram a esse fato, a
raça hum ana está no lim iar d e um a m udança radical em sua nature­
za; m esm o agora vemos os arautos d a hu m an idade transform ada em
protótipos d a N ova Era.
Se o D eu s tra n sc e n d e n te é a realid ad e p rim e ira n o te ís m o e o
u n iv erso físico é a realid ad e p rim e ira n o n a tu ra lism o , e n tã o , na
N ova Era, o eu (a alm a ; a e ssê n cia cen tral e in teg rad a de cada
p e sso a ) é a realid ad e p rim eira.
U m a c o m p a ra ç ã o (e co n tra ste ) c o m a p ro p o s içã o cen tral d o
O U N I V E R S O AO LADO
182

m o n is m o p a n te ísta o rie n ta l é v alio sa. E m essê n cia, o O rie n te


d iz: "A tm a é Bram a", c o lo c a n d o a ê n fa se s o b re B ram a. Isto é,
n o O r i e n t e a lg u é m p e r d e o p r ó p r i o e u n o t o d o ; a
in d iv id u a lid a d e de u m p in g o d 'ág u a (s ím b o lo da a lm a ) c a in d o
d en tro d e u m b a ld e c h e io d 'águ a (s ím b o lo da to ta lid a d e , da
re a lid a d e ) é p erd id a. N a N o va Era, a m e sm a s e n te n ça se lê ao
c o n trá rio : "A tm a é B ram a". É a sin g u la rid a d e d o eu q u e se to rn a
im p o rta n te . A ssim , v e m o s a in flu ê n c ia d o te ís m o , n o q u a l o
in d iv íd u o é im p o rta n te (p o rq u e fe ito à im a g e m de D e u s), e
d o n a tu ra lis m o , e sp e c ia lm e n te d o e x iste n c ia lis m o n atu ralista,
n o q u a l o s in d iv íd u o s são im p o rta n te s (p o rq u e eles são tu d o
o q u e resta para ser im p o r ta n te ).47
O q u e exatam en te é esse eu é o n d e reside o p ro b lem a. É u m a
idéia, o u u m espírito, o u u m "cam p o p sico m ag n ético ", ou a u n i­
dade q u e u n e a diversidade da energia cósm ica? O s p ro p o n en tes
da N ova Era n ão con co rd am , m as in sistem que o eu — o cen tro
co n scien te do ser h u m a n o — é, na verdade, o cen tro d o universo.
S eja o q u e fo r q u e exista além d o eu — se de fato existe algum a
co isa — existe para o eu. O universo extern o existe n ã o para ser
m a n ip u la d o d o exterio r p o r u m D eus tran scen d en te, m as para
ser m an ip u lad o do in terio r p e lo eu.
Jo h n Lilly apresenta u m a lo n ga d escrição da sem elh an ça q u a n ­
d o o eu percebe q u e está, na verdade, n o co n tro le de to d a a realid a­
de. Aqui estão suas observações anotad as ap ó s a experiência d o
que ele acredita ser o m ais alto estad o de co n sciên cia possível:

Nós [ele e outras identidades pessoais] estamos criando energia,


matéria e vida na interface entre o vazio e toda a criação conheci­
da. Estamos diante do universo conhecido, criando-o, preenchen­
do-o... Sinto o poder da galáxia em anando através de m im ... Sou
o próprio processo da criação, incrivelmente forte, incrivelmente
poderoso... Sou "um dos rapazes na casa das máquinas bom bean­
do a criação do vazio para o universo conhecido; do desconheci­
do para o conhecido estou bom beando".48

Q u a n d o L illy fm a lm e n te a lca n ça o e sp aço in te rn o m a is ín ti­


m o , ele o c h a m a d e " + 3 " — a m a is c o m p le ta , a m ais p ro fu n d a
p e n e tra çã o d a realid ad e — e le se to m a o p ró p rio "D eu s". Ele se
A N O V A E R A

1 83

to rn a, su p o sta m e n te , ta n to o u n iv erso c o m o o cria d o r d o u n i­


verso. A ssim , e le diz: "P o r q u e n ã o se alegrar na g ló ria e êxtase
e n q u a n to a in d a u m p assag eiro n este co rp o , n esta esp aço n av e?
D ictate tuas p ró p rias regras c o m o p assag eiro . A c o m p a n h ia de
tra n sp o rte te m p o u cas regras, m as talvez in v e n te m o s a c o m p a ­
n h ia e suas regras ta m b é m ... N ão h á m o n ta n h a s , n e m m o rre-
tes... ap en as u m âm ag o cen tral de m im e g ló ria tra n s c e n d e n ­
te".49 Para Lilly, a im a g in a ç ã o é o m e s m o q u e a realid ad e: "Tudo
e cada coisa qu e alguém pode im aginar existe".50 Para Lilly, p o rta n ­
to , o eu está triu n fa n te m e n te n o c o m a n d o . M u itas p esso as n ão
s a b e m d isso ; é n ece ssária u m a té cn ic a esp ecial p ara p e rce b ê -la;
m as o eu é re a lm e n te rei.
S h irley M acL ain e esp ecu la so b re o fa to de e la ter criad o sua
p ró p ria realid ad e (a lg u m a co isa q u e ela m e n c io n a m u ita s vezes
e m seu s liv ro s). Ela escreve:

Se eu criei m inha própria realidade, então — em algum ní­


vel e dim ensão que não entendo — criei tudo o que vi, ouvi,
toquei, cheirei, provei; tudo o que amei, odiei, honrei, detestei;
tudo o que respondi para alguém, ou que responderam para mim.
Então, criei tudo o que conheci. Fui, portanto, responsável por
tudo o que houve em m inha realidade. Se isso foi verdadeiro,
então (sic) eu fui tudo, com o os antigos textos ensinavam. Fui
meu próprio universo. Isso tam bém não significou que criei Deus
e criei a vida e a morte? Aquilo aconteceu porque eu era tudo o
que havia?...
Assumir a responsabilidade pelo poder de alguém seria a
expressão final do que cham am os de Deus-força.
Seria isso o que significava a declaração eu so u o que s o u ?51

Ela c o n clu i que, para to d o p ro p ó s ito p rá tico isso era verdade.


P resu m o q u e a m a io ria d os le ito re s d esco b rirá nessas m a n ife s ­
tações, m u ito m ais d o q u e u m to q u e d e m e g a lo m a n ia .
Já o u v im o s G eo rg e L eo n ard e Jean H o u s to n p ro fe tiz a re m a
v in d a de u m a N ova Era. E eles n ã o e stão s o z in h o s. A esp eran ça
— se n ã o fo r u m a p ro fe cia — é im ita d a p o r M arily n Ferguson,
A n d rew W eil, O scar Ich azo e W illia m Irw in T h o m p so n . Ferguson
e n c e rra seu liv ro T he B rain Revolution [A R evolução d o C ére-
O U N I V E R S O AO LADO
184

frro ](1 9 7 3 ) c o m u m o tim is m o triu n fa n te : "E sta m o s ap e n a s c o ­


m e ç a n d o a p e rce b e r q u e p o d e m o s v erd ad e iram e n te a b rir as p o r­
tas da p ercep ção e fugir da cavern a".52 Seu livro m ais recente, A
C onspiração Acjuariana ( 1 9 8 0 ) , m ap eia o p ro g resso e c o n trib u i
para isso. Q u e g lo rio sa N ova Era está a m a n h e ce n d o : u m n ov o
m u n d o p o v o ad o de seres saudáveis, b e m aju stad o s, p e rfe ita m e n ­
te felizes, em a b so lu ta b e a titu d e — sem d oen ça, sem guerra, sem
fom e, n en h u m a poluição, apenas alegria transcendente. O q u e m ais
alguém pod eria querer?
O s crítico s d essa u tó p ic a e u fo ria q u e rem u m a co isa — algo
m ais razoáv el, a seg u ran ça o b je tiv a de q u e essa v isão é m ais d o
q u e u m s o n h o d o c a c h im b o d e ó p io . M as d u ran te o s m o m e n ­
to s em q u e o eu está im e rso n a certeza su b jetiv a, n ad a ra c io n a l é
n ecessário , n e n h u m a o b je tiv id a d e é exigid a. W ilb e r descreve da
seg u in te m a n e ira a a u to ce rte z a d essa fu são de alg u ém c o m tu d o
o q u e existe:

Q uando você desce toda a escadaria, você está em queda livre no


Vazio. Dentro e fora, sujeito e objeto, perdem todo o significado
final. Você não está mais "aqui" olhando o mundo "lá fora". Você
não está olhando para o Cosm o, você é o Cosm o. O universo do
Sabor Ú nico anuncia a si m esm o, brilhante e óbvio, radiante e
claro, sem nada externo, nada interno, um interminável gesto de
grande perfeição, espontaneamente consumado. O próprio cinti­
lar Divino em toda vista e som, e você é sim plesmente isso. O sol
dentro do seu coração. Tempo e espaço dançam as tremulantes
imagens sob a face do radiante Vazio, e o universo inteiro perde
seu peso. Você pode engolir a Via Láctea num único gole, e colocar
Gaia (Terra) na palma da sua mão e abençoá-la, e isso tudo é a coisa
mais com um no mundo, e assim você não pensa nada disso.55

Por causa dessa su b jetiv id ad e ab so lu ta, a p o siç ã o eu -so u -D eu s


o u e u -s o u -o -C o s m o p e m a n e ce a lé m de q u a lq u e r c rítica externa
para o s u je ito .54 É m u ito fácil para alg u ém de fo ra ser c o n v en ci­
d o — e so b re s ó lid a ev id ê n cia — d e q u e M acL ain e n ã o é o in fi­
n ito e u sou o q u e sou e q u e W ilb e r n ã o e n g o liu o u n iv erso . M as
c o m o alg u ém irro m p e na p ró p ria c o n sciên cia -d eu s?
A ld o u s H u x ley su gere q u e tal d e s c o b e r ta é p o ssív e l. N ão
A N O V A E R A

185

m u ito an tes d e m orrer, H u xley tin h a dúvidas s o b re a v alid ad e


d a n o v a c o n s c iê n c ia . S u a e s p o s a , L au ra, g ra v o u n u m a fita
c a s s e te m u ito s d e se u s p e n s a m e n t o s fin a is . A q u i e stá u m a
tra n scriçã o da sua co n v ersa d o is d ias an tes da sua m o rte:

Isso [um a d escoberta interio r q u e ele tin h a acabado de fazer]


m o stro u ... a quase natureza sem lim ites da am bição do ego.
Sonhei, isso deve ter acontecido duas noites atrás... que de algu­
ma form a eu estava num a p osição para dar um absolu to... pre­
sente cósmico para o m undo... Algum ato amplo de benevolência
estava prestes a ser praticado, no qual eu faria o papel de estrela
p rin c ip a l.... De certa form a isso era absolutam ente assustador,
m ostrando que, quando se acha que se superou, na verdade ainda
não aconteceu ,55

M e sm o assim , H u xley n ã o a b a n d o n o u sua bu sca. Ele m o rreu


d u ran te u m a "viagem ". A seu p e d id o , sua e sp osa ad m in istro u -
lhe lsd e, c o n fo rm e o c o s tu m e d o Livro Tibetano dos Mortos, e n c o ­
m e n d o u seu esp írito para o d e s c a n s o "d o o u tro lado".
O perigo d o a u to -e n g a n o — te ís ta s e n atu ralistas ig u a lm e n te
a cre sce n tariam a certeza d o a u to -e n g a n o — é a gran d e fraq u e za
da n o v a c o n s c iê n c ia n e ste p o n to . N e n h u m te ísta o u n a tu ra lista
— n in g u é m d e fo rm a a lg u m a — p o d e neg ar a "e x p e riê n c ia " de
p erceb er-se u m deus, u m e sp írito , u m d e m ô n io o u u m a barata.
M u itas p e s so a s fa z e m e sse re la to . M as e n q u a n to s o m e n te o
eu é rei, e n q u a n to se p re ssu p õ e a im a g in a ç ã o c o m o realid ad e,
e n q u a n to v er é ser, a fa n ta sia , a v is ã o d o eu p e rm a n e ce seg u ra­
m en te tra n ca d a e m seu u n iv e rso p riv a d o — s o m e n te a u n id a d e
e x is t e . E n q u a n to o eu g o s ta do que fa n ta s ia e e stá
v e rd a d e ira m e n te n o c o n tr o le d o q u e e le im a g in a , o s o u tr o s
"do la d o de fo ra " n ã o tê m n ad a p a ra o ferecer. O p ro b le m a é
que alg u m as v ezes o eu n ã o é u m rei, m as u m p ris io n e iro . Essa
é a q u e stã o q u e le v a n ta re m o s n a p ro p o s iç ã o 3.

2. O cosmo, enquanto unificado no eu, m anifesta-se em m ais duas


dim ensões: 0 universo visível, acessível através d a consciência com um ,
e 0 universo invisível (ou M ente A m pla), acessível através d e estados
alterados d e consciência.
O U N I V E R S O AO LA 0_ O
1 86

N o qu ad ro b ásico d o co sm o , en tão , o eu (n o cen tro ) está


p rim eiro rodeado pelo universo visível ao qual ele tem acesso
direto através dos cin co sentidos que, por sua vez, obedecem às
"leis da natureza" descobertas pela ciência natural, e segundo pelo
universo invisível ao qual ele tem acesso através das "portas da
percepção", co m o drogas, m editação, transe, biofeedback, acupun­
tura, dança ritualizada, certos tipos de m úsica e assim por diante.
Tal esq u em a m etafísico con d u ziu A ldous H uxley a descrever
cada grupo h u m a n o c o m o "u m a socied ad e de un iv erso s-ilha".56
C ad a eu é u m universo flu tu an d o n u m m ar de universos, m as,
p o rqu e cada un iv erso -ilh a é um p o u co c o m o cada ou tro univer­
so -ilh a, a co m u n ica çã o entre eles p o d e acontecer. A lém disso,
p o rq u e cada universo é, em sua essên cia (isto é, cada eu ), o cen ­
tro de to d o s os universos, a co m p reen são gen u ín a é m ais do
q u e u m a m era possibilid ad e. C itan d o C. D. Broad, ele m esm o
ap o iad o e m Bergson, H uxley escreve: "A fu n ção do cérebro e do
sistem a nervoso e dos órgãos dos sen tid o s está, p rin cip alm en te,
n a e lim in a çã o e n ão na prod u ção. C ad a pessoa está, a cada m o ­
m en to, capacitad a a relem brar tud o o que sem pre acon teceu a
ela e a p erceber tud o o que está aco n te ce n d o em cada lugar n o
un iverso".57 M as, devido a tal p ercepção, que seria esm agad ora e
n o s pareceria caótica, o cérebro age c o m o u m a "válvula red u to ­
ra" para filtrar o que n o m o m e n to n ão é útil. C o m o H uxley diz:
"Seg u n d o essa teoria, cada u m de n ó s é p o te n cia lm e n te um a
M ente A m pla".58 Em outras palavras, cada ser é p o te n cialm e n te
o universo; cada A tm a é p o te n cia lm e n te Bram a. E, para acres­
centar, d iz Huxley, o que passa através dessa válvula redutora é
"u m ín fim o go tejar do tip o de co n sciên cia q u e n o s ajudará a
ficar vivos sob re a superfície deste p lan eta particular".59
A co sm o v isão da N ova Era é o cid e n tal em sua grande parte,
m as n u n ca em sua in sistên cia de que o un iverso visível — o
m u n d o extern o c o m u m — realm en te existe. Esse m u n d o n ão
é ilu são. A lém disso, ele é u m un iverso o rd en ad o . Ele o b e d e ce
às leis da realidade, e essas leis p o d em ser con h ecid as, c o m u ­
n ic a d a s e u t iliz a d a s . M u ito s d o s n o v o s p r o p o n e n t e s da
n o v a c o n sciên cia têm u m saudável resp eito pela ciên cia. Ken
W ilb e r, A ld o u s H u xley, L a u re n c e L e S h a n e W illia m Irw in
T h o m p so n são os p rin cip ais ex e m p lo s.60 Em resum o, o universo
A N O V A E R A
187

visível está s u je ito à u n ifo rm id ad e de causa e efeito. P orém , o


sistem a está aberto , sen d o reord enad o p elo eu (esp ecialm en te
q u a n d o re a liz a sua u n ic id a d e c o m o U m ), que, p o r fim , o
co n tro la, e p o r seres da M en te A m pla, os qu ais o eu pod e alis­
tar c o m o agentes para a m u d ança.
A M ente A m pla é u m a esp écie de universo ao lado, altern ati­
v am en te ch am ad o de "co n sciên cia exp an d id a" o u "co n sciên cia
alternativa" (M acL ain e), "u m a realid ad e sep arad a" (C astan ed a),
"realid ad e clariv id en te" (L eS h an ), "o u tro s esp aço s" (L illy), "su ­
p erm en te" (R o sen feld ), V azio/Face O riginal (W ilb er) o u "M en te
U niversal" (K lim o ).61 Essa M ente A m pla n ão o b ed ece às leis do
universo visível. O eu co n scien te p o d e v iajar através da superfí­
cie da Terra cen ten as de q u ilô m e tro s e fazer isso n u m p iscar de
o lh o s. T em p o e esp aço são elásticos; o universo p o d e vo ltar às
avessas e o te m p o p o d e fluir para trás.62 Poder e energia extraor­
d in ário s p o d em surgir através de u m a p essoa e ser tran sm itid o s
para outros. A cura física pod e ser efetuad a e — se in clu irm o s os
usuários da m agia negra c o m h ab ilid ad es p síqu icas — os in im i­
gos p o d em ser m o rto s, am ald iço ad o s ou atingid os p o r so frim en ­
tos físicos, e m o c io n a is ou m entais.
Shirley M acL aine descreve M ente a A m pla desta m aneira:

Estou aprendendo a reconhecer a dimensão invisível onde não


existe nenhuma dimensão possível. Na verdade, essa é a dimen­
são onde não há altura, largura, profundidade, massa e, na reali­
dade, nenhum tempo. É a dimensão do espírito.63

A M en te A m pla, co n tu d o , n ã o é to ta lm e n te caótica. Ela ap e­


nas aparece assim para o eu q u e opera c o m o se as leis d o u n i­
verso invisível fo ssem as m esm as d o u n iv erso visível. M as a
M ente A m pla tem suas p róp rias regras, suas próprias ord ens, e
p o d e levar u m lo n g o te m p o para um a pessoa apren der apenas
o q u e é essa o rd e m .64
D esco brir qu e o pró p rio eu, na linguagem de Jo h n Lilly, m o n ­
tou as regras q u e governam o jo g o da realidade, p o d e levar te m ­
p o .65 M as q u an d o as pessoas d esco brem isso, p o d em co n tin u ar
a gerar q u alq u er que seja a ord em de realid ad e e q u alq u er que
seja o universo q u e d esejarem . O céu n ã o é o lim ite: "N a provín-
O U N I V E R S O AO EA D O
1 88

cia da m ente, o q u e se crê verdadeiro é o u se to rn a verdadeiro,


d en tro d os lim ites para ser e n co n tra d o exp erien cial e experi­
m en talm en te. Esses lim ites são crenças ad icio n ais para serem
tran scen d id as. N a p ro v ín cia da m en te, n ã o h á lim ite s".66 The
Center o f the Cyclone [O Centro do C iclone ] de Lilly é sua a u to b i­
ografia d o esp aço interior. Ler essa o b ra é in cu rsio n ar através
da geografia da m en te de Lilly, q u an d o ele abre várias "portas
da p ercep ção " e se m o v im en ta de esp aço em espaço, de u n i­
verso para universo.
Aqueles que nunca visitaram esses espaços devem con fiar nos
relatórios dos que já o fizeram. Lilly registra um a série deles, e seu
livro é de um a leitura fascinante. M uitos outros têm visitado esses
espaços tam bém , e seus relatos são sem elhantes em tipo, em bora
raram ente em detalhes específicos. Recolherem os os "sen tim en ­
to s" associados com a percepção da M ente A m pla sob a proposi­
ção 3 abaixo. Aqui nos lim itarem os ao aspecto m etafísico. Q ue
"coisas" aparecem na M ente Ampla? E que características essas "coi­
sas" têm ? O relato de A ldous Huxley é um clássico porqu e seu
testem unh o estabeleceu o padrão para m uitos outros. A prim eira
característica da M ente A m pla é sua cor e lum inosidade:

Tudo visto por aqueles que visitaram os antípodas da mente é


brilhantemente iluminado, com o brilho saindo de dentro. To­
das as cores são intensificadas para um ponto além de qualquer
coisa vista num estado normal, e ao mesmo tempo a capacidade
da mente para reconhecer sutis distinções de cores e tons é de
maneira especial ampliada.67

S e ja m as im agens, n a M ente A m pla, de o b je to s co m u n s tais


c o m o cadeiras ou escriv an in h as, o u de h o m en s e m u lh eres ou
seres esp eciais tais c o m o fan tasm as, o u deuses o u esp íritos, a
lu m in o sid ad e é u m a característica qu ase universal. Jo h n Lilly
diz: "V ejo coisas cin tilan te s n o ar c o m o b o lh a s de ch am p an h e.
A su jeira n o ch ão p arecia p o eira de o u ro ".68 Em o n ze de d ezes­
seis relato s sep arad o s citad o s p o r M arilyn Ferguson, m e n ção
esp ecial é feita sob re as cores — "lu z d o u rad a", "luzes piscan-
tes", "lu z b ran ca in te n sa ", "cores u ltram isterio sas".69 C arlo s Cas-
taríeda vê um h o m e m cu ja cab eça é pura luz, e n o clím ax do
A N O V A E R A
189

ac o n te cim e n to em Viagem a Ixtlan con v ersa c o m um lo b o lu ­


m in o so e vê as "lin h a s do m u n d o ".70
Essas experiências de lu m in o sid ad e e co r em p restam força ao
sen tim e n to de que o que algu ém está p erceb en d o é m ais real do
que q u a lq u er coisa percebid a n o universo visível. C o m o H uxley
descreve:

Eu estava vendo o que Adão tinha visto na manhã da sua criação


— o milagre, m om ento após m om ento, na existência nua... Isti-
gkeit — não era a palavra que Meister Eckhard gostava de usar?
"Existencialidade"... uma transciência que ainda não foi eterna,
um perecimento perpétuo que era ao mesmo tempo puro Ser,
uma concentração de minutos especiais nos quais, por algum
inefável e auto-evidente paradoxo, deveria ser vista a fonte divina
de toda a existência.71

Para Huxley, a M ente A m pla não era tan to um a realid ad e se­


parada q u an to a realid ad e co m u m vista c o m o ela realm en te é.
M as essa nova p ercepção é tão d iferente que ela parece um a c o i­
sa in teiram en te nova; parece u m a coisa à p arte.72
U m a segunda característica distintiva da M ente A m pla é que
os seres especiais ap aren tam povoar esse d o m ín io . A lém disso,
para en ten d er o que ela apresenta ser ela m esm a e outros em
suas vidas passadas, Shirley M acL aine vê seu M ais Elevado Eu —
u m a pessoa n a "fo rm a de u m a co n fid e n te m u ito alta e d o m in a ­
dora, quase u m ser h u m a n o an d ró gen o ".73 Ela se to rn a seu guia
e in térprete de sua experiência. C arlos C astaned a en co n tra "alia­
d o s", "aju d ad o res", "gu ardiães" e "entid ad es da n o ite".74 Jo h n
Lilly, freq ü en tem en te en co n tra d o is "gu ardiães" que o instruem
sob re c o m o aproveitar o m áx im o da sua v id a.75 S e m e lh a n te m e n ­
te, relato após relato, o s seres pessoais — o u forças co m u m a
d im en são pessoal — m an tê m suas aparições, ch am e-o s do que
v o cê desejar: d em ô n io s, esp íritos o u an jo s. A lém disso, alguns
aficio n ad o s da nova co n sciên cia reco n tam experiências de seres
que se tran sfo rm am em u m pássaro o u u m an im al ou de seres
capazes de voar o u v iajar c o m rapidez, m esm o n u m a jo rn ad a
interp lanetária.
N a verdade, a M ente A m pla é um lugar m u ito estran h o . Seus
O U N I V E R S O A O L A D O

IÇ O

h a b ita n te s re a lm e n te existem ? E les são in v e n çã o da im a g in a ­


çã o d o eu, p ro je ç õ e s d o s te m o re s e esp eran ças d o s u b c o n sc i­
en te? A lg u ém re a lm e n te se to rn a u m p ássaro e v oa? N a co sm o -
v isão d a n o v a c o n sc iê n c ia essas q u e stõ e s n ã o são im p o rta n tes.
M e s m o a s s im , s ã o ó b v ia s t a n t o p a r a t e ís t a s c o m o p a ra
n a tu ra lista s. L id a re m o s c o m elas, c o n tu d o , n a p ro p o s iç ã o 5,
m ais ad ian te.

3. O âm ago da experiência d a N ova Era é a consciência cósm ica, na


qual as categorias com uns d e espaço, tempo e m oralidade tendem a
desaparecer.
Esta p ro p o s içã o é o o u tro lad o e p iste m o ló g ic o da m o e d a m e ­
tafísica d iscu tid a na p ro p o s içã o 2. N u m sen tid o , a p ro p o s içã o 3
n ã o faz m u ito av an ço na co m p re e n s ã o da N ova Era. M as acres­
cen ta u m a n e ce ssid a d e p ro fu n d a.
F u n d a m e n ta n d o a u n id a d e q u e as p ro p o siçõ e s 2 e 3 c o m p a r­
tilh a m está a p re ssu p o siçã o d iscu tid a n a p ro p o s içã o 1: q u e ver
(o u p e rce b e r) é ser; q u a lq u e r co isa q u e o eu vê, p ercebe, c o n c e ­
be, im a g in a o u acred ita, existe. E xiste p o rq u e o eu está n o c o ­
m a n d o d e tu d o o q u e existe: "C re io , lo g o existe". F ilo s o fic a m e n ­
te, a n ov a c o n sc iê n c ia o fe re ce u m a resp o sta sim p le s e rad ical
para o p ro b le m a da d ife re n c ia çã o e n tre a a p arê n cia e a realid ad e.
D e fo rm a b e m d ireta, e la d eclara q u e n ã o existe d istin çã o . A
a p arê n cia é a realid ad e. N ã o h á ilu sã o .76
É cla ro , a p e rc e p çã o to m a d u as fo rm a s — u m a p ara o u n i­
v e rso v is ív e l, o u tr a p a ra o u n iv e rs o in v is ív e l. A p r im e ir a é
ch a m a d a de c o n s c iê n c ia o rd in á ria , c o n sc iê n c ia d e d esp ertar ou
"p e n s a m e n to co rreto ". É a m a n e ira c o m o as p e sso a s c o m u n s
s ã o v is ta s e m su a s im p lic id a d e n a r e a lid a d e d e u m d ia de
t r a b a l h o c o m u m . O e s p a ç o é v is t o d i s t e n d i d o e m tr ê s
d im e n sõ e s . D o is c o rp o s n ã o p o d e m o cu p a r o m e s m o e sp a ço
ao m e s m o te m p o . O te m p o é lin e a r : o n te m já se fo i; a q u i
e s ta m o s a g o ra; a m a n h ã e stá v in d o . D o is e v e n to s se p a ra d o s
n ã o p o d e m a c o n t e c e r à m e s m a p e s s o a a o m e s m o te m p o ;
e m b o ra eu s e n to e p e n s o a o m e s m o te m p o , n ã o p o sso sen ta r
e fic a r e m p é a o m e s m o t e m p o . N a c o n s c i ê n c i a c o m u m ,
alg u m as aç õ e s p a re c e m b o a s; o u tras m e n o s b o a s; o u tra s m ás;
o u tras, ain d a, c la ra m e n te m ás. E, é ló g ico , a s su m im o s q u e elas
A N O V A E R A
191

g e ra lm e n te sã o c o m o as p e rc e b e m o s. C o m tu d o isso e sta m o s
to d o s fa m ilia riz a d o s.
O seg u n d o e stad o de c o n sc iê n c ia n ã o é tã o fam iliar. N a ver­
dade, para a m a io ria d e n ó s, n o O cid e n te , é m u ito d ifícil de
im aginar. Para to rn a r as c o isa s m ais c o m p lica d a s, este seg u n d o
estad o de c o n sc iê n c ia é, n a verdade, c o m p o s to d e m u ito s e d ife ­
ren tes estad o s d e c o n sc iê n c ia ; alg u n s d iz e m três, o u tro s seis e
a in d a o u tro s o ito .77 M as an tes de c o n sid e ra rm o s q u a lq u e r d essas
várias su b d iv isõ es, d ev em o s ca p ta r suas características gerais. A l­
g u m as d elas sã o sugerid as p e lo s v ário s n o m e s d ife re n te s a trib u í­
d os à c o n sc iê n c ia có sm ic a , q u e n ã o são p o u co s: Eles fo rm a m
u m a le g iã o : "e te rn a g ló ria " (Z a e h n e r ), "c o n s c iê n c ia e lev a d a "
(W e il), "e x p e riê n cia de p ic o " (M a slo w ), "n irv a n a " (b u d ista s ),
"sa to ri" (ja p o n e se s z e n ), "co n sciê n cia K o sm ic" (W ilb e r), "estad os
a lterad o s de c o n s c iê n c ia " ) o u EAC (M asters e H o u s to n ) e "visão
c ó s m ic a " (K e e n ).
D u as d essas cla ssifica ç õ e s p arecem m ais ad eq u ad as d o q u e
as o utras, u m a p o r razões te ó rica s e o u tra p o r razõ es h istó ricas.
T e o ricam en te, estados alterados d e consciência tra n sm ite a c o m p re ­
e n sã o m ais u n iv e rsa lm e n te a ceita d o fe n ô m e n o . O s e stad o s de
c o n sc iê n c ia en v o lv id o s são, n a verdade, n ad a c o m u n s. A o u tra
cla ssifica ç ã o ap ro p riad a, consciência cósm ica, é fre q ü e n te m e n te
u tilizad a, p o rq u e é a q u e la das m ais an tigas n o s escrito s m o d e r­
n o s s o b re o assu n to . Fo i in tro d u zid a em 1901 p e lo p siq u iatra
ca n a d en se R. M . B ucke e p o p u larizad a p ela sua in c lu sã o n o s es­
tu d o s c lá ssico s d o m is tic is m o de W illia m Jam es:

A característica primordial da consciência cósm ica é a consciên­


cia do cosm o, isso é, da vida e ordem do universo. Junto com a
consciência do cosm o ocorre um ilum inism o intelectual que por
si só colocaria o indivíduo num novo plano da existência —
tornando-o um m em bro de uma nova esp écie.... Com isto vem
o que pode ser cham ado de senso de imortalidade, uma cons­
ciência de vida eterna, não um a convicção de que ele terá isso,
mas a consciência de que ele já a tem .78

A c la s sific a ç ã o con sciên cia cósm ica v e m in flu e n c ia n d o u m a


e x p lica çã o m e ta física da exp eriên cia, a q u e la la rg a m e n te aceita
O U N I V E R S O AO LADO
1 92

e n tre o s p ro p o n e n te s da c o s m o v is ã o da n o v a c o n s c iê n c ia . A
q u e stã o é a seg u in te: Q u a n d o o eu p e rce b e a si m e s m o sen d o
u m c o m o c o s m o , e le é u m c o m ele. A u to -realização , e n tã o , é a
re alização d e q u e o eu e o c o s m o n ã o são ap en as p arte de u m a
peça, m as são a m e sm a peça. Em o u tras palavras, c o n sc iê n cia
c ó s m ic a é e x p e rim en ta r A tm a c o m o B ram a.
C o m o p o n to cen tra l na c o s m o v isã o da c o n sc iê n c ia c ó sm ic a
está a exp e riê n cia u n itária: p rim e iro , a exp e riê n cia de p e rce b e r a
in teg rid ad e d o c o s m o ; seg u n d o , a e x p e riê n cia de se to m a r u m
c o m o c o s m o in te iro ; e fin a lm e n te , a exp e riê n cia de ir a lé m até
m e s m o d essa u n ic id a d e c o m o c o s m o para re c o n h e c e r q u e o eu
é o g erad o r de to d a a realid ad e e, n esse sen tid o , a m b o s são o
c o s m o e o c o s m o -c ria d o r.79 “C on hecer qu e você é Deus; conhecer
qu e você é 0 universo", diz S h irley M acL ain e.80
E n tr e ta n to , o u tr a s " c o is a s " a p a r e c e m s o b o s e s ta d o s da
c o n sc iê n c ia có sm ic a . M e sm o d ep o is de in co n tá v e is leitu ras de
re la to s d essas e x p e r iê n c ia s , o m e lh o r re s u m o é c ita r a lista
exau stiv a das características d e M arily n Fergu son:

Perda das fronteiras do ego e a súbita identificação com toda a


vida (um a fusão dentro do universo); luzes; percepção de cores
alteradas; tremores; sensações elétricas; senso de expansão com o
uma bolha ou saltos ascendentes; banim ento do medo, particu­
larmente do medo da morte; som vibrante; vento, sentim ento de
estar separado do corpo; glória; consciência aguda de padrões;
um senso de liberdade; uma fusão de sentidos (sinestesia), com o
quando as cores são ouvidas e as visões produzem sensações
audíveis; um oceano de sentim entos; uma crença de que alguém
despertou; de que a experiência é a única realidade e de que a
consciência com um é nada mais do que uma pobre sombra; e
um senso de transcendência do tem po e do espaço.81

F ergu n so n c o n tin u a c ita n d o u m a série de re lato s in te re ssa n ­


tes de c o n sc iê n c ia c ó sm ic a , cad a u m ilu stra n d o m u itas, se n ão
tod as, dessas características.
S o b re u m asp e cto da p ro p o s içã o 3, c o n tu d o , n ã o h á a co rd o .
N em to d o s o s p ro p o n e n te s da n ov a c o n sc iê n c ia c o n co rd a rã o
q u e a categ o ria de m o ra lid a d e d esaparece. T e o rica m e n te ela deve
A N O V A E R A

193

desaparecer, p o is a c o n sc iê n cia c ó s m ic a im p lica a u n id a d e de


to d a s as realid ad es e deve ser u m a u n id a d e a lé m da m o ral ta n to
q u a n to as d istin çõ e s m e tafísicas, c o m o p o d e m o s re co rd ar da
a n á lise d o m o n is m o p a n te ísta o rie n ta l n o ca p ítu lo a n te rio r.82
S h irley M acL aine, p o r e x e m p lo , d efen d e v ig o ro sa m e n te o d esa­
p a re c im e n to da d is tin çã o e n tre o b e m e o m al q u a n d o ela vê a si
m e sm a nas d iscu ssõ es acalo rad as c o m Vassy (u m d os seus a m a n ­
tes q u e m a n té m u m a lig ação e m o c io n a l c o m a o rto d o x ia rus­
s a ).83 R. M. Bucke, W illia m Irw in T h o m p so n e K e n W ilb e r se o p o ­
riam a isso, m as M acL aine, Lilly e H u xley c o n c o rd a m .84 M e sm o
assim , c o m o S id arta d e H esse e to d a s as p e sso as q u e p e rm a n e ­
cem , de fo rm a visível, p esso as, M acL ain e, H u xley e Lilly falam
c o m o se fo sse m e lh o r ser ilu m in a d o — isto é, c o s m ic a m e n te
co n scien te — d o que n ão ilu m in ad o , m e lh o r am ar do que odiar, e
m e lh o r aju dar a liderar na N ova Era d o que sim p lesm en te assistir
ao velh o d esm o ro n ar de u m a pessoa.
F in a lm e n te, d ev em o s n o ta r q u e n e m to d o e stad o a lterad o
de c o n sc iê n c ia é e u fó rico . In g ê n u o s p ro p o n e n te s d a c o sm o v i-
são da n o v a c o n sc iê n c ia m u itas vezes p erd em d e v ista esse fato
c ru e l, m a s re la to s d e p é s s im a s v ia g e n s e s tã o p r o n ta m e n te
a c e s s ív e is . O p r ó p r io H u x le y c o n h e c e u o s te rro re s d e u m a
"viagem fracassad a":

Confrontado por uma cadeira que olhava com o o Juízo Final — ou,
para ser mais preciso, com o um Juízo Final que, depois de muito
tempo e considerável dificuldade, a reconheci com o uma cadeira —
descobri todo o meu ser, num relance, à beira do pânico. Essa
experiência, subitamente senti, estava indo longe demais. Muito lon­
ge, mesmo que essa ida fosse para a beleza intensa, de profundo signi­
ficado. O medo, com o o analiso em retrospecto, era de que ser
esmagado, desintegrar sob a pressão de uma realidade maior do que a
m ente, acostum ada a viver na m aior parte do tem po num
aconchegante mundo de símbolos, pudesse possivelmente acontecer.85

H uxley, n o e n ta n to , estava co n v e n cid o d e q u e so m e n te a q u e ­


les q u e tiveram "u m caso re ce n te de icterícia, o u q u e so frem de
p e rió d ica s d ep ressõ es o u d e an sied a d e c rô n ic a " p re cisam te m e r
a e x p e riê n cia m e s c a lin a .86 P o u co s h o je c o n co rd a ria m .

1
O U N I V E R S O AO LADO

194

O s v ários ataques "d e m o n ía c o s" de Jo h n Lilly ju n to c o m as


experiências de C arlos C astaned a d o cu m en tam as baixezas do
"in fern o ".87 Até m e sm o a m ais o tim ista Sh irley M acL aine tem
lu tad o c o m as v isões de q u e ela n ão gosta, p elo m en o s n o in í­
c io .88 Para evitar as regiões ín tim as d o in fern o , Huxley, Lilly e
C astaned a (assim c o m o m u ito s o u tros) e n co rajam v ig o ro sam en ­
te a presença de u m guia d urante as prim eiras tentativas da ex­
p e riê n c ia de c o n s c iê n c ia c ó s m ic a .89 Essa é a ju stific a tiv a da
N ova Era para as proezas realizadas p o r u m guru o u u m M es­
tre P erfeito nas fo rm as m ais sofisticad as de m isticism o o rien tal.
Há, ev id entem ente, u m a flagrante co n trad ição aqui. Se ver é
ser, e a im ag in ação é a realidade, en tão u m a experiência do in ­
ferno é pura realidade. O u, de outra form a, se o eu é rei, ele
está n o c o n tro le da criação e p o d e criar o q u e deseja. Se u m a
pessoa experim en ta o infern o , d eixe-a d estru í-lo e criar o paraíso.
D eus precisaria de u m guia?
M as co m o os devotos do Oriente, os proponentes da Nova Era
pod em responder que, enqu anto é verdadeiro que o eu é "deus", o
eu n em sem pre o percebe. O u ele é um deus adorm ecido e preci­
sa despertar-se, ou ele é um deus "caíd o" e precisa levantar-se.90
N ossa tarefa, então, c o m o seres hu m anos é reverter essa "queda".
Tal visão se enquadra b em com o m otivo evolucionário da Nova
Era, m as não resolve a contrad ição básica. Se o eu é realm ente
deus, p o r que não se m an ifesta c o m o deus? C on tu d o, n ão há
m ais con trad ição aqui do que na versão oriental do m o n ism o
panteísta, e n o fato de haver m ultidões de seguidores.

4. A morte física não é o fim do ser; sob a experiência da consciência


cósmica, o m edo da morte é removido.
M ais u m a vez m e n cio n o esta característica sep aradam ente,
p o rq u e a n o çã o de m o rte é u m a p reo cu p ação tão cen tral para
to d o s n ó s. N ão s o m o s a p e n a s n o s s o s c o rp o s físico s , d iz a
N ova Era. O s seres h u m an o s são u m a un id ad e além d o corp o .
D eclaraçõ es da c o n sciên cia có sm ica c o n firm a m isso rep etid a­
m ente, até o p o n to em q u e S tanislav G ro f ad m in istro u l s d a
pacientes antes que m orressem , para que experim en tassem a u n i­
dade có sm ica q u an d o dessem seu ú ltim o su sp iro.91
Talvez a estu d io sa m ais co n h e cid a da m orte, co n tu d o , seja a
A N O V A E R A

»95

psiqu iatra E lisabeth K übler-Ross c u jo livro Sobre a M orte e o M or­


rer ( 1 9 6 9 ) ch ego u a m erecer aclam açõ es. N a d écada de 70, Kü­
bler-R oss estu dou experiências fo ra-d o -co rp o através do com a
ad q u irin d o seu p ró p rio esp írito guia, q u e lh e assegurou que a
m o rte é apenas u m a tran sição para o u tro estágio da v id a.92 O
interesse nas experiências fo ra-d o -co rp o fo i alim e n tad o p elo li­
vro p o p u lar Life After Life [Vida Após a Vida], escrito p elo m éd ico
Raym ond J. M odd y Jr.93
O u tra testem u n h a da m o rte c o m o tran sição para ou tro esta­
do é oferecid a pelas lem b ran ças de vidas passadas, tais co m o
aqu elas recontad as em p ro lixid ad e p o r M acL aine em seus livros,
e sp ecialm en te em D ançando na Luz. Através da acupuntura, as
lem b ran ças de vidas passadas são despertadas e p o r m e io de
con su ltas a can alizad o res tais c o m o Kevin Ryerson — através
dos quais falam as vozes de T om M cP h erso n (q u e diz ter sido,
n u m te m p o r e m o t o , u m b a t e d o r d e c a r t e ir a s n a é p o c a
elizab etan a) e Jo ão , o Z ebed eu (q u e se id en tifica c o m o o autor
do A p o calip se e d o E van gelho de Jo ã o ) — , M acL aine diz ter
ap ren d id o sob re en carn açõ es anteriores o u "v isto" a si m esm o
nelas. Ela declara, p o r exem p lo , ter vivido m ilh ares de vidas a n ­
tes, sen d o u m a d an çarin a n u m harém , "u m b e b ê e sp an h o l co m
b rin co s de d iam ante, e n u m a igreja, ...u m m o n g e m ed itan d o
n u m a caverna ...u m a d ançarin a de b alé na Rússia... [e] um jovem
inca n o Peru". Ela ta m b é m esteve "envolvida co m vodu" e, c o m o
"p rin cesa dos elefan tes" na ín d ia, salvou certa vez u m a vila da
d estru ição e e n sin o u ao seu povo o m ais elevado grau de m o ra­
lid ad e.94 Em A Vida é um Palco, ela tem u m a visão de vasos cre­
m ató rio s na qu al seu Eu Su p rem o d iz lh e perten cer "ta n to a
crian ça c o m o o avô". Ela tem sid o os d o is.95
A base final para a crença de que a m orte é apenas um a transi­
ç ã o p a ra o u tr a fo rm a d e v id a é, c o n tu d o , a n o ç ã o q u e a
"consciência" é m ais do que a m anifestação física de alguém . Se o
indivíduo é o to d o ou o criador de tudo, e se isso é "conh ecid o"
intuitivam ente, en tão a pessoa co m certeza não tem n en h u m a
necessidade de tem er a m orte. Lem branças de vidas passadas e a
m aioria dos relatos de experiências fora-d o-corpo, assim co m o
advoga a Nova Era, justificam essa falta de m edo. Há, contudo, as
evidências negativas das experiências fora-do-corpo que não são
O U N I V E R S O AO LADO
196

consideradas pelos proponentes da Nova Era, e a idéia de reen-


cam ação tem sido ponderada e tam bém achada insuficiente.96

5. Três atitudes distintas são tom adas para a questão m etafísica da


natureza da realidade sob 0 quadro geral da Nova Era: (1 ) a versão
oculta, na qual os seres e as coisas percebidas nos estados de consciên­
cia alterados existem fora do ser que é consciente, (2 ) a versão psicodé-
lica, na qual essas coisas e seres são projeções da consciência do sujei­
to, e (3 ) a versão do relativismo conceituai, na qu al a consciên­
cia cósmica é a atividade consciente da mente utilizando um dos muitos
modelos não comuns para a realidade, nenhum dos quais é de form a
algum a "mais verdadeiro" do que qualquer outro.
Esta é a proposição final da cosm ovisão da nova con sciên cia e
levanta a questão que vem clam and o para ser respondida desde
o início: O que todas essas estranhas experiências significam ? Elas
são reais? N unca tive um a, alguns dizem . Então falta algo em m im ?
U m a co isa deve fica r clara: n ã o ad ian taria negar q u e p es­
soas te n h a m vivido as exp eriências relatadas. A exp eriên cia é
pessoal. N en h u m de n ó s te m a exp eriência d o o utro. Se um a
p essoa relata um a exp eriência estranha, ela p o d e estar m e n tin ­
do, te n d o falsas lem b ran ças, e n feitan d o , m as n u n ca serem o s
capazes de criticar o relato. M esm o se o relato nos parecer in-
trin sicam en te au to co n trad itó rio , p o d em o s negar sua existên cia
a p e n a s s o b r e u m a b a s e a priori —- q u e tal e tal e sta d o de
ativ id a d e s é, p o r su a n a tu re z a , im p o s sív e l. Se u m a p e sso a
su sten ta seu relato , d ig am o s, s o b fo g o cru zad o , e n tã o , p elo
m en o s para essa p essoa a exp eriên cia p erm an ece o q u e fo i ou
é lem b rad o ter aco n tecid o . M o n ito rar o cérebro de u m a pessoa
c o m u m d isp ositivo e létrico que a faça recordar seja lá o que
for, ta m b é m n ão é necessário. Esse d isp ositivo p o d e dizer-n os
q u e a atividade elétrica está ou n ão aco n tecen d o ; m as ele não
p o d e d izer n ad a so b re a natu reza da existên cia de co isas de
q u e o su jeito está con scien te.
P o d em o s ta m b é m con cord ar, creio eu, que estad os alterados
de c o n sciên cia têm m u ito s d etalhes gerais em co m u m — luz,
perda da n o çã o de tem p o , seres "m ág ico s" e assim p o r diante.
A ssim , e m b o ra cada ser te n h a u m un iverso privado o u u m c o n ­
ju n to deles q u a n d o sua c o n sciên cia é alterada, cada universo
A N O V A E R A

197

p riv a d o é p e lo m e n o s a n á lo g o a o s o u tro s . A d e s c riç ã o de


H uxley — "to d o grupo h u m a n o é u m a socied ad e de universos-
ilh a " — é p ertin en te.97
O resultado é que te m o s u m a m u ltid ão de testem u n h as para
o q u e parece ser u m universo ao lado, u m a realid ad e separada.
O s m ap as dessa realid ad e n ã o estão b e m d esenh ad os, m as se
entrássem o s em n ó s m esm o s, p en so que co n h e ce ríam o s o n d e
te m o s estad o — p elo m en o s q u an d o reto rn arm o s e recuperar­
m o s n o ssas le m b ra n ça s. P o r isso a q u e stã o : O n d e está essa
realid ad e separada?
Três respostas são dadas. A prim eira é a m ais antiga, m as no
fin al das co n ta s n ã o aceitáv el p o r m u ito s d os seg u id ores da
Nova Era. Em últim a instância, derivando do anim ism o, essa visão
é que a consciência cósm ica perm ite que você veja, reaja, receba
poder e talvez com ece a con trolar os seres espirituais que residem
nu m a espécie de quinta d im ensão paralela às nossas quatro nor­
m ais (três de espaço e um a de tem p o ). Essa d im ensão existe e é tão
verdadeira e tão "real" co m o as outras quatro. O s estados alterados
de consciência nos perm item perceber essa dim ensão.
A p rim eira resposta ch a m o de versão oculta p o rq u e ela é o
referencial in telectu al para m u ito s, se n ão to d o s os m éd iuns,
feiticeiras, m agos, bruxos, xam ãs, m éd ico s feiticeiro s e assim p o r
diante. A h ip ó tese dos sem pre presentes e cada vez m ais p o p u la­
res ocu ltistas é que, p o r certos m eio s — transes, b o la s de cristal,
cartas de tarô, tábu as O u ija e o u tros o b je to s co m poderes o cu l­
to s — u m a pessoa p o d e co n su ltar "o o u tro la d o " e arregim entar
seu ap o io . M as deixe o in ician te precavido, d izem os ocultistas.
Sem u m a in iciação n o s ritos e sistem as do o cu lto , aqu eles que
b rin cam co m e n ca n ta m e n to e até m esm o tábu as O u ija pod em
atrair sob re si m esm o s a ira do m u n d o d o esp írito. Q u an d o isso
acon tece, todas as portas do in fern o p o d em ser abertas.
Essa versão o cu lta te m seus seguidores cativos. A versão de
A ldous Eíuxley é claram en te ocu lta. Ele fala sob re portas da per­
cep ção ab rin d o -se à M ente A m pla e descreve c o m o ele vê essa
M ente A m pla em sua natu reza m u ltico lo rid a e m u ltid im en sio -
nal. A lém disso, ele co n clu i seu livro Heaven and H ell [Paraíso e
Inferno ] c o m estas palavras:
O U N I V E R S O AO LADO
198

Meu palpite é que tanto o espiritualismo moderno quanto a tradi­


ção antiga estão corretos. Existe um estado póstumo dessa natureza
descrita no livro de Sir Oliver Lodge Raymond, mas há também um
paraíso de experiências visionárias prazerosas; existe tam bém um
inferno de alguma espécie de experiência visionária apavorante
sofrida aqui pelos esquizofrênicos e aqueles que tomam mescalina;
e existe tam bém uma experiência, além do tempo, da união com o
campo Celestial.98

C o m o o b se rv ad o a n te rio rm en te, H u xley e sua e sp osa, Laura,


ap lic a ra m seu c o n h e c im e n to d o Livro Tibetano dos M ortos e m sua
m o rte, e n q u a n to e la "fa la v a -lh e " e m paz d o o u tro la d o . S h irley
M acL ain e ta m b é m p arece a ceita r essa d im e n sã o o cu lta em suas
te o rias da n ov a c o n sc iê n cia .
Jo h n Lilly é m ais atraíd o p elas e x p lica çõ e s a ltern ad as d iscu ti­
das a seguir, m as co n sid e ra a v ersão o cu lta u m a o p ç ã o séria:

Em m inhas próprias experiências exóticas no tanque de isola­


m ento com lsd e em meus esbarrões com a morte, cheguei a
encontrar os dois guias... Eles podiam ser entidades em outros
espaços, outros universos além do nosso consenso da realida­
de... Podiam ser representantes de uma escola esotérica oculta...
Podiam ser m em bros de um a civilização centenas de milhares
de anos ou mais à nossa frente. Podiam ser a sintonização de
uma freqüência de rádio em duas redes de com unicação de um
cam inho de civilização além do nosso, o qual irradia inform a­
ção através da galáxia.99

A ssim , a v ersão o cu lta d e u m a n ov a c o n sc iê n c ia é u m a a lter­


nativ a im p o rta n te. S e ela é co rreta, e n tre ta n to , p e rm a n e ce em
c o n tra d iç ã o c o m a n o ç ã o d e q u e o eu é ta n to o u n iv erso q u a n to
o u n iv erso -criad o r. Isso sig n ifica q u e existem seres a lé m d o eu;
existem o u tro s cen tro s de c o n sc iê n c ia q u e a firm a m s o b re o seu
p ró p rio eu. V isto c o m o m e n o s q u e u m d esafio , c o n tu d o , a ver­
sã o o cu lta p o d e a in d a su sten ta r q u e o eu é rei até o p o n to em
q u e e le p o d e — p o r q u a lq u e r q u e seja o m e io — assu m ir o c o n ­
tro le de seres p o d e ro so s q u e h a b ita m o u n iv erso sep arad o . A
escravidão o cu lta é ap esar de tu d o u m p ro b le m a freqü en te. A que-
A N O V A E R A

199

les q u e p o d e ria m c o n tro la r a si m e s m o s to m a m -s e c o n tr o la ­


d o s — p reso s em m a n d íb u la s de arm a d ilh a s d e m o n ía ca s cu ja
fo rça é c o m o a fo rça d e dez, p o rq u e seu c o ra çã o é m al.
A seg u n d a resp o sta c h a m o de v ersão psicodélica, p o rq u e ela é
relativ am en te recen te e a p o n ta a o rig e m da realid ad e na p siq u e
da p e sso a q u e a e x p e rim en ta . A versão p sic o d é lica é m u ito m ais
c o n sis te n te c o m a p ro p o s içã o 1 d o q u e sua v ersão o cu lta, p o is a
v ersão p sic o d é lica sim p le s m e n te diz q u e a realid ad e p e rce b id a
so b o s estad o s alterad o s d e c o n sc iê n c ia é p ro lo n g a d a p e lo eu.
Esta realid ad e, em o u tras palavras, é au to g erad a. U m in d iv íd u o
n ã o a p en as ab re as p o rtas da p e rce p çã o c o m o cria u m a nova
realid ad e para perceber.
V im o s essa v isão d escrita a c im a d e várias m an eiras, m as a
d escrição d e Lilly d a sua p ró p ria v iag em m im é instrutiva. N o
in íc io d o seu tra b a lh o c o m as drogas, L illy se to rn a tã o c o n fia n te
de q u e p o d e ria lid ar c o m sua p ró p ria exp e riê n cia in terio r, q u e
to m av a lsd sem o c o n tro le cu id ad o so de u m guia extern o e c o n fiá ­
vel. C o m o resu ltad o , teve u m a reação retard ad a, sofreu u m c o ­
la p so n o e lev ad o r e q u a se m o rreu , a trib u in d o esse c o la p s o a
u m a fa lh a n o c o n tro le de seu s in s tin to s agressivos. S o b o e fe ito
do l s d , vo lto u -se con tra si m e sm o e, à m an eira d o d esejo de m orrer
de Freud, d esejou ta m b é m m orrer. A m o rte de Lilly nu nca teria
sid o d ecretad a c o m o u m su icíd io p e lo s m éd ico s, m as n o q u e
dizia respeito a Lilly, foi, n a verdade, seu p róprio program a inter­
n o q u e o c o lo co u nesse grande p ro b lem a. Para Lilly tan to o céu
qu an to o in fern o são con stru ções internas. Se algu ém vê a si m es­
m o c o m o as m argens d o un iv eso (in fe rn o ) o u c o m o "u m dos
rapazes n a casa das m áq u in as b o m b e a n d o a criação do v az io "
(p araíso), esse alguém é para si m e sm o o criad or da visão.
A terceira resp o sta para a q u e stã o da n atu reza d a realid ad e
en v o lv e o relativism o conceituai. E ssen cial m en te, esta é a v isão na
q u a l existe u m a d is ju n çã o rad ical e n tre a realid ad e o b je tiv a (a
realid ad e c o m o ela re a lm e n te é ) e a realid ad e p e rce b id a (a m a ­
n eira c o m o e n te n d e m o s essa realid ad e e m v irtu d e d e n o s so sis­
te m a de s ím b o lo s ). Isto é, a realid ad e é o q u e e la é; o s s ím b o lo s
q u e u tiliz a m o s para d escrevê-la são arb itrário s. N o ca p ítu lo se­
gu inte, v e re m o s isso c o m o u m a p arte m a io r da persp ectiv a p ó s-
m o d e rn a . M as d ev em o s tratar desse tó p ic o a q u i ta m b é m .
O U N I V E R S O AO LADO
200

U m exem plo de relativism o conceituai vem a seguir. Em nossa


sociedad e o cid en tal, geralm en te co n ceb em o s o tem p o com o
"o suave fluir con tín u o no qual tudo no universo progride a
um a taxa igual, fora do futuro, em bo ra no presente, dentro de
um passado".100 Os índios H opi não têm essa n o ção geral, p o r­
que sua linguagem não tem "referência ao 'tem p o', tanto im ­
plícito quanto explícito".101 N ão que essa realidade seja realm ente
diferente, m as nosso sistem a de linguagem ocid ental, co m seus
revestim entos de co n ceito s culturais, não nos perm ite ver de
outra form a. Isso levou B en jam in W h o rf à hipótese do que em
lingüística está agora associado ao seu nom e: "A estrutura da
linguagem que um indivíduo h abitu alm en te utiliza influencia
a m an eira pela qual esse indivíduo entend e seu am biente. A
im agem do universo m uda de língua para língua".102
C o m o o relativism o con ceituai se desenvolve num a situação
prática? Robert M asters nos dá um a ilustração: "H á pessoas que
vivem restritas às cercanias de um a densa floresta, e que acredi­
tam , portanto, ser im possível ver além de algum as centenas de
m etros. Se você as traz para um lugar aberto, elas ainda guardam
aquele padrão de distância. Mas se você as persuadir de que há
m ais ainda para se ver, por que então as escalas de m edidas per­
dem sua im portân cia e grandes panoram as são abertos?" Por­
tanto, Masters conclui: "Toda percepção é um a espécie de sistema
sim bólico... Não há nenhum a consciência direta da realidade".103
Na filosofia m oderna, Ernst Cassirer descreve essa visão céti­
ca da linguagem e suas im plicações com o "a com pleta dissolu­
ção de qualquer con teúd o de verdade alegada, e a con clusão de
que este con teúd o não é nada m ais do que um a espécie de fan­
tasm agoria do esp írito".104 Em tal sistem a, con ceito s são criações
de pensam ento e "em vez de nos dar as verdadeiras form as dos
objetos, m ostram -nos particularm ente as form as do próprio p en­
sam ento". C o m o resultado, "o co n h ecim en to tan to qu an to o
m ito, a linguagem e a arte foram reduzidos a um a espécie de
ficção — a um a ficção que se recom enda a si m esm o p o r sua
utilidade, m as não deve ser m edida por nenh u m padrão rígido
de verdade, se não se fundir em algo sem valor".105 Por outro
lado, em bora a verdade objetiva talvez seja inatingível, essa idéia
tem a sua contrapartida m ais positiva: Cada sistem a de sím b o lo
A N O V A E R A
201

"produz e postula um m undo ao seu próprio m o d o ".106 Para


ter um novo m undo, um indivíduo precisa ter apenas um novo
sistem a de sím bo lo s.
Neste p onto, a relevância de nossa excursão dentro da filo so ­
fia e análise da linguagem seria óbvia. A versão do relativism o
conceituai da cosm ovisão da nova con sciên cia sim plesm ente de­
clara que os estados alterados de con sciên cia perm item às pes­
soas substituir um sistem a de sím b o lo s por outro, isto é, um a
visão da realidade por outra.
O sistem a de sím b o lo s do m und o ocid ental d o m in o u nossa
visão durante séculos. Ele tem reivindicado ser não apenas um
sistem a de sím bolos, m as o sistem a de sím b o lo s — aquele que
leva à verdade objetiva, à verdade de correspondência. O que
um a proposição afirm a ser ou não verdadeiro corresponde ou
não à realidade. O teísm o e o naturalism o insistiram em que
não existe outro cam in h o para o pensam ento. Assim, a con sciên ­
cia cósm ica — o ver o m undo num sistem a diferente de lingua­
gem — abriga suas próprias dificuldades internas. M as com o
teísm o e o naturalism o perdendo seu poder de atração, outras
ordens conceituais agora são possíveis.
M uitos dos proponentes da versão do relativism o conceituai
da nova con sciên cia estão bem con scien tes das suas raízes filo ­
sóficas e suas contrapartes nas m odernas teorias da física. A "teo ­
ria geral do paran orm al", de Laurence LeShan é um a versão es­
pecífica do relativism o conceituai. Q uan do m édiuns realizam
as tarefas m ediúnicas, diz LeShan, eles assum em a seguinte cos­
m ovisão m ística básica: " (1 ) De que existe um cam in h o m elhor
para o bter inform ação além dos sentidos. (2 ) D e que existe um a
unidade fundam ental para todas as coisas. (3 ) De que o tem po
é um a ilusão. (4 ) De que todo o mal é mera aparência".107Noutros
tem pos, quan do eles eram apenas sim ples habitantes do un i­
verso visível, aceitavam m ais as n oções do senso com u m da rea­
lidade. LeShan cita generosam ente cientistas m odernos, especial­
m ente os físicos que recorrem à n o ção de com plem entarid ade
para explicar por que um elétron parece com portar-se algumas
vezes co m o um a partícula e outras vezes co m o um a onda, de­
pendendo do in stm m en to que estão u tilizan do para "observá-
lo ".108 Todo o tem po, segundo reza a hipótese, ele perm anece
O U N I V E R S O AO LADO
20 2

c o m o era. M as o que ele é, ning u ém sabe. S ab em o s apenas


que ele aparece em algum as de nossas equ ações c o m o um a
coisa, e em outras fórm ulas com o outra.
O e la b o ra d o esq u e m a q u a tro -q u a d ra n te de Ken W ilber,
m ostrand o o todo da realidade em quatro quadrantes, cada um
com seu próprio tipo de linguagem , é um a variante recente.109
M as Erwin Schrõndinger levanta um a im portante conseqüên-
cia de assum ir que os sistem as de sím b o lo s pod em ser m uito
facilm ente aceitos ou descartados. Ele aponta que o que signifi­
ca m od elo não verdadeiro da realidade existe: "Pod em os pensá-
lo, mas de qualqu er form a que o pensem os, ele está errado".110 A
única categoria que nos ajuda a distinguir entre os valores dos
dois sistem as de sím b o lo s é questão puram ente prática: Ela co n ­
segue o que você quer?
C o m o não há m o d elo s verdadeiros de realidade na ciência,
segundo algum as versões da n o ção de com plem entarid ade, en ­
tão não há m od elo s verdadeiros da realidade para a h u m an id a­
de em geral.111 C o m o o v alor do m o d elo cien tífico é m edido por
sua praticabilidade, então o valor pragm ático é a m edida de va­
lidade de um estado alterado de con sciên cia particular ou de
um a teoria particular a esse respeito. Sobre isso há um coro de
con cord ância entre os teóricos da nova con sciên cia bem com o
entre seus p raticantes.112 LeShan declara esse p o n to de vista su­
c in ta m e n te : "Se a ap licação da teo ria p rod uz resu ltad os na
direção prevista, sua fertilidade foi d em onstrada".113 Tanto m ais
para as teorias sobre a con sciên cia cósm ica. Weil aplica o teste
pragm ático para a própria experiência: "Pareceria ó bv io que o
ú n ico critério sig nificativ o para a origin alid ad e de q u alq u er
experiência espiritual... é o efeito que ela tem sobre a vida da
pessoa".114
A con seqü ência prática da visão do relativism o conceituai da
nova consciência é que ela libera a pessoa para acreditar em qual­
quer coisa que trará os resultados desejados. A vida de Lilly tem
sido devotada para o d esenvolvim ento de tal teoria: "Na provín­
cia da m ente, o que se crê verdadeiro é ou to m a-se verdadeiro,
dentro dos lim ites para ser encontrad o experiencial e experim en­
talm ente. Esses lim ites estão além da crença para ser transcendi­
dos. Na província da m ente, não há lim ites".115 Então, on d e você
A N O V A E R A
203

quer chegar? O que você quer fazer? Q u an d o Lilly aceitou a


n o çã o n atu ralista do un iverso, aceito u u m a jo rn a d a para o
inferno. Q uan do ele aceitou a no ção de que havia civilizações
além da nossa, foi "precipitado nestes espaços''.116 Acreditar era
ser. N enhum a visão da realidade é m ais real do que outra. A
esquizofrenia é um a m aneira de ver as coisas; a norm alid ade é
outra, diz R. D. Laing. "M as quem pode dizer o que é a loucura,
co n sid era n d o e sp e c ia lm e n te os resu ltad o s da n o rm a lid a d e
terem sido tão desastrosos n o O cid ente?".117
Além disso, talvez algum as de nossas distinções e form as de
percepção normais nos tragam problem as pessoais, am bientais e
sociais: "Su ponh a que um a pessoa tenha um sen tim ento e de­
pois faça algum a d istinção sobre esse sen tim ento. Vam os supor
que essa pessoa cham e esse sen tim ento de ansiedade para dis­
tingui-lo de outros sentim entos. D epois, aquele prim eiro senti­
m ento é seguido p or um segundo que essa pessoa distingue com o
vergonha".118 N um a espiral, ela sente am bos: m ais ansiedade e
m ais depressão. Então Laing conclui: "Agora, de um a certa fo r­
ma, é sua distinção que a faz infeliz. Algum as vezes penso num
grande nú m ero de sofrim ento que as pessoas assum em e que
não deveria existir, se elas não dessem nom es para o que sen­
tem ".119 A solu ção é óbvia: elim in e das distinções ou sistem as de
sím b o lo s o que eles têm . Im agine um a cosm ovisão em que você
não poderia expressar a diferença entre dor e prazer, por exem ­
plo. As conseqü ências dessa atitude podem ser graves, m as por
que não com preender um a form a de adotar tal cosm ovisão quan­
do um indivíduo está doente em seu estado norm al de consciên­
cia? Diferentes cosmovisões têm diferentes valores em diferentes
tempos. Então, por que não empregá-los com o necessários? Toca o
sacristão — diferentes sinos para diferentes ocasiões.

R a c h a d u r a s n a n ova c o n s c iê n c ia
A cosm ovisão da Nova Era é um passo além do niilism o? Ela
cum pre o que p rom ete — um a nova vida, um a nova pessoa,
um a nova era? U m a coisa é clara: ela ainda não o fez, e o argu­
m en to de um novo alvorecer não é tão tranqü ilizad or. Tive­
m os v isio n á rio s antes, e eles e seus seguidores n ão fizeram
O U N I V E R S O AO LADO
204

m u ito para salvar tanto o m undo co m o a si m esm os. O am a­


nh ã está sem pre a cam in h o . C om o disse Alexander Pope: "Es­
perança é um a eterna nascente no coração h u m an o ".120
Tem os m enos segurança agora de que, com a con sciên cia cós­
m ica, virá a nova sociedade. M uito m aiores são as razões para o
p essim ism o, pois a cosm ovisão da nova con sciên cia é carregada
de inconsistências internas, e nem m esm o com eça a resolver os
dilem as apresentados pelo n iilism o naturalista ou m isticism o
oriental. Ela sim plesm ente os ignora.
Em outras palavras, a prim eira grande dificuldade com a cos­
m ovisão da Nova Era é com partilhada com o naturalism o e o
m o n ism o panteísta. A no ção de um universo fechado — a au­
sê n cia de u m D eu s tra n s c e n d e n te — ra tific a o p ro b le m a .
W illiam Irwin Th o m p so n diz: "D eus está para o universo com o
a gram ática está para a linguagem ".121 Deus é apenas a estm tura
do universo. Já vim os com o essa situação torna a ética im p o ssí­
vel, pois ou não há nenh u m valor em to d o universo externo
(p u ro n atu ralism o ), ou D eus é inseparável de todas as suas
atividades, e num a perspectiva cosmológica, distinções entre o bem
e o mal desaparecem.
Os proponentes da Nova Era ainda não resolveram esse pro­
blem a. Sem dúvida, m uitos assumem que a sobrevivência da raça
hum ana é o valor primordial e insistem em que, a m enos que a
hum anidade evolua, a m enos que as pessoas se tom em radical­
m ente transformadas, a hum anidade desaparecerá. Mas poucos
discutem questões éticas, e alguns adm item que, na Nova Era, as
categorias de bem e de mal desaparecem, assim com o as categori­
as de tem po e de espaço, de ilusão e de realidade. M esm o aqueles
que optam por distinções morais são cautelosos, para não dizer,
m elindrosos. Se a sobrevivência hum ana significa subm issão a
um a nova elite, então as distinções éticas mais puras podem sair
m uito caras. Para sobreviver, as pessoas talvez tenham de aban­
donar as noções tradicionais de liberdade e dignidade.122
Da proposição 1, fica m u ito claro que as questões de razão
ética recebem pou quíssim a atenção. Se o eu é rei, por que se
preocupar com questões éticas? O rei não pode fazer nada erra­
do. Se o eu está satisfeito, isto é suficiente. Tal con ceito perm ite
a m ais grosseira crueldade. Em outras palavras, a cosm ovisão
A N O V A E R A
20 5

da Nova Era cai presa de todas as arm adilhas do solipsism o e


do egoísm o, aind a que, na prática, n en h u m p ro p o n en te do
siste m a p reste a te n ç ã o a esse p ro b le m a . P or quê? Porque,
presum o, pagam a con seqü ência e estão desinteressados. Deixe
seguir e deixe andar. Ser aqui e agora. Sim p lesm en te não há
lugar para distinções éticas.
Ken W ilber, contud o, argum enta para um a intuição ética —
isto é, aqueles que estão m ais evoluídos, voltados para a m ais
alta con scientização, são os m elhores. Ele faz ju lgam entos éticos
a partir dos d escobrim entos em que alguns seres hu m anos são
m en os dignos do que alguns anim ais. Seria m elh o r m atar Al Ca-
pone, W ilber diz, do que um a dúzia de gorilas: "N ada é sacros­
santo a respeito do h ó lo n [unidade] h u m an o ".123
A segunda m aior dificuldade na cosm ovisão da nova consciên­
cia vem com o que ela tom a em prestado do an im ism o — um a
legião de sem id euses, d em ô n io s e guardiães que h ab itam a
realidade separada ou os espaços interiores da m ente. C ham e-
os de p ro je ç õ e s da p siq u e ou esp írito s de o u tra o rd em de
realidade: de q u alq u er form a, eles asso m bram a Nova Era e
devem ser apaziguados por rituais ou con trolad os por encanta­
m ento. A Nova Era tem reaberto a porta fechada desde que o
cristianism o expulsou os d em ônios das florestas, dessacralizou
o m u nd o natural e sim plesm ente m ergulhou um o lhar turvo de
interesse nos negócios do reino de anjos caídos de Satanás. Agora
eles estão de volta, insinu and o-se nas universidades, esgueiran­
do-se sutilm ente ao redor dos laboratórios de psicologia e p ro ­
vocando calafrios nas espinhas dos jogadores de O uija. O m undo
m od erno escapou do universo m ecânico dos nossos avós para a
câm ara gótica de horrores dos nossos tataravós.
O teísm o — com o o anim ism o — afirm a a existência de espí­
ritos, pois tanto o Velho T estam ento quan to o Novo Testam ento
con firm am a realidade do m undo espiritual. Existem an jo s sob
o com an d o de Deus e d em ô n io s (ou an jo s caíd os) que agem
por si m esm os ou estão à disposição do m estre dos anjo s caídos,
Satanás. Mas o ensin o b íb lico sobre esse m undo espiritual é ape­
nas um esboço, e o que existe é, m uitas vezes, sugerido na form a
de alusões paralelas às práticas das religiões pagãs e de advertên­
cias para não brincar com o d o m ín io dos espíritos.
O U N I V E R S O AO LADO
206

P o d e p arecer e stra n h o q u e o te ís m o cristão n ã o te n h a u m a


a n g e o lo g ia b e m d esen v o lv id a. Se ex iste m seres d in â m ico s e p o ­
d ero so s c u ja n atu re za é b e n e v o le n te , p o r q u e e n tra ría m o s em
c o n ta to c o m eles, e m p re g a n d o -o s c o m o gu ias e ap ro v e itan d o -
n o s d o seu p o d e r para o s n o s so s p ro p ó s ito s h u m a n o s? A razão
m a io r é sim p le s: s o m e n te D eu s é n o s sa fo n te d e pod er, d e sa b e ­
d o ria e d e c o n h e c im e n to . C o m o seria fácil n ó s a d o ra rm o s o s
a n jo s e n o s e sq u e ce rm o s de D eu s!
Foi p re cisa m e n te isto o q u e a c o n te ce u n o s p rim e iro s a n o s da
igreja cristã. O s g n ó stico s, e m p re sta n d o talvez da sa b e d o ria as­
tro ló g ica d o s cald eus, e n sin av am q u e D eu s estava s o b r e m o d o
elev ad o , m u ito d ista n te para e star p e s so a lm e n te in te re ssa d o em
m ero s seres h u m an o s. M as e xistiam o u tros seres — "p rin cip a d o s"
e "p o d e re s" — m ais e lev ad o s q u e o s h u m a n o s, m as a b a ix o de
D eus. D ev íam o s, assim , eles c o n tin u a v a m arg u m en tan d o , a p re n ­
d er a ap azig u ar o s m e n o s am igáv eis d esses seres e in v o car o s
m ais am igáv eis p o r aju d a. V estíg ios d essa id éia p e rm a n e ce m n a
n o ç ã o d os sa n to s da Igreja C a tó lic a . R og a-se a M aria p o rq u e ela
é h u m a n a e c o n h e c e n o ssas n ecessid ad es; ela, p o r sua vez, ped irá
p ara D eu s n o s aju d ar: Sancta M aria, ora pro nobis. A p ro v o cação
q u e isso te m d e m o n s tra d o é q u e su p erex alta o s "sa n to s " m o rto s
e d en ig re o p ró p rio D eus.
S a n to s e a n jo s d e s e m p e n h a m p ap é is c o m p le ta m e n te d ife re n ­
tes n a B íb lia . A palavra santo sim p le s m e n te sig n ifica m e m b ro de
igreja o u cristão , e a n jo s são criatu ras q u e e stão s o m e n te s o b o
c o m a n d o d e D eus. Eles n ã o são o fe re cid o s ao s seres h u m a n o s
para sua p ró p ria m a n ip u la çã o . O a m o r in fin ito d e D eu s é m a n i­
festad o d e m u itas m a n e ira s fin itas, m as s o m e n te E le é n o s so
au x ílio . E m b o ra Ele alg u m as vezes em p reg u e a n jo s para cu m p rir
suas o rd en s, n ã o p recisa de m a is in te rm e d iá rio s. Ele m e s m o se
to rn o u h u m a n o e Ele n o s c o n h e c e p o r d en tro e p o r fora.
P o rta n to , a B íb lia n ã o c o n té m n e n h u m m o d e lo — n e n h u m a
co n tra p a rte p ara a o ra ç ã o d o S enhor — p ara a lista r a n jo s em
n o sso s p lan o s. M as ela c o n té m ad vertên cias co n tra alistar o a p o io
d e e sp írito s o u "o u tro s deuses". U m a d as p rim e iras e m ais claras
e stá e m D e u te ro n ô m io :

Quando entrares na terra que o S enhor teu Deus te der, não apren-
A N O V A E R A
207

derás a fazer conform e as abom inações daqueles povos. Não se


achará entre ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua
filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem
feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem
quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal cousa é
abom inação ao S enhor ; e por estas abom inações o S enhor teu
Deus os lança de diante de ti. Perfeito serás para com o S enhor
teu Deus. Porque estas nações, que hás de possuir, ouvem os prog-
nosticadores e os adivinhadores; porém a ti o S enhor teu Deus
não perm itiu tal cousa. (D euteronôm io 18:9-14)

Essa instrução fo i dada logo antes de Israel entrar na Terra Pro­


m etida. C an aã estava repleta de falsa religião, repleta de práticas
ocultas. P ortanto, cuidad o. Fiqu em longe disso. Só o S enhor é Deus
— o ú n ico Deus. Israel n ão precisa de outro. N ão h á ou tro. Pensar
assim — ou apostar tu d o b u scan d o os serviços de ad ivinhos, bru ­
xos, feiticeiros, canalizad ores, m éd iu n s o u o que q u er q u e seja — é
blasfêm ia. D eus é D eus, e Israel é seu povo.
O N o vo T e sta m e n to , se m e lh a n te m e n te , p ro íb e a a d iv in h a ­
çã o e relata m u ito s e x e m p lo s de p o sse ssão d e m o n ía c a .124 U m
d os m ais in stru tiv o s é o re la to de Jesu s e x p u lsa n d o o s d e m ô n io s
d o e n d e m o n in h a d o g e rase n o (L ucas 8 :2 6 - 3 9 ) . D esse re la to fica
c la ro q u e m u ito s d e m ô n io s p o ssu íra m o h o m e m ; eles n ã o e ram
u m a p ro je ç ã o da sua p sico se, u m a vez q u e d eix aram o h o m e m
e e n traram n u m a m a n a d a d e p o rco s; esses d e m ô n io s e ram seres
p e sso ais q u e p o d ia m u tiliz a r a lin g u ag em e c o m u n ic a r-se c o m
as p esso as; e tin h a m o q u e h á de p io r em m e n te para a h u m a n i­
dade. Fica c la ro ta m b é m — e isto é o m a is im p o rta n te — q u e
Jesu s teve c o m p le to c o n tro le s o b re eles. É n isto q u e o s cristão s
tê m e sp eran ça. M u ito s h o m e n s e m u lh e re s e m n o sso s d ias q u e
estiv eram en v o lv id o s c o m p ráticas o cu lta s e n c o n tra ra m a lib e r­
d ad e e m C risto . O p ró p rio a p ó s to lo P au lo n o s assegura:

Se Deus é por nós, quem será contra nós?... Quem nos separará
do am or de Cristo?... Porque eu estou bem certo de que nem
morte, nem vida, nem anjos, nem principados, nem cousas do
presente, nem do porvir, nem poderes, nem altura, nem profun­
didade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor
O U N I V E R S O AO LADO
208

de Deus que está em Cristo Jesus, nosso S e n h o r . (R om a­


nos 8:31, 35, 38-39. Veja também Colossenses 2:15)

N e n h u m a fo rça n a tu ra l, n e n h u m ser e sp iritu a l, a b s o lu ­


ta m e n te n a d a p o d e v e n c e r a D e u s. D e u s é n o s s o re fú g io ,
n ã o p o rq u e n ó s, c o m o alg u m M á g ico S u p erstar, p o d e m o s
c o m a n d á -lo p ara n o s aju d ar, m as p o rq u e E le quer. "D e u s é
a m o r ", d isse o a p ó s to lo Jo ã o . "N e le n ã o h á trev a a lg u m a "
(1 Jo 4 :8 ; 1 :5 ). A ssim o s d e m ô n io s p o d e m ser e serão v e n ­
c id o s .
E n q u an to a atividade esp iritu al tem sid o co n stan te em áreas
o n d e o cristian ism o raram ente p enetrou , p o u co s têm relatado
dessa atividade n o O cid en te desde os tem p o s de Jesus. S o bre
C risto, os evangelhos relatam que ele expu lsou os esp íritos des­
de os cam p o s até os rios e, q u an d o o cristian ism o penetra n u m a
sociedad e, o m u n d o d os esp íritos parece d esaparecer o u buscar
seu esco n d erijo . A penas nas últim as pou cas décadas é que os
esp íritos de florestas e rios, do ar e das trevas fo ram invocad os a
reto rn ar p o r aqu eles q u e têm rejeitad o as afirm açõ es do cristia­
n ism o e do D eus de A braão, Isaqu e e Jacó. Talvez esse seja um
caso de sem ear o v en to e c o lh e r a tem pestade.
A terceira m aior dificuldade com a nova consciência é sua c o m ­
preensão da natureza da realidade e da natureza da verdade. Al­
guns dos m ais sofisticados proponentes da nova consciência, com o
Ken Wilber, não são ocultistas no sentido usual da palavra. Eles
não recorrem ao I Ching n em consu ltam cartas de tarô. Pelo co n ­
trário, aceitam as linguagens de todos os sistem as da realidade —
as linguagens da bruxaria e da ciência, da feitiçaria e da filosofia, da
experiência com drogas e do despertar da realidade, da psicose e da
norm alid ade — e eles entend em todas elas co m o sendo descrições
igualm ente válidas da realidade.125 Nessa versão do pensam ento
da Nova Era não há verdade de correspondência na M ente Am pla
ou níveis elevados de consciência; apenas um padrão de coerência
interior. P o rtan to , n ão h á críticas às id éias e exp eriên cias de
ninguém . Cada sistem a é igualm ente válido; deve apenas passar
n o teste da experiência, e a experiência é privativa.
Levada às suas co n clu sõ es lógicas, essa n o çã o é u m a fo rm a
de n iilism o e p iste m o ló g ic o .126 P ois n u n ca p o d em o s sab er o que
A N O V A E R A
209

é a realidade. P o d em o s ap enas sab er o q u e exp erim en tam o s.


O o u tro lad o da m o ed a é que o eu é a m o la m estra — um
deus, se v o cê q u iser — e a realid ad e é o q u e q u a lq u er deus
to m a c o m o real o u a to rn a real.
C h egam o s a u m im passe. A qu estão é prim ária: ou o eu é
deus e a N ova Era é u m a leitu ra em v oz alta das im p licaçõ es
disso, o u o eu n ão é deus e assim está su je ito a u m a existên cia
de coisas além de si m esm o .
Para o eu que op ta p o r sua p rópria divindade, n ão h á argu­
m en to. A acusação n atu ralista de que isso é m e g alo m an ia, ou a
acusação teísta de que isso é blasfêm ia, n ão têm nad a a ver com
o assu nto. T eo ricam en te esse eu aceita c o m o real apenas o que
ele decide aceitar. Seria teo ricam en te fútil (m as talvez n em tan to
na p rática) ten tar despertar do d elírio co m um c h o q u e elétrico
aqueles que crêem em si m esm o s c o m o deuses. D erram ar um a
p an ela de chá q u en te n a cabeça deles n ão prod uziria n en h u m a
reação particular. M esm o assim , valeria a p en a tentar!
Tqtlvez (m as c o m o p o d em o s saber?) essa seja a situ ação de
p sicó tico s que se iso lam to ta lm e n te do d iálo g o c o m os outros.
Eles estão crian d o seu p ró p rio universo? Q u al é o estad o su b je ­
tivo deles? S o m e n te se eles despertarem , p o d em o s descobrir, e
m esm o assim , a m e m ó ria estará freq ü en tem en te turva, se é que
estará presente de algu m a m an eira. Seus relatos p o d em ser to ­
talm en te inúteis. Se eles despertarem , d espertarão em n o sso u n i­
verso de discurso. M as talvez esse universo seja n o sso universo
fictício e n ó s m esm o s n o s e n co n tre m o s so zin h o s n o can to de
um a sala de ho sp ital, in co n scien tem en te, so n h a n d o que esta­
m o s len d o este livro, o qual sim p lesm en te in v en tam o s p o r n o s ­
sa m aq u in aria de p ro je ção da realid ad e in con scien te.
M uitas pessoas n ão seguem essa rota. Segui-la é recuar para
b aixo d os corred ores d o regresso in fin ito . A náu sea ja z nesse
ca m in h o , e m u ito s de n ó s p referim os o estô m ago m en o s e m ­
b ru lh ad o . E ntão, o p tam o s pela existên cia de n ão apenas n o sso
p ró p rio eu, m as d o eu d os outros, e assim exigim os u m sistem a
que traga n ão apenas u n id ad e ao n o sso m u n d o , m as tam b ém
c o n h e cim en to . Q u erem o s saber qu em e o que m ais h ab ita n o sso
m undo.
M as, se n ã o so m o s a un id ad e d o ad o ra (d eu s), q u em o u o
9
O HORIZONTE PERDIDO:

pós-modernismo

"Onde está Deus", ele [o louco] gritava.


"Eu lhe direi. Nós o matamos — você e eu.
Todos nós somos os seus assassinos.
Mas como fizemos isto? Como fomos capazes
De num só gole beber o mar? Quem nos deu
A esponja para apagar o universo inteiro?
Não estamos nos arrastando através do nada infinito?
... Não sentimos o hálito do espaço vazio?
... Não sentimos o cheiro de alguma coisa
além da decomposição de Deus?
Deus também se decompõe. Deus está morto.
Deus permanece morto. E nós o matamos.
Como nos confortaremos a nós mesmos,
os assassinos de todos os assassinos?
... Cheguei muito cedo”, disse ele então;
"meu tempo ainda não chegou.
Este tremendo acontecimento
Está ainda por vir, ainda vagueando — ele ainda
Não alcançou os ouvidos do homem”.

Friedrich Nietzsche
0 Louco
N um a brilhante parábola escrita há m ais de cem
anos, Friedrich N ietzsche visualizou toda a sua ép o ­
ca .1U m a cultura não pode perder seu centro filo só ­
fico sem a m ais séria das conseqüências, não ape­
nas para a filosofia sobre a qual ela está baseada,
mas para a superestrutura da cultura inteira, co m ­
prom eten do até m esm o a n o ção de um a pessoa so ­
bre quem ela é. Tudo muda. Q uan do Deus morre,
tan to a su bstância q u an to o valor de cada coisa
m orre juntam ente. O reco n h ecim en to da m orte de
Deus é o p rincípio da sabed oria pós-m od erna. É
tam bém o fim da sabed oria p ós-m od erna, já que,
no final das contas, o pós-m od ernism o não é mais
"p ó s" qualqu er coisa; é o ú ltim o m o vim ento da era
m oderna, o resultado da era m oderna assum indo
seriam ente seus próprios com prom issos e observan­
do que eles não se sustentam num teste de análise.2
C o m o com en tei no in ício , Sócrates disse que
um a vida não exam inada não é um a vida digna de
ser vivida, m as para um naturalista ele está errado.3
Para um naturalista, é o contrário. É a vida exam i­
nada que n ão é digna de ser vivida. Agora, cem anos
depois de Nietzsche, as notícias da m orte de Deus
finalm ente alcançaram "os ouvidos do hom em ". O
horizo n te que definia os lim ites do nosso m undo
O U N I V E R S O AO LADO
214

foi apagado. O centro que nos assegurava um lugar desapare­


ceu. N ossa era, que m ais e m ais vem sendo cham ad a de pós-
m od em a, encontra-se flutuando num pluralism o de perspecti­
vas, nu m a pletora d e possibilidades filosóficas, m as sem n en h u ­
m a no ção d o m inante de ond e ir ou com o chegar lá. U m futuro
próxim o da anarquia cultural parece inevitável.
Conversa d em asiad am ente depressiva! O que se espera deste
livro é um catálogo de cosm ovisões. C atálogos procuram ser im ­
parciais, isentos. Mas tente captar o sentido.

0 PROBLEMA DA DEFINIÇÃO
Captar o sentido é difícil aqui. C o m o alguém pode definir o que
não está claro? Sem dúvida, o term o que agora m elh o r se ajusta
é pós-modernismo.4 Mas o que ele significa? Ele é usado por tan ­
tas pessoas para realçar tantas e diferentes facetas da vida cultu­
ral e intelectual que seu significado é freqü entem ente nebu loso,
não apenas em suas cercanias, m as tam bém no próprio centro
(co m o se um term o que define um a cosm ovisão sem um centro
pudesse ter um cen tro).
C onsidera-se que o term o pós-modernismo surgiu p rim eiro
com o um a referência à arquitetura, quan do os arquitetos se dis­
tanciaram das form as sim ples e sem adorno, das caixas de c o n ­
creto im pessoais, dos vidros e do aço para form as com plexas,
esboçand o m otivos do passado sem relação à sua proposta ou
função original.5 Porém , quando o sociologista francês Jean-Fran-
çois Lyotard utilizou o term o pás-moderno para sinalizar um a m u ­
dança na legitim ação cultural, o term o tornou -se um a palavra-
chave na análise cultural.
Em resum o, Lyotard definiu pós-modem o com o "a increduli­
dade voltada às m etanarrativas".6 Não havia m ais um a história
única, um a m etanarrativa (para n osso propósito, um a cosm ov i­
são), que assegurasse o co n ju n to da cultura o cid ental. Não é
razoável que durante m uito tem po tenha havido m uitas histórias,
cada um a das quais fornecend o sua própria base de poder para
o grupo social, que as tom ava com o legítim as. Os naturalistas
têm a sua história, os panteístas as suas, os cristãos as suas, ad
infinitum. C om o pós-m od ernism o, nenh um a história tem mais
P Ó S - M O D E R N I S M O
215

c re d ib ilid a d e do que outra qualqu er. Todas as h istó rias são


igu alm en te válidas.
N ão posso catalogar o pós-m od ernism o com o fiz com as pri­
m eiras cosm ovisões. M uito m ais do que o existencialism o, o
p ó s-m o d ern ism o é tanto m ais qu an to m enos do que um a cos-
m ovisão. Na m aior parte, isso se deve à origem do term o dentro
da d iscip lina da sociologia em vez da filosofia. Os sociólogos
estão interessados em com o as pessoas se com portam sendo parte
da sociedade. Eles não usam categorias do ser (m etafísica) ou
do saber (ep istem ologia) ou da ética; isto é, eles não perguntam
o que é verdadeiro sobre a realidade, mas co m o as noções do ser
e do con h ecer surgem e interagem na sociedade. Para entender
o p ós-m od ernism o, portanto, terem os de perguntar e responder
não sim p lesm ente as sete perguntas das cosm ovisões apresenta­
das n o capítu lo um , mas um a questão sobre as questões em si.

A PRIMEIRA COISA.’ SER PARA CONHECER


Peço desculpas antecipad am ente por abordar um a explanação
fazendo prim eiro um resum o do enu nciad o que parece n eb u lo ­
so. Faço agora, novam ente, na esperança de que a explanação
posterior esclareça a visão.

1. A primeira questão que 0 pós-modernismo levanta não é 0 que


existe ou como nós sabemos 0 que existe, mas como a linguagem fu n ­
ciona para construir 0 próprio significado. Em outras palavras, houve
um desvio nas "primeiras coisas" do ser para 0 conhecer, a fim de
construir significado.
D uas grandes m udanças de perspectiva aconteceram durante
o século xix: um a foi o m ov im ento do "p ré-m o d em o " (caracte­
rística do m und o ocid ental anterior ao século xvii) para o "m o ­
d erno" (com eçan d o com D escartes); a segunda foi o m ov im en ­
to do "m o d ern o " para o "p ó s-m o d ern o" (cu jo prim eiro m aior
expoente foi Friedrich N ietzsche no ú ltim o quartel do século
xix). Tom e o seguinte co m o um exem plo dessas m udanças, ou ­
tras das quais verem os abaixo. H ouve um m ovim ento de (1 )
um interesse "p ré-m od erno" p o r um a sociedade justa, baseada
na revelação de um Deus ju sto para (2 ) um a tentativa "m o d er­
O U N I V E R S O AO LADO
216

n a " de usar a razão universal c o m o u m guia de ju stiça para (3 )


um a perda de esperança "p ó s-m o d ern a" de qu alqu er padrão u n i­
versal de ju stiça. As sociedad es se d eslo caram da hierarqu ia m e­
dieval para a d em o cracia d o Ilu m in ism o e para a an arq u ia pós-
m od ern a. E d ifícil p ensar n isso c o m o u m progresso, m as p o r
ou tro lad o progresso é um a n o çã o "m od erna". O cristão "p ré-m o -
d e m o " tin h a u m a visão suprem a da depravação h u m an a, e a
m en te "p ó s-m o d e rn a " tem u m a visão esm aecid a de q u alq u er
verdade universal.
U m a das m an eiras de en ten d er essas m u d anças é refletir so ­
bre n o ssa reflexão .7 Para nós, isso significa id en tificar os p re co n ­
ceito s sob re os quais nossas análises até aqu i têm sido baseadas.
Alguns leito res das prim eiras ed içõ es deste livro con testaram
a m an eira c o m o ord en ei as qu estõ es da co sm o v isão n o cap ítu lo
um . A p reo cu p ação deles era se aqu ele c o n ju n to de sete qu estõ es
co m p ro m etia a an álise desta co sm o v isão p articu lar aos lim ites
de u m a co sm o v isão .8 Essa é um a observação astuta.
O coração da d iscu ssão é a ord em das questões. C o lo q u e i a
qu estão 1 (Q u a l é a realid ad e p rim eira — a realid ad e real?) em
p rim eiro lugar p o r u m a b o a razão. T om ei a m etafísica (o u o n to ­
lo g ia) c o m o o fu n d am e n to de tod as as cosm o v isõ es. O ser está
antes do saber. Se nad a existe, e n tão nada p o d e ser co n h e cid o .
A ssim , n a d efin ição do teísm o , c o m e ça m o s co m D eus, d efin id o
c o m o infinito e pessoal ( triúno), transcendente e imanente, oniscien­
te, soberano e bom .9 Tudo m ais n o te ísm o deriva desse c o m p ro ­
m isso c o m u m a n o ç ã o esp ecífica de q u e existe fu n d am e n tal­
m ente. A q u estão 2 trata da natu reza do universo extern o; e as
q u estõ es 3 e 4, da natu reza d os seres h u m a n o s e seu d estino. Só
e n tão , n a q u estão 5, é que lid am o s c o m a q u estão de "co m o
co n h ecem o s". A seguir vem a ética — c o m o d evem os co m p o r­
tar-n o s — na q u estão 6; e fin a lm e n te u m a q u estão g lo b al sobre
n o sso significad o h istó rico h u m a n o , n a qu estão 7.
O fato é q u e essa ord em de perguntas é pré-moderna em geral
e teísta em particular. O te ísm o c o lo ca o ser antes do con hecer.
O n atu ralism o do Ilu m in ism o co lo c a o co n h e ce r antes do ser.10
A m u d an ça veio ced o, n o sécu lo xvn, c o m René D escartes (1 5 9 6 -
1 6 5 0 ). D escartes é visto c o m o o p rim eiro filó so fo m o d ern o , e
n ã o o m enor, p o rq u e seu interesse era m ais com o algu ém c o n h e ­
P Ó S - M O D E R N I S M O
217

ce do que 0 que algu ém con h ece. Em sua abord agem filo só fica
— e na abo rd agem de qu ase to d o s os m aiores filó so fo s do seu
tem p o — conhecer antecedia o ser. D escartes não estava rejeitand o
a n o ç ã o teísta de Deus. M uito p elo con trário , ele sustentava a
n o ção de Deus sen d o b asicam en te a m esm a d aquela de Tom ás de
A q u in o .11 M as seu interesse em estar certo sob re essa n o çã o teve
m aio res con seqü ên cias.
A abord agem de D escartes para o conhecim ento é lendária. Ele
queria estar p le n am e n te con v en cid o de que aq u ilo que ele p e n ­
sava era realm en te verdadeiro. A ssim , levou o m éto d o da dúvida
quase (m as n ão o b astan te) ao lim ite. D o que p o sso duvidar?
Ele perguntava a si m esm o na qu ietu d e dos seus estudos. Ele
co n clu iu que p o d ia duvidar de tud o, exceto de que estava duvi­
d and o (duvidar é pen sar). P ortanto, con clu iu : "P enso , lo go exis­
to". E n tão acrescen to u às suas con sid eraçõ es se havia algu m a
coisa a n ã o ser a sua p rópria existên cia de que pudesse ter a b so ­
luta certeza. D ep o is de u m a série de argum entos, ele fin alm en te
escreveu:

Agora não admito nenhuma coisa que não seja necessariamente


verdadeira: para ser mais preciso, não sou mais do que uma coi­
sa que pensa, quero dizer, uma mente ou uma alma, ou uma
compreensão, ou uma razão, que são termos cujo significado
eram em tempos anteriores desconhecidos para mim. Sou, con­
tudo, uma coisa real e realmente existo; que coisa? Respondi:
uma coisa que pensa.12

A qui está a essência d o p e n sam en to m o d ern o : a a u to n o m ia


da razão h u m an a. U m ind ivídu o, D escartes, declara sobre o fu n ­
d am en to do seu pró p rio ju lg am en to , que ele sabe, c o m certeza
filo só fica, que ele é u m a coisa pensante. Desse fu n d am en to , D es­
cartes co n tin u a a argum en tar q u e D eus n ecessariam en te existe,
e que a realid ad e é dualista — m atéria e m ente.
A n o çã o da au to n o m ia da razão h u m an a lib ero u a m en te
h u m an a da au torid ad e dos antigos. O progresso te cn o ló g ico e
cie n tífico veio n ão das n o çõ es reveladas na B íblia, m as da h ip ó ­
tese de que a razão h u m an a p o d ia realm en te e n co n trar seu ca ­
m in h o em d ireção à verdade. S em e lh an te co n h e cim e n to sig n i­
O U N I V E R S O AO LADO
218

fica poder, poder instrum ental, poder sobre a natureza, poder


de conseguir tudo o que querem os. Na ciência, os resultados
foram esplêndidos. Na filosofia, contud o, a transposição do ser
para o conhecer, da prim azia de Deus que criou e se revelou à
prim azia da personalidade que con h ece a si própria, foi fatal.
Essa transposição preparou a agenda para a filosofia m oderna
de Locke até Kant cujas fagulhas provocaram o recuo da filosofia
pós-m od erna de N ietzsche até Derrida com o o tim ism o h u m a­
nista m esclado ao desespero.

A PRIMEIRA COISA.' CONHECER PARA SIGNIFICAR


Q u an d o o co n h e cim en to se to rn o u o fo co central, con h ecer
co m o um indivíduo con h ece tornou -se a questão m aior. David
H um e (1 7 1 1 -1 7 7 6 ) lança para as dúvidas a existência de ca u sa «
efeito com o realidade objetiva. Em anuel Kant ( 1 7 2 4 -1 8 0 4 ) ten ­
ta responder a Hume, m as finaliza tanto exaltando o eu co n h e ­
ced or para a posição de "criador" da realidade quan to rem oven­
do dele a h abilid ade de con h ecer coisas em si m esm as.13 G. F. W.
Hegel (1 7 7 0 -1 8 3 1 ) e, por um breve período de otim ism o, os
Idealistas Alem ães, elevaram o ser hu m an o a dim ensões quase
divinas. Finalm ente Friedrich N ietzsche ( 1 8 4 4 -1 9 0 0 ) desfechou
o tiro de m isericórdia para a m od erna autoconfiança de que nós
p ensam os o que sabem os que realm ente sabem os. C om exce­
ção dos entusiastas da Nova Era, h o je há pouca esperança de
que algum o tim ism o sobre a con d ição hu m ana possa ser m an ­
tid o .14
A vasta história da filosofia m oderna pode ser lida em m uitos
lugares.15 Estam os interessados no tem a central e peculiar — a
m udança do conhecer para o ser. É em N ietzsche que isso aparece
prim eiro m ais evidente. N ietzsche com p leto u o que Descartes
iniciou; ele levou a dúvida além de Descartes, rejeitand o seu
argum ento de certeza sobre a existência do eu.
Vejam os novam ente o "Penso, logo existo" de Descartes. Qual
seria o resultado, se o pensam ento que cria ou causa o eu fosse
trocado para o eu que cria ou causa o pensam ento? Da m esm a
form a, o que aconteceria se a atividade do pensam ento não exi­
gisse um agente, m as produzisse apenas a ilusão de um agente?16
Q ual seria o resultado, se existisse apenas o pensam ento — um a
P Ó S - M O D E R N I S M O
219

corrente fluida de linguagem sem um a origem certa, sem um


sentido determ inado ou direção?
Sem levar em consideração se a crítica específica de N ietzsche
é um a análise justa da busca de Descartes pela certeza, a dúvida
m ais radical de N ietzsche trouxe danos radicais à certeza hu m a­
na. D epois de Nietzsche, n enh u m a pessoa pensante teria sido
capaz de assegurar con fian ça fácil na objetividad e da razão h u ­
m ana. M as com o N ietzsche ind icou na parábola do louco, leva-
se um longo tem p o até que as idéias sejam assim iladas na cultu­
ra. O louco diz que ele chegou m u ito cedo. A proeza já tinha
sido feita, mas as notícias na década de 8 0 ainda estavam a ca­
m inh o. Por volta das décadas de 50 e 6 0 já se com eçavam a
ouvir as vozes de Jean-Paul Sartre e Albert Cam us. Na década de
90, todos no m undo ocid ental e m uitos no O riente passaram a
ver que a con fian ça na razão hu m ana estava quase m orta. Na
verdade, m uitos filósofos ainda não haviam se rendido, talvez
não porque tivessem m uita coisa a perder, m as porque tinham
tud o a perder.17 M u itos cien tistas e te cn ó lo g o s m an têm sua
própria con fian ça de que a ciência lhes dará o con h ecim en to
seguro, mas parecem ser a últim a parte do m undo intelectual a
agir assim .

A MORTE DA VERDADE
O próprio ato de con h ecer vem sob fogo cruzado, esp ecialm en­
te a n o ção de que há qualqu er corresp ondência de verdades. O
relativism o conceituai, discutido no capítulo anterior, agora serve
não apenas para a experiência religiosa, mas para to d o s os as­
pectos da realidade.18

2. A verdade sobre a própria realidade está para sempre oculta de nós.


Tudo 0 c\ue podemos fazer é contar histórias.
Se com eçam os com o eu aparentem ente con h eced o r e seguir­
m os suas im plicações, som os p rim eiro deixados com o eu so li­
tário (solip sism o ) e depois até m esm o sem ele. O teórico literá­
rio Edward Said colo ca a situação desta m aneira:

Não mais um cognito [coisa pensante] coerente, o homem agora


O U N I V E R S O AO LADO
220

habita os interstícios, "os espaços interestelares vazios", não como


objeto, muito menos com o sujeito; o hom em é particularmente
a estrutura, a generalidade de relacionamentos entre estas pala­
vras e idéias que chamamos de humanístico, em oposição às
ciências puras ou naturais.19

E claro, aind a co n ta m o s h istó rias pessoais sob re n o ssa vida,


ao n d e tem o s estad o e o n d e p reten d em o s ir. E c o n ta m o s longas
h istó rias tam b ém . A lguns de n ó s — v am o s dizer, cristãos, n atu ­
ralistas otim istas, h u m an istas seculares, q u ím ico s, p o r exem p lo
— p o d e m o s ter nossas m etanarrativas, m as elas n ão passam de
racio n alizações do d esejo. A linguagem que u tilizam o s para c o n ­
tar n o ssas h istó rias é, c o m o N ietzsch e observa, "u m exército
m óvel de m etáforas".

O que, então, é verdade? Um exército móvel de metáforas, metoní-


mias e antropomorfismos — em resumo, a soma das relações
humanas, que tem sido aprimorada, transposta e embelezada
poética e retoricamente, e que depois de muito uso parecem firmes,
canônicas e obrigatórias para as pessoas: verdades são ilusões sobre
as quais alguém esqueceu que isso é o que elas são; metáforas que
estão esgotadas e sem poder sensual; moedas que perderam sua
efígie e agora valem apenas como metal, não mais como moedas.20

Tem os um a persistente "com pulsão para a verdade", m as agora


"ser verdadeiro significa utilizar as m etáforas costum eiras — em
term os m orais: a obrigação de m en tir segundo um a convenção
fixa, m en tir com o u m rebanho nu m estilo obrigatório para todos".21
T o d o s aqu eles q u e se su sten tam em sua m etanarrativa, c o m o
se ela realm en te fosse a h istó ria can ô n ica, ab arcan d o ou exp li­
ca n d o todas as outras h istórias, vivem so b u m a ilu são. P od em o s
ter sig nificad o , p o is to d as essas h istó rias são m ais o u m e n o s sig­
nificativas, m as n ão p o d em o s ter verdade.
Segun do o p ó s-m o d ern ism o , nad a que p en sam o s saber pod e
ser c o n fro n ta d o c o m a realid ad e c o m o tal. Agora, n ão devem os
pen sar qu e o p ó s-m o d e m ism o n ão acredita existir realid ad e fora
da n o ssa linguagem . Isso n ão significa a b a n d o n a r n ossa p ercep ­
ção co m u m de que u m ô n ib u s está d escen d o a rua e seria m e ­
P Ó S - M O D E R N I S M O
221

lh o r sairm o s d o seu ca m in h o . N ossa linguagem sob re a existên ­


cia de u m "ô n ib u s" que está "d e sce n d o " a "m a " é útil. Ela tem
v alo r de sobreviv ência! M as, à parte de n o sso s sistem as lingüís-
ticos, n ão p o d em o s saber nada. Toda linguagem é u m a con stru ­
ção h u m an a. N ão p o d em o s d eterm in ar a "fid elid ad e" da lin ­
guagem , apenas sua utilidade.
Essa n o çã o b ásica te m m u itas e variadas expressões, d ep en ­
d en d o do teó rico p ó s-m o d ern o . M as R ichard Rorty servirá c o m o
u m a ilu stração.
O m u n d o n ão fala. S o m e n te n ó s o fazem os. O m u n d o pode,
u m a vez que pro g ram am o s a n ó s m esm o s co m u m a linguagem ,
m o tiv ar-nos a alim en tar crenças. M as ele n ão p o d e p ro p o r um a
linguagem para n ó s falarm os. S o m e n te ou tros seres h u m an o s
p o d em fazer isso... [Ljinguagens são con struíd as e n ão d esco ber­
tas, e ... a verdade é u m a p ropried ad e de entidad es lingüísticas,
de sen ten ças.22
A verdade é tud o aq u ilo que co n seg u im o s co m que n o ssos
colegas (n o ssa co m u n id ad e) co n co rd em . Se con seg u im o s fazê-
los usar n ossa linguagem assim — c o m o "o s fortes p o etas" M o i­
sés, Jesus, P latão, Freud — , n ossa h istó ria é tão verdadeira q u a n ­
to q u alq u er h istó ria jam ais con tada.
É claro, se n o ssa h istó ria n ão "fu n c io n a ", se falh arm o s em ter
u m a linguagem que n o s perm ita seguram ente "atravessar a rua
q u an d o u m ô n ib u s se ap ro x im a", p o u co s de n ó s sobrevivere­
m o s p o r m u ito tem p o n u m a cid ade m od erna. A lgum as lin gu a­
gens se extinguem p o rq u e suas estm tu ras n ão sobrevivem te m ­
po su ficien te para gerar filh o s aos quais se en sin e m a lin gu a­
gem . M as, desde que m u itas linguagens h u m an as — da h in d i à
m an d arin até o sw ahili — m a n tê m -n o s vivos nas cidades, elas
têm to d o s os v alores verdadeiros necessários para n o s livrar de
ser atro p elad o s p o r um ô n ib u s. O filó so fo W illard Q u in e c o m ­
para a linguagem da ciên cia m o d ern a às histó rias d os deuses
de H o m ero :

Para a maior parte do que faço, enquanto físico, acredito em


objetos físicos e não nos deuses de Homero; e considero um erro
científico acreditar de outra forma. Mas em questões de funda­
mento epistemológico, os objetos físicos e os deuses diferem
O U N I V E R S O AO LADO
222

apenas em grau e não em espécie. As duas espécies de entidades


penetram a nossa percepção apenas como depósitos culturais. O
mito dos objetos físicos é epistemologicamente superior à maio­
ria na medida em que se tem provado mais eficaz do que outros
mitos como dispositivo para trabalhar uma estrutura gerenciá-
vel dentro do fluxo da experiência.23

Em resum o, a única espécie de verdade que existe é a prag­


m ática. N ão existe verdade de correspondência.
É m uito fácil perceber com o essa noção, quan do aplicada às
reivindicações religiosas, desencadeia um relativism o cultural.24
N enhu m a história é m ais verdadeira que outra. Esta história tem
sentido? Isto é, ela satisfaz ao con tad o r de história? Ela faz você
conseguir o que você quer — isto é, um senso de posse, um a paz
consigo m esm o, um a esperança para o futuro, um a m aneira de
ordenar a sua vida? É tudo o que alguém pode perguntar.
Assim, no pós-m od ernism o há um m o vim ento da (1 ) noção
"pré-m od erna" cristã de um a determ inada m etanarrativa reve­
lada para (2 ) a noção "m o d em a"d e auton om ia da razão hum ana,
com acesso à verdade de corresp ondência para (3 ) a n o ção "pós-
m o d erna" de que criam os a verdade quan do construím os a lin ­
guagem que serve para nossos propósitos.

L in g u a g e m c o m o p o d e r
O m ovim ento está agora com pleto: do ser para o conhecer e para o
propósito. Mas as im plicações continuam acumulando-se.

3. Todas as narrativas mascaram um jogo pelo poder. Qualcjuer narra­


tiva usada como uma metanarrativa é opressiva.
"C onhecim ento é poder", disse Francis Bacon num m om ento
peculiarmente profético. Ele estava certo; o conhecim ento científi­
co "m oderno" dem onstrou seu poder durante três séculos. C om o
pós-m odem ism o, contudo, a situação se reverte. Não há conheci­
m ento puram ente objetivo, nenhum a verdade de correspondên­
cia. Em seu lugar, há apenas histórias, histórias que, quando rece­
bem crédito, dão ao contador delas poder sobre os outros.
A m aioria dos teóricos pós-m od ernos, de form a especial Mi-
P Ó S - M O D E R N I S M O
223

chel Foucault, enfatiza esse relacionam en to. Q ualquer história


além daquela própria e pessoal é opressiva. Cada sociedade m o ­
derna, p o r exem plo, define "lou cu ra" com o aquilo que apresen­
tam aqueles que assim foram categorizados e separados do res­
tante da sociedade. U m a vez que não há um a m aneira de co ­
nh ecer com o é, na realidade, a loucura, tudo o que tem os são
nossas d efinições.25
Rejeitar a opressão é rejeitar todas as histórias que a socieda­
de nos conta. Está claro que isso é anarquia, e anarquia, com o
verem os, é aceitável para Foucault.
Aqui, então, pod em os traçar u m m o vim ento de (1 ) um a acei­
tação "pré-m od erna" de um a m etanarrativa escrita por Deus e
revelada nas Escrituras para (2 ) um a m etanarrativa "m o d erna"
de razão universal produzindo a verdade sobre a realidade para
(3 ) um a redução "p ós-m od ern a" de todas as m etanarrativas a
jogos do poder.

A MORTE DO EU SUBSTANCIAL
A questão da identidade hu m ana tem m ilhares de anos. "O que
é o h o m em ?", perguntou o salm ista.26 Criado "um pou co m e­
n or do que os anjo s e coroad o com glória e ho n ra", veio a res­
posta. Mas não no pós-m od ernism o.

4. Os seres humanos fizeram a si mesmos 0 que são através das lin­


guagens que construíram sobre si mesmos.
Se isto soa com o existencialism o, é porque o existencialism o é
um passo na direção do pós-m od ernism o. Sartre disse: "A exis­
tência precede a essência".27 Fazem os a nós m esm os o que esco­
lh em o s fazer. O eu é um a atividade. A sum idade p ó s-m od em a
diz: "So m o s apenas o que nos descrevem os ser". O eu não é um a
substância, nem m esm o um a atividade, m as um a construção
flutuante, dependente da linguagem utilizada. Se som o s "poetas
fortes", criam os novas form as de falar ou m od ificar a linguagem
da nossa sociedade. Freud, por exem plo, foi um poeta forte. Ele
con qu isto u um a sociedade inteira ao falar sobre a realidade hu­
m ana em term os de "o com plexo de Édipo" ou o "id, o ego e o
superego".28 Jung criou o "in co n scien te coletivo". Não há m a-
224

n eira de sab er se q u a lq u er dessas "co isa s" existem . M as u sa­


m o s a linguagem para descrever a n ó s m esm o s, e isso se to rn a
em verdade.

Foucault declara que agora nós estamos percebendo que a "hu­


manidade" não é nada mais do que uma ficção composta pelas
ciências humanas modernas... O sujeito não é mais visto com o a
fonte final e a base para a linguagem; pelo contrário, agora estamos
perto de reconhecer que o sujeito é constituído na e através da
linguagem.23

N o p ó s-m o d ern ism o , o eu é realm en te um c o n ce ito instável.


Para N ietzsche o ú n ico eu d ig no de viver era o eu do Übermens-
ch, o S o b re -h o m e m (algu m as vezes e n g an o sam en te traduzido
p o r S u p e r-h o m e m ), aq u ele q u e se elevou acim a da m u ltid ão
co n v en cio n al e a m o ld o u a si m esm o . Assim Falou Zaratustra é a
voz desse "h o m e m além d o h o m em ". M as p o u co s p o d em fazer
isso. A m aio ria de n ó s têm a perso n alid ad e con stru íd a pela lin ­
guagem co n v en cio n al da n o ssa era e sociedade.
A ssim , m ais u m a vez há um m o v im en to de (1 ) a n o çã o teísta
"p ré-m o d ern a" de q u e os seres h u m an o s são d ig nificad o s p o r
seres criad os à im agem de D eus para (2 ) a n o çã o "m o d ern a " de
que os seres h u m a n o s são o p ro d u to de seu m o d e lo de d n a que
p o r si só é o resultado de u m a ev olu ção n ão p lanejad a, basead a
em m u taçõ es do acaso e na sobreviv ência do m ais capacitad o,
para (3 ) a n o ção "p ó s-m o d e rn a " de um eu sem su bstân cia co n s­
tru íd o pela linguagem que ele utiliza para descrever a si m esm o .

S en do bo n s sem D eu s
O p ó s-m o d ern ism o segue a rota to m ad a p elo natu ralism o e exis­
ten cialism o , m as co m u m a v ertente lingüística.

5. A ética, com o o conhecimento, é um construto lingüístico. O hem


social é qualquer coisa que a sociedade assume ser.
Há u m a p equ en a razão para d esenvolver essa n o ção . P or um
lad o , é u m a v ersão p ó s-m o d ern a de um relativ ism o cultu ral
m u ito m ais an tig o .30 P or ou tro, é um a extensão ética da n o ção
P Ó S - M O D E R N I S M O
225

de que a verdade é o q u e d ecid im o s q u e ela seja. O co m e n tá rio


de Richard Rorty servirá para m o strar que esta p o sição não é
n ecessariam en te a ú n ica cabível para aqu eles que n o rm alm e n te
ch a m a m o s de pessoas de bo a-v on tad e:

Não há nada entranhado em nós, exceto o que colocamos lá por


nós mesmos, nenhum critério que não tenhamos criado no cur­
so de criação de uma prática, nenhum padrão de racionalidade
que não seja um apelo a semelhante critério, nenhuma argumen­
tação rigorosa que não seja obediência às nossas próprias con­
venções.31

Isso significa, ele adm ite, que, se algu m a socied ad e futura d e­


cid ir que o fascism o é o que ela quer, um d em o crata liberal ou
q u alq u er outra pessoa n ão pod erá contestar. A ssim , não h á re­
curso para um b e m su p rem o fora da fam ília h u m an a. Resta um
relativ ism o ético radical. O b e m é q u alq u er coisa que aqueles
que exercem o p od er n a socied ad e esco lh e m fazer. Se alguém
está feliz co m um a socied ad e em que cada um traça suas lin h as
éticas, e n tão a liberd ad e ind ividu al perm anece. M as o que a c o n ­
teceria se um ind iv íd u o se recusasse a falar a linguagem ética da
sua com u n id ad e?
Tom e, p o r exem p lo , M ichel Foucault, de m u itas m an eiras o
m ais radical an arqu ista de to d o s os teó rico s p ó s-m o d ern o s. Para
ele, o m aio r dos b en s é a liberd ad e ind ividu al para superestim ar
o prazer.32 Fou cau lt está tão tem ero so de q u e "a socied ad e co n s­
titua um a con sp iração para rep rim ir as próprias aspirações de
algu ém pela au to -exp ressão ", que "ele agon iza p ro fu n d am en te
sobre a questão, caso o estu pro fosse regulado p elo cód igo p e­
nal". Para ele, escreve Ronald Beiner, "lei = repressão; d iscrim i­
nação = liberdade".33 O p ó s-m o d ern ism o não pode fazer nen h u m
ju lg am en to n o rm ativ o sobre esse p o n to de vista; pod e apenas
observar e co m en tar: tan to p io r para aqu eles que d esco brem a si
m esm o s o p rim id o s pela m aio ria.
M ais um a vez o bservam o s o m o v im en to de (1 ) a ética "pré-
m o d e rn a" teísta basead a n o caráter de um D eus transcen d en te
que é b o m e te m revelado essa b o n d ad e a n ó s para (2 ) a ética
"m o d ern a " basead a na n o ção da razão e exp eriência h u m an a
O U N I V E R S O AO LADO
226

universal e na habilid ade hum ana de discernir o bjetiv am en te o


certo do errado para (3 ) a no ção "p ó s-m o d em a" de que a m ora­
lidade é a m ultiplicidade de linguagens utilizadas para descrever
o certo a partir do errado.

A VANGUARDA DA CULTURA
O utra form a de olh ar para o m ovim ento pós-m od erno é per­
guntar quem ou o que está na vanguarda da cultura.

6. A vanguarda da cultura é a teoria literária.


Na Idade M édia, a teologia era a rainha das ciências. N o Ilu-
m inism o, a filosofia e, especial m ente, a ciência tornaram -se a
vanguarda da m udança cultural intelectual. Na era pós-m oder-
na, a teoria literária assum e este papel.
Para alguém que se graduou em Literatura Inglesa no início
da d écad a de 6 0 , essa m u d an ça p arece ta n to sú b ita c o m o
surpreendente. Mas nesse período, a teoria literária com eço u a
se tornar sofisticada e culturalm ente relevante.34 E nquan to os
cientistas con tin uaram a fazer o que vin ham fazendo há m ais
de um a centena de anos, e os filó so fos estreitavam seu fo co em
questões cada vez m enores de filosofia analítica, um novo m od o
de pensar sobre o p ensam ento surgia e rapidam ente se desen­
volvia. U m a espécie de rebento pré-cam briano de novas idéias
incendiava a im agin ação dos rem an so so s d ep artam en to s de
Inglês cujos jovens intelectuais não só se m igraram para a cor­
rente principal, mas se tornaram a corrente principal.
O murmurar dos riachos de Marx e Freud abasteceram lagos
tranqüilos do cavalheirismo dos Novos Críticos e do criticismo his­
tórico, agitando as águas. Depois, nascentes frescas da antropolo­
gia (Claude Lévi-Strauss), da sociologia (M ichel Foucault, Jean-Fran-
çois Lyotard), do fem inism o (Kate Millet, Elaine Showalter) e da
lingüística (Ferdinand de Saussure) vieram com tam anha força que
os redem oinhos do estudo literário tom aram -se a principal cor­
rente da vida in telectu al. In telectu ais c o m o Jacques D errida
(desconstrução) e Stanley Fish (resposta ao leitor) tornaram -se
proem in en tes nas universidades. Ataques e contra-ataques se se­
guiram . O estudo literário aparentem ente voltou atrás de algum
P Ó 's - M O D E R N I S M O
227

de seus excessos selvagens na teorização irracional, mas centenas


de estudantes form ados em literatura inglesa têm sido educados
nessas outrora teorias da vanguarda. M esm o que haja agora um
recuo perceptível, essas abordagens terão um efeito de longo pra­
zo.35
A vanguarda está, é claro, sempre em m ovim ento. A tática dos
intelectuais proem inentes de hoje é a tolice esquecida de amanhã.
E o que vem por aí está solto no ar. Pois num a coisa o m ovim ento
pós-m odem o inteiro está em apuros. C om o veremos, suas contra­
dições internas são quase tão predom inantes quanto aquelas do
pensam ento da Nova Era. Mas então, se a história progrediu de
um a boa razão para a próxima m elhor razão, a história contada
neste livro, encerrada apenas neste capítulo, seria diferente. C ontu­
do, podem os ver por que grande parte do pós-m odem ism o não
nos acom panharia num a longa caminhada.

Um p a n o r a m a d o p ó s - m o d e r n is m o

O s efeito s das perspectivas p ó s-m o d ern as p o d em ser vistos


quase em toda parte na cultura o cid ental. Já m en cio n am o s o
estudo literário. A nalisarem os brevem ente agora a história, a
ciência e a teo lo g ia.36
Na disciplina de história, p o r exem plo, o passado desaparece
nas névoas do m o m en to presente. Os historiadores estão se m o ­
vendo de um historicism o m od erno (a no ção de que o signifi­
cado dos eventos deve ser encontrad o em seu contexto histórico)
para um a pós-m oderna "negação da fixidade do passado, da rea­
lidade do passado à parte do que o historiad or escolha dela fa­
zer, e assim de qualquer verdade objetiva sobre o p assad o ."37 O
historiad or pós-m od erno não usa a im aginação para recriar para
os leitores um senso do próprio passado, mas cria "um passado
à im agem do presente e em acordo co m o ju lgam ento do h isto ­
riador".38 A tend ência de não utilizar notas de rodapé em textos
acadêm icos apenas exacerba a situ ação.39 Q uem pode conferir o
ju lg am ento do historiador?
C om o historiad or pós-m od erno Keith Jenkins, a história se
torna um corredor de espelhos: "N o m und o p ós-m od erno, en-


O U N I V E R S O AO LADO
228

tão, argum entar o con teúd o e o contexto da história seria um a


série de generosos estudos m etod ologicam ente reflexivos de fa­
zedores de histórias da própria pós-m od em id ad e".40 A história
se torna reflexão sobre histórias da reflexão.
O pós-m odem ism o tem causado pouco impacto na própria ciên­
cia — quer sobre com o ela é conduzida, quer sobre com o é enten­
dida pela m aioria dos cientistas. Apesar disso, o pós-m odem ism o
com eçou a reescrever nossa com preensão do que a ciência é, a des­
peito do que os cientistas fazem ou dizem. A m aioria dos cientistas
é formada por críticos realistas, sejam naturalistas ou cristãos teís­
tas. Eles crêem que há um m undo externo para eles m esm os e que
as descobertas da ciência descrevem com o o m undo é mais ou
m enos precisamente. Os pós-modernistas são anti-realistas; eles
negam que exista qualquer conexão reconhecida ou reconhecível
entre o que nós pensam os e dizem os e o que na verdade existe.41
A verdade científica é a linguagem que usam os para co n se­
guir o que querem os. "N ão há outra evidência de que as regras
[da prática científica] são m elhores que o con senso estendido a
elas pelos experts ", escreve Lyotard.42 C iência é o que os cientistas
dizem que é .43 Ao m en or balbu ciar de um cientista existe a ré­
plica: "Apenas fique em pé fora da jan ela daquele prédio de dez
andares e diga isso de no v o ." M as isto é com preend er m al os
teóricos p ós-m od ernos. Eles não estão dizendo que não existe
n en h u m m u nd o físico; eles estão, pelo contrário, fornecend o
um "relató rio " sobre o status e natureza das reivindicações cien ­
tíficas de co n h ecim en to à luz da im p ossibilid ad e de acessarem
diretam ente a realidade com n osso equ ip am en to epistêm ico.
O m u nd o não fala para nós. N ossa m en te não acessa as essên­
cias que to m am a realidade determ inante, as essências que fazem
da madeira, m adeira e do metal, m etal. Nós falam os para o m u n­
do. D izem os "m ad eira" ou "m etal" e co lo cam o s essas palavras
em sentenças que freqü en tem en te nos dão o que querem os.
Q uan do isso não acontece, d izem os que essas sentenças são fal­
sas. Deveríam os, então, dizer que elas não funcionam .
M uitos artigos pós-m od ernos sobre ciência têm sido form u ­
lados em linguagem altam ente obscura. Isto tem frustrado cien ­
tistas na prática e con fund ido os editores de pelo m en os um
jo rn al p ó s-m o d em o . A lan Sokal, um físico da Universidade de
P Ó S - M O D E R N I S M O
229

Nova York, apresentou um artigo intitu lado "Experim entos Físi­


cos com Estudos C ulturais" para o jo rn al Social Text.44 Os ed ito ­
res, não observando que o artigo estava repleto de idiotices do
po nto de vista tan to da Física quanto da Sociologia, aceitaram -
no para publicação. Sokal então anu ncio u na Língua Franca que
o artigo era um trote, escrito para expor o absurdo de m uitas
análises culturais pós-m odernas em geral e na ciência em parti­
cular. Apresentando-se com o socialm ente "de esquerda", ele disse
que estava apenas tentand o resguardar os estudos culturais do
obscurantism o e da am bição autoconfiante. A alegria que o trote
incitou entre os cientistas orientados à m odernidade e o furor
que isso causou nos editores e em seus am igos intelectuais acen­
tuaram o interesse pessoal dos críticos sociais de h o je e de suas
m atérias na abordagem pós-m od erna da ciência.
As reações dos teólogos ao p ó s-m od ernism o são de todos os
tipos. Alguns aceitam suas principais dem andas e escrevem não-
teologias, mas ateologias (nem teologias nem não-teologias, mas
teologias que derivam do interstício entre as duas). N ão tente
entend er isso sem ler M ark C. Taylor.45 O utros teólogos aceitam
a crítica pós-m od erna do m od ernism o, vêem m u ito da teologia
cristã con tem p o rân ea com o sendo tam bém "m o d ern a" e acei­
tam reform ar a teologia. Entres esses estão p ós-liberais que revi­
sam a noção do que a teologia é e pode fazer (George Lindbeck),
aqueles que vêem na ênfase pós-m odem a sobre a história um a
oportu nidad e de a história cristã ser ouvida (D iogenes A llen), e
evangélicos que revisam a teolog ia evangélica (Stanley G renz)
ou enfatizam a narrativa da natureza da teolog ia (Richard Mi-
ddleton e Brian W alsh ).46 O utros ainda rejeitam o program a pós-
m od erno por com p leto e con clam am um retorno à Escritura e à
igreja prim itiva (Thom as O d en ) ou a um program a de Reform a
que con tin u e a valorizar a razão hu m ana (Cari F. H. Henry, Da-
vid W ells e G ene Edward Veith Jr.).47

P ó s - m o d e r n is m o : u m a c r ít ic a
C om eçarem os nossa crítica m ostrand o alguns aspectos da pers­
pectiva pós-m od erna que parecem verdadeiros, não apenas p ro ­
veitosos, e con tin u arem os com m ais observações críticas.
O U N I V E R S O A O LA D O

23O

Primeiro, a crítica pós-modernista do naturalismo otimista m ui­


tas vezes se mostra bastante precisa. Tem sido colocada demasiada
confiança na razão hum ana e no m étodo científico. As tentativas
de Descartes para encontrar a com pleta certeza intelectual foi fatal.
C om o cristão, ele podia m uito bem ter ficado satisfeito com a con­
fiança baseada na existência de um Deus que nos criou à sua im a­
gem e quer que O conheçam os. Ele não deveria esperar estar certo
fora da dádiva de Deus. A história intelectual subseqüente seria
um a lição para todos os que desejam substituir o Deus que declara
Eu Sou o q u e Sou pela autocerteza individual. Há um mistério na
existência que a m ente hum ana não pode penetrar.
Segundo, o reconhecim ento pós-m od erno de que a lingua­
gem está intim am en te associada ao poder é tam bém apropria­
do. C o n tam o s "histórias", acreditam os em "dou trinas", susten­
tam os "filo so fias" porque elas dão a nós ou à nossa com unid ad e
poder sobre os outros. A aplicação pública de nossas d efinições
de loucura encam inha as pessoas para instituições psiquiátricas.
Realm ente, deveríam os suspeitar de nossos m otivos em acredi­
tar naqu ilo que fazem os, utilizar a linguagem com o utilizam os,
con tar as histórias que caracterizam nossa vida. Podem os sus­
peitar sem elh antem ente dos m otivos dos outros.
Se, contud o, ad otarm os a form a radical em que essa suspeita
é interpretada por Foucault, term inarem os num a contrad ição
ou, pelo m enos, num a anom alia. Se sustentam os que todos os
discursos são jogos de poder, então este próprio discurso é um
jogo de poder e nem um pouco m ais provavelm ente adequado
do que qualquer outro. Isso prejudica to d o o discurso. Se todo
discurso é igualm ente prejudicado, não há razão para usar um
no lugar de outro. Isso é anarquia m oral e intelectual.
Além disso, o principal valor de Foucault — a liberdade pes­
soal para intensificar o prazer — é cam uflado p o r sua redução
de tod os os valores para o poder propriam ente dito.
A verdadeira questão não pode ser evitada. É verdadeiro, por
exem plo, que todo discurso é um jogo de poder m ascarado? Se
disserm os não, então pod em os exam inar com cuidado onde o
poder é um fator indevido. Se disserm os sim , então há um a sen­
tença que faz sentido apenas se fo r vista não com o um jo g o de
poder. O p ós-m od ernism o radical que diz sim é auto-refutador.48
P Ó S - M O D E R N I SM O
231

Terceiro, a atenção às condições sociais sob as quais com preen­


dem os o m undo pode alertar-nos para nossa perspectiva lim itada
com o seres hum anos finitos. A sociedade nos m olda de várias m a­
neiras. Mas se som os som ente o produto de forças cegas da nature­
za e da sociedade, assim tam bém é nossa visão de que som os apenas
o produto de forças cegas da natureza e da sociedade. U m a socio­
logia radical do conhecim ento é tam bém auto-refutadora.
Em bora freqü entem ente falho em sua abordagem , o pós-m o-
dernism o faz várias con tribuições positivas ao nosso entend i­
m en to da realidade. V oltem os agora a m ais com entários críticos.
Prim eiro, a rejeição de todas as m etanarrativas é em si m es­
m o um a metanarrativa. A idéia de que não há m etanarrativas é
tom ada com o o prim eiro princípio, e não há m aneira de fugir
desse círculo, exceto ignorar a autocontradição e continuar a apre-
sentá-la, que é o que o pós-m od ernism o faz.
Segundo, a idéia de que não tem os acesso à realidade (de
que n ão há fato s, n e n h u m a v e rd ad e -d a-m até ria), m as que
pod em os apenas con tar histórias a respeito, é auto-referencial-
m ente incoerente. C olocad a de form a grosseira, essa idéia não
pode ser responsável por aquilo que ela m esm a nos diz, que por
sua própria conta, não pod em os saber. Charles Taylor descreve a
questão m ais cuidadosam ente em sua análise de Richard Rorty:

Rorty oferece um grande salto para o não-realismo: o que


até aqui tem sido considerado fatos ou verdades-de-matéria, lá
tornou-se apenas linguagens rivais entre as quais acabamos fina­
lizando por escolher, se o fazemos, porque de alguma maneira
alguém trabalha m elhor para nós do que outros ...49
Mas acreditar em alguma coisa é assegurá-la verdadeira; e,
realmente, uma pessoa não pode conscientemente manipular as
crenças de outrem por motivos além daqueles que pareçam verda­
deiros para nós .50

Da m esm a form a, quan do N ietzsche diz que "a verdade é


um exército m óvel de m etáforas" ou "m entiras" convencionais,
ele está fazendo um a acusação que im p licitam ente afirm a ser
verdadeira, mas por sua própria con ta não pode ser.51
Terceiro, a crítica pós-m od ernista da au to n om ia e suficiência
O U N I V E R S O AO LADO
232

da razão hu m ana repousa sobre a au to n om ia e suficiência da


razão hum ana. O que é isso que leva N ietzsche a duvidar da
validade do "Penso, logo existo" de Descartes? Isto é, o que o
leva a duvidar de que o eu é um agente que causa o pensam ento?
Resposta: o p ensam ento de N ietzsche. O que aconteceria se o
pensam ento de N ietzsche não fosse produzido por Nietzsche,
se ele é sim plesm ente a atividade do pensam ento? Então o eu de
N ietzsche é um ser construído pela linguagem . Não há nenhum
N ietzsche acessível a N ietzsche ou a nós. Na verdade, não há
nós substancial. Há apenas u m fluxo de construtos lingüísticos
que nos con strói. M as se há som en te construtos lingüísticos,
então não há razão por que sejam os construídos de um a m aneira
ao invés de outra, e nenh um a razão para pensar que o fluxo
corrente da linguagem que nos constrói tenha algum relaciona­
m en to com o que é assim . O resultado é que estam os encaixota­
dos dentro do consciente constituído de um progressivo con ju n to
de jogos de linguagem .

A l é m d o p ó s - m o d e r n is m o
O p ó s-m o d em ism o com o apresentado não é um a cosm ovisão
com pleta. Mas é um a perspectiva penetrante que tem m o d ifica­
do várias cosm ovisões, sendo um a das m ais conhecid as o natu­
ralism o. Na verdade, o m elh o r cam in h o para pensar sobre gran­
de parte do p ó s-m od ernism o é vê-lo com o a m ais recente fase
do "m o d ern o ", a m ais recente form a de naturalism o.
C o m o disse Lyotard, o p ó s-m o d ern o é "ind u bitav elm ente
um a parte do m oderno". C o m en tan d o sobre o progresso dos
estilos de arte, ele escreve: "U m trabalho pode tornar-se m oderno
apenas se prim eiro for p ós-m od erno. O pós-m od ernism o assim
entend ido não é m od ernism o no seu fim , mas no seu estado
nascente, e esse estado é con stan te".52 Nesse sentido, a cultura
nunca vai além do m oderno. Para ser pós-m oderno, alguém teria
de estar no futuro, o que é im possível.
C ontudo, a m ais im portante razão pela qual o pós-m od er­
nism o seria visto com o parte do m od ernism o é que a essência
do m od ernism o não foi deixada para trás. Tanto o m od ernism o
com o o p ó s-m o d em ism o repousam sobre duas noções-chave:
P Ó S - M O D E R N I S M O
233

(1 ) de que o cosm o é tudo o que existe — nenh um Deus de


nenh um a espécie existe — e (2 ) a au to n om ia da razão hum ana.
É claro que a proposição 2 segue a 1. Se não há Deus, então os
seres hu m anos — ou o que quer que eles m ais sejam — são as
únicas "pessoas" no cosm o; eles têm as únicas m entes racionais
que existem . Estam os, portanto, por nossa própria con ta e risco.
O s prim eiros m od ernos eram otim istas; os m ais recentes, não.
As d istinções entre os prim eiros e os últim os m od ernos são cer­
tam ente im portantes o suficiente não apenas para observar, mas
para indicar os ú ltim os com term os com o "pós-m oderno".
O pós-m od ernism o puxa a m áscara risonha da arrogância do
rosto do naturalism o. O rosto atrás da m áscara m ostra um sem ­
blante perpetuam ente m utável: há a angústia de N ietzsche se
protegendo contra a m entalidade de rebanh o das massas hu m a­
nas, a alegria extasiante de N ietzsche ansiando ser o Sobre-ho-
m em , o olh ar m alicioso no rosto de Foucault buscand o a in ten ­
sificação da experiência sexual, o riso forçado de Derrida qu an ­
do desconstrói to d o o discurso in clu in do o seu próprio, e o jogo
de ironia em torno dos lábios de Rorty, enqu anto ele opta por
um a solidariedade sem fundam ento. Mas nenh um rosto m os­
tra um a con fian ça na verdade, um a con fian ça na realidade ou
um a esperança para o futuro.
Se nossa cultura quer cam inhar em direção a um futuro es­
peran çoso, prim eiro terá de volver-se para u m passado m ais
realista, d elim itar ond e com eçam os a tropegar, levar em conta
as percepções valiosas do que aconteceu desde então e forjar
um a cosm ovisão m ais adequada.53
10
A VIDA EXAMINADA:

conclusão

No meuconvés soçobrante, umclarão


Umfarol, eternofeixe-de-luz. A carnedesfaleceeolixo mortal
Cai paraoverme residuário; ofogaréu do mundo emcinza esfria;
Numrelâmpago, a umestrondode trombeta-final,
Súbitosou tudoc\ueCristo é, seElefoi tudoquesou, e, mm instante,
EsteJoão-Ninguémcaçoado, pobrecaco, trapo, palitodefósforo,
imortal diamante,
É diamante imortal.

Gerard Manley Hopkins


'That Nature Is a Heraditean Fire and of the Comfort of the Resurrection"
["Da Natureza como o Fogo de Herádito e do Reconforto da Ressurreição"
Gerard Manley Hopkins - Poemas. Seleção, tradução, introdução e notas de
Aíla de Oliveira Gomes, págs. 141 e 143. Companhia das Letras: São Paulo, 1989]
Acrossmyfounderingdeckshone
Abeacon, aneternal beam. 1Fleshfade, andmortal trash
Fall totheresiduaryworm; I world's wildfire, leavebutash:
Inaflash, atatrumpetcrash,
I amall at oncewhat Christ is, I sincehewaswhat I am,and
ThisJack, joke, poorpotsherd, 1patch, matchwood,
immortaldiamond.
Isimmortal diamond.

Dublin, July 26,1888

Gerard Manley Hopkins


"Thai Nature Is a H eraditean Fire and of the Comfort of the Resurrection"
E x am in am o s até agora sete co sm o v isõ e s b á s i­
cas, seis, se n ã o co n tarm o s c o m o n iilism o , o u o ito ,
se co n tarm o s c o m as duas form as de existen cialis­
m o sep arad am ente.
O u dez, se acrescentarm os resu m id am en te o an i­
m ism o q u e m e n cio n a m o s e a perspectiva p ó s-m o -
derna. M as q u em está co n tan d o ? P od eríam os m u l­
tip licar as cosm o v isõ es para p reen ch er o n ú m ero
de h ab itan tes co n scien tes do universo em qu alqu er
tem p o — ou em to d o s os tem p os, se to m a rm o s a
v ertente o rien tal ou se o lh arm o s o universo do as­
pecto da eternidade. P elo con trário , p o d eríam o s d i­
zer que há um a cosm ov isão básica com p o sta de um a
ú n ica p ro p o sição : to d o s têm a sua cosm o v isão !
O u aind a p o d em o s perguntar: S ão estas as ú n i­
cas escolhas? O n d e está a filo so fia da revista Play­
boy ? E o q u e dizer dos artistas que "criam " para tra­
zer ord em fora do caos da vida? Essas o p çõ es certa­
m en te têm seus partidários. Todavia, q u an d o exa­
m in am o s cada o p ção , d esco brim o s que cada um a
é u m a subd ivisão o u versão esp ecífica de u m a ou
m ais d aquelas que d iscu tim os. A filo so fia h ed o n ista
da revista Playboy é u m a versão barata d o n atu ralis­
m o . As pessoas são m áq u in as de sexo; v am o s lu b ri­
ficá-las, besu ntá-las, p ô -las em m o v im en to , fazê-las
O U N I V E R S O AO LADO
238

vibrar. U au! Puro naturalism o, no qual o bem é o que faz você


sentir-se b em e, com algum a sorte, não m agoar ninguém .
O esteticism o — a cosm ovisão de um a pessoa que faz arte
fora da vida, a fim de dar form a ao caos e atribuir significado ao
absurdo — é consideravelm ente m ais sofisticado e atrativo. Seus
partidários (pessoas com o W alter Pater em fins do século xix e
em n o sso século Ernest Hemingway, H erm ann Hesse, Jam es
Joyce, W allace Stevens, Som erset M augham , Pablo Picasso e Leo-
nard Bernstein) são personalidades m uitas vezes atraentes, até
m esm o carism áticas. Mas o esteticism o é um a form a de existen­
cialism o no qual o artista cria valor, dotan do o universo com
certa form alidade e ordem . O herói enigm ático de Hemingw ay
é u m e x e m p lo a p r o p r ia d o . S u as n o rm a s é tic a s n ã o sã o
tradicionais, mas são consistentes. Ele vive seus próprios papéis,
quan do não os dos outros. O s papéis que H um phrey Bogart
representa em Key Largo, Casablanca e Os Tesouros de Sierra Madre
têm dado a esta cosm ovisão um a d im ensão m ais que profissio­
nal, e tem levado o esteticism o (a vida com certo estilo) para o
m ercado. Apesar disso, o esteticism o é apenas um tipo específi­
co de existencialism o ateísta, no qual as pessoas escolhem seus
próprios valores e desenvolvem seu próprio personagem pelas
escolhas e ações. V im os no capítu lo seis até o n d e isso leva.
O fato é que, en qu an to as cosm ovisões parecem , à prim eira
vista, proliferar-se, elas são constituídas de respostas a questões
que têm apenas um nú m ero lim itad o de respostas. Por exem plo,
para a questão da realidade prim ordial, apenas duas respostas
básicas pod em ser dadas: ou ela é o universo que é auto-existen­
te e sem pre existiu, ou ela é um Deus transcendente que é auto-
existente e sem pre existiu. O teísm o e o deísm o reivindicam a
últim a resposta; o naturalism o, o m o n ism o panteísta oriental,
o pensam ento da Nova Era e o pós-m od ernism o reivindicam a
prim eira. U m teólogo expressou essa questão da seguinte form a:
ou o presente universo da nossa experiência teve um a origem
pessoal ou ele é o produto do im pessoal, som ad o ao tem po,
som ad o ao acaso .1
O u se tom arm os um exem plo diferente, para a questão de
caso alguém poder con hecer algum a coisa verdadeiram ente ou
não, há apenas duas respostas possíveis: alguém pode ou não
A V I D A | X A M I N A D A
239

pode con hecer algum a coisa sobre a natureza da realidade. Se a


pessoa pode con hecer algum a coisa, então a linguagem na qual
esse con h ecim en to é expresso, de algum a form a, corresponde
inequivocam ente à realidade, e o princípio de não-contrad ição
opera. A rejeição do p ó s-m od ernism o dessa no ção é auto-refe-
rencialm ente incoerente.
D izer que pod em os con hecer algum a coisa verdadeira não
significa que devem os con hecer exaustivam ente o que é verda­
deiro. O con h ecim en to está sujeito a refinam entos, mas, se é
co n h ecim en to verdadeiro, deve ter havido pelo m en os um grão
de verdade na con cepção tosca de alguém . Alguns aspectos dessa
con cep ção tem de perm anecer co m o eram no início, ou isso
não era con h ecim en to . Por exem plo: os povos antigos observa­
vam o sol m ovendo-se através do céu. Sabem os que o sol está
parado em relação à terra e que a terra é que orbita ao seu redor.
Mas nosso con h ecim en to inclui a verdade das observações dos
antigos; o sol parece se levantar tanto para nós com o o fazia
para eles. De qualquer form a, se pod em os saber algum a coisa
sobre a realidade, isso exclui um nú m ero in fin ito de explicações
possíveis sugeridas pelo relativism o con ceituai. Nesse sistem a
não pod em os con hecer o que é na verdade a questão. Estam os
restritos dentro das fronteiras do nosso sistem a de linguagem .
Isso é essencialm ente niilism o.
Há, da m esm a form a, um núm ero lim itad o de escolhas em
relação à noção do tem po. O tem po é cíclico ou linear; ou leva a
algum lugar (isto é, ele não se repete), ou retorna eternam ente
(e assim não existe com o um a categoria significativa). E há um
n ú m e ro lim ita d o de e sc o lh a s em re la çã o a é tic a b á sic a e
m etafísica e a questões sobre a sobrevivência pessoal à morte. E
assim por diante.
Em outras palavras, as cosm ovisões não são infinitas em nú­
m ero. N um a sociedade pluralista, elas parecem existir em pro­
fusão, m as as questões básicas e opções são, na verdade, poucas.
O cam po, com o eu o reduzi, con tém dez opções (ou nove, ou
sete — nosso p roblem a de co n tag em !). N ossa própria escolha
pessoal situa-se em algum lugar neste cam po, mas, se o argu­
m en to deste livro é válido, nossa escolha não precisa ser cega.
O U N I V E R S O A O L A D O

24O

E s c o l h e n d o u m a c o s m o v is â o
C o m o , en tão , p o d em o s decidir en tre as alternativas finitas? O
que p o d e n o s aju d ar a esco lh e r entre u m a cosm o v isâo que assu­
m a a existên cia de u m D eus pessoal e tran scen d en te e outra que
n ão assum a? A lgum a coisa da m in h a p rópria observação dessa
qu estão certam en te se to rn o u ó bv ia nas d escrições e críticas das
várias op ções. A gora ch ego u a vez de d eixar essa con sid eração
exp lícita.2
A m e n o s q u e cada u m de n ó s co m e ce afirm an d o que som o s,
em n o sso presente estado, os ú n ico s feitores e d oad ores de sig­
nificad o do universo — um a p o sição sustentada p o r po u co s m es­
m o d en tro da cosm o v isâo da N ova Era — , seria acon selháv el
aceitar u m a atitud e de h u m ild ad e c o m o pad rão de con d u ta re­
ferencial. Q u alq u er que seja a cosm o v isâo que ad o tem o s, ela
será lim itad a. N ossa fin itu d e c o m o seres h u m an o s, o que quer
q u e v en h a a ser n ossa h u m anid ad e, nos m an terá tan to d istantes
da precisão to tal n o c a m in h o que to m a m o s e expressam os nossa
co sm o v isâo q u an to d istantes da integridade ou exaustividade.
Algum as verdades da realidade deslizarão através das nossas m ais
finas redes intelectuais, e nossas redes têm alguns furos dos quais
n em m e sm o estam o s cientes. Assim , um lugar para in iciar é pela
hu m ild ad e. Tem os a ten d ên cia de ad o tar p o siçõ es que rend am
p o d er para nós, sejam elas verdadeiras o u não.
M as h u m ild ad e n ão é ceticism o . Se esp eram o s co n h e ce r al­
gu m a coisa, d evem os assu m ir q u e p o d em o s co n h e ce r algum a
coisa. E c o m essa afirm ação o u tros elem e n to s são transm itid os,
p rim a r ia m e n te as assim c h a m a d a s le is d o p e n s a m e n to : as
leis de identidade, n ão -co n trad ição e o m eio excludente. É se­
gu in d o tais leis que estam o s aptos a p ensar claram en te e estar
seguros de q u e n o sso racio cín io é v álid o. Essas afirm ações, e n ­
tão , levam à p rim eira característica que n ossa cosm o v isâo ad o ­
tada pod eria possu ir — coerên cia intelectual interna. O professor
K eith Yandell, da U niversidad e de W isco n sin , é m ais suscinto:
"Se u m sistem a con ceitu ai co n té m c o m o e lem e n to essencial um
c o n ju n to de p ro p o siçõ es (c o m um ou m ais m e m b ro s) que são
lo g icam en te in con sisten tes, ele é falso".3
É nessa b ase q u e as co sm o v isõ es do d eísm o , n atu ralism o ,
m o n is m o p an teísta e o utras fo ram exam in ad as n o s cap ítu lo s
A V I D A,_ E X A M I N A D A
2 41

ante-riores. C ada u m a fo i achad a in co n sisten te em algum as das


p rincip ais questões. O natu ralism o , p o r exem p lo , declara um
u n iv erso fe ch a d o p o r u m la d o e a in d a a firm a q u e o s seres
h u m an o s p o d em reo rd en á-lo p o r o utro. Se o n o sso argum en to
está correto, v im o s que, para serm os capazes de reord enar ou
m o ld ar n o sso am b ie n te , d evem os ser capazes de tran scen d er
n o s so a m b ie n te im e d ia to . M as, u m a vez q u e o n a tu ra lism o
declara que não p o d em o s fazer isso, o n atu ralism o é in co n sis­
ten te e n ão p o d e ser verdadeiro, p elo m en os c o m o fo rm u lad o
n o rm a lm e n te .4
A segunda característica de u m a cosm o v isão ad equ ad a é que
ela é capaz de abran ger as in fo rm açõ es da realid ad e — in fo rm a ­
ções de to d o s os tip o s — aquelas q u e cada um de n ó s co m p ila
através da experiência co n scien te n a vida diária, aquelas que são
supridas pela an álise crítica e investigação científica, aquelas que
são relatadas a n ó s a p artir da experiência dos outros. Toda essa
in fo rm ação deve, é claro, ser cu id ad o sam en te avaliada p rim eiro
n o m ais b aixo nível (É verídica? É ilu só ria?). M as se a in fo rm a ­
ção é com provad a, d evem os ser capazes de in corp o rá-la à nossa
cosm o v isão . Se um fan tasm a se recusa a d esaparecer sob investi­
gação, n ossa co sm o v isão deve p rovidenciar um lugar para ele.
Se u m h o m e m é ressu scitad o da m orte, n o s so siste m a deve
explicar p o r quê. N a m ed ida em q u e n o ssa cosm o v isão nega ou
falh a em com p reen d er a in fo rm ação , ela é deturpada ou pelo
m en o s inad equ ad a.
É exatam en te esse d esafio ao n atu ralism o q u e tem levado a l­
guns a aceitar o te ísm o c o m o alternativa. A evid ência h istó rica
para a ressurreição de C risto, e para v ários o u tros "m ilag res",
te m sido con sid erad a p o r m u ito s tão fo rte q u e eles tro cam um
sistem a con ceitu ai p o r ou tro. As con versões ao cristian ism o, es­
p e cialm en te entre os in telectu ais d o sécu lo xx, são quase sem pre
acom p an h ad as pelas m u d an ças em cosm ov isões, p o is o pecado,
c o m o v isto p ela B íb lia, tem u m a d im en são in telectu al assim
c o m o m o r a l.5
Terceiro, u m a cosm o v isão ad equ ad a deve explicar o que p ro ­
clam a explicar. Alguns naturalistas, p o r exem p lo, exp licam a m o ­
ralidad e p o r referência à necessid ad e de sobreviver. M as, c o m o
vim os, isso explica a qu alid ad e m o ral (dever) s o m e n te p o r refe­
O U N I V E R S O AO LADO
242

rência à qualidade m etafísica (ser). Talvez a espécie hu m ana deva


desenvolver um con ceito de m oralidade a fim de sobreviver, mas
por que ela deveria sobreviver? Não é satisfatório responder com o
B. F. Skinner, "tanto p ior" para nós se não sobreviverm os, pois a
questão con tin ua clam and o por respostas.
Dessa form a, as questões cruciais a serem levantadas sobre
um a cosm ovisão são: com o ela explica o fato de que os seres
hu m anos pensam m as pensam co m hesitação, am am mas tam ­
bém odeiam , são criativos m as tam bém destrutivos, sábios mas
freqü en tem ente to lo s e assim por diante? O que explica nosso
d esejo pela verdade ou realização pessoal? Por que é o prazer,
com o o con h ecem o s agora, raram ente suficiente para nossa ple­
na satisfação? Por que geralm ente querem os m ais — m ais di­
nheiro, m ais amor, m ais êxtase? C o m o explicam os nossa recusa
hu m ana em viver de m aneira am oral?
Essas são, é claro, grandes questões. Mas é para isso que serve
um a cosm ovisão — para responder a tais questões ou pelo m e­
nos providenciar um referencial dentro do qual tais questões
possam ser respondidas.
Finalm ente, um a cosm ovisão deve ser subjetivam ente satis­
fatória. Ela deve ir ao encontro de n osso senso de necessidade
pessoal, assim com o um gostoso café da m an hã quebra o jeju m
de um a longa noite de son o. M encionei satisfação por últim o
porque ela é a qualidade m ais efêm era. Se fosse a prim eira, p o ­
deria sugerir que a subjetividade é o fator m ais im portante, e
isso tam bém pediria um a resposta. D izer que um a cosm ovisão
adequada deve satisfazer é falar em círculos; a questão é: C om o
pode um a cosm ovisão satisfazer? E a resposta, creio, é clara: U m a
cosm ovisão satisfaz sendo verdadeira. Pois se pensam os ou m es­
m o rem otam ente suspeitam os de que algum a coisa em nossa
com preensão da realidade é ilusória, tem os um a rachadura que
pode aprofundar-se nu m a fissura de dúvida e dividir a paz do
nosso m und o num a guerra civil intelectual. Não, a verdade é,
no fin a l das co n ta s, a ú n ica c o isa q u e satisfará. M as para
determ inar a verdade de um a cosm ovisão, som os lançados de
v o lta às prim eiras três características acim a — co n sistê n cia
interna, tratam ento adequado da inform ação e habilid ade para
explicar o que d em anda ser explicado.
A V I D A E X A M | N A D A
243

M esm o assim , a satisfação subjetiva é im portante, e ela pode


estar ausente n aqu ilo que nos leva a investigar nossa cosm ovi­
são em prim eiro lugar. O sen tim ento vago e inquietante de que
algum a coisa não se enquadra nos leva à busca de satisfação.
N ossa cosm ovisão não é totalm ente suportável. Enterram os nossa
dúvida, m as ela acaba voltando à superfície. M ascaram os nossa
insegurança, mas nossa m áscara acaba caindo. D escobrim os, na
verdade, que é som ente quando perseguim os nossas dúvidas e
buscam os a verdade que com eçam os a ter satisfação real.6
O nde, então, estam os hoje? Em term os de possíveis cosm o-
visões, nossas opções são num erosas, mas, com o vim os, lim ita­
das. Todas aquelas que tem os investigado, todas, m en os o teís­
m o, foram achadas com falhas sérias. Se nosso argum ento foi
correto, nenhum a delas — o deísm o, o naturalism o, o existencia­
lism o, o m o n ism o panteísta oriental ou a filosofia da Nova Era,
nem a perspectiva pós-m od erna — podem adequadam ente co n ­
tar com a possibilidad e de um co n h ecim en to genuíno, a factici-
dade de um universo externo ou a existência de d istinções éticas.
Cada um à sua m aneira term ina em algum a form a de niilism o.

0 TEÍSMO CRISTÃO REVISTO


Há, contud o, um a rota fora desse n iilism o — não indo além
dele, m as retornando a um a bifurcação anterior na trilha inte­
lectual. Pode parecer estranho sugerir à nossa era m oderna que
nos livrem os do pensam ento m od erno e pós-m od erno e retor­
n e m o s ao sé c u lo xvii. M as, d ev em o s ser le m b ra d o s q u e o
teísm o cristão com o o tenho definido foi aband onad o não de­
vido às suas inconsistências internas ou a seu fracasso em expli­
car os fatos, m as porque ele foi inad equ ad am ente entendido,
esquecido com pletam ente ou não aplicado às questões circun­
dantes. A lém disso, nem todos aband onaram o teísm o três sé­
culos atrás. Ele se faz presente em cada disciplina acadêm ica —
na ciência e nas hum anidades, na tecn ologia e no m u nd o dos
negócios — naqueles que têm levado seu teísm o em com pleta
seriedade intelectual e honestid ad e.7
Q uestões e lim itações grosseiras — na verdade o teísm o as
têm , bem com o problem as. A h u m anid ade finita deveria ser um
O U N I V E R S O AO LADO
244

ind icador para se ter hu m ild ad e suficiente em reconhecer que


qualqu er cosm ovisão sem pre as terá. Mas o teísm o explica por
que tem os tais questões e problemas. Seu fundam ento não está no
ser hum ano nem no cosm o, mas no Deus que transcende a tudo
— o Deus infinito-pessoal em quem toda a razão, toda a bondade,
toda a esperança, todo o amor, toda a realidade, toda a distinção
encontra sua origem. Ele oferece o quadro de referências no qual
podem os encontrar sentido e significado e suporta a referida prova
quádrula para um a adequada cosmovisão.
Gerard M anley H opkins, um poeta jesuíta do século xix, cuja
própria jornada intelectual oferece um estudo fascinante de com o
u m a m en te e u m coração investigativo pod em encontrar um
lugar de descanso, nos deixou um rico veio de poem as que in ­
corpora a cosm ovisão cristã. N inguém , penso, captou m elh o r o
to m do teísm o cristão com o no p oem a A Grandeza de Deus. Ele
acrescentará um to qu e pessoal apropriado à nossa precária c o n ­
sideração intelectual de cosm ovisões.

O mundo está carregado da grandeza de Deus.


Vai cham ejar - chispas em sacudidas folhas de metal;
Vai espandir-se - óleo que imprensado escorre, tal e qual,
E alaga. Por que 0 homem não teme 0 açoite dos céus ?
Gerações têm caminhado, quanto elas têm caminhado!
Tudo tem manchas de homem, partilha cheiro de homem,
O solo está desnudo, mas pés calçados não 0 sentem;
Pelas lides, pelo tráfego, um mundo sujo e crestado;

E, apesar disso tudo, a natureza nunca se esgota;


Todas as coisas nela vivem num frescor renovado;
Inda que no turvo ocaso sumam as últimas luzes,
A manhã, na fím bria castanha do oriente, brota -
Porque 0 Espírito Santo, sobre este mundo vergado,
Vigia com peito cálido e oh! luzentes asas. *

(*) "GocTsGrandeur" [ "AGrandezadeDeus", GerardMarúeyHopiãns- Poemas. Seleção,tiadu(^,introájçãoenotasdeAí]acleOlivãraG(MTi€Srpágs.80e


81 CompanhiadasLetras:Sãorkilo, 1989]
A V I D A E X A M I N A D A
245

É claro, há m uito m ais para ser dito sobre as d im ensões pes­


so a is e te o ló g ic a s d essa m a n e ira de v er a v id a .9 A ceitar o
teísm o cristão apenas com o um construto intelectual não é aceitá-
lo com pletam ente. Há um a dim ensão profund am ente pessoal
envolvida em com preender e viver dentro dessa cosm ovisão, pois
ela envolve o reco n h ecim en to da nossa própria dependência in ­
dividual de Deus com o suas criaturas, nossa própria rebelião
individual contra Deus e nossa própria con fian ça em Deus para
a restauração de um a com u n h ão com ele. E isso significa aceitar
a Cristo com o nosso Libertador do cativeiro e Senhor do nosso
futuro.
Ser um cristão teísta não é só ter um a cosm ovisão intelectual;
é estar pessoalm ente com p rom etid o com o S enhor infinito-p es­
soal do Universo. E isso nos condu z a um a vida exam inada dig­
na de ser vivida.

The world is charged with the grandeur o f God.


It will flam e ou, like shining from shook foil;
It gathers to a greatness, like the ooze o f oil
Crushed. Why do men then now not reck his rod?
Generations have trod, have trod, have trod;
And all is scared with trade; bleared, smeared with toil;
And wears man's smudge and shares man's smell: the soil
Is bare now, nor can foot feel, being shod.

And for all this, nature is never spent;


There lives the dearest freshness deep down things;
And though the last ligths o ff the black West went
Oh, morning, at the broivn brink eastward, springs -
Beacuse the Holy Ghost over the bent
World broods with warm breast and with ah! bright wings

N. Wales, February 1877


Capítulo i : ÜM MUNDO DE DIFERENÇAS

1 Extraído de War Is Kind and "pressuposições parecem tão óbvias


Other Lines (1 8 9 9 ), encontrado com que as pessoas não sabem o que estão
freqüência em antologias. O poem a assum indo, porque outra m aneira de
hebreu que se segue é o Salm o 8. ver o m undo nunca lhes ocorreu". Veja
2 Extraído de Alfred Lord Tenny­ A. N. W hitehead, Science and the Mod­
son, In Memoriam (1 8 5 0 ), poem a 54. em World (1 9 2 5 ; reim pressão Nova
3 Uma coleção de ensaios valio­ York: Mentor, 1 9 4 8 ), p. 49.
sos sobre a noção de cosmovisões é en­ 6 Talvez com esta edição de O
contrada em Paul A. M arshall, Sander Universo ao Lado, seja apropriado con ­
Griffioen e Richard Mouw, eds., Stain­ fessar que há m uito tem po T. S. Eliot
ed Glass: Worldviews and Social Science me deixa contrariado. A ele é atribuí­
(L an h am , M d.: U niversity Press o f do o crédito do ditado: "O s poetas m e­
America, 1 9 8 9 ); o ensaio de James H. díocres im itam ; os bons poetas rou­
O lthuis, "O n Worldviews", é especial­ bam". O título para este livro [em in ­
m ente perspicaz. glês, The Universe Next Door] ocorreu
4 Veja Arthur E Holmes, "Toward das duas últim as estrofes de um poe­
a Christian View o f Things", em The m a de Edward Estlin Cummings, "pity
Making o f a Christian Mind, ed. Arthur this busy monster, m anunkind...: lis­
F. Holm es (Downers Grove, 111.: Inter- ten: there's a h e ll/o f a good universe
Varsity Press, 19 8 5 ), p. 17 ecap s. 1 e 3 next d oor; le t's go", [com padeça-se
de Arthur F. Holmes, Contours o f a Chris­ desse atarefado monstro, desumanida­
tian World View (Grand Rapids, Mich.: de...: ouça: há um brutal/universo bom
Eerdmans, 1 9 8 3 ), para algo um tanto ao lad o ; sig am o s em fre n te ]. Veja
diferente, porém de com preensão m ui­ Edward Estlin Cummings, Poems: 1923-
to útil em cosmovisões. 1954 (N ova York: H arcou rt Brace,
5 W hitehead diz que algum as 1954), p. 397.

1 Um dos estudos mais fascinan­ Os que mais se destacam sâo Contours


tes sobre este assunto é encontrado no o f a Christian Worldview de Arthur E
livro de Jean Seznec, The Survival o f the H olm es (Grand Rapids, M ich: Eerd­
Pagan Gods (Nova York: Harper & How, mans, 1 9 8 3 ); The Making o f a Christi­
1961), cujo argumento é de que os deu­ an Mind, de Arthur E Holmes, ed. (D o ­
ses gregos se tornaram "cristianizados"; wners Grove, 111.: InterVarsity Press,
citando Juliano, o Apóstata, que disse: 1 9 8 5 ); Making Sense o f Your World from
"Thou hast conquered, O Pale Galile­ a Biblical Viewpoint, deW . Gary Phillips
an" ['Tens vencido, ó Pálido Galileu"]. e W illiam E. Brown (Chicago: M oody
2 Vários livros sobre a cosmovi- Press, 1991 ); e The Transforming Vision:
são cristã têm sido publicados desde Shaping a Christian World View, de Bri­
as primeiras edições do presente livro. an Walsh e Richard M iddleton (Down-
O U N I V E R S O AO L ADO
25O

ers Grove, 111.: InterVarsity Press, 19 8 4 ) log}’ (Grand Rapids, M ich.: Baker Book
e Truth Is Stranger Than It Used to Be House, 1 9 6 0 ), p. 531.
(Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 6 Muitas pessoas ficam intrigadas
1 9 9 5 ). O utro livro de m inha autoria, com a questão do mal. Se a onisciên-
Discipleship o f the Mind (Downers G ro­ cia e a bondade são atributos de Deus,
ve, 111.: InterVarsity Press, 19 9 0 ), ela­ o que é o mal e por que ele existe? Para
bora o tem a do presente capítulo. uma análise detalhada da questão, veja
3 Uma definição protestante clás­ Peter Kreeft, Making Sense out o f Suffe­
sica de D eus é e n c o n tra d a na ring (Ann Arbor: Servant, 1 9 86) e Hen­
Confissão de Westminster, II, 1: "Há so­ ri Blocher, Evil and the Cross (Downers
mente um Deus vivo e verdadeiro, que Grove, 111.: InterVarsity Press, 1 9 9 4 );
é infinito e perfeito no seu ser, o espíri­ discuto esta questão nos capítulos 12
to puro mais elevado, invisível, sem cor­ e 13 do livro Why Should Anyone Belie­
po, partes ou paixões, imutável, im en­ ve Anything at Alii (Downers Grove, 111.:
so, eterno, incompreensível, todo-pode- InterVarsity Press, 1994).
roso; o mais sábio, o mais santo, o mais 7 A frase foi extraída de um livro
livre, o mais absoluto, trabalhando to­ de Francis A. Schaeffer, He is There and
das as coisas segundo o conselho da sua He Is Not Silent (W heaton, 111.: Tyndale
própria imutável e mais justa vontade, House, 1972), p. 43. O Capítulo 8 de
para sua glória; o mais am oroso, graci­ C. S. Lewis, Miracles (London: Fontana,
oso, m esericordioso, abundante em 1960), p. 18, tam bém contém uma ex­
bondade e verdade, perdoando a iniqüi- celente descrição do que está envolvido
dade, a trangressão e o pecado; recom ­ num universo aberto. Outras questões
pensador daqueles que diligentemente envolvendo uma compreensão cristã de
o procuram; e mais justo e terrível em ciência são discutidas em Del Ratzsch,
seu julgamento; abom inando todo pe­ Philosophy o f Science (Downers Grove,
cado e aquele que absolutam ente não 111.: InterVarsity Press, 1986), e Nancy R.
inocenta o culpado." Pearcey e Charles Thaxton, The Soul o f
4 Para a consideração de um con­ Science (W heaton, 111.: Crossway, 1994).
ceito teísta de Deus de um ponto de 8 Sir Philip Sydney, The Defense o f
vista da filosofia acadêmica, veja H. P. Poesy. Veja tam bém Dorothy L. Sayers,
Owen, Concepts o f Deity (Londres: M a­ The Mind o f the Maker (Nova York: Me­
cm illan, 1971), pp. 1-48. Outras ques­ ridian, 1956); e J. R. R. Tolkien, "O n Fai­
tões metafísicas consideradas aqui são ry Stories", em The Tolkien Reader (Nova
discutidas em W illiam Hasker, Meta- York: Ballantine, 1966), p. 37.
physis (Downers Grove, 111.: InterVarsi­ 9 HelmutThielicke, M/ti/ism, trad,
ty Press, 19 8 3 ); C. Stephen Evans, Phi­ de John W. Doberstein (London: Rou-
losophy o f Religion (Downers Grove, 111.: tledge and Kegan Paul, 1962), p. 110.
InterVarsity Press, 1 9 8 5 ); e Thom as V. 10 A palavra logos com o usada em
Morris, Our Idea o f God (Downers Gro­ João e em outros locais tem um rico con­
ve, 111.: InterVarsity Press, 1991). texto de significado. Veja, por exemplo,
5 G e o ffre y W. B rom iley , "The J. N. Birdsall, "Logos", em New Bible Dic-
Trinity", em Baker's Dictionary ofTheo- tionary, 3 a ed. (Downers Grove, 111.: In-
N O T A S

25I

Capítulo 2 : T e ÍSMO CRISTÃO

terVarsity Press, 1996), pp. 693-94. Francis A. Schaeffer (Downers Grove,


11 Para um estudo mais extensivo 111.: InterVarsity Press, 1972), pp. 69-101.
da epistem ologia de um a perspectiva 14 Para uma continuação do en ­
cristã, veja Arthur F. Holmes, All Truth sinam ento bíblico sobre este assunto,
Is God's Truth (Downers Grove, 111.: In- veja John W enham , The Enigma o f Evil
terVarsity Press, 1 9 7 7 ); David L. W ol­ (G ran d Rapids, M ich .: Z ond ervan,
fe, Epistemology’ (Downers Grove, 111.: 1 9 8 5 ), pp. 27-41.
InterVarsity Press, 1 9 8 2 ); e os caps. 5- 15 "G od 's Grandeur", em The Po­
6 do m eu livro Discipleship o f the Mind. ems o f Gerard Manley Hopkins, 4 a ed.,
12 Veja John W enham , Christ and eds. W. H. Gardner e N. H. MacKenzie
the Bible, 2 a ed. (Grand Rapids, Mich.: (New York: Oxford University Press,
Baker Book House, 1984). 1 9 6 7 ), p. 66.
13 Veja, por exemplo, a discussão 16 Saul Bellow, O Planeta do Sr.
a respeito da Queda e de seus efeitos no Sammler, trad. Denise Vreuls (São Pau­
livro Genesis in Space and Time, de lo: Abril Cultural, 1 9 8 2 ), p. 216.

1.03: D eísmo

1 John M ilton, Paradise Lost, II, li­ siíjue et de religion, carta 5. Citado em
nhas 557-61. Émile Bréhier, The History o f Philosophy,
2 J. Bronowski, Science and Hu­ trad. Wade Baskin (Chicago: Universi­
man Values (Nova York: Harper & Row, ty o f Chicago Press, 1 9 6 7 ), 5:14.
1 9 6 5 ), p. 7. 8 Ibid., p. 15.
3 Peter Medawar, "O n 'the Effec­ 9 "Essay on Man", I, linhas 17-22.
ting o f All Things Possible'", The Liste­ 10 Ibid., linhas 2 3 -3 2 ; cf. linhas
ner, 2 de outubro de 1969, p. 438. 2 3 3 -5 8 .
4 Frederick Copleston, A History 11 Ibid., linhas 2 8 9 -9 4 .
o f Philosophy (Londres: Burns and O a­ 12 Ibid., linhas 123-26, 129-30.
tes, 1961), 5 :1 6 2 -6 3 . 13 Ibid., linhas 145-46.
5 Deism: An Anthology, de Peter Gay 14 Indução ou arrazoamento indu­
(Princeton, N.J.: D. Van Nostrand, 1968), tivo — tentativa de argumentar de de­
é uma coleção útil dos escritos de uma am­ talhes particulares para princípios gerais
pla variedade de escritores deístas. — A. N. W hitehead cham ou de "o de­
6 Ideas and Integrities, citado por sespero da filosofia" (Whitehead, Science
Sara Sanborn ("W ho Is Buckminster Ful­ and the Modem World [1925; reimpressão
ler?" Commentary, Outubro 1973, p. 60), Nova York: Mentor, 1948], p. 25).
onde com enta que "A Inteligência Be­ 15 Albert Einstein, Ideas and Opi­
nevolente de Fuller parece encerrada nions (Nova York: Bonanza, 1954). Veja
fora do Grande Relojoeiro dos deístas e tam bém Robert Jastrow, God and the As­
da Supra-Alma de F,merson" (p. 66). tronomers (Nova York: Warner, 1978).
7 Lettres sur divers sujets, metaphy- 16 Stephen Hawking, A Brief His-
O U N I V E R S O A O L A D O

252

Cámmo 3: D e ís m o

tory o f Tim e (N ov a York: B an tam , 19 Kitty Ferguson, Stephen Hawking:


1 9 8 8 ), p. 122. Quest for a Theory o f the Universe (New
17 M ichael W hite e John Gribbin, York: Franklin Watts, 1991), p. 84.
Stephen Hawking: A L ife in Science 20 Robert Wright, Three Scientists
(Nova York: Plume, 1 9 9 2 ), p. 3. and Their Gods (New York: Harper &
18 Hawking, B rief History, p. 141. Row, 1 9 8 8 ), p. 69.

Capítulo 4: NATURALISMO

1 La M e ttrie , M an a M achin e filosofia que tem propósito, aquela do


( 1 7 4 7 ) , em Les P h ilosop h es, ed. corpo hum ano. Contra tão forte e só ­
N orm an L. Torrey (Nova York: Capri- lido carvalho, o que poderiam fazer fra­
corn, 1 9 6 0 ), p. 176. cos juncos de teologia, metafísicas e es-
2 W hitehead, por exem plo, diz: c o la stic ism o ; arm as de b rin q u ed o ,
"E claro que encontram os n o século com o nossos espadachins da infância,
xviii o fam oso argum ento de Paley, de que podem m uito bem conceder o pra­
que o m ecanism o pressupõe um Deus zer da luta, mas nunca ferir um adver­
que é o autor da natureza. Mas, m es­ sário. Será preciso dizer que m e refiro
m o antes de Paley colocar o argum en­ às noções triviais e falsas, aos banais e
to em sua form a final, H um e já tinha lastim áveis argum entos que encora­
escrito a réplica de que o Deus que você jam , enquanto a som bra do preconcei­
descobrirá será a espécie de Deus que to ou superstição perm anece sobre a
fez este m ecanism o. Em outras pala­ terra, pela suposta incom patibilidade
vras, o m ecanism o pode, no m áxim o, das duas substâncias que se encontram
pressupor um a m ecânica, e não so ­ e interagem incessantem ente [La M et­
m ente um a m ecânica, mas sua m ecâ­ trie está aqui aludindo à divisão da re­
nica" (A. N. W hitehead, Science and the alidade de Descartes em m ente e m a­
Modem World [1925; reimpressão Nova téria]?" (p. 177).
York: Mentor, 1948], p. 77). 4 A rigor, há naturalistas que não
3 O tom indiscreto, anticristão e são materialistas, isto é, que sustentam
anticlerical do ensaio de La M ettrie é que pode haver elem entos do universo
um a amostra de seu conteúdo antiteís- que não são matéria — mas eles têm
ta, exaltando, com o ele fez, a razão hu­ tido pouco impacto na cultura ociden­
m ana às expensas da revelação. Um tal. M inha definição do naturalismo será
exem plo instrutivo disso é tirado da limitada àqueles que são materialistas.
conclusão do livro Man a Machine: "Re­ 5 Cari Sagan, Cosmos, trad. Ange­
con heço os cientistas apenas com o ju ­ la do N ascim ento M achado (R io de
ízes de conclusões que elaboro, e, por Janeiro: Francisco Alves, 1981), p. 4. Sa­
esta razão, desafio qualquer hom em gan continua a dizer: "Nossas mais pre­
preconceituoso que não seja um ana­ cárias contem plações do cosm o nos in­
tom ista, ou fam iliarizado com a única quietam — há um calafrio na espinha,
N O T A S

253

Capítulo 4: NATURALISMO

um em bargo na voz, um a sensação de entes das pressuposições naturalistas.


desm aio, com o de um a m em ória dis­ Paul Kurtz é professor de filosofia na
tante, de queda das alturas. Sabem os Universidade Estadual de Nova York,
que nos estam os aproxim ando de um em Buffalo, editor do Free Inquiry (um
dos maiores mistérios". Para Sagan, no jornal quadrim estral voltado à propa­
seu livro e na série de televisão de m es­ gação do "hum anism o secular") e edi­
m o nom e, o cosm o assume a posição tor da Prom etheus Books.
de Deus, criando a m esm a espécie de 10 John A. Garraty e Peter Gay, eds.,
reverência em Sagan, que procura de­ The Columbia History o f the World (Nova
sencadear em seus leitores e em sua York: Harper & Row, 1972), p. 14.
audiência da televisão a m esma reação. 11 David Jobling, "How Does Our
Assim, essa suposta ciência, torna-se, Twentieth-Century Concept o f the U ni­
deste m odo, religião, para alguns reli­ verse Affect O ur Understanding o f the
gião do cientificism o. Veja Jeffrey Mar­ Bible?" Enquiry, Setem bro-N ovem bro
sh, "The Universe and Dr. Sagan", Com­ 1972, p. 14. Ernest Nagel, num ensaio
mentary, m aio de 1981, pp. 64-68. m uito útil definindo o naturalism o da
6 Stephen Hawking, A B rief His­ m etade do século XX, declara esta po­
tory o f Tim e (N ov a York: B an tam , sição em term os filosóficos mais rigo­
19 8 8 ), p. 13. A conclusão de Hawking rosos: "A primeira [proposição central
é cautelosam ente otim ista: "Se, de fato, ao naturalism o] é a prim azia causal e
descobrirmos uma teoria com pleta [do existencial da m atéria organizada na
universo]... seria o triunfo final da ra­ ordem executiva da natureza. Esta é a
zão hum ana — pois assim conhecerí­ pressuposição em que as ocorrências
am os a m ente de Deus" (p. 175). dos eventos, qualidades e processos e
7 La Mettrie, Man a Machine, p. os com portam entos característicos de
177. Por outro lado, definir um ser hu­ vários indivíduos, são con tin gentes
m ano com o "um cam po de energias sobre a organização dos corpos situa­
m ovend o-se d en tro de um sistem a dos no espaço-tem po, cujas estruturas
mais am plo de energias flutuantes" é internas e relações externas determ i­
igualm ente naturalista. Em nenhum nam e lim itam o aparecim ento e o de­
dos casos o hom em é visto transcen­ saparecim ento de tudo o que aconte­
dendo o cosmo. Veja Marilyn Ferguson, ce" (Ernest Nagel, "Naturalism Recon­
The Brain Revolution: The Frontiers o f sidered" [1 9 5 4 ], em Essays in Philoso­
Mind Research (Nova York: Taplinger, phy, ed. H ouston Peterson [Nova York:
19 7 3 ), p. 22. Pocket Library, 1959], p. 4 8 6 ).
8 Émile Bréhier, The History o f Philo­ 12 La Mettrie, Man a Machine, p. 177.
sophy, trad. Wade Baskin (Chicago: Uni­ 13 Frederick C opleston, A History
versity o f Chicago Press, 1967), 5:129. o f Philosophy (Londres: Burns and O a­
9 Humanists Manifestos I and II tes, 1961), 6:51. Entre os mais recen­
(Buffalo: Prom etheus, 1 9 7 3 ), p. 16. tes proponentes da noção de que os
Estes dois manifestos, especialm ente o seres h u m an o s são m áqu in as, está
segundo (que foram rascunhados por Jo h n Brierly, The Thinking M achine
Paul Kurtz), são com pilações conveni­ (Lxmdres: H einem ann, 1 9 7 3 ).
O U N I V E R S O A O L A D O

254

CvHTüu.4: N aturalismo

14 W illiam Barrett, The Death o f an (N ova York: S im o n & Schuster,


the Soul From Descartes to the Computer ' 19 5 7 ), p. 107.
(Nova York: Anchor, 1 9 8 7 ), p. 154. 21 A. J. Ayer, ed., The Humanist Ou­
Sherry Turkle, que tem estudado o efei­ tlook (Londres: Pemberton, 1968), p. 9.
to de com putadores sobre a auto-com ­ 22 Nagel, "Naturalism Reconside­
preensão hum ana, diz "que as pessoas red", p. 496.
que tentam pensar sobre si mesm as 23 Humanist Manifestos I and II, p. 17.
co m o com putad ores têm problem a 24 Jo h n U p d ik e, "P ig e o n F ea­
com a noção do eu" (Carl M itcham thers", em Pigeon Feathers and Other
relata sobre seu trabalho em "C om pu­ Stories (G reenw ich, C o n n .: Fawcett,
ter Ethos, Com puter Ethics", em Rese­ 19 5 9 ), p. 96.
arch in Philosophy and Technology [Gre­ 25 Garraty and Gay, eds., The Co­
enwich, Conn.: JAI Press], 8:271). lumbia History o f the World, p. 3.
15 O Manifesto Humanista II geral- 25 Um dos mais intrigantes trata­
m ente declara a situação com referên­ m entos dado à origem do universo é
cia à natureza com o um todo: "A Na­ aquele apresentado por Hawking em
tureza pode, realmente, ser mais estra­ A Brief History o f Time.
nha e mais profunda do que agora sa­ 27 M uitos cientistas que são natu­
bem os; qualquer descoberta nova, con­ ralistas aceitam alguma form a de teo ­
tudo, não ampliará nosso conhecim en­ ria evolucionista. D aniel C. D ennett
to do natural" (p. 16). provavelmente está certo quando escre­
16 Julian Huxley, "The U n iq u e­ ve que, "em bora existam controvérsias
ness o f M an", em Man in the Modern vigorosas no redem oinho ao redor da
World (Nova York: Mentor, 19 4 8 ), pp. teoria evolucionista", elas são brigas
7 -2 8 . George Gaylord Sim pson lista em fam ília. A idéia darwiniana "é tão
"fatores inter-relacionados de inteli­ segura com o qualquer outra na ciên­
gência, flexibilidade, individualização cia"; que "os seres hum anos são pro­
e socialização" do hom em (The M ea­ dutos da evolução" é um "fato indis­
ning o f Evolution, ed. rev. [Nova York: cu tív e l" ( Darwin's Dangerous Idea
Mentor, 1951), p. 138. [Nova York: Sim on & Schuster, 1995),
17 Nagel, "Naturalism Reconside­ pp. 19, 4 81). Um cientista naturalista
red", p. 490. que não aceita o darwinism o ou o neo-
18 O físico Edward Friedkin, por darwinism o, contudo, é M ichael Den­
exem plo, acredita que, m esm o num ton, em Evolution: A Theory in Crisis (Be-
universo com pletam ente determinísti- thesda, Md.: Adler and Adler, 1985).
co, as ações hum anas podem não ser Entre os cristãos, muitos cientistas e te­
predizíveis e existe lugar para o "pseu­ ólogos, especialm ente aqueles associ­
do livre-arbítrio" (Robert Wright, Three ados à American Scientific Affiliation,
Scientists and Their God [Nova York: aceitam algumas form as de evolução
Harper & Row, 1988), p. 67 ). com o tanto cientificam ente possíveis
19 Humanist Manifestos 1and II, p. 17. quanto consistentes com o teísm o cris­
20 Bertrand Russell, "A Free M an's tão (veja os incontáveis artigos em The
W orship", em Why 1 Am Not a Christi­ Journal o f the American Scientific Affilia-
N O T A S

255

CAPmi.04 : N a t u r a lism o

tion e Perspectives on Science and Chris­ 29 Ibid.


tian Faith [o rebatizado jornal ASA]). 30 Jacques M o n o d , C hance and
Exemplos adicionais são Charles Hum­ Necessity, trad. Austryn W ain h o u se
mel, The Galileo Connection (Downers (Nova York: Alfred. A. Knopf, 1971),
Grove, 111.: InterVarsity Press, 1 9 8 5 ); p. 146.
Howard J. Van T ill, The Fourth Day 31 Richard Dawkins, The Blind Wa-
(G ra n d R apid s, M ich .: E erd m an s, tchmaker (Nova York: W. W. Norton,
1 9 8 6 ); Howard ). Van Till, Davis A. 19 8 6 ), p. 21.
Young e Clarence M enninga, Science 32 Poucos naturalistas com o Cari
Field Hostage (Downers Grove, 111.: In­ Sagan acreditam que, um a vez forne­
terVarsity Press, 19 8 8 ). Por outro lado, cido o tam an ho e a idade do universo,
Phillip E. Johnson ( Darwin on Trial, 2 a outros seres inteligentes devem ter evo­
ed. (Downers Grove, 111.: InterVarsity luído no universo. Contudo, até m es­
Press, 1993] e Reason in the Balance m o Sagan adm ite que não há forte evi­
[Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, dência para este ponto de vista. (Sa­
1 9 9 5 ] , pp. 51-110) rejeita a teoria evo- gan, Cosmos, pp. 2 9 2 , 3 0 7 -1 5 .) Isto foi
lucionista com o necessariam ente na­ em 1980; o m esm o é verdadeiro em
turalista. Outros cristãos que rejeitam 1997.
a teoria evolucionária darwiniana e ne- 33 Esta mudança no conteúdo das
odarwiniana e destacam um projeto na norm as éticas pode ser estudada com ­
criação da biosfera incluem Charles B. parando-se o M anifesto Humanista I
Thaxton, Walter L. Bradley e Roger O l­ (1 9 3 3 ) com o Manifesto Humanista II
sen, The Mystery o f Life's Origin (Nova (1 9 7 3 ). Desde 1973, é claro, ocorre­
York: Philosophical Library, 1 9 8 4 ); os ram muitas mudanças, a m aioria es­
colaboradores de I. P. M oreland, ed., pecialm en te n o crescim ento de um
The Creation Hypothesis (Downers G ro­ argum ento para que a hom ossexuali­
ve, 111.: InterVarsity Press, 1 9 9 4 ); e M i­ dade seja considerada um a condição
chael Behe, Darwin's Black Box: The Bi­ hum ana norm al com os con com itan­
ochemical Challenge to Evolution (Nova tes direitos morais.
York: Free Press, 1996). Um a critica dos 34 La Mettrie, Man a Machine, p.
argumentos cristãos sobre esta questão 176; destaque meu.
é encontrada em Del Ratzsch, The Bat­ 35 HumanistManifestos I and II, p. 17.
tle o f Beginnings: Why Neither Side Is 36 Sim pson, Meaning o f Evolution,
Winning the Creation-Evolution Debate p. 149.
(Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 37 John Platt em The Center M a­
1996) . gazine, Março-Abril 1972, p. 48.
28 Simpson, Meaning o f Evolution, 38 D ois outros naturalistas que
p. 143. Por que Sim pson atribuiria aos tentam um a ética sobre um a base evo-
seres hum anos uma natureza espiritu­ lu c io n is t a sã o D a n ie l D e n n e tt,
al, não está claro. Não devemos, contu­ Darwin 's Dangerous Idea, e Jam es Q.
do, interpretá-lo no sentido de que os W ilson, The Moral Sense (Nova York:
seres hum anos têm um a dim ensão que Free Press, 1 9 9 3 ). A m bos explicam
os leva para fora do universo fechado. com o um senso moral pode ter-se de-
O U N I V E R S O A O L A D O

256

CAPfuLCM: N aturalismo

senvolvido; nenhum é bem -sucedido xism o é Richard Schm itt, Introduction


em evitar a falácia naturalista — a ten ­ to Marx and Engels: Critical Reconstruc­
tativa de derivar dever de ser (veja capí­ tion (Boulder, C olo.: Westview, 19 8 7 ).
tulo 5, pp. 104-106, 2 4 7 ). U m a bo a introdução de um ponto de
39 Walter Lippmann, A Preface to Mo­ vista cristão é David Lyon, Karl Marx:
rais (Nova York: Time, 1964), p. 190. A Christian Assessment o f His Life and
40 Ibid., p. 307. O livro de Allan Thought (Downers Grove, 111: InterVar-
Bloom s, The Closing o f the American sity Press, 1 9 7 9 ). Não há substituto, é
Mind, poderia ser descrito com o um claro, para os verdadeiros escritos de
choro incontido pela m anutenção de Marx, com o tam bém os im portantes
algumas outras bases para os valores escritos do seu am igo íntim o e cola­
hum anos além de compromisso ou de­ borador, Friedrich Engels. M uitos dos
cisão humanas. Sem uma luta séria con­ mais im portantes escritos estão em Ri­
tra um Deus infinito-pessoal que age chard Tucker, ed., The Marx-Engels Re­
com o o fundam ento destes valores, é ader, 2 a ed. (Nova York: W. W. Norton,
difícil ver exatam ente com o os valores 19 7 8 ).
contem porâneos serão capazes de es­ 44 "C ontribution to the Critique
tar bem fundados em algum absoluto o f H egel's Philosophy o f Right: Intro­
seguro. Veja Allan Bloom , The Closing duction", em Tucker, Marx-Engels Rea­
o f the American Mind (Nova York: Si- der, p. 60.
m om & Schuster, 1 9 8 7 ), especialm en­ 45 Ibid.
te pp. 194-216. Veja tam bém Alasdair 46 Uma im portante e recente crí­
M cIntyre, After Value, 2 a ed. (N otre tica cristã do naturalism o é encontra­
Dam e, Ind.: N otre D am e University da em Reason in the Balance, do advo­
Press, 19 8 4 ). gado Phillip Johnson.
41 Um m anifesto hum anista cris­ 47 Sim pson, Meaning o f Evolution,
tão foi publicado na revista Eternity, p. 139.
janeiro de 1982, pp. 16-18. Os auto­ 48 Ibid., pp. 166-81. Desde os pri­
res foram D o n ald B lo esch , G eorge meiros dias de Darwin eT . H. Huxley,
Brushaber, Richard Bube, Arthur H ol­ os naturalistas têm depositado grande
mes, Bruce Lockerbie, J. I. Packer, Ber­ esperança na evolução humana. Alguns
nard Ramm e eu. otim istas m odernos são Arthur C. Cla­
42 M anifestos Humanistas 1 e II. rke, em Profiles o f the Future (Nova York:
Outra com pilação m ais breve das o b ­ Bantam, 1 9 6 4 ), pp. 2 1 2-27; Peter Me-
servações hum anistas seculares, "The dawar, em ibid., pp. 4 3 7 -4 2 ; G lenn
A ffirm ations o f H um anism : A State­ Seaborg, "The Role o f Science and Te­
m ent o f Principles and Values", apare­ chnology", Washington University Mag­
ce na contracapa da Free Inquiry, Verão azine, Primavera 1972, pp. 31-35; Juli­
de 1987. an Huxley, "Transhum anism ", em Kno­
43 U ma das melhores introduções wledge, Morality and Destiny (Nova York:
para as muitas das vertentes do m ar­ Mentor, 1 9 6 0 ), pp. 13-7.
N O T A S

257

C a p ít u l o 5: NlILíSMO

1 D o u g las A dam s, The H itch­ que esta é a única liberdade de que


hiker's Guide to the Galaxy (Nova York: um a pessoa realm ente precisa ( Center
Pocket, 1981) [O mochileiro das galá­ Magazine, março-abril de 1972, p. 47 ).
xias, trad . P aulo H en riq ues B ritto 10 B. F. Skinner, O Mito da Liber­
(São Paulo: Brasiliense, 1 9 8 6 )]; The dade, trads. Leonardo Goulart e Maria
Restaurant at the End o f the Universe Lúcia Ferreira Goulart (Rio de Janeiro:
(Nova York: Pocket, 1 9 8 2 ) [O Restau­ Bloch, 1 9 7 2 ), p. 211. O behaviorism o
rante do Fim do Universo, trad. Agui- de Skinner, sempre altam ente critica­
naldo Anselm o (São Paulo: Brasili­ do, agora (vinte e cinco anos depois) é
ense, 1 9 8 7 )]; Life, the Universe and geralmente considerado simplista, ina­
Everything (Nova York: Pocket, 19 8 3 ) dequado com o um a explanação para
[Vida, Universo e sabe lá o que mais, o com portam ento hum ano.
trad. Silvia Fernanda Conestabile, Va­ 11 Jacqu es M onod , C hance and
leria C ristina M arar Zaiba Curuchi Necessity, trad. Austryn W ain h o u se
(S ão Paulo: Brasiliense, 1 9 8 8 )]; So (Nova York: Alfred. A. Knopf, 1971),
Long and Thanks for All the Fish (Lon­ pp. 98 e 112.
dres: Pan, 19 8 4 ) [Até mais, Valeu o Pei­ 12 Alguns cientistas são cautelosos
xe (São Paulo: Brasiliense, 1 9 8 8 )]. em basear suas conclusões metafísicas
2 Adams, Hitchhiker's Guide..., p. sobre con ceito s científico s. Richard
173. Bube, p o r exem plo, argum enta que
3 Adams, The Restaurant..., p. 3. acaso com o conceito científico não é o
4 Ibid., p. 246. m esm o que acaso com o con ceito de
5 Adams, Life..., p. 222. No final cosm ovisão (isto é, m etafísico), obser­
do quarto rom ance, que não parece vando que em ciência acaso é o term o
quase tão pungente em seus efeitos, sa­ dado a um a descrição científica que
bem os que a mensagem final de Deus está "apta apenas a predizer a proba­
é: "D esculpem -nos pelo inconvenien­ bilidade de um estado futuro de um
te" (So Long, p. 189). sistema a partir do con hecim en to de
6 Adams pode ter rido por últi­ seu presente estado" (Richard Bube,
m o, pois, com o um am igo m atem áti­ Putting ItAll Together: Seven Patternsfor
co me disse, 6 vezes 9 é igual a 54, mas Relating Science and the Christian Faith
pode ser escrito com o 42 na base 13. [L anham , M d.: U niversity Press o f
Faça os cálculos! American, 1995], p. 2 3 ). Acaso cientí­
7 Friedrich Nietzsche, Human, All fico, então, classifica um lim ite para o
Too Human, trad. M arion Farber (Linco­ co n h e cim en to em vez de descrever
ln: University o f Nebraska Press, 1984), uma característica da "realidade" (isto
n ° 106, 74 [Humano, Demasiado H u­ é, faz um a declaração m etafísica). Este
mano: um livro para espíritos Hires, tra­ acaso científico é, então, com patível
dução, notas e posfácio: Paulo César com a noção de um m undo racional,
de Souza (São Paulo: Com panhia das entendido tanto por cristãos com o por
Letras, 2 0 0 0 ) 1 a reimpressão. naturalistas. Mas está claro que acaso
8 Ibid. sem pre funciona, m esm o nos escritos
9 John Platt, por exem plo, pensa de cientistas (particularm ente Jacques
O U N I V E R S O A O L A D O

258

Capítulo 5: NllLISMO

M onod ), num sentido de cosm ovisão tam ente um m ovim ento dos limites do
(isto é, m etafísico). conhecim ento para a declaração de que
13 Veja Nancy Pearcey e Charles não tem os nenhum a justificativa para
Thaxton, The Soul o f Science: Christian pensar que sabem os qualqu er coisa
Faith and Natural Philosophy (W heaton, que constitui m uito do padrão do pen­
111.: Crossway, 19 9 4 ), pp. 214-15; cap. sam ento pós-m oderno (veja cap. 9). A
9, "Q uantum Mysteries: M aking Sense realidade tem de se conform ar à m en­
o f the New Physics", pp. 2 8 7 -2 1 9 , é te hum ana num a m aneira conhecível
um a exp osição lúcida das questões co m p letam en te teórica, ou ela não
evocadas. existe. Na verdade, o solipsism o "há
14 O conceito científico de acaso é m uito é reconhecido com o uma im ­
m uito controverso. O princípio da in- plicação inevitável do significado drás­
determ inância de Heisenberg assegu­ tico do princípio de Heisenberg (Jaki,
ra que ninguém pode determ inar com "Chance or Reality", pp. 12-13).
precisão tanto a localização quanto o Uma saída desse dilem a foi to m a­
momentum de um dado elétron qual­ da por Niels Bohr, insistindo que "toda
quer. Alguém pode ter o con hecim en­ declaração sobre ontologia ou sobre o
to preciso de um ou outro, mas não ser deve ser evitada" (ibid., p. 8 ). W.
dos dois ao m esm o tem po. Este é um Pauli concordou, com o Jaki diz: "que
princípio epistem ológico. Mas muitos questões sobre a realidade eram tão
cientistas, incluindo Heisenberg, ela­ metafísicas e inúteis com o era a preo­
b o ram im p licaçõ es o n to ló g ica s do cupação dos filósofos medievais sobre
princípio epistem ológico que não são o núm ero de anjos que caberiam na
claram ente garantidas. O próprio Hei­ cabeça de um alfinete" (ibid., p. 10).
senberg disse: "Desde que todos os ex­ Outra saída, tom ada por Einstein
p erim entos estão sujeitos às leis da e outros cientistas, foi tentar ignorar o
m ecânica quântica, ...a invalidade da princípio em si, descobrindo m eios de
lei da causalidade está definitivam en­ conceber com o as medidas poderiam
te provada pela mecânica quântica" (ci­ ser com pletas e precisas ao m esm o
tado por Stanley Jaki, "C hance or Rea- tem po. A tentativa deles falhou. Tudo
lity", em Chance or Reality and Other o que pôde ser dito foi, nas palavras
Essays [Lanham , Md.: University Press de Einstein: "Deus não joga dados com
o f America, 1 9 8 6 ), pp. 6-7 ). A im pli­ o universo" (ibid., p. 9 ). Mas isto foi
cação é que não apenas o universo é m ais um co m p ro m isso p ré-teórico,
incom preensível num sentido funda­ um a pressuposição, do que um a con ­
m ental, mas é, em si m esm o, irracio­ clusão elaborada de um a teorização
nal ou até m esm o irreal. bem -sucedida ou do laboratório ou de
Heisenberg, juntam ente com pelo experim en tos do p ensam ento . Isto,
m enos alguns cientistas e populariza- então, deixou a conclusão ontológica
dores da ciência, transferiu-se da igno­ ser elaborada com o m uitos o fizeram:
rância da realidade para o conhecim en­ o universo não é fundam entalm ente
to sobre esta realidade. N ão posso incom preensível (ibid., p. 8).
m edir X; portanto, X não existe. É exa­ A hum ildade pré-m oderna sobre a
N O T A S

259

Camtulo 5; N iil is m o

habilidade hum ana em conhecer pode em The Autobiography o f Charles Darwin


ter im pedido este m ovim ento ilógico and Selected Letters (1 8 9 2 ; reimpressão
e precip itad o . P ense na cau tela do Nova York: Dover, 1 9 5 8 ). Sou devedor
apóstolo Paulo ("Porqu e agora vemos a Francis A. Schaeffer por esta obser­
com o em espelho obscuram ente") e a vação, que ele fez num a palestra Sobre
seguir, a esperança ("en tão verem os Charles Darwin. C. S. Lewis, num ar­
face a face"; 1 Co 13:12). gum ento sem elhante, cita o professor
A questão, Jaki conclui, resume-se Haldane: "Se meu processo mental está
a um a confusão ontológica e epistemo- d e te rm in a d o c o m p le ta m e n te p e lo
lógica. "A ciência da m ecânica quânti­ m ovim ento dos átom os em m eu cére­
ca declara apenas a im possibilidade de bro, não tenho nenhum a razão para
um a precisão perfeita nas medições. A supor que m inha crença seja verdadei­
filosofia da m ecânica quântica decla­ ra... e, portanto, não tenho nenhum a
ra, em últim a instância, a im possibili­ razão para supor que meu cérebro seja
dade de distinguir entre material e não- com posto de átom os" ( Miracles [Lon­
material, e até m esm o entre ser e não- dres: Fontana, 1960], p. 18).
s e r .... De qualquer m odo, se é im pos­ 18 Lewis, Miracles, p. 109. Em ou­
sível distinguir entre ser e não-ser, en­ tro contexto, Lewis observa: "Som ente
tão os esforços para dizer qualqu er quando é-lhe pedido para acreditar na
coisa sobre liberdade e determinismo se Razão vinda de uma não-razão, é que
tornam com pletam ente sem significa­ você deve gritar: Alto!, pois, se você não
do" (Jaki, "Chance or Reality", p. 14). o faz, todo o pensam ento é desacredi­
15 Jaki tam bém observa que o co­ tad o" (p. 3 2 ).
nhecim ento igualmente perde seus fun­ 19 Extraído de The Black Riders and
damentos ("Chance or Reality", p. 17). Other Lines, freqüentem ente em anto­
16 Alvin Plantinga utiliza um ar­ logias.
gum ento deste tipo para rejeitar a "pe­ 20 Stanley Jaki com enta sobre os
rigosa idéia" de Darwin, de que a m en­ físicos que tentam contornar este pro­
te hum ana se desenvolveu por meios blem a ainda que term inem , no final
da seleção natural — a sobrevivência d as c o n ta s , c o m o a n ti-r e a lis ta s
do mais apto. Veja "D en n etfs Dange- ("C hances or Reality", pp. 8 -1 6 ).
rous Idea", um a revisão de Plantinga 21 Robert Farrar Capon, Hunting
sobre o lixfro de D aniel C. Dennett, the Divine Fox (Nova York: Seabury,
Darwin s Dangerous Idea (Nova York: 1 9 7 4 ), pp. 17-18.
Sim on & Schuster, 1 9 9 5 ) em Books and 22 Allan Bloom , The Closing o f the
Culture, M aio/Junho 1996, p. 35. Plan­ American Mind (Nova York: Sim on &
tinga observa que um a versão com ple­ Schuster, 1 9 8 7 ), p. 194.
ta do seu argum en to é en co n trad a 23 Veja Antony Flew, "From Is to
em seu Warrant and Proper Function O ught", em The Sociobiology Debate, ed.
(N ova York: O xford U niversity Press, Arthur L. Caplan (Nova York: Harper
1 9 9 3 ), cap. 12. & Row, 1 9 7 8 ), pp. 142-62, para um a
17 Extraído de um a carta para W. rigorosa explanação de por que da ten ­
Graham (3 de ju lh o de 1881) citado tativa naturalista de o b ter o dever a
O U N I V E R S O A O L A D O

26o

Caktuí.o 5: N iil is m o

partir do ser é um a falácia. Um cien­ 27 Franz Kafka, "The W atchm an",


tista que viu a pobreza da física em in Parables and Paradoxes (Nova York:
prover uma norm a ética foi Einstein, a Schocken, 1961), p. 81.
respeito de quem "disse um dos seus 28 U m dos epigramas de Nietzs-
biógrafos que ele nunca derivou um che em The Gay Science reflete a pará­
único valor ético da física" (Stanley bola de Kafka: "Culpado. Em bora m ui­
Jaki, "Change or Reality", citando P. tos dos mais perspicazes juízes das fei­
Michel more, Einstein: Profile o f the Man ticeiras, e até m esm o as próprias feiti­
[Nova York: Dodd, 1962], p. 251). ceiras, estivessem convencidos da cul­
24 N um a seção escan d alosa do pa de feitiçaria, um a culpa, contudo,
seu livro Darwin's Dangerous Idea, D en­ inexistente. Ela é assim totalm ente cul­
nett, sem nenhum fundam ento, un i­ pada" (The Portable Nietzsche, trad. Wal-
versaliza sua própria ética subjetiva: ter K au fm an n [N ova York: Viking,
"Salve os Elefantes!". Sim , é claro, mas 1954], pp. 9 6 -9 7 ).
não tão claro assim. N ão forçando o 29 Alguém poderia retrucar de que
povo da África a desfrutar do progres­ isto é apenas culpa (isto é, sentim en­
so do século xix, por exem plo. ...Salve tos de culpa) que podem ser rem ovi­
o Batista! Sim , é claro, mas não tão cla­ dos pela psicanálise freudiana ou ou­
ro assim. Não se isto significa tolerar a tra psicoterapia, e assim há algum a
má inform ação deliberada de crianças coisa que pode ser feita. Mas isto sim ­
sobre o m undo natural [isto é, não se plesm ente enfatiza a am oralidade dos
isto significa que eles consigam ensi­ seres hum anos. Isto resolve um proble­
nar a seus filhos 'que o livro do Gênesis ma de sentim ento de culpa de um a
é literalmente verdadeiro'] (pp. 515-16). pessoa, não perm itindo que ninguém
25 Veja a discussão de Bloom a res­ de maneira nenhuma, no final das con­
peito dos valores ( Closing o f the Ameri­ tas, aja m oralm ente.
can Mind, pp. 2 5 -4 3 , 194-215). 30 Kurt Vonnegut Jr., Cat's Cradle
26 Richard D aw kins representa (Nova York: Dell, 1970), p. 177.
uma postura com um entre os natura­ 31 Sou devedor a H elm ut Thieli-
listas. Embora faça julgamentos morais cke, Nihilism, trad. John W. Dobestein
(ele rejeita a noção de que a fraqueza (Londres: Routledge and Kegan Paul,
seria uma perm issão para morrer), ele 19 6 2 ), pp. 148-66, esp., 163-66, para
adm ite que não tem nenhum funda­ esta observação sobre o niilism o.
m ento racional para este julgam ento. 32 Outra form a de colocar este ar­
Aqui está um naturalista que se recusa gum ento é deixar claro que a constru­
a aceitar para sua própria vida as con- ção de sentenças é com o um ato fun­
seqüências lógicas do naturalismo. N ii­ dam ental, com o um a afirm ação para­
listas com m uito mais integridade en­ digmática de significado, que construir
golem o sapo (veja a entrevista de Nick sentenças e negar o significado é auto-
Pollard com Dawkins no Space/Time contraditório. Keith Yandell em "Reli-
Gazette, O utono de 1995, com o rela­ gious Experience and Rational Apprai-
tado em The Newsletter o f the ASA and sal", Religious Studies, ju n h o de 1974,
CSCA, ju lho/agosto de 1996, p. 4). p. 185, expressa o argum ento com o
N O T A S

261

CAPfrulà5: N iilismo

segue: "Se um sistema conceitua] F é tal 33 Joseph Heller, Catch-22 [Versão


que pode ser dem onstrado que (a) F é brasileira, Ardil 22](N ova York: Dell,
verdadeiro e (b) F é conhecido ser verda­ 1 9 6 2 ), p. 184.
deiro, são incompatíveis, então este fato 34 Ibid., p. 185.
provê uma boa razão (em bora, talvez, 35 Bloom , Closing o f the American
não conclusiva) de supor que F é falso". Mind, p. 196.

Capítulo6 : EXISTEN CIALISM O

1 Albert Cam us, L 'Été, citado em m arço-abril de 1972, p. 47.


John Cruickshank, Albert Camus and the 12 Fiodor Dostoiévsky, Notes from
Literature o f Revolt (Nova York: Oxford Underground e outros trabalhos, trad.
University Press, 1 9 6 0 ), p. 3. Andrew R. M acAndrew (N ova York:
2 S o u d e v e d o r a C. S te p h e n New American Library, 1961), p. 99.
Board, gerente geral da Harold Shaw 13 Ibid., p. 115
Publishers, por esta observação. 14 Sartre, "Existentialism ", p. 279.
3 O tem a ao qual m e refiro é a 15 Ibid., p. 2 8 9 .
"vontade do poder" finalizando a no ­ 16 Ibid., p. 279.
ção do Übermensch (o Sobre-hom em 17 Ibid., p. 280.
ou Super-hom em ), tudo isto deixado 18 Ibid., p. 285.
após a perda total de qualquer padrão 19 Albert Camus, The Plague, trad.
transcendente tanto para a ética com o Stuart G ilbert (Nova York: Random
para a epistem o lo gia. D iscutirem os House, 19 4 8 ), p. 35. [A Peste, trad. Va­
isto na seção sobre pós-m odernism o lerie Rumjanek (Rio de Janeiro: Re­
(pp. 215-217). cord, 1 9 9 6 ), 9 a ed.|.
4 Assim se cum pre a profecia de 20 Ibid., p. 108.
N ietzsche na parábola do louco. Veja 21 Ibid., pp. 9, 29, 2 7 7 .
pp. 218-221. 22 Ibid., p. 174.
5 A. N. W hitehead, Science and 23 Ibid., p. 175.
the Modern World (1 9 2 5 ; reimpressão 24 Ibid., pp. 2 2 7 -2 8 .
Nova York: Mentor, 1 9 4 8 ), p. 49. 25 Ibid., p. 230.
6 Jean-Paul Sartre; "Existentialism", 26 Ibid., pp. 120, 230.
reimpressão em A Casebook on Existentia­ 27 Ibid., pp. 2 6 2 -6 3 .
lism, ed. William V. Spanos (Nova York 28 Ibid., p. 116.
Thomas Y. Crowell, 1966), p. 289. 29 Ibid., pp. 117-18.
7 Ibid. 30 Ibid., p. 278.
8 Ibid., p. 278. 31 O rom ance pode e provavel­
9 Ibid. m ente tam bém seria lido com o um co­
10 Esta ilustração foi tirada de Sar­ m entário sobre o regim e nazista, uma
tre, "Existentialism ", pp. 2 8 3 -8 4 . peste sobre toda a Europa e África do
11 Jo h n Platt, Center Magazine, Norte, não som ente Oram.
O U N I V E R S O A O L A D O

2Ó2

Capítülu 6 : E xistencialismo

32 H.J. Blackham, "The Pointlessness Almighty (Downers Grove, 111.: InterVar-


o f It All", em Objections to Humanism, ed. sity Press, 19 9 5 ), pp. 166-67.
H. J. Blackham (Harmondsworth, Ingla­ 47 Grene, Introduction, p. 36.
terra: Penguin, 1965), p. 123. 48 Francis A. Schaeffer, He Is The-
33 Ibid., p. 124. re and He Is Not Silent (W heaton, 111.:
34 Edward Jo h n Carnell fornece Tyndale House, 1 9 7 2 ), pp. 3 7 -8 8 , es­
um a excelente introdução à neo-orto- pecialm ente p. 79. Alasdair M adntyre
doxia e a com o ela surgiu, em The The­ escreve: "O que a lógica faz é articular
ology o f R einhold N iebuhr, rev. ed. e deixar explícitas estas regras que es­
(G ran d Rapids, M ich .: E erd m an s, tão, na verdade, incorporadas n o atual
19 6 0 ), pp. 13-39. discurso e, estando tão incorporadas,
35 Camus, The Plague, p. 197. capacitam os hom ens a construir ar­
36 Ibid., p. 196. gum entos válidos e a evitar as penali­
37 Martin Buber, I and Thou, trad. dades da inconsistência. ...Um aluno
R o n ald G regor S m ith (N ova York: de Duns Scotus dem onstrou que ... de
Charles Scribner, 19 5 8 ), pp. 29 -3 0 . uma contradição, qualquer declaração,
38 Ibid., p. 34. seja ela qual for, pode ser extraída. Se-
39 Ibid., p. 4. gue-se que confiar a nós m esmos a afir­
40 Ibid., p. 11. m ação de um a contradição é confiar a
41 Ibid., p. 7. nós m esm os a afirm ação de qualquer
42 Extraído de um a carta citada coisa, seja ela qual for, afirmar qual­
por W alter Lowrie em A Short Life o f quer coisa que seja possível afirm ar —
Kierkegaard (Princeton, N.J.: Princeton e, é claro, tam bém a sua negação. O
University Press, 1 9 4 2 ), p. 82. hom em que afirma uma contradição
43 A própria postura de Kierkega­ desta form a é bem -sucedido em dizer
ard em relação a isto é uma questão de qualquer coisa determ inada, para di­
debate dos estudiosos. Aqueles que en­ zer que este é o caso e não este outro.
fatizam sua rejeição ao valor da verda­ Portanto, dependem os da nossa h ab i­
de objetiva incluem Marjorie Grene, In­ lidade para utilizar e estar de acordo
troduction to Existentialism (C hicago: com as leis da lógica a fim de falar, e
University o f Chicago Press, 19 4 8 ), pp. um a am pla parte da lógica form al cla­
21-22, 35-39; e Francis A. Schaeffer, The rifica para nós o que tem os feito du­
God Who Is There (Downers Grove, 111.: rante todo este tem p o" (Herbert Mar-
InterVarsity Press, 1968), pp. 51-54. Por cuse: An Exposition and a Polemic [Nova
outro lado há C. Stephen Evans, Sub­ York: Viking, 1970), pp. 8 6 -8 7 ).
jectivity and Religious Beliefs (Grand Ra­ 49 Para um a consideração do atu­
pids, M ich.: Christian University Press, al estado do con hecim en to sobre as
1 9 7 8 ); e John Macquarrie, Existentia­ questões tratadas pela alta crítica, veja
lism (Philadelphia: W estm inster Press, Stephen Neill e Tom Wright, The Inter-
19 7 2 ), pp. 7 4 -1 2 3 . pretation o f the New Testament 1861-
44 Veja p. 65, anteriorm ente. 1986 (Nova York: Oxford LJniversity
45 Buber, I and Thou, p. 96. Press, 1 9 8 8 ); Gerald Bray, Biblical In-
46 Veja Donald Bloesch, God the terpretation: Past and Present (Downers
N O T A S

263

Cafitolo 6: E x ISTEKCMLISMO

Grove, 111.: InterVarsity Press, 1 9 9 6 ); co: HarperCollins, 1996], p. 142). Isto


D onald Carson et ah, An Introduction é cristianismo existencial em roupagens
to the New Testament (Grand Rapids, contemporâneas; ele não está necessa­
M ich.: Zondervan, 1 9 9 2 ); Raymond B. riam ente em conflito com o teísm o or­
Dillard e Tremper Longm an III, An In­ todoxo cristão, mas coloca a ênfase no
troduction to the Old Testament (Grand viver relacional atual à custa de uma
Rapids, M ich.: Zondervan, 1 9 9 4 ); e preocupação com o o fato histórico.
Craig Blom berg, The Historical Reliabi­ 55 A história dos estudos eruditos
lity o f the Gospels (Downers Grove, 111.: de Jesus anda ao lado da história inte­
InterVarsity Press, 1987). lectual que traçam os neste livro. Pri­
50 Matthew Arnold, God and the meiro, houve um a aceitação acrítica
Bible, em English Prose o f the Victorian dos Evangelhos com o história con fiá­
Era, eds. Charles Frederick Harrold e vel. Depois, com os deístas e natura­
W illiam D. Tem plem an (Nova York: listas (e.g., Ernest Renan) veio a nega­
O xford U niversity Press, 1 9 3 8 ), p. ção da historicidade de qualquer even­
1211. to sobrenatural na vida de Jesus. Isto
51 Matthew Arnold, "The Study o f foi seguido pela ênfase neo-ortodoxa
Poetry", em English Prose o f the Victori­ sobre o significado religioso e existen­
an Era, p. 1248. cial da história de Jesus, que, em si
52 Carnell, Theology o f Reinhold Ni­ m esm a, foi considerada am plam ente
ebuhr, p. 168. mítica (e.g., Rudolf Bultmann) edepois
53 Rudolf Bultm ann, Kerygma and pelos radicais reformuladores utilizan­
Myth (Nova York: Harper & Brothers, do uma tendência imaginativa de ceti­
1961), p. 39. cism o naturalista e fantasia especulati­
54 Recentem ente, Luke T im othy va (e.g., John D om inic Crossan). Rea­
Johnson, após uma crítica ardorosa das ções recentes a estas buscas pelo Jesus
tentativas modernas de denegrir a con­ histórico tanto por estudiosos teístas tra­
fiança histórica dos Evangelhos (por dicionais (e.g., Ben W itherington e N. T.
um lado) e colocar m uito mais ênfase W right) e estudiosos n eo-ortod oxos
sobre a facticidade da narrativa evan­ modestos (e.g., Luke Tim othy Johnson)
gélica (por outro lado), diz: "O Jesus estão desem penhando um importante
real para a fé cristã não é sim plesm en­ papel em trazer o estudo histórico de
te um a figura do passado, mas, m uito Jesus para um terreno mais sólido.
m ais e acim a de tudo, um a figura do 56 Revisão de Ressurrection: A Sym­
presente, um a figura, realm ente, que bol o f Hope por Lloyde Geering, Times
d e fin e o s a tu a is c re n te s p o r su a Literary Supplement, 26 de novem bro
presença"(The Real Jesus [San Francis­ de 1971, p. 148.
O U N I V E R S O A O L A D O

264

Capitou 7: M o n is m o P a n t e ís t a O r ie n t a l

1 O presente relato da recente e Lucien Stryk, ed., World o f the Buddha


guinada para o pensam ento oriental é (Nova York: Grove, 1 9 6 8 ). Para livros
dolorosam ente superficial. Para m ai­ sobre o zen budism o veja nota 23 abai­
ores detalhes, veja o que se segue: R. C. xo. Para estudos gerais das religiões ori­
Zaehner, Zen, Drugs and Mysticism entais, Keith Yandell recom enda Stu­
(Nova York: Vintage, 1 9 7 4 ). Um exa­ art Hackett, Oriental Philosophy (M adi­
m e m ais erudito e mais extenso é en­ son: U niversity o f W isconsin Press,
contrado nos ensaios coletados em Ir­ 1 9 7 9 ); David L. Johnson, A Reasoned
ving I. Zaretsky e Mark P. Leone, eds., Look at Asian Religions (M inneapolis:
Religious Movements in Contemporary Bethany House, 1 9 8 5 ); Julius Lipner,
America (P rin ceto n , N .J.: Princeton The Face o f Truth (London: M acm illan,
University Press, 1 9 7 4 ). Stephen N ei­ 19 8 6 ); Eric Lott, God and the Universe
ll, em Christian Faith and Other Faiths in the Vedantic Theology o f Ramanuja
(Downers Grove, III.: InterVarsity Press, (Madras: Ram anuja Research Society,
1 9 8 4 ), pesquisa e avalia várias religi­ 1 9 7 6 ); e Lott, Vedantic Approaches to
ões, incluindo o hinduísm o e o budis­ God (Londres: M acM illan, 19 8 0 ).
mo. Uma crítica cristã da tendência de 3 Sri Ram akrisha (1 8 3 6 - 1 8 8 6 )
o O cidente voltar-se para o O riente é certa vez to co u seu discípulo Naren
encontrada em Os Guinness, The Dust (que m ais tarde tornou-se Swami Vi-
o f D eath (W h e ato n , 111.: Crossway, vekananda, viajando para Chicago para
1 9 9 4 ), pp. 1 9 5 -2 3 4 . No cap. 11 de o prim eiro Parlam ento das Religiões
Miracles (Londres: Fontana, 19 6 0 ), pp. do M undo, tornando-se, com o resul­
85-98, C. S. Lewis argumenta que mes­ tado, a m aior figura na introdução do
m o n o O cidente o panteísm o é uma pensam ento oriental no O cidente); ele
religião natural da espécie hum ana, e caiu em transe e viu num relance "que
sua crítica desta form a de panteísm o é tudo na verdade é Deus, que nada exis­
m uito valiosa. Veja tam bém a análise te, seja o que for, além do D ivino, que
crítica refinada de Ernest Becker do zen o universo inteiro é Seu corpo e todas
budism o de um ponto de vista da m o­ as coisas são Suas form as" (Richard
derna teoria da psicanálise e da psico- Schiffm an, Sri Ramakrishna: A Prophet
terapia em Zen: A Rational Critique for a New Age [Nova York: Paragon
(Nova York: W. W. Norton, 1961). House, 1989], p. 153).
2 Surendranath Dasgupta, A His­ 4 Extraído de Chandogya Upa-
tory o f Indian Philosophy, 5 vols. (C am ­ nishad, The Upanishads, trad. Juan Mas­
bridge: Cam bridge U niversity Press, caro (H arm ondsw orth, England: Pen­
1 9 2 2 -6 9 ). Para textos da filosofia e re­ guin, 1 9 6 5 ), p. 117.
lig ião orien tais, veja Sarvapalli Ra- 5 C h ristm a s H u m p h rey s, B u ­
dhakrishnan e Charles A. M oore, eds., ddhism, 3 a ed. (H arm ondsw orth, En­
A Source Book in Indian Philosophy (Prin­ gland: Penguin, 1 9 6 2 ), p. 62 .
ceton, N.J.: Princeton University Press, 6 H u m p h re y s c o m e n ta , p o r
1 9 5 7 ); W ing-tsit Chan, ed., A Source exem plo, que m esm o as distinções in­
Book in Chinese Philosophy (Princeton, telectuais e sistem áticas entre as m aio­
N.J.: Princeton University Press, 19 6 3 ); res correntes do budism o (H inayana e
N O T A S

265

M ünismo P anteísta O riental

M ahayana) são essencialm ente insig­ 17 Humphrey, Buddhism, p. 23 ; e


n ifican tes: "Todo argum ento com o Hesse, Siddhartha, p. 106.
'm elhor' e 'pior' deve desaparecer. H o­ 18 Hesse, Siddhartha, p. 110.
m ens e mulheres, dia e noite, inspira­ 19 Ibid., pp. 110-11.
ção e expiração, cabeça e coração, são 20 Ibid., p. 78.
alternados, não alternativos e o argu­ 21 Mascaro, Upanishads, p. 23.
m ento sobre a dignidade relativa não 22 Hesse, Siddhartha, p. 122.
passa de um debate sobre os dois la­ 23 A história e o sabor do zen bu ­
dos da m esm a m oeda" (ibid., p. 51). dism o podem ser extraídos de Robert
7 Schiffm an, Sri Ramakrishna, p. Linssen, Zen: The Art o f Life (Nova York:
214, citação de Rolland Romains, The Pyramid, 1 9 6 2 ); Stewart W. H olm es e
Life o f Ramakrishna (Calcutta: Advaita Chim yo Horioka, Zen Art for Meditati­
Ashrama, 1931), p. 197. on (Tokyo: Charles E. Tuttle, 1 9 7 3 );
8 Meditations ofMaharishi Ma-hesh D. T. Suzuki, An Introduction to Zen Bu­
Yogi (Nova York: Bantam, 1968), p. 18. ddhism (Nova York: Grove, 1 9 6 4 ). Tem
9 Humphreys, Buddhism, p. 203. havido muitas tentativas para mostrar
10 Mascaro, Upanishads, pp. 83-84. que o zen budism o é consistente com
11 H erm an n H esse, Siddartha, a fé cristã ou que os ensinam entos de
trad. Hilda Rosner (Nova York: New Jesus refletem um com preensão zen.
Directions, 1951), p. 115 fSidarta, trad. Todos esses livros que tenho lido —
Herbert Caro (Rio de Janeiro: Record, por exem plo, Robert Sohl e Audrey
1 9 9 9 ), 1 9 a ed.]. Carr, eds., The Gospel According to Zen
12 Mascaro, Upanishads, pp. 12. (N ova York: New A m erican Library,
13 Sri Ramakrishna, que outorgou 1970) — são profundam ente decepci­
ao deus hindu Kali as categorias de co ­ onantes; aos ensinos de Jesus é dada
nhecim ento e ignorância, pureza e im ­ invariavelmente uma interpretação zen
pureza, bem e mal, confessa a dificul­ totalm ente estranha a qualquer coisa
dade de viver além da dualidade da que Jesus possivelm ente pretendesse,
verdade e da inverdade. Mas ele faz tan­ dado seu lugar no tem po e espaço.
to por am or a Kali (im plicando uma 24 Linssen, Zen: The Art o f Life, pp.
dualidade com ód io), que ele diz aos 1 42-43.
seus discípulos: "Não pude convencer 25 Sigmund Kvaloy, "Norwegian
a m im m esm o a abandonar a verda­ E cop h ilosop h y and E copolitics and
de" (que im plica um a dualidade com Their Influence from Buddhism ", em
falsidade) (citado por Schiffm an, Sri Buddist Perspectives on the Ecocrisis, The
Ramakrishna, p. 135). Wheel Publication 3 4 6 /3 4 8 (Kandy, Sri
14 Em Siddhartha, por exemplo, Si- Lanka: Buddhist Publication Society,
darta magoa muitas pessoas enquanto 1 9 8 7 ), p. 69.
caminha para a unidade com o Um. Mas 26 O mestre zen M yocho (1281-
nunca se desculpa ou confessa. Nada 1 3 3 7 ), "The Original Face", em A First
disso tem sentido em seu sistema. Zen Reader (Rutland, Vt.: Charles E.
15 Hesse, Siddhartha, p. 116. Tuttle, 1 9 6 0 ), p. 21.
16 Ibid., p. 119. 27 Este koan é freqüentem ente tra-
O U N I V E R S O A O L A D O

266

Capítulo ?: MONISMO P a NTEÍSTA ORIENTAL

duzido com o "Q ual é o som de uma creve, por exem plo: "Zen quer elevar-
m ão a p la u d in d o ? ", m as a palavra se acim a da lógica, zen quer encontrar
aplaudindo não ocorre em japonês. a mais alta afirm ação na qual não há
28 Issu Miura e Ruth Fuller Sasaki, antíteses. Portanto, em zen, Deus não
The Zen Koan (Nova York: Harcourt, é negado nem im posto; apenas não há
Brace and World, 19 5 6 ), p. 44; Suzuki, no zen um tal Deus, com o ele tem sido
Introduction, pp. 59 e 99-117. concebido pelas mentes judaicas e cris­
29 Suzuki, Introduction, p. 39, es- tãs"; veja tam bém pp. 48-57.

ctrêmo 8: A N

1 Em 1976 e m esm o em 1988 eu 4 Veja especialm ente três livros


disse "infância". de Douglas R. Groothuis: Unmasking
2 Talvez Sam Keen foi quem tenha the New Age (Downers Grove, 111.: In-
chegado mais perto com seu artigo "The terVarsity Press, 1 9 8 6 ); Confronting the
Cosm ic Versus the Rational", Psychology New Age (Downers Grove, 111.: InterVar-
Today, julho de 1974, pp. 56-59. sity Press, 19 8 8 ) e Jesus in an Age o f Con­
3 Marilyn Ferguson, The Aquari­ troversy (Eugene, Ore.: Harvest House,
an Conspiracy: Personal and Social Trans­ 1 9 9 6 ); o ultim o lida com os conceitos
formation in the 1980s (Los Angeles: Je­ da Nova Éra sobre Jesus. Várias orga­
remy P. Tarcher, 1 9 8 0 ) [A Conspiração nizações especializadas vêm acom pa­
Aquariana, trad. Carlos Evaristo M. nhado o d esenvolvim ento da Nova
Costa (Rio de Janeiro: Record, 1991)], Era; entre elas estão Spiritual Counter­
e Fritjo f Capra, The Turning Point: Sci­ feits Project, P. O. Box 4 3 0 8 , Berkeley,
ence, Society and the Rising Culture CA 9 4 7 0 4 ; Christian Research Institu­
(Nova York: Bantam , 1 9 8 2 ) [O Ponto te, P. O. Box 500, San Juan Capistrano,
de Mutação: a Ciência, a Sociedade e a CA 9 2 6 9 3 ; e CARIS, P. O. Box 206 7 ,
Cultura Emergente, trad. Alvaro Ca­ Costa Mesa, CA 9 2 6 2 6 . Cada um a des­
bral (S ão Paulo: Círculo d o Livro, tas organizações publica literatura ava­
1 9 8 6 )]. Veja tam bém do m esm o au­ liando o m ovim ento da Nova Era. Veja
tor The Tao o f Physics (Nova York: Ban­ tam bém Ted Peters, The Cosmic S elf
tam, 1 9 7 7 ) [O Tao da Física, trad, de (San Francisco: Harper San Francisco,
José Fernandes Dias (São Paulo: Cul- 1991), e um livro cujo título parece um
trix, 1 9 8 6 )]. O prim eiro livro de Ken tanto prem aturo: Vishal Mangalwadi,
W ilber foi Spectrum o f Consciousness When the New Age Gets Old (Downers
(W heaton, 111., Q uest, 1 9 7 7 ; 2 a ed. Grove, 111.: InterVarsity Press, 19 9 2 ).
1 9 9 3 ); seus livros mais recentes são o 5 V eja " B o o m T im e s o n th e
c a lh a m a ço Sex, Ecology, Spirituality Psychic Frontier", reportagem de capa
(Boston: Sham bhala, 1 9 9 5 ) e o mais da revista Time, 4 de março, 1974, que
popular A B rief History o f Everything m apeou o interesse em fen ô m en os
(Boston: Sham bhala, 19 9 6 ). psíquicos — ESP, psicocinese (a habi-
N O T A S

267

lidade mental para influenciar objetos m uito mais o fundam ento da Nova Era
físicos), fotografia kirliana (que supos­ do que sua vanguarda. Alguém pode
tam ente mostra a "aura" de coisas vi­ interpretar esta m udança com o a sina­
vas), cura psíquica, acupuntura, clari­ lização da chegada do m ovim ento da
vidência, experiências "fora-do-corpo", Nova Era em si, com o a tentativa de
p rem onição (antecipação dos even­ atingir um a média de com pradores em
to s). Um ano m ais tarde a Saturday bancas de jornais com idéias da Nova
Review, 22 de fevereiro de 1975, pu bli­ Era m ais palatáveis, ou com o uma co ­
cou juntam ente com a cobertura da Ti­ m ercialização da Nova Era por adm i­
mes sobre um plano m ais sofisticado, nistradores da classe m édia. M esm o
sugerindo que a popularidade da nova a ssim , q u a n d o um a nova e d ito ra
consciência corria mais profundam en­ (Joan Duncan Oliver) assumiu o co ­
te do que m eros caprichos culturais m ando do vistoso jornal em agosto de
com o a teologia da morte de Deus. N o­ 1996, ela reviu as primeiras edições e
tícias das celebrações da Nova Era na com entou que "a ênfase tem perm a­
época de uma suposta Convergência n ecid o co n sta n te "; nas palavras da
H arm ônica (agosto de 1 9 8 7 ) estavam m ais nova editora: "Estam os realm en­
estam padas em m uitos jornais e revis­ te falan d o so b re cura do e sp írito "
tas sem anais americanas, alguns escri­ (agosto de 1996, p. 6).
to s c o m c o n s id e r á v e l ir o n ia . A 7 Time, 1 dezem bro de 1987, pp.
Nova Era gerou interesse público mas 6 2 -7 2 .
nem sem pre respeito público. 8 A tentativa de MacLaine, após
6 O New Age Journal tem passa­ dirigir m uitos sem inários de fins de se­
do por um a interessante m etam orfose m ana, de construir seu próprio centro
desde seu com eço em 1974, quando de Nova Era no Novo M éxico teve de
era um a revista publicada por idealis­ ser abandonada quando "os m orado­
tas confessos da Nova Era. Sob am ea­ res protestaram que o m eio am biente
ça de extinção em 1983, seu m ais du­ local era extrem am ente frágil para aco­
radouro editor escreveu que a publica­ m odar os planos de construção da es­
ção (setem bro de 1983, p. 5 ), ganhou trela" (Time, 10 de janeiro de 19 9 4 ).
im pulso financeiro e com eçou a apre­ As assom brosas vendas do rom ance
sentar um a nova aparência — um a di- (que alguns consideram não-ficção)
agram ação m ais p rofissional, papel The Celestine Prophecy (Nova York; War­
couchê e impressão em quatro cores ner, 1 9 9 3 ) [A P rofecia C elestin a, trad.
— mas tam bém um a nova direção edi­ Sylvia Bello (Rio de Janeiro: Objeti­
torial, m enos centrada nos expoentes va, 1 9 9 7 )] poderiam levar alguém a
d o p e n s a m e n to m a is ra d ic a is da pensar que James Redfield substituiu
Nova Era e mais voltada para as fron­ M acL aine c o m o o m ais c o n h e cid o
teiras entre a Nova Era e a vanguardal guru pop da Nova Era. Mas este livro,
da cultura am ericana. Em ju n h o de que um crítico cham ou de "o pior li­
1984 a mudança foi assinalada por no­ vro da Nova Era que jam ais vi", tem
vos nom es em seus créditos e posições m enos substância e m ais idiotices do
editoriais-chave. A revista agora reflete que qualquer coisa imaginada por Ma-
O U N I V E R S O A O L A D O

268

C apitulo 8: A NOVA E ra

cLaine em seus piores dias. Este livro e tions: An Interview with Jean H ous­
sua seqüência, The Tenth Insigh (Nova to n ", The Quest, primavera de 1990, p.
York: Warner, 1 9 9 6 ) [A Décima Profe­ 42 . Este m ovim ento geral tem sido o
cia, trad, de Adalgisa C am pos da S il­ tem a central em seus vários livros, in­
va (R io de Jan eiro : O bjetiva, 1 9 9 7 )}, cluindo Life Force: The Psycho-historical
provavelmente serão em breve esque­ Recovery o f the S elf (Nova York: Dell,
cidos. Alan Atkinson conta a história 1 9 8 0 ), Godseed: The lourney o f Christ
de com o o prim eiro livro veio a ser es­ (W heaton, 111.: Quest, 1 9 9 2 ), The Se­
crito e a recepção confusa que ele rece­ arch for the Beloved: loumeys in Sacred
beu ("A Profecia Celestina", New Age Psychology (Los Angeles: Jeremy P. Tar­
Journal, agosto de 1 9 9 4 , pp. 6 0 -6 5 , dier, 1 9 8 7 ) e A Mythic Life (San Fran­
1 2 7 -2 9 ). cisco: Harper San Francisco, 1 9 9 6 ).
9 A revelação de Bob Woodward 13 George Leonard, "Notes o n the
de que a ex-prim eira dama e h o je se­ Transform ation", Intellectual Digest, se­
nadora Hillary C linton tem buscado o tem bro de 1972, pp. 25, 32.
con selho de Jean Houston, a fam osa 14 Shirley MacLaine, It's All in the
conselheira da Nova Era, causou reper- Playing (Nova York: Bantam, 1987), pp.
cusões na m ídia por algumas sem anas 3 3 4 -3 5 [A Vida é um Palco, trad. Myri-
no verão de 1996, mas em dezem bro am C am p ello (R io de Ja n e iro : Re­
já tinha caído no esquecim ento. Veja cord, 1 9 8 8 )].
B o b W oodw ard, The C hoice (N ova 15 É um elem ento-chave nos ro­
York: Sim on & Schuster, 1996), pp. 55- mances de James Redfield; veja nota 8
57, 129-35, 271-72, 412-13. Propagan­ acima.
distas têm feito uso desta imagem: a 16 A leitura de textos antigos à luz
foto de Jean H ouston e o anúncio de dos interesses con tem p orân eos sem
um sem inário em novem bro de 1996 observar que estes textos estão sendo
apareceram com a observação: "am i- retirados do seu contexto e cosmovi-
ga/conselheira de Hillary C lin to n " em são intelectual é um a falta de zelo en­
The Chicago Tribune, 28 de ju lh o de tre as sumidades modernas. Jean Hous­
1996, see. 14, p. 11. Houston ensinou ton em Godseed, por exem plo, faz uma
filosofia, psicologia e religião na Uni­ leitura de Jesus à luz dos textos gnósti-
versidade de Colum bia, no Hunter C o­ cos do segundo século, em vez dos
llege, na New School for Social Rese­ d o cu m en to s n eo -testam en tário s do
arch e no M arym ount College e é ex- prim eiro século. Jam es Redfield tem
presidente da Association for Humanis­ um personagem em The Celestine Pro­
tic Psychology. Algumas de suas publi­ phecy que diz: "Q uando os hum anos
cações aparecem na nota 12 abaixo. com eçarem a elevar suas vibrações a
10 Entrevista de Jerry Avron com um nível em que os outros não podem
Robert Masters e Jean Houston, "The Va­ vê-los... isto sinalizará que estam os cru­
rieties o f Postpsychedelic Experience", zand o a barreira entre esta vida e o
Intellectual Digest, março de 1973, p. 16. outro m undo do qual viem os e para o
11 Ibid., p. 18. qual vamos. Este cruzam ento de con s­
12 'Toward Higher-Level Civiliza­ ciência é o cam in h o m ostrado pelo
N O T A S
269

cui’iroui 8: A N ova E ra

Cristo. Ele se abriu para a energia até A New Way o f Looking at Drugs and the
que estivesse tão ilum inado que podia Higher Consciousness (B o sto n : H ou­
cam inhar sobre as águas" (p. 241). O ghton M ifflin, 1 9 7 2 ), p. 205 [Drogas e
apóstolo Paulo nunca confundiria sua Estados Superiores da Consciência, trad.
própria identidade com aquela de Cris­ N o rberto de Paula Lim a (S ão Paulo:
to, mas W ilber fez isso: ele transfor­ Ground, 1 9 8 7 )]; resumido em Psycho­
m ou "Cristo vive em m im " (Gálatas logy Today, outubro de 1972.
2 :2 0 ) "em última instância eu [ou cada 20 Em 1983 (rev. 1993) Weil escre­
pessoa] é C risto" (A B rief History o f veu um livro para adolescentes e seus
Everything, p. 132). Discuto estas más pais sobre drogas que alteram a m e n te .
interpretações, com muitas ilustrações, Veja seu From Chocolate to Morphine:
em Scripture Twisting (Downers Grove, Everything You Need to Know About Mind-
111.: InterVarsity Press, 19 8 0 ), em bora Altering Drugs, em co-autoria com W i­
não invalidando primariamente as fon­ nifred Rosen (Boston: Houghton Miff­
tes da Nova Era. lin, 1993). Aqui os autores diferenciam
17 A lexander Pope, An Essay oonuso de drogas (que eles aprovam) do
Man, linhas 95-96. abuso de drogas (que eles reprovam);
’8 A observação de Douglas Groo- muitos capítulos sobre tipos de drogas
thuis de que Tim othy Leary — o mais individuais term inam com "sugestões e
fam oso guru das drogas dos anos 6 0 e precauções" para o uso destas drogas.
70 — "m odificou seu fam oso credo da O capítulo sobre drogas que alteram a
década de 1960, 'Sintonize-se, ligue- mente, por exemplo, detalha o que al­
se e caia fora', para 'ligue-se, tire vanta­ guém poderia ou não fazer para conse­
gem e aum ente os preços', com entan­ guir a sensação de bem-estar que as dro­
do que o com putador pessoal é 'o l s d gas freqüentemente evocam. Weil e Ro­
dos anos 90'". No entanto, Leary ain­ sen observam no prefácio à segunda
da, pelo m enos ocasionalm ente, to ­ edição que a primeira edição foi banida
m ou l s d até os últimos dias de sua vida. de algumas bibliotecas, em bora eu te­
Veja Douglas Groothuis, "Technosha- nha encontrado o livro em nossa bibli­
m anism : Digital Deities", em The Soul oteca do bairro.
in Cyberspace (G rand Rapids, M ich.: 21 Brad Lemley, "My D inner with
Baker Book House, 19 9 7 ), pp. 105-20. Andy", New Age Journal, dezem bro de
Depois tam bém de Eugene Taylor re­ 1995, pp. 66. Os livros de Weil real­
lata que o uso de drogas que alteram a çando a saúde incluem Health and He­
m ente recentem ente apresentou um aling: Understanding Conventional and
ressurgimento. ("Psychedelics: The Se­ Alternative M edicine (B o sto n : H ou­
cond Com ing", Psychology Today, julho/ ghton M ifflin, 19 8 3 ), Natural Health,
agosto de 1996, pp. 56 -5 9 , 8 4 ). Não Natural Medicine: A Comprehensive M a­
ficou claro se este ressurgim ento do nual for Wellness and Self-Care (Boston:
uso das drogas tem suas conexões com Houghton Mifflin, 1990) e Spontaneous
a m entalidade da Nova Era ou se é pri­ Healing: How to Discover and Embrace
m ariam ente recreativo. Your Body's Natural Ability to Maintain
' 9 Andrew Weil, The Natural Mind: and Heal Itself (Nova York: Alfred A.
O U N I V E R S O A O L A D O
27O

c-MTTJi.o 8: A N ova E ra

Knopf, 1995) [Cura Espontânea: com o 21 acima; o livro mais interessante de


descobrir e intensificar sua capacidade John Lilly é The Center o f the Cyclone:
natural de m an ter a saú de e o bem -es­ An Autobiography o f Inner Space (Nova
tar, trad, de Alyda C hristina Sauer York: Julian, 1972).
(R io de Janeiro: Rocco, 1 9 9 8 )). Spon­ 23 Groothuis, Unmasking, p. 80;
taneous Healing perm aneceu quatro veja seu capítulo sobre a psicologia da
meses na lista dos mais vendidos do Nova Era, pp. 71-91. Os livros de Ken
Nova York Times, vendendo 4 0 0 .0 0 0 Wilber incluem See No Boundaty (Boul­
cópias em poucos meses (Lemley, "My der, Colo.: Shambhala, 1981); Up from
Dinner with Andy", p. 66). Embora ele Eden (Boulder, C o lo .: Sham bh ala,
continue a dar instruções para formas 1983); e A Sociable God (Nova York:
brandas de meditação (e.g., Cura Es­ McGraw-Hill, 1983).
pontânea, pp. 194-209), em seus livros 24 Theodore Roszak, Where the
sobre cura Weil parece reivindicar mui­ Wasteland Ends: Politics and Transcenden­
to menos pelos estados alternados de ce in Postindustrial Society (Garden City:
consciência do que fazia em seus pri­ N. Y.: Anchor, 1973) e Unfinished Ani­
meiros livros. mal: An Adventure in the Evolution o f
22 Consciousness (Nova York: Harper &
Para investigações adicionais
sobre o trabalho destes psicólogos e Row, 1975); William Irwin Thompson,
neurocientistas sem se atolar em deta­ At the Edge o f History: Speculations on
lhes, veja Marilyn Ferguson, The Brain the Transformation o f Culture (Nova
Revolution: The Frontiers o f Mind Rese­ York: Harper & Row, 1971) e Passages
arch (Nova York: Taplinger, 1973), es- About Earth (Nova York: Harper & Row,
pecialm enteoscaps. 1, 3, 6-12, 17, 20- 1974); veja também Darkness and Scat­
23. Sua bibliografia oferece um bom tered Light, de Tompson (Garden City,
com eço em direção a um estudo mais Nova York.: Anchor, 1978); e The Time
profundo dos primeiros pensadores da Falling Bodies Take to Light (Nova York:
Nova Era. Os trabalhos que podem ser St. Martin's Press, 1981).
examinados são: William James, Varie­ 25 Carlos Castaneda, The Teachin­
ties o f Religious Experience (1902: reim­ gs o f Don juan: A Yaqui Way o f Knowled­
pressão Nova York: Mentor, 1958), pa­ ge (Berkeley: University o f California
lestras 16-17; C. G. Jung, Modern Man Press, 1968) [A Erva do D iabo: as ex­
in Search o f a Soul (Nova York: Harcourt periências indígenas com plantas alu ci­
Brace, 1933), especialmente o cap. 10; nógenas reveladas por Don Juan, trad.
Abraham Maslow, Religious Values and Luzia M achado da C osta , 11a ed.
Peak Experiences (Columbus: O hio Sta­ (R io de Janeiro: Record, 1 9 8 2 )]; A
te University Press, 1962); Aldous Hu­ Separate Reality: Further Conversations
xley, The Doors o f Perception and Hea­ with Don luan (Nova York: Sim on &
ven and Hell (Nova York: Harper & Row, Schuster, 1971) [U ma Estranha R eali­
1 9 6 3 ); Stanislav Grof, "Beyond the dade, trad. Luzia M achado da Costa,
Bounds o f Psychoanalysis", Intellectu­ 8 aed . (R io de Ja n e ir o : R e c o rd ,
al Digest, setembro de 1972, pp. 86- 19 8 3 )]; Journey to Ixlan: The Lessons o f
88; para Andrew Weil, veja notas 19- Don Juan (Nova York: Sim on & Schus-
NOT A S
27I

Cantoix»8: A Nova E ra

ter, 1971) [V iagem a M an , trad. Luzia Silence, Castaneda defende: "Meus livros
M achado da Costa, 8 a ed. (R io de Ja­ são verdadeiros relatos de um método
neiro: Record, 1 983)]; Tales o f Power de ensino que Juan Matus, um índio fei­
(Nova York: Sim on & Schuster, 1973) ticeiro mexicano, usou a fim de ajudar-
[Portas para o Infinito, trad. Luzia Ma­ me a entender o mundo dos feiticeiros"
chado da Costa, 7 a ed. (R io de Janei­ (p. 8). Castaneda, sempre esquivo, que­
ro: Record, 1 9 8 4 )]; The Eagle's Gift bra o silêncio numa entrevista a Keith
(Nova York: Pocket, 1982) [O Presen­ Thompson no New Age Journal, abril de
te da Águia, trad. Vera Maria What- 1994, pp. 66-71, 152-56. Aqui, mais
ely, 2 a ed. (R io de Janeiro: Record, uma vez ele defende seu trabalho como
1 9 8 3 )]; The Fire From Within (Nova antropólogo-participante, mas durante
York: Simon & Schuster, 1983) [O Fogo a entrevista faz comentários que levan­
Interior, trad. Antonio Trânsito, 8 a ed. tam mais questões do que respostas.
(Rio de Janeiro: Record, 2 0 0 0 )]; The 26 Capra, The Tao o f Physics, e cap.
Power o f Silence (Nova York: Sim on & 3 em The Turning Point; e Gary Zukav,
Schuster, 1987) [O P oder do Silêncio: The Dancing Wu Li Masters (Nova York:
Novos Ensinam entos d e Don Ju an /C ar- Bantam, 1980) [A D an ça dos Mestres
los C astaneda, trad, de Antonio Trân­ Wu Li: um a visão geral d a nova Física,
sito, 10a tir. (Rio de Janeiro: Record, trad. ECE - Editora de Cultura Espi­
19 9 9 )]; e The Art o f Dreaming (Nova ritual (São Paulo: ECE, 1989)]. Veja
York: Harper Perennial, 1993) [A Arte Stephen Weinberg, "So k al's H oax",
d e Sonhar, trad. Alves Calado, 2 a ed. Nova York Review o f Books, 8 de agosto
(R io de Janeiro: Record, 1994)]. Os de 1996, pp. 11-15, e Victor J. Stenger,
mais recentes destes livros, em bora "New Age Physics: Has Science Found
ocasionalm ente apareçam nas listas the Path to the Ultimate?" Free Inquiry,
dos mais vendidos, não tiveram o mes­ verão de 1996, pp. 7-11, para uma crí­
mo impacto que os três primeiros. tica de qualquer tentativa de elaborar
Não demorou muito para os leito­ implicações metafísicas de teorias físi­
res se questionarem se Castaneda não cas tais com o a mecânica quântica; Ri­
tinha criado o feiticeiro índio Yaqui, chard H. Bube, Putting It All Together:
Don Juan, fora da sua própria imagi­ Seven Patterns for Relating Science and
nação fértil; veja os vários pontos de the Christian Faith (Lanham, Md.: Uni­
vista expressos pela crítica tais com o versity Press o f America, 1995), pp.
Joyce Carol Oates, numa antologia de 150-62; e Nancy R. Pearcey e Charles B.
Daniel C. Noel, ed., Seeing Castaneda Thaxton, The Soul o f Science: Christian
(Nova York: Putnam 's Sons, 1976). Faith and Natural Philosophy (Wheaton,
Richard De Mille pode levar o crédito 111.: Crossway, 1994), pp. 189-219.
do desmascaramento convincente da 27 Veja, por exemplo, a especula­
personagem ficcional dos livros de ção de Thom as sobre o que acontece à
Castaneda; veja seu Castaneda s Journey: consciência humana na morte em The
The Power and the Allegory (Santa Bar­ Lives o f a Cell (Nova York: Bantam,
bara, Calif.: Capra, 1976). No entan­ 1975), pp. 60-61. Sua freqüente m en­
to, no prefácio do livro The Power o f ção à hipótese Gaia — a idéia de que a

l
O U N I V E R S O A O L A D O

272

Câífnn.o 8 : A NOVA ERA

terra é um organism o único — é tam ­ vencional é contada por Gregory D en­


bém com um entre os pensadores da nis, "W hat's Deepak's Secret?" New Age
Nova Era. Journal, fevereiro de 1994, pp. 50-54,
28 J. E. Lovelock, Gaia: A New Look 78 -7 9 , 128. Veja a crítica de Douglas
at Life on Earth (Nova York: O xford Groothuis ao livro de Deepak Chopra,
University Press, 1979). The Seven Spiritual Laws o f Success: A
29 U ma excelente discussão e críti­ Practical Guide to the Fulfillment o f Your
ca da medicina holística é encontrada Dreams (San Rafael, Calif.: Amber-Al­
em Paul G. Reisser,Teri K. Reisserejohn len P ublishing/N ew W orld Library,
Weldon, New Age Medicine (Downers 19 9 5 ) [As Sete Leis Espirituais do Su­
Grove, III.: InterVarsity Press, 1987). Este cesso, trad. Vera Caputo (São Paulo:
livro contém um a longa bibliografia Best Seller/Circulo do Livro, 1 9 9 6 )]
para aqueles que desejam mergulhar na em Christian Research Journal, outono
questão em profundidade. de 1995, pp. 51 e 4 1 .
30 Veja, p o r e x e m p lo , B arbara 33 Veja a análise de Douglas Groo­
Blattner, Holistic Nursing (Englewood thuis das políticas da Nova Era em Un­
C liffs, N. J.: P re n tice -H a ll, 1 9 8 1 ); masking the New Age, pp. 111-30.
Margaret A. Newman, Health as Expan­ 34 Shirley MacLaine cham a Kubri­
ded Consciousness (St. Louis, M o.: C. V. ck de um "m etam éd ico m estre" em
Mosby, 1 9 8 6 ); Lynn Keegan, The Nur­ Dancing in the Light (Nova York: Ban­
se as Healer (Albany, N. Y.: Delm ar Pu­ tam , 1 9 6 8 ), p. 2 6 2 [Dançando na Luz,
blishers, 1 9 9 4 ; D olores Krieger, The trad. Lia Wyler (Rio de Janeiro: Re­
Therapeutic Touch (Englewood Cliffs, N. cord, 1 9 8 7 )].
J.: Prentice-Hall, 1 9 7 9 ); Kathleen He­ 35 Robert A. H einlein, Stranger in
inrich, "The Greek Goddesses Speak to a Strange Land (1 9 6 1 ; reim p ressão
N u rse s", N urse E ducator 1 5 , n ° 5 Nova York: Berkeley, 19 6 8 ).
(1 9 9 0 ), pp. 20-24. Paraum a crítica das 36 Jay Kinney, "The Mysterious Reve­
terapias de cura da Nova Era, veja Sha­ lations o f Philip K. Dick", Gnosis Magazi­
ron Fish, "TherapeuticTouch: Healing ne, outono/invemo de 1985, pp. 6-11.
S cien ce o f M ethaphysical Fraud", e 37 O texto deste film e recente foi
Sharon Fish, "A New Age for Nursing", publicado. Veja Wallace Shawn e An­
Journal o f Christian Nursing, verão de dré Gregory, My Dinner with André
1996, pp. 3-11. (Nova York: Grove, 1981).
31 L em ley , "M y D in n e r w ith 38 Michael Murphy e John Brodie, "I
Andy", p. 6 8 ; veja tam bém os livros Experience a Kind o f Clarity", Intellectual
escritos por Weil e listados na nota 21. Digest, Janeiro de 1973, pp. 19-22.
32 Embora estivesse envolvido por 39 Jon Klimo, Channeling: Investi­
alguns anos, Chopra é um recém -che­ gations on Receiving Information from
gado aos holofotes dos curadores da Paranormal Sources (Los Angeles: Tar-
Nova Era; a história da sua saída do cher, 1 9 8 7 ) {Channeling : investigação
m ovim ento de M editação Transcen­ sobre a comunicação com fontes para-
dental do guru Maharishi Mahesh e sua normais, trad. José Rubens S. Madu-
rum orosa recepção pela medicina con­ reira (São Paulo: Siciliano, 1 9 9 0 )].
N O T A S

273

Capîtcï/) 8: A Nova E ra

40 Veja, por exem plo, The Natural dicação de que estão no cam inho cer­
Mind, de Weil, em The Nova York Times to — escolhendo o m elhor dos dois
Book Review, 15 de outubro de 1972, mundos. )á observamos a tendência ao
pp. 2 7 -2 9 . Revisões críticas dos traba­ sincretism o do O riente no capítulo 7.
lhos de Castaneda form am um a legião. 45 E u g en e N id a e W illia m A.
Veja a reportagem de capa da revista Smalley, Introducing Animism (Nova
Time de 5 de março de 1973, pp. 36- York: Friendship Press, 19 5 9 ), p. 50.
45. Várias outras análises abrangentes Este breve panfleto é um m arcante re­
do m ovim ento com o um todo volta­ positório de inform ação sobre o m o ­
do à nova consciência merecem espe­ derno anim ism o pagão.
cial m enção por sua análise penetran­ 46 Roszak, W here the Wasteland
te: Os G uinness, The Dust o f Death Ends, p. xv.
(W heaton, 111.: Crossway, 19 9 4 ), caps. 47 O estudo de Robert Bellah so­
6-8; R. C. Zaehner, Zen, Drugs and Mys­ bre o individualism o na América ilu­
ticism (Nova York: Vintage, 1 9 7 4 ); Sa­ m ina uma das maiores forças por trás
muel McCracken, "The Drugs o f Habit da ênfase da Nova Era sobre o eu com o
and the Drugs o f Belief", Commentary, a m ola mestra da realidade. Veja Ro­
ju nho de 1971, pp. 4 3 -5 2 ; Marcia Co- bert Bellah e outros, Habits o f the Heart
vell, "Visions o f a New Religion", Sa­ (Nova York: Harper & Row, 1985).
turday Review, 19 de dezembro de 1970; 48 Lilly, Center o f the Cyclone, p.
e Richard King, "The Eros Ethos: Cult 210.
in the Counterculture", Psychology To­ 49 Ibid., p. 110.
day, agosto de 1972, pp. 3 5 -3 7 , 66-70. 50 Ibid., p. 51; itálicos de Lilly. Lau­
41 Thom pson, Passages About Ear­ rence LeShan é m ais m odesto. Ele es­
th, p. 124. creve ( The Medium, the Mystic and the
42 John Lilly cham a o cérebro de Physicist [N ova York: V ikin g Press,
"biocom pu tor" e o hom em um "b o ­ 1 9 7 4 ], p. 1 5 5 ) a respeito da form a
nito m ecanism o", decepcionan do o com o a ciência pós-einsteniana vê a
com panheiro entusiasta da nova cons­ realidade: "dentro desta visão, o h o ­
ciência R. D. Laing (Lilly, Center o f the m em não apenas descobre a realida­
Cyclone, pp. 4, 17, 29 ). de; dentro dos limites, ele a inventa".
43 Capra, The Tao o f Physics, e cap. 51 MacLaine, It s All in the Playing,
3 do The Turning Point; Zukav, A Dança p. 192; veja tam bém Jean Houston, The
dos Mestres Wu Li, 1 9 8 0 ; M acLaine, Search for the Beloved (Los Angeles:
Dancing the Light, pp. 3 2 3 -2 4 , 3 2 9 e leremey P. Tarcher, 19 8 7 ), pp. 25-26.
351-53. A form a casual com o MacLaine, H ous­
44 Weil, The Natural Mind, caps. 6 ton e outros usam a linguagem e u s o u

e 7, e Spontaneous Healing, pp. 113, 203- da auto-revelação de Deus em Êxodo


7. Muitos, se não a m aioria, dos novos 3 :1 4 é profundam ente ofensiva a ju ­
proponentes da nova consciência reco­ deus e cristãos tradicionais, para quem
nhecem a íntim a afinidade das suas o term o indica um a diferença radical
noções com aquelas do Oriente, e al­ entre o hum ano e o divino, não a união
guns acreditam ser isto um a forte in­ do hum ano e do divino. David Span-
O U N I V E R S O A O L A D O
274

Capítuií, 8: A N o w E ra

gler, o líder espiritual em Findhom , vai Revolution, p. 3 4 4 ; "Life at the Leading


ainda mais longe do que MacLaine: " e u Edge: A New Age Interview with Mari­
sou a Vida de um novo céu e um a nova lyn Ferguson", New Age, agosto de
terra. O utros devem seguir-Me e unir- 1982; Weil, The Natural Mind, pp. 204-
se a M im para construir suas formas... 5. Sam Keen ("A C o n v e rs a tio n ...",
Há sempre e som ente o que e usou, mas Psychology Today, ju lho de 1973, p. 7 2)
tenho Me revelado a M im M esm o em cita Ichazo com o dizendo: "A hum a­
nova Vida e nova Luz e nova Verdade... nidade é o Messias". Weil, por seu lado,
É M inha função através deste centro diz: "Sou quase tentado a cham ar os
[FindhornJ dem onstrar o que sou
e u psicóticos de a vanguarda evolucioná­
com o interm ediário da evolução do ria da nossa espécie. Eles possuem o
grupo". Spangler está falando a lingua­ segredo de mudar a realidade pela m u­
gem da elite. Algumas pessoas têm al­ dança da m ente; se eles podem utili­
cançado a deidade; outras estão no ca­ zar este talento para fins positivos, não
m inho. Mas a elite — e aqui está Span­ há lim ites para o que podem realizar"
gler sozinho — deve mostrar-lhes o ca­ (The Natural Mind, p. 1 8 2 ). LeShan
m inho. Este eu está na vanguarda de concordaria ( The Medium, the Mystic
uma hoste de outros eus colocando-se and the Physicist, pp. 211-12). T h o m p ­
em dia com a evolução da raça através son em Passages About Earth é otim ista
do cham am ento de um grupo escolhi­ ao extremo, mas veja especialm ente a
do — o grupo Findhorn, é claro. Veja p. 149; doze anos mais tarde, em "A
David Spangler, Revelation: The Birth o f Gaian Politics", Whole Earth Review, in­
a New Age (Findhorn, 1971), pp. 110, verno de 1986, p. 4, ele expressa cau­
121, citad o em T h om p son, Passages tela, opinando que o espírito da época
About Earth, p. 173. Estes escritos eco ­ substituiu 'Guerra nas Estrelas' e 'Kung
am as palavras do Deus, Krishna, na Fu' por 'D inastia' e 'Dallas', Joni M i­
Bhagavad Gita (6.29-31). tc h e ll p o r M a d o n n a , e 'C o n ta to s
Há m uito tenho uma teoria de que Im ediatos' por 'Rambo'".
estes inusitados, bizarros e estranhos 53 W ilb e r, A B r ie f H istory o f
escritores que se despersonalizaram Everything, p. 156. Ao lado disto estão
para ser deus — ou o Deus — c o lo ­ as observações de Newman de que "a
cam em m aiúscula um a a cada duas consciência é co-extensiva com o uni-
palavras. O s m anuscritos que recebia verso e está presente em toda m atéria"
q u an d o era e d ito r de tais autores, e "a pessoa não possui consciência — a
com o o term o Princípio-Deus, corro­ pessoa é consciência" ( Health as Expan­
boram este fato. O próprio Thom pson ded Consciousness, pp. 33, 3 6 ).
tem dificuldade em esclarecer o que 54 Segundo W ilber (A Brief History
pensa desta estranha linguagem elitis­ o f Everything, pp. 2 1 7 -1 9 ), apenas al­
ta, mas ele parece ver Spangler com o guém treinado num a disciplina com o
um a das prim eiras pessoas transfor­ a zen é capaz de julgar se o que alguém
madas da Nova Era (Thom p son, Pas­ está experim entando é ou não um a
sages About Earth, p. 174). realidade transcendente. Conhecim en­
52 M arilyn Ferguson, The Brain to é estado específico; em nossa consci-
N O T A S_

275

C apítulo 8: A NOVA E ra

ência com um som os incapazes de ju l­ 2 6 5 ; C astaned a, A Separate Reality;


gar a realidade de experiências de unici­ LeShan, The Medium, the Mystic and the
dade com o Deus, o Um ou o universo. Physicist, p. 34; Lilly, Center o f the Cyclo­
Isto coloca os reclamos da verdade da ne, p. 25; Albert Rosenfeld, "M ind and
realidade além dos limites da razão. Superm ind", Saturday Review, 22 de fe­
55 Laura Archera Huxley, This Ti­ vereiro de 1975, p. 10; Wilber, A Brief
meless Moment: A Personal View o f Al- History o f Everything, pp. 156, 2 4 0 ; Kli-
dous Huxley (1 9 6 8 ; reimpressão Nova m o, Channeling, pp. 174-76.
York; Ballantine, 1971), pp. 249-51. 62 MacLaine, It's All in the Playing,
56 Aldous Huxley, Doors o f Percep­ p. 188.
tion, p. 13 [As Portas da Percepção: Céu 63 MacLaine, Dancing in the Light,
e Inferno, trad, de Osvaldo de Araújo p. 309.
Souza 11a ed. (P orto Alegre: Globo, 64 MacLaine, It's All in the Playing,
1 9 8 4 )]. p. 331.
57 Ibid., p. 22. 65 Lilly, Center o f the Cyclone, p. 110.
58 Ibid., p. 23. 66 Ibid., p. 5.
59 Ibid. A propósito, alguns leito ­ 67 Aldous Huxley, Doors o f Percep­
res já terão fisgado um a contradição tion, p. 89.
interna' no que Huxley disse. Por um 68 Lilly, Center o f the Cyclone, p.
lado, sem uma nova consciência, a hu­ 180; veja tam bém pp. 10, 54.
manidade não será capaz de sobrevi­ 69 Ferguson, The Brain Revolution,
ver neste planeta; por outro lado, o eu, pp. 61-63.
se ele apenas percebê-lo, é o centro do 70 Castaneda, Journey to Ixlan, pp.
cosm o. U m a vez que o cosm o é eter­ 2 9 7 -9 8 .
no (a noção im plícita no sistema de 71 Aldous Huxley, Doors o f Percep­
Huxley), o eu é eterno. Então, por que tion, pp. 17-18.
se preocupar com a vida na terra? Esta 72 O utros o fazem, contudo, na
atitude por-que-se-preocupar tem sido ênfase da continuidade, se não da uni­
a posição do O riente durante séculos; dade, do eu, o universo visível e invisí­
mas parece que, quando o Ocidente vai vel. Veja Ferguson, The Brain Revoluti­
ao O riente em busca de sabedoria, não on, p. 21; Thom pson, Passages About
consegue livrar-se de toda bagagem Earth, pp. 97-103 e 166; Lilly, Center o f
ocidental — uma peça na qual está fir­ the Cyclone, p. 211; W ilber, A B rief His­
m em ente enraizada na noção judaica- tory o f Every thing, pp. 156, 240.
cristã de que o presente mundo (as pes­ 73 Alusões a suas vidas passadas
soas na terra) valem alguma coisa. ocorrem através dos escritos de MacLai­
60 Ken W ilber insiste que a ciência ne, mas um a espécie de litania apare­
é válida em seu próprio dom ínio da re­ ce em Dancing in the Light, pp. 3 6 6 -8 4 .
alidade física ( Eye to Eye, pp. 7-8). 74 C astaned a, Teachings o f Don
61 MacLaine, Out on a Limb, p. 74 Juan, pp. 3 2 , 1 36-38; A Separate Reali­
[Minhas Vidas, trad. A. B. Pinheiro de ty, pp. 51, 140, 144, 1 58-59; Journey to
Lemos, 5 a ed. (Rio de Janeiro: Re­ Ixlan, pp. 213-15; Tales os Power, pp. 46,
cord, 1 9 8 4 )], e It's All in the Playing, p. 87 -8 9 , 2 3 9 , 2 5 7 .
O U N I V E R S O A O LA D O

276

Capitulo 8: A NOVA E râ

75 Lilly, Center o f the Cyclone, pp. entífica das características dos estados
27, 38, 5 5 -5 7 , 90-91 e 199. a lte r a d o s d e c o n s c iê n c ia , v e ja
76 M acLaine dem onstra isto em Arnold M. Ludwig, "Altered States o f
It's All in the Playing, pp. 191-93. C onsciou sness", em Altered States o f
77 Veja esquem a de Lilly ( Center Consciousness: A Book o f Readings, ed.
o f the Cyclone, pp. 1 4 8-49), detalhan­ Charles Tart (Nova York: John Willey
do e descrevendo seus vários níveis de & Sons, 1 9 6 9 ), pp. 9-22.
consciência G urdjieff e Taim ni e suas 82 Veja pp. 128-30.
classificações. 83 MacLaine, Dancing in the Light,
78 Richard Maurice Bucke, Cosmic pp. 202-3, 2 4 2 -4 3 , 2 4 8 -4 9 , 269, 341-
Consciousness: A Study in the Evolution 42, 3 4 5 , 351, 3 6 3 -6 4 , 3 8 3 ; e It's All in
o f the Human Mind (1901; reimpressão the Playing, pp. 173-75.
Nova York: Penguin, 1991), p. 3 [Cons­ 84 James, Varieties o f Religious Ex­
ciência Cósmica: estudo da evolução da perience, p. 3 0 6 ; Thom pson, Passages
mente hum ana, trad. Ana M aria B ue­ About Earth, pp. 29, 82; Wilber, A Brief
no M oreno (R io de Jan eiro : Renes, History o f Everything, pp. 189, 233, 235.
1 9 8 2 )], com o citado em lames, Varie­ Lilly, Center o f the Cyclone, pp. 20, 171,
ties o f Religious Experience, p. 306. Bu­ 180; Huxley, Doors o f Perception, p. 39.
cke tam bém m enciona "um apressa- Wilber, por exem plo, diz que o mais
m ento do senso m oral", mas isto é in- evoluído é o m elhor: "A Intuição de
com um , com o veremos abaixo. Base M oral é proteger e prom over a
79 Mais uma vez, veja os vários ní­ m aior profundidade para a m aior ex­
veis de Lilly ( Center o f the Cyclone, pp. tensão" (A B rief History o f Everything,
14 8 -4 9 ). p. 3 3 5 ). O mal é possível tanto quan­
80 MacLaine, Dancing in the Light, to "querem os ser íntegros [ter direitos)
p. 3 5 0 ; itálico seus. lean H ouston teve sem ser um a parte de alguma coisa [ter
esta experiência aos seis anos de ida­ responsabilidade]" (ibid., p. 3 3 3 ).
de: "É com o se parecesse que eu co­ 85 Aldous Huxley, Doors o f Percep­
nhecia tudo, com o se eu fosse tudo" tion, p. 55; veja tam bém pp. 51, 54-58,
( Godseed; The Journey o f Christ [W hea­ 133-40.
ton, 111.: Quest, 1992], p. xvii). 86 Ibid., p. 54.
81 Ferguson, The Brain Revolution, 87 Lilly, Center o f the Cyclone, pp.
p. 60. Veja tam bém as descrições em 2 4 -2 5 , 3 3 , 8 8 -9 0 , 169; e Castaneda,
Lilly, caps. 11-18; James, Varieties o f Re­ através de seus primeiros quatro livros.
ligious Experience, pp. 2 9 2 -3 2 8 ; LeShan, 88 MacLaine, It's All in the Playing,
The Medium, the Mystic and the Physi­ pp. 162-71.
cists, pp. 86-87, 250; Zaehner, Zen, Dru­ 89 Lilly, Center o f the Cyclone, p. 35;
gs and Mysticism, pp. 8 9 -9 4 ; W ilber, A Laura Huxley, This Timeless Moment,
Brief History o f Everything, pp. 156, 240; pp. 275-88; Weil, The Natural Mind, pp.
na prática, toda discussão de estados 83, 95.
alterados de consciência m encionam 90 Keen reconta a noção de Icha-
muitas, se não todas, daquelas carac­ zo da "queda" do hom em em "A C on­
terísticas. Para uma abordagem mais ci­ versation...", p. 67.
N O T A S
277

Capítuui 8: A NüVÁ E ra

91 Grof, "Beyond the Bounds o f Against Reincarnation", Free Inquiry,


Psychoanalysis", pp. 8 6 -8 8 ; Lilly, Cen­ outono de 1986, pp. 24 -3 4 ; invem o de
ter o f the Cyclone, pp. 17, 3 5 ; LeShan, 1 9 8 6 -1 9 8 7 , pp. 38 -4 3 , 4 6 -4 8 ; prim a­
The Medium, the Mystic and the Physi­ vera de 1987, pp. 3 8 -4 3 , 46 -4 9 .
cist, pp. 2 3 2 -6 4 ; James, Varieties o f Re­ 97 Aldoux Huxley, Doors o f Percep­
ligious Experience, p. 306; Zaehner, Zen, tion, p. 13.
Drugs and Mysticism, p. 44. 98 Ibid., p. 140. Veja tam bém o ro­
92 Elisabeth Kübler-Ross, On De­ m ance de Huxley, Island [A Ilha, trad.
ath and Dying (Nova York: M acm illan, Gisela Brigitte Laub, 1 2 a (P orto Ale­
1 9 6 9 ) [Sobre a Morte e o Morrer, trad. gre; G lobo, 1 9 8 4 )], onde ele dá a es­
Paulo Menezes, 3 a ed. (São Paulo: sas noções de nova consciência um tra­
Liv. Martins Fontes, 1 9 8 7 )]. Para uma tam ento imaginativo m ais com pleto.
explanação dos seus pontos de vista e 99 Lilly, Center o f the Cyclone, p. 39.
um a crítica de um a perspectiva cristã, As sentenças om itidas sugerem muitas
veja Phillip. J. Swihart, The Edge o f De­ alternativas não-ocultas, incluindo o
ath (Downers Grove, 111.: InterVarsity relativism o conceituai.
Press, 1 9 8 7 ), pp. 25-31; este livro con ­ 100 Benjamin Whorf, Language, Thou­
tém um a bibliografia útil de livros so ­ ght and Reality, ed. John B. Carroll (Cam­
bre quase-m orte e outras experiências bridge, Mass.: MIT Press, 1951), p. 57.
fora-do-corpo. 101 Ibid., p. 58.
93 Raymond ). M oody Jr., Life Af­ 102 Stuart Chase, do prefácio para
ter Life (N ova York: B antam , 1 9 7 6 ) ibid., p. vi.
[ Vida depois da Vida, trad. Rodolfo 103 Intellectual Digest, m arço de
Azzi, 3 a ed. (São Paulo: Edibolso, 1973, p. 18. Q ue sua conclusão n ã o se
c l9 7 7 ) [ . Algumas livrarias da Nova Era segue da sua ilustração está além do
têm um a seção especializada apenas ponto aqui.
com experiências fora-do-corpo, de tão 104 Ernst Cassirer, Language and
fascinantes que elas se tornaram nes­ Myth, trad. Susanne K. Langer (Nova
tes últim os anos. York: Dover, 19 4 6 ), p. 7.
94 MacLaine, Dancing in the Light, 105 Ibid., pp. 7-8.
pp. 3 5 3 -5 9 , 366. 106 Ibid., p. 8.
95 MacLaine, It's All in the Playing, 107 LeShan, The Medium, the Mys­
p. 166. tic and the Physicist, p. 43. Ele conta com
96 Veja a crítica cristã de Swihart, Bertrand Russell para a lista, mas do­
The Edge o f Death, pp. 41-82, especial­ cum enta a partir de sua própria expe­
m ente as pp. 6 7 -6 9 ; e Mark Albrecht, riência e dos clarividentes que tem en­
Reincarnation (Downers Grove, 111.: In­ trevistado.
terVarsity Press, 1 9 8 2 ); para um a pers­ 108 S u sp eito p ro fu n d a m e n te de
pectiva hum anista secular, veja Melvin que não há nada além de um relacio­
Harris, "Are 'Past Life' Regressions Evi­ nam ento m etafórico entre o conceito
dence o f Reincarnatioin?" Free Inquiry, de com plem entaridade com o utiliza­
o u to n o de 1986, pp. 18-23; e o artigo do pelos cientistas e a versão de relati­
de três partes de Paul Edward "The Case vismo conceituai advogada por LeShan
O U N I V E R S O A O L A D O

278

Capoxm.o 8: A N ova E ra

e outros teóricos da nova consciência. versation...", p. 70; Lilly, Center o f the


V eja S te p h e n W e in b e rg , " S o k a l's Cyclone, do princípio ao fim.
Hoax", pp. 11-15; e Victor J. Stenger, 113 Lilly, Center o f the Cyclone, p. 125.
"New Age Physics: Has Science Found 114 Weil, The Natural Mind, p. 67.
the Path to the U ltim ate?" pp. 7-11, ci­ Este critério pragmático tam bém gover­
tado na nota 26 acim a, para confirm a­ na o julgamento de Charles Tart e Jon
ção. Mas é sem pre b o m um a estraté­ Klimo (Klimo, Channeling, pp. xive 23).
gia retórica apelar ao prestígio da ciên­ 115 Lilly, Center o f the Cyclone, p. 5.
cia — m esm o quando se advoga uma 116 Ibid., pp. 48, 87.
cosm ovisão que, se praticada, destrui­ 117 Citado por Peter Mezan, "After
ria a iniciativa científica. Freud and Jung, Now C om es R. D.
109 Todo o livro A Brief History o f Laing: Popshrink, Rebel, Yogi, Philoso­
Everything é devotado à elaboração des­ pher-king?" Esquire, janeiro de 1972,
te esquema. p. 171.
110 Citado em Ferguson, The Brain 118 Ibid.
Revolution, p. 19. É claro, se não há ne­ 119 Ibid.
nhum m eio de medir a verdade de um 120 Pope, Essay on Man, I, linha 95.
modelo para a realidade, não há ne­ 121 Thompson, Passages About Ear­
nhum m eio de medir sua falsidade. As­ th, p. 99.
sim, a idéia de que todos os nossos 122 Neste ponto há pouca diferen­
m odelos estão errados é uma negação ça entre B. F. Skinner e W illiam Irwin
de todo significado e, assim, um caso T hom pson; veja Beyond Freedom and
de niilism o cifrado (vejaThielicke, Nihi­ Dignity, pp. 180-82, e Passages About
lism, pp. 63-65). D izerq u en ão h á "m o­ Earth, pp. 117-18.
delos verdadeiros" da realidade em ci­ 123 W ilb e r, A B r ie f H istory o f
ência não é um criticismo devastador Everything, p. 3 3 6 . Por "h ó lon hum a­
para aqueles que entendem a descrição n o ", W ilber quer dizer o todo/parte
científica com o provedora de percep­ com plexa que constitui o ser hum ano.
ções válidas do que a real idade se parece 124 Veja, por exem plo, Mt 7:21-23;
mas não do que a realidade é (veja Bube, Lc 10:20; At 8 :9 -2 4 ; 13:8-11; 19:11-20;
Putting It All Together, pp. 15-20). G1 5:19-21; Tg 3 :1 3 -1 8 ; Ap 21:8. Veja
111 Para uma visão diferente da no­ tam bém "Magic and Sorcery", em New
ção de com plem entaridade, veja D o­ Bible Dictionary (Downers Grove, 111: In­
nald MacKay, The Clockwork Image (D o ­ terVarsity Press, 1961), pp. 766-71.
wners Grove, 111.: InterVarsity Press, 125 A palavra válido assume algu­
1 9 7 4 ), pp. 91-92; e Bube, Putting It All m as p erm u taçõ es in teressan tes em
Together, pp. 167-87. LeShan, The Medium, the Mystic and the
112 Veja Ferguson, The Brain Revo­ Physicist, pp. 99, 108, 150, 154, 210.
lution, p. 83; Weil, The Natural Mind, 126 Talvez Thielicke cham asse isso
p. 67; LeShan, The Medium, the Mystic de n iilism o cifrad o; veja Th ielicke,
and the Physicist, pp. 9 9 ,1 2 4 , 139, 150; Nihilism, pp. 36 , 63 -6 5 .
James, Varieties o f Religious Experience, 127 M cCracken, "The Drugs o f Ha­
p. 308; Ichazo citado por Keen, "A C on­ bit", Commentary, junho de 1971, p. 49.
N O T A S

279

Ca p i t o o 9: PóS-MODERKISMO

1 Friedrich Nietzsche, "The M a­ nelas rosas, colunas clássicas, gárgulas


dm an", Gay Science 125, em The Porta­ m odernizadas — pregando-as sobre
ble Nietzsche, trad. W alter Kaufm ann form as estruturais sem nenhum prin­
(Nova York: Viking, 19 5 4 ), pp. 95-96. cípio óbvio de organização.
2 A nthony Giddens cham a pós- 6 Jean-François Lyotard, The Post­
m od ernism o de a "rad icalização da modern Condition: Report on Knowled­
m od ernid ad e" ( The Consequences o f ge, trad. G eoff Bennington e Brian Mas-
Modernity [Stanford, C alif.: Stanford sumi, Theory and History o f Literature
University Press, 1990], p. 52 ). (M inneapolis: University o f M inneso­
3 Veja cap. 5, p. 90. ta Press, 1 9 8 4 ), 10:xxiv.
4 Escrevendo este capítulo achei 7 Anthony Giddens escreve: "O
as seguintes apresentações e críticas que é característico da m odernidade
m uito valiosas; a lista deve estender- não é a aceitação do novo por seu pró­
se a todas as outras fontes citadas nas prio m érito, mas a presunção da refle­
notas de rodapé deste capítulo: Steven xão por atacado — que, é claro, inclui
Best e Douglas Kellner, Postmodern The­ a reflexão sobre a própria natureza da
ory (New York: Guilford Press, 1991); reflexão em si" ( The Consequences o f
Steven Conner, Postmodernist Culture Modernity, p. 3 9 ). Estam os, por exem ­
(O x fo rd : B a sil B la c k w e ll, 1 9 8 9 ) ; plo, refletindo através deste livro so­
Fredric B. Burnham, Postmodern Theo­ bre as cosm ovisões que form am nossa
logy: Christian Faith in a Pluralist World com preensão; agora estam os olhando
(San Francisco: Harper San Francisco, para n ós m esm os, refletin d o sobre
1 9 8 9 ) ; Albert Borgm ann, Crossing the nossa reflexão. Outra form a de co lo ­
Postmodern Divide (Chicago: Universi­ car isto é dizer que darem os um passo
ty o f Chicago Press, 1 9 9 2 ); e Stephen atrás sobre nossa análise para fazer
Toulm in, Cosmopolis: The Hidden Agen­ um a meta-análise.
da o f Modernity (New York: Free Press, 8 Brian J. Walsh e J. Richard M i­
1990) . ddleton utilizam um conjunto diferen­
5 Arquitetura m oderna é a apli­ te de perguntas em The Transforming Vi­
cação da razão m ecânica às form as do sion (Downers Grove, HL: InterVarsity
espaço. Isto resulta em form a em se­ Press, 1 9 8 4 ), pp. 31-38; o resultado é
guim ento à função — caixas gigantes algo diferente, em bora de resultado
de concreto, vidro e aço form ando ân­ com patíveis.
gulos de noventa graus sem nenhum a 9 Cap. 2, p. 22.
curva aparente. O centro de m uitas ci­ 10 Recentemente, alguns filósofos
dades am ericanas — Atlanta, Dallas, naturalistas (tais com o Paul M. Chur-
M inneapolis — tem grande concentra­ chland e Patricia Sm ith Churchland)
ção dessas form as altam ente form ais e têm , contudo, voltado atrás em dire­
im pessoais de am ontoados de blocos. ção a um a nova ênfase sobre os m eca­
Os arquitetos pós-m odernos rebela­ nism os inerentes na ordem material.
ram-se contra o impessoal, trazendo de Veja "N aturalistic Epistem ology", em
volta m otivos de toda era primitiva da The Cambridge Dictionary o f Philosophy,
arquitetura de qualquer cultura — ja ­ ed. Robert Audi (Cambridge: Cambrid-
O U N I V E R S O A O L A D O

28o

C afItolo 9: P Ó S -M O D E R M S M O

ge University Press, 1 9 9 5 ), pp. 518-19. Press, 19 8 8 ).


11 Há m ais de trinta anos, escrevi 16 "P o is, a n tig a m e n te , algu ém
um artigo para um curso de graduação acreditava na 'alm a' com o acreditava
sobre a filosofia do século xvn, no qual na gramática e no sujeito gramatical:
provei, para m inha satisfação e do meu alguém dizia: 'eu' é a condição, 'pen­
professor, que Descartes e Tom ás de so' é o predicado e condicionad o —
Aquino tinham pontos de vista idênti­ pensar é um a atividade para a qual o
cos a respeito de Deus. O que eu não pensam ento deve prover um sujeito
via então, era que o interesse de Des­ com o causa. Então, alguém tentou,
carte em com o ele sabia que este Deus com admirável perseverança e astúcia,
existia teria tais conseqüências. safar-se desta arm adilha — e pergun­
12 René D escartes, "M ed itatio n tou se o oposto não poderia ser o caso:
11", em Philosophical Works, trad. Eliza­ 'penso' a condição, 'eu' o con diciona­
beth S. Haldane e G. R. T. Ross, 2 vols. do; 'eu' neste caso |sou] apenas a sín­
(New York: Dover, 19 5 5 ), 1:152. tese que é feita pelo pensam ento" (Fri­
13 Para Kant, é claro, "criar a reali­ edrich Nietzsche, Beyond Good and Evil,
d ad e" n ão p o d e ser e n te n d id o no sec. 54, em The Basic Writings o f Nietzs­
m odo de pensar da Nova Era; as cate­ che, ed. Walter Kaufmann [New York:
gorias pelas quais entendem os a reali­ M odern Library, 1969], p. 2 5 7 ); veja
dade — espaço, tem po etc. — são par­ tam bém um a crítica m ais extensa nas
tes da nossa d otação com o seres hu­ sees. 16 e 17, pp. 213-14.
m an o s; elas form am a estrutura do 17 Richard Rorty, por exem plo,
nosso conhecim ento. desloca-se de um posto em filosofia na
14 Alguns acrescentariam outros P rin ceto n U niversity para tornar-se
hum anistas seculares que colocaram a professor de hum anidades na Univer­
confiança na razão hum ana, especial­ sity o f Virginia.
m ente em suas m anifestações da alta 18 Veja cap. 8, pp. 174-178.
tecnologia. 19 Edward Said, Beginnings: Inten­
15 Sou pesarosam ente consciente tion an d M ethod (N ew York: Basic
de que m inhas observações sobre Des­ Books, 19 7 5 ), p. 2 8 6 , com o citado por
carte, H um e e Kant são superficiais, Stanley Grenz, a Primer on Postmoder­
talvez além de um pedido de perdão. nism (Grand Rapids, M ich.: Eerdmans,
Não obstante, penso que estejam no 1 9 9 6 ), p. 120.
cam inho certo. Para a história da filo­ 20 Friedrich Nietzsche, "O n Truth
sofia m oderna considero a History o f and Lie in an Extra-moral Sense", em
Philosophy de Copleston m uito valiosa The Portable Nietzsche, trad. Walter Kau­
(Frederick C opleston, A History o f Phi­ fm ann (New York: Viking, 19 5 4 ), pp.
losophy [Londres: Burns and O ates, 95 -9 6 .
1961]). Particularm ente para as ques­ 21 Ibid.
tões levantadas aqui, con tud o, veja 22 R ich ard Rorty, Contingency,
Robert C. Solom on , Continental Philo­ Irony and Solidarity (Cam bridge: C am ­
sophy Since 1750: The Rise and Fall o f bridge University Press, 19 8 9 ), pp. 6-
the S elf (New York: Oxford University 7. Com pare a declaração de Rorty com
N O T A S

281

C.wniii) 9: PõS-MODERKISMO

aquela de M ichael Foucault: "V erda­ 28 Veja a discussão de Rorty de


de' é ser com preendido com o um sis­ Freud com o um "poeta forte" em Con­
tem a de p ro ced im en to s o rd enad os tingency, pp. 20, 28, 3 0 -3 4 ; e seu pró­
para a produção, regulação, distribui­ prio com entário sobre o poder da po­
ção, circulação e operações de declara­ esia (pp. 15 1 -5 2 ) e sobre a verdade
ções" ("Truth and Power" [de Power/ com o "seja o que vier de um a com u­
Knowledge], em The Foucault Reader, ed. nicação não deturpada que vier a acon­
Paul Rabinow [New York: Pantheon, tecer" (p. 67; tam bém pp. 52 e 68 ).
1984], p. 74). 29 Grenz, A Primer on Postmoder­
23 W illa rd Van O rm a n Q u in e , nism, p. 130. Grenz tam bém cita Fou­
"Two D ogm as o f E m p iricism ", em cault com o se segue: "Para todos aque­
From a Logical Point o f View, 2 a ed. les que ainda desejem pensar sobre o
(Cambridge, Mass.: Harvard Universi­ hom em , sobre o seu reinado ou sua
ty Press, 1 9 8 0 ), p. 4 4 ; Q uine acrescen­ liberação, para todos aqueles que ain­
ta: "Epistem ologicam ente estes mitos da questionam a si m esm os sobre o
estão em pé de igualdade com os o b ­ que é o hom em em sua essência, para
jetos físicos e deuses, nem m elhor nem todos aqueles que desejam tom á-lo
pior, exceto por diferenças nos graus com o seu ponto de partida em suas
em que eles nos perm item lidar com tentativas de alcançar a verdade... para
nosso senso de experiência" (ibid., p. todas estas deturpadas e confusas for­
4 5 ). Sou devedor a C. Stephen Evans mas de reflexão, podem os apenas res­
por esta observação. ponder com uma risada filosófica —
24 Discutido o relativism o religi­ que significa, até certo ponto, um si­
oso em maiores detalhes nos caps. 5 e lêncio" (extraído de The Order o f Thin­
6 do livro Chris Chrisman Goes to Colle­ gs |New York: Random H ouse-Pan­
ge (D ow ners Grove, 111.: InterVarsity theon, 1971], pp. 3 4 2 -4 3 , com o cita­
Press, 19 9 3 ), pp. 45-68. do por Grenz, A Primer on Postmoder­
25 "C onhecim ento é violência. O nism, p. 131).
ato de conhecer, diz Foucault, é um ato 30 Veja a breve discussão no cap.
de violência" (Stanley Grenz, A Primer 5, pp. 91-92.
on Postmodernism [Grand Rapids, Mich.: 31 Richard Rorty, The Consequences
Eerdmans, 1996[, p. 133). o f Pragmatism (M inneapolis: University
26 Salm o 8:3-5; algumas traduções o f M innesota Press, 1982), p. xlii.
dizem "um pouco menor do que Deus". 32 R o n ald B ein e r, "F o u c a u lt's
27 Jean-Paul Sartre, "E xisten tia­ Hyper-liberalism ", Critical Review, ve­
lism ", reimpressão em A Casebook on rão de 1995, pp. 3 49-70.
Existentialism, ed. W illiam V. Spanos 33 Ibid., pp. 3 5 3 -5 4 .
(New York: Thom as Y. Crowell, 1966), 34 O que se segue é um quadro re­
p. 2 8 9 . Para Sartre, contudo, o autên­ sum ido da recente teoria literária. Os
tico eu nunca é abrangido pelo seu detalhes podem ser encontrados em
contexto cultural ou qualquer meta- Roger Lundin, The Culture o f Interpre­
narrativa; pelo contrário, ele é radical­ tation (G rand Rapids, M ich.: Eerd­
m ente livre. m a n s, 1 9 9 3 ) . A p e s q u is a de
O U N I V E R S O A O L A D O

282

C apítulo 9: P Ó S-M O D E R N ISM O

B o n n y K lo m p S te v e n s e L arry L.
1992, p. 28. O ensaio de Him melfarb,
Stewart feita especialm ente para intro­
que abrange história, lei, filo so fia e
duzir estudantes form andos no estu­
cultura em geral, merece um a leitura
do literário é tam bém m uito valiosa;
com pleta (pp. 2 8 -3 6 ).
veja seu A Guide to Literary Criticism and
38 Ibid., p. 30.
Research, 3 a ed. (New York: Harcourt 39 Gertrude H im m elfarb, "W here
Brace College, 1 9 9 6 ). Tam bém tenho
Have All th e Foo tn o tes G o n e?" On
encontrado críticas e contracríticas au­
Looking into the Abyss (New York: Al­
xiliadoras da teoria literária pós-m o-
fred Knopf, 19 9 4 ).
dem a em numerosos artigos nos recen­
40 Keith Jenkins, Re-thinking His­
tes volum es do The Christian Scholar's
tory (Londres: Routledge, 1991), p. 70
Review e Christianity and Literature. Tam­
(a últim a sentença no livro).
bém recom endo os seguintes livros, es­
41 Para um a pesquisa destas ques­
pecialm ente por sua útil análise: Cla­
tões na filosofia da ciência, veja Del
rence W alhoute Leland Ryken, Contem­
Ratzsch, Philosophy o f Science (Downers
porary Literary Theory: A Christian Ap­
Grove, 111.: InterVarsity Press, 19 8 6 ).
praisal (G rand Rapids, M ich.: Eerd-
42 Lyotard, The Postmodems Con­
mans, 1991); e W. J. T. Mitchell, Against
dition, p. 29.
Theory (Chicago: University o f C hica­
43 N um a declaração certeira para
go Press, 1 9 8 5 ). Veja tam bém a critica
enfurecer filósofos e cientistas tradici­
devastadora de John Ellis sobre Derri­
onais, o crítico literário Terry Eagleton
da, Against Deconstruction (Princeton,
escreveu: "A ciência e a filosofia devem
N. J.: Princeton University Press, 1989).
desfazer-se de seus grandiloqüentes re­
35 Karen J. W inkler pesquisou os
clam os m etafísicos e observar a si m es­
avanços e recuos da teoria literária pós-
mas mais m odestam ente com o outro
modema em "Scholars Mark the Begin­
c o n ju n to de narrativas" (citad o de
ning o f the Age of'Post-Theory"', The Chro­
"Awakening M odernity", The Times Li­
nicle o f Higher Education, 13 de outubro de
terary Supplement, 2 0 de fevereiro de
1993, p. A9. Veja também Frank Lentric-
1987, por Alister McGrath, A Passion
chia, "Last Will and Testament o f an Ex-
for Truth (Downers Grove, 111.: InterVar­
Literary Critic", Lingua Franca, setembro/
sity Press, 1996), p. 187).
outubro de 1996, pp. 59-97.
44 O artigo original apareceu em
36 Em The Death o f Truth (M inne­
Social Text, primavera/verão de 1996,
apolis: Bethany House, 1 9 9 6 ), Dennis
pp. 217-52; a revelação de Sokal do tro­
McCallum colecionou uma série de en­
te está em "A Physicist Experim ents
saios críticos sobre o pós-m odernism o
with Cultural Studies", Lingua Franca,
no tratam ento de saúde, literatura, edu­
m a io /ju n h o de 1 9 9 6 , pp. 6 2 -6 4 ; O
cação, história, psicoterapia, lei, ciên­
"Pósfacio" de Sokal explicando "seu
cia e religião, cada um escrito por um
próprio relato do significado político
especialista no assunto.
do debate", que foi enviado para Soci­
37 Gertrude H im m elfarb, "Tradi­
al Text ao m esm o tem po que seu arti­
tion and Creativity in the W riting o f
go em Lingua Franca era rejeitado pe­
H istory", First Things, novem bro de
lo s e d ito re s , fo i p u b lic a d o c o m o
N O T A S

283

Capim fl 9: PóS-MODERNISMO

"Transgressing the Boundaries: An Af­ (Louisville, Ky.: Westminster/John Knox,


terword" em Dissent, o utono de 1996, 19 8 9 ); Stanley Grenz, Revisioning Evan­
pp. 9 3 -9 7 . A história do trote foi am ­ gelical Theology (Downers Grove, 111.: In­
plam ente divulgada nos jornais no ve­ terVarsity Press, 1993); e J. Richard M i­
rão de 1996. Veja, por exem plo, "Mys­ ddleton e Brian f. Walsh, Truth Is Stran­
tery Science Theater", Lingua Franca, ju- ger Than It Used to Be (Downers Grove,
lh o /a g o s t o d e 1 9 9 6 , p p. 5 4 - 6 4 ; 111.: InterVarsity Press, 1995).
Bruce V. Lewenstein, "Science and So ­ 47 Thom as C. O den, After Moder­
ciety: The Continuing Value o f Reaso­ nity... What? (G rand Rapids, M ich.:
ned D ebate", The Chronicle o f Higher Zondervan, 1 9 9 0 ); Carl F. H. Henry,
Education, 21 de ju nho de 1996, pp. B l- "Truth; Dead on Arrival", World, 2 0 -2 7
2; Liz M cM illan, "The Science Wars", de m aio de 1995, p. 2 5 ; David F. W e­
The Chronicle o f Higher Education, 28 lls, God in the Wasteland (Grand Rapi­
de ju nho de 1996, pp. A8-9, 13; Ste­ d s, M ic h .: E e rd m a n s , 1 9 9 4 ) ; e
ven Weinberg, "Sokal's Hoax", The New G ene Edward Veith Jr., Postmodern Ti­
York Review o f Books, 8 de agosto de mes (W heaton, 111.: Crossway, 1994).
1996, pp. 11-15; "Sokal Hoax: An Ex­ O den utiliza o term o pós-modernismo
change", The New York Review o f Books, para descrever sua própria abordagem,
3 de outubro de 1996, pp. 54-66; "Foo­ mas o faz porque tom a o que eu cham o
tnotes", The Chronicle o f higher Educa­ de pós-modemismo não por ser "pós" m o­
tion, 2 2 de novem bro de 1996, p. A8. derno, mas ultramoderno. O que ele re­
45 Mark C. Taylor, Erring: A Post­ com enda para a igreja fazer hoje, na ver­
modern A/theology (Chicago: Universi­ dade, segundo ele acredita, é ir além do
ty o f Chicago Press, 1 9 8 4 ). Aqui está m oderno e assim poder legitimamente
uma am ostra de Taylor: "As idéias nun­ ser chamada pós-modema.
ca são fixas, mas estão sempre em tran­ 48 McGrath com enta: "O pós-m o­
sição; assim elas são irrepreensivel­ dernism o assim, nega, na verdade, o
m ente transitórias... As palavras da a/ que ele afirm a em teoria. M esm o a
teologia caem entre elas; elas estão sem­ questão casual 'O pós-m odernism o é
pre no m eio [entre o início e o fim ], O verdadeiro?' in o cen tem en te levanta
texto a/teológico é um tecido costura­ questões criteriosas fundam entais que
do de camadas que são produzidas por o pós-m odernism o acha em baraçosa­
um interminável tecer" (p. 13). m ente difícil sustentar" (A Passion for
46 Uma coleção de ensaios sobre Truth, p. 195).
este tó p ico por alguns dos teólogos 49 C harles Taylor, "Rorty in th e
m e n c io n a d o s a q u i e o u tr o s é Epistemological Tradition", em Reading
T im o th y R. P h illip s e D e n n is L. Rorty, ed. Alan R. Malachowski (Oxford:
Okholm , eds., The Nature o f Confession Basil Blackwell, 1990), p. 258.
(Downers Grove, 111.: InterVarsity Press, 50 Ibid.
1996). Veja tam bém George A. Lindbe- 51 Nietzsche, "O n Truth and Lie in
ck, The Nature o f Doctrine (Philadelphia: an Extra-moral Sense", em The Porta­
Westminster Press, 1984 ); Diogenes Al­ ble Nietzsche, trad. W alter Kaufmann
len, Christian Belief in a Postmodern World (New York: Viking, 1 9 5 4 ), pp. 95-96.
O U N I V E R S O A O L A D O

284

Gupfn uo9: PóS-MODERNÍSMO

O com entário de Bernard W illiam so­ lectuais e ainda continuar a praticá-las"


bre Rorty poderia servir tam bém para ("Auto-da-Fé: Consequences o f Prag­
Nietzsche: "Algumas vezes ele |Rorty, m atism ", em Reading Rorty, ed. Alan R.
e eu acrescentaria, Nietzsche] parece Malachowski (Oxford: Basil Blackwe­
saber com pletam ente o status de seus ll, 1990], p. 29.
próprios pensam entos... Outras vezes, 52 Lyotard, The Postmodern Condi­
ele parece esquecer tudo sobre uma exi­ tion, p. 79.
gência da autoconsciência, e com o as 53 Termino este capítulo com uma
velhas filosofias das quais está tentan­ observação enigmática. Não é minha in­
do escapar, ingenuam ente trata seus tenção agora ou mais tarde contribuir
discursos com o com pletam ente fora m uito para o que tenho brevemente
da situação filosófica geral que ele está imaginado. Outros (veja aqueles m en­
descrevendo. Assim ele negligencia a cionados nas notas de rodapé 43 e 44
questão de ser possível a alguém acei­ acim a) estão trabalhando nisto, e dei­
tar seu relato de várias atividades inte­ xarei esta tarefa para eles e seus colegas.

C-ufreu» 9: A VIDA EXAMINADA

1 Francis A. Schaeffer, The God God in the Dark (W heaton, 111.: Cros­
Who Is There (Downers Grove, 111.: In- sway, 19 9 6 ).
terVarsity Press, 1 9 6 8 ), p. 88. 7 Veja, por exem plo, duas cole­
2 Escrevo mais detalhadam ente ções de ensaios pessoais de filósofos
sobre por que alguém escolheria uma q u e s ã o a b e r ta m e n te c r is tã o s :
cosmovisão sobre outra em Why Should Kelly James Clark, ed., Philosophers Who
Anyone Believe Anything at All? ( Downers Believe (Downers Grove, 111.: InterVar­
Grove, 111.: InterVarsity Press, 1994). sity Press, 1 9 9 3 ); e Thom as V. Morris,
3 Keith Yandell, "Religious Expe­ ed., God and the Philosophers (New York:
rience and Rational Appraisal", Reli­ Oxford University Press, 19 9 4 ).
gious Studies, ju n h o de 1974, p. 185. 8 G e ra rd M a n le y H o p k in s ,
4 Cada form ulação de cada cos­ "G o d 's Grandeur", in The Poems o f Ge­
movisão deve ser considerada em seus rard Manley Hopkins, 4 a ed., eds. W.
próprios m éritos, é claro. Mas para H. Gardner e N. H. M acKenzie (New
cada uma das cosm ovisões tenho co n ­ York: Oxford University Press, 1 9 6 7 ),
siderado e ponderado e descoberto que p. 66.
nenhum a form ulação deixa de conter 9 O Novo Testam ento é o texto
problem as de inconsistência. primário para o teísmo cristão, mas tam­
5 Veja, por exemplo, Romanos 1:28. bém recomendo John R. W. Stott, Basic
6 Para um levantamento com ple­ Christianity, ed. rev. (Downers Grove, 111.:
to da natureza da dúvida e sua contri­ InterVarsity Press, 1973), e J. I. Parker,
buição para a form ulação de um a cos­ Knowing God, ed. rev. (Downers Grove,
movisão adequada, veja Os Guinness, 111: InterVarsity Press, 1993).
Aa Bohr, Niels 252
Acupuntura 1 7 1 ,1 7 3 ,2 6 1 bolas de cristal 193
Adams, Douglas 93, 95, 113, 251 Borgmann, Albert 273
Advaita Vedanta 148 Bradley, Walter L. 24 9
Age, New Journal 2 6 2 Brama 148, 151-155, 161-163, 174, 176
Agostinho 20, 36 178, 182, 188
Al Capone 201 Bray, Gerald 2 5 6
Albrecht, Mark 271 Brehier, Emile 56, 59, 2 4 5 , 2 4 7
Allen, Diogenes 2 2 5 , 27 7 Brierly, John 2 4 7
alma, imortalidade da 158 Broad, C. D. 182
alma, transmigração da 162 Brodie, John, 26 6
anim ism o 175, 176, 177, 193, 201, 232 Bromiley, Geoffrey W. 244
animistas 177 Bronowski, J. 52, 24 5
Ann Arbor 2 4 4 Brown, W illiam E. 243
Aquino, Tomás de 20, 39, 213, 2 7 4 Brunner, Emil 131
Aristoteles 20 Brushaber, George 250
Arnold, Matthew 139, 140, 2 5 7 Bube, Richard H. 250, 251, 2 6 5 , 2 7 2
Ashrama, Advaita 259 Buber, Martin 133, 1 3 4 ,1 3 6 ,2 5 6
Atkinson, Alan 262 Bucke, Richard Maurice 187, 189, 270
Atma 148, 152-155, 158, 162, 163, 176, Buda 162, 170
177, 178, 182, 188 budism o 147, 161
Audi, Robert 273 budism o, zen 258, 259
Avron, Jerry 262 budistas 187
Ayer, A. J. 72, 248 Building, Federal 125
Bultmann, Rudolf 140, 141, 2 5 7
Burnham, Fredric B. 27 3
Bb
Bacon, Francis 52, 112, 218
Barrett, W illiam 69, 248 Cc
Barth, Karl 131, 140-142 C., Mark Taylor 225
Baskin, Wade 245, 2 4 7 Cabanis 120
Baudelaire 58 Cabanis, Pierre Jean Georges 69
Becker, Emest 2 5 8 Cage, John 113
Beckett, Samuel 93, 94, 112,113 Calendário Maia 168
Behe, M ichael 249 Calvino 20, 140
Beiner, Ronald 275 Calvino, João 79
Bellah, Robert 26 7 Camus 20, 118, 129, 133
Bellow, Saul 245 Camus, Albert
Bennington, G eoff 273 117, 118, 125, 126, 142, 215, 255
Bergman, Ingmar 108, 112 canalizadores 174
Bergson 182 Caplan, Arthur L. 253
Bernstein, Leonard 233 Capon, Robert Farrar 105, 2 5 3
Best, Steven 27 3 Capra 265, 26 7
Birdsall, J. N. 2 4 4 Capra, Fritjof 168, 172, 175, 26 0
Blackham, H. J. 130, 25 6 carma 156, 157, 163
Blake, W illiam 177 Cam ell, Edward John 140, 25 6 , 2 5 7
Blattner, Barbara 26 6 Carr, Audrey 259
Bloesch, Donald 250, 25 6 Carson, Donald 257
Blomberg, Craig 257 cartas de taro 193
Bloom, Allan 250, 2 5 3 -2 5 5 Cassirer, Ernst 196, 271
Board, C. Stephen 255 Castaneda, Carlos 172, 177, 1 8 3 ,1 8 4 ,
Bogart, Humphrey 233 185, 189, 190, 26 4 , 265, 269, 270
O U N I V E R S O A O L A D O

288

catolicism o 172 Denton, Michael 2 4 8


ceticismo 235 Derrida, Jacques 214, 222, 229, 276
Chan, Wing-tsit 2 5 8 Descartes, René 65, 69, 211, 212, 213,
Chase, Stuart 271 214, 215, 226, 228, 246, 2 7 4
Chesterton, G. K. 43 D euteronôm io 18:9-14 203
Chopra, Deepack 173, 2 6 6 Dick, Philip K. 174
Churchland, Patricia Smith 273 Digest, Intellectual 262
Churchland, Paul M. 273 Dillard, Raymond B. 2 5 7
ciência nutricional 171 Disney, Walt 111
cinesiologia 173 DNA 220
Clark, Kelly James 278 Dobestein, John W. 244, 2 5 4
Clarke, Arthur C. 173, 250 D ostoiévski, Fiódor 123, 126, 255
Clinton, Hillary Rodham 262 drogas psicodélicas 170
Colossenses 2 :1 5 203 Duchamp, Marcel 93
com a 191
complementaridade, noção de 198
com plexo de Édipo 219 Ee
conceituai, relativismo 1 9 2 ,1 9 5 , 196 Eagleton, Terry 2 7 6
Conner, Steven 273 Eckhard, Meister 185
consciência alternativa 183 Edward, Paul 271
consciência cósm ica 187, 188, 192, 193, Einstein, Albert 61, 245, 2 5 2 , 2 5 4
198, 200 Eliot, T. S. 243
consciência, estados alterados de 174,187 Ellis, John 2 7 6
consciência expandida 183 Engels, Friedrich 250
construtos lingüísticos 2 2 8 Englund, Harold 135
Convergência Harmônica 168 epistem ologia 176
Copleston, Frederick 53, 245, 247, 274 Erasmo, Desiderius 79
cósmica, visão 187 esteticismo 233
Covell, Mareia 2 6 7 Evans, C. Stephen 244, 2 5 6 , 27 5
Crane, Stephen 17, 18, 109 evolução 175
cristianism o 204 Ewer, W illiam 46
Cristo, Jesus 31, 33, 39, 40, 42, 45, 47, existencialism o 19, 118, 119, 120, 130,
68, 75, 76, 131, 163, 164, 170, 203, 142, 146, 211, 219, 220, 232, 233,
204, 217, 25 7 , 260 23 8
criticismo histórico 222 existencialismo ateísta 130, 131, 132,
Crossan, John D om inic 257 133, 142
Crowell, Thom as Y. 275 existencialismo teísta 130, 131, 132, 133,
Cruickshank, John 255 142
Cummings, Edward Estlin 243
cura psíquica 173, 261
Ff
Fairbridge, Rhodes W. 68
Dd fascismo 221
Darwin, Charles 73, 101, 102, 250, 253 Fénelon, bispo François 55
Dasgupta, Surendranath 147, 258 Fergunson, Marilyn 168, 179, 184, 188,
Dawkins, Richard 74, 2 4 9 , 2 5 4 247, 260, 264, 268, 2 6 9 , 270, 272
desconstrução 222 Ferguson, Kitty 2 4 6
deísmo 1 9 , 2 3 3 ,2 3 5 ,2 3 8 Feuerbach, Ludwig 81, 82
dem oníaca, possessão 203 filosofia hedonista 232
dem ônios (ou anjos caídos) 201 Fish, Sharon 266
Dennett, Daniel C. 248, 2 4 9 , 25 3 Fish, Stanley 222
Dennis, Gregory 26 6 Flew, Antony 253
I N D E X

289

fora-do-corpo, experiências 191, 271 herbalism o 171


fora-do-corpo, relatos 191 Hesse, Hermann 155, 158, 161, 233, 259
fotografia kirliana 261 Himmelfarb, Gertrude 27 6
Foucault, Michel 219, 220, 221, 2 2 2 , 226, hinduism o 147, 161, 162
2 2 9 , 275 hipnoseterapia 171
Freud 195, 217, 219, 222, 275 hipótese Gaia 2 6 6
Friedkin, Edward 62, 248 Holmes, Arthur F. 243, 2 4 5 , 250
Fuller, Buckminster 54, 245 Holmes, Stewart W. 259
hólon 201
hom eopatia 171
Gg Hom ero 217
gadareno, endem oninhado 203 Hopkins, Gerard Manley 47, 239, 245,
Gardner, W. H. 245 278
Garraty, John A. 247 Horioka, Chimyo 2 5 9
Gay, Garraty e 248 Houston, Jean 169, 171, 179, 2 6 2 , 2 6 7
Gay, Peter 2 4 5 , 2 4 7 Humanista, M anifesto 68, 71, 72, 75, 76
Geering, Lloyd 141 Hume, David 214, 2 4 6 , 27 4
Geering, Lloyde 25 7 Hummel, Charles 249
Génesis 254 Humphreys, Christmas 151, 158, 258,
Giddens, Anthony 273 259
Gita, Bhagavad 268 Huxley, Aldous 171, 180-185, 189, 190,
gnósticos 202 193, 194, 2 6 4 , 2 6 9 , 270, 271
Graham, W. 253 Huxley, Julian 70, 248, 25 0
Gregory, André 174, 2 6 6 Huxley, Laura Archera 269, 270
Grene, Marjorie 138, 2 5 6 Huxley, T. H. 250
Grenz, Stanley 225, 274, 275
Gribbin, John 2 4 6
Griffioen, Sander 243 Ii
Grof, Stanislav 171, 190, 2 6 4 ,2 7 1 I Ching 204
Groothuis, Douglas 168, 171, 174, 260, Ichazo, Oscar 179, 268, 2 7 2
2 6 3 , 2 6 4 , 266 id 219
Guinness, Os 258, 278 Idealistas Alemães 214
Igreja Católica 202
Ilum inism o 212, 222
Hh inconsciente coletivo 220
Hackett, Stuart 2 5 8 Ionesco, Eugene 94
Haldane, Elizabeth S. 274
Haldane, professor 253
Harris, Melvin 271 Ij
Harrold, Charles Frederick 257 Jaki 252, 253
Hasker, W illiam 2 4 4 Jaki, Stanley 252, 2 5 3 , 2 5 4
Hawking 2 4 6 , 24 8 James 270, 271, 272
Hawking, Stephen 61, 67, 245, 2 4 6 -2 4 8 James Redfield 261
Hegel, G. F. W. 81, 82, 83, 214 James, W illiam 171, 187, 264
Heidegger 118 Jastrow, Robert 245
Heinlein, Robert A. 174, 26 6 Jenkins, Keith 223, 27 6
Heinrich, Kathleen 266 João, apóstolo 204, 24 4
Heisenberg 94, 252 Jobling, David 68, 2 4 7
Heller, Joseph 94, 255 Johnson, David L. 25 8
Hemingway, Ernest 113, 233 Johnson, Luke Tim othy 257
Henri Blocher 244 Johnson, Phillip 249, 25 0
Henry, Carl F. H. 225, 2 7 7 Journal, New Age 261
O U N I V E R S O A O L A D O

29O

Joyce, James 233 Lincoln, Abraham 72


Jr., Kurt Vonnegut 95, 109, 254 Lindbeck, George A. 2 2 5 , 27 7
Juan, D on 172 Linssen, Robert 259
judô 174 Lipner, Julius 25 8
Jung, C .G . 171, 264 Lippmann, Walter 77, 78, 250
Locke, John 53, 66, 214
Lockerbie, Bruce 2 5 0
Kk Lodge, Sir Oliver 193
Kafka, Franz 94, 112, 113, 131, 139, 254 Lott, Eric 25 8
Kant, Emanuel 136, 214, 274 Lovelock, J. E. 172, 1 7 3 ,2 6 6
karatê 174 Lowrie, Walter 25 6
Kaufmann, Walter 254, 273, 2 7 4 , 2 7 7 LSD 194, 195
Keegan, Lynn 26 6 Lucas 5:1-21 203
Keen, Sam 187, 260, 268, 270, 272 Lucas, George 174
Kellner, Douglas 273 Ludwig, Arnold M. 270
Keys, Donald 173 Lundin, Roger 275
Kierkegaard, Soren 130, 136, 138, 142 Lyon, David 250
King, Richard 267 Lyotard, Jean-François 210, 222, 224,
Kinney, Jay 26 6 228, 273, 276, 278
Klimo, Jon 174, 1 8 3 , 2 6 6 ,2 6 9 ,2 7 2
koan 259
Kreeft, Peter 244 Mm
Krieger, Dolores 26 6 MacAndrew, Andrew R. 255
Krishna 26 8 MacIntyre, Alasdair 25 6
Krishna, Hare 148 MacKay, Donald 27 2
Kübber-Ross, Elisabeth 1 9 0 ,2 7 1 MacKenzie, N. H. 245
Kubrick, Stanley 173, 26 6 MacLaine, Shirley 61, 168, 170, 179, 180,
Kungfu 174 183, 185, 188, 189, 191, 194, 261,
Kurtz, Paul 80, 2 4 7 262, 266, 267, 2 6 8 , 269, 270, 271
Kvaloy, Sigmund 259 Mahesh, Maharishi 26 6
Malachowski, Alan R. 278
Mandukya Upanishad 152, 154, 155
LI Mangalwadi, Vishal 260
Laing, R. D. 199, 2 6 7 M anifesto Humanista 79
Langer, Susanne K. 271 M anifesto Humanista I 249
Leary, Tim othy 171, 263 M anifesto Humanista II 248, 2 4 9
lei da causalidade 252 M anifestos Humanistas I e II 250
leis de identidade 235 Manley, Gerard Hopkins 25
Lemley, Brad 171, 263, 266 Marcuse, Herbert 25 6
Lênin 85 Marsh, Jeffrey 247
Lentricchia, Frank 276 Marshall, Paul A. 243
Leonard, George 170, 179, 2 6 2 Marx, Karl 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87,
Leone, Mark P. 2 5 8 222, 25 0
LeShan 182, 183, 197, 198, 267, 268, Mascaro, Juan 161, 258, 259
2 6 9 , 270, 271, 272 Maslow, Abraham 171, 1 8 7 ,2 6 4
Lévi-Strauss, Claude 222 Master e Houston 187
Lewenstein, Bruce V. 277 Masters, Robert 171, 196, 262
Lewis, C. S. 102, 244, 2 5 3 , 25 8 Maugham, Somerset 233
liberalism o 140 McCallum, Dennis 2 7 6
Lilly, John 171, 178, 179, 183, 184, 185, McCracken, Samuel 205, 267, 2 7 2
189, 190, 194, 195, 198, 264, 267, McGrath, Alister 2 7 6 , 27 7
2 6 9 , 270, 271, 272 McIntyre, Alasdair 25 0
I N D E X
29I

McMillan, Liz 277 211, 214, 215, 216, 220, 227, 228,
McPherson, Tom 191 229, 251, 2 5 4 , 255, 273, 274, 27 7
mecânica quântica 2 5 2 , 253 niilism o 19, 130, 142, 145, 146, 162,
Medawar, Peter 52, 24 5 199, 2 3 2 , 2 3 4 , 2 3 8
m edicina holística 266 niilism o epistem ológico 204
M editação Transcendental 147, 164, 167 niilism o naturalista 205
m eio excludente 2 3 5 niilism o panteísta 205
Menninga, Clarence 2 4 9 niilista 167
Mente Ampla 181, 182, 183, 184, 185, Nirvana 164, 187
193, 204 Nostrand, D. Van 245
metanarrativa 216, 218, 219, 2 2 7 nova consciência 176, 177, 182, 187,
Mettrie, Julien Offray de La 66, 6?/ 76, 192, 194, 197, 198, 200, 201
2 4 6 , 247, 249 Nova Era 19, 61, 168, 169, 170, 171, 172,
Mezan, Peter 272 173, 174, 175, 177, 178, 179, 180,
Michael W hite 24 6 182, 186, 189, 190, 191, 192, 193,
Michelmore, P. 2 5 4 199, 200, 201, 204, 205, 214, 223,
M iddleton, J. Richard 2 2 5 , 243, 2 3 3 , 2 3 8 , 2 6 0 , 261, 2 6 2 , 2 6 3 , 264,
273, 277 2 6 6 , 2 6 7 , 271, 274
Mille, Richard De 265 Novo H omem 169
Millet, Kate 222 Novo Testam ento 203
M ilton, John 50, 79, 245 Novos Críticos 222
m isticism o oriental 19, 167
Mitcham, Carl 248
Miura, Issu 2 6 0 Oo
m odernism o 2 2 5 , 22 8 Oates, Joyce Carol 265
Moisés 30, 217 Oden, Thom as C 2 2 5 , 2 7 7
M olière 20 O kholm , Dennis L. 2 7 7
m onism o hindu 161 O klahom a 125
m onism o panteísta oriental 148, 200, Oliver, Joan Duncan 261
2 3 3 , 235, 238 Olsen, Roger 24 9
m onism o pateísta oriental 23 8 Ouija, jogadores de 201
M onod, Jacques 74, 99, 100, 249, 251 Ouija, tábuas 193
M oody Jr, Raymond J. 191, 271 Owen, H. P. 24 4
Moore, Charles A. 2 5 8
Moreland, J. P. 249
Morris, Thom as V. 244, 278 pp
Mouw, Richard 243 Packer, J. I. 250
Murphy, Michael 2 6 6 Paley 2 4 6
Myocho 259 panteísm o 2 5 8
panteísm o oriental 175
Paramahamsa, Sri Ramakrishna 147
Nn Pascal 35
Nagel, Ernest 70, 72, 247, 2 4 8 Pater, Walter 233
naturalismo 9, 145, 152, 167, 169, 172, Pauli, W 252
175, 178, 200, 212, 220, 2 2 8 , 229, Paulo, apóstolo 20, 38, 203, 253
2 3 2 , 2 3 3 , 235, 2 3 6 , 23 8 Pearcey, Nancy 252
naturalismo otim ista 2 2 6 Pearcey, Nancy R. 244, 26 6
Neill, Stephen 256, 2 5 8 Perfeito, Mestre 150
Newman, Margaret A. 266, 26 8 Peters, Ted 2 6 0
Nida, Eugene 267 Peterson, Houston 2 4 7
Niebuhr, Reinhold 131, 140, 2 5 6 Phillips, Tim othy R. 277
Nietzsche, Friedrich 20, 96, 113, 139, 209, Phillips, W. Gary 243
O U N I V E R S O A O L A D O

292

Picasso, Pablo 233 Russell, Bertrand 72, 248, 271


Plantinga, Alvin 253 Ryerson, Kevin 191
Platão 20, 51, 217 Ryken, Leland 2 7 6
Platt, John 77, 136, 249, 251, 255
Pollard, Nick 254
Pope, Alexander 56, 57, 58, 59, 60, 170, Ss
199, 263 Sagan, Carl 67, 246, 24 7 , 249
pós-m odernism o 19, 209, 210, 211, 216, Said, Edward 215, 274
218, 219, 220, 221, 223, 2 2 4 , 225, salto quántico 169
2 2 6 , 227, 2 2 8 , 2 2 9 , 233, 23 4 , 276, Sanborn, Sara 245
277 Sartre, Jean-Paul 20, 111, 118, 120, 121,
prem onição 261 125, 142, 215, 219, 2 5 5 , 27 5
principados 203 Sasaki, Ruth Fuller 260
princípio da indeterm inância 252 Satanás, anjos caídos de 201
princípio epistem ológico 252 Satin, Mark 173
psicanálise freudiana 254 satori 187
psicocinese 26 0 Saussure, Ferdinand de 2 2 2
psíquicos, fenôm enos 2 6 0 Sayers, Dorothy L. 244
Schaeffer, Francis A. 138, 244, 245, 253,
256, 278
Qq Schiffm an 259
quietism o 154 Schmitt, Richard 250
Quine, Willard Van Orm an 217, 275 Schröndinger, Erwin 198
Scotus, Duns 2 5 6
Scribner, Charles 256
Rr seleção natural 253
Rabinow, Paul 275 Seznec, Jean 243
Radhakrishnan, Sarvapalli 258 Shakespeare, W illiam 29, 79
Ramakrishna, Sri 1 5 1 ,2 5 8 , 25 9 Shawn, Wallace 26 6
Ramm, Bernard 250 Shiva 164
Ratzsch, Del 2 4 4 , 2 4 9 , 276 Showalter, Elaine 222
realidade clarividente 183 Sidney, Sir Philip 36
realidade final 1 4 7 ,1 4 9 , 157 Sim pson, G. G. 73, 74, 77, 88, 248, 249
realidade primordial 233 Skinner, B. E 77, 98, 99, 122, 237, 251,
Redfield, James 262 272
Reisser, Paul G. 2 6 6 Smalley, W illiam A. 2 6 7
Reisser, Teri K. 266 Smith, Ronald Gregor 2 5 6
relativismo conceituai 195, 197, 198, Sm ith, Valentine Michael, 174
215, 234 Sobre-hom em 220, 255
relativismo cultural 218, 2 2 0 Sócrates 209
Renan, Ernest 138, 25 7 Sohl, Robert 259
Review, Saturday 261 Sokal, Alan 224, 225, 2 7 6
Rolfing 173 solipsism o 130, 215
Romains, Rolland 259 Solom on, Robert C. 274
Romanos 203 Spangler, David 26 7 , 2 6 8
Rorty, Richard 217, 221, 227, 229, Spanos, W illiam V 255
274, 2 7 5 ,2 7 7 Spielberg, Steven 174
Rosen, Winifred 263 Stenger, Victor J. 265, 2 7 2
Rosenfeld, Albert 183, 269 Stevens, Bonny Klomp 27 6
Rosner, Hilda 25 9 Stevens, Wallace 233
Ross, G. R. T. 274 Stewart, Larry L. 2 7 6
Roszak, Theodore 172, 177, 2 6 4 ,2 6 7 Stott, John R. W 278
I N D E X
29 3

Strauss, D. F. 138 Veith Jr., Gene Edward 225, 277


Stryk, Lucien 2 5 8 Vivekananda, Swami 147
Super-homem 220, 255 Voltaire 53
Suzuki, D. T. 147, 162, 2 5 9 ,2 6 0 Vonnegut Jr. 113
Swihart, Phillip. J. 271
Sydney, Sir Philip 244
Ww
Wainhouse, Austryn 249, 251
Tt Walhout, Clarence 27 6
tai-ken-dô 174 Walsh, Brian J. 225, 243, 2 7 3 , 2 7 7
Tarcher, Jeremy P. 260, 2 6 2 , 267 Watts, Alan 147
Tart, Charles 272 Weil, Andrew 170, 171, 173, 176, 179,
Taylor, Charles 227, 277 187, 198, 263, 264, 2 6 6 , 2 6 7 , 268,
Taylor, Eugene 263 272
Taylor, Mark C. 2 7 7 Weinberg, Stephen 2 6 5 , 272, 2 7 7
teísm o 25, 131, 132, 135, 142, 145, 152, Weldon, John 26 6
154, 175, 178, 201, 212, 2 3 3 , 236, Wellhausen, Julius 138
2 3 8 , 239, 24 0 Wells, David F. 2 2 5 , 27 7
Templeman, W illiam D. 257 Wenham, John 245
Tennyson 18, 19 Westminster, Confissão de 244
teoria literária 222 W hitehead, A. N. 2 4 3 , 2 4 5 , 24 6 , 255
Terra Prometida 203 Whorf, Benjam in 196, 271
Thaxton, Charles B. 244, 249, 252, 266 Wilber, Ken 168, 172, 180, 182, 183,
Thielicke, Helmut 37, 2 4 4 , 254, 272 187, 189, 198, 201, 204, 260, 264,
Thom as, Lewis 172 268, 269, 270, 272
Thom pson, Keith 265 W illiam, Bernard 278
Thom pson, W illiam Irwin 172, 175, 179, W ilson, James Q. 249
182, 189, 200, 264, 2 6 7 , 268, 269, Wilson, Woodrow 172
270, 272 Winkler, Karen J. 276
Till, Howard J. Van 249 W itherington, Ben 257
Time 260, 261, 26 7 Wolf, David L. 245
Toland, John 59 Woltjer, Lodewijk 72
Tolkien, J. R. R. 24 4 Woodward, Bob 262
toque terapêutico 173 Wright, N. T 2 5 7
Torrey, Norman L. 246 Wright, Robert 62, 246, 2 4 8
Toulmin, Stephen 273 Wright, Tom 25 6
Tucker 250
Tucker, Richard 2 5 0
Turkle, Sherry 248 Yy
Tuttle, Charles E. 259 Yandell, Keith 235, 254, 2 5 8 , 2 7 8
Yogi, Maharishi Mahesh 147, 151
Young, Davis A. 249
Uu
U nabom ber 125
LJpanixade 1 4 7 ,1 4 9 ,1 5 3 , 1 5 5 ,2 5 8 Zz
Updike, John 72, 248 Zaehner 187, 270, 271
Zaehner, R. C. 1 8 7 ,2 5 8 , 2 6 7 ,2 7 0 ,2 7 1
Zaretsky, I. 2 5 8
Vv zen-budism o 1 4 8 ,1 6 1 , 162, 2 5 8 ,2 6 8
(Vedanta), Sankara (Hindu Advaita 147 Zoroastro 170
Vazio/Face Original 183 Zukav, Gary 172, 175, 2 6 5 ,2 6 7
a nova consciência da Nova Era; (3)

mostrar como o pós-modernismo

provocou uma reviravolta nestas

cosmovisões e (4) encorajar-nos a

pensar em termos de cosmovisões, isto

é, com consciência não apenas do

nosso modo de pensar, mas também

do modo de pensar das outras

pessoas, para que possamos primeiro

entender os outros e então estabelecer

uma comunicação eficaz em nossa

sociedade pluralista.

Trata-se de um grande convite. Na

verdade, isto se parece muito mais

com o projeto de uma vida inteira.

Minha esperança é que seja

exatamente isso para muitos que lerem

este livro e levarem a sério suas

implicações. O que está escrito aqui é

apenas uma introdução àquilo que

pode tornar-se um estilo de vida."

Dr. James W. Sire é editor sênior da

InterVarsity Press e palestrante muito

requisitado em colégios e

universidades dos Estados Unidos e

Europa. Ele é autor também dos livros

Scripture Twisting, Discipleship of the


Mind, Chris Chrisman Goes to College
e Why Should Anyone Believe

Anything at All?
b a t a l h a p a ra d e s c o b r i r nossa p r ó p r i a f é f nossa p r ó p r ia
cosm ovisão, nossas crenças sobre a r e a lid a d e é o te m a deste
livro. F o r m a lm e n t e d e c la r a d o s , seus p ro p ó sito s são:

1) e s b o ç a r as c o s m o v i s õ e s b á s ic a s q u e
est ã o por trá s do m o d o pelo qual nós, no
m u n d o o c i d e n t a l , p e n s a m o s so b r e nós
mesm os, o u tras pessoas, o m u n d o n atu ra l
e Deus ou r e a li d a d e fin a l;

2) t r a ç a r h i s t o r i c a m e n t e c o m o e s s a s c o s m o v i s õ e s se
d e s e n v o l v e r a m d e s d e o d e c l í n i o da c o s m o v i s ã o t e í s t a ,
t r a n s it a n d o , por sua vez, para o deísm o , o n a t u ra lis m o , o
n iilism o, o ex iste n c ia lism o , o m isticism o o rie n ta l e a nova
c o n sciê n cia da Nova Era;

3) m o s t r a r c o m o o p ó s - m o d e r n i s m o provocou uma
r e v ira v o lta nessas c o sm o visõ es; e

4) e n c o ra ja r - n o s a p e n sa r em t e rm o s de co sm o visões, isto
é, com co n sciê n cia n ão a p e n a s do nosso m o d o de pensar,
mas t a m b é m do m o d o de p e n sa r das o u t r a s pessoas, para
q u e p o s s a m o s p r i m e i r o e n t e n d e r os o u t r o s e, e n t ã o ,
e s t a b e l e c e r um a c o m u n ic a ç ã o e f ic a z em nossa s o c ie d a d e
p lu r a lista .

ISB N 8 5 -8 5 2 2 1 -0 8 -9

9 788585 221089

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