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significativas poducOes da histriogrfia huhdi4 o
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pimeiro caso, ja forrn puklicadas várias teses
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ç s!tárlas, que vinhani c1rcu1aflO cm edi mime g, a- L

fadas, no segundo, tidues de itores co o


Paul MantoUx e Manuel Moreh Fragihals Entre s
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e outros, isto e, entre a historlografia bFasi!eia e
trángeira, a colecão também fDtocurará djyi1gar thb -
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Ihds de estrangeiros sobre o Brásil, isto e d 'biAktn
- 4.

) [as", bern como estudos brásilelros mais Abraneit


qUet expressern a nossa visãô d .niundo. outá et -
pas, projetam-se co[eâneas de textos para oçps1flo S -
)
pl. A metodologia da hitbria deve4 er vld -
inente conteiipIada. Como è eo projetoé ánbtc!os,
) 1 '.
e Se destina nã apenas os apFendizes mestres 4o
J ofIc!o de historiador, mas ao p!ico itvdo eth getl,
que cada vez mais vat sentnda riecessiqade e,
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( tâPcia dos estuttOS flistOriCOs. W4LLL pUU1i o
Y ; ori1a: orilecer ssadQanicä m heira
libèrtrmos dele, sto e, fruir as s s mit -

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) EDITORA HUCITEC - f j
CrrEc-Et$tJ
ESTUDOS HISTORICOS

TITULOS EM CATALOGO

Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808), Fernando A. Novais.


As Ferrovias de Sao Paulo (1870-1940), Flavio A. M. de Saes
Historia e Tradiyoes da Cidade de Sdo Paulo (3 vols.), Ernani Silva Bruno
A Condicdo Feminina no Rio de Janeiro no Seculo XIX, Miriam Moreira Leite
Metamorfoses da Riqueza, Zelia Maria Cardoso de Mello
Historia da Guerra do Peloponeso, Tucidides
Trabalho, Progresso e a Sociedade Civilizada, Iraci Galvao Salles
Vieira e a Visdo Trdgica do Barroco, Luis Palacin
A Conquista do Terra no Universo da Pobreza, Luiza Rios Ricci Volpato
O Tempo Saquarema: a Formacdo do Estado Imperial, Ilmar Rohloff de Mattos
A Revoluc¢o Industrial no Seculo XVIII, Paul Mantoux
O Engenho, vol. I, Manuel Moreno Fraginals
Cocheiros e Carroceiros (Homers Livres no Rio de Senhores e Escravos), Ana Maria da Silva
Moura
Negro na Rua (A Nova Face da Escraviddo), Marilene Rosa Nogueira da Silva
Pre-Capitalismo e Capitalismo: a Formalao do Brasil Colonial, Sedi Hirano
O Engenho, vols. II e III, Manuel Moreno Fraginals
Peregrinos, Monges e Guerreiros (Feudo-Clericalismo e Religiosidade em Castela Medieval),
. Hilario Franco Junior
As Raines da Concentracao Industrial em Sao Paulo, Wilson Cano
i
MiSFAthA P.ZMELLA
'nuU

0 ABASTECIMENTO DA
CAPITANIA DAS MINAS GERMS
NO SECULO XVIII

EDITORA HUCITEC
EDITOM DA UN1VE1SIDAtE DE SÃO PAULO
SÃO PAULO, 1990
© Direitos autorais 1990 de Mafalda Zemella Vianna. Direitos de pu-
blicacão reservados pela Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia
"Hucitec" Ltda., Rua Georgia, 51 - O49 laulu, Br 11. Telefone:
(011) 241-0858. FIJ .! -

Foi feito o depósito legal.


.42

A primeira edição deste livro foi .0 centada coiio tese de doutoramen-


Dedico ste livro a metis filhos
to a Cadeira de História da Civilização Brasileira da Faculdade de Filoso-
fia, Ciências e Letras da USP, em 1951.
Dr. Puy Cesar de Mattos Vianna
e .poetisa And Viariiià

Dodos do Cafalogaçao no Publicação (CIP) Internacional


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Zemella, Mafalda P.
0 abastecimento da capitania das Minas Gerais no
seculo XVIII I Mafalda P. Zemella. -- 2. ed. -- So
Paulo HUCITEC Editora da Universidade de Sao Pau-
lo, 1990. -- (Estudos histricos ; v. 19)

Bibliografia.
ISBN 85-271-0138-6

1. Minas Gerais - Cornrcio - Histor'ia 2. Minas


Gerais - Condicoes economicas - Seculo 18 3. Minas
Gerais - Condicoes economicas - Seculo 18 I. Titulo.
II. Serie.

CDD-981 .5102
-330.9815102
-380.09815102
Indices pare catàlago sistemático:
1.Minas Gerais Comercio Historia Sculo 18
380. 098151 02
2. Minas Gerais Economia : Historia : Sculo 18
330. 981 51 02
3. Minas Gerais Histria : Sculo 18 981.5102
4. Seculo 18 : Minas Gerais : Historia 981.5102
A meus Mestres Aos meus alunos

uma mencão especial,


Dentre tantas e tao ilustres personalidades, destaco: pelo amor que sinto por cada urn
e por todos eles
Prof. Jean Gage (Universidade de Estrasburgo, Franca)
Prof. Emil Leonard (Sorbonne, Franca)
Prof. Paul Vanorden Shaw (Universidade de Columbia, EUA)
Prof. Roger Bastide (Universidade de Besancon, Franca)
Prof. P. Arbousse Bastide (Universidade de Besancon, Franca)
Prof. Dr. Braz de Souza Arruda (USP, Arcadas)
Prof. Ministro Alfredo BUzaid (USP, Arcadas)
Prof. Ministro L. A. da Gama e Silva (USP, Arcadas)
Prof. Dr. Eduardo D'Oliveira Franca (USP)
Prof. Acadêmico e Editor Odilon Nogneira de Mottos (USP e PUG)
Prof. Ministro Cdndido Motto Filho (USP, Arcadas)
Prof. Monsenhor Emilio José Salim (PUG)
Prof. Acadêmico Miguel Reale (USP, Arcadas)
Prof. Dputado Alfredo Ellis Jr. (USP)
ppjACIO DA SEGUNDA EDICAO

TI1ese de doutorarneflto apresentada a


Cadeira de Histô-
na da Cit,ilizacdo Brasileira da antiga Faculdade de Filosofia da USP
todos os tItulos o rótulO de piorteiro
em 1951, este trabalko merece POT
onsideiando-Se as preocupacöes recentes corn a história do abas-
e atual, c aflente chamamos econornia mercantil de
tecimento, ou do que modern
subsistência.
A excessiva preocupacdo corn o mercado externo explica-se polo cárdter
extrovertido da nossa economia colonial, dominada pelo setor exportador
e, por decorrência, pela concefltracdo da massa documental nessa fissura
do registro histórico. Inversaniente, os registros docurnentais relacionados
corn a circulacão interna são escassos e exigem prodigiosoS sacrifIcios dos
pesquisadores Para resgatá-10s e faze-los falar, muitaS vezes, o que nern
pretendiarn ou intencionaVam dizer. Urn exemplo bastante evidente é a
utilizacãO dos livros das barreiras, alfândegaS secas, Para a recompOsicão
do fluxo dos alimentos básicos, os gêneros de miuncas, ou mes,no a recom-
posição da história dos precos e dos salánios na ProvIncia de São Paulo,
isto é, urn fragmento da história visceralmente integrado na histó'ria do
prpcesso de trabalho que, ao lado da terndtica do imagifláriO domina hoje
parcelas substanciais da historiografia brasileira.
E notável como o olhar acurado da historiadora Mafalda Zenella
que, infrlizmente, deixou a carreira acadérnica Para, corn muito brilho,
Moncôes
seguir a trilha da jurisprUdêflcia, pôde cantar, nas pegadas de
de Sérgio Buarque de Holanda, a temática da producdo e do consumo
opulacional das Gerais no
internos, do abasteciflwnto do grande nzcko p
século XVIII.
14 PREFACIO DA SEGUNDA EDIAO

Corn muita perspicácia, a autora chama a aten cáo Para pontos essen-
ciais da história econômica de Minas Gerais que somente os estudos mais
recentes, lastreados em pesquisa exaustiva, viriam consolidar. Assim é
quando Se refere a produ cáo têxtil em Minas Gerais ao afirmar "em cada
fazenda urn tear' assertiva esta sobajamente confirmada pelas pesquisas
de Douglas Libby sobre a rndo-de-obra escrava na inthistria téxtil de Mi-
nas Gerais no siculo XIX. Assim é quando opta pelo tema do abastecimen-
to e prepara o terreno Para as conclusöes de Roberto Borges Martins na
SUM RIO
sua tese sobre a economia de autoconsumo em Minas Gerais na tese
Growing in Silence. Ou enido, quando fda da inversão de Minas que,
de abastecida no século XVIII, passa a abastecedora no século XIX. A
célebre inversdo da rota dos muares que levaram subsistência Para Minas AiZd .... 13
no século XVIII e, no século XIX, abastecem o mercado da Corte do Rio de
Prefácio da segunda edicão, José Jobson de Andrade 17
Janeiro. De fato, o texto de Mafalda Zemella prenuncia a inversão que Prefaclo, Aifredo Ellis Jr
hoje se sabefoi ampla e profunda e que se lastreia na fazenda mista, que Introducão ........................................................................
Cap I - A descoberta do ouro e do diimante na Capita
consorciava agricultura de subsistência e pecudria, subsistência corn extra- nia das Minas Gerais ........................................... 33
cáo aurfera, subsistência corn extra cáo de diamantes, subsisténcia corn a 0 povoamentO das Gerais ................................... 45 .
produ cáo de ferro em forjas, subsistência corn a produ cáo manufatureira . -
Cap II -...... 55
téxtil e, no limite, a gesta cáo de uma nova sociabilidade, de uma cultura Cap. III - Os mercados abastecedores das Gerais .......
especifica como se lê em Mitologia da Mineiridade. Cap. IV - Os transporteS dos gêneros, utehsIliOS e escra-
115-
Por todas estas razôes, palo pioneirismo e pela alualidade, 0 Abas-
tecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII merece a Cap. V - 0 comércio das minas ........................................
populacöeS das Gerais ............. 169
Cap. VI - 0 consumo
das
recupera cáo que hoje recebe da memória historiográfica a editorial. Urn CrItica do abastecimeflto das Gerais ................ .. 191
Cap. VII -
texto imediatamente lembrado quando, no contexto do programa editorial nücleos de producão nas minas .................... 209
Cap. VIII - Os
Conclusôes .................................................... . ....... 231
Cap. IX -
cornemorativo do centenário da aboliçdo desenvolvido palo CNPq na gestão
do Prof. Crodowaldo Pavan, a Gomissão de Eventos Históricos relacionou- . 239
Bibliografia................................................................ .................
o entre os textos indispensáveis para a recupera cáo de nossa forina cáo
social, num moniento decisivo do processo colonizadar.
Faz-se justica corn o livro de Mafalda Zemella. Ele tern a virtude da
simplicidade de estilo, do desapego aos excessos conceituais, ou da teori-
zacdo sern fundamento. E urn born exemplo de apego a documentacáo, a
pesquisa direta, que dá ao leitor a sensa cáo de uma história bern real.

José Jobson de Andrade Arruda.


LISTA DAS ABREVIAcOES PREFAcio

Ms. ou ms. - Manuscrjto


RTHGB - Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasiliro. .E'ste volume interrompe a série de Boletins da minha auto-
RIHGSP - l?evista do Instituto Hist6ric0 e Geogrdfico de São Paulo. na. Eu entretanto o apresento, repetindo o veiho e já surrado eon ceito
RAPM - Revista do Arquivo P?iblico Mineiro. encasulado nas seguintes palavras: voilà l'os des mes os et la chair de
ma chair. E que se ndo sou o autor da tese que fol magnficarnente
PSPHAN Revista do Serviço do PatrimOnjo HistOrjco e ArtIstjco Na-
cional. defendida por D. Mafalda Zemella, fui entretanto o seu onientador. A
jovem Autora, ao escrever o seu trabaiho e ao sustentar perante uma
comissdo de especialistas exarninadores e perante o ptiblico em genii, 0 que
faz agora, adotou principios meus, concepcoes minhas, etc. E que a jovem
Autora, hoje ilustre doutora, se deixou saturar de talforma pelas minhas
restauracOes, raciocmnios e hipOteses que se incutnbiu de as transformar em
verdades cientificas dando a elas Os alicerces de indiscutIveis provas,
concretizadas em docunentos que as pequisas, realizadas proficuamente
pela Autora, tiraram da poeira dos arquivos paulistas, cariocas e minei-
ros. E natural que assim fosse pois D. Mafalda é minha aluna e professo-
ra assistente ha cerca de dez anos.
Da maneira como a jovem doutora defendeu os ponws de suiz rnagnI-
fica tese, lancando mao de sólido born senso, de argumentacâo lógica,
revelando grande argcia, visIvel vivacidade intelectual e dgilidaAe de
espIrito, durante as cinco horas de rudIssimo entrevero, a que foi subnze-
tida, tödos que presenciararn poderdo ajuizar. Ela saiu-se rnagnficamente!
E pois corn prazer que apadninho publicamente este trabalho, e esse
sentirnento deniva, como se cornpreendefacilrnente do meu herd idico brasdo
de veiho professor e diretor da tese, a qual éo Boletim, que a Gadeira agora
publica. Sim de prazer, pois pela pnimeir*i vez eu tive ocasido de assistir,
na defesa de tese da jovem doutora, as minhas doutrinas, as minhas
18 PREFAC1O
P!kFAtib Ig
concepçôes, as minhas idéias e os meus princIpios serem debatidos, esposa-
urn indivIduo desconhecendO as suas origeizs, as suas lizhagen, e3ii4
dos e sustentados corn eficiência incomum e corn destacada agilidade inte-
genealogias, etc. 0 conhecimento seria incompleto!
lectual por parte de D. Mafalda, que embora assediada pelas objecöes e
4 Tendo pesquisado as causas, sefaz +nister uma exposi cáo descritiva e
alvejada por interrogat6rio infatigável, soube manter seus princIpios e
crItica do fato sob exame. Para isso, se faz urn auxiliár phedoiio CrO-
suas afinnacoes corn impecável linha de conduta intelectual, sempre corn
nologia que pode ministrar espMndidos informes expositivos a restauraçdO
sólida e irrespondIvel argumentacao. * be fato, pela primeira vez perante
que se quer fazer corn o emprego bern julgado dos fontes históricas... E
uma banca exam inadora, especialista e técnica, corno perante o piiblico
preciso porem que ofato seja bern interpretado e Para isso sefaz necdsdrio
julgador, as minhas idéjas concernente.c ao conceito de Histórja foram
o emprego de raciocmnio.
exam inadas e ressaltadas pelo espIrito lógico da Autora.
Depois disso, se impöe urn estudo anailtico das conseqilencias proje-
Este ramo cientfico tern corno objetivo a restauraçdo dos quadros do
tadas desse fato que se restaura, de modo a ficar bern evidenciada a su4
passado, Para o que ndo deve unicamente se limitar a descrevé-lo. Isso
importdncia no desenrolar dos capItulos da evolu cáo humana. Em Thstó-
seria simplIssirno! Isso seria fazer da História uma reportagem, mais ou
na, a importdncia de cadafato se ajuIza pelo major ou nwflor nthnero de
menos minucjosa, ou urn anedotário relatado em episódios, corn ernpenho
conseqiiências projetadas. 0 fato do qual ndo decorre conseqiitnda algtt-
da mernória, em major ou menor escala. História, eu repito, ndo é urn
ma, ndo tendo imp ortdncia, ndo merece que se aprofunde sen estudo.
mero desfiar de acontecjmentos dispostos em ordem cronológica, empilha-
Matenializando isso em urn exemplo, temos o caso da funda cáo de São
dos corn certo engenho. E preciso enunciar e analisar as causas que deter-
Paulo. Discute-e sobre a autoria dessa fundacao. Ndo ye-jo cOisequêiuia
minaram em major ou menor grau ou simplesmente possibilitaram o acon-
a decorrer daI, quer seja Urn ou outro o verdadeiro fundador. ThssO, lido
tecimento que se visa reconstjtujr, depois estudar e critjcar esse aconleci-
encontrar en qualquer importáncia no' fato de ter sido o padre Nóbrega ou
mento. Este ndo pode ser unicamente exposto, mas deve ser interpretado
o Venerável Anchieta.
corn inteligência e corn argcia. A seguir a isso, sefaz mister urn meticulo-
Todos são acordes em que a fundacdo da Paulic& foi obra da
so estudo sobre as conseqüências projetadas desse acontecimento. So depois
Companhia dejesus. Não se altera a evoluçdo histOnica planaltina, se o
disso, pode-se fazer o diagnóstico do fenômeno. So depois disso, pode-se
fundador foi o português Nóbrega ou o canarino Anchieta. Tatito faz
afirmar que o fato histOrico está restaurado.
tenha sido urn co,zo outro, o desenrolar dos quadros históricos que se
Parafazer isso, ndo basta que o Autor tenha rnemória mais ou menos
foram sucedendo no Planalto ndo sofrenia modzficacdo. Por que enâo se
agucada; é preciso imperiosamente que o raciocmnio seja mobilizado em
perder tempo, trabaiho, energia, etc., corn urn puro bisantinisno, do qual
dose maciça, temperado de imaginação e de coragem de afinnarpara o que
nada advém? Sim, por que se ater a lana cape-ma, se a verdadeira
ndo deve haver freios. Quem se lirnitar a descrever o fato, expondo-o corn
História da nossa terra oferece tanto problerna a ser esciarecido? Trate-
mais ou menos detaihes sob certo dngulo visual, naofaz sendo Cronologia
mos de utilizar a pane mais nobre do céreb-ro que é o raciocmnio. Conve-
ou simples relato expositivo de episódios, rnas ndo HistOria. 0 historiador,
nhamos que é rnuito mais difIcil e obriga a utilith cáo de uina baga-
cujo mister é ericado de dficizldades, deve, ao analisar as causas do eve-nto
gern cultural rnuito major. Mas, já é tempo de se erguer o nIvel do estudo
sob exame, pesquisar todas as circunstdncias que o geraram. Sim, buscar a
do passado humano, tirando-o da situa cáo de estar ao alcance de
discriminaçao dos causas originadoras, Pois ndo se pode compreender o
qualquer analfabeto. HistOnia é urn complexo de ramos cientzficos, reu-
conhecimento de urn fenomeno qualquer, sem saber das suas origens e do
nidos, corn o ob-jetivo de resolver certos problemas do passado. Para isso,
que o tenha deterininado. Sena o mesmo que descrever anatomicarnente
é preciso que o historiador utilize urn grande espIrito de lógica, ao lado
de grande dose de born senso, anticulados por urn seguro e agudo racio-
* A presente tese de doutoramento foi a primeira realizada na Universidade de São
cinio e uma prudente imaginacão, tudo externado /lor evidenciada co-
Paulo (e mesmo no Brazil) de História da Civilizaçao Brasileira. (No/a da Editora.)
ragern de afinmar.
20 PREFACO pttriActb 21

Sim, imaginaçdo e ndo fantasia, pois épreciso ndo confundir os dois império ser mantida e proclamada, substituiwlo os antigos e señtientais
conceitos. Imaginaçdo é a evocaçdo de uma situaçdo provdvel que estd tabus, que tanto nosfalavanz ao coraçdo e ao nosso rom,tiflticO mneguisøzo
sempre dentro do real e que pode se converter em certeza, uma vez que em Essa honestidade em se adotth a verdade, so a verdade, fttdá iiias
sem abono venham existir circunstdncias probantes. For outro lado, fan- que a verdade ou o que se tem como verdade, e nzpresczndzvel no hsto-
tasia é o sonho no dornInio do irreal, ou do que nunca poderd Se trans- riador. Embora essa verdade seja confundida corn impaftialidade sefaz
formar em possIvel. mister que separernos os dois conceitos, para que fique bern ressaltado o
A imaginaçdo é uma virtude inerente a várias fun cöes humanas. 0 peifil do que, en penso, deva ser o do historiador.
historiador, sem ela, jamais poderd alargar seus horizontes eficara sempre A História ndo deve, de maneira alguma, ser confundida corn código
a repetir os mesmos conceitos alheios, sem sair do lugar. E a imaginacao de patriotismo on bIblia de civismo. A Histórthcomo ciência é uma disdli-
que nos faculta as hipóteses, mais ou menos arrojadas, sobre capItulos do na que deve caminhar ao par corn a estrita verdade e jainais, por motIJo
passado, as quais podem receber a confirmacao ou não, segundo as pes- algum, e em nenhuma hipotese, ser modificada. Já é tempo de se escoimár
quisas que sefizerem. as páginas do passado do mefitico e mentiroso espIrito de meufanisino.
A coragern de afirinar é necessdria corn império, porque é preciso ter Esse esjbIrito, nascido na famosa carta de Vaz de Caminha, mais
firmeza nas convicçäes e suficiente destemor para externd-las, benz como a tarde ampliado pelas pdginas dulçorosas, mas refletindo apenas o dnimo
sobranceria precisa para enfrentar e reforinar, contradizer ou corrigir as adulador e pouco inteligente do alambicado cronista Rocha Pita e mats
soluçôes anteriores, Os "tabus" preestabelecidos ou os mitos consolidados. 0 tarde ainda continuado pelo Conde Afonso Celso, que passa por ser o
historiador precisa ser destemeroso para se arrerneter de lança em riste contra autor, mas que iaofoi senào urn ardoroso adepto, tern narcotizado a alma
as muraihas dos preconceitos, on dasfortalezas das noçöes preestabelecidas, e a psicologia do brasileiro, adulterando a sua História.
firmadas em pontos dogznáticos e tidos como intocdveis. Assim por exemplo, Defato, a brasileiro vive enganado por esse espIrito de metifanismo,
o caso da aclamaçdo de Arnador Bueno! Era tabu intocável a afirznacdo da o qual mente a realidade do Brasil e mente igualmente a respelto do
lealdade desse paulista, que é meu antepassado duas vezes, para corn a passado desta terra.
causa Portuguesa do pouco digno Braganca. Convencionou-se fixar isso Eu torno a repetir, civismo ndo deve ser confundido corn o conheci-
como mito imutdvel. Seria feio sacrilegio contradizer esse concretizado mento do passado, o qual ndo deve serfalseado para ser empareihado corn
"tabu ". Entretanto, eu provei exuberantemente que essa versdo estava corn- o patriotismo. Este deve ser praticado e evidenciado corn fuzil e na trinchei-
pletarnente errada e ofereci uma outra alicerceada em robustIssirnos elemen- ra, e ndo mentindo e falseando os acontecimentos do nosso passado. Não
tos, explicando a situaçdo, de modo antagônico ao ate então estabelecido. é corn logornaquias que se faz civismo e sim corn atos. Eu estou no firme
Sim, a coragem de afirmar, mas o historiador ndo precisa ser insensI- pensar que essa atmosfera ufanIstica deve ser inteiramente banida, ndo so
vel a tese que defende; isto é, ndo é condicdo para o especializado no estudo pelo amor a verdade, o que deve ser o dogma mais sagrado da religiao do
do passado ser álgido e indzferente ante as teses que sustenta. Eu penso histoz'iador, mas ainda pelo nacionalismo que é o sentimento que deve
que o historiador pode e deve intirnamente se interessar e tomar partido animar a todos os haliitantes desta terra. Sim, porque se pensarmos que no
pela idéias em jogo. Acho rnesrno que esse interesse on esse partido pelas Brasil tudo é superior, ficaremos na contingência de pensar queo homem,
idéias podem ser apaixonados. Acima de tudo, porem, o historiador deve que ndo aproveita essa superioridade, e apesar dela ndo se eleva a alto
ser honesto e profundarnente sincero. A verdade ou aquilo que sincerarnen- nIve6 e porque é inferior e ndo merece o berco esplêndido, em que vive.
te se acredita como tal deve pairar dominadora acima de qualquer desejo A conclusdo ndo pode ser outra! Diante do dileina em que somos postos,
que se possa ter, ou paixdo que se possa alimentar. Ainda que essa verda- ndo nos é dado coñcluir de outra forma. Se o ambiente é ótirno, e nós ndo
de venha fez-ir e mesrno derruir o que temos de mais precioso ou as nocöes estamos em situaçdo invejdvel, sob qualquer aspecto que se compare corn os
mais sag'radas ou ainda as versôes mais intocdveis e mIticas, ela deve corn norte-americanos ou corn os europeus, entdo é porque o homern é que ndo
22 PR'ACIo

)
presta. Ora, essa conclusdo ndo nos pode ser grata, além de ndo corres- rámos cientfficos concernenesâHistOria. E claw quses4'édi
ponder a verdade. Assim so nos resta a outra Ponta do dilema. 0 agente ndo especializados tern que cair na repeticão decorada de fatOs, cte
é que é otimo, o ambiente é que é inferior. Assim Se conseguirnos realizar o de tzomes, de alvards, de decretos de bataihas de pareztesco, dO giieas e
grau de civilização em que estamos, se nosfoi possIvel galgar o nIvel social de outros fatos cronolOgicos e ep1sódico, mui4o mal disposo. e deth1e-
em que estarnos é que o nosso stock humano é muito born. Defato, a es- nadamente alinhados pelos péssimos compéndios existente3, ctp!ádos üñs (
trita verdade histOrjca nos confirma isso. dos outros, olijetivando unicarnente lucros comerciais.
Acho que a nossa gente tern evidenciado ate inegdvel superioridade. 0 Corn isso, lá ficam intoxicadas as jovens inteligências dos alunos,
bandeirismo, o plantio da lavoura de café, a penetracäo na Amazônia, a corn ensinarnentos errados e mal interpretados pelos itnprovisados professo- r
exploracao da borracha, a vida nos ermos desérticos e ressequidos do Nor- res que se valem daqueles pessimos compndios Para mascarar a igaordn-
deste, a mineração em Minas, em Goids, em Cuiabd, em plena zona cia de que são portadores. Os alunos assim, sem a mais tênue drientaçdo,
tropical, etc., evidenciam a nossa superioridade, ott, pelo menos, a igual- se vêern obrigados a sobrecarregar a mernOria e a fazerfigura desastra4a
dade da nossa gente a qualquer outra do mundo. nos exames vestibulares Para ingresso nos cursos superiores.
Corn esse raciocInio, ficamos pois na contingéncia obrigatória de eli-
minar essa narcotizante atmosfera de meufanjsmo. 0 historiador tern Eu venho pautando a minha norma de ação como professor
pois, Para merecer esse qualficativo, de ndo rnisturar a ciência de restau- de HistOria da Civilização Brasileira nesta Faculdade de acordo corn essa
raçdo do passado, corn o panegirismo, em ditirambos, louvaminhas e série de raciocInios. Também agi da mesma maneira, ao orientar a tese
encOrnjos decantadores do passado brasileiro. 0 Brasil ndo precisa adulte- que constitui o presente Boletirn. Penso pois que eTh tenha sido calcado
rar a sua HistOria Para provocar civismo patriótico. nesses rnoldes, que são decorrentes dos idéias acima expostas. If
Este, Para ser verdadeiro, tern que Se estribar na verdade e na since- Oxald sirva eTh Para elevar o nIvel do concepcdo da I-ListOria entre (
ridade.
nos!
Mais acirna, ao rnostrar como se deve elaborar a restauraçäo históri- Quando por ocasião do debate do presente trabaiho que constthei a
ca, disse eu que é mister que sefam postos em jogo os ensinarnengos de tese que foi defendida pela Autora, o meu ilustre colega da comissão
vdrios ramos culturais. Isso implica em que quern queira ser historiador, examinadora, Prof. Marcondes de Sousa, contestando a afirmacdo da tese
deve possuir urna cultura muito grande. De fato, quem quiser se dedicar de que a Revolucao Francesa havia sido conseqiiéncid do ouro /yrasileiro,
ao estudo do passado deve possuir vastIssimos conhecimentos sobre vdrios sustentou a veiha interpretacdo cldssica, dizendo que esse terreniOtico mo-
ramos cientificos de toda cultura humana. E claro que essa cultura ndo vimento politico-social na Franca já estava sufzcientemente explicado corn
precisa ser muito profunda, embora deva ser muito ampla. Nern seria as prédicas dos filosofos. Uma vez que en havia sido, corn isso, indireta-
possIvel urn aprofundamento em todas as disciplinas da cultura hurnana. mente contestado, porquanto en havia asseverado nos Boletins n.e' 3 e 8
Mas, sern embargo disso, o historiador deve, corn império, ser urn especi- da Cadeira de HistOria da Civilizacão Brasileira da F.F. C. e L. de minha
alizado e se dedicar unicarnente a pesquisa e a interpretaçdo do passado. autoria, que o ouro brasileiro havia causado a Revolucdo Francesa, eu
Não é possIvel assobiar e chupar cana ao mesmo tempo. Quern cuidar tive que, em consideracão ao egrégio Prof. Marcondes de Sousa, intelectual
de História ndo deve e ndo pode se entregar ao estudo de outras discipli- a quem muito estirno e aprecio, explicar a minha o-pinião e evdenciar as
nas. E tempo de se pensar que História é urn conjunlo de conhecirnentos
minhas afirmativas.
cientfficos dTficIlirnos na sua aplicacdo Para a interpretacdo de capItulos A concepção ndo é originariamente minha. Encontra-se enuncia da,
do passado. E urna verdadeira inconsciência acreditar que qualquerpessoa pela primeira vez, em Werner Sombart, no sen livro Le Bourgeois, que a
possa se colocar a frente do estudo do passado hurnano e obrigar crianças publicou corn o fito de encarecer os feztos dos israelitas e ndo o ouro
ingênuas e indefesas a aceitar qualquer enciclopédico rnas ignorante em brasileiro. Depois aidéiafoi retomada por Simonsen, que na sua História
)
T:
l'REFAbIb 5
24 PREFACLO
) mâo-de-obtã existehte.
) Econômica do Brasil, I, 44, a reproduz em pane, dizendo que o ouro da ind?Lstna, 0 que evidentemelite téna absoruido a A prova dilso estd no
) I brasileiro, na Inglaterra, havia causado a Revolucäo Industrial. Mais Mais mão-de-obra hoüvesse teria sido absorvida. briItjñka, du-
tarde ainda a notdvel idéia de Sornbartfoi encampada epublicada em urn colossal aurnento e na urbanizacdt sensIvel ha populacao
isto é depois da rnecanizacãö 1ndti+al, horn
) trabaiho do Prof. Vanorden Shaw, no 0 Estado de S. Paulo. Eu achei rante OS séculos xviii e xix; (Dictiollaty of
brilhdnte a idé;ia e digna de meditacao e de aplicácäo a nossa história. o espantoso crescimento das grandes cidades inglesas
Reproduzi-a corn a citaçdo adequada, corno seria natural,e estou Statistics, Mulihall, 444, Londres, 1909). No século XV, segundo esse
firrnernente crente que eks representa urna verdade tat a sua evidência e a magnIfico dicionário de estatIsticas históriCas, Londres tiñha apenas
) sua clareza apesar de ndo haver convencido a persistênc-ia conservadora 35.200 habitantes, seguindo-se-lize na Inglaterra, Yo,* corn 11.400; BristOl
) do meu carIssimo amigo Prof.Marcondes, ainda teirnosamente ligado as corn 9.200; Plymouth, corn 7.300; Coventry,. corn 7.200; NonUich, corn
obsoletas constataçöes. 6.300; Lincoln, corn 5.500; Canterbury, corn 4.700; Colchester 4.500.
Ao findar o século, Londres atingiU 0 pnmero milhdo.
Loo na
Se ndo vejamos:
0 ouro brasileiro foi carreado para a Inglaterra, pelo tratado de prirneira década de secuo xviii, isto é, logo a seguir
as entradas do 0th!)
) Methuen (1703) durante os prirneiros quartéis do século XVIII. Ndo ha brasileiro na Inglaterra, surgirarn Newcomefl e Savery corn suas tnáquinas
ufl /rOSO neca?U
) quern conteste isso, que é mencionado cornurnente pelos próprios historiado- atmosféricas. Em 1733, John Kay e Bury inventaram
em 1764 urn carpinteiro de
res portugueses. Eis, poT exemplo, J. Likio de Azevedo, Epocas de Por- co de tecelagern corn urn lançatkra especial;
Spintlifl
) tugal Econômko! Blockburn de norne James Hargreaves e High inventaram a
1 Richard Arkwright, corn unzá invencdAi
Na Inglaterra, é claro que essa avalanche de ouro deveria causar genny, aperfeicoada em 1769 por urn bastidor hidráülico. Em
) situacöes que se revelariam por qualquer manifestaçao. Foi o qué aconte- que tomou o nome de water frame a qual era
on, coml,inou as düa 1ltimas
ensinam-nos Sombart, Simonsen e Vanorden Shaw. Eis o quadro das 1779 urn tecelño de Bolton, Samuel Crompt
) muslin wheel. Em L 785 o clérigo
invencôes qué no século XVIII, sistematizadas, produzirarn a Revoluçdo invencôes e produziu o mule oU o
Edmundo Cartwright aprimorou o aparelhos de tecer, cousd qué em 1783
da máquina, a qualfoi causar a Revolu cáo Industrial! usavd
) Nern se diga que a rnecaniza cdo, causando o desemprego, motiva a tarnbéni havia feito o escocés Bell. Em 1756 Abraham DarbY
misiaér nas clasces operárias. Isso acontecendo pm- vezes ndo constitui Coalbrokdale, o coque metaltrgico e logo, em 1760, Snteaton inventoU urn
regra geral e principairnente em relacáo ao caso que analisarnos. Vejamos: novo fole mecdnico. Em 1740, Benjamin Hunstsman do Sheffield nzelho-
) descarbonizacãO e afundicáo deferrO.
Não padece a menor düvida de que a rnecanização dirninui enorrne- rou o processo de Henry Con sobre a
mente a mão-de-obra em cada fabrica. Em 1769, James Watt produzia a rndqtiifla a vapor.
Mas o consumo, aumentando em muito maiores proporcoes, obriga Ora, essa prodigiosa avalanche do miraculosas invençôes natural-
) poderiO da in-
a urn proporcional incremento da produ cáo e esta, para esse firn, ten mente causou urn proporcional aumento do efzciência e do
tt flta
)
evidenternente que multiplicar o total defabricas 1 dtistria inglesa, a qual, assim engrandeczda e mecanizada, passou a
ñ pro Orcão.
) Foi isso que naturalmente aconteceu corn o ouro brasileiro e a Ingla- produ cáo talvez decuplicada em quantidade e barateada
terra, nessa opoca, e a sua indtictria. Isso é de tat evidência e clareza que ndo se como outros antmormente
inglesa, as5iri aparethitda; tiñha
Esta, recebendo a injecáo do ouro brasileiro, se rnecanzzou ndo viram! A concoitência da indástria
I S
que matar a industria francesa. Seria fatal!
A mecanizaçáo que dirninuiu a mão-de-obra em cada fábrica, ao Locke, 0
mesmo tempo abriu novos mercados de consumo, derrotando produtos For outro la4o os filOsofos franceseS fm-am discIpulos do
sc,veü e
congéneres de outra procedncia, mais caros, e con quistando o monopólio inglis que no fim do seiscentismo e no nIdo do seteceñtislño
natural que a dotztrina do
mundial da producáo. Isso, que, naturalmente, teve lugar corn rapidez me- doutrinou na Inglaterra. Náo seria ma
)
teórica, exigiria grande multiplicacáo do nurnero defálnicas corn a arnpliac4o grande mestre produzisse fatos na Inglaterra? Mas os ingleses estavam
)
)
26 PREFACLO PREFACK) 27

economicamente euforzcos'Daz a revoluçao no ter szdojèita na Inglaterra ndo houvesse precisdo de terrenofavoravel, Para o desenvolviniento de urn
e szm na Franca, onde havia miseria e descontentamento Em casa onde microbio ideologico, seria de se verificar a prolzferacão do maismo na
ndo ha pdo todos mandam e ninguem tern razdo Ingiaterra ou nos Estados Unidos e niesmo na Franca, na llelgwa, na
Corn esse raczocInio claro e lógico, tira-se a conclu.do inamolgá vet de SuIca, ou na lidlia. Entretanto tat ndo se dd e isso confirma as nznhas
que a causa maxima da Revoluçdo Francesa foi a Re-uoluçao Industrial palavras acima.
na Inglaterra e esta foi causada pelo ouro brasileiro o qual, como se ye, Eis pois que estd suficienteinente provada a influência deletéria do
zndzretamente foi o responsdvel pelo grande terrernoto que foi a Revoluçao ouro brasileiro no Re-oolucäo Francesa. Outras influências mais se Jizram
Francesa. sentir, decorrentes do ouro brasileiro que em avalanche, durante o seculo
- Seudésse?nos dosar em algarisrnos porcenluais o que causoij a Pe- XVIII, havia sido injetado na economia mjl-ndial. Em publicacöes futuras
lucao Francesa, calcularlamos em noventa por cento o qie ofator determi- estudarernos minuciosamente essas influências Para que se possa conhecer
nado pela Revoluçao Industrial produziu e em apenas dez por cento o bern, de/ois de convenientemente restaurada, a historia da zossa terra e
resultante do trabal/jo e do esforço dos filósofos. dos nossos antepassados.
Estes teriarn agido a semelhança do micróbio, que inoculado em terre-
no propIcio prolzfera e Se alastra, dominando o organismo. Foi o que Eu entrego este Boletim ao julgarnento dos leitores, podendo
aconteceu na Franca, no firn do século XVIII. 0 terreno em que foram assegurar que se trata de urn trabaiho honestIssimo e baseado no justo
inoculados os germes das idéias dos filôsofos, estava preparadIssimo Para equilibrio entre a coragem de afirinar e a prudência, embora se revista de
que el-es proliferassem e se alastrassern. A Franca era como urn imenso certo arrojo nas interpretacöes no que os tirnoratos e despidos de audacza
caldo de cultural Nele os microbios se mullzplzcaram e dominaram o poderao ver defeito mas que constztuz certamente das mais belas virEudes
organismo! do historiador, desde que, como neste caso, haja alicerces em provas que
Caso o caldo de cultura n&, existisse, ainda que inocuja,cse,n no orga- autorizem as afirniativas Was como arrojadas. s, pois, de opinido que
nzsmo uma dose microbiana mil vezes major da que teve lugar na Franca einbora o presente livro possa ser acoirnado de arrojado, representa urn
nesse iuitimo quartet do século XVIII, nada resultaria. A contraprova? -
grande esforco no sentido defazer luz sobre mu il-os pontos de nosso passado
A Inglaterra teve John Locke, grande filósofo, abiidor de picada, - onde os tImidos nada fizeram e se contentam em repetir e co/iar Os mztos e
pioneiro e mestre de todos os filosofos franceses verdadena fabrica de tabus fartamente saindos Historia ndo se faz corn fastidiosas repetiçoes,
microbios Psicologicos revolucionarzos Eniretanto nada houve na Ingla mas corn onginalidade e personahdade, pois, do contrarzo, seria simples
terra! Por que!? Nao seria natural que houvesse E que os ingleses esta compilacão
yam euforicos e ndo tin/jam que se revoltar contra a ordem de cousas Tambem e preciso advertir aos leitores que este trabalho e ngorosamefl
reinante Estas lhes eram favoraveis, pois havia rido sob a vlgência delas te de Histona, fldO tefldO szdo elaborado corn espirito de punsmo de liii
que eles se haviam enriquecido
I guagem, cousa que se no e urna impertinente e mesquinha lana caprifla
Tudo thés sorru' entretanto seria mais propno em urn livro de Literatura ou de Filologia
Hoje em dia pode se obseroar zdentico processo Qué o presente livro representa urn belo e exaustivo esf&co de pesquisa
0 micro bio do comunismo vinha sendo inoculado no or diretamente em arquzvos, em vasta lnblzografia, os leitores julgarão, tendo
russo Mas ndo conseguza se alastrar no regime czarzsta em vista o veiho pnncipzo de Montaigne de que este livro se enquadra nas
Foz preciso que durante a primeira guerra mundial, a Russia ficasse suas palavras ce livre est un travail de bonne foy
em tat estado de miseria economica e moral causado pelo esforco belico e
pela derrota esmagadora Para que os gernies dissolventes de Karl Marx Prof. Dr Aifredo Ellis Jr
manobrados por Lenin e Trotsky, dominassern o organismo russo. Caso -- -
INTR0DUçA0

U' terna escoihido para a tese que submeternos a


apreciacão da douta banca examinãdora aparentemente é rëstri-
to. Todavia, seu estudo aprofundado envolve ixnportantecpItulo
J daevolucaocornercialbrasileira e entrelaça-se corn problemas
< econôrnicos de âmbito internacional.
0 aparecirnento de urn tthcleo populacional denso, de alto po-
j( 1er aquisitivo, no sertão do Brasil, provocod uthardadeita
ve efer-
j l vescência econôrnica, bern como o nascirnento de correntes abas-

tecedoras que, parthIdo das cidades, vilas e sert56 do Brash, cbrlver-


giram para as minas gerais. Cada região procurou ofercér !is p0-
pueslacömineradoras os artigos de que dispunha, em segpida,
tnirnadas corn o ouro que tais foinecimentos propiciavam 2tttmen-
/ thtam ao maximo sua capacidade produtiva
Assim no piano nacionprendern-se ao assunto os estudos do
Y'D
JpovoarnentodasGerais, th capaddade produtiva do Brasil na 6poca
da descoberta do ouro, da amphacão dessacapacidade posterzqr a tal
descoberta, das vias de corntmicacão e dos melos de ttansortes, daj
moeda nas tIansaçöes, do crtditp, do consuind, etc
Mas não so o comerczo brasileiro foi afetado peio problerna
doabastecimento dasGerais, tambern o forarn as pracaurbpei-
as, notadaniente as de Portugal e Inglaterra, as africahase as
platinas, que sofreram a influência do aparecimento desse itnpor-
tanternercado consumidor. Portanto nosso problema escapa a
órbita da História da Civilizacão Erasileira, para tornar-se urn Ca-
pItulo da História Econôrnica Moderna.
30
1NTR0IJUtA0 31
Tal e, pois, a amplitude do tema que seria imodéstja preten-
j enniquecer este trabalho corn aluns documentosinéditos. Também
der esgota-lo em apenas três anos de pesquisa e estudo.
0 presente trabalho é oferecidb
como uma contribuiçao ao
J nos valemos da ampla documentaçao publicada pelos poderes pu
esclarecimento
de tao importante capItulo de nossa história eco- J blicos de São Paulo Rio de Janeiro, Bahia e Minas Gerais e pelos
vários institutos histónicos, museus e outras instituicöes.
nômica. Outros 0 retomarão e nós mesmos prosseguiremo
pesquisa, pois temos a impressao s na Não desconhecemos algumas das principais faihas de nosso
de que cada capItulo em que se trabaihO. Para completá-lo senia mister percorrer também os ar-(
subdivide este trabalho, dana origem a outras tantas teses. (
Quanto a bibliografia, muito quivos da Bahia e o Arquivo Ultramarino de Lisboa. Nos arquivos \
embora seja abundante a que
tnatadeaiguis aspectos da História da Capitania das MinasGe-
jda Inglaterra, Franca e Holanda provaveimente existem pecas / I
rais, a natureza do tema escolhido obrigou-nos a documentais que mais luzes lançariam a6 esclarecimento de nos-' /?
utilização quase so probiema. Todavia, o tempo de que dispünhamos não permiti
que exciusiva de fontes primárias.
) il na alargar tanto as pesquisas, sem mencionar outros ernpecilhos
l Na Histórja de Minas Gerais, a epopeia do bandeinismo, os
de ordem material.
episódios ribombantes da Guerra dos Emboabas, a gloriosa Incon-
Outra dificuidade que se nos antepôs, e que é o grande es-
fidêncja Mineira, a Revohjçao de Filipe dos Santos, e, no piano
• pantaiho dos que se dedicam ao estudo de nossa evoiução econô-
econC0 o ouro, os diamantes, os rendjmentos dos quintos
tern aivanJzadtodas as atencöes mica, foi a ausência de dadosestatIsticos. Valemo-nos dos poucos
'h • de que pudemos dispor, bern como de alguns cálcukis mais oh
Ai huco tempo, ninguém havia se preocupado em ima-
I ginar como viviam as populacöes mineradoras, o que comiam, menos precisos.
E agora, urn esclarecimento no que se refere ao tItulo deste
1 que vestiarn, que artigos ihes eram indispensáveis, enfim, quais
trabalho. Muito embora a Capitania das Minas Gerais so tenha
eram seus problemas de consumo e como estes problemas reper-
sido criada em 1720, b presente estudo estende-se a década final
cutiran na estrutura ecoflômjca flacional e internacional $
do seculo XVII, miciando se corn a descoberta do ouro Este mar-
0 pritneiro historiador a equacionar o problerna do abasteci-
co inicial pareceu nos o meihor para invesugarmos o problema
mento das Gerais foi flosso prezado mestre, Prof. Alfredo Ellis Jr.,
em sen livr& 0 ouro e a PaulisMnia)'Todavia, histórico-econômico que nos interessa, desde suas origens, sem
ñoh thibáihi nã nos atermos ao ato politico que criou essa unidade administrativa.
perde o caráter de oniginalidade visto que o Prof. Alfredo Ellis
Quanto ao piano de desenvolvimento do tema, partimos,
nãO fez pesquisas sobre o assunto, nem o aprofundou: ele lançou
apenas a hipótese que nos transformamos em tese. • como dissemos, da descoberta do metal precioso, que é ø fenôme-
no que expiica o povoamento dos sertöes dos Cataguases. E studa-
Por indicacao do Prof. Ellis foi que nos dedicamos ao estudo
mos os mercados que abasteciam aspovoacöes das Gerais, b trans-
deste aspecto de nossa econornia e o tomarnos par-a objeto da tese que
• pojtcios. produtos pelos caminhos que levavam as minas, o co-
ora subrnetemos aojulgarnento da ilustrada banca examinadora.
-que-se. fazia em torno deles e o cnsumo.
o
Realizamos exaustivas pesquisas nos Arquivos de São Paulo, do
Rio de Janeiro, e de Belo Horizonte bern como na Seção de Do-
• -
Por ültimo, estudamos as qualidades e asdeficiênciasdascor
rentes abastecedoras, o aparecimento dos nticleos produtores nas
cumentos da Biblioteca Municipal de São Paulo. Percorrernos volu-
minas, o seu desenvolvimento ate o momento em que a Capitania
mosa documentaçao manuscnjta e tivernos a felicidade de poder
das Minas Gerais ultrapassando o grau de auto-suqciencia, passou
aabastecer as regiöes que antes ihe faziam fornec4nentos, nurna
'Boletjm n' 8 da cadejra de Histórja da Civilizacao Brasjlejra da Faculdade compieta inversão do quadroeconômico que pre\raleceu ate a
de Filosofia, Ciêncja e Letras da USP.
segunda medade do século XVIIi
1

CAPITULO I
A DESCOBERTA DO OURO E DO
DIAMANTE NA CAPITANIA DAS
MINAS GERMS

I
As pesquisas.
O descobrimento do ouro; suas causas.
Düvidas sobre quem teria sido o prirneiro a desçobrir b hië-
tat precioso.
Como e onde se apresentava o metal.
Processos de extracão e a necessidade de fixacão do povoa-
II men to.
Os diamantes: descoberta, localizacão, estabelecimento do
Distrito Diamantino.

Aguns historiadores preocupam-se em fixar a data


I!. exata da descoberta do ouro e discutem sobre o nome cte seu
revelador. Teria sido Bartolomeu Bueno de Siqueira? Carlos
Pedroso da Silveira? Seria o mulato citado por Antonil? Teria sido
Arzao? Borba Gato? Garcia Rodrigues?
E o ano? Teria sido 1693? Ou 1694? Ou 165?
As versöes se contradizern. Os historiadores divergem.
Para nos, esses detaihes são absolutamente secundários. Urn
ano a mais, urn ano a menos, que importa? As conseqüências
formidáveis do acontecimento não se modificam, por ter sido este
ou aquele o nome do descobridor das minas de ouro das Gerais.
34 A DESCOBERTA DO OURO E DO DIAMANTE Qo' 3
A OESCOBERTA DO OURO V, DO thAMANTE
, 9)QY Além do mais, a descoberta do uro não é fato que possa ser
Impossibilitadti por estas razôes de ordem geograo-cohô-
atribuIdo a este ou àquele hornem. IESsadescObertafojaresultan..
mica de aplicar seus esforcos ha agricultura, não thve ó iulista a1
[tedo esforço con tinuado de geracöes que se sucederari'oi a
oport1n1dade de acornodar se a urn gênero des iEii / t/Ld1
soma final de fatores sociais, geográficos, econômicos e politicos, t
Em cbmpensacão, tudo o impelia a lançar-se àjE iIIdde -
que se vinham fazendo sentir durante séculos.
econômica que, sendo a Iinica que se ihe fazia possIvel, era tam-
A descoberta do ouro, Se, nos menores detaihes, foi obra do bern a que mais condizia corn o seu temperamento vivo e irre-
acaso, na sua concretizaco foi, acima de tudo, obra da fatalidacle
quieto: o apresamento de Indios no sertão.
histórica. Todos os elementos necessárjos a sua efetivaçao vinharn
t\JVE npenhadas na tarefa árdua de reduzir ao cativeiro o indIge-
se elaborando e conjugando lentamente, nurna marcha gradativa
e segura em direcao a tal objetivo. as primeiras geracöes de paulistas prepararam o cenário para
a refulgente época do ouro. Em suas tropelias pelo sertão, na
A revelacao do ouro das Gerais tornar-se-ja urn fenônieno in-
perseguicão ao gentio, cruzaram rosso território em todos os
compreensIvel Se, para estudálo, não mergulhássemos no tempo a
fim de analisar as raIzes históricas do povoamento do planalto sentidos. Reconheceram serras e rios, exploraram campos e flo-
paulista. restas, abriram picadas para o sul, pant o oeste, para o forte. Do
Prata ao Amazonas, da serra do Mar a cordilheira dos Andes, tiido
Dentre todas as capitanias luso-brasileiras, foi na doPlanalto
foi devassado e percorrido.
de Piratininga que se processou mais intensamente o cruzamento
do português corn a India.2 As bandeiras apresadoras, de caráter belicoso, descendo o
Incola para o litoral, destruindo as tribos mais rebeldes, deixaram
Da ufljão do branco corn a India, surgiu o mameluco
o sertão aberto e limpo para as pacIficas bandeiras piesquilsadoras
indômito que trazia, como herança do pai reinol, aquela ânsia de
de metal.
aventura e de agitacão que o levara a desvendar o "mar tenebro-
Sem esse duro trabaiho de desbravamento do hinterla'zd bra-
so"; e da mae guarani, o pendor para a vida nômade, a sede de
sileiro, não seria possIvel abrir-se a era dourada da mineracão.4
penetrar nos sertöes, desvendar os seus mistérios, partilhar de sua
vida áspera e bravia. Além do mais, essas bandeiras forjaram o homem sóbrio, duro,
resistente, capaz de aturar as fadigas do sertão. Ni sobre o
O..iiiarne1uco paulista nasceu talhado para o bandeirisno. A
paulista urn interessante retrato de um anônilno que escreveu em
herança biologica fez corn que ele compreendesse melhor o
fins do seiscentismo:
determinismo rigoroso do meio fisico planaltino que o impossibi-
litava de produzir géneros de clima quente, em concorrêncja corn "Sua Magestade podia se valer dos homens de São
o Nordeste, sendo que os de clima temperado não interessavam
a Paulo, fazendo-lhes honras e mercês, que as honras C OS
Metrópole, que já os possuIa.3 interesses facilitarn os homens a todo perigo, porque são
2
homens capazes para penetrar todos os sertöes, por onde
A aspereza da serra do Mar, proibindo a escalada de mulhei-es brancas, em
tri!ha' escarpadas que Os mais ágeis subiam de gatinhas, determinou no antiplano
paulista uma miscigenacao mais acentuada que em qualquer outro ponto do Ii-
• cadeira de História da Civilizacão Brasileira da Faculdade de Filosotia da Universi-
Loral do Brasil. Sobre as dificuldades do "caminho do mar" rumo ao povoado
• dade de São Paulo, capItulo IV, e também por Roberto Simonsen. Thstória econô
vicentino, legarani-nos preciosos depoimentos os padres Simão de Vasconcelos,
Anchieta, Fernão Cardim e D. Céspedes V. Xeria. mica do Brcail, vol. 1, p. 184.
Den tre as bandeiras povoadoras que estiveram no sertão de Cataguases,
A concorrêncja entre São Paulo e o Nordeste, na produção de géneros de
podemos destacar as de Antonio Delgado da Veiga, Miguel Garcia, o veiho e
clima quente, notadamente o açScar, foi estudada em seus menores detalhes pelo
Salvador Fernandes Furtado. Vide B. Magalhães. Expansdo geogrdfica do Brasil colo-
Prof. Alfredo Ellis Jr., in Cap Itulos da história psicologica de Silo Paulo, Boletim n2 5 da
nial, p. 207, 208.
)
)

36 A DESCOBE1TA DO OURO EDO DJAMANTE A DESCOBERTA DO OURO £ bb IMAMANTE 97


)
) andam continuamente sem mais sustento que cacas do Ao desvio de objetivo do bandeirismo paiilita, nào foi ëstfa-
tihá a polItica dos governantes metropolitaiios ëfitihdo Os
) mato, bichos, cobras, largatos, fructas bravas e raIzes de
varios páus e não ihes é molesto andarem pelos sertöes efeitos da decadência do açücar, agarraram-se cotii ofregWdät a
) annos e annos, pelo hábito que tern feito daquela vida. E velha esperanca de descobrir metais 12 pedta§ preci6gag eth ierras
suposto que estes paulistas, por alguns casos, succedidos de luso-americanas. Comprovam-na as famosas cartas, aiitografadas
uns para corn outros sejão tidos por insolentes, ninguem pelo punho real, dirigidas aos paulistas de pro!, incitändb-os a 'se
)
ihes pode negar que o sertão todo que temos povoado neste lancaretn aos descobertos,8 e as promessas de recoiiipensãs, tItti-
Brasil êles o conquistaram do gentio bravo que tinha des- los, mercês aos que se dispusessern a entrar para o sertão è des-
1
) truido e assolado as villas de Cayrci, Boipeba, Camamá, vendar minas.9
Jaguaripe, Maragogipe e Pernacü..... Ogoverno metropolitano nunca perdera as esperan ~Ag tk
)
encontrar metais preciosos nasierras da America!'0 Esta sprati-
) Fica assim patente o encadeamento das circunstâncias histó- ça era alimentada pelas lendas sedutoras da cidade de Manoa, das
) icas que conduzirarn ao descobrimento do ouro: a miscigenacão serras das Esmeraldas e de Sabarabucu. E para dar uma base mais
'$ concreta a essa esperanca, havia o exemplo das mitias de Espa-
) planaltina produzindo urn tipo humano hibrido, talhado para o
bandeirismo apresador; o bandeirismo apresador funcionando nha, em terras contIguas as do Brasil. Já Tome de Sousa escrevera
) ao rei: "...festa terra e o perurn he toda huma..."11,
como instrumento que preparou o terreno onde iria agir a ban-
) I
deira pesquisadora de metal e pedras preciosas. Tamlém Frei Vicente do Salvador menciona essa vizinhaftca
) 0 bandeirismo apresador arrefeceu ao findar o século XVII, corn as ricas terras minerais da America espanhola:
entre outros motivos, porque a populacao nativajá se achava bas-
1 tante dizimada. Por outro lado, a lavoura de cana-de-açücar do "Pois sendo contigua essa terra corn a do Peru que a
) Nordeste, sofrendo a concorrência antilhana desde os meados do não divide mais que uma linha imaginária itnpossivel tendo
) mesmo século, apresentava sinais de crise e reclamava menor ntI- la os casteihanos descobertas tantas e tao ricas minas cá nern
mero de bracos arnerIndios da producão vicentina. uma passada dão por isso.1112
)
A crise da producão açucareira do Nordeste, refletindo-se na
indüstria do apresamento, obrigou o paulista a procurar outra 0 paulista, além de hábil sertanista, possuIa alguns conheci-
atividade econômica e dai a intensificação, no ultimo quartel do mentos técnicos que o habilitaram a ser o descobridor do ouro,
século XVII, das pesquisas de metais e pedras preciosas.6'7 pois já tinha alguma experiência Pa extração de ouro de lavagem
nas minas do Jaraguá, Paranaguá, e outrás.
)
) ( (C p. 147, publica
Apud Capistrano de Abreu. CapItulos da história colonial do Brasil p. 153, que A. Taunay, ma História geral dos bandeiras paulistas, tomb IX,
) a relacão dos paulistas que receberam cartas autografadas pelos reis de Portugal.
infelizmente não menciona onde encontrOu tao interessante documento.
Vide cartas de D. Joao de Lencastro, datadas de 15, 16 e 17 de setembro de
Sobre a decadência do apresamento no Planalto Paulista, vide Alfredo Ellis 9

Jr. 0 aura, cit., p. 35. 1694, in Documentos históiicos, vol. XI, da série EIX, dos DocumentOS da Biblioteca
) A concorréncia antilhana ao accar nordestino foi pacientemente estudada Nacional, p. 193, 1194, 201.
'° Prova disso são as entradas que se fizeram, desde o século XVI e no decor-
pelo Prof. Alfredo Ellis Jr. nos boletins da Faculdade de Filosofia. Vide sobre o
) mesmo assunto, Alice P. Canabrava. A indtistria do acá car nos ilhas inglesas efrancesas rer dos séculos seguintes.
1 Apud BasIlio de Magalhães. Op.cit., p. 48, que infelizmente não cita a fonte.
do mar das Antzlhas; Taunay, A. E. História geral dos bandeiras paulistas, tomo IX, p.
) 37, 38, 43, etc.; MaurIcio Goulart. A escraviddo africana no Brasil, p. 119.
0 Frei Vicente do Salvador. Jlisk!iia do Brasi4 p. 26.

)
)
JU
38 A DESCOBERTA b tIUO EDO DIAMANTE A tESCOEBItFA id OURO E tO DIAMAttH i
O próprio Antonil,, ao atribuir a descoberta do ouro das Ge- Voltando a Taubaté e sehtindi-Se moribundo, RddHUs A1-
rais a urn mulato, diz que ele já havia estado has tnihas de "Parna- zão transmttiu ao seu concunhado larto!omeU Butio cI Stqieir
gua e Coritiba".0 o rësultádo de suas pesqtiisa& dándb-lhe indicácös Sbb1; t
o ano de o momento culminante da bandeira pesqui- tó, o local, etc.
sadora. loi quando entrou para o sertâo a bandeira deFérnao Bartolomeu Bueno de Siqueirci; juntarido-se a Miguel :kca
Dias Pais, bandeira essa que abriu largarnente asp ortasdaregiao e outros, partiu em 1694, em busca do local decobetb por
aurIfera, facilitando o carninho para as minas, pontilhando-o de Arzão, isto é, a chamada Casa da Casca. Não encortthu d sItio
roças. apontado por Arzão, mas descobriu ouro no local denomlnadô
Da bandeira de Fernão Dias Pais participaram seu fliho, Garcia Itaverava.
Rodrigues, e Borba Gato, seu genro. Ambos poderiam ser conside- 0 ouro colhido foi trocado por rmas; depots, por drkás escra-.
rados descobridores do ouro, o que dá ainda maior irnportncia a vas; finalmente, chegou a Taubaté, levado por, Manuel Gätcia V-
bandeira de Fernão Dias. Garcia Rodrigues, segundo uma carta ré- !ho. Das mãos deste, passou para as de Carlos Pedroso da Silveira,
gia de 1697, poderia ser considerado o primeiro descobridor de homem de grande prestIglo na vila e que, por seu maiot drocInlo
ouro dos ribeiros que corrern da serra de Sabarabuçu.14 Quanto a em lidar corn os negócibs piblicos, encarregou-se de fazer a lndni-
Borba Gato teria, antes de 1695, descoberto o ouro na região do rio ,,_
festacão oficial do descoberto. E procedeu-a ern 1695, no govehllb
das Mortes, mas não o pôde revelar por estar foragido da justica, kç de Sebast'ao de Castro CaldaS.16
,
pelo assassInio de Dom Rodrigo Castelo Branco. 5 -9 A noticia da descoberta do ouro espalhou-se~y~ida:iiieqte
A primeira notIcia oficial da descoberta do ouro deve-se a Afebre do ouro contarninou milhares de peSsos. QertofOi
Antnio Rodrigues Arzão que, partindo de Taubaté, colheu o tomado de assalto por bandeiras que se sucderam,êo--
metal precioso nos sertöes do rio Casca, em 1693. bertas se multiphcaram Ininterru9taflieflte Salvador ertiandes
Tendo adoecido no sertão, abandonou as pesquisas e foi ter • Furtado descobriu as lavras do Ribeirão do Carmo. Aiitônio t)is
ao Espirito Santo, onde apresentou as amostras ao governador, de Oliveira revelou i existência do metal preclosO no vale do
com as quais se fundiram duas memórias. TripuI. 0 padre Joao Faria descobriu o famoso ouro Preto, no
lugar onde surgiu a cidade de igual norne. João Lopes Lima
apontoU outras jazidas no ribeirão do Carmo. Borba (ato, rece-
bendo indulto régio, revelou as minas de Sabará. Salvador Alber-
' Antonil. Culiura e opulincia do Brasil, p. 207. naz as de Inficionado. Domingos Rodrigues da FonsecaLme
'
BasIlio deMaga aes a Expansdo geogrdfica do Brasil Colonial assim se ex- descobriu ouro no ribeirão do Campo, afluente do rio as Veihas.
prime a P. 9: 'iëco rontaram porém, dois documentos existentes (em
avulso) no Arquivo Nacional, será possIvel chegar-se a ilacão de que o primeiro Domingos do Prado, no rio Pitangui, Bartolomeu 1uer1O, ,ho rio
revelador do ouro no 'hinter-land' mineiro, nesta fase, foi o fitho de Fernão Dias Para Mateus Leme, em Itatiaicu Domingos Eorges, ettl Cattis Al-
Pals". A. Taunay acha que o principal documento em que se baseia Baslilo de tcis. Os jrmãos Raposo, no rio das Veihas. Tome, Poitès del-iel,
Magalhães, para chegar a tat conclusão, é falho. A carta régia mandando prover
Garcia Rodrigues Pals na administracao das minas diz: por ensinar foi o primei-
"...

ro que descobriu o ouro de lavagem dos ribeiçps que correm para a Serra do
Sebarabusri". RHGSP, vol. XVIII, p. 300. —1,
Borba Gato também deve ter descoberto ouro anterionnente a 1693, diz 16 Pairam dri"idas sobre o fato de ter sido Carlos Pedroso da Silveka tthi dos
BasIlio de Magalhaes na Expantho geogrdfzca do Brasil Colonia4 p. 210. Eschwege, in participantes e "cabo principal da tropa" de Bartolomeu Bueno da Siqueira ou se
Pluto brasiliensis, vol. I, p. 35, menciona a tradicão que atribui a Borba Gato a foi apenas o financiador da empresa. BasIlio de Magalhães e Calógeras se inclinam
descoberta do ouro em primeiro lugar. por esta segunda hipótese que nos parece ser a mats acertada.

-41
46 A bEscbik'A bo ötjko F, IMAMAkt'E bM('fl

Joao Eie Siq ieiraAfont e Aiitôrtio Garcki Cuhha, nas Inargens do ouro, foram Se deosltáhdd) agsim, foram 86 fdhllJldo d clépost
i4odas Mortes.17 tos altivionais narelkdRAIAAthoiitahha.se ti hgeHIitS
AnotIcia de cada descobertadespertava novas arnbiçoese dos rids.
provocava novas investidas. Era de!Irio! A fortuna ao alcance de O ouo apresentava-se sOb as mais variladag f4iriiiagi thM In&tts-
quahtos tivessem coragem e forcas fisicas para tscalar as monta- tado em rochas compactas (xistd hemailtico on quart o ohipaC-
rihas que vedavam o acësso ao solo mineiro. DaIoformidável rush to) ora disseminado em grãos ou folhetas, has de"tritog isdutantes
para as Gerais! DaI o povoamento rápido e gigantesco da região da erosão.
mhieira. Os primeiros descobridores do ouro das Gerais encontratafli-
As minas chamadas "Gerais" localizavam-se na serra do Espi- no sob a forma de grãos ou foihetas, no leito dos rios (falsquei-
nhaco que comprèende as series de Minas e Itacolomi, ambas do ras). Depois, descobriram que, quando o rio era rico eiti I metal
algonquiano, a formacão geologica mais antiga do Brasil.'8 precioso, geralmente suas margens tanibém apreserttavarh depósi-
A serra do Espinhaco; que é nma ramificacão do macico da tos de ouro aluvional (tabuleiros). Bern mais tarde é qtie passa-
Mantiqueira, atràvessa de forte a sul o atual Estado de Minas ram a pesquisar as encostas das montanhas (grupiaras). Entao
Gérais, penetra na Bahia e vai perder-se em Pernambuco. perfurarain as mantes a procura dos Veios, flOes e camadás.Abri-
As principais jazidâs e alEloramentos de ouro e do diamante ram pocos e galerias ou executaram tfabalhos de deniottte è a
ocorrem nessas series do algonquiano; localizãvam-se portanto "talho aberto".
numa faixa que se estende desde a bacia do rio Grande ate as O toque do ouro encontrado na Capitania das Mitias GeralS,
cabeceiras do rio Jequitinhonha. oscilava entre 211/2 e 221/2 quilates.
Em posicöes diferentes, surgirám outras jazidas esparsas, mais A car também era muito variável: Ia desde o amaèlo brilhan-
ou menos distanciadas da faixa em que se localizavam as "minas te, que era a mais cotnuni; ate a car de latão (esbranqtiicáda).
gerais", tais coma as minãs do rio Verde, as minas Novas, as de Havia ainda o auto esctlro (ouro preto), o da cot de brohze
Itajubá e as de Paracatu. (avermeihado) e o ouro scm brilho, que dava a impressão dè sujo
As minas de ouro erani de duas naturezas; on cram depositos e era denominado
aluvionaisou rochas matrizes. Nestas, o metal dispunha-se em Os processos de extracão foram se tornando, corn o tempo;
forma de floes ou em camadas. mais e mais complexos, desde a coiheita do ouro em simples
0 ouro aluvional surgiu pela acão milenar da erosão sabre as pratos de estanho ate a construção de "canoas", riiundéhs, ethpre-
rochas matrizes. Desgastados pelas intempéries as terrenos onde go de máquinas hidráulicas coirto o "rosário", escavnietitd de
se encontravam as flOes e camadas aurIferas, e arrastados pelas galerias e pocos, desvio do leito dos rios, desmontes this 'eiébshis
enxui-radas as detritos, as materiais mais pesados, entre des 0 par processos hidráulicos, etc.
Quanto mais co1npçadOS e custosos erain 05 processbs de
eltracão do metal, mais se sedentarizavarn as inirieradores; sta-
17
Outras minas foram descobertas no rio Santa Barbara, em Cocais, em belecendo arraiis 4c caráter permanénte, coin construcöeS soil-
Congonhas do Campo e outros lugares. Em 1727 foram descobertas as minas das, feitas para desafiaretn as an9s.
Novas de Fanado e, cm 1744, as minas de Paracatu. Para aumentar ainda mais os
atrativos das terras de alem-Mantiqueira, em 1726 foram descobertos os diamantes
no local chamado Tijuco.
"Para maiores esciarecimentos sobre a geologia da região, v. Eschwege. Op.
cit. e Calógeras. As minas do Brasil
) '..
)
) 42 A DESCOBETA DO OUkO E DO DIAMANTE A DESCOBRTA bo OURO EDO DIAIVAN'tk 4s
I
) Os diamantes foram descobertos ium local denomi 0_povoamento_dagiã6 diamahtifera nâo foi tâohitehsd
) nado lavras do Tijuco, comarca de Serro Frio, ondeja se praticava quart tp_poderia ter siclo, em virtude_dasdraticáordefifgia4
I
a mlneração do ouro Não se sabe exatarnente quem foi o desco- que,para evitarem o contrabando das jreciosaspdras, toh2thth1
) a região de dificil acesso aosimgantes, e, para evitáiem
bridor dos diamantes 0 nome geralmente apontado e o de Ber
) nardo da Fonseca Lobo Os diamantes eram usados corno tentos producao, limitaram o numero d&escravos que fZriam
I para marcar os jogos 19 lizados na extração do diamante contratadores 23
Bernardo da Fonseca Lobo teria sido o prirneiro a descobrir
valor dessas pedrinhas e a comunicá-lo as autoridades, ernj2° 0 - ---c7
0 certo é que,já em 1729, os diamantes estavam identificados, o • A P1
) i que se depreende de uma carta de D. Lourenco de Almeida dirigida
ao rei, em 22 dejulho desse ano.2 ' Esse mesmo governador ordenou - ç)O lL-tOL
) . .
a suspensão da mineração do ouro nas terras diamantIferas, anu- M-
) lando as anteriores distribuiçöes de datas aurIferas. a- (
) As pnmeiras regulamentacöes sobre as terras diamantiferas fo-
A ram all dacow:aih.damJ134,.-c1e Martinho de Mendonca, --
1 que demarcou o território que deveria constituir o Distrito Diaman- . 0
1— Leijm\A.) c
tino, que ficou abrangendo cerca de 75 leguas quadradas e tendo
) como sede o arraial do Tjuco. Foram colocados marcos delimitando
) o Distrito Diamantino e criou-se em torno dete uma espécie de
"muralha chinesa" de leis proibitivas e patrulhs de soldados que (11 / (Q
) I
dificultavam a entrada e a saIda no território demarcado.
/ IP Pela carta régia de 16 de marco de 1731, todos os antigos
moradores que mineravam na região tiveram de abandonar suas
lavras; os diamantes passaram a ser explorados pela Metrópole,
diretamente, ou através de um contratador.
Os diamantes eram encontrados no leito dos rios e córregos
) da região que tern como centro a atual cidade de Diamantina.
) Também apareciam nas margens e nas gargantas das montanhas,
misturados aos cascaihos e conglomerados ferruginosos. Apresen-
tavam-se em tal abundância que, logo nos primeiros anos de sua
) A extracão, inundaram os mercados de diamantes a ponto de pro-
) duzirem uma queda de 75% no preco do quilate.22

FelIcio dos Santos. Menthrias do Distrito Diamantino, p. 21.


20 BasIlio de Magalhaes. Op. cit., p. 331 e FelIcio dos Santos. Op cit. 23 Caio Prado Jr. calcula em 5.000 habitantes a populacão do Distrito
) 21
RAPM vol VII p 263.
22
Roberto Simonsen. Op. cit., vol. II, p. 77. - Diamantino em fins do século XVIII (Históña ethnômica do Brasil p. 71).
)
)
CAPfTULO II
0 POVOAMENTO DAS GERMS

Correntes povoadoras: procedência; caminhos percorridos.


o despovoamento das outras regioes colonlais.
PolItica reinol corn relação ao povoamento das Gerais.
o aparecirnento dos arraiais e cidades.
Dados estatIsticos.

L ancado o grito de descoberta do ouro, desenca-


deou-se para os sertöes das Gesais uma torrente imig4ta que
ternppucos panilelos na histórja dahumajijdcte.
Caudais humanos procuraram a região das minas, partidos de
todas as direcöes. 0 vilarejo de Piratininga despojou-se da nab de
I seu potencial humano. Os elernentos mais vigorosos e ativos cmi-
graram. Transformou-se numa cidade fantasma de janelas e por-
tas fechadas, ruas desertas.
0 mesmo aconteceu a Taubaté, Guaratinguetá, Itii, Jacarel,
Moji das Cruzes, Atibaia, JundiaI, Parnaiba, Santos e dernais vilas
vicentinas.
Em sentido contráiio, partida do Nordeste, outra corrente
povoadora despejou-se nas Gerais. Tangidas pela arnbicão, milha-
res de pessoas abandonaram a veiha região da cana-de-açcar e
dos engenhos, indo disputar urn lugar nas lavras ailrIfeEas.
Em todos os cantos e provIncias do Brasil, ecoou a notIcia da
descoberta do ouro, e em toda parte o sistema dernográfico so-
46 0 PovojuiErrro 0 ?twciAMEf'4td 47
freu profundas convulsöes, em virtude da corrida para as minas.24 As autoridades governamentais se preoctiparam ënl abrir no-
Porérn o grito de descoberta foi ouvido ainda mais longe: na vas vias de comun!cação cOrn as Gerais; tomarani provid6c1as no
outra margem do Atlântico! Acorrerarn para as minas ultramari- sentido de facilitar a passageni dos riO; ordetlaram o j!afitio de
nos aos mi!hares, ávidos de fortuna fácil. E não apenas portugue- rocas nos caminhos que condOziam as minas; determinaram o
ses; mas também indivIduos de outras nacionalidades, irmanados estabelecimento de estalagens, enfim, .procuraram mar Utna situ-
todos pela mesma forne do ouro. acão de comodidade que convidasse a todos a irern pbvOar as
Antonil, descrevendo a grande concentração em torno das lavras aurIferas.
lavras, assim se exprimiu: Retrato de tat po!Itica é a carta régia de 27 de maid de 1703
em que o soberano ordena aos seus prepostos que providencias-
"... dizern que mais de trinta mil almas se ocupão humas em sem para que, na passagem dos rios que cortam os caminhos que
catar, outras em mandar catar nos ribeiros do ouro; e outras conduziam as lavras, houvesse barcas para os passageiros ë manti-
em negociar, vendendo e comprando o que se ha de mister não mentos que os viandantes pudessem comprär, para se stistenta-
so para a vida, mas para o regalo, mais que nos portos de mar. rem najornada.28
"Cada anno vern nas frotas quantidade de Portuguezes A preocupacão de facilitar o acesso as minas e de incrementar
e de estrangeiros para passarem as minas".25 o povoamento não era desinteressada Visava apenas aumentar a
producao do ouro e, corn isso, auferir man quintos Era uma
A princIpio, o governo luso viu corn bons o!hos esse rush polItica fiscal e não social.
;delirante. Procurou facilitar o acesso as jazidas, porque quanto Entretanto, dentro em pouco aquele rush em direcão as mi-
mais gente havia nas minas, lavrando o ouro, mais quintos entra- nas gerais se transformou em ca!amidade publica Tantos foram
yam para o Real Erário. os ambiciososçpie correram em busca do ouro que surgiti o pen
Essa polItica de povoamento transparece claramente numa go dedespovoar o Reino Tambem as cidades htorâneas do
carta do governador-geral do Rio de Janeiro, Artur de Sá e Me- Brasil vkãmse iante da mesma ameaça. Seus habitantes emigra-
neses, datada de 24 de maid de 1698, dirigida ao rei, na qual ram para as Gerais e elas ficaram quase desertas e mesmo indefe-
comunica que, para evitar o extravio do ouro, promover o aumen- sas, porque ate os soldados desertaram, fascinados pela ptoinessa
to da producão e facilitar o provimento de gêneros aos mineiros, de riqueza fácil nas regiöes de alem-Mantiqueira.
lhe parcceu necessário facilitar o acesso as minas, especia!mente D. Alvaro da Silveira Albuquerque, governador da Reparticão
aos moradores do Rio de Janeiro, e, para tanto, havia feito dili- Sul, em carta dirigida ao governador da Bahia, em 5 de maid de
gência em São Paulo, em busca de alguem que abrisse urn carni- 1704, retrata, deso!ado, a situacão de despovoamento em que fica-
nho direto, do Rio de Janeiro as Gerais.26 ram o Rio de Janeiro e a Bahia:
A Coroa aprovou o procedimento de Artur de Sá Meneses e o
rei Se apressou em agradecer-Ihe o zelo em carta de 22 de outu- "Eu cada dia me acho mais so, assim de so!dados como
bro de 1698.27 de noradores, porque o excesso corn que fogem para as
minas nos dá a entender que brevemente ficaremos sem
ninguem. Também suponho que V. S. assim o experimenta
24
Antonil. Op. cit., p. 213.
21
Idein. Ibidem.
26
Ms. do Arquivo Nacional, Col. Governadores do Rio de Janeiro, Iivro VI, f. 142.
a' RJHGSP, vol. XVIII, p. 337. Ms. do Arquivo Nacional, Col. Governadoresdo Rio dejaneiro, Iivro XII, f. 131.
48 0 POVOAMENTO 0 P0'TOAMlINTb 4

porque das minas me escreve o Conego Gaspar Ribeiro que mesmo tempo tao abundantës de guerras aos tit6pet1S corn
he tanto o excesso de gente que entra pelo sertão da Bahia o ferro."
que brevemente entende se despovoará essa terra..."P29
D. Rodrigo da Costa, entimerando todôs os inaleflcIos catia-
Tanto no Brasil corno no Reino, o panorama era idêntico. Já dos pela descoberta do ouro has Gerais, interpretou a desbberta
t2inBuém queria trabalhar nos campos.31 Nâo havia genie para as das minas como urn castigo de Deus, infligido ao tsiado d(i Brasil
fileiras do ex6rcito.3' Faltavam tripulantes para as embarcaç6es.32 e a Portugal.'-'
Não. havia artesãos nem oficiais para as manufaturas. Faltavam Essas lamentaçöes, que revelam a situacdo de mal-estar causa-
braços para as construçöes e ate faltavam clérigos para as necessi- do pelo sübito congestionarnento das Gerais, não so ao Brasil
dades do cspIrito. como ao Reino, logo acarretaram proibicöes e restrlcöes a ida de
As minas que haviam sido acoihidas como uma bêncão do povoadores para as minas.
1
céu, depois de séculos de buscas ansiosas, comecaram a ser olha- . Desde que a situaçao de alarma se evidenciou, o gover!io
das como c cicras ckdesgracas e fontes demaleficios. metropolitano ensaiou uma pq ftica.. eralmenteopostt a que
D. Alvaro da Silveira e Albuquerque não hesitou em dizer em ate éntão se usara. Fomentara-se, facilitara-se e animara-se o povo-
carta: arnento das Gerais. Porém logo que se percebeu na Corte o pert-
go do despovoamento do Reino e do acümulo de brancos no
"Estas minas perdem todo este Brasil e fora muito ütil Brasil, quando se notaram os males do descalabro dos engenhos e
que Deus as acabara..."•n a ruina das lavourag brasileiras, sobrevieram as resthcei._ëin'1-
gracão para as minas.
Antonil também considera as minas uma maldicão e urn casti- As .prirneia proibi..cöçsdatam..de .26 de noveinbrode.170O e
go de Deus e confessa: de 19 de fevereiro de 1711. Diflcultou-se de todá fonnã a vincla de
portugueses e, aqui, nas cidades do litoral, procurava-se'impedir a
"Nem ha pessoa prudente que não confesse haver passagem para as minas, exigindo-se passaportes, liceiiças e or-
Deus permitido que se descubra, nas minas tanto ouro para dens especiais para os que quisessem faze-1.36 In
castigar corn elle ao Brazil, assim como está castigando-no Mas não houve medida legal que opusesse urn dique a ambi
çãoeàcobiça desenfreadas corn a notIcia dos descobertos. As leis
restritivas cram burla das, desobededdas, ignorad4s. E 0 própriO
legislador quern o confessa, em nova lei promulgada em 20 de
' Ms. do Arquivo Nacional, Coleção Governadores do Rio de Janeiro, livro
XIIIA, f. 273v. marco de 1720:
' Carla régia de 20 de marco de 1720, in Anais da Biblioteca Nacional, vol. 28,
p. 145. Taco saber aos que esta minha ley vitern, que fião
31
Carta régia de 24 de maio de 1713, rns. do Arquivo Nacional, Colecão
Governadores do Rio dejaneiro, livro 12, p. 115.
tenho sido bastantes as providencias que ate o prezente te-
32
Carla régia de 26 de novembro de 1709, in Anais da Biblioteca Nacional, vol. nho dado nos decretos de vinte e cinco de Novembro de mil
148 e a carta do governador do Rio de Janeiro, datada de 18 de janeiro de 1705,
rns. do Arquivo Nacional, ColeçSo Governadores do Rio de Janeiro, livro XII IA,
f. 423. 34Antonil. Op. cit., p. 261.
31
Ms. do Arquivo Nacional, Cot. Governadores do Rio dejaneiro, livro XIIJA, n Documentos histôncos, vol. XI P. 369.
f. 273v. n Anais da Biblioteca Naciostal, vol. XXVIII, P. 148.
50 0 POVOAMENTO b P0iOAI4ENTd 51

sete centos e nove e dezenove de Fevereiro de mil sete Prova evidente de. que as leis restritivas da emigiacão para as
centos e onze para se prohibir que d'este Reino passe para minas não foram cumpridas e de que a populacao das Gerais
as Capitanias do Estado do Brazil a muita gente que todos os continuou em aumento vertiginoso, temos ná represeltacãti do
annos se ausenta d'elle principalmente da Provincia do Conseiho Ultramarino de 1732, que reproduzimos, em pare por
Minho, que sendo a mais povoada, Sc acha hoje em estado ser urn docurnento bastinte significativo:
que não ha a gente necessaria para a cultura das terras, nem
para o servico dos Povos, cuja falta se faz tao sensIvel, que "A fama d'estas mesmas riquezas convida os vassalos do
necessita de accudir-Ihe corn o remedio protnpto, e tao efi- reino a se passarem para o Brasil ,a procural-as; ë airidá que
caz que se evite a frequencia corn que se vae despovoando o por uma lei se quiz dar providencia a esta desercao, por mu
Reyno. Fui servido resolver que nenhuma pessoa de qual- modos se ye frustrado o effeito d'ella, e passam pas-a aquelle
quer qualidade ou estado, que seja, possa passar as referidas Estado muitas pessoas, assim do reino como das ilhas, fa-
Capitanias, se não as que forern despachadas corn Governos, zendo esta passagem, ou occultamente negociando este
Postos, Cárgos ou officio de justica e fazenda, as quaes não transito corn os mandantes dos navios e seus officiais, assim
levarão mais criados que cada uma competir conforme a sua nos de guerra, como nos mercantes, além das fraudes que
qualidade e emprego, sendo estes Portugueses.. 37 .11.
fazern a id, procurando pasaportes Zom prtextus e
carregacöes falsas: por este modd se despovoará o rehio, e
Essa lei dc 20 de marco de 1720, que é longa, casuIstica, em poucos anos virá a ter o Brasil tantos vassallos brancos
verdadeira codificação de tudo quanto já havia sido disposto na como tern o mesmo reino/ e bern se deixa vêr que, pOsó em
matéria, apesar das severas corninaçöes de pena corn que arneaça- uma balança o Brasil, e na outra o reino, ha de pesar cOrn
va os infratores, também não surtiu efeitos. grande excesso mais aquella que esta, e assim a maior pàrte
Era irnpossIvel atalhar o fluxo de gente que corria para as e a mais rica não sofrerá ser dominada pela menor e mais
lavras aurIferas. E quem haveria de fazer cumprir as leis se ate os pobre; nem a este inconveniente se ihe poderá áchar fadl
funcionários e soldados do Reino não pensavam noutra cousa que remedio."39
não fosse correr para as lavras e desfrutar uma parte daqueles
imensos tesouros?38 Além dessas rnedidas que dificultam o povoamento das minas,
outras foram tomadas, proibindo, por exempio, a abertiirade
37 Lei promulgada em 20 de marco de 1720, in Anais da Biblioteca Nacional,

vol. XXVIII, p. 145.


n A deserção de soldados e artilheiros manifesta-se em inümeros documen- deste particular ao dito Sr. pelo grande prejuizo que se segue a esta Capita-
tos. Nesse sentido h5, por eKemplo, a carta do governador-geral do Rio dejaneiro, nia..... (ms. do Arquivo Nadonal, Coleção Governadores-Gerais do Rio de
D. Fernando Martins Mascarenhas de Lancastre, dir igida a Miguel Teles da Costa, Janeiro, !ivro XIHA, f. 322v.)
em 8 dejulho de 1704, que diz:
A carta régia de 24 de maio de 1704 registra a fuga de soldados que guarne-
Tor várias vezes tenho escrito a V. Mce sôbre que não deixe passar clam a praca de Santos, para as minas, deixando indefesa aquela cidade portuária
ningubns, digo, pessoa aiglia para as minas, scm que mostre licença minha (ms. do Arquivo Nacional, Coleção Governadores do Rio de Janeiro, livro XII,
na forma da ordem de S. Mage. que Ds. gde e como acho que se não p.115).
I guarda o que tenho mandado pois me constão vão muytas pessoas scm a ° Consulta do Conselho Ultramarino a S. M., feita pelo Cons. Antonio
dita licenca e passão também muytos soldados artilheyros, marinheyros e Rodrigues da Costa. Ms. da Biblioteca POblica Eborense, publicada pela RJHGB,
outras pessoas de todas as emharcacöes, navios e guarda costas del conta vol. VII, 475.
oPovdAMENid 153
52 OPOVOAMENTO
1715, foi etevado a vita o arraial de Nossá Sehhbra dzt tiedade de
novoscaminhos e picadas Para as Gerais. Além disso, o governo
Pitangui.43
metropolitanotratoudedirninuir a populacão que se concentrava
As zonas de povoamento mais denso dispuseram-se na faixa
em tomb das lavras, ordenando a expulsão dos estrangeiros, dos
territorial que se estende da bacia do rio Grande as nãscei tës do
padres que não tivessern convento nas minas, dos ourives, masca-
rio Jequitinhonha. Essa faixa corresponde, mais ou mehos, as sé-
tes, mendigos e vadios.
ries geologicas de Minas e Itcicolomi, ambas do algonquiano, e
Toda essa legislacão, entretanto, não impedia que a popula-
onde se verificaram os principais aftoramentos de oüro e as minas
cão das Gerais fosse crescendo num ritmo espantosamente rápi-
de diamante. Al se dispuserarn as aglomeracoes de tipo urbano,
do, se considerarmos as distâncias, as dificuldades e os perigos
baseadas na indItstria extrativa aurIfera ou diamantIfera Vila
que incavam os ásperos e longos caminhos que separavam as ja-
Rica, Mariana, Caeté, Sabará, Vita do PrIncipe, Arraiat do Tijuco è
zidas do litoral habitado.
outras.44 c
Toda uma populacão aventureira e ambiciosa deslocou-se
Em torno destes nücleos que constitulam_propriamente as
para o sertão remoto de alem-Mantiqueira, tinica e exclusivamen-
Minas Gerais, apareceram outros esparsos, mais ou menos distan-
te por causa do ouro.
ciados daquela faixa que mencionamos, tais como: as minas do
E sabido que qualquer fonte de riqueza atrai imigrantes na
rio Verde, as de Itajubá, as minas Novas e as de Paracatu.
razão direta de sua importância econômica.
0 povoamenio intenso e o progresso desse seitãd, què se
Descobrira-se nas Gerais a major massa aurIferajá revelada ao
prendia historicamente as cidades paulistánicas, propicitiram a
homem desde a queda de Roma ate o século XVIII.1Não é de
criacão de uma capitania independente da do Rio de Janeiro. Foi
espantar, pois, que tanto ouro atraIsse em tao pouco tempo tal
instituIda, em 23 de novembro de 1709, a Capitania de São Paulo
volume populacional.
eMinas Gerais.45
Calcula Augusto de Lima Jr. em cerca de 800.000 o ntirnero
As Minas Gerais, contudo, ficaram adstritas a Capitania de
de reinóis que vieram para o Brasil, em menos de urn século, por
São Paulo por apenas onze anos. Em 1720, seus problernasde
causa do fulvo metal.4' Este total é considerável, comparado a
adrninistracão eram tao importantes que houve necessidade de
populacão diminutIssima do reino portugues que possuIa, no mi-
dar-lhe autonomia. SUrgiU assim a Capitania das Minas Gerais.46
èio do século XVIII, cerca de 2.000.000 de habitantes.42
Enquanto a região vicentina viveu integrada a Reparticão Sul
Os arraiais mineiros cresceram tao vertiginosamente que, em
e dependente da Capitania do Rio de Janeiro, de 1608 ate 1709,
poucos anos, muitos deles atingiriam a dignidade de vila.
levando, portanto, urn sécuto para conquistar o tItulo de capitania
Em 1711, o arraial de Nossa Senhora do Carmo foi elevado a
autônoma, as Gerais levaram apenas uma dezena de anos.
categoria de vita (atual Mariana). Vita Rica de Ouro Preto e Vila
Real de Nossa Senhora da Conceicão de Sabará foram erigidas a
essa dignidade no rnesmo ano. Em 1713, foi a vez de São João del-
Rei. Em 1714, foi criada a Vila Nova da Rainha, atuat Caeté. Em ' As atas de erecão a Vila de Sahara, Ouro Preto, SaoJoao del-Rei, Vila Nova
da Rainha (Caeté), Vila do Principe e Pitangui encontram-se publicadas na RAPM,
vol. II, P. 81 e ss.
aVejamapa ap. 155.
45 Carta régia de 23 de novembro de 1709, in Documentos interessantes, vol. IV.,
40
Roberto Simonsen. Op. cit., vol. II, p. 14. A descoberta do ouro californiano p. 3. 46
e australiano suplantarain a producão brasileira de muito. Teixeira Coelho. 'lnstrução para o governo das Minas Gerais", RJHGB,
' Augusto de Lima Jr. A Capitania des Mines Gerais, p. 87 vol. XV.
12
Idern. Ibidern.
54 0 POVOAMENTO

Pelo recenseamento de 1776, era a seguinte a populacão das


Minas Gerais, distribuIda por cornarcas:47

f
Comarca do Rio das Veihas 99.576 hab.
Comarca do Rio das Mortes 82.781 hab.
Comarca de Vila Rica 76.618 hab.

o Dr. José Joao Teixeira Coelho apresenta urn total de


319.769 habitantes na capitania, em 1776, cifra confirmada por CAPITULO III
Pizarro, não computando, porém, os habitantes das Minas Novas
que, tendo pertencido a Bahia ate 1751, não foram recenseados.48
OS MERCADOS ABASTECEDOkES
No final do século, pelos cálculos de Augusto de LimaJr., a popu- DAS GERMS
lacão da capitania seria de 650.000 habitantes.49
Era a Capitania das Minas Gerais, nessa época, a mais povoa-
da do Brasil, tendo ultrapassado a Bahia (que teria 530.000 habi-
tantes), Pernambuco (480.000) e Rio de Janeiro (380.000). ° o mercado paulista.
o mercado do Rio de Janeiro'.
o mercado baiano.
II o mercado europeu.
o mercado platino.
o mercado africano.
A producao.
011 A concorréncia entre os mercados abastecedores das Gerais.

o MERCADO PAULISTA
Descoberto o ouro, tendo sido paulistas seus descobri-
dores, sendo paulista a primeira via de comunicacão cdm as
Gerais, as vilas planaltinas estavam naturalmente indicadas para
funcionarern como mercados abastecedores das populacôes mi-
neiras.
De fato, muito cedo, estabeleceu-se ativa corrente comercial
entre as cidades vicentinas e as Gerais. Os caminhos paulistas
virarn-se trilhados e batidos corn freqflencia por mercadores, tro-
' Xavier da Veiga. Efemendes mineiras, I, 79.
Teixeira Coelho. Op. cit.
peiros, comboièiros e boiadeiros que jam e vinham por essas es-
Augtisto de Lima Jr. Op. cit. tradas, diferenciando-se por isso rnksmo daqueles qtie, levados
° Idem. Ibidern. pela febre do ouro, apenas pensavarn na ida e não na volta.
OS M1tCADOS ASTEC1i)OltFS 57
Os MERCAIJOS ABASTECEDORES

Os caminhos paulistas de penetracão nas Gerais, apesar de • Quando foi descoberto o ouro, não estavam as vi!as pauiiStãfl1CS
pensos, apesar de longos, cram caminhos cheios de vjda, cheios em condicöes de suprir as necessidades dos mineradores da Gels;
entretanto, a febre da espectllacão fez corn que tudo que hduvesse
de movimento, percorridos incessantemente por levas de forastei-
ros que jam instalar-se nas mnas, beth como por baruihentas para suprir as próprias vilas pau1istnicas fosse levado para.as minas.
A conseqiiência foi a alta dos precos, a escassez de mantimentos e
tropas de mercadores que jam levar as Gerais tudo aquilo que mesmo a carência de gêneros alimentares em todo o Planalto.
siias populacoes reclamavam. Va!endo uma rês em São Paulo 2$000, por cia pagavam os
Precisarnos analisar a producão paulista antes de ter sido o mineradores 50 oitavas de ouro. Essa djferenca fez corn que todo
ouro descoberto, para poder avaliar o gigantesco esforco despen- o gado para o corte fosse encaminhado para as Gerais. Monso de
dido pelas regiöes vicentinas a fim de se transformarem de zonas
de fraca producão em grandes mercados fornecedores das Gerais. Taunay menciona que ate Os bois mansos carreiros foram sacrifi-
cados para o abastecimento das Gerais.53
Nas Alas da Cdmara de São Paulo, no decorrer do século XVII,
vemos que as "drogas da terra" eram a farinha, os panos de algo- As Atas da Cdmara Municipal de São Paulo consignam, no dia 6
de janeiro de 1701, urn termo de "Vreamsa sobre mantimentos"
dão, redes, trigo, marmelo (corn o qual se fazia a célebre marme- no qual se verifica, "o grande Bramo que vat neste povo Constran-
lada), couros, carries, etc.
gido da necessidade.. ".°
Dc acordo corn a informacão do secretthio do Conseiho Ultra- No termo de vereacão de 26 de janeiro de 1705, disse o pro-
marino, Barreto Sampaio, datada de 6 dejunho de 1674, os paulistas
curador do Conse!ho:
dedicavarn-se ao descobrimento do sertão e a lavoura dos frutos da
terra "que he abundante, provendo o Rio de Janeiro e mais capita- "Meos senhores servindo o anno passado - de -
nias de farinha, carries, aigodão, legumes e outros generos".°' Procurador neste Conseiho por repetidas vezes expuz aos
Essa producão pau!ista antes da descoberta do ouro era pe- officjais que comigo serviram, o miseravel estado deste povo
quena. São Paulo so produzia para as suas necessjdades os gene- na carestia dos mantimentos ...".5
ros de cônsurno e artigos manufaturados. Se bern que Barreto
Sampaio, na informacão acima citada, mencione a exportacãO de Na sessão da Câmara Municipal da vila de São Paulo de 8 de
produtos paulistânicos para outras capitanias, a inforrnação é dis-
novembro de 1704, foi requerido:
cutIvel, pois pesquisas feitas nos inventários e testamentos palilis-
tas, provaram a pequena extensão das lavouras existentes no P!a- "... que se atendesse pera os exorbitantes precos em que
nalto.52 As regiöes vicentinas, em verdade, durante o século XVII, estavão de prezente os mantimentos o que se devia ataihar o
so possulam uma mercadoria para exportar: o escravo amerIndio; exemplo que a farinha de guerra vaihia nesta villa a des
as outras producöes so se intensificaram urn pouco mais quando a tostöes o alqueire e per ora se pedia pelo alqueire oito e des
jndOstria do apresamento declinou, a partir dos meados do século patacas e a este respeito o milhO e feijão que he o manti-
XVII, rnas não a ponto de alimentar exportacãO perceptive1. mento mais vital de que se alimentão os povos.1156

' Anais da Biblioteca Nacional do Rio dejaneiro, vol. XXXIX, P. 132. 52 A. Taunay. Histdria geral..., cit., tomo IX, p. 424.
Ata.s da Ctimara Municipal de São Paulo, vol. VIII, P. 10.
52 Gerson Costa e Eli Piccolo. Gonsideracoes sobre o e,stado econômico de São Paulo
14

15 Ibidem, p. 96.
no século XVIII, Boletim n5 4 da cadeira de História da Civilizacão Bi'sileira da 56 lbiderno p. 76.
Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo.
58 Os MERCADOS ABASTECEDORES OS MERCADOS ABASTECEDOkk§ 59

A situação tornou-se tao negra para a vila de São Paulo que a A Câmara Municipal procurou fixar os precos das tttihdades
Câmara Municipal, em sessão realizada em 19 de janeiro de 1705, confeccionadaspor aqueles artesãos, contudo, vemos pelo tethio
deliberou que nenhuma pessoa vendesse artigo algum de subsis- de vereacão de 19 dejunho de 1723, que Os sapateiros nao pocli
tência para fora da terra, tanto a farinha de guerra, o trigo, o am vender os sapatos pelos precos qde a. Câniara flxoti jitit ëstài
feijão, o milho, como o toucinho e o gado.57 . a terra muito cara ......°2

Em 12 dejaneiro de 1722, repetia-se a proibicao, mas, agora, As vilas paulistas sacrificaram seu próprio abastecimerito, para
contemplando somente o gado.58 mandar as minas boiadas, toucinho, aguardente, açücar, panos,
E não era apenas na vila de São Paulo que havia carência de calcados, drogas e remédios, trigo, algodão, enxadas, almocafres e
artigo de subsisténcia, mercé da concorréncia feita pelo generoso artigos importados como o sal, arrns, azeite, vinagre, vinho,
mercado consumidor das Gerais. Também em outros povoados aguardente do reino, etc...
planaltinos se verificava o mesmo fenômeno, como por exemplo Os sapateiros avolumaram sua producão. Os alfaiates multipli-
em Atibaia e Juqueri.59 caram a confeccão de roupas. As oficinas de ferreiros trabaihavam
Escasseando os gêneros, logicamente se elevaram os precos. A febrilmente na producão das ferramentas necessárias ao trabaiho,
farinha que se taxava a dez tostöes em 1701, subiu em trés anos recondjcjonavam armas, etc... Outras vezes os oficiais ferreiros,
para 3$200; o milho, que taxava a $4,80, passou a ser vendido por alfaiates, sapateiros, bern como outros artesãos (padeiros, marce-
2$560 o alqueire.°° neiros, cantoneiros, oleiros, etc.), preferiam mudar-se para as
Subiram também os precos de todas as utilidades. Na sessão minas, para ficarem mais próximos dos novos e ricos clientes nh-
da Câmara Municipal de São Paulo, de 24 de janeiro de 1730, neradores. -
discutiram Os "homens bois" da vila a queixa que havia no seio Alguns habitantes do Planalto preferirarn ir para os férteis
do povo de que os oficiais de alfaiate e sapateiro cobravam pelo campos de Curitiba abrir fazendas de criar gado, sabendo de an-
feitio de suas obras precos exorbitantes. Fato idêntico ocorreu na temão que os mercadores das Gerais nunca se saciavam de came
sessão de 14 de maio de 1716.61 e animals de montana on tração.63
Ampliaram-se as lavouras.1Multiplicaram-se as manüfaturas.
Incrementou-se a importacão, através do porto de Santos, de arti-
gos de além-mar.
Ibidem, p. 86.
Ibidem, p. 137.
No termo de vereacão de 18 de juiho de 1722 da Câmara Municipal de São 62
Ibidem, vol. IX, p. 262.
Paulo, lé-se: 63
Nas Alas da Gimara Municipal do São Paulo, vol. VIII, p. 493, encontramos o
"Requereo o procurador que tinha por noticia que na freguesia de seguinte trecho, no termo de vereação de 2 de outubro de 1719: 'Requereo mais o
dito procurador que visto os gados que passão para as minas, vindos de Curitiba,
Nossa Senhora do Desterro de Juquery e na de Sam João da Thibaya se
estarernjá hoje passando em cantidade de que resulta danificarem os caminhos....
atravessarão farinhas de trigo corn o pretexto de as levarem para fora da 64
Corn essa febre de expansão das areas de cultura, surgirarn no Oeste
capitania, como são as minas gerais o que hera em grande prejuizo dos
paulista as plantacöes de cana que iriam dar origem ao "pequeno ciclo do aciscar
moradores desta cidade pois se nao achavaja nella pao algurn de venda pot
-: paulista" na segunda metade do sécuto XVIII.
falta das ditas farinhas o que he em grande prejuizo destes moradores e
Os paulistas, aproveitando-se da proibicao de erguer engenhos, que prevale-
principalmente os doentes..... (Alas da Gámara Municipal do São Paulo, vol.
cia nas Gerais, entraram em concorrência corn os habitantes da Baixada
IX, p. 186).
Fluminense nos fornecimentos de aguardente e acücares as minas. Tais produtos
60
Alas da Gdmara Municipal de São Paulo, vol. VIII, P. 96. entrat'am nas Gerais pelo vale do Camanducaia e pelo mono de Gravi. Corn o
61
Ibidem, p. 46 e 362. tempo, a producão foi aurnentando e as lavouras de cana se alasirando pela zona
60 OSMERCADOSABASTECEDORES OS MERCADOS ABASTECEDOItES 61

Assim vemos que, a princIpio, Os habitantes de Piratinin- ... vivem de várias negociacöes: uns se limitani a hegócios
ga lirnitaram-se a mandar para as Gerais as sobras de sua mm- mercantil, indo a cidade do Rio de Jalielto busar ái tazèh-
/
) guada producão. Depois, atraIdos pelos gordos lucros, iritensifi das para nela venderem; outros da extxavgância de seuS
) caram essa producão, corn o fito de vender cada vez mais, ainda officios, outros vão a Viamão buscar tropas de aniniais cal-
que fosse corn sacrificio dos consumidores locais. Em seguida, valares ou vaccuns para venderem não so aos moradores da
) não contentes corn isso, foram buscar, em regiöes por vezes mesma cidade, como tambem aos andantes de Minas Gerais
) distanciadas, tudo aquilo de que os mineiros careciam e que eles e exercitam o mesmo negócio vindo comprar os animals em•
) mesrnos não podiam produzir. Não tendo, por exemplo, bastan- São Paulo para ir vender a Minas Gerais e outros, finalmente
I te gado bovino para fornecer as minas, for estabelecer cur- compram alguns effeitos na mesma Capitania, como são os
)
rais e criar grossas boiadas nos campos de Paranaguá e Curitiba. panos de algodao e assucar e vão vender as minas, labutan-
Mas ainda, não tendo muares em nmero suficiente para trans- do nesta forma todos naquillo a que se applicam."°°
portar as cargas que demandavam as Gerais, nem podendo for-
necer as bestas necessárias aos trabaihos das lavras e ao transporte O capitão-general da Capitania de São Paulo, D. Luis Antonio
do ouro, foram buscá-los nos descampados sulinos, nas planI- de Sousa, também salientou a importância do comércio de mini-
cies do Rio Grande do Sul, Uruguai, territórios Correntino e En- res, exercido pelos paulistas, pois para ele "0 negócio mals limpo
trerriano. que tern esta Capitania de São Paulo, he o dos animals que se vão
Os centros de criacão de muares, localizados nesse longInquo buscar a Fronteira de Viamão.
Sul, propiciaram o extraordinário alongarnento das correntes do A corrente comercial paulista fez ainda a ligacão das minas
comércio paulista. Assim sendo, o comércio paulista não se fazia corn os mercados produtores de além-mar. Santos transformou-se
unicamente entre as vilas planaltinas e as Gerais: projetava-se ate em porta de entrada de produtos europeus, tais como as sedas,
Os confins dos campos sulinos, representado por volumoso tráfico armas, sal, ferro, tecidos, enfim, todas as manufaturas cuja fabrica-
de muares, gado cavalar e vacum. Espalhou-se assim por todo o cão era proibida no Brasil. Também escravos africanos entráram
sul, ate Os confins do Prata, o sopro de prosperidade que se irradi- para as minas através do porto de Santos.°
ava das minas de ouro de alem-Mantiqueira. Floresceram as feiras A descoberta das minas refletlu-se imediatamente sobte o
de Viamão e Sorocaba. Outras cidades que balizavam a "estrada porto de Santos, trazendo-ihe urn novo realce.
do muar" cresceram e prosperaram a sombra desse comércio, Em junta realizada em São Paulo, aos 22 de fevereiro de 1698,
como, por exemplo, Itapetininga, Faxina, Pirapora, Cabreüva, o Governador Artur de Sá e Meneses, reunindo os oficiais da
ApiaI, Itararé, Avaré e outras.65 Cãmara e os homens bons da vila, expôs:
Cardoso de Abreu, no seu "Divertimento admirável", escrito
"... o de quanta Utilidade hera ficasse ti porto dã vila de
em 1783, referindo-se aos habitantes de São Paulo, escreveu:
Santos fortificado corn Emfantaria por ser assim tam pèrsizo
não so para a dita vila por ser Receptaculo de todas as vilas
destas Capitanias.. •"•69
onde hoje ficam as cidades de Jundial, Campinas, Itu, Capivari, Porto Feliz,
Piracicaba, etc. Vide sobre o assunto o artigo do Dr. Alfredo Ellis Jr. "0 pequeno 16 Cardoso de Abreu. RIHGSP, vol. VI, p. 283.
ciclo do açücar paulista", in revista Indtictria Açucareira, ago.-set. de 1949. 67 Documentos intere.csantec, vol. XIX, p. 414.
65 Pirre Deffontaines. "As feiras de burro de Sorocaba", Geografia, ano I, n° 3,
61 Ibidem, vol. XII, p. 70.

p. 263. 69 Ata.c da Cdmara de Sdo Paulo, vol VII, p. 516.


62 Os MERCADOS ABASTECEDORS OS MERCADOS ABASTECEDORES 63

Os poderes governamentais olharam coin major atencão para intercâmbio de São Paulo corn a Capitania do Rio de Janeiro,
as fortfficacôes daquele porto que passou a ser urn dos escoadou- diendo a respelto dos paulistas 'vivem de varias negoclacôes utis
ros da riqueza das Gerais, bern como porta aberta a possIvel inva- se lirnitarn a negocio rnercantil, indo a 8dade do Rio de Janeiro
são de nacöes estrangeiras. buscar as fazendas para nela venderem; outros da extravagancia
O governador-geral do Brasil, D. João Lencastre, em carta de seus oficios...
dirigida ao rei de Portugal, Pedro II, em 7 de janeiro de 1700, A abertura do "caminho novo" repercutiu intensarnente no
salientou a importância de Santos e a precariedade de seus meios rnovimento mercantil das cidades paulistas. Os mineiros foram,
de defesa.7° de preferência, abastecidos pelas regiöes flurninenses, ao niesmo
Quando a Capitania de São Paulo foi separada da Capitania tempo que elegerarn o porto do Rio dejaneiro para as irnportacôes
das Minas Gerais, o porto de Santos também Se elevou em catego- de escravos afnicanos e produtos europeus. Assim os tratisportes
na, pois ficou aberto "para a ele virern em direitura navios do ficavam mais baratos e erarn feitos mais rapidamente, por ser
Reino".7 ' o "caminho novo" bern mais curto do que os carninhos paulistas.
A região planaltina transforrnou-se, nessa época recente dos Se a região planaltina não experirnentou urna decadéncia to-
descobrirnentos, na verdadeira retaguarda econômica das minas, tal e rápida coin a abertura do "caminho novo", foi por ter-se
privilegiada corn relacão ao Rio de Janeiro, já que esta capitania tornado o caminho necessário para as minas que se descobniram
não dispunha de caminho direto para manter o intercâmbio corn em Goiás e Mato Grosso, e tarnbérn por ser região de passagem
o hinterland aurIfero, e também privilegiada corn relacão a Bahia das tropas que vinharn do sul.
porque esta fora proibida de negociar corn as Minas. 0 tropeiro paulista, favorecido pelas circunstáncias geografi-
Mais tarde, corn a construcão do "caminho novo" feito por • cas (os caminhos paulistas eram mais curtos do que os caminhos
Garcia Rodrigues, o porto do Rio de Janeiro suplantou Santos no balanos) e favorecido pelas ordens régias que so permitiam o
papel de entreposto da região aurIfera. Os paulistas mais tarde comércio das minas corn as regiôes do sul (São Paulo e Rio de
estenderam suas rotas comerciais ao porto do Rio de Janeiro, Janeiro), estabeleceu no centro do Brasil urn inovimento intenso
usufruindo também os beneficios do "caminho novo". Para tanto de distribuicao de artigos de toda a espécie, prornovèu a circtila-
serviam-se do caminho terrestre que foi aberto entre São Paulo e cáo de gado, tropas de burros, etc...
Rio.72 Cardoso de Almeida, no trecho que já citamos, descreveu o Mas, esse tropeiro, senia paulista de onigem? Titdo nos !evá a
crer que havia urna grande maioria de tropeiros neinóis, movi-
mentando o giro comercial que chamamos de paulista, e tima
minoria de tropeiros nealrnente paulistas de onigem. Isto porque,
° RIHGSP, vol. V, p. 295.
71
Carta régia datada de 4 de marco de 1720, declarando o porto de Santos
livre e franco, e permitindo que os navios do Reino frissem a dc diretamente.
(Documentos kistóiicos, vol. II, col. 445, p. 62.
72 Rodrigo César de Meneses foi o primeiro governador de São Paulo a 0 Conde de Sarzedas continuou a tarefa iniciada por Rodrigo César de
cogitar de uma Iigacão terrestre entre São Paulo e Rio de Janeiro. V. Docurnentos Meneses, esbarrando também corn as dificuldades opostas pelos jesuItas. 0 rei de
intere.csantes, vol. CXX, p. 153. Em 23 de abril de 1725 comunicou ele ao rei que Portugal escreveu a estes enérgica carta em 22 de abril de 1733, que deve ter sido
dera inIcio aos trabaihos de abertura dessa via, cuja principal utilidade, segundo atencilda, pois nesta ocasião se completou a ligacão terrestre Rio dejaneiro - São
ele, seria evitar os riscos das rernessas dos quintos de ouro, feitas por via marItima. Paulo. 0 ano exato em que se completou a ligacão é desconhecido. Sabe-se,
Em carta de 6 de maio de 1728, Rodrigo César de Meneses comunicou ao rd porém, que já em 12 de setembro de 1773, fdi estabelecido 0 corfeio regular
que o trecho paulistajá estava pronto. 0 trecho fluminense demorou a ser aberto, terrestre entre as duas cidades. V. A. Taunay. Estudos da história paulista, p. 203 e ss.
pela oposicao dos hahitantes (IC Parati e dos jesuItas da Fazenda Santa Cruz. 73 Cardoso de Abreu. "Divertimento admirável", BJHGSP, vol. VI, p. 285.
4 64 Os MFRCADOS ABASTECEDORES
quando as minas foram descobertas, as populacöes somadas de
todos os nücleos vicentinos formavam urn total diminuto (15.000
0$ MERCADOS ARAStECEDORE$

15.000 habitantes, no inicio do século XVIII, para máis de


. 116.975 em 1777.78
65

almas, segundo o cálculo de Simonsen).74 Dessa populacão min 0 crescirnento sübito da populacão paulista so se pode atri-
guada, a maioria correu a povoar as minas, e, assirn, a capitania buir a vantajosa situacão comercial de nossos nuicleos coloniais,
sofreu uma notável queda populacional.75 São Paulo não tinha, no não so em relacão as minas gerais, corno também posteriormente
inIcio da mineração, efetivos humanos para desempenhar o im- em relacão as minas goianas e mato-grossenses.
portante papel de retaguarda abastecedora das Gerais. Em conclusão: São Paulo, que no inIcio da rnineracão
Alérn de não dispor de efetivos humanos para exercer o corner- não possuIa fontes organizadas de pro4ucão em larga escala, nem
cio corn as regioes de alem-Mantiqueira, ha outro fator, e este de efetivos humanos para abastecer as Gerais, improvisou produ-
natureza psicológica, a computar: o natural da terra, o crioulo, em cão e populacao, de forma tao vigorosa, que serviu de retaguar-
geral desprezava o comércio, atividade que, na época, estava no da econômica das regiöes mineradoras do centro e do oeste bra-
mesmo nIvel que os oficios manuais e, portanto, era degradante. sileiro.
A região planaltina, porém, estava de tal modo indicada para
exercer a funcão de abastecedora das Gerais que se transformou 0 MERCADO DO RIO DE JANEIRO
no centro de atracão das correntes imigratórias vindas do Reino. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, quando o
Os reinóis, corn aquela vocacão mercantil que os fizera expandir- ouro foi descoberto, era urn pequeno nücleo urbano, sem im-
se "por mares nunca dantes navegados", vindo atropelando para portância econôrnica ou dernográfica.
estes lados do Atlântico para explorar o ouro das minas, não Em seus arredores, as terras eram ocupadas pelas plantacoes,
desprezaram os lucros oferecidos pelo comércio corn as popula- engenhos e currais, mas tudo em pequena escala, porque as pos-
cöes mineradoras. Para tanto, instalaram-se nas cidades que domi- sibilidades de exportacão eram limitadas. 0 Rio de Janeiro, corn
navam tal comércio. relacão a producão de açücar do Nordeste, estava quase ha mes-
A afluência de forasteiros nas cidades paulistânicas foi enor- ma situacão de São Paulo: a diferenca de frete tornava dificil a
me. Pela leitura das atas da Câmara Municipal de São Paulo, po- concorrência corn a producão nordestina.
demos constatar a enorme concentração de ádvenas na vila de Logo que foi descoberto o ouro nas Gerais, so São Paulo e
São Paulo id em 1702.76 Ha tambérn urn bando de Rodrigo César Bahia puderam participar da riqueza aurIfera. 0 Rio de Janeiro
de Meneses, datado de 30 de novembro de 1725, que menciona ficou de parte em virtude do dificil caminho marItimo-terrestre
til
Jj
igualmente a afluência de forasteiros na vila de São Paulo.77 que lhe servia de ligacao corn a região das minas.
As minguadas populacöes dos nácleos vicentinos, sobrepôs-se Entretanto, depois que se deu a abertura do "carninho novo"
uma espessa carnada de metropolitanos, de forma que a curva região alguma pôde disputar corn o Rio de Janeiro o desempenho
demográfica ascendeu vertiginosamente, passando da casa dos do papel de "boca das minas". Extraordinariarnente curto, o "ca-
minho novo" fez corn que se escoassern para o Rio de Janeiro os
malores lucros do cornércio corn as Gerais.
Roberto Simonsen. Op. cit., vol. 11, p. 55.
75 Muitos paulistas, desgostosos corn a carestia nas minas, voltararn para as
cidades de origem. Também os episódios sangreritos da Guerra dos Emboabas a Saint-Hilaire, baseado em documentosoficiais, disse que a populacão livre
trouxerain de volta muitos paulistas. em So Paulo, em 1777, era de 116.975 habitantes ( Viagem a ProvIncia de São Paulo,
Alas da C.dmara Municipal de São Paulo, vol. Viii, p. 22. p. 88). V. Ellis Jr. 0 ouro..., cit.
I)ocunwntos inleres.santes, vol. XIII, p. 77.
OS MERCA]JOS AIIASTECEDORES 67
66 Os MERCADOS ABASTECEDORES
mas como é meihor Iavrar ouro, que plantai Mandioc2Ls nãó
Nos primeiros anos do século XVIII, os reflexos da descoberta
me espanto de que experimente tanta faltá de farinhas ... ".81
do ouro na cidade do Rio de Janeiro foram maiéficos. Verificou-se
na região o despovoamentO, a alta dos precos dos gêneros, a ca-
Corn o decorrer dos anos, corrigiu-se essa situaçâo diticá. A
réncia de mantirnentos e mesmo a fome. cilidade de comunicaçöes corn as minas fez corn que houvesse a
A carta régia de 13 de marco de 1703, dirigida a D. Alvaro da
:pansão das lavouras, currais e engenhos nos campos dos Goita-
Silveira e Albuquerque, testernunha essa situacão:
ses, de Santa Cruz, Bacaxá e Campos Novos de São Joao. In-
risificou-se em toda a Baixada Fluminense a producao de céreais
"Havendo visto o que representaste sôbre a falta que
a fabricacao de açitcares e aguardent'e. Tal producao servia ao
nessa praca havia de mantimentos, de carries e farinhas, assi
astecimento das Gerais e ao da cidade do Rio de Janeiro e
por causa da pouca novidade quando houve, como por at-
mais nticleos fluminenses.
gumas pessoas que os fabricavão terem passado as minas; e
Antonil calculon a producao da Capitania do Rio de Janeiro,
vendo tambérn os meyos que Arthur de Sá aqui apontou
19 inIcio do século XVIII, em 60.000 cabecas de gado e 10.220
para se poder dar remédio a esta falta... .79
ixas de açticar, fabricadas em 136 engenhos.82
Além dos produtos usuais da terra (acücar, aguardente, gado,
H
Os documentos que atestam a crise de forne sofrida pela cida-
jão, arroz, farinha, etc.) o Rio de Janeiro enviava as minas ge-
de do Rio de Janeiro, nos fins do século XVII e comeco do seguin-
ls artigos irnportados de além-mar: vidros, espeihos, sedas, da-
te, são numerOSoS e insistentes.8° iscos, pelticias, baixelas, vinhos, azeites, arrnas, pólvora, sal, fer-
Fustigados pela fome, os habitantes do Rio de Janeiro, pela
etc... Mas o que mais ressaltava no cOmércio do Rio de Janeiro
voz de seu governador, pediarn socorros a Bahia.
in as minas era o tráfico de negros. Essa cidade tornou-se im-
As remessas baianas sucediam-se na medida do possIvel, mas
rtante mercado importador e distribuidor de escravos, vindos
nota-se na correspondência de D. Rodrigo da Costa certa impaci-
Africa e do Nordeste.
ência e ma vontade em atender as necessidades dos habitantes do Os africanos constitulam a base de urn comércio rendosIssi-
Rio de Janeiro: . Urn negro valente, bem-feito e ladino valia na época dos
ços altos 300 oitavas de ouro.83 Simonsen calculou, baseado no
"Suponho que Vossa Mercê deve entender que os
or do ouro em 1944, tal preco em 30 contos.84
moradores da Bahia são somente obrigados a plantar Rocas
Para o escambo de negros corn a costa da Africa, o Rio de
para o sustento dos do Rio de Janeiro, pois se assim não fôra
leiro intensificou extraordinariamente a producao de pinga e
houvera mais cuidado e diligencia em se obrigarem os dessa
tabaco, artigos preferidos para as trocas em Angola e nã Costa
Capitania a que todos cultivassern os mantirnentos de que
Mina.
carecem como fazeni os do Reconcavo e sertöes desta cidade
Varias regiöes fluminenses especializararn-se na producão de
a custa do incansavel desvelo corn que os obrigo a fazer as
iardente de cana, como Parafi, ilha Grande, etc...
plantas necessárias na forma das ordens de Sua Magestade
que Deus guarde, que tambern hão de estar nesse Governo;
81
Ibidem, vol. XIX, p. 331.
82
Antonil. op. cit., p. 170 e 264.
11
ManuscritoS do Arquivo Nacional, Colecão Governadores do Rio de Janei- 89
Idem. Ibidem, p. 219.
ro, vol. XII, f. 91v. 84
Roberto Simonsen. Op. cit., vol. II, p. 76.
80 Documentos interessantes, vol. XI, p. 294, 295, 306, 309, 315, 316.
1:
OS MEktADOS ABASTEC11DORFS 69
) 68 Os MERCADOS ABASTECEDORES
A região centro-sul do pals cedeu a preponderância as regiôes
) 0 incremento da producão e do cornércio do Rio de Janeiro do Norte Enquanto o Maranhão, Pernambuco, Bahia, Para e Pa
) correlacionoi-i-se estreitamente corn a abertura do "caminho no ralba exportaram, em 1796, cerca de £2150.000, o Rio dejaneiro,
vo", e repercutiti no mercado paulista. Dc fato, sentindo os pre- na mesma época, exportou cerca de £1.000.000, e o portó de
juIzos que the advieram da abertura dessa via de penetracão, a
) Santos, aproxirnadamente, £15.000.89
Câmara de São Paulo reclamou seu fechamento.85 E que o desenvolvimento e a pujanca das regiöes centro-sul
3 Também a Bahia foi paulatinamente vencida pela concorrên- estavam estreitamente ligados a euforia aurlfera e diamantIfera e,
) cia que lhe moveu o Rio de Janeiro, no abastecimento das Gerais. esgotadas as jazidas, seu valor deixou de figutar nas cifras de cx-
A medida que os anos corriarn, foi acentuando-se de forma portacao do Rio de Janeiro.
)
insofismável o deslocamento das relacöes comerciais das minas Esgotadas as minas, houve urn natural incremento da produ-
) corn os mercados do Sul. ção agrlcola, e as regiöes do Norte, que tinham como base tradici-
-) 0 Rio de Janeiro, isoladamente, em meados do século XVIII, onal de sua economia a riqueza agrária, puderam facilmehte re-
manteve comércio exterior mais volurnoso que qualquer outro cOnquistar a preponderância na balanca financeira do pals.
)
portO do Brasil.86
) F o florescirnento do Rio de Janeiro foi a causa evidente dos 0 MERCADO BALANO
ataques dos piratas Duclerc c Duguay-Trouin que viram nessa ci- Descobertas as minas, a Bahia sentiu imediatamente a
i dade a promessa de proveitosa pilhagem determinacão geograflca que a impelia a tornar-se mercado abas-
)
A concdntracão de ouro no Rio de Janeiro foi tal, que havia,
) tecedor das Gerais. Entre a região aurIfera e a Bahia, havia grande
ac, tempo do governo do Conde de Resendé, 375 mestres e 1.500 facilidade de comunicaçöes terrestres, além da rnagnlficá via fluvi-
oficiais nessa cidade.87 al que representa o São Francisco corn ma rede de aflueàtes.
H,
) I 0 triangulo Minas Gerais-Rio de Janeiro-Sao Paulo tornou-se
tao poderoso na nossa balança economico-demográfica que a ca-
Não so as facilidades geográficas de comunicacâo coin as Gerais
contribuIram para tornar a Bahia urn irnportantIssimo mercado
pital administrativa do Brasil se deslocou da Bahia para o Rio de abastecedor das minas. Razöes de ordem histórico-econômicá im-
Janeiro, para me dominar o centro-sul da Colônia. Em 27 de péliram decisivamente essa região a pardcipar da economia do ouro.
janeiro de 1762 foi promulgada a carta régia que ordenava aos Era uma zona de povoamento antigo, bern apareihada para o co-
1 vice-reis que residissem no Rio de Janeiro, sendo que a efetivacão mércio; no seu sertão, rnultiplicavam-se os currais, que já haviam
)
1 dessa mudanca deu-se em 1763.88 ganho as margens do São Francisco, numa crescente expansão no
0 valor da exportacão do Rio de Janeiro, em 1760, alcancou acima, na direcão das minas. A Bahia era, além disso, importante
) cerca de £2.500.00. No fim do século XVIII, quando a mineracão se centro importador de artigos europeus, gozando da vantagem de
encontrava agonizante, o Rio de Janeiro, sendo entreposto direto estar mais próxima da Europa do que os portos sulinos do Brasil.
) I
das minas, refletiu tat decadéncia. Perdeu a lideranca dos portos do Quando o ouro foi descoberto, a indástria acucareirajá se achava
Brasil, em favor dos portos do Nordeste (Bahia e Pernambuco). em plena decadência, abatida pela concorrência aniilhanã.90 Reve-
ladas as ricasjazidas das Gerais, as populacöes baianas e pernambu-
) A. Taunay. Histó,ia gera4 cit., tomo IX, P. 184 e Documentos interecsantes,
vol. III.
81Roberto Simonsen. Op. cit., vol. II, p. 219. Roberto Simonsen. Op. cit., vol. H, p. 87.
17Eduardo Marques Peixoto. "Descaminhos do ouro", RIHGB, vol. 120, p. 172. descoberta do ouro foi mesmo urn reflexo dessa decadência, pois, notando-a,
) u Vieira Ferreira. "Legislacão portuguesa para o Brasil", RIHGB, vol. 159, as monarcas braganlinos fizeram intensificar as buscas de metals e pedras preciosas.
p.201.
)
70 Os MERCADOS ABASTECEDORES 'EL 1 OS MERCADOSABASTECEDOR1S 71

canas apressaram-se a participar da euforia aurIfera de duas formas, Essa proibicão entretanto nunca pode ser efetiva, porque
como já o haviarn feito os paulistas: ou indo extrair o ouro nas catas, contrariava as leis naturais que regem as trocas econômicas. Seria
ou fazendo-o chegar as suas rnãos, já lavrado, pelo comércio. absurdo que, èncontrando facilidades para os fornecirnentos de
A repercussão irnediata da descoberta do ouro na Bahia, en- generos pelos caminhos terrestres, ou atraves do São lranctsco,
contramos relatada no "Extracto do descobrirnento das Minas fossem os baianos exporta los pelos portos do Rio de Janeiro
Geraes, de Luis Diogo Lobo da Silva: Parati ou Santos, onerando-os corn custosos fretes e demorando
os fornecirnentos que eram reclarnados corn urgencia pelas pOpU
"Descobertas as rnesmas minnas a noticia de seus Iacöes mineradoras.
Eaveres segundo se alcanca fez que pelos annos de 1690 ate A vida nas minas nos prirneiros itnos que sucederam a des
o de 1699 crecesse tanto o n° de povoadores pelas paragens coberta, seria praticamente irnpossIvel sern os fornecimentos par-
onde ho se achão as vilas de Sabará, villa do Carmo, villa tidos do Recôncavo e das zonas marginais do São Francisco, os
Rica, SaoJoão del Rey, SaoJosé, Cayathé, villa do Principe e quais ofereciarn as carnes e as farinhas necessárias ao sustento dos
Pitangui ocupandose na agricultura e extração do ouro nos mineradores, assegurando assirn a continuidade dii indüstria ex-
diversos descobrimentos que hião apparescendo as grandes trativa do ouro.
utilidades que destes rezultavão, fizerão que pelos caminhos Apesar de se fazer vital o fornecimento de géneros por parte
do Certão, Bahya. e Pernambuco laborasse o negocio de fa- da Bahia, a legislacao metropolitana foi inflexIvel na proibicao do
zenda seca e moihados, gado vaccum e cavallar, escravos e o cornércio direto dessa capitania corn as Minas."' As leis proibitivas
mais que se julgava ter sahida em hunla nova povoa4;ão."" 9 visavam impedir os descaminhos do ouro, bern corno o total des-
calabro dos engenhos, no que se refere particularmente ao co-
Muitos senhores de engenho largaram-se para as minas, corn rnércio de negros. So era permitido aos mineradores o comércio
todos os seus haveres e escravos. Outros preferiam comerciar, corn as regiöes do centro-sul, porque o ouro que se escoava pelos
apesar de que o comércio direto das minas corn a Bahia fora caminhos que jam ter ao Rio de Janeiro ou a São Paulo podia ser
proibido, desde 1702, pelo próprio Regimento das Minas. quintado nas casas de fundicão estabelecidas em Tatibaté, São
0 capItulo XVII do Regimento das Minas deterrninou: Paulo, Parati ou Rio de Janeiro.
Coimido, a onda de contrabando era irreprimIvel. Em 23 de
"Nern hua pessoa do distrito da Bahia poderá levar as agosto de 1707, o governador do Rio de Janeiro, D. Fernando
minas pelo caminho de Certão outras fazendas ou generos Martins Mascarenhas de Lencastro, denunciou a passagem de
que não sejam gados, e querendo trazer outtas fazendas as grandes partidas de negros, boiadas e cavalos carregados de gene-
naveguem pela barra do Rio de Janeiro e as poderão condü- ros que entravam nas minas, vindos da Bahia, sem pagar os direi-
zir por Taubaté on São Paulo."" tos.94 Diligéncia alguma era suficiente para obstar tais descanli-
nhos.

a Ms. inédito do Arquivo Püblico Mineiro, intitulado "Extracto do descobri-


11 Os Docurnenios hisióricos registram sucessivas ordens e proibicoes ao corner-
menlo das Minas Geraes, tempo em que nellas principiou a arrecacão da Real
cio e cornunicaçöes das minas corn a Bahia e Pernambuco. V. vol. XI, p. 295, 303,
Fazenda, origem dos contractos, creacão das villas, of. de Justicas....., dirigido e
307, 313. V. tambérn o bando de Artur de Sá e Meneses, in ms. do Arquivo
ordenado pelo governador e capito-general de Minas Gerais, Luis Diogo Lobo da
Nacional, Colecão Governadores do Rio de Janeiro, livro XIII, f. 103v.
Silva, livro 81 D.F. (avulso). 91 A. Taunay. História geral, cit., t. 9, p. 401.
92
Regimento das Minas de 1702, apud Eschwege. Op. cit., vol. I, p. 175. -
:1

) j H 72 Os MERCADOS ABASTECEDORES Os MERCAI)OS ABASTECEDORES 73

) I Disse o autor anônimo das "Informacöes sobre as minas do do Rccôncavo. Estas perderam seus náturaig fornecedorés, em
Brazil" que uma das razöes pela qual se fazia impossIvel vedar 0 henelicio dos habitantes das Gerais.
contrabando pelo caminho do sertão era a qualidade dos mora- Antonil dá-nos notIcia da concorrêncja entre ais inercados
dores das minas e dos sertöes, pois ordinariamente cram todos de consumo.08
) "tao absolutos que qualquer vaqueiro ou Paulista metido corn a :•• Vendendo o seu gado na porteira do curral o criador estabe-
) sua escopeta pelos matos daquelles sertöes, nem todos Os exerci- leddo as margens do rio São Francisco tinha, alérn dos prècos
tos da Europa parece serão bastantes para o impedirern que entre mais elevados, a vantagem de econornizar as despesas de transpol-
e saya por onde quizer ........ te das boiadas alérn de poupar o tempo que perderia para atingir
Paulistas e baianos, criadores, negociantes e mineradores, tan- 2 as cidades do Recôncavo, tempo esse representado por meses e as
) gidos pela necessidade e pela avidez dos lucros, aliaram-se para vezes por anos.°
fraudar toda essa artificiosa legislacao proibitiva. A topografia da região favorecia a conducão de boiadas pant
So o comércio de gado era permitido, atendendo ao fato de as minas. Os carninhos baianos, apesar de serem mais longos que
) que o mercado paulista on o do Rio de Janeiro não se achavam .. os demais, em compensacão cram mais suaves, mais largos, mais
) 2: em condicöes de abastecer de came as cidades mineiras. E 0 que povoados, oferecendo por isso maiores comodidades aos que con-
vernos na carta do govemnador-geral do Rio dejaneiro, dirigida ao duziam boiadas e cargas para as rninas)P°
mestre de campo Domingos da Silva Bueno, datada de 14 de mar Outro produto importantissimo do comercio batano corn as
) Co de 1703: . Gerais era o escravo. A exportacão de negros, da zona dos enge-
I
) nhos para as Gerais foi rigorosamente proibida, sob pena de con
) mas a proibicão da ordem de S Mag não se entende list i ão dos escravos encontrados, alem de prlsão e multa para os
com o gado vacum porque este poder entrar...".96 (lot' OS conduzissem. Havia postos de vigilância nas estrads rui-ais

Quem viesse da Bahia, se não fosse boiadeiro, não podia en-


trar nas Gerais 0 boiadeiro devia notificar a sua chegada as mi p 269
H nas, especificar exatamente o numero de cabecas que trazia, e 0 autor anônimo das "lnforrnacôes sobre as minas do Brasil", expondo as
pagar os direitos de entrada, sob pena de pagar o triplo do valor conveniências do caminho do serEo, assim se exprirniu:
) das que ocultasse.97 ..
0 segundo mouvo he a convenlencia dos moradores do dito Rio de
0 artigo mais importante do intercambio da Bahia corn as São Francisco, dos Srs. das terras e dos gados que ha nos seus vastos sertôes,
minas era o gado bovino. Os currais baianos exportavam para as nos do Rio Grande do Sul e mais confins daquelles distritos, os quais tanto
I Gerais boiadas e mais boiadas Esse negocio era muito vantajoso mais distanciados se achao das pracas da Bahia e de Pernambuco para
- donde tern o seu cornerclo, quanto mais comjuntos ficao as minas, corn tao
para os criadores que tinham os seus currais ao longo do rio Sao grandes avancos no seu trato unico dos gados que vendendo hum boy nas
) Francisco. Chegou a afetar o fornecimento de carnes as cidades ditas praças por 3v. 4v ad suma 5v. nas minas o vendern por 15, 20 e 30
octavas de ouro, corn tao diversa comodidade que de alguas das ditas panes
gastão dous annos para conduzirem as boyadas as ditas pracas, por ihe ser
necessario no caminho hum anno e para as minas as conduzern de urn
u Anais da Biblioteca Nacional, vol. LVII, p. 159. jacto em 15, 20, 30 e 40 dias conforme o sItio mais on menos distante
96 Ms. do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, Col. Governadores-Gerais, 1.
donde as tirão". Anais da Biblioteca Nacionàl, vol. LVII, p. 159.
XIII, f. 103v.
-) 97 Aristides de Araujo Maja. "Mernória da Provincia de Minas Gerais", RAPM, 100
"Informacôes sobre as minas do Brasil", Anais da Biblioteca Nacional, vol.
vol. VII, p. 42. IVII, p.159.

)
74 Os MERGADOS ABASTECEDORES
OS MERCAD0s ABASTECEDORIS 75
para obstar o contrabando. Os navios que partiam da Bahia para donos de fazenda, procurando intensificar a producãd, ltttando
o Rio de Janeiro on para Santos eram rigorosaEnente vistoriados. contra a falta de bracos, maldiziam a concorrêncja de mâo-dè-
Qualquer vigilância, porém, era inütil. 0 contrabando de negros obra que ihes moviam as minas.
era irrefreável, corno no-lo provam os documeitos)°' Ha urna carta de D. Rodrigo da Costa, escrita nt Bahia ais 27
Os senhores de engenho, fornecendo bracos para as Gerais, de maio de 1704, que descreve fielmetite a situação de desespero
veridendo os escravos que estavam sobrando na indástria acuca- em que ficaram os lavradores:
reira, mercê do decréscirno da exportacão, encontrararn nesse
comércio urna forma de se refazerem economicamente. "Deus por quem é se lembre de no's porque so a sua
Cornboios e mais comboios de escravos foram levados dos divina omnipotência nospoderá liwar de alguma invaso do
engenhos para as lavras, a despeito de todas as proibicöes, atraI- inimigo e de se perder de todo no nosso tempo o 1siado do
dos pelos generosos pagamentos dos mineradores. Brasil pela falta de escravos, que se experimenta a respeito
O Conde de Sabugosa, em carta datada da Bahia, aos 23 de das Lavouras que muitos lavradores largam, por subirem ao
agosto de 1730, assim retratou o fenômeno: galarim em precos Os escravos: estes são os lucros que Sua
Magestade tirou das minas que foi servido mandar abrir nos
Tor causa dellas [as minas] se abandonão engenhos e Sertöes desta Capitania ...... '°4
muitas fazendas de canna e a lavoura de tabaco vendo a
pouca sahida que tern os effeitos e a carestia a que subirão Antonil corroboron o testemunho acima:
os escravos, não havendo homem branco que se queira
sojeitar ao exercicio de feitor e a outos empregos, porque "0 irem para as minas os meihores generos de tudo o
todos Os que passão do Reyno vem corn o seritido nas minas, que se pode desejar foi causa que crescessem de tat sorte os
para donde passão logo que chegào, ao que não descubro precos de tudo o que se vende, qtie os senhores de engenho
remédio, nem se Ihe pode applicar providência pela bar- e Os lavradores se achem grandemente empenhados e que
gueza do certão.....•b02 por falta de negros não possam tratar do assucar, nem do
tabaco, como fazião folgadamente nos tempos passados, que
A princIpio, os senhores de engenho desfaziarn-se dos seus eram as verdadeiras minas do Brazil e de Portugal..."•b05
negros gostosamente, lucrando gordas somas nas vendas que fazi-
am aos mineradores. Logo depois, larnentaram essas transaçöes: é Não foram os escravos os ünicos objetos do contrabando ba-
que o ouro do Brasil causou uma alta geral de precos nos merca- iano para as Gerais. Con trabandeavam-se largamente todos os
dos internos e externos."I 0 açücar voltou a ser altamente cota- produtos. Mesmo o gado bovino, cuja passagem para as minas era
do. Os gêneros alimentIcios em geral também subiram de preco permitida, muitas vezes era ilegalmente introduzido nas Gerais,
em virtude do aparecirnento do grande centro consumidor das pelos boiadeiros que queriam furtar-se ao pagamento dos direitos
Gerais e pela abundância do ouro. Os senhores de engenho e os de entrada.'°6

Documentos históricos, vol. XI, p. 313, 343. 104


Documentos históricos, vol. XI, p. 355.
102
Anais da Biblioteca Naciona4 vol. XXXI, p. 26. 115
Antonil. Op, cit., p. 261.
103
Roberto Simonsen. Op. cit., vol. II, p. 37. Ms. da Biblioteca Municipal de São Paulo, códice Costa Mattoso.
76 Os MERCADOS ABASTECEDORES oSmFP,cADosABASTJEdb6kiS 77
A Bahia compensava o fato de estar proibida de comerciar Ihe confiscarão os bens sera' preso e castigádo como Os sao
corn as minas, corn urn rnelhor aparelhamento de comércio e os transgressores das leis, e todOs aquelles que desencami-
meihores vias de cornunicação do que os da, capitanias de São nhão a Fazenda de S. Magde. ,107,
Paulo e do Rio de Janeiro.
0 comércio de contrabando foi aos poucos se organizando. Manuel Nunes Viana era, indubitavelmente, a mais prestigio-
Era tal a soma de interesses que girou em tomb desse comércio, sa figura do abastecimento das Gerais, pelos caminhos do ser-
que potentados em gado, senhores de fazendas, tropeiros e corn- 6ao.108 Mas, sendo esse comércio proibido, era ao mesmo tempo o
boieiros de negros foram naturalmente se congracando, reunindo major defraudador do fisco régio e, corno tat, opunha-se a Borba
e associando, para resistirem meihor as ordens régias que orde- Gato, que representava o Real Erário. Vemos, por paradoxo, urn
navam a confiscacão de todo e qualquer artigo que passasse pelos paulista defendendo a causa reinol, enquanto que ó português
caminhos do sertão baiano, exceção feita do gado, desde que Nunes Viana, mancomunado corn outros portugueses e balanos,
fossem pagos Os direitos de lei. no fundo defendia os direitos que tinharn Os rnineradores de
Uma das maiores figuras do contrabando baiano foi Manuel alimentar-se, vestir-se e comprar de quern quisessem as cousas de
Nunes Viana, que fazia parte de uma ampla organizacão de cria- que careciam.
dores de gado, marchantes, lavradores, comboieiros, negociantes Os paulistas, entretanto, não ficararn a margem deste contra-
e capitalistas. 0 grande caudilho não se limitava a introduzir nas bando; nao tinharn nenhurn motivo para fazer causa cornum corn
Gerais, alias sem pagar direitos, boiadas e outros produtos das o Real Erário. 0 autor anônimo das "Inforrnacöes sobre as minas
fazendas que possuIa nas margens do rio São Francisco. Esperava do Brasil" mostra corn nitidez a atuacão dos paulistas nesse co-
também volurnosos carregamentos que ihe eram remetidos do mércio ilegal. E percebe-se que, pelo seu testernunho; haviti mës-
Recôncavo, pela irnportante sociedade de que era membro. Rece- mo conivência ernie representante do Fisco (Borba Gato?) e os
bidos tais comboios, corn eles marchava para o território das la- contraventores paulistas.109
was, sempre acompanhado de grandes escoltas armadas e dispos-
tas a resistir as patruihas que faziam a fiscalizacão nas estradas
proibidas. 87
Ms. da Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo da Marinha e Ultramar,
Existe interessante documento sobre as atividades de Manuel apuclJ. Soares de Mello. Emboadas, p. 74.
108
Luis de Almeida Correia d'Albuquerque escreveu sobre Nunes Viana, aos
Nunes Viana: e o edital de Borba Gato, ordenando seu afasta- 6 de fevereiro de 1709, o seguinte:
mento das minas, no interesse do Real Erário:
"...por ser muito rico, fascineroso e intrepido por cujas rasôes he o que
introduz nas minas rnuytas e grandes tropas da Bahia, para onde vay a
"... sendo muy prejudicial a sua vinda a estas Minas pelo mayor parte do ouro que ellas produzem, contra as ordens de S. Magde, e
grande prejuizo que se segue a Fazenda Real todas as vezes corn grande prejuizo de sua real fazenda, porque não paga quintos..... Ms.
que fas jornada para os currais da Bahia ajuntando e agre- da Biblioteca Nacional de Lisboa, Arquivo da Marinha e Ultramar, apud j.
Soares de Melo. up. cit., p. 259.
gando a sy todas as pecoas que querem por aquella estrada
dezencaminhar ouro sem pagar quintos a S. Magde, que Ds. 101 Nestes termos se expressou o autor das "Informacöes": "Ultimamente

ge. seguindose de tudo tao damnosas consequencias a Fa- dentro das mesmas minas se fizerão goardas para empedirem as entradas e sahidas
zenda Real e atendendo a ellas ordeno e mando ac, capitão por este caminho ñorneando-se para este effeito os Paulistas mais poderozos, e de
mayor nome que se achão nas ditas minas, rezolucão que a prima face parece
rnor Manuel Nunes Vianna despeje estas Minas em terrno de unica e efficaz para o intento; porem igoa1rnete se tern experimentaclo futil e de
yin te e quatro oras corn comirsacão de que não o fazendo se nenhum effeito, porquanto os mesmos goardas per sy on por outrem mettem por
IJi

78 Os MERCADOS ABASTECEDORES OS MERCADOS ABASTEC661E 79


)
Em tomb da palpitante questão do contrabando baiano foi escravos adidos aos serviços dos engenhos. Tat restrição era abso-
) que surgiu o famoso edital de Borba Gato, proibindo a presenca, Jutamente infantil, dada a impossibilidade de ser observãda. Pra-
) nas minas, de Nunes Viana. Essa foi a faIsca que ateou o incêndio ticamente, o que existia era a liberdade de introdução de escravos
armado que se denominou "Guerra dos Emboabas". nas minas, e, assim, negros da Bahia e de Pernambuco entrakam
em enxurradas nas Gerais, como no-to indicarn os documentos.111
) H Além de escravos e gado bovino e cavalar, a Bahia forneceu as
) H Gerais gêneros alimentIcios, tecidos e outros produtos da ind(is-
) ORegimento das Minas, de 1702, proibindo o corner- tria local, destacando-se os opulentos móveis de jacarandá.
cio entre a Bahia e as Gerais, abriu apenas uma excecão para a A Bahia ainda funcionava como ehtreposto importador de
)
passagem de gado. artigos embarcados em Lisboa, de produçao reinol ou de outras
A passagem de negros era rigorosamente proibida, para evi- procedências. Pela Bahia (localizada mais próximo de Lisboa do
tar-se a ruIna total dos cariaviais e engenhos. Esta proibicão, p0- que Santos e o Rio de Janeiro, e gozando por isso das vantagens
rem, não prevaleceu por muito tempo, ou por ser impossIvel coi- dos fretes menores), entravam para as Gerais espeihos ornados de
)
bir o contrabando, ou por se constatar que a Bahia era o natural ricas molduras, loucas da India, panos de Damasco, tapecarias das
entreposto de importacão de escravos africanos para as minas, on mais famosas fábricas da Europa ou do Oriente, variados artigos
) por ser grande produtora de tabaco, artigo que servia de moeda de producão portuguesa, inglesa, francesa, holandesa, etc...
) no tráflco negreiro. Ao lado dos produtos ingleses, franceses e holandeses eritra-
0 fato é que a proibicao foi derrogada por carta régia de 27 dos legalmente na Bahia, através do entreposto de Lisboa, deve-
) de fevereiro de 1711.110 Dessa data em diante os negros podiam mos constatar o contrabando intenso que se fazia dirétamente
) entrar nas minas pelo caminho do sertão, desde que não fossem através de navios daquelas nacionalidades que visitavati sub-repti-

) kf
Tj
Ha urna carta do Conde de Assumar ao ouvidor da Comarca do Rio das
ji este caminho nas minas os mais importantes comboyos e boyadas em ordem aos Veihas, datada de Vita do Carmo, aos 20 de marco de 1721, que diz:
I seus lucros; e quando elles não o fazem qualquer outro Paulista os manda it em
seu nome que basta para ninguém os empedir, certeza que tern tao irifalivel Os que "Não puz nunca duvida que V.M. recebesse o ouro do contracto dos
) vão para as minas que o passaporte que buscão he procurarem saber o nome de gados da Ba. o ouro dos quintos, as Rendas das passagens dos Rios e a dos
) algum paulista e debaixo do tItullo delle levão o comboyo ou comboyos tao seguros 4800rs dos negros do Certão..." Ms. inédito do Arquivo Ptiblico Mineiro,
• que a muitos sucedeu tomarem-Ihos e depoig restituir-Ihos corn mayores avancos; e Códice 13, f. 26v.
) ja se vio (não poucas vezes) boyadas tomadas pelos tais guardas, marcadas e larga-
das ac, campo pot conta da Fazenda Real tornarem-nas ajuntar Os mesmos que as Uma carta régia, datada de 25 de abril de 1739, confirma a passagem legal de
) tomarão e reporem-nas a seus donos por dizerem as levavão determinadas para tat negros pelos caminhos do sertão balano, partidos de Pernambuco:
) e tat Paulista. Do que claramente se coihe que neste genero de goardas suposto
the seja facil fazerem tomadias nos comboyos e boyadas que entrão nas minas, os "D. João por graça de Deus Rei de Portugal e dos Aigarves daquem
quais pela dificuldade de sua conduccao não podem entrar ocultos, contudo não mar, em Africa senhor de Guine, etc. Faco saber a vós Provedor da Fazenda
o fazem pelo que mostra a experiencia dita: nem o hão de fazer pelo que insinua Real da Praça de Santos que Estevão Martins Tortes rematou no men
a razão, porquanto on os Paulistas todos hão de ser guardas ou algus delles, se Conseiho Ultramarino o contracto da saida dos escravos que do
H forem todos, todos hão de solicitar entradas dos comboyos e boyadas do Rio São
Francisco, sem os quais nao podem viver como abaixo se dirá; e se forem alguns,
Pernambuco vao para as minas por mar e por terra por tempo de trés
annos que hão de principiar no primeiro de Janeiro de mil sete centos e
) os outros que não o são hão de introduzir os comboyos e boyadas on pot via de quarenta corn a condicão de que serão obrigados os condutores dos escra-
respeito on por forca do poder". Anais da Biblioteca Nacional, vol. LVII, p. 159. vos a apresen tar os despachos que tirarem por onde conste o terem pago Os
Docu men/os inhere/san/es, vol. 49, p. 7. direitos dos mesrnos escravos...... Documes€os /eistóricos, vol. 1, 356.
p.
)
Os MERGADOS ABASTECEDORES 81
80 Os MERCADOS ABASTECEDORES
"0 comercio hoje desta praca para Minas Gerais he
ciamente as pracas marItimas do Recôncavo ou que, na costa da muito diminuto, depois que o comutn dos mineiros come
Africa, entravam em intercârnbio corn navios baianos. 2 çaram a frequentar o Rio de Janeiro, distante 80 leguas da
Também no comércio corn a Af rica, para o escambo de ne- sua capital quando da Bahia Ihes distava 300, corn pouca
gros, a Bahia desfrutava as vantagens da major proximidade dos differenca. Consiste este na expOrtacão de bastantes escravos
mercados negreiros.'13 que o Rio não pode subministrar-ihes corn a preciza abun-
Por todos esses motivos, a Bahia gozou muito mais da opulên- dancia; fazendas brancas e algumas de cor; armas e fer-
cia do ouro do que as modestas cidades vicentinas. ragens, polvora, chumbo; alguns rnolhados, chapeus e algu-
Pode-se dizer, como o fez Augusto de Lima Jr., que a Bahia, mas óutras bacatellas e quinqui1hirias; a major parte porem
pelo fornecimento do gado, escravos, objetos de luxo, mobiliário deste comercio he corn Minas Novas e Jacobina ......115
e artigos importados para as cidades das Gerais, foi meeira na
riqueza das minas. 114 Vilhena considerou, porém, que em troca desses fornecimen-
São as trocas avultadas e intensas que a Bahia manteve corn as tos ia para a Bahia muito pouco ouro, "a mayor parte por alto e
Gerais que explicarn o fausto de suas magnIficas igrejas do século algumas bestas muares que se encommendão..."."6
XVIII, de arquitetura grandiosa, altares forrados de ouro, corn 0 comercio de lmportacão das minas concentrou se quase
verdadeiros tesouros em objetos litárgicos. todo no porto do Rio de Janeiro Era por ele, tambem, que se
0 volumoso escoamento de ouro para a Bahia, em pagamen- escoava o ouro das minas gerais e os diamantes do Disi±ito tiia-
to dos gêneros e produtos que circulavam pelos carninhos do rnantino.
sertão, explica, também, a presenca de uma verdadeira multidão Corn tal intercambio, a cidade de São Sebastião do Rio de
de ourives em suas cidades, ocupadas em burilar o metal precioso. Janeiro cresceu e desenvolveu se tanto que, em 1763, reutna todos
A abertura do "caminho novo" que ligoti o Rio de Janeiro as os elementos para poder roubar a Bahia a situacão de capital
minas prejudicou bastante no que se refere ao comércio de im- administrativa do Brasil. 17
portacão de artigos europeus e de escravos africanos.
Muitos anos decorreram, antes que o Rio de Janeiro, bafejado MERCADO EUROPEU
pela prosperidade que as minas gerais irradiavam, estivesse em Focalizando o mercado europeu, quanto aos forneci-
condicöes de rivalizar corn a Bahia em povoamento, producão e mentos feitos as populacöes das Gerais, antes tie mais nada, de-
apareihamento econômico. vemos assinalar a existência do monopólio de nosso comércio
Todavia, se os efeitos do "caminho novo" tardaram a se fazer exterior, em favor de Portugal.
sentir, nem por isso a decadência do comércio baiano corn as Em virtude do monopoho comercial realizado atraves de
Gerais pôde ser evitada. Companhias Privilegiadas, as grandes pracas abastècedora.s das
Vilhena, em suas cartas, retratou a decadência do comercio Gerais, na Europa, eram Lisba, Viana, Porto, etc...
baiano e relacionou-a estreitamente corn a abertura do "caminho
novo": 115
Vilhena. Cartas sotero/Jolitanas, vol. I, p. 50.
116 Idem. Ibidèm. Ao tempo em que Vilhena escreveu suas cartas, ji havia
112 A introducão de produtos europeus nas minas, através da Bahia, será estudada
outros fatores intervindo na decadência do cornércio da Bahia corn as minas: a
corn rnaiores detaihes, ao focalizarmos o mercado europeu, ainda neste capitulo.
decadência do ouro das Gerais e a auto-suficiência das minas.
113 0 cornércio de negros seiá estudado corn maiores minicias noutra parte
117
V. Ellis, Jr. 0 ouro..., cit., p. 281 e ss.
deste capItulo.
"I Augusto de LimaJr. Op. CU., p. 284.
OS MERCADOS ABASTECEDORES 83
82 Os MERCADOS ABASTECEDORES
Entretanto, como era diminuta a producão portuguesa de comissöes e para as Minas o custoso transporte. Conib havia de
manufaturas, Portugal funcionava mais corno entrepoStO das ou- medrar a Colônia em regime semelhante e como não haviakn de
tras pracas européias do que corno produtor. Era legalmente o atrasar-se os devedores?"°
ponto de passagem obrigatória de mercadorias de todas as proce- Se Portugal auferia grandes lucros como intermediário de
nosSo comércio europeu, qual não seria 0 lucro auferido por in-
dências, destinadas ao Brasil.
Concentravam-Se na Metrópole os artigos vindos das diferen- gleses, franceses e holandeses? Em verdade o ouro coihido no
tes regiöes do império português (loucas e porcelanas, sedas e Brasil não ficava em Portugal, pois passava para as demais naçöes
tapeçarias da India e da China). Também se armazenavam nos da Europa, em pagamento das importacöes.
Antonil, corn sua habitual perspicáda, observou o fenômeno,
portos lusos Os tecidos e utilidades da Inglaterra, Franca e Holan-
da, o ferro e o aço comprado aos suecos, hamburgueseS e biscai- logo no inIcio do século XVIII, e, lamentando-o, escreveU:
nhos, etc... Tais artigos eram embarcados nas frotas e distribuIdos
pelos portos coloniais principalmente pelos que serviam as Gerais o pior he que a maior parte do ouro que se tira das
(Bahia, Rio de Janeiro e Santos). minas passa em pó e em moedas para os reinos estranhos: e a
A esses artigos de várias procedências, juntavarn-se os de pro- menor he a que fica em Portugal e nas cidades do Brazil.. "120
dução metropolitana: aiho, azeite, azeitona, bacalhau, nozes, Sal,
sabào, vinhos, aguardente, etc.'18 Dentre as naçöes européias, a que mais fornecimentos fez aó
Tendo sido Portugal o entreposto necessário de todo o nosso Brasil, em geral, e as minas, em particular, foi a Inglaterra. Sem
comércio europeu, auferia grandes lucros na importacãO das ma- fornecimento inglês, faltaria não so ao Brasil, mas também a Por-
nufaturas estrangeiras que jam ser consumidas no Brasil; ganhava tugal, o que corner e o que vestir, disse Oliveira Martins pois que
nas taxas alfandegáriaS que cobrava nos seus portos e nos portos "todo o ouro do Brasil passava apenas por Portugal, indo fundear
colonjais; cobrava os dire itos de entrada que pagavam os gêneros em Inglaterra, em pagamento da farinha e dos gêneros fabris corn
para penetrarem nas Gerais; impunha taxas para a passagem de que ela nos alimentava e nos vestia".12 '
rios e, por ültimo, recebia os impostos das lojas e vendas que Os ingleses dominavam comercialmente a praça de Lisboa, Porto,
revendiam tais artigos. Viana, e outras. Através desses portos, dorninavam o comércio brasileiro.
Portugal empanturraVa-Se corn as taxas e lucros que a funcão Todo o trflco americano, na afirmativa de João LrIcio d
de intermediário dos fornecimentos feitos as Gerais em particular Azevedo, estava em mãos dos comerciantes ingleses, os quais sti-
e ao Brasil, em geral, lhe propiciava. priam o Brasil de fazendas e créditos, quer diretamente, quer pot
João Lücio de azevedo diz que, de cada cern libras aplicadas interrnédio de seus correspondentes em Lisboa e Porto.122
no ncgócio de importacão de fazendas da Inglaterra para o Brasil, Oliveira Martins, por sua vez, afirmou que o português so
sabia ser lojista, deixando todo o comércio exterior as mãos de
o fisco reinol absorvia sessenta e quatro em impostos diversos, e
depois do terremoto de Lisboa, sessenta e oito. E conclui eScre- estrangeiros, principalmente ingleses.123
vendo: "Juntem-se os demais gastos: fretes, direitos de cornboios,
I" Joao Ldcio de Azevedo. Epocas de Portugal econômico, p. 425.
120 Antoni]. Op. dl., 261.
p.
J. P. Oliveira Martins. História de Portugal, vol. II, p. 151.
118 Códices 'Balancas do Comércio", ms. da Biblioteca do Instituto Nacional
"2 João Lticio de Azevedo. Op. cit., p. 422
de EstatIstica de Lisboa, publicados na revista Documentos dos Arquivos Portuguescs '"J. P. Oliveira Martins. O. cit., vol. II, p. 151.
que importam o Brasil, n.° 16/17, 1946/47.
OS MERCADOS ABASTECEDORES 85
84 Os MERGDOSABASTE'
A carta régia de 8 de fevereiro de 1711 registra o contrabando
Em 1717, so em Lisboa, contavarn-Se cerca de noventa casas de ingles no porto do Rio de Janeiro e no da Bahia:
comérciO inglesas. Os ingleses irritavarn os lusos corn sua técnica de
comércio: vendiam aos importadores portugueSes as mercadorias
que deviam seguir nas frotas para o Brasil; em seguida, seus delega- "Eu El Rey faco saber aos que esta minha PrOvzam em
dos acompanhaVam as mesmas frotas e vinham vender, diretarnente forma de Ley virern que sendo-me prezente que na Bahia de
nas colônias, idênticas mercadorias e, logicamente por menor pre- todos os Sanctos foram quatro Navios de Guerra, quatro da
ço, sendo, por isso, preferidos aos comerciantes portugueSes)24 India Oriental, todos Ingleses, e também outros to Rio de
Urn alvará de Pombal, querendo evitar tais abusos, proibiu Janeyro e que todos os ditos Navios nos ditos portos introdu-
Era ziram mercadorias da Europa e 4a India, tirando do Brasil
em 1755 que viessem ao Brasil esses comissáriOs volantes.125
muito ouro e Tabaco. Fuy servido rezolver que para evitar
intencãO de Pombal exc]uir completamente os ingleses dos lucros
do comércio brasileiro. Os britânicOS protestaram vivamente, in- tam consideravel damno que se ordenasse aos Governadores
vocando o Tratado de 1654 e o de 1661, por cuja letra podiam das Conquistas não admitissem nos Portos delas Navios a!-
eles frequentar todos os domInioS de Portugal e ter residentes nas guns Ingleses ou de outra qualquer Nacão Extrangeira se
nam hindo incorporados corn as frotas deste Reyio..."i27
principais pracas de comércio.126
O volumoso cornércio legal dos ingleses corn o Brasil não
excluIa o contrabando, feito também em larguIssimas proporcöes. Essa providencia legislativa não surtiu o efeito desejado. 0
A Inglaterra não se contentava corn receber o ouro das Gerais contrabando continuou cada vez em major escala, feito quase que
a abertamente, sob as vistas das autoridades metropolitanas, e rnüi-
através de Portugal. A ambicão de seus mercadores levou-0S
procurar major proximidade do importante mercado de con5U- tas vezes corn a sua conivência.
A carta régia de 17 de fevereiro de 1719 consignava que,
rno que era a Capitania das Minas Gerais.
Os docurnentos demonstrarn a irnportância do contrabando depois da lei de 1711, corn mais freqüencia do que riunca, os
inglês, a frequênCia corn que navios britânicoS visitavam o Porto navios estrangeiros entraram em nosso portos, e nela confessa o
do Rio de Janeiro e o da Bahia deixando fazendas e carregando rei que estava persuadido de que "não sucederião estes descami-
ouro. Tal contrabando, que era vantajoso para os habitarites da nhos se os Governadores não os dissimulassem..."P128
Colônia (porque excluIdos os lucros do jntermediário portugUêS, A entrada de produtos britânicos nos portos brasileiros que
as inanufatUraS cram compradas por precos mais vantajosos), aos serviam as minas tomou feicão escandalosa, pelo ntimero de na-
poucos foi se organizando tanto na Inglaterra como no Brasil, e vios empregados nesse comercio, pela pubhcidade corn que se
se aparelhando corn navios regulareS comissáriOs, correspondefl efetuavam os negócios e pela cumplicidade de governadores e
funcionários das alfandegas.
tes, firmas organizadas, publicidade etc...
0 juiz de fora Baltasar da Silva Lisboa, em carta dirigida a
Martinho de Melo e Castro, em 1739, fez a seguiñte deniiincia

124
o regimentO das frotas estabelecia que vários navios de outras naciOflali-
as frotas e que "Já levei a presenca de Vossa Excellencia a copiosa
dades poderiam vir aos portos do Brash, desde que incorporados
tocassem em Lisboa na ida e na volta.
entrada de contrabandos nesta Cidade, tendo entrado neste
Comissái'iOs oIanteS erani os mercadores que ficavam nos portos apenaS o
winponeCcSSati. para 'vender as mercadorias que possulam. 1ngfres no BrasiL
l.ucio (IC A:'ved. Op. ci&. p. 439. e Gilberto Freire.
127 Anatr do Biblioteca nacional, vol. XXVIII, p. 227.
IN Ibidem, p. 232.
1"• :'
OS MERCADOSAEASTECEDORES 87
86 Os MERCADOS ABASTECEDORES

porto o anno passado trinta e dois navios estrangeirOs, quasi sas e pau-brasil que havia em todos os portos da Gird-Bretanha,
todos inglezes, e neste anno sete embarcacöeS inglezas, as principalmente em Londres e Liverpool. Indagando sobre ri pro-
veniéncia de tais artigos próprios das colônias luso-brasileiras,
quais tern introduzido urn jamais visto giro dos ditos contra-
constatou o contrabando putblico que se fazia corn os portos do
bandos, vindo ate já muitas fazendas selladas corn falsos
sellos, e os oflEiciais da Alfandega que são inteiramente Brasil, possuindo os contrabandistas urn completo apareihamento
de embarcacöes, comissários, correspondentes, etc. De todos os
inhabeis nos officios que occupam, não so pela falta de
fatos observados ofereceu deniincia, em carta dirigida a D. Ro-
intelligência das fazendas, como pela infidelidade corn que
drigo de Sousa Coutinho, datada de Lisboa, aos 19 de setembro
procedern; elles rnesmos corn as guardas militares que se
de 1799.132
mettem a bordo dão sahida ao desernbarqUes e ao escandalo
Os principais produtos do intercârnbio ingles corn os portos
corn que publicarnente se vende nesta cidade, como Vossa
brasileiros eram: trigo, bacalhau, pânos de La, objetos de metal e
Excellencia poderá ter cabal conhecimeflto.......
manufaturas as"'
Os franceses e holandeses tamFém fizeram valiosos forneci-
Martinho de Melo e Castro, riuma representacãO datada de 5
mentos as populacoes mineradoras. Antonil mencionoü a quanti-
de janeiro de 1785, rnostrou a que extrerno de regularidade e
dade de "bugiarias" francesas que corriam nas minas.134
organizacãO havia chegado o comércio direto entre a Inglaterra e
O
Brasil. Afirmou ele que, anualmente, doze navios ingleses, sen-
do o menor de quinhentas a seiscentas toneladas, corn quarenta a
n 'Correspondencia de várias authoridade avulsos", PJHGB. vol. CV, p. 71.
cinqüenta homens de equipagem cada urn, e corn artilharia pro- Dessa denUncia transcrevemos o principal trecho:
porcionada vinham para o Brasil carregados de rnanufatura. Na "...de Londres, Liverpool e mais portos da Inglaterra sahem nurito.snavios e
Bolsa de Londres, faziam-se seguros dos navios ingleses destinados alguns armados em guerra corn apparêncla de hirem contra os francezes,
aos nossOs portos e, nas gazetas britãnicas, anunciavam-Se, corn Os mas na verdade carregados de fazendas, e outros corn destino de hirem a
nomes dos navios e dos capitães, as embarcacöeS que estavam pesca de baleia; porem em lugar das armacöes necessarias para aquele tim,
vão carregados de fazendas de algodao, pannos, polvora &, havendo em
prontas para partir rumo a costa brasileira.13° Londres crna que tern mais de oito navios para este Sm como a de Joao
Declarou ainda Martinho de Melo e Castro que os negocian- Bamess e outros.
tes brasileiros, remetendo seus açücares aos seus correspondentes Que estes navios on vao logo em direitura aos portos do Brazil
onde já tern correspondentes, que Ihes tomam estas fazendas em troca das
em Lisboa, Ihes recornendavam que, em retorno, não mandassern principais das nossas Colônias, finjindO para este Sm arribadas forcadas; on
fazendas da Europa e sirn moeda corrente, por terem rneios de andarn bordejando costa a costa, esperando por jangadas e sumacas que
obter tais fazendas por outras vias e a precos mais cômodos do vem de diversos portos subalternos do Brash, carregadas de pau da Rainha,
ouro &, que trocam pelas mercadorias Intezas.
que os que Ihes irnpunha Portugal.131 "Que tern chegado a cobica dé mriitoo Portuguezes ao excesso hor-
Urn südito do rei de Portugal, Francisco José de Lima, ao rendo de andarem por Comissarios em simithantes navios do Brazil para
viajar pela Inglaterra nos fins do século XVIII, ficou intrigado Londres e Liverpool a tratarem de cornissöes e remessas de fazendas corn
corn a quantidade de ouro em pó, barras de ouro, pedras precio- tanta franqueza e liberdade como se as fizessern corn Os seus proprios na-
cionais, sendo tao illicitas e reprovadas..."
Interessantes detaihes sobre o comércio entre a Inglaterra e o Brasil, na segun-
da metade do século XVIII, encontramos no oficio que foi apresentado pelo
u° "CorrespondêflCia de várias authoridades", RIHGB, vol. CV, p. 264. cônsul-geral da Grã-Bretanha ao rei de Portugal, em 1Q de outübro de 1784; v. in
1785",
130 "DocumentoS oficiais inéditos relativos ao alvará de 5 de janeiro de
RJHGB, vol. X, p. 228.
in RIHGB, vol. X, p. 213. ° Antonil. Op. cit., p. 217.
131
Ibidem.
H 1'
88 Os MERCADOS ABASTECEDORES Os MERCADOS ABASTECEDORES 89

A introducão de mercadonas francesas e holandesas nos portos 0 ouro do Brasil deu o primeiro impulso a forma go dos
) brasileiros que serviam s Gerais fez-se quer indiretamente, pelo grandes estoques desse metal e contribuiu para que fosseni ado-
entreposto de Lisboa, quer diretamente, em caráter de contra- tados como base tmnica do sistema monetario em muitos palses,
) notadarnente na Inglaterra, que adotou o monomettmtsthoi em
bando. 1816.130
Embora não tenhamos obtido provas concretas do aparecimen-
to de navios contrabandistas holandeses e franceses em nossos por- A producào do ouro brasileiro, que atingiu volume desconhe-
tos, parece-nos natural que tais embarcacöes tenham seguido o cido desde a queda de Roma, afetou a economia dos paIses da
)
exemplo das inglesas pelos mesmos imperativos econôrnicos. A carta Europa ocidental, produzindo uma alta geral de pre4;os.140
) Sombart, em sua obra Le Bourgeois, itribuiu ao ouro brasileiro
de Baltasar da Silva, já citada, menciona trinta e dois navios estran-
0 aparecimento de uma nova etapa do capitalismo. Afirmou ele
geiros, "quasi todos inglêses"135 e esse "quasi" nos dá margem para
admitir a presenca de navios daquelas nacionalidades. que, sem a descoberta do ouro brasileiro, não terlamos tido
)
Quanto ao s navios holandeses ha urn docurnento que registra homem econômico moderno.141
) Portugal locupletou-se corn o ouro brasileiro, de três modos:
preparativos de viagem de embarcacão da 1-lolanda, para fazer ne-
) gócio no Brasil. E a carta régia de 23 de maio de 1716, na qual o rei corn a cobrança dos quintos, corn a venda de produtos de sua
comurnca ao capitao-general da Capitania de Pernambuco que no fabricacão ou de sua lmportacão aos ricos mineradores e corn
)
Reino se tinha "noticia que em Olanda se estavam preparando três outras rendas e taxas diversas, como os direitos que cobrava sobre
) Os escravos e mercadorias que entravam nas minas, os direitos de
Navios e carregando-se coth muitas fazendas corn intento de irem
fazer negocio a urn dos Portos do Brazil...". E o rei adverte que, no passagern de rios e tantos outros.
) caso de ser escoihido o porto de Pernambuco, tornasse cautela em Sabe-se que o século XVIII foi o século de ouro para a corte
observar o disposto na lei de 8 de fevereiro de 1711, que proibia tal portuguesa. A reconstrução de Lisboa, as suntuosas- edificacoes,
) como 0 Convento de Mafra e o Palácio das Necessidades, as prodi-
1 comércio.13°
0 contrabando frances e holandCs, de preferência, se efetua-
va na Costa da Africa, onde navios dessas nacionalidades entravam
) em contato mercantil corn navios brasileiros. E a sombra do co- . minas mato-grossenses e goianas, que, embora diminuta comparada a producão
mércio negreiro todas as espécies de gêneros e rnanufaturas holan- das jazidas das Gerais, certamente reforcou os efeitos que o ouro das Gerais cau-
II 137
desas, francesas e mesmoinglesas inundavarn 05 fl05505 portOS.
J
sou na Europa.
Alvaro de Sales Oliveira, em artigo intitulado "Producão do Ouro no Brash",
•t 0 ouro brasileiro que foi para Europa, em pagamento dos
atnbuiu a seguinte producao a cada uma dessas regioes mineradoras brasileiras
) artigos importados legalmente ou contrabandeados somado . ao (baseado em Eschwege, )JHGSP, vol. XXXVII p. 196):
• . em pagamento dos varios .. . impostos,
I que foi para 0 Real Er, air, do qlunw ouro extraldo, já
)
causou fundas repercussöes na economia in arrobaz quintado -arrobaz
Minas Gerais 7.137 35.686
Goiâs 1.842 9.212
Mato Grosso 621 3.107
133 Anais da Biblioteca Nacional, vol. XXVIII, p. 232.
) Simonsen admite que, de toda a producao de ouro brasileira, a producão de
136
Ibidem, p. 230. • Minas Gerais representa cerca de 70% (Histdria Econômica do Brasil, II, p. 72).
137 "Documentos oficiais inéditos relativos ao alvará de 5 dejaneiro de 1785",
Simonsen. 0/i. cit., p. 28 e 29.
RJHGB, vol. X, p. 213. . - - em. Ibi em, p. 14 e 34.
) Os efeitos do afluxo do ouro brasileiro na economia europela nao foram 141
M Sombart Le bourgeois p 386 e 384
devidos unicamente ao ouro das Gerais Nao devemos esquecer da producao das
OS MERCAD0S AEAt11S 01
90 Os MERCADOS ABASTECEDORES
galidades feitas ao Vaticano, foram pagas corn ouro do Brasil."' portante mercado consumidor de muares: as regiöes aürièras das
Mas se Portugal auferiu proveitos do ouro brasiliro, em mui- Gerais.116
to maior escala locupletou-se a Inglaterra. Portugal, em verdade, A concentração de grandes massas demográficas ns Gerais
reteve pequena parcela das riquezas metálicas que passaram pelos fez corn que convergissern, para os sertes de além-Ma!itiqueirá,
seus cofres. 0 meihor quinhão escoou-se para a Grã-Bretanha, em importantes correntes comerciais que levavam todos os gêtieros
pagamento das importacöes e como urn reflexo da polItica codifi- de consumo exigidos por nücleos htimanos densos e dé alto po-
der aquisitivo. Ora, os transportes so poderiam ser feitos a lombo
cada no Tratado de Methuen.
A Inglaterra enriqueceu-se corn o ouro das Gerais, quer rece- de burro ou pelo dorso humano, pela impraticabilidade dos cami-
bendo-o através de Portugal, quer pelo comércio de contrabando nhos, pelo acidentado do relevo, e em virtude das cOn&cöes téc-
feito nos portos subsidiários das minas. Acumulou, desta forma, nicas dos transportes da época.
vultosos capitais que, aplicados primeiramente no comércio, fo- Além do volumoso transporte de artigos para o consuino, o
ram mais tarde investidos em empreendimentOs industriais. estabelecimento da indüstria extrativa de ouro e de diamante cxi-
giu muares para o transporte do metal e das pedras preciosas para
Assim, nosso ouro deu a Inglaterra as condicöes de superiori-
dade técnica, que ]he permitiram realizar a Revolucão Industrial. os portos de mar, bern como para os serviços das minas.
Fortaleceu o sistema monethio inglês. Melhorou as condicöes A grande procura de muares fek corn que se alargasse cada
vez mais a area de ma criação, que foi ganhando os campos de
sociais e polIticas do povo britânico.143
Apareihando-se corn técnica mecânica, os ingleses puderarn Viamão, Missöes, Colônia do Sacráhtnto, Montevidéti, Buenos
ampliar e baratear sua producão, vencendo a concorrência estran- Aires, Corrientes, Entre Rios, etc....
Analisando-se o comércio desses animals de carga; nap se
geira e levando a miséria outros paIses, como por exemplo a
Franca, cujas populacöes famintas pretenderarn afogar em sangue pode precisar ate onde tal comércio era nacional e onde' èorneça-
seu sofrimento, escrevendo nas páginas da História os capItulos va a ser externo. E que nessa época as áteas da bacia do Prata não
estavam totalmente defiriidas, quanto a nacionalidade. Durante o
impressiorlantes da Revolucão Francesa.'44
século X\TIH, muitas pendências e rnesmo guerras se travarani entre
0 MERCADO PLATINO Portugal e Espanha, pela posse de areas platinas contestadas.
Os campos que bordejam o baixo Paraná e o Uruguai Além do mais, a base desse comércio era 0 contrabando. For-
eram povoados de gado bovino, cavalar e muar desde o século XVI. mavam-se grandes tropas de mulas, onde se confuncliam as de
Os muares eram produzidos em larga escala como indástria subsidiá- procedência hispano-americana corn as de producão nacional.
na da mineração andina, pois eram os animals indicados para ser- A princIpio, as bestas de carga segularn por terra ate Laguna e
daI eram transportadas por mar, desembarcando em Santos ou
vir a região montanhosa onde se localizavam as minas de PotosI.'45
Quando estas minas argentIferas entraram em decadéncia, as no Rio de Janeiro. Foi em 1738 que o grande tropeiro Cnistóvão
regiöes platinas tiveram a felicidade de ver surgir urn outro im- Pereira abriu urn caminho terrestre direto pelo interior, ligando
os campos de Viamão a São Paulo.
Os muares criados no Rio Grande ou nas provIncias hispano-
u V. Ellis Jr. 0 ouro..., cit., p. 226 e Paulo Prado. Retrato do Brasil, p. 97.
americanas formavam tropas compostas de centenas è mesmo
l4F. W. Tickener. Hsstória social e industrial da Inglaterra, p. 516 C SS.
" V. Sonsbnrt. Op. cit.; Simonsen. Op. cit.; Ellis Jr. 0 auw..., cit., e Vanorden
Sh.rw, nrtigos ens 0 Ectado de S. Paulo. '46 Alfredo Ellis Jr. "0 ciclo do muar", Rwista de Histôria, ano I, p. 76.
Alice P. Caiinbinva. () co,ntnio ptnTh giu$ uo rio do Pinto, P. 161.
92 Os MERCADOS ABASTECEDORES I OS MERCADOS ABASTECEDORES 9

milhares de cabecas. Tomavam o caminho do Norte em setembro Brazil de fazerem os moradtires delle os seus transportes em
ou outubro, época em que os pastos estavarn viçosos por causa da machos e mullas, deixando por isso de comprar os cavaibs;
abundância de chuvas. Partindo do Rio Grande do Sul, a altura de Sorte que se vai extinguindo a criação defies, por nâo
de Santo Antonio da Patruiha derivavam para oeste e passando o terem sahida, em grave prejuizo tie Meu Real servico e dos
rio das Antas, Vacaria, e o rio Pelotas, tocavam em Lajes, Tibaji, criadores e Bern Commum dos lavradores dos sertOes da
Bahia, Pernambuco e do Piauhy e attendendo ao que em
Itararé e Sorocaba.147
Sorocaba era considerada o ponto terminal da jornada. Al se nenhuma cidade, villa ou lugar do Territorio dos vossos
realizavarn as feiras das mulas, de abril a maio, feiras que se torna- Governos se possa dar despachopor entrada ou por sahida a
ram famosas em todo o território brasileiro. machos e mulas. E antes pelo contario, todos e todas as que
De Sorocaba, os muares se distribulam por toda a região cen- nelles se introduzirem depois da publicacao desta sejâo
tro-sul do pals, passando a constituir a mola principal da impor- irremissivelmente perdidos e mortos pagando as pessoas em
tante indtistria de transporte. cujas mãos forem achados os sobreditos e mullas, a metadë
0 comércio de mulas tornou-se tao volumoso que determi- do seu valor, para os que os descobrirem. Nas mesmas penas
nou considerável evasão de nosso ouro para Os cofres da Espanha. incorrerão as pessoas que de tais cavalgaduras se servirem,
Tanto assim que o autor anônimo do "Roteiro do Maranhão a ou seja em transportes ou em cavallaria, ou em carruagens,
Goiás" clarnou contra esse desvio de metal.148 depois de ser passado dum anno que Ihes concedo para o
A producão de mulas nos confins sulinos do pals repercutiu consumo das que actualmente tiverem .......49
forternente na criação de cavalos da Bahia, Maranhão e Piaui, que
decaiu. Os criadores de eqUinos, sentindo-se prejudicados, fize- A proibicao, descabida e draconiana, não poderia prevalecer,
ram uma representacão de protesto ao rei. porque contrariava imperativas leis econOmicas. As regiOes do
Não se fez demorar uma carta régia datada de 19 dejulho de centro e do sul do Brasil, respectivarnente consumidora e produ-
1716, verdadeiramente absurda, proibindo o cornércio e o uso de tora do gado muar, reagirarn contra o absurdo protecionismo aos
criadores do norte A corte viu se obngada a voltar atras Foram
muares.
promulgadas as cartas de 22 e 24 de deembro de 1764, nas quats
"Sendo-me prezente que pelo costume que de annos a foi reconhecida a utilidade inconteste do muar e permitido o see
esta parte se tern introduzido no continente do Estado do uso desde que tais bestas de carga fossem criadas dentro dos
dominios cotoniais Ao mesmo tempo ficou estabelec,do, para
que a cr,acão de cavalos não declinasse inteiramente, que as fa
zendas deveriam criar tambem eq6inos5 na proporcão de urn sex
Roberto Simonsen. Op. cit., vol I, p. 269 e Pierre Deffontaines. "As feiras de
147
to da producão de muares 150
Sorocaba', Geografia, ano I, nQ 3, p. M.
n "Roteiro do Maranhão a Goiás", RJHGB, vol. 99, p. 126: Proibindo se a entrada de muares oriundos das regiOes hispa
no-americanas e intensificando-se a producão nacional, atingia-se
"Não se pode duvidar que para conducöes excedem as bestas muares
aos cavalos, mas também ninguem duvidará que utilidade que nas ditas
conducöes achain os mineiros servindo-se de bestas muares de Espanha
deve ceder a utilidade do estado, o qual pede que não sala dde para mãos
estranhas o ouro e que dentro de si mesmo se prornova nos lugares mais Docu,nentos hi,tóiicos, vol. II, p. 293.
convenientes, em quanto for necessário a criacão deste genero tanto em '5° Roberto Simonsen. Op cit.,vol I p 292 293
uma como outra espéCie."
)
)

- IF 94 Os MERCADOS AJIASTECEDORES
o objetivo visado: evitava-se o escoamento do ouro das Gerais para
OS MERCADOS ABASTECEDOEjS

de Espanha, bern como as pesadas taxas que recáIam sobre as


95

mãos estrangeiras. bestas que vinham do sul, impeliram algumas regiöes das minas a
) Todavia, atrás desse comércio de burros corn as regiöes cob- tentar a criação de muares.
niais espanholas, havia grandes interesses politicos, especialmente D. Luis Antonio de Sousa, em carta dirigida ao Marques de
a posse da região fronteirica, que so era povoada e freqüentada Lavradio, em 14 de novembro de 1770, dá-nos iestemunho do
por ser uma zona de criacão de bovinos e aparecimento de fazendas de criacão de bestas, na Capitania das
) Faltando o interesse econôinico representado pelas transa- Minas Gerais:
) cöes em tomb dos animais de carga, a fronteira se despovoaria,
) pois "Não haverá homens tao cegos que queirão ir habitá-la fal- "A V. Excia., como cabeca diste Estado the you dat
tando-ihe esta utilidade...".15 ' conta como o principal negocio desta Capitania he a corn-
)
Além do mais, a supressão desse comércio para as regiöes do pra das bestas que se vão buscar a Fronteira de Viamão,
Prata significaria urn prejuIzo enorme para a Capitania de São a passagem dellas e os Direitos que pagão nos Registros
) Paulo pois a principal atividade de seus habitantes era ir buscar são a principal renda que tern a Provedoria de Viamão e
muares a fronteira. Também para a Coroa, a medida redundaria a desta Capitania de São Paulo, e a assistêncià deste corner-
em prcjuIzo; é que as bestas que vinham do sul pagavam várias cio he o que da exercicio ao maneyo dos dinheiros particu-
) taxas nos diversos registros por onde tinham de passar)52 lares, modo de vida aos que vem do Reino e que faz con-
) A gratide necessidade de muares nas Gerais e a polItica me- servar a Povoação nas Fronteiras e o trafico mayor destes
tropolitana de impedir que nosso ouro se evadisse para os cofres habitantes. Todas estas grandes utilidades estão perdidas
)
pela introdução que ha hum tempo a esta partè se tern
) procurado fazer na Capitania de Minas de Burros e Burras
) para fundaçao de Fazendas de criacão. Eu, antevendo esses
Docurnesuos interessantes, vol. XIX, p. 45.
Todos esses inconvenientes foram apontados no oficio que o capitão- notaveis prejuizos não so dos Vassallos, mas também dos -
general da Capitania de São Paulo, D. Luis Antonio de Sousa, enviou ao Conde de Reais interesses de S. Mage. fiz prohibir as passagens destes
ValaIares em 13 de novembro de 1769: animais nos Registros desta Capitania, mas não conse-
"Não posso deixar de por na prezenca de V. Ex. o quanto he pre- gui nada porque prevalecendo ao. interesse publico a con-
judicial ao bern comum e aos interesses de S. Mje. o estabetecitnento de veniencia particular, tern dado Os creadores de Minas em
fazendas de egoas e burros dentro dos Registos, especialmente na Capitania mandar passar os ditos Burros por mar e ate inandal-os vir
de Minas que V. Ex. governa. das ilhas ... ".155
"0 negocio mais limpo que tern esta Capitania de São Paulo he 0
) dos animais que se vão buscar a fronteira de Viamão; neste tráfico os que
) tern dinheiro e o emprestão, ganhão os que vão comprar, utilizão-se os Trés anos depois, em offcio datado de 30 de agosto de 1773,
Fazendeiros que povoão a Fronteira, e nas passagens dos Registos pagão a o Morgado de Mateus acusava a chegada de urn navio do Reino,
) S. Mje. consideraveis direitos. Tudo isto se perde corn o estabelecimento
das referidas fazendas dentro dos Registos, e em Minas, porque multipli- trazendo urn lote de burros para as minas e apontava os prejtiIzos
cando-se corn o tempo a produccão bade cair o negocio que se vay fazer a que já se notavarn no comércio de mulas vindas do sul, por haver
) Viarnão, e não sO perdem os direitos que Se pagão a S. Mage, nos Registos,
mas despovoar-se-ha a Fronteira, pois não havera alguem tao dezesperado
-? que queira viver naquelas partes faltas de necessario, exposto ao gentio e
aos trabaihos da Guerra faltando-Ihe o avultado lucro...". Documentos inte-
ressantes, vol. XIX, p. 414. 153
Documentos interessantes, vol. XXXIV, P. 284.
Os MERCADOS ABASTECEDOkES 97
96 Os MERCADOS ABASTECEDORES
a principal atividade dos paulistas, foi ao mesmo tempo Umá gän-
fazendas de criação nas Gerais, bern como a queda das rendas do de fonte de riqueza Grossas forturtas arnealharam se e forani
Registro.154 D. Luis Antonio de Sousa não se cansava de escrever empatadas na coripra e venda de müttr,es
as autoridades hierarquicameflte superiores para explicar-ihes Essa excelente fonte de renda atraiu povoadores parao Pia-
que a introducão de muares nas minas significava o abandono das nalto paulista que, se sofrera, no comecd do sécUlo, cotiskterável
zonas de Viarnão e Curitiba, e, além do mais, urn desvio de ativi- sangria causada pelo êxodo de setiS habitantes para as minas,
dade dos mineiros das lavras para a criação, o que redundava na tornou-se mais tarde urn centro de atração de indivIduos interes-
diminuicão dos quintos. sados em enriquecer-se no cornércio de tropas.
Seus esforcos foram despedidos em vão, pois ele não conse- A margern do caminho de tropas, surgirarn, cresceram e pros-
guiu impedir o desenvolvirnentO da criação de muares na Capita- peraram inItmeras cidades paulistas que serviam de balizas na
nia das Minas Gerais. conquista do sertão. Dentre jodas, destacou-se Sorocaba, qüe co-
Não obstante, o cornércio de burros de proveniência platina nheceu uma fase de grande fastigio, mercê das feiras de burros
prolongou-se século afora. E as bestas vindas do sul continuaram que nela se efetuavam.
servindo ao transporte do ouro, dos gêneros e das manufaturas 0 comércio de bestas de carga principiou a decáir corn o
em toda a região central do Brasil, ao lado das de criação local."' advento da estrada de ferro, depois de 1875. A técnicá fez corn
0 comércio de bestas de carga teve importante conseqüência que fossem se tornando desnecessários)57
em nossa expansão geográfica, em direcão ao Prata. Podernos E preciso, porém, notar que o mercado platino forneceu
afirmar, secundando a afirmativa do Prof. Alfredo Ellis Jr., e, muares não apenas para servir ao abastecimento das Gerais mas
apoiados na documentacãO aqui apresentada, que urn dos funda- tambérn para os transportes feitos a Goiás e a Mato Gtosso Por-
mentos de nossa expansão para o sul foi a valorizacão do muar, tanto, as conseqüêflciaS que apontatnOS não são apenas résultan-
provocada pela mineracão. tes do comércio corn as Gerais, se bern que este tenha sido ti que
Importante atuacão teve o comércio e muares no desenvolvi- mais pesou na balanca, pelas suas proporcöes.
mersto dos nücleos coloniais hispano-americaflos de Buenos Ai-
res, Entre Rios, Corrientes, Uruguai, etc., que enriqueceram e MERCADO AFPJCANO
prosperaram mercê do intercâmbio corn os nossos tropeiros. Scm 0 comércio de importacão de escravoñ da costa da
tal comércio, essas regiöes teriam conhecido apenas a estagnacão Africa, durante todo o periodo colonial, atingiu cifras bern ëléva-
e a decadência, e possivelmente não teriam sido alçadas a dignida- das Caso Prado Jr calcula que, no fim do secuk XVI!, o Valor
de de Vice-Reinado do Prata.156 desse comércio correspondia a urn qtiartó do valor total de nossa
Notáveis conseqüências trouxe para a Capitania de São Paulo irnportação.158
esse comércio de anirnais de carga de origern platina. Tendo sido Durante todo o setecentismo, as minas dorninaram o mercado
de escravos, por serem as principah consurnidoras de mão-dé-obra.
Desde que o ouro foi descoberto nas Gerais, o comércid ne-
' Roberto Simonsen. Op. cit., I, p. 297.
greiro sofreu uma comocão violenta, em virtude da rnaior quanti-
Cessado o ciclo do ouro, novas aplicacães encontroU o muar; serviu ao
transporte da producão acucareira da Baixada Fluminense e ao da producão do
"pequeno ciclo de açIicar paulista". Corn o advento do café, o muar foi utilizado
no transporte da rubiácea, ate sec substituldo pelos vagöes das vias férreas, que Ibidem, P. 73.
Caio Prado Jr. Formacdo do Brasil contesnpordneo, p. 230.
surgiram em 1875. V. Alfredo Ellis Jr. "0 ciclo ... .., cit., p. 78.
158

Idem. Ibidem.
- —. —:---:
I'
)
98 Os MERCADOS ABASTECEDORES OS MERCADOS ABASTECEt)ORiS 99
)
) dade de escravos exigidos, do alto preco que pagavam os minera- se comprava cada urn, passararn a ser vendidos por rnaisde 200
dores, e da concorrência que as regiöes mineradoras moveram as mii-réis.'61
)
antigas zonas agrIcolas do litoral. Todavia, se a princfpio a descoberta das minas teve umá reper-
Notou-se uma verdadeira "fome" de escravos em todo o Brasil. E cussão nefasta sobre a producão agrIcola, decorridog algiths anos,
) a coflvergêflcia de negros para as minas refletiu-se sob a forma de algurnas zonas agrrias floresceram e prosperararn em função da
decadência, de ruIna, de desolacao sobre as zonas agrárias. necessidade de bracos para a indüsiria extrativa de ouro e diaman-
Na corisulta do Conseiho Ultramarino, feita em 1- de setem- tes. Sobretudo a lavoura de tabaco ganhou novo alento em correla-
bro de 1706, pareceu a todos os ministros: cão corn a grande importacão de escravos para as minas.
) Para trazer escravos da Africa, era reciso existir umã merca-
) ... que todo o damno que padece o Brasil e que corn o doria interrnediária que servisse de moeda. Essa mercadoria foil
tempo pode crescer como vae mostrando a experiencia, principalmente o tabaco (num piano secundário, encontramos a
procede da falta de negros, e de não bastarern os que se aguardente de cana, e, em pianos insignificantes, d acücar, os
introduzem para a fabrica dos engenhos, cultura de tabacos panos de aigodao, as quinquilharias, micangas, espeihos, etc...).
) e trabaiho das minas, porque o major interesse que tern As minas gerais, peo grande consumo de bracos e pelos altos
nelles os particulares faz extrair para as mesmas minas os precos que pagavam, e sobretudo pela preferência pelo escravo
negros que havião de servir nas fabricas dos engenhos e dos "mina", dorninaram de tai forma o mercado negreiro que provo-
tabacos e que o tempo tinha mostrado que não erarn bas- cararn a deslocacão das correntes de tráfico.
tantes as leis e providencias que se tinha dado para evitar No cornércio corn a Costa da Mina, o produto essencial para
) aquelle damno. ") o escambo de negros foi o tabaco. Praticamente so traziã escravos
da Costa da Mina quem levasse fumo. Ha no tráfico de escravos
No parecer de Pereira da Silva, de 12 de fevereiro de 1738, ha "minas", portanto, urn binômio iniiudIvel: fumo-escravo.
outro trecho significativo a respeito do prejuIzo que causava a Na instrucão dada ao Marques de Valença pot Martiriho de
lavoura a concorrência que Ihe moviam as minas gerais: Melo e Castro em 10 de seternbro de 1779, vemos a enunciação
do binômio referido:
"Ultirnamente a carestia e a falta de escravos prejudica
e deteriora muito aos moradores desta Capitania [Bahia] "He constante que o tabaco do Brasil he tao necessário
) pela grande diversão e sahida que tern para a das Minas, em para o resgate dos negros quanto os mesmos negros são
que se occuparn mais de 150 mu......•160 precizos para a conservacão da America. portuguesa. Nas
)
mesmas circunstancias se achão as outras naçöes que tern
No rnesrno parecer, Pereira da Silva testemunha que as minas colonias; nenhuma dellas se pode sustentar semi escravos e
) não so deteminaram a escassez de escravos nas zonas agrárias, rnas todas precizão do nosso tabaco para o commercio de resga-
'i tambérn a alta de preco, pois de 40 ate 50 mil-réis por que antes te ... ".'62

°' Anais da Bil,lioteca Nacional, vol. XXXIX, p. 301. 161


Ibidem, p. 27.
160
Ibidern, vol. XXXI, p. 27. 112
Ibidern, vol. XXXII, p. 437.
) 1
100 Os MERCADOS ABASTECEDORES
OS MERCADOS ABASTECVDOiii9 101
A Bahia e Pernambuco, produtores da matéria-prima essen-
cial ao comércio de escravo "mina", foram se destacando como dida legal, restringindo o nurnero de embarcaçöes que poderiam
regiöes importadoras de negros. Chegaram a dominar este corner- dedicar-se ao escambo de negros Ordenou Se, entao, que apenas 24
cio, que, assim, se transformou em comérclo nacional, corn navios navios se dedicassem ao trafico, saindo pot tumos tirando-se a solte
e capitais regionais. A concorrência inglesa, francesa e holandesa Para determinar a precedência, de formaque, enfre a saida de uni e
na compra de escravos foi posta a margem e os próprios armado- de outro, houvesse urn regular espaco de temp().114
res de Lisboa virarn-se preteridos no lucrativo escambo. Tal medida visava impedir a concorrência de thuitos havibs
E Martinho de Melo e Castro, najá citada instrução ao Mar- num mesmo Porto, o que encarecia o preço do negro e propor-
quês de Valença, quern nos fornece elementos para considerar o cionalmente desvaiorizava os robs de tabaco.
caráter nacional do tráfico na Costa da Mina: Mais tarde, por resolucão do Conseiho Ultramarino, de 5 de
marco de 1756, permitiu-se interinarnente o comércio livre na
"Sern fazermos a menor reflexão nos gravissimos in- costa da Africa, proibindo-se, porém, que navegassem para Ia navi-
convenientes que podião rezultar a este reino, em deixar- os grandes; so se permitia a navegacão de navios pequerios e cada
mos o cornercio da Costa da Africa entregue nas mãos dos urn não podia levar mais do que 3.000 robs de tabaco.
Americanos, ihe permitimos, particularmente aos habitantes Essa providéncia, que visava a liberdade de comércio para
da Bahia e Pernambuco, huma ampla liberdade de poderem todos os que quisessern negociar corn escravos, pois extingula os
fazer aquella navegacão e negociar em todos os portos monopólios das grandes firmas interessadas no tráfIco do negro, e
daquelle Continente, não nos lembrando de acordar ao que também pretendia inundar o mercado corn escravosa precos
mesmo tempo aos negociantes das pracas deste Reino, al- baixos, produziu efeito cotitrário. E que a abundância de moeda-
guns privilegios, gracas ou isençöcs para que na con- tabaco e a afluência de muitos navios aos portos africanos deter-
correncia corn os ditos americanos nos referidos portos da minaram o encarecirnento do negro, pelo excesso de procura.
Africa tivessem os portugueses a preferencia, da mesma Os comerciantes da praca da Bahia representaram ad iei so-
sorte que a Capital e os seus habitantes a devem sempre ter bre os prejuIzos advindos dessa liberdade.'65
em toda a parte sobre as colonias e habitantes dellas. Os portos principais do comércio negreiro cram: Popó, Ajtida
"Rezultou desse fatal esquecimento on descuido, que e Badagre.
havendo na Bahia e Pernambuco o tabaco, a geribita ou
cachaca, assucar e alguns outros generos de menor impor-
'' Resoiução regia de 25 de marco de 1723, conforme se lê na instrução de
tancia, proprios para o comercio da Costa de Africa e não os Martinho de Melo e Castro ao Marques de Valenca, in Anais da Biblioteca Nacional,
havendo em Portugal, corn ellas passarão os americanos • vol. XXXII, p. 443.
aquella Costa nas suas proprias ernbarcacöes e Ihes foi muito
165
Na representacão, scm data, provavelmente redigida em 1757, publicada
nos Anais da Biblioteca Nacional, vol. XXXI, p. 239, os comercatiies balanos assim
facil estabelecer alli o seu negocio, excluindo inteiramente Se expressaram:
delle os negociantes da Praças do Reino.
... so se poem na Real prezenca de V. M. por ter-se con hecido não 5cr util
U

a referida providencia para a conservacão do comércio e dos habitantes


'0 comércio entre a Bahia e Pernambuco, de urn lado, e a costa daquelle pals, por ser meyo eflicascissimo para arnilnar os horneiis de ne-
da Africa, do outro, era tao movirnentado, que foi preciso urna me- gocio e prejudicar ao augmento da agricultura, por custar agora mayor
preco hum escravo na Costa de Mina, em razão da pouca estimacão que
dão ao tabaco na dita Costa, pela muliidão que ucla tern introduzido os
163
Ibidem, p. 442. repetidos navios, custando agora 15 a 20 robs o escravo que d'antes Se
vendia por 7 a 10 robs...".
102 Os MERCADOS AIASTECEDORES OS MERCADOSAEAStECED9ES 108.

Dc acordo corn a carta do Dr. José da Silva Lisboa, de 18 de


outubro de 1781, não era preciso possuir grandes cabedais para o
comércio negreiro. Uma boa sumaca de 10.000 cruzados ou uma
corveta de 20.000 permitia ao possuidor levantar dinheiro a taa
comum de 18%. Tal comprornisso usualmente vencia trinta dias
depois da chegada da embarcacão ao porto.
Havia embarcacöes que traziam ate seiscentos escravos, todos
metidos no porão, pelo receio de que se sublevassem on se lanças-
sem ao mar, impelidos pelo desespero. A morte de muitos escra-
vos na travessia atlântica poderia causar a ruIna do armador.
Em geral, porérn, vinham Os navios corn suas cargas reduzidas
por urn nñmero de mortes já previsto, mas não suficiente para
influir nos avantajados lucros do negócio.
Traziam também algum ouro em pó, comprado furtivamente as
tribos mineradoras e muitas manufhturas, de origem holandesa, fran-
cesa e inglesa, que erain ilegalmente introduzidas nas allndegas.
Em 1781, entraram na Bahia 15.000 escravos, estando ocupa-
dos em tal navegacão mais de cinqüenta embarcacöes, entre cor- -
vetas e sumacas.'16 Para tal comércio, cultivava-se tabaco nas vizi-
nhancas de Cachoeira e Muritiba. A producao total da Bahia era C.
de 30.000 robs, sendo que o de meihor qualidade era dirigido a
Portugal e os fumos mais ordinários deviam ser destinados ao
tráfico africano.'67 ulo

O comércio intenso entre a Bahia e a costa da Africa criou


interessantes lacos de aproximacão entre a capital da colônia e os
empórios de escravos. Verdadeiros embaixadores manteve a Bahia
Caminhos Antigos
e Zonas de Mineracüo
166
Carta do Dr. José da Silva Lisboa, advogaclo da Bahia, a Domingos no Codo'plonimOIico do 8,on,l, do hwo do Robodo Sonornen

Vandelli, diretor do RealJardim Botânico de Lisboa, em que oferece desenvolvida 11I,,6r10 t.condn,ico do Brasil

notIcia sobre a cidade da Bahia, suas fortificacöes, clima, agricultura, indüstria e


comércio, in Anais da Biblioteca Nacional, vol. XXXII, p. 494. timite dual de esiado
167
0 tabaco baiano, de primeira qualidade, deveria ser enviado para Lisboa. Maxima expanuSo adminisirativa da Copitanid Paulista
Vemos entretanto, pela ordem régia de 9 de setembro de 1743 (in Anais da Bi-
lntinerário por ágUa
blioteca Nacional, vol. XXXI, p. 78), que para o Reino se enviavam comumente
tabacos ordinários, desviando-se os meihores para a costa da Africa. Os melhores Carninho Anligo (iracodo aproximado)

tabacos, entretanto, nao cram destinados aos negros, como verificamos pelo oflcio Regio aurifera
do Marques de Lavradio, de 12 de maio de 1768, que insere uma reclamacão do
Rei Daomb sobre a ma qualidade dos tabacos introduzidos no porto de Popó (in Regio diamanlifero

Esuolo 10000.000
104 Os MERCADOSABASTECEDORES OSMERCADOSABASTtCEDORE 465

no litoral africano, corno o foram Felix de Sousa e Domingos tornou-se urn dos portosde maior utilidade paraQ fornècimento
Martins. das minas. A Bahia sentiu a concorrêucia que ihe moviá ci: Rio dc
Reciprocamente, Daornê, rei da Costa da Mina, enviou embal- Janeiro como entreposto de escravos. Os documentos notram-
xadas a Bahia, em 1750, em 1795 e em 1805. A embaixada de nos a rivalidade que se estabe1ectu entre as duas cidade portuári-
1795, depois de avistar-se corn o governador da Bahia, D. Fernan- as, no fornecimento de escravos. D. Rodrigo da Costa, em carta
do José de Portugal, foi a Lisboa levar rnensagens de Daomê ao datada de 20 de junho de 1703, aflrmava que os navios que vi-
próprio rei.'68"69 nham da Africajá nem sequer tocavam na Bahiae etTi Peinambu-
Também o cornércio de escravos entre o Rio dejaneiro e a costa co, rumando direto para o Rio de Janeiro.'7°
da Africa era irnportante, empregando-se neste escambo a aguar- Noutra carta, escrita dias após, relatava D. Rodrigo dá Costa
dente e o acücar como elementos de troca, hem como o ouro. que urn patacho que fora a Luanda carregar escravos não encon-
Desde que foi aberto o "caminho novo", o Rio de Janeiro trara quem quisesse fornecer-lhe negros para a Bahia, reservando-
os para os compradores que provinham do Rio de Janeiro, os
quais pagavarn meihores precos, e, álém do mais, usavátn ci oUro
Anais da Bil,lio€eca Nacional, vol. XXXII, p. 195). Podemos deduzir que o furno de para as compras.17' -
primeira era reservado aos holandeses, franceses e ingleses em pagamento das
manufaturas que se contrabandeavam na costa africana. Quando o tráfico negreiro, porém, se concentroti especial-
11 D. Fernando José de Portugal, em Carta datada da Bahia, em 21 de outu- mente na Costa da Mina, a Bahia e Pernambiico torthirãth os
bro de 1795, acusava a chegada de dois embaixadores do Rei Daomê. Diz dc que, primeiros postos no tráfico negreiro, por causa da nécèsAdade
entrando em ddvida sobre as formalidades que corn tao singulares embaixadores
devia praticar, consultou os livros da secretaria e ihe constou que em 1750, no extrema que havia de usar robs de tabaco como moeda, seido
tempo em que era vice-rei do Brasil o Conde de Atouguia, viera outra embaixada que a cultura de fumo era insignificante no Rio de Jáiieil"o e
do mesmo rei. importan te naquelas regiöes.
D. Fernando José comunicou que mandou confeccionar compridas roupas
No Rio de Janeiro, posteriormente, também se dësèhvolveu a
de sedas para uso dos embaixadores para que pudessem apresentar-se dignamen-
te, não so perante ele, mas diante do proprio rei de Portugal, pois que cram cultura do tabaco, como se constata pelos docurnentos.'72 Contu-
portadores de cartas dirigidas ao rei (RJHGB, vol. XCIII, p. 413). do o gênero principal usado na perrnuta de negros pebos afinado-
Noutra carts, datada da Bahia, em 31 de dezembro de 1796, o mesmo D. res do Rio de Janeiro era a aguardente, comO vemos peld oficio
Fernando José de Portugal confirmava a estada dos embaixadores nessa cidade e
queixava-se dos trabaihos que ihe ocasionararn os visitantes: 'Persuada-se V. Excia. do Desembargador José Feliciano da Rocha Gameiro, dc 28 de
que não fordo poucas as impertinéncias, grosserias e incivilidades que sofri do abril de 1798, dirigido a D. Rodrigo de Sousa Coutinho:
embaixador". E que este, portando-se corn bern pouca dignidade, chegou a es-
conder-se numa embarcacão, querendo viajar nela a todo transe. Por outro lado,
os capitaes de navio, temendo seus maus modos, recusavam-se a transportá-lo,
pretextanclo estarern sobrecarregados (RJHGB, p. 419).
169
Interessante e que o delegado africano que esteve em solo baiano, para fosse corn algurna preta, on alguma parda, que quizesse conrair coin dIe o
estudar condiçôes para o intercâmbio entre as duas margens do Adântico, tencio- mesmo consórcio, nao se efectuou o cazamento por muitos incohvèiñtes
nava tambérn casar-se corn urna baiana. que encontrei e pela variedade corn que o mesmo embaixadó iite i".lva
0 próprio rei, de Lisboa, ordenou que sadsflzessem o desejo do singular n'esta materia, na escoiha de diferentes eScravas, e de outras Ithertas, qde
diplomats; entretanto, não se efetuou o consórcio pelas razöes que D. Fernando não achei serern proporcionadas para esse fim." (RIHGB, vol. XCIII, p. 119.)
José de Portugal expôs em urna carta, datada da Bahia em 31 de dezernbro de 1796:
170
Colecão Ms. do Arquivo Pdblhco da Bahia, apud Luis Viana Filho. Onegro
"Ainda que Sua Majestade me recommendou, em carts expedida por na Bahia, p. 62.
essa secretai-ia datada em 3 de abi-il do prezente anno, que proporcionasse Documentos hjstóricos, vol. XXXIX, p. 249.
171
ao embaixador todos os mejos para cazar n'esa cidade, como pretendia. ou "Correspondencia de Arias autoridades", )IJHGB, vol. CV, p. 88 e 95.
106 Os MERC DOS ABASTECEDORES 107
"Também me lem bra que haveria urn major rnmero Os "tumbeiros" que partiain dd Wo de Janeiro ith btisr
de negros Se a aguardente ou cachaca qüe forma o gênero esci'avds, de preferêncla em Ahgo1, Ol Eeng1la. O' aüEdr dd
Almanáque kistó co d dddd de S. Sèbtido do o de fa rd con-
em remessa para aquelle continente, e não ficasse aqui tan- sigria Para o afib de 1798 tlma ih1ioI'tãcd d d
tas mil pipas infestando os nacionais...".'73
3.609 escravos vindos de Angola 1,
Mais adiante: 3.822 escravos vindos de Benguela.176
"...é pois men arbitrio para evitar urn tao grande mal, que a A importacão de negros também fi feito por ouros portos,
dita cachaca seja toda transportada para fora, e muito prin- como o de Pernambuco e o de Santos. Rodolfo Garcia, no seu
cipalmente para a Africa, para onde quanta nais vá tanto artigo, "A Capitania de Pernambuco no Governo de Jose César de
mais se consome e mais negros vem......174 Meneses", diz que, de 1761 a 1770, foram introduzktos em Per-
nambuco 21.299 escravos. Afirma também que, de 1.62 a 1775,
Vernos, portanto, que no comércio do Rio de Janeiro corn a
extraIram-se para os mercados africanos dessa capitaniá 68.705
costa da Africa, o binômio que prevalecia era pinga-escravo. Para
robs e 212 magotes de fumo.177
a producão de tanta aguardente, especializararn-se algumas re-
Dessa importacão pernambucana, parte era para asnecessida-
giöes do Rio de Janeiro, como a ilha Grande (que posssuIa, no
des das lavouras locals; o grosso, porém, da escravaria importada
ano de 1798, 55 engenhos de cachaca): Parati (corn 100) e Ta-
pacorá (corn 60 engenhos).175 destinava-se ao fornecimento das Gerais.178
A irnportacão de escravos pelo porto de Santos tahbém não
era de desprezar-se como no-lo prova a carta régia de 6 de marco
171
Ibidem, p. 279. de 1728, dirigida ao governador da praca de Santos:
171
Ibidem.
175
No Almanaque histórico da Cidade de S. Sebastião do Rio dejaneiro, composto -.
por Antonio Duarte Nunes, em 1799, e publicado peIaRIHGB, . XXI, p. 159, en- mas como no prezente vão muitas embarcaçoes corn ne-
contramos os seguintes dados estatisticos sobre a distribuiçao de engenhos de gros em direytura a esse porto e dahy se introdusm não so
acticar aguardente. para a Capitania de Sam Paulo e Minas sujeitas ao dito gover-
I
Engenhos de Engenhos de
nador, mas voltando pellas villas de Taubaté e Garatingueta se
api car aguardente introdusem nas Gerais pello caminho veiho que vay de Pataty,
em grande prejuizo de minha fazenda.. •"•n
Irajá 32 4
Marapicu 57 11
liha Grande 32
Roberto Simonsen calculou em 600.000 o nümero de escravos
55
Parati 7 100 importados para os trabalhos da minemcão durante o século XVJII.m
Inhomerim 8 3 Chegou a esse dado numérico partindo da produvão total de ouro
São Gonçalo 36 6 1
Tapacorh 65 60 t
Macacu 30 1
176
Cabo Frio 25 9 RJHGB, t. XXI, p. 159.
Campos dos Goitacases 324 4 RJHGB, vol. CXXXVIII, p. 535.
178
Documentos históricos, vol. I, p. 356.
179
Total 616 253 Ibidem, vol. XVIII, p. 240.
° Roberto Simonsen. Op. cit., vol. 1, p. 206.
OS MRCADbSABASThCEtJO1UlS 109
108 Os MERCADOS ABASTECEDORES
Apesar de termos dados estatIsticos comprovando que' houve
no século, atribuindo a cada escravo a producão media de 200 g épocas em que trabalháram nas minas gerais nials 440,060
para homem-ano e a vida media de sete anos para cada escravo.181 escravos, não podemos deduzir thIqie !bi semprè : l èvadó ti
Computando não so trabaiho das lavras, mas tathbém os servi- niimero de bracos utilizadös ml è,ttrácão do oUrd e do tiathaiite.
/
cos de retaguarda nas regiöes aurIferas, avalia o mesmo economis- A médai anual para O século tern de ser muito inferior, ateliden-
ta em 800.000 o nümero de escravos importados.182 do ao perlodo de diminuta irnportacão de mão-deobrä cdi-res-
Essa mão-de-obra repartiu-se pelas minas de Goiás-Mato Gros- pondente ao esgotamento das jaiidas.
so e Minas Gerais. Dc qualquer forma, desse volumoso tráfico negreiro para sus-
Quanto a distribuicão na zona aurIfera das Gerais, que é a tentar o trabaiho da mineracão, decon'eram conseqüências im-
que nos interessa mais de perto, sabemos pelas informacöes que portantes. Alem das de caráter demográfico-social, consubstancia-
nos foram legadas pelo ouvidor-geral das minas, Caetano da Costa das na formacao de urn denso nücleo populacional, fortemente
Matoso, que houve épocas em que trabaihavam nas minas gerais pigmentado, no centro do Brasil temos ainda importahtes tohse-
mais de 100.000 escravos.18-1 qüências de ordem econ6mica3 tais como:
Assiin, em 1735, havia nas minas 100.141 escravos, corn a Se-
guinte distribuicão: 1.) o largo incremento da cultura do tabaco na Bahia e em
Pernambuco (e, em escala menor, no Rio tie Janeiro) párã o
Vila Rica 20.863
escambo de negros na Costa da Mina;
Mariana 26.892
2.') o desenvolvimento dos canaviais e a conseqüente multi-
Rio das Mortes 17.400
plicacão de engenhos de aguardente na Capitania do Rio de Ja-
Sabará 24.284
neiro, para o comércio negreiro corn Angola e Benguela;
Serro Frio 10.702
3.8) o desenvolvimento da navegacão;
Em 1738, a distribuicao era a que se segue: 4.a) o aparecimento de urn comércio nacional tendo como
fundarnento o escravo, produzindo fortunas nacionais e represen-
Vila Rica 21.012 tando largo emprego de capitais manejados por homens do Brasil
Mariana 26.532 Colonial.
Rio das Mortes 15.096 A margem do comércio negreiro, havia importantIsimo in-
Sabará 28.002 tercâmbio de fazendas européias que, negociadas na margem
Serro Frio 8.116 oriental do Atlântico, cram introduzidas, sob a forma de contra-
Sertão 2.719 bando, nas alfandegas da Bahia e de Pernambuco.
Assim, havia na Costa da Mina dois diferentes ramos de co-
81
Idem. Ibidem, p. 205. Pareceu a MaurIcio Goulart. A escraviddo no Brasil, mércio: urn lIcito e descoberto que cohsistia no resgate de'negros,
que nesses cálculos de Simonsen ha certo exagero nos dois elementos básicos de e outro ilegal, mas nao menos impodante, que consisti ha corn-
apreciacão. A media de producao fixada em 200 g para homern-ano seria muito
elevada. Em compensacão o cálculo da vida media do escravo, fixada em apenas pra de toda espécie de manufaturas européias, a despeito do mo-
sete anos, muito diminuto. Diz ele que se a produtividade do escravo fosse por urn nopólio da Coroa e a sombra do escambo negreiro.
prazo tao pequeno, seria economicarnente ruinoso seu emprego nas Iavras. Mas, Os armadores nordestinos, dominando o comércio ifricano,
como por urn lado o exagero é no sentido de aumentar e no outro é no de
diminuir, o resultado final que Simonsen apresenta é bastante razoável.
por possuIrem o tabaco, não se contentavarn corn negociar corn
183
Roberto Simonsen. O. at., vol. H, p. 90. Os régulos das tribos indIgenas a compra de escravos.
183 Ms. da Biblioteca Municipal de São Paulo, códice Costa Matoso.
110 Os MERCADOSABASTECEDORES OS MERCADOSABASThCEDOR1S 111
) Entabularam tanibém negociacöes corn os holandeses, franceses Muitas vezes Os próprios oficiais da mesa cram irtetessádos
) e ingleses que frequentavarn aquela costa. Sequiosos de tabaco, para no comércio africano de escravos e de fazendas européias. liouve
) poderem adquirir escravos corn a ünica moeda que realmente valia o caso de urn guarda-mot dã alindega ser negociahte piblico
na Costa da Mina, aqueles estrangeiros vendiam aos nossos nacio- daquela costa.'86
I nais os produtos de sua indüstria. Em troca obtinham fumo. Tais facilidades fizeram corn que se relaxassem as precauc6es
) 0 comércio, assim, era duplamente rendoso. Aumentava cada dos negociantes. Vendiam-se as fazendas contrabandeaØas corn a
) dia o námero de navios que a ele se entregava. De tat modo se maior publicidade. Os armazéns da Bahia estavam abatrotados de
atropelaram os armadores e tais tumultos causaram na costa da manufaturas européias e dessa cidade se derramavam tais produ-
Africa no entrechoque de arnbicöes desenfreadas, que foi necessário tos pelas cidades mineiras.
) uma medida régia restringindo o nümero das embarcaçöes que podiam Consta que o Conde de Azambuja, governador da Jahia, re-
I navegar em direcão ao continente negro (23 de marco de 1723). cebendo denüncia do escandaloso contrabando, ordenou que se
0 alvará de 30 de marco de 1756 restabeleceu a liberdade de confiscassem todas as fazendas estrangeiras, sujeitas a selo, que se
)
comércio na costa da Africa, mas somente para navios de pequena encontrassem scm dc, nas lojas. Numa so fiscaliação, recoihe-
) tonelagem, não podendo levar cada urn mais do que 3.000 robs ram-se cerca de 58.211 peps dentro da cidade.187
) de tabaco em cada viagem. Continuaram as buscas, não so nas bojas mas tambérn em na-
Mas essa restrição era comumente burlada. Cada embarcação vios recem-chegados da Africa. 0 resultado era sempre o mesmo:
)
levava para a Africa'o major nümero possIvel de robs de fumo. ao lado da carga hurnana, as embarcaçöes chegavam atuihadas de
Além dos 3.000 permitidos, levavam por vezes ate 1.500 a mais, fazendas inglesas, holandesas e francesas.
) além de ouro iavrado e moeda corrente.184 E que todo o fumo que Os negociantes, os mestres e capitães de navios, postos a
) se levasse era pouco, para adquirir-se não apenas negros como descoberto em semeihantes negociatas, não sabendo como se des-
manufaturas européias. culpar, alegavam que sofriam violéncias na costa da Africa, da
Nos meados do século XVIII esse dupbo comércio ganhara parte dos holandeses, franceses e ingleses e que, sob coação, cram
) grande importância. Organizara-se uma engrenagem mercantil obrigados a adquirir suas manufaturas.
complexa onde os mais variados interesses se associavam harmo- Em vários documentos, aparecem-nos os capitães e mestres
nicamente. A margem do comércio legal, realizava-se o contra- dos navios como as vItimas inocentes de inomináveis atentados. A
bando, no qual os capitães de navios, os capitalistas, os negocian- força cram obrigados a trocar fazendas européias por tabacos.
tes se acumpliciavam. Não faltou aos interessados a conivência das Para não jogá-las ao mar (que tristezat) introduziam-nas nos por-
) autoridades e oficiais da alfândega. tos brai1eiros.188
A mesa da inspecão não trepidava em permitir que os mebho-
res tabacos se encarninhassem para a Africa sob denominacao de
) "inferior", enquanto que para Lisboa frequentemente Se encami-
) nhavam fumos de terceira categoria e o refugo da producao.185 86
lnstrucão de Martinho de Melo e Castro ao Marques de Valença, Anai,c dt
Biblioleca Nacional, vol. XXXII, p. 444.
) Idem Ibidern.
Temos em mãos os autos do depoimento do Capitão Francisco Antonio
Instruçao de Martinho de Melo e Castro ao Marques de Valenca, Anars da
Etre, tornado na Bahia em 30 de marco de 1767, no qual se relatam minuclosa-
Bzblzoleca Nacional, vol. XXXII, p. 443. . - .
b - .
Ordern regia de 9 de setembro de 1743, In Anon do Bzbhoteca Nacional, vol.
mente as violenciaa a que eram submetidos Os armadores que buscavam a costa
-
da Africa para permuta de negros:
XXXI,
)
) i
)
112 Os MERCADOS ABASTECEDORES OS MERCADOS ABASTECEDORES 113
-Ii
Ha urn oficio do Desembargador Gervásio de Almeida Pais nhum navio desta negoclacão deixa de os trazer 189 Afirma, en
datado da Bahia, aos 4 de fevereiro de 1783, que refere.que "os tretanto, o missivista que se apurou nas devassas efetuactas qüe os
contrabandos que vém pela Costa da Mina são certIssimos ene- estrangeiros obrigavam violentamenie os portugtteses a, frocatetn
manufaturas por tabacos, apoiados por navios de maioes forçás, e
que a troca, fazendo-se pela lei do mais forte, favorecia t estran-
geiro que dava aos seus produtos o valor que queria, não tendo o
disse que êle [Francisco Antonio de EtreJ como todos os mais Capitaes
que seguem a carreira da costa da Mina para poderem tomar us portos da mais fraco a liberdade de conservar o seu tabaco, gênero que The
sua negociacão por causa das correntes das agoas serem grandes para o sul trazia maiores interesses. Diz ainda que os armadores não tinham
e leste, carecem de hir tomar a altura do cabo de Palmas para dali irem lucro algum nas fa.zendas que recebiam, por serem elas trazidas
descaindo pela Costa e nesta altura do Castelo da Mina e em outros sitios se
encontrão de ordinario corn os navios Olandezes e alguns Inglezes que em quantidade, por navios do reino...
estão negociando os quais os abordão e como os que saem desta America Por trás dessas alegacöes de violência, é possIvel que existisse
para aquella negociacão so levam 30 e tantas pessoas de equipagern alguma cousa de real. 0 próprio Martinho de Melo e Castro reco-
ordinaria e meia duzia de espingardas pouco mais ou menos, corn huma
duzia de catanas ao muito para evitar o levante dos captivos e scm mais
nhece, era carta datada de dejaneiro de 1785, que as alegaçöes,
artilharia que alguns canhöes de limitado calibre, para as salvas, e como em parte, cram verdadeiras. Considerou ele que os holandeses
não tern forca para rezistirem se sujeitão a violencia que os ditos Estran- impuseram aos comerciantes luso-brasileiros que frequentavam a
geiros Ihe fazem de Ihe tomarem tabacos a troca de fazendas que the costa da Africa, "urn jugo tao intoleravel e tao injurioso, qtie ate
querem dar para corn cues fazerem methor o seu negócio naquelas para-
gens dos seus Dominios em que os Portugueses não entrão e são cornmuns agora não ha exemplo que outra alguma nacão exceto a porttl-
as ditas Nacöes, assim como também a Franceza e a Dinamarqueza, e re- gueza se submetesse a suportar".19°
cebida esta troca viotenta succede que nos portos do seu destino achão Na instrucão dada ao Marques de Valenca, confirrnoU Marti-
outros navios estrangeiros corn a mesma fazenda em abundancia, de forma,
que flea impossivel aos Portugueses dãrem sahida a que receberão, e tra- nho de Melo e Castro a existência de violência, da- parte dos
zendo-as para lIha do Principe e Santo Thomé de ordinario lhe succede o holandeses.'9'
mesmo por terem nellas comrnercio de referidos Estrangeiros, e por isso
flcão obrigados a botarem-nas no mar on trazerem-nas para os portos da
America, sem embargo de serem vedados para a sua introducção e
succedendo a elle testemunha em abril do anno passado de 1776 trazer
fazendas brancas e outras suas que se necessidade trazem para o Brazil, por
fazenda bastante da referida na Corveta N. S. da Guia, Santa Rita e S. Joao
não haverem naquella Costa nem nas lihas do Principe e 9. Thomé, por
Nepomuceno de que die testemunha he Capitao e de novo chegando ao
onde passam de ordinario por escala, quam as compre, por abundarem as
Rio dejaneiro tatvez pelas consideracôes acima, fazendo-a metter na AlfiIn-
mesmas introduzidas pelos ditos e mais estrangeiros. Desta- infracão resulta
dega por alguma matsinacão que se fizera, Ihe dera o Juiz da mesma
serem reprezadas nesta Alfandega, onde se achão muitas, a que tenho du-
Alfandega despacho pagando os direitos de 12 1/2 por cento que satisfi-
vidado dar despacho, porque por huma parte contemplo proliibidas pelo
zeram ...... Anan da Biblioteca Nacionai vol. XXXII, p. 166.
alvará de 8 de fevereiro de 1711, do qual offereco copia, pois tanto he
negociar corn os ditos nestes portos, como nos da Costa da Mina, sendo
0 provedor da alfândega, Rodrigo da Costa e Almeida, em oficio dirigido a
transportados pra esta Cidade no que não pode deixar de padecer uma
Martinho de Melo e Castro, corroborou o testemunho acima citado (não sábemos
grande queda o cornercio destes generos....
se foi conivente no rnesmo crime):
Anais da Bibboteca Nacional, vol. XXXII, P. 529.
'De tempos a esta parte são constrangidos pelos Inglezes e princi-
no "Documentos officiais inedlitos relativos ao alvará de 5 dejaneiro de 1785",
painlente pelos Olandezes na Costa da Africa Ocidental os Capitaes e mais
PJHBG, vol. X, p. 213.
comlssários das embarcaçbes portuguezas, que vao negociar naquelle conti-
Os Hollandeses nao satisfeitos de obterem dos arnerscanos o referido
nente os escravos que para este transportao a troco de tabac o em que
I tabaco a troco de fazendas por melo do comerclo e animados do desamparo corn
consiste e he a maior e methor parte da carga que levao a comprarem
que deixamos aquella importante navegacao e do pouco caso que faziamos delta
)

)
j
114 Os MERCADOSABASTECEDORES

Todavia, concluiu o judicioso conseiheiro:

he certo que no todo não he a violencia dos Holandezes,


mas a arnbicão, a fraude, a prevaricacao dos negociantes da
Bahia, a principal causa de trazerem aquelle porto as ditas
fazendas, as quais se se admitissem a despacho, seria o mcs-
mo que acordar-se aos inglezes, francezes e holandezes hum
comercio franco pelos portos de Africa, entre aquellas na-
cöes e os dominios portuguezes do Brazil, sem intervenção GAPfTULO iv
alguma do Reino de Portugal, contra a regra fundamental Os TRANSPORTES DOS GENEROS,
geralmente estabelecida entre todas as nacôes que tern
colonias... 11192 UTENSILIOS E ESCRAVOS

A nós parece evidente que tal contrabando era deliberada-


mente procurado pelos negociantes nacionais. Se alguma violên-
cia havia, os lucros eram suficientemente gordos, para que, corn Os caminhos terrestres e fluais.
As rotas atlanticas
os olhos neles, se arriscassern navios, capitais e carregamentos de Os agentes do transporte.'" .ô
tabacos. Ninguern iria arriscar grossos cabedais e pôr-se a mercê Os meios de conducão.
de violências para ter prejuIzo. O tropeiro.
Na verdade, se prejuIzo havia, era no comércio de fazendas
estrangeiras através de Lisboa. Tais manufaturas, oneradas pelos
lucros dos intermediários metropolitanos e pelos direitos alfande- I__I

gários, não podiam ser vendidas pelo mesmo preco que as adqui- (Is gêneros reclamados pelas populacöes das Gerais,
e produzidos pelos diferentes mercados abastecedores que for-
ridas diretamente dos ingleses, holandeses e franceses.
mavam a retaguarda econômica das minas, atingiam a região por
diferentes caminhos: os caminhos paulistas, os do Rio de Janeiro
e os baianos.

OS CAMINHOS PAUIJSTAS PARA AS MINAS


I Os generos paulistas 1espejavam se nas minas por trés
vias diferentes: a que iianspunha a Mantiqueira pelo vale do Ca-?V
manducaia; o caminho que passava por Moji-Mirim eque se
entregando-a nas mãos dos ditos arnericanos, entrarão a exigir delles urn tributo
utilizava da garganta do Embu (veja mapa a p. 127).
de 10%, a determinar-Ihes os districtos em que havião de comerciar, prohibindo-
Ihes os meihores e a confiscar-Ihes as embarcacöes se os encoiitravão em qualquer Este ültimo, segundo Antonil, era, dentre todos, o mais fre-
parte daquella Costa, antes de hir ao Castello da Mina pagar o referido tributo" quentado.193 Seu roteiro era o seguinte: partindo-se de São Paulo,
(Anais da Biblioteca Nacional, vol. XXXII, p. 443).

192
Anais da Biblioteca National, vol. XXXII, p. 444 193
Este caminho e conhecido sob a desighacão de "caminho veiho".
) 116 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS
OS TRANSPORTES DOS GNEROS, UTENiLIOS E F kkAVOS ill
passava-se pela Penha, Taquaquicetuva, Moji das Cruzes, Laranjei-
) ras, JacareI, Taubaté, Pindamonhangaba e Guaratingueta. Aqui Quanto ao tempo gasto e a forma de fazer-se a viagthel jafá as
encontrava-se o Porto on passagem de Hepacaré on Gauipacarté minas, informa Antonil que gastavam Os paulistas tiara atliigii d
)
(hoje Lorena), e transpunha-se a serra pela garganta do Embaü. região dos Goitacases, pelo menos dols meses, iso porcpie hão
) marchavam "de sot a sot, mas ate o meio dia; e qtmrido muito ate
Vencida a cordilheira, o caminho bifurcava-se indo urn dos pianos
) r Para as minas de Ribeirão do Carmo e Ouro Preto,e outro Para huma ou duas horas da tarde: assitn Para se arrancharem como
as minas do Rio das Velhas.'94 Para terem tempo de descansar e de buscar alguma cacá oil peixe,
) I
0 segundo caminho paulista era o que seguia por Atibaia, aoiide ha, mel de pin e outro alirnento".'97
)
Braganca, Extrema e transpunha a serra da Mantiqueira pelo vale
) CAMINHOS DO RIO DE JANEIRO PARA AS MINAS
do Camanducaia. Este foi o caminho que teriam seguido Fernão
Dias Pais e D. Rodrigo Castelo Branco em suas memoráveisjorna- 0 primeiro caminho que ligou o Rio de Janeiro as
)
das aos sertöes dos Cataguases.195 Gerais foi urna via semimarItima, semiterrestre que se chamou
0 terceiro caminho era o que passava pelo vale do Moji- "caminho velho do Rio de Janeiro", em oposicão ao "caminho
) Guaçu e morro do Gray. Este era o caminho chamado dos Guaia- flOVO que se abriu mais tarde.
) nases, e seu roteiro correspondia aproximadamente ao tracado 0 roteiro do "caminho'vellio do Rio dejaneiro" era o seguin-
atual da Estrada de Ferro Mojiana. te: da cidade de São Sebastião do Rio dejaneiro ia-se por mar ate
) I
As penetraçöes paulistas em terras de aIém-Mantiqueirajre o Porto de Parati; desembarcava-se nesse ancoradouro e, por tër-
) cederarn de snuito a descoberta do ouro. Desde'sécuIo XVII hue ra, transpunha-se a serra do Mar, atingindo-se a cidáde de Tauba-
) os paulistas haviam estabelecido ligacão entre seus vilarejos e té. Nesta cidade o "caminho veiho do Rio dejaneiro" entroncava-
sertöes do São Francisco. Tat via de penetração saIa de Pinheiros, se corn o caminho veiho paulista, continuando por Pindamo-
)
rumava Para o forte, passava a leste de Jundial, e enveredava na nhangaba, Guaratinguetá, passagem de Hepacal-é, garganta do
I
direcão do rio Grande. Saltado esse rio, procurava a serra das Ver- Embañ, etc.
) tentes e daI ganhava o rio São Francisco. Era conhecido pelo nome Esse caminho do Rio de Janeiro, além de ser áspero e longo,
) de "Caminho Geral do Sertão", e por ele seguirarn Matias Cardoso, tinha outro grave inconveniente: parte do trajeto era feito por
Domingos Jorge Veiho, Manuel Alvares de Morais Navarro e Fran- mar.'98 Assim, o ouro vindo das Gerais e chegado ao Porto de
I cisco Dias Siqueira em suas heróicasjornadas ao Nordeste.196 Parati tinha de percorrer urn born trecho do oceano, antes de
) Tal caminho deveria forcosamente ser bastante impreciso, e chegar aos cofres da Capital da Reparticão Sul, correndo risco de
) multiplicar-se em numerosos trilhos que depois se fixara m nas ser piihado pelos piratas que, nessa época, constituIam verdadeiro
estradas descritas por Antonil. flagelo a navegacão portuguesa.
) Tais perigos e inconvenientes levaram as antoridades metro-
) politanas a cuidar da abertura de urn caminho novo que fizesse a
Antonil. op. cit., p. 238, e BasIlio Magalhaes. "Documentos relativos ao ligacao direta do Rio de Janeiro corn as minas.
bandeirismo paulista", RII-IGB, vol. XVIII, p. 434.
) Hi diividas sobre qua) teria sido o itinerário realmente seguido por Femão
Dias Pais. A. Taunay afirma que ninguém conseguiu ate ho demonstrar, de
) forma irretorquIvel, se Fernão transpôs a Mantiqucira pela garganta que fica nos
arredores de Braganca ou pela garganta de Embaü (Curso de Bandeirologia, con- Antonil. Op. cit., p. 238.
ferência: "0 bandeirismo e os primeiros caminhos do Brash", p. 10) : Artur de Si e Meneses em carta ao rei, datada do Rio dejaneiro, aos 24 de
196 A. Taunay. Ristoria geral..., maio de 1698, disse que se gastava nesse percurso mais de trés meses. (Ms. do
) cit., t. III, p. 301, 348 e
Arquivo Nacional, Colecão Governadores do Rio dejaneiro, vol. VI, f. 142.)
)
)
118 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSiLIOS E ESCRAVOS OS TRANSPORTES DOS GENEROS, tITENSILIOS E ESC1AVOS 119
Artur de Si e Meneses, nesse sentido, escreveu ao rei, em 24 luso vencesse a velha teñdênciá de ficar rio litoral, "arranhando a
de maio de 1698: costa como carangueiJo..."
Esse caminho foi mandado construir numa epoca em que a
". . . pareceu-rne conveniente ao serviço de V. Mag. buscar to- corte bragantina procurava facilitar a passagem as minas a quán-
dos os caminhos para que Os quintos do outro de lavage tos desejassem ir lavrar seus ribeiros pejados de ouro. Oferecia
senão extraviem, como também o augmento das minas, e três utilidades: propiciava o povoamento das minas, facilitava sen
como as dos Cathaguazes são tao ricas conforme dizem, aprovisionamento de vIveres e evitava- o risco de ,transporte dos
pareceume precizo facilitar aquelle caminho de sorte que quintos de ouro por mar, entre Parati e o Rio de Janeiro.
convidasse a facilidade delle aos moradores de todas as 0 "caminho novo" apresentou variantes na região alagadica
villas, e aos do Rio de Janeiro a hirem nhinerar, e poderem da Baixada Fluminense; uma dessas variantes tinha 0 seguinte
ser os mineiros mais providos de man timentos..... roteiro: partia-se do Rio de Janeiro em embarcacão ligeira, ate o
• porto do Pilar. Al, entrava-se pelo rio MorombaI acima; chegan-
Artur de Sá e Meneses procurou em São Paulo alguem que - do-se ao pé da serra do Mar, na lombada chamada Tinguá, subia-
fosse capaz de realizar a tarefa. Ofereceu-se-lhe Amador Bueno da se ao Pouso Frio. Daqul se atingia as rocas de Garcia Rodrigues,
J
Veiga, que pediu em troca do servico tao grandes vantagens que nas margens do Paraiba do Sul, no local chamado Registro. DaI
não se Ihe aceitaram os préstimos.°° Surgiu então, para realizar a em diante seguia-se por onde hoje esto as cidades de Correiras,
empresa, Garcia Rodrigues Pals, que deve té-la iniciado nos fins - if
Simão Pereira, Juiz de Fora, Barbacena, etc...
de 1698. Em 1701, a picadajá estava aberta, entretanto ainda não A outra variante do caminho novo era a que tortia pela
dava passagem a cavalgaduras, mas somente a pedcstres.20' Seis 'N serra da Estrela partindo djorto de igual nome
anos mais trabalhou Garcia Rodrigues na abertura e aperfeicoa- Finalmente, bern mais tarde, apareceu a variante que de-
mento do "caminho novo".202
monstrou ser a mais eficaz: era o caminho chamado "de terra
Todavia os ñltimos retoques foram dados por Bernardo Soa- firme". Subia o vale do rio Santana, depois de contornar os baixos
res de Proenca, que melhorou o "caminho novo" e ainda o encur- alagadicos da Baixada Flurninense. Essa variante apresentou a
tou em quatro dias.203 vantagem de encurtar em quatro dias o percurso.
0 "caminho novo" do Rio de Janeiro foi a primeira grande Tan to o caminho de serra da Estrela, como o que passava em
via de penetracão no sertão que o goverrio luso mandou construir Pouso Frio e o de "terra firme ", transposta a serra do Mar, en-
no Brasil. So a descoberta do ouro pôde fazer corn que o espIrito troncavam-se nas rocas de Garcia Rodrigues. Nesse local, ponto
de passagem obrigatória de todos os que demandavam as Gerais,
partidos do Rio de Janeiro, surgiu a cidade de ParaIb1 do Sul.
Ms. do Arquivo Nacional, Col. Governadores do Rio de Janeiro, livro VI, Outras cidades surgiram tambérn a margem do "caminho
f. 142. novo", resultantes de pontos de pouso dos peregrinos que lam
200
Ibidem. para as Minas on de ranchos de tropeiros, estalagens, rocas, pas-
°' BasIlio de Magalhães. Conferências "0 bandeirismo no Brasil", RJHGB,
vol. 129, P. 87 e Expansdogeografica..... cit., p. 515 e 516. tos, etc...
202
Garcia Rodrigues Pais foi auxiliado, na sua ingente tarefa, por Domingos A abertura desse caminho representou - urna verdadeirarevo-
da Fonseca Lerne, seu cunhado. lucão no sistema de comunicaces corn as Gerais Representava
203
Anass da Biblioteca Nacional, vol. XLVI, p. 151 e BasIlio de Magalhaes. Ex-
/.ansdo..., cit., p. 532.
uma diminuicão de distancia e uma economia de tempo assom
brosas. Enquanto o caminho paulista exigia dois meses para, ser
120 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS OS TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSfLIOS E ESRAVOS 11
transposto, e no "caminho veiho do Rio de Janeiro" gastavam-se A Cârnara de São Paulo bateu-se arduamente pelo fechameñ-
quarenta e tres dias,204 o caminho novo era vencido antes de ser to do "caminho novo". Emjunta reälizadá em São Paulo, un 7 de
aberta a variante chamada de "terra firme", em apenas dezessete juiho de 1710, representaram Os paulistas ao rei, dizendo que.
dias. Aberta essa variante, gastava-se no trajeto, em "marcha esco-
teira", de dez a doze dias.205 "Esperavam da Real Grandeza fosse Sua Majestade
0 Governador Antonio de Albuquerque Coelho de Carvaiho servida mandar considerar os danos que se seguiam dos
gastou, para ir das minas ao Rio de Janeiro, na sua expedicao de muitos caminhos abertos para as minas, não so pelo que
socorro a cidade que fora tomada por Duguay-Trouin, dezessete respeitava aos descaminhos dos Reais quintos, como por
dias.206 darem passagem a pessoas prejudiiais como as muitas que
entravam via Rio de Janeiro, caminho que se devia tapar so
devendo permanecer o de São Paulo.11207
G ncluIdo o "caminho novo", nas regiOes desertas A decadència do comércio de São Paulo corn as minas gerais
que ele cortava, foram surgindo as roças, os pontos de pouso e as foi se tornando cada vez mais evidente depois de aberto o "cami-
estalagens que possibilitaram seu uso. Em pouco tempo ele se nho novo". Quase nenhum ouro ia ter a Casa da Fundicão de São
integrava na funcão econOmica a que fora destinado; tornou-se a Paulo que, deficitária, pagava seus funcionários corn as rendas das
principal via do povoamento e do abastecimento das Gerais. congêneres das capitanias vizinhas. Finalmente, por carta do Con-
Mercê da abertura do "caminho novo", o Rio de Janeiro conver- de de Bobadela, de 16 de junho de 1762, ordenou-se a extincão
teu-se na porta de entrada da corrente imigratória que Se despe- da Casa da Moeda da Cidade de São Paulo, atendendo-se a deter-
java nas minas. Para essa cidade, canalizou-se a major parte do minação régia de 1760, carta essa que transcrevemos em parte:
comércio que dantes se fazia entre as minas e São Paulo e entre as
minas e a Bahia. Também o ouro coihido nas Gerais e o diamante "Nesta ocasião mando as providéncias necessárias ao
do Distrito Diamantino escolheram o Rio de Janeiro para seu Ouvidor Gera] de São Paulo para se extinguir a Casa da
principal escoadouro. Fundicão dessa Comarca e se vir quintar a Casa da Moeda
0 "caminho novo" realizou urn verdadeiro fenOrneno de cap- desta cidade [Rio de Janeiro] todo o ouro nella extraido,
tura econômjca, roubando aos caminhos paulistas e aos baianos como sua Majestade determina por carta de 13 de agosto de
os lucros auferidos pelo cornércio corn o pujantIssirno hinterland mil setecentos e sessenta..;".208
minejro.
Corn a abertura do "caminho novo", Garcia Rodrigues pres-
tou enorme servico a Coroa e concorreu grandemente para facili-
204 tar o povoamento das minas, mas, em compensacão, vibrou urn
Quarenta e trés dias era o tempo gasto das minas ao Rio de Janeiro pelo
caminho velho do Rio de Janeiro no testemunho de Antonil (Op. cit., p. 242). golpe mortal na economia de sua terra natal.209
Temos em mãos uma carta de Artur de Sá e Meneses, ja
citada em outro local
deste trabaiho, que acusa o dispêndio de três meses nessa jornada. A discrepância 207
Apud A. Taunay. Histósia geral..., cit., t. IX, p. 608.
certamente é oriunda da forma de se fazer a viagem. 208 Documentos hictori coo, vol. H, p. 302.
205
Antonil. Op. cit., p. 245. 209 Alfredo Ellis Jr. in 0 ouro..., cit., p. 84, assim so exprimiu: "Cruel destino
206
Carta de Albuquerque Coelho de Carvalho ao rei, datada de 26 de no- dos filhos do 'cacador de esmeraldas', José Dias, o filho natural de Eernão, atrai-
vembro de 1711, in RJHGB, vol. LXXXV, p. 215.
coou o pai e foi enforcado. Garcia, o filho legItimo, feriu tremendamente a região
)
)
1122 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILJOS E ESCRAVOS
) ' OS TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS 123
) A ligacao direta entre o Rio de Janeiro e as minas significou Carlas Soteropolitanas, retratou a decadncia do intercmbio da
privar São Paulo da invejável posicão de porta de entrada para as Bahia corn as Gerais, correlacionando estreitatiiene. tat. decadê-
) Gerais. 0 magnIfico mercado consumjdor das Gerais passou a set
cia corn as vatagens da ligacão direhtr o io deJdneiro. ê as
) zona tributária do Rio de Janeiro e os fornecimentos paulistas se
reduziram a proporcão que aumentavam as entradas pelo "cami- minas.211
) Também sobre a Casa da Moeda da Bahia foram snsIveis Os
nho novo".
) Essa via de penetracão permitiu que uma avalanche de rei- efeitos do estabelecimento do "caminho novo", como ve mos pelo
testemunho de urn observador anônimo:
nois se despejasse nas minas, convidada pela facilidade e rapidez
) do perdurso. Se não fosse o "caminho novo" ter aberto largamen- "Em aquelles ditosos tempos em que tudo coriia bern, os
te os portöes das Gerais aos imigrantes lusos, estes teriam ido em contractos e as permutacöes se aperfeicoavão corn o equivaleri-
)
menor escala para as Minas e provavelmente ter-se-jam evitado os te do Ouro; as Casas das Moedas e das Fundicöes, corn foihas
) atritos que culminaram corn a Guerra dos Emboabas.211
Felizmente, para São Paulo, a acão nefasta de Garcia Rodri- dobradas baão de dia e noite, epor muitos e muitos añnos a
) da Bahia, salvando todas, as suas exorbitantes despezas salvara
gues foi compensada pelos feitos heróicos de Pascoal Morejra
) também para a Real Fazenda de Direitos, mais de 10:000$000;
I Cabral e Bartolomeu Bueno da Silva, que desvendaram as jazidas
) porem hoje innida, o occiosa passa o tempo em fetias pagan-
aurIferas de Mato Grosso e Goiás. Corn o povoamento rápido do-se os ordenados aos officials, que no descanco esperãoelo
dessas regiöes, novos mercados de consurno fcaram tributárjos da
que nurica desce."212
regloes planaltinas, atenuando os efeitos maléficos da abertura do
caminho novo.
) 1 Enquanto isso a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
Também o comércio baiano corn as minas foi grandemente
crescià e prosperava bafejada pela invejável situacão de porta de
afetado pela abertura do "caminho novo". Já Vilhena, em suas
entrada das minas e porto de escomento do ouro e dos dia-
mantes. Intensificou-se sua producão e seu comércio. Aumentou
) consideravelmente o nümero de seus habitantes. Gradativamente
p1ana1na, arrancando da 'Paulistãnia' e dando ac, Rio de Janeiro as comunica-
) cöes, corn as regiöes das minas". essa cidade foi conquistando as condicöes que a habilitariani a ser
Capistrano de Abreu tarn bern
ressaltou a obra antipaulista de Garcia a capital administrativa das colônias luso-brasileiras.
) Rodrigues, in Gaminhos antigos e Povoamento do Brasi4
p. 70.
acão estratégica do "caminho novo" na Guerra dos Emboabas foi res- CAMINHOS BAIANOS PARk AS MINAS
) saltada por Aureliano Leite. Essa
via de penetração não permitiu apenas a invasão
) das Gerais pelos reinóis. Através desse caminho, o governador da Repartiçao sul Vários eram os caminhos que ligavam o Recôncavo
enviou urn militar aos emboabas, prevenindo.os para que ajuntassem gente e se baiano corn as cidades mineiras. Antonil dá-nos o seguinte roteiro
) acautelassem contra o ataque que os paulistas preparavarn. Aureliano Leite.
major dos paulistas no guerra corn os emboabas, p. 98.
0 cabo de urn deles: partindo-se do Recôncavo, vai se acompanhando o
) Alfredo Ellis r., realcando a funcão desenspenhada pelo "caminho novo" na rio Paraguacu ate o seu alto curso; dele, passa-se para o rio das
) Guerra dos Emboabas, disse: "0 ato do flIho de Ferno Dias Pals equivale ac do
, Contas, o qua] se transpöe. Neste ponto, encontra-se urna bifur-
indivIduo que entrega as chaves da casa de sua farnIlia ac, salteador que vai roubar
) o que a casa con tern e matar seus legItirnos donos.
"Foi Garcia Rodrigues quern possibilitou o assalto.
) "Dc fato, suprirna.se o 'cam
inho novo' e o latrocInio dos emboabas não teria 2
Vilhena. Gaas sotero1itanas, vol. I, p.50.
lugar e a cronologia de Minas Gerais assinalaria outros capItulos." (0 ouro e a preliminar, hjstórico... , ms. aflôflio m
m do Arquivo Ultraarino
) Paulisldnja, p. 86.)
da Biblioteca de Lisboa, in Anais da Bib1ioca Nacional, vol. p. 283.
)
)
OS TRANSPORTES DOS GENEROS tJTENSILIOS B ESCRAVOS 125
124 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS
A hgacão entre a Bahia e as regiöes auriferas foi muito ante
cacao; urn ramo procura o rio São Francisco e sobe por ele e nor a descoberta do ouro Ta! !igacão foi reahzada de sul para
depois pelo seu afluente, o rio das Velhas. 0 outro ramo segue norte pelas bandeiras paulistas do seculo XVII
urn trajeto mais curto; tomando pelas margens do rio Verde 0 mesmo cronista anônlrno ja citado atributu aos paulistas a
Grande, sobe ate as minas.211 abertura da via de penetracão ligando as vilas paulistânicas ao
Ha outra descricão dos caminhos baianos para as minas, sertã6 do nordeste, passando pelas regiöes aurIferas. Disse ele:
num manuscrito anônirno que se encontra na Biblioteca de Aju-
da denorninado "InformaçOes Sobre as Minas do Brasil", no qual "Das Was de São Paulo para o Rio de São Francisco
se lê: descubrirão os paulistas antigamente hum caminho a que
charnavão Caminho Geral do Certão pelo qual entravão
"... sendo porérn e tao vários os caminhos corno a vasti- cortando os vastos desertos que medeão entre as ditas Vilás
dão dos lugares que se comonicão corn os ditos currais e e o dito Rio nelle fizerão varias conquistas de Tapuyas e
Rio para delle seguir para as minas, se reduzern todos a hum passarão a outras para os certOes de diversas Jurisdicöes,
so, de tal sorte que do arrayal do Mathias Cardoso para como foram Marahãm, Pernambuco e Bahia sendo para
sima, nao ouve, nem se sabe athe agora que haja mais ca- todas geral o dito caminho athe aquelle ternlo fixo que
minho do que o da beira do Rio de São Francisco porque fazião nesta ou aque!!a parte do Rio de São Francisco em o
a pouca distancia delle asim de hua banda como da qual mudavão de rumo confOrme a Jurisdicão ou Capitania
outra apparecem Serras e mattos tao impenetráveis que a que se encarninhavão ou conveniencia que se the
nem os Paulistas os entrarão nunca nem sabem da razão da offerecia; e corn tad contirivada freqüencia facilitarão o
sua qualidade nem do seu firn. E reduzidos na forma dita transito daquele caminho que muitos del!es transportando
todos os caminhos que entrão no rio de São Francisco do por elle suas muiheres e familias mudarão totalmente os
Arrayal do Mathias Cardoso seguem pela beira do mesmo seus domicilios de São Paulo para as beyras do dito ryo de
rio por distancia de cern legoas pouco mais ou menos athe a São Francisco nas quais hoje se achão mais de cern cazais
barra que nelle faz o Rio das Veihas, na qual deixado o dito todos Paulistas e algus delles corn cabedaes muito gros-
Rio de São Francisco seguern pela beira do das Veihas athe sos. 215
se encontrarem corn as minas de que as beiras delle se tira
ouro........................................................................................... Em outro local de suas "InformacOes", confirmoU o cronista
"Deste Rio das Veihas se apartão outra vez diversos que antes da descoberta das minas já existia o caminho aberto
caminhos para todas as minas descobertas, assim para as pe!os p1ana!tinos não tendo os baianos necessidade de abrirem
chamadas gerais, como para as do Cerro do Frio e para outro
todas as outras de que se tira ouro por entre aque!as dilata-
das Serras."214 "No que toca a parte do Norte, he de saber que logo
no mesmo principio do descobrimento do ouro das beiras e

213
Antonil. Op. cit., p. 246.
214
'Informaçöes sobre as minas do Brasil", Ins. anônimo da Biblioteca de 215 Ibidem, p. 172.
Ajuda, in Anais da Biblioteca Na ci onal, vol. LVII, p. 173.
• :J

126 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSfLIOS E ESCRAVOS OS TRANSPORTES DOS GENEROS, tJTENSILIOS E ESCRAVS 121.>)
sertöes do Rio de São Francisco comessarão a subir para as
minas pelo mesmo caminho que trazia os paulistas para o
dito Rio, sem ihe ser necessário abrir outro de novo, por
quanto no interior daquelle e nos seus sertöes adjacentes
foram descobertas as mesmas minas...11.216

Em 1720, por carta régia, o rei de Portugal mandou abrir


usna estrada da Bahia para as minas, encarregando-se dessa tarefa
Antonio Goncalves Filgueira. Não se tratava, porém, como que-
rem alguns historiadores, de abrir o primeiro caminho de ligacao
da Bahia corn as Gerais, mas, sirn, de estabelecer urn caminho
mais curto.217
Os caminhos baianos eram mais largos e mais suaves do que
os que ligavam São Paulo e o Rio de Janeiro a região aurIfera.
O autor anônimo das "InformacOes sobre as minas do Brasil"
não se cansou de apontar as facilidades e vantagens que ofereci-
am os caminhos baianos. Disse ele que os viajantes encontravam,
riajornada da Bahia para as minas, "água em abundância, farinha
em quantidade, carnes de toda espécie, frutas, laticInios, cavalos
para se transportarem, pastos para as cavalgaduras, e casas para se
recoiherern, sem risco de Tapuyas nem de outros inimigos".218
Insistiu o mencionado autor nas facilidades e comodidades
dos caminhos baianos, afirmando que seria impossIvel fechar os
ditos caminhos em virtude dessas mesmas facilidades:

"0 quarto e ultimo motivo que concorre para a impo-


sebilidade de se vedar o dito caminho he a facilidade e
provimento delle, para cuja inteligencia se ha de supor que
o Rio de São Francisco desde a sua barra que faz no mar
junto a Villa do Penedo, em igoal distancia do outenta
legoas da Bahia e Pernambuco, de hua e outra parte asim da

216
Ibidem, p. 173.
217
A. Taunay. Hislória geral, cit., t. IX, p. 349.
218
'Jnformacöes sobre as minas do Brazil", in Anais da Biblioteca Na ci onal, vol.
LVII, p. 180.
128 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILJOS E ESCRAVOS
OS TRANSPORTES DOS GENEROS, 1JTENS1LI0 E ESCRAV()S 121
que pertence a jurisdicao de Pernambuco corno da Bahia Francisco da dita cachoeira para cirna, porquanto so
(para as quais serve de divisão o dito Rio) tern as suas beyras naquella parte ha paos capazes dé as fazerem e antes de se
varias povoacöes huas mais chegadas outras mais distantes tirar ouro naquelles distritos as fazião Os Paulistas e por
do dito Rio e na mesmaforma se vão continuando por elle negoceacão as vinhão vender pelo Rio abaixo."22°
asima por espaco de mais de seis centas legoas, athe Se a
justarem na barra que nelle faz o Rio das Veihas, em cuja Razöes de ordern geogrufica, corno vimos, davarn aos cami-
altura se achão hoje as ultirnas fazendas de gado de hua e nhos baianos enorme vantagem sobre os dernais. Havia entretan-
outra banda do Rio de São Francisco, sem ter da dita barra to urna restricão de ordem econômico-polItica que representava
athe esta altura parte despovoada nern dezerta ejn a qual urn grande onus para as vias baianas, na concorréncia para o
seja necessario dormirem ou albergarern no campo os vian- abastecimento das Gerais.
dantes, querendo recoiher-se nas casas dos vaqueiros como
A Corte lusitana havia oroibido rigorosamente o uso dos ca-
ordinariarnente fazem pelo born conhecimento que nelles minhos que ligavam o Recôncavo as minas, para evitar o extravio
achão... "219
do ouro, abrindo urna excecão apenas para o comércio do
gado.22' E claro que essa proibicão não poderia ser rigorosamente
Além dos caminhos terrestres, a Bahia dispunha da ótima via cumprida. 0 contrabando campeava largamente pelos carninhos
fluvial representada pelo São Francisco e seus afluentes, para ligá- de sertão. E sendo esse contrabando bern organizado, os forneci-
Ia a região aurIfer,/A via lIquida era usada de preferéncia para a
mentos ilegais da Bahia para as minas puderam ser volumosos.
jornada de volta das minas, para o Recôncavo. Nas matas que
Mas é claro que maiores teriarn sido, se não houvesse empecilhos
rodeavam as lavras, encontravam os viandantes as madeiras indica- legais. A proibicão tinha de se refletir, necessariamente, no volu-
das para o fabrico de grandes canoas nas quais embarcavarn pelo me do intercâmbio da Bahia corn as Gerais, restringindo-o.
rio das Veihas, entravam no de São Francisco e por ele desciam,
dernorando quiiiie dias para atingirem a cachoeira de Paulo
Afonso. Disse aincla o cronista anônimo:
.Esas eram as vias diretas e oficiais de acesso as minas
"E por esta causa todos aquelles que não tern dornicilio gerais e os ünicos caminhos permitidos para a entrada nas minas.
ou rezão particular para deserern das minas para São paulo Nern urn outro poderia ser aberto sob severas cominaçöes de
ou Rio de Janeiro embarcados na forma sobredita porque
pena, para evitar-se o descaminho do ouro.222 Contudo as proibi-
alérn da brevidade e suavidade da viagern a fazern corn cöes não foram suficientes para obstar o aparecirnento de dezenas
muito pouco custo porque evitão comprar cavallos pelo ex-
e dezenas de trilhas pouco conhecidas e so percorridas pelos re-
cessivo preco que valem nas ditas minas; e acabada a sua negados extraviadores de quintos, ou introdutores tie gêneros
viagern vendem as canoas no porto a que chegao por do-
que não haviarn pago os direitos de entrada.223
brado vallor do que ihe tern costado nas minas, pois so nas
mattas dellas se fazern todas as de que se uza no Rio de São LI 220
Ibidem.
221
Bando de Artur de Si e Meneses, ins, do Arquivo Nacioni do Rio de
Janeiro, col. Governadores-Gerais, 1. VII, f. 78v. Mais tarde foi também aberta
excecão para a entiada de escravos.
219
Ibidern, p. 159. 222 Ms. inédito, Arquivo Püblico Mineiro, códice 10,
P. 1.
223 Ms. do Arquivo Püblico Mineiro, códice 17, p. 245v.
130 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS OS TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAV69 i81
Cada urna das rotas de ligacao corn as Gerais apresentou pro- dentado litoral sulino. Este carninhö misto foi áberto librjbfid de:
longarnentos, pois que o abastecimento das minas exigiu urn for- Magalhaes, genro de Brito Peixoto a matidado dete, elfi 1725 226
midável esforço de produçao do qual participaram regiöes rerno- Mais tarde, quando foi aberto o caminho terrestre ligâbdo ó kb
tas do pals.
Grande a São Paulo, passando pelo plánalto, a cidade de Laguna
Assim, por exemplo, os caminhos paulistas se entroncavarn comecou a declinar, por ter perdido sua invejável situacão de
corn a via de perietracão nas regiöes da bacia platina. ponto de passagem obrigatoria entre São Paulo e o sul. Ficou
Para abastecer as Gerais de gado bovino, cavalar, e sobretudo arrendada, urn ponto morto ao flanco da linha usada para passa-
de muares, abriu-se o caminho do sul. Tal caminho era urn tronco gem de tropas, de mulas e bovinos. Em compensacão, Curitiba e
que corria pelo planalto, paralelarnente ao litoral e que tinha Sorocaba recoiheram sua heranca de prosperidade.
como principal escala a cidade de Sorocaba. Dal se internava pe- Tambérn os caminhos baianos de comunicaçöes corn as Ge-
los campos gerais do sul, passando por Castro, Curitiba, Vila do rais se entroncavam ao forte corn as vias que penetravarn nos
Principe (hoje Lapa). Transpunha o rio Negro, passava por Lajes, sertöes de Pernambuco, Maranhão, Piaui, e que convergiam todas
transpunha o rio Pelotas e ia chegar a Viamão, no Rio Grande em Juazeiro.
do Sul.
0 caminho do sul foi iniciado por Francisco de Sousa Faria,
mas seu verdadeiro construtor foi Cristóvão Pereira, que o corn-
pletou em 1738.224
T
odos os roteiros que analisamos, os da Bahia, Os de
Muito antes de ser aberto esse caminho, houve Iigacao por São Paulo e os do Rio de Janeiro, além dos probohgamentos ter-
terra entre a região vicentina e esse !onglnquo sul, pois as pene- restres, tinham ainda urn entrosarnento corn as rotas atlânticas
traçöes no sul datam da prirneira metade do século XVTI, de que iam convergir geralmente em Lisboa ou que jam dár na costa
quando os bandeirantes paulistas se dirigiam as regiöes ribeiri- da Africa.
nhas do Prata, em busca dos Indios das Reduçöes JesuIticas, por São Paulo, através do porto de Santos, a Bahia e o Rio de
trilhas que se perderarn por falta de uso. Janeiro serviam de entrepostos para os artigos provenientes da
Depois, abriu-se uma via semiterrestre, semimarltirna ate a Europa e da Africa.
Colônia do Sacramento. Atingia-se a cidade de Laguna por via As rotas atlântico-européias tinharn como principal ponto de
marltima. Al se desembarcava e marchava-se por terra, paralela- partida, na Europa, Lisboa; como pontos de escala, tocavärn nas
mente ao mar, por ser mais fácil o caminho terrestre nesse aci- ilhas Madeira (raramente nas ilhas do Cabo Verde). Das ilhas
rumavarn diretarnente para a Bahia de onde se distribulam as
224
ernbarcacöes para os principais portos da costa brasileira.
Em setembro de 1727, o governador da Capitania de São Paulo, Caldeira
Pirnentel, ordenou a Francisco de Sousa Faria a abertura de "um caminho de terra As rotas atlântico-africanas faziam a ligacão corn a Costa da
da Capitania de São Paulo aos campos de Curitiba por onde possam passar gados Mina, corn a costa da Guiné, corn Angola, corn Benga!a, sendo os
c cavalgacluras" (Docurnenlos inleressanles, vol. XXVI, parte 1, principais portos do comércio negreiro Popó, Ajudá e Badagre.
P. 29).
Francisco de Sousa Faria fracassou na empreitada. Encarregou-se da tarefa 0 transporte marItimo entre o rnercado lisboeta e os portos
Cristóvão Pereira de Abreu, que foi mais feliz no desempcnho da missao. Em troca
de seus serviços, por carta régia datada de Lisboa aos 4 de maio de 1747, foi-llie brasileiros era organizado sob o regime de frotas ou comboios.
feita a mercé da metade dos direitos que pagavam as cavalgaduras e gado qjse
entravam na Capitania de São Paulo, passando pelo Registro de Curitiba, pelo
prazo de doze anos. (Docurnentos historicos, vol. II, p. 61.)
225
Coronel João Borges Fortes. Rio Grande de São Pedro, p. 31.
132 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSfLIOS E ESCRAVOS OS TRANSPORTES DOS GENEROS tJTENSILIOS E ESCRAVOS 13
Tal sistema era usado para major seguranca da navegacão, pois as o sistema de navegacão por frotas era mantido por compa
guerras frequentes e a pirataria, no século XVIII, transformavam nhias privilegiadas que foram se sucedendo, ate desparecekeivi
as travessias atlântjcas em verdadejras aventuras. definitivamente em 1778.228
Sendo impossIvei prover de forças militares cada navio mer As rotas atlânticas oficiats monopolizadas pelos portugueses,
cante que demandasse os portos das conquistas, foi inventado o eram também usadas por navios ingleses pois que os mercadores
sistema de navegação em comboio, mercê do qual grande ntrne- britânicos desde 1654 tinhamo direito de mandar seus navios ao
ro de navios podiam fazer a viagem a salvo, sob a proteção de Brasil, sempre que incorporados as frotas.
alguns navios de guerra. o alvará de 8 de fevereiro de 1711 determinava qüe os gover-
uavcgaçao, corn o Qecorrer nadores das capitanias brasileiras so acO!hessem navios ingleses ou
do tempo, foi sofrendo alteraçöes e flutuaçöes. de outra nação estrangeira quando fossem incorporados as frotas
De modo geral, as datas de partidas e regressos visavam apro- do reino, ou quando entrassem para se abrigar do mau tempo,
veitar as monçöes mais favoráveis. Segundo Roberto Simonsen, a ou, ainda, em caso de avaria.
época considerada mais favorávei variou, prevalecendo o seguinte Alérn desses casos !egais de entrada de navios estrangeiros em
piano: partidas de Lisboa, em marco e abril; e regresso a Bahia, nossos portos, devemos considerar o comércio clandestino. tram
em setembro e outubro.226 os ingleses Os principais agentes do contrabando europeu nos
Em 30 de novembro de 1724, esse piano mencionado por portos coloniais. Naturairnente este tráfico obedecia a rotas dife-
Roberto Simonsen foi alterado por carta régia que estabeleceu rentes da oficial Brasil—Lisboa.
que os comboios deviam sair reguiarmente todos os anos de Lis- o comércio corn naçöes européias, a reveiia de Portugal, era
boa para o Rio de Janeiro, a IQ dejaneiro, e, do Rio de Janeiro, bastante intenso no secu!o XVIII. Em 1794, ojuiz de fora do Rio
deviarn partir de volta ao Reino a 1 de junho.227 de Janeiro, denunciando esse intercâmbio iiega!, declarava que
Saindo de Lisboa, os armadores necessitavam fazer provisôes nos quinze meses que antecederam sua denüncia nada menos do
nas ilhas Madeira. Era-Ihes permitido chegar ate as ilhas fora do que trinta e nove embarcaçôes estrangeiras, na maioria ingiesas,
comboio e au esperar pela frota. Por isso, pode-se dizer que as carregadas de mercadorias, haviarn aportado ao Rio de Janeiro.229
ilhas eram o verdadejro ponto inicial da frota, porque dali em Tal contrabando era feito as escâncaras, sob as vistas das autori-
diante não podiam seguir sem ser em conserva. dades, e muitas vezes corn sua cumplicidade.
0 sistema de frotas apresentou épocas de major ou menor Através das rotas africanas também se fazia ligacào indireta
rigor. Como nem todas as embarcaçoes podiam completar os car- corn os mercados europeus, como vimos em outro capItulo do
regamentos na época estabelecida por lei, por dependerem da presente trabaiho.
embaraçosa navegacão costeira e da incerteza da época das safras, As embarcacöes usadas nas rotas atlânticas eram de pequeno
por vezes afrouxava-se a obrigacao da travessia em comboio e calado e movidas a vela; sendo feitas de madeira, não podiam ter
permitia-se viagem livre. Bastava, entretanto, que se verificasse a!- grande toneiagem, o que encarecia sobremaneira o transporte.
gum desastre no mar, para que o sistema dos comboios voltasse a
ser aplicado em todo o seu rigor.

226 228
R. Sinionsen. Op. cit., vol. II, p. 189. Caio Prado Jr. Fc'nnacdo, cit., p. 228.
Docu men los inte,rssanles, vol. XVIII, p. 130.
229
"Correspondência de várias autoridades", RJHGB, vol. LXV, p. 264.
J
)
134 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSfLIOS E ESCRAVOS
) Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E EscRAvo' 135
) Nos transportes tenestres, as dificuldades cram ainda
Antonji, ao descrever os roteiros das minas; apbta a exis-
maiores do que nas rotas marItjmas.
) téncia de roças e pousadas effi várjos 1ugare: Pinhèiros,
Os caminhos que levavam as Gerais, no inIcio da mineracao, as margens do tio Verde, do Ho Grandé, o pouso do rio das Mor-
) i eram quase que absolutamente desertos e estérejs. Antes de se esta- tes, etc...
) belecerem nos seus roteiros as estalagens, as roças, os lugares de As estalagens e ranchos, que escalonavam e totnaiam ossI-
pouso, muito padeceram Os viandantes que foram para as minas.
vel o acesso as minas, localizavam-se comumente a margem dos
Urn cronista anônimo descreveu os padecimentos dos prirnei-
) rios, onde cram mantidas canos para facilitar a travessia aos vian-
ros povoadores das Gerais, corn patética simplicidade: dantes.
• Se tao dificil era a entes humanos chegar as minas, muito
) "IridivIduos tao alucinados pelo ouro havia que vindos
mais dificil era o transporte de mercadorias.
da distância de 30 e 40 dias de jornada, partiam sem provi-
) A princIpio, o ünico meio de transportar cargas para as minas
mento algum. Assirn, pelo caminho, muitos acabaram de era 0 lombo de escravo. Os caminhos, mal trilhados nos primeiros
irremediávej inanicão. E houve quem matasse o compa- tempos, cram ásperos demais e muito eseitos para perinitirem a
nheiro por Ihe tomar uma pipoca de milho que do seu
passagem de cavalgaduras.
borralho sahara para o outro, dos poucos grãos que cada
I Bento Fernandes dá-nos uma idéia exata da dificuldade corn
qual tinha para alirnentar a vida naquele dia."23°
I)
que se fazjam os transportes para as minas, no início da mineração:
Aos poucos, os caminhos para as minas foram-se
de roças, estalagens e pastos que amparavam viandantes e cavalga- "ASsirn foi crescendo o negócio de escravos, gados, , ca-
) I valgaduras, fazendas e mais vIveres de todá a sorte,
duras na áspera viagem. Antonil assinalou o aparecimento dessas conduzjdas corn o major trabalho a que obriga o interesse
comodjdades23'
I aos homens sendo então naqueles princIpios de condu-
Dos pontos de pouso e abastecirnento dos peregrinos surgi- tores as mesmas cervis humanas; porque o das bestas ainda
) ram cidades importantes, como Paraiba do Sul, que nasceu das
na° tinha passagem franca, como ao depois tiveram, fran-
roças de Garcia Rodrigues; Barbacena, que desfrutava vantajosa ueados e cultivados q
) situação geográfica, pois localizava-se na bifurcacao do caminho os caminhos.
) do Rio de Janeiro para as cidades das Gerais e muitas outras.
Assim, vemos que, no inIcio da mineracão, a transladacão de
) Ii
1 211
volumes, a falta de caminhos que permitissem a passagem a a ni-
"Relacão do principio descoberto desns minas", ms. da Biblioteca Muni-
I . mais de carga ou a carros, era feita no dorso de homens. A conse-
) cipal de São Paulo, códice Costa Matoso.
231
tonil, . cit., p. 239. qiiência imediata da larga utilizacão do lombo humano nos trans-
portes foi a intensificacão do u- flco africano e a major ufihizacão
• 1
"... e aqui ha rocas de milho, aboboras e feijão que são as lavouras feis dos Indios, sendo Os mIseros cativos empregados no duro labor
1 pelos descobridores das minas e por outros, que pot ahi querem voltar. E
) so disso constam aquellas e otttras Ioças nos caminhos e paragens das mi- dos carretos.
nas: e quando Inuito tens de mais algumas batatas. Porérn em algumas
) dellas hoje achSo-se criação de porcos domésticos,
I galinhas e frangoes, que
vendem por alto prcco aos passageiros, levasstandse tanto mais, quanto he
• tusior a hlecessidade dos que paao.,:.
252
"Relato de Bento Fernandes", apud A. Taunay. Histó,ia geral.... Cit., t. IX,
p. 127.
)

)
136 Os TRANSPORThS DOS QENEROS, UTENSfLIOS E ESCRAVOS OS TRANSPORTES DOS GENEROS, tJTENSILIOS E EscRAvos 137
As aldeias de Indios da Capitania de São Paulo ficaram deser- muito tempo, se dedicavarn a criação de muares para abastecer as
tas; os administrados foram levados para as Gerais pelos paulistas, densas populacöes das reglöes miflelras dog Andes 288
no transporte de suas cargas.233 A criacão de animais de carga, reflexo que era da producão
Pelo termo de vereacão de 30 de junho de 1721, da Cârnara de prata de Potosi, estava experimentando os efeitos da decadên-
Municipal de São Paulo, constatamos que os infelizes aideados cia dessas minas, quando a descoberta do ouro nas Gerais Ihe
faziam comumentejornadas para as minas gerais, alugando-se por rasgou novos horizontes. Conheceram elas uma nova fasé de pros-
urn preco que oscilava entre 16 e 20$000 e gastavam na viagern de peridade e expansão.
três a quatro meses.284 Corn a busca prernente de animais que realizassem o trans-
Aos poucos, as condicöes das estradas foram se tornando me- porte de gêneros e utensIlios para as minas, estabeleceu-se entre o
Ihores, permitiudo, então, o largo emprego do muar. So a besta centro e o sul do Brasil urn poderoso do econôrnico. Povoou-se
de carga poderia substituir o dorso do escravo nesses caminhos definitivamente a região fronteirica do sul. Mais do que isso: o
estreitos que Se faziam mais dificeis ainda, nos momentos de governo metropoiitano, impelido pelo imperialismo econômico,
transposicão das serras. Nem urn veIculo poderia ser utilizado, e, tentou estabelecer seu poderio politico na região platina. Reacen-
rnesrno os muares, em certos trechos dos caminhos, precisavam deu-se, no século XVIII, a veiha questão da Colônia do Sacramen-
ser aliviados de suas cargas, pela estreiteza de certas passagens, to, sendo agora a producão do muar a moda dos novós choclues
pelo Ingreme das encostas e pelo perigo dos precipIcios.235 travados pela posse da região.259
0 muar, todavia, não aboliu inteiramente o transporte feito O povoamento da fronteira sulina estava na estreita depen-
por escravos. As condiçöes dos caminhos que levavam as Gerais dência do comércio de muares. D. Luis Antonio de Sousa, capi-
determinavam que certas mercadorias mais frágeis (cadinhos de tao-general da Capitania de São Paulo, em oflcio dirigido ao Con-
barro, loucas, vidros, espeihos, etc.) fossem transportadas por In- de de Valverde, aflrmou que, sem o comércio de bestas de carga,
dios e negros, para não se fragmentarem.236 despovoar-se-ia a fronteira, pois não haveria alguem tao desespe-
Para os transportes pessoais, utilizavam-se cavalos. rado que quisesse viver naquelas paragens desprovidas de todo
Para as cargas, sendo o muar praticamente o ünico meio conforto, exposto aos ataques do gentio, se não tivesse a atral-lo
de transporte, sua procura crescia cada vez rnais.237 Felizmente Os avantajados lucros do negócio de tropas.24°
havia no sul do pals regiöes que se especializavam na produ- Os muares além de serem usados no transporte das cargas,
cão das bestas de carga: erarn as planIcies do Prata, que, de ha servindo, portanto, de instrumento do comércio corn as minas,
constitulam também objeto desse comércio, pois cram vendidös
aos mineradores para os trabaihos de extracão aurIfera.
233
Ern tomb do muar, estabeleceu-se todo urn apareihamento e
Carta de Rodrigo César de Meneses ao governador do Rio de Janeiro, uma tédnica de transporte que repercutiu fundamente na econo-
escrita em 15 de marco de 1724, in Documentos interessantes, vol. XX, p. 98.
234
Atas da Gdmara Municipal de São Paulo, vol. IX, p. 66. mia e no povoarnento do Brasil.
235
Antonil. t. cit., p. 204.
211
MS. inédito do Arquivo Pübljco Mineiro, códice 17, p. 242v.
en
Segundo os cliculos do Prof. Alfredo Ellis Jr., o custo do transporte em
lombo de muar, no sécujo XIX, seria de 146 rs. por tonelada-quilômetro. No 238
Alice P. Canabrava. 0 comércio portuguis no rio da Prata, no sécuTh XVI,
seculo XVIII, o preco deveria ser aproximadamente o mesmo. Calculou o Prof. Boletim da Fac. de Filosofia, USP.
Alfredo Ellis que o valor atual [1951, N.E.] seria, consideradas as diferenças de 239
Alfredo EllisJr. 0 ouro..., cit., p. 151;João Borges Fortes. Op. cit., p. 16 e ss.
câmbio, Cr$ 4,38 por tonelada-quilômetro. 240
Documentos interessantet, vol. XIX, p. 414.
OS TRANSPORTES DOS GENEROS, iJTENSILIOS E ESC1tkVOS
139
138 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E Esciwos

Ao longo das grandes vias de cornunicação freqüentadas pelas A consequencia de tudo isso era O encareciflleñtO dbs objètös
numerosas tropas de bestas, apareceram rocas de milho em quañ- volumosos e das utilidades de grande peso
tidade, para alimento dos animais. 0 consumo de milho pelos 0 caso do ferro enquadrava-se nssas circunsâncias. sse
muares era tao grande e constituIa urn negócio tao lucrativo para metal vinha da Europa em pesados lingotes, que deveriám ser
os fazendeiros fornecê-lo as tropas, que eles disputavam as prefe- divididos, para que se tornasse possIvel seu transporte pelas bestas
rências dos tropeiros. Para atraI-lo, muitas vezes punham a sua de carga. Tal operacão, custosa e demorada, encarecia o produto.
disposicio ranchos, para que descaiisassem na jornada. Mais am-
da, davani alirnentos gratuitos para o tropeiro e para todo o pes-
soal da tropa, e franqueavam os pastos para as cavalgaduras.24 '
Tais métodos cavaiheirescos de atrair os tropeiros e negocian- Aiém das tropas de bestas, conduzidas pelos tropei-
tes que demandavarn as Gerais não etain os iTmicos usados pelos ros, transitavam pelos caminhos das minas as boiadas é os corn-
roceiros estabelecidos ao longo das estradas. 0 Conde de Assn- boios de escravos.
mar, em carta datada da Vila do Carmo, aos 3 de fevereiro de As boiadas, constituIdas de centenas de cabecas, erarn nego-
1719, escreveu quc os homens de negócio que andavam pelo "ca- ciadas pelo boiadeiro nag fazendas em cujos portöes se fazia a
minho novo" reclamavam que os roceiros estabelecidos nessa es- entrega. Os boiadejros, capatazes e tocadores de gado conduziam-
trada cobravarn excessivamente caro os mantimentos, pedindo nas ao seu destino, em marcha de três léguas diárias.
por eles precos aibitrários e usando de medidas falsas. Além disso, Os comboios de escravos eram liderados pelos comboieiroS.
desconcertavam o caminho, para que os negociantes se detives- Os africanos jam em grupo de vinte ou trinta fortemente escolta-
sem em suas rocas e fizessem gastos. E se acontecesse de morre- dos e presos uns aos outros por correntes.
rem ou estropiarem-se as cavalgaduras, eram os negociantes obri- Assim é que podemos distinguir no abastecimefltO das Gerais
gados a vendê-las aos roceiros por precos diminutos ou dá-las a lies diferentes agentes: os tropeiros, os boiadeiros e os comboieiros.
guardar, sendo que, neste caso, geralmente desaparecia a major A missão desses homens tinha qualquer coisa de heróico pe-
parte delas.242 los sacrificios que exigia a jornada que se prolongava por meses,
0 transporte em anirnais de carga apresentava problemas pe- pela aspereza dos caminhos, pelos perigos que era preciso enfren-
•243

culiares. Urn desses problemas era o do volume das cargas. A tar nos trajetos infestados de ladröes, negros fugidos, feras, etc..
capacidade do muar é pequena. As bestas carregavam em media 0 anônimo da "Relacão do PrincIpio Descoberto Destas Minas"
oito arrobas que deviam ser distribuIdas em duas partes iguais, retratou, corn grande fidelidade, os perigos que se escondiam nag
uma de cada lado do animal, para haver equilIbrio na cangalha. viagens para as Gerais, relatando como era comum morrer gente
Mercadorias que não pudessem ser reduzidas ou divididas, sendo assassinada ou por facInoras qüe se econdiam pelos maths, ou pelos
de grande peso, tornavam-se de transporte dificil senão impossI- próprios companheiros de jornada, que suprimiaxn os respectivos
vel. Em certos casos, resolvia-se o problema utilizando-se varas sócios para não dividirem o ouro apurado nag negociac6eS.2
susteritadas por pares de bestas, mas a estreiteza dos caminhos Rodrigo César de Meneses escreveu ao rei sobre os perigos
tornava penosIssimo o transporte de tais cargas. que inçavam os caminhos das minas. Temos em mãos a carta

161.
24i
Caio Prado Jr. Formacdo, cit., p. 157. 243 DocumentOs interessanteS, vol. LI, p. 90, e Ibidem, vol. XVIII, P.
244 W. da Biblioteca Municipal de São Paulo, códice Costa Matoso.
242
RAPM, vol. III, p. 262.
140 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS
OS TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS 19 ESC1AVOS [41
régia que se refere ao assunto, datada de 14 dejunho de 1728, da
nItidos e caracterIsticos. Transformou-se em personalidade tIpica
qual transcrevemos significativo trecho:
de nossa sociedade colonial, figurando em contos regionais, em
nosso anedotáno, em pecas teatrals, etc
"... representando-me o governador vosso antecessor
Figura extremamente popular, o tropeiro, se no prinripio da
Rodrigo César de Menezes os riscos e perigos que tern os
era mineradora teve qualquer cousa do antipatico, pela especula-
viandantes pelas estradas dessa Capitania e a respeito de que
cão que fazia corn os gêneros, aos poucos foi adquirindo, ao lado
nos grandes mattos não so ha feras muito ferozes, mas
da futicão puramente econômica de abastecedor das Gerais, urn
facinoras escondidos e negros fugidos que uns e outros vi-
papel mais social e simpático de portador de notIcias, mensageiro
vem de roubos, mortes e insultos e para defensa e guarda
de cartas e recados. Representava urn verdadeiro traço de- união
dos passageiros seria mui conveniente permitir-se que entre centros urbanos afastadIssimos, levando de uns para outros
podessem levar pistolas, clavinas e espingardas e todas as
as novidades polIticas, as informacöes sobre cousas de uso, corres-
mais armas que Ihes parecessem... "•245
pondência, modas, etc.
Apesar de terem os abastecedores das minas esse caráter de
Mas, apesar de todos os sacrilicios, de todos os perigos, foi
mobilidade, houve quem se distinguisse pelo vulto dos forneci-
organizando-se o abastecimento das populacöes das Gerais. E que
mentos feitos as Gerais, sem jamais have-las visitado, como por
todos os sofrimentos e riscos erarn largamente compensados pelos
exernplo o Padre Guilherme Pompeu de Almeida, paulista de
lucros auferidos nas negociacöes. 0 minerador pagava regiamen-
grandes recursos, que fazia todos os seus fornecimentOs por inter-
te os artigos de que necessitava e, por isso, as correntes abastece-
médio de prepostos.
doras logo se organizaram. Antonil actisou o aparecimento das
primeiras correrites abastecedoras: 0 tropeiro comprava nas vilas e cidades do litoral gêneros,
fazendas e utensIlios de toda a espécie e os levava para o interior,
ganhando sobre as vendas porcentagens exorbitantes. Era, em ge-
"Porém tan to que se vio a abundancia do ouro qué se
ral, possuidor de grandes cabedais investidos em bestas de cargas,
tirava a largueza corn que se pagava tudo que lá hia logo
mercadorias, tItulos de crédito, etc... Muitos tropeiros possuIam
comecarão os mercadores a mandar as minas o melhor que
várias tropas empregadas nos transportes, cada uma composta de
chegava nos navios do Reino e de outras partes ................... vinte a cinqilienta animais entregues a direcão do "arrieiro" ou
"arriador", que era auxiliado pelos peöes, tocadores de mulas, etc.
a este respeito, de todas as partes do Brasil se come-
E que corn o tempo o tropeiro enriquecia. Aumentando o
cou a enviar tudo o que dá a terra, corn lucro não somente
vulto de seus negócios, passava a dirigir Os fornecimentos e não
grande mas excessivo. E não havendo nas minas outra moe-
mais a executá-los. Corn a fortuna, adquiria prestIgio social, esca-
da mais que ouro em pó; o menos que se podia e dava por lava a carreira polItica, etc. FamIlias ilustres de São Paulo possuem
qualquer cousa eram oitavas..... 246
tropeiros em sua árvore genea!ogica. Grossas fortunas foram
amealhadas nesse ramo de neg6cio.247
0 tropeiro, o agente por excelência do comCrcio corn as Ge-
rais, era iima figura móvel que aos poucos foi adquirindo tracos
247
Os tropeiros abasteciam todos Os centros urbanos do sertão, notadamente
245
Documenjos his tórjcos. vol. I, p. 157. as cidades mineradoras das Gerais, Goihs e Mato Grosso. Uma das maiores fortu-
246
Antonil. (Jb. cit., p. 217. nas amealhadas nesse negocio foi a de Cristóvão Pereira, como o prova seu in-
ventário (ms. inédito do Arquivo do Estado de São Paulo).
I—
142 Os TRANSPORTES DOS GENEROS, UTENSILIOS E ESCRAVOS

O comboieiro ou traficante de escravos no conquistou na


sociedade colonial do século XVIII urn lugar simpático, como o
que coube ao tropeiro. Em torno dele, formou-se uma aura de
maledicência, uma fama tenebrosa. Os velhos cronistas chama-
yam-no "judeu usurário" e "hediondo vampiro".
Os negociantes de escravos adquiriam sua mercadoria nos
portos a 100 ou 120$000 cada urn. Gastavarn em direitos e despe-
sas mais 20$000. lam vender cada escravo nas law-as por 180 ou
200 oitavas de ouro, nao se importando de vender fiado.248 CAPITULO Y
Os mineradores, na febre da pesquisa aurIfera, fascinados 0 COMERCIO DAS MINAS
pelas facilidades de crédito que ofereciarn os comboieiros, corn-
pravam mais africanos do que poderiam pagar.
Endividados, pagando juros extorsivos e proporcionando ao
comboieiro lucros rapinantes, muitas vezes acabavam perdendo As transacöes, a moeda e o crédito.
tudo que possuIam, inclusive as próprias jazidas de ouro, no mo- As feiras, as lojas.
mento das penhoras e execucöes.249 Mascates e comerciantes.
Os tropeiros, comboieiros e boiadeiros eram na maioria rei-
nois, cristãos-novos e ciganos, pois o natural da terra, o brasileiro,
sempre manifestou, desde o inicio da colonizacao, grande aversão
As atividades mercantjs. lV
os primeiros tempos da mineração o tinico dinhei-
ro que corria nas minas era o ouro em pó, que se media pbr
Oliveira China, em seus estudos sobre os ciganos no Brasil, oi tavas.
apresenta interessante documentacao que revela a presença dos Já Antonil afirrnou que, não havendo nas minas outra moecla
ciganos no comércio corn as Gerais, principalmente na venda de mais que ouro em pó, o thenos que Se pedia e dava por qualquer
escravos, cavalos e mulas.25°
cousa eram oitavas ...25'
O ouro em barra apareceu depois que se erigiram nas mina.s
In
as casas de fundicão.
Houve casas de fundicão em São Paulo, em Taubaté, no Rio
de Janeiro, na Bahia e na zona mineradora propriamente dita: em
Sabará, São Joao del-Rei, Vila Rica e Vila do Principe.
O ouro em pó era levado pelo mineiro a casa de fnndicão.
Descontado o quinto, era fundido e transformado em barra. 0
218
ouro de cada minerador era fundido a parte, porque variava o
Gilberto Freire. Sobrados e lnocalnbos, p. 43.
toque do metal nas diferentes jazidas. Cunhava-se na barra o selo
" Para salvar os mineradores da situacão crutica a que foram Jevados pelo
abuso do crédito e para evitar que perdessem as fábricas de minerar foi promul- real, marcava-se o quilate, o peso, e entregava-se ao possuidor
gada. em 1752. a fansosa Lei da Trintena, que excetuava das execuçôes os nsinei-
ios que possuIssens isusis de trinta escravos.
"Jose B. de Oliveira China- 05 ciganos no Braid 251
Antonil. Op. cit., p. 217

FRI
144 0 COMERCIO DAS MINAS
0 COMERCI0 D'A8 MINAS 145
uma guia impressa que sempre devia acompanhar a barra e na huma certa quantidade o vai fundir e experlrnenta a pdrdA .
qual também figuravam seu peso e quilate. consideravel clue de tat misturá se deve geguir.. 11.252
Oficialrnente, so o ouro em forma de barras e acompanha-
do da guia respectiva que sigriificava ter sido pago o imposto, é Em 4 de maid de 1746, houve uma lei declarando ser ctsd
que poderia circular nas Gerais. Entretanto, havia uma certa to- de devassa o delito de misturar latão ao ouro em pó. No preâmbu-
lerância corn relaçao ao giro do ouro em po, dentro da capita- to dessa lei consta que, no ano de 1721, fora presente ao rei que
nia de origem, porque riem sempre era possIvel a uma mes- "em Minas Gerais se ia experimentando a perniciosa introdução,
ma pessoa reunir a quantidade de ouro suficiente para formar a que derão princIpio a!guns negros, de !imarem pecas de !atão e
uma barra. misturat-as corn ouro em p6 nos jornai5 de seus senhores".253
Essa tolerância abriu as portas a uma larga sonegacão do 0 valor da oitava de oUro em pó variou bastante nas minas,
quinto, pois para o ouro em pó não se exigia o certificado de conforme a época e conforme o local. Antonil mostra esa varia-
pagamento do imposto ao real erário. cão, atribuindo-a a major on menor "perfeicão" do metal e a
As barras de ouro corriam como se fossem moedas, no inte- major ou menor distância das minas dizendo que mais barato se
rior do pals. No litoral, contudo, quern as possuIsse era obrigado vendia o ouro junto as lavras do que nas vilas de São Paulo e
a apresentá-las nas casas de moeda. Como, porém, havia muito Santos, e que muito mais valia nas cidades do Rio de Janeiro e da
major vantagem em vender as ban-as para ganhar o ágio, seus Bahia do que nas vitas referidas.254
donos raramente as levavam para amoedar. Segundo o valioso testetnunho daquele jesuIta, o valor da
As barras de ouro, girando como se fossem dinheiro, apresen- arroba do ouro em pó, na Bahia, era de 14.336 cruzados (sen-
tavam urn grave inconveniente: podiam ser limadas e mesmo cor- do o valor da oitava 14 tostöe) o ouro quintado ou em barra
tadas, sern que nlnguem notasse a fraude e continuavam a circu- custava, por arroba, 16.384 cruzados (sendo o valor da oitava -16
lar corn o peso e o quilate declarados na guia. tostöes) 255
0 ouro em p6 que corrja nas minas era metal sobre o qual Além da variáção no espaco, conforme a major on menor
ainda não se pagara o quinto. Tinha menor valor do que o redu- proximidade das minas, o valor da oitava variou também no
zjdo a barra, porque quem o adquiria tinha de arcar corn a re- tempo.
ducão correspondente ao imposto. Além do mais, tinha de contar o governo atribuiu a oitava de ouro urn valor oficia] que se
corn as quebras que sofrerja, ao levá-lo para fundir, resuliante das alterou no decorrer do século, da seguinte forma:256
impurezas ne!e contidas.
Era muito comum juntar-se, ardilosamente, ao ouro em p6,
corpos estranhos como o esmeri!, a timatha de !atão e outras 252
"Exposicão do Governador D. Rodrigo César de Meneses sobre o Estado
drogas, para aumen tar-the o peso. de Decadéncia da Capitania de Minas Gerais e Meios de Remediá-lo", RAPM, vol.
Rodrigo César de Meneses, em seu depoimento sobre as cau- H, p. 322. - -
sas da decadência das minas, asseverou que: " Xavier da Veiga, Op. cit., vol. I, p. 225.
254
Antonil. Op. cit., p. 221. -
255
ibidem.
"... anda adulterado quazi todo o (ouro] que gira, não sendo 256
Encontramos esses valores oficiais da oitava do ouro em Eschwege. Op. cit.,
humanarnente possivel descobrir os autores de similhante parte II, vol. II.
roubo, que são ta!vez quazi todos os habitantes desta Capi- Encontramos confirmacão desses dados no ms. inédito do Arquivo Pdblico
Mineiro, 'Colecão de Notfcias Sobre a Origeni dos Rendimentos..", Luis Diogo
tania; o que redunda em grave prejuizo daquelle que tendo Lobo da Silva, códice 85, D.F.
146 o COMERCIO DAS MINAS
0 CoME1CI0 ii&s MINAS 147
Desde a descoberta do outro ate 1725 valeu a oitava 1$500 Diante de uma reacão tao ''iolenta, a Metrópole adion a insta-
De 1/2/1725 a 24/5/1730 valeu a oitava 1$200
De 15/5/1730 a 4/9/1732 lacão das fabricas de moeda
valeu a oitava 1$320 Anos depois, o governador da capitanla, D Lourenco de Al
De 1735 a 1751 valeu a oitava 1$500
De 1751 a 1823 meida convocando as"Cameras todas destas Minas e os homens
valeu a oitava 1$200 bons de todas estas cornarcas", conseguiu a aceitacão das casas cI
moeda, que passaram a funcionar a partir de P de fevereiro de
0 valor oficial atribuIdo ao ouro, pelo governo, na maioria 1725.258
das vezes, não correspondia ao valor real do metal no giro do
A 8 de fevereiro de 1730, uma carta régia declarou nulos
comércio. Geralmente, o ouro valia mais do que se pagava por ele
os con tratos de vendas, compras, escambos e outros quaisquer,
nas casas de fundicão. Tal fato incrernentava as fraudes, induzia feitos na base de ouro em pó, impondo penalidades aos que o
ao coritrabando, e determinava a evsão do metal.
transportassern. Abriu-se uma excecão para os mineradores que
Além de todos os fatoresjá mencionados, que intervinham na poderiam reter urn máximo de 500 oitavas, enquanto esperassem
variação do preco do fulvo metal, havia urn outro: o sistema de
o mornento de levá-las a fundicão. Para suprir a faltá de moedas
percepcão do imposto. Assim foi que, quando se estabeleceu a
para os pagamentos miüdos, o rei mandou cunhar escudos
cobrança do real quinto pelo sistema charnado da capitacão, su-
biu o valor da oitava de 1$200 para 1$500. Isso foi de 1735 a 1751.
Abolido esse sistema de cobranca do imposto, tornou a cair o
preco da oitava. neste governo que estabelecesse nestas Minas casa de fundicâo para nella se
0 giro do ouro em pó era bastante prejudicial para a Metrópo- fundir e quintar todo o ouro que extraisse ddllas, como vós vereis da copia
le, que ten tou proibi-lo em diversas épocas, sempre sern resultado. da ley que vos remetto; também o dito Sr. foi servido por outrá keal ordem
sua mandar que da mesma forma se fizesse hua casa de moeda em que se
So se poderia abolir o uso do ouro em pó instituindo na fabricasse toda a moeda de ouro nacional e tanibém moedas de doze e
própria região mineradora casas de moeda. Em 1718, foi promul- vinte e quatro mil rs. e sem embargo que essas duas ordens que foram
gada a carta régia que criava casas de moeda nas minas. A medida passadas ha muitos annos e nao deo cumprimento porquc estes povos a
impugnarão sempre e se levantarão contra o dito Conde de Assumar por
foi recebida pelas populacöes mineradoras corn grande- descon- não quererem concentir o estabelecimento dessa casa, as quais são da mal-
tentamento e ma vontade, porque, corn tais casas, se fechava a or conveniência para a fazenda Real, assim por esta cauza como porque
mais larga porta a defraudacao do fisco. Houve tumultos que não hera rezão que estes povos impugnassem as ordens do nosso soberano:
fiz toda a diligencia por conseguir o estabelecimento destas duas casas e
culminaram corn o levante de Vila Rica, em 1720, e corn a execu-
convencendo as Camaras todas destas Minas e Os homens bons de todas
cão de Filipe dos Santos.257 estas comarcas para huajunta que fiz em quinze do corrente, ndlla estabe-
leci as primeiras das ditas cazas, como S. Mage. q. Ds. gde. manda e corn
geral acceitacão de todos estes povos, como vos será presente pela copia do
termo que vos remetto...... Arquivo Püblico Mineiro, códice 17, P. 228.
257
Entre os ms. inéditos do Arquivo Püblico Mineiro encontramos interessan-
258
te carta do governador D. Lourenco de Almeida ao governador da Capitania de Muito embora a Coroa tenha se empenhado tanto para estabelecer as
São Paulo, D. Rodrigo César de Meneses, datada de Vila Rica, em 25 dejaneiro de casas de moeda e fundicao, nas minas, o ernperrado apareihamento burocrático
1724, relatando a oposicão dos povos a instalacao das casas de moeda, no tempo reinol não permitia que elas funcionassem regularmente. Houve ocasiöes de fica-
do Conde de Assumar: rem paralisados us trabaihos de reduzir o ouro a moedas on barras porque não se
enviava do reino solimão para fundir o metal, cadjnhos e nern mesmo técnicos
"Meo amigo e meo Sr. Faco-vos esta carta dando vos conta que S. ensaiadores. (V. ms. inédito do Arquivo Püblico Mineiro, códice 17, p. 248, pro-
Mgde. q. Ds. foi servido ordenar ao Conde de Assumar meo antecessor posta do Superintendente Eugênio Freire de Andrade, datada de Vila Rica, 7 de
setembro de 1725.)
)

148 o CoMERcIO IJAS MINAS

quarto de escudos, bern como moedas de cobre foram remetidas


do Reino.259
Para as grandes tansacöes, continuavam a girar as moedas de
ouro on as barras. Todavia os maléficos efeitos da presenca da
moeda nas Gerais não tardaram em se fazer sentir.
-I OCoviECb DAS MJNAS

Em 29 de outubro de 1733, foi promulgada uma carta de real


punho ordenando o recolhimentd dè toda Wttthëdã dá Capitahltt
das Minas Gerais.162
Assim, o extravio do ouro e a fatslficaçâo da mbedA detèrrni
nara a proibicão do giro do ouro amoedado e, mais do 4ue isso,
I4

A presencà da moeda facilitava e avolumava o extravio do acarretaram a mudanca radical do sistema de percepcão dos im-
ouro, porque Os moradores das Gerais podiam trocar o metal não
postos. A Metrópole, em 1735, abandonou o sistema de recolher
quintado pelas moedas trazidas pelos cornerciantes.
o quinto de ouro através das casas de fndicão e moeda, substitu-
Compreenderam os poderes metropolitanos que o ünico indo-o pelo sistema da capitacão.263
meio de contornar a evasão do áureo metal seria proibir a entra- Proibida definitivamente a circulaço da moeda de ouro nas
da nas minas de toda e qualquer moeda, porque, não entrando minas, pela lei de 3 de dezembro de 1750, foi preciso que se esta-
dinheiro, não teriam os mineradores corn que trocar o ouro, e belecesse uma série de providências, para que as trausacöes mer-
Ievá-lo-iam a fundicão. A essa conclusão chegou o governador da
cantis se processassem normalmente, sem que Os viandantes e ho-
capitania que, em carta de 10 dejunho de 1730, recomendou ao mens de negócio sentissem os inconvenientes daquela proibicão.
rei a proibicão de entrada de moeda nas rninas.260 Daquela data em diante, os que entrassem nas zonas de mine-
Além do contrabando do ouro, houve outro poderoso motivo racão para vender suas mercadorias, se tivessem consigo dinheiro
que concorreu para a proibiçao da entrada e fabricaçao de moeda amoedado, deviam trocá-lo, nos registros especiatrnente ckiados
nas Gerais: foi a descoberta de fábricas de moedas falsas. para esse fim e postádos nos cãminhôs de entrada das minas, por
A descoberta de uma fábrica onde se falsificavarn moedas, em ouro em pó, on moeda provincial de prata e cobre. -
Paraopeba, no ano de 1731, causou urn alarma tremendo na Cor-
te lisboeta. Major ainda foi a reação, quando Se descobriu em
Catas Altas não so a falsificacão de moedas, mas a existéncia de
que vem marcadas de São Paulo sam todas verdadeiras, ou não, e seguro a
falsos cunhos dc marcar as barras de ouro, para usurpar Os
régios V.S. que se temos a felicidade de apanhar algum ouro desencaminhado aos
quintos.2 '
quintos fazemos hum grande servico a V. Magde, no grande exemplo que
se de para que não hajão de o furtar o que he em gravissimo prejuizo da
Fazenda Real e confesso a V.S. que todo o meu Receio e a mayor sospeita
259
que tenho he que levão destas Minas ouro furtado pello Carninho de São
RAPM, vol. VI, p. 876. Paulo, e Paraty, e que Ia o marcão corn marcas falsas o que he facilissirno
260
Ibidein, p. 879. por serem de puncoes e nao de cunho e os levão dessa Cidade dizendo que -
261
Ibidern, vol. IV, p. 803 e 806. Não so nas minas, mas, he ouro de Cuyaba e por ésta causa peco a V.S. que mande fazer exames
ao que parece
tambérn em São Paulo e em Santos, houve quern possuIsse falsos cunhos, para nas marcas para se cotejarem corn as verdadeiras..." Códice 17, p. 253v.
maicar as barras de ouro, corn prejuIzo do real erário.
- Tei1ios em mãos urn Ins. inédito do Arquivo Püblico Mineiro, uma carta do 262
RAPM, vol. IV, P. 807.
goverriador da Capitania das Minas, D. Lourenco de Almeida, dirigida ao governa- 263
o sistema de recoihimento do imposto sobre o ouro, charnadoCapitão,
dor do Rio dejaneiro, Luis VaIa Monteijo, datada de Vila Rica, em 26 de marco consistia no pagamento de 4,75 oitavas de ouro sobre cada escravo que trabalhasse
de 1726, que diz:
nas lavras, lojas, vendas, etc...
Esse sistema era de aplicacão exata não admitindo fraudes. Os povos ficararn
"Nestas minas me dizern e ha evidentes slispeitas de que em São aterrados corn sua instituição nas minas. Propuseram a metropole continuar corn
Paulo e Santos se fultarn as marcas Reacs corn que se marcani as barras o sistema das casas de fundição e moeda, obrigando-se as câmaras a contribuir
fiizcndo-as falsas e assini dou a V.S. cste aviso para que V.S. mande fazer corn urn mInimo de 100 arrobas anuais, proposta que o rei não aceitou na ocasião,
!!essa Casa da Moeda o exame que Ihe parecer Para se averiguar se as barras mas acolheu anos mais tarde.
150 0 COMERCIO DAS MINAS 01 0 COMERCIO DAS MiNAS 11
Ao sair, deveriam trocar todo o ouro em pó que houvessem São inumeras as quantias de ouro em po, que giram
auferido em suas vendas, por moedas. Ii na Capitania de Minas e infiñitos Os pagamntos qie se fat-
Era considerado crime de lesa-majestade introduzir moedas zern corn elle Esta calculada a perda qde costurna haver
de ouro nas Gerais. Em todos os lugares de entrada e salda das nestes pagarnentos miudos em cinco por cento, poiquiie, a
minas, foram postados fiéis nos registros, para permutarem ouro experiencia tern mostrado que toda a pessoa que tiver cern
por moeda on vice-versa. A operacão exigia uma série de outras oitavas de ouro e as for gastando em pagamentos miudos,
medidas complicadas. vem a perder cinco; parte d'este ouro fica pegado nas ba-
Como os viandantes que entravam nas minas em geral leva- lancas, parte nos papeis em quq se embruiha e parte se
yarn pouco valor em dinheiro, e muita mercadoria, não se fazia desencarninha corn o ar, o que acorntece as particulas mais
nos registros depósito espontâneo de moeda legal, para ser-Ihes subtis.
fornecida na volta, quando traziam bastante ouro em pó, apurado "Esta perda é rnuito attendivel porque ninguem se
na venda dos efeitos introduzidos nas Gerais. aproveita daquelle ouro assirn desencaminhado e ella se
Era preciso que patruihas especiais do governo fossem buscar evita girando a moeda; porque Iiaverido-a poucos hão de
dinheiro na Casa da Moeda do Rio de Janeiro para prover a aceitar ouro, como fica dito."264
tesouraria-geral da Capitania das Minas. DaI a moeda se distribuIa
pelas intendências da várias comarcas miñeiras, e destas, para os Apesar de apontar todos os inconvenientes do manuseio do
registros. ouro em pó, Teixeira Coelho era contrário a proibicão absoluta
. Inversarnente, o ouro em pó recebido nos registros, da mao do seu uso, porque considerava ele que grande parte dá popula-
de homens de negócio que saIarn das minas, era levado para as cão das minas era formada por faiscadores, cada urn dos quais
intendências, daI para a tesouraria-geral da capitania e finalmente extraIa, dos córregos e ribeiros, dois, três ou quatro vinténs de
ia para o Rio de Janeiro, para ser amoedado. Duas vezes por ano, ouro por dia. Essa gente miserável, quando encerrava o dia de
iam soldados ao Rio de Janeiro, levando ouro e trazendo moeda. trabaiho, passava pelas vendas para adquirir o necessário ao sus-
Todas essas operacöes eram perigosas e dispendiosas. 0 ouro, tento cotidiano. Jamais chegava ajuntar uma quantia de ouro em
quer amoedado, quer em pó, devia percorrer distâncias enormes e pó suficiente para levar a casa de fundicão e transformá-la eth
era onerado corn as despesas de transporte, funcionários, guardas, etc. moeda on em barra.265
A manutenção de 22 registros e seus respectivos fiéis, haven- Atendendo aos interesses dos modestos faiscadores de ouro,
do em cada urn deles mais dois escrivães para o preenchimento foi que Teixeira Coelho opinou pela existência da thoeda, ao lado
das guias, importava em grande despesas. Alérn do mais, a Fa- do ouro em pó.
zenda Real arcava corn o prejuIzo das quebras verificadas na fun- Entretanto, so em 1803, foi abolida a circulacão do ouro em
dicao do ouro em po, resultantes das impurezas nele contidas. po capitania mineira, podendo dessa data em diante correr as
na
Mas o prejuIzo maior, decorrente da proibicao do uso da moe- moedas de ouro, prata, cobre oU Os bilhetes de permuta.266
da, era sofrido pelos habitantes das Gerais. Estes erarn obrigados a
fazer todas as suas compras corn urn rneio circulante de manuseio
dificil, eivado de vIcios e impurezas que depreciavam seu valor.
0 Dr. José Joao Teixeira Coelho, em sua "Instrução Para o
261 Teixeira Coelho. "Instrucão....., cit., p. 397.
Governo da Capitania das Minas Gerais", abordou esse problema 265
Ibidem, p. 396.
dizendo: 266 Xavier da Veiga. Op. cit., vol. Il, p. 255.
152 OCOMERCIO DAs MIN
0 COMERCIO IMS MINAS 153
A 5
transaçöes nas Gerais, por incrIvel que pareca, Joao Lücio de Azevedo noticia que, em 1760, os mercadores
cram mais comumente feitas a crédito do que mediante paga- ingleses de Lisboa manifestaram-se ontrários ao projëo dë cria-
mento a vista.
cão de uma compauhia de cdmércio nira o BrasiL A1egvám des
Parece estranho que populacöes que viviarn direta ou indire- os débitos colossais dos habitantes das minas as pracas do Rio e da
tamente da extracão do ouro não tivessern esse metal para saldar Bahia, sendo que os negocialites destas cidades, por sua vez, devi-
suas obrigacoes a vista.
am grandes somas aos de Lisboa, e estes, pot seu turno, a feitoria
Em uma carta que a Câmara de Vila Rica dirigiu ao Visconde britânica.27°
de Barbacena, lemos o seguinte:
0 Conde de Sabugosa, em carta datada da Bahia, em 23 de
agosto de 1730, afirmou:
"Em uma palavra e sem a thenor contradicão, 0 pro-
testo simplesmente de pagar para o futuro vale hoje nesta "As minas fordo a total perdicão do Brasil e a falta
Capitania, como o dinheiro e as fazendas nas demais partes delas sera a sua ultima ruina; nestas se acha hum formidavel
do niundo.11267
cabedal de todos os portos da Marinha e ainda de todo o
Reyno e de varios Estrangeiros que COffi os olhos no ouro
Beichior do Rego de Andrade, em carta datada de Vila Rica, introduzem as suas mercadorias por meio dos Portugueses e
em 11 de abril de 1734, disse considerando o estado de dIvida em tern tantas dillacoens as remessas que muito interessados
que viviam os mineradores: "Não é crIvel o nñlnero de rnilhöes a estão por esta cauza perdidos porque as dernoras dos paga-
que os mais práticos afirmam sobem os empenhos.11268 mentos são de 3 e 4 annos, quando mais bern sucedidos e
0 autor anônimo do "Roteiro do Maranhão a Gois" conside- muitas vezes se procura o devedor em huma parte e não se
rou os maleficios do abuso do crédito nas Gerais, nos seguintes termos: acha, nem quern&noticia delle.1127 '

"He tao frequente vender-se em Minas tudo fiado, Aos mineradores, na primeira metade do século XVIII, cram
como sera rara aparecer algum vendedor embolçado de aberto largos créditos; em cornpensacão, osjuros cobrados cram
todo o preco da cousa vendida. He já corno serto deixar-se altIssimos, nao raro atingindo as taxas de 25 e 30%.272 E que os
sempre de cobrar parte do que se fia de sorte que, quem negociantes e agiotas cobravarn seus interesses na mesma propor-
calcular o que vende, e cobra o agricultor e comerciante, cão do risco dos negócios.
hade achar que o agricultor perde anualniente parte dos O delIrio do crédito embriagava os mineradores de tal forma
fructos que colhe; porque ainda que a venda, nunca vem a que muitos deles acabararn se arruinando.
cobrallo; e que o comerciante deixando tambem em todos O abuso do crédito chegou a criar nos meados do setecentis-
os giros que faz o Capital do seu negocio, de embolçar o mo uma atmosfera de intranquilidade e inseguranca econôrnica.
vallor de parte das mercadorias que vende: vem por ultimo a Os mineradores que haviam confiado excessivamente em futuras
perder do mesmo capital e reduzir-se a termos de fallir; fim extracôes de ouro, e que, fiados nessa crenca, haviarn gasto mais
comum a todos os comercjafltes de Minas."269

267
RAPM, vol. VI, p. 147.
268 270 Joao Licio de Azevedo. Op. cit., p. 353.
Apud joao Lücio de Azevedo. Op. cit., p. 353. 271
269 Anais da Biblioteca Nacional, vol. XXXI, p. 26.
'Rotejro anôlIiliio do Maiaiilião a Coiás, RIIIGI3, vol. 99, p. 60. 272
RAPM, vol. II, p. 318.
154 o COMERCIO DAS MINAS 0 COMERC1O DAS MiNAS 155

do que podiarn sern coiher a quantidade de ouro esperado, acaba-


yam culpando de seus desvarios e de sua rulna os negociantes que
ihes facilitaram as compras a crédito.
A facilidade de obter créditos gerou abusos. As faltas de paga-
mento, na hora de saldar os compromissos, foram tornando-se
escandalosamente freqflentes. Diante dos prejuIzos houve uma
natural restrição das pracas do litoraL273
No "Discurso Preliminar", vemos a confirmacão dessa atitude
dos comerciantes das pracas rnarItimas, que deixaram de fazer
seus fornecimentos, corn medo de não serern pagos:

"Os novos comerciantes a exemplo dos antecessores,


medindo as suas perdicöes, hoje nada querem vender fiado
para aquellas Minas, e certöes, e porque so vendem a di-
nhèiro, por isso mesmo pouco ou nada vendem: e cis aqui o
actual estado daquelle comercio, a causa e a razão porque
elle tern desapparecido e se acha quasi extinto. Os comer-
ciantes, aprendendo a custa alheia Se conservão firmes no
desengano de não fiarem para não perderem.11274 ? r
0
/ IP1
1
Y(fld
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C

C
A mania do crédito era tal, que ate a Fazenda Regia foi levada a
fiar o pagamento dos impostos. Os negociantes que jam para as
minas comumente não pagavam, na entrada, os direitos sobre as
mercadorias que levavam. Pagavam-nos na volta e... quando podiam.
MAPA GEOLOGCO
C de MINAS GERAIS

271 Bosoodo no Mopo GaolSgko d0 B,oil


Na "Inforrnação da Capitania das Minas Gerais", de Basilio de Sá Vedra,
• po,Avolino l.doOlivoirO 1938
embora seja de 1805, vemos retratada urna situação que existia desde os meados
do século XVIII:
4' o •Vitória Eco6 17.000000

"Os negociantes dos portos do mar se fizerão ricos corn o o

cornrnercio de Minas..
"Os mesmos negociantes dos portos de mar tern perdido muito corn
Osatern6rio Carbonffero
os devedores falidos em Minas; de poucas pessoas fião us seus géneros e Rio e
corn interesses sirnilhautes ao risco de não serern pagos, no que se aumenta Terciário Ill!i1ll!ll Devoniano
rnulto o mal desta Capitania." RAPM, vol. II, p. 674. p Rio do aneirO
Creláceo Siluriano

271 Jurôssico Prolerozôico-Algonquicr


"Discurso Prelirninar", ms. anônirno in Anais da Bib1ioeca Naciona4 vol. Pou Arqueozôico-COmpleXO
immm
XXVII, p. 348. lfflhiJl! Permiono Cristalino Drasileiro

)
156 0 COMERCIO DAS MINAS
b COMERäI0 IMS MINAS 157
0 Dr. Teixeira Coelho, em sua "Instrucão", bateu-se pela
Foi na compra de esci'avos que o ãbuso do crédito chegoii ao
proscricao de tal uso. Disse ele que o costume inveterado de se
auge Os mineradores, na sede insaciavel de extrair burco dt terra,
não pagarem os direitos das entradas, a vista, nos registros, devia
e sabendo que quanto mais escravos pogsuissern mais ouro obtri-
desaparecer. A opinião que prevalecia na região era a de que seria
am, empenhavam-se corn os rnercadres da mão-de-obrã ner,
impossIvel suprimir uma norma estabelecjda ha tanto tempo e na esperanca de poder pagá-los corn os lucros das fiuisqueiras.
que Se tal se tentasse, muitos negociantes ficariam impossibilita-
dos de cornercjar. E, não raro, não podiarn saldar os compromissos, sofrendo a
execução dos bens que erarn arrematados em hasta püblica, qüase
Teixeira Coelho achava que, se a supressao do crédito con-
sempre a precos inferiores a seu real valor.
cedido nos registros iria diminuir o niirnero dos negociantes
0 alvará régio, de 26 de marco de 1721, mostra a situação de
que faziam fornecimentos as Gerais, em compensacao os poucos
dIvida em que se encontravam os mineradores, pela facilidade de
que subsistissem seriarn os de maiores cabedais. Desapareciam comprar escravos fiado:
apenas os pequenos negociantes que giravam pelos caminhos das
minas, falindo a cada passo, burlando os que neles confiassem e
"Eu El Rey faco saber aos que este meu alvará virem
prejudicando as casas comerciais estabelecidas no Rio de Janeiro
) e nas Gerais. E também para a Coroa haveria vantagem, pois, di- que por se ter entendido que o rnotivo principal que dá
) I zia ele: occasiarn as inquietacöes dos .povos das minas procede dos
S
grandes empenhos em que achão os seus moradOres pella
facilidade de comprarem escravos fiados, empenhando-se
) "D'este modo segurava Sua Magestade os seus direitos por este rnodo corn a esperanca do desempenho corn os
corn Os pagamentos promptos e se evitavam execuçöes
) lucros que esperão tirar das faisqueiras, o qual muitas vezes
H para a cobrança d'elles, as quais arruinavam os povos.
se desvanece, do que socede venderem se por arremataçöes
Quando ha de cobrar a mesma Senhora a grande quantia de publicas por muy inferior preco do seo valor: para evitar
1.212:146$176 que se ihe está devendo de Contractos na heste damno sou servido que Os dittos escravos Se avaliem
Capitania de Minas?"275
prirneiro por dous luvados escoihidos pellas partes e não
comparecendo ellas, pelo juiz da execução e não concor-
) Teixeira Coelho era de opiniao que a cessação de créditos so
dando arnbos, desempate o .iuiz e soccedendo dos lancos
II deveria prevalecer para os negociantes que entravam pelo cami- não cheguem a avaliação depois de corridos os pregöes da
nho novo, e que introduziarn nas minas escravos, fazendas e gé-
Ley, será obrigado o credor a acceitar em pagamento os
neros procedentes do Reino. Nos outros caminhos, porém, por
escravos pela avaliação que esther feita e este meu alvará
) onde entravam boiadas, cavalos, bestas, couros, e outros gêneros,
nos quais so podiam negociar os "hornens robustos e capazes de que se cumpra ......277
J
softer os incomodos dos sertöes e matos, os quaes como são po-
bres Lido e possivel que paguem a Esse alvará régio, todavia, não foi suficiente para proteger os
vista os direitos das entradas", a mineiros e suas fábricas de minerar contra os prejuIzos das execu-
I Coroa deveria ser tolerànte e con tinuar fian do;276
çöes. Mais tarde, em 19 de fevereiro de 1752, o governo metropo-
litano prornulgou a célebre Lei da Trintena, pela qual os minera-
H 275
"lnstrucao....., cit., p. 410.
276
Ibidem, p. 411.
277
Ms. do Arqnivo Püb]ico Mineiro, cOdice 15, f. 85v.

I,
158 o COMERCIO DAS MINAS
0 COMEkCIO DAS MINAS 159
dores que possuIssem mais de trinta escravos não poderiam sofrer cuja copia encontramos entre os manuscntos do Arquivo Publico
penhora nos ditos escravos e nem nas "fábrjcas de minera".278 A Mineiro, e na qual se verifica que Os prejuIzos cram kerais, jiir
execucao so poderia correr sobre os demais bens que o devedor para os mineradores, quer para os honens de neg6cio.2 °
possuIsse e sobre a terceira parte dos lucros das lavras. Na ocasião em que a Lei da Trintena foi promulgada, houve
Tal privilégio, prornulgado corn o Em especIfico de agraciar
nas minas e nas pracas comerciais do litoral verdadeira comoçâo
os mineradores, redundou em prejuizo da classe, porque abalou- financeira. Todos os mineradores endividados queriam prevale-
Ihe o crédjto. AJém do mais, prestou-se a interpretacoes duvidosas, e cer-se dos beneficios outorgados pela lei, em prejuizo dos forne-
as mais contradjtórjas sentenças sobre ele foram proferjdas. 279 cedores.
0 alvará referia-se a todo mineiro que tivesse trinta escravos Queixosos os credores, porque seusdevedores queriam valer-
próprios e daI para cima. Essa expressão era acoihida de diversas se do privilegio da Lei da Trintena, para obstar a execucão de
rnanejras: umas vezes, os escravos eram considerados próprios
qtianclo o iiuiiirO já OS Ilavia pago; outras vezes, entendia_se que
pertencjam ao minerador, muito embora este devesse ainda o 288
"Dom Joze por Graca de Ds. Rey de Portugal, e dos Algs. d'aquem e
preco da aquisicao. d'alem mar em Africa senhor de Guiné Faco saber a vós Gomes Freire de Andrada
Gov. e cappm general da Capp'"". do Ryo deJanro. corn o Governo das Minas G' que
Quanto ao nñmero de trinta escravos, também se prestava aos por parte de Manoel Dias da Costa e outros Mineiros moradores nessa Capp"".
sofismas. Umas vezes, entendia-se que deviarn existir trinta escra- corn fabricas grandes de Minerar Se me representou que cu fora servido por
vos efetjvarnente trabaihando nas lavras. Outras ocasiöes, compu- decreto de dezanove de Fevereiro de mil sete centos e sincoenta e dons ordenar
que a todo Mineiro que tivesse trinta escravos proprios on dahy para sima, senão
tavam-se nesse nümero os ocupados nos serviços doméstjcos e Has
fizesse execução e penhora nos mesmos escravos nem na fabrica de mineirai,
roças. Chegava-se ate a considerar, para completar a trintena, os correndo so a execucão nos mais bens e na terceira parte dos lucroS que tirassem
molecotes ainda incapazes para o trabaiho. das Minas; e que sendo dIes sup'. acredores de avultadas quantias de dividas
contraidas antes do d° Decreto tendojá execucão contra os seus devedores tinhão
A diversjdade na forma de entender a Lei da Trintena fez
experimentado nellas embaraco e his grande prejuizo porque os mesmosdevedo-
corn que se multiplicassem as demandas sobre a impugnacao e a res fundados no referido Decreto se opuserão e insistem em pagarem so na forma
defesa do privilégio, no que se despendiarn enormes quantias, por nelle ordenada o que parecia nao ser da minha real intensão a respeito das dividas
vezes superiores a importâncja das dIvjdas em causa. contraidas antes da publicacao do mesmo decreto pois disso se seguia evidente
damno aos Credores não havendo eu de querer que alguem ficasse prejudicado:
Tudo isso se traduzia em prejuizo para os mineradores que, porque além de que o pagamento feito por parcelas representava menos util na
corn o ouro gasto nas demandas, poderiam adquirir mais escra- sensura de direito, era certo que dIes supp'. não contratariam fazendose credores
vos, e, sobretudo, para os negociantes de escravos que Se viram de avultadas quantias se ja houvesse Ley que restringisse naquella forma o modo
dos pagamentos pois se seguia hum dilatado dezembolso sendo todo e qualquer
esbuihados. E lógico que os mercadores de escravos não os teriam
empate prejudicial aos hornens de neg° e porque a mim me pertencia declarar as
vendido, se soubessern que a lei iria excetuar das execucoes as Leys e remedear o damno dos meus vassalos me pedião mandasse declarar que a
sneihores garantias de dIvida que podiam oferecer seus cliesites. providéncia dada no d° Decreto so leinita e deve ter observancia a respeito das
dividas contrahidas depois dessa publicacao mas não a respeito das dividas, antece-
Surgirarn demandas sem-fim, em tomb dos débitos con traI-
dos anteriormente a promulgacao do decreto de 19 de fevereiro dente"'. contrahidas e sendo ouvido neste particular os Procuradores da m". Fa-
zenda e Coroa sou servido ordenar-vos pot rezolucão de vinte e dous do cor".
de 1752. Bern significativa é a carta régia de 25 de rnaio de 1753, tornada em Cons", do men Cons. Ultrarn"". informeis corn vosso parecer neste
particular observando o disposto no Decreto, exceptuando as dividas pellas quaes
se achava feita a penhora a tempo da sua publicacao e não outras quaisquer
278 contrahidas antes deila que ainda nao estavam em execucão enquanto não tomo
Ibidem, códice 92,! 84. outra resoluçao...... Datada de Lisboa, em 25 de maio de 1753. Ms. inédito do
17
'Teixeira Coelho. O/J.eit.
Arquivo Pusblico Mineiro, códice 92, n9 86.
)
)
) H. I1
160 0 COMERCIO DAS MINAS 0 coMEicto DAS MINAS
)
dIvidas anteriores do dec reto, representaram ao rei, consuitando Teixeira Coelho aflrmou: "tern mostrado a experiência que
)
.

sobre a retroatividade daquele beneficio. A régia resposta pendeu .


estes pequenos mineiros fazem crescer mais o quinto do que os
para os devedores, confirmando o efeito retroativo do priviiegio, grandes; e parece que toclos se fazeDi digtios do mesmo privilégio,
) was considerou que não seria aplicado as dividas antigas, no caso ou que nenhum o deve ter .283 -

) deja Se haver iniciado a execucão, ao tempo em que foi publi-


cada a Iei.28'
) I
Essa interpretacão autêntica ainda mais perturbou o ambien-
) te econômico das minas. Disse Teixeira Coelho que, antes de As lojas e vendas onde se trocavam por ouro as mer-
) haver o referido privilegio, fiavam os negociantes aos mineiros cadorias vindas de São Paulo, do Rio d e~ Janeiro e da Bahia, e os
capitais, escravos, ferro, aco e pólvora. Mas, depois da Lei da artigos importados da Europa, realizaram uma funcão nobre nas
) Trintena, nenhum fiado se fazia, porque juigavam os negociantes minas: concorreram para a concentracão dos povos e formacão
I) I que jamais senarn pagos pela terça parte dos rendimentos das das cidades.
Iavras. Por outro lado, nem os mineiros que tinham esses rendi- ConstituIram elas pontos de atração do povoamento, repre-
mentospenhorados interessavam-se em fazer suas minas produzir. sentando funcão semeihante a desempenhada pelas igrejas no
) H
Enviavam seus negros a faiscar em outros lugares, deixando as nascimento de nossas vilas e arraiais.
minas paralisadas, para, desse modo, fraudarem Os credores.282 Augusto de Lima Jr., descrevendo a formacão dos nücleos
) Mineradores havia que, cheios de dIvidas, procuravam por urbanos nas Gerais, aponta os ranchos e casas de venda como
todos os meios completar o nOmero de trinta escravos, para fugi- motivos determinantes da localizacão das capelas e igrejas. Consi-
) .

rem ao risco das execuçöes. E não era raro usarem os privilégios dera ele os pousos de bandeiras, ranchos e casas de veñda, lojas,
) da Lei da Trintena contra aqueles mesmos incautos que ihes ha- etc., como os pontos iniciais do povoamento, pondo em segundo
) viam vendido fiado as Iavras e os escravos. piano as capelas e igrejas. São estas as suas palavras:
) . Ate sobre o rendimento das minas teve repercussöes nefastas
essa lei. E que os donos das lavras que tinham suas fábricas de "Os povoados mineiros foram-se constituindo rapida-
mineirar penhoradas, devendo pagar seus credores com a terca mente. Excetuados os antigos pousos de bandeiras, come-
parte dos lucros, em geral não estavam em condiçöes de comprar çavam por urn rancho de tropas onãos mineradores lam
escravos novos para manter o ritmo da producão. Os que possuIam, fazer suas compras em mãos de comboieiros que levavam da
) .

jam desgastando-se e enveihecendo. 0 minerador, nestas condicöes, Bahia, do Rio ou de São Paulo as mercadorias de consumo.
) apenas comprava algurn escravo ja cansado e estropiado para con- "Em redor desses 'ranchos' fixavam-se casas de venda e
) servar o nIimero de trinta que Ihe assegurava o privilegio. E assirn como era certa a afluência de gente sobretudo aos domin-
) nunca fazia serviços custosos, reduzindo-se a simples faiscador. gos os religiosos jam ali ter, celebrando missas, fazendo
Para a Fazenda Real, também a lei não teve os resultados visa- batizados e casamentos, iniciando-se assim as capelas a que
) dos. Na verdade, para efeitos fiscais, mais valiam trés mineiros, cada sucediam faustosas igrejas.""'
IL
-
j .. urn corn dez escravos, do que urn so, corn trinta escravos.
Mais adiante, prossegue o autOr:
H 281
.

Ms. inédito do Arquivo Puiblico Mineiro, códice 92, n2 86. (V. nota 280.) 283
Idem. Ibidem. -
282
Teixeira Coelho. Op. at., p. 585. p. 87.
- 214 Augusto de Lima Jr. Op. cit.,

)
)
)
)
) 162 0 COMERCJO DAS MINAS 0 COMERCIO DAS MINAS 163

) "Disseminados pelas montanhas e vales, os mine- que é indiscutIvel é que os dois fatores concorreram para o mes-
) radores jam construjndo casasjunto as capelas e aos sábados mo fim: a fixacão dos nücleos urbanos das Gerais.280
vinham pernoitar corn suas farnIlias, para no domingo assjs- Ainda em nossos dias, algumas cidades do Estado de Minas nos
)
tirem a missa e fazerern suas compras no cornércio que all Se mostram a concorrência dos dois fatores em suas origens: ao lado da
) estabelecia."285 igreja, completando o quadrilátero das pracas, vemos os casaröe s
assobradados do século XVIII, tendo na parte térrea as portas largas
Por estas linhas, verifica-se que Augusto de LimaJr. considera e altas, caracteristicas dos estabelecimentos comerciais.
)
I os ranchos286 e as casas de venda como pontos iniciajs das forma- Analisemos, agora, urn problema de nomenclatura. Nos do-
) cöes urbanas nas minas, não deixando, porém, de contemplar a cumentos antigos encontramos sempre, lado a lado, estes dois
) atuacão da igreja nessa formacão.287 termos: lojas e vendas.
E dificil, senão impossIvel, generalizar quanto ao nascimento A distincão entre essas duas categorias de casas comerciais
)
das cidades mineiras. Teriam o comércio e a concentração, deter- era, em linhas gerais, a mesma que se nota ate hoje em nosso
) minada pelo movimento de compras, feito surgir a igreja e poste- comércio, notadamente no interior. Nas lojas, vendiam-se apenas
) riormente a cidade? Ou teria sido a igreja o ponto de atracão dos "fazendas secas", isto é, armarinhos, tecidos, enfim, artigos para
) comerciantes e das construçöes urbanas? indumentária, utilidades domésticas, perfumarias, etc.
So estudos monográficos em tomb das origens de cada cida- Nas vendas vendiam-se quase todos os artigos que se encon-
/ de da Capitania das Minas Gerais poderiam responder corn segu- travam nas lojas, e mais Os "moihados", Isto é, as bebidas, Os co
) rança a pergunta. mestIveis, as gulodices, etc.
) E possIvel que, em algurnas, haja surgido primeiramente a Tais estabelecirnentos proliferaram nas minas, corn rapidez
igreja, e noutras, as casas de venda, ranchos de tropeiros, etc. 0 espantosa. 0 comércio nas Gerais era rendosIssimo pelo alto p0-
) der aquisitivo de seus habitantes. Muitos mineradores comercia-
) yam, ao mesmo tempo que se ocupavarn da lavra, conforrne
mostra Antonil.289
Idern. Ibidem.
286
Os ranchos eram construçöes provisórias armadas pelos tropeiros para
E que vendendo comestIveis, aguardentes e garapa, tecidos,
vender seus artigos. Erarn lojas e vendas de duracão efémera que corn o tempo roupas, calçados e ferramentas, podia-se juntar grandes porcöes
acabaram fixando-se e consoljdando. de ouro, sem o trabaiho rude de extraI-lo dos tabuleiros, grupia-
287
) Augusto de LirnaJr., noutro capItulo de sets livro, afirma: ras e faisqueiras.
0 comércio de gulodices e aguardente era animadIssirno pois
"Basta percorrer o mapa mineiro, anterior a depredacão toponImica
do arrivismo inculto e iconoclasta, que encontraremos a origern de quase que Os negros e negras, quando mineravam, escondiam bastante
) todas as localidades no atrativo da capela edificada pela iniciativa, corn o ouro em p0 nas carapinhas, e, roubando-o aos seus senhores, iam
) gosto e pelo fruto do trabaEho dos sonhadores do ouro, esgravatadores de gastá-lo em tudo quanto lhes despertassc o apetite.
grupiaras on bateadores felizes, cujas origens em Portugal se descobrem nas
) . invocaçöes do altar-mor" (p. 178).

) Algumas pginas adiante, acrescenta o autor citado: as 0 que nao se pode contestar e que, dentre os edificios püblicos, a igreja
era sempre o primeiro a surgir, fruto do ardente sentimento religioso da época.
'Tor essas razôes a igreja era a obra mais urgente, menos talvez por (Afonso Arinos de Mello Franco. Conferéncia: "A Sociedade Bandeirante das Mi-
piedade desinteressada, que pela premência de criar possibilidade de per- nas", Gurso de Bandeiroloa, p. 90.)
dão para as falsas freqüentes, sobretudo em matéria sexual" (p. 194). 289 Antonil. Op. cit., p. 222.
)

)
)
ri
)
)
164 0 COMERCIO DAS MINAS b COMERCIO DAS MINAS i6
)
) As guloseimas eram não so vendidas nas vendas, como levadas fianca de pagamento dos impostos E o que Dos mostra o Livro de
As Iavras, em tabuleiros bern arranjados e tentadores, dando on- Fiañca dos Quintos, da Vila Real do Sabará.293
gem a intenso comércio ambulante. Zoroastro Viana Passos apresenta uma lista das vendas e lojas
) As negras e mulatas quituteiras, por mais que trabaihassem, existentes no arraial da Igneja Matniz de Sabará, em 1720-21; neht
nunca produziam o suficiente para satisfazer a gula dos trabaiha- contam-se ao todo trinta e nove estabelecimentOs comerciais, sen-
dores das Iavras. do oito lojas e vinte e oito vendas e mais três de natureza não
Verdadeira multidão de negras e mulatas, escravas e forras, especificada.294
percorriarn corn seus tabuleiros os morros e rnargens de rios onde Alérn das lojas e vendas, havia nas rpinas as "boticas" onde se
se prornovia a extração do metal aurIfero, incitando os negros a comerciavam os medicamentos. A venda de remédios e drogas,
gastar em quitutes o que não Ihes pertencia. segundo Augusto de Lima Jr., estava, em geral, nas mãos dos
No morro das Congonhas a situacão chegou a tal ponto que padres que não so as vendiam, como também medicavarn.295
foi preciso urn bando do Governador D. Lourenco de Almeida Ao lado do comércio estável, feito através de lojas, vendas e
proibir o cornércio ambulante de comestIveis, nos lugares onde boticas, havia nas minas o comércio ambulante, exercido pelos
havia servicos extrativos e num raio de duzentos passos a volta do mascates comissários volantes e negros de tabuleiro.
morro.290 Enquanto o dono da loja, venda ou botica merecia alguma
No mesmo morro existiam também em profusão vendas e consideracão social, se bern que pequena, pois o comércio era
ranchos, que, abertos dia e bite, davam origem a desordens e sempre considerado degradante, os pobres mascates eram tacha-
desgracas prornovidas por negros que neles se embriagavam, gas- dos de elernentos nocivos e indesejáveis. Os hurnildes vendedores
tarido seus jornais, em lugar de entrega-Ios aos senhores. Tais ambulantes eram nivelados aos vagabundos, aos vadios e aos men-
estabelecimentos, por forca do bando citado, foram obrigados a digos. Assim, a opinião geral era de que:
recuar a mesma distância de duzentos passos, contados dos lirnites
do morro das Congonhas, e seus donos proibidos de empregar "... os vagabundos, comissarios volantes, mascates, yen-
negras e mulatas nos seus balcöes. So poderiam vender por suas dilhöes e oficiais superiluos, vadios, libentos e mendican-
mãos ou empregar negros, isso porque as negras procediam "sern tes capa.zes de trabaiho e extravio sejam empregados titil-
temor algum de Deus Nosso Senhon desencaminhando os ditos mente nas estradas conducentes a facilitar os carretos, na
negros e servindo-Ihes de ocasião para cometerem infinitos in- expurgacão dos salteadores, obras püblicas, cultura de cam-
sultos ......291 pos etc ... ".296
Em 1722, em lista oferecida pelas cârnaras, constatou-se exis-
tirem nas minas 1.384 lojas e vendas. 292 Os mascates eram considerados elementos tao perniciosos
Para montar loja ou venda, era preciso que o dono desse que a 12 de novembro de 1735, foi promulgado urn bando que
mandava expulsá-los das minas 217

° Bando de D. Lourenco de Almeida, datado de I 1 de setembro de 1729, in 213 Viana Passos. Em tomb do Hi.clóna de Sabard, vol. II, P. 113.
RAPM, vol. VI, p. 326. 294 Idem. Ibidem.
291
Ibidem ' Augusto de Lima Jr Op cit p 205
292
Diogo de Vasconcelos Breve descrtcao geogiafica fisica e politica da 296 RAIPM vol IV p 70
(Jspitinn de Minas Gerais", RAPM vol. VI p 871 Ibidem vol VI p 897
I 166 0 COMERCIO DAS MINAS b c0MERCIO tiAs MINAS 167

Os negociantes cm geral, e especialmente Os ambulantes, não sentação do rei, contra o imposto da capitacão, feita pela Câmara
cram bern vistos, nem pela populacão mineradora, nem pelas au- de Vila Nova da Rainhá, em 17421 ht ti seguiñte trecho:
toridades governamentais.
Sobre des, pesavam duas sérias acusaçöes: a governancajulgava- "So representamos que não he proporcionado o rep ar-
os os principais responsáveis pelos contrabandos de ouro; a popu- timento corn que se estabeleceu o tributo pois sente major
lacão acusava-os de cobrar precos extorsivos pelas mercadorias. 8 gravarne o pobre do que o rico a respeito dos comerciantes
A esse respeito temos em rnãos uma carta de D. Luis Antonio do pais que nestes não ha necessidade de escravos para o
de Sousa ao governador das minas, Conde Valadares, datada de expediente e aproveitarnento de aventajados lucros."30°
13 de novembro de 1769, na qual se lê:
Augusto de Lima Jr. consigna entre Os comerciantes das minas
"Em carta de 3 de 8br.0 deste prezente anno me insi- uma predominãncia de portugueses de origem judaica. Diz ele que
nua V. Ex'. serem tao consideraveis os extravios de ouro em "eram os cristãos-velhos, e os cristãos-novos, isto é, judeus que tinham
pó, que tern chegado a cauzar uma palpavel diminuicao nos acertado o batismo e seus descendentes, ate quatro costados".501
Reaes Quintos de S. Mge. Perdoe-me V. Exa.juntamente que Charnavam-se Leo, Fortes, Henriques, Carneiro, Campos, etc.
nesta importante materia dê as providencias necessarias Formavarn agrupamentos, e, na expressão de Augusto de LimaJr.,
para ataihar esta clandestina, e prejudicial negociacão, e ihe verdadeiros "guetos", reconhecIveis ate hoje por não apresenta-
insinue os meyos mais proprios que pode haver de se evitar rem capelas em suas ruInas. Eram os "donos do comércio", nego-
semeihantes roubos tao consideraveis para a Real Fazenda. ciavam corn gêneros, utensilios e escravos e contrabandeavam
ouro e diamantes.
"0 meyo de que se podem valer os viandantes são Gilberto Freire contemploU o papel dos clérigos na explora-
muitos e me persuado que os Registos na situação em que se cão do comércio de gêneros nas cidades mineiras. Disse ele que
achão não são bastantes e evitalos porque podem entrar por "nas cidades de Minas apareceram entre os exploradores da falta
muitas partes, e fica confundido corn o ouro desta Capita- de vIveres na area da mineraçãO, não tanto os tao falados judeus,
nia, que tãobem tern minas, e pode ser se evite esta mas frades, simplesmente frades". E cita o nome de Frei Francisco
dezordem pondo Caza de Fundicao nesta Cidade e os Re- de Meneses, que esteve a frente de uma das "mais grossas negocia-
gistros na Serra do Mar, mas esta Provedoria he tao pobre tas" que já se organizaram no Brasil, e foi aliado de Manuel Nunes
que não pode corn as despezas da dita Caza.11299 Viaria e de outro frade, Frei Firmo.302

Quanto a especulacao corn os gêneros, f6i urn fenOmeno que


sempre existiu nas minas. Antonil, referindo-se a ganância dos
mercadores, disse que quern'transpunha a Mantiqueira Ia deixava
pendurada a consciência.
Os mineradores tambérn se opunham a classe dos comercian-
tes, por considerá-la menos onerada pelos impostos. Nurna repre-
RAPM, vol. II, P. 288.
299
RAPM, "Memória histórica das Minas Gerais", vol. II, p. 486. Augusto de Lima Jr. O. cit., P. 155.
299
Docurnentos interessantes, vol. XIX, p. 412. 302
Gilberto freire. Sobrados e mocambos, p. 177.
CAPITULO VI
0 CONSUMO DAS
POPULAcOES DAS GERAIS

Variacão do consumo no tempo, corn a sistematizacão das


correntes abastecedoras.
Variacão do consumo no tempo, corn o apoge1 e a deca-
dência das minas.
Variacão do consumo nas diversas carnadas sociais.
Os gêneros mais consumidos nas Gerais.

0 consumo nas Gerais variou, no tempo, em funcão


de quatro fatores: o nuimero de consumidores, isto é, o povoa-
rnento; a producão das minas; a sistematizacão das correntes
abastecedoras; e o aparecimento dos nücleos locais de producão.
Todos esses fatores agiram conjuntamente, cada urn deles atuan-
do sobre os demais, e a resultante dessa interação determinou as
caracterIsticas do consumo.
A princIpio, quando as correntes comerciais que forneciam QS
generos e utihdades as minas mal se esbocavam havia carêncta de
tudo. 0 pouco que havia era vendido a precos exorbitantes.
Logo, porém, atraIdos pelos gordos lucros, os mercadores.
levaram para as Gerais todos os produtos que reclamavarn seus
habitantes, descie os artigos de prirneira necessidade aos mais su-
perf'luos artigos de luxo vindos de remotas partes do mundo pa
ra afagar a vaidade dos nababos do ouro e do diamante. Assim,
170 0 CONSUMO DAS POPULAçOES 0 CONSUMO DAS POPULACOES 171

os tropeiros, Os mascates, os donos de lojas e vendas puse- rio empenho desta Provincia no comercio corroborão a nos-
ram ao alcance das populacöes das minas as loucas e as porcela- sa asserção." °
nas, os damascos e as tapecarias da India e da China; da Europa
chegaram os veludos, os brocados, os linhos, as bretanhas, O menor rendimehto das minas atuou sobre a demografia
as pelücias, as cabeleiras empoadas, os vinhos, os queijos, os pre- mineira. A populacão decresceu porque muitos habitantes das
suntos, etc. minas emigraram para outras regiOes, em busca de meios mais
Outro fator que atuou decisivarnente sobre o consurno das seguros de subsistência.
populacöes mineiras foi a produtividade das lavras. A major ou J. Vieira Couto, em sua "Memória Sobre a Capitania de Minas
menor producao de ouro e de diamante, refletirido-se no major Gerais", afirmou que era de se espantar o despovoamento das
ou menor poder aquisitivo das populacöes das Gerais, determina- minas ao findar o setecentismo. Transitava-se de arraial para ar-
yarn 0 consumo, 0 padriio de vida e a própria convergência das ralal so contemplando ruInas e despovoacão: so de longe em
correntes abastecedoras. longe encontrava-se algurna animacão. Disse ainda que os descen-
Enquanto a producão das minas foi ascendente, crescentes dentes dos antigos mineiros, caIdos em vergonhosa pobreza, cor-
foram as compras, como verificarnos pela curva ascendente dos reram a ocultar sua incligência nas roças solitárias. Outros, afo-
impostos pagos nos registros postados nas entradas das minas. gados pelas dIvidas, ainda se mantinham a porta de suas minas
(Ver grafico, p.232.) pretendendo alcancar farrapos de fortuna.304
E enquanto houve ouro e diarnantes jorrando aos borbo- John Mawe, na sua viagem pela Capitania das Minas Ge-
toes das lavras férteis, exigente foi o habitante das Gerais. Mas, rais,rea1izada em 1802, notou os tracos visIveis do despovoa-
quando o rendimento das minas cornecou a decair, na segunda rnento: casas abandonadas, ruInas, cidades estagnadás, etc.505
metade do século XVIII, paralelamente, o consurno começou a José EIói Ottoni e Eschwege também se impressionaram corn
decrescer. o mesmo fenômeno que, tendo se iniciado no ültimo quarteL.
E quejá não havia dinheiro fácil para fazer frente as despesas. do século XVIII, se prolongou pelas primeiras décadas do sécu-
Os rnmeiros suprimiram Os gastos supérfluos. Reduzirain seus or- lo XIX.306
camentos. Numa representacão ao rei, feita pela Câmara de Vila A diminuicão do nümero dos consumidores refletiu-se na
Rica, datada de 5 de agosto de 1789, vemos urn significativo para- diminuição dos direitos das entradas. Todavia, é preciso no-
lelo entre a diminuicao das entradas e a dirninuicão do rendimen- tar que a diminuicão dos referidos direitos não foi apenas con-
to das minas de ouro: seqüência da menor produtividade das minas, nem de seu des-
povoamento. Influiu nesse decréscimo urn fenômeno de outra
"Nesse mesmo tempo devendo computar-se a popula- natureza: o aumento da producao dos nücleos produtores das
cão das minas em pouco mais da me tade em comparacão da Gerais.
atual, o imposto dos direitos das entradas excedia quase o
dobro do que agora rende. E não é este urn irrefragavel
posto que indireto testernunho da notável dirninuicão RAPM, vol. IV, p. 791.
doouro? ..................................................................................... 04 "Memória sobre a Capitania de Minas Gerais", de J. Vieira Couto, R4PM,
vol. X, p. 77.
305 John Mawe. Viagem peki Gapitania des Minas Gerais.

"Mais gente parecia clever consumir mais gêneros: po- 306 Jose Elói Ottoni. "Memoria sobre o estado atual das Cap. de Minas Gerais".

rem as entradas dizem o contrario e o avultadissimo e noto- Anais da Biblioleca Nacional, vol. XXX, p. 316; Eschwege; Op. cit., vol. II, p. 241.
172 0 CONSUMO DAS POPULAcOES ti CbNSUMO bAs PMAA0l 17
H
Os iinicos dados estatIsticos de que podemos dispor para calcu- maneira dë .sedas, de peles item de ouro Para 4ue dss!m s
lar de maneira indireta o consumo das populacöes das Gerais são os ihes tire o meio de poderem incitar para Os peaEloS &ihl bs
direitos que pagavam as mercadorias ao entrarem nas minas. Tais r i 808

dados, porém, são faihos porque osdireitos das entradas diminuI-


ram, não so em funcão da diminuicão do consumo. Houve interfe- C) autor do 'Triumpho Eucharistico" também desctve, tk±h
rência de urn outro fator: o aparecimento de nücleos produtores detaihes de esplendoroso luxo, as vestes dos escravos-paj,ehi que
dentro das minas, e, portanto, não sujeitos aos impostos que paga- figuraram na procissão que se realizou a chegada do jirimeitb
yam as mercadorias ao entrar na região mineira. Sobre os produtos bispo a cidade de Mariana.309
regionais recalam Os impostos denominados "dIzimos". Deixando a margem, porém, esses casos excepcionäis, 0 cjile
constatamos é a classe servil da Capitania das Minas Gerais lthtl
vestida e mal alimentada.
Alias, o problema da alimentaçâo era grave não so para os
E evidente que não so o nümero de habitantes influi escravos como também para os homens livres, na região allrifefa
no consumo. A qualidade do habitante também deve ser conside- è, notadamente, para os que viviam nas cidades. 0 autOr do "Ro-
rada. 0 consumo, em qualquer sociedade e em qualquer época, teiro Anônimo do Maranhão a Goiál" escreveth
varia em funcão das classes sociais.
Assim sendo, é ocioso considerar que nas Gerais o pobre não se "Nas Minas todos os escravos se sustentão dc legttthes,
vestia, não se alimentava, não habitava da mesma forma que o rico. o milho e o feijão he o seu unico è ordinário alitheiito. 0
0 escravo não consumia o mesmo que o senhor. Os docu- mesmo acontece a respeito dos mais habiiaiiks juè ho
mentos do século XVIII mostram-nos de que forma andrajosa e vivem nas Villas, oil Arralaes em que costuma 1itver ãcott-
desnuda viviam Os escravos.307 Em virtude dos altos precos dos gue: as mais abundantes ajUntão ao mesmo matttiniëhlo as
gêneros, a classe servil era de forma geral mal alimen tada, e não carnes salgadas de muitos porcos, que crião, nuttidos não
foram poucos Os crimes realizados por escravos famintos. em montados mas Corn OS mesmos legumes...
Todavia, ha exceçöes nesse panorama. Temos também provas
documentais que nos apresentam as negras e mulatas vestidas de Para bern sittiarmos o problemá do abastecimento das Gerais
seda, carregadas de braceletes, colares, brincos, etc... Houve ate e estudarmos o consumo das populacöes mineradoras, recisa-
necessidade de providéncias legais para restringir o luxo das es- mos analisar as necessidades dessas mesmas poptilacöes.
cravas. A carta régia de 23 de setembro de 1703, por exemplo, Uma primeira questão propöe-se antes de qualquer togitácão: 0
expressa-se nos seguintes termos: que era vital e o que era supérfluo para os habitantes das nihias?
Podemos agrupar os gêneros reclamados para b cbnslitho da
"E como a experiência tenha mostrado que dos trajes • seguinte forma:
que usam as escravas se seguem muitas ofensas a Nosso Se-
nhor vos ordeno não consintais que usem de nenhuma
309
Carta regiade D. Pedro H a D. Alvaro de Albuquerque, apud A. Taunay.
Hislória geral.... cit., tomo IX, P. 278.
309 Simão Ferreira Machado. "Triumpho eucharistico", RI4PM, vol. vi,
307
Carta da Câmara de São José del-Rei, de 30 de setembro de 1744, in p. 1.003.
RAPM, vol. II, P. 294-295. 310 "Roteiro anônimo....., cit., P. 95.
-

I
) 174 0 CONSUMO DAS P0PJLAçOES O,CONStJMO DAS PbPtJLAçOES 175

)
IL Urn primeiro grupo, e logicarnente em primeiro lugar, forma- anuais 0 consumo dos mineradores qd seHam trthtá ifill a1thá,
ao tempo de seu governo.3112
do pelos géneros essenciais a subsisténcia, tais como: os cereais, a
came, o sal, o açücar, o toucinho. Dentre esses gênros, pratica- 0 mercado fornecedor de bovihos, por excelência, eiá 0 ser-
)
mente indispensáveis, ainda podemos destacar como irnprescihdI- tao da Bahia e de Pernambuco, zona de grande prociucâo è 4üejá
vets a came e o sal. servira de retaguarda abastecedora de came da região dos enge-
) Urn segundo grupo formado pelas utilidades indispensáveis nhos do litoral nordestino.
ao trabalho nas minas: os utensIlios de ferro e aco, a pólvora e as Para evitar que esse precioso produto viesse a faltar, tomou o
y
armas corn que o minerador defendia sua data aurIfera e que governo a precaucão de estabelecer contratos de fornecimentos
garantiam, portanto, a continuidade do trabalho; o escravo que de carnes. Havendo, contudo, tais contratos causado perturbacöes
) executava a extracão do ouro e do diamante e que, sendo objeto terrIveis, sendo uma das causas profundas da Guerra dos Emboá-
de compra e venda, era também uma mercadoria que podemos has, foram abolidos por ordem régia de 15 de maio de 1722.513
colocar dentro deste grupo. Visando contornar a irregularidade dos fornecirnentos de car-
Em urn terceiro grupo podemos colocar os artigos para a ne, estimulou o governo metropolitano a formacão de uma zona
) vestirnenta e calcado dos habitantes das Gerais, os utenslijos e pecuarista em tomb das minas, distribuindo sesmarias em procu-
) móveis para a casa, arreios para animais, cavalgaduras, etc. sao, sempre sob a condicão de os agp6adog instalarein currais. 14
Os artigos de luxo, as cousas supérfluas e caras, porém muito
consumidas por essa sociedade de novos-ricos que se constitui nas
) Gerais, podemos considerar formando o quarto grupo. 311 Apud A. Taunay. Hislóna geral..., cit., tomo X, p. 233.
Finalmente, em urn grupo a parte, colocaremos dois géneros 0 Conde de Assumar governou a Capitania das Minas de 171 a 1721.
Essa ordem régia e mencionada na carta que D. Loureilco d Ameida
fl que podem parecer superfluos, mas que na verdade eram de vital
dirigiu aos oficiais da Câmara de Vila do PrIncipe que estampálnOS a segiiir:
irnportância para os mineradores: a pinga e o tabaco.
"Tenho noticia por urna queixa que me fizeram os povos dessa
comarca de que V.M. novamente estabelleceranl hum contracto de Carnes
I nessa Villa o qual nao so he urn prejuizo universal dos povos de que justa-
mente se me queixão senam também contra as ordens de S. Mge. q. D.
A localizacão da zona aurIfera em regiöes despovoa- Ode. expedidas em 15 de Mayo de 1722 que se achain Registradas siesta
Secretaria pellas quaes he o d° Sr. Servido que em nenhuma parte destas
fl das e incultas, longe dos centros produtores de artigos alimentI-
minas baja contracto de carnes e que nern as Camaras possarn kvntar
cios, fez corn que o problema da fome fosse particularmen te cousa nenhurna de novo, scm que 12 mo facão saber porque cii soil o que
grave nos primeiros anos da história das minas. hei de dar conta a El Rey nosso Senhor de todo o prejuizo 4ue se Ihes
0 fornecimento de carnes era de importância vital, pois ela seguir aos seos povos e como este prejuizo cleste contrato de Cames 0
) mais sensIvel para des e he tomente contra as ordns de S. Mage, V. Ni.
constituIa a base da alimentacão. A necessidade de came bovina logo suspenderão o contracto das Carnes que estabellecerão, e denifhcul-
) fez corn que de São Paulo, de Curitiba, da Bahia e de Pemnambu- dades para que den tro dessa V2 e em todo o termo e Comarcii jossa cottar
co partissem boiadas sobre boiadas, para suprir os habitantes das came toda aquella pessoa que quiser como athe o presente fasião, te-
uharn hem entendido que de obrarem,o Contrario ficain sogeitos a penade
) Gerais.
hua desobediencia das ordens de S. Mgde...". Ms. inédito do Arquivo
A fome de came era tal que, nos prinieiros tempos, depois de blico Mineiro, cOdice 17, f. lSlv.
esgotados Os diminutos estoques paulistas, foram para as minas
314 Ms. do Arquivo Nacional do Rio deJaniro, Colecão Governadores-Gerais,
) ate Os bois mansos, bois de carrot, veihos demais para o corte.
vol. XII, p. 122.
3 0 Conde de Assumar calculava em dezoito ou vinte mu bois

)
176 0 CONSUMO DAS P0PULAcOES 0 CONSUMO DAS pol'JLAcos
Si 177

Ainda para obviar a falta de came, habituaram-se os mineiros Se na vila de São Paulo, que estava relativamente próxima do
a criar suInos, localizados onde quer que houvesse espaco, ate porto de importacão de sat, havia tremendas dificuldades pant a
mesmo nos fundos dos quintais. 0 consumo de came de porco sua obtencão, que seria então das Gerais?
tornou-se urn hábito alimentar dos habitantes da região das lavras, As minas, no seu desespero, cdnseuiram uma reglão Iiiierifia
e, ate hoje, constitui o lombo de porco urn dos pratos mais tIpicos que the fornecesse, se bern que em pequenas quanticlades, tat
e correntes do Estado de Minas. mercadoria: os sertöes margihais do São Francisco. O sal chegáva
Ao lado da came de boi e de porco, os mineradores consu- As cidades mineiras subindo o rio São Francisco, em barcacas. 0
miam peixe seco, fornecido pelo rio São Francisco e seus aflu- porto de São Romão destacou-se como centro distribuidor do sal
entes. do sertão.
.Tambérn como complemento a came fresca, carregamen- Martinho de Melo e Castro assirn considerou a necessidade
tos volumosos de came de porco salgada eram levados as minas de sal nas Gerais e as pesadIssimas taxas que o oneravam
pelos caminhos paulistas, bern como carries secas chegavam as
Gerais pelo caminho do sertão. Quando, nos fins do século XVIII, "... urn alqueire de sal, genero da produccão de Portugal
apareceu no Rio Grande do Sul o processo do charque, as carnes e tao necessarlo em Minas Geraes, que, não so os habitari-
assim preparadas foram tambérn enviadas a Capitania das Minas tes, mas ate mesmo os animals não podem passar sem cite, e
Gerais. que por estes motivos se devia animár o seu malor conSUmo
o preco da came era rigorosamente vigiado e tabelado pelas por uma proporcionada e moderada imposlcão de direitos;
câmaras das cidades mineiras, corn o fito de impedir a especula- este genero qtie no Rio de Janeiro se cornpra ao contracto
cão decorrente da irregularidade ou da insuficiência dos forneci- pelo alto preco de 800 rs o alqueire, paga de entrada em
mentos. E o que observamos, por exemplo, na "Cronologia da Minas 750 rs. on 93/4 por cento; corn o qual direito sobre as
Cidade de Mariana", em que as posturas se sucedem corn grande mais despezas de avarias, dernoras, conduccöes a grandes
insistência, fixando o preco da came de boi e de vaca.315 distancias, e outros gastos, fica o sal tao excessivarnente car-
o problema do abastecimento do sal também se caracterizou regado que o seu preco n'aquella capitania é de 3$600 rs. o
em nossa História colonial pela sua gravidade. 0 suprimento de alqueire e so a grahde precisão d'elIe é que o faz ter alghin
sal, especialmente para as cidades vicentinas, sempre foi dificil e consUlTtO."518
penoso.31° Na vila de São Paulo, o mau fornecimento do precioso
condimento causou ate revoltas.817 0 autor anOnirno da "Descricão dos Sertöes de Minas" retnt-
ton corn grande precisão a fálta de sal nas minas, afirmahcto,
entretanto, que não podia dar uma idéia distinta e clara, a quem
n "Cronologia da Cidade de Mariana", RAPM, vol. VI, P. 1.152 nunca esteve nas Gerais, de quanto sofriam seus habitantes con a
316
Vide Atas da Gdlnara Municipal de São Paulo, vol. VIII, p. 186 e 236; vol. insuficiência dos fornecirnentos. Disse ele que não era so a popu-
XIII, p. 65. Vide também a "Chronica dos tempos coloniais", "A miséria do sal em
lacão que sofia, mas tambérn os animais domésticos. Tanto o
São Paulo", de A. de Toledo Pizza, in RJHGSP, vol. IV, P. 279.
317
Deu-se em São Paulo a célebre revolta de Bartolomeu Fernandes de Faria gado bovino, como os cavalos, os carneiros, as cabras e os porcos
que, armado de muitos capangas e numerosa tropa de negros e Indios, atacou
Santos em 1710, e arrancando sal dos armazéns dos monopolizadores, subiu serra
acima, destruindo na volta todas as pontes e obstruindo o caminho. Transformou
sua fazenda deJacareI em praca.forte, e so doze anos depois e que as autoridades 318 "lnstrucão de Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena",
conseguirain prendé-lo. 1788, PJHGB, vol. VI, P. 3.
j
) L 178 0 CONSUMO DAS P0PULAc6Es 0 CONSIJMO DAS P0PtJLAçO!S 17
)
rodeavam as casas de seus senhores e ficavam dias inteiros sem valor da mercadoria, cram calculadas sobre o peso delas: pagava-
) se o imposto proporcionalmente as arrobas.
procurar os pastos, lambendo as terras dos terreiros, as beiradas
) H das casas, salobras corn as urinas. Outras vezes, corriam sofregos Sendo assim, o ferro, que é urn material pesado, eta ekcessivá-
As queimadas, por causa dos sais contidos nas cinzas e ate os OSSOS rnente taxado e, por isso, seu custo rias minas atingia cifrá è-
dos animals mortos e esparzidos pelos campos cram disputados respondente a 300% da que se pagava no Rio dejaneiro.522
pelas criacöes, por causa dos sais neles contidos.31 0 ferro era importado da Europa. Os portugueses adqniriam-no
V A Coroa tornou conhecimento dessa angustiante falta de sal dos fornecedores suecos, hamburgueses e biscainhos e I faziam-se
) verificada na Capitania das Minas Gerais. Em 20 de Janeiro de intermediários entre os colonos e aquelas pracas europeias. E, natural-
1735, escreveu D. Joao uma carta ao Conde de Galveias, governa- mente, a mediacão era bern rernunerada, acrescentando-se ao preco do
dor das Gerais, pedindo que tomasse providências para sanar a ferro os lucros dos' intermediários, bern como as taxas das virias aIJk-
I
falta de sal; ordenou-lhe que convocasse as câmaras e as ouvisse degas que o produto devia atravessar, ate ser posto nas thinas.
sobre a meihor forma de ser arrendado o contrato.920 Mas esse Rodrigo de Meneses, em sua exposicão sobre Os motvos da
hipócrita interesse não conduzia a nada de pratico, pois não cogi- decadência da mineracão, propôs, em 1780, o estabelecimento de
tava da abolicão dos monopólios, nem da perrnissão de explorar- uma fábrica de ferro nas Gerais, aproveitando a abundância do
) se as salinas colonials. minério na regiâo. Justificando tal proposicão, disse ele:
I So em 27 de rnaio de 1795 foi que uma ordeni régia expedida
ao Visconde de Barbacena determinou que cessasse em todo o Brasil "Se em toda a parte do mundo he este metal ne-
o monopólio do sal e que se tornasse franco seu com6rcio.32 ' cessario, em nenhuma o he mais que nestas minas; qualquel-
falta que delle se experimente cessa toda qualidade de &a-
baiho; seguem-se prejuizos irreparaveis e he uma perclicão
total. Fabricando-se aqui pode custar urn preco mats fnódl-
0 ferro era outro produto de importância vital para Os co, não obstante os Direitos que se Ihe devem impor, como
mineradores. Corn ele se forjavam as ferramentas (Os alviöes, os abaixo direi; facilitasce deste modo a compra dele, concorre
almocafres, as enxadas), corn que se trabaihava o material aurIfero. este artigo para que faca mais conta ao mineiro extrair o
0 renduinento das minas dependia diretamente da fàcilidade de obten- Ouro, tendo banito o ferro.11323
cão de tais ferramentas. Apesar disso, a Melrópole nunca tomou provi-
dência algurna, para fäcilitar sua aquisicão pelos mineradores. 0 enorme custo do ferro refletia-se diretarnente sobre a ativi-
Pelo contrário, proibia sua fabricacao na colônia e, além do dade mineradora. Um grande capital era necessário para comprar
mais, onerava o ferro e as utilidades corn ele fabricadas corn im-
postos pesadIssimos.
Todos Os gêneros, ao penetrarem nas minas, tinham de pagar 922
Na "Instrucão de Martinho de Melo e Castro ao Visconde de Barbacena",
taxas de entrada. Essas taxas, em lugar de serem proporcionais ao vemos que urn quintal de ferro manufaturado (transformado em alavancas, picare-
tas, alviöes, enxadas, foices, etc.) custava, no Rio de Janeiro, 4$800 e 6$000; pagava
de entradá, em Minas Gerais, 4$500, isto é, 93, 1/3 ou 75%. Somando-se mais o
319
"Descricão dos sertöes de Minas, despovoacão, suas causas e meios de os iransporte e outras clespesas, ia custar nas Minas 14$400. RJHGB, vol. VI, p. 43. V.
fazei- florentes", PJHGB, vol. XXV p. 433. a esse respeito RAPM, vol. VI, p. 1.074
° Ms. inédito do Arquivo Püblico Miiieiro, códice 10, p. 6.
323
Rodrigo de Meneses, 'Exposicão sobre ,o estado de decadéncia da Capi-
321
Xavier da Veiga. Op. cit., torno II, p. 305. tania de Minaq Cerais e meios de remediá-lo", RAPM, vol. 11, p. 315.
180 0 CONSUMO DAS POPULAOES ci CONStJrO DAS OtJLACOkS 181
as ferramentas utilizadas nas lavras. Pode-se imaginar quantos ser- 0 cápItulo VII do niesmo tègimenio obs
ervavä:
vicos e novas descobertas dejxaram de efetuar-se.esbarrando corn
a dificUldade representada pelo alto custo de alavancas, picaretas, ... estando porém tddos Os mineiros acconiodados liavendo
alviöes, enxadas e foices. Também sobre a agricultura da Capita- mais terras para repartir então se atenderáaOs cjuè Lii'eruii
nia das Minas a falta de ferro fazia-se sentir, e muitas matas e mais negros, porque tendo mats dos doze perteticentes a
terras não foram cuitivadas mercê dos precos extorsivos dos ins- primeira datta se fará corn elles a reparticão na formä do
trumentos de trabaiho. CapItulo V deste Regimento, dando-se duas bracas e meia a
cada negro.....•525

A taxacão fiscal, na Capitania das Minas Gerais, foi cakuladã


0 escravo era outra mercadoria imprescindIvel para os em determinada época, no nümero de escravos. 0 imposto basea-
mineradores. Se na zona dos engenhos o escravo era, na feliz expres- do no nümero de escravos era denorninado "capitacão" e era o
são de Antonil, "os pes e as mãos do senhor de engenho", na regãO sistema ideal para a Metrópole, por não dar margens a fr;audeg.
atirIfera o escravo significava muito mais. Não era ape nas Os péS e as Várias vezes foi tentada sua aplicacao, mas so de 1725 a 1750 :6
mãos do senhor, mas representava a posse das minas, sendo, por- que teve vigência.
tanto, a verdadeira riqueza econOrnjca dos seus donos. 0 crédito também estava estreitamente ligado ao milmero de
0 Regimento das Minas, de 1702, determinava em seu capItu- escravos. Sendo o escravo urna riqueza tao palpável quanto a pro-
Jo XI que rião receberia data de terra aurIfera aquele que não pria mina, faziam os mineiros suas compras a fiado, tendo como
tivesse escravos para desfrutá-la. Além do mais, Se o minerador garantia das dIvidas os negros.
deixasse de estabelecer os serviços de extração OU os paralisasse, Por esse motivo é que a Lei da "Trintena", qtie ia etudamos
por haver perdido seus negros, perdia também seus direitos a noutro capItulo do presente trabaiho, repercutiu tao fundamente
posse da mina, revertendo ela para a Coroa. na economia não so das Minas Gerais, como na das pracas corner-
O capItulo V do mesmo regimento estabelecia: ciais de toda a colônia, ao ser promulgada em 1752.
Os primeiros escravos entrados nas minas eram amerindios
lk "0 superintendente tanto que tomar conhecimento levados pelos paulistas. As aldeias paulistas, em conseqüência da
dos ribeiros ordenará ao Guarda-Mor que faca medir o descoberta do ouro nas Gerais, ficaram quase totalmente desfalca-
cumprimento delles para saber as bracas que tern; e feito das de seus Indios.
saberá as pessoas que estão presentes e os negros que cada Na sessão da Câmara Municipal de São paulo, de 3 de novern-
hum tern ...... as mais dattas repartirá o Guarda-Mor regu- bro de 1696, o procurador do conseiho, Capitão Doiningos
lando-se pellos escravos que cada hum tiver que em che- Amores de Almeida, fez urn requerimento anunciando que o go-
garido a doze escravos ou dahi para cima fará reparticão de vernador do Rio de Janeiro ia chegar a São Paulo, para em segui-
hua datta de trinta bracas conforme o estyllo e aquellas da ir as Minas, e sendo necessários Indios para sua conducão e
pessoas que não chegarao a ter doze escravos Ihe serão re- serviço era mto emportante tratar de comservar ditos indios nas
partidas duas bracas e meia por cada escravo...11.314 suas aldeias as quais se vão despovoando corn as levãs dos horneis

' Regimento das Minas de 1702, apud Eschwege. Op. cit., vol. 1, p. 169. 325
Ibidem.
) 1 182 0 CONStJMO DAS POPULACOES'
1 0 CONSUMO DAS P0pU LAcOES 183
) que vão para as minas dos catagoas pa reparar estas desordeins e H : 0 mesino Artiir de Sá e Meneses rpresentou ao rei a necessi-
I para satisfacaö do que temos a noso cargo; requeiro a vmces que dade que havia de anular aquele limite de duzentos escravos ariil-
mandem fixar debaixo de graves penas que nenhiia pesoa de ais, e o rei, por carta régia de 17 de marco de 1702, ieterrninoü as
qualquer calidade que seja tire Indio algum de suas aldeás..."•326 providências que cabiam no taso, alterando a concessão ieitã a
I Apesar dessa providência, Artur de Sá e Meneses, áø chegar • Junta de Cacheu e Indias, a firn dc que seus vassalos pudessem
) em São Paulo, foi obrigado a promulgar urn bando ordenado que "ficar remediados".
1 se recolhessem as suas aldeias os Indios que se achassem nas • A liberdade de remessa de escravos para as minas alarmou as
minas.121 capitanias agrIcolas, mas o rel, em 1711, restringin essa liberdade,
I Na sessão da Câmara de São Paulo, de 19 dejaneiro de 1705, dizendo que seu alvará não cornpreëndia "os adidos ao servico
foi proibido que se alugassem Indios para as minas. Não obstante, dos engenhos e mais fábricas dos seus fruitos" para que Se não
em 19 de abril de 1706, Pedro Taques de Almeida representava a desse ocasião a que estas se perdessem.350
cámara que "convinha ao servisso da Sua Magestade que se man- A Metrópole visava corn essa providência impedir a ruIna to-
dasse pregar hum edital em todas as Aldeas que se não levasse tal da producão açucareira. Não o conseguiu porém. Os senhores
) indios as minas .328
de engenho, prejudicados pela concorrência aniilhana, v.1iam-se da
Quanto ao escravo africano, no inIcio da mineração, so podiam venda de seus negros como meio de equilibrar suas Ilnancas. Efeti-
enar, via São Paulo, duzentos por ano. 0 resultado dessa limltação vamente, o fomecimento de mão-de-obra para as Gerais era urn
que absolutamente não atendia as necessjdades das lavras, foi a excelente negócio, pois al os escravos cram altamente cotados.
sucção da mão-de-obra empregada na lavoura nordestina. Anos depois, verificou-se urna alta nos precos do açücar,
) Temos em mãos urn bando de Artur de Sá e Meneses, de 26 também a lavoura de tabaco desenvolveu-se bastante em correla-
de marco de 1700, que pinta essa corrida de escravos dos canavi- ção corn a major importacão de negros da Costa da Mina. Chegou
ais para as minas: então o momento de os lavradores se lamentarem da concorrén-
• cia que as minas moviam a agricultura, no mercado da mao-dc-
"Pelos grandes inconvenientes que Se seguem em se obra, mantendo precos acima de suas posses.
desmantelarem alguns engenhos e partidas de escravos para 0 Governaclor D. Rodrigo da Costa, em carta de 19 dejunho
hirem para as minas do que rezultará não so o prejuizo na • de 1706, testemunhoii que:
falta dos assucares como tambem a fazenda real: por cuia
) H cauza ordeno e mando que nenhum senhor de engenho em todas as capitanias delle [Brash] ha uma incri'vel falta
nem de partidos de canas e Lavradores de mandiocas possão de escravaria e que por esta causa e a dos excessivos, precos
mandar os negros pertencentes as ditas Lavouras para as em que hoje estão os hornens pretos se impossibilita aos
minas cominação de que quem o contrario fizer perderá os senhores de engenhos e lavradores de cannas e tabacós e
) ditos negros e as fazendas que levarem...11•329 H mandioca fazerem os ernpregos de que necessitam para p0-
derern continuar as suas lavouras, e ainda a conservacão dos
I 326
'H curraes de gados daquelles sertöes de que se sustentam as
Alas da Cdmara Municipal de São Paulo, vol. WI, p. 490. ditas capitanias e como este damno cresca e vá todos os dias
327
Documentos interessantes, vol. LI, parte II.
378
Alas da Cdmara Municipal de São Paulo, vol. VIH, p. 120.
Ms. do Arquivo Nacional, Colecao GovernadoreGerajs do Rio dejaneiro, 330
Documentos interessantes, vol. 49, p. 7.
H livro XII, f. 55v.
' Roberto Simonsen. 0/i. cit., vol II, p. 37
1
)
184 0 CONSUMO DAS POPULAçOES 0 CONSUMO DAS POPULAcOES 15

em major augmento a respeito de se levarem os ditos escra- Os negros trabalhavam arduamente nas faisqueltas, tabuleiros
vos para as minas do ouro, aonde seus donos lucrão nelles e grupiaras. Manejavam a bateia, o ãivião e o almOcátrè. Escáva-
os grandes interesses que a jnsacjavel sede da sua arnbicão yam as canoas, faziam os desmontes, as perfuracöes e as galeria.s.
consegue, dando-se-ihes por elles tudo o que pedem, não he Trabaihavam horas e horas corn o corpo mergu!hado na águá friá
possivel os queirão vender aos lavradores a fim de os dos ribeiros. Outras vezes permaneciam a major parte do dia em
rezervarem para o trabalho das minas, rnaiorrnente tendo galerias profundas, sem iluminacão e sem dispositivos para reno-
certo por elles 2 ou 3 partes mais o preco a que podiam vacão do ar.
chegar os lavradores de todas aquellas capitanias, os quaes A rnortandäde e o desgaste dos negros na mineração eram
vendo-se impossibilitados para continuarern as suas lavouras, enormes. A produtividade de cada afritano não passava de sete
deixam as proprias fazendas, levando ou vendendo os escra- anos, segundo os cálculos de Simonsen.
vos corn que Se acham para as ditas minas, so por lograrem Além dos trabaihos de extração aurIfera, o negro era o encar-
Os excessivos precos que por elles se dão, de que so se segue regado do servico das roças, das tarefas domésticas, funcionavá
a infallivel rujna do Brazil mas tathbém a da Real Fazen- como máquina de transporte e exercia os oficios de sapátëito,
da......332 alfajate, pedreiro, etc...
Os escravos preferidos pelos mineradores eram os da Costa
Sem o trabalho escravo não poderia haver rnineração no Bra- de Mina. Luis Monteiro na mesma carta acima citacla disse que
sil. Luis VaIa Monteiro, governador da Capitania do Rio deJanei- "os negros minas são de mayor reputacão para a4uelle trabalho,
ro, em carta dirigida ao rei, afirmou categoricamnte: dizendo os Mineyros que são mais fortes e vigorozos, mas eu en-
tendo que adquerirão aquellá reputacão por serem tidos por feiti-
"As minas he serto, que se não podem cultivar senão ceyros, e tern introduzido o diabo, que so dies descobrem ouro, e
corn negros, assim porque fazem servico mais vigoroso, pella mesrna cauza não ha mineyro que pop viver sern neth hha
como porque os brancos, e Reynois, ajnda que sejam criados negra mina, dizendo que so corn ellas tern fortuna.....
corn a enxada na mao em pondo os pés no Brazil nern hu Os negros eram vendidos nas minas a precos elevados, e urna
quer trabaihar, e se Deos lhe não dá meios licitos para pacar das causas da enormidade dos precos erarn as várias taxas e direi-
a vida constumão sostentaremce de roubos e trapa4;as.11333 tos que sobre eles incidiarn, desde sua saIda do continente negro.
• Além das que se cobravam na Africa, pagavam-se as seguintes
A contribuicão do negro pam a mineracão não foi apenas material, tarifas: sobre cada negro, pelo contrato de salda do Rio dejaneiro
como instrumento de trabalho. Houve também uma participacão in- 4$500; de despacho $500; de passagem nos rios Paraiba $16b; aos
telectuãl pois Os africanos trouxeram de seu continente conheci- soldados que estavam de guarda nessas passagens, correspondiam
mentos técnicos que os brancos adotaram e aperfeicoaram. $040 de propina; $640 de despacho em Paraibuna e 3$000 de
Eschwege, contemplando o contingente cultural trazido pelo entrada no registro de Matias Barbosa. Além disso, pagava-se ao
negro a nossa rnineração, diz que a ele se deve a adocão das escrivão de poiIcia $040 sobre cada passaporte de negro. E, clu-
"bateias" e das chamadas "canoas".334 rante muitos anos, pesou ainda sobre cada escravo o "subsIctio
vohintário" de 4$800.
332
Anais da Biblioteca Naciona4 vol. XXIX, p. 302.
Carta de 5 de juiho de 1726, in Docurnentos interessantes, vol. L, p. 60.
... Eschwege. Op. cit., vol. I, p. 305. 351 Documentos interessantes, vol. L, p. 60.
186 o CONSUMO DAS POPULAOES d oi'is'uiAb hAs Lk16ES 17
Durante grande parte do século XVIII, a Capitania das Minas A agnardente era vital pam og ilegrOs que pèrnlanèciath durante
sofreu angustiante crise de mão-de-obra. Apesar de entrarem pelo horns corn o corpo merguihado no 's tibeiros, maneijarictd a bátèia.
porto da Bahia e do Rio de Janeiro verdadeiras enxurradas de Nessa época acreditavã-se seriamente nas'irtudes tei-apêuticas ilA fifrga
negros, nunca se saciavarn os donos das lavras. Para avaliar-se a importância que se dam a agilardehte, 4ui-'
Os mineradores raciocinavam da seguinte forma: Se, possum- parada aos gêneros de primeira necessidade, basta consignar que
do cinqüenta escravos, podiam extrair da terra anualmente mll houve na Vila de Pitangui, em 1720, um começO de'revolta, por-
oitavas de ouro, corn cern escravos tirariam o dobro. que o governo tentou dificultar seu comércio, colocatido-a inn
Essa forma de pensar explica a ânsia corn que disputavarn a estanco.337 A Câmara de Vila Rica, em carta dirigida ao Viscónde
mão-de-obra, os altos precos que pagavam e, mais do que tudo, de Barbacena, em 5 de agosto de 1789, ãcusa para t comarca thu
permite-nos compreender o estado de dIvida permanente em que consumo de 80.000 harris de pinga, anualmente.358
viviam os habitantes das 1avas. Os escravos podiam viver mal vestidos e mal alimentados, po-
Confiando no major volume de ouro que coiheriam, se au- rem jamais poderiam passar sem uma dose diana de aguardente è
mentassem a escravarja, os senhores das minas recorriarn ao cré- scm urn naco de fumo.
dito. Nos seus sonhos de grandeza, esqueciam-se de computar as Os dois artigos, por seteni largamente consumidos, eram tam-
fugas de negros, as doenças, as mortes.336 bern os mais visados pelos direitos reais.
Por isso, freqüentemente acabavam arruinados e a mercê dos Passemos agora a estudar os artigós de luxo. Estes mtiitó èedo
fornecedores. A multiplicacao das execuçöes fez corn que o corn- chegaram as minas. Antonil, ao comentar os precos correntes nas
boieiro ou negociante de escravos fosse se tornando urna figura Gerais, na prirneira década do século XVIII, mencionou as rneias
sinistra, pela crueldade corn que explorava a necessidade de bra- e os trajes de seda, as camisas de linho, as tabaqueiras de prata; as
ços, pelos lucros fabulosos que extorquia, pelo calculismo frio espingardas corn cabos do mesmo metalos queijos importados, a
corn que requeria as penhoras. manteiga, o presunto, etc. Ora, se tais artigos de luxo tinham
precos correntes nas minas, é porque eles mesmo circulavam cot-
rentemente nas Gerais.
Os ricos mineradores, depois de escoiherem cuidadosa-
A pinga e o tabaco eram também artigos indispensá- mente seu traje, seu chapéu de castor, sua tabaqueira de prata, sua
veis na capitania mineira. Eram os suavizadores do rude trabaiho faca de ponta, sua arma de qualidade, os arreios luxuosos dc seu
das lavras. cavalo, cuidavam corn carinho da moradia. Mandavain construir
imponentes sobradôes os quais mobiliavarn corn móveis de im-
pressionante opul8ncia.539 Guarneciam as paredes corn espeihos e
As fugas de escravos eram muito comuns nas Gerais. PossuImos a esse
pinturas italianas, introduzidas nas minas pelos frades esrnoleres. Os
respeito urn manuscrito inédito do Arquivo PUblico Mineiro, que nos mostra que
os negros da Vila do Principe, para prejudicarem seus senhores, chegavam ao leitos em que repousavani cram quase sempre guamecidos corn
extremo de fugir e meter-se nos córregos diamanUferos que estavam absoluta- magnIflcos dosseis; sentavam-se em cadeiras de alto espaldar de cou-
mente interditados. Assim, cram confiscados pelas patrulhas de soldados on pelos ro trabaihado ou em tamboretes de pés torneados.
capitftes de main. Os mineradores, ante a freqüência dessas fugas, recorreram ao
rei, em 17 de setembro de 1745, para que so fossem confiscados os negros en-
contrados nos córregos proibidos, quando buscassem diamantes por ordem de
seus senhores. Do contrario, seus patrimônios estariarn a rnercê das vingancas dos "Mernória histórica da Capitania de Minas Gerais", RAPM, vol. N, p. 477.
negros. Códice 10, p. 748. 338RAPM, vol. IV, p. 791.
159J. W. Rodrigues. 'Móveis antigos de Minas Gerais", RSPHAN, vol. VII, p. 79.
188 0 CONSUMO DAS P0PULAc0ES 0 60NStJr10 DAS POPtJ[ACOES 189

Guardavam as roupas em arcas on em cômodas pesadas, bela- As igrejas mineiras funcionáram como verdadeiras condensa-
mente eritaihadas. As loucas da India, do Reino on da Inglaterra doras de obras de arte e objetos de luxo. Os mineiros sustentararn
os taiheres, geralmente de prata, eram mantidos em buffets sólidos uma liturgia pornposa corn paramentos bordados a ouro ë a prá-
e suntuosos. As baixelas de prata eram muito comuns para o ta, darnascos rarIssimos, altares forrados de ouro, cálices, ldmpa-
servico de almoco e jantar.34° dários, turIbulos e outros objetos de cult confeccionados em
Quase todo o mobiliário dos ricos senhores das minas era metais preciosos. Nos templos católicos da zona da m6eracão
executado em jacarandá ou cedro.34 ' quase sempre os retábulos, as imagens, os pórticos, os puilpitbs
RiquIssimas pecas de vestir, bern como os leitos, as cômodas, entalhados constituern primorosas obras de arte.
as arcas, os tamboretes, os buffets e outras pecas do artIstico mobi- Em tomb das manifestacöes religiosas é que o luxo que havia
liário que serviu aos potentados das minas, podem ate hoje ser nas minas se evidenciava. Por ocasião da posse do primeiro bispo
vistos e admirados no Museu da Inconfidência, na cidade de de Mariana, em 28 de novembro de 1728, houve nessa cktade
Ouro Preto. prolongados festejos em que todas as galas foram ostentadas. 0
Ate cravos (os antecessores do piano) foram ter àqueles remo- cronista Simão Ferreira Machado, descrevendo os cortejos realiza-
tos sertöes de além-Mantiqueira, bern como livros de Rosseau e dos na ocasião, dernorou-se nas minücias, de tal forma que pode-
ate urn exemplar da Constituição Americana.342 mos ter idéia do luxo dos trajes dos personagens que desfilaram.
Alguns moradores das Gerais se davam ac, luxo de possuir Levavam vestes bordadas a ouro e recamadas de diamantes, calca-
biblioteca. yam-se corn borzeguins enfeitados de metal precioso, e a imagem
No Arquivo da Casa dos Contos, nos autos de arremata- que se forma em nosso espIrito, dessa procissão, é a de uma ava-
ção dos bens de Cláudio Manuel da Costa, encon tram-se, entre lanche de sedas, veludos, fitas, Plum as e cambraias.
outros livros, urn volume de Aristóteles (avaliado em cern réls) 0 cronista se deliciou descrevendo de que fornia pornposa
urn volume de PIndaro (avaliado em seiscentos réis), e dois volu- se apresentaram ajaeza, os cavalos, e conta que urn deles "sella
mes de vocabulário italiano e espanhol (avaliados em trezen- tao rica que não se sabe segunda no Brazil; sôbre velüdo verde
tos r6iS).311 bordado a ouro, arreios dourados; a ferragem tôda de prata, as
0 Mobiliário que guarnecia os sobradöes das cidades minei- crinas do cavalo hião cahidas èntre fitas de tella corn muitos d!a-
ras, a princIpio, foi importado da Bahia. Depois, tendo as minas mantes..... 141
atraIdo, por sua prosperidade, artistas de valor, passaram a apre-
sentar uma indtistria local de confeccöes de móveis de jacarandá
e cedro. Essas oficinas regionais passaram a mobiliar, corn uma
riqueza e elegância que não se encontrarn em parte alguma do
Brasil Colonial, não so casas particulares, como reparticöes pübli-
cas e igrejas.344 I
° Augusto de Lima Jr. Op. cit., p. 299. I
" ldem. Ibidesn, p. 283.
342
Miram de Barros Lauf. As Minas Gerais, p. 144.
Ms. do Arquivo da Casa dos Contos, in Anais da Biblioteca Nacional, vol. 65, p. 282. on Simão Ferreira Machado. Op. cit., P. 1003.
" Augusto de LimaJr. Op. cit., p. 287.
CAPfTULO vii
CRTICA DO ABASTECIMENTOk
DAS GEEAIS

-11 Deficiências e qualidades do abastecimento.


._ji As crises de fome.
. Influências sociais dessas crises.
0 abastecimento e o apuro da civilizacâo material,.

A Icoberta do ouro,osteriormente, a descober-


ta dos diamantes, determinaram abação iipi7 de ncleos u
populacionais imensos em pleno sertao d Biäil, em regiöes
desprovidas de recursos de qualquer especle, distaficiadas dos
nucleos de producao, localno littaL Essas populacöes que
cresczam de um-a' forma dernasiadarnenter num ritmo H. (L
cadamente anômalo tinham de padecer as &nseqüêncLas clesse
fenômeno que poderIamos chamar de "gigantismo".
Nao e facil abastecer centros popuIacionüs nascdos quase da
noite para o dia Havia gente demais para ser
calcada e abrigada. 0 abastecimento das minas tornoil-se urn pro-
blema que por vezes se apresentou quase insolñvel, sobrevindo
crises agudIssimas de fome, decorrentes da total carência dos gê-
neros mais indispensáveis a vida.
Correntes abastecedoras não se improvisam e muito especial-
mente nesse Brasil de fins do século XVII e alvorecer do século
)
) 192 CRiTICADOABASTECIMENTO

) XV1II.346 Não possuIamos nessa época urna tradição de comércio. Ha certo èxagero em falár-se em "cèntrbs dc producao" no
) Vivêrarnos durante todo o quinhentismo e seiscentismo engolfa- que concerne aos gêneros alimentIcios è objetos de liso, orque,
) dos na monocultura acucareira e numa economia de estreitos mesmo nas regiöes mais ádiantadas è de p io enlb fiiadg denso,
lirnites dornésticos para tudo que se relacionasse corn os artigos era restrita tal producão.
) ,dé' subsistêncja. No Brasil colonial, a deficiência alirnentar fol sémpre uma
) 4 0 problerna do abastecirnento da Capitania das Minas Gerais constante, mesmo nas regiöes mais ricas e féttèis, como a zoila
era de dificil solucão ern virtude de várias circunstâncias: dos engenhos. No Nordeste açucarefro, para que os senhores ru-
1. o afastamento dos centros de producão de artigos para a rais dedicassern alguns palmos de terra aos produtos áimentares,
) - alimentacao, vestuário, etc.; era preciso a coacão legal.
) 2. a dirninuta producao desses artigos nas regiöes que se en- r.. - Em 27 de fevereiro de 1701, por exemplo, foi prothulgado urn
) girarn em abastecedoras das Gerais; alvará suscitando a observ.ncia da lei de 15 cle fevéreiro dè 1688,
3. a inexistência de urna tradicão de comércio no Brasil, exce- que obrigava os habitantes da Bahia a plantacâo da mandiocá. 7
tuando a exportacão de artigos tropicais e o comércio de escravos; Sernpre scm resultados, essas leis relativas as culturas alimen-
) 4. a falta de moeda, dificultando o giro do comércio; tares foram se repetindo ate o fim do século.
) . 5. a inexistência ou as péssirnas condicöes das vias de comu- Em oficio do Governador D. Fernando José de Portugal, dinigi-
nicaçdo;
-' do a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, datado de 21 dc outubro de
6. a precariedade dos meios de transportes; 1799, revela-se a rnesma situacão de cnise de artigos de subsistênciã:
) 7. a precariedade dos elernentos técnicos existentes na época,
para a conservação dos viveres;
8. as dificuldades de importacão de artigos estrangeiros; ° Transcrevemos aqui urn trecho desse uivará:
)
9. a multiplicidade e cornphcacoes das taxas e impostos que mc!- mandei estabelecer huma lei em 5 de fevereiro de 1688, de que se
) diam sobre os artigos durante todo o trajeto, ate chegar as Gerais. passou o alvará em 25 do mesmo mês e anno, que os Moradores do
) reconcavo, dita cidade da Bahia, des legoas an redor della fossem
Os centros de producão no Brasil, ao tempo ern que foram compeilidos a plan tarem cada anew 500 covas de mandioca por escravo que
) descobertas as minas, localizavarn-se próximos ao mar, refletindo tiverem de servico e particularmente os que lavrão por engenho as canàs e
o caráter rnarItimo de nossa colonizaçao e povoamento que, corn os que plantão tabaco e possuem terras para o poderern fazer."
) 'E porquanto em consulta do meu Conseiho Ultramarino de 27 de
raras exceçöes, se limitava a "arranhar a costa".
outubro de 1700 me constou haver-se relaxado esta Icy de maneira, que
) não so se deixa de plantar o dito numero de covas de mandioca, mas nem
) 36 ainda a fabricam os moradores do Reconcavo para o sustento de suas fa-
Muito antes de serem descobertas as minas gerais, já dissera o autor do
I Duilogo das Grandezas do Brasil que o probiema da mineracão não consistia em mIlias donde resulta notável falta deste mantimento damno publico dos
/ moradores daquella Capitania pelo exorbitante preco a que tern subdo e
encont.rar metais; — estes exis6arn scm ddvida — pois o Oriente e mais nobre que
o Ocidente e portanto o Brasil mais opulento que o Peru; o problema verdadeiro das mais Conquistas, que experimentão a mesma indigência; sendo tam-
bern motivo de se retardarem as frotas por Ihes faltar para a viagem o
consistia na dificuldade de alimentar os mineiros. E propunha urn pIano: "o pri-
sustento; antes assim os ditos moradores do Reconcavo, principalmente em
) I meiro que se devia fazer antes de boHr nellas, depois de estarem certos que cram
Maragogipe, Saubara, Carninhos, Cappanerna e mais partes circunvezinhas
de proveito, houvera de plantarem-se muitos mantimentos ao redor do sítio onde
) como Os das ditas três Capitanias do Camamü se divertirern para outras
ellas eso e como os houvesse em abundância atar-se-ja da lavoura das minas". 0
plantas tendo rnuitos delles novarnente gado de criacão que impedem aos
) piano porén era faiho, porque o autor não considerou duas cousas: esqueceu a
outros lavradores que o não tern, fazerern rocas de mandioca corn o ternor
cobica que o ouro gera, determinando o desprezo pelas atividades agrárias; tam-
de l'has destruirem, e a vir a ser inutil a providência das ditas terras que
bern não contou como a aridez dos terrenos vizinhos as minas. (Didlogo das gran-
dezas do Brasil, p. 76.) sempre fordo as mais proprias para produzirern a mandioca, que se
) costumavão plantar nellas para sustento commum..." ABN.

)
194 CRfTICA DO ABASTECIMENTO i 1 . CTkCA D T

"Quanto a plantacao da mandioca he certo que ella he se constata o estado de crise alimeiltar em qiie viviarn as
o sustento principal e pão diario destes povos e que he cöes do Rio de Janeiro nos primeiros anos do setecezIt!srno.
nccessario continuadamente os vigial-a e recomendal-a por- Não 11avendo sobras de géneros de consumo, não havia co-
que os lavradores conhecendo evidentemente maiores lu- mércio interno no Brasil. No quinhentismo e no seisèenismo so
cros e interesses que Ihes rezulta de outras plantacoes, como notamos a existêticia do grande comércio de exporiacão de açü-
sejão o tabaco, assucar e algodao, não Se entregam tanto are tabaco e a importac9 de escravos.
aquella, ou antes, a abandonão, señdo dificultososos meios
A A faltade comércio interno se explica pelas distâncias que
de remediar este mat, pois toda a lavoura feita por cons- separavam os nücleos civilizados dos outros, escalonando-se litoral
trangimento e violencia, pouco ou nada prospera, por ser imenso, como ilhas de povoatnento no mar do sertão inculto.
este meio diametralmente opposto a liberdade de commer- Nenhuma via de comunicacão os interligava, a não ser as rotas
cio e da agricultura tao recommendada por todos os econo- marItimas. A insuficiência dos meios de transporte e a escassez da
mistas que trarão d'esta materia... "348, 349 moeda completavarn o panorama econômico dos dois primeh'os
séculos de nossa Hist6ria.351
No Nordeste acucareiro, a monocultura da caria absorvia ao Todas essas dificuldades abafavam qualquer possibilidade de
extremo. Em outros lugares do Brasil, eram o tabaco e o algodão giro mercantil, obrigando a haver nas zonas rurais a auto-suficién-
que absorviam todos os esforcos. Quanto as culturas de subsistên- cia de cada propriedade e, nas zonas urbanas, o ernperrädo siste-
cia, as propriedades rurais produziam apenas o indispensável para ma dos monopólios, contratos e estancos.
alimentar os que nela viviam. Funcionavam como verdadeiras As cidades e vilas supriam suas necessidades alimentares corn
autarquias agrIcolas. a importacão de géneros de além-mar ou corn os fornecimentos
Na região vicentina também a producão de artigos alimenta- das regiöes agrIcolas localizadas em seus subürbios. Da Europa,
res era insignificante. As propriedades planaltinas cram de peque- chegava azeite, sal, vinho, queijos8 peixes salgados, frutas, etc. Das
na extensão, verdadeiras "lavourinhas" onde cada urn plantava \ regiöes circunvijnhas, chegavam aos nücleos urbanos os cereais,
quase que so para o gasto. Muito pouco era destinado as trocas ou Os bois para orte, os legumes, etc.
vendas. Tais fornecimentos, quer os que chegavam da outra margem
Na região fluminense, verificava-se o mesmo fenômeno. Não do Atlântico, quer os que provinham dos subárbios, eratn irregu-
havia sobras alimentares para enviar as minas. Passamos em revis- lares e precários. Para assegurar a continuidade dos fornecirnen-
ta, noutro capItulo deste trabaiho, copioso documentário em que tos é que se estabeleceram os contratos, estancos e monopólios.
Se a razão que deterrninou o aparecirnento desses coniratos,
348
Anais da Biblioteca Naciona4 vol. XXXVI, p. 159. estancos e monopólios era defensável, pois corn des visava a Corte
0 mesmo Governador D. Fernando José de Portugal, em 26 de agosto de regularizar os fornecirnentos, essa razão não impediu jodavia que
1799, escrevia:

'NSo posso deixar de determinar a V. Mcê. a que obrigue os lavrado-


res da sua comarca, não so a plantarem a mandioca, mas feijão e milho a Asfixiante crise de falta de numerário sofria o Brasil nos fins do século
para sustentacão d'bsses povos e dos d'esta cidade, que prezentemente se XVII. 0 Desembargador Antonio Luis Gonçalves da Câmara Coutinho descreveu-
achão em precizlto de hum genero da primeira necessidade, procurando V. a magistralmente numa representacão ao rei de 4 de juiho de 1692. (Anais da
Mcb. animar, quanto for possivel huma importante lavoura, expedindo as Biblioteca Nacional, vol. LVII, p. 147.) Taunay também descreve a crise de mime-
ordens que para esse effeito julgar conveniente as camaras respectivas... rário que torturou o Brasit Colonial nessa época, m Histôria GeraL.., cit, tomo IX,
(Anais da Biblioteca Nan anal, vol. XXXVI, p. 181.) capItulos VII e ss.
)
)

196 CRfTICA DO ABASTECIMENTO CRITICA 1)0 ABASTECIMENTO 197


)
eles Se transformassem em meios de vexacão dos povos e em Outro fator que contribuI para as demoras dos fornecimn-
privilegios corn que se favoreciam os apaniguados. As conseqüêh- tos e para o encarecimento de todos os artigos era a miiitipiicida-
cias de tal sistema de cornércio foram a especulacão corn os gene- de de barreiras onde se pagavam impostos e se procedia a rev ista
) ros, o acambarcamerrto, a tortura das populacöes consumidoras e contagem das mercadorias. Nas estradas que jam convergir nds
que ficavam a mercê dos contratadores, monopolizadores e "atra- lavras havia os registros onde todos os gêneros que entrassern
vessadores". deviam pagar o imposto denominado "de entrada" e onde os
) Se o problema de nutrição no Brasil Colonial já era dificil nos negociantes e tropeiros deviarn permutar toda moeda que fives-
) dois primeiros séculos, tornou-se muito mais complexo corn o sem por ouro em pó. Tais operacöes eram sempre demoradas.
advento da mineração. Para as cidades que nasceram junto as Na travessia dos rios também pagavm as mercadorias direitos
) de passagem.35'
lavras, havia todos os percalcos que já padeciam as cidades Iitorâ-
) ,nease mais os que ihes eram peculiares. Outro fator que complicava o abastecimento das Minas Gerais
) Comecemds pelo problema das estradas. Os caminhos que era a m dde abrir caminhos n6o\&Coroacqsis1e
(r conduziam as Gerais eram vèidadeiras trilhas que, a princIpio, so rava crime de lesa-majestade a abertura de vias de comunicaçp,
podiam ser palmilhadas por pedestres. Nessa primeira fase, o ece iitoiMiiitasvezesgruposdemorado-
meio de transporte utilizado foi o dorso do escravo. Depois, a res das Gerais tentaram abrir estradas a sua custa, paa facilitar o
) trilha se alargou urn pouco, admitindo o uso de cavalgaduras. Al comércio. Tais tentativas, porém, frram .cQlhida s, p gvtn9.
cessou o progresso. Nenhuma espécie de viatura foi utilizada nas luso como nefandos crimes.352
)
estradas que ligavam a capitania das minas ao litoral. 0 burro foi
o meio de transporte mais adequado para o abastecimento das a Os rios em cujas passagens as mercadorias pagavam taxa. eram: rio das
Gerais, em virtude do acidentado das estradas, mormente na Mortes, rio Grande, SapucaI, Verde, JacuI, Paraopeba, Urucdia, Baependi,
jequitinhonha, Path, Pitangui, das Veihas e São Francisco.
) transposicão das serras do Mar e da Mantiqueira. 52 Para comp var essa atitude drástica da Metrópole, bastará a leitura de

Os muares representavam urn meio de transporte caro, lerdo e urna clirta do go nador das Minas Gerais, D. Lourenco de Almeida, datada de
de pequena capacidade. Em muitos trechos do caminho tinham de Vila Rica, 24 dejuiho de 1725, dirigida a Feliciano Pinto de Vasconcelos, capito-
ser aliviados de sua bruacas, para não rolarem pelos precipicios. mor da Vila de São João del-Rei:

) Algumas mercadorias chegavam as minas por via fluvial, em "Remeto a V. M. os bandos inclusos pellos quaes vera V. M. que se
batelöes que subiam penosarnente o São Francisco, ou os seus tern aberto hum caminho para a borda do Campo e se vay introduzir na
) Estrada do Rio de Janeiro desviandose muito do Registo e como a abertura
afluentes.
deste caminho he dolosa e demonsira que he feita para desencaminhar o
Os bois e os escravos se autotransportavam. ouro aos quintos dc S. Mgde. a que se deve acodir corn pronto remedio V.
) Usava-se o cavalo para os transportes pessoais. M. logo fará publicar nessa Vila o Bando que the remeto que a ella-per-
Além do man estado das estradas, além de serem tao precá- tence registrando-se 1 nos Livros da camara o mandará fixar no
) Pelourinho dessa Vita; o bando que pertence a Vila de S. Joseph o remeterá
rios os rneios de transporte, havia outro fator entravando a circu- V. M. ao Oficial que se achar na Villa, escrevendo-Ihe da minha parte que o
lacão cornercial entre as cidades mineiras e as do litoral: o fator faca publico tambérn da mesma forma.
) inseguranca. Este era representado pelos salteadores, criminosos "Publicado o bahdo porse ha V. M. a cavallo e levando em sua Corn-
panhia as pessoas que ihe parecer hirá V. M. por servico de S. Mgde., que
) e negros fugidos que perturbavam a atividade dos negociantes e
D. gde. pello tal caminho novo, ate onde se mete na estrada do Rio de
tropeiros corn seus ternIveis assaltos.. Muitos carregamentos de Janeiro e o mandará V. M. tapar de sorte que fique impossivel de se andar
gêneros e utensilios não chegaram ao termo da viagern, em virtu- por elle e para esta obra obrigará V. M. os roceiros que abrirão o tat
de dos roubos, saques e mortes sofridos pelos tropeiros. Carninho, os quais remeto a V. M. na lista inclusa e se alguém poser algurn

)
) II
)
V
) 198 CRfTICA DO ABASTECIMENTO I
) &)
Devemos atender ainda aos elernentos técnicos da época que Artur efiëses, etu cdftá &H1da b rè, III
) nao permitiam a conservação de alimentos. Sendo assirn, os gene- mtho de 1698:
/ ros de fácil deterioracão, como os legumes, leite, frutas, etc. não -
poderiarn ser levados as Gerais, pois não resistiriam aos muitos "... he sein duvida pie rendera muy grahde quanila Se os
) dias de transporte. myneiros tiverão minerado este anno, o cjlie ihes não !'Oi
) I Algurnas frutas cram conservadas pela fabricacao de doces, posivel pella grande fome qtie experimentarão que chegou
) como o marmelo, a banana, a goiaba, corn os quais se produziam a necessidade a tal extremo que se aproveitarão dos mais
respectivamente a marmelada, a bananada, a goiabada. immundos animais e faltandoihes estes para poderem au-
As carnes de porco e o toucinho cram mantidos em born mentar a vida, largarão as mlns e fugirão para os mattos
) estado pelo processo da defumacão, salgarnento pela fabricacão corn os seus escravos, a susteiitarence corn as frutAs ágètes
da pacoca, etc. que nelles achavão...".354
)
Outra crise de forne encontramos registrada na carta de João
)
de Lencastro, dirigida a Artur de Sá Meneses, datada de 22 dc
) I.ocalizados em terras reconhecidamente sfaras, já de-
seten?bro de 1700' ----)
) tiominadas por urn de nossos geólogos "xistos da fome", obcecados
• pela ambiçao que os fazia desprezar a agricultura e so Se preocupar "... e que por falta de mantimentos se haviarn red inüi-
) corn o ouro, sofreram os primeiros habitantes das minas gerais agu- tos mineiros para a montana, para terem corn que sustenbt
) das crises de fome em 1697/98, em 1700/01 e em 1713. a sua gente, e outros para suas casas para voltar em Marco
Antonil observou a aridez dos solos vizinhos as lavras. assim pelos mantimentos que já deixavam planildos, como
pelo gado, que haviam maridado buscar aos curraes da
"Sendo a terra que dá ouro esterelissima de tudo que Bahia e P94ambuco, o que será grande adjutónio, para se
se ha de mister para a vida humana e não menos esteril a
poderern Iavrar as ditas minas...".165
major parte dos caminhos das ditas minas, não Se pode crer
o que padecerão ao principio os mineiros por falta de
mantimentos, achando-se não poucos mortos, corn hurna Em 1713, foi a vez da nova colônia de Pitaiigui se tortuiada
espiga de rnilho na mao, sem terern outro sustento."353
pela carestia de mantimentos, chegando qiiase a dissouco rnercê
A primeira grande crise de fome que assolou as Gerais foi da dispersão da maioria dos moradores.356
) Tais crises agudas verificam-se por não se haver aindá sistema-
descrita em cores vivIssimas pelo governador da Reparticao Sul,
tizado os fornecimentos. Nesses primeiros anos da mineração, as
correntes abastecedoras estavam ainda se organizando, num ex-
) genero (IC ddvida V. M. prenderá e mo remeterá para eLm o mandar a
traordinário esforco de improvisacão. Não havia estoque de gene-
Lisboa a El Rey nosso Senhor como usurpador dos seus reals quintos
) . para o mnandar castigar como for servido em todas essas rocas fara V. M.
ler hum dos bandos incluzos e deixara pregados dous na entrada e Ms. do Arquivo Nacional, ColecEo Governadores do Rio de Janeiro, vol.
) sahida do tal caminho...... (Ms. inédito do Arquivo Pdblico Mineiro, VI, f. 117.
códice 17, p. 247.) u Documentos histôricos, vol. XI, p. 283.
a "Colecão das Memórias Archivadas pela Camara da Villa do Sabará", corn-
) mu Antonil. Op. di., p. 217. piJada por Manuel José da Silva Pontes, in RJJGB, vol. VI, p. 269.

)
200 CRITICA DO ABASTECIMENTO CRITICA bo ABASTECIMENTO 261

ros nas cidades mineiras, e, por isso, qualquer acidente que tor- As deficiências do abastecimento produziram conseqüências dc
nasse impraticáveis os caminhos (chuvas, enchentes de rios, etc.) ordem econômica, social e politica que vincaranifundamente a liistóFa
repercutia sob, a forma de dolorosas crises alimentares. da Capitania das Minas Gerais. As principals foram as seguintes:
- Em 1698, a falta de mantimentos foi tao absoluta que nem a a) a alta 4s precos;
peso de ouro podiam ser adquiridos. 0 ünico rernédio foi a fuga b) a paralisacão momentânea dos trabaihos extrativos;
para os matos e o recurso a caca, mel de pau, frutas e bichinhos c) o aparecimento de rocas e de indilistrias locais;
nojentos. d) a dispersão dos mineradores, fenômeno esse que por sua
Em outras ocasiöes, houve apenas escassez de vIveres e não vez determinou novos descobrimentos e o nascimeito de outros
falta absoluta; os precos subiram a nIveis absurdos, de forma que arraiais;
a morte por inanicão atingia apenas os deserdados da fortuna, e) o refluxo da populacão das Gerais para as caitanias de
dizimando os miseráveis e a escravaria. origem;
Em 1703, segundo Antonil, pagava-se por uma galinha 3 ou 4 J9 as mortes por inanicão;
oitavas de ouro; por urn pastel, 1 oitava; por urn barrilote de g) a Guerra dos Emboabas;
aguardente, 100 oitavas; por uma arroba de açñcar, 32 oitavas.317 A falta de vIveres e manufaturas determinou o encarecimento
Simonsen, em sua História Econômica do Brasil, escrita em dos poucos existentes. A carência de gêneros causou o aproveita-
1937, converteu as oitavas em mil-réis, atribuindo a oitava o valor mento de tudo quanto pudesse matar a fome: cães, gatos, gaviöes,
de 100$000.358 Reduzind@ os precos de Antonil ao valor do ouro ratos, mel de pau, raIzes, frutas do mato, etc. Chegou-se ate a
em 1937, apresentou a seguinte conversão: corner a larva dos lepidópteros, o chamado "bicho-cle-taquara",
que so pode ser comido quando encontrado vivo, pois do contra-
uma galinha 300 ou 400$000 rio é urn veneflO terrIVel.
urn pastel Uma carta de autor anOnimo, existente entre os papéis do
100$000
urn barrilote de aguardente 10:000$000 Códice Costa Yso, relata a situacão vigente no ribeirão do
uma arroba de aç(car 3:200$000 Carmo nos priiros anos de sua história:

Em nossos dias, custando o grama de ouro Cr$ 1.600,00, e, "Era tal a falta de mantimentos que se vendia no Ri-
portanto, a oitava Cr$ 5.736,60, poderIamos atualizar os precos beirão urn alqueire de milho por 20 oitavas e de farinha por
oferecidos por Antonil e terIamos os seguintes: 32, o de feijão por 32; uma galinha por 12 oitavas, urn Ca-
chorrinho ou gatinho por 32; uma vara de fumo 5 oitavas e
urn barrilote de aguardente Cr$ 573.760,00 urn prato pequeno de estanho cheio de sal por 8. E tudo o
uma arroba de acücar Cr$ 183.603,20 mais a este respeito por cuja causa e fome morreu rnuitO
uma galinha Cr$ 17.212,80 gentio, tapanhunos e carijós, por comerem bichos-de-
urn pastel Cr$ 5.737,60 taquara, que para os corner é necessário estar urn tacho no
fogo bern quente e alias vão botando os que estão vivos logo
bolem corn a quentura que são os bons e se come algum que
esteja rnorto e veneno refinado."359
157
Antonil. Op. cit., p. 218.
R. Simonsen. Op. cit., vol. 11, p. 76. Ms. da BIblioteca Municipal de São Paulo, Códice Costa Matoso.
202 CRITECA DO ABASTECIMEN-'O
cidttbA bb AiAstEdMNTd 26
I 7,
A carestia de gêneros também compeliu os mineradores a 1697-1698 e. 1700-1701, comprovadas por vái- b doèithieflios
distrair parte de sua atividade de extracão aurIfera para o plantio
de roças. Na coletânea de "Docurneiitos Relatjvos ao Bandejrjsmo
Paulista", BasIlio de Magalhães consigna uma carta de Artur de Si "A essas duas debandádas que urn 'status necessitatis',
e Meneses dirigida ao rei de Portugal, D. Pedro II, informando-o
determinou, é que se deve, corn o descobrimetito de novas
de que mandara fazer largas roças nos sertöes das minas a fim de
jazidas e córregos auriferos, a fundação de muitos centros
conjurar o dano que se experimentava corn a falta delas, pois que populosos de Minas Gerais. 11361
pereciam a misérja os rnineiros.360
Antonil acusou o aparecimei-
ito de roças em torno das Iavras, Muitos mineradores, entretanto, temendo a inseguranca das
dizendo que não foram poucos os que se enriqueceram plantando
condicOes de vida nas minas, preferiam abandoná-las para sem-
roças e citou nominalmente Baltasar de Godój e Francisco do pre, refluindo para as zonas de aquern-Mantiqueira, como o Pa-
Amaral 36 '
dre Joao de Faria Fialho, que se retirou de vez para Taubaté,
A deficiência nos fornecimentos de gêneros teve conseqüências sendo imitado por niuitos.364 0 mesmo procedimento teve José
imediatas no povoarnento das Gerais, causando a dispersão dos mi-
Góis de Morals, que enriqueceu nas minas e abandonou-as corn
neradores e, em muitos casos, o refluxo da onda irnigratorja, pois sua comitiva e escravaturã; e mais.Domingos da Silva Bueno, lien-
muitos deles retornaram para os pontos de partida, no litoral.
to do Amaral, Antonio Bicudo Leme, è muitos olitros cujos nomes
Da dispersão forcada dos mineradores, muitas vezes surgiu a a crOnica mao registrou.365
revelacao de novas lavras aurIferas e o nascjmento de novos ar-
Além dessas conseqüências de ordern econômico-social, pode-
raiais. Diogo de Vasconcelos, em sua História Antiga das Minas Ge-
rais, mos estabelecer uma relacao estreita entre o problema do abasjé-
relata que, por ocasião da primeira crise de fome, muitos dos cimento das Gerais e a Guerra dos Emboabas.
que
se achavam no Ribeirão do Carmo dispersararnse è disso Alguns historiadores frisam conto causa principal dessa guer-
resultou o aparecimento da localidade charnada Camargos (pela
ra o conflito pela posse das minas de ouro, salientando que
dispersão dejose de Camargo Pimentel e seus sobrinhos); surgiu os paulistas não queriam que elas fossem repartidas corn os forâs-
tambérn o arrajal de Bonfim de Mato Dentro, mais tarde chama- teiros.
do Antonio Pereira; do mesmo modo, nasceram os povoados de Entrtanto, se houve nas origens da Guerra dos Emboabas o
Congonhas do Campo, Cachoeira, São Bartolomeu, Casa Branca, ciürne dos paulistas contra o adventIcio reinol e rivalidades em
Rio das Pedras, São Caetano e muitos outros.362
tomb da posse das minas, outro motivo suplanta esse em ithpor-
BasIlio de Magalhaes, descrevendo esse fenOrneno, assim se
expressou: tância: o monopólio de certOs géneros indispensávei a vidá has
Gerais, a especulacão e o con trabando corn todos os artigos de
primeira necessidade, prornovidos pelos flihos da Metrópole, aliá-
o coefficiente máximo da irradiacão paulista no corneço dos aos baianos.
do grande cyclo, foi a forne pelas duas medonhas crises de - Nurnerosos são os depoimentos históricos que militarn em
favor de nossa tese:
RJHGSP, vol. XVIII, p. 450.
361
Antonil. Op. cit., P. 222.
362
Diogo de Vasconcelos,
363
BasIlio de MagalhSes. Conferências "0 Bandejrismo....., cit., p. 92.
Histórza antiga das Minas Gerais, P. 119, e BasIlio de n A. Taunay. História geral..., cit., tomo IX, p. 381.
Magalhaes. "Docurnentos....., cit., p. 450.
365
Idem.Ibidem, p. 171, 172, 193.
204 CRITICA DO ABASTECIMENTO CRITtCA DO AjASTEC1MENTO 20
II
0 Coronel Ben to Fernandes Furtado de Mendonca, descre- Na Mernoria Flistorica da Capitania das Minas Gerais' .am
vendo as origens da Guerra dos Emboabas, assim se expressou: bern vernos apontados, corno germes da Giierrá dos Emboabas, os
contratos de came dos acougues
"Frei Francisco de Menezes e Frei Conrado, tendo a Aristides de Araujo Maia, em sua Historia da Provinda de
fatal lembrança do monopólio de tabaco, empregararn 30 Minas Gerais", assim se exprèssä, tratando da Guerra dos Ehi
arrobas de ouro na compra de toda a quantidade desse arti- boabas:
go, para vendê-lo as varas, a razão de 4 a 5 oitavas de ouro
cada luta, caso conseguisse arrernatar este contrato pela me- "Frei Francisco de Menezes e Frei Francisco de Amaral
dicão de alguns reinois influentes, encontrando porém Gurgel que quizeram fazer o estai'ico da cachaca e do fumo,
oposicão por parte dos paulistas desistiram do intento. Ten- e depois das carnes de -gado, descontentes corn a oposicão
tararn depois igual monopólio de came verde, indicado o fomentaram os 6dios."369
método de arrematação aos acougueiros ...............................
A luta em tomb dos monopólios, do contrabando e dos con-
"Resultando dessas patrioticas oposicôes a prirneira tratos corn tempo se transformou numa luta entre paulistas e
causa das discordias que breve haviam de perturbar e dividir reinois porque aqueles, habituados aos rnisteres da agricultura,
a nascente sociedade."366 donos de escravaria numerosa, desprezavam as atividades rnercan-
tis, deixando esse campo aberto aos portugueses.
Vilhena, referindo-se a Guerra dos Emboabas, nas suas Cartas, E os rnetropolitanos, como bern observou Basiho de Maga
disse: lhães, foram os que meihor souberarn aproveitar se da imprevi
dência dos paulistas no tocante ao aprovisionamento de vIveres.
"Desta desunião e discordia foram origem dois religi- "E estas questöes", diz ele, "não deixarn de vincular-se muifo es-
osos que devemos supor apostadas, pois que viviarn corn treitamente as lutas sangrentas do surto do nosso nativisrno, isto é,
toda a liberdade que o paiz então permitia e que impelidos A guerra dos emboabas, ainda tao irnperfeitarriente conhecida por
por urna voraz ambicão abarcarão ou atravessarão corn três não se haver ate agora arrancado ao pó dos arquivos a respecdva
arrobas de ouro todo o fumo e aguardente da terra para docurnentacão hist6rica."370
venderem por monopolio pello mais alto preco. Bern Aos reinóis associaram-se os baianos, porque a via principal
quizerão fazer elles o mesmo corn as carnes; obstou-lhes do cornercio de came e fumo era a que acompanhava o São
porern a opposicão dos Paulistas que tOrnarã p a resolucao de Francisco. Portugueses e baiànos aparecem englobados, ni desig-
os expulsar por huma vez das minas que elles havião con- nacão "emboabas".
quistado e onde se achavam estabelecidos corn suas fabricas E no negócio das carnes, do fumo e da aguardente que aparè-
e familias. "367 cern em destaque as princips figuras corn que tiverarn de se
defrontar os paulistas: Frei Francisco de Meneses e Manuel Nunes

766
'Prirneiros descobridores das minas de ouro da Capitania de Minas Ge-
rais", nota compilada pelo C' Bento Fernandes Furtado de Mendonca e resumida "Memória histórica da Capitania de Minas Gerais", in RAPM, vol. II, p. 425.
por J. P. da Silva Pontes, in RAPM, vol. IV, p. 95.
367
369
Ver RAPM, vol. II.
Vilhena. Op. cit., vol. II, p. 665. 970
BasIlio de Magalhães. "Documentos relativos....., cit., p. 450.
)
)
) 206 CRiTICA DO ABASTECIMENTO
CPJTIcA DO ABASTC1MENTh 207

) Viana. Os atritos entre paulistas e emboabas ligarn-se estreitamen- Também no levante de 1720, o célebre movimento de
) te a acão de Borba Gato, procurando impedir o contrabando que Filipe dos Santos, .o probtema do abastecimento ñao ficou torn
descia da Bahia. pletamente a margem. 0 moivo mais ponderável dessa rete1i.o
) foi a instalacão da casa de fundição has minas, mas, a par desse
Manuel Nunes Viana concentrava todas as suas atividades e
tinha corno principal emprego de capitais o fornecirnento de vIve- rnotivo, a questao alitnentar e o comércio não deixaram de pesar
) res e manufaturas as populacöes mineradoras. no ânimo dos revoltados. Estes queriam, além de impedir o fun-
Sobre ele escreveu Borba Gato ao governador da capitania, cionarnento das casas de fundicão, abolir os contratos de aguar-
) derites de cana, de tabaco e came. Queriarn ainda que os direitos
D. Fernando Martins Mascarenhas de Lencastro, em carta datada
das minas do rio das Veihas, em 29 de novembro de 1708: sobre as rnercadorias que entrassem nas; minas fossem pagos flO
) na entrada, mas na saIda, depois de o negociante ter apürado o
"Também corn a concideracão de que este homern e a dinheiro, corn a venda das rnercadorias.373
)
sua vinda a estas Minas era tao prejudicial a Fazenda de S. Tudo isso nos perrnite aquilatar a gravidade do problema do
Magde. p. Ds. ge. porque não tern mais exercicio no rio de abastecimento das minas, problema esse que forma o substractum
São Francisco que esperar cornboyos da Bahia de hua groca dos principais acontecitnentos politicos das Gerais, no primeiro
) suciedade que tern naquela cidade e tanto que ihes chegao quartel do século XVIII.

) não se contenta corn marchar corn estes para as Minas, Se-


não convir servindo de cappitania aos mais comboios para
que nenhum seja tornado do inirnigo que nesta conta tern a A
) quern trata da recadacao da Fazenda de S. Mage... "•371 lbs poucos, o problema do abastecimento foi se solu-
cionando. 3Ds frnecirnentos foram se tornando sisteEi1'"
Ha urna carla de D. Fernando Martins Mascarenhas de Len- Formaram-se linhas regulares de tropas. Houve uma convergência
castro ao rei, datada do Rio de Janeiro, aos 14 de fevereiro de 1709, do movimento cornercial de todo o Brasil em direcao das Gerais.
que mostra como a questão do abastecirnento, revestindo caráter E que rapidarnente propalou-se a notIcia de que os mineiros
ilegal, agravou-se, preludiando a guerra civil dos ernboabas. pagavarn generosamente aos seus fornecedores. Todos os que ti-
Manuel Nunes Viana fortificara-se tanto e aliara-se tao forte- nharn alguma cousa para vender buscavam o vantajoso mercado
mente a outros portugueses e baianos que, disse o governador, de alern-Mantiqueira.
) para coibir o contrabando, não seria mais suficiente a infantaria Muitos ambiciosos que tinham comrido as Gerais, para lana-
solicitada por Borba Gato, mas sim urn exército. Por outro lado, rem o ouro, achararn que era mais fácil faze-10 chegam as suas
os paulistas, aternorizados corn os preparativos bélicos dos foras- rnãos já lavrado por outmos, através do cornércio. Desistiram da
) pretensao de minerar e tornamarn-se negociantes, mascates, corn-
teiros, arrnaram-se tambérn, pois "sentião a Guerra Sivil" muito
) pr6xirna.372 boieiros, tropeiros, et*
Antonil assinabou o apamecimento das primeimas correntes
)
abastecedomas das Gerais:

371
Apud Soares de Melo. "Emboabas", p. 233, ms. da Biblioteca Nacional de 313Carta do governador das minas, Conde Assumar, ao rei de P6rtiigal, 3 de
Lisboa, Arquivo da Marinha e Ultramar. juiho de 1720, in RAPM, vol. V, p. 221.
I
Idern. Ibiclem.
)
)
)
208 CRITICA DO ABASTECIMNTO

"Porem, tanto que se vio a aburidancia do ouro que se


tirava e a largueza corn que se pagava Eudo o que la hia; logo
se fizerào estalagens e logo começarão os rnercadores a
mandar as Minas o meihor que chega nos navios do reino e
de outras partes, assim de mantimentos como de regalo e de
pomposo para Se vestirern, alérn de mil bugiarias de Franca,
que tambem Ia forão dar."374

Corn os fornecimentos organizados sistematicamente, nada cpfTuLo VIII


mais faltou aos povoadores das Gerais. 0 perigo da forne e da Os NUCLEOS D1 PRODUçAAO NM MINAS
carestia desapareceram para sempre. Houve abundância de gene-
ros e de objetos de uso. A especulacão e os altos precos, todavia,
nunca desapareceratn. Tudo nas minas era vendido rnuito caro.
Por esse motivo foi que Antonil deu ao capItulo 'Vu, de sua obra, As minas se encaminhando para a auto-suficiêndd
o sugestivo tItulo: "Da abundância de mantimentos e de todo o Causas.
usual que hoje ha nas minas: e do pouco caso que se faz dos A diminuiçao das correntes abastecedoras em furição do apa
precos extraordinariamente altos". recimento dos nécleos de producao nas Gerais e da deca-.
dência da producao aurIfera.
Podemos concluir afirmando que, já na primeira década do
século XVIII, havia nas minas, além do necessário, tarnbém o
supérfluo. Os mineiros tinharn a sua disposicao não so gêneros de
primeira necessidade, como artigos para o regalo pessoal e para
as ostentaçöes de pompa.
O aparecimento de nücleos produtores rás miriag
entravado por dificuldades de três ordens.
Abordarernos primeirarnente as dificuldades de ordem psico-
lógica: o ouro atraIa todas as atençöes, condensáva todas as ativi-
dades, pela ascendencia que exercia sobre os espiritos ambiciosos r
que acorreram as Gerais Somente no caso de have absoluta im
possibilidade de explorar uma lavni é que sè pehsia eM outrás y
ocuacöes.
Dificuldades de ordem juridica obstaram tambem o apareci
mento de manufaturas e mesmo de algumas lavouras, como por
exemplo a da cana-e açucar A Metropole, avida de ouro, sequlo-
sa de quintos, procurava concentrar todas as possibilidades de
producão dos habitantes das Gerais na indüstriá rnineradorä.
Alem disso, havia urna politica consciente no sentido de manter a
Capitania das Minas em estado de dependência econômica para
auferir os direitos de entrada.
' Antoiiil. Oft. cit., p. 217. Outra barreira que se opôs ao desenvolvimento dos nücleos
210 Os NUCLEOS DE PRODUcAO NAS MINAS OS NUCLEOS DE PRObUcAO NAS MiNAS i1
de producão agrária foi de ordem geologica: a pobreza dos solos mero de bracos da indüstria extrtiva para as rocas. Produziáhi,
na região das lavras. assim, para a própria subsistência e para o sustento dos seizs !ä
Apesar de todos esses obstáculos, as dolorosas crises de fome miliares e escravaria. E, havehdo sobds, negociavam-nás.376
que flagelaram os prirneiros povoadores das lavras e a alta do No início da mineracão, a atividade orientada para a agrictil-
preco dos alirnentos e utilidades fizeram corn que muitos deles se tura era uma excecão tIrnida e absolutamente insuficiente. Multos
dedicassern aos labores da terra, a prática dos diferentes oficios, a anos decorreram antes que a zona das lavras adquirisse relativa
producão de manufaturas on ao cornércio. auto-suficiência.
Poucos se sentiam atraIdos por essas atividades tao pobres de A extracão aurIfera era absorvente; Enquanto a producão do
emocão, ofuscados corno viviarn pelas promessas mirabolantes das ouro foi abundante, não houve margem para o aparecimento de
minas. Todavia, nem todos podiam lavrar ribeiros. Para receber-se uma agricultura ponderável on de uma pecuária intensá. A agri-"
uma data de terra aurIfera, era preciso preencher umas tantas cultura, no apogeu do ouro, não poderia desenvolver-se, jorque
condicöes: possuir certo rnimero de escravos e avultados capitals, nab podia disputar corn as minas na compra de escravos. 0 mi-
para comprar os gêneros para seu sustento, e as ferrarnentas, para nerador pagava pelo negro precos que o roceiro não alcancava.
movimentar Os servicos. A pecuária não apareceu na zona propriarnente mineradora
A inexorável realidade obrigou que se estabelecesse entre os da Capitania das Minas Gerais, em virtude da irregulariclade do
habitantes das minas uma natural divisão de funcoes: enquanto a relevo. Os currais foram lentamente penetrando na capitania es-
rnaioria lavrava os ribeiros, algu se dedicavam ao artesanato, ou- praiando-se pelos campos contIgaos ao São Francisco; como null
tros ao comércio, a abertura de roca, etc. Por vezes, a mesma pessoa prolongamento natural da pecuária baiana.
exercia duas ou mais atividades. E não eram apenas os mineradores A governanca lusa teve tom relacao ao abastecimento das
que enriqueciam; A fortuna bafejava os de maior iniciativa e capa- Gerais uma polItica indecisa. Procurou debilmente. criar nas in!-
cidade, não influindo no enriquecimento a natureza do trabalho. E nas urn ambiente de normalidade; tentou livrá-las do flageld dos
disto nos dá sen valioso testemunho Artoni1: precos exorbitantes e das crises de fome.
Corn esse Em fomentou a formacão de urn cinturão pectia-
corn isto não parecerá incrivel por farna constante rista em torno dos terrenos aurIferos, distriblindo terras em ses-
se conta haverem ajuntado em diversos tempos assim huns maria aos que se obrigassem a instalar currais. A esse respeito,
descobridores dos Ribeiros nomeados, como huns mais afortu- escreveu Pedro II de Portugal ao governador da Repartição Sul,
nados nas datas; e tambem os que mettendo gado e negros D. Alvaro da Silveira e Albuquerque, em 7 de malo de 1703:
para os venderem por major preco e outro generos mais pro-
curados, on plantando ou comprando rocas de milho nas "Para que essa Capitania e as mais do Sul abundem em
minas se foram aproveitando do que outros tiraram."375 gados e se possdo prover corn elle as minas, sem Ihes ser
necessario abrir possa [sic] dellas para a Bahia, e se evitarem
Os prirneiros a estabelecer plantacöes em tomb das lavras Os descaminhos que desta comunicação podem rezuttar dos
foram os ricos senhores de muitos escravos que, forcados pela
carência dos gêneros on pelos altos precos, distraIrarn certo nñ-
376
Antonil disse que Baltasar de Godói, de rocas e catas, ajuntou 20 arrobas
de ouro. Disse tambérn que Francisco do Amaral, negociando corn negros e man-
tirnentos e Javrando os ribeiros, acumulou mais de 50 arrobas de ouro. (Op. cit.,
Antonil. Op. cit., p. 222. p.222.)
OS NUtILEbS bE iobUcAo NAS INA.
212 Os NÜCLEOS DE PRODUAO NAS MINAS

Essa ordem régia, toaavlai no foi ciLimprida corn o fiO &64-


quintos de ouro. Me pareceo ordenar-vos deis de Sesmaria a
major parte que vos for possivel das terras dos campos das do. Foi preciso reforçá-la aos 12 de junho de 1743.
0 Dr. Teixeira Coelho observou drte, a despeito dessas ids
minas que se extendern para a parte dessa Capitania ate
proibitivas, multiplicaram-se de tat modo os engenhos 4ue, ao
junto a serra dos orgãos a que mais perto for do Rio de
tempo em que escreveu sua "instrücão", rara era a fazenda, ainda
Janeiro, corn obrigacao de cada hum dos donatarios por
curral de gado dentro de dous ate tres annos no sItio que se. que pequena, onde gao houvesse producão de aguardente.575
the der por se entender que corn a fertilidade destas terras E que, não obstante as proibicöes, os lavradores recortiam ao
rei, invocando a seu favor o argumento dc não terem mihas de
abundarão essas capitanias em gados e a Fazenda Real terá
ouro em que empregar seus escravoS; oii então alegavam estarem
hum grande lucro nos dizimos...".377
suas terras cansadas para outras culturas, so permitindo os cdna-
viais. Dentre os manuscritos inéditos do Arquivo Pübl!co Mirteiro
Tais sesmarias foram distribuIdas em profusão, como nos pro-
ha numerosas peticöes ao rei, solicitando licenca para erguér en-
yam as cartas de doacöes existentes no Arquivo Püblico de Minas
Gerais, mas a abundância em gados tardou a patentear-se.378 genho, apoiadas naquelas alegac6es.380
A polItica metropolitana não encarava de frente o problema
alirnentar da Capitania das Minas. As proibicoes de comerciar Dr. Teixeira Coelho. "Instrucão...", cit., p. 453.
corn a Bahia, por exemplo, dernonstraram sobejamente que a Co- 380A tItulo de exemplo, apresentamos a peticão de Antonio da Rocha Limá e
seus irmãos:
roa considerava mais grave o problerna da evasão dos quintos do que "Diz Antonio da Rocha Lima e seus irmãos Francisco da Rocha Lima
as crises de fome que atormentaram as populacoes mineiras. e Joao da Rocha Lima, moradores no Ribeirão da Mata de N. Sta. da
Quanto a producão agrIcola, a Metrópole tambérn impediu o Conceicão do Sahara que elles Suplicantes fizerão huma fazenda que V.
Mage. Ihe havia feito mercê de Sesmaria hum Engenho pars moer canna e
desenvolvimento das areas de cultura, vedando o exercIcio da fazer assucar e aguas ardentes em que tern feito gastos excessivos não so em
mais lucrativa, que era a da cana-de-açücar. No comeco do século tirar agoas para a dito Engenho mas também em plantar cannas corn muita
XVIII, rnuitos engenhos foram erigidos na região aurIfera e em- grandeza, cortar madeiras para a fabrica delle e conducOens deflas e outras
varias para as despesas consideraveis para o dito Engenho o que tudo
pregados sobretudo na destilacão da aguardente de cana. A Go-
consta evidentemente dajustificacão incluza. E porquanto fizerão os Supli-
roa, atendendo ao fato de que essas lavouras ocupavam grande cantes todas estas obras e despezas antes de chegar aquellas Minas a reso-
nuimero de bracos que podiam empregar-se, corn maiores lucros lucão Real d V. Mgde, pela qual prohibe erigirence engenhos de novo
para os quintos, na extracão do ouro, e considerando também nellas, scm preceder primeiro licenca especial de V. Mage. e ji os Supli-
cantes havião feito as despezas referidas e necessitão agora novarnente de
que tais fábricas concorriam para a perturbacão do sossego pübli- confirmacão de mercé para a continuacão da fabrica do dito Engenho por
co, pelas desordens provocadas por negros embriagados, proibiu, não haver naquella paragem Minas de ouro em que possOo os supplicántes
em 18 de novembro de 1715, a instalacão de novos engenhos. 0 ocupar as seus Escravos para pagamento dos quintos de V. Mage. Pedem a
V. Mage., ,e faca mercê da confirmacão da graca pedida atendendo a
prejuIzo que o consumo da aguardente nacional causava aos for- concideravel despeza que os Suplicantes tinhão feito no dito Engenho an-
necedores de aguardente do Reino corn certeza não deixou de ter tes de chegar a Resolucão real de V. Mage. aqudllas partes e não teem em
influência nessa resolucão. que ocupern os seus Escravos pois de o não consegufrem recebens os
Supplicantes grande damno e prejuizo em suas fazendas e ser a dito En-
genho feito dentro da fazenda delles Supplicantes de que V. Mage. ihe
havia feito mercê Sesmaria. E.R.M." Ms. inédito do Arquivo POblico Mi-
177
Ms. do Arquivo Nacional, "Colecao Goverriadores do Rio de Janeiro", vol. neiro, cOdice 10, p. 80. Ao rei, por carta régia de 15 de abril de 1746, foi
XII, p. 122. servido "deihe confirmar novamente a mercê de poderern continuar na
Numerosas cartas de doacão de sesmaria foram publicadas na RAPM, fabrica de dito Engenho attendendo a resOes que alegão...... Ibidem.
vol. 1, p. 755 C ss.; vol. III, p. 29 e SS. vol. IV, p. 845 e ss.
)
-
'I

)
o NULkO D kciiAd MA
214 Os NUCLEOS DE PRODTJcAO NAS MINAS

) E não era raro o rei atender as solicitacoes. das e sobretüdo pant que não se desvliissëm braços da rhineracão.
Assim, corn a muttiplicacão das rnercês, continuaram a propa- E o que observamos nas ins[ktçôes dads k0 Mak1iili i€ 4e10 e
gar-se os engenhos. Castro ao Visconde de Barbacetia:
Teixeira Coelho reprovou tal atitude da Coroa; assinalando a
quantidade de engenhos e engenhocas disseminados na Capita- "E alem de tudo o que fica referkid é indiseh-
) ma das Minas Gerais, considerou que os prejuIzos causados por savelmente necessario que a capitania de Minas e conserve
essas "fábricas" eram evidentes, porque os escravos que trabaiha- em alguma dependencia das outras capitanias, pelo que
)
yam nelas podiam empregar-Se corn major van tagern na eXtraçãO respeita ao seu consumo e giro do seu comercio; porque de
) do ouro. Alérn disso, embebedavam-se corn a aguardente por elas outra sorte se acabaria a comunicacão entre ellas e se cx-
produzidas, causando mil disthrbios. tinguiriam as mutuas vantagens ue reciprocamehte se
1 0 autor da I nstrucão Para o Governo da Capitania das Minas dem prestar umas as outrás... "P383
)
I Gerais" era de opinião que na citada capitania somente deviarn
) A despeito de tudo, as Gerais foram paulatinamente marchan-
ocupar-se os povos no trabaiho das lavras e na cultura dos gênerOS
) indispensáveis ao seu sustento; as aguardentes deviam ser produzi- do para a auto-suficiência. A decadência do otiro foi acauspin-
das nas capitanias onde não havia ouro (São Paulo e Rio de Jane'- cipal do desvio de atividade dos habitantes das Gerais da indüstrl
ro); assim animava-se o comércio, cresciam os direitos das entra- d}ia para apecua itt it as
) Na j egi o das lavrasmuttiplicaram asplantacoes.
das, e se a pinga custasse mais caro aos mineradores, meihor seria,
) porque se evitava a freqüente embriaguez dos negros.38' As minas agpnizantes passaram a apoiar-sii Iãvciir que, èxfiáii-

Rodrigo de Meneses, em sua "Exposicão Sobre o Estado de
Decadência da Capitania, de Minas Gerais", expendeu opinião haviã
contrária. Bateu-se pelo levantamento da proibicão de erguer en- — As plantac6es que apareceram nessa segunda metade do se-
genhos novos, dizendo que: tecentismo cram bern diferentes daquelas primeiras roças do mi-
I do do século, que so se improvisavam pelo recek de moeI cie
"... huma Sesmaria depois de ter abundantemente dado fome.
milho alguns annos fica totalmente infrutifera e incapaz de A medida que d crescia orendinento das lavrhTaem
) importâncijricu1tura ampliavam-se as areas de plantacão,
outra producão que não seja a das canas de assucar, por
cujo meio se pode tirar dellas hum partido concideravel."382 que avançavam, cada vez m i paraaZona da mata.
CpistranodTj2feU no ii a relação es eita
A diretriz do governo luso, porém, era, por princIpiO, anta-
)
gônica ao pensarnento de Rodrigo de Meneses. Visava conservar a
Capitania das Minas em estado de dependência corn relação as
"Desenganada do ouro, a populacão procurou outros
) outras, para que o real erário lucrasse corn os direitos das entra-
meios de subsistência: a creacão de gado, a agricultura de
cereais, a plantacão de canna, do fumo, do algodao; coth o
381 Dr. Teixeira Coelho. "Instrucão para o Governo da Capitania das Minas
Gerais", in RJHGB, vol. XV, p. 453. • Martinho de Melo e Castro. 'Instrucöes para o Visconde de Barbacena",
) 382 "Exposicão do Governador D. Rodrigo César de Meneses
sobre o estado
de decadéncia da Capitania de Minas Gerais", RAPM, vol. II, p. 317. PJHGB, vol. VI, p. 47.
)
)
)

/
ft 216 Os NÜCLEOS DE PRODUcAO NAS MINAS Os NUCLEOS bE PRODUcAO NAS MINAS 217
3 tempo avultou a producao ao ponto de crear-se uma indüs- Lavoira, sendo para este fim deputada aquella porço dc
tria especial de transportes, confada aos históricos e honra- escravos que for nece9s2iriá."587
I
dos tropeiros."384 -
)
Assim, as minas pobres passararn a ter perlodos aternádos de
J. M. Siqueira, em sua "Memória", associou também os dois atividade e rpouso, correspondlentes as fases de vidA agráHa iiiái
) fenômenos: ou menos intensa.
Ao lado da decadência do minério aurIfero, outros tatores
"Estão as Minas cansadas; os seus jornaes ja nao co- concorreram para impelir os mineiros a prática da agricultura: a
) alta dos precos dos gêneros; o menor dispêndio de ferramentas; o
brem as despezas do ferro, asso, alimento e vestuario dos
3 escravos e porisso o mineirojá desesperado se passa a lavra- menor desgaste de escravos; a economia de pólvora, e a malor
II dor on creador de gado on erije hum engenho d'aguar- seguranca de rendimento.
I dente e assucares... ". E o que depreendemos da leitura do relatório de Joaquim
_1
Veloso Miranda:
) Muitas vezes, entre a lavra e a plantacao, estabeleccu-se uma
) espécie de simbiose. Os proprietarios de rocas, passada a época da ... este aumento de precos nos géneros mais fácçis evarn
colheita que é a mais ativa do ciclo agrIcola, aproveitavarn na todos para promoverem seus interesses qüais sao os da ágrl-
I cultura.
mineracão todos os negros que a lavoura podia dispensar.
I PossuImos vários testemunhos da reparticão da mão-de-obra "Neste gênero de trabalho acham mais sguancá,
entre os dois tipos de atividade, entre des o do Dr. Teixeira Coe- ainda que pouco interesse. Poupam mais do quádrup!o de
ferro e aco e não despendem pólvora 11388
Iho, que constatou o fenômeno, nestes termos:

'0 que dificulta mais o trabaiho nas lavras é a falta de No mesmo relatório de Veloso Miranda, temos dados sobre o
escravos que são divididos em partes: uns cuidam das roças, meihor e o major aproveitamento dos escravos ha agricultura:
outros das lavras.
"Os escravos, ainda que veihos, dão serviço conidert-
'Por essas causas hoje os mineiros são apenas faiscado-
vel [na agricultural o que nao acontece nas minas, onde são
res que pouco proveito tiram de suas lavras."386
I precisos homens de grande forca para poderem suportar
urn servico rude. Expostos, alem disso, aos vapores e exala-
José Elói Ottoni testemunhou que:
cöes minerais e a uma continuada humidàde, o 4uè tdd o e
tao contrário a saiide, como s sabe."389
"... antes da apuracão do oiro, que nos grandes servicos so-
mente se faz depois de hum anno e mais de trabaiho, vão os Na "Memória" do Dr. José Vieira Couto temos a confirmacão
) Mineiros cobrindo as suas dizpezas corn os generos da
Si

17 José Elói Ottoni. "Memória sobre o estado atual da Capitania de Minas

I Capistrano de Abreu. Capliulos da história colonial do Brasil, p. 210. Gerais", Anajs da Biblioleca Nacional, vol. XXX, p. 309.
I
"Mernória" de J. M. Siqueira, apud S. Buarque de Holanda. Moncoes, m8 Relatório dejoaquim Veloso Miranda, apud Augusto de Lima Jr. A Capi-
p. 224 tania das Minas Gerais, p. 132. -
386
Dr. Teixeira Coelho. 'Instrucão....., cit., p. 1073. 389 Idem. Ibidem, p. 135.
)
)
)
218 Os NUCLEOS DE PRODtJcAO NAS MINAS 0A NUCLOS DE PkODUtAO NA MNAS 0
do menor desgaste de escravos nos trabaihos agrIcolas. A esse nuos, preferia a aventura da lávra, 4ue podh entkjiieèê-lo da
respeito escreveu ele que "urn mineiro que tern cern negros, no noite para o dia, a agricuttura pacàta.
fim de dez annos, flO Os reformando, não terá sinão cincoenta 'Muito tempo levou para aprender que mais valia a següranca
ou pouco mais, perdendo annos por outros urn em cada vintena, modesta proporcionada pela lavour do que promessas mirabo-
e as vezes, em cada quinzena e os outros cincoenta que ]he restam !antes das !avras. Muitas veze o dono de p!antacöes e dé minas,
estão corn inenos nrna sexta parte da vida; a mortandade entre a numa obstinacão inexplicável, empregava todo o produto de suàs
escravaria do roceiro não é tamanha e este tern o cuidado de a ir lavouras em pesquisas inüteis, em terrenos que se recusvam a
renovando e augmentando corn casaes".39° oferecer metal.
Constatamos ainda a existência de urn outro fator, explicando a agricu!tura triunfoL\'
transformaçao da vida econôrnica na Capitania das Minas Gerais: 0 e -na primeia metad d setecentismo, quando a mine-
fator seguranca. Encontrando-se as minas quase esgotadas, a indüs- racão ia em pleno fastIgio, a agricultura não podia concorrer
tria extrativa tornou-se incerta, quase uma aventura, ao passo que a corn as Iavras na cornpra de escravos, mercê dos altos precôs
lavoura significava lucros modestos, porém seguros. ditados no mercado da mão-de-obra pea abundância do ouFo,
Valiosa prova documental possuImos, ressaltando a importân- no ültimo quartet do setecentismo, decadente a mineráão
cia do fator seguranca na mudanca da atividade dos mineiros. E e sendo muitas jazidas abandonádas por improdutivas, houve
uma carta da Câmara de Vita Rica, datada de 5 de agosto de 1789, abundância de escravos a baixo preco, para abertDra das !á
na qua! se
Eschwege, no seu Pluto Brasiliensis, mostra perfeitamente a
"Convencidos os homens pela experiencia do pou- transicão de muitas regiöes das Gerais, de mineradoi'as ara ará-
co proveito da mineracão que porventura não ihes sub-mi- rias e pastoris.392
nistra corn que, sem contrair novas dividas, se procurern o Ao findar o sécu!o X\TIII, era tao grande o nümero de habi-
mais temporado alirnento, vão pouco a pouco desern- tantes da Capitania da8 Minas Gerais, que se dedicavam a agricul-
parando este penozo e para os agentes infrutifero exercicio tura, que, na "Memória" do Dr. José Vieira Couto, ha urn capItulo
ao qual substituem o da lavoura, por onde não aspirando a intitulado: "Consideracão sobre as duas classes mais importántes
grandes opulências, ao menos se eximem de perecer de de povoadores desta Capitania, como são as de mineiros e agFicul-
forne."39 ' tores e maneiras de os animar."595
E, descrevendo-as, assim se expressou
0 fator seguranca dernorou a impor-se na sociedade minera-
dora, talvez por ter eta se originado de homens aventureiros e "Duas classes ha de gente nesta Capitania, que curva-
ambiciosos que foram para os sertöes de a!ém-Mantiqueira aca- das sobre a terra, drain d 'ella sua subsistencia: uma reme-
lentando sonhos de enriquecimento fácil e rápido. xend'sua superficie e revezando suas plantacôes e coihei-
Custou ao minerador convencer-se de que as minas estavam tas, subministra a sustentacão e mantenca dos povos, os ma-
se esgotando. Apesar das duras licöes sofridas, dos prejuIzos cond- teriais para as artes e para o cOmercio: outra penetrando
muito mais abaixo d'esta mesmä superficie, desapparecendo
311
Vieira Couto. "Memória Sobre a Capitania de Minas Gerais", PJHGB,
vol. CXXV, p. 421. 392
Eschwege. Op. cit., p. 629.
' In RAPM, vol. IV, p. 789. 391
José Vieira Couto. Op. cit., p. 77.
) i 220 Os NUCLEOS DE PRODUçAO NAS MINAS ikJA i
-
OS NUCLEbS bE ?RbDiJcAO NA
)
entre o numero de seus habitantes e soterrando-se pelas mineado, coils-
- A respeito d pjtantl, reão de
entranhas dos montes, arranca destes outro genero de sfdhiiadb etñ rëâd F1I co ib
tamos que também ha4ã se
I queza...".394 agu~ft1ëñé de c-
ültimo quartel do século XVIII. Prddiizia as
na de "primeira estimação em tôda a Capitahiá".398 0 atiior cia
0 cultivo do algodao, da cana-de-acücar, do tabaco, do liriio
I) e dos cereais tomou grande vulto. "Descricão Geográfica, Histórica e PolItica da Capitania de viinas
Gerais" confirma a aita cotacão em que era tida a aguardente de
Nos ñltirnos anos do setecentismo, muitas regiöes que haviam
Pitangui e ressalta a excelência de seus açücares nos seguintes
sido mineradoras haviam enveredado francarnente para a vida
rural. Isso aconteceu corn a região de Sahara, Paracatu, Minas termos:
Novas, São José del-Rei, Mariana, Pitangui e outras.
"As aguardentes de canna que se fazern nas visinharias
Falando sobre Mariana e a Comarca do Rio das Mortes, disse o
de Pitanguy são as mais noineadas em todas as minnas e as
autor da "Descricão Geográuica, Histórica e PolItica da Capitania de
de que usam a major parte de seUs povoadores; igiial sin-
Minas Gerais" que, por "serern bastante abundantes de mattos, em
) os quaes fazem roças em que plantam toda a qualidade de sementes gularidade em assucãr fabricado nos mesmos enenhos e
- I e por essa razão e a grande producao que experinientam os lavra- conduzidos por vários negociantes ue cotismani vendë-to
pelas comarcas vizinhas."3°
dores ordinariamente, não passam os precos de $405 o alqueire de
)
farinha de milho; o de mandioca $600; feijão $450; arroz $900 o
Pitangui também produzia algodão de notavel qualidade. °
alqueire; toucinho a 1$800 a arroba; queijos a 1$200 a duzia, Os
quaes somente se fabricarn na Comarca do Rio das Mortes".395 Na Comarca do Serro Frio, onde outrora fora intensa a indüs-
tria extrativa, ao findar o século setecentista, haviá abundâñcia de
Sobre a penetracão da agricultura na zona mineradora de
I milho, feijão, arroz e cana-de-açücar.40'
Sabará, temos como prova documental o legado testainentário de
A região de Minas Novas foi invadida pela expansão algodoei-
dc as fazen-
das deJaguará, Vargem Comprida, Mucambo, Riacho d'Arita, Pau ra que empolgou di,ersas regiöes do Brasil, no fim do século
de Cheiro, Melica, Forquilha e Barra do Rio de Melo, todas na XVIII. As cidades de Fanado, Agua SUja, São Dom ingos e
da passaram a exportar algodao em quantidade.°2
Comarca de Sabará. Essas fazendas foram doadas a instituiçöes de
Interessante foi a evolucão econôrnica da cidade cie Ski
caridade e, como se verifica pelo instrurnento de doacão, eram
Joao del-Rei. Seu povoamento teve inIcio corn as fazeridás de
perfeitamente montadas, corn bons maquinisrnos para os diferen-
cultura e criacão, estabelecidas as margens do rio das Moites.
tes misteres agrIcolas, corn escravaria e muitas cabecas de gado de
\diferentes esp6cies.396 Foi região agrIcola pastoril ate o momento em que Tome
Portes del-Rei, que aI se estabelecera corn gado e piantãcoes,
Outras provas docurnentais existem que nos permitem consi-
) denir a Comarca de Sabará invadida pela agricultura, no fim do descobriu &iro neste rio. 11esde então a cidade se desenvolveu
em função das lavras. teve sua época mineradora e retornou, no
) setecentismo. Seus principais produtos cram o milho, o fejjão,
- arroz, o açücar e a aguardente de cana.397

) Ibidem, p. 459.
311
Ibidem. 399 RJHGB. vol. LXXI, p. 149.
- "Descripcao geographica, historica e polica da Capita nia das Minas Ge- 400 Ibidem, vol. XXXII, p. 149.
vol. LXXI, p. 140.
' RAPM, vol. II, p. 459
396
RAPM, vol. II, p. 12. Ibidem, p. 368 e 452. - 402
Caio Prado. Fcrinacdo do Brasil Contempordneo, p. 146.
)
III Os NUCLEOS DE PR0DUcAO NAS MINAS Os NUCLEOS DE pRODUcAO NAS MINAS 223
)
) fim do seculo a econornia agricola e a pecuaria pecana foi outra atividade que se lntenslfi?oti e
São João e São José del-Rei produziam arroz, feijão, trigo, )prosperou'amedildaque decala a jrdiic.o dirIfèra ri Citih!
) -Minas Gerais.
milho, bern como gado suIno, bovino e seus derivados: laticInios,
1 queijos, manteiga, toucinhos, etc .401 A região das lavras, sendo muito acidentada e desprovida d6
Outra lavoura que se desenvolveu na Capitania das Minas pastagens, não permitia a criação de bovinos nas suas cercardas.
Gerais, nessa época, foi a do fumo, notadamente nas vizinhancas Urn dos primeiros nücleos de producão de bovinos a aparecer nas
de Baependi, Airuoca, Pouso Alto e Carrancas.404 Testemunha vizinhancas das cidades mineiras foi o Curral del-Rel, localizado
desenvolvirnento de tal lavoura o Dr. Teixeira Coelho, que alias no sItio onde se encontra Beló Horizonte. E possIvel que oiitros
I desaprova seu incremento: pequenos currais tenham surgido na zoha aurIfera, mas o jasto-
reio so poderia ser efetuado em pequenIssima escala, por causa
r "0 mesmo digo quanto a foiha de tabaco, a que cha- da natureza dos terrenos.
ma fumo, a qual devia cultivar-se sômente nas capitanias Durante muitos anos praticarnente foi o porco o (Inico animal
do Rio e de São Paulo e não em Minas, porque o grande criado nas vizinhancas das catas. 0 suIno não exige pastos exten-
nurnero de escravos que se emprega neste exercicio, p0- sos. Por isso, era criado em qualquer nesga de terra, ate nos quin-
)
dia empregar-se na extracção do ouro, em utilidade do tais dos sobradöes de Ouro Preto, Sabará, São João de1-1ei, Ma-
real quinto e dos direitos das entradas, que se pagam nos riana, etc.407
) registros.11405 As deficiências do abastecimento de came bovina, no início
da era mineradora, fizeram corn que o porco se tornasse urn
A agricultura estava tao desenvo!vida que seus frutos não so animal doméstico estreitamente ligado a sociedade mineira. Suä
bastavam para o consumo dos habitantes da Capitania, rnas tam- came tornou-se a base da alimentacão e seu lombo tornou-se o
bern havia sobras para a exportacão. prato tIpico da cozinha mineira, cornpletado pela couve, que me-
A Coroa metropolitana, que ate o fim do seculo so se preo- drava tambérn no fundo dos quintais.
cupara corn a rnineracão, voltou a atencão para a atividade agrá- Alimentados corn os restos de cornida, os suInos viviam paca-
na, recomendando ao governador da capitania que procurasse tarnente nos patios das casas, dentro das cidades. Em escala urn
introduzir nela o uso dos bois e arados para o cultivo das terras, pouco rnaior, eram criados em pastos pobres, irnprestáveis para o
) assim como o rnodo de queimar as canas depois de moIdas, esta- boi, mas suficientes para o porco, porque este se alimenta princi-
belecendo prêmios para os que pnimeiro introduzissem aque- palmente de milho.
!e uso.406 0 autor do "Roteiro do Maranhão a Goiás" insurgiu-se contra
o grande consumo de came de porco pelos povoadores !as Mi-
) nas, porque a criacão de sulnos, exigindo uma atividade agrIcola
paralela, qué a criação do milho, desviava grande nümero de
)
escravos da mineração, concorrendo assim para o menor rendi-
rnento das minas c conseqüente diminuicão dos quintos.408
) 403
"Memória histórica da Capitania das Minas Gerais", RAPM, vol. II, p. 478.
404
Caio Prado Jr. Forinaçdo do Brasil Contempordneo, p. 72.
Dr. Teixeira Coelho. "Instruccão ....., cit., p.454.
406
Xavier da Veiga, in Ephemerides Mineiras, vol. I, p. 17, registra uma ordem 7Miran de Barros Latif. As Minas Gerais, p. 105.
40

nesse sentido, datada de 4 dejaneiro de 1798.


. "Roteiro Anônimo do Maranhão a Goiás", RJHGB, vol. 99, p. 99.
408
224 Os NUCLEOS DE PRODUAO NAS MINAS OS NUCLkOS b 1'RcbccAO NAS it'JAs 2S
A medida que avancava o século XVIII, mais intensa se fazia a Janeiro. 0 autor do "E.oteiro do Maranhão a Goiá" whsigiiacpie
criacão de suInos, que não so atendia as necessidades dos habitan- desde o ano de 1765 já descia gado clas terra's minei!'as para a
tes da Capitania das Minas, mas também permitia a exportacão de consumo dos habitantes do Plo de Jáneiro.412
carnes salgadas e toucinho para o Rio de Janeiro.40° 0 Dr. Teixeira Coelho, discriminando a producao mineira,
o gado bovino foi aparecendo pas minas em conseqüência da pl-
mencionou a abundância de carnes de porco e dc vaca, vendi-
polItica usual da Metrópole de conceder sesmarias, corn a obriga- das a baixo preco, sendo o custo ordinário das prirneiras entre
cão de iristalar currais. Essa medida, entretanto, não foi suficiente 75 1/2 ate 55 réis e o das segundas 20 réis e as vezes menos.4u
para povoar de gado a Capitania das Minas. Durante muito tempo
viveu a capitania na dependência dos fornecimentos de boiadas
que entravarn nas minas pelo camiriho do sertão baiano. Foi so
quando a mineração já estava decadente, na segunda metade do
No setor da pecuária, destacava-se também a produ-
século XVIII, que a pecuária ganhou impulso em Minas Gerais. çãø de muares. A criação de bestas de carga, dentro das fronteiras
o setor forte da capitania foi-se deixando infiltrar pelos cur- da capitania, permitiu, corn o tempo, dispensar as bestas de cra-
rais que subiam lentamente o São Francisco e essa região se tor- cão platina.
nou urn prolongarnento natural da zona sertaneja baiana. Ha vários documentos assinalando a auto-suficiéncia das mi-
Em sentido contrário, descendo o rio São Francisco e alguns nas na producão de muares. Urn deles é o oficio de D. Luis
de seus afluentes, como o rio das Veihas, ia ganhando terreno a Antonio de Sousa, dirigido ao Conde de Oeiras, dajado tie São
expansão do gado, levada a efeito por famIlias do planalto paulis- Paulo, em 5 dejaneiro de 1768, que diz:
ta, aI radicadas.41°
Corn o tempo, todo o vale mineiro do rio dos "Currais" foi "0 negocio da passagem dos anirnais de, Curitiba e
tornado pela criacão intensiva de bovinos, bern como as regiöes Viamão foi o mayor que tern havido nesta Capitania, e ao
marginais de seus afluentes. mesmo tempo o mais util aos Registros de S. Mage pelos
o sul de Minas (vale do rio Grande, do rio das Mortes, Sapp- direitos que nelles costumão pagar os animais que sahem
cal e Verde) também foi ocupado por fazendas de criacão, onde daquelles Districtos para toda a parte das Minas, mas hoje se
se praticava o pastoreio de forma intensiva. acha o dito negocio totalmente arruinado e decadente pelo
A região de Paracatu, de passado minerador, também se tor- grande nümero de estabelecimento de fazendas de rkicão
nou pecuarista, sendo, depois da Comarca do Rio das Mortes, a que se tern fundado em os caminhos das Minas ...................
zona que mais produzia gado, na capitania, exportando-o para o
Rio de Janeiro.41 ' e os Registros vão evidentemente em decadenèia. 0 reme-
o rebanho mineiro, corn o tempo, tornou-se não somente dio que se ihe pode darjá vay hum pouco tarde por estarem
capaz de abastecer de came as cidades da capitania, mas ainda mui adiantados os estabeecimentos daquella qualidade • e
pôde fornecer reses para o suprimento dos habitantes do Rio de fazendas por toda a pane, e especialmente em Minas..."•414

11 "Memória", de J. M. de Siqueira, apud Sergio B. de Holanda. Moncöes,

p. 221.
"Roteiro....., cit., p. 93.
'° Alfredo Ellis Jr. "Boletim nQ 3", cit.
4!! Caio Prado Jr. Formacdo do Brasil Gontempordneo,
413 Teixeira Coelho. "Instrucão....., cit., p. 260.
p. 74. 414 Docurnentos interessantes, vol. XIX,
p. 45.
)
)
) OS NUCLOS DE PRODUçAO NAS MINAS 27
226 Os NOCLEOS DE PRODUcAO NAS MINAS
capitais em outros mistere qu nâo tosse o da exEfacab do mfrté-
Martinho de Melo e Castro, na sua instrução ao Visconde de
I rio aurIfero.
Barbacena, corrobora o depoimento do Morgado de Mateus:
Con tudo, a vigilânc!á ciumenta da governanca lÜsá não pode
/
obstar o desenvolvimento das inanifaturas nas Gerais e duas !hdüs-
"Uma das vantagens que o Rio Grande de São Pedro
) trias tiveram particular incremento: a siderurgia e a tece1agtm.
tirava, e creio que ainda Lira, posto que em muito menor quan-
0 aparecimento das forjas que produziarn as ferrarnentas de
tidade, de Minas Geraes, é a da introducão das bestas muares;
que as minas tañto necessitãvam, foi a conseqüéncia lógica do
I e bern se ye o quanto aquella fronteira é digna da nossa
entrosarnento de vários fatores: a abundância do minério rico em
attencão e cuidado, para alli Ihe procurarmos todo o beneflcio
ferro nas formacöes geologicas da capitania; a presenca do escra-
e socorro: estabeleceu-se porern em Minas, depois de alguns
vo mina que trouxe da Africa nocöes de siderurgia; os altos precos
anos, a creação das bestas muares, que de nenhuma sorte se
do ferro e das ferramentas importadas, os quáis chegavam as Ge-
devia ter consentido; e se estas, por serem do paiz não pagam
rais sobrecarregados pelo transporte custoso e onerado por infini-
direitos e as do Rio Grande, por serem de fora, os pagam, além
dade de taxas e direitos.
das mais despezas de conduccão e passagem, o resultado será
As forjas foram surgindo discretamente em quase todas as
que não podendo estas entrar em concurrencia corn aquellas
cidades mineiras. Lentarnente foram se multiplicando, incentiva-
) dentro de breve tempo se acabará este ramo de commercio
da essa multiplicacão pelo enorme consumo.
entre as duas capitanias, corn grave prejuizo do Rio Grande e
Rodrigo de Meneses propôs a Coroa que estabelecesse uma
igualmente da real fazenda."415
"fábrica" de ferro nas minas, considerando que "se em tôdá a
parte do rnundo he este metal necessrio, em nenhuma o he mah
) A Capitania das Minas Gerais não so se tornou auto-suficiente
que nestas minas......
no tocante a producão de bestas de carga, mas também passou a
Finalmente, em 27 de maio de 1795, foi expedida uma Ordern
exportá-las Para outras regiöes. Vilhena, em sua Recopilacdo de No-
) régia ao Visconde de Barbacena permitindo a producão de ferro
tIcias Soteropolitanas, constatou a exportacao de muares Para a
no Brasil.418 Essa ordem, corn relacão as Minas Gerais, não signifi-
Bahia.416
cou senão o reconhecimento do status quo. I
Tarnbém a indtistria téxtil começou modestarnente nas mi-
nas, Para, corn o decorrer dos anos, adquirir notável importância.
A indtistria de tecidos tinha como fundarnentos as plantacöes
Qianto as manufaturas, sabernos que sua evolucao
no Brasil colonial foi entravada por toda a sorte de obstáculos
de linho, algodao e alguns rebanhos de carneiro. 0 linho vicejava
nas margens do rio Grande, nas margens do rio das Mortes e nas
criados pela Metrópole que timbrava em manter nossa econo-
irnediacöes de Barbacena. 0 algodão era cultivado intensivámen-
mia na dependCncia de seus fornecimentos. A situacão nas Gerais
) te na região de Minas Novas e nas cercanias de Paracatu; mas, em
era mais grave ainda do que nas demais Capitanias; se em todas
todas as parts da Capitania das Minas, havia pequenas plantacöes
) elas se visava, corn as restriçöes industriais, proteger as exporta-
de algodão e algumas cabecas de carneiro, suficientes Para forne-
cöes metropolitanas, no caso particular da Capitania das Minas,
havia ainda a preocupacão de evitar-se a aplicacão de bracos e
) 417 Rodrigo de Meneses. "Exposicão sobre o estado de decadência da Capi-

tania de Minas Geraes", RAPM, vol. H, p. 315.


-' ° RJHGB, vol. VI, p. 3. 418 Xavier da Veiga. Op. cu.,
° Vilberia. Recopi!acao de noilcias soteropolitanas e l'ra.sIlicas, vol. 1, p. 50. p. 305.
)
3
)
228 Os NUCLEOS DE PRODUcAO NAS MINAS 08 NUCLEOs 4 PitciiiUcAb N'A9 iANk9 Q
cer a matéria-prima aproveitada em centenas de fusos e teares das fabricas estabelecidas n'esta capitanla, as qüas Se conti-
domésticos, existentes em todas as fa2endas mineiras. nuassem n'eile, dentro de rntiito pouco tempo 1cariam Os
0 autor do "Roteiro do Maranhão" assinalou o caráter do- habitantes d'esta capitania indefendenies das d'es reinO,
méstico da nascente indüstria de fiacão e tecelagem nas minas e pela diversidade de generos que já nas suas fabricas se trabá-
arreceou-se das conseqüências de seu desenvolvimento, dizendo: ihavam; e o expediente qtie tomei sobre esta impor ante
rnateria é o que ponho na presenca de V. tx."420
"As minas produzem linho, Ia, algodao e produzirão
tambern seda; se se consentir que de todas estas materias 0 Marques de Lavradio, em seu "Relatório" apresentado áo
usem a pleno arbitrio, que se poderá esperar para o futuro? Vice-Rei Luis de Vasconcelos e Sousa, teve palavras bastante sir1i-
Os mineiros não tern ainda passado de imitar no interior das ficativas no tocante ao progrèsso das tecelagens nas minas:
suas casas corn as suas familias, os toscos e rudes theares de
Guirnarãens, das lihas e dos pretos de Guiné: a imperecia "acrescera a isto a independencia que os povos das Minas se
que athé agora ihes tern detido os progressos não persistirá tinham posto dos generos da Europa, estabelecenclo a major
sempre ... ".° parte dos particulares nas suas fazendas fabricas e teares
corn que se vestiam a si e a sua famIlia e escravatura, fazendo
Os terrores do autor anônimo do "Roteiro do Maranhão a panos e estôpas e diferentes outras drogas de linho e ainda
Goiás" se converteram em realidade. Os teares dornésticos mane- de Ia.. "421
jados pelas sinhá-donas e pelas mucamas negras foram se aperfei-
coando e a producao de tecidos cresceu de tal maneira que no Lavradio enumerou no seu "Relatório" os inconvenientes da
ültirno quartel do século XVIII já havia reflexos dessa producão producão mineira, e os prejuIzos causados ao movimento corner-
na decadência dos direitos de entradas, sendo que os tecidos in- cial e as fábricas de tecidos metropolitanos, "pois não tèndo os
gleses e portugueses já Ihe sentiam a concorrência. efeitos saida faltaria quem os encarregasse e por consequência
Martinho de Melo e Castro, em sua "Instrucão" ao Visconde viriarn a arruinar-se tantas familias, as nossas fabricas da Europa e
de Barbacena, assimescreveu, referindo-se ao assunto: ate viria a parar a navegacãO".422
Luton o Marques de Lavradio tenazmente contra o desen-
"Os ditos habitantes porem, não satisfeitos corn os volvirnento da indüstria têxtil na Capitania das Minas Gerais e,
thesouros que a terra ihes offerece, nem corn o util relatando o resultado dessa luta, confessou que conseguiu supri-
commercio que delles ]he resulta, estendendo as suas vistas a mir "algurnas que se jam fazendo mais püblicas, como eram as
outros objectos, se determinararn a estabelecer em Minas de Pamplona". Não pôde, entretanto, destruir a infinidade de
Geraes differentes fabricas e manufaturas, levando-as a urn pequenas fábricas instaladas em cala fazenda.423
tal adiantarnento, como se ye de urn paragrapho da carta do
Governador e Capitão-General d'aquella capitania, D. An- I
tonio de Noronha, escripta em 1775, no qual Se explica na 420 Martinho de Melo e Castro. "Instrucão para o Visconde de Barbaena",

forma seguinte: 'Lembro-me que V. Ex. me fallou a respeito RIHGB, vol. XI, p. 19.
421 "Relatório do marques de Lavradio", apud Visconde de Carnaxide. 0 Brasil

na adminis1n4do pombalina. p. 308.


122
Idem. Ibidem, p. 309.
4t9
"Roteiro do Maranhão a Goiái", PJHGB, vol. 99, p. 115. 121
Ibidem.
230 Os NUCLEOS DE PRODU1O NAS MINAS
OS UcLEds bE PkODUcAO NAS MINAS 2g1
0 alarme causado na corte por essa indüstria mineira exterio- 0 desenvolvimento da agricultura, da pecuária e cias miiiu*..
rizou-se no famoso alvará régio de D. Maria I, expedido em 1785,
turas, conferindo a capitania elements de auto-suficiêñci, jer-
que mandava arrasar os teares que fossem encontrados em qua!- mitiu-lhe dispensar os fornecimentos externos.
quer parte da Colônia. As correntes abastecedoras perderam a intensidade. Node
perfeitamente o fenômeno, observándo-se as ësia&st!cas dos dire-
tos de entradas.425 (Ver gráfico, p. 232.)
A producão de ferro e a indiIstria de tecidos eram as
mais importantes na Capitania das Minas Gerais. Entretanto, ou- 425 Cálculo dos rendirnentos das entradas da dapitania de Minas Gerais desde

tros artigos eram manufaturados, embora em menor escala. E que o scu princIpio ate o ano de 1776 apresentando por Teixeira Coelho na "Instrucão
a fama da riqueza das Gerais atraIra artesãos de todos os oficios, para o Governo da Capitania das Minas", RJHGB, vol. XV, p. 413.
que instalaram junto as lavras suas oficinas e ateliers nos quais se
Anos Rendimentos
fabricavam os mais variados objetos.
Assim, os entaihadores, os alfaiates, os sapateiros, os marce- 13:537$678
1718
neiros, os gravadores, os ferraiheiros, os oleiros e outros artesãos 1719 55:134$720
animavam uma indüstria modesta mas compatIvel corn as condi- 1720 55:134$720
cöes econômicas da época. 1721 65:071$102
Dentre toda a série das pequenas indiistrias, era de notar-se a 1722 93:880$240
que floresceu em torno da "pedra-sabão", indüstria essa tipica- 1723 93:880$240
mente regional pela matéria-prima que utilizava. A "pedra-sabão", 1724 94:744$808
de consisténcia mole, encontrada em abundância em tomb de 1725 97:338$480
Ouro Preto e Mariana, alimentou intensa producão de pratos, 1726 97:338$480
1727 94:751$369
tigelas, panelas, potes, bilhas, etc.
1728 86:990$038
E esse excelente material não se prestou apenas ao fabrico de
1729 86:990$038
utensIlios de uso doméstico. Foi largarnente utilizado na confec- 89:259$991
1730
çãø de obras de arte, tais como imagens, cornijas, porticos, alta- 96:069$851
1731
res, nichos, chafarizes, etc.424 1732 96:069$85 1
1733 104:944$060
1734 131:566$612
1735 131:566$612
Vemos assim que, ao declinar o século XVIII, o pa- 1736 138:274$580
norama econômico da Capitania das Minas Gerais era bern dife- 177 158:398$546
rente do que se descortinava no início da centüria. 1738 158:398$546
1739 162:420$458
1740 174:486$319
E. Oroco. "As avarias nas esculturas'do perIodo colonial de Minas Gerais",
424 1741 174:486$319
PSPHAN, vol. V, p. 179.
)

OS N(JCLES DE p1ODLJcAO NAS MINAS 23


232 Os NUCLEOS DE PRODUçA0 NAS MINAS
No cálculo dos rendimentos das entradas da Capitania de
Minas Gerais, desde que fol instituldo ese direito aé 0 an
1776, apresentado pelo Dr. Teixeira Coelho na "Insthição Para
o Governo da Cápitania das Minas", vemos que o rèn&meiito
Gráfico comparativo do rendimento do
IMPOSTO DE ENTRADA
de mercadorias na Gapitania das Minas Gerais, e dos
Anos Rendinwnios
QthNTOS DO OURO

1742 174:502$478
1743 174:550$958
1744 174:5508958
1745 118:679$838
201 1746 191:0668479
1747 191:066$479
1748 191:058$59 1
U)
1749 191:034$128
1750 191:034$128
U,
ca bc 1751 192:585$596
0 197239$600
1752
1753 197:239$600
1754 198:921$544
1755 203:9678333
1756 203:9678333
1757 181:535$379
1758 114:239$519
1759 195:739$000
1760 195:7398000
Rendimento do imposto de entrada em mil-rêis
1761 195:739$000
--i— Rendimento dos quintos do ouro em arrobas
- - Ausência de dados neste periodo 1762 195:8818000
1763 195:8818000
1764 195:8818000
1765 203:4388420
1766 182:294$470
67 182:294$470
1768 166:6308853
1769 125:6388908
17'70 125:6388908
234 Os NÜCLEOS DE PRODUAO NAS MINAS OS NUCLtOS D PRODUçO NA 4ii'4AS 25
máximo anual foi apresentado em 1756, na importância de 0 incremento da lavoira, da pecuária e das mani1ia-
203:967$333, enquanto que no uiltimo ano que consta da relação, turas das Minas Gerais fo principalmhte devido a decia&fidA la
isto e, em 1776, a renda caiu para 125:825$513.426 producão aurIfera.
o movimento decrescente continuou ate o fim do século em Todavia, nem todos os habilantes das Gerais, que a exaustão
proporcão inversa ao desenvolvimento dornucleos produ tores das minas deixou desocupados, aplicaram-se aquelas atividades.
das Minas. Infelizmente não dispomos de dados estatIsticos sobre Muitos preferiram emigrar para outras capitanias, de forma que a
os direitos de entrada depois daquele ano, de 1776. producão mineira não alcancou os limites que poderia atingir,
PossuImos, porém, outras não menos valiosas que testemu- mercê do despovoamento.
nham a diminuicão dos fornecimentos feitos as minas por São
Paulo e pela Bahia'417 e que figuram noutro local deste trabaiho.
A agricultura e a pecuária mineiras desenvolveram-se a tal
ponto que se tornaram capazes não so de abastecer os habitantes
das Gerais, mas também as populacöes das capitanias vizinhas.
Houve, no ültimo quartel do século XVIII, uma inversão das
correntes abastecedoras.
o autor anônimo do "Roteiro do Maranhão a Goiás" assina-
lou desde 1765 o descimento de boiadas do sul de Minas para o
Rio de Janeiro.411 'Vilhena constatou o fornecimento de mulas
mineiras para a Bahia.411
J. M. de Siqueira, em sua "Memória", mencionou a frequência
dos carregamentos de queijos, toucinhos, carnes salgadas, tabaco
em rolo que seguiam de Minas Gerais pára o Rio de Janeiro.43°

Anos Rendinwntos

1771 125:638$908
1772 166:660$173
1773 168:099$010
1774 169:632$796
1775 156:788$732
1776 125:825$513
O
426
Dr. Teixeira Coelho. op. cit., p. 413.
427
Documentos interessantes, vol. XIX, p. 45: Vilhena. Recopilacão, vol. I, p. 50.
128
"Roteiro Anônimo do Maranhão a Goiáz", RIHGB, vol. 99, p. 93.
429
Vilhena. Recopilacao de noilcias soteropolitanas, vol. I, p. 50.
430J. M. Siqueira. "Memória", apud Sérgio Buarque de Holanda. Mon cöes, p. 221.
CAPITULO IX
CONtLUSOES

0 problema do abastecimento das Gerais


e produziu conseqüências não so has regiöes viinhas e direta-
mente ligadas as minas, mas tambem em regiôes remotas
Uma grande area do Brasil, desde os sertöes do Maranhão e
Piaui ate as planicies do Rio Grande do Sul, sofreu uma agttacâo
comercial ate'então desconhecida. Todos os centEOs Orodutoriës
dessa imensa area fizeram refluir pata as minas as sobras de sua
producão; mais do que isso, aurnentaram sua capacidáde roduti-
sra para abastecer as Gerais.
Pela prirneira vez no Brasil apareceu intenso comércio inter-
no de artigos de subsistência; a circulação dos gêneros obrigou a
abertura de vias de penetracão no sertão, ,à criação de urn sistema
de transportes, baseado no muar. Foi no oitocentismo, em funcão
do abastecimento das minas, que surgirarn os thais importantes
caminhos do Brasil colonial.
0 consumo das Gerais caUsou o aumento das areas de cültü-
i- a, a multiplicacão dos rebanhos de gado bovino, suIno e ninar,
bern como o desenvolvimento das manufaturas.
Incrementou-se a importacão, pelo aparecimento de urn mér-
cado consurnidor de alto poder aquisitivo, notável tanto pela qua-
lidade quanto pets quantidade. Tal desenvo!virnento refletiu-se
no progresso das cidades portuárias que serviram de entreposto
para as minas. Igual incremento teve o contrabando corn nacöes
européiaS.
238 CONCLUSOES

o desenvolvimento do comércio deterininou o crescimento


da populacão brasileira. E que se o ouro atraiu povoadores para
explorar as catas, por sua vez esses povoadores atraIram outros
emigrantes, que vieram apenas para exercer as atividades mercan-
tis conseqüentes das aglomeracöes mineiras.
Algumas conseqüências do abastecimento da Capitania das
Minas foram efêmeras, como por exemplo a carestia de viveres e
mesmo a fome verificada em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Outras conseqüências, porém, marcararn fundamente nossa BIBLIOGRAEIA
evolucao histórica, como, por exemplo, o povoamento das campi-
nas do Rio Grande do Sul, que se processou como urn reflexo da
necessidade de muares para o abastecimento das Gerais.
Em virtude da necessidade de fornecer-se copiosa mão-de- 1. FONTES PRIMA" MANtJSCRITAS'
obra para a extracão aurIfera, intensificou-se grandemente o in-
tercâmbio corn a Africa, o qual exigiu notável incremento 'da in- Códice Costa Matoso, códice n2 da Biblioteca Municipal de São Paulo.
düstria da navegacão e da producao de tabaco e aguardente. Co1ecão Governadores-Gerais do Rio de Janeiro, livros I a XXIII do Ak-
quivo Nacional.
Foi conseqLiência do abastecimento de escravos a formacão Extracto do descobrirnento das Minnas Geraes tempo em que nellas
de urn denso nücleo populacional negro na Capitania das Minas principlou a arrecadacão da Real Fazenda origem dos contraac
Gerais, o que não so repercutiu na estrutura étnica do povo rni- creacao das villas - dirigido e ordenado pelo Governador e Capi
neiro, mas também rnarcou nitidamente a evolucão social, econô- tao General de Minas Geraes Luiz Diogo Lobo da Silvèirá", liviNi 81
mica e polItica da capitania. D. F. do Arquivo Ptiblico, manuscrito inédito.
Reis Manuel Martins Couto Descricao geographica politica e Crono
A circulacão interna dos gêneros e utilidades que jam para graphica do Distrito dos Campos Goitacas 1785 rns da Bibhoteca da
as Minas causou o aparecimento da interessante figura social do Faculdade de Filosofia da Universidaae de São Paulo.
tropeiro.
As crises do abastecimento, concorrendo para a Guerra dos 2. FONTES PRIMAIUAS IMPRESSAS2
Emboabas, fomentaram o surto dos sentimentos nativistas.
Outra conseqüência do abastecimento das Gerais foi dar ao Andreoni Joao Antonio (pseud Antonil) Cultura e opulencza do Brasil pot
Rio de Janeiro elementos de progresso que lhe permitiram tor- suas drogas e minas, corn urn estudo bibliografico por A de E Taunay.
Sao Paulo Companhia Meihoramentos de Sao Paulo 1923 280 p
nar-se sede da capital do Brasil Colonial, em 1763. Anonimo Catalogo dos capitães-mores governadores capitães generais
o comércio corn as Minas, interessando areas remotas, obri- e vice reis que tern governado a Capitania do Rio de Janeiro desde
gando a abertura de caminhos, determinando a convergência de sua prirneira fundacão em 1565, ate o presente ano de 1811", rns. da
correntes fornecedoras do Norte e do Sul, concorreu para o forta- Biblioteca Episcopal Flurninense, in RJHGB, vols. I e II.
Anonimo Compentho das epocas da Capitania de Minas Geraes descie
lecimento da unidade nacional.
o anno de 164 ate o de 1780", PJHGB, torno VIII, p. 53.

Li Os rnánuscritos avulsos, tais como cartas, oficios, etc. não constam desta
relacão, para não alongá-la. A indicacão deles consta das notas de pe de pagina.
240 BIBLIOGRAFIA L!ddi&iJA 241
Anônimo. "Descobrimento de Minas Geraes - Relacão circunstanciada Idem Documentos oficiats ineditos relativos ao Alvara de 5 de Janeiro
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Vários autores. Curso de Bandeirologia. Departarnento Estadual de Infor-
máçOes, 1946...

)
H
)
)
)

)
Mafalda P. Zernella é doutora pela Univer-
sidade de São Paulo, onde tqmb6m se ii-
) cenciou em Geografia e História. Foi pri-
) meira assistente da cadeira de HistOria da
Civilizaçao Brasileira da Faculdade de Fi-
) Fui losofia da USP (1947-1952); vo!tou-se pos-
) Zeme11ai teriormente para o estudo do Direito,
tendo-se igualmente bacharelado nessa
) Area na USP. Procuradora do Estado, no-
0 a b a s t eC tabilizou-se também como jornalista e es-
as Minas critora. Tern inilimeras contribuiçOes em
)
I revistas nacionais e estrangeiras, contos,
) 981. 51" 17 crônicas e experiências bem-sucedidas
). nFVOLVER em literatura infantil. Sua tese de doutora-
mento, que ora republicamos em ediçao
) F comercial, foi a prirneira realizada na Uni-
'i
versidade de São Paulo, e mesmo no Bra-
sit, na area de História da Civilização
) Brasileira.
) .

) Zeme11 a,

) o abaste
) as Minas
) 981. 51"U

)
) Este livro Foi composto em
MOD. DIBIB 003
corpo 10, no lonte New Baskerville,
) corn saida em fume por
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