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Agradecimentos

gradeço à minha família, pelo apoio e pela credibilidade


A em meu projeto profissional, especialmente à minha mãe,
pelo amor e dedicação com que acompanha minha caminhada.
Também agradeço aos professores Sílvia Helena Koller e
Christian Haag Kristensen, pelo incentivo e pelas contribuições que
qualificaram este trabalho.
Finalmente, agradeço às meninas que participaram deste estudo.
A convivência com elas provocou mudanças profundas em minha
vida. Obrigada pela confiança, por revelarem seus segredos e
compartilharem comigo momentos tão delicados de suas vidas. Vocês
foram grandes “mestres” na minha formação!

Luís a F Habigzang
Sumário

Apresentação....................................................................................9
Prefácio........................................................................................... 13
Introdução......................................................................................15

Parte I - Conceituando o abuso sexual na


INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA

Definições e dinâmica do abuso sexual....................................... 19


Dados epidemiológicos...................................................................37
Consequências do abuso sexual para crianças e
ADOLESCENTES..................................................................................................... 45
A ÉTICA E A interdisciplinaridade: aspectos
fundamentais para a intervenção............................................... 61
Modalidades terapêuticas e questões clínicas.......................... 69
Terapia cognitivo-comportamental em abuso
SEXUAL INFANTIL ................................................................................................ 81

Parte II - Intervindo em abuso sexual na


INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA.................................................... 91

Avaliação e intervenção clínica: um relato de


EXPERIÊNCIA.......................................................................................................... 93
A intervenção.......................................................................... 93
Avaliação diagnostica individual...................................... 94
Grupoterapia cognitivo-comportamental...........................96
Reavaliação diagnostica individual................................... 98
8 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Parte HI - Analisando a intervenção em abuso


SEXUAL NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA.................... 99

Resultados da intervenção....................................................... 101


Resultados da avaliação diagnóstica individual................... 101
Grupoterapia......................................................................... 111
Resultados da reavaliação diagnóstica.................................. 140
Discussão dos resultados...........................................................144

Parte IV - Considerações finais............................................. 149

Considerações finais................................................................... 151


Referências bibliográficas......................................................... 155

Anexos............................................................................................ 165

Anexo A.......................................................................... 167


Anexo B...........................................................................169
Anexo C.......................................................................... 173
Apresentação

sicólogos e profissionais que trabalham com crianças,


P adolescentes e famílias têm se interessado, cada vez mais,
pela interação no ambiente doméstico, considerada um dos aspectos
mais proeminentes do desenvolvimento humano. A família tem sido,
repetidamente, apontada como o contexto mais íntimo de proteção
ao ser humano, oferecendo relações constantes e estáveis de
reciprocidade, coesão e hierarquia de poder saudável. No entanto,
nem sempre esta é a realidade. Alguns ambientes domésticos têm
sido palco de marcantes, freqüentes e severas vivências de dor e de
exposição ao risco, geradas por inúmeros e variados fatores, que
roubam da família a sua condição de ninho de amor e cuidado de
seus integrantes. Entre esses fatores aparece o abuso sexual
intrafamiliar, que interrompe um processo de desenvolvimento do
prazer e da fantasia infantil e lança a criança em uma seqüência de
eventos de dor. O prazer da ingênua sexualidade infantil contrapõe-
se à dor impetrada pelo abuso. A fantasia dos contos de fadas é jogada
brutalmente na realidade de atos sexualizados, os quais a criança não
tem condição de compreender. Nesse cenário de violência, a criança
e a família são vítimas e testemunhas do evento não natural da
violência sexual.
Pesquisadores desejam realizar estudos que tenham impacto e
relevância social, a fim de provocar a redução das conseqüências
negativas do abuso e ampliar os efeitos positivos das relações
familiares nesse contexto ecológico. A pesquisa tem caminhado de
10 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

mãos dadas com a ação clínica, influenciando mais do que apenas o


microssistema familiar e colaborando com políticas públicas. Tais
ações integradas precisam, cada vez mais, nos dias atuais, concei-
tualizar e estabelecer seu conhecimento, traduzindo-o em aplicações
sociais e programas de intervenção na família e na comunidade.
Este livro apresenta um dos mais recentes e importantes produtos
da integração entre ação clínica, pesquisa, intervenção e responsa­
bilidade política, revelando aos leitores a descrição detalhada do
processo de aplicação dos preceitos da terapia cognitivo-compor-
tamental em casos de abuso sexual infantil. Na primeira parte, os
autores apresentam definições e a dinâmica do abuso sexual,
enfatizando dados epidemiológicos e as conseqüências do fenômeno
no ciclo vital de crianças e adolescentes. Para melhor entendimento
dos leitores, descrevem, ainda, modalidades terapêuticas e questões
clínicas relacionadas ao problema. Como é esperado de profissionais
que trabalham com esse problema de saúde pública, os aspectos éticos
e a interdisciplinaridade são enfatizados, considerados fundamentais
para a intervenção.
A Parte II descreve a intervenção propriamente dita, tendo por
base os preceitos conceituais da Parte I e salientando a importância
de integrá-los à ação clínica. Os autores apresentam um processo
cuidadoso de avaliação e reavaliação dos casos de abuso sexual infantil
acompanhados; a intervenção é descrita em detalhes, especialmente
com relação à técnica desenvolvida, denominada grupoterapia
cognitivo-comportamental. Na Parte III, são analisadas e discutidas
a avaliação e a intervenção em abuso sexual realizada por eles,
evidenciando ao leitor, além da competente abordagem, a isenção
profissional apropriada e a atitude científica.
O leitor pode se considerar privilegiado, pois está exposto a um
conteúdo provocante, que gera reflexão e a possibilidade de aperfei­
çoamento de suas práticas. Além disso, o livro permite a leitura de
um estudo que elabora e constrói uma intervenção com validade
ecológica, baseada na realidade de crianças brasileiras. Estudos como
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 11

este não devem ser meramente “transplantados” para a realidade atual,


na qual os protagonistas, o contexto e as relações interpessoais são
substituídos por entidades, que fazem parte da experiência diária das
famílias brasileiras.
O abuso sexual expõe crianças, adolescentes e famílias a uma
luta diária por sobrevivência e segurança. O conhecimento profundo
dessa realidade, de seus valores e de seu cotidiano deve ser um
compromisso do profissional que se dedica a seu estudo. Habigzang
e Caminha propiciam um caminho bastante promissor para alcançar
tal conhecimento.

Profa. Dra. Sílvia Helena Koller


Coordenadora do Centro de Estudos Psicológicos
sobre Meninos e Meninas de Rua CEP-RUA
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Prefácio

abuso sexual contra crianças e adolescentes é atualmente

O considerado um grave problema de saúde pública, tanto


pela elevada prevalência do fenômeno, quanto pelo seu impacto
deletério no indivíduo, nos familiares e na sociedade. Em particular,
a vítima de abuso sexual com freqüência desenvolve sintomas em
diferentes áreas, incluindo prejuízos cognitivos, emocionais, sociais
e acadêmicos. Diante dessa realidade, grande esforço tem sido
empregado ao longo das três últimas décadas na prevenção, na
avaliação e nas intervenções terapêuticas junto à população. Apresente
publicação de Luisa F. Habigzang e Renato M. Caminha pode ser
contextualizada dentro desse empreendimento, visto que representa
uma contribuição nacional relevante à área.
Entre os vários méritos da obra que o leitor agora tem em mãos,
dois me parecem de especial destaque. Primeiro, para aquele que se
inicia no estudo do abuso sexual, o livro resume e atualiza conceitos,
dados epidemiológicos e algumas das principais conseqüências
experienciadas pelas vítimas dessa forma particular de maus-tratos.
Segundo, sistematiza a abordagem cognitivo-comportamental, com
vítimas de abuso sexual, em suas diferentes etapas, incluindo a
avaliação individual, a intervenção na forma de grupoterapia e a
avaliação da eficácia da intervenção. Nessa sistematização, tanto o
psicoterapeuta iniciante como o clínico experiente encontrarão
elementos suficientes para estruturar o atendimento psicológico de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
14 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Ao longo de mais de uma década, tenho o privilégio de acom­


panhar de maneira próxima a evolução teórica e o desenvolvimento
clínico dos autores - boa parte disso ocorrendo na Universidade do
Vale do Rio dos Sinos. Paralelamente, também assisti à produção
brasileira em terapia cognitivo-comportamental crescer e atingir
autonomia. Hoje, essa abordagem recebe suficiente apoio empírico
para ser considerada como a psicoterapia eletiva nos casos de abuso
sexual na infância e adolescência. Que Luísa e Renato contribuam
para isso pela sistematização de sua experiência com grupoterapia é
algo notável.

Prof. Ms. Christian Haag Kristensen


Laboratório de Neurociências
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Introdução

abuso sexual contra crianças e adolescentes é compreen­

O dido atualmente como um grave problema de saúde


pública. Estudos sobre epidemiologia, as conseqüências do abuso
para o desenvolvimento e o tratamento têm sido desenvolvidos em
diversos países. No Brasil, verifica-se um aumento de pesquisas acerca
desse tema nas últimas décadas. No entanto, não se encontram muitos
trabalhos, em nosso país, que apresentem a descrição e os resultados
de intervenções terapêuticas para essa população clínica. O
desenvolvimento de pesquisas na área pode contribuir para qualificar
o funcionamento da rede de atendimento a crianças e a adolescentes
vítimas de abuso sexual, que, no Brasil, ainda apresenta sérias
dificuldades para desempenhar as políticas públicas definidas pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O presente estudo é resultado da experiência clínica com crianças
e adolescentes vítimas de abuso sexual, desenvolvida durante a
graduação em Psicologia, tendo como principal objetivo apresentar
um modelo de intervenção e os resultados obtidos. O estudo está
dividido em quatro partes.
Na Parte I são abordadas a dinâmica do abuso sexual, a incidência
epidemiológica dessa categoria de maus-tratos e suas conseqüências
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Também são
apresentados aspectos relevantes para a intervenção clínica em vítimas
de abuso sexual, como a ética e a interdisciplinaridade, e modalidades
16 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

terapêuticas para esses casos. Além disso, são introduzidos conceitos


da terapia cognitivo-comportamental como método de intervenção
que fundamenta a pesquisa.
Na Parte II é apresentado um relato de experiência clínica, no
qual está descrita a metodologia de avaliação e intervenção para
meninas vítimas de abuso sexual e os resultados obtidos. Essa
metodologia foi desenvolvida e coordenada por Habigzang, sob
orientação do Prof. Ms. Renato Caminha, durante o estágio profissio­
nal em Psicologia no Programa Interdisciplinar de Promoção e
Atenção a Saúde (PIPAS). O PIPAS é um programa de extensão
vinculado ao Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Vale
do Rio dos Sinos (Unisinos) que, entre outras atividades, presta
atendimento psicológico à comunidade. A Parte III apresenta a
avaliação dos resultados da intervenção. E a Parte IV traz as consi­
derações finais, articulando os aspectos teóricos e práticos abordados
nos capítulos anteriores.
Conceituando o abuso sexual na
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
Definições e dinâmica do
ABUSO SEXUAL

infância e a adolescência são etapas do ciclo vital nas


A quais o indivíduo desenvolve suas capacidades cognitivas,
afetivas e físicas. Também se caracterizam como períodos importantes
para a aprendizagem de habilidades sociais. Por essas razões, crianças
e adolescentes são considerados sujeitos em condição peculiar de
desenvolvimento, necessitando cuidados especiais que garantam sua
proteção e o desenvolvimento de suas potencialidades. Nesse sentido,
toda a sociedade e o poder público são responsáveis pela garantia
dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes (Estatuto
da Criança e do Adolescente, Lei Federal n° 8.069, 1990).
A família desempenha um papel de destaque nesse processo,
uma vez que constitui o primeiro sistema no qual o ser humano em
desenvolvimento interage. Brito e Koller (1999) salientam que a
dinâmica do grupo familiar é muito poderosa no desenvolvimento
da criança, sendo sua casa o ambiente em que desenvolverá quase
todos os repertórios básicos de seu comportamento. O papel dos
pais, além do provimento de bens, sustento dos filhos, educação
informal e preparo à educação formal, consiste em transmitir valores
culturais de diversas naturezas (religiosos, morais, tradicionais,
acadêmicos).
No processo de socialização da criança, a família é um impor­
tante fator. Os pais influenciam o desenvolvimento do senso de
cooperação e reciprocidade dos filhos, quando se mostram sensíveis
20 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

e responsivos às suas necessidades. Nessa perspectiva, o sentimento


de pertencimento e a percepção de que é amada, fortalece a expectativa
da criança de que suas necessidades serão atendidas, facilitando a
busca de novos elos e de gratificação no seu ambiente de forma efetiva.
Em situações de risco ou ameaça, o apoio recebido dos pais reduz a
angústia da criança. As transações com os pais fortalecem o
desenvolvimento de seus recursos internos para enfrentar com
expectativa de sucesso as situações de risco (Brito & Koller, 1999).
Entretanto, nem sempre os pais ou cuidadores comportam-se
dessa forma, e as situações de risco experienciadas pela criança
ocorrem dentro de suas próprias casas. Isto se confirma pelas
pesquisas, segundo as quais 80% das ocorrências de maus tratos contra
crianças e adolescentes são perpetradas no ambiente doméstico
(Oliveira & Flores, 1999; Pires, 1999). A violência intrafamiliar é
um sério problema social, que, devido ao impacto negativo que
acarreta ao desenvolvimento infantil, tem sido considerado um grave
problema de saúde pública (Gonçalves & Ferreira, 2002; Polanczik,
Zavaschi, Benetti, Zenker, Gammerman, 2003; Osofsky, 1995).
A compreensão de que os maus tratos contra crianças e
adolescentes são um problema médico-social é recente entre os
profissionais da saúde. Na década 40, nos Estados Unidos, o
radiologista Caffey foi considerado “inadequado” pelos colegas de
medicina por falar na Síndrome da Criança Espancada, e, somente
nos anos 60, o pediatra Henry Kempe criou o termo Síndrome da
Criança Maltratada, abrindo espaço para estudos dos abusos
cometidos por adultos (Pires, 1999).
Nos últimos 20 anos, o abuso infantil tem se tomado um dos
mais emergentes campos de pesquisa no que tange à infância e à
adolescência, e em vários países existem programas em desen­
volvimento para estudo, prevenção e tratamento. No Brasil, verifica-
se uma intensificação de pesquisas na área desde a publicação do
Estatuto de Criança e do Adolescente em 1990 (Amazarray & Koller,
1998; Zavaschi et al., 1991).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 21

Os termos abuso ou maus-tratos contra crianças e adolescentes


são utilizados para definir negligência, violência psicológica, física e
sexual, de maneira repetitiva e intencional, perpetrado por um adulto
ou alguém em estágio de desenvolvimento superior (idade, força
física, posição social, condição econômica, inteligência, autoridade).
O perpetrador utiliza-se do poder, da relação de confiança e/ou força
física para colocar a criança e/ou adolescente em situações para as
quais não possui condições maturacionais biológicas e psicológicas
de enfrentamento (Ferreira & Schramm, 2000; Furniss, 1993;
Grinblatt, Martins, Sattler, Caminha, Flores, 1994.
O abuso viola aquilo que caracteriza a infância: dependência,
vulnerabilidade e inocência. O adulto explora o poder que tem sobre
a criança e, ao fazê-lo, usa-a como mero meio para obtenção de seus
próprios fins, infligindo o seu direito à autonomia (Ferreira &
Schramm, 2000). A violência intrafamiliar origina-se de relações
interpessoais hierarquicamente assimétricas, marcadas por desi­
gualdade e subordinação no contexto familiar (Koller, 1999).
De Antoni e Koller (2000) verificaram a assimetria das relações
intrafamiliares em um estudo com meninas vítimas de violência
intrafamiliar. O trabalho objetivava investigar percepções e expecta­
tivas das vítimas com relação à família. Participaram doze adoles­
centes com idade entre doze e dezessete anos, que estavam institu­
cionalizadas por medidas de proteção, devido a maus tratos sofridos
em casa. A coleta de dados foi realizada por meio de grupos focais: a
moderadora introduzia temas relacionados à família e as adolescentes
eram convidadas a problematizá-los. As histórias de vida familiar
relatadas pelas meninas são marcadas pela falta de diálogo, de
confiança e pela passividade diante da agressão. Vários fatores de
risco foram identificados nessas famílias: instabilidade econômica e
afetiva, dificuldade em buscar soluções efetivas para seus problemas
e ausência de definição e valorização dos papéis familiares. Além
disso, as meninas relataram: sentimento de não-pertencimento e de
desvalorização no grupo familiar, baixa qualidade das interações,
22 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

falta de estruturação de um sistema de apoio, regras pouco ou não


definidas, apoio emocional precário ou inexistente, e auto-estima
baixa. O ambiente familiar dessas garotas, além conter o risco de
violência que determinou o afastamento delas de casa, era pouco
sadio e propício para a organização e execução de um projeto de
vida. A violência em si era atribuída ao autoritarismo dos pais ou
responsáveis, que acreditavam ter a posse delas e que elas mereciam
ser punidas e culpadas pelos acontecimentos, muito mais do que
protegidas.
O fenômeno da violência doméstica atinge meninas e meninos
de todas as idades, em todos os grupos étnicos e em todos os níveis
socioeconômicos (Kaplan & Sadock, 1997). Os fatores de risco
identificados no relato das meninas com famílias abusivas estudadas
por De Antoni e Koller (2000) aparecem entre as variáveis mapeadas
por Gomes, Deslasdes e colaboradores (2002). Através de uma
pesquisa bibliográfica, que consultou artigos publicados na década
de 90 em revistas nacionais representativas de Pediatria, Gomes,
Deslasdes e colaboradores mapearam as principais explicações
apontadas pela literatura especializada sobre a questão da violência
intrafamiliar. Foram analisados catorze trabalhos que apontaram três
principais fatores como desencadeadores e mantenedores desse
problema.
A primeira explicação, e a mais recorrente, refere-se à reprodução
das experiências de violência familiar vividas durante a infância,
contribuindo para que se perpetuem os maus-tratos. Nessa lógica,
muitas crianças vítimas de maus-tratos se tomam adultos agressores.
O fenômeno, chamado de multigeracionalidade, é compreendido
como um ciclo de violência que acompanha a família de geração em
geração. Uma pesquisa realizada com 8.145 famílias corrobora essa
perspectiva (Straus & Smith, 1995, citado por Gomes, Deslasdes e
cols., 2002): os pais que sofreram violência quando crianças apresenta­
vam um índice de agressão contra os filhos duas vezes maior do que
os que não foram vítimas de violência. Contudo, Gomes, Deslasdes
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 23

e colaboradores ressaltam que essa questão deve ser entendida como


uma probabilidade, uma maior vulnerabilidade, mas não como uma
lei inexorável.
Uma segunda razão para existência de crianças maltratadas
associa-se à idéia da violência como produto de desajustes familiares
e psíquicos e do alcoolismo. Um estudo realizado com 103 vítimas
apontou os distúrbios de comportamento do agressor (31,06%), a
desagregação familiar (21,97%) e o alcoolismo do agressor (17,42%)
como os três principais fatores desencadeantes da violência (Cariola,
1995, citado por Gomes, Deslasdes et al., 2002).
A terceira explicação encontrada abrange a ordem macroestru-
tural, traduzida por aspectos sociais, econômicos e culturais - como
a desigualdade, a dominação de gênero e de gerações. O estudo já
mencionado de Cariola (1995, citado por Gomes, Deslasdes e cols.,
2002) conclui que a agressão é mais evidente na população mais
carente (com renda de um a três salários mínimos), correspondendo
a 52,27% da amostra (n = 103). Os autores chamam a atenção, nova­
mente, para o cuidado quanto às generalizações, uma vez que pobreza
não está diretamente ligada a maus tratos infantis. Straus e Smith
(1995, citado por Gomes, Deslasdes e cols., 2002), ao comparar
famílias cujo pai estava desempregado com outras em que o pai estava
empregado, observaram que havia uma prevalência de maus-tratos
contra a criança 50% maior no primeiro grupo.
As explicações para o fenômeno dos maus tratos contra
crianças e adolescentes, encontradas nos artigos consultados por
Gomes, Deslasdes e colaboradores (2002), correspondem aos fatores
de risco para o desencadeamento e a manutenção do problema da
violência intrafamiliar. Estes indicam, conforme salientam os
autores, uma maior probabilidade, e não uma relação direta de causa
e efeito. Dessa forma, eventos estressantes, tais como desemprego
e história de abuso na infância, não garantem que esses pais abusarão
de seus filhos. Gomes, Deslasdes e colaboradores (2002) concluem
que explicar a ocorrência dos maus-tratos contra as crianças é uma
24 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

tarefa complexa, pois envolve a articulação em rede de aspectos


socioculturais, psicossociais, psicológicos e até mesmo biológicos,
para que seja atingida uma compreensão mais abrangente acerca
da problemática em questão.
A literatura aponta quatro categorias básicas de maus-tratos
contra crianças e adolescentes: abuso físico, abuso emocional,
negligência e abuso sexual (Braun, 2002; Caminha, 2000; De Antoni
& Koller, 2001; Gomes, Junqueira, Silva, Junger, 2002).
O abuso físico é compreendido como qualquer ação, única ou
repetida, não-acidental (intencional), na qual o adulto usa de sua força
física para causar dor e desconforto à criança. A relação de força
baseia-se no pretenso poder disciplinador do adulto e na desigualdade
adulto-criança. Esse tipo de abuso, assim como os demais, tem
tendência de progressão ascendente, podendo evoluir de um puxão
de orelha a um tapa, uso de cinto, cabo de vassoura, até atingir quei­
maduras por cigarros ou ferro elétrico, choques elétricos, água
fervente, etc. Os abusos físicos podem deixar marcas, como hema­
tomas, escoriações, fraturas e queimaduras, e, em alguns casos,
chegam a levar a criança à morte. Além de causar lesões físicas, essa
forma de abuso é extremamente danosa para a vítima do ponto de
vista emocional, pois é acompanhada de abusos emocionais - a criança
agredida fisicamente é, na maioria das vezes, depreciada e desres­
peitada, por meio de agressões verbais (Azevedo & Guerra, 1989;
Caminha, 1999, 2000; De Antoni & Koller, 2001; Gomes, Junqueira,
Silva, Junger, 2002; Pires, 1999).
O abuso emocional ou psicológico abrange rejeição, isolamento,
depreciação, desrespeito, discriminação, corrupção, punição ou
cobranças exageradas do adulto em relação à criança ou ao adolescente
(Azevedo & Guerra, 1989; Benetti, 2002; Gomes, Junqueira, Silva,
Junger, 2002). Ele é evidenciado pelo prejuízo à competência
emocional da vítima, isto é, à capacidade de amar os outros e de
sentir-se bem a respeito de si mesma. São atos de hostilidade e
agressividade que podem influenciar a auto-imagem e a auto-estima
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 25

da criança ou do adolescente (De Antoni & Koller, 2001). Dessa


forma, compreende situações nas quais o adulto agride verbalmente
a criança e não reconhece o seu valor, bem como suas necessidades,
afastando-a de experiências sociais esperadas, impedindo-a de ter
amigos e brincar, não estimulando seu crescimento emocional e
intelectual (Azevedo & Guerra, 1989; Benetti, 2002; Caminha, 2000;
Kaplan & Sadock, 1997).
A negligência é definida como toda omissão em termos de
cuidados básicos por parte do responsável pela criança ou pelo
adolescente. Inclui atitudes como privar a criança de afeto, alimentos,
medicamentos, proteção contra as inclemências do meio (frio, calor),
educação e higiene - todos necessários à sua integridade física,
intelectual, moral e social (Azevedo & Guerra, 1989; Caminha, 2000;
Kaplan, 1995; Gomes, Junqueira, Silva, Junger, 2002). O abandono
é apontado como uma das mais graves formas de negligência,
ocorrendo quando os pais biológicos ou adotivos declaram,
publicamente, que não têm mais interesse na permanência da criança
ou do adolescente em sua residência. Nesses casos, as crianças são,
geralmente, encontradas dormindo na rua ou enviadas a instituição
para acolhimento público (De Antoni & Koller, 2001).
O abuso sexual é definido como todo ato ou jogo sexual, relação
hetero ou homossexual, cujo agressor esteja em estágio de desen­
volvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adoles­
cente. Tem por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para
obter estimulação sexual. Essas práticas eróticas e sexuais são
impostas às crianças ou aos adolescentes por violência física, ameaça
ou indução de sua vontade. Pode variar desde atos em que não existam
contatos físicos, mas que evolvem o corpo (assédio, voyeurismo,
exibicionismo), a diferentes tipos de atos com contato físico, sem
penetração (sexo oral, intercurso interfemural) ou com penetração
(digital, com objetos, intercurso genital ou anal). Engloba, ainda, a
26 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

situação de exploração sexual visando ao lucro, como a prostituição


e a pornografia (Azevedo & Guerra, 1989; Gomes, Junqueira, Silva,
Junger, 2002; Kaplan & Sadock, 1997; Zavaschi e cols., 1991). Os
abusos sexuais podem ser classificados como intrafamiliares ou
incestuosos e extrafamiliares. Esses tipos de abuso serão mais bem
definidos a seguir.
Outro tipo de maus-tratos tem sido identificado como Síndrome
de Münchausen por procuração. Esta forma de violência, menos
comum, é caracterizada pela desordem psiquiátrica de um dos pais,
mais comumente da mãe: a criança é levada para cuidados médicos
devido a sintoma e/ou sinais inventados ou provocados por seus
responsáveis, induzindo exames laboratoriais e hospitalizações com
procedimentos desnecessários (Gomes, Junqueira, Silva, Junger,
2002; Pires, 1999).
A exploração infantil constitui outra forma de violência. Nesses
casos, fica evidente a tentativa do abusador em transformar a vítima
em ator da violência. A criança ou adolescente é induzido ou coagido
a participar de ações ilícitas, com prejuízo à sua integridade física,
psicológica e moral. Destacam-se a exploração sexual infanto-juvenil,
o uso e o tráfico de drogas e a exploração no trabalho, que são
atividades não condizentes com a idade, expõem a riscos físicos,
exigem ampla carga horária de trabalho e, em geral, são trocadas por
algum amparo para sobrevivência (casa, comida, etc.), mas não
consistem em remuneração (De Antoni & Koller, 2001).
Os maus tratos na infância expressam-se de forma dinâmica,
não havendo limites rígidos entre as categorias. Muito comumente,
o abuso surge de uma negligência primária, incorrendo em um abuso
emocional, podendo chegar às demais categorias, que por sua vez,
podem estar presentes simultaneamente (co-morbidade). Fluxos
entre as categorias são, não só possíveis como também prováveis,
conforme o esquema proposto por Caminha (2000) apresentado
na Figura 1:
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 27

Figura 1. Dinâmica dos maus tratos (adaptado de Caminha, 2000).

De acordo com a Figura 1, as crianças e os adolescentes


submetidos a abusos sexuais, são, na maioria dos casos, também
vítimas de negligências, abusos emocionais e abusos físicos. Isso
se confirma pelos relatos das vítimas que revelam as ameaças e as
agressões físicas sofridas durante o abuso sexual, bem como as
sentenças depreciativas utilizadas pelo agressor e a falta de amparo
e supervisão dos cuidadores. Os profissionais que pretendem
trabalhar com crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais
precisam, necessariamente, ter conhecimento da dinâmica que
sustenta essa forma de violência para que as intervenções sejam
efetivas.
28 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

O abuso sexual e a exploração sexual de crianças vêm se tomando


um tipo de maus-tratos na infância cada vez mais difundido, com
implicações psicossociais, legais e médicas (Fumiss, 1993; Kaplan &
Sadock, 1997). Como foi anteriormente definido, o abuso sexual é
compreendido como qualquer atividade ou interação, na qual a intenção
é estimular e/ou controlar a sexualidade da criança (Watson, 1994).
Etimologicamente, “abuso” indica separação, afastamento do uso
normal; por si só, a palavra indica, ao mesmo tempo, um uso errado e
um uso excessivo. O que não significa, como dizem os que criticam
esse termo, que houvesse um uso permitido, pois abusar é precisamente
ultrapassar os limites e, portanto, transgredir (Gabei, 1997).
Abuso contém ainda a noção de poderio: de poder, de astúcia,
de confiança - situações em que a intenção e a premeditação estão
presentes (Gabei, 1997; Watson, 1994). Abuso sexual supõe uma
disfunção em três níveis: o poder exercido pelo grande sobre o
pequeno, a confiança que o pequeno (dependente) tem no grande
(protetor) e o uso delinqüente da sexualidade - ou seja, o atentado ao
direito que o indivíduo tem de propriedade sobre o seu próprio corpo.
Alguns autores ainda recomendam que deve haver uma diferença de
idade de cinco anos ou mais entre vítima e perpetrador do abuso,
quando a criança é menor de doze anos, e uma diferença de dez anos
ou mais quando o adolescente tiver entre treze e dezesseis anos
(Amazarray & Koller, 1998; Cohen & Mannarino, 2000a; Cloitre,
Cohen, Koenen, Han, 2002). Entretanto, o uso de força, ameaça ou
exploração da autoridade, independentemente das diferenças de idade,
sempre deverá ser considerado um comportamento abusivo e,
portanto, cuja responsabilidade deverá ser sempre do adulto
(Amazarray & Koller, 1998; Cohen & Mannarino, 2000a; Cloitre,
Cohen, Koenen, Han, 2002; Hayde, Bentovim, Monck, 1995;
Zavaschi et al., 1991).
O abuso sexual também pode ser definido, de acordo com o
contexto de ocorrência, em diferentes categorias. Fora do ambiente
familiar, pode ocorrer em situações nas quais as crianças são envolvidas
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 29

em pornografia e exploração sexual (Amazarray & Koller, 1998). No


entanto, os estudos mostram que a grande maioria dos abusos sexuais
cometidos contra crianças e adolescentes ocorre dentro de casa e é
perpetrada por pessoas próximas, que desempenham papel de cuidador
da vítima (Braun, 2002; Caminha, 2000; Kaplan & Sadock, 1997).
As relações sexuais, mesmo sem laços de consanguinidade,
envolvendo uma criança e um adulto responsável (tutor, cuidador,
membro da família ou conhecido da criança) são relações que se
enquadram no atual conceito de incesto (Azevedo, Guerra, Vaiciunas,
1997; Cohen, 1997; Kaplan & Sadock, 1997). Dessa forma, qualquer
contato abertamente sexual entre pessoas que tenham grau de
parentesco, ou acreditam tê-lo, é considerado incesto. Isto inclui
madrastas, padrastos, tutor, meio-irmãos, avós e até namorados ou
companheiros que morem junto com o pai ou a mãe, caso eles
assumam a função de cuidadores (Forward & Buck, 1989).
Amazarray e Koller (1998) citam um estudo sobre incesto em
São Paulo, conduzido por Cohen (1993), revelando que o pai era o
abusador em 41,6% dos casos, seguido por padrasto (20,6%), tio
(13,8%), primo (10,9%) e irmão (3,7%). O incesto também pode
ocorrer entre mãe-filha e mãe-filho, entretanto, a freqüência dessa
situação é menor, e muitas vezes envolve quadros de psicose.
Com relação ao incesto entre irmãos, a diferença de idade deve
ser considerada. Quando o irmão abusador é significativamente mais
velho do que a vítima, supõe-se que o primeiro esteja em uma posição
de autoridade parental, enquanto o segundo se encontra em uma
situação de imaturidade e dependência. Em contraste, na relação
sexual entre irmãos com idades próximas, pode ser inadequado utilizar
as denominações de abusador e vítima, visto que não há uma relação
de dependência estrutural entre eles. O que ocorre é uma confusão de
relacionamento emocional e de relacionamento sexual, na qual a
excitação sexual é substituta do carinho (Fumiss, 1993).
A familiaridade entre a criança e o abusador aponta para
tendências de fortes laços afetivos entre ambos, tanto positivos quanto
30 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

negativos, o que colabora para que os abusos sexuais incestuosos


possuam maior impacto cognitivo-comportamental na criança. O
incesto é, então, considerado um fator agravante para as conseqüências
decorrentes de experiências sexualmente abusivas conforme afirmam
Foward e Buck:

O incesto é poderoso. Sua devastação é maior do que a das violências


sexuais não incestuosas contra a criança, porque o incesto se insere
nas constelações das emoções e dos conflitos familiares. Não há
um estranho de que se possa fugir, não há uma casa para onde se
possa escapar. A criança não se sente mais segura nem mesmo em
sua própria cama. A vítima é obrigada a aprender a conviver com o
incesto; ele abala a totalidade do mundo da criança. O agressor
está sempre presente e o incesto é quase sempre um horror contínuo
para a vítima (1989, p. 13).

As famílias incestuosas são severamente disfuncionais.


Caracterizam-se pela falta de fronteiras entre seus membros e pela
ausência do sentido de individualidade e de respeito à privacidade,
não havendo espaço para diferenças e discordâncias (Grinblatt,
Martins, Sattler, Caminha, Flores, 1994; Scodelario, 2002).
Thomas, Eckenrode e Garbarino (1997) sugerem alguns fatores
de risco para relações familiares incestuosas: pai e/ou mãe que
sofreram abusos ou foram negligenciados em suas famílias de origem;
excesso de álcool e outras drogas; papéis sexuais rígidos; falta de
comunicação entre os membros da família; autoritarismo; estresse;
desemprego; mãe passiva e/ou ausente; dificuldades conjugais;
famílias reestruturadas (presença de padrasto ou madrasta); isola­
mento social; pais que sofrem de transtornos psiquiátricos; doença,
morte ou separação do cônjuge.
Em vários casos, o pai e a mãe possuem horários diferentes de
trabalho e o pai fica sozinho com as crianças, buscando intimidade e
controle sobre a vida dos filhos (Zavaschi et al., 1991). Ocorre, pois,
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 31

uma aliança entre os pais, na qual a mãe não impede a aproximação


sexual do cônjuge junto aos seus filhos. Fica clara, muitas vezes, a
permissão passiva da mãe, para que um de seus filhos a substitua no
papel sexual junto ao companheiro (Grinblatt, Martins, Sattler,
Caminha, Flores, 1994). Essa permissividade da mãe é, em alguns
casos, resultante do medo que ela tem de enfrentar o parceiro - uma
vez que também é vítima de seus abusos físicos - e das dificuldades
econômicas que poderão surgir com o afastamento dele de casa
(Cohen & Mannarino, 2000b). É importante salientar que, em muitos
casos de incesto, as mães assumem uma atitude protetiva e denunciam
o abuso sexual aos órgãos de proteção à infância (Thomas, Eckenrode,
Garbarino, 1997; Cohen & Mannarino, 2000b).
Fumiss (1993) também considera as díades conjugal e parental,
mostrando que a criança procura o pai (ou a mãe) em busca de apoio
emocional e de carinho, já que é estruturalmente dependente. Em
resposta, o pai satisfaz o próprio desejo sexual utilizando-se dela. Os
avanços sexuais são confusos para a criança, e, usualmente, o adulto
incestuoso a persuade e a amedronta em segredo, constituindo uma
forma de abuso emocional. A criança tem a percepção de que a
situação é imprópria e, progressivamente, receia a desintegração
familiar, teme a rejeição de seus amigos, da escola, e, finalmente, da
comunidade (Fumiss, 1993; Zavaschi et al., 1991).
Furniss (1993) aponta dois aspectos que se apresentam
interligados em casos de abuso sexual infantil, a Síndrome de Segredo
- diretamente relacionada com a psicopatologia do agressor (pedofilia)
que, por gerar intenso repúdio social, tende a se proteger em uma teia
de segredo, mantido às custas de ameaças e barganhas com a vítima
- e a Síndrome de Adição - caracterizada pelo comportamento
compulsivo do descontrole de impulso diante do estímulo gerado
pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança
para obter excitação sexual e alívio de tensão, gerando dependência
psicológica e negação da dependência.
32 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

O adulto incestuoso, embora exerça poder e força sobre a criança,


tende a ser tipicamente tímido e sem autoconfiança em seus contextos
sociais. Apresenta baixa auto-estima e dificuldades na identidade
masculina. Tenta compensar isso através da imagem de domínio
masculino que resulta em controle firme e dominação, tanto sobre a
esposa quanto sobre os filhos (Green, 1995). O segredo e o sentimento
de impotência estão ligados à vulnerabilidade das crianças. Elas são
ensinadas a desconfiar de estranhos, mas, simultaneamente, a ser
obedientes e afetuosas com todos os adultos que cuidam delas. O
indivíduo que comete o abuso, na maioria dos casos, é alguém
conhecido que vai estabelecer uma relação de confiança com sua
vítima e certificar-se de que ela não se queixará quando ele avançar
os limites da relação (Gabei, 1997).
A Síndrome de Acomodação da criança é outra variável
importante para a manutenção do silêncio (Gabei, 1997). Verifica-se
que ela “cai na armadilha” e se adapta à situação abusiva, uma vez
que sua opção é aceitar e sobreviver, ao preço de uma inversão dos
valores morais e alterações psíquicas prejudiciais à sua personalidade.
Essa síndrome consiste em: segredo; desamparo; aprisionamento e
acomodação; revelação retardada, conflitada e não convincente, e
retratação (Summit, 1983, citado em Zavaschi e cols., 1991).
Segredo. O segredo do abuso faz com que a criança perceba
que aquilo que está ocorrendo é algo errado e perigoso. Ao mesmo
tempo, a solicitação do abusador para que ela não revele o abuso é
fonte de medo e envolve promessas de segurança para ele e para sua
família. O segredo toma proporções mágicas, monstruosas para a
criança, que se sente isolada, desamparada, estigmatizada, intimidada
e culpada.
Desamparo. As crianças são integralmente dependentes dos
adultos e a eles são subordinadas. A sociedade, porém, espera que a
criança resista com força, peça ajuda ou fuja da violência do abuso.
Só que as crianças, muito freqüentemente, são incapazes de tomar
tais atitudes. A reação normal é “brincar de estátua” (fingir que está
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 33

dormindo, mudar de posição, puxar os cobertores). Elas aprendem a


lidar em silêncio com os terrores da noite. Para a sobrevivência
emocional da criança, é importante que os adultos e os profissionais
de saúde reforcem sua inocência e seu desamparo, em vez de assinalar
sua cumplicidade. Sem isto, a vítima tende a se sentir culpada, com
ódio de si mesma, pensando que foi ela quem provocou e permitiu o
abuso sexual. A compreensão de que a criança é vítima da relação
abusiva é fundamental, pois ainda existe em nossa sociedade o
estereótipo da “criança sedutora”, que seduz o pai e aprecia o abuso.
Mas esse estereótipo tem pouco a ver com a realidade, uma vez que
cabe ao pai, em seu papel de cuidador, traçar as fronteiras adequadas.
Isso significa que mesmo que uma criança se comportasse de uma
maneira abertamente sexual - comportamento que cada vez mais
aprendemos a ver como resultado de abuso sexual anterior e não
como ponto de partida - e que ela fosse sedutora e tentasse iniciar o
abuso, seria sempre responsabilidade do pai estabelecer os limites.
Nem mesmo o mais sexualizado ou sedutor comportamento jamais
podería tomar a criança responsável pela resposta adulta de abuso
sexual, em que a pessoa que comete o abuso satisfaz seu próprio
desejo sexual em resposta à necessidade da criança de cuidado
emocional (Fumiss, 1993).
Aprisionamento e acomodação. Quando a criança não procura
ou não recebe intervenção protetora imediata, fica sem opção para
interromper o abuso, restando-lhe acomodar-se à situação. O desafio
é adaptar-se às crescentes solicitações sexuais, bem como à
progressiva conscientização de traição e de estar sendo vista como
um objeto por alguém que é habitualmente idealizado como figura
parental protetora e amorosa. A criança fica com o poder e a
responsabilidade de manter a família unida, assumindo as funções
maternas, não resistindo às exigências sexuais do abusador. Busca,
assim, mecanismos para garantir a própria sobrevivência psíquica,
que acarretam em dificuldades psicológicas cada vez maiores em
seu desenvolvimento.
34 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Revelação retardada, conflitada e não-convincente. A criança


tenta revelar o abuso para a mãe, que reage com descrença, nega para
proteger o casamento, não acredita ou tenta negociar uma resolução
dentro da família. A criança, geralmente, busca compreensão e
intervenção no momento em que tem menos chances de encontrá-la.
E ao fazer a revelação, pode se sentir culpada, amedrontada e confusa.
Muitas vezes, é acompanhada de extrema ansiedade e do relato de
dados inconsistentes que, associados à falta de preparo e de
sensibilização dos adultos e profissionais da saúde, tomam a revelação
não-convincente.
Retratação: A criança tende a negar posteriormente o abuso
sexual, caso não encontre apoio, retirando a queixa. Isso ocorre devido
aos seus sentimentos ambivalentes e à culpa com relação ao pai e à
família, e também por causa da possibilidade real de que as ameaças
e os medos associados ao abuso sejam verdadeiros. A criança diz que
inventou a história do abuso - mentira que recebe maior credibilidade
do que a queixa do incesto -, confirmando as expectativas dos adultos
de que ela não é confiável, e as dela de que não pode se queixar,
restabelecendo-se o “equilíbrio” familiar.
A criança é, então, duplamente vítima, dos abusos sexuais e da
incredulidade dos adultos. Freqüentemente, a relação abusiva se
mantém pelo período de anos, antes que ela consiga falar a uma
terceira pessoa, por causa da confusão de papéis na família disfuncional
(Fumiss, 1993). Quando o abuso é revelado à Justiça e às agências de
proteção à infância, a mãe expressa choque e incredulidade. Em muitos
casos, o pai quer ser visto como vítima dos avanços sexuais da criança,
apresentando-a como sedutora e precocemente sexuahzada (Zavaschi
e cols., 1991). Contata-se que, mesmo diante da Justiça, em muitos
casos, ela se retrata, voltando atrás quanto à revelação, diante do risco
de catástrofe que esta provoca. O silêncio perante a sociedade pode
ocorrer por vários motivos: temor pela reação da própria família;
manutenção da aparência de “sagrada família”; conivência entre as
pessoas que sabem do fato e não o denunciam; a idéia de que nada
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 35

pode ser feito para resolver o problema; por ser um assunto tabu; por
não saber o que fazer (Cohen, 1997).
Mesmo que a maioria dos casos de abuso sexual envolvendo
crianças raramente seja revelada, devido a culpa, vergonha e tolerância
da vítima, há outros fatores que geram essa condição - como, por
exemplo, a relutância de alguns médicos em reconhecer o problema
e relatá-lo, a insistência de tribunais em regras estritas de evidência e
o medo da dissolução da família, se for descoberto o abuso.
Possivelmente, uma das principais questões que levam os profissionais
de saúde a negar e a subestimar a severidade e a extensão do abuso
sexual é o fato de ele significar a violação de tabus sociais - como o
incesto -, despertando sentimentos de raiva e desconforto nos próprios
agentes de saúde (Fumiss, 1993; Zavaschi e cols., 1991).
O abuso sexual contra crianças ou adolescentes é, portanto, um
fenômeno que envolve variáveis complexas na caracterização de sua
dinâmica. Por esta razão, é considerado um problema multidisciplinar,
requerendo uma estreita cooperação de diferentes profissionais. Como
questão legal e terapêutica, requer, por parte de todos os profissionais
envolvidos, o conhecimento dos aspectos criminais e de proteção da
criança, assim como dos psicológicos (Fumiss, 1993).
Dados epidemiológicos

abuso sexual contra crianças e adolescentes não é um

O fenômeno atual. Referências a atividades sexuais entre


adultos e crianças podem ser encontradas nos registros históricos de
civilizações antigas e modernas. Estes revelam reações sociais
extremamente ambivalentes, variando da negação dos contatos sexuais
entre adultos e crianças até a sua aceitação dessas relações (Deblinger
& Heflin, 1995). No entanto, só recentemente o abuso sexual infantil
passou a ser foco de pesquisas que têm documentado o seu impacto
psicossocial no desenvolvimento de crianças e adolescentes, assim
como vem recebendo atenção dos meios de comunicação (Amazarray
& Koller, 1998). Flores e Caminha (1994) sugerem, inclusive, que a
real freqüência de abusos tenha permanecido constante e o que estaria
aumentando é a atenção dada atualmente ao problema.
A cada ano são relatados, aproximadamente, de 150 a 200 mil
novos casos de abuso sexual infantil nos Estados Unidos {National
Committee for the Prevention of Child Abuse, 1992, citado por Kaplan
& Sadock, 1997). Em diversos países, muitos estudos epidemiológicos
têm sido conduzidos com o objetivo de entender como o fenômeno
abuso sexual se manifesta. Esses dados revelam parcialmente a
dimensão do problema, uma vez que correspondem apenas aos casos
denunciados em agências de proteção à criança. As taxas de ocorrência
reais são, provavelmente, mais elevadas que essas estimativas, pois
muitos casos de abusos sexuais não são reconhecidos tampouco
diagnosticados.
38 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Finkelhor (1994) realizou uma pesquisa nos Estados Unidos,


através de contato telefônico, constatando que 27% das mulheres e
16% dos homens consultados sofreram abusos sexuais antes de
completarem dezoito anos. Amazarray e Koller (1998) apresentam
um estudo, realizado com mulheres adultas em São Francisco (EUA),
dirigido por Russell (1984), demonstrando que mesmo após excluir
eventos menores (exibicionismo sem contato físico), 16% da amostra
reportou abuso sexual intrafamiliar antes dos dezoito anos e 12%
antes dos catorze anos. Abuso sexual extrafamiliar, envolvendo sexo
genital, antes dos dezoito anos foi referido por 31 % dos entrevistados,
20% reportaram tais atividades antes dos catorze anos. Dos abusos
sexuais extrafamiliares antes dos dezoito anos, somente 15% foram
perpetrados por estranhos. Raramente as mulheres eram identificadas
como perpetradoras.
Os profissionais envolvidos em estudos sobre abuso sexual
infantil acreditam que, na realidade, uma em cada quatro meninas e
um em cada oito meninos, sofrem abuso antes de completar dezoito
anos, e que cerca de 80% dos casos são intrafamiliares (Zavaschi e
cols., 1991). Outros trabalhos também apontam uma maior incidência
de abusos sexuais incestuosos do que extrafamiliares. Um deles,
conduzido por Ferracuti (1988, citado por Cohen, 1997) nos Estados
Unidos, avaliou que o número de meninas vítimas de incesto está
entre 60 e 100 mil, mas somente 20% dos casos são denunciados. As
pesquisas mais alarmistas, porém, calculam que ocorram relações
incestuosas em 10% das famílias americanas. Um estudo realizado
por Barry (1985, citado por Cohen, 1997) estima que uma menina
em quatro teria sido vítima de incesto antes dos dezoito anos - ou
seja, 25% das mulheres -, sendo que apenas 25% dos casos de incesto
fica limitado a um único ato sexual, 70% das relações incestuosas
duram mais que um ano e 10% têm duração maior que três anos.
Em uma pesquisa realizada com crianças, de idades entre seis e
dezesseis anos, que haviam sofrido abusos sexuais, dos 81 casos
avaliados, em 78 o abusador era algum membro da família e em três
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 39

eram pessoas de confiança (vizinhos ou babás). Dos 78 casos, 22%


tinham o pai biológico ou o padrasto como abusador. Com exceção
de uma criança que sofrerá abuso da madrasta, todas as demais foram
vítimas de homens. Em 70% dos casos houve penetração anal ou
vaginal. A maioria das crianças participantes do estudo tinha sete ou
oito anos quando começaram os abusos, que tiveram duração, em
média, de dois anos (Horowitz, Putnam, Noll, Trickett, 1997).
Outro levantamento, também realizado nos Estados Unidos, com
amostra de 105 crianças vítimas de abusos sexuais, com idade entre
oito e quinze anos, constatou que 46,7% dos casos eram incestuosos
e 44,8% envolviam sexo oral, anal ou penetração vaginal. As idades
médias do primeiro e do último episódio de abuso foram,
respectivamente, 9,3 e 10,5 anos, e 84,8% eram meninas com idade
média de 11,6 anos (Lanktree & Briere, 1995).
No Brasil, Cohen (1997) realizou um estudo com a aplicação de
um questionário em vítimas de violência sexual que compareceram ao
Instituto Médico Legal da cidade de São Paulo, durante um período de
seis meses. Foram encontradas 548 pessoas (49,64%) que disseram
conhecer o seu agressor e 249 (22,55%) que foram vítimas de algum
parente, sendo que 207 (18,75%) moravam na mesma casa do agressor.
O grau de parentesco com a vítima foi assim caracterizado por
Cohen (1997): pai, 99 casos (41,60%); padrasto, 49 casos (20,59%);
tio, 33 casos (13,86%); primo, 26 casos (10,93%); irmão, nove casos
(3,78%); cunhado, nove casos (3,78%); companheiro da mãe, cinco
casos (2,10%); avô, quatro casos (1,68%); concunhado, um caso
(0,42%); sobrinho de padrasto, um caso (0,42%); tio-avô, um caso
(0,42%); madrasta, um caso (0,42%).
Outra pesquisa visando a verificar a prevalência da exposição à
violência sexual entre adolescentes foi desenvolvida com estudantes
de escolas estaduais de Porto Alegre. Foram selecionadas 52
instituições com Ensino Fundamental completo por meio de um
processo de amostragem aleatória, estratificada de acordo com o
tamanho da escola. Foi escolhida, em cada escola, uma turma de 8a
40 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

série, por sorteio aleatório, e foram incluídos todos adolescentes


presentes em sala de aula que consentiram participar do estudo. Um
instrumento de triagem da exposição à violência na comunidade foi
utilizado para identificar jovens que foram vítimas, testemunhas ou
conheciam vítimas de atos de violência sexual. Foram incluídos 1.193
adolescentes, representando 10,3% dos alunos de oitava série
matriculados na rede estadual de ensino da cidade. Os resultados
revelaram que entre os jovens estudados, 27 (2,3%) relataram ter
sido vítimas de violência sexual, 54 (4,5%) foram testemunhas de
algum tipo de violência sexual e 332 (27,9%) disseram conhecer
alguma vítima de abuso sexual (Polanczik, Zavaschi, Benetti, Zenker,
Gammerman, 2003).
Kristensen, Oliveira e Flores (1999) desenvolveram um
trabalho na região metropolitana de Porto Alegre com 1.754 registros
de crianças e adolescentes de zero a 14 anos que sofreram algum
tipo de violência, entre 1997 e 1998. Foram consultadas 75 institui­
ções que prestam atendimento a crianças e adolescentes, tais como
conselhos tutelares, casas de passagem, hospitais, órgãos do
Ministério Público, entre outros. Com relação aos abusos sexuais,
os números revelaram que 79,4% das vítimas são meninas e 20,6%
são meninos. A idade média das meninas é 11 anos e a dos meninos
é 9,5. Também foi investigado o local de ocorrência desses abusos,
constatando-se que 65,7% ocorreram na residência da vítima,
22,2% na rua, 9,8% na residência de terceiros e 2,4% em instituições
públicas.
De Lorenzi, Pontalti e Flech (2001) realizaram um levanta­
mento de 100 casos de violência contra crianças e adolescentes
atendidos no Ambulatório de Maus Tratos do município de Caxias
do Sul/RS, no período de 1998 a 1999, e constataram um significa­
tivo predomínio de abuso sexual (59%) e de vítimas do sexo
feminino (77%). A maioria dos abusos ocorreu com crianças entre
seis e nove anos de idade (35%), sendo o pai o principal responsável
pelas agressões verificadas (33%).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 41

Outro estudo (Braun, 2002) analisou os boletins de ocorrência


policial e os termos de informação das vítimas de abuso sexual
familiar, registrados no Departamento Estadual da Criança e do
Adolescente da Polícia Civil do RS (DECA). A amostra foi composta
por cinqüenta participantes com menos de dezoito anos. A partir dos
dados encontrados, foram traçadas a caracterização da vítima, do
agressor e do fato.
Com relação às vítimas, Braun (2002) verificou que a idade
variou entre dois e dezessete anos, sendo que a porcentagem mais
significativa foi a da faixa entre dez e catorze anos (56%), seguida
das faixa entre cinco e nove anos (29%), entre quinze e dezessete
anos (14%) e entre dois e quatro anos (10%). O maior número de
vítimas foi do sexo feminino (96%), com acentuada diferença em
relação ao masculino (4%). A pesquisa constatou que 26% da amostra
rompeu o silêncio em um período menor que um ano, 22% de um a
dois anos e 30% de três a seis anos. A idade da vítima, quando ocorreu
o fato pela primeira vez também foi mapeada: 44% da amostra tinha
entre dez e catorze anos, 42% entre cinco e nove anos, 10% entre
dois e quatro anos, 2% entre 15 e 17 anos e 2% não informou. A
maioria das vítimas procurou a ajuda da mãe (42%), sendo que as
demais recorreram a irmãos (10%), tios (4%), amigos (6%), escola
(6%), conselho tutelar (2%), vizinhos (2), instituição (6%) e não
procuraram ajuda (22%). As denúncias foram realizadas pelas mães
(38%), seguidas de outros familiares (30%), conselho tutelar (16%),
instituição (6%), disque-denúncia (6%) e Brigada Militar (4%). Com
relação ao agressor, a faixa etária situou-se, em primeiro lugar, entre
35 e 39 anos (26%), depois entre 45 e 49 anos (18%) e entre 40 e 44
anos (16%). Braun constatou que em primeiro lugar apareceu o pai
(40%) como perpetrador, seguido por padrasto (28%), tio (16%), avô
(4%), pai adotivo (4%), irmão (4%), cunhado (2%) e primo (2%).
Em 94% dos casos, os agressores negaram o fato e apenas 6%
confirmaram o abuso, afirmando terem sido “seduzidos” pela vítima.
O trabalho também invetigou a presença de álcool e/ou drogas: em
42 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

46% dos casos o agressor se encontrava alcoolizado e/ou drogado,


19% estavam sóbrios e em 38% das fichas não constava a informação.
A autora verificou, ainda, a especificação do fato: em 46% dos casos
houve estupro, em 42% constatou-se atentado violento ao pudor e
em 12% verificaram-se estupro e atentado violento ao pudor. Os locais
onde os abusos ocorreram foram a residência da família (86% dos
casos), a residência dos avós (2%), local do serviço (6%), matagal
(2%) e não foi informado (4%).
Resultados semelhantes foram encontrados por Caminha,
Habigzang e Bellé (2003) em um levantamento realizado no período
de 2000 a 2002, no Programa Interdisciplinar de Promoção e Atenção
a Saúde (PIPAS), em São Leopoldo (RS). Mensalmente os estagiários
do grupo de pesquisa cognitivo-comportamental foram consultados
sobre os casos novos em atendimento. No período acima, o grupo
totalizou atendimento a 194 casos, sendo que em 51 destes havia
histórico de abusos sexuais na infância e na adolescência (26,29%).
Com relação a estes casos, algumas variáveis foram avaliadas:
• sexo da vítima: 44 casos (86,27%) eram do sexo feminino,
enquanto apenas sete (13,73%) eram do sexo masculino.
• idade: a grande maioria eram crianças e adolescentes com
idade entre dois e dezesseis anos (84,32%), havendo casos
de adultos com revelação tardia (15,68%).
• idade de início do abuso: a faixa etária entre cinco e oito
anos apareceu em primeiro lugar (49,02%), seguida da faixa
entre dois e quatro anos (23,53%), entre nove e doze anos
(15,66%), aos 15 anos (3,92%); em 7,83% dos casos não
havia informação.
• a quem pediu ajuda: a mãe apareceu em primeiro lugar
(52,94%), seguida de outro familiar (16,92%), psicoterapia
(9,8%), amigos ou vizinhos (13,73%), escola (3,92%) e
Juizado da Infância e Juventude (1,96%).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 43

• intervalo de tempo entre início do abuso e revelação: 37,25%


dos casos foram revelados durante o mesmo ano de início do
abuso, 7,84% romperam o silêncio no período de um a dois
anos, em 27,44% dos casos os abusos duraram entre três e
seis anos, 13,72% conseguiram romper o silêncio após sete
anos do início dos abusos e 13,73% não souberam informar.
• vínculo do abusador com a vítima: o padrasto apareceu em
primeiro lugar (37,25%), seguido de tio (15,68%), pai
(13,73%), irmão (3,92%), companheiro da avó (1,96%),
pessoas amigas da família, que freqüentavam a residência da
criança (19,6%), e em 7,84% o abusador era desconhecido.
Analisando os dados encontrados nos estudos acima apresen­
tados, fica aparente a coesão dos resultados. A grande maioria dos
abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorre dentro da casa
da vítima e configura-se como abuso sexual incestuoso; o pai biológico
e o padrasto aparecem como principais perpetradores. Ocorre,
também, uma maior prevalência de meninas nos casos de abuso
sexual, principalmente os incestuosos (Caminha, Habigzang, Bellé,
2003). A idade de início dos abusos é bastante precoce: a maioria se
concentra entre os cinco e os oito anos de idade. A mãe é a pessoa
mais procurada na solicitação de ajuda e a maior parte dos casos é
revelada pelo menos um ano depois do início do abuso sexual.
Esses dados são importantes porque contribuem para a análise
do impacto da experiência para o desenvolvimento de crianças e
adolescentes. Além disso, eles potencializam a eficácia de planos
preventivos e terapêuticos de intervenção.
Consequências do abuso sexual
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

s pesquisas demonstram que crianças e adolescentes podem


A ser afetadas pela experiência de abuso sexual de diferentes
formas: algumas apresentam efeitos mínimos ou nenhum efeito
aparente, enquanto outras desenvolvem severos problemas
emocionais, sociais e/ou psiquiátricos (Heflin & Deblinger, 1999;
Saywitz, Mannarino, Berliner &s Cohen, 2000). O impacto do abuso
sexual está relacionado com fatores intrínsecos à criança, tais como,
vulnerabilidade e resiliência (temperamento, resposta ao nível de
desenvolvimento neuropsicológico), e com a existência de fatores de
risco e proteção extrínsecos (recursos sociais, funcionamento familiar,
recursos emocionais dos cuidadores e recursos financeiros, incluindo
acesso ao tratamento). Algumas conseqüências negativas são
exacerbadas em crianças que não dispõem de uma rede de apoio social
e afetiva (Saywitz, Mannarino, Berliner & Cohen, 2000).
Brito e Koller (1999) destacam três aspectos de um desenvol­
vimento adaptado: presença de uma rede de apoio social e afetiva,
coesão familiar e ausência de conflito, e características individuais,
tais como autonomia e auto-estima. A rede de apoio social é definido
como o conjunto de sistemas e de pessoas significativas que compõem
os elos de relacionamento existentes e percebidos pelo indivíduo. A
esse construto foi, recentemente, agregado o elemento afetivo, em
função da importância do afeto para a construção e a manutenção do
apoio. Dessa forma, a possibilidade de se desenvolver adaptativamente
e de dispor de recursos que incrementem os determinantes acima
46 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

protege a pessoa de doenças e sintomas psicopatológicos, mesmo


quando ela está diante de situações adversas.
O apoio social e afetivo está relacionado com a percepção que a
pessoa tem de seu mundo social e de como se orienta nele, suas
estratégias e suas competências para estabelecer vínculos. A rede de
apoio social e afetiva exerce influência na emissão de respostas
positivas e diminuição de sintomas psicopatológicos, tais como,
remissão de sintomas depressivos e de sentimentos de desamparo
(Brito & Koller, 1999).
Brito e Koller (1999) salientam que as pessoas tomam-se
vulneráveis perante situações de risco, demonstrando suscetibilidade
individual, por não contarem com uma rede de apoio social e afetivo
eficaz e efetiva na prevenção de doenças e de características
desadaptativas. Essa vulnerabilidade potencializa os efeitos negativos
das situações estressantes. Por outro lado, a pessoa que tem um
desenvolvimento saudável é definida como resiliente, ou seja, capaz
de buscar alternativas para enfrentar de forma satisfatória os eventos
negativos da vida. Crianças vulneráveis carecem dessa capacidade
ou da tomada de ação eficaz na superação de eventos negativos,
provocando comportamentos desadaptados ou sintomas
psicopatológicos (De Antoni & Koller, 2001).
Os conceitos de resiliência e vulnerabilidade envolvem fatores
de risco e de proteção. Risco está associado às características ou aos
eventos que podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a
pessoa diante da situação de estresse. Em contrapartida, fatores de
proteção inibem a intensidade desse risco e têm sido identificados
principalmente no cuidado estável oferecido pela família - que reforça
a identificação com modelos e papéis -, nas características pessoais
- como a habilidade para resolver problemas, a capacidade de cativar
pessoas, a competência social, as crenças de controle pessoal sobre
os eventos de vida e o senso de auto-eficácia - e na possibilidade de
contar com o apoio social e emocional de grupos externos à família,
diante de eventos estressores (De Antoni & Koller, 2001).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 47

Crianças com um fraco apoio social e afetivo - em especial o


recebido dos pais - são mais propensas a vários riscos emocionais e
sociais durante seu desenvolvimento. Assim, a família possui capacidade
ótima de ser fator protetivo e preventivo de psicopatologias ou transtornos
comportamentais de crianças e adolescentes (Brito & Koller, 1999).
Em um estudo realizado com 49 vítimas de abuso sexual (idade
entre sete e catorze anos) e seus cuidadores primários não abusivos, foi
constatado que o desenvolvimento e a manutenção de sintomas
psicológicos em crianças que sofreram abuso são significativamente
influenciados pelo sofrimento emocional dos pais com relação ao fato,
o apoio deles à criança e as crenças que ela apresenta com relação ao
abuso (Cohen & Mannarino, 2000a). Crianças e adolescentes vítimas
de abuso sexual com cognições negativas relacionadas ao evento
traumático - como sentir-se diferente dos iguais, auto-acusar-se, pouca
credibilidade e confiança interpessoal - apresentam níveis maiores de
sintomatologia pós-abuso (Heflin & Deblinger, 1996/1999).
Segundo Fumiss (1993), o grau de severidade dos efeitos do
abuso sexual varia de acordo com:
• a idade da criança no início do abuso sexual (não se sabe em
qual idade há maior prejuízo);
• duração do abuso (algumas evidências sugerem que maior
duração produz conseqüências mais negativas);
• o grau de violência (uso de força pelo perpetrador resulta em
conseqüências mais negativas, tanto a curto como a longo prazo);
• a diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a
vítima (quanto maior a diferença, mais graves são as
conseqüências);
• a importância da relação entre abusador e vítima (quanto
maior a proximidade e a intimidade, piores as conseqüências);
• a ausência de figuras parentais protetoras e de apoio social
(nesses casos, o dano psicológico é agravado);
• o grau de segredo e de ameaças contra a criança.
48 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Outros fatores são acrescentados: saúde emocional prévia


(crianças com saúde emocional positiva antes do abuso tendem a
sofrer menos efeitos negativos); tipo de atividade sexual (alguns dados
sugerem que formas de abuso mais intrusivas, como a penetração,
resultam em mais conseqüências negativas); vários tipos de abusos
sexuais cometido; reação dos outros (a resposta negativa da família
ou dos pares diante da descoberta do abuso acentuam efeitos
negativos: família, amigos e juizes atribuindo a responsabilidade à
criança); dissolução da família depois da revelação; criança
responsabilizando-se pela interação sexual; recompensa recebida pela
vítima e negação do perpetrador de que o abuso aconteceu (Amazarray
& Koller, 1998; Deblinger&Heflin, 1995;Gabel, 1997; Mattos, 2002;
Rouyer, 1997).
Os abusos sexuais infantis são um importante fator de risco para
o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, apesar da com­
plexidade e da quantidade de variáveis envolvidas. Estudos revelam
que crianças vítimas de abuso sexual exibem mais sintomas psiquiá­
tricos quando comparadas a outras que não sofreram abuso (Browne
& Finkelhor, 1986; Green, 1993; Wind & Silvem, 1994, citados por
Saywitz e cols., 2000). Contudo, não há um único quadro sinto-
matológico que caracterize a maioria das crianças abusadas sexual­
mente. Mesmo não tendo sido identificado um único transtorno
resultante de experiências sexualmente abusivas, mais de 50% de
vítimas de abuso sexual infantil apresentam critérios diagnósticos
para transtorno do estresse pós-traumático (Saywitz e cols., 2000).
A literatura mostra, ainda, que crianças ou adolescentes vítimas
de abuso sexual podem desenvolver quadros de depressão, transtornos
de ansiedade, transtornos alimentares, transtorno dissociativo,
transtorno de hiperatividade e déficit de atenção e transtorno de
personalidade borderline. Entretanto, a psicopatologia decorrente do
abuso sexual mais citada é o transtorno do estresse pós-traumático
(TEPT) (Cohen, Mannarino, Rogai, 2001; Green, 1995; Heflin &
Deblinger, 1999; Kaplan & Sadock, 1997; Zavaschi et al., 1991).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 49

Em um estudo realizado com adolescentes internados em uma


clínica psiquiátrica por motivos diversos, 93% relataram pelo menos
um evento traumático em sua história de vida, tais como: ser vítimas
ou testemunhas de violência comunitária, testemunhar violência
familiar ou ser vítimas de abusos físicos e sexuais. O abuso sexual,
neste estudo, foi o evento traumático mais comum, citado por 69%
dos pacientes com transtorno do estresse pós-traumático (Lorion &
Saltzman, 1993, citado por Polanczik, Zavaschi, Benetti, Zenker,
Gammerman, 2003).
As manifestações do TEPT são agrupadas em três categorias:
1) experiência contínua do evento traumático (lembranças intrusivas,
sonhos traumáticos, jogos repetitivos, comportamento de
reconstituição, angústia nas lembranças traumáticas); 2) evitação e
entorpecimento (de pensamentos e lembranças do trauma, amnésia
psicogênica, desligamento), e 3) excitação aumentada (transtorno do
sono, irritabilidade, raiva, dificuldade de concentração,
hipervigilância, resposta exagerada de sobressalto e resposta
autônoma a lembranças traumáticas) (DSM-IV-TR, 2002).
O evento traumático pode ser revivido de várias maneiras, e,
algumas vezes, a pessoa experimenta estados dissociativos, ou seja,
momentos nos quais há uma ruptura com a realidade, que podem
durar de alguns segundos a várias horas (Caminha, 2000). Nesses
casos, os componentes do evento são revividos e a pessoa se comporta
como se o vivenciasse naquele instante, com intenso sofrimento psico­
lógico ou reatividade fisiológica. É possível o desenvolvimento de
transtornos dissociativos graves decorrentes dos abusos. Após longos
períodos de exposição à violência, há dissociações mais freqüentes e
patológicas, ou seja, o meio ambiente é tão hostil e a hiper-responsi-
vidade é tão constante que toma-se imperativo para o psiquismo um
corte com a realidade. Esta é uma tentativa de preservação da
integridade psíquica, que, na verdade, acaba se desorganizando,
justamente por causa do uso contínuo (não consciente) de mecanismos
dissociativos. Nessa mesma perspectiva, Perry e Pollard (1998)
50 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

afirmam que, nos momentos em que a criança está mais exposta ao


perigo (alarme), surge a necessidade urgente de atingir a homeostase
a fim de garantir a sobrevivência. A dissociação é, então, caracterizada
por uma variedade de mecanismos mentais envolvidos no
desprendimento do mundo externo, nos quais ocorre distração,
evitação, paralisia, fuga, fantasia, despersonalização, etc.
Além de quadros psiquiátricos decorrentes de experiências
sexualmente abusivas, pode-se observar, nas vítimas, alterações
comportamentais, afetivas e cognitivas, tais como, ideações suicidas,
abuso de substâncias, condutas hipersexualizadas, fugas do lar,
condutas delinqüentes, isolamento social, baixo rendimento escolar,
irritabilidade, sentimentos de culpa, raiva e de diferença com relação
aos seus iguais (Amazarray & Koller, 1998; Cohen, Mannarino &
Rogai, 2001; Flores & Caminha, 1994; Polanczik, Zavaschi, Benetti,
Zenker & Gammerman, 2003).
Porter, Blick e Sgroi (1982, citados por Knell & Ruma, 1999)
indicaram dez questões de impacto comumente encontradas em
vítimas de abuso sexual infantil: 1) síndrome dos “bens danificados”;
2) culpa; 3) medo; 4) depressão; 5) baixa auto-estima e habilidades
sociais empobrecidas; 6) raiva e hostilidade reprimidas; 7) capacidade
para confiar prejudicada; 8) limites não muito claros entre os papéis
e confusão de papéis; 9) pseudomaturidade e fracasso na aquisição
de áreas do desenvolvimento; 10) problemas de autodomínio e
controle.
Alguns estudos mostram que as conseqüências do abuso sexual
para o desenvolvimento podem ocorrer a curto e a longo prazo. Um
desses trabalhos analisou os efeitos do abuso, classificando-os de
acordo com a idade pré-escolar (zero a seis anos), escolar (sete a
doze anos) e adolescência (treze a dezoito anos). Os sintomas mais
comuns em pré-escolares são: ansiedade, pesadelos, transtorno do
estresse pós-traumático e comportamento sexual inapropriado. Em
crianças com idade escolar, os sintomas mais freqüentes incluem:
medo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problemas escolares,
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 51

hiperatividade e comportamento regressivo. Na adolescência, os


sintomas mais recorrentes são: depressão, isolamento, comportamento
suicida, auto-agressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso
de substâncias e comportamento sexual inadequado. Entre os sintomas
comuns às três fases de desenvolvimento estão: pesadelos, depressão,
retraimento, distúrbios neuróticos, agressão e comportamento
regressivo (Kendall-Tackett, Williams, Finkelhor, 1993, citado por
Amazarray & Koller, 1998).
Outro estudo investigou as conseqüências negativas para as
vítimas a curto prazo (Azevedo, Guerra & Vaiciunas, 1997).
Participaram da pesquisa 21 vítimas de incesto pai-filha (pai biológico,
adotivo ou padrasto). Elas foram atendidas na Ia Delegacia da Defesa
da Mulher de São Paulo, onde havia registrados 76 casos como esses.
As meninas responderam a uma entrevista semi-estruturada que
envolvia duas partes: uma chamada álbum de família e a outra, minha
vida em família. Na primeira, pediu-se às participantes que fizessem
um retrato falado de cada uma das pessoas de sua família, incluindo
ela própria. Este retrato de família foi feito, pelo desenho de cada
menina, associado a uma entrevista complementar. Na segunda parte,
foi abordada a vida em família das participantes, a partir dos seguintes
temas: biografia pessoal, biografia familiar, incesto, causas,
conseqüências e formas de evitação. Analisando o discurso das
meninas foi possível identificar as principais modificações que
perceberam em suas vidas, logo após a ocorrência do incesto. As
conseqüências identificadas foram de dois tipos: orgânicas e
psicológicas. Do primeiro tipo, foi mencionada a gravidez que ocorreu
com duas adolescentes (uma de treze anos e outra de dezessete anos).
Outras conseqüências físicas possíveis são doenças sexualmente
transmissíveis e lesões físicas (Amazarray & Koller, 1998; Braun,
2002). Entre as conseqüências psicológicas, Azevedo, Guerra e
Vaiciunas (1997) identificaram as seguintes dificuldades: adaptação
interpessoal, adaptação sexual, processo de ensino-aprendizagem e
adaptação afetiva.
52 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

As dificuldades de adaptação interpessoal (com pessoas em


geral, meninos, amigos, pais das amigas e irmãos) incluem
retraimento, dificuldade em confiar nos outros e relacionamentos
superficiais, além do risco de se tomarem adultos abusadores. Crianças
que sofreram abuso podem apresentar lacunas na emissão de
comportamento pró-social: compartilham menos, ajudam menos e
se associam menos com outras crianças, quando comparadas com
crianças que não foram vítimas de abuso (Flores & Caminha, 1994).
As dificuldades de adaptação sexual incluem brinquedo
sexualizado com bonecas, introdução de objetos ou dedos no ânus
ou na vagina, masturbação excessiva e em público, conhecimento
sexual inapropriado para a idade e pedido de estimulação sexual a
adultos ou a outros meninos ou meninas (Amazarray & Koller, 1998).
Em crianças há um aparecimento precoce da sexualidade genital,
enquanto em adolescentes a menarca pode ser vivida como uma reação
violenta de vergonha: o sangue pode ser vinculado ao incesto e
percebido como castigo. As vítimas sofrem de incapacidade de dizer
não, têm dificuldades para se proteger e, numa reprodução do trauma,
colocam-se em situações de perigo (Cohen, 1997; Rouyer, 1997). Na
idade adulta, essas dificuldades podem se manifestar através do medo
de se relacionar sexualmente, problemas de relacionamento sexual
com o cônjuge, impotência, compulsão ao sexo, etc.
As dificuldades no processo ensino-aprendizagem identificadas
no estudo de Azevedo, Guerra e Vaiciunas (1997) se manifestaram
sob a forma de repetência ou de interrupção dos estudos, precedida
ou não de repetência. Na amostra estudada, nove vítimas (42,8%)
interromperam os estudos. As autoras sugerem que esses problemas
podem ser resultantes de depressão ou de dificuldades em se
concentrar.
As dificuldades de adaptação afetiva estão freqüentemente
associadas ao sentimento de culpa, a idealizações e/ou a tentativas
de suicídio e fixação em idéias de morte. O sentimento de culpa é
uma reação típica em vítimas de abuso sexual na infância e adoles­
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 53

cência. Segundo Azevedo, Guerra e Vaiciunas (1997), são três as


possíveis explicações para esse sentimento: 1) medo das pressões
oriundas do “complô de silêncio” que cerca a criança-vítima; 2) auto-
condenação por ter experienciado algum prazer físico; 3) vergonha
por ter se deixado abusar durante um longo tempo.
Azevedo, Guerra e Vaiciunas (1997) ressaltam que a fixação
em idéias de morte e o suicídio (idealizado ou efetivamente tentado)
têm provavelmente a mesma raiz: podem ser sintomas importantes
de depressão, que, por sua vez, pode ser tristeza em decorrência de
sentimentos de culpa e de autodesvalorização experimentados pelas
vítimas. É importante observar que as idéias de morte surgiram em
crianças, enquanto a problemática de suicídio revelou-se em adoles­
centes. Sentimentos de autodesvalorização e de culpa podem levar a
uma série desastrosa de eventos. De um lado, a culpa internalizada
pode ser um importante fator na manifestação de tentativas de suicídio,
auto-agressão, depressão e anorexia nervosa. Por sua vez, quando
extemalizada, pode redundar em delinqüência, pequenos crimes, fugas
e comportamento anti-social. Para Gabei (1997), as conseqüências
afetivas são as mais graves e difíceis de avaliar.
Esses efeitos implicam uma verdadeira ruptura na vida da criança
e do adolescente. O termo ruptura justifica-se pelo corte brusco na
vida da vítima: interrompe-se o ciclo da sexualidade normal com
uma gravidez precoce, a sociabilidade toma-se mais limitada, há
suspensão dos estudos, etc. E é por meio desse corte que as vítimas
passam a se perceber como inadequadas e diferentes em relação às
companheiras da mesma idade (Azevedo, Guerra, Vaiciunas, 1997).
Rouyer (1997) cita um estudo canadense, de Ontário (sem
referência), envolvendo 125 crianças com menos de seis anos de idade,
hospitalizadas por abuso sexual. Dois terços manifestavam reações
psicossomáticas e desordens no comportamento: pesadelos, medos,
angústias. Anomalias do comportamento sexual - masturbação
excessiva, objetos introduzidos na vagina e no ânus, pedido de
estimulação sexual e conhecimento da sexualidade adulta inadequado
54 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

para a idade - foram apresentadas por 18% das crinaças. Em outro


estudo citado pela autora, realizado na França por Courtecuisse e sua
equipe (s.d.), foi constatado que, em uma amostra de trinta
adolescentes vítimas de incesto, 22 tentaram suicídio uma vez ou
apresentavam estados depressivos, dificuldades acentuadas no
desenvolvimento escolar, fugas, anorexia, distúrbios sem substrato
orgânico que causavam sérios problemas físicos e toxicomania.
As queixas somáticas são habituais: mal-estar difuso, impressão
de alteração física, persistência das sensações que foram impingidas.
As dores abdominais agudas sem substrato orgânico ocorrem em todas
as idades, sobretudo em adolescentes. Verificam-se crises de falta de
ar, desmaios, problemas relacionados à alimentação, como náuseas,
vômitos, anorexia e bulimia. A enurese e a encoprese são freqüentes,
sobretudo nas crianças menores e nas que sofreram penetração anal.
A interrupção da menstruação se dá mesmo quando não houve
penetração vaginal. O sentimento de repugnância da criança por si
mesma pode ocasionar rituais de “se lavar” compulsivamente. Outra
forma de se reapropriar do corpo é pela excitação, obtida por meio de
atos que provocam prazer e sofrimento (Rouyer, 1997).
Experiências sexualmente abusivas podem implicar uma perda
da integridade física, ou seja, sensações novas foram despertadas,
mas não integradas, e a criança exprime angústia de que algo se
quebrou no interior de seu corpo. O medo de ter engravidado, seja
qual for a idade da vítima e a natureza do ato cometido, é relatado
com muita ffeqüência (Rouyer, 1997).
Outras conseqüências ainda descritas por Rouyer (1997) são as
constantes perturbações do sono, que traduzem angústias de baixar a
guarda e ser agredido sem defesa. A recusa das crianças menores em
se deitar, agarrando-se ao adulto não implicado, é um exemplo desse
receio. Do mesmo modo, observam-se rituais de averiguação ou de
prevenção, ao colocar em tomo da cama objetos que possam fazer
barulho caso alguém se aproxime; certas crianças dormem
completamente vestidas. O despertar angustiado durante a noite
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 55

também é muito freqüente e se manifesta sob a forma de pesadelos.


Por fim, há prejuízo das funções intelectuais e criativas. A criança
pára de brincar, desinteressa-se pelos estudos, fecha-se em si mesma,
toma-se morosa ou inquieta.
O abuso sexual também pode acarretar um sério impacto
neuropsicológico. Perry (1997) foi um dos primeiros autores a mostrar,
do ponto de vista morfológico cerebral, os prejuízos gerados por
eventos estressantes resultantes de violência doméstica na infância.
O autor demonstrou que há impacto negativo no desenvolvimento
neurológico das crianças que sofreram abuso. Os principais efeitos
neuropsicológicos do transtorno do estresse pós-traumático (TEPT)
em crianças envolvem a diminuição da capacidade de modulação da
impulsividade nas áreas subcortical e cortical, inclusive com a
diminuição morfológica dessas áreas.
Segundo Teicher (2002), que estudou as mudanças neuro-
psicológicas de crianças vítimas de abuso, o sistema límbico delas tem o
desenvolvimento muito afetado. Esse sistema desempenha um papel
central na regulação da memória e da emoção. Duas regiões límbicas,
localizadas no lobo temporal, são criticamente importantes: o hipocampo
e a amígdala. O primeiro é responsável pela formação e pela recuperação,
tanto da memória verbal, quanto da emocional, enquanto a segunda está
ligada à criação do conteúdo emocional da memória.
Teicher (2002) cita a pesquisa desenvolvida em 1997 por
Douglas Bremner e seus colegas da Escola de Medicina da Univer­
sidade de Yale. Foram comparados os resultados de ressonâncias
magnéticas feitas em dezessete pessoas que sofreram abuso físico e
sexual, e que apresentavam TEPT, com os de outras dezessete pessoas
que não haviam passado por essas experiências. A amostra foi pareada
de acordo com idade, sexo, raça, escolarização, uso de álcool, se
canhotos ou destros. Verificou-se que os hipocampos das vítimas de
abuso com TEPT eram, em média, 12% menores que o do grupo
controle, mas os hipocampos direitos tinham tamanhos normais. A
mesma pesquisa também verificou redução média de 9,8% no
56 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

tamanho da amígdala esquerda, que se correlaciona com sentimentos


de depressão, irritabilidade ou hostilidade. Outra pesquisa, citada por
Teicher, conduzida em 1999 por Michael De Bellis e seus colegas da
Universidade de Pittsburg, com amostra de 44 crianças confirma os
resultados acima. Isso se deve à exposição aos hormônios do estresse,
que pode mudar significativamente o formato dos neurônios e até
mesmo matá-los. Esses estudos constataram, ainda, que os hemisférios
esquerdos de pessoas vitimadas pela violência se desenvolvem
significativamente menos do que deveríam. O hemisfério esquerdo é
especializado na percepção e na expressão da linguagem.
A explicação para as alterações morfológicas é que a exposição
precoce ao estresse gera efeitos moleculares e neurobiológicos que
alteram o desenvolvimento neuronal de forma adaptativa, preparando
o cérebro para a sobrevivência. A superativação dos sistemas de reação
ao estresse aumenta o risco de obesidade, diabetes tipo 2 e hipertensão,
leva a um grande número de problemas psiquiátricos, incluindo alto
risco de suicídio, e acelera o envelhecimento e a degeneração das
estruturas do cérebro, inclusive do hipocampo (Teicher, 2002).
Dentre as funções cognitivas, uma das mais afetadas em crianças
vítimas de abusos sexuais é a de discriminação cognitiva, ligada
principalmente ao córtex pré-frontal. Na prática, isso significa que
essas crianças possuem dificuldades de discriminar estímulos
agressivos de estímulos cooperativos, bem como, de adequar as
respostas a esses estímulos. Possuem, ainda, a dificuldade de mediar
e discriminar afetos, principalmente afetos negativos de positivos,
afetos sexuais de não sexuais, resultando em crianças agressivas e
com condutas hipersexualizadas (Caminha, 2000).
Crianças e adolescentes freqüentemente expostos à violência -
como vítimas diretas, como testemunhas ou convivendo com pessoas
que tenham sido vitimadas - podem desenvolver uma dessensi-
bilização emocional para a violência, ou seja, podem passar a vê-la
como um componente normal da realidade, deixando de reagir
negativamente a eventos dessa natureza e a incorporando aos seus
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 57

contextos culturais. O comportamento agressivo pode passar a ser


um modo predominante de expressão de sentimentos, conforme
experiências prévias, impedindo o desenvolvimento de empatia e
outros modos adaptativos de funcionamento (Polanczik e cols., 2003).
A longo prazo, as conseqüências decorrentes do abuso
permanecem e, em muitos casos, se agravam se não houver interven­
ção adequada. Em um estudo, em que foi aplicado um questionário
sobre a infância a todas as pessoas com idade a partir de dezenove
anos, que freqüentaram um hospital para exames de rotina para
prevenir problemas de saúde, 5,9% dos pacientes referiram ter
histórico de abuso sexual na infância. Entre estes, foram identificados
problemas com álcool, tabagismo, depressão, auto-avaliação negativa
do estado de saúde, altos níveis de estresse, além de problemas
familiares (e conjugais) e profissionais (Edwards, Anda, Nordenberg,
Felitti, Williamson & Wright, 2001).
Mulheres adultas, vítimas de abuso sexual quando crianças,
podem manifestar comportamento autodestrutivo, ansiedade, senti­
mentos de isolamento e estigmatização, baixa auto-estima, tendência
a se revitimar, incapacidade de confiar nas pessoas e sintomas psi-
cossomáticos (Amazarray & Koller, 1998). A experiência na infância
também traz problemas para a pessoa, na fase adulta, no exercício do
papel de pai ou mãe, constatados pela dificuldade de dar e receber
amor e pelo desconforto físico que permanece - devido ao contato
que se faz necessário na criação dos filhos, tanto nos cuidados quanto
à higiene como nos cuidados afetivos. Em decorrência, além de
carentes, os filhos são criados com poucas noções sobre o corpo e a
sexualidade, tomando-se mais propensos a serem vítimas. Cria-se,
assim, a perpetuação do ciclo abusivo dentro da família (Amazarray
& Koller, 1998; Grinblatt, Martins, Sattler, Caminha, Flores, 1994).
Em uma pesquisa com mulheres com histórico de abuso sexual
na infância, foi verificado que 67% das entrevistadas desenvolveram
quadro de TEPT. Problemas na regulação emocional e no funciona­
mento interpessoal foram identificados como dois sintomas adicionais,
58 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

que ocorrem com a mesma freqüência, ou maior, que os sintomas de


TEPT (Cloitre, Cohen, Koenen, Han, 2002). Mulheres vítimas de
abuso com TEPT apresentam maior sensibilidade a críticas,
inabilidade para ouvir outros pontos de vista, insatisfação conjugal,
maior isolamento social e ajustamento social pobre. Entre os
problemas ligados à regulação emocional foram encontrados: alta
intensidade de reação emocional, medo de experienciar a raiva e
dificuldade em expressá-la apropriadamente, e experiências transi­
tórias de dissociação. Os pesquisadores afirmam, ainda, que pessoas
que sofreram trauma na infância, quando comparados a outros que
sofreram traumas na idade adulta (estupro ou desastres naturais),
apresentam mais problemas, particularmente, no domínio da
modulação afetiva, no manejo da raiva e nos relacionamentos inter­
pessoais (Cloitre, Cohen, Koenen & Han, 2002).
O abuso infantil ocorre durante o período formativo crítico em
que o cérebro está sendo fisicamente esculpido e o impacto do estresse
pode deixar uma marca indelével em sua estrutura e em sua função
(Teicher, 2002). O cérebro infantil é mais afetado pelo estresse do
que o cérebro adulto por estar organizando circuitos anatômicos e
bioquímicos. Isso não significa que adultos não sofram também
intensamente com o estresse, mas devido à maturidade neural, o
impacto é bem menor do que na criança (Post & Weiss, 1998).
De acordo com Amazarray e Koller (1998), mesmo que uma
criança vítima de abuso sexual não apresente sintomas externos, ou
que sejam de pouca relevância, isso não quer dizer que não soffa ou
não venha a sofrer com os efeitos dessa experiência. Na verdade, é
possível ela apresentar um sofrimento emocional muito intenso. Além
disso, as conseqüências podem estar ainda latentes e talvez se
manifestem posteriormente, diante da resolução de uma crise evolutiva
ou situacional e diante do estresse. Dessa forma, uma criança que sofreu
abuso sexual deve ser sempre considerada em situação de risco.
As conseqüências do incesto são sempre sérias, mesmo que a
vítima não tenha consciência delas - muitas vezes os sentimentos
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 59

inerentes ao ato incestuoso são negados ou reprimidos. Mesmo que


a vivência do abuso não tenha ocorrido em clima de violência, é uma
experiência bastante dolorosa e desorganizante, devido à quebra na
confiança básica na relação da criança com seus pais (Cohen, 1997).
Esse fato resulta na desilusão e na incapacidade de confiar nas pessoas
e, como decorrência, em si mesma e em seu valor, fazendo-a se sentir
só e vulnerável perante a vida (Grinblatt, Martins, Sattler, Caminha
& Flores, 1994).
Considerando as conseqüências apresentadas de experiências
sexualmente abusivas para o desenvolvimento humano, verifica-se
que essa forma de maus-tratos pode comprometer seriamente a saúde
física e psicológica das vítimas. Assim, é necessário providenciar a
capacitação especializada dos profissionais da saúde, para que eles
estejam preparados para identificar corretamente esses casos mediante
o reconhecimento das alterações comportamentais e os sintomas
psicopatológicos comumente encontrados em crianças e adolescentes
que sofreram abuso. Além disso, esses profissionais também devem
estar preparados para os encaminhamentos necessários, a fim de que
as vítimas recebam atendimento legal, médico e psicológico
adequados.
A ÉTICA E A interdisciplinaiiidade:
ASPECTOS FUNDAMENTAIS PARA A
INTERVENÇÃO

tratamento de vítimas de abuso sexual infantil é bastante

O complexo e envolve situações que não costumam ser


rotineiras para terapeutas sem prática no atendimento de crianças e
adolescentes em situação de risco. Inicialmente, situações de abuso
sexual violam os direitos da criança estabelecidos pelo Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), devendo, portanto, ser comunicadas
a instâncias jurídicas de proteção à infância, Conselhos Tutelares,
Promotorias e Juizados da Infância e da Juventude, imediatamente
quando identificadas ou diante de suspeitas.
Até os últimos anos, a criança que fazia revelações de abusos
sexuais era suspeita de fabular. Atualmente, aqueles que conhecem
essas situações, e costumam trabalhar com meninos e meninas
inscritos em uma população dita de risco, sabem que são raros os
casos em que as crianças não dizem a verdade (Thouvenin, 1997).
A revelação é um momento crucial que pode, por si só, apresentar
um risco de trauma suplementar para a criança ou o adolescente.
Saywitz, Mannarino, Berliner e Cohen (2000) sinalizam a
importância de denunciar o abuso aos órgãos de proteção e ressaltam
que os terapeutas precisam estar conscientes das implicações legais
de suas intervenções.
No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente configurou
um resgate do sentido de cidadania através da doutrina da proteção
integral. A lei tomou obrigatória a notificação de casos suspeitos ou
62 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

confirmados de maus-tratos contra a criança ou adolescente, e os


profissionais de saúde passaram a ter uma razão prática para proceder
à notificação (Ferreira & Schramm, 2000). O Estatuto da Criança e
do Adolescente determina que “deixar o médico, professor ou
responsável por estabelecimento de atenção a saúde e do Ensino
Fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade
competente casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita
ou confirmação de maus-tratos contra a criança ou adolescente: pena
- multa de três a vinte salários-de-referência, aplicando-se o dobro
em caso de reincidência” (Art. 245, Lei Federal n° 8069/1990).
A notificação é um instrumento duplamente importante no combate
à violência: produz benefícios para os casos singulares e é instrumento
de controle epidemiológico. Apesar das determinações legais, a
subnotificação da violência é uma realidade no Brasil. A sua identificação,
nos serviços de saúde, é ainda carregada de muitas incertezas. Além
disso, a questão não tem sido tratada na maioria dos currículos de
graduação, logo, muitos profissionais não dispõem de informações básicas
que permitam diagnosticá-la (Gonçalves & Ferreira, 2002).
Gonçalves e Ferreira (2002) realizaram um estudo com o objeti­
vo de discutir as principais dificuldades enfrentadas pelos profissio­
nais. A análise concluiu que há necessidade de: a) esclarecimento da
noção legal de maus-tratos e da concepção de suspeita; b) preparação
de manuais técnicos de orientação; c) melhoria da infra-estrutura de
serviços; d) realização de outros estudos sobre as conseqüências do
ato de notificar, especialmente sobre a concepção de justiça que a
notificação transmite a família brasileira. A principal dúvida é se o
ato de notificar representa uma quebra do sigilo. No caso dos
profissionais da Psicologia, os autores lembram que o Código de Ética
dos Psicólogos (CFP, 1987), embora recomende privacidade e
assegure o sigilo (Art.3), prevê que o sigilo seja colocado a serviço
do menor impúbere ou interdito, permitindo sua quebra quando se
tratar de situações que impliquem conseqüências graves para o próprio
atendido ou para terceiros (Art. 26 e 27).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 63

O Código de Ética pode deixar de ser um instrumento eficiente


para o psicólogo se utilizado de forma inadequada, atendendo apenas
aos interesses individuais do próprio profissional, que, muitas vezes,
por temer ser processado por quebra de sigilo, acaba colocando seu
paciente em risco de integridade física e psíquica. Manter o silêncio
em casos de violência contra a criança ou o adolescente representa
uma situação de omissão, em que a ética, invocada erroneamente,
provoca o inverso, ou seja, leva a uma postura perversa e antiética. A
ética da responsabilidade deve conduzir as ações do profissional, na
qual o dever enquanto cidadão está acima de qualquer interesse da
categoria dos profissionais de psicologia (Antônio, 2002).
Em relação à Psicologia, foi homologada em 2000 a Resolução
n° 016 (Conselho Federal de Psicologia, 2000), que deve ser utilizada
para embasar o posicionamento ético do psicólogo. Esse documento
representa um avanço em termos da discussão ética na pesquisa e na
intervenção, visando a assegurar o bem-estar e a saúde dos participantes
de estudos. O texto afirma que os profissionais podem tomar ações
que julgarem pertinentes no caso da descoberta de abuso físico ou sexual
(Artigo 9o). Eles devem se responsabilizar eticamente pela
vulnerabilidade das pessoas, avaliando os benefícios que seu trabalho
possa oferecer. É também ressaltado, no documento, que, no caso de
pesquisas ou intervenções em populações de risco (por exemplo,
violência doméstica), os pesquisadores precisam conhecer teórica e
praticamente a realidade da população a ser estudada, estando
devidamente capacitados para o trabalho de investigação e encami­
nhamentos adequados, caso necessário (Lisboa & Koller, 2002).
Gomes, Junqueira, Silva e Junger (2002) realizaram uma pesqui­
sa com o objetivo de investigar a percepção dos profissionais de saúde
da rede pública diante dos casos de violência contra crianças e
adolescentes. Foram entrevistadas dezessete pessoas, entre médicos,
psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros. Foi constatado um
despreparo para identificar casos de maus-tratos, assim como para
realizar encaminhamentos adequados. Gonçalves, Ferreira e Marques
64 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

(1999), em um trabalho semelhante, verificaram a necessidade de


haver capacitação permanente de pessoal e integração à rede de
serviços sociais e de saúde dos programas de atendimento à criança e
ao adolescente. Amazarray e Koller (1998) também salientam o
despreparo generalizado - envolvendo profissionais da área de saúde,
educadores e juristas até as instituições escolares, hospitalares e
jurídicas - em manejar e tratar adequadamente os casos. O trabalho
nesse campo ainda é fragmentado, desorganizado e, em geral, difuso
metodologicamente.
Um estudo foi desenvolvido para avaliar a organização e a
eficácia das redes de apoio a crianças e adolescentes vítimas de
abuso sexual no atendimento dos casos, a fim de subsidiar ações de
caráter preventivo e de intervenção. Através de pesquisa documental,
foram analisados todos os expedientes de casos de violência sexual
ajuizados pela Coordenadoria das Promotorias da Infância e
Juventude de Porto Alegre, no período de 1992 a 1998. Foi consta­
tado que, na maioria das vezes, a violência sexual já era do conheci­
mento dos familiares, entretanto a denúncia se efetivou por motivos
diversos do ato em si. Em relação ao atendimento efetuado pela
rede, ficou evidente que o abuso sexual foi ignorado e as interven­
ções se deram em função de outras violações. Dessa forma, não
houve acompanhamento, avaliação e atendimento adequado. Além
disso, os agressores, com poucas exceções, foram punidos criminal­
mente. Na maioria dos casos analisados as crianças foram abrigadas
e o(s) pai(s) destituído(s) do pátrio poder. O estudo apontou a
necessidade emergente de criar serviços especializados de atendi­
mento e de capacitar os profissionais que trabalham com as crianças
e suas famílias, permitindo-lhes obter uma compreensão real dos
casos, bem como conduzir uma intervenção adequada (Azevedo,
Kreisner, Machado, Martins, Koller, 2001).
A identificação e o tratamento de casos de abuso sexual podem
provocar crises nos profissionais. Pouco a pouco, eles ficam inquietos,
fascinados, perplexos, excitados, ressurgem os medos infantis. Só
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 65

quando conseguem aceitar como realidade e representar uma relação


sexual entre uma criança e um adulto é que podem oferecer à criança
a possibilidade de falar (Gabei, 1997). Os profissionais são colocados
em uma posição de grande vulnerabilidade, daí a importância de não
trabalhar isoladamente, mas, ao contrário, empreender um trabalho
interdisciplinar, com um foro adequado para tratar desses aspectos.
Tal espaço permitirá planejar as intervenções, já que uma ação
imediata e não planejada freqüentemente acaba impedindo que se
estabeleça a realidade dos abusos e dá lugar a reações não terapêuticas
dos profissionais, sem finalidade nem objetivos claros (Fumiss, 1993).
O trabalho interdisciplinar é apontado como instrumento eficaz
para avaliação e intervenção nos casos de abuso sexual. A interferência
legal, desconhecendo os aspectos psicológicos do problema e as
necessidades terapêuticas da criança e das famílias, produz um dano
psicológico adicional à vítima. Por outro lado, os profissionais da saúde
mental, ao negligenciar os aspectos legais do abuso (proteção à criança
e prevenção adicional do crime), também contribuem para um aumento
do dano psicológico sofrido pela criança. Se os profissionais da saúde
não denunciarem a ocorrência do crime ou desconsiderarem sua
possível existência, estarão perpetuando o abuso sexual, colaborando
com a síndrome de segredo e levando adiante uma terapia que não tem
valor nenhum para minimizar o impacto físico e psicológico sofrido
pela criança (Amazarray & Koller, 1998).
Gonçalves e Ferreira (2002) também afirmam que o trabalho na
área de violência contra a criança e o adolescente requer intervenção
interdisciplinar, e que a ação que visa a minorá-la é mais eficaz quando
promovida por um conjunto de instituições atuando de modo
coordenado. Segundo Gomes, Junqueira, Silva e Junger (2002), as
pessoas consultadas para a pesquisa afirmaram que o atendimento
não se esgota na ação de um só profissional. Dessa forma, o trabalho
interdisciplinar se mostra fundamental. Além dessa questão, foram
apontados os encaminhamentos a outros serviços, como a notificação
nos conselhos tutelares. É importante que as ações profissionais não
66 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

se restrinjam aos campos disciplinares, mas que se espelhem no espaço


público para conseguir não só se conectar com a realidade como
também nela intervir.
A efetividade da intervenção e do tratamento em casos de abuso
sexual dependem, em grande parte, da boa coordenação e da
comunicação entre os profissionais e os serviços envolvidos. Uma
vez relatado o fato, é necessária a intervenção externa para reassegurar
a criança e separar fisicamente o abusador da família. Profissionais
habilitados devem coordenar essa intervenção para reduzir o trauma
para a criança. Também é preciso exame físico no caso de suspeita
de trauma genital ou himenial, doença venérea ou gravidez (Zavaschi
e cols., 1991).
A intervenção em casos de abuso deve ter como primeira
preocupação a avaliação das condições da família em proteger a
criança de novos abusos e a necessidade ou não do afastamento
imediato da criança (hospitalização, casa de parente, vizinho ou
instituição). Dessa forma, a primeira medida a ser tomada é a proteção
da vítima, seja pela reclusão do abusador, seja pelo afastamento da
criança (Zavaschi et al., 1991; Grinblatt, Martins, Sattler, Caminha,
Flores, 1994). Entre as possibilidades de encaminhamento, o abrigo
da vítima pode ser uma alternativa de salvaguardar a sua integridade
física e psíquica quando a família não apresenta condições de protegê-
la. A retirada da criança da família é, sem dúvida, uma intervenção
radical, uma interdição que, como tal, pode se caracterizar como
medida de tratamento da família e como medida protetiva. Esta pode
ser considerada para crianças ou adolescentes em situações graves
de violência já como terapêutica, ou seja, reparadora. A vítima
encaminhada para um abrigo necessita de acompanhamento
profissional para não compreender essa decisão como forma de
punição, reforçando a crença de que é responsável pelo abuso. O
abrigo pode ser um lugar privilegiado para casos extremos, garantindo
cuidados essenciais e rotinas definidas que viabilize o desenvol­
vimento saudável de crianças e de adolescentes (Fromer, 2002).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 67

Os profissionais se encontram diante do desafio de evitar as


formas traumáticas de intervenção sem resvalar, contudo, na negli­
gência com que o tema da violência contra crianças tem sido tratado
no Brasil, com raras e honrosas exceções. Uma das dificuldades
está em a família reconhecer a violência como problema. Outra é o
fato de a própria vítima “aceitar” a violência. No entanto, nesses
casos, os autores apontam que as crianças não podem ser conside­
radas totalmente capazes de determinar, por elas mesmas, como
devem viver. Esta idéia é reforçada por diversas teorias psicológicas
que afirmam que a autonomia pessoal é adquirida gradualmente,
ao longo de um processo evolutivo de interação com o ambiente
sociocultural, no qual a criança vai passando por estágios em seu
desenvolvimento cognitivo, lingüístico, moral e interativo (Ferreira
& Schramm, 2000).
Gonçalves e Ferreira (2002) recomendam que a melhor conduta,
nesses casos, é preparar a família, esclarecendo a obrigatoriedade da
medida por parte do profissional de saúde, o teor desta notificação, o
que ela significa, a quem é dirigida, suas vantagens e seus possíveis
desdobramentos. Nessa negociação, a notificação é apresentada à
família como veículo de acesso a instituições e serviços dos quais ela
necessita para minorar os efeitos de fatores que alimentam ou
favorecem a eclosão da violência. A discussão junto à família e à
criança atende a um preceito ético e tem por efeito minimizar os
impactos da notificação, observados na prática diária.
Os profissionais ficam entre o dever de proteger a criança, tratá-
la clinicamente, mantê-la junto à família, melhorar as relações
familiares e o de notificar o caso às autoridades competentes. A
experiência tem mostrado que em cada situação um desses deveres
precisa ser cumprido prioritariamente, mas o objetivo é alcançar o
cumprimento de todos eles, em uma ordem hierárquica, individua­
lizada para cada caso (Ferreira & Schramm, 2000).
Para Habigzang e Caminha (2002a, 2002b), havendo a situação
de proteção da criança - ou seja, suprimido o fato real do abuso sexual
68 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

através do afastamento do agressor ou, às vezes, do abrigo da própria


criança -, inicia-se a intervenção terapêutica, que só fará sentido se
cessar a exposição da criança ao evento estressor. O trabalho do
psicólogo deve estar orientado por ações que visem a melhorar a
qualidade de vida da criança ou do adolescente em situação de risco.
Essas ações devem ser realizadas em equipe e relacionadas ao
atendimento individualizado, ao atendimento em grupo, ao
atendimento familiar (incluindo visitas domiciliares) e à capacitação
dos profissionais da equipe. Além disso, conhecer a rede de apoio e
as diferentes faces da mesma história é fundamental para a
compreensão e o resgate das diversas peças/fragmentos do quebra-
cabeça que constitui a realidade da criança ou do adolescente (De
Antoni & Koller, 2001).
Modalidades terapêuticas e
QUESTÕES CLÍNICAS

m crescente número de pesquisas sobre a incidência de


U abuso sexual infantil e seus efeitos psicológicos tem sido
verificado, tomando a avaliação e o tratamento dessas crianças um
importante assunto para psicoterapeutas infantis (Lanktree & Briere,
1995). O conhecimento do impacto potencial que o abuso sexual pode
desenvolver tem proporcionado a um número elevado de terapeutas a
compreensão dos problemas relacionados ao tratamento das vítimas de
abuso sexual. Entretanto, devido ao pouco tempo em que a atenção clínica
está voltada para esta questão e o seu impacto nas crianças, poucos são
os estudos relacionados à efetividade das psicoterapias focadas no abuso.
Horowitz, Putnam, Noll e Trickett (1997) realizaram um estudo
para verificar aspectos associados ao tempo que as crianças vítimas de
abuso permanecem em terapia e os fatores que contribuem para o
abandono do tratamento. Variáveis relacionadas com o abuso mostraram-
se fortemente correlacionadas com o número de sessões. Foi constatado
que quanto mais cedo começa a violência, mais sessões de terapia são
necessárias. A psicopatologia decorrente do abuso também foi associada
ao tempo de permanência em tratamento. Quanto maior o distúrbio, maior
o tempo de tratamento - depressão e comportamento agressivo ou
delinquente foram altamente correlacionados. Entre os fatores associados
ao abandono do tratamento, os autores encontraram: cuidador com
sintomas psicopatológicos, crianças com ffeqüentes hospitalizações e
tratamentos, mães jovens, pais solteiros, nível socioeconômico, mães
com histórico de problemas na infância.
70 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Assim, a intervenção terapêutica precisa ser planejada consi­


derando o quadro clínico apresentado pela criança e o contexto no
qual será desenvolvido. Tratamentos em modalidades variadas
(individual, familiar, grupo, farmacológico), bem como níveis diversos
de cuidados, podem ser necessários para diferentes crianças, ou para
a mesma, em diferentes tempos. O trabalho com os cuidadores tem
se mostrado essencial, inclusive a capacitação dos pais para manejar
sintomas externos (por exemplo, a agressividade) mediante estratégias
comportamentais, monitorar sintomas das crianças, desenvolver
estratégias para prevenir a revitimização e adequar o funcionamento
familiar. Além disso, é importante que os pais sejam ajudados para
que possam elaborar o próprio sofrimento e oferecer o apoio
necessário aos filhos (Fumiss, 1993; Saywitz, Mannarino, Berliner
& Cohen, 2000).
No tratamento da criança ou do adolescente, independentemente
do referencial teórico que fundamenta a intervenção, é necessário
criar um clima de segurança e aceitação a fim de que a criança adquira
confiança e comece a se comunicar (Zavaschi e cols., 1991). Os
autores apresentam os seguintes objetivos para o tratamento:
• aliviar o trauma experienciado pela vítima através de apoio
emocional intenso durante a crise inicial;
• facilitar a verbalização dos sentimentos;
• promover crescimento pessoal e melhores formas de
comunicação;

• aliviar a culpa que a criança possa sentir como resultado do


abuso sexual;

• prevenir condutas autodestrutivas subseqüentes, como fugas,


abuso de drogas, tentativas de suicídio, prostituição e
promiscuidade sexual;

• prevenir repetição das ofensivas mediante o aumento da


independência da vítima, da auto-estima e da auto-afirmação;
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 71

• prevenir subseqüentes disfunções das relações emocionais e


sexuais;
• interromper o abuso multigeracional e as características
disfuncionais evidentes em muitas dessas famílias.
O terapeuta deve trabalhar para tentar reverter os sentimentos de
desespero, desamparo, impotência, aprisionamento, isolamento e auto-
acusação que paralisam a vítima. O resgate da auto-estima e da esperança
é fundamental, pois o abuso distorce a visão que a criança tem do que a
vida lhe pode oferecer. O trabalho do terapeuta implica transformar o
ocorrido em uma influência em sua vida, em vez de ser obstáculo, para
que o futuro passe a ser visto com esperança, motivando a criança a
crescer. O processo de resolução do trauma implica que a vítima relembre,
repita e reexperiencie o trauma (Zavaschi e cols., 1991).
Com relação aos cuidadores, verifica-se a importância do apoio
da mãe, no momento da revelação do abuso, por influenciar o resultado
do tratamento da criança (Zavaschi e cols., 1991). É benéfica a
participação da mãe na terapia, que deve ter os seguintes objetivos:
alívio da culpa pela inabilidade de interromper o abuso; ventilação
dos sentimentos ambivalentes em relação ao marido e à filha;
conscientização de sua parte ativa na criação da dinâmica familiar,
da qual o incesto é o produto, e reforço de sua capacitação para assumir
o papel de mãe, que inclui a proteção e a segurança da criança perante
o abusador (Fumiss, 1993; Zavaschi e cols., 1991).
Hayde, Bentovim e Monck (1995) apontam a falta de estudos
que avaliem diferentes componentes no tratamento de crianças e
famílias nas quais tenha sido revelado abuso sexual. Com esse
objetivo, os autores desenvolveram uma pesquisa com 47 vítimas de
abuso e suas mães ou principal cuidador. As famílias que fizeram
parte do estudo receberam um programa básico de atendimento
familiar e, aleatoriamente, um subgrupo foi composto por crianças
que receberam adicionalmente uma intervenção em grupo,
considerando a idade, o estágio do desenvolvimento e o sexo. O
trabalho começou com entrevistas conduzidas para avaliação clínica
72 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

e foi finalizado com entrevistas para comunicar o fim do tratamento.


Com a autorização dos pais, todas as crianças, com mais de seis anos,
foram entrevistadas, além de pais ou cuidadores não abusivos.
Questionários padronizados foram utilizados nas avaliações inicial e
final. A divisão da amostra nos dois tipos de tratamento (terapia
familiar ou terapia familiar mais grupoterapia com as crianças) foi
estabelecida aleatoriamente. Os programas de tratamento foram
descritos pelos autores da seguinte forma:
• Terapia familiar. Os terapeutas se encontravam com as
crianças e suas famílias durante quatro a seis semanas. O
tratamento tinha como objetivo o fortalecimento das relações
familiares e da comunicação entre a mãe (ou cuidador) e a
criança. Questões individuais, conjugais e familiares, do
presente e do passado, que contribuíram para o acontecimento
do abuso e a sua manutenção também foram abordadas.
• Terapia familiar + grupoterapia. O mesmo programa de
atendimento à família foi oferecido com o tratamento
grupoterápico adicional, que reunia crianças. Os grupos se
reuniam semanalmente e a duração variava de acordo com
a idade e as necessidades. Com as crianças mais jovens
foram trabalhadas medidas de autoproteção, tendo a
intervenção um caráter psicoeducativo. Esses aspectos
também foram trabalhados com os grupos de crianças mais
velhas, além das dinâmicas que objetivavam a compreensão
e o compartilhamento de sentimentos, assim como o suporte
dos pares. O trabalho em grupo tinha como alvo reverter os
efeitos traumáticos do abuso, auto-ajuda, recuperação da
auto-estima, desenvolvimento de habilidades de autoproteção,
desenvolvimento de conhecimentos sobre sexualidade e
compreensão da natureza do abuso e seus efeitos. O grupo
que ocorria paralelamente com os cuidadores explorou
questões similares.
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 73

Segundo Hayde, Bento vim, Monck (1995), 36% do total da


amostra não receberam a credibilidade das mães quando revelaram o
abuso. Mais da metade das crianças estavam morando separadas de
suas famílias de origem. No follow-up, 37% ainda estavam separadas
dos membros da família e apenas 10% voltaram ao convívio familiar.
Observou-se que os pais não-abusivos descreviam cuidados pobres
com relação aos seus filhos. A referência a memórias tristes da própria
infância foi feita por 39% das mães, 22% relataram histórico de abusos
físicos e 43% tiveram experiências sexualmente abusivas. Nas
entrevistas com as crianças, verificou-se que 42% recebiam ameaças
e sofriam outras formas de violência para que mantivessem o abuso
em segredo e 37% descreveram situações de violência perpetradas
pelos pais e punições excessivas não associadas aos abusos sexuais.
Com relação aos resultados, tendo como base os escores dos ins­
trumentos aplicados antes e depois do tratamento, as crianças
apresentaram significativas melhoras no inventário de depressão e
na escala completada pelos cuidadores com relação à saúde e aos
problemas de comportamento. As avaliações clínicas apontaram
benefícios significativos da grupoterapia. As crianças e as mães
avaliaram positivamente a oportunidade proporcionada pela grupo­
terapia de conhecer outras pessoas com experiências similares. A
resolução do sentimento de culpa com relação ao abuso foi de­
monstrada por 65% das crianças, 78% demonstraram ter aprendido
boas habilidades para prevenir futuros abusos e 41% apresentaram
um melhor entendimento das origens do abuso. Além disso, foi
verificado que a relação entre mãe e criança melhorou, e as famílias
desenvolveram habilidades para identificar necessidades dos filhos
de acordo com a idade.
Outros tratamentos na modalidade grupoterápica têm sido
desenvolvidos com resultados positivos. O grupo dá a idéia de que a
criança não está sozinha e tem a função de apoiar e oferecer um
momento de alívio individual (Zavaschi et al., 1991). Propicia um
processo que alivia a dor emocional através da assimilação consciente
74 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

dos episódios abusivos. Busca, também, modificar o autoconceito


das vítimas de autodesprezo para autovalorização. É fundamental
que os grupos sejam divididos segundo a faixa etária. Dessa forma,
no período pré-escolar, o grupo auxilia a diminuir o isolacionismo e
a melhorar as habilidades sociais apropriadas para a idade, sendo
baseado em jogos. Nos grupos de crianças na latência, a capacidade
de expressão verbal propicia que se fale sobre as mudanças ocorridas
na vida com a revelação do abuso. Isso pode ser feito por meio de
jogos apropriados para a idade e uso de desenhos dirigidos (auto-
retrato, desenho da família, de um sonho, de uma casa). Tais exercícios
permitem um caminho não-verbal para quebrar o segredo que
mantinha as crianças isoladas e impotentes. Nessa faixa etária, os
grupos têm atividades estruturadas, com duração média de uma hora
e meia, semanalmente. Iniciam com cada participante dizendo algo
de bom e algo de ruim que ocorreu na semana que passou, e aquilo
que gostariam de compartilhar com o grupo. São trabalhados conceitos
(bom, ruim), a noção do que é seguro fazer e do que não é, a colocação
de limites para si e na relação com as outras crianças, e ainda o
autocontrole. São também estimuladas a comunicação verbal e a
transformação de ação em sentimentos. Os grupos envolvem, em
geral, até dez crianças. Na adolescência, o apoio social dos iguais é
importante, sendo útil como modalidade de tratamento. Em geral, o
grupo tem de seis a oito participantes e oferece ao jovem um ambiente
no qual pode discutir seus sentimentos e os problemas específicos da
adolescência, como as mudanças do corpo, os papéis, as escolhas, a
sexualidade e o incesto. Nessa fase, em que as angústias são
freqüentemente expressas na conduta, as vítimas de abuso podem
apresentar fugas de casa, abuso de drogas, tentativas de suicídio e
promiscuidade, o que deve, pois, ser abordado em associação com o
problema do abuso sexual (Zavaschi et al., 1991).
A grupoterapia para vítimas de abuso sexual possibilita reduzir
o sentimento de diferença e a auto-estigmatização das pacientes. O
processo de grupo deve priorizar espaços para que as vítimas possam
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 75

relatar sentimentos referentes ao abuso, discutir crenças quanto à


culpa pela experiência abusiva, desenvolver habilidades preventivas
para outras situações abusivas e elaborar sentimentos de isolamento
e estigmatização (Kruczek & Vitanza, 1999). As autoras
desenvolveram uma pesquisa para avaliar os resultados dessa
modalidade terapêutica com adolescentes vítimas de abuso sexual.
Participaram do estudo 41 meninas com idades entre treze e dezoito
anos. A avaliação diagnostica pré-teste constatou que as garotas
apresentavam quadros de depressão, transtorno do estresse pós-
traumático e transtorno desafiador opositivo. A modalidade grupai
promoveu mudanças quanto a sentimentos e comportamentos
disfuncionais e desenvolveu habilidades de enfrentamento eficazes
para lidar com situações do cotidiano.
Somente em meados da década de 70 é que se desenvolveram
modalidades terapêuticas contextuais e grupais para a intervenção,
avaliação e tratamento de grupo com crianças vítimas de abuso sexual
(Smith, 1996). A psicoterapia de grupo, com vítimas de abuso,
possibilita o crescimento, a integração e o estabelecimento de
conexões com outras pessoas. Além disso, potencializa novas
abordagens de enfrentamento de situações difíceis, contribuindo para
uma auto-afirmação.
O tratamento em grupo permite que as crianças encontrem
formas de reverter os sentimentos de vergonha e culpa, explorem e
aprendam a monitorar o sofrimento e sentimentos de medo. O caráter
educativo do tratamento disponibiliza aos participantes maiores
esclarecimentos e informações acerca de seus corpos, segurança,
sexualidade, abuso e relacionamentos. Estudos realizados para
verificar o processamento perceptual e cognitivo de eventos
traumáticos por crianças sugerem que são desenvolvidas estratégias
sistemáticas de reação e evitação. Além disso, o tratamento focado e
intervenções contextuais que atuem nas funções, operações e
estruturas dentro dos âmbitos cognitivos são eficazes para ajudar as
crianças traumatizadas a reconhecer, esclarecer, enfrentar, integrar e
76 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

transformar o significado de suas experiências. A terapia de grupo


possibilita que as crianças integrem, cognitiva e afetivamente, tanto
o material relacionado ao self, quanto seu senso de self com os outros
(Smith, 1996).
Smith (1996) apresenta um modelo de intervenção em grupo
que tem os objetivos de realçar a auto-regulação, deter os
sintomas e a desregulação das seqüelas traumáticas e praticar
novos comportamentos na transformação de padrões anteriores
de reação ao abuso. A intervenção é constituída por seis fases
que se sobrepõem de modo contínuo, não se apresentando como
estágios separados:
• Fase de reconhecimento: fase de avaliação individual e
encaminhamento para o grupo. É importante que a criança
seja preparada individualmente. Esta fase também inclui o
início das sessões de grupo, com apresentações, e o
reconhecimento de cada criança das experiências de contato
e interação sexualizada injusta e insegura.
• Fase de estabilização: os objetivos desta fase são
prioritariamente criar um ambiente seguro e confiante,
“psicoeducar” o grupo a usar linguagem e conceitos exatos e
compartilhados com referência ao corpo, ensinar técnicas de
relaxamento apropriadas à idade para administrar e reduzir o
estresse, realizar atividades que potencializem o senso de
segurança, autocuidado, proteção e auto-estima.
• Fase do domínio: este momento busca identificar e partilhar
áreas de auto-afirmação, habilidade e competência, identificar
e partilhar as informações, habilidades e competências de si
com outros e as dos outros, praticar e apoiar-se mutuamente
em esforços em conquistar domínio com relação aos
problemas e sintomas reconhecidos, praticar dizer “não” e a
autoproteção e fomentar a coesão do grupo e o senso do grupo
como ambiente seguro.
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 77

• Fase da revelação: focaliza as experiências que os membros


do grupo tem da revelação (quando, quem, o que,
sentimentos) e o que aconteceu quando a fizeram; debates e
psicoeducação sexual, identificar, representar, esclarecer e
compartilhar lembranças ou fragmentos de lembranças dos
eventos, explorar os sentimentos, representações e interações
que os membros do grupo tem pelos perpetradores.
• Fase de integração: tem como objetivos reunir fragmentos
sensoriais para integrar representações e significados,
potencializar o senso de continuidade do self no espaço e no
tempo, praticar a regulação e o domínio dos impulsos para
desempenhos individuais e grupais em atividades enfocadas
e auto-expressão.
• Fase de transformação: a fase de término do processo
terapêutico tem como finalidade construir estratégias de
prevenção da recaída, respostas a possíveis novos eventos,
representação e partilha do self agora, do grupo agora e da
família agora, despedir-se identificando que o desafio de
domínio continua após a terapia.
Smith (1996) apresenta uma síntese das atividades utilizadas
como recursos terapêuticos com crianças que sofreram abuso sexual:
representações (desenhos) de si mesmas, de outros e do mundo; mapas
da vida e linha da vida; todas as minhas famílias; música; dança;
conscientização do estresse, sua administração e habilidades de
redução; desempenho de papéis; exercícios progressivos de
relaxamento; meu livro de vida e mudanças; excursões (ao tribunal,
caminhadas, etc.); jogos; construção e representação de máscara e
escudo e psicoeducação. A autora ainda sugere que o grupo seja
constituído por seis a oito membros, divididos entre meninas e
meninos. Salienta que o agrupamento das crianças deve ser adequado
com seus níveis de desenvolvimento, ou seja, compreender as faixas
etárias entre sete e doze anos e entre treze e dezessete anos.
78 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

McGain e McKinzey (1995) apontam a necessidade de um


estudo que utilize um modelo com pré e pós-teste com grupos controle
e experimental, para verificar a eficácia de tratamentos em grupo
para meninas vítimas de abuso. Para realizar um estudo que atendesse
a esta necessidade, os autores avaliaram trinta garotas (idades entre
nove e doze anos, M = 10,5, DP = 1,21). O grupo em tratamento (n =
15) foi pareado com o grupo controle (n = 15) conforme idade,
severidade do abuso, intensidade de força usada durante o abuso e
tempo de exposição ao abuso. Os autores utilizaram o Quay Revised-
Behavior Child ChecklistsRBPC) e o Eyberg Child Behavior
Inventory (ECBI) antes e depois de seis meses da aplicação do
programa de tratamento. Os pais ou cuidadores responderam aos dois
instrumentos que avaliam questões como auto-estima, vergonha,
depressão, ansiedade, problemas de conduta, agressividade,
dificuldade de concentração e comportamentos excessivamente
sexualizados. O tratamento disponibilizado ao grupo experimental
teve como objetivos: 1) proporcionar um ambiente seguro, no qual
as crianças podiam discutir livremente seus abusos; 2) melhorar a
auto-estima das crianças; 3) prevenir a revitimização; 4) evitar
problemas psicológicos futuros; 5) proporcionar modelos apropriados
e não abusivos de homem e mulher; 6) proporcionar suporte à criança
em relação aos processos no Tribunal; 7) educar a criança sobre passos
práticos para autoproteção; 8) facilitar a comunicação pela vítima da
dinâmica do abuso; 9) criar um processo de auto-ajuda pelos pares;
10) obter o apoio da família ao tratamento; 11) proporcionar a
diminuição da sintomatologia e o sofrimento decorrente do abuso.
O tratamento demonstrou ser eficaz na redução dos sintomas de
ansiedade, particularmente descritos como os mais proeminentes tanto
pelos pais quanto pelas meninas. Além disso, as dificuldades escolares
foram reduzidas pela intervenção, assim como os problemas de
conduta verificados na avaliação inicial. Os resultados encontrados
apontaram diferenças significativas em todas as escalas dos
instrumentos comparando o pré e o pós-teste do grupo experimental.
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 79

Os resultados do grupo controle não variaram muito nos dois tempos,


o que comprova a eficácia da grupoterapia para meninas com idade
entre nove e doze anos (McGain & Mckinzey, 1995).
Saywitz, Mannarino, Berliner e Cohen (2000) ressaltam que
poucos estudos controlados têm sido realizados para avaliar os
resultados de tratamentos com crianças vítimas de abuso sexual. Para
os autores, isso ocorre por causa de uma série de obstáculos, tais
como:
• dificuldade em identificar sintomas devido à falta de capaci­
dade das crianças em descrever alterações comportamentais,
afetivas e cognitivas, já que suas habilidades metacognitivas
e autoperceptivas e o vocabulário ainda estão em desenvol­
vimento e o uso de informações de pais e de professores pode,
em alguns casos, ser incompatíveis;
• dificuldade quanto à formação de uma amostra homogênea
e a padronização de procedimentos, por causa das diferenças
entre as crianças encaminhadas para tratamento, como idade,
gênero, nível socioeconômico, tempo de exposição ao abuso
e sua severidade;
• dificuldade em controlar variáveis intervenientes, pois o abuso
sexual é apenas uma parte da história da criança, e, na maioria
das vezes, vem acompanhado de outras formas de violência
extra e intrafamiliar; a melhora das crianças não depende
apenas da eficácia do tratamento, mas do funcionamento dos
adultos cuidadores da criança - a saúde mental dos pais,
conflito conjugal, dinâmica familiar, presença de eventos
estressores, o nível socioeconômico da família, fatores
culturais e comunitários influenciam no grau e na manutenção
da melhora.
Apesar dos obstáculos descritos, as pesquisas que utilizam a
terapia cognitivo-comportamental (TCC) como forma de tratamento
têm apresentado melhores resultados comparados com outras formas
80 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

de tratamento não-focais para crianças e adolescentes com sintomas


de ansiedade, depressão e problemas comportamentais (Saywitz,
Mannarino, Berliner & Cohen, 2000). A TCC focada no trauma
também tem apresentado grande eficácia nos sintomas de transtorno
do estresse pós-traumático (Cohen, Mannarino & Rogai, 2001).
Uma pesquisa foi realizada para mapear as modalidades de
tratamento utilizadas para crianças com TEPT. Foram consultados
psiquiatras e terapeutas com formação não-médica. Os participantes
do estudo foram selecionados pela experiência clínica com crianças
com transtorno dissociativo, TEPT ou maus-tratos, e eram membros
de organizações profissionais que atendem a essa população
(American Academy of Child and Adolescent Psychiatry e
International Society for Traumatic Stress Studies). O instrumento
utilizado foi um questionário para investigar e identificar a prática
clínica desenvolvida pelos profissionais. Participaram do estudo 77
médicos e 82 terapeutas não-médicos, e foi constatada uma variedade
de modalidades terapêuticas utilizadas para esses casos, entre as quais
se destacam farmacoterapia, terapia psicodinâmica e terapia cognitivo-
comportamental. No processo terapêutico, 95% dos médicos
empregam medicamentos. Entre os terapeutas sem formação médica,
as principais modalidades apontadas foram terapia cognitivo-
comportamental, terapia familiar e terapia não-focal através do jogo.
A TCC foi a mais citada pelos terapeutas não-médicos e a segunda
mais citada pelos médicos, perdendo apenas para a farmacoterapia
(Cohen, Mannarino & Rogai, 2001).
Terapia cognitivo-
COMPORTAMENTAL EM ABUSO SEXUAL
INFANTIL

terapia cognitivo-comportamental foi desenvolvida por


A Aaron Beck, no início da década de 60, e é definida como
uma psicoterapia breve, estruturada, focal, orientada para o presente,
cujo objetivo é modificar pensamentos e comportamentos disfuncio-
nais (Beck, 1997). Baseia-se na compreensão de que o modo como o
indivíduo estrutura suas experiências intemamente determina, em
grande parte, o modo como ele se sente e se comporta. Nessa pers­
pectiva, a psicopatologia é considerada um exagero das respostas
adaptativas normais (Freeman & Dattilio, 1998).
Esta modalidade psicoterápica difere das demais por se
caracterizar como um processo cooperativo de investigação empírica,
testagem da realidade e resolução de problemas entre terapeuta e
paciente (Beck & Alford, 2000). A terapia cognitiva enfatiza a
interação entre cinco elementos: ambiente (incluindo história do
desenvolvimento e cultura), biologia, afeto, comportamento e
cognição. Isto significa que todos esses fatores são igualmente
considerados nos modelos de intervenção. No entanto, as cognições
são vistas como ponto chave para a intervenção. O terapeuta atua em
três níveis de pensamento que estão interconectados: pensamentos
que estão na superfície e que acionam esquemas mais centrais,
denominados automáticos, pensamentos que constituem crenças
82 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

transituacionais, chamados de suposições subjacentes e pensamentos


nucleares, nos quais se identificam as crenças centrais, formando
esquemas geralmente inflexíveis. Essa reestruturação cognitiva é
fundamental, pois a teoria sustentadora da prática clínica afirma que
as representações acerca de si, dos outros e do futuro (tríade cognitiva)
é importante para compreender o funcionamento emocional e os
padrões de comportamento do indivíduo. Essa tríade cognitiva se
estrutura ao longo da vida, mediante interações do indivíduo com o
seu meio (Dattilio & Padesky, 1995).
Segundo Freeman (1983, citado em Dattilio & Freeman, 1995),
o objetivo da terapia cognitiva é

ajudar os pacientes a revelar seu pensamento disfuncional e


irracional, testar seu pensamento e comportamento em relação à
realidade e construir técnicas mais adequadas e funcionais para
reagir, tanto inter quanto intrapessoalmente. Portanto o objetivo da
terapia cognitiva não é curar, mas antes ajudar o paciente a
desenvolver melhores estratégias de enfrentamento para lidar com
sua vida (p. 305).

A terapia cognitivo-comportamental também pode ser


desenvolvida no formato grupai. Os primeiros trabalhos de grupote-
rapia cognitivo-comportamental surgiram no final dos anos 70. Os
principais focos de estudos, na época, eram o treinamento de
habilidades sociais, a administração do estresse e da raiva e a resolução
de problemas. Posteriormente, a modalidade grupai teve sua aplicação
a uma ampla variedade de problemas obtendo muito sucesso em seus
resultados (Sheldon, 1996). A terapia de grupo cognitivo-com­
portamental baseia-se nos mesmos fundamentos da terapia cognitivo-
comportamental individual, e como modalidade de tratamento
apresenta vantagens como: a função da universalidade, a função da
coesão, a interação com outras pessoas, o aprendizado com outros
que estão em situações semelhantes de crise. O grupo proporciona
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 83

uma ampla oportunidade de aprender como os outros enfrentam suas


dificuldades individuais, compartilhando estratégias e recursos de
enfrentamento. Os membros se auxiliam no reconhecimento de
pensamentos automáticos disfúncionais. O terapeuta, em colaboração
com os outros participantes, pode ajudar o paciente a construir
respostas alternativas mais funcionais e adequadas perante as situações
e os problemas (Courchaine & Dowd, 1995).
A grupoterapia baseia-se em dois princípios fundamentais. O
primeiro diz que as habilidades sociais são aprendidas, ou seja, “a
personalidade e os padrões de comportamento podem ser vistos como
o resultado das interações iniciais com outros seres humanos
significativos” (p. 160). Assim, a aprendizagem social começa na
mais tenra infância e integra, ao longo do tempo, traços de
comportamentos que podem auxiliar ou impedir relações adaptativas
com o meio. O segundo princípio diz que as habilidades sociais podem
ser desenvolvidas em situação de grupo. Nessa perspectiva, a simples
identificação dos fatores da história do indivíduo que contribuíram
para o desenvolvimento dos padrões de comportamentos sociais
manifestados no presente não é suficiente para promover mudanças
(Falcone, 1998).
O formato grupai possibilita verificar os sistemas de crenças e
os comportamentos dos pacientes, especialmente os interpessoais,
permitindo o aprendizado de novas interações em um contexto seguro,
no qual se pode praticar e reforçar novos comportamentos. Além disso,
os grupos possibilitam uma melhor relação custo/eficácia, pois o
terapeuta pode trabalhar com vários pacientes ao mesmo tempo
(Wessler, 1996).
A terapia cognitivo-comportamental vem sendo testada por
diversos pesquisadores como método de intervenção para casos de
abuso sexual infantil, tanto individualmente quanto no formato de
grupo. Uma das razões pelas quais a TCC é potencialmente benéfica
nesses casos é o fato de incorporar, no tratamento, estratégias cujos
alvos são sintomas específicos. As intervenções visam, principal­
84 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

mente, sintomas de TEPT (revivência do evento traumático com


pensamentos ou flashbacks, esquiva de lembranças e excitação
aumentada). Ansiedade e esquiva são trabalhadas com exposição
gradual e dessensibilização sistemática, inoculação de estresse, treino
de relaxamento e interrupção e substituição de pensamentos
perturbadores por outros que recuperem o controle das emoções.
Sintomas de depressão são trabalhados com treino de habilidades de
coping e reestruturação de cognições distorcidas. Problemas
comportamentais são trabalhados com técnicas de modificação de
comportamento. Além disso, a TCC atua na prevenção de futuras
revitimizações (Astin & Resick, 2002; Calhoun & Resick, 1999;
Range & Masci, 2001; Saywitz, Mannarino, Berliner & Cohen, 2000).
Cohen e Mannarino (2000a) realizaram uma pesquisa com 49
crianças vítimas de abuso sexual, com idade entre sete e catorze anos,
e seus cuidadores primários não abusivos. Durante o período de doze
semanas a amostra foi dividida em duas formas de tratamento: TCC
focada no abuso e terapia de apoio não-focal. As condições de
tratamento foram fixadas aleatoriamente e monitoradas por terapeutas
treinados e supervisionados intensivamente. As crianças foram
avaliadas antes e depois do tratamento por meio de uma variedade de
instrumentos.
A TCC designou, como alvos da intervenção, questões clínicas
verificáveis com ffeqüência em crianças que sofreram abuso. Foram
incluídas intervenções específicas para depressão, ansiedade e
dificuldades comportamentais. Também incluíram-se componentes na
tentativa de melhorar o apoio dos pais e auxiliá-los a usar apropria­
damente habilidades de manejo com seus filhos. Entre os métodos
utilizados nas intervenções estão a construção de habilidades sociais,
o monitoramento e a modificação de pensamentos automáticos, su­
posições e crenças, a substituição de pensamentos negativos por
imagens positivas, o treino de habilidades para resolução de problemas,
incluindo automonitoramento de comportamentos e exploração de
sentimentos. Na terapia de suporte não-focal, usada como alternativa
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 85

de tratamento para a TCC, nenhuma técnica cognitivo-comportamental


foi empregada, não foram trabalhadas técnicas de aconselhamento e
as sessões não foram estruturadas. As intervenções visaram a
proporcionar um alto nível de não julgamento e suporte, encorajando a
criança e seu cuidador a identificar e a resolver sentimentos e a reestabe-
lecer a confiança e expectativas interpessoais positivas.
Entre os resultados, foi constatado que o desenvolvimento de
sintomas e a resposta ao tratamento são influenciados pelo sofrimento
emocional dos pais com relação ao abuso, pelo apoio dos pais e pelas
crenças que a criança apresenta em relação ao fato. Quanto às formas
de tratamento, a TCC obteve resultados superiores, em comparação
com a outra modalidade de intervenção, no que se refere à redução
de sintomas de depressão e ansiedade, pois teve como foco da
intervenção a reestruturação de atribuições e percepções distorcidas
sobre abuso sexual (Cohen & Mannarino, 2000a).
Outra pesquisa demonstrou a eficácia da TCC em uma amostra
de dezenove meninas vítimas de abuso sexual, apresentando critérios
diagnósticos de TEPT. Foi verificado que após doze sessões de terapia,
elas demonstraram uma significativa redução da sintomatologia
(Deblinger, McLeer & Henry, 1989, citado por Lanktree & Briere,
1995). Entretanto, esta pesquisa teria maior validade se houvesse
grupo controle, já que não se pode comprovar se a melhora da
sintomatologia decorrente do abuso se deu pelo tratamento ou
simplesmente pela passagem do tempo (Lanktree & Briere, 1995).
Lanktree e Briere (1995) realizaram um estudo para investigar
as relações entre a exposição à terapia focada no abuso e as mudanças
na sintomatologia em crianças que sofreram abuso sexual. Os
objetivos da pesquisa eram verificar se a sintomatologia diminui com
o tempo de tratamento e se a mudança é de fato resultado da terapia
ou se representa simplesmente efeitos da passagem do tempo.
Participaram do estudo 105 crianças, com idade entre oito e quinze
anos. Elas preencheram o Children's Depression Inventory (CDI) e o
Trauma Symptom Checklist for Children (TSCC) em intervalos de
86 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

três meses. As crianças receberam tratamento individual focado no


abuso e, em muitos casos, terapia familiar e de grupo.
O estudo demonstrou que os sintomas psicológicos diminuíram
durante o processo de terapia focado no abuso. Essa redução do efeito
do trauma variou de acordo com o tipo de sintoma e o tempo de terapia.
Os participantes que apresentavam sintomas de ansiedade e TEPT
responderam mais rapidamente e de forma constante ao tratamento,
enquanto os que apresentavam questões relacionadas à sexualidade
levaram um período de tempo maior (Lanktree & Briere, 1995).
Outro achado interessante refere-se ao intervalo de tempo.
Quanto menor o tempo entre o fim do abuso e o começo da terapia,
melhores foram os resultados nas escalas de depressão, raiva e
dissociação - ou seja, crianças que permanecem mais tempo sem
intervenção tendem a dissociar mais e apresentar maior sintomatologia
de depressão e sentimentos de raiva. Esses achados sugerem que o
trauma gerado pelo abuso pode produzir um crescimento dos efeitos
negativos na ausência de um tratamento apropriado. Assim, a mera
passagem do tempo, sem tratamento, não reduz a intensidade dos
sintomas na escala temporal investigada (Lanktree & Briere, 1995).
Deblinger, Lippman e Steer (1996, citado por Saywitz,
Mannarino, Berliner e Cohen, 2000) desenvolveram um estudo
comparando programas de doze semanas de TCC, focada no abuso
sexual, somente para crianças, somente para pais ou para ambos,
num total de 100 vítimas com idade entre sete e treze anos. Os
resultados obtidos indicaram que todos os grupos apresentaram
melhoras com relação aos sintomas de TEPT. De qualquer modo, a
TCC direcionada para as crianças apresentou resultados significa-
tivamente melhores.
Outra pesquisa testou um modelo de tratamento para mulheres
com histórico de abuso na infância e quadro de TEPT, focado em três
problemas comumente encontrados nesses casos: sintomas de TEPT,
problemas de regulação emocional e dificuldades interpessoais. A
idade média da amostra foi 34 anos. A amostra era composta por
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 87

42% de mulheres solteiras, 24% de separadas ou divorciadas e 34%


de casadas. Desse total, 41% trabalhavam em tempo integral, 35%
em meio turno ou estudavam (ou ambos) e 24% eram donas de casa
ou desempregadas. As vítimas de abusos sexuais e físicos
representavam 48% da amostra, 39% havia sofrido só abusos sexuais
e 13% experienciou apenas abusos físicos. Dessas mulheres, 45%
apresentavam quadro de depressão maior e 35% já haviam sofrido
desse mal no passado; 79% foram diagnosticadas com algum quadro
de ansiedade e 48% tinham transtorno de ansiedade generalizada.
Problemas com abusos de substancias no passado foram verificados
em 25%, e registro de transtorno alimentar, em 16%; histórico de
tentativa de suicídio e comportamentos de automutilação foram
apresentados por 48%. No último ano, 25% haviam realizado
tratamento medicamentoso ou psicoterapia (ou ambos) e 29% tinham
usado a emergência psiquiátrica. As participantes foram divididas
aleatoriamente em dois grupos: dezesseis sessões de tratamento (31
mulheres) ou atenção mínima na lista de espera durante doze semanas
(27 mulheres). Todas realizaram avaliação clínica antes e depois da
terapia. Também foi feito follow-up após três e nove meses do término
do tratamento. Depois das doze semanas, foi oferecido ao grupo da
lista de espera o mesmo tratamento do grupo experimental (Cloitre,
Cohen, Koenen & Han, 2002).
A terapia foi composta de dezesseis sessões, em doze semanas
de duração, que foram organizadas em duas fases. Na primeira, foi
trabalhado o treino de habilidades afetivas e a regulação interpessoal,
consistindo em oito semanas com uma hora de duração. A segunda,
em que se trabalhou exposição prolongada, consistiu em duas sessões
semanais com duração de uma hora e meia.
A primeira fase foi um tratamento cognitivo-comportamental
que teve como objetivo desenvolver estratégias de manejo emocional
e habilidades interpessoais. Cada sessão focou uma habilidade
deficitária em particular, através do entendimento da relação do abuso
com suas conseqüências típicas. Entre os tópicos das sessões estavam:
88 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

1) rotulação e identificação de sentimentos; 2) manejo de estados


emocionais, como raiva e ansiedade; 3) tolerância à angústia; 4)
aceitação de sentimentos e aumento de experimentação de sentimentos
positivos; 5) identificação de esquemas constituídos a partir do trauma
e suas manifestações no dia a dia; 6) identificação do conflito entre
sentimentos gerados pelo trauma e relações interpessoais presentes;
7) role play sobre questões como poder e controle; 8) role play acerca
do desenvolvimento da flexibilidade em situações interpessoais
envolvendo diferenças em relações de poder. Nesses role play
incluíram-se comportamentos interpessoais - problema típicos e
construção de novos comportamentos alternativos. Todas as sessões
tiveram o mesmo formato e a mesma estrutura. Começavam com
psicoeducação com respeito a pensamentos automáticos e os alvos
da intervenção daquela sessão, acompanhamento da aquisição de
habilidades e sua aplicação prática. Foram fixadas tarefas extra-
sessões que consistiam em aplicar as habilidades aprendidas no dia a
dia. Na segunda fase, foi utilizada a técnica de exposição imaginária
prolongada, descrita por Foa e Rothbaum (1998, citado por Cloitre,
Cohen, Koenen, Han, 2002), na qual os clientes descrevem, repeti­
damente, seus eventos traumáticos em detalhes e os estados emo­
cionais. Os esquemas explicativos do abuso foram reestruturados com
auxílio do terapeuta e foram construídos esquemas mais adaptativos.
O último componente da sessão foi aplicar os novos esquemas e
habilidades interpessoais às relações presentes. A tarefa extra-sessão
foi escutar as fitas com narrativa detalhada do abuso. Os autores
observam que o trabalho de exposição ao trauma é, muitas vezes,
difícil para pacientes sobreviventes de abusos infantis. Entre as difi­
culdades mais comuns, eles citam: a dificuldade de tolerar o
sofrimento e manejar sentimentos como raiva e ansiedade, a vulne­
rabilidade para dissociação e a dificuldade em manter uma boa relação
de trabalho com o terapeuta.
Entre os resultados, foi verificado que as mulheres que receberam
o programa de tratamento apresentaram melhora significativa nos três
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 89

alvos da intervenção em comparação com as mulheres da lista de espera.


Os ganhos foram mantidos nos follow-up. Além disso, a primeira fase
da terapia se mostrou importante para facilitar a segunda fase. O
desenvolvimento de uma aliança terapêutica positiva e a melhora do
humor negativo foram fundamentais para a redução dos sintomas de
TEPT durante a segunda fase. O primeiro momento se mostrou eficaz
na redução do humor negativo e da expressão da raiva, enquanto a
segunda etapa foi eficiente na redução de sintomas de TEPT. O estudo
aponta a importância da relação terapêutica no sucesso do tratamento
para vítimas de abusos (Cloitre, Cohen, Koenen, Han, 2002).
Além das pesquisas desenvolvidas, a descrição de estudos de
casos clínicos também tem apontado a eficácia da TCC em abuso
sexual infantil. Ela permite à criança desenvolver uma sensação de
controle dentro da estrutura estabelecida pelo terapeuta (Knell &
Ruma, 1999). A educação sobre o abuso sexual infantil é o primeiro
passo na intervenção terapêutica, que deve incluir sessões com a
criança ou o adolescente e seu cuidador. A educação sobre o abuso e
o estabelecimento de uma relação entre as mudanças de
comportamento e o trauma é fundamental, pois se constata, na prática
clínica, que a criança que sofreu abuso sexual tende a apresentar
severas distorções cognitivas. O programa de tratamento ainda inclui
técnicas como treinamento de habilidades para lidar com problemas,
exposição gradual às lembranças traumáticas e educação sobre
encontros, sexualidade e habilidades para a manutenção da segurança
do corpo (Heflin & Deblinger, 1999). O uso do jogo é um importante
recurso terapêutico para expressão de pensamentos e sentimentos
com relação ao abuso. Entre os dispositivos utilizados estão:
brinquedo com bonecos e marionetes, biblioterapia, desenho e outras
formas de expressão artística, como esculturas em argila (Knell &
Ruma, 1999). Por fim, um dos objetivos mais importantes da TCC
focada no abuso é ajudar a criança a generalizar, em seu ambiente
natural, as condutas aprendidas na terapia, para a manutenção dessas
condutas após o término do tratamento.
90 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

A terapia cognitivo-comportamental apresenta benefícios para


as vítimas de abuso sexual, tanto no formato individual quanto no
grupai, reduzindo a sintomatologia decorrente da experiência abusiva
e reestruturando pensamentos, comportamentos e sentimentos
disfuncionais. A TCC focada no abuso permite que a criança ou o
adolescente compreenda as relações entre o abuso e suas conse­
quências e construa alternativas adaptativas para relacionar-se intra
e interpessoalmente.
Parte II

Intervindo em abuso sexual na


INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
Avaliação e intervenção clínica:
UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

sta seção apresenta um relato de intervenção clínica, com


E meninas vítimas de abuso sexual, desenvolvido por
Habigzang e Caminha (2002a, 2002b) no Programa Interdisciplinar
de Promoção e Atenção à Saúde (PIPAS/UNISINOS). O processo de
avaliação diagnóstica e intervenção clínica é descrito a seguir.

A intervenção
A amostra do estudo foi composta por treze meninas com idades
entre nove e dezesseis anos vítimas de abuso sexual. O critério de
inclusão na amostra foi a presença de pelo menos um episódio de
abuso na história das participantes - situações de assédio sexual,
carícias em partes íntimas do corpo, manipulação de genitais, sexo
oral e genital.
Doze meninas sofreram abuso sexual intrafamiliar e uma foi
vítima de exploração sexual. No primeiro grupo, os abusadores foram:
padrasto (nove casos), tio (dois casos) e irmão (um caso). No caso de
abuso extrafamiliar, foi constatado que a mãe estava envolvida na
exploração sexual da menina. Todos os casos já haviam sido notifi­
cados aos órgãos de proteção a crianças e a adolescentes. Quando
chegaram ao programa, oito meninas estavam convivendo com as
famílias e cinco estavam abrigadas como medida de proteção. Durante
as entrevistas de avaliação individual verificou-se que uma das
94 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

garotas, que residia com a família, estava exposta a situações sexual­


mente abusivas, o que foi notificado ao Conselho Tutelar, que deter­
minou sua condução ao abrigo - uma vez que nenhum familiar
demonstrou interesse em cuidar dela.
As participantes foram encaminhadas para tratamento psicote-
rápico por diferentes instituições: Conselho Tutelar (dois casos),
Juizado da Infância e Juventude (um caso), abrigos (cinco casos),
escola (um caso) e familiares (quatro casos). Todas foram incluídas
no estudo mediante o consentimento livre e informado, protocolado
como norma de atendimento do PIPAS, assinado pelos responsáveis
legais e pelas próprias meninas.
As jovens foram atendidas em dois grupos, compostos pela
ordem de chegada ao programa. O primeiro ocorreu em 2001, com
seis participantes, e o segundo grupo aconteceu em 2002, com sete
participantes.
A intervenção foi dividida em três etapas: avaliação diagnóstica
individual, grupoterapia cognitivo-comportamental e reavaliação
diagnóstica individual.

Avaliação diagnóstica individual


A avaliação diagnóstica individual foi realizada conforme o
modelo proposto por Flores e Caminha (1994). Foram realizadas
entrevistas semi-estruturadas (Anexo A) com a criança, cujo objetivo
era obter a revelação do abuso e mapear pensamentos, sentimentos,
dinâmicas e conseqüências da experiência traumática. Também foram
investigadas as alterações comportamentais e a presença de
psicopatologias intercorrentes como, por exemplo, transtorno de
estresse pós-traumático (Anexo B). Outras psicopatologias, como
depressão, transtorno de ansiedade e transtorno dissociativo, foram
avaliadas através da investigação dos critérios diagnósticos
estabelecidos pelo DSM-IV. Alguns recursos de apoio, como bonecos
anatomicamente perfeitos e desenhos (pessoa, família, lugar ou
situação boa, lugar ou situação ruim), foram utilizados para facilitar
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 95

a entrevista com a criança. Instrumentos psicológicos, como Wise


(teste de inteligência), Bender (teste de maturação viso-motora) e
ESI (escala de estresse infantil) foram utilizados, além das entrevistas,
para auxiliar na avaliação clínica.
É importante ressaltar que o estabelecimento de uma relação de
confiança com a criança é fundamental para que ela se sinta
confortável para revelar situações abusivas que geram sofrimento e
que, muitas vezes, não foram anteriormente relatadas em detalhes a
outras pessoas. Esta relação é construída com a criança por meio do
rapport, no qual deve ficar claro o papel do psicólogo de ajudá-la a
lidar com as experiências abusivas e não julgá-la pelo ocorrido. Além
disso, o profissional deve demonstrar credibilidade no relato da criança
e salientar sua inocência com relação ao abuso sexual. É recomendável
disponibilizar o telefone do profissional à criança para que ela possa
procurá-lo em situações-problema. Também é importante estabelecer
o contrato segundo o qual os fatos relatados no setting terapêutico
serão mantidos em sigilo, desde que não apresente risco à integridade
física e psicológica da criança ou do adolescente (por exemplo:
situações de maus tratos, ideações ou tentativas de suicídio). Convém
combinar com a criança ou o adolescente quando, a quem e com
relação a que o sigilo será rompido como forma de proteção. Todas
essas medidas asseguram a confiança da criança no psicólogo -
relação que deve ser mantida pelo profissional, uma vez que, na
maioria dos casos, as meninas apresentam dificuldades para confiar
nas pessoas, devido às experiências negativas a que foram submetidas
por adultos nos quais confiava.
O diagnóstico incluiu entrevistas com os pais ou responsáveis e
demais membros da família nuclear. Foram estabelecidos contatos
com os professores da criança e demais pessoas da sua rede de apoio.
Nesses contatos, buscou-se a confirmação do abuso por membros da
família e verificou-se a existência de fatores de risco da dinâmica da
96 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

família incestuosa. Além disso, também foram investigadas possíveis


alterações comportamentais e sintomas psicopatológicos decorrentes
do abuso que podem não haver sido relatados pela criança.
Segundo Flores e Caminha (1994), o diagnóstico para abuso
sexual é realizado a partir dos seguintes critérios:
• ausência de variáveis - diagnóstico inconclusivo;
• apenas o relato de abuso da criança - diagnóstico positivo
específico;
• o relato de abuso da criança com mais uma ou duas alterações
comportamentais ou sintomas psicopatológicos - diagnóstico
conclusivo;
• o relato de abuso da criança com mais três ou quatro alterações
comportamentais ou sintomas psicopatológicos - diagnóstico
positivo definitivo.
Após a avaliação diagnostica, foram tomadas as medidas de
proteção previstas em lei nos casos em que a criança ou a adolescente
ainda estava sofrendo abuso sexual. Além disso, apresentou-se à
vítima e a família a modalidade de grupoterapia cognitivo-compor-
tamental como possibilidade de tratamento.

Grupoterapia cognitivo-comportamental
A grupoterapia cognitivo-comportamental teve como objetivos:
1) cessar a exposição da criança ou do adolescente ao evento
estressante; 2) abordar terapeuticamente a experiência traumática,
com a recuperação e a reestruturação semântica da memória trau­
mática; 3) construir estratégias cognitivas e comportamentais
funcionais para lidar com as reações psicológicas e fisiológicas
relativas ao trauma; 4) desenvolver estratégias cognitivo-compor-
tamentais de autoproteção; 5) potencializar a proteção externa
(familiares e/ou cuidadores) para a criança (Habigzang & Caminha,
2002a, 2002b).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 97

O grupo era fechado, não havendo, portanto, entrada nem, prefe­


rencialmente, saída de componentes, que foram de no mínimo seis e
no máximo dez meninas. As sessões tiveram ffeqüência semanal, com
duração de uma hora e trinta minutos, em um período de vinte semanas.
Habigzang e Caminha (2002a, 2002b) dividiram o processo
grupoterápico em três fases fundamentais que são: 1) concei-
tuação cognitivo-comportamental; 2) reestruturação cognitivo-
comportamental, e 3) prevenção à recaída. O detalhamento das
técnicas utilizadas em cada sessão da grupoterapia será apre­
sentado na Parte III.
• Fase 1. Conceituação Cognitivo-Comportamental: envolveu
as dinâmicas de apresentação dos membros do grupo,
revelação do abuso e abordagem da sua dinâmica, através do
mapeamento de rituais associados, freqüência, duração e
segredo, assim como dos sentimentos, pensamentos e
comportamentos decorrentes. Também foram abordados o
relacionamento com o abusador e demais membros da família
nuclear. Além disso, ocorreu a psicoeducação quanto ao abuso
sexual, envolvendo as relações entre abuso/trauma e as
situações atuais, e a psicoeducação quanto ao modelo cogni­
tivo que foi utilizado no grupo.

• Fase 2. Reestruturação Cognitivo-Comportamental: envolveu


todo o conjunto de técnicas cognitivo-comportamentais para
a reestruturação e alteração do repertório cognitivo-compor­
tamental das participantes do grupo. Nesta fase, foram incluí­
das oficinas de educação sexual e de psicomotricidade visan­
do a reintegração de esquema corporal.

• Fase 3. Prevenção à Recaída: foram trabalhadas questões


relativas ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e
construíram-se estratégias de proteção para estresses reais e/
ou presumidos (prevenção à reincidência).
98 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Esse modelo de intervenção sugere que os cuidadores das


crianças se reunam, paralelamente à grupoterapia, com os terapeutas
responsáveis - podendo ser, ou não, os mesmos profissionais que
atendem o grupo de crianças. As reuniões devem ter objetivos
terapêuticos, a fim de proporcionar alterações no contexto familiar e
potencializar o apoio afetivo e protetivo às crianças (Habigzang &
Caminha, 2002a, 2002b). As mudanças no contingente familiar são
imperativas para a quebra da multigeracionalidade da violência intra-
familiar. Não havendo mudanças evidentes no contexto ambiental,
as crianças tendem a incorporar as estratégias cognitivo-comporta-
mentais dos adultos referenciais, mantendo, desse modo, o ciclo da
violência. Além disso, as reestruturações cognitivas e comporta-
mentais trabalhadas com crianças e adolescentes somente serão
desenvolvidas e mantidas se houver a colaboração das pessoas
significativas no processo de mudança.

Reavaliação diagnostica individual


A evolução clínica das participantes foi acompanhada e avaliada
pelo terapeuta durante toda a intervenção. Os relatos das meninas e
seus registros escritos foram utilizados como instrumentos para avaliar
mudanças em comportamentos, crenças e sentimentos com relação
ao abuso e para redução dos sintomas psicopatológicos. As reuniões
com os cuidadores também foram indicadores de mudanças clínicas.
Após o processo grupoterápico, realizou-se uma reavaliação
diagnostica individual, por meio de entrevistas com as meninas, os
cuidadores, os professores e outras pessoas significativas. Nessas
conversas, foram retomados os resultados da avaliação inicial e
discutiram-se, com as meninas e seus cuidadores, as mudanças clínicas
ocorridas durante a grupoterapia e a possibilidade de término do
tratamento.
Parte HI

Analisando a intervenção
EM ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA E
NA ADOLESCÊNCIA
Resultados da intervenção

este capítulo, estão descritos os resultados das três etapas


N que constituíram a intervenção: a avaliação diagnostica
individual, com uma breve descrição de cada participante, a história
do abuso e os sintomas identificados; a grupoterapia cognitivo-
comportamental, com a descrição das técnicas, articulada com
resultados ilustrados por recortes clínicos; e a reavaliação diagnostica
individual, com as mudanças clínicas decorrentes do processo
terapêutico.

Resultados da avaliação diagnostica individual


O grupo 1 (Gl) foi composto por seis meninas com idade entre
nove e catorze anos - cinco estavam em um abrigo, responsável pelo
encaminhamento para psicoterapia, e uma residia com a mãe, tendo
sido encaminhada para o PIPAS pela escola que suspeitou que a
menina estava sendo vítima de abusos sexuais.
Daiana* tinha treze anos e morava com a mãe e o padrasto, até
a escola começar a suspeitar que poderia estar sendo vítima de
abusos sexuais. Ela vinha diminuindo consideravelmente seu
rendimento escolar e estava sempre isolada do restante da turma.

* Foram atribuídos nomes fictícios para proteção da identidade das participantes.


102 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Além disso, a direção da escola afirmou que o padrasto ficava


durante todo turno de aula à espera da menina no portão e impedia
que ela conversasse com os colegas na saída. A diretora chamou
Daiana para conversar, e ela, então, relatou que o padrasto mantinha
relações sexuais com ela. A escola encaminhou a menina para
psicoterapia e acionou o Conselho Tutelar (CT). Diante da revelação
da filha, a mãe separou-se do companheiro com quem estava vivendo
há oito anos. Na avaliação diagnostica, Daiana afirmou que os
abusos começaram pouco antes de ela completar nove anos. Segundo
seu relato, o padrasto a ameaçava com facas, a agredia com tapas
no rosto e a amarrava com cordas na cama da mãe. Daiana ficava
aos cuidados dele enquanto a mãe trabalhava e os abusos eram
diários. Ela contou que o padrasto era ciumento e violento com ela
e a mãe, principalmente quando alcoolizado. Daiana revelou sentir
medo que ele voltasse para cumprir as ameaças de matá-la, caso
contasse o que se passava entre eles. De fato, o padrasto apareceu
algumas vezes e ameaçou de morte a menina e a mãe caso não
retirassem a queixa contra ele. A mãe manteve-se firme na posição
de proteger a filha e o processo teve continuidade no Juizado da
Infância e Juventude. Daiana apresentava quadro de TEPT,
dificuldades de aprendizagem, sentimento de culpa pelo abuso,
crises de medo e estava muito agressiva com a mãe.
Tatiana tinha doze anos e sua irmã Paula catorze. Ambas
estavam em um abrigo, pois sofreram abuso sexual pelo tio que as
criava. Elas moravam com os tios desde muito pequenas, porque a
mãe não tinha condições financeiras para sustentá-las. Segundo as
meninas, os abusos começaram quando tinham seis e oito anos,
respectivamente. Tatiana relatou que o assédio ocorria à noite,
enquanto a tia dormia. Uma não sabia que o mesmo ocorria com a
outra. A denúncia partiu de Paula, que contou à mãe que o tio “se
passava com ela” (sic). Em seguida, Tatiana relatou que também
era vítima dos abusos. A mãe fez a denúncia na delegacia e o
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 103

Conselho Tutelar foi acionado, decidindo pelo encaminhamento das


meninas ao abrigo. Conforme o relato delas, os abusos incluíam
carícias e beijos nos genitais, tanto da parte delas, quanto da parte
do tio. As meninas disseram que ele pedia que mantivessem a relação
em segredo, pois algo de muito ruim podería acontecer a toda a
família, caso a tia soubesse. Elas mantiveram o segredo durante
seis anos. Tatiana e Paula estavam com dificuldades escolares e
apresentavam quadro de TEPT. Tatiana também tinha sintomas
dissociativos sérios, e identificaram-se sintomas de depressão em
Paula. Tatiana estava muito triste e temia que os tios fizessem algo
contra elas. Paula sentia muita raiva do tio e da tia, que não acreditou
nelas. Com freqüência, Paula revelava seu desejo de morrer, embora
não tivesse planos de suicídio e afirmasse não ter coragem para tal.
As duas revelaram sentir culpa por ter mantido o abuso em segredo
durante tanto tempo.
Daniela, de onze anos, estava no mesmo abrigo em que Tatiana
e Paula moravam. Revelou que o padrasto batia muito nela e que
tentou pegá-la duas vezes, correndo sem roupas atrás dela. Tinha
cicatrizes no corpo e no rosto das surras que levou do padrasto.
Segundo ela, pediu ajuda à mãe e esta nada fez, duvidando dos
abusos por parte do marido. Daniela, então, solicitou o auxílio de
uma vizinha, que denunciou a situação ao Conselho Tutelar. Segundo
a diretoria do abrigo, Daniela foi para lá por decisão do CT, já que
a mãe optou em ficar com o marido. A menina apresentava quadro
de TEPT e episódios de intenso medo. Também tinha dificuldade
para se concentrar nas atividades escolares. Daniela expressou
sentimentos de culpa, tristeza e raiva por estar afastada da mãe e
dos irmãos, e revelou o desejo de que a mãe ainda iria se separar do
padrasto e levá-la de volta ao convívio familiar. No entanto, a mãe
de Daniela nunca buscou informações sobre a filha junto ao CT, e
não tinha conhecimento de onde a menina estava vivendo, por
medidas de proteção.
104 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Aline tinha nove anos e já estava há três anos no mesmo abrigo


que as demais meninas, por causa dos abusos sexuais perpetrados
pelo irmão. Ela tinha seis anos e seu irmão catorze quando ele a
obrigou a manter relações sexuais pela primeira vez. Pouco tempo
depois, Aline revelou os abusos à mãe. Esta pediu ajuda ao CT que
abrigou a menina e encaminhou o rapaz a um centro de atendimento
a adolescentes em conflito com a lei, uma vez que a mãe disse não
ter condições de cuidar das crianças. Aline contou que tinha outra
irmã que era criada por uma vizinha. Ela disse sentir saudades da
mãe e dos irmãos e o desejo de voltar a viver com eles. Foram
identificados sintomas de TEPT, como angústia nas lembranças
traumáticas, fuga de sentimentos, pensamentos e locais referentes
ao abuso, lembranças e imagens intrusivas, entre outros, e de
transtorno de hiperatividade e déficit de atenção. Aline apresentava
problemas de aprendizagem escolar e estava repetindo pela segunda
vez a primeira série, e ainda não sabia ler e escrever palavras simples.
Além disso, isolava-se das outras crianças, tanto na escola quanto
no abrigo, ficando calada e distante de todos. De acordo com as
monitoras do abrigo, Aline estava sempre triste e dificilmente
brincava com as outras, preferindo ajudar nas tarefas diárias do
abrigo.
Gabriela tinha treze anos e também morava no abrigo havia
dois anos. Segundo a diretora do abrigo, ela foi encaminhada pelo
CT devido a uma denúncia de que era explorada sexualmente pela
mãe. Gabriela era muito calada e desconfiada. Seu período de
avaliação individual necessitou de um número maior de sessões, pois
ela ficava completamente calada nas entrevistas. Aos poucos, revelou
que nos finais de semana era obrigada a ir à casa de um homem, que
dava dinheiro a sua mãe. Contou que esse homem a levava para a
casa dele e à noite ia para sua cama. Gabriela sentia intensa ansiedade
ao falar do assunto, fechando os olhos e apertando as mãos. Falava
muito baixo, olhando sempre para o chão e dizia sentir vergonha. A
menina apresentava TEPT, dificuldades de aprendizagem, um severo
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 105

atraso no desenvolvimento cognitivo, verificado através de


instrumentos psicológicos (Wise e Bender) e evitava o contato físico,
mantendo-se isolada das demais pessoas. Ela relatou não confiar em
ninguém e não gostar de viver no abrigo.
O grupo 2 (G2) foi composto por sete meninas com idade entre
doze e dezesseis anos. Todas as meninas viviam com as famílias,
com exceção de uma que foi abrigada durante a avaliação diagnostica,
por ainda estar exposta aos abusos sexuais e a mãe não acreditar na
revelação da filha.
Camila tinha 15 anos quando foi encaminhada para o PIPAS
pelo Juizado da Infância e Juventude, após tentar retirar a queixa de
abuso sexual que registrara semanas antes contra o padrasto. A
assistente social do Fórum suspeitou que a menina havia sido forçada
a se retratar e exigiu acompanhamento psicológico. No início da
avaliação, Camila falava apenas quando solicitada e se expressava
com respostas objetivas. Disse que não confiava nas pessoas e que
não podia falar nada, porque a mãe a mandaria embora de casa. Aos
poucos, estabeleceu-se uma relação de confiança e Camila revelou
que foi obrigada pela mãe e pelo padrasto a retirar a queixa. Contou
que o padrasto abusava sexualmente dela desde os sete anos. No início,
os abusos ocorriam durante o dia, enquanto a mãe trabalhava. Camila
disse que ele a obrigava a estudar com ele, e a cada resposta errada
que dava tinha que escolher entre tirar uma peça de roupa ou levar
uma cintada. Depois, os abusos passaram a ocorrer à noite, enquanto
a mãe dormia sob efeitos de sedativos. Camila era obrigada a assistir
filmes pornográficos com o padrasto e imitar o que se passava nas
cenas. Também relatou que o padrasto estudava na mesma escola-
supletivo que ela, na mesma turma, para controlá-la. Camila foi
proibida de ter amigos e não podia sair de dentro de casa sem a
presença da mãe ou do padrasto. Ela estava afastada da escola como
castigo, pois não havia passado no curso supletivo, o que reforçava
sua baixa auto-estima. A mãe foi chamada para uma entrevista e negou
os fatos relatados pela filha, dizendo que ela era louca e mentirosa.
106 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Sem a mãe saber, mas com o consentimento de Camila, efetuamos


uma nova denúncia junto ao CT e ao Juizado da Infância e Juventude
e providenciamos seu encaminhamento ao abrigo. Camila
apresentava quadros de TEPT e de depressão, conduta hiper-
sexualizada e comportamentos de pequenos furtos. Sentia-se culpada
por não ter revelado o abuso quando ainda era pequena, pois tinha a
crença de que se o tivesse feito logo no início, sua mãe teria lhe dado
credibilidade.
As irmãs Vanessa e Luciana tinham, respectivamente, catorze
e treze anos. Vieram ao atendimento trazidas pela mãe, que estava
muito confusa com as revelações das filhas de que seu com­
panheiro abusava sexualmente delas. As garotas relataram que
eram vítimas do padrasto desde os nove e os oito anos, respec­
tivamente. Os abusos incluíam carícias e manipulação dos genitais.
Vanessa tinha como agravante os abusos físicos e psicológicos
perpetrados pela madrasta durante o tempo em que viveu com o
pai. A mãe das meninas estava emocionalmente muito debilitada
e com problemas de alcoolismo. Luciana apresentava sintomas
de TEPT, hiperatividade e comportamentos agressivos com a mãe
e a irmã. Também estava com problemas de indisciplina na escola,
onde foi flagrada fumando maconha. A mãe relatou que Luciana
havia furtado, com alguns amigos, xampus dos vizinhos do prédio
durante a madrugada. Vanessa apresentava quadro de TEPT e
depressão. Já tinha tentado o suicídio ingerindo medicamentos.
Sentia-se muito culpada pelos abusos e apresentava uma bai­
xíssima auto-estima. Vanessa relatou que ainda tinha planos de
suicídio porque não via mais saída para tanto sofrimento. Também
apresentava dificuldades escolares, tendo grande possibilidade de
repetir o ano pela segunda vez. Além de fazer a avaliação diag-
nóstica, encaminhamos Vanessa para avaliação psiquiátrica e
realizamos intervenções focais para risco de suicídio.
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 107

Joana tinha dezesseis anos e veio acompanhada pela mãe, que


estava desesperada com a revelação de abuso da filha. Ela vivia com
a mãe e o padrasto, quando este tentou manter relações sexuais com
ela duas vezes. Na primeira, Joana estava dormindo quando sentiu
uma mão tocando suas pernas debaixo das cobertas, com o quarto
totalmente escuro. Ela gritou e correu para o quarto da mãe. O padrasto
disse que só havia ido buscar o cachorrinho de Joana para colocá-lo
na cozinha. Na segunda vez, a garota estava sozinha em casa com o
padrasto, quando ele a agarrou e a atirou na cama. Ela disse que ele
lhe bateu no rosto e tentou tirar sua roupa. Depois de algum tempo de
luta, segundo a menina, ela conseguiu escapar e fugiu para a casa da
vizinha que a socorreu. Quando a mãe chegou em casa e soube do
ocorrido, fugiu com a filha para outra cidade, onde passaram a morar
com a tia. Joana disse que o padrasto estava sempre bêbado e desde
muito pequena o via agredindo fisicamente sua mãe. Disse que
desejava que ele morresse, após ser torturado. Durante as entrevistas
de avaliação, Joana descreveu em detalhes rituais de tortura e fez
desenhos sobre assassinatos. Ela apresentava sintomas de TEPT e
sintomas dissociativos, descrevendo episódios nos quais rompia com
a realidade, pois segundo ela, esta era insuportável. Relatou que sentia
ódio pelo ocorrido e tinha idéias fixas de vingança. Dizia que não
tinha amigos nem namorado e tampouco fazia questão de ter. A mãe
contou que ela passava horas lendo ou desenhando, e gostava de
brincar de bonecas com crianças bem menores do que ela. No decorrer
da avaliação, foi revelado que Joana já havia planejado suicídio um
tempo antes.
Mariana tinha quinze anos e veio acompanhada pela avó, com
quem estava morando devido aos abusos físicos, psicológicos e
sexuais do padrasto. Segundo a garota, a mãe preferiu ficar com o
padrasto, embora tivesse conhecimento do que ele fazia com a filha,
já que mais de uma vez presenciara o marido fazendo carícias nela.
108 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Mariana disse que não sabia ao certo quando os abusos sexuais


começaram, mas achava que fora por volta dos seis anos. Contou
que iniciaram com carícias e chegaram em relações com penetração.
Mariana demonstrava muita vergonha em relatar a história e chorou
bastante durante as entrevistas. Disse que sempre foi infeliz e que
devia ser muito ruim para que tivessem feito isso com ela. Apresentava
quadros de TEPT, depressão e ansiedade. Não tinha expectativas com
relação ao futuro e contou que já havia tentado o suicídio três vezes,
mostrando as cicatrizes nos pulsos. Mariana também foi encaminhada
para avaliação psiquiátrica. Além dos maus-tratos do padrasto, relatou
sérios abusos psicológicos e negligências por parte da mãe. Embora
a mãe dissesse que a odiava, que havia tentado abortá-la e matá-la,
depois que ela nasceu, a menina dizia que gostava da mãe e sentia
sua falta. Também se queixava de saudades da irmã que continuou
vivendo com a mãe. Mariana disse que ficava muito ansiosa ao
lembrar das ameaças de morte da mãe e do padrasto por ter revelado
ao restante da família os maus-tratos que sofria.
Carolina tinha catorze anos quando veio acompanhada pela mãe
ao PIPAS. A mãe estava muito assustada com as cartas que a filha
havia recebido do padrasto. Elas diziam que ele queria fazer com a
menina o que fazia com a mãe, que a amava de um jeito diferente da
irmã (filha biológica dele) e que era mais bonita que a mãe. Segundo
Carolina, já tinha recebido duas cartas do padrasto, quando decidiu
entregá-las a mãe. Antes, a mãe de Carolina tinha flagrado o marido
masturbando-se com as calcinhas da filha. Ela então alertou a menina
com relação ao padrasto e acreditou nas promessas dele de que jamais
tentaria nada. No entanto, Carolina ficou muito assustada e
decepcionada com o que a mãe lhe contou e passou a ter insônia por
medo que ele viesse importuná-la a noite. Ela também passou a ter
dificuldades escolares. Com as cartas, a mãe se convenceu de que o
marido não havia mudado e o mandou embora. Carolina sentia-se
culpada pela desestruturação da família, principalmente pela tristeza
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 109

da irmã de sete anos, com a separação dos pais. Ela apresentava alguns
critérios de TEPT, como, revivência do trauma por meio de lembranças
intrusivas, angústia nas lembranças traumáticas e dificuldade de
concentração, embora não tenha fechado critérios diagnósticos para
tal psicopatologia.
Ticiane tinha doze anos e realizou a avaliação para ser incluída
no grupo. Ela veio por intermédio da mãe, que buscava atendimento
para si. A mãe relatou que precisava de ajuda, pois o marido havia
abusado sexualmente de sua filha e, diante da confissão dele, ela
tinha pedido a separação, o que a estava fazendo sofrer muito. Disse
que era apaixonada pelo marido e que percebia que estava maltratando
a filha, como se ela a tivesse traído. A mãe foi encaminhada para
psicoterapia e concordou em trazer a filha para avaliação. Ticiane
contou que o padrasto entrou em seu quarto à noite, enquanto a mãe
trabalhava (no turno da noite, como auxiliar de enfermagem em um
hospital), e deitou-se com ela, acariciando-lhe o corpo. A menina
contou que saiu correndo, trancou-se no quarto da mãe e ligou para o
celular dela pedindo ajuda. Contou que quando a mãe chegou o
padrasto havia fugido, voltando dias depois para buscar suas coisas.
Ticiane disse que se sentia culpada pela tristeza da mãe, e que, depois
do ocorrido, não conseguia estudar, tinha pesadelos, isolou-se dos
amigos e passou a ter medo de qualquer homem que se aproximasse.
Ela apresentava quadro de TEPT e relatou desejo de morrer. Contou
que um tempo antes tentara suicídio por auto-sufocamento com o
travesseiro. Também revelou sentir medo de que a mãe tivesse uma
recaída e voltasse para o padrasto, pois ele ligava freqüentemente e
eles ficavam horas conversando no telefone. A mãe de Ticiane contou
que havia retirado a queixa contra o ex-marido para não prejudicá-
lo, mas que a filha não sabia de nada.
As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados da avaliação inicial
do G1 e do G2, com relação aos sintomas de TEPT e às alterações
comportamentais identificadas.
no Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Tabela 1. Sintomas de transtorno do estresse pós-traumático em G1 e G2

Sintomas de TEPT Meninas G1 Meninas G2


(« = 6) (n=7)
angústia nas lembranças traumáticas 6 6
fuga: sentimentos, pensamentos, 5 7
locais, situações
lembranças/imagens intrusas 6 7
dificuldade de concentração 5 7
sentimento de estar sozinha, 2 6
separada, alienada
comportamento de reconstituição 3 1
sonhos traumáticos 2 3
irritabilidade ou raiva 2 7
dificuldades para dormir 2 4
hipervigilância 3 3
lapsos de memória 2 0
interesse reduzido em atividades habituais 1 1
resposta exagerada de sobressalto 1 1
alteração na orientação com respeito 0 1
ao futuro

Tabela 2. Alterações comportamentais em G1 e G2

Alteração comportamental Meninas G1 Meninas G2


(/* = 6) («= 7)
episódios de medo ou pânico 4 5
ansiedade generalizada 2 3
transtorno do sono 3 4
mudança de comportamento na escola 3 5
fugas do lar 2 4
fadiga 2 2
isolamento 2 6
esquiva do contato físico 2 3
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 111

falta de apetite 2 0
aumento de apetite 0 1
atraso do desenvolvimento 1 1
(Cognitivo; motor; afetivo)
atuação tipo Mentiras e furtos 0 3
atuação sexual 0 1
perda de peso 1 1
abandono de hábitos lúdicos 1 0
comportamento suicida 0 5
uso de maconha 0 2

Grupoterapia
A seguir estão descritas em detalhes as técnicas cognitivas e
comportamentais desenvolvidas em cada sessão do grupo. Os resultados
estão apresentados através de recortes clínicos do G1 e G2.

Ia sessão
Rapport. Incluiu apresentação dos terapeutas coordenadores e
todas as informações necessárias sobre o funcionamento do grupo,
tais como: dia dos encontros, horários, tempo de duração, etc.
Dinâmica de apresentação. Foi realizada uma dinâmica de grupo
que favoreceu a apresentação e a caracterização das participantes,
envolvendo a realização de entrevistas entre as meninas. As perguntas
mais freqüentes foram: nome, idade, onde mora, onde estuda, o que
gosta de fazer. Depois, as informações obtidas nas entrevistas foram
apresentadas no grupo.
Identidade do grupo. O passo seguinte foi conversar com as
meninas do grupo sobre o porquê de estarem reunidas, abordando quais
experiências de vida as trouxeram para o atendimento (cabe lembrar
que as meninas foram individualmente preparadas para o grupo). Nesse
momento, discutiu-se no grupo o que é um abuso sexual, pois as
112 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

experiências das meninas eram diferentes quanto à duração, ao


perpetrador e ao tipo de situação que ocorreu. Também foram abordadas
as possíveis conseqüências dessa experiência para a vida das pessoas.

E fundamental que a identidade do grupo seja compreendida por todas


as participantes para que se possa introduzir os objetivos do tratamento.
Se elas não trouxerem a questão do abuso, é importante que os terapeutas
expliquem que a razão de estarem reunidas é o fato de terem tido
experiências de abuso sexual. Revelações sobre as situações de abuso
são comuns nesse momento, embora a abordagem mais específica do
abuso esteja programada para a segunda sessão. No primeiro encontro
foi escolhido um nome para caracterizar o grupo, como “meninas
secretas” e “meninas superpoderosas” (nomes escolhidos pelos grupos
G1 e G2, respectivamente).
Apresentação dos objetivos. Os terapeutas verificaram as
expectativas das meninas com relação ao grupo e compartilharam
com elas os objetivos de trabalho. Foi realizado um painel para
verificar o que as meninas esperavam. Entre as principais idéias
apresentadas, surgiram as seguintes: “aprender a lidar com o que
aconteceu”, “entender por que isso aconteceu comigo”, “que cada
uma de nós consiga resolver seu problema e que sejamos amigas”,
“sair na rua sem achar que está todo mundo te olhando e te julgando,
sem saber o que realmente aconteceu”, “esquecer o abuso”, “não
falar muito do abuso”, “aprender a conviver com o problema”. Todas
as idéias foram discutidas no grupo a partir dos seguintes objetivos:
• terapêutico: minimizar os efeitos do evento traumático na
vida das participantes;
• auto-ajuda: o sentido de ajuda e reforço mútuo entre os
membros do grupo;
• psicoeducativo: aprendizagem sobre os efeitos do abuso em
suas vidas nos planos afetivo, cognitivo e comportamental.
Algumas expectativas, como “não falar sobre o abuso” e “esquecer
o que aconteceu” foram exploradas de forma realística com o grupo. As
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 113

terapeutas explicaram que quando falamos de algo que nos incomoda e


nos faz sofrer, podemos sentir alívio e construir novas maneiras de lidar
com isso, e que, por essa razão, o grupo estava ali, para que uma pudesse
ajudar a outra, já que passaram por experiências semelhantes. Elas
esclareceram que, para atingir objetivos como entender o que aconteceu
e aprender a lidar com o abuso, seria preciso falar sobre a experiência e
que o fato não se apagaria por completo da memória, mas que trabalhariam
para mudar o que as lembranças representavam em suas vidas. As meninas
precisavam compreender que o grupo constitui um espaço seguro para
falar das experiências abusivas a fim de que pudessem aprender maneiras
de lidar com as conseqüências no dia-a-dia.

2a sessão
Estabelecimento de confiança. Realizaram-se dinâmicas para
estimular a confiança e a coesão entre os membros do grupo. Por
exemplo, “caminhada em confiança” (Smith, 1996), na qual as
meninas foram divididas em duplas, e uma delas vendou os olhos
para ser conduzida em uma caminhada pela sua companheira. Depois
os papéis se inverteram. No final da técnica exploramos os sentimentos
e os pensamentos com relação à atividade realizada, buscando
salientar o quanto é importante ter alguém para confiar quando
enfrentamos alguma dificuldade. Reforçou-se a idéia de que o grupo
constituía um espaço seguro e possível para expor as experiências
sexualmente abusivas a que foram submetidas.
Relato das situações abusivas. As participantes foram convi­
dadas a revelar as experiências de abuso sexual de forma verbal, escrita
ou desenhada. Buscou-se compreender a dinâmica dos abusos, os
rituais dissociativos, a freqüência, a duração, a intensidade, o segredo
e a coerção. Paula relatou: “A minha vida não é como a maioria das
gurias que tem no meu colégio. Quando eu ia para a escola me sentia
uma menina muito triste, porque tudo aquilo que estava acontecendo
comigo não era certo. Por que só comigo e não com as outras meninas
que passavam por mim.” (sic)
114 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Isenção da culpa: Evidenciou-se a ausência de culpa das


meninas com relação à situação de abuso através da reelaboração
semântica do fato e da revelação. As meninas foram convidadas a
elaborar e verbalizar uma explicação alternativa para o acontecimento
que não as culpabilizasse. Em ambos os grupos, as garotas revelaram
sentir culpa por terem mantido o abuso em segredo durante um longo
período e por serem responsáveis pela desestruturação da família.
Para algumas, a questão era tão forte que pedimos que registrassem
por escrito em um cartão amarelo uma explicação que não as
culpabilizasse. Nos encontros seguintes, elas contaram que colocaram
os cartões em lugares em que sempre podiam reler seu conteúdo e
que isso as ajudava a perceber que o adulto agressor foi o culpado e
elas não poderíam ter agido de forma diferente, pois tinham muito
medo de que as ameaças fossem colocadas em prática.
Vanessa relatou que então entendia que o padrasto era o
culpado pelo abuso, mas se sentia culpada por ter mantido o fato
em segredo. Carolina então se posicionou dizendo que não deveria
sentir culpa, pois ela não contou nada devido às ameaças que recebia
e ao medo de ser castigada. Os terapeutas questionaram Vanessa se
a explicação dada por Carolina tinha algum sentido. Ela respondeu
não que sim. Então foi pedido que ela explicasse ao grupo por que
ela não teve culpa por guardar segredo do abuso. Ela disse: “Eu
não tenho culpa porque acreditava que ele faria mal a mim e a minha
irmã. Tinha muito medo do que podería acontecer, por isso não
contava nada para ninguém.” Verificamos que o apoio dado por
uma paciente à outra produziu importantes efeitos terapêuticos com
relação ao sentimento de culpa.
Impacto pós-revelação. É fundamental abordar o impacto,
principalmente o afetivo, da revelação do abuso no grupo. Assim,
depois que cada menina expôs sua experiência, foram avaliados os
sentimentos com relação à revelação.
Tatiana disse: “Eu me sinto mais aliviada. É bom saber que outras
pessoas passaram por isso, antes achava que só acontecia comigo.”
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 115

Mariana relatou: “Foi muito bom ter contado o que meu padrasto fez
comigo e não ter passado por mentirosa, como ele disse que iria
acontecer no dia em que eu contasse isso a alguém.” Todas as meninas,
de ambos os grupos, manifestaram sentir alívio em compartilhar o
abuso e constatar que ninguém ali as julgou de forma negativa.

3a sessão
Reações da família. Foram abordadas as reações, da família e das
demais pessoas significativas, diante da revelação. Muitas vezes as
meninas falaram do fato de terem sido responsabilizadas pelo ocorrido
e pela desestruturação da família. Outras vezes, relataram que tentaram
contar o que acontecia a alguém, mas que não tinham credibilidade.
As meninas abrigadas queixaram-se da falta que sentiam dos irmãos e
da mágoa com relação às mães que não acreditaram nelas.
Minhas famílias. “Desenho de minha família ou de minhas
famílias ou cuidadores atuais” (Smith, 1996). Este foi um dispositivo
interessante para abordar as mudanças na configuração familiar. As
participantes desenharam sua família antes e depois da revelação, e
depois comentaram as produções.
Mapeamento das mudanças. Buscou-se conhecer e compreender
as mudanças ocorridas na vida das meninas depois das situações
abusivas e da quebra do segredo. No G1, no qual cinco meninas estavam
institucionalizadas, verificou-se que o abrigo era entendido como
punição, o que reforçava a crença de que eram culpadas pelo abuso.
Durante a sessão, Gabriela, que estava na casa abrigo, perguntou a
Daiana, que morava com a mãe, porque ela pôde ficar em casa. Daiana
respondeu que a mãe havia mandado o padrasto embora, mas que tinha
medo de ficar em casa, porque pensava que ele viria seqüestrá-la para
cumprir as ameaças. Então Daniela disse: “É ruim ficar longe de casa,
mas pelo menos agora a gente está segura. Temos um lugar para morar
e ninguém abusa da gente.” Além das mudanças na configuração
familiar, as meninas apontaram alterações na vida escolar (diminuição
do rendimento), maior agressividade com os outros, desconfiança das
116 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

pessoas e o sentimento de ser diferente das outras pessoas, que as levava


a buscar um distanciamento. Vanessa disse que achava que todos que
olhavam para ela sabiam que ela havia sofrido abuso e que detestava
que a olhassem por causa disso. A coordenação perguntou se, caso se
cruzassem na rua, elas identificariam umas às outras como vítimas de
abuso sexual sem o relato de cada uma sobre a experiência. Todas
riram e disseram que não imaginariam isso apenas se olhando. Foi
levantada, então a possibilidade de que as pessoas podem olhar para
elas nas ruas por outros motivos. Vanessa riu e disse: “Às vezes tenho
idéias absurdas e é bom falar sobre elas no grupo para ver que são
bobagens da minha cabeça.”
Implicações afetivas. O modelo priorizou a abordagem do afeto,
dos sentimentos de culpa e do resgate das explicações alternativas
trabalhadas anteriormente sobre as situações de abuso. A questão da
culpa foi retomada diversas vezes, pois essa crença disfuncional
geralmente estava bastante arraigada nas pacientes.

4a sessão
Psicoeducação quanto ao modelo cognitivo-comportamental.
O modelo foi introduzido com o jogo “o que são emoções”, no qual
o grupo ligava colunas de situações cotidianas às reações afetivas
correspondentes. Foram trabalhadas diversas emoções, como medo,
raiva, tristeza, culpa e alegria, por meio de cartões com “carinhas”
que as representavam. Esse dispositivo possibilita aprender a
discriminar emoções e nomeá-las de acordo com as situações
cotidianas. Inicialmente, abordamos as emoções em situações gerais,
e depois focalizamos as emoções relacionadas à experiência de abuso
sexual, com o objetivo de ampliar o repertório afetivo. As emoções
citadas em comum pelas pacientes foram raiva, ódio, medo e culpa.
O abusador. Abordaram-se afetos e pensamentos com relação
ao abusador. Um dispositivo utilizado para isso foi a construção do
abusador em massa de modelar e a realização de role play com ele
(Knell & Ruma, 1999). Essa técnica proporcionou uma evasão de
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 117

sentimentos até então mantidos em segredo. Nessa sessão, Daniela


disse: “Você é o culpado de tudo, devia ser preso para ficar longe da
minha mãe e eu poder voltar para casa, vou te esmagar agora, eu te
odeio.” Joana falou: ‘Tenho muita raiva de você pelo que fez comigo
e pelas surras que deu na minha mãe, espero que você sofra muito e
pague pelo que fez.” Luciana: “Tu é ridículo, feio e eu tenho raiva e
ódio de ti porque tu não tinhas o direito de passar a mão no meu
corpo porque eu ainda era uma criança” (sic). Mariana: “Eu espero
que você pague pelo mau que me fez, você não é meu pai e também
não é um homem, porque ser homem é muito mais do que ter um
pênis.” Vanessa: “Espero que você vá para a cadeia pelo que fez,
porque me deixou a marca da vergonha e tentou acabar com minha
alegria, mas quero dizer que serei feliz e vou dar a volta por cima.”
As meninas do G1 destruíram os bonecos depois da atividade enquanto
as do G2 preferiram levá-los para casa para xingá-los quando
sentissem muita raiva. Algumas idéias sobre os abusadores foram
trabalhadas terapeuticamente. Um exemplo disso foi a crença que
algumas meninas do G2 tinham de que se os padrastos fossem seus
pais biológicos eles não teriam perpetrado o abuso, porque pais de
verdade não fazem isso. A coordenação trouxe para o grupo a
informação de que o maior índice de abusadores nas pesquisas
epidemiológicas são pais biológicos e que os padrastos aparecem em
segundo lugar. As meninas ficaram muito surpresas e quiseram
entender por que eles fazem isso. Camila disse que devia ser um tipo
de doença. Aproveitando a discussão do grupo, a coordenação
conversou com elas sobre pedofilia. Também foram discutidas e
avaliadas quais são as reais conseqüências legais para o abusador. As
meninas manifestaram o desejo de que “eles têm que pagar pelo que
fizeram” (sic) e queixaram-se do atendimento do Conselho Tutelar e
da lentidão da Justiça em prender os abusadores.
Monitoramento. Introduziu-se o modelo de monitoramento que
seria realizado como tarefa extra-sessão (Anexo C). Nesse momento,
foi solicitado o registro de situações em que houvesse alteração de
118 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

afeto. Inicialmente, o automonitoramento anotou situações gerais,


ocorridas na semana, depois passou a focalizar situações em que
ocorriam lembranças intrusivas do abuso.

5a sessão
Psicoeducação quanto ao modelo cognitivo-comportamental.
Foi introduzida a compreensão do pensamento como lembrança, idéia
ou imagem que passa pela nossa cabeça e que muitas vezes é
involuntário (pensamento automático). Foi trabalhada a noção de que
nossos pensamentos estão relacionados ao modo como nos sentimos.
Retomando os monitoramentos extra-sessão, nos quais foram
registradas situações e emoções, verificaram-se quais foram os
pensamentos associados. Para facilitar a compreensão, utilizamos a
técnica de role play com três personagens: a situação, o pensamento
e o afeto. Elas foram divididas em pequenos subgrupos, que ensaiaram
a dramatização dos personagens para depois apresentar para o grupo.
As meninas que estavam assistindo identificam qual foi a situação, o
pensamento e a emoção.
No Gl, foi dramatizada uma situação registrada, na qual Daiana
atendia um telefonema e identificava a voz do padrasto. Ela lembrou
de cenas do abuso e das ameaças, o que desencadeou emoções como
medo e raiva intensos. Outro grupo dramatizou uma situação em que
Gabriela estava dentro de um ônibus que passou em frente a um local
onde havia sido abusada. A situação desencadeou lembranças do abuso,
que a deixaram muito triste, fazendo-a chorar compulsivamente.
No G2, os pensamentos foram trabalhados através de uma
atividade escrita na qual as meninas descreviam o que significou para
elas ter vi vendado situações de abuso sexual. Elas escreveram sobre
as mudanças que perceberam em si mesmas e quais pensamentos e
sentimentos mudaram com relação à tríade cognitiva (como elas se
vêem, como vêem os outros e como vêem o futuro). Depois, as meninas
leram para o grupo suas produções escritas e identificaram semelhanças
de sentimentos e pensamentos com relação ao abuso. Luciana relatou:
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 119

“O abuso é uma experiência horrível, que não desejo para ninguém,


porque me fez mudar bastaste. Deixei de ser inocente e aprendi que a
vida não é um mar de rosas. Agora sou desconfiada com qualquer
pessoa, mas espero que consiga viver em paz com minha mãe e minha
irmã, e tentar esquecer que um dia uma pessoa foi capaz de se aproveitar
da minha inocência para seu próprio prazer, porque eu era uma criança
sem problemas e agora sou uma adolescente rancorosa.” Camila disse:
“Acho que no futuro não terei relações verdadeiras, porque nunca tive
relações verdadeiras. O abuso foi um inferno porque eu era obrigada a
fazer coisas que não queria, mas acho que o pior foi minha mãe não ter
acreditado em mim e eu ficar sozinha, sem ter o que fazer. Não sou
mais a menina feliz que eu era antes de tudo isso acontecer, e não sei se
um dia conseguirei ser feliz outra vez.”
Monitoramento. Foi solicitado um monitoramento extra-sessão
no qual as meninas deveríam registrar situações, pensamentos e
emoções. O objetivo era identificar pensamentos automáticos
intrusivos relacionados com o abuso, permitindo verificar a freqüência
e a intensidade das lembranças traumáticas e dos estímulos
desencadeadores.

6a sessão
Psicoeducação quanto ao modelo cognitivo-comportamental.
Foi trabalhada a compreensão de que os pensamentos e os afetos
estão relacionados com nossos comportamentos e podem provocar
reações físicas. Nesse momento foi introduzida a abordagem integral
do modelo cognitivo-comportamental. Utilizaram-se os registros da
tarefa extra-sessão para verificar quais foram os comportamentos e
as alterações fisiológicas associados às emoções e aos pensamentos
identificados. Para integrar o modelo cognitivo-comportamental
utlizou-se a construção de histórias em quadrinhos a partir de situações
relatadas pelo grupo, assim como quebra-cabeças ilustrativos.
Psicoeducação quanto ao problema. Evidenciou-se o quanto
situações-problema e pensamentos, afetos, comportamentos e reações
120 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

fisiológicas identificados estavam associados ao evento traumático.


Foram construídas estratégias para lidar nas situações em que ocorriam
lembranças e sonhos traumáticos. Os registros da semana funcionaram
como dispositivo para construção dessas estratégias. Cada menina
lia suas lembranças registradas e o grupo formulava sugestões de
como lidar com as situações-problema.
Um exemplo disso foi o relato de Daiana de que, ao lavar as facas
depois das refeições, sempre lembrava do abuso, pois o abusador a
ameaçava com facas. Com o auxílio do grupo a menina percebeu que
as facas eram apenas facas e que o abusador não estava ali presente.
Ela passou a dialogar consigo mesma, questionando seu medo. Com o
passar do tempo, as facas deixaram de ser um estímulo desencadeante
da memória traumática. Outro exemplo é o de Tatiana, que apresentava
episódios dissociativos em sala de aula quando lembrava do abuso.
Relatou que estava fazendo uma prova quando lembrou do abusador.
Segundo ela, parecia que não estava na escola e sim em casa sofrendo
um abuso. A menina disse que não percebeu o tempo passar e que
entregou a prova quase em branco. Ensaiamos no grupo o que ela
poderia fazer na escola quando surgissem essas lembranças. Daniela
atuou como um pensamento alternativo e disse: “Olha só, você está na
sala de aula, não está acontecendo nada de ruim agora, é só uma
lembrança, isso já acabou.” Então foi perguntado se ela poderia tentar
fazer isso em tais situações. Ela respondeu que sim. Também foi
sugerido que pedisse a uma colega em quem confiasse que a chamasse
quando percebesse que estava muito distraída. Nas sessões seguintes,
a menina trouxe informações de que a estratégia de responder aos
pensamentos automáticos estava dando certo e que estava conseguindo
se concentrar mais nas atividades escolares. Verificou-se que durante
o processo terapêutico seu rendimento escolar aumentou
consideravelmente. Ticiane tinha constantes pesadelos sobre o abuso.
Contou ao grupo que teve um desses sonhos, sentiu muita raiva e
tristeza, e pensou em sumir. Ela relatou que sentou na cama e sentiu
seu coração acelerado e suas mãos suadas. Joana sugeriu que Ticiane
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 121

tentasse se distrair pensando em algo bom ou conversando com a mãe.


Quando os pesadelos ocorriam, ela então passou a chamar a mãe, que
ficava com ela até dormir novamente.
Todas as estratégias construídas pelo grupo para lidar com as
lembranças intrusivas foram reunidas no botão de emergência. Cada
criança recebeu uma folha com o título botão de emergência contendo
as estratégias criadas pelo grupo. As estratégias estabelecidas pelos
grupos foram: conversar consigo mesma, escutar música, escrever,
chorar, assistir TV, conversar com alguém e brincar com alguém. O
G2 incluiu ainda: desenhar, escrever, limpar a casa e fazer um passeio.
Os grupos passaram a relatar que ao surgir uma lembrança logo
apertavam o botão de emergência e utilizavam uma das estratégias.
Daniela disse que ao lembrar do padrasto apertou o botão de
emergência e foi brincar para não pensar no abuso e que não sentiu
tanto medo. Inicialmente, as estratégias não foram suficientes para
lidar com a forte intensidade das emoções. Contudo, à medida que as
meninas foram relatando o abuso verbalmente, com maior riqueza
de detalhes, verificou-se que a freqüência e a intensidade das
lembranças diminuíram e as estratégias do botão de emergência
passaram a ter melhores resultados.
Técnicas de relaxamento. Foram ensinados exercícios cujo
objetivo era a mediação da ansiedade gerada pelo efeito dos
pensamentos intrusivos. Os exercícios de controle da respiração e
relaxamento muscular foram aprendidos no contexto grupai.
Monitoramento. O monitoramento extra-sessão solicitado
integrou o modelo cognitivo-comportamental, no qual foram
registrados situações, pensamentos, emoções, alterações fisiológicas
e comportamentos relacionados à experiência traumática.

7a sessão
Oficina de educação sexual. Essa oficina foi interdisciplinar,
contando com a participação de alunos de enfermagem. O objetivo foi
abordar as alterações naturais sofridas pelo corpo feminino na puberdade
122 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

e a modificação de crenças de que o corpo se desenvolve ou não em


função da estimulação sexualmente abusiva. Também visava a
potencializar o autocuidado, mediante informações sobre higiene
pessoal, prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e gravidez.
No G1 foi utilizado como dispositivo um painel, no qual uma das
meninas deitou em cima e outra contornou seu corpo. Depois foram
disponibilizadas figuras com as partes do corpo que as meninas
colocaram no contorno desenhado. No G2 foram trazidos painéis com
figuras sobre as transformações físicas da puberdade. Em seguida, os
alunos de enfermagem conversaram com os grupos sobre as mudanças
que as meninas sofrem no corpo. Falaram sobre o aparecimento dos
seios, dos pêlos, menstruação e gravidez. Também conversaram sobre
as mudanças no corpo dos meninos durante a puberdade.
As meninas foram convidadas a fazer perguntas com relação
ao desenvolvimento do corpo. Paula então disse: “Quando ele
(abusador) ia no meu quarto ele não me beijava só. Ele chupava meus
seios também. Eu não sei se dá algum problema, porque eles não
cresceram.” As meninas do G2 perguntaram mais sobre alterações
no ciclo menstruai e métodos anticonceptivos, pois muitas delas
tinham namorados. Os alunos de enfermagem trouxeram camisinhas
e mostraram como estas devem ser utilizadas. As questões foram
respondidas, modificando entendimentos distorcidos, como o de
Paula, em relação ao desenvolvimento do corpo.

8a sessão
Treino de inoculação de estresse. O TIE foi utilizado como
dispositivo para ativar a memória traumática e detalhar os estímulos
desencadeantes de lembranças intrusivas, possibilitando à pessoa uma
sensação de controle da intensidade das emoções associadas. Nesse
processo, o paciente apresenta, de forma gradual, as situações abusivas
experienciadas e o terapeuta faz uma mediação, para que a memória
possa ser alterada semanticamente, ou seja, a memória é
reinterpretada, ressignificada. A mediação é realizada por meio de
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 123

técnicas cognitivas, tais como a reestruturação cognitiva e o ensaio


cognitivo, que possibilitam ao paciente elaborar uma explicação mais
funcional e adequada para o evento traumático (Deffenbacher, 1996).
A técnica se baseou na utilização de “compartimentos mentais”,
“caixas de memórias” dentro de nossas cabeças que abrem involunta­
riamente, e na aprendizagem de contraposição de memórias positivas
e negativas (a explicação mais detalhada desse processo encontra-se
na descrição das próximas sessões).
Inicialmente foram mapeadas a freqüência das lembranças
intrusivas, as principais situações nas quais elas ocorrem, o conteúdo
das lembranças e os sentimentos relacionados. A intensidade dos
sentimentos foi quantificada em escalas de zero a dez, na qual zero
representava nenhuma intensidade e dez, representava o máximo da
intensidade. A maioria das meninas relatou ter lembranças diárias e
sentir medo, raiva e tristeza com intensidade nove ou dez. Vanessa
contou que tinha, em média, duas ou três lembranças diárias. As
situações apontadas foram limpando a cozinha e deitada na cama em
seu quarto. Vanessa descreveu a principal cena revivida: “Quando eu
lavava a louça, ele vinha e colocava a mão nos meus seios, e falava
que meus peitinhos eram lindos, que meu corpo era melhor que o da
minha mãe.” Segundo ela, essas lembranças desencadeavam
sentimentos de medo, angústia e revolta com intensidade dez. Luciana
disse que lembrava, em média, três vezes por semana do abuso sexual.
Contou que quando entrava no banheiro lembrava do dia em que o
padrasto a pegou pelo pescoço e, sentado na privada, a colocou entre
as pernas e esfregou-se nela, dizendo que se contasse a sua mãe a
mataria. A menina relatou que cada vez que tinha essa lembrança,
sentia medo, raiva e tristeza com intensidade dez.
Reestruturação cognitiva e comportamental. Foram introduzidos
repertórios cognitivos e comportamentais que ajudassem a controlar
memórias negativas e/ou estimular memórias positivas. As habilidades
de manejo ensinadas e as estratégias construídas para lidar com as
lembranças intrusivas do trauma proporcionaram às meninas respostas
124 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

mais funcionais, estabelecendo relações intra e interpessoais mais


adaptativas.

9a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
comportamental. Realizou-se o treinamento de substituição de
memórias e comportamentos a partir do detalhamento gradual das
situações abusivas, a fim de enfrentar lembranças traumáticas.
Inicialmente, as meninas foram convidadas a fechar os olhos e
imaginar uma situação agradável. O grupo recebeu a instrução de
imaginar o lugar e o que estava acontecendo com detalhes incluindo
sons, cheiros e demais sensações. Em seguida, foi pedido que
escrevessem ou desenhassem a cena agradável construída em suas
cabeças. Depois foi solicitado que imaginassem uma gaveta dentro
da cabeça e que guardassem a situação boa dentro dela. Então, as
meninas foram instruídas a lembrar de alguma cena do abuso, algum
momento marcante, também com detalhes. Elas escreveram a cena
lembrada e leram para o grupo. Finalmente, foi explicado que dentro
de nossa cabeça existe uma coisa chamada memória na qual ficam
registradas todas nossas experiências, que a lembrança traumática
está “guardada em uma gaveta que abre sem que a gente queira” e é
impossível deletá-la da memória como fazemos no computador. Então
explicamos que é possível aprender a lidar com essas lembranças
quando a gaveta abre; uma maneira é abrir a gaveta da situação
agradável e substituir uma imagem pela outra. A substituição é treinada
com o grupo até que todas as meninas experimentem pelo menos
uma vez a troca da cena do abuso por uma cena agradável.
Os registros do abuso inicialmente foram bastante superficiais.
Daiana: “Tenho muitas lembranças do que me aconteceu. Lembro de
várias coisas. Vejo-me apanhando outra vez, ele está me xingando.
Talvez seja por isso que não consigo ver ninguém me xingar que já
fico estourada. Vejo ele ‘de carne e osso’, em minhas lembranças,
quebrando as coisas dentro de casa e quase batendo em minha mãe
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 125

novamente.” Tatiana: “Eu lembrei de várias coisas. Lembrei quando


ele ia ao meu quarto e ‘se passava’ comigo. Ele passava a mão no
meu corpo.” Joana: “Cheguei em casa, uma terça-feira chuvosa, e
meu padrasto tentou me agarrar, mas consegui fugir para a casa da
minha vizinha.” Mariana: “Quando eu chegava da escola e via que a
casa estava toda trancada, sabia que meu padrasto estava sozinho.
Ele me obrigava a acariciar e beijar certas partes do corpo dele e
fazia o mesmo comigo.”
As meninas desempenharam um importante papel de apoio umas
às outras quando as cenas do abuso eram compartilhadas. As reações
emocionais dos relatos sempre eram trabalhadas no contexto grupai,
apontando a diferença entre uma lembrança e uma ameaça real. Elas
começaram a perceber que era possível falar do abuso, pois nada de
ruim acontecia, e surgia um sentimento de alívio ao perceber que não
havia nenhuma alteração no ambiente e que os abusos eram fatos do
passado, que agora não estava acontecendo nenhum tipo de agressão.
Passaram a experimentar uma sensação de controle dos eventos atuais
e a lidar com as experiências passadas com menos ansiedade e
vergonha.

10a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
comportamental. Continuou-se com o trabalho terapêutico de detalhar
as situações abusivas e desenvolver as estratégias cognitivas e
comportamentais para lidar com a memória traumática.
As meninas produziram textos com riquezas de detalhes sobre
cenas do abuso sexual que foram terapeuticamente abordados. Daiana
escreveu: “Uma das lembranças piores que tenho é de quando ele me
pegava e me jogava na cama. Ele começava a tirar minha roupa e,
como me debatia muito, não querendo aquilo, ele começava a me
bater na cara. Sempre me machucava muito e, não tendo como me
defender, aí é que ele me machucava ainda mais. Isso acontecia em
minha casa, na cama de minha mãe. Geralmente isso ocorria quando
126 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

ela não estava em casa e quase sempre em dias chuvosos, porque a


porta ficava fechada e ninguém desconfiava. O único barulho que eu
escutava era a voz dele me xingando. Talvez seja por isso que não
gosto muito de ficar em casa, principalmente sozinha.” O registro de
Tatiana foi o seguinte: “Aconteceu na garagem, encostado ao carro.
Não tinha barulho, estávamos sozinhos. Tinha cheiro de gasolina.
Ele estava passando a mão no meu corpo, e quando me segurava
dizia que não era para eu contar aquilo para ninguém, senão ele faria
coisa pior. Eu sempre dizia que nunca iria contar porque ficava com
medo de que ele prejudicasse a minha família.” Mariana relatou:
“Lembro que tinha oito anos e eu e meu padrasto estávamos em casa,
sentados na sala, quando ele tirou toda a roupa e começou a me apertar
e a me acariciar com as mãos. Começou a se masturbar e a gemer.
Depois pegou minha mão e fez eu acariciar o seu pênis. Aí tirou
minha roupa e começou a beijar todo meu corpo, quando meu tio
chegou e bateu na porta. Então ele mandou eu me vestir e correu para
o banheiro dizendo para eu abrir a porta.”
As meninas aprenderam a responder de forma funcional a essas
lembranças através do auto-questionamento de evidências. Utilizaram
a técnica do stop para frear os pensamentos automáticos e verificar
que o abuso não estava mais acontecendo e agora elas estavam
seguras. A construção de cartões de enfrentamento foi um recurso
utilizado para lidar com situações suscitadoras de ansiedade.

11a sessão
Treino de inoculação de estresse e reestruturação cognitivo-
comportamental. Foi realizado o detalhamento do “pior momento”
relativo ao abuso e o ensaio cognitivo e comportamental das
estratégias para lidar com as lembranças traumáticas.
Manejos contingenciais. Discutiu-se como situações
anteriormente estressantes do cotidiano estavam sendo manejadas.
As meninas relataram como estavam lidando com situações
provocadoras de ansiedade. Daiana, por exemplo, estava mexendo
Luísa F. Habigzang & Renato M. Caminha 127

com facas sem sentir medo. Vanessa descobriu que ouvindo música
e cantando era mais fácil lavar a louça e Camila percebeu que escrever
poesias a distraia de pensamentos ruins. Afreqüência das lembranças
era semanalmente monitorada. Foi verificado que elas diminuíam a
cada sessão.

12a sessão
Treino de habilidades sociais focado em medidas protetivas.
Realizou-se a construção coletiva e o treino de repertório cognitivo-
comportamental para evitar situações de risco e saber como agir, caso
ocorressem novas tentativas de abuso. Inicialmente, trabalhou-se com
as meninas a importância de dizer não. Para isso, foram verificadas
as crenças delas sobre o que significa dizer não a alguém e como se
sentem ao dizer não. Paula disse que tem dificuldades em dizer não
porque pensa que a pessoa ficará brava e deixará de gostar dela.
Questionamos as evidências dessa crença e ensaiamos como dizer
não em situações gerais, como, por exemplo, recusar um sorvete, até
chegai' a possíveis futuros abusos. Os ensaios cognitivos e compor-
tamentais foram empregados através de dramatizações. Também foram
construídas e ensaiadas estratégias para lidar com situações nas quais
identifiquem risco de abuso sexual, e definiu-se a quem elas poderíam
recorrer para pedir ajuda. Um exemplo disso foi Daiana, que revelou
sentir-se em perigo porque o padrasto estava livre e perambulava pelo
bairro onde morava. A menina relatou que tinha medo de que ele a
perseguisse até a escola e a raptasse, cumprindo a ameaça de matá-la
por ter quebrado o segredo. Além de encaminhar um relatório dessa
situação ao Juizado da Infância e Juventude e ao Conselho Tutelar,
construímos, com o auxílio do grupo, estratégias para reduzir os riscos
de Daiana. Ficou combinado que ela iria à escola acompanhada de
alguém e que, ao perceber a presença do padrasto nas proximidades,
comunicaria ao guarda e ligaria para sua mãe.
Adulto-referência. Cada menina indicou um adulto-referência
a quem ela poderia recorrer caso avaliasse situações reais ou
128 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

presumidas de perigo. Também foram disponibilizados os telefones


dos terapeutas e do Conselho Tutelar para tais situações.

13a sessão
Oficina do ECA. O vídeo Estatuto do Futuro foi apresentado e
realizou-se um debate com esclarecimentos sobre os direitos das
crianças e dos adolescentes. O grupo assistiu ao filme e depois apontou
os aspectos que lhe chamou a atenção. Foi distribuído um exemplar
do estatuto para cada criança, com a explicação de que se tratava de
uma lei. Falou-se dos direitos fundamentais das crianças e dos
adolescentes e explorou-se a lei que aborda a questão dos maus-tratos
e das penalidades previstas para perpetração de abuso sexual infantil.
Ressaltou-se quais são os órgãos de defesa de crianças e adolescentes
e a função de cada um. A importância de denunciar situações de
descumprimento da lei aos Conselhos Tutelares foi reforçada. Foram
fornecidos endereços e telefones desses órgãos. No final, o grupo foi
convidado a construir um painel sobre o que aprenderam na sessão
como feedback.
Role Play de audiência. Foi realizado o ensaio de uma situação
de depoimento em tribunal (obrigatória em casos que estão na Justiça).
Isto foi fundamental porque as meninas possuíam muitas dúvidas quanto
aos procedimentos. Relataram o receio de ficar nervosas e não conseguir
dizer ao juiz o que aconteceu. Também apresentaram questões sobre o
que seria importante falar e quem estaria presente no local. Os terapeutas
fizeram um esquema no quadro com a representação espacial do local,
identificando quem são as pessoas que estariam presentes. Um aspecto
comunicado, e que reduziu a ansiedade das meninas, é de que o abusador
pode ser retirado do local de depoimento enquanto a criança ou
adolescente relata o ocorrido. Os exercícios de relaxamento para
controle da ansiedade foram retomados. Em seguida, distribuímos os
papéis (juiz, advogados de defesa e acusação, etc.) entre as meninas
para simular a situação. Todas ensaiaram seus depoimentos recebendo
ajuda do restante do grupo. Definiram-se os termos que cada paciente
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 129

se sentia à vontade para usar -por exemplo, Daiana perguntou se podería


referir que foi molestada pelo padrasto. As meninas revelaram sentir
vergonha de falar os nomes dos genitais para o juiz e por esta razão foi
fundamental que cada uma escolhesse os termos que iriam empregar.
Durante os processos grupoterápicos, acompanhamos as meninas nas
audiências e, em alguns casos, fomos consultados pelo Juiz da Infância
e Juventude.

14a sessão
Oficina de psicomotricidade. Foram trabalhados exercícios de
psicomotricidade, coordenados por alunos da Educação Física,
visando: a reintegração do esquema percepto-corporal; o corpo
enquanto fonte tanto de prazer como de desprazer; a transmissão de
afeto via corpo; a discriminação de afeto sexualizado e não sexua-
lizado. Os exercícios trabalhados permitiram a percepção desses
fatores e da noção de pertencimento e gerenciamento do corpo e da
sexualidade das participantes do grupo.
As técnicas utilizadas foram: apresentação com um palito de
fósforo, símbolos que identificam (jogo no qual se chama a pessoa
pelo movimento que ela se identifica ou som), técnica do ursinho
(em círculo passar um ursinho e fazer algo com ele, depois fazer isso
com a colega ao lado), nó humano (entrelaçam os braços e depois
tentam desenrolar sem largar as mãos) e dança com olhos vendados.
No final, foi proposto uma “volta à calma” através da percepção da
letra de uma música e do corpo, com relaxamento, observando a
respiração e as sensações.

15a sessão
Feedbacks oficina de psicomotricidade. Foram exploradas as
informações cognitivas, afetivas, comportamentais e fisiológicas
geradas pelo trabalho com o corpo, situações de conforto e des­
conforto, de prazer e desprazer físico; mediação metacognitiva das
informações e das crenças acionadas no trabalho com o corpo;
130 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

preparação para a próxima sessão de psicomotricidade, em que


havería a continuidade progressiva do trabalho corporal.
Prevenção à recaída. À medida que as meninas passaram a utilizar
com eficiência, em seu cotidiano, as habilidades de manejo aprendidas
no ambiente terapêutico, iniciou-se a última fase da terapia que visava
à prevenção à recaída. Preparou-se o grupo para o entendimento de
possíveis lapsos - gerados por pensamentos automáticos intrusivos,
alterações afetivas, comportamentais ou fisiológicas - como apenas
um “lapso”, e não como um retomo ao patamar anterior ao tratamento,
no gerenciamento dos efeitos do abuso sexual.
Verificou-se nos grupos uma significativa redução da freqüência
das lembranças (muitas meninas relatam que dificilmente lembram)
e da intensidade das emoções decorrentes. Daniela disse: “Esta semana
só tive uma lembrança, mas não registrei, porque não senti medo
nem tristeza. Logo fui fazer outra coisa.” Joana relatou: “Quando
lembro do abuso é como se lembrasse que de manhã escovei os dentes,
porque não tenho mais medo das minhas lembranças.

16a sessão
Prevenção à recaída. Foi verificada a eficácia do repertório
cognitivo-comportamental aprendido no gerenciamento de situações
de estresse, reais ou presumidas, por meio de dramatizações no grupo.
Também foi realizado um jogo para retomar as estratégias construídas
ao longo do processo terapêutico.
No G1 cada, dupla recebeu um balão com uma pergunta dentro.
As questões foram as seguintes:
• Passou pela minha cabeça que tenho culpa pelo abuso. O
que posso fazer?
• De repente lembrei de algumas cenas do abuso. O que posso
fazer nesse momento?

• O que posso fazer se um dia alguém tentar abusar de mim


novamente?
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 131

Durante um tempo definido, as duplas jogaram o balão para


cima sem deixá-lo cair. Em seguida, foi solicitado que elas estou­
rassem os balões e lessem o que estava escrito no papel. Foi
combinado que durante alguns minutos cada dupla prepararia a
resposta para sua pergunta, que podería ser apresentada ao grupo na
forma de dramatização, desenho ou escrita em cartões.
No G2 utilizou-se um jogo um pouco diferente, mas com os
mesmos objetivos. Foram colocadas sete perguntas em uma caixa
que circulava entre as meninas enquanto tocava uma música. Quando
uma das coordenadoras desligava a música, a menina que estivesse
com a caixa na mão retirava uma pergunta e a respondia com a ajuda
do grupo. As perguntas elaboradas para o G2 foram:
• Lembrei do abuso e senti culpa. E agora? O que fazer?
• O que posso fazer quando sentir muita raiva do que
aconteceu?
• Encontrei meu ex-padrasto na rua. O que fazer?
• O que é abuso sexual?
• O que pode indicar que está acontecendo abuso sexual em
uma família?
• O que posso fazer para evitar possíveis abusos?

• Lembranças do abuso vieram à minha cabeça. O que posso


fazer?
Esses dispositivos foram interessantes para verificar se as
meninas apreenderam as estratégias construídas e se sabiam que
recursos utilizar diante de situações, reais ou não, relacionadas ao
abuso sexual. Foram retomadas as técnicas: botão de emergência,
caixa de memória, stop e pense duas vezes, a quem recorrer para
pedir ajuda. Também apareceram crenças mais funcionais com relação
ao abuso. Em ambos os grupos, as meninas se engajaram nos jogos e
demonstraram conhecer e saber empregar as estratégias alternativas,
132 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

no plano cognitivo e comportamental, para lidar com situações-


problema.

17a sessão
Perspectivas com relação ao futuro. Nesta sessão, trabalhou-se
especificamente as perspectivas das meninas com relação ao futuro.
No Gl, utilizou-se um jogo no qual as meninas eram convidadas a se
imaginar daqui a cinco, dez, quinze e vinte e cinco anos. As
participantes do G2 sugeriram fazer um “bate papo” ao ar livre sobre
namoro, casamento e planos profissionais. Para esse bate papo,
organizaram um piquenique, com pratos preparados por elas mesmas.
Em ambos os grupos, verificou-se o desejo delas de casar e ter uma
família. Algumas manifestaram a vontade de ser mãe, outras disseram
que filhos dão muito trabalho. Todas as que falaram que gostariam
de ter filhos demonstraram preocupação com as condições econômicas
para sustentá-los e poder dar aquilo que elas não tiveram. E ressaltaram
que não basta suprir as necessidades materiais, mas é importante dar
bons estudos e carinho. Segundo elas, os filhos devem ser criados
com muito amor e conversa, precisam de abertura para que possam
contar as coisas, e é muito importante acreditar neles. As meninas
relataram que não permitirão que seus maridos agridam fisicamente
nem elas nem seus filhos. Também disseram que ele deverá ser
trabalhador e não poderá beber.
Além da constituição de uma família, as meninas falaram sobre
as profissões que pretendem seguir. No Gl, muitas pretendiam ser
professoras. No G2, surgiram várias profissões, entre elas pediatria,
direito, administração de empresas, arquitetura e veterinária. As
meninas perguntaram sobre o funcionamento das universidades,
sistemas de bolsas de estudos e carga horária necessária. Segundo
elas, precisarão trabalhar e estudar ao mesmo tempo, uma vez que as
famílias não têm condições de pagar uma universidade.
As meninas do G2 conversaram muito sobre namoro. Algumas
falaram que às vezes sentem vergonha dos namorados e que têm medo
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 133

do dia em que terão relações sexuais com eles. Certas crenças foram
discutidas, e Carolina disse: “Quando a gente encontrar um namorado
que a gente goste de verdade vai ser bom transar, porque vai ser a
gente que vai decidir com quem e quando isso tem que acontecer. E
isso é diferente do abuso, que foi contra nossa vontade.” Vanessa
complementou dizendo que se sente à vontade com o namorado porque
eles se conhecem bem, conversam muito e ele a respeita, o que faz
toda a diferença. Foram retomados cuidados básicos como uso de
preservativos e a importância de consultar um ginecologista quando
decidirem ter relações sexuais com os namorados.
Todas as meninas, de ambos os grupos, demonstraram ter planos
para o futuro e esperanças de que boas experiências lhes estejam reservadas.

18a sessão
Oficina de psicomotricidade. Continuidade do encontro anterior.
Nesse momento, foram aprofundados exercícios de percepção e
integração de esquema corporal, e feedback, ao final da sessão, para
avaliação dos objetivos trabalhados na oficina.
Entre as atividades desenvolvidas, destacaram-se: brincadeiras
livres com bolas e amendoins grandes de borracha, jogo de vôlei no
qual a rede era uma das participantes, dança da cadeira na qual o que
era excluído era somente a cadeira, caminhada em duplas com mãos
dadas, pés encostados, costas com costas e bochecha com bochecha.
Outras brincadeiras foram propostas, como a do rádio, na qual
uma menina de cada dupla era o rádio e a outra deveria descobrir
qual parte do corpo da companheira representava o botão para ligá-
lo e desligá-lo. O rádio, quando ligado, deveria cantar. Depois, em
vez de rádio, elas passaram a representar robôs. Também brincaram
de massa de modelar, na qual uma menina era a massa e outra a
artista plástica. Os papéis foram invertidos em seguida. Depois de
prontas as obras de arte, as outras artistas visitavam a exposição. A
mesma proposta foi realizada em trios e finalmente todo o grupo foi
massa de modelar do coordenador da atividade.
134 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

19a sessão
Resumo de metas. Nesse momento, foram resgatadas, com as
meninas, as metas traçadas no início da grupoterapia e compartilhados
os dados de evolução do grupo.
Registro de mudanças. Foi solicitada às meninas uma auto-
avaliação, por escrito, do seu processo de mudança e de como eram
suas vidas antes e depois de participar do grupo. As avaliações das
meninas do G1 foram as seguintes:
Daiana: “Antes eu era uma pessoa perturbada, com medo e sem
paciência, e isso me trazia muitas conseqüências, tanto em casa como
na escola. Pensava que como nem eu me ajudava, ninguém conseguiría
me ajudar. Mas isto mudou. Hoje me vejo como uma pessoa normal,
porque superei meus medos, tenho mais paciência, e isso faz me sentir
melhor na escola e em casa. O grupo me ajudou muito, pois foi nesse
lugar que compartilhei tudo o que sentia, e sinto, por ter passado uma
experiência horrível. E foi passando por essa experiência que conheci
pessoas legais, que compreendem o que sinto. Se me transformei em
uma pessoa mais madura foi por causa das Meninas Secretas, que
me ajudaram e me compreenderam.”
Daniela: “Antes eu era triste, não era calma. Não conseguia
fazer as tarefas da sala de aula e tirava nota baixa no boletim. Depois
no paraíso do PIPAS, fiquei mais alegre, brinquei mais. Também
não tirei mais nota baixa. Não chorei mais e consigo fazer melhor
meus temas.”
Tatiana: “Eu era uma menina muito triste, solitária, vivia muito
magoada, me odiava, ficava com raiva de mim mesma. Depois que
passei a vir ao grupo, comecei a me sentir mais alegre. Também
percebi que o grupo não só passou a me fazer esquecer as coisas que
eu passei, como também me fez abrir os olhos e esticar a boca para
sorrir, porque antes ficava de olhos fechados e de boca calada. Não
contava nada porque ficava com medo. Hoje eu gostaria de agradecer
às pessoas que me tiraram da casa do homem que marcou a minha
vida e às Meninas Secretas que me ajudaram muito.”
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 135

Aline: “Antes do grupo eu sentia medo e achava que tinha culpa


do que aconteceu com meu irmão. Lembrava muito de quando ele
tirou minha roupa e abusou de mim. Agora não tenho mais medo. Sei
que no lar estou segura. Não sinto mais culpa e estou feliz porque
minha mãe vem me visitar. As Meninas Secretas me ajudaram um
montão. Ajudaram no meu problema porque eu consegui contar minha
história para elas.”
Gabriela: “Antes me sentia muito triste, infeliz. Agora estou
mais alegre e também estou feliz porque minhas irmãs estão indo me
visitar.”
Paula: “O grupo me ajudou a entender meus sentimentos de
medo, raiva, tristeza e culpa. Percebi que não fui a culpada, e não
lembro mais diariamente do meu tio. Adorei o grupo, e com a ajuda
das gurias e das psicólogas melhorei bastante.”
As auto-avaliações das meninas do G2 foram as seguintes:
Mariana: “Agora não tenho tanta vergonha de falar para o grupo
o que aconteceu. Eu me sinto bem mais segura vindo ao grupo, porque
me sinto protegida. Agora me vejo como uma pessoa normal. Não
tenho mais muitas lembranças do abuso, e se eu passar por uma
situação de risco saberei como lidar com ela e me defender. Tenho
muitas esperanças no futuro. Gostaria de encontrar meu pai de verdade
e entrar na faculdade. Ainda tenho problemas com minha família, às
vezes fica tudo muito difícil e tenho vontade de sumir. Também
continuo com medo de namorar.”
Joana: “Depois que comecei a vir ao grupo, fiquei mais atenta
na escola e me relaciono melhor com as outras pessoas, mas às vezes
ainda desconfio delas. Quero entrar na faculdade, arranjar um emprego
e fazer uma casa para mim e para minha mãe.”
Carolina: “Antes eu me sentia culpada e estranha no meio dos
outros. O grupo me ajudou muito porque agora não me sinto diferente.
Antes, achava que por onde eu passava todos me olhavam dos pés a
cabeça, por causa do que aconteceu, mas o grupo me ajudou a ver
que isso é coisa da minha cabeça.”
136 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Luciana: “Antes eu me sentia culpada, era agressiva e tinha


muita vontade de sair de casa. Agora não me sinto mais culpada, não
sou agressiva e estou mais caseira. Estou mais simpática e não me
isolo mais. Antes eu era insuportável, adorava brigar com todo mundo.
Agora quero estudar, me esforçar para ser alguém na vida. Antes de
vir ao grupo pensava que não teria futuro, que iria ficar louca.”
Camila: “Antes me sentia culpada e com medo, mas agora não
sinto mais nada disso. Ainda sinto dificuldades para me relacionar
com as pessoas. Sou muito desconfiada e não tenho muita paciência,
e acabo brigando com o pessoal da casa. Estou feliz por ter voltado à
escola, quero estudar bastante e seguir meu sonho de ser advogada.”
Vanessa: “Tive várias mudanças. Hoje tenho novos pensamentos,
mais concentração, disposição e, acima de tudo, tenho força de
vontade e esperança. Antes me achava diferente, não tinha vontade
de fazer nada, não conseguia me concentrar, tinha pensamentos
suicidas, não tinha esperança de que um dia alguma coisa fosse mudar.
Hoje não tenho mais aquelas lembranças ruins, nem aquele sentimento
de culpa e de medo. Sinto-me mais à vontade, não me vejo mais
diferente como antes. Estou voltando a me relacionar com as pessoas,
tenho mais facilidade de fazer amigos, sinto-me até em condições de
ajudar as pessoas com problemas em minha volta. Agora sei o que eu
quero e quero correr atrás disso. Ainda não sei que profissão vou
seguir, mas a que eu escolher, vou correr atrás. Só quero ser alguém
na vida, construir uma família e ser muito feliz.”
Ticiane: “Antes do grupo eu era uma garota diferente, cheia de
culpa pelo que aconteceu. Tinha medo dos outros, de ficar sozinha.
Agora eu mudei, me relaciono com as pessoas e consigo conversar
bem com elas. Não tenho mais medo e nem culpa. Estou bem diferente
de antes, mudei completamente.”

20a sessão
O último encontro foi combinado com cada grupo. As meninas
foram convidadas a planejar a última sessão com os terapeutas. As
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 137

participantes do G1 montaram uma peça teatral enfocando o processo


do grupo e fizeram um amigo secreto. A história que elas criaram era
a de Maria, uma menina de oito anos que ficava muito triste no recreio
e tirava notas baixas. A professora ficou preocupada e chamou a mãe
dela para conversar. A mãe disse à professora que não sabia o que
estava acontecendo e que iria falar com a filha quando chegasse em
casa. Ela tentava saber o que estava acontecendo, mas Maria não
dizia nada. Um dia a garota decidiu contar para o irmão que o padrasto
“se passava com ela”. O irmão, então ajudou-a a contar para a mãe o
que estava acontecendo. A mãe mandou o padrasto embora e foi ao
Conselho Tutelar denunciar o abuso. A jovem começou a ir à psicóloga
e aprendeu a usar o botão de emergência. No final da história, Maria
voltava a ser uma menina feliz, que brincava com as outras crianças
e tirava boas notas. O roteiro, a distribuição dos papéis e o ensaio
foram construídos pelas meninas do grupo - as terapeutas apenas
mediaram o processo. A peça foi filmada e assistida depois pelo grupo.
O G2 preferiu fazer um passeio no Campus da Unisinos. Elas
pediram para conhecer a biblioteca e lá consultaram alguns livros que
falavam sobre abuso sexual infantil e escolha profissional. Também
quiseram conhecer o funcionamento do Serviço de Orientação
Vocacional. Depois de conhecer esses locais, as meninas foram para o
Complexo Desportivo onde fizeram aula de step, jogaram vôlei e futebol.

E importante ressaltar que no início de todas as sessões eram


abordadas situações ocorridas na semana das meninas, e elas
compartilhavam momentos bons e ruins. Nesse espaço, surgiam
dificuldades no relacionamento com família, abrigo, namorados, amigos
e escola. Os terapeutas mediavam um processo de auto-ajuda, buscando
ampliar o repertório das pacientes na resolução de problemas diários.
As meninas trocavam idéias para tentar ajudar aquela que apresentava
algum problema. A troca de vivências e conflitos possibilitou a
construção de alternativas funcionais para manejar as adversidades.
No final de todas as sessões, as principais questões trabalhadas eram
retomadas para que se verificasse se haviam sido compreendidas pelo
138 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

grupo. Esse feedback é fundamental para acompanhar o processo de


mudança das participantes e para a retomada de questões que não foram
suficientemente elaboradas na sessão.
Durante a grupoterapia foram combinados, em alguns casos,
sessões individuais, atendimentos de família e a inclusão de profissio­
nais das áreas da psiquiatria e ginecologia. As sessões individuais tinham
como objetivo trabalhar questões pontuais. No G2 esses atendimentos
foram mais freqüentes devido à situação de risco de suicídio de quatro
meninas. No caso de Vanessa, que na quarta sessão de grupo relatou
uma tentativa de suicídio naquela semana, realizou-se um acompa­
nhamento diário e foi necessário o envolvimento da mãe e da irmã, em
sessões para orientação sobre como lidar com a menina. Todas as jovens
com risco de suicídio foram avaliadas por um psiquiatra, e apenas
Vanessa recebeu farmacoterapia devido à gravidade do quadro de
depressão. As meninas também consultaram uma ginecologista para
avaliação clínica. As sessões de família foram importantes em alguns
casos, como o das irmãs Luciana e Vanessa, que apresentavam sérios
problemas de relacionamento com a mãe. Foram realizadas quatro
sessões, nas quais se estabeleceram algumas combinações para facilitar
a convivência e potencializar a função da mãe de cuidadora.
Em todos os casos, os processos judiciais das meninas foram
acompanhados, em um trabalho em parceria com CT e Juizados da
Infância e Juventude. As terapeutas compareceram as audiências e, na
maioria dos vezes, participaram do processo por meio de relatórios
sobre o caso ou como testemunhas. A participação ativa nos processos
jurídicos foi fundamental para o fortalecimento da relação de confiança
com as meninas. Não basta denunciar o caso as autoridades, é importante
acompanhar todo o processo para que a intervenção seja eficaz.
Além do atendimento às meninas, foram realizadas intervenções
com os cuidadores. Nos casos em que as meninas estavam em abrigos,
foram realizadas visitas para conhecer o funcionamento deles e foram
desenvolvidos seminários de capacitação, para os técnicos, sobre a
violência doméstica, as conseqüências para o desenvolvimento infantil
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 139

e as formas de intervir com as crianças diante de comportamentos ou


sintomas decorrentes da experiência de maus-tratos. Também foram
estabelecidos contatos com os familiares que visitavam as meninas.
No caso de Gabriela, realizaram-se algumas entrevistas com as irmãs,
que tinham autorização judicial para visitá-la, e no caso das irmãs
Tatiana e Paula, trabalhou-se com a mãe o retomo das meninas para
seus cuidados, pois elas iriam voltar para casa após o término do
gmpo. O processo de retomo das meninas foi acompanhado durante
cinco meses através de sessões átfollow-up, nas quais Tatiana e Paula
relatavam como estava sendo o convívio com a mãe. No caso de
Daiana, a única menina do G1 que morava com a mãe, realizou-se
um atendimento paralelo com a mãe com o objetivo de potencializar
seu papel de cuidadora protetora e fortalecer o apoio afetivo necessário
para um melhor prognóstico da menina. No G2 foi possível realizar,
paralelamente ao gmpo das meninas, um gmpo com as mães, com
objetivos semelhantes aos do atendimento à mãe de Daiana. Foram
realizados dez encontros, nos quais se trabalharam questões como:
concepção de abuso sexual e impacto no plano cognitivo, afetivo e
comportamental, discussão dos principais problemas no relacio­
namento com as meninas e construção de alternativas para lidar com
eles, prevenção de futuras situações abusivas, abordagem dos senti­
mentos das mães com relação ao abuso sexual a que as filhas foram
submetidas e a desestruturação familiar após a revelação. No início
do trabalho, algumas mães manifestaram sentimento de culpa pelo
ocorrido e a dificuldade de se relacionar com as filhas devido a esse
sentimento. O formato grupai possibilitou um processo de auto-ajuda
entre as mães. O grupo funcionou como importante apoio afetivo
para que os conflitos da dinâmica incestuosa fossem abordados
terapeuticamente. As mães também puderam trocar idéias sobre como
estabelecer os limites necessários na fase da adolescência sem o uso
de punições e autoritarismo. Elas solicitaram que as terapeutas
indicassem leituras sobre a adolescência. Alguns textos foram
indicados e discutidos no grupo.
140 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Também foram estabelecidos contatos com as escolas em que


as meninas estudavam por meio de telefonemas ou visitas. Muitos
colégios buscaram ajuda das terapeutas por causa das dificuldades
de aprendizagem e de relacionamento com professores e colegas. As
principais queixas eram falta de concentração, comportamentos
agressivos e indisciplina em sala de aula. Algumas intervenções foram
construídas com as professoras para lidar com essas dificuldades e
melhorar o desempenho escolar, assim como o vínculo das meninas
com a escola.

Resultados da reavaliação diagnostica


Depois da grupoterapia foram realizadas entrevistas individuais
com as meninas e seus cuidadores. O objetivo era compartilhar a
evolução clínica de cada uma, formalizando uma devolução da
avaliação diagnostica que foi realizada durante todo o processo
terapêutico. Nessas entrevistas, foram retomadas as avaliações que
antecederam a grupoterapia, buscando verificar e confirmar,
juntamente com as meninas e seus cuidadores, mudanças nos
comportamentos disfuncionais e alteração nos sintomas de TEPT,
depressão, transtorno dissociativo, transtorno de hiperatividade e
déficit de atenção, decorrentes da intervenção psicoterápica. Os relatos
das meninas e de seus cuidadores apenas confirmaram as mudanças
clínicas constatadas pelas terapeutas durante o tratamento.
Nesse momento, também foi discutida com cada menina a
possibilidade de receber alta ou permanecer com acompanhamento
psicológico individual. No Gl, apenas Gabriela permaneceu em
atendimento individual após o término do grupo para abordar questões
específicas da exploração sexual a que foi submetida. Ela demonstrou
dificuldades para revelar suas experiências abusivas no grupo e
ressignificá-las no plano cognitivo e emocional. Segundo ela, o
sentimento de vergonha pelo que aconteceu a impedia de revelar sua
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 141

história ao grupo, porque era muito diferente das situações


experienciadas pelas demais meninas. Embora Gabriela tenha
desenvolvido habilidades sociais, reestruturado sentimentos de culpa
e de desconfiança, demonstrado maior interesse pelas atividades
escolares, constatou-se que ela ainda apresentava sintomas de TEPT
e ansiedade com relação ao abuso. Ela concordou em continuar em
terapia individual, que a beneficiou muito, pois conseguiu revelar e
elaborar as situações de exploração sexual. Permaneceu por quase
um ano em terapia individual até receber alta definitivamente. As
demais meninas do G1 receberam alta após a grupoterapia, apenas
receberam um acompanhamento bimestral, durante seis meses, para
verificar a manutenção das mudanças produzidas pela intervenção.
No G2, Mariana permaneceu em atendimento individual por causa
das situações de negügência e abuso emocional perpetradas pelos avós,
que eram os responsáveis legais por ela. Eles participaram muito pouco
do grupo para cuidadores e reforçavam sentimentos de culpa na garota,
responsabilizando-a pelo abuso sexual. Mariana apresentou-se muito
engajada no processo terapêutico, mas a falta de apoio protetivo e afetivo
prejudicaram sua evolução clínica. A situação foi notificada ao Conselho
Tutelar que determinou que tanto ela, quanto os avós deveríam
comparecer ao PIPAS para atendimento psicológico.
Camila solicitou às terapeutas que pudesse “visitá-las no PIPAS
até a audiência”, na qual teria que prestar depoimento sobre o abuso
sexual. Ela compareceu ao Programa quinzenalmente para acompa­
nhamento e suporte psicológico até seu depoimento no Juizado da
Infância e Juventude. Vanessa foi monitorada quinzenalmente durante
três meses, após o término do grupo, para que se verificasse a manu­
tenção das mudanças provocadas pela grupoterapia e se a menina
não apresentaria mais tentativas de suicídio. Depois desse período,
recebeu alta. As demais meninas do G2 receberam alta após o término
da grupoterapia.

E importante ressaltar que, embora as meninas tenham recebido


alta por atingir as metas terapêuticas, as terapeutas se colocaram à
142 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

disposição para qualquer situação-problema que pudesse surgir. Elas


compreenderam que o vínculo permanece e que possuem um adulto-
referência, a quem podem recorrer em casos de emergência. Depois de
quase um ano do término do grupo, Daiana telefonou para contar que
o ex-padrasto apareceu em sua casa para ameaçá-la. Foi marcada uma
sessão com a menina para verificar o impacto do fato e a mãe foi
orientada a notificar a situação às autoridades competentes. A mãe
tomou as medidas necessárias e a prisão preventiva do ex-companheiro
foi decretada. As meninas também telefonaram algumas vezes para
compartilhar situações positivas que ocorreram em suas vidas.
Os relatos das jovens indicaram que a modalidade grupai reduziu
sentimentos de culpa, desconfiança e diferença com relação aos pares.
Verificou-se a reestruturação de crenças e comportamentos disfuncionais
decorrentes do abuso. As experiências traumáticas foram ressignificadas
no plano cognitivo e emocional. Além disso, o formato grupai
potencializou comportamentos protetivos para prevenção de
reincidências. Os relatos dos cuidadores e das meninas indicaram redução
da sintomatologia, quanto à freqüência e à intensidade, de transtorno do
estresse pós-traumático, depressão, transtorno dissociativo, transtorno
de hiperatividade e déficit de atenção, que foram diagnosticados antes
da grupoterapia. Também destacaram o aumento de comportamentos
pró-sociais no contexto familiar e escolar decorrentes da participação no
grupo. As professoras apontaram uma melhora no rendimento escolar,
devido ao aumento de concentração e interesse nas atividades
desenvolvidas e ao comportamento de reintegração ao grupo de pares.
No Gl, apenas Gabriela repetiu o ano, e no G2, todas as meninas, com
exceção de Mariana, foram aprovadas pelo conselho de professores por
causa da mudança positiva de comportamento, embora não tenham
atingido a nota necessária por alguns décimos.
As meninas apresentaram um resgate da auto-estima e do
sentimento de esperança. Todas apresentaram projetos de vida incluin­
do perspectivas positivas com relação ao futuro.
Com relação aos cuidadores, verificou-se a qualificação do apoio
afetivo e protetivo. As mães responsáveis pelos cuidados das meninas
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 143

modificaram crenças e sentimentos com relação ao abuso e à


reconfiguração familiar decorrente da revelação por parte das filhas.
O grupo de mães potencializou atitudes funcionais de proteção e a
construção de estratégias para lidar com comportamentos-problema
das meninas. Com relação aos educadores dos abrigos, constatou-se
a necessidade de maior intervenção, pois os seminários de capacitação
e visitas não foram suficientes para provocar as alterações necessárias
nas práticas educativas com as crianças e os adolescentes.
As Tabelas 3 e 4 apresentam os resultados da avaliação inicial e
final do G1 e G2 com relação aos sintomas de transtorno do estresse
pós-traumático e alterações comportamentais.

Tabela 3. Resultados pré e pós-teste de G1 e G2 com relação ao TEPT


Sintomas de TEPT G1 pré-teste G1 pós-teste G2 pré-teste G2 pós-teste
(n = 6) (n = 6) (n = 7) (n = 7)
angústia nas lembranças 6 1 6 0
traumáticas
fuga: sentimentos, pensamentos, 5 1 7 0
locais, situações
lembranças/imagens intrusas 6 1 7 1
dificuldade de concentração 5 1 7 0
sentimento de estar sozinha, 2 1 6 1
separada, alienada
comportamento de reconstituição 3 0 1 0
sonhos traumáticos 2 0 3 0
irritabilidade ou raiva 2 0 7 1
dificuldades para dormir 2 0 4 0
hipervigilância 3 1 3 0
lapsos de memória 2 0 0 0
interesse reduzido em 1 0 1 0
atividades habituais
resposta exagerada de sobressalto 1 0 1 0
alteração na orientação com 0 0 1 0
respeito ao futuro
144 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Tabela 4. Resultados pré e pós-teste do G1 e G2 das alterações comportamentais

Alteração comportamental G1 pré-teste G1 pós-teste G2 pré-teste G2 pós-teste


(» = 6) (n = 6) (« = 7) (« = 7)
episódios de medo ou pânico 4 1 5 0
ansiedade generalizada 2 1 3 1
transtorno do sono 3 0 4 0
mudança de comportamento 3 0 5 0
na escola
fugas do lar 2 0 4 0
fadiga 2 0 2 0
isolamento 2 0 6 0
esquiva do contato físico 2 0 3 0
falta de apetite 2 0 0 0
aumento de apetite 0 0 1 0
atraso do desenvolvimento 1 1 1 0
(cognitivo, motor, afetivo)
atuação tipo mentiras e furtos 0 0 3 0
atuação sexual 0 0 1 1
perda de peso 1 0 1 0
abandono de hábitos lúdicos 1 0 0 0
comportamento suicida 0 0 5 0
uso de maconha 0 0 2 0

Discussão dos resultados


As avaliações psicodiagnósticas individuais, que antecederam
a grupoterapia, foram fundamentais para conhecer a história das
meninas, a dinâmica das famílias e reconhecer as conseqüências
negativas do abuso. Em todos os casos, identificaram-se fatores de
risco para a família incestuosa, tais como: mãe ausente, presença de
padrasto, padrasto responsável pelos cuidados das crianças durante
períodos longos, filha desempenhando o papel de mãe, padrastos
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 145

ciumentos e controladores da vida social das meninas, papéis


familiares pouco ou não definidos, alcoolismo, etc. O TEPT foi a
conseqüência do abuso predominante - das treze participantes, doze
apresentavam esse quadro diagnóstico e uma mostrava alguns
sintomas. A depressão e o transtorno dissociativo também foram
psicopatologias recorrentes. Além disso, todas as meninas mani­
festavam sentimento de culpa, diferença em relação aos pares, baixa
auto-estima e desconfiança nas pessoas em geral. Comportamentos
agressivos e baixo rendimento escolar também foram constatados na
maioria das participantes. As ideações suicidas e as tentativas de
suicídio apareceram em cinco meninas, e a desesperança com relação
ao futuro foi uma característica comum a todas participantes. Verifi­
cou-se que os resultados da avaliação diagnóstica estão em conso­
nância com a literatura. As entrevistas com as meninas também foram
importantes para estabelecer uma relação terapêutica e prepará-las
para o processo de grupo.
A grupoterapia se mostrou uma modalidade terapêutica eficaz
na redução de sentimentos de culpa, diferença em relação aos pares,
desconfiança e isolamento, devido ao processo de auto-ajuda e de
reforço possibilitado pelo grupo. As meninas desenvolveram fortes
laços de amizade entre si, permitindo a troca de estratégias para
enfrentar situações adversas e promovendo a ampliação de suas redes
de apoio social e afetiva. Entretanto, algumas considerações são
importantes quanto à composição dos grupos para a maximização
desses resultados. Em primeiro lugar, devem ser formados por
participantes que estejam na mesma etapa de desenvolvimento. No
Gl, foi necessário adaptar algumas atividades e técnicas para que
Aline, de nove anos, pudesse acompanhar o processo do grupo, mas,
mesmo assim, evidenciou-se que ela teve dificuldades para com­
preender as questões levantadas pelas demais meninas. Em segundo
lugar, sugere-se a separação, em grupos distintos, das vítimas de abuso
intrafamiliar e das vítimas de abuso extrafamiliar, já que as
problemáticas e focos da intervenção são diferentes. Isso se evidenciou
146 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

no Gl, em que Gabriela, única vítima de exploração sexual,


apresentou dificuldades para expressar sua história, seus sentimentos
e seus pensamentos com relação ao abuso, comprometendo o
aproveitamento da terapia. Em terceiro lugar, sugere-se que meninas
que moram em abrigos sejam atendidas separadamente daquelas que
permaneceram no convívio familiar. As primeiras demonstram
sentimentos negativos de abandono, diferentes das que continuam
com as famílias. As garotas abrigadas apresentavam uma crença mais
arraigada de que eram culpadas pelo abuso, pois compreendiam o
afastamento da família como punição. Por outro lado, as que
permaneceram com as mães revelaram sentimento de medo de uma
reaproximação do padrasto e um possível retomo dele ao convívio
familiar, que, de certa forma, despertava raiva com relação às mães.
Esses sentimentos e crenças foram abordados terapeuticamente em
ambos os grupos, mas poderíam ter sido mais aprofundadas se os
grupos fossem homogêneos nesse aspecto.
As técnicas cognitivas e comportamentais empregadas na
grupoterapia - principalmente a reestruturação cognitiva, o treino de
habilidades sociais, o treino de inoculação do estresse e a psicoeducação
quanto ao abuso e suas consequências - se mostraram eficazes na
redução de sintomas de TEPT, transtorno dissociativo e depressão. Além
disso, essas técnicas foram eficientes na reestruturação de pensamentos,
sentimentos e comportamentos disfuncionais relacionados ao abuso
sexual e na ressignificação de lembranças traumáticas. As meninas
construíram e ensaiaram, em um contexto seguro, estratégias funcionais
para lidar com lembranças dos eventos traumáticos. Esse processo de
mudança foi importante para o resgate da auto-estima e da esperança.
Também contribuíram para melhorar o rendimento escolar e aumentar
comportamentos pró-sociais com a família, com os pares e demais
pessoas. As oficinas sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e
sexualidade, assim como a construção de medidas de proteção,
possibilitaram a aprendizagem de comportamentos de autocuidado e
autoproteção, importantes para a prevenção de possíveis reincidências.
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 147

As combinações de sessões do grupo com outras modalidades


de intervenção, (familiar e individual) em momentos estratégicos para
abordagem de questões focais, produziram importantes efeitos
terapêuticos. As sessões individuais realizadas com as participantes
do G2 durante o grupo proporcionaram a elas um espaço singular
para trazer situações que não apareciam no contexto grupai, devido a
sentimentos de vergonha. Algumas questões, como a possibilidade
de gravidez de Camila, foram resolvidas individualmente, e outras
resolvidas pelo grupo, depois que as meninas foram incentivadas a
compartilhar seus problemas com as demais. A intervenção realizada
com as irmãs Vanessa e Luciana e sua mãe reorganizou os papéis
familiares e a rotina da família. A função da mãe como cuidadora foi
potencializada e ela conseguiu construir, com a participação das filhas,
algumas regras para a convivência em casa. Ela passou a destinar
maior tempo à noite, depois do trabalho, para conversar com as
meninas, produzindo mudanças nos comportamentos de ambas,
principalmente Luciana, que deixou de sair de casa à noite, sem o
consentimento da mãe, para perambular pelo bairro com os amigos.
A intervenção com os cuidadores foi fundamental na
potencialização do processo de mudança das meninas. Verificou-se
que o apoio deles exerce grande influência no quadro clínico das
adolescentes, e os mais engajados no processo terapêutico influencia­
ram positivamente o prognóstico das garotas. A intervenção com as
mães foi importante para que elas aceitassem a situação de abuso
sexual, não culpabilizassem as filhas e compreendessem a dinâmica
do abuso, identificando comportamentos de risco, tanto nas meninas,
quanto nelas próprias, para evitar futuras reincidências. Entretanto,
observou-se a necessidade de um espaço maior para abordar
terapeuticamente os sentimentos de impotência das mães e o
sofrimento pela separação do companheiro. Sugere-se que algumas
sessões do grupo priorizem a abordagem dessas questões específicas.
Com relação às intervenções realizadas nos abrigos, contatou-se que
foram insuficientes para produzir as mudanças necessárias. Também
148 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

se verificou um certo desinteresse das equipes técnicas desses abrigos


em participar do processo terapêutico das meninas. Tais constatações
apontam a necessidade de uma intervenção estruturada, sistemática
e continuada nas equipes de educadores dos abrigos, com o objetivo
de proporcionar um espaço de estudo e discussão sobre a problemática
do abuso sexual na infância.
Os resultados positivos da intervenção grupoterápica podem ser
atribuídos a um conjunto de fatores: a escolha de técnicas cognitivas
e comportamentais eficazes; a motivação das meninas para superar
as conseqüências negativas do abuso; a inclusão dos cuidadores; a
interdisciplinaridade (participação da Enfermagem, da Educação
Física, da Psiquiatria e da Ginecologia); o trabalho em rede com o
Conselho Tutelar, Juizado da Infância e Juventude, escolas, abrigos
e famílias; a qualidade da relação terapêutica, ou seja, o vínculo e a
confiança que foi estabelecida com as meninas e seus cuidadores.
Parte IV

Considerações finais
Considerações finais

abuso sexual contra crianças e adolescentes é um

O fenômeno de violência complexo, desencadeado e mantido


por uma série de variáveis familiares e sociais. A incidência
epidemiológica apontada pelas pesquisas é alta, e os dados revelam apenas
parcialmente o problema. Esta categoria de maus-tratos é um grave
problema de saúde pública devido às conseqüências negativas para o
indivíduo ao longo do seu desenvolvimento cognitivo, afetivo,
comportamental e social. Além disso, é um problema jurídico, pois viola
o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal n° 8069/ 1990).
As intervenções em casos de abuso sexual devem contemplar a
complexidade do fenômeno. A interdisciplinaridade e o trabalho em
rede são fundamentais para que a intervenção seja eficaz, minimizando
o impacto negativo que a experiência produz nas vítimas. Dessa forma,
a capacitação dos profissionais das áreas de saúde, educação e jurídica,
para identificar e intervir com qualidade é muito importante, assim
como a necessidade de maior investimento em pesquisas sobre
tratamento e prevenção.
Com relação ao tratamento, torna-se urgente no Brasil o
desenvolvimento de estudos controlados para verificar a eficácia de
modalidades terapêuticas para a vítima, para o agressor e para a
família. Existe pouca produção científica em nível nacional com
relação ao tratamento de casos envolvendo abuso sexual. Os estudos
existentes apontam a dinâmica, a incidência e as conseqüências do
152 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

problema, mas a descrição de métodos de tratamento com os resul­


tados é raramente apresentada.
O presente trabalho apresentou um estudo empírico que
demonstrou, através da análise qualitativa dos resultados, a eficácia
de um modelo experimental de intervenção clínica cognitivo-
comportamental para meninas vítimas de abuso sexual. Ficou evidente
que as meninas foram beneficiadas pela modalidade grupai e pelas
técnicas cognitivas e comportamentais utilizadas a fim de reduzir
sintomas psiquiátricos e reestruturar a memória traumática no plano
cognitivo e emocional. A intervenção também promoveu a aprendi­
zagem de comportamentos funcionais diante de situações-problema.
Os resultados da grupoterapia cognitivo-comportamental foram
potencializados pelo atendimento aos cuidadores realizado conco­
mitantemente, pela articulação da rede (Conselho Tutelar, Juizado
da Infância e Juventude, abrigos, escolas, famílias) e pelas inter­
venções interdisciplinares que ocorreram em determinados momentos
do tratamento.
A eficácia da intervenção podería ter sido mais bem avaliada
pela utilização de instrumentos de mensuração de sintomas clínicos.
Entretanto, há poucas ferramentas no Brasil com essa característica.
Sugere-se o desenvolvimento ou a adaptação de instrumentos de
avaliação psicológica para essa população clínica. Além disso, a
utilização de um grupo controle de lista de espera para comparação
dos resultados das avaliações pré e pós-teste seria um importante
procedimento na validação desse método de intervenção. Sugere-se
o desenvolvimento de novas pesquisas a fim de validar métodos
eficazes de avaliação e tratamento clínico para crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual.
Finalmente, é importante discutir a implicação do pesquisador
que desenvolve estudos com crianças e adolescentes vítimas de
violência. Além de todas as questões éticas relacionadas à notificação
dos casos, é necessário o compromisso com a confiança conquistada
dos participantes, desenvolvendo intervenções que produzam
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 153

benefícios para a vida deles. Isso exige uma constante atualização de


conhecimentos teóricos e técnicos, sensibilidade e capacidade de
empatia com as experiências relatadas por essas crianças e esses
adolescentes. Desenvolver este estudo exigiu profunda dedicação e
envolvimento na relação terapêutica com as meninas que participaram
dos grupos. Nessa relação, não foi apenas necessário conhecer
teoricamente aspectos do abuso sexual e dominar os procedimentos
técnicos da grupoterapia, mas realmente comprometer-se com a
promoção de mudanças na qualidade de vida das participantes.
Aprender a lidar com frustrações, com a confiança depositada, com
as angústias e com os efeitos terapêuticos de cada intervenção exige
mais do que conhecimento técnico - exige autoconhecimento. Abordar
essa questão é pertinente, pois a vulnerabilidade das meninas
demandou muitos cuidados e um profundo envolvimento em cada
intervenção. A relação terapêutica exigiu muito investimento
profissional e pessoal. Entretanto, é extremante gratificante acom­
panhar os progressos terapêuticos de cada menina. Observar o quanto
elas se modificaram durante o processo de terapia, transformando
um evento traumático em uma experiência potencializadora de saúde,
de crescimento e de esperança com relação ao futuro, é muito
recompensador.
Além disso, a interlocução com profissionais de outras áreas do
conhecimento e a articulação de intervenções com a rede proporcio­
naram aprendizagens fundamentais que enriqueceram a formação
profissional. O conhecimento produzido na realização deste trabalho,
certamente, não contribuiu apenas para um desenvolvimento
profissional, mas possibilitou um importante crescimento pessoal.
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Anexos
Anexo A

Entrevista semi-estruturada com a criança (The Metropolitan


Toronto Special Committee on Child Abuse, 1995)

Início:
• Rapport (apresentação);
• explorar assuntos amplos de interesse da criança;

• questões de transição: “Você sabe porque está aqui hoje?”;

• não prometer sigilo.

Meio:
• Narrativa livre através de questões abertas (perguntar desde
quando acontecia, quantas vezes, se haviam ameaças, explorar
sentimentos, pensamentos e atitudes);

• medidas de proteção (demonstrar que acredita na criança e a


ausentar de culpa, contar que isso acontece com outras
crianças para reduzir sentimentos de estigmatização, salientar
a importância da revelação).
168 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Fim:
• Explorar sentimentos da revelação;
• examinar as perspectivas futuras com relação à criança, à
família e ao abusador de forma realista;

• colocar-se disponível.

Recursos de apoio: bonecos anatomicamente perfeitos e


desenhos (pessoa, família, lugar ou situação boa, lugar ou situação
ruim).
Anexo B

Checklist para avaliação diagnostica (Caminha & Flores, 1994).

Protocolo de Atendimento de Abuso Sexual

Check-List
Alterações Comportamentais - Abuso Sexual
Transtorno do sono Perda de peso

Atraso do desenvolvim ento Distúrbios alim entares

Atuação sexual M entiras, furtos

Ansiedade generalizada Com portam ento suicida

M udança de com portam ento Isolam ento

na escola

Fuga do contato físico Abandono de antigos hábitos lúdicos

Episódios de m edo ou pânico Abandono de antigos laços afetivos

Fugas do lar Fadiga

Prostituição Alcoolism o/drogadição

Em botam ento afetivo (indiferença) Confusão de identidade/

relacionam ento
170 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica

Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) - Indicadores


reexperimentação dos entorpecimento estado de excitação
fenômenos evitação psicológica aumentada

Lembranças/imagens Fuga: sentimentos, Dificuldades para


intrusas pensamentos, dormir
locais, situações
Sonhos traumáticos Interesse reduzido Irritabilidade/raiva
em atividades habituais
Jogos repetitivos Sentimento de estar Dificuldade de
sozinho, separado, concentração
alienado
Comportamento de Âmbito emocional Hipervigilância
reconstituição restrito
Lapsos de memória Resposta exagerada de
Angústia nas lembranças sobressalto
traumáticas
Perda de habilidades já Resposta autônoma a
adquiridas lembranças traumáticaí
Alteração na orientação
com respeito ao futuro

Solidez do diagnóstico de abuso


Nenhum item positivo: diagnóstico negativo.
Apenas relato da criança: diagnóstico positivo provável
(evidência significativa, comprovada e sustentada em literatura
científica, aponta a confirmação do diagnóstico de abuso sexual,
embora a variável apresente-se isolada do conjunto investigado).
Relato da criança e mais 1 ou 2 itens: diagnóstico positivo
conclusivo (melhora o grau de embasamento de confirmação do
diagnóstico de abuso sexual na presença de mais variáveis que
solidificam o resultado; melhor cerceamento do fenômeno.
Relato da criança e mais de 3 itens: diagnóstico positivo definitivo
(pela incidência do número de variáveis apresentadas, o diagnóstico de
abuso sexual está bem solidificado e com alto grau de respaldo científico).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 171

Check-List FAMÍLIA Protocolo:

Indicadores de Abuso Intrafamiliar


Pai alcoolista

Pai violento, vítim a de abuso físico em sua fam ília de origem

Pai desconfiado, autoritário, excessivam ente puritano ou violento

M ãe passiva, ausente, distante e incapaz de im por-se ao pai

quando necessário

Filha desem penhando o papel de m ãe

Filha pseudom adura

Pais com relação sexual perturbada ou inexistente

Presença de padrasto na fam ília

Pai fica por tem po prolongado com as crianças e assum e o papel de m ãe

Filha que foge de casa, prom íscua, autodestrutiva ou que usa drogas

Crianças que se isolam , sem am igos, sem vínculo próxim o com ninguém

Com portam ento sexual im próprio para a idade

Atitude paranóica e hostil da fam ília ante estranhos


Pais que se opõem a autorizar um a entrevista de um profissional a
sós com sua filha
Pai, m ãe ou am bos vítim as de abuso sexual na infância

Pais que foram negligenciados ou desprotegidos na infância

Ciúm e exagerado do pai em relação à filha adolescente

Pais que acariciam os filhos de m odo a violar a privacidade sexual

Pais que exigem carícias íntim as do filho

Observações adicionais
Anexo C

Automonitoramento

Registrando minhas emoções, pensamentos e comportamentos...

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