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THE NOTES 1

The Most Beautiful Moment In Life


PART 1

1
AVISO antes da sua leitura iniciar:
Tradução não autorizada oficialmente pela BigHit; sem fins lucrativos; de fã
para fã. Todos os direitos reservados pela BigHit.
Copyright © 2019 Big Hit Entertainment

PDF em Inglês disponibilizado por @acejeongkook & @ChimCat0


Tradução para Português por @uttedknj

WARNING before reading start:


Translation not officially authorized by BigHit; non-profit; fan to fan. All rights
reserved by BigHit.

2
Prólogo Boa Criança 5
Sombra da Minha Infância 10
Tudo Começou a Partir Daqui 19
Fim do Verão, Inicio da Solidão 31
Eu Devo Sobreviver 40
O Que Procurar Quando Estiver Perdido 52
A Coisa com Asas 67
O Ponto Mais Alto da Cidade 76
O Dia Mais Bonito de Nossas Vidas 98
Depois de Voltar do Mar 109
A Direção Que Sol Nasce 147
Epílogo Pesadelo 179

3
Prólogo
Boa Criança

4
SEOKJIN
10 de Outubro Ano 9

"Vamos, temos que sair daqui!" Peguei a mão do meu amigo e corri para
a porta traseira da nossa sala de aula. Quando olhei para trás enquanto estava
correndo pelo corredor, eu vi os homens saindo da sala de aula nos
perseguindo. "Pare! Pare aí mesmo!" Suas vozes pareciam nos agarrar pela
parte de trás do nosso pescoço.
Nós pensamos freneticamente para onde ir enquanto disparamos pela
escada. O primeiro destino que me veio à mente era a colina atrás da nossa
escola. Nós só precisávamos atravessar o parquinho e ir até o portão da escola
e nós chegaríamos no pé da colina. Embora não fosse tão alto, era bastante
rochoso e robusto. Depois de correr pelo portão e virar na esquina a toda
velocidade, ignoramos a trilha a pulamos diretamente nos arbustos. Nós
entramos no meio dos galhos e continuamos a correr. Corremos pelo que
parecia para sempre, finalmente parando quando os passos atrás de nós
tinham desaparecido.
Nós desmoronamos no chão coberto com camadas de folhas secas, suor
pingando de nossos rostos. "Eles não vão ser capazes de nos seguir aqui,
certo?" Meu amigo acenou, respirando pesadamente. Nós levantamos as
camisetas para limpar nossos rostos com a borda. O rosto do meu amigo
estava molhado de suor e lágrimas. Os pulsos eram pretos azulados com
hematomas. A gala da camiseta dele foi rasgada.
"Meu pai não voltou para casa há mais de uma semana. Minha mãe
continua chorando. A faxineira e o motorista pararam de vir. Minha tia disse
que a companhia do papai fechou. Aqueles homens vieram à nossa casa ontem
à noite. Eles continuaram pressionando a campainha e gritando pelo meu pai.
Ficamos dentro com todas as luzes apagadas, e eles continuaram xingando na
frente da porta. Nós não conseguimos dormir nenhum um pouco." Meu amigo
chorou através de toda sua história. Não conseguia pensar em nada para dizer.
Tudo o que podia fazer era lhe dizer para não chorar.

5
Foi logo após a aula começar quando a porta da frente se abriu e quatro
ou cinco homens entraram. Eram indisciplinados e imprudentes. "Qual de
vocês é o filho do Sr. Choi? Venha conosco." Atordoada, nossa professora
pediu que saíssem imediatamente, mas eles simplesmente a ignoraram.
"Sabemos que está aqui. Venha agora mesmo." Algumas das crianças olharam
para o meu amigo sentado ao meu lado e começaram a sussurrar. Os homens
perceberam e vieram em nossa direção. "Você não pode ver que estamos no
meio da aula? Por favor, saia." Nossa professora tentou bloqueá-los, mas um
dos homens empurrou-a com força para o quadro branco. Ela caiu no chão.
O homem que tinha empurrado nossa professora caminhava em nossa
direção de forma ameaçadora. Todos os alunos se viraram na nossa direção. O
homem pegou meu amigo pelo braço. "Nós vamos levá-lo para o seu pai e
pega o dinheiro dele. Certamente, ele não vai virar as costas para o próprio
filho." Os homens eram ameaçadores, e a atmosfera era intimidante.
Olhei para o rosto do meu amigo. Ele estava tremendo. Tremendo com
força com a cabeça baixa. Ele é meu amigo. Cheguei debaixo da mesa e agarrei
sua mão. Ele olhou para cima e eu puxei a mão dele. "Vamos correr."
O céu estava ficando cada vez mais escuro. Ninguém parecia estar nos
perseguindo. Nós forçamos nosso caminho através das árvores e arbustos para
a trilha a pé. Um lote vazio com equipamento do exercício apareceu diante de
nós. Eu me inclinei contra a barra e meu amigo sentou em um dos bancos.
"Tenho medo que você tenha problemas por minha causa." Meu amigo parecia
desconfortável quando eu disse a ele que eu ficaria bem. Só conseguia pensar
na sala de aula era tirar o meu amigo de lá. Eu tenho que levá-lo para longe
daqueles homens. Mas, quando começamos a fugir, percebi que não tínhamos
para onde ir.
"Vamos para minha casa." Devia ser em torno de 21hrs já que bastante
tempo passou desde que o sol se pôs. Eu estava morrendo de fome. Ele
também deveria estar. "Seus pais não estão em casa? Não vai se encrencar por
me levar lá?" "Podemos entrar de fininho. Se tivermos problemas, então
tivemos problemas." Minha casa não era tão longe do pé da colina. Logo,
minha casa entrou no meu campo de visão. "Entre logo quando o portão se
abrir e se esconda atrás da árvore. Eu vou abrir a janela para você mais tarde."

6
Mamãe estava sentada no sofá na sala de estar. "Onde você esteve? Sua
professora ligou." Em vez de responder a sua pergunta. Eu disse que sentia
muito. Era geralmente a maneira mais rápida de terminar uma conversa.
Mamãe disse que meu pai estaria em casa a qualquer minuto e foi para o
quarto dela. Entrei rapidamente no meu quarto e abri a janela.
Ouvimos o portão da frente ser aberto enquanto jogávamos no
computador após termos comido pão e leite. Meu amigo olhou para mim
assustado. "Está tudo bem. Meu pai nunca vem no meu quarto." A porta do
meu quarto abriu antes de eu terminar de falar. Nós dois pulamos em nossas
cadeiras com medo.
"Você é filho do Sr. Choi?" Meu pai continuou sem esperar por uma
resposta. "Venha para fora. Alguém está aqui para te levar." Havia um homem
no pé da porta. Eu pensei que ele era o Sr. Choi no início, mas rapidamente
percebi que não era. Ele um daqueles homens que tinham entrado na sala de
aula mais cedo. Olhei para meu pai. Ele parecia exausto, com sobrancelhas
franzidas e uma pálpebra sutilmente tremendo. Era melhor não o incomodar
quando ele estava nesse humor. Enquanto tentava ler o rosto dele, o homem
entrou no meu quarto e agarrou o ombro do meu amigo. Eu entrei na frente
do meu amigo. "Não, pai, não deixe este homem levá-lo embora. Ele é uma das
pessoas más."
Ele só ficou olhando para mim e não se mexeu. "Por favor, ajude-o, pai.
Ele é meu amigo." O homem tentou puxar o meu amigo para fora. Eu o
segurava pelo braço, e papai agarrou meu ombro. Ele agarrou-o e o puxou com
força. Tive que soltar o braço do meu amigo. Ele estava sendo arrastado porta
a fora. Eu me contorcia mais e mais para me libertar, mas o pai reforçou seu
aperto. "Isso dói!" Eu gritei, mas o papai não soltou. Ele só agarrou meu ombro
com ainda mais força. Lágrimas correram pelo meu rosto.
Olhei para o pai. Ele era como uma parede cinzenta maciça. Seu rosto
sem expressão, até mesmo o olhar exausto tinha sumido. Ele lentamente abriu
a boca com os olhos fixos em mim. "SeokJin, seja uma boa criança." Ele ainda
tinha aquele olhar em branco. Mas eu sabia o que fazer, o que fazer para parar
a dor.
"SeokJin". Virei a cabeça para o choro do meu amigo. Ele escapou do
aperto do homem e estava correndo em direção à minha porta. Ele estava

7
chorando. Com uma mão segurando meu ombro, meu pai fechou a porta com
a outra. "Sinto muito, pai. Eu não vou causar problemas novamente."
No dia seguinte, o assento ao lado do meu estava vazio. Minha
professora disse que ele foi transferido para outra escola.

8
Sombra da minha infância

9
HOSEOK
23 de Julho Ano 10

Tudo aconteceu quando contei até quatro. Eu estava contando algumas


frutas, talvez tomates ou melões. Não tenho a certeza. "Quatro". Assim que eu
disse, uma visão da minha infância apareceu diante dos meus olhos. Eu estava
de mãos dadas com alguém.
Foi no dia em que fui a um parque de diversões com minha mãe. Eu
estava hipnotizado pelas bandeiras coloridas e fileiras de lojas. As pessoas
vestidas como palhaços acenaram para mim, e a música excitante reverberou
em cada esquina. Mamãe parou na frente de um carrossel. Os cavalos brancos
estavam indo, rodando debaixo das luzes brilhantes. Eu estava prestes a
perguntar: "mãe, estamos aqui para montar nisso?" quando alguém me
chamou. "Hoseok". Eu olhei para cima.
Era o meu professor. Os meus colegas estavam todos a olhando
confusos pra mim. A visão da minha infância desapareceu. Meu professor me
pediu para continuar, e eu comecei a contar novamente. Cinco. Seis. Mamãe
apareceu diante de meus olhos novamente. Ela parecia exatamente a mesma
de um minuto atrás. Seu rosto estava sombreado já que ela estava em pé na
frente da luz, e uma brisa balançou seu cabelo. Minha mãe me entregou uma
barra de chocolate. "Hoseok, feche os olhos e não os abra até você contar até
10."
Sete. Oito. Nove. Eu parei lá. Meu professor fez um gesto sinalizando
para que eu continuasse. Meus colegas me encararam de novo. Abri a boca,
mas não saíram palavras. A cara da minha mãe está borrada. Parecia que ela
nunca viria me procurar se eu terminasse de contar até dez. Eu caí no chão.

10
TAEHYUNG
29 de Dezembro Ano 10

Eu tirei meus sapatos, joguei minha bolsa no chão e corri para o quarto.
Papai estava realmente em casa. Eu não tinha tempo para pensar há quanto
tempo ele tinha ido embora e de onde ele veio. Eu só me joguei em seus
braços. Tudo se tornou borrado a partir desse ponto. Eu não estava em seus
braços. Eu senti cheiro de licor em sua respiração primeiro, o ouvi xingando
primeiro, ou fui golpeado no meu rosto primeiro. Eu não sabia o que estava
acontecendo. Seu hálito de álcool era repulsivo e sua respiração era pesada. Os
olhos dele estavam vermelhos. Ele tinha uma barba desleixada. Sua mão
enorme bateu na minha cara. "O que você está olhando?" Ele me bateu de
novo. O pai agarrou-me pelos ombros e me levantou. Eu estava quase cara a
cara com ele. Olhos vermelhos e barba desleixada. Ele não era meu pai. Bem,
ele era. Mas ele não era. Os meus pés balançavam no ar. Estava tão assustado
que nem conseguia chorar. No momento seguinte, minha cabeça bateu na
parede com força e eu caí no chão. Parecia que minha cabeça tinha rachado.
Eu mal conseguia enxergar direito. Tudo ficou preto.

11
JIMIN
6 de Abril Ano 11

Saí pela porta da frente do Arboreto Grass Flower sozinho. O céu estava
nublado e estava um pouco frio. Mas eu estava me sentindo bem. Era dia de
piquenique na escola, e como sempre, meus pais estavam ocupados demais
para vir. Isso me deixou pra baixo. Mas eu recebi boas avaliações no concurso
de desenho de flores, e as mães dos meus amigos me disseram: "Você é tão
maduro e gentil". Eu achava que eu era muito legal.
"Jimin, espere aqui. Vai ser só um minuto." meu professor disse que
depois que o piquenique acabou e nos preparamos para sair do arboreto. Eu
não esperei. Eu sabia que poderia encontrar o caminho sozinho. Eu segurei as
alças da minha mochila com as duas mãos e dei passos confiantes. Todo
mundo parecia estar olhando para mim, então eu mantive meus ombros
erguidos. Depois de caminhar por um tempo, começou a chover. Meus colegas
de classe e suas mães tinham ido embora e ninguém prestou atenção em mim.
Minhas pernas doem. Eu me agachei debaixo de uma árvore. A chuva começou
a cair mais e mais pesadamente. Eu estiquei meu pescoço para verificar se
alguém estava vindo de ambos os lados, mas ninguém estava por perto.
Comecei a correr, segurando minha mochila sobre a cabeça com as duas
mãos. A chuva continuava caindo mais e mais. Minhas calças ficaram
encharcadas na chuva depois de apenas alguns passos. Nenhuma loja, casa ou
ponto de ônibus apareceu. De longe, eu podia ver um portão. Eu corri em
direção a ele sem pensar. Minhas mãos pareciam entorpecidas de segurar a
mochila. Eu estava encharcada e meus dentes estavam batendo. No topo do
portão havia uma placa que dizia Arboreto Grass Flower. Era o portão dos
fundos. Lá havia um pequeno armazém perto do portão.

12
SEOKJIN
21 de Julho Ano 12

A porta de entrada continuava abrindo e fechando. Fiquei olhando para


ela, sentado na sala de espera do aeroporto. Pessoas com malas passavam,
algumas usando óculos escuros. A placa de exibição eletrônica continuou a
mudar com chegadas, atrasos e cancelamentos. O motorista estava
murmurando com os olhos fixos no celular. "Nenhuma palavra dele ainda." Eu
olhei para o meu relógio. Já passava mais de uma hora da hora que meu pai
prometeu que chegaria.
Desde que me lembrava, estava sempre sozinho. Papai estava ocupado e
mamãe era indiferente. Eles me disseram para fazer o que me foi dito e não
tentar mais nada. Quando desobedeci, eles me repreendiam com silêncio.
Queria agradar aos meus pais.
Minha mãe morreu há pouco tempo. Meu pai não chorou e me disse
para não chorar. Tentei obedecê-lo, mas não foi fácil. Ele decidiu me mandar
para minha avó materna nos Estados Unidos. Ele não pareceu muito triste com
isso.
O motorista do papai me entregou meu passaporte. Era hora de ir. Eu
olhei para trás enquanto me dirigia para o portão de embarque. A porta de
entrada se fechou. O motorista acenou para mim. O avião finalmente começou
a acelerar pela pista. Papai não veio.

Eu olhei pela pequena janela ao meu lado. Nuvens passaram e o céu


ficou escuro como breu. A comissária de bordo me trouxe uma refeição e o
copo de suco caiu quando entramos em uma turbulência. Afobado, pedi alguns
guardanapos. A aeromoça me perguntou se eu estava bem. Meu arroz frito e
carne estavam encharcados de suco. Minhas mãos estavam pegajosas e
minhas calças estavam todas molhadas. "Não", eu sussurrei de volta, mas a
aeromoça não pareceu ouvir. Ela disse para não se preocupar enquanto tirava
minha bandeja. Eu balancei a cabeça e continuei olhando para o chão.

13
NAMJOON
21 de Junho Ano 16

Eu corri pelas escadas do 12º andar. Eu estava sem fôlego e minhas


pernas tremiam. Eu desmoronei na sombra da entrada do prédio. Comecei
tarde hoje porque a escola terminou mais tarde do que o habitual. Eu tinha
que ir rápido para deixar os panfletos em todos os quatro prédios de
apartamentos até o prazo. Se não o fizesse, o meu patrão estaria à minha
espera com um longo sermão. Eu o convenci com dificuldades a contratar um
estudante do ensino médio. Certamente, eu não poderia me deixar ser
demitido neste momento. Mamãe largou o emprego no restaurante na
semana passada. Tínhamos que pagar as contas do médico para papai, sem
mencionar a eletricidade e o gás vencidos. Eu continuei descansando na
sombra. Havia crianças jogando basquete ao longe. Eu me levantei novamente,
hora de correr. Eu falei para mim mesmo. Eu devo fazer isso. Eu posso fazer
isso.

14
YOONGI
19 de Setembro Ano 16

Chamas devoraram minha casa. Só esta manhã, estava toda intacta, mas
agora está em chamas. As pessoas que me reconheceram correram até mim,
gritando palavras incompreensíveis. Os vizinhos batiam os pés no chão,
parecendo nervosos. O caminhão de bombeiros não conseguiu chegar a minha
casa porque o acesso estava bloqueado. Eu fiquei lá congelado. Era o final do
verão e os primeiros dias do outono. O céu estava azul e o ar estava fresco. Eu
não sabia o que pensar, o que sentir ou o que fazer. De repente, pensei em
mamãe. Naquele exato momento, minha casa desmoronou com um estrondo
trovejante. Foi completamente envolvido em chamas. Ou melhor, era uma
chama gigante em. O teto, os pilares, as paredes e o quarto caíram um a um,
como se fossem feitos de areia. Tudo o que eu pude fazer foi olhar para eles
com olhos vazios.
As pessoas passaram por mim. Eu os ouvi dizendo que o caminhão de
bombeiros finalmente passou. Alguém me agarrou pelo ombro e perguntou
urgentemente: "Tem alguém lá?" Eu apenas olhei fixamente para ela. "Sua
mãe está lá?" Ela me sacudiu com força pelo ombro. "Não, não há ninguém."
Eu me ouvi dizendo isso. "O que você quer dizer?" Era uma das senhoras do
meu bairro. “O que aconteceu com sua mãe? Onde ela está?”, “Não há
ninguém.” Eu não tinha certeza do que eu estava dizendo. Alguém passou por
mim novamente.

15
JUNGKOOK
11 de Setembro Ano 17

Esperei dez dias, mas o cartão de aniversário nunca chegou. Abri a


gaveta de baixo e levantei um caderno para encontrar quatro cartas. Jungkook,
feliz aniversário, do papai. Eu li estas cinco palavras repetidamente.
Era inverno e eu com 7 anos de idade. As vozes da sala me acordaram.
Meu quarto ficava no sótão e eu podia chegar ao quarto dos meus pais
descendo cinco degraus e abrindo a porta de correr. Eu estendi a mão para
abrir a porta e parei. Embora eu ainda fosse jovem, eu podia sentir pela
atmosfera pesada que entrava pela porta que não era um bom momento.

Papai disse que era muito difícil continuar e que o mundo era pesado
demais para ele suportar. Mamãe não respondeu. Ela provavelmente estava
chorando em silêncio ou não se mexendo. Um longo silêncio se seguiu. Papai
disse que ficaria arrasado se continuasse vivendo assim e deveria ir embora
agora. Mamãe protestou veementemente, o chamando de irresponsável.
Então ouvi meu nome. "O que você vai fazer sobre Jungkook?" Eu esperei por
um longo tempo atrás da porta de correr, mas meu pai não respondeu. Então
eu ouvi o som da porta da frente se abrindo. "Estou completamente vazio, e
não há nada eu possa fazer por Jungkook.” Essas foram as palavras do meu pai.

Corri de volta pelas escadas até o sótão. Coloquei minha cadeira


embaixo da janela e fiquei sobre ela. Papai estava descendo a ladeira. Primeiro
suas pernas desapareceram e depois a cintura, o peito e os ombros. Parecia
que um mundo desconhecido, além da estrada, estava lentamente engolindo-
o inteiro.
Alguém empurrou a porta do meu quarto e eu instintivamente empurrei
a gaveta com o pé. Era a mãe. Ela disse que nenhum cartão de aniversário
nunca virá e papai era apenas esse tipo de pessoa. Era o repertório habitual
dela. O pai era fraco, incompetente, e o mais importante, um desajustado
social que nos abandonou... Mamãe tinha razão. Nenhum cartão de
aniversário nunca virá. Eu era o mundo que era pesado demais para ele

16
suportar – aquele mundo que ele desistiu. Uma criança nunca pode ser o
motivo para suportar tudo isso. Esse era eu.

17
Tudo Começou a Partir Daqui

18
SEOKJIN
02 de Março Ano 19

Entrei no escritório do diretor depois do papai. cheirava a mofo. Faz dez


dias desde que voltei dos EUA, e acabei de descobrir no dia anterior que eu
estaria uma série atrás por causa dos diferentes sistemas escolares "Por favor,
cuide bem do meu filho" Eu estremeci com a mão do meu pai no meu ombro.
“A escola é um lugar perigoso. Precisa ser rigidamente controlada." O diretor
me olhou nos olhos. Vestindo um terno preto, suas bochechas enrugadas e os
cantos de sua boca tremiam um pouco a cada vez que ele falava. O interior de
seus lábios enegrecidos era ainda mais escuro. "Você não concorda, Seokjin?"
Enquanto eu contorcia com sua pergunta abrupta, meu pai endureceu ainda
mais seu aperto em meu ombro. Senti uma pontada na parte de trás do meu
pescoço. "Tenho certeza que você vai se comportar" obstinadamente tentei
fazer contato visual, enquanto papai me apertou ainda mais. Cerrei meus
punhos, enquanto seu aperto quase fraturou minha omoplata. "Você sabe que
tem que me manter informado, certo? Você será um bom aluno, certo?" O
diretor me encarou sem uma sugestão de um sorriso. "Sim". Assim que disse a
resposta, a dor no meu ombro desapareceu. Meu pai e o diretor rugiram de
tanto rir. Eu não conseguia nem mesmo levantar a cabeça. Eu ficava olhando
para os sapatos marrons do meu pai e para os sapatos pretos do diretor, e as
biqueiras dos sapatos deles brilhavam intensamente, embora fosse um
mistério para mim de onde vinha a luz.

19
JIMIN
12 de Março Ano 19

Fazia vários dias desde o início do novo semestre, mas meus colegas
ainda eram estranhos para mim. Não era difícil adivinhar que eles estavam
fofocando sobre mim. Eu tentei agir indiferente, mas sem sucesso. “Ouvimos
que você mora em um apartamento do outro lado do rio. Por que você veio
para esta escola?” Eu fingi que não ouvi a pergunta. Eu não tenho nada a dizer.
Eu apenas continuei andando com a cabeça inclinada. "Ei, você não me ouviu?"
Eu acelerei o meu ritmo. Eu havia sido transferido de uma escola para outra
como eu tinha entrado e saído do hospital. Não havia mais escolas próximas no
meu baixo para eu me transferir.
Eu me dirigi para a sala de aula transformada em depósito que eu limpei
como penalidade por estar atrasado para a escola. Quando abri a porta, fiquei
surpreso ao ouvir vozes lá dentro. Quem poderia estar aqui a esta hora? Eu
estava prestes a fechar silenciosamente a porta e me virar quando alguém
chamou meu nome. "Ei, você é o Park Jimin, certo?" Eles eram os estudantes
seniores que limparam a sala de aula comigo por estar atrasado. Eu não tinha
certeza se deveria respondê-los ou simplesmente sair. Alguém me bateu no
meu ombro. “Você não vai entrar?” Sem perceber, entrei na sala de aula. "É
bom ver você novamente. Você não lembra de mim? Eu sou Taehyung,
estamos na mesma série. “
Antes que eu percebesse, estava sentado em uma cadeira. A porta da
sala de armazenamento continuou a abrir e fechar. Os sete estudantes que
fizeram a limpeza juntos estavam todos lá. Ninguém fez perguntas. Nós apenas
ouvimos música, lemos livros, dançamos e brincamos por aí. Era como se
estivéssemos juntos para sempre.

20
YOONGI
12 de Junho Ano 19

Eu faltei a escola sem pensar, mas eu não tinha para onde ir. Estava
calor, e não tinha dinheiro e nada para fazer. Foi Namjoon quem primeiro
propôs irmos para o mar. Os outros pareciam animados com isso, mas eu não
me importei de qualquer maneira. "Você tem algum dinheiro?" Ouvindo a
minha pergunta, Namjoon disse aos outros para procurarem em seus bolsos.
Algumas moedas e até mesmo algumas contas. "Não podemos ir." "Por que
não andamos?" Deve ter sido o Taehyung. A expressão de Namjoon parecia
dizer-lhe para usar a cabeça e pensar antes de falar. Todos, menos eu,
tagarelando, rindo sem motivo e brincando. Eu declinei já que não estava no
clima. O sol estava brilhando. Era meio dia e não havia sombra debaixo das
árvores. A estrada de asfalto não tinha calçadas e, toda vez que um carro
passava, levantava uma espessa nuvem de poeira.
"Vamos lá." Foi Taehyung. Ou foi o Hoseok? Eu não estava prestando
atenção de qualquer maneira, mas deve ter sido um desses dois. Eu não vi
nenhum ponto em ir lá... Devo dizer a eles para irem sem mim? Eu virei a
minha cabeça, quase colidido com alguém. Foi o Jimin. Ele ficou lá parado
como uma estátua. Seu rosto estava tremendo até o menor músculo, como se
tivesse visto algo aterrorizante. "Você está bem?" Ele parecia inconsciente da
pergunta. Seu olhar se fixou em uma placa que dizia 2,1 km para o Arboreto
Grass Flower. Suor escorria do seu rosto, que ficou pálido como se fosse
desmaiar. "Park Jimin!" Eu chamei novamente, mas ele não se mexeu. Ele
apenas ficou ali, olhando a placa de sinalização.
“Ei, está quente demais para ir a um arboreto. Vamos apenas para o
mar." Tentei dizer isso da maneira mais plana possível. Eu não sabia o que era
o Arboreto Grass Flower era, mas eu tinha um sentimento instintivo de que
deveríamos evitá-lo. "Estamos com pouco dinheiro", protestou Hoseok ."Nós
podemos andar." Era Taehyung novamente. “Acho que poderemos descobrir
algo quando chegarmos à estação de trem. Claro, nós vamos ter que pular o

21
jantar.” Namjoon entrou na conversa. Jungkook e Taehyung choramingam. O
Jimin saiu de seu transe depois que todos começaram a ir para a estação.
Jimin, com a cabeça abaixada e os ombros curvados, parecia uma criancinha.
Eu olhei de volta para o poste de sinalização. As palavras Arboretum Grass
Flower foram desaparecendo lentamente de nossa vista.

22
JUNGKOOK
12 de Junho Ano 19

O sol ainda estava batendo quando chegamos na estação de trem junto


ao mar. Nossas sombras eram quase invisíveis, pairando em torno de nossos
pés. Não havia lugar para se esconder do sol. Eu pensei ter ouvido o barulho
das ondas, e logo um trecho de bela praia se desenrolou diante de nossos
olhos. Foi o começo do verão. Os primeiros turistas já estavam empoleirados
sob guarda-sóis. Há algo sobre o mar que me faz sentir bem com as emoções.
Taehyung e Hoseok gritaram em excitação e correram à frente. Enquanto
acenavam, Jimin e seokjin se juntaram a eles.
Eles me chamaram. "Jungkook!" Eu acenei para eles e sorri alegremente.
Ou sorri para fingir que estava alegre. Eu ainda era desajeitado em revelar
meus sentimentos e me adaptar a ambientes estranhos. Alguém me disse uma
vez que eu agi como uma criança tímida e intimidada. Foi o mesmo naquele
dia. Eu me senti pouco à vontade na presença dos outros, como se eu não
pertencesse lá.
Não havia muito para fazer na praia, nosso destino impulsivo. "Vamos
correr." Hoseok sugeriu de repente e correu na frente. Todos os outros
começara a correr, mas logo desistiram. Estava muito quente. Namjoon trouxe
um guarda-sol rasgado que ele encontrou em algum lugar. Nós sete deitamos
debaixo do guarda-sol. A luz solar atravessou os rasgos no guarda-sol. Os
pontos redondos da luz continuaram a se mover pouco a pouco, e nós nos
contorcemos para desviar deles.
"Você quer ir ver essa pedra?" Hoseok levantou o telefone. Havia uma
foto de uma grande pedra na praia. “Eles dizem que, se você gritar seu sonho
em direção ao mar, em pé sobre a rocha, se tornará realidade.” Jimin pegou o
telefone e olhou para a foto. “Não é um pouco longe? É pelo menos 3,5 km
daqui.” Yoongi rolou. "Eu não vou. Eu não tenho nenhum sonho em primeiro
lugar. Mesmo se eu tivesse, eu não andaria 3,5km em calor desses.. De jeito
nenhum.” Taehyung ficou de pé. "Eu vou."

23
Começamos a andar sob o guarda-chuva rasgado. A praia estava
queimando sob o sol escaldante, e o ar estava tão quente que mal podíamos
respirar. Nós marchamos na praia como lesmas, com nossos pés afundando na
areia ardente. Hoseok tentou fazer piadas, mas ninguém respondeu. Taehyung
caiu no chão e declarou que estava desistindo.Namjoon o colocou de pé
novamente e lhe deu um empurrão nas costas. Os nossos rostos estavam
vermelhos e pingando de suor. Nós tentamos nos abanar com a bainha de
nossas camisetas, mas isso só nos deixava com mais calor. No entanto,
continuamos seguindo em frente.
Algum tempo antes, eu perguntei aos outros quais eram seus sonhos.
Seokjin disse que sonhava em se tornar uma boa pessoa. Yoongi disse que
estava tudo bem não ter um sonho. Hoseok só queria ser feliz. E Namjoon. O
que ele nos disse? Não me lembro, mas não foi nada de especial. Basicamente,
nenhum de nós tinha um sonho a seguir. Então, por que nós estávamos
caminhando ao longo desta praia quente sob o sol escaldante para chegar em
uma pedra à 3,5km de distância, que supostamente faz sonhos virarem
realidade?
Ao longo do caminho, nós jogamos o guarda-sol que Namjoon, Hoseok, e
Seokjin tinham revezado para segurar. Ele bloqueou o sol um pouco, mas era
muito pesado com o cabo de aço.
"Pare de fazer isso." Foi o que Yoongi me disse enquanto estávamos
fazendo uma pequena pausa depois de largar o guarda-sol. No começo, fiquei
intrigado. Na verdade, eu raramente falava com Yoongi e nem percebi que ele
estava falando comigo. Yoongi me mostrou os dedos. "Eles se tornarão como
os meus." Ele também tinha cutículas machucadas de tanto roer as unhas. Eu
hesitantemente coloquei minhas mãos nos meus bolsos. Não respondi porque
não sabia o que dizer.
"Qual é o seu sonho?" Yoongi perguntou. "Você não nos disse o seu." Ele
não parecia genuinamente interessado na minha resposta. Ele só parecia estar
pedindo para manter a conversa. "Eu não sei. Eu nunca pensei sobre isso.
"Bem, não há nada de errado com isso."
"A propósito, o que é um sonho?" Eu perguntei depois de alguma
hesitação. Yoongi respondeu em sua voz arrastada. "Eu disse que não tenho
um." "Não, quero dizer..." Eu hesitei e continuei. "Eu estava me perguntando o

24
que é um sonho. O que as pessoas querem dizer com um sonho?" Ele olhou
para mim e então voltou seu olhar para o céu, franzindo a testa. "Algo que
você quer alcançar? Eu acho?"
Hoseok assumiu, acenando com o celular para nós. "As definições do
dicionário são primeiro, 'uma série imaginária de eventos que você
experimenta enquanto dorme'; segundo, 'uma situação ou um ideal que você
espera realizar'; e terceiro, 'falsas expectativas ou pensamentos que são quase
improváveis ou completamente improváveis se tornarem realidade'."
"A terceira definição não é estranha? Como pode algo que é improvável
que se transforme em realidade ser chamado de sonho?" Hoseok respondeu.
“As pessoas às vezes dizem para você acordar do seu sonho. Então, se você
está sonhando em voltar e ir para casa antes de chegarmos à rocha, acorde do
seu sonho!”
Alguns de nós riram alto, mas o resto não mostrou nenhuma reação,
provavelmente porque não havia mais energia sobrando. "Isso é estranho.
Como pode algo que você quer alcançar mais na vida e algo que é improvável
que você se torne realidade, sejam ambos chamados de um sonho?” Yoongi
disse, rindo. “Talvez isso signifique que as pessoas estão tão desesperadas que
eles simplesmente não podem desistir de seus sonhos, mesmo sabendo que
eles não se tornarão realidade. Nunca tente ter um sonho.” Eu olhei para ele
surpreso. "Como assim?" Yoongi tinha começado a roer as unhas e, sentindo-
se consciente do meu olhar, ele colocou as mãos nos bolsos. "Porque é difícil
ter um."
Eu estava curioso sobre por que ele roía as unhas, mas não perguntei.
Em vez disso, olhei para os meus próprios dedos. Tinha sido um hábito desde a
minha infância me machucar. Não me lembro quando começou. Tudo que me
lembro é a sensação distinta de cortar o dedo com uma faca um dia. Depois
que a sensação dolorosa passou, o sangue jorrou da ferida. Parecia
entorpecido e formigando ao mesmo tempo. Mamãe me levou para o hospital
e eu tive a ferida costurada, esterilizada e enfaixada. Ela fingiu fazer uma
confusão na frente do médico, mas não fez jantar pra mim ou me ajudou a
tomar meu remédio depois que chegamos em casa. Eu realmente não
esperava que ela fizesse isso. Ela estava assim desde que o papai partiu.

25
A ferida cicatrizou muito lentamente porque eu continuei pressionando-
a com a ponta da minha unha. Toda vez que eu apertava a ferida, uma dor
aguda disparava através do meu dedo. Às vezes doía tanto que eu ficava a
ponto de chorar. Mas também me ajudou a me sentir acordado novamente.
Mesmo agora, às vezes me sinto vazio. Tudo parece sem sentido e toda a
energia é drenada de mim.
"Quanto mais temos que andar?" Na pergunta de Taehyung, Hoseok
parecia estar perdido. "É estranho. Tenho certeza que deve ser em algum lugar
por aqui." Todos nós ficamos parados e olhamos em volta. Apenas o som das
ondas quebrando na praia encheu o vazio do silêncio sob o céu azul. Centenas
de milhares de seixos de ósmio foram espalhados em toda a praia como grãos
de areia. A rocha da foto não estava em lugar nenhum.
"Será que devemos ir um pouco mais longe?" "Eu não posso dar outro
passo." "Estou morrendo de fome e com sede." No meio da nossa conversa,
Jimin soltou um suspiro com os olhos fixos em seu telefone. Taehyung, que
estava olhando para o telefone de Jimin, chutou violentamente uma pedra
com um rosto vazio. Jimin leu o artigo em voz alta. Um resort de alto padrão
será construído nesta praia, e a construtora quebrou a pedra em pedaços
porque obstruia a vista do primeiro e segundo andares do resort. Nós demos
uma olhada ao redor de uma vez. Bandeiras amarelas foram instaladas ao
longo da praia para marcar que a área foi designada como uma zona de
desenvolvimento, com escavadeira gigantesca perambulando no fundo. Uma
placa que dizia "Construção Seawall" entrou em vista.
"Acho que viemos ao lugar certo." Hoseok disse, batendo em uma pedra
com a ponta de seu sapato. Todas essas pedrinhas espalhadas pela praia
devem ser o que resta daquela pedra explodida. "Está tudo bem. Não existe tal
coisa como uma rocha que faz os sonhos se tornarem realidade de qualquer
forma." Namjoon consolou Hoseok, tocando levemente em seu ombro. "Nós
não temos nenhum sonho em primeiro lugar." "Não há possibilidade de
realizá-los, mesmo que tivéssemos." "É um luxo para nós sonharmos." Todos
tentaram dizer algo positivo, mas não estava funcionando. Nós não estávamos
esperando muito, mas também não viemos até aqui para ver isso.
Yoongi, que me disse para não ter sonhos porque são muito difíceis, não
foi diferente. Depois de olhar para o mar por alguns minutos, ele começou a
roer as unhas novamente. Ele parecia completamente inconsciente do que

26
estava fazendo. "Yoongi." Ele se virou para olhar para mim. "Não..." Minhas
próximas palavras foram interrompidas pelo barulho alto de um som de
perfuração. Nós todos nos viramos ao mesmo tempo. Eles estavam retomando
o trabalho de construção. O estrondo alto soou como se estivesse vindo de
uma rocha maciça que está sendo perfurado e fez o ar ao redor rolar e se
inclinar pesadamente.
Yoongi franziu a testa e bateu no meu ombro. "O que você disse?"
Yoongi murmurou alguma coisa. "Não faça isso." Eu coloquei minhas mãos em
volta da minha boca e gritei. Yoongi não parecia ter me ouvido e balançou a
cabeça novamente, franzindo a testa. Eu ia gritar de novo, mas ele já parou de
roer as unhas. Eu podia ver o mar além de seus ombros. Os incontáveis seixos
rangeram sob meus pés. A rocha deve ter sido enorme, poderosa e velha o
suficiente para fazer os sonhos das pessoas se tornarem realidade. Mas agora
não passava de uma pilha de cascalho. "O mundo é difícil para você também?",
perguntei. Como esperado, o rugido da broca engoliu minha voz. O olhar
confuso de Yoongi me disse que ele não entendia. Eu gritei de novo. "Você
também quer desistir deste mundo?" Ele murmurou algo dessa vez, mas eu
não consegui entender o que era. Eu balancei a cabeça e Yoongi gritou
novamente. Olhando para a nossa mímica, Hoseok e Taehyung caíram na
gargalhada. O riso deles também era inaudível, mas seus rostos revelavam seu
humor.
No minuto seguinte, estávamos todos olhando para o mar e gritando
nossos sonhos. Hoseok cobriu as orelhas com as duas mãos e abriu bem a
boca. Ele parecia estar competindo com o som de perfuração, mas foi
inaudível. Era o mesmo para Taehyung, Jimin, e Namjoon. Cada um de nós
gritou uma história que nunca iria chegar a qualquer destino. Eu estava de pé
atrás de Yoongi e Seokjin no início e passei por eles até o ponto em que as
ondas rolaram. Todos os meus sentidos ganharam vida. As vozes dos outros se
emaranhavam e formaram uma teia intrincada com o perfume um tanto
suspeito, mas refrescante do mar e a forte brisa que serpenteia em volta dos
meus dedos. Antes que eu percebesse, gritava para o mar. Em meio ao som de
perfuração, eu não conseguia nem ouvir qual era o meu sonho.
Então, o som da perfuração parou tão abruptamente quanto havia
começado. O mundo inteiro ficou em silêncio, como se o barulho tivesse sido
cortado com uma faca. Bem desse jeito. Mas nossos gritos não estavam em

27
perfeita ordem. Taehyung tossiu com força como se engolisse pelo lugar
errado enquanto tentava fechar a boca apressadamente. A voz de alguém fez
uma nota absurdamente alta. A palavra foi ouvida como "...por favor!" Por
Seokjin. Instantaneamente, todos nós fechamos nossas bocas. Por um segundo
fugaz, ninguém se mexeu. Então, nós caímos na gargalhada juntos. Nossos
corpos tremeram com nossas risadas, todos apontando um para o outro.
"Vamos tirar uma foto aqui." Por sugestão de Seokjin, nós ficamos em
uma fileira com o mar como nosso fundo. Seokjin ajustou o temporizador e
veio correndo. Clique! Este dia, no calor sufocante do início do verão,
imprimiu-se em nossas memórias nesta foto. A volta foi mais fácil do que a ida.
Justamente quando pensamos que estávamos no meio caminho, o guarda-sol
abandonado apareceu. Logo a estação de trem apareceu.
"Posso ficar com a foto?" Seokjin tirou a polaroid da bolsa e escreveu
"12 de junho" na parte de trás. "Seu sonho que você gritou, ele vai se realizar."
Eu olhei para ele. "Você sabe o que eu disse?" Seokjin apenas bateu no meu
ombro sem dizer nada e caminhou à frente.

28
SEOKJIN
26 de Junho Ano 19
Ninguém estava lá na sala de aula transformada em depósito. Nós nunca
fizemos qualquer compromisso com antecedência, mas a sala sempre estava
cheia e barulhenta. Esse silêncio era raro. Quando entrei, vi um vaso de plantas
perto da janela. Quem poderia ter trazido uma planta aqui? A sala estava
sempre escura, sem eletricidade, e as folhas verdes pareciam ainda mais
verdes à meia-luz, passando pelas janelas sujas. Eu tirei fotos com meu celular.
Como esperado, as fotos não ficaram boas. Eu sempre pensei que as fotos
falham em capturar o que olho humano vê.
Quando me aproximei do pote, pude ver a letra "H" escrita no chão,
metade coberta pelo pote. Eu levantei o pote para descobrir "planta do
Hoseok" escrito lá. Eu ri. Eu deveria saber. Reposicionei o pote para cobrir
completamente o rabisco e olhei ao redor. Eu não tinha notado isso antes, mas
as soleiras das janelas estavam cobertas de grafites e rabiscos. Os peitoris das
janelas, as paredes e até o teto estavam cobertos de frases como “Admissão à
faculdade ou morte!”, propostas de amores não correspondidos, datas e
inúmeros nomes que dificilmente seriam reconhecidos. Esta sala de
armazenamento deve ter servido como uma sala de aula normal como
qualquer outra. Deve ter visto os alunos entrarem para as aulas todas as
manhãs e partirem novamente à tarde. Nos dias de volta à escola, os alunos
devem ter preenchido esta sala, que estava vazio durante os meses de férias,
tagarelando alto. Alguns deles devem ter sido punidos chegarem atrasados e
abandonaram a classe assim como nós. Essa sala de aula viu professores que
usaram violência, testes intermináveis e lição de casa? Havia alunos como eu
que denunciaram seus amigos para o diretor?
De repente, comecei a me perguntar se o nome de meu pai estava na
parede. Meu pai também se formou nesta escola. Ele acreditava que
aumentava o prestígio de nossa família frequentar a mesma escola e
universidade de geração em geração. Eu olhei por todos os nomes e
finalmente encontrei seu nome entre os escritos no meio da coluna da
esquerda. Por baixo do nome dele estava escrito: Tudo começou a partir daqui.

29
Fim do verão,
Início da Solidão

30
TAEHYUNG
20 de Março Ano 20

Eu corri pelo corredor fazendo um barulho e escorreguei no final.


Namjoon estava parado na frente de "nossa sala de aula". Nossa sala de aula.
Isso é o que eu chamei de sala de aula virou que virou depósito. A sala de aula
para todos nós. Eu silenciosamente fui até o Namjoon para tentar tirar seu
boné.
"Diretor!" Ouvi a voz urgente através da janela ligeiramente aberta da
nossa sala de aula depois que eu tinha dado cerca de cinco passos na direção
do Namjoon. Soou como Seokjin. Eu parei lá. Seokjin está falando com o
diretor? Em nossa sala de aula? Sobre o quê? Ouvi o meu nome e o nome de
Yoongi e vi o Namjoon a respirar pesadamente. Sentindo a nossa presença,
Seokjin abriu a porta. Ele tinha um telefone na mão. Ele pareceu surpreso e
confuso.
Eu me escondi em um canto e os observei. Seokjin estava abrindo a
boca, aparentemente para dar uma desculpa para si mesmo, e Namjoon o
interrompeu. "Está tudo bem. Deve ter havido uma boa razão." Não pude
acreditar. Seokjin disse ao diretor o que Yoongi e eu estávamos fazendo nos
últimos dias. Sobre como abandonamos a aula, pulamos a parede da escola e
brigamos. E Namjoon disse que estava tudo bem.
"O que você está fazendo aqui?" Eu me virei de surpreso ao encontrar
Hoseok e Jimin. Hoseok me deu um olhar que disse que ele estava ainda mais
surpreso do que eu e colocou o braço em torno de meus ombros. Ele me
arrastou para a sala. O Namjoon e o Seokjin olharam para nós. Namjoon me
irradiou como se nada de estranho tivesse acontecido. Naquele momento, eu
ordenei meus pensamentos. Namjoon deve ter suas razões. Ele é mais
experiente, inteligente e maduro do que eu. E este é a nossa sala. Caminhei em
direção a Namjoon e Seokjin, sorrindo aquele sorriso bobo que todo mundo
chamava de "sorriso quadrado". Eu decidi não contar a ninguém sobre a
conversa deles que eu acabei de ouvir.

31
NAMJOON
15 de Maio Ano 20

Eu atravessei a sala de aula transformada em depósito, que servia de


esconderijo para nós, arrumando algumas cadeiras ao longo do caminho.
Peguei uma mesa virada e limpei a poeira com as palmas das mãos. Hoje era
meu último dia nessa escola. Minha família decidiu se mudar há duas semanas.
Papai tinha desenvolvido "complicações", que não podíamos pagar. Nosso
aluguel estava atrasado há meses. A boa vontade de nossos vizinhos e o
pagamento do meu emprego de meio período no posto de gasolina não
podiam cobrir tudo. Nós tivemos que nos mudar antes que nosso depósito
acabasse.

Eu dobrei um pedaço de papel ao meio, coloquei na mesa e peguei um


lápis. Eu não sabia o que escrever. Minutos se passaram. Enquanto eu estava
rabiscando no papel, a ponta do lápis estalou. Eu devo sobreviver. Isso foi o
que eu coloquei sem perceber antes de fragmentos da ponta do lápis serem
espalhadas por toda parte.

Eu amasso o pedaço de papel, coloco no bolso e me levanto. A poeira


subiu quando empurrei a mesa. Antes de sair do quarto, soprei a janela e
escrevi quatro palavras. Nenhuma mensagem de despedida seria suficiente
para deixar os outros saberem como eu me sentia. Ao mesmo tempo,
nenhuma mensagem de despedida era necessária para me fazer entender.
"Vejo vocês de novo." Era um desejo, ao invés de uma promessa.

32
JUNGKOOK
26 de Junho Ano 20

Eu alisei as teclas do piano com meus dedos, poeira cobrindo meus


dedos. Eu pressionei as teclas mais fortemente, mas eu não poderia fazê-los
soar como Yoongi fez. Já faz duas semanas que Yoongi parou de vir para a
escola. Dizem que ele finalmente foi expulso. Hoseok não disse nada, e eu não
perguntei.
Naquele dia, duas semanas atrás, Yoongi e eu éramos os únicos na sala
quando o professor entrou. Era dia de casa aberta. Nós fomos lá sem nenhum
plano, nós apenas não queríamos ficar em nossas salas de aula. Yoongi não
olhou para trás e continuou tocando piano. Eu estava deitado em duas mesas
juntas com meus olhos fechados. Algo sobre Yoongi e o piano não pareciam
combinar, mas os dois eram realmente inseparáveis. Eu não fazia ideia de
quanto tempo tinha passado. De repente, a porta se abriu com um som
estrondoso, como se alguém a tivesse quebrado. O piano parou.
Eu continuei recuando enquanto o professor batia no meu rosto até que
eu caí. Sentei-me encurvado, suportando o fluxo incessante de palavras
abusivas. De repente, o professor parou de gritar. Eu olhei para cima para ver
Yoongi entrando entre nós e empurrando o ombro do professor. Eu também
pude ver o olhar surpreso do professor sobre o ombro de Yoongi.
Apertei as teclas e tentei imitar a música que ele tocou naquele dia. Ele
será realmente expulso? Ele nunca mais vai voltar?
Ele disse que estava acostumado a ser atingido e chutado pelos
professores. Se eu não estivesse lá, ele ainda teria se voltado contra o
professor? Se eu não estivesse lá, ele ainda tocaria piano aqui?

33
YOONGI
25 de Junho Ano 20

Assim que entrei na sala, peguei um envelope na gaveta de baixo da


mesa. Peguei a chave de piano meio queimada do envelope, joguei na lata de
lixo e deitei na cama. Eu ainda estava respirando com dificuldade e não
conseguia fazer minha mente parar.

Voltei para a casa incendiada uma vez depois do funeral. Um esqueleto


do que costumava ser um piano ainda estava de pé onde o quarto da mamãe
costumava estar. Eu desabei no chão. A luz do sol da tarde subia pela janela e
depois se dissipou. Levantei a cabeça e vi várias teclas de piano à distância.
Quais eram essas notas? Quantas vezes seus dedos tocaram essas teclas? Me
levantei e coloquei uma das chaves no meu bolso.

Quatro anos se passaram. A casa estava cheia de silêncio. Silêncio que


me deixou louco. Já passava das dez, então meu pai já devia ter ido dormir.
Tudo e todos dentro da casa ficaram parados depois que ele foi. Essa era a
regra. Eu não estava familiarizado com esse silêncio profundo. Ou com ser
pontual e seguir as regras. Era ainda mais insuportável que eu morasse nessa
casa apesar de tudo isso. Eu estava recebendo uma mesada dele, estava
jantando com ele e estava sendo repreendido por ele. Eu às vezes o desafiei e
causei problemas, mas não tive coragem de abandoná-lo, de me afastar e
encontrar a verdadeira liberdade.
Peguei a chave do piano da lixeira debaixo da minha mesa. Quando abri
a janela, o ar da noite entrou. Minha mente reviveu os acontecimentos do dia
em rápida sucessão. Eu joguei a chave do piano para fora da janela com toda
minha força. Tinha passado duas semanas desde que eu fui para a escola. Eles
disseram que eu fui expulso. Eu poderia ser expulso da casa mesmo que eu
quisesse ficar. Eu não consegui ouvir a chave do piano atingir o chão. Agora eu

34
nunca saberia que nota foi feita. Nunca faria um som de novo. Eu nunca
tocaria piano de novo.

35
SEOKJIN
17 de Julho Ano 20

O gemido estridente das cigarras atingiu meus ouvidos assim que saí do
prédio da escola. O parquinho estava cheio de estudantes rindo, brincando e
correndo. Era o começo das férias de verão e todos estavam animados. Eu me
movi rapidamente através da multidão com a cabeça baixa. Tudo que eu
queria era sair de lá.
“Seokjin!” A sombra de alguém pulou no meu caminho, e eu levantei
minha cabeça apressadamente. Era Hoseok e Jimin. Eles estavam sorrindo seus
grandes e bondosos sorrisos como sempre e olhavam para mim com olhos
travessos. "Você não vai direto para casa no primeiro dia de férias, vai?"
Hoseok disse, puxando meu braço. Eu murmurei algo que soou como "sim" e
desviei minha cabeça.
O que aconteceu naquele dia foi um acidente. Eu não queria que isso
acontecesse. Eu não achava que Jungkook e Yoongi estariam lá na sala de aula
transformada em depósito naquela hora. O diretor suspeitava que eu estava
cobrindo os outros. Ele ameaçou dizer a papai o quanto eu estava mal na
escola. Eu tinha que dizer alguma coisa. Contei sobre o nosso esconderijo
porque pensei que estaria vazio. Mas Yoongi acabou sendo expulso. Ninguém
sabia que eu estava envolvido nisso.
"Tenha boas férias! Vamos manter contato." Hoseok deve ter lido meu
rosto. Ele lentamente soltou minha mão e disse adeus ainda mais
intensamente. Não pude responder. Não havia nada que eu pudesse dizer.
Minha primeira vez nesta escola passou pela minha cabeça quando passei pelo
portão da escola. Estávamos todos atrasados e fomos castigados. Mas
estávamos juntos, então podíamos rir juntos. Eu arruinei todas aquelas
memórias que compartilhamos. Depois que decidi viver como meu pai queria,
depois que decidi não perseguir a felicidade, eu tentei abraçar o mundo.

36
HOSEOK
15 de Setembro Ano 20

A mãe de Jimin atravessou a sala de emergência em direção à cama. Ela


verificou o crachá no pé da cama e os IVs pendurados acima dele e removeu
um pedaço de grama seca do ombro de Jimin. Eu hesitantemente caminhei em
direção a ela e me inclinei. Eu senti que tinha que dizer a ela por que Jimin
acabou na sala de emergência e como ele teve uma convulsão no ponto de
ônibus. A mãe de Jimin pareceu perceber que eu estava lá pela primeira vez.
Mas ela imediatamente desviou os olhos depois de dizer um rápido
agradecimento sem esperar que eu explicasse.

Não foi até que os médicos e as enfermeiras começaram a mover sua


cama que eu estava prestes a seguir que a mãe de Jimin olhou para mim
novamente. Ela me agradeceu mais uma vez e empurrou meu ombro. No
segundo pensamento, ela não me empurrou. Ela apenas colocou a mão no
meu ombro e rapidamente a removeu. Naquele momento fugaz, uma linha foi
traçada entre nós. Essa linha era firme e sólida. Era frio e indeletável. Nunca
conseguiria atravessar aquela linha. Vivi em um orfanato por muitos anos. Eu
podia reconhecer linhas como essas com todos os meus sentidos, ver nos olhos
das pessoas e senti-las na atmosfera.
Eu recuei de forma desconcertada e caí para trás. A mãe de Jimin apenas
olhou para mim sem expressão. Ela era pequena e bonita, mas sua sombra era
grande e fria. Aquela grande sombra me cobre enquanto eu me sento
encolhido no chão da sala de emergência. Quando olhei para cima, a cama de
Jimin se foi.

37
JUNGKOOK
30 de Setembro Ano 20

"Jungkook, você ainda vai lá, não é?" Eu apenas olhei para a ponta do
meu tênis. Me recusei a responder, então a professora bateu na minha cabeça
com o livro de presença. Eu ainda não desisti. Era onde saímos. Desde que
entrei pela primeira vez naquela sala, não se passou um dia sem que eu
parasse. Os outros não sabiam. Eles tinham outros planos e empregos de meio
período e nem sempre apareciam. Yoongi e Seokjin às vezes não apareciam
por dias. Mas eu era diferente. Eu fui lá sem exceção. Houve dias em que
ninguém mais veio. Isso estava bem comigo. Estava tudo bem porque aquela
sala estava lá e porque os outros apareceriam mais tarde, ou amanhã, ou no
dia seguinte.
"Eu sabia que você estava saindo com as pessoas erradas" O livro de
chamadas bateu na minha cabeça novamente. Quando levantei os olhos e
olhei para a professora, o livro de presença voltou a bater na minha cabeça. A
cena do Yoongi apanhando inundou minha mente. Eu cerrei meus dentes e me
contive. Eu não queria mentir e dizer que não fui lá.
E então eu estava em pé na frente da sala. Parecia que os outros
estavam do outro lado da porta. Quando a porta se abre, eles olham para trás
e reclamam do porquê eu ter demorado tanto. Seokjin e Namjoon devem estar
lendo, Taehyung deve estar jogando um jogo, Yoongi deve estar na frente do
piano, e Hoseok e Jimin devem estar dançando.
Mas, quando abri a porta, só o Hoseok estava lá. Ele veio para limpar o
que restava de nossas coisas. Eu fiquei congelado com a mão na maçaneta.
Hoseok veio em minha direção, colocou o braço sobre os ombros e me levou
de volta para fora. "Vamos." A porta da sala se fechou atrás de nós. Eu percebi
então e ali. Aqueles dias se foram e nunca mais voltariam.

38
Eu Devo Sobreviver

39
NAMJOON
17 de Dezembro Ano 21

Continuei a diminuir o ritmo e finalmente parei. Era madrugada em uma


vila onde até os ônibus não circulam com frequência. A vila inteira estava
coberta de neve luminosa que caíra a noite toda. As árvores estavam curvadas
como enormes feras brancas e balançavam como cabelo toda vez que o vento
soprava. Eu sabia, sem olhar para trás, que eu era o único a deixar pegadas no
campo de neve da aldeia. Ambos os meus pés estavam molhados por causa
das solas rachadas dos meus tênis. Certa vez, ouvi dizer que Deus nos faz
solitários para nos conduzir a Ele. Mas eu não estava solitário. Eu não estava
seguindo o caminho para mim mesmo. Este foi um recuo. Eu estava fugindo de
mim mesmo.
Minha família chegou a esta aldeia no último outono. A quantidade de
pertences que trouxemos continuou a ficar menor a cada vez que nos
mudávamos para uma nova cidade. Agora só precisávamos de uma pequena
van de entrega para nos mudarmos. Nós não estávamos em posição de ser
exigente sobre onde vivíamos. Havia apenas duas condições. Um era um
hospital para o pai, e o outro era um empregador que estava disposto a
contratar alguém sem um diploma do ensino médio.
Esta aldeia tinha ambos. O ônibus que funcionava duas vezes por dia
parou em frente ao hospital administrado pelo condado, e uma série de
pequenos restaurantes se alinhava no córrego atrás da cidade. Esses
restaurantes vendiam guisados e frituras feitos com pequenos peixes
capturados no rio, e os meses de verão eram a alta temporada.
Multidões procurando uma excursão à beira d'água chegavam de
cidades próximas, e a demanda por entregas para aqueles que ficavam na
aldeia com a área de descanso na cordilheira montanhosa era alta. Durante o
inverno, quando a corrente congelava, os restaurantes utilizavam peixes
preservados capturados no verão. Não havia tantos turistas quanto no verão,
mas os pedidos de entrega continuavam estáveis. Eu era um dos entregadores
da cidade.

1) Deminan por Hermann Hesse

40
Claro, havia competição aqui também. A maioria das famílias subsistia
da agricultura e, como se pode imaginar, não era tão rica. O serviço de entrega
era o único emprego a tempo parcial disponível para os meninos da cidade.
Proprietários de restaurantes nos fizeram competir uns contra os outros. “Não
é natural que eu contrate quem mais me impressiona?” Para eles, não
importava que fossemos menores e não tivéssemos carteira de motorista. Os
garotos que já haviam sido contratados agiram de forma muito territorial. Eles
eram apenas alguns, mas eles me ameaçaram com um trote severo.
Durante as férias, a competição ficou mais acirrada. Nós
voluntariamente e competitivamente executamos recados e tiramos o lixo
para os proprietários. Sua conivência só nos levou mais longe. E, no entanto,
quase inesperadamente, chegamos a desenvolver uma espécie de
solidariedade entre nós. Nós éramos rivais, mas tínhamos uma espécie de
simpatia um pelo outro. Se um de nós não aparecesse, o resto se perguntava o
que havia acontecido. Eles também me lembraram do tempo que passei
naquela sala de aula transformada em depósito na escola. Alguns deles se
pareciam com o Yoongi e outros com o Jimin. Eu não pude deixar de me
perguntar. Se meus amigos da escola tivessem se encontrado aqui nesta vila,
nós competiríamos e tentaríamos nos superar? Se eu tivesse conhecido esses
meninos de entrega na escola, teríamos nos tornados amigos?
A neve caía pesadamente quando a competição, os instintos territoriais
e o estranho senso de solidariedade atingiram seus picos. Então, a competição
diminuiu instantaneamente. Uma moto scooter era uma obrigação para fazer
entregas para a aldeia com área de descanso, mas era perigoso pilotar na trilha
montanhosa coberta de neve. A trilha que levava à vila com a área de descanso
era íngreme e sinuosa. Entregar a pé não era uma opção.
No final, foi um confronto entre Taehyung e eu. Taehyung era dois anos
mais novo e morava nos arredores da aldeia perto do pomar. Taehyung não
era seu nome verdadeiro. Era Jongsik ou Jonghun. Mas me lembrava do
Taehyung. Ele não tinha aquele sorriso tolo ou facilmente se abria para
qualquer um com sua natureza gentil e ingênua. Em vez disso, ele sempre
parecia agressivo, irritado e descontente. Do lado de fora, ele parecia
semelhante a Yoongi , mas curiosamente, ele me lembrou mais de Taehyung.
Taehyung e eu éramos os únicos pobres o suficiente para assumir o risco
e continuar fazendo entregas para aquela cidade montanhosa coberta de neve.

41
Foi o mesmo naquele dia. Quando outro pedido chegou para o restaurante, eu
estava perambulando pelo rio. Ninguém mais havia aparecido, já que o boletim
meteorológico previa neve pesada à tarde. Taehyung apareceu alguns minutos
depois. Em vez de entrar no restaurante e conversar como sempre, ele
simplesmente caiu no chão perto da ponte e não se mexeu. Foi um daqueles
dias. Aqueles dias em que seu rosto estava cortado e machucado. Aqueles dias
em que seus olhos estavam vermelhos e suas roupas estavam manchadas de
sangue. Havia algo de errado com ele? Alguém estava batendo nele? Eu não
perguntei.
Começou a nevar enquanto eu esperava a comida ser preparada. No
mesmo momento senti algo frio roçar no meu pescoço, a neve começou a cair
mais pesada. "Você tem certeza que vai ficar bem?" O dono colocou a cabeça
para fora. Taehyung ficou de pé e eu virei meu rosto para ele. "Claro!" Nós dois
respondemos simultaneamente. "Você nunca sabe quanto mais neve vai cair
desse tipo de céu", disse alguém dentro do restaurante. “Apenas começou a
cair. Volto em um minuto." O proprietário olhou para o meu rosto com um
olhar duvidoso. "Mas você ainda não é tão bom em pilotar a scooter."
Taehyung se aproximou, dizendo que tinha andado de scooter muitas vezes. O
dono clicou a língua quando viu seu rosto. “Não, você não vai hoje. Você vai
descansar.” Eu não perdi minha oportunidade e entrei. “Há uma primeira vez
para tudo. Hoje é o primeiro dia que faço uma entrega na neve. Você sabe que
sou muito cauteloso.” O proprietário cedeu. “Venha aqui. Você terá que fazer
algumas viagens de ida e volta, então tenha cuidado.”
Eu podia sentir o olhar de Taehyung me seguindo nas minhas costas
enquanto eu entrava no restaurante. Ele pairou em volta de mim enquanto eu
embalava a comida preparada e a colocava no recipiente. Foi estranho.
Taehyung geralmente era orgulhoso demais para agir assim. Quando olhei de
volta para ele, ele deu um passo em minha direção como se tivesse algo a
dizer. Então, ele se virou novamente. O proprietário continuou me
incomodando sobre a condução em uma estrada coberta de neve. Eu fingi
ouvir, entusiasticamente balançando a cabeça. Dirigir uma scooter não era
algo que exigisse tanta atenção, habilidade e estresse.
Ao contrário do que eu pensava, não era fácil subir a encosta através de
rajadas de neve em uma scooter. A neve não tinha começado a ficar na
estrada, mas meus nervos estavam no limite porque flocos pesados voavam

42
em todas as direções. A scooter decrépita subiu a ladeira. Era como se a
scooter estivesse agarrada a mim. Estava frio, mas eu estava pingando de suor
e todos os meus músculos se apertaram. No minuto seguinte, meu suor secou
e senti um frio nas minhas costas. Eu continuei repetindo um pensamento para
mim mesmo. Eu tenho subido e descido esta estrada sem problemas todos os
dias do outono e até o início do inverno. Além disso, a neve não está aderindo
e a estrada não é escorregadia.
A scooter escorregou desamparadamente durante a terceira viagem. Eu
tinha começado a ganhar confiança e pensar que eu era muito bom em
manobrar a scooter em um dia de neve. Como a neve caía por um tempo e a
estrada tinha pouco tráfego, começou a se acumular aqui e ali. Mas ainda
estava bem no centro da estrada, e a inclinação não era tão íngreme. Então,
assim que esse pensamento passou pela minha cabeça, a roda traseira
deslizou. Assustado, eu apertei o freio com força. Eu estava segurando-os com
muita força? Esse pensamento encheu minha cabeça. Eu acho que lembro do
proprietário dizendo algo sobre os freios. Os avisos do dono que eu tinha
escutado sem prestar atenção passaram pela minha cabeça. A scooter pareceu
recuperar o controle por um momento, mas as rodas começaram a deslizar
antes que eu pudesse soltar um suspiro de alívio. Na próxima respiração, eu fui
arremessado na estrada. Eu caí como se a scooter tivesse me empurrado o
mais forte que podia. A scooter deslizou pela estrada sozinha e deve ter
esbarrado em alguma coisa. Eu ouvi um barulho alto.
Eu levantei. Eu não podia me dar ao luxo de checar se estava ferido ou
se doía. Corri para a scooter, que estava de lado debaixo de uma árvore do
lado direito da estrada. Estava coberto de folhas caídas. Eu levantei a scooter
para descobrir um arranhão profundo e imperdível no fundo do corpo. Eu
coloquei a chave e a virei. Não ligou. Suor rolou pela minha nuca. Cada
articulação do meu corpo doía. Eu fui tomado pelo medo. Não havia como eu
pagar pela scooter.
Virei a chave novamente, desta vez chutando o motor. O motor pareceu
chocalhar e ligar, mas morreu com a mesma rapidez. Xinguei sob a minha
respiração, fechei os olhos e chutei o chão o máximo que pude. Minha mão,
que segurava a chave, não conseguia parar de tremer. Os rostos dos meus pais
e irmão passaram por ele. Eu olhei para o céu e peguei minha inteligência. Eu
apertei e abri meus punhos. Então, girei a chave novamente.

43
O motor finalmente ligou após várias tentativas. A scooter ganhou vida,
soando como o grito de um animal doente. Eu desmoronei no chão. Eu estava
esgotado. O arranhão profundo estava ao nível dos olhos. Eu pulei e esfreguei
com força com a ponta do meu tênis. Era uma velha scooter, já coberta com
vários amassados e arranhões. Pode passar despercebido.
Quando fiquei de pé, um dos meus tornozelos formigou de dor. Só então
comecei a checar minha condição. Felizmente, não houve feridas graves. Havia
um pequeno corte acima do osso do tornozelo esquerdo que estava
sangrando. Minhas coxas e cintura poderiam doer na manhã seguinte, mas eu
já estive nessa situação antes.
Taehyung me observou estacionar a scooter e entrar no restaurante. Ele
notou? Eu fiquei nervoso, mas conversei com o proprietário o mais
casualmente possível. O próximo pedido de entrega veio em breve. Eu tive que
sair de novo antes mesmo de me aquecer.
"Ei..." Taehyung falou comigo quando me aproximei da scooter. Ele viu o
arranhão? Eu respondi em uma voz deliberadamente alta. “O quê?” Depois de
alguma hesitação, Taehyung continuou. “Eu tenho um favor para pedir.”
“Favor? Que favor?" Foi quando meu telefone tocou. Eu levantei uma mão
para silenciá-lo e me virei. Era minha mãe. Papai tentou sair sozinho e caiu. Ela
me pediu para levá-lo ao hospital. Eu fechei meus olhos. A raiva subiu. Eu
cerrei meus dentes. Eu podia sentir meu aborrecimento lentamente saindo do
meu estômago. Flocos de neve, agora visivelmente maiores, caíram no meu
rosto. Eu estava subindo e descendo a estrada escorregadia nesse clima para
ganhar quase nada. O corte no meu tornozelo esquerdo doía e minhas coxas
estavam queimando. Mas eu estava me preparando para montar aquela
scooter novamente. Era a única maneira de ganhar um pouco de dinheiro hoje.
Eu pude entender por que ele tentou andar sozinho. Foi seu último
orgulho como chefe de nossa família e sua tentativa de manter sua dignidade
como pai. Mas não podíamos permitir tais luxos em face da pobreza.
Dignidade, orgulho, senso de justiça e moral apenas levaram a um fardo maior
e mais dinheiro para gastar. Quando abri meus olhos, Taehyung estava
olhando para mim. Eu entreguei a ele a chave.
Quando meu pai e eu saímos do ônibus do hospital, o sol já estava se
pondo. Os grandes flocos de neve de antes continuaram a crescer e criaram

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nevascas. O ônibus se arrastou. Demorou o dobro do tempo para chegar ao
hospital e voltar para casa. Eu andei para casa carregando meu pai nas minhas
costas com ninguém à vista para segurar um guarda-chuva para nós. Meu
cabelo estava úmido e minhas mãos segurando-o estavam dormentes de frio.
Eu fiz uma pausa sob uma árvore zelkova após a entrada no aterro. Eu
recuperei o fôlego e olhei para cima. Uma vista panorâmica da vila encontrou
meus olhos. A vila coberta de neve parecia tranquila e pacífica. Luzes quentes e
amarelas passavam pelas janelas de diferentes casas aqui e ali. O cheiro de
arroz cozido no vapor e guisado aguçou meu apetite. Quando entramos no
beco depois de cruzar a ponte, os cachorros começaram a latir. Embora
estivéssemos vivendo nesta aldeia há vários meses, os cães ainda latiam para
mim como um estranho. Mamãe pulou quando nós entramos. "Ele precisa
receber tratamento ambulatorial por pelo menos mais três dias." Eu coloquei
meu pai em seu quarto e fui para fora. Ainda não há sinal da neve diminuindo.
"Por que você me odeia tanto? Me deixe pelo menos saber o motivo.” Eu gritei
para os cães latindo. Eu ouvi sobre o acidente do Taehyung no dia seguinte.
Quando eu passei pelo restaurante ao longo do rio, vi o proprietário
conversando com um policial. Eu instintivamente congelei. Eu pensei que ele
tivesse vindo por mim. Eu tinha danificado a scooter no dia anterior. Eu
poderia ter problemas por dirigir com menos idade e sem carteira de
motorista. Eu deveria correr de volta para casa? Mas o ônibus não viria por
horas. Simplesmente não era possível fugir com meu pai na condição que
estava.

"Você ouviu?" Era o dono de outro restaurante ao lado. Ele disse que o
acidente aconteceu quando Taehyung estava descendo a montanha após a
entrega. Seu corpo estava ali por mais de três horas até que alguém em um
carro que passava o encontrou. Um residente na cidade, com a área de
descanso, chamado dono do restaurante, mas ninguém saiu para encontrá-lo.

O policial disse que Taehyung era um motorista desqualificado. Ele


também o culpou por não usar um capacete. Eu vi um capacete, que nunca
tinha visto antes, colocado no balcão do restaurante. O dono continuou
dizendo que ele nunca forçou Taehyung a sair e até tentou convencê-lo a
desistir. Era verdade. Taehyung e eu insistimos que estávamos bem com isso.

45
Todos os vizinhos se intrometeram. Era uma pequena aldeia onde todos
conheciam todos os outros. Eles tinham pelo menos uma lembrança ou duas
sobre todo mundo lá, fosse sobre uma briga, uma fofoca ou uma traição. Uma
série de episódios sobre ele veio fluindo. Ele morava com a mãe e a irmã e não
tinha pai.
A mãe de Taehyung se contorcia em agonia em um banco em frente ao
restaurante e lamentou. Traga meu filho de volta. Traga meu pobre filho de
volta. É uma morte injusta... a princípio, os vizinhos tentaram acalmá-la e
choraram com ela. Mas estava frio e o sol se punha cedo. À noite, a mãe de
Taehyung foi deixada sozinha, e o cheiro da comida do jantar fluiu através das
janelas como sempre. Toda vez que o vento soprava nas árvores ao longo do
córrego, a neve caía em pedaços. Ela apenas ficou sentada no meio da neve.
Eu a vi sentada sozinha enquanto levava meu pai para casa do hospital.
Sem perceber, parei de andar lembrando o local do acidente. Depois de ouvir
sobre Taehyung, eu caminhei sozinho ao longo da trilha. Minha respiração
congelou e caiu no chão como cristais de gelo. A forma de Taehyung
desenhada em um contorno branco na estrada estava meio apagada. Eu parei
a seus pés. Folhas úmidas rolavam e os traços acinzentados de cloreto de
cálcio foram deixados para trás. Isso poderia ter sido eu deitado lá. Se eu
tivesse feito essa entrega, se tivesse sido eu em vez de Taehyung, então este
seria o meu esboço. Poderia ter sido minha família chorando naquele banco
em vez da família de Taehyung.
Eu inclinei meus passos depois que meu pai tossiu violentamente.
"Namjoon". Meu pai me chamou quando estávamos prestes a entrar no beco
depois de atravessar a ponte. Assim que abrandei o meu ritmo, os cães
começaram a latir. Meu pai continuou com a voz fraca e frágil. Era quase
inaudível, perdido no meio do latido feroz. Fingi que não o tinha ouvido.
Mais uma semana se passou. A vila rapidamente voltou ao normal. A
mãe de Taehyung às vezes chorava amargamente na frente do restaurante,
mas ninguém compartilhava sua tristeza. As pessoas simplesmente esnobaram
a irmã de Taehyung até que ela a levou embora. Alguns disseram que foi
apenas um acidente de trânsito. Comecei a trabalhar em outro restaurante. Na
verdade, fui encarregado de todas as entregas para a aldeia com a área de
descanso. Mais uma forte nevasca se seguiu, e a trilha continuou congelando e

46
descongelando. As ordens de pedido só estavam chegando agora, mas
ninguém se inscreveu para fazer o trabalho de entrega. Fiz cinco ou seis
entregas por dia, e minha renda aumentou muito. Eu sempre me certifiquei de
usar o capacete e o equipamento de proteção. Eu nunca tirei meus olhos da
estrada com todos os nervos em atenção.

Ontem à noite fiz minha última entrega. Eu não sabia que seria a minha
última na época, mas era. A área de descanso fechava para os meses de
inverno de qualquer maneira. Quando subi lá, as pessoas estavam reunidas no
escritório. Eles pareciam estar discutindo as vendas da instalação. Eu não
reconheci alguns dos rostos. Eles devem ser estranhos que acabaram de se
mudar. Enquanto eu entregava a comida e peguei o dinheiro, um deles
começou a falar sobre o acidente de Taehyung. Outro estranho estalou a
língua e mencionou o quão perigoso era pilotar uma moto em um dia de neve.
O estranho que mencionou o acidente de Taehyung pela primeira vez me
avisou para sempre tomar cuidado extra. O agradeci por se preocupar comigo.
Mas eu não quis dizer isso. Se ele estava tão preocupado com a encosta
coberta de neve e minha segurança, ele não deveria ter pedido comida em
primeiro lugar.

"Você sabe o que é realmente perigoso?" O estranho soltou antes de eu


fechar a porta atrás de mim. “Cloreto de cálcio e folhas molhadas, não a
própria neve. A menos que você seja um bom piloto, você vai derrapar se você
pisar neles. Não nevou naquele dia? Então, ele deve ter...” Suas últimas
palavras não foram ouvidas quando a porta se fechou. Eu atravesso a área de
descanso vazia e sombria. Passei pela lanchonete estreita e pelo balcão de
descontos das especialidades locais e segui para a saída.

Eu desci as escadas uma de cada vez. Estava abaixo de zero, mas não
parecia tão frio. A chave continuava escorregando dos meus dedos e eu
continuava girando sem sucesso. Eu apertei e abri meu punho. A velha scooter
sacudiu como louca e finalmente começou. Eu saí da área de descanso
lentamente. Uma curva começou na no poste de sinalização da área de

47
descanso. Fiz uma curva à direita num círculo largo, desci por uma seção reta
curta e virei para outra curva que serpenteava para a esquerda. Este foi o local
onde eu escorreguei primeiro e então Taehyung teve problemas.

Eu mantive meus olhos para frente e rapidamente passei pelo local.


Tentei me convencer de que não estava tirando os olhos da estrada para ficar a
salvo, mas era culpa. Culpa por sobreviver sozinho. Culpa por me sentir
aliviado por ser eu que ainda estava vivo. Culpa por não poder seguir em
frente. Culpa por não falar nada para defender suas habilidades de condução e
por não confessar que eu nunca tinha visto um capacete no restaurante. Talvez
eu fosse apenas um hipócrita fingindo ter consciência culpada.

Eu tinha espalhado as folhas molhadas no local onde Taehyung caiu. Eu


não queria que isso acontecesse, mas eu era responsável por tudo isso. Fui eu
quem salpicou o cloreto de cálcio. Com boas intenções, para evitar que a
estrada ficasse congelada. Na verdade, fiz isso por mim mesmo porque
realmente acreditava que faria a próxima entrega e a seguinte. "Você sabe o
que é realmente perigoso?" O que eu ouvi na área de descanso repassou em
minha mente. "Ele deve ter andado sobre ele e escorregou." Se eu tivesse
removido as folhas, se eu não tivesse polvilhado cloreto de cálcio, ele estaria
seguro?

Várias pessoas já estavam na parada do ônibus, esperando pelo primeiro


ônibus do dia. Eu balancei a cabeça em saudação e depois me mantive de
cabeça baixa. Tentei não fazer contato visual com ninguém. O primeiro ônibus
do dia apareceu.
O ônibus gradualmente parou. Com a cabeça baixa, embarquei depois
dos outros passageiros. Eu não tenho um plano específico. Eu estava apenas
fugindo. Do rosto exausto da mamãe. De meu irmão perdendo o rumo. Do
meu pai lutando contra sua doença. Da fortuna de nossa família indo ladeira
abaixo. Da minha família exigindo sacrifício e obediência de mim. De mim
tentando renunciar ao meu destino. E, acima de tudo, da pobreza. A pobreza
come o coração da vida. Transforma o que é precioso em algo sem sentido.

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Isso faz você desistir do que não deveria desistir. Isso faz você duvidar, temer e
se desesperar.

Ontem à noite, saí da área de descanso, deixei o restaurante e fui para


casa. Não me lembro quem eu encontrei e o que eu falei e pensei no meio
disso. Meu corpo e mente pareciam entorpecidos por inteiro. Eu não sabia
dizer se estava ventando, se estava frio, como cheirava ou quem eu
encontrava. Meu cérebro parecia ter congelado. Eu estava me movendo
mecanicamente como um zumbi esquecido de quem eu sou, o que eu fiz, o
que estou fazendo e o que estou pensando. Foram os cachorros latindo que
me sacudiram na entrada do beco que levava para casa. Naquele momento,
todos os meus sentidos, que haviam sido paralisados, despertaram de uma só
vez e inúmeras cenas do meu passado se espalharam diante dos meus olhos:
os dias pulando de um lugar para outro, no momento em que escorreguei na
estrada, me arrastando para o restaurante proprietário e competir com outros
meninos para conseguir os empregos de entrega, os garotos que riram de mim
e eu olhando para os meus colegas nos uniformes escolares que esperavam o
ônibus. O som dos cães latindo e a visão de seus olhos ameaçadores cheios de
ódio foram adicionados a essas cenas.

Eu quase gritei: “Pare com isso! O que você quer que eu faça?” Mas eu
me segurei. A voz do papai tocou nos meus ouvidos. A voz débil e fraca do meu
pai. Pensei no que ele me dissera naquela noite em que chegamos do
hospital... o que eu fingi não ouvir, mas ouvi claro como o dia através do latido
dos cachorros. O que eu tinha vivido repetidamente desde aquele dia, o que
eu tentei não pensar. “Vá Namjoon. Você deve sobreviver.”

O ônibus partiu, previsto para chegar a Songju algumas horas depois. Eu


não deixei uma mensagem quando deixei Songju há um ano. Agora estou
voltando para a cidade sem aviso prévio. Eu pensei em meus amigos. Eu não
mantive contato com nenhum deles. Eu me perguntava o que eles estavam
fazendo e se eles ainda estavam lá. Eu não podia ver do lado de fora através da

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janela coberta de gelo. Eu escrevi lentamente na janela com o dedo indicador.
"Eu preciso sobreviver."

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O Que Procurar Quando Estiver Perdido

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HOSEOK
2 de Março Ano 22

Eu gostava de me misturar com as pessoas. Assim que saí do orfanato,


comecei a trabalhar no Two Star Burger como temporário. Eu tive que lidar
com inúmeras pessoas, sorrir constantemente e sempre parecer enérgico. Eu
amei esse trabalho. Houve poucas coisas que me fizeram sorrir ou me sentir
enérgica em minha vida. Eu me deparei com mais pessoas más que pessoas
boas. Deve ter sido por isso que eu gostei daquele trabalho tão pesado.
Enquanto sempre arrancava uma risada, deliberadamente falando em um tom
mais alto, e fingindo ser alegre na frente dos clientes, eu realmente mudei. Eu
me senti melhor depois de rir em voz alta e me tornei mais gentil ao trabalhar
duro para atender os clientes de uma forma amigável. Claro, houveram dias
difíceis. Requeria toda a minha energia para dar cada passo no meu caminho
para casa no final do dia. Às vezes sofria bullying de clientes. Mas eu apenas
sorri e ri. Rir me deu uma nova energia.

Eu me formei no ensino médio em fevereiro. Um diploma do ensino


médio não trouxe muita mudança. Só me deixa trabalhar mais horas na
lanchonete. Eu fiz um pouco mais de dinheiro, mas ainda não foi o suficiente
para mudar para um quarto melhor. Com o início do novo semestre, o Two
Star Burger estava cheio de calouros que pareciam confusos e veteranos
tentando parecer maduros. Eles eram todos fofos. Nós costumávamos ser
como eles uma vez. O que os outros estão fazendo? Eu pensava neles de vez
em quando.

A última vez que vi Seokjin foi o começo das férias de verão. Ele parecia
estar me evitando, então eu mantive distância. Soube depois que ele foi
transferido para outra escola. Yoongi, como de costume, não respondeu às
nossas ligações, e ninguém sabia o que aconteceu com Namjoon. Taehyung,
que gostava particularmente de Namjoon, começou a abandonar a escola e
chegou a dizer que estava dentro e fora da delegacia de polícia por grafitar na

52
rua. Jungkook ocasionalmente aparecia diante da porta de vidro da
lanchonete. Parecia que ele estava sempre se metendo em brigas, já que ele
geralmente tinha cortes e contusões no rosto. Quanto a Jimin, a última vez que
o vi foi quando ele foi levado da sala de emergência. As lembranças daquele
dia frequentemente passavam pela minha cabeça e me assombravam. Fiz algo
de errado? Perdi alguma coisa?

Outro cliente entrou na loja. Eu respirei fundo e o cumprimentei em um


tom alto. Eu abri um grande sorriso e olhei para a porta. Era alguém que eu
conhecia.

53
TAEHYUNG
29 de Março Ano 22

Depois que o dono do posto de gasolina cuspiu no chão e saiu, eu


apenas continuei deitado chão. Ele me pegou pichando na parede do fundo e
me espancou sem piedade. Eu pensei que estava acostumado a apanhar, mas
acabou que não estava.

Comecei a grafitar há algum tempo. Eu, sem pensar, peguei a lata que
alguém jogou fora e borrifei tinta na parede. A tinta amarela pulverizada em
uma parede cinza destacava-se distintamente. A visão pareceu estranhamente
desconfortável. Peguei outra lata de tinta e espalhei sobre a tinta amarela. Eu
também não gostei. Logo, eu tinha usado todas as latas. Depois que a última
acabou, joguei no chão e dei um passo para trás. Eu estava sem fôlego como se
tivesse acabado de correr a toda velocidade.

Eu não sabia o que as cores na parede significavam. Eu também não


sabia o que eu havia desenhado. Mas eu poderia dizer que isso mostrava o
estado da minha mente. Eu tinha jogado minha mente na parede. No começo,
achei feio. E sujo. E estúpido, inútil e lamentável. Eu não gostei disso. Eu
esfreguei a tinta molhada com a palma da minha mão. Eu queria apagar tudo.
As camadas de tinta borraram e se misturaram para criar mais combinações de
cores. Mas não consegui apagar. Eu me sentei e encostei na parede. Não
importava se eu gostava ou não. Não importava se era feio ou bonito. Estava lá
como uma parte de mim.

Eu sentei e comecei a tossir. Sangue espirrou na palma da minha mão. A


mão de alguém pegou uma lata de spray. Levantei a cabeça seguindo a mão e
um rosto familiar surgiu à vista. Era Namjoon. Ele estendeu sua mão. Eu
apenas continuei olhando para ele. Namjoon me puxou para cima. Sua mão
estava quente.

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YOONGI
7 de Abril Ano 22

Parei ao som de uma performance de piano desajeitada. Na calada da


noite, uma fogueira em um tambor de metal produziu sons estridentes no
meio de um canteiro de obras vazio. Reconheci a melodia como uma que
estava tocando há pouco tempo, mas fiz pouco disso. Eu andei
descuidadamente com meus olhos fechados. Eu estava bêbado, cambaleando
e tropeçando. Com o calor do fogo, o som do piano, o ar da noite e o efeito do
álcool se dissiparam.

Fui de encontro ao som de buzina alta. O carro mal tinha me errado. As


luzes ofuscantes dos faróis, o vento agitado pelo carro, e zumbido insistente do
álcool, tudo me fez sentir tonto. Eu ouvi o motorista xingar. Eu estava prestes a
vomitar quando percebi que não podia mais ouvir o piano. Nenhum piano,
apenas o crepitar do fogo ardente, o zumbido do vento e o som dos carros
passando. Por que isso parou? Quem estava tocando?

Uma chama saltou do tambor com uma rachadura e voou para o céu
escuro. Eu olhei inexpressivamente para a chama virando cinzas e caindo no
chão, meu rosto corado pelo calor do fogo. Naquele momento, ouvi um
estrondo, como se alguém tivesse batido as teclas do piano com os punhos.
Olhei em volta instintivamente. Meu sangue subiu pelo meu corpo. O
pesadelo. Eu tive na minha infância. Foi o som que eu ouvi naquele pesadelo.

Eu comecei a correr em direção à loja de música. Eu não estava no


controle, meu corpo apenas se movia por conta própria. Eu senti como se
tivesse feito isso inúmeras vezes. Eu não tinha certeza do que era, mas parecia
que tinha me esquecido de algo inestimável.

Alguém estava sentado na frente de um piano na loja de música com


uma janela quebrada. Fazia vários anos, mas reconheci o rosto dele
imediatamente. Eu desviei meus olhos. Eu não queria me envolver na vida de

55
outra pessoa. Eu não queria ser importante para alguém. Eu não tinha certeza
se poderia proteger aquele alguém até o fim. Eu não estava confiante de que
poderia ficar ao lado daquele alguém até o fim. Eu não queria magoar alguém.
Eu não queria me machucar. Já é difícil para nós tentar nos salvar quando o
último momento chegar, quanto mais outra pessoa.

Eu inclinei meus passos. Eu ia me virar e sair sem olhar para trás. Mas eu
estava me aproximando do piano antes de perceber. Eu apontei a nota errada.
Jungkook olhou para mim. Foi a primeira vez que nos vimos desde que eu saí
da escola.

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SEOKJIN
11 de Abril Ano 22

Com um grito agudo, o carro malparou a tempo. Eu não vi o semáforo


mudar, distraído por outros pensamentos. Alunos vestidos com uniformes
escolares familiares olhavam para mim pela janela do carro enquanto
atravessavam a rua. Alguns me olhavam com raiva, alguns riam animadamente
como se fizessem piadas com os amigos, alguns andavam com os olhos fixos
nos livros, e alguns davam uma olhada enquanto falavam ao telefone. Todos
eles formaram uma cena pacífica.

Quando o sinal de "Andar" começou a piscar, carros impacientes


começaram a se mexer. Aqueles que pularam na faixa de pedestres no último
minuto se apressaram. Eu pisei no acelerador.

Eu cheguei no cruzamento com o posto de gasolina rapidamente. Eu vi


Namjoon enchendo o tanque de um carro à distância. Eu apertei o volante. Eu
sabia o que fazer, mas isso não significava que eu não estivesse com medo. Eu
seria capaz de pôr fim a esta série de má sorte e dor? Falhas repetidas não
significam que não a possibilidade de sucesso? Isso não significa que devemos
desistir? A felicidade é realmente uma esperança vã para nós? Minha cabeça
latejava com esses pensamentos.

Eu respirei fundo e exalei devagar. Pensei nos rostos de Yoongi, Hoseok,


Jimin, Taehyung e Jungkook um após o outro. Troquei de pista e entrei no
posto de gasolina. Namjoon estava se aproximando. Eu abaixei a janela do
carro. "Há quanto tempo!"

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NAMJOON
11 de Abril, Ano 22

Quando terminei de encher um carro e me virei, algo roçou minha


bochecha e caiu no chão. Eu dei um passo para trás e olhei para baixo para
encontrar uma nota amassada aos meus pés. Eu me abaixei e estendi a mão
para ele. As pessoas no carro riram. Eu estava petrificado. Seokjin estava me
observando à distância. Eu não consegui olhar para cima. O que eu faria
quando encontrasse os olhos daqueles que dirigem carros extravagantes e
zombam arrogantemente dos outros? Eu deveria estar contra eles. Eu deveria
me defender se eles me tratam injustamente. Não foi uma questão de
coragem, orgulho ou igualdade. Foi apenas uma questão de disciplina.

Mas este era um posto de gasolina e eu trabalhava apenas meio


expediente. Eu tive que pegar o lixo jogado fora das janelas do carro. Eu tive
que apenas ficar lá e ouvir quando os clientes xingavam. Eu tive que pegar as
notas quando os clientes jogaram no chão. Eu vivi assim toda a minha vida. Foi
mortificante, mas eu tive que suportar isso. Eu cerrei meus punhos. Minhas
unhas afundaram na minha carne.

Eu mantive meus olhos fixos no chão quando alguém pegou a nota. As pessoas
no carro resmungaram com a diversão estragada e se afastaram. Eles foram
embora, mas eu não levantei a cabeça. Eu simplesmente não conseguia
encontrar os olhos de Seokjin. Ele já sabia como eu era covarde e pobre. Mas
eu não queria que ele soubesse a verdade nua sobre mim. Ele apenas ficou lá
na beira da minha vista. Ele não chegou mais perto nem começou a falar.

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JUNGKOOK
11 de Abril Ano 22

Finalmente, eu tinha o que queria. Eu deliberadamente esbarrei em


encrenqueiros na rua e eles me bateram completamente. Ri enquanto eles
faziam isso, então eles me espancaram ainda mais, me chamando de louco. Eu
me inclinei contra uma persiana da loja e olhei para o céu. Era noite. Nada
brilhava à distância por uma estrada pavimentada. Quando o vento soprou, a
grama inclinou. Parecia comigo. Eu ri alto para manter as minhas lágrimas
contidas.

Fechei os olhos e vi uma imagem vívida do meu padrasto limpando a garganta.


Meu meio-irmão riu. Os parentes do meu padrasto afastaram os olhos ou
continuaram a conversa fiada. Eles agiam como se eu não estivesse lá, como se
minha existência não significasse nada. Mamãe estava nervosa. Eu sacudi a
poeira quando me levantei do chão e tossi. A boca do meu estômago doía
como se eu tivesse sido esfaqueado.

Era um edifício abandonado e inacabado onde a construção foi interrompida.


Eu cambaleei ao longo do trilho de proteção instalado no telhado com meus
braços abertos. Eu estendi meu pé no vazio e a escuridão começou a permear
meus dedos dos pés. A colorida paisagem noturna da cidade se desdobrava
abaixo de mim. Sinais de néon, carros buzinando, e o cheiro acre de poeira
estavam todos misturados na escuridão em uma torrente rodopiante. Eu me
senti tonto e cambaleante. Quando abri meus braços ainda mais para manter o
equilíbrio, um pensamento veio para mim. Apenas mais um passo à frente. Isso
é tudo para acabar com isso. Eu me inclinei em direção ao vazio escuro. A
escuridão que se infiltrou em meus dedos surgiu em mim enquanto isso
devorava todo o meu corpo. Fechei os olhos e a cidade desordenada, o barulho
e o medo desapareceram. Eu prendi a respiração e lentamente me inclinei
novamente. Eu limpei minha cabeça. Eu não pensei em ninguém. Eu não

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queria deixar nada na minha cabeça. Eu não queria lembrar de nada. Este era o
fim.

Meu telefone tocou, voltei a mim como se tivesse despertado de um longo


sonho. Todos os meus sentidos instantaneamente retornaram ao normal. Eu
peguei meu telefone. Era o Yoongi.

60
YOONGI
11 de Abril Ano 22

Eu andei prestando atenção aos passos de Jungkook me seguindo. Uma


série de contêineres apareceu ao longo do longo trecho da ferrovia. "É o
quarto contando do final." Hoseok disse que estava se encontrando com
Namjoon e Taehyung e me disse para vir. Eu disse que sim, mas eu realmente
não quis dizer isso. Eu odiava ficar emaranhado com os outros, e Hoseok sabia
disso. Ele não poderia ter pensado que eu realmente apareceria.
Quando eu abri a porta, Hoseok parecia surpreso. Então, depois de ver
Jungkook, ele veio em nossa direção, fazendo aquele gesto exagerado com o
rosto cheio de sentimentos mistos. Jungkook se afastou, provavelmente para
esconder seus lábios machucados. Passei por Jungkook e Hoseok e entrei no
contêiner. "Há quanto tempo?" Hoseok, que estava tentando abraçar
Jungkook, e Jungkook, que estava tentando fugir de seu abraço, continuaram a
lutar uns com os outros.
Depois de um tempo, Namjoon entrou com Taehyung. A camiseta de
Taehyung foi rasgada. Perguntamos o que aconteceu e Namjoon fingiu bater
na cabeça de Taehyung. "Esse cara foi preso novamente por causa de seus
graffiti, então eu tive que ir pegá-lo." Taehyung falou sobre como sua camiseta
foi rasgada enquanto ele tentava fugir da polícia.
Eu desabei em um canto e olhei para eles. Namjoon deu a Taehyung uma
camiseta para colocar, e Hoseok trouxe hambúrgueres e bebidas. Jungkook
estava parado lá sem jeito, olhando em volta. Parando pra pensar sobre isso,
nós éramos assim no ensino médio. Naquela sala de armazenamento que virou
sala de aula, Namjoon sempre era zoado enquanto tentava raciocinar com
Taehyung, Hoseok estava sempre agitado, e Jungkook sempre andava ao redor
como se ele nunca soubesse onde ficar.

61
Quanto tempo demorou? Eu não conseguia me lembrar da última vez que
estivemos juntos. O que aconteceu com Seokjin e Jimin? Eu me perguntei,
embora não fosse da minha personalidade. Eu nunca tinha estado aqui antes,
mas me senti estranhamente confortável. Eu olhei pela porta. De repente,
senti uma vontade de sair desse lugar. Uma ansiedade misteriosa me inundou
depois daquela paz inexplicável. Meus pensamentos se estabeleceram naquela
sala que usamos como esconderijo no ensino médio. Nós costumávamos rir e
conversar juntos, mas esses dias tinham acabado há muito tempo. Da mesma
forma, o tempo que passamos aqui chegará ao fim. Existe algum ponto para
esse sentimento bom, sentimento repentino de pertencimento e antecipação
sem fundamento?

62
SEOKJIN
11 de Abril Ano 22

A luz que entrava pela janela estreita do contêiner parecia algum tipo de
sinal. Um sinal que nos guia quando estamos perdidos, um sinal que aponta
para um abrigo quando não temos para onde ir e um sinal que ilumina os
amigos que nos acompanham. Estacionei meu carro em uma esquina um
pouco longe da ferrovia e observei os outros se reunirem seguindo o sinal.
Hoseok entrou primeiro no contêiner, seguido por Yoongi , Jungkook,
Taehyung e Namjoon. Como eles se parecem agora? Do que eles estão falando
agora? Não era que eu não quisesse encontrá-los. Mas isso foi apenas o
começo. O momento ainda não era perfeito. Algum dia, todos nos reuniremos
novamente. Vamos rir juntos em meio àquele sinal. Isso é o quão longe eu vou
hoje. Eu dei ré no carro.

63
NAMJOON
28 de Abril Ano 22

Eu sabia que algo estava errado com Taehyung. Embora ele fingisse estar
bem, por mais que tentasse, sua ansiedade aparecia em seu comportamento,
expressões e voz. Não era sobre ser preso por grafitar. Para Taehyung, grafite
era um jogo, era divertido. As feridas e contusões que às vezes colorem seu
rosto devem ser de seu pai violento, mas essa também não era a razão.
Quando seu rosto estava machucado, Taehyung exagerou ainda mais, agindo
jovialmente e falando sem parar.

Taehyung parecia estar em um pesadelo. Eu não o pressionei para falar


sobre isso porque decidi esperar até que ele estivesse pronto. Eu também
duvidava que eu estivesse qualificado para ser o único a ouvir seus problemas.
Eu tentei agir como um irmão mais velho e fingi ser maduro, mas eu não
estava lá quando os outros estavam passando por seus momentos mais
difíceis. Eles disseram que eu era maduro e adulto, mas isso não era verdade.

Taehyung me lembrou do que vivenciei naquela vila. De fato, os dois não


tinham nada em comum. Eu estava ciente disso quando estava morando lá.
Mas aquele garoto me lembrava Taehyung, assim como Taehyung agora me
lembra dele. "Eu tenho um favor para perguntar." Qual era o favor? A scooter
realmente derrapou nas folhas úmidas? Os cachorros ainda estavam latindo? E
meus pais? Eu balancei a cabeça. Me levantei para forçar esses pensamentos a
dissiparem. Quando eu estava prestes a sair do contêiner, Taehyung começou
a se mexer como se estivesse tendo um pesadelo.

Taehyung acordou sobressaltado quando eu balancei seus ombros e


fiquei lá sentado distraidamente por um longo tempo. Ele apenas deixou as
lágrimas escorrerem pelo rosto e continuou a tagarelar. Ele disse que Yoongi
morreu, Jungkook caiu do telhado e eu fui pego em uma briga. Ele disse que

64
teve esse sonho repetidamente. Era tão vívido que parecia que era a realidade
e a realidade parecia um sonho. “Não me deixe.” O rosto daquele menino da
vila estava sobreposto ao rosto de Taehyung. Eu não consegui dar a ele uma
resposta. Eu não conseguia dizer que ele não precisava se preocupar porque
eu não ia a lugar nenhum.

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A Coisa Com Asas*

* "Hope" é a coisa com penas por Emily Dickinson

66
SEOKJIN
02 de Maio Ano 22

Eu estava tão nervoso que meus dedos estavam tensos. Eu apertei e abri
meu punho. E se eu falhar? Eu fiz isso repetidamente, mas me senti
aterrorizado a cada vez. Eu respirei lenta e profundamente e, pensei sobre
Yoongi. Ele deve estar bêbado agora, clicando em seu isqueiro com uma mão e
segurando o telefone com a outra. Ele poderia estar deitado no sofá,
contemplando as razões pelas quais ele deveria continuar vivendo. Ou as
razões para não.

Como Yoongi vê o mundo e a si mesmo? Eu enfrentei essa questão toda


vez que tentei salvá-lo. Eu não conseguia entender como ele poderia continuar
tentando se destruir. Isso não significava que eu estava muito feliz vivendo
neste mundo e que cada dia da minha vida estava cheio de felicidade. Na
verdade, nunca fui cativado por nada, nem mesmo pela vida e pela morte.

Olhando para trás, não fui diferente quando comecei tudo isso. Eu seria
capaz de corrigir os erros e falhas e salvar todos nós? Eu não entendi a
profundidade e o peso dessa questão. Era verdade que eu queria
desesperadamente salvar a todos nós. Ninguém merece morrer, se desesperar,
ser reprimido e ser desprezado. Além disso, eles eram meus amigos.
Poderíamos ter tido nossas falhas e cicatrizes e sido distorcidas e revirados.
Nós podemos ter sido ninguéns. Mas nós estávamos vivos. Tivemos dias para
viver, planos para seguir e sonhos para alcançar.

No começo, não pensei muito nisso. Eu pensei que tudo dependeria de


quanto esforço eu colocaria depois que eu descobrisse quem eu precisava
salvar e de quê. Isso foi o que eu pensei. Eu acreditava que poderia resolver
tudo, persuadindo-os e mudando as coisas. Eu era tão simples e ingênuo. Mas
não foi mais do que uma tentativa de salvar minha própria pele. Depois de

67
uma série de tentativas e erros, tive uma percepção. Não era tão simples salvar
os outros.

Yoongi não foi fácil de lidar. Ele foi provavelmente o mais difícil de todos.
Ele estava sempre mudando o tempo e o lugar de suas tentativas de suicídio.
Eu tive que me aproximar dele de forma diferente dos outros. Uma solução
que funcionou bem na última vez não funcionou na próxima vez. Apenas
quando eu pensei que tinha finalmente desvendado um mistério, isso levou a
outro problema.

No começo, não consegui identificar minhas razões. Depois de tudo,


tudo o que podia imaginar era que o sofrimento de Yoongi estava ligado ao seu
conflito interno. Namjoon foi pego em uma briga por causa daqueles clientes
grosseiros no posto de gasolina. Mas Yoongi era diferente. Ele não tinha alvo
definido nem causa definida. Ele tinha muitas variáveis.

Eu tentei imaginar o que estava acontecendo na cabeça de Yoongi. Uma


vez eu o segui secretamente por horas. Seus passos eram inseguros e
imprevisíveis. Ele cambaleou pelas ruas da noite e tentou se atirar no fogo. Ele
às vezes se agachava no chão e ouvia música que fluía de algum lugar dentro
de uma galeria comercial subterrânea. Depois de uma noite de segui-lo,
percebi o quão seca, monótona e plana minha vida era. Não é que eu tenha
invejado Yoongi. O sofrimento que ele deve ter suportado, indo de um
extremo ao outro, estava além da minha imaginação. Tudo o que eu pude
fazer foi vê-lo cambalear.

Um retrocesso sempre foi seguido por outro. Uma nova camada de


desespero desceu antes mesmo que a anterior fosse retirada. Eu poderia não
ser capaz de salvar Yoongi depois de tudo. Eu não consegui encontrar um
avanço. Mas naquele momento, a esperança voou. Eu ouvi uma vez que a
esperança tinha asas. Era um passarinho com asas.

Um pássaro voou para a sala de trabalho de Yoongi, que ficava em um


prédio abandonado no meio de um bairro em redesenvolvimento. Foi decidido
demolir a vizinhança há muito tempo, mas tudo ficou deserto quando o plano

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de redesenvolvimento parou. O pássaro voou através de uma janela quebrada.
Yoongi estava em pé no meio da sala de trabalho com um isqueiro na mão. A
sala de trabalho inteira cheirava fortemente a gasolina. Eu estava em pé do
lado de fora da porta. Eu estava prestes a entrar quando ouvi um grande
baque e o bater de asas. A porta estava meio aberta, então eu espiei. Yoongi
estava de costas para mim.

O pássaro caiu no chão. Ele bateu as asas novamente, mas não


conseguiu subir no ar. Yoongi ficou completamente imóvel e olhou para o
pássaro. Eu ainda não conseguia ver o rosto dele. O pássaro bateu as asas em
torno da sala de trabalho em busca de uma saída. Ele bateu as asas na parede
e na cadeira, e as penas que caíram flutuaram até chão. Yoongi estava apenas
olhando para ele. A mão dele segurando o isqueiro ainda pairava no ar. Ele
finalmente abaixou o braço, se abaixou e cobriu a cabeça com as duas mãos.

Entrei em sua sala de trabalho naquela noite. Era espaçoso, mas


desolado. Um sofá sujo, cadeira e piano eram tudo que eu podia encontrar lá.
Pedaços de papel amassados estavam espalhados por todo o chão. Ele deve
ter tentado começar um incêndio. Alguns deles pareciam linhas de música,
com frases de letras rabiscadas neles.

Eu olhei em volta. Eu encontrei a coisa com asas. O pássaro estava atrás


do piano, com sangue seco ao redor das feridas em suas asas. Parecia
petrificado e encolhido de medo quando me aproximei. Pequenas gotas de
sangue foram espalhadas no chão. Migalhas de pão e água foram colocadas
em frente ao piano.

Eu dei um passo para trás. Mesmo que eu o deixasse sair pela janela, ele
não seria capaz de voar ainda. Quanto tempo levaria para as feridas curarem?
Yoongi permaneceria seguros e são, enquanto a ave estivesse aqui? Então, um
pensamento veio à minha mente. Yoongi deve ter se parado por causa disso.
Este pequeno pássaro ferido. Uma coisa frágil que não poderia se proteger ou
salvar a si mesma. Um pequeno ser que confiou sua vida a Yoongi.

69
Depois daquele dia, tive uma percepção. Se todas as variáveis
relacionadas às tentativas de suicídio de Yoongi existiam dentro de Yoongi, por
que não arrastar pelo menos uma delas para fora? Eu teria que procurar o alvo
certo e criar a situação certa. Uma variável que poderia dar a Yoongi uma razão
para parar de se destruir. Alguém que pudesse compartilhar suas cicatrizes e
desejos. Esse alguém não era eu. “Não é algo que você possa fazer sozinho” Eu
me tornei dolorosamente consciente do pleno significado dessas palavras que
eu ouvi pouco tempo depois de tudo isso começar.

Eu percebi que Jungkook tinha o mesmo olhar em seus olhos como


Yoongi quando Namjoon disse isso. “Jungkook ainda tem aquela foto.” Ele quis
dizer a foto que tiramos juntos na praia no ensino médio. Namjoon
aparentemente queria me deixar saber que Jungkook ainda estava pensando
em mim, mas me lembrei de uma cena completamente diferente.

No dia em que fomos procurar aquela pedra que transformava sonhos


em realidade, rimos, reclamamos e brincamos sob o sol escaldante. E, arrasado
ao descobrir que a rocha havia desaparecido, eu gritei meu sonho, que nem eu
ouvi, para o mar.

Naquele momento, vi Jungkook gritando alguma pergunta para Yoongi.


Não consegui ouvir o que ele estava dizendo, mas percebi que isso era
importante para Jungkook. O que ele perguntou a Yoongi? Por que ele? Eu não
tinha pensado nisso naquela época. Yoongi não era tão animado quanto
Hoseok, não era tão amigável quanto Jimin, e não era tão confiável quanto
Namjoon. Por que foi Yoongi? De repente percebi. Foi Yoongi quem salvou
Jungkook. Os dois tinham o mesmo olhar em seus olhos.

Não foi difícil enviar Jungkook para Yoongi. Jungkook estava sozinho na
escola e em casa. Ele não tinha para onde ir depois da escola. Ele geralmente
passava o tempo na lanchonete de Hoseok ou passeava pelo contêiner de
Namjoon. Tranquei a porta do contêiner e fiz Hoseok deixar a loja antes que
Jungkook aparecesse. Depois de vagar por um bom tempo, Jungkook
finalmente se dirigiu para a sala de trabalho de Yoongi . Ele parecia ter

70
sentimentos contraditórios. Eu deveria entrar? E se ele acha que eu sou
irritante? Expectativa e medo rodeavam o rosto de Jungkook. Desde aquele
dia, ele visitou a sala de trabalho de Yoongi todos os dias. No começo, Yoongi
disse a ele para ir embora, mas ele não quis dizer isso de verdade.

Uma sombra apareceu em breve. Era o Jungkook. Eu me enterrei mais


no assento. Eles não sabiam que eu estava de volta ainda. Exceto Namjoon,
que eu encontrei no posto de gasolina. Namjoon disse que todos ficariam
felizes, mas eu me recusei a encontrá-los. Eu estava esperando pelo momento
certo. Eu tive que esperar até que todos nós estivéssemos juntos.

Talvez estivéssemos amarrados juntos com fios e apoiando um ao outro.


Não foi fácil rastrear esta teia de fios. Era como labirinto intrincado. Quando
um fio e nós era descoberto, outras partes se rompiam. Quando um fio era
puxado com muita força, tudo desmoronava em um instante. Eu tive que ligar
os pontos, um fio com outro, observando atentamente os outros, para
conseguir que salvassem um ao outro sem perceber.

Jungkook parou na frente da sala de trabalho de Yoongi e olhou para o


segundo andar. Ele não parecia muito alegre. Yoongi passou por um momento
difícil nos últimos dez dias. Ele estava bebendo muito e atormentando a si
mesmo. Eu empurrei Jungkook para essa agonia profunda. O sofrimento de
Yoongi deve ter sido demais para Jungkook. Certa vez, jungkook desistiu de
Yoongi. Naquela época, Yoongi se jogou nas chamas. Mas cruelmente, Yoongi
não morreu. Jungkook nunca se perdoou por não conseguir detê-lo.

Cerca de dez minutos se passaram desde que Jungkook entrou na sala de


trabalho de Yoongi. O som de algo se quebrando saiu pela janela do segundo
andar, e Yoongi, com os lábios machucados, apareceu na entrada do prédio,
cambaleando. Ele correu pela ladeira. Eu olhei para a janela no segundo andar.
Jungkook deve estar sentado ali ao lado do espelho quebrado. Ele deve estar
pensando que ele não poderia salvar Yoongi. Ele deve estar pensando que não
havia esperança.

71
Eu liguei o carro depois de ver Jungkook sair correndo do prédio. Yoongi
deve estar indo para o motel no final do quarteirão. Eu deveria deixar uma
pista para Jungkook sobre o paradeiro de Yoongi. Isso era tudo que eu podia
fazer. Eu deixei cair um pouco de tecido manchado de sangue perto do portão
do motel.

Sentado no carro, vi Jungkook subindo as escadas do motel. Eu deixei


uma foto na frente do espelho na sala de trabalho de Yoongi esta manhã. Foi a
foto de todos nós tirada naquele dia em que fomos à praia. Jungkook viu a
foto? Eu não poderia saber se Jungkook seguiu Yoongi por causa daquela foto,
se Jungkook decidiu tentar ver uma pequena semente de esperança, ou se
Jungkook estava motivado por outra coisa.

Eu não tinha certeza se Jungkook poderia salvar Yoongi. Esse momento


decisivo na vida, naquele último momento, para cada um de nós, incluindo
Jungkook e Yoongi, não podia ser interferido. Ele só pode ser compartilhado
por aqueles que sofrem a mesma ferida, compreendem os medos, sonhos e
derrotas uns dos outros e, portanto, enxergam através do outro até o fundo.

Eu olhei para a janela do motel. Eu me perguntei sobre o que Jungkook e


Yoongi estavam falando lá. E eu desejei desesperadamente que a coisa com
asas fosse capaz de voar para o céu a partir dali.

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YOONGI
02 de Maio Ano 22

O lençol pegou fogo e instantaneamente se acendeu. Tudo sujo e surrado


morria no calor insuportável. O cheiro de mofo, a umidade deprimente e a
escura e sombria luz não eram mais reconhecíveis. Apenas dor foi deixada. Dor
física que parecia ferver nas chamas. As pontas dos meus dedos pareciam estar
derretendo com bolhas se formando. O rosto inexpressivo de meu pai e o som
da música se dispersaram no ar.

Eu era diferente dele. Meu pai não me entendeu e eu não o entendi. Se eu


tentasse, teria sido capaz de persuadi-lo? Acho que não. Tudo que eu podia
fazer era me esconder, desafiar e fugir. Às vezes eu sentia que não era dele
que eu estava tentando me libertar. Nesses momentos, o medo me invadia. Do
que eu estava fugindo então? O que é preciso para escapar de mim mesmo?
Tudo parecia sem esperança.

Eu pensei ter ouvido alguém me chamando, mas não virei a cabeça. Eu não
conseguia respirar. Eu não conseguia me mexer. Mas eu sabia. Era o Jungkook.
Ele deve ter ficado bravo. Ele choraria por mim. Eu só queria cair no chão. Eu
queria acabar com a fumaça, o calor, a dor e o medo. Jungkook gritou alguma
coisa, mas eu ainda não consegui ouvir. Tudo diante dos meus olhos se desfez.
Foi o último momento. Eu levantei minha cabeça. Minha última visão deste
mundo foi essa sala suja e isolada, as chamas incandescentes e o calor
ondulante, e o rosto distorcido de Jungkook.

73
JUNGKOOK
02 de Maio Ano 22

Olhei para cima e me encontrei na frente do contêiner. Abri a porta e


entrei. Eu me deitei encolhido, me cobrindo com todas as roupas que eu pude
encontrar. Senti frio e meu corpo tremia. Foi difícil me recompor e ficar quieto.
Senti vontade de chorar, mas lágrimas não vieram.
A cena de Yoongi em pé em meio às chamas continuou repassando em
minha mente. Chamas resplandeceram do lençol. Eu não pude pensar. Eu não
sabia o que fazer. Eu não era um bom falando. Eu não conseguia nem
expressar meus sentimentos e muito menos convencer outra pessoa. Lágrimas
se acumularam e a tosse se alojou na minha garganta. Ficou ainda mais difícil
falar. As únicas palavras que eu pude dizer quando entrei nas chamas foram:
“Eu pensei que todos nós estávamos indo para o mar juntos”.

"O que há de errado? Você está tendo um pesadelo?" Alguém balançou


meu ombro. Eu abri meus olhos para encontrar Namjoon. Fui tomado por uma
sensação de alívio. Namjoon colocou a mão na minha testa e me disse que eu
estava com febre. Era verdade. O interior da minha boca parecia que estava
queimando, mas estava frio ao mesmo tempo. Minha cabeça doía e minha
garganta estava doendo. Eu mal podia engolir as pílulas que Namjoon me
trouxe. "Volte a dormir. Nós conversaremos mais tarde." Eu balancei a cabeça.
Então eu perguntei a ele, "Eu serei capaz de virar um adulto como você?"

74
O Ponto Mais Alto da Cidade

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HOSEOK
10 de Maio Ano 22

Minha narcolepsia ocorria a qualquer hora, em qualquer lugar. Eu


desmaiei sem avisar enquanto trabalhava e desmaiei de repente na rua. Eu
fingi que não estava tão preocupado com isso na frente daqueles que se
preocupavam comigo. Nunca contei a ninguém que não suportaria contar até
dez.
Sempre acabei tendo sonhos com minha mãe quando desmaiei. Os
sonhos eram todos iguais. Eu estava indo para algum lugar com ela no ônibus.
Eu estava animado e alegre. Eu li os sinais que passaram, observei o rosto dela
e fiquei inquieto. Eu tinha cerca de 7 anos em meus sonhos.
Então, de repente passou pela minha cabeça. Mamãe me deixou. Eu
tinha 20 anos quando percebi isso. Mamãe ainda estava sentada no banco na
minha frente no ônibus. Ela parecia exatamente a mesma por trás. Quando eu
sussurrei "mãe", ela virou a cabeça como se tivesse me ouvido. Sua silhueta
brilhava contra a luz do sol e seus cabelos se agitavam ao vento como no
parque de diversões daquele dia. A parte mais triste foi que eu sabia. Eu sabia
que acordaria desse sonho se ela virasse mais e olhasse para mim.
Tentei dizer a ela para não se virar, mas a minha voz falhou. Eu continuei
tentando gritar: "Mãe, não vire. Não se vire." Mas ela sempre se virou e olhou
para mim. Justamente quando nossos olhos estavam prestes a se encontrar,
tudo ficou branco, e a luz fluorescente pálida no teto da sala de hospital
apareceu.
Foi o mesmo hoje. Quando abri os olhos, a primeira coisa que apareceu
foi a luz fluorescente no teto. Minha roupa foi trocada por um robe de
paciente. O médico disse que eu parecia ter sofrido uma concussão e precisava
de uma verificação mais completa. Fui transferido para um quarto de hospital
com seis pessoas. Eu me sentia exausto. Eu sempre me sentia exausto quando
recuperava a consciência.

76
JIMIN
11 de Maio Ano 22

Fui transferido para a ala cirúrgica há duas semanas. No começo, parecia


estranho ver pessoas indo e vindo tão livremente. Logo descobri que era
apenas outra parte do hospital. Havia pacientes, enfermeiros e médicos. Eu
recebi drogas e injeções. Tudo somado, foi o mesmo que a ala psiquiátrica. A
única diferença era que a ala cirúrgica tinha um corredor mais longo com uma
sala de descanso na metade. Claro, havia mais uma grande diferença. Eu fui
autorizado a vagar livremente pela ala. À noite, eu sai do meu quarto e
perambulo por aí. Eu pulei e dancei no salão e corri a toda velocidade no
corredor do primeiro andar. Essas eram alegrias simples que não eram
permitidas na ala psiquiátrica.
Um dia, descobri algo estranho sobre mim enquanto estava correndo
pelo corredor. Em algum ponto após a quitinete e escadaria de emergência,
meu corpo, sem motivo, só veio até metade do caminho. Eu ainda tinha cerca
de cinco passos para chegar ao fim, mas eu parei e foi incapaz de dar um outro
passo. No final do corredor estava uma porta. A porta se abria para o mundo
exterior. Fora do hospital. A porta não tinha sinal de "Fora dos Limites", e
ninguém veio correndo para me deter. Mas não pude ir mais longe. Logo
descobri o porquê. Esse era o trecho do corredor, assim como a enfermaria
psiquiátrica. Como se uma linha fosse traçada no chão, parei exatamente
naquele ponto, onde o corredor da enfermaria psiquiátrica teria terminado.
Eles me chamaram de um bom garoto na ala psiquiátrica. Às vezes eu
tinha convulsões, mas na maior parte do tempo eu era obediente. Eu sorri e
continuei a mentir sem que ninguém suspeitasse. E eu sabia o meu limite. O
corredor da enfermaria psiquiátrica poderia ser coberto em 24 passos normais.
Quando fui hospitalizado pela primeira vez, tinha 8 anos. Chorei e pedi para ir
para casa com mamãe, segurando a porta de ferro no final do corredor. Eu
freneticamente tentei abrir a porta até que as enfermeiras vieram correndo e
me deram uma injeção. Por um tempo, as enfermeiras ficaram tensas sempre

77
que eu entrava no corredor. Agora, ninguém prestava atenção em mim,
mesmo se eu corresse pelo salão e chegasse à porta. Eu já sabia que a porta
estava trancada de qualquer maneira. Eu apenas continuei correndo até a
porta e voltando. Não implorei mais ou chorei para que abrissem a porta.
Mas o mundo está cheio de pessoas mais idiotas do que eu. Eles
seguraram e sacudiram a porta sem parar. Eles foram reprimidos pela equipe,
receberam injeções e foram amarrados em suas camas. Se eles tivessem se
comportado de maneira um pouco mais aceitável, suas vidas poderiam ter se
tornado muito mais confortáveis. Aqueles idiotas não sabiam de nada.
Eu não era assim no começo. Eu também fui deixado sem sentido pelos
sedativos injetados com força pelas enfermeiras e fui pego tentando escapar
do hospital nos primeiros dias. Liguei para mamãe, chorando violentamente o
suficiente para ficar rouco várias vezes. "Não estou doente. Estou bem agora.
Por favor, venha me buscar." Fiquei acordado a noite toda por vários dias, mas
minha mãe não veio.
Quando fui levada para o hospital depois que me acharam inconsciente
no Arboreto Grass Flower, meus pais não fizeram nenhuma pergunta. Eles
ignoraram o fato de que eu tinha desmaiado lá fora. Foi o mesmo quando eu
desenvolvi convulsões. Eles me hospitalizaram, me dispensaram depois de
algum tempo, e me transferiram para outra escola. A reputação da família era
importante para eles. Um filho com doença mental era inaceitável.
Eu não me tornei um bom garoto durante a noite. Não houve evento
dramático ou incidente memorável. Eu só continuei a desistir de mim mesmo
pouco a pouco, assim como uma unha cresce. Parei de chorar e de desejar ir lá
fora em algum momento. Eu parei de correr em direção à porta do corredor.
Eu frequentava a escola entre as internações hospitalares, mas eu sabia
que seria mandado de volta eventualmente. Parecia refrescante olhar para o
céu e apreciar a fragrância de cada estação. Mas tentei não os segurar na
minha memória. Eles logo seriam mantidos longe de mim. Amigos também.
Uma história de doença mental não me ajudou a fazer amigos.
Não houve exceção. Conheci um grupo que se pareciam como
verdadeiros amigos. Foi há quase dois anos. Tentei não lembrar deles, mas não
pude deixar de lembrar daqueles dias. Eu tive que me separar deles depois que
tive uma convulsão no ponto de ônibus depois da escola. A última cena de que

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me lembro foi a abertura da porta do ônibus para o Arboreto Grass Flower. Foi
quando eu apaguei.
Quando abri os olhos, estava num hospital. Mamãe estava no canto
falando no telefone. Minha mente girou por um tempo. Não sabia onde estava
nem como cheguei lá. Eu olhei ao redor e descobri janelas com barras mentais.
Então, tudo voltou para mim. O céu azul que eu vi a caminho de casa, os jogos
bobos que nós jogamos no ponto de ônibus, o ônibus do Arboreto chegando
mais perto, e os olhares através das janelas de ônibus.
Eu fechei meus olhos. Mas era tarde demais. O portão da frente do
Arboreto apareceu diante dos meus olhos. Era um dia de piquenique escolar
no primeiro grau. Eu estava correndo pela chuva pesada com minha mochila
sobre minha cabeça. Eu entrei. O cheiro pegajoso e mofado, o som da minha
respiração pesada e o som estridente e metálico.
Eu sentei na minha cama e gritei. "Não! Não me lembro! Eu esqueci!"
Mamãe veio correndo, chamando alguém. Eu balancei a cabeça
violentamente. Eu balancei meus braços em todas as direções para me livrar
desse cheiro, toque, som e visão. Mas as lembranças vieram à tona. A represa
que os prendera nos últimos dez anos entrou em colapso e todos os detalhes
daquele dia surgiram em minha mente, olhos, células e unhas, como se
estivesse acontecendo de novo. Eu tive uma convulsão e recebi uma injeção. A
droga fluiu através dos meus vasos sanguíneos e eu rapidamente cochilei.
Fechei os olhos e desejei que tudo aquilo fosse um sonho e que, quando
acordasse de novo, não conseguisse lembrar de nada.
Esse desejo foi apenas um desejo. Em vez disso, um ciclo de convulsões,
injeções e sono induzido por injeção que parecia que eu estava caindo de um
penhasco continuou. Depois que acordei daquele sono, todo o meu corpo
parecia coberto de lama. Lama que parecia sangue. Não importa o quanto eu
tentei lavá-lo, o cheiro do armazém permaneceu. Eu esfreguei até sangrar, mas
ainda parecia sujo.
Quando o médico me perguntou sobre isso em um tom preocupado, eu
tremi e me desculpei primeiro. Eu repetidamente disse que estava
arrependido. Foi tudo minha culpa. Por favor, deixe-me esquecer tudo sobre
isso. Então, tentei fingir que nada havia acontecido. Eu não sabia do que ele
estava falando. Eu não me lembrava de nada. Então eu olhei para o médico e

79
sorri. "Eu não me lembro de nada." O médico realmente acreditou em mim?
Eu não tinha certeza. Mas o importante foi que eu me tornei um bom garoto.
Minha vida no hospital foi pacífica. Era um lugar ideal para passar um tempo
longe. Eu não ansiava por nada e não me sentia constrangido, assustado ou
solitário. Isso até a noite passada. Antes de encontrar com o Hoseok
novamente.
Fui transferido para a ala cirúrgica. porque briguei com um idiota que
continuava tentando chegar à porta no final do corredor, apesar da restrição
das enfermeiras. Nós dois ficamos feridos e fomos colocados em duas salas
diferentes no quinto andar da ala cirúrgica. Fui colocado em um quarto para
seis pessoas. A cama estava no meio e os pacientes de ambos os lados
mudavam com frequência.
Eu acordei no meio da noite. O paciente ao meu lado parecia estar tendo
um pesadelo e continuou a gemer. O gemido veio da cama à minha esquerda.
Eu puxei o cobertor sobre a minha cabeça. Eu estava cansado de pesadelos. Eu
não precisava ouvir isso. Eu tentei aguentar isso por um tempo, mas o
pesadelo dele continuou. Finalmente, me levantei e fui até a cama dele. Eu
bati no ombro dele e tentei ajudar. "Está tudo bem. É apenas um sonho."
Descobri esta manhã que o paciente era Hoseok. Puxei as cortinas para o
café da manhã e Hoseok estava sentado na cama ao lado do meu. Ele parecia
feliz em me ver novamente. Eu também estava feliz? Provavelmente, em um
canto da minha mente. Ele tinha saído comigo e cuidou de mim, um
transferido que era um completo estranho na escola. Ainda me lembrava dos
dias em que costumávamos voltar para casa com picolés em nossas mãos. Mas
ele também foi quem viu minha convulsão no ponto de ônibus antes de eu vir
para cá. Foi ele quem me trouxe para esse hospital. Ele deve ter encontrado
com minha mãe. Eu não queria explicar minha situação para ele.
Saí do quarto com a minha comida intocada. Hoseok parecia me seguir,
mas eu conhecia todos os cantos desse hospital. Ele não podia me
acompanhar. Eu percorri o hospital o dia todo. Das escadas, vi os outros, até
Jungkook, quando vieram ver Hoseok . Eles não mudaram muito.
Naquela tarde, eu subia e descia as escadas e andava pelos outros
andares. Me inclinei contra a janela do fim do corredor e contei os carros que
passavam. Eu fiquei chateado. Eu tinha pulado todas as minhas refeições, e

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não havia lugar para sentar e relaxar confortavelmente. Era irritante ouvir as
gargalhadas vindo do meu quarto. Eu fiquei mais irritado porque não
conseguia descobrir por que estava tão zangado. Voltei para a minha cama
tarde da noite. "Onde você esteve?" Ele me perguntou casualmente. Então, ele
me entregou um pedaço de pão.
Deve ter sido porque eu estava morrendo de fome. O pão estava quente
e delicioso. Eu não pude deixar de confessar a ele. Que eu há muito tempo fui
confinado na ala psiquiátrica. Que eu fui brevemente transferido para a
enfermaria de cirurgia, mas seria enviado de volta em breve. Que eu não teria
alta em um futuro próximo. Que, como ele testemunhou, eu era uma pessoa
que tem convulsões na rua. Que eu era um paciente que poderia ser perigoso.
Eu não queria adicionar a última parte. Mas eu pensei que isso o impediria de
me criticar.
Ele parou por um minuto. Então, ele pegou meu pão. “Jimin, não exagere.
Você não sabe que eu tenho narcolepsia? Eu posso apagar a qualquer hora ou
em qualquer lugar. Eu sou perigoso também?" Ele mordeu o meu pão. Eu
apenas congelei, sem saber o que dizer. Então, ele disse: “O que? Você quer
isso de volta?” Ele mordeu o pão novamente e devolveu-o para mim. Eu
peguei de volta imediatamente. Ele me perguntou de novo "As convulsões são
infecciosas? Narcolepsia não é. Não se preocupe." Ele não havia mudado nem
um pouco.

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HOSEOK
11 de Maio Ano 22
Abri a saída de emergência e desci as escadas. Meu coração estava
martelando no meu peito. Eu definitivamente avistei a mamãe no corredor.
Assim que olhei para trás, a porta do elevador se abriu e uma multidão de
pessoas saiu. Mamãe desapareceu da minha vista. Eu desesperadamente
empurrei contra da multidão e a vi atravessando a saída de emergência à
distância. Eu a segui até a escada de emergência e desci as escadas de dois em
dois degraus. Desci vários andares sem intervalo.
"Mãe!" A mãe parou. Tomei mais um passo apressado. Ela se virou.
Outro passo descendo a escada. O rosto da mamãe tornou-se gradualmente
visível. Então, meu pé escorregou e meu corpo inteiro foi para frente. Eu
balancei meus braços para manter o equilíbrio, mas já era tarde demais. Fechei
os olhos com força, com medo de cair pelas escadas. Naquele momento,
alguém agarrou meu braço por trás. Por pouco evitei cair de cabeça nas
escadas. Quando virei a cabeça, Jimin estava parado, parecendo assustado. Eu
rapidamente olhei para frente novamente, muito apressado para agradecê-lo.
Eu vi uma mulher. Ela parecia perplexa. Havia um garotinho ao lado dela.
A mulher continuava piscando seus grandes olhos. Ela não era minha mãe. Ela
recuou com o garotinho escondido atrás dela. Eu apenas fiquei na escada sem
dizer uma palavra, olhando para o rosto dela.
Eu não conseguia lembrar o que eu disse para sair dessa situação. Eu
devo ter resmungando que eu estava arrependido ou que eu a confundi com
outra pessoa. Pensando bem. Eu nem perguntei ao Jimin por que ele estava lá.
Minha cabeça estava uma bagunça e eu não conseguia processar nenhum dos
detalhes. Ela não era minha mãe. Talvez eu soubesse disso antes de começar a
persegui-la. Fazia mais de dez anos desde o dia em que fui deixado sozinho no
parque de diversões. Ela deve ter envelhecido e deve parecer diferente do que
eu lembrava. Mesmo se eu a encontrasse novamente, não seria fácil
reconhecê-la. Seu rosto foi quase completamente apagado da minha memória.

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Eu olhei para trás. Jimin estava apenas me acompanhando sem uma
palavra. Ele disse que ficou nesse hospital desde o ensino médio, desde a
última vez que o vi na sala de emergência. Quando eu perguntei a ele se ele
queria sair, ele apenas ficava em silêncio, parecendo confuso. Talvez Jimin
também estivesse preso dentro de uma rede de memórias como eu. Eu dei um
passo em direção a ele. "Jimin, vamos sair daqui."

83
JIMIN
15 de Maio, Ano 22

Três dias se passaram depois que Hoseok recebeu alta do hospital. Eu


não queria dizer adeus, então o segui secretamente. Enquanto eu continuava
me escondendo e caminhando trás, Hoseok andou pelo longo corredor em
direção à porta. Ele despreocupadamente passou a linha perto da saída de
emergência, onde eu sempre chegava a parar. Eu o observei e trás. Sem
perceber, parei bem ali. Eu poderia dar pelo menos mais cinco passos, mas eu
apenas fiquei lá.
Hoseok lentamente estendeu a mão e gentilmente abriu a porta. A luz
do sol ofuscante entrava pela porta aberta junto com o ar externo. Cheirava
um pouco pungente, mas parecia refrescante ao mesmo tempo. A paisagem
do outro lado da porta tomou conta de mim. Quando Hoseok saiu, a porta
começou a fechar. Eu poderia sair se eu corresse agora. Eu olhei para o chão. A
linha limite, que era não visível para mais ninguém além de mim, ainda estava
lá.
Eu me virei. Ou eu estava prestes a me virar quando alguém passou,
empurrando meu ombro com força. Eu caí para a frente no chão. Eu levantei
minha cabeça, ainda deitado no chão, eu tinha cruzado a linha. O idiota estava
correndo por mim, se dirigindo até a porta. Foi ele quem me empurrou. Ele
continuou a empurrar os outros em seu caminho. Ele não prestou atenção a
eles. Quando ele empurrou a porta o mais forte que pôde, a luz do sol entrou
novamente. Ele correu para fora. Uma enfermeira o perseguiu, mas ele foi
mais rápido. A porta começou a fechar novamente. Eu pulei para ficar em pé.
Um passo acima da minha linha. Eu dei mais um passo à frente. Eram apenas
mais três passos para chegar à porta. Mas eu me virei de novo, bem ciente do
meu limite.
Um estranho já ocupava a cama de Hoseok . Fechei os olhos, mas não
consegui dormir. Não pude deixar de pensar no que ele disse antes de receber

84
alta. "Jimin, vamos sair daqui." Ele usava uma expressão complicada que eu
nunca tinha visto antes. Ele nunca olhou ou soou assim antes. Eu estava ali
parecendo hesitante, sem saber como responder. Havia mais uma razão pela
qual eu não conseguia parar de pensar em suas palavras. Houve um incidente
que ocorreu antes disso.
Eu estava esperando o elevador no segundo andar onde eu tinha
fisioterapia. Eu tropecei enquanto brigava com o idiota, e meu pulso estava
machucado e não cicatrizou bem. Eu estava ficando impaciente conforme a
alta do Hoseok se aproximava, mas o elevador estava preso no nono andar. Eu
pensei ter ouvido alguém chamando meu nome só que eu estava pensando em
subir as escadas. Aquele alguém estava parado em frente à saída de
emergência no final do corredor. Eu não conseguia distinguir quem era com a
luz do sol entrando pela janela. Quando dei um passo à frente, a pessoa
subitamente correu pela saída de emergência. O perfil da pessoa apareceu
momentaneamente, mas ainda não consegui reconhecer quem era. Quem
poderia ser? Eu andei em direção à escada de emergência, me sentindo
estranho.
Quando abri a porta de saída de emergência e coloquei minha cabeça,
alguém passou rapidamente. Eu instintivamente puxei minha cabeça para trás.
Nós quase colidimos. "Mãe!" Ouvindo o grito desesperado, eu enfiei a cabeça
para trás. Era Hoseok , descendendo freneticamente as escadas. E havia uma
mulher parada ao pé da escada. O que é tudo isso? Eu pisei no patamar.
Hoseok perdeu o equilíbrio exatamente naquele momento. Eu corri para
frente e estendi minhas mãos sem pensar e o peguei. Hoseok vacilou quando
eu abruptamente o segurei, e eu mal consegui manter o equilíbrio.
Ele não disse nada até que subimos as escadas e entramos no corredor
do quinto andar. Ele permaneceu em silêncio enquanto caminhávamos para o
quarto do hospital. Então, ele parou de repente e olhou para mim. "Jimin,
vamos sair daqui." Eu não consegui responder. Ele me disse com firmeza. "Eu
voltarei por você." Eu respondi: "Eu estou voltando para a ala psiquiátrica em
poucos dias."
Três dias se passaram. Eu ia voltar para a ala psiquiátrica no dia seguinte.
Eu arrumei meus pertences e me deitei. Eu revirei na cama por um tempo, mas
logo cochilei.

85
Acordei com a sensação de algo caindo. O hospital era um lugar
estranho e era difícil dormir profundamente. Eu podia sentir tudo ao meu
redor com os olhos fechados, e até os menores sons me mantinha acordado. O
quarto do hospital estava escuro como breu. Uma brisa soprou pela janela
aberta. As cortinas batiam no meio do fluxo do ar já abafado. O teto, o chão, a
escuridão e o silêncio. Eles eram todos familiares.
Eu estava prestes a ligar a luz da mesa quando alguém me segurou. Era o
Hoseok. Me sentei surpreso e ele colocou o dedo indicador nos lábios. "Todos
nós viemos juntos." Ele disse que eles estavam esperando por mim lá fora. Ele
estendeu a mão.
Eu ainda estava submerso em tantos medos. Eu era invisível para meus
pais. Eu seria levado como não mais do que um fugitivo de uma ala psiquiátrica
no mundo exterior. Era mais seguro apenas ficar no hospital como um paciente
obediente. Eu não tinha certeza se me ajustaria bem lá fora. Eu poderia pensar
em um milhão de razões para não sair.
Hoseok não hesitou. Ele agarrou minha mão, me pôs de pé e me
entregou uma camiseta. Eu estava fora da cama antes de perceber. O corredor
estava parado e quieto. Algumas enfermeiras estavam postas na mesa.
Estavam todos ocupados com seu próprio trabalho e nem olharam em nossa
direção, mas Hoseok e eu andamos o mais silenciosamente possível, tensos. O
elevador estava esperando no quinto andar. Quando a porta se abriu,
Namjoon e Seokjin estavam do lado de dentro.
Saímos no primeiro andar e entramos no corredor quando Hoseok
abruptamente me empurrou para uma porta à esquerda. Era um salão.
Geralmente ficava lotada de pacientes e cuidadores durante o dia, mas à noite,
era silencioso e escuro, com apenas as luzes escuras dos postes de iluminação.
Uma vela foi acesa e Jungkook e Taehyung saíram da escuridão. O rosto de
Yoongi também era visível atrás deles. Na mesa havia lanches e latas de
refrigerante.
Uma enfermeira entrou pela porta dos fundos quando tomei um gole de
refrigerante. Antes de terminar de cumprimentá-los, a enfermeira perguntou o
que estávamos fazendo aqui, e Yoongi disse que era uma festa de aniversário.
Ela entrou no salão. “Vocês estão todos pacientes? Eu acho que não”. Eu era o
único vestindo um robe de paciente. Sem perceber, apertei a lata de

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refrigerante que estava em minha mão. A lata de alumínio amassou com um
som estranho. Hoseok agarrou meu ombro. "Está tudo bem." Era Namjoon.
“Quando eu der o sinal, apenas comece a correr.” Deve ter sido Jungkook.
Seokjin, que já estava na porta da frente, nos lançou um olhar e foi para
fora. Hoseok olhou em volta e disse em voz baixa. "Corra, Jimin." Todos nós
começamos a correr. Eu fui pego na excitação e corri com eles. Taehyung
perdeu o equilíbrio e quase caiu, e os petiscos e garrafas de refrigerante de
plástico voaram pelo ar. Passamos agilmente pelas mesas e entramos no
corredor do primeiro andar. As altas vozes e passos das enfermeiras
continuaram a nos perseguir. O corredor se estendia diante de nós, assim
como aconteceu ontem.
Meu coração disparou quando passei pela quitinete e cheguei às escadas
de emergência. Sem perceber, meu ritmo diminuiu. Minha cabeça foi
bombardeada com perguntas. Realmente seria OK? Tenho certeza? Pode ser
ainda mais difícil lá fora. Eu posso não ter ninguém do meu lado. Seria mais
seguro e mais confortável aqui. Não é tão tarde. É melhor eu parar por aqui. É
melhor eu admitir meus limites. É melhor eu ser uma boa criança.
Minha linha limite estava a poucos passos de distância. Eu olhei para
trás. Agora os zeladores haviam se juntado e estavam perseguindo os outros.
Minha mão segurando a camiseta tremia violentamente. Eles pareciam estar
bem na minha cola. Talvez eu não tivesse chance. "Está tudo bem, Park Jimin,
corra!" Essa voz me empurrou para frente. Eu dei mais um passo.
Eu cruzei a linha. Eu tinha apenas dado um passo mais perto da porta,
mas uma mudança dramática ocorreu. Algo dentro de mim rolou e se lançou
como se eu tivesse acabado de pular de um penhasco íngreme para outro.
Quando tirei meu robe de paciente e coloquei a camiseta, dei outro passo em
direção à porta. O próximo passo foi mais rápido e o próximo ainda mais
rápido. As paredes de ambos os lados passaram rapidamente, e a porta se
aproximou com passos largos. Apenas cinco passos foram dados da linha até a
porta. Para qualquer outra pessoa, era apenas uma curta distância de cinco
passos. Mas eu nunca tinha me atrevido a vir até aqui. Esta foi a primeira vez
que passei sozinho da linha. A porta estava ao alcance.
Depois de passar por esta porta, o ambiente será completamente
diferente daquele que me rodeou. Eu me recuso a pensar sobre o que vai

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acontecer a seguir. Vou me concentrar em dar um passo de cada vez. Eu
empurrei a porta com toda minha força. Cada célula do meu corpo colidiu com
o ar exterior. Não havia luz solar opressiva nem vento forte como eu sempre
imaginara. Eu senti vontade de chorar. O som do meu batimento cardíaco
reverberou em todas as direções.

88
JIMIN
16 de Maio Ano 22

A casa de Hoseok ficava na encosta. Era o quarto em um telhado de um


prédio multifamiliar em mau estado no final de um beco sem saída. O beco
sem saída era um beco estreito e sinuoso, longe da rua principal, e subia uma
subida longa e íngreme. Era ali que ele vivia. Quando entramos no quarto,
Hoseok se gabou de que estava no andar mais alto da cidade, com o resto do
mundo a seus pés. Ele estava certo. Este quarto no telhado tinha uma visão de
tudo. Quando olhei diretamente para baixo, pude ver a estação de trem e os
contêineres em pé ao longo da ferrovia. Namjoon estava morando em um
desses contêineres. Apenas um pouco mais longe estava a escola que
frequentamos juntos.
Enquanto olhava para nossa escola, minha linha de visão chegou a um
ponto do outro lado do rio. Um grande complexo de apartamentos ficava no
sopé da montanha. Era onde minha casa estava. Não, era onde ficava a casa
dos meus pais. Eu havia escapado do hospital sem nenhum plano. O hospital
deve ter contatado meus pais, e eles devem estar procurando por mim agora.
Eu não tive coragem de encontrá-los cara a cara ainda. Eu não pude ir para
casa. Eu não tinha para onde ir e estava sem dinheiro. Hoseok me disse para
segui-lo e me trouxe até aqui. Foi assim que acabei na casa de Hoseok.
Olhei para o complexo de apartamentos novamente. Eu tenho que voltar
lá um dia. Tenho que encontrar meus pais e lhes dizer que não vou voltar para
o hospital. Eu respirei fundo, e Hoseok se aproximou e ficou ao meu lado.

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HOSEOK
16 de Maio Ano 22
Eu poderia ser o meu eu mais honesto em casa. Às vezes eu gritava a
plenos pulmões e cantava na janela. Às vezes eu tocava música e dançava
como um louco. E às vezes eu acordava à noite chorando. Quando o fiz, fiquei
ali parado, olhando para o teto. Mas eu nunca desmaiei com narcolepsia em
casa.

Jimin não voltou para casa depois que saiu do hospital. Ele veio até
minha casa e agora olhava para a cidade encostado no corrimão do telhado.
Ele deve estar procurando por nossa escola, a lanchonete Two Star Burger e as
luzes ao longo da ferrovia como eu. Ele também deve estar procurando por sua
casa. Isso era algo dos nossos instintos humanos. Todo mundo procura a casa
deles quando eles sobem em algum lugar alto ou olham em um grande mapa.

Pensei em perguntar por que ele não foi para casa. Mas eu desisti. Sua
cabeça deve estar uma bagunça, e eu não queria agravar isso. Além disso, eu
poderia adivinhar o porquê, com base em como a mãe de Jimin reagiu na sala
de emergência naquele dia. Na verdade, eu raramente fazia perguntas aos
meus amigos. Eu senti que já sabia as respostas para a maioria deles. E eu não
queria que eles se sentissem estranhos. Ou eles poderiam achar minhas
perguntas curiosas e irritantes demais.

Para ser honesto, eu sempre ficava curioso sobre para onde os outros
estavam indo quando passavam pela minha loja. Mas eu nunca corri para
perguntar a eles. Para onde Jungkook foi com suas feridas? A sala de trabalho
do Yoongi era nessa direção? Por que Namjoon saiu da escola? Onde Taehyung
aprendeu grafite? Pensando sobre isso, eu não sabia muito sobre os outros.

"Você achou?" Eu me aproximei de Jimin e perguntei. “Encontrei o


que?” Jimin soou confuso. "Sua casa." Jimin assentiu. "Eu cresci no orfanato ali
mesmo." Eu apontei para um lugar além da ferrovia. “Você vê o supermercado

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na direção do rio do posto de gasolina onde Namjoon trabalha? Você vê o sinal
de néon em forma de trevo atrás dele? O orfanato fica à esquerda desse
letreiro de neon. Eu morei lá por mais de dez anos.” Os olhos de Jimin
pareciam se perguntar por que eu estava contando tudo isso para ele. Meus
amigos já sabiam que eu cresci em um orfanato. Eu considerei minha casa. Eu
não me forcei a pensar assim para ter paz de espírito. Eu realmente acreditava
que era minha casa. Uma casa sem minha mãe.

"Eu tenho algo para confessar." Algo que eu venho mentindo sobre.
"Minha narcolepsia era falsa." Isso pode ter sido o motivo de eu não poder
perguntar nada sobre ninguém. Não foi porque eu estava com medo de
machucá-los. Foi porque eu menti, porque não tinha coragem de ser sincero.
Porque, uma vez que eu admitisse, eu também teria que admitir que não
tenho ninguém para chamar de “mãe”, não apenas no orfanato, mas no
mundo inteiro. Deve ter sido por isso que não perguntei a nenhum deles sobre
seus problemas.

Jimin não era bom em esconder seus sentimentos. Seu olhar assustado
era autoexplicativo. Eu não sabia como me desculpar com ele. Jimin agonizou
sobre mim inúmeras vezes. Ele deve ter caído em lágrimas quando ele
testemunhou isso pela primeira vez. “Eu não fiz isso de propósito. Eu apenas
devo ter ignorado que havia um jeito de eu ficar bem. Eu sei que isso não faz
sentido. Não consigo descrever claramente.”

"Então, você está bem agora?" Jimin, que estava ouvindo em silêncio há
algum tempo, virou a cabeça para mim e fez a pergunta. Estou bem agora? Eu
me perguntei. Jimin ainda estava olhando para mim. Ele não me critica nem
simpatiza comigo. Eu olhei para a cidade iluminada abaixo. “Bem, eu não sei.
Nós vamos ser capazes de descobrir isso com o passar do tempo. Estou ansioso
para descobrir. Você não está?” Jimin riu. Eu ri junto.

91
JIMIN
19 de Maio Ano 22

Eu tive que voltar para o Arboreto Grass Flower. Eu tenho que parar de
mentir sobre não lembrar o que eu vi lá. Era hora de parar de me esconder no
hospital e pôr fim às minhas apreensões. Para fazer isso, eu tinha que voltar lá.
Mas, durante dias, eu fui para a parada de ônibus e não consegui entrar no
ônibus.
Depois que eu assisti o terceiro ônibus do dia afastar, Yoongi
subitamente apareceu e caiu ao meu lado. Ele disse que saiu porque não havia
nada para fazer e estava entediado. Então ele me perguntou o que eu estava
fazendo ali. Eu mantive minha cabeça baixa e chutei o chão com a ponta do
meu tênis. Eu estava sentado lá porque não tinha coragem. Eu queria fingir
que estava bem agora, que sabia o suficiente e que poderia facilmente superar
isso. Mas eu estava com medo. Eu estava com medo de não saber o que eu
estava prestes a enfrentar, se eu seria capaz de suportar isso, e se eu teria uma
convulsão novamente.
Yoongi parecia relaxado. Descontraído, ele murmurou algo que soou
como "o tempo está tão bom" de uma maneira despreocupada. O tempo
realmente estava bom. Mas eu estava tão tenso que não podia me dar ao luxo
de olhar em volta, quanto mais aproveitar o tempo. O céu azul. Uma brisa
suave soprava ocasionalmente. O ônibus estava se aproximando de longe. O
ônibus parou e a porta se abriu. O motorista olhou para mim. Eu perguntei a
Yoongi . "Você irá comigo?"

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HOSEOK
20 de Maio Ano 22

Eu saí da delegacia com Taehyung. "Obrigado." Eu me curvei e falei


ainda mais energicamente, mas eu realmente não estava de bom humor. A
casa de Taehyung não era tão longe da delegacia. Se ele morasse longe da
delegacia, ele ainda assim estaria lá com tanta frequência? Por que seus pais
haviam se estabelecido tão perto da delegacia? O mundo era tão injusto para
esse garoto tolamente bondoso e sensível. Coloquei meu braço em volta dos
ombros de Taehyung e perguntei casualmente se ele estava com fome.
Taehyung balançou a cabeça. "Os policiais receberam você de volta e
compraram uma refeição para você?" perguntei de novo, mas ele não
respondeu.
Nós dois caminhamos na luz do sol, mas um vento gelado pareceu
beliscar meu coração. Eu não podia imaginar como ele deveria estar se
sentindo quando eu senti isso frio por dentro. Seu coração deve ter sido
rasgado. Ou, ele ainda sequer tem um coração?? Quanta angústia ele
suportou? Eu não podia olhá-lo em seus olhos, então virei meu olhar para
cima. Um avião voava contra o céu um tanto escuro. Vi pela primeira vez o
carro nas costas de Taehyung no contêiner de Namjoon. Eu não podia
perguntar sobre isso quando ele estava sorrindo tão amplamente com sua
nova camiseta.
Eu não tive pais. Eu não tinha lembrança do meu pai, e minha memória
da minha mãe parou aos 7 anos de idade. Provavelmente eu tenho mais
feridas e cicatrizes em relação à família e à infância do que qualquer outra
pessoa. As pessoas sempre diziam tão cedo que precisamos superar nossas
feridas, abraçá-las e aceitá-las como parte de nossas vidas. Que precisamos
nos reconciliar e perdoar os outros para viver. Não era que eu não estivesse
ciente disso. Não era que eu não quisesse tentar. Mas tentar não garante o
sucesso. Ninguém me ensinou como. O mundo nos deu novas feridas antes
mesmo que as antigas se curassem. Certamente, ninguém no mundo pode

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evitar se machucar. Eu estava ciente disso. Mas nós realmente precisamos nos
machucar profundamente? Para quê? Por que essas coisas acontecem
conosco?
"Eu estou bem. Eu posso ir sozinho." Taehyung disse no cruzamento. "Eu
sei". Eu guiei o caminho. "Estou muito bem. Consegue ver? Eu estou bem."
Taehyung sorriu. Eu não respondo. Ele não podia estar bem. Mas uma vez que
ele admitisse que não estava bem, ele não seria capaz de suportar. Então ele
estava apenas ignorando a verdade. Isso se tornou seu hábito. Taehyung me
seguiu, colocando o capuz. "Você não está realmente com fome?" Perguntei-
lhe quando tínhamos caminhado até o corredor ao ar livre que levava a sua
casa. Ele deu aquele sorriso tolo e acenou. Fiquei um pouco e o assisti
caminhar em direção a sua porta e eu finalmente me virei. O caminho que ele
estava andando e o caminho que eu andei eram estreitos e sombrios. Ele e eu
estávamos sozinhos.

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SEOKJIN
20 de Maio Ano 22

A casa Taehyung ficava num dos edifícios mais antigos do bairro. A tinta
estava descascando aqui e ali, e as ervas daninhas cresciam nas rachaduras das
paredes. Parecia degradado. Eu estava esperando por Taehyung e Hoseok no
pequeno parque na colina atrás do prédio. Como estava na encosta, ele dava
para o corredor externo do andar de Taehyung do prédio.
Hoseok apareceu de uma esquina que levava a um beco ao longe.
Taehyung estava seguindo-o. Seu rosto não era bem visível porque ele usava o
capuz. Taehyung e Hoseok trocaram algumas palavras na saída do beco.
Taehyung parecia estar tentando mandar Hoseok para casa e Hoseok estava
dizendo que ele estava bem. Hoseok começou a andar de novo primeiro. Os
dois chegaram à frente do prédio sem uma palavra. Hoseok subiu as escadas e
parou na frente da porta do Taehyung. Ele bateu no ombro de Taehyung e fez
um gesto para ele entrar na casa. Então, ele se virou e começou a andar em
direção à saída. Taehyung olhou para ele por trás por um momento e estendeu
a mão até maçaneta da porta.
Liguei Hoseok no momento em que Taehyung começou a abrir a porta.
Depois que a chamada tocou três vezes, Hoseok pegou o telefone no meio do
corredor. Taehyung estava entrando em sua casa. “Hoseok , você pode ligar
para Taehyung?” Hoseok parou de andar. "Eu acabei de vê-lo." Eu disse que
estava planejando uma viagem para o mar para todos nós e ele deveria pedir a
Taehyung para vir junto. Hoseok riu, dizendo que era claro que Taehyung viria
junto. "Mas só para ter certeza, você poderia perguntar a ele e me avisar?" Eu
desliguei apressadamente. Esta foi a hora. Hoseok deve entrar na casa de
Taehyung agora. Hoseok inclinou a cabeça para o lado, olhando para a tela do
celular e se virou. Então, ele entrou na casa de Taehyung pela porta
entreaberta.

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TAEHYUNG
20 de Maio Ano 22

Eu olhei para a minha palma. O sangue estava escorrendo. Apenas


quando minhas pernas começaram a ceder e eu estava prestes a desmoronar,
alguém me agarrou por trás. A luz do sol entrava pela janela escura. Minha
irmã estava chorando e Hoseok estava em silêncio. Como de costume, o chão
estava entulhado de pratos sujos, outras coisas, e cobertores. Meu pai já havia
escapado do quarto antes que eu percebesse.
A ira incontrolável e a tristeza que surgiram quando me joguei no pai
ainda estavam frescas em minha mente. Eu não sabia o que me impediu
quando eu estava prestes a esfaqueá-lo. Eu não sabia como apagar essas
chamas furiosas dentro de mim. Eu queria me matar em vez do meu pai. Se eu
pudesse, eu queria cair morto ali mesmo.
Eu não consegui derramar lágrimas. Eu queria chorar, chorar alto, chutar
e destruir tudo e me descontrolar. Mas tudo parecia fora do meu controle.
“Desculpe, Hoseok, estou bem. Você vai em frente.” Minha voz soou seca e
calma, ao contrário da minha mente frenética. Mandei Hoseok para casa
contra sua vontade e olhei para minha palma. O sangue ainda estava pingando.
Em vez de esfaquear papai, quebrei uma garrafa no chão. A garrafa quebrou
em pedaços e cortou minha palma. O mundo girou e girou quando fechei meus
olhos. Meu cérebro congelou. O que eu deveria fazer agora? Como devo viver?
Depois que recuperei a consciência, me encontrei olhando para o
número de Namjoon. Mesmo nessa situação, ou por causa dessa situação. Eu
estava desejando ver Namjoon ainda mais desesperadamente. Eu queria
confessar a ele. Eu quase matei meu pai que me trouxe a este mundo e me
bateu todos os dias. Eu quase o matei. Não, eu realmente o matei. Incontáveis
vezes. Eu o matei inúmeras vezes na minha cabeça. Eu quero matar ele. Eu
quero morrer. Eu não sei o que fazer. Estou perdido. Eu só quero ver você
agora.

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O Dia Mais Bonito De Nossas Vidas

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JUNGKOOK
22 de Maio Ano 22

Alguém sacudiu meu ombro para me acordar. Quando abri os olhos, a


janela do carro estava totalmente preenchida com a paisagem marítima. A
brisa do mar parecia fria, provavelmente porque eu estava apenas meio
acordado. Eu me envolvi com os dois braços e saí do carro. Os outros, já longe
na praia, onde as ondas quebraram contra a costa, acenaram para mim. Além
deles estava o mar e acima do mar estava o sol. A cena inteira parecia uma
moldura imóvel.
O vento aumentou e preencheu este quadro com areia furiosa
exatamente quando levantei minha mão para acenar de volta. A poeira
arenosa subiu do chão e girou ao redor. Os outros se viraram de uma só vez,
cobrindo os rostos para afastar o vento granuloso. Eu fiz o mesmo, fechando
os olhos com força, abaixando a cabeça e cobrindo o rosto com o braço. Nós
permanecemos nesta posição em meio aos sons de ondas batendo e vento por
um longo tempo.
Eu tentei abrir meus olhos, mas eles arderam com a areia. “Não os
esfregue. Isso vai piorar.” Ao ouvir Hoseok, eu lentamente pisquei. O mar, o
céu e os outros continuaram aparecendo e desaparecendo através das
lágrimas que brotavam nos meus olhos. Depois que pisquei várias vezes, as
lágrimas escorreram e o ardor diminuiu. As lágrimas devem ter retirado os
grãos de areia. Eu ouvi os outros rindo. Eles estavam rindo de mim chorando
no meio de uma praia vazia.
Não ficou claro quem começou a correr primeiro. Começou como um
jogo bobo. Fingi perseguir os outros que ficavam tirando sarro de mim. Hoseok
se lançou como se estivesse fugindo de mim e rindo alegremente. Em algum
momento, estávamos todos correndo pela estrada costeira. Eu corri atrás dos
outros. Eu estava sem fôlego, suado e com uma dor de cabeça estridente. Mas
eu não parei porque eles continuaram.

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Todos nos encontramos de novo, tiramos Jimin do hospital e voltamos
para a mesma praia. Foi tudo não planejado. Tudo o que eu fiz foi ir junto, mas
me senti empolgado. Talvez correr de um jeito inexpressivo fosse o único jeito
de eu lidar com aquela sensação de medo e emoção. Eu fiz o mesmo quando
todos nós abandonamos a escola e viemos a esta praia pela primeira vez.
"Isso mesmo. Nós éramos assim naquela época também.” Namjoon
disse quando nós caímos na praia para recuperar o fôlego. “Eu acho que estava
tão quente assim. Quando foi?” Foi o Jimin. “Era 12 de junho.” Minha boa
memória pegou todos de surpresa. Me lembro exatamente porque a foto que
tínhamos tirado na praia estava marcada com a data. Eu às vezes a pegava e
olhava pra ela. Não contei a ninguém, mas senti naquele dia distante que
finalmente encontrara uma família de verdade. Verdadeiros irmãos.
"Gente." Comecei a expressar minha gratidão, mas me encontrei sem
palavras. "O quê?" Os outros me atacaram um por um e depois se jogaram em
cima de mim. Nós rolamos na praia emaranhados juntos, brincando como
crianças.
"Por que você está aqui sozinho?" Eu afundei ao lado de Taehyung, que
estava sentado em um canto da areia longe dos outros. Ele olhou para mim
brevemente e me respondeu com uma pergunta. "Aquela foi a última vez que
viemos aqui?" Ele estava falando sobre o observatório. “Se fosse, nós teríamos
escalado. Mas eu não me lembro disso." Ele assentiu em concordância. Ele
continuou olhando para o observatório.
"Vamos." Alguém bateu no meu ombro. Era o Seokjin. Seu rosto
irreconhecível quando ele estava de pé contra a luz. Pode ter sido porque eu
estava olhando para ele de uma posição sentada, mas ele parecia tão alto. Eu
me levantei, limpando a areia. Meus pés afundaram na areia ardente. Eu me
esgueirei pela sombra de Seokjin e caminhei, chutando areia com as pontas
dos meus tênis. A areia que eu chutei espirrou nas calças de Seokjin, mas ele
não olhou para trás.

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TAEHYUNG
22 de Maio Ano 22

Eu já tinha visto isso antes. Em um sonho que parecia vívido e real, vi o


mar, nós sete e o imponente observatório. Eu estava no observatório no final
do sonho. Todo mundo olhou para mim. Eles estavam longe, então seus rostos
eram difíceis de ver. Ainda assim, sorri para eles. Como se estivesse me
despedindo deles. E então eu pulei.
"Seokjin?" Ouvindo Jungkook, virei a cabeça para ver Seokjin subindo no
observatório. No topo, ele virou o corpo para nós. Ele parecia estar tentando
nos fotografar. Os outros acenaram para ele, mas não consegui. Foi como a
última cena do meu sonho. A única diferença era que Seokjin estava lá em
cima ao invés de mim.
Naquele momento, senti como se a areia sob os pés e meu corpo
flutuasse no ar. Fecho meus olhos com força, temendo que meu corpo possa
despencar no chão. Eu não apertei meu punho, mas a ferida na minha mão
começou a doer. A ferida parecia profunda, mas curou mais rapidamente do
que eu esperava. Senti uma cicatriz vermelha. Às vezes doía intensamente.
Como se eu estivesse sendo punido. Punido por todos os meus erros. Está
doendo agora.

100
NAMJOON
22 de Maio Ano 22

"Ele é apenas um ano mais novo do que eu. Não, eu não disse isso. Eu
sou mais velho. Eu sei. Mas ele não é mais uma criança. É hora de ele começar
a cuidar de si mesmo. Deixa comigo. Deixa comigo. Não, não estou zangado.
Desculpa. "
Olhei para o chão depois de desligar o telefone. Estávamos a caminho do
nosso alojamento depois de passar o dia na praia. Uma brisa morna soprava no
nosso caminho. Parecia que o coração estava obstruído e explodiria a qualquer
momento. As formigas marchavam enfileiradas no chão, cobertas de areia e
sujeira.
Não era que eu não amava os meus pais. Não era que eu não me
preocupasse com meu irmão. Eu os ignoraria se eu pudesse, mas sabia que
nunca seria capaz. Eu sabia disso muito bem. Então, de que adiantava lutar,
perder a paciência, se sentir angustiado e tentar se libertar?
Longe, alguém estava parado de costas como eu. Era o Jungkook.
Jungkook certa vez me disse: "Quero ser como você quando crescer". Não
conseguia confessar que estava longe de ser um adulto, quanto mais um
adulto exemplar. Parecia muito brutal esmagar sua esperança dessa forma. Eu
não podia contar a alguém tão jovem, alguém que não recebeu a confiança, o
apoio e o carinho que ele merecia, que você não se torna adulto apenas
ficando mais velho e mais alto. Eu desejo que o futuro do Jungkook seja mais
gentil com ele do que o meu foi pra mim, mas eu não poderia prometer que eu
seria de alguma ajuda para ele ao longo do caminho.

101
SEOKJIN
22 de Maio Ano 22

Eu olhei para os outros novamente. Eles estavam fazendo piadas bobas,


rindo, cantando e rindo novamente quando alguém se levantou e começou a
dançar. Eu não podia acreditar no que estava se desdobrando diante dos meus
olhos. Chegamos aqui juntos depois de tantas tentativas e erros. Eu sonhei
com isso por tanto tempo e tão desesperadamente que parecia impossível que
estivesse realmente acontecendo.
Mas me senti desconfortável porque ainda tinha algo para confessar. Eu
continuei hesitando e não consegui reunir coragem. Mas eu não podia mais
fugir disso. A menos que eu lhes dissesse, não seria capaz de olhar meus
amigos olho no olho.
Quando o jantar estava quase acabando, eu disse a eles que tinha algo a
dizer. Mas eles não prestaram atenção. Apenas Taehyung estava me
encarando. Vários dias atrás, ele veio até mim e me perguntou sobre o sonho
que ele estava tendo. "Você sabe o que isso significa, certo?" Ele me
pressionou por uma resposta, mas eu agi como se não soubesse. Eu disse:
"Como eu poderia saber? Foi apenas um sonho. ”Taehyung ficou chateado e
foi embora.
Não foi completamente uma mentira. Eu não sabia por que Taehyung
estava tendo um sonho assim. Mas eu sabia como era brutal. É por isso que
não posso contar a verdade. Ainda mais porque eu sabia o que ele estava
pensando. Ele não precisava saber que ele matar seu pai não era sonho, mas
que sim isso aconteceu na vida real repetidamente. Ninguém deve passar pela
vida com tanta agonia. Eu não mudaria minha decisão, mesmo que isso
prejudicasse nossa amizade.
Eu virei a cabeça para evitar os olhos de Taehyung. Fechei a boca, prendi
a respiração e falei com mais clareza dessa vez. "Eu tenho algo para falar."
Namjoon e Hoseok olharam para mim, e os outros também se acalmaram. “Eu
deveria ter dito isso há muito tempo atrás. Quando estávamos na escola...”

102
Taehyung interrompeu. “Quando estávamos no ensino médio? Quando
você nos dedurou para o diretor? Ou quando Yoongi foi expulso da escola por
causa disso? Sobre o que você está falando?” A crítica estava claramente
escrita no rosto de Taehyung.
"Taehyung!" Namjoon o chamou em uma tentativa óbvia de segurá-lo.
Taehyung sacudiu a mão de Namjoon com seus olhos fixos em mim. "Isso foi
tudo você quem fez." Ninguém disse nada. Todo mundo foi pego de surpresa e
não conseguia pensar em nada para dizer. Olhei para Yoongi. Taehyung estava
certo. Yoongi foi expulso da escola por minha causa. Eu murmurei com a
cabeça baixa "Sinto muito". Taehyung começou a falar novamente.

103
TAEHYUNG
22 de Maio Ano 22

“Seokjin, isso é tudo? Você não está escondendo mais nada de nós?" Eu
olhei para Seokjin. Ele olhou de volta para mim. Eu estava prestes a pressioná-
lo com mais força quando alguém agarrou meu ombro para me impedir. Eu
sabia quem era sem olhar para trás. Era Namjoon. “Não se meta. Por que você
se importa? Você nem é meu irmão de verdade." Eu podia sentir os olhos de
Namjoon na parte de trás da minha cabeça. Eu soltei suas mãos sem sequer
olhar para ele. Eu também sabia disso. Eu estava descontando minha raiva em
Namjoon.
Quando eu estava indo para nossa hospedagem na praia, passando pelo
pinhal, ouvi Namjoon falando ao telefone. Cada palavra que ele disse estava
certa. Eu era apenas um ano mais jovem e não era seu verdadeiro irmão. Eu
tinha que cuidar de mim mesmo. Mas ainda doía.
“Taehyung, me desculpe. Vamos parar por aqui.” Foi Seokjin quem
primeiro falou. Seokjin foi quem me disse que sentia muito. Namjoon não disse
nada. Ele apenas ficou olhando para mim com olhos irritados. "Parar o que?
Apenas deixe tudo de lado. Você está escondendo algo de nós.” O olhar de
todos agora estava fixo em Seokjin. Seokjin deu uma olhada que pareceu nos
dizer para pararmos.
"Vamos lá fora e conversar." Namjoon agarrou meu braço novamente.
Eu tentei afastar sua mão, mas ele apertou ainda mais na tentativa de me fazer
sair. Eu fui contra ele. "Me solte. Que direito você acha que tem? O que você
sabe? Você não sabe de nada. Você acha que é algo de especial, hein?"
Foi ali. Namjoon abruptamente soltou meu braço e eu tropecei em
reação. Ou não foi uma reação que me fez tropeçar. No momento em que ele
soltou meu braço, senti como se a corrente que nos ligava se partisse no meio.
Tudo o que me sustentava e servia de chão pareceu rachar e se partir.
Talvez eu estivesse esperando que ele não soltasse meu braço até o fim.
Talvez eu estivesse esperando que ele gritasse para eu calar a boca e me
arrastaria para fora. Talvez eu estivesse esperando que ele me desse uma boa

104
bronca, como ele faria com seu irmão verdadeiro ou alguém precioso demais
para desistir.
Mas ele soltou meu braço. Não pude deixar de sorrir. Eu estava sorrindo
antes de perceber. Eu digo, "O que é todo o barulho sobre estar juntos? O que
somos nós um para o outro? Estamos todos sozinhos no final." Naquele
momento, o Seokjin me bateu.

105
JIMIN
22 de Maio Ano 22

"Devemos ir também." Foi o que Hoseok disse. Eu virei minha cabeça,


olhando além da porta do nosso alojamento. A mesa, cadeiras, panelas e
pratos estavam espalhados por todo o lugar. "Jimin, vamos." Fechei a porta
apressadamente. Eles estavam muito à frente de mim. Yoongi e Hoseok
assumiu a liderança, com Jungkook os seguindo de perto. Havia sete de nós
quando chegamos pela primeira vez, e agora restaram apenas quatro.
Eu olhei para cima quando passamos pelo observatório. Não havia luz na
praia depois do pôr do sol. O observatório e o mar recuaram para a escuridão e
nada era visível. Havia apenas o rugido das ondas batendo na praia. Eu percebi
que este era o lugar. O lugar que visitamos quando chegamos juntos ao mar. A
rocha, que tornar sonhos em realidade. Nós gritamos no topo de nossos
pulmões no mesmo local onde a rocha tinha sido explodida em pedaços para
abrir caminho para um resort. “Jungkook, não era em algum lugar por aqui?”
Eu olhei para trás, mas Jungkook já estava muito à frente dos outros. Hoseok
chamou também o chamou, mas ele não pareceu ouvir. Foi então que eu
percebi. Jungkook também está seguindo em frente ao longo de seu próprio
caminho. Jungkook sempre esteve atrás dos outros. Ele havia seguido junto e
parou quando os outros pararam. Eu era assim também. Eu olhei em todas as
direções em um cruzamento. Eu tinha que virar à esquerda para chegar à
estação de trem ou à direita para pegar o ônibus para casa.
Eu tinha que voltar para casa um dia. Eu não poderia evitar isso para
sempre. Eu tinha que confessar minhas mentiras e dizer a verdade para meus
pais. Mesmo que eles não estivessem dispostos a ouvi-la. Eu tinha que
começar a apertar o primeiro botão em algum momento. Eu vi Yoongi virar na
estrada à esquerda. "Jimin, se apresse." Hoseok virou a cabeça para mim.
"Hoseok , eu estou indo para casa agora." Com um olhar perplexo, ele
perguntou: "Casa?" Eu balancei a cabeça. Então, virei para a direita.

106
JUNGKOOK
22 de Maio Ano 22

Eu senti como se meu corpo estivesse flutuando no ar, mas no minuto


seguinte eu estava deitado no chão duro. Eu não consegui sentir nada por
algum tempo. Meu corpo inteiro estava tão pesado que nem consegui levantar
minhas pálpebras. Eu não conseguia engolir ou respirar. Quando caí em um
estado semiconsciente, me tornei cada vez mais quente e meu corpo de
repente tremeu todo. Uma dor indefinível e a sede me forçaram a abrir os
olhos. Algo cintilante chamou meus olhos, que pareciam secos como se
estivessem cheios de areia. No começo, achei que era uma luz, mas não era.
Era alto, grande e embaçado. Pendurado no ar imóvel. Fiquei olhando por um
tempo e começou a tomar forma. Era a lua. O mundo apareceu de cabeça para
baixo. Minha cabeça deveria estar inclinada. Naquele mundo, a lua também
estava de cabeça para baixo. Tentei respirar tossindo, mas não conseguia me
mexer. Um frio caiu sobre meu corpo. Foi assustador. Eu tentei abrir meus
lábios, mas não consegui dizer uma palavra. Minha visão continuava
desaparecendo, embora meus olhos estivessem abertos. Alguém me fez uma
pergunta enquanto minha consciência ficava cada vez mais fraca.
“Será mais doloroso viver do que morrer. Você ainda quer viver?"

107
Depois de Voltar do Mar

108
SEOKJIN
13 de Junho Ano 22

Depois de voltar do mar, voltamos para nossas vidas solitárias. Como se


tivéssemos combinado, ninguém falou com ninguém. Nós apenas assumimos
vagamente como os outros estavam fazendo com base nos grafites que vimos
nas ruas, a luz brilhante do posto de gasolina, e os sons do piano vindo do
prédio em mau estado.
O alojamento na praia estava vazio quando voltei depois de não
conseguir encontrar Taehyung quando ele correu para fora naquela noite. Não
havia nada, exceto uma foto no chão. Na foto, estávamos sorrindo juntos com
o mar ao fundo. Apenas algumas horas antes, mas parecia há tanto tempo
atrás. Trabalhamos tão duro e por tanto tempo sem motivo? Nós estávamos
destinados a nos separar assim?
Eu passei pelo posto de gasolina sem parar. Nós nos encontraríamos
novamente algum dia. Nós riríamos juntos algum dia como fizemos na foto. Eu
reuniria coragem suficiente para me encarar algum dia. Mas hoje não era o dia.
O vento úmido soprava como naquele dia. Naquele momento, meu telefone
tocou como se estivesse me mandando um aviso. O telefone enviou
reverberações para a foto pendurada no espelho retrovisor. O nome de
Hoseok apareceu na tela. "Seokjin, Jungkook sofreu um acidente naquela
noite."

109
JUNGKOOK
13 de Junho Ano 22

Ouvi vozes fracas e abri meus olhos para encontrar Hoseok e Jimin
olhando para mim. Toda vez que eu piscava, seus rostos continuavam
desaparecendo e aparecendo novamente. "Você está machucado? Você está
com dor?” o Jimin perguntou. "Estou bem. Eu não estou ferido.” Era uma
mentira. Foi um acidente grave e eu quase morri. Os médicos continuaram
alertando os outros por dias que deveriam estar preparados para o pior
cenário possível. Eu recuperei a consciência depois de dez dias e comecei a me
recuperar em um ritmo espantoso.
"Você deveria ter nos avisado. O que somos para você? " Hoseok parecia
bravo. "Hoseok, não é que eu..." Comecei a falar, mas não consegui terminar a
frase. Assim que cheguei ao hospital, pensei neles. Se eu fosse capaz de pensar
direito, eu teria ligado para eles primeiro. Mas minha mente estava em branco
e eu estava com dor. O sedativo que me deram era tão forte que a realidade,
os sonhos, as lembranças e as ilusões pareciam todos atados em minha cabeça
e eram impossíveis de desembaraçar.
A dor insuportável finalmente diminuiu. Mas as imagens estranhas que
brilhavam diante de meus olhos enquanto sofria de febre e insônia
continuavam voltando. Eu não tinha certeza se aquelas cenas tinham
realmente acontecido ou se eram apenas pesadelos retorcidos provocados por
uma dor severa. Eu não podia confiar na minha memória. Mas ainda não
consegui contatá-los. Eu não sabia o que dizer ou mesmo como começar a
falar. Eu apenas sorri para eles. Ou eu tentei sorrir para eles. Meu rosto deve
ter parecido todo distorcido e eu estava prestes a chorar.

110
HOSEOK
13 de Junho Ano 22

Eu saí do quarto porque senti lágrimas subindo. Jungkook dizendo que


ele estava bem era doloroso. Eu acabara de ouvir o acidente de Jungkook
naquela tarde. A lanchonete estava cheia de pedestres se abrigando da chuva.
Alguns deles eram colegas de turma de Jungkook. “Por que o Jungkook não
aparece mais?” Eu não fiz essa pergunta por nenhum motivo específico. Eu
perdi contato com todos os outros depois de voltar do mar, incluindo
Jungkook. Então, uma resposta inesperada veio em minha direção. “Oh, ele
sofreu um acidente, então ele está ausente.” “Um acidente? Ele está ferido
gravemente?” “Nós não sabemos. Ele não aparece por quase sei lá, vinte
dias?”
Eu liguei para ele imediatamente, mas Jungkook não atendeu. Eu estava
prestes a ligar novamente, mas decidi abrir o nosso chat em grupo. Nenhuma
nova mensagem nos últimos vinte dias. A última mensagem foi de quando
estávamos no mar. Foi ali então? Naquela noite, quando todos nos separamos
e voltamos para casa. Foi aquela noite?
Deixei uma mensagem dizendo que Jungkook estava gravemente ferido.
E isso, o que quer que todos estivessem fazendo, era ridículo não saber o que
tinha acontecido com ele por mais de vinte dias. O número ao lado da minha
mensagem não se moveu, o que significa que nenhum dos outros abriu o bate-
papo para ler minha mensagem. Nossos dias juntos não significam nada? O
"nós" apenas valia para quando era fácil ser amigo? Eu fiquei com raiva de mim
mesmo. Com raiva por não entrar em contato com ele antes. Com raiva por
deixá-lo voltar sozinho para casa. Jungkook não era criança. Mas ele era o mais
novo. Ele ainda era apenas um estudante.
Eu andei pelo corredor algumas vezes e parei na frente do seu quarto.
Através da porta entreaberta, reconheci o rosto de Jungkook. Ele claramente
não estava bem. Ele parecia tão pálido quanto um lençol. De repente, a
imagem de Jungkook entrando pela porta do nosso esconderijo vazio veio à
minha mente. Ele estava apenas no terceiro ano do ensino médio. Seu rosto

111
ingênuo mostrava uma sensação de perda, como se tivesse percebido que algo
chegara ao fim. A nossa existência o fez lembrar desse sentimento de perda?
Quatro dos outros ainda não chegaram minha mensagem no chat em grupo.
Eu postei outra mensagem. "Isso é decepcionante."
"Você? Dançando?" Quando entrei na sala, Jimin e Jungkook estavam
falando sobre uma equipe de dança. Jimin disse que fazia apenas duas
semanas desde que ele se juntou à equipe e virou a cabeça timidamente. "Está
certo. Você era um bom dançarino. Todos nós devemos ir e ver você dançar."
A ligação do Taehyung chegou naquele momento. "O que você tem
feito? Por que você não checou minha mensagem antes?" Eu tentei parecer
mais zangado do que eu realmente estava. Taehyung gaguejou em uma voz
rouca como se estivesse chorando.

112
TAEHYUNG
13 de Junho Ano 22

"Como está o Jungkook?"


Isso é tudo que eu poderia dizer. Terminei meu turno na loja de conveniência e
pisei na rua para encontrar poças aqui e ali. Choveu há algumas horas. Eu notei
a chuva quando virei a cabeça para olhar pela porta de vidro quando um dos
clientes comprou um guarda-chuva. Meu rosto foi refletido de volta para mim
na poça. Meus olhos se encheram de lágrimas e minha garganta estava
apertada.
Hoseok disse que estava com Jungkook e Jungkook parecia melhor do
que ele tinha pensado. Eu me abaixei. "Eu estou bem." Hoseok deve ter
entregado seu telefone para Jungkook. Ele parecia fingir que estava bem. "E
você?" "Preocupe-se com você mesmo." Minha resposta foi curta, sem
intenção de ser. Jungkook riu timidamente. "Eu estou indo aí agora."
Eu não consegui manter minha palavra. Eu cheguei ao hospital em pouco
tempo, subi correndo as escadas porque eu não podia esperar pelo elevador, e
corri pelo corredor. Eu estava prestes a pular no quarto de Jungkook, mas eu
congelei lá. Eu podia ouvir vozes através da porta rachada. Era o Namjoon.
Seokjin também estava lá. Eu recuei sem perceber.
"Eu sou sempre o mesmo." Namjoon disse. De fato, ele era. Ele estava
apenas continuando com sua vida. Eu sentei em um banco no corredor.
Pessoas em robes de pacientes passavam e algumas choravam. Se alguém
perguntasse, eu responderia o mesmo. Que eu sempre fui o mesmo. Essa foi a
verdade. Eu fui e voltei entre a minha casa e a loja de conveniência. Meu pai
ainda está bebendo e causando problemas de vez em quando. A luz interna
ainda estava fraca e o ralo entupido com frequência.
Houve uma mudança. O pesadelo havia parado. O pesadelo de Yoongi
morrendo, Jungkook caindo e Hoseok em um desespero frenético. Parando pra
pensar sobre isso, o pesadelo deve ter parado depois da noite em que

113
brigamos na praia. Foi substituído por outro sonho. Lágrimas escorriam pelo
rosto de Seokjin. Pétalas de flores azuis rolavam na rua asfaltada à noite, eram
pisoteadas e eram pintadas com o sangue de alguém.
Eu dei passos largar. O elevador subia do segundo subsolo. Eu olhei de
volta para o quarto do paciente. Eu não ainda estava pronto para encontrar
com Seokjin e Namjoon.

114
NAMJOON
13 de Junho Ano 22

Cheguei ao quarto de hospital de Jungkook no meio da noite. Jungkook


parecia bem. Ele riu muito e falou muito. Eu isso fiz também. Nós conversamos
sobre o posto de gasolina, o clima e qualquer outra coisa para que não
precisássemos falar sobre o que era realmente importante. Jungkook deveria
ter perguntado. Mas ele não fez. Ele não perguntou por que os outros
brigaram naquela noite, por que saímos e por que não voltamos. Eu não fui
diferente. Eu não contei a ele por que deixei nosso alojamento sem dizer nada
e não perguntei a Seokjin quais problemas ele tinha com Taehyung. Nós
apenas engolimos as perguntas que deveríamos ter deixado escapar. No
caminho de volta, Seokjin me perguntou se eu estava bem. "Você sabe que
não disse uma palavra ainda?" Eu disse a ele que não sabia e me arrependi. Eu
disse a ele que estava bem. Nós nos separamos perto do posto de gasolina.
Eu olhei ao redor da rua de noite, pouco antes de entrar no posto de
gasolina. Era desolador. O sinal vermelho “Não Atravessar” virou para o sinal
verde “Atravesse” na faixa de pedestres. Atravessei a rua e caminhei ao longo
da ferrovia. O quarto contêiner do final. Tivemos uma fogueira aqui antes de
partirmos para o mar. Esta foi a primeira vez que vim aqui desde aquele dia.
A poeira aumentou quando abri a porta do contêiner. Fiquei ali por um
tempo até que meus olhos se acostumassem com a escuridão. Pelo que ouvi
de Jungkook, os outros não mantiveram contato uns com os outros. Ninguém
me atualizou sobre o Taehyung, mas nada mudaria muito. Este contêiner era o
único lugar onde Taehyung poderia se abrigar de seu pai. Eu sabia disso, mas
passei por lá. Era exaustivo o suficiente ir e voltar entre a biblioteca e o posto
de gasolina. Era a verdade e uma desculpa ao mesmo tempo. Eu não podia me
dar ao luxo de confrontar Taehyung, era emocionalmente exaustivo demais.
Quando meus olhos se ajustaram à escuridão, pude ver o canto
diferente do contêiner. Eles estavam cheios de lembranças de nós
compartilhando nossas vidas juntos. Eu disse a Seokjin que eu estava bem, mas

115
eu realmente não estava. Jungkook, que sofreu um acidente, não poderia estar
bem. Não poderia ser bom simplesmente enterrar o que aconteceu naquela
noite de uma só vez. Se Taehyung e Seokjin não tivessem brigado naquela
noite, se eu tivesse ficado com os outros, se alguém estivesse com Jungkook,
então não teria havido um acidente.
Mas eu disse que estava bem. Eu casualmente conversei com ele como
se nada disso fosse minha culpa e bati em seu ombro, dizendo-lhe para se
recuperar rapidamente. Eu disse isso como se fosse uma palavra de bênção ou
conselho ou consolo. Eu não tinha mudado nem um pouco. Eu estava sempre
hesitante antes de fazer perguntas e fazer escolhas em uma bifurcação na
estrada.

116
YOONGI
15 de Junho Ano 22

Eu acordei de um sonho estranho. Eu pensei ter ouvido alguém bater na


porta, mas não consegui ouvir nada depois de levantar. Eu devo ter ouvido isso
no meu sonho. "Que horas são?" Eu peguei meu telefone, mas a bateria tinha
acabado. Liguei meu telefone ao carregador e saí da cama. Minha cabeça doía
e meus ombros estavam rígidos. A peça em que trabalhei até o amanhecer
estava se repetindo de novo e de novo. Eu tinha ficado acordado a noite toda
ou vários dias, mas ainda não conseguia encontrar a chave para desvendar as
notas confusas.
Talvez tenha sido por causa dessa peça repetindo uma e outra vez, mas
no meu sonho, eu estava perambulando pela neblina, seguindo um leve som
de assobio. Depois de muito tempo, cheguei a um jardim de um complexo de
apartamentos. Lá, eu acho uma chave de piano entre os arbustos grossos. A
chave do piano meio queimada estava coberta de terra e folhas podres. Eu
entrei no jardim e estendi a mão para a chave. Quando eu quase havia
conseguido pegar, o complexo de apartamentos, o nevoeiro e o som de
assobio desapareceram de uma só vez. No minuto seguinte, eu estava em pé
no meio dessa sala de trabalho. À distância, eu estava sentado no piano com
Jungkook. Jungkook disse alguma coisa e eu ri. Quando foi isso? Eu não
conseguia lembrar a data exata, mas esta cena foi impressa em minha
memória tão clara quanto o dia. Houve muitos dias em que pude ver
claramente a cena. De repente, ficou escuro lá fora e eu vaguei pela rua de
noite. Eu estava voltando da praia. Eu coloquei minhas mãos nos bolsos
enquanto falava sobre o meu trabalho para Hoseok , e eu senti a chave do
piano com as pontas dos meus dedos. O sonho continuou dessa maneira
desarticulada. Os momentos se sobrepuseram um ao outro e fragmentos de
memórias se acumularam em uma confusão.
Eu ouvi alguém batendo na porta assim que desliguei a música. Quem
poderia ser? Eu abri a porta, mas ninguém estava lá. Tomei um copo de água e

117
deitei no sofá. As últimas semanas tinham sido um carrossel agitado. Tudo não
dava muito certo quando se compunha música. Foi difícil se concentrar no
começo. E eu também não estava acostumado a trabalhar com um parceiro.
A mulher era direta e sincera. Ela entrava e saía da minha sala de
trabalho sempre que tinha vontade. Ela nunca hesitou ou evitou falar sobre
coisas complicadas quando avaliava meu trabalho. Ela tirou meu isqueiro
quando eu tentei fumar e me jogou um pirulito. Ela pegava meu pé pra eu
dormir e comer. Eu não podia discutir com ela porque sua performance e suas
peças eram impressionantes. Porque a avaliação dela foi correta.
Isso me provocou. Comecei a passar mais e mais tempo na minha sala de
trabalho. Perdi meu senso de tempo e me viciei no trabalho. Eu ficaria
acordado a noite toda assim que chegasse ao trabalho. Eu não atendi ligações
nem verifiquei minhas mensagens. Todos os meus nervos estavam no limite e
eu não queria falar com ninguém. Eu desliguei os alertas para cada aplicativo
de bate-papo. Eu teria me tornado tão talentoso como a mulher se não tivesse
perdido meu tempo e continuado treinando música? Eu me perguntei. Eu não
queria ficar atrás dela.
“Isso é muito legal.” Isso foi o que aquela mulher disse depois de ouvir a
peça inacabada ontem à noite. Foi uma versão atualizada do que eu havia
escrito anteriormente. "Isso é muito legal." Era como se eu tivesse ouvido
exatamente as mesmas palavras antes. Eu estava tentando me lembrar
quando ela pegou o violão. Então, ela começou a harmonizar e tocar variações
da melodia. Eu sentei na frente do piano e toquei junto.
"Não se esqueça. Vamos nos encontrar no hospital amanhã de manhã."
A mulher pegou seu violão e se levantou cerca de duas horas depois. Eu olhei
para ela com um rosto sem expressão e ela revirou os olhos. Então me lembrei.
Ela estava dando apresentações solo gratuitas em hospitais e escolas. Ela me
disse na semana passada para acompanhá-la na próxima apresentação. Eu não
respondi, mas ela finalizou o plano sozinha. Ela disse que ligaria de manhã
cedo e eu deveria me certificar de pegar o telefone.
Depois que ela saiu, me sentei na frente do piano novamente. Não foi
ruim. Mas parecia que algo substancial estava faltando. Me lembrei
claramente que quase compreendi da última vez que trabalhei nessa peça. Eu
fiz alterações, mas nada clicou. Eu me levantei do banco do piano, sentindo a

118
pressão no meu peito. Talvez eu estivesse colocando muita ênfase nisso,
porque não veio com facilidade para mim. Talvez seja melhor ajustar um pouco
mais a peça e parar de esperar por algo assim. Eu olhei para fora da janela. O
sol estava nascendo.
Meu celular vibrou quando foi ligado novamente. Ela ainda não tinha
ligado. Deitei no sofá. Meu telefone tocou depois de alguns minutos. O nome
do Jimin apareceu na tela. Isso instantaneamente me lembrou de uma cena do
meu sonho na noite passada. Uma casa estava em chamas. Alguém me
perguntou. "Tem alguém dentro?" Eu respondi. “Não, não tem ninguém lá
dentro.” A cena mudou, e eu estava sentado no quarto vazio da minha mãe.
Ela dizia: "Se eu não tivesse você.. se você não tivesse nascido..."
Não sei como saí da minha sala de trabalho para o hospital. Eu estava
subindo as escadas como um louco quando saí dele. O corredor era
estranhamente longo e escuro. Pessoas em robes de pacientes passavam. Meu
coração continuava latejando. Seus rostos estavam pálidos como lençóis. E
sem expressões. Eles pareciam mortos. Eu podia ouvir minha respiração
pesada na minha cabeça.
Eu podia ver Jungkook em seu robe de paciente deitado na cama através
da porta entreaberta. Ele deve estar dormindo, mas ele parecia estar morto.
"Ele quase morreu. Os médicos disseram que foi um milagre ele estar vivo. Foi
naquela noite, naquela noite que voltamos da praia." A voz do Jimin ainda
estava tocando nos meus ouvidos.
Eu virei a cabeça. Eu não podia mais olhar para ele. Uma infinidade de
imagens brilhou diante dos meus olhos como um panorama. A chama que
emitia um estalido em um tambor em um canteiro de obras, o quarto de
minha mãe que sempre estivera apagado, os sons do piano vinham do fogo,
Jungkook estava de costas enquanto tocava piano na loja de música, Jungkook
inconsciente a rua vazia, e a dor e o medo que ele deve ter passado quando
perdeu a consciência...
Ela disse: "É tudo por sua causa." Ela disse: "Se você não tivesse
nascido..." A voz da minha mãe. Ou era a minha? Ou era de outra pessoa? Eu
tinha sido atormentado toda a minha vida por causa dessas palavras. Eu queria
acreditar que elas não eram verdadeiras. Mas Jungkook estava deitado lá. Ele
estava deitado em um hospital onde os pacientes vagavam como os mortos-

119
vivos. Se eu simplesmente o tivesse ignorado e saído da loja de música, se
tivesse morrido nas chamas, nada disso teria acontecido?
Naquele momento, as melodias do violão da mulher penetraram em
minha mente. O som do violão se sobrepôs ao som crepitante do fogo ardente,
o som do piano e inúmeros outros sons. Eu cobri minha cabeça e orelhas com
os dois braços, mas o som do violão só ficou mais alto. Eu me virei e comecei a
fugir pelo corredor. Eu esbarrei em pessoas que estavam por ali, mas não tive
tempo de me virar e me desculpar. Eles me xingaram. Eu não olhei para trás.
Eu tinha que fugir daquela voz e da alucinação. Minha cabeça doía. Eu perdi
toda minha confiança. Corri pelo corredor, vacilando e cambaleando, e saí do
hospital.

120
JUNGKOOK
15 de Junho Ano 22

Um barulho do lado de fora da sala me acordou. Eu estava tendo um


sonho estranho, mas não conseguia me lembrar dos detalhes. A noite do
acidente de trânsito se repetia como uma tela de CCTV borrada de preto e
branco. Eu podia sentir meu coração desacelerar e então acelerar
explosivamente. De repente, a dor aumentou, e alguém estava sussurrando
fracamente. No minuto seguinte, acordei me contorcendo.
Meu corpo inteiro estava encharcado de suor. A luz do sol atravessou a
janela direto para o meu rosto. Eu entrei no corredor e fui recebido pela cena
habitual. Foi a primeira vez que usei as muletas. Eu ainda precisava me
acostumar com eles, mas eles eram muito mais fáceis do que uma cadeira de
rodas. Eu saí pela entrada. Estava arejado. Meu suor esfriou rapidamente e
senti frio na parte de trás do meu pescoço. Não estava tão quente quanto
pensei dentro do meu quarto.
Quando me sentei em um banco e abri meu bloco de desenho, o médico
responsável veio até mim. Ele disse que era um milagre que eu tinha me
recuperado, ele não pensou que seria possível. Ele me bateu no meu ombro,
dizendo que eu era a prova viva de um milagre.
"Você deve ser bom pelo resto da sua vida." Eu virei minha cabeça e vi
uma garota parada ali que eu conheci ontem no corredor. A garota disse que
foi incrível encontrar um milagre ao lado dela e me perguntou como eu me
sentia. Eu respondi que estava realmente saudável.
Eu abaixei meus olhos novamente para o caderno de desenho. Antes
que eu percebesse, eu estava desenhando o que eu tinha visto no meu sonho.
Minhas lembranças estavam borradas como a tela de CCTV. Era difícil me
concentrar no desenho ou nas lembranças porque a menina ficava me fazendo
perguntas. Depois de um tempo, olhei para cima. Uma música familiar estava
tocando. Alguém estava dando uma performance à distância. Eu
definitivamente conhecia essa música. Yoongi as vezes tocou isso em sua sala

121
de trabalho. Fui até o palco com minhas muletas. Um isqueiro marcado como
YK estava pendurado no violão.

122
JIMIN
3 de Julho Ano 22

Hoseok estava de mau humor desde que visitou Jungkook. Se alguém


pudesse realmente amarrar os sete de nós juntos como "nós", esse alguém era
o Hoseok. Ele abraçou e protegeu o "nós" como um abrigo. Mas ele não era
sempre tão brilhante e alegre por dentro quanto tentava aparecer na nossa
frente. Era mais como um senso de responsabilidade. Ele instintivamente
sentia as feridas e a dor das pessoas ao seu redor e não conseguia suportá-las
bem. Era por isso que ele fingia estar mais animado do que realmente era por
natureza.
Mesmo hoje, Hoseok ficou apenas sentado em um canto da sala de
prática por um longo tempo e saiu sem dizer uma palavra. Eu me juntei ao Just
Dance e comecei a aprender a dançar logo após voltar do mar. Hoseok me deu
a oportunidade. Como eu passei muito tempo no hospital, eu era ruim em
conhecer novas pessoas. Ele também trouxe um novo parceiro de dança. Ela
era uma amiga que ele conheceu no orfanato.
Ela era a única pessoa que poderia fazê-lo rir quando ele estava naquele
humor. Quando ela murmurou algo enquanto olhava para o telefone dele
juntos, ele riu. "Você riu. Você riu." Ela zombou dele. Hoseok virou a cabeça,
dizendo para ela parar. Ele riu novamente.
A sala de prática ficou em silêncio num piscar de olhos depois que eu
desliguei a música. Eu apenas deitei no chão. Eu gostava de dançar quando eu
era pequeno. Eu dancei muito e muitas vezes fui elogiado por isso.
Mas o quarto dos pacientes não era um bom lugar para dançar; quando
eu frequentava a escola entre as internações hospitalares, eu apenas abaixava
minha cabeça para evitar os olhos dos meus colegas. Depois de um tempo,
meu corpo ficou enferrujado. Eu não podia executar os movimentos que
Hoseok fazia tão facilmente. Não havia nada a fazer além de continuar
praticando, mesmo depois de todos terem saído.
Eu repassei o vídeo dos movimentos de dança que eu aprendi mais cedo
no meu telefone. Os movimentos de Hoseok eram fluidos, mais precisos no
vídeo. Eu sabia que eles eram um produto d anos de prática e que levaria

123
muito tempo para um novato como eu alcançar esse nível. Foi um pensamento
positivo. Eu só podia continuar suspirando alto.
Fui à casa dos pais no dia em que deixei a praia sozinho. Quando olhei
para as janelas bem iluminadas, não pude deixar de pensar: "Este lugar já foi a
nossa casa?" Apertei a campainha no portão da frente. Demorou um pouco
para abrir. Peguei o elevador e sai na 17° andar. Embora a porta estivesse
aberta, ninguém saiu para me receber.
Meus pais estavam sentados no sofá da sala de estar, assistindo a um
filme preto-e-branco na TV. "Eu não quero voltar para o hospital." Eu soltei
depois de alguma hesitação. "Não se preocupe. Eu não vou fazer nada
precipitado. Mas eu não vou voltar para lá.” “Onde você esteve?”, minha mãe
perguntou. “Com meus amigos.” “Amigos? Se limpe e vá para a cama. Vamos
levar algum tempo para pensar sobre o que fazer com você.” Meu pai se
intrometeu.
Eu os referenciei e fui para o meu quarto no corredor. Assim que a porta
se fechou nas minhas costas, desabei. "Vamos levar algum tempo para pensar
sobre o que fazer com você." A voz do meu pai tocou na minha cabeça. Eu
tentei me preparar, mas não foi fácil. Eu mal dormi naquela noite. Em vez
disso, fiz duas resoluções. Eu vou descobrir com o que eu gostaria de me
comprometer. E eu vou provar que sou bom nisso.
Eu me levantei e fiquei na frente do espelho. Eu podia imitar as curvas
muito bem, mas eu continuava trocando os pés. Eu continuei cometendo
erros. Eu deveria fazer os passos com meu novo parceiro de dança no dia
seguinte, e queria impressioná-la. Eu queria ser reconhecido como igual ao em
vez de ouvir "nada mal".

124
JIMIN
4 de Julho Ano 22

Quando voltei a im, estava esfregando meu braço com tanta força que
minha pele se soltou. Minhas mãos tremiam e pude ouvir o som da minha
respiração pesada. Uma fina corrente de sangue correu pelo meu braço. Pelo
reflexo no espelho, pude ver que meus olhos estavam vermelhos. Fragmentos
do que acabou de acontecer correram pela minha mente.
Eu perdi a concentração enquanto dançava com minha parceira. Meus
passos se emaranhavam. Eu bati nela, caí e esfolei meu braço. O sangue me fez
lembrar do Arboreto Grass Flower. Eu me senti sufocado. Eu não conseguia
lembrar como me levantei, saí correndo da sala de treinamento e cheguei ao
banheiro. Eu esfreguei e lavei o arranhão como um louco, ficando cada vez
mais assustado ao ver o sangue descendo pelo ralo. Eu pensei que eu tinha
superado isso. Eu pensei que estava bem. Mas eu não estava. Eu tive que fugir.
Eu tive que lavar isso. Eu tive que olhar de outra maneira. Então, de repente eu
percebi que minha parceira também tinha caído.
Eu rapidamente corri de volta para a sala de prática, mas não havia
ninguém lá. O sobretudo e a bolsa de Hoseok estavam espalhados pelo chão.
Eu corri para fora; estava chovendo forte. Eu podia ver Hoseok ao longe, com
minha parceira de dança nas costas, correndo com todas as suas forças. Ela
parecia estar inconsciente. Seus braços flácidos balançavam em todas as
direções.
Eu corri atrás dele com um guarda-chuva na mão, mas parei. Tentei me
lembrar do momento em que ela caiu, mas não consegui.
Quando vi o sangue, tudo ao meu redor desapareceu. Eu não seria de
qualquer ajuda, mesmo se eu o alcançasse. Eu a machuquei empurrando-a,
mas não parei para ver se ela estava bem porque eu estava tremendo como
geleia no meu próprio sangue.
Eu me virei. Toda vez que eu dava um passo, a chuva pingava no meu
tênis. Os faróis dos carros passaram por mim. Choveu naquele dia de
piquenique há muito tempo, assim como hoje. Naquele dia, eu fugi do

125
Arboreto Grass Flower. Meu corpo estava coberto de lama que parecia sangue.
Eu não era nem um pouco diferente daquele garotinho de 8 anos.

126
HOSEOK
7 de Julho Ano 22

Meu tornozelo não se curou bem. Eu tive um pequeno acidente há


alguns dias atrás. Agora posso dizer que era “pequeno”, mas foi sério na
época. Jimin e aquela garota se esbarraram enquanto praticavam um
movimento de dança e ambos caíram com força. Eu carreguei a menina nas
minhas costas e corri para o hospital. Não era longe, mas estava chovendo. Ela
estava inconsciente.
Enquanto ela era tratada, eu andei de um lado para o outro no corredor.
Era tarde da noite, mas o corredor em frente à sala de emergência estava
cheio de pessoas tomando café da máquina ou olhando para os telefones.
Chuva e suor escorriam do meu cabelo. Eu sacudi meu cabelo com a mão,
sentando em um banco em um canto, e deixei cair a bolsa por engano. Moedas
rolaram no chão, e canetas esferográficas e um lenço estavam espalhados por
toda parte. Havia também uma passagem de avião. Eu sabia que ela tinha
aplicado para uma audição para uma equipe de dança internacional. O bilhete
deveria significar que ela ganhou a vaga.
Naquele momento, o médico me chamou.. Eu coloquei a passagem de
volta em sua bolsa e caminhei em direção ao médico. Ele disse que a menina
tinha batido a cabeça e teve uma concussão e que eu não precisava me
preocupar muito. Ainda estava chovendo lá fora. Fiquei perto da entrada com
ela. "Hoseok". A garota me chamou. Ela parecia ter algo a dizer. "Espere aqui.
Vou comprar um guarda-chuva." Corri para a chuva. Uma loja de conveniência
entrou no meu campo de visão. Eu não queria ouvir o que ela tinha a dizer.
Não tinha certeza se poderia parabenizá-la.
Jimin estava esperando ansiosamente por mim de volta na sala de
treino. Eu disse a ele que a menina estava bem, mas Jimin olhou desanimado e
abaixou a cabeça.
Na manhã seguinte, meu tornozelo estava inchado. Eu tropecei um
pouco na noite anterior enquanto carregava ela nas minhas costas. Estava
chovendo, e eu estava correndo. Eu nem sequer cai. Meu pé escorregou um
pouco. Eu coloquei um adesivo de alívio para dor e tentei andar com mais

127
cuidado. Pensei que ia ficar bem. Não inchou tanto no começo. Mas ficou pior
e pior. Tive que ficar de pé o dia todo na lanchonete. E não pude pular a
prática de dança.

128
TAEHYUNG
10 de Julho Ano 22

Corri pelas estradas inclinadas e pelos becos estreitos. Eu morava nesse


bairro há cerca de vinte anos. Eu conhecia todos os cantos e recantos. Cada
canto me trouxe de volta histórias e memórias. Mas esta não era a hora de
relembrar. A polícia estava me perseguindo. Eu não podia me dar ao luxo de
me perder em lembranças. Mas quando me virei uma vez esquina atrás da
outra, como eu pulei um muro após o outro, eu senti como se o tempo
estivesse voltando.
Eu grafitei o ponto de ônibus pela primeira vez em muito tempo. Eu
peguei as latas de spray novamente por causa de uma garota. Eu corri para ela
enquanto ela tentava roubar comida de uma loja de conveniência há alguns
dias. Ela não conseguia olhar para as mãos vazias. Ela estava obviamente com
medo de suas mãos vazias. Eu não queria admitir que sabia exatamente como
ela se sentia. Você tem que olhar diretamente para suas próprias mãos vazias.
Ninguém pode fazer isso por você. Mas eu não conseguia desviar minha
atenção dela. Eu reconheci o olhar no rosto dela. O olhar quando você sente
que não pertence a nenhum lugar do mundo. Quando você está com medo,
você é responsável por tudo que deu errado em sua vida. Quando você está
solitário e não sabe para onde ir ou ficar.
Eu vi aquela garota de vez em quando depois daquele dia. Nós não
fizemos nada de especial juntos. Nós apenas sentamos na rua ou caminhamos
ao longo da ferrovia. Então fizemos alguns grafitis juntos. Ela pareceu se sentir
estranha segurando uma lata de spray pela primeira vez, mas fez o seu melhor
para seguir o que eu fiz. Finalmente, chegamos ao ponto de ônibus. Namjoon
descia neste ponto de ônibus. A polícia também costumava aparecer aqui.
Uma vez eu fui pego grafitando aqui. A garota tentou ler meu rosto enquanto
eu ficava parado com uma lata de spray na mão.
Eu não entrei em com Namjoon desde que o vi no hospital. Mas passei
por seu contêiner na beira da ferrovia uma noite há vários dias. Eu estava na

129
rua para fugir do meu pai e do seu temperamento de bêbado. Eu saí sem
destino, vaguei sem rumo e vi a luz acesa no contêiner. Alguém estava lá. Deve
ter sido Namjoon. Eu queria entrar. Mas não consegui. Cheguei mais perto e
pude ouvir uma melodia fraca e um som de ronco. Me sentei no chão em
frente ao contêiner e olhei para o céu. Estava literalmente escuro como breu
sem qualquer indício de estrelas.
A polícia estava me alcançando depressa. Eu estava escondido num beco
sem saída. Não havia saída. Era pra ser. Mesmo se eu parasse de relembrar e
me concentrasse em fugir, eu seria pego de qualquer maneira. Era o resultado
esperado. Nenhum problema poderia ser resolvido com punhos vazios. Saí do
beco e coloquei meus braços para cima. Eu me entreguei.

130
NAMJOON
13 de Julho Ano 22

Eu arrumei minha bolsa e saí da biblioteca. Já fazia mais de um mês


desde que comecei a trabalhar no turno da noite no posto de gasolina. E ia à
biblioteca durante todo o dia. Eu estava destruído depois de chegar em casa
após trabalhar a noite toda. Mas eu não fiquei sentado depois que o alarme
disparou. Não é que eu tenha realizado nada no mês passado. Eu apenas olhei
pela janela e olhei através de revistas em transe. Não era como se eu não
estivesse me sentindo impaciente. Eu sabia que tinha que ir no meu próprio
ritmo. Mas não foi tão fácil quanto eu pensava. O que todas essas pessoas
estavam fazendo aqui na biblioteca? Eu seria capaz de alcançá-los? Mas eu não
sabia por onde começar ou ao que me agarrar.
Eu inclinei minha cabeça contra a janela do ônibus. Da biblioteca para o
posto de gasolina. Todo dia. A paisagem tediosamente familiar deslizou pela
janela. Eu poderia escapar desta rotina? Parecia impossível para mim desejar
um amanhã melhor.
Uma mulher sentada na frente do ônibus apareceu. Seus ombros se
mexiam como se ela estivesse suspirando. Ela era a mulher que distribuía
panfletos em um viaduto para pedestres. Eu também a reconheci da
biblioteca. Nós estudamos na mesma biblioteca e íamos para casa no mesmo
ônibus no último mês. Eu nunca tinha começado uma conversa com ela, mas
observamos a mesma paisagem, passamos pelas mesmas experiências e
suspiramos da mesma maneira. Eu vi como ela cochilou em um canto da
biblioteca e como o nariz dela sangrou na frente da máquina de café. Eu não
estava procurando por ela, mas ela me chamava a atenção de vez em quando.
Eu ainda tinha a liga de cabelo no bolso que eu comprei de um vendedor de
rua sem pensar depois que vi o cabelo dela amarrado com um elástico
amarelo.
O ônibus se aproximava da parada dela. Alguém apertou o botão de
parada e vários passageiros se levantaram. Mas a mulher não. Ela deve ter

131
adormecido. Eu deveria acordá-la? Eu hesitei por um momento. O ônibus
finalmente parou, mas ela não mostrou nenhum sinal de movimento. Os
passageiros desceram, a porta se fechou e o ônibus seguiu em frente.
O ônibus chegou a minha parada e a mulher ainda não tinha acordado.
Eu hesitei mais uma vez quando saí pela porta dos fundos. Ninguém prestaria
atenção nela. Já havia perdido a parada dela e não acordaria até que mais
algumas paradas passassem. Isso provavelmente acrescentaria ainda mais
fadiga à sua vida.
O ônibus partiu assim que saí. Eu não olhei para trás. Eu coloquei a liga
de cabelo na bolsa da mulher, e foi isso. Vários dias atrás, eu estava aqui e vi
alguns grafites na parede do ponto de ônibus. Eu automaticamente olhei ao
redor, mas Taehyung não estava à vista. Eu achava que ele tinha saído com
pressa porque as latas de spray estavam rolando no chão. Eu olhei para o
grafite por toda a parede por um tempo.

132
SEOKJIN
14 de Julho Ano 22

Eu sentei em um banco em um bar de tendas ao lado de Namjoon. Já


passava da meia-noite, mas o bar estava cheio de clientes que tinham vindo
para fechar seus dias com bebidas amargas. A ligação veio à tarde. Namjoon
me pediu para encontrá-lo depois de seu turno no posto de gasolina. E ele não
disse nada até agora. Ele apenas continuou a secar um copo seguido de outro
copo. Perguntei se havia algo errado, e ele apenas sorriu e balançou a cabeça.
“É apenas minha vida que não mudou nada desde que nasci. Não fica melhor
nem pior."
Namjoon disse que sua energia havia acabado. Que ele fingiu ser um
amigo quando não podia fazer nada por nós. Era por isso que ele não podia
encontrar Taehyung ou visitar Jungkook novamente. Que ele estava dando
desculpas neste momento e ele não era nada.
Nossos anos de ensino médio vieram à mente depois que nós tivemos
algumas bebidas. Aquele incidente que o Taehyung contou na praia. Por que
Namjoon me defendeu então? "Por que você fez isso então?" Em vez de
responder a minha pergunta, Namjoon fez outra pergunta. Por que eu fiz o que
fiz então? A morte da minha mãe, minha infância na minha avó materna em
Los Angeles, a expressão fria do meu pai quando voltei para a Coreia. Eu nunca
senti o aconchego de uma família. Talvez eu estivesse me sentindo embriagado
ou fosse o ar da noite, mas eu confidenciei todos os meus segredos que eu
nunca havia revelado antes.
“Agora eu sei tudo sobre você, mas os outros também não estão
esperando por você para compartilhar sua história? Esperando por você para
dar uma pista sobre o que aconteceu?” Namjoon disse depois de ouvir minha
confissão. Eu disse adeus a ele e fui para casa. Eu caminhei ao longo da rua por
algum tempo, cambaleando um pouco. A brisa da noite era refrescante e a lua
no céu estava brilhante. Parei na frente de alguns grafites no ponto de ônibus.

133
Se eu confessasse tudo, Namjoon acreditaria em mim? Se alguém me
confessasse o que eu ia dizer, eu seria capaz de acreditar nessa pessoa?
Há alguns dias, eu passei pela loja de conveniência onde Taehyung
estava trabalhando. Através da janela do carro, pude vê-lo sorrindo. Ele falava
com um cliente e ria alto. Aquela risada familiar que fazia sua boca se
transformar em uma forma quadrada. O que há para conversar e rir tão alto
com um cliente? Bem, Taehyung sempre foi assim. Ele tremia de rir com piadas
que ninguém achava engraçado e derramava lágrimas com coisas que ninguém
achava triste. Como devo me reconciliar com o Taehyung? O futuro parecia
sombrio.

134
HOSEOK
16 de Julho Ano 22

Virei as páginas do caderno de desenhos uma a uma. Estávamos


sorrindo juntos na sala de aula que virou armazém, no túnel, e contra o pano
de fundo do mar. Jungkook estava deitado sozinho em uma estrada de asfalto.
Sangue estava correndo pela estrada. A grande lua pairava no alto do céu
noturno.
"Você está ferido?" Olhei para trás e vi Jungkook entrando em seu
quarto de paciente. Eu tinha dançado com o tornozelo envolto em um curativo
de pressão, e agora um molde de gesso estava em torno daquele tornozelo.
"Eu pareço estar em uma forma melhor do que você." Eu mostrei
deliberadamente uma reação dramática às suas palavras e disse que sua saúde
era imbatível. Jungkook disse que faria um exame minucioso na semana
seguinte e seria capaz de ir para casa depois disso, se não houvesse problemas.
Eu decidi que deveríamos dar uma festa a ele. Fizemos uma festa no
contêiner de Namjoon no dia em que Jimin escapou do hospital, com
hambúrgueres, Coca-Cola e bolo que Seokjin trouxe. Nós brigamos por quem
usaria o único chapéu de festa até ser esmagado. Nós espalhamos aquele bolo
caro nos rostos uns dos outros. Namjoon reclamou que ele teria que limpar a
bagunça sozinho. Mas foi divertido. Nós sete finalmente nos reunimos para
este tempo depois que saímos do ensino médio. Nós rimos a cada palavra e a
cada movimento. Cada minuto juntos era estimulante e excitante, embora não
disséssemos ou fizéssemos muito. Eu queria fazer um dia como esse. Um dia
nos encontramos e rimos juntos novamente.

"Ei, naquela noite..." Jungkook começou a dizer quando saímos do


elevador e nos dirigimos para a porta da frente do hospital. Seu olhar estava
fixo em alguma coisa lá fora. Ele não parecia realmente estar olhando para
nada. apenas piscando os olhos como se tentasse desenterrar uma memória
antiga. "Seokjin fala sobre aquela noite? Quero dizer, ele disse que me viu

135
ou...?” Jungkook parou de falar. "Seokjin? Viu você? Onde?” Eu perguntei, mas
ele não abriu a boca novamente.
"Você é uma boa pessoa, certo?" Jungkook me perguntou antes de nos
separarmos. "Pare de falar bobagem." Eu bati em seu ombro de brincadeira e
lhe dei tchau. Eu acelerei meus passos. Eu sou uma boa pessoa? Crescendo,
me disseram que eu era uma criança brilhante e alegre. Eu costumava ser dito
que eu era sensível e impressionável. Isso significava que eu era uma boa
pessoa? Eu nunca tinha pensado nisso antes. Eu olhei para trás e vi ele parado
na entrada olhando para o céu nublado.

136
SEOKJIN
24 de Julho Ano 22

Eu segui meu pai até a sala de conferências iluminada. Me sentei em


uma cadeira perto da entrada e olhei em volta. Eu não tinha certeza porque eu
tinha sido convocado. Meu pai estava sentado no centro e estava cercado por
rostos familiares. Olhei para o relógio. A festa de alta para o Jungkook deve ter
começado. Eu estava pensando em ligar para os outros quando meu pai abriu
a boca e toda a sala ficou imóvel. A atmosfera era pesada, mas não parecia
sinistra. Em vez disso, a sala estava cheia de excitação e expectativas. As luzes
se apagaram e o título da conferência apareceu na tela. Plano principal para o
redesenvolvimento do centro de Songju.
Meu pai me ligou de repente. Para ser exato, foi a secretária dele quem
me ligou. Eu disse que tinha um compromisso, mas que eu não achava que
daria certo. Meu pai me perguntou no carro a caminho daqui se eu ainda
estava saindo com aqueles que eu chamava de meus amigos. Não respondi. Ele
não estava fazendo uma pergunta. Ele só estava menosprezando-os, me
reprovando por ficar junto com eles, e ordenando que eu cortasse meus laços
com eles.
Ele nem olhou para mim. “Não perca seu tempo com nada. Estou
dizendo isso por experiência. Além disso, você terá que ajudar muito aqui.
Tente aprender o máximo que puder. Então, você se tornará um adulto
importante.”

137
JIMIN
24 de Julho Ano 22

O interior do contêiner estava completamente decorado. Os


hambúrgueres, batatas fritas e bebidas que Hoseok havia trazido foram
colocados na mesa, e decorações de natal foram colocados na parede.
Jungkook estava sentado no centro.
Apenas três dos sete copos estavam cheios. Hoseok tinha saído para o
seu turno de meio período depois de preparar a comida, e Namjoon chegaria
depois que seu turno de meio período acabasse. Ninguém sobre sobre o
Yoongi , e Seokjin disse que viria, mas ainda não tinha aparecido. Taehyung
ficou sem palavras. Ele ainda está desconfortável no contêiner do Namjoon?
Eu quase o arrastei até aqui, mas era impossível melhorar a atmosfera.
Foi assim que passamos a maior parte do tempo depois de voltar do
mar. Ninguém chegou primeiro aos outros, e ninguém sabia como os outros
estavam se saindo. Talvez tenha sido inevitável. Nós não éramos mais aqueles
estudantes que abandonaram a escola para sair juntos. Todos nós tínhamos
nosso próprio conjunto de problemas e obrigações agora. Não podíamos nos
dar ao luxo de desconsiderá-los só porque queríamos ficar juntos. Quanto a
mim, tive que trabalhar duro para ficar fora do hospital e decidir se voltaria
para a escola. Eu tinha que provar aos meus pais, assim como pra mim mesmo,
que estava bem. Eu tinha que ter certeza de que não era um fardo para
ninguém.
Depois de algum tempo, Jungkook se levantou hesitantemente. Eu
segurei nele, dizendo que ele deveria ficar um pouco mais tempo e ver o
Namjoon. Jungkook apenas riu, dizendo que o veria outra hora. Eu não
consegui mantê-lo lá. Nós limpamos a mesa e deixamos o contêiner. Ligamos a
função de lanterna dos nossos telefones. Era 10h30. Nos separamos na frente
do contêiner. Quando atravessei a ferrovia e esperava o ônibus chegar, pude
ver Jungkook e Taehyung se afastando ao longe com suas lanternas acesas.

138
TAEHYUNG
24 de Julho Ano 22

Eu subi as escadas, subindo três e quatro degraus de cada vez. Garrafas


de licor estavam rolando por aqui e ali, e copos e pratos estavam espalhados
pelo chão. Meu pai havia caído no chão em um canto com a cabeça baixa.
Minha irmã disse que não era o que eu pensava antes mesmo de abrir a boca.
"A voz do papai estava um pouco alta, e alguém deve ter chamado a polícia,
pensando que ele estava nos espancando."
Então os policiais apareceram. Mulheres do bairro que estavam reunidas
em frente da nossa porta clicaram suas línguas e se afastaram. Minha irmã
continuou se desculpando e se curvando aos policiais. "Nada foi quebrado e
ninguém se machucou." Eu não precisava ter vergonha dessa situação. O
hábito de beber de meu pai há muito era a fofoca do bairro, mas eu olhava
para o outro lado. Meu pai parecia ter adormecido. Seu rosto estava queimado
de sol e coberto com uma barba espessa enquanto trabalhava como diarista
em um canteiro de obras. Ele tinha mais cabelos grisalhos do que antes. Eu
podia ver o aguado dentro de sua boca e sua língua.
Eu costumava matar o meu pai nos meus sonhos. Uma vez, quase o
esfaqueei na realidade. Talvez tenha começado a partir desse ponto. Comecei
a simpatizar com ele. Eu me odiava por simpatizar com ele. Essa pessoa
poderia ser chamada de pai? Ele não estava qualificado para ser um.
Alguém me bateu no meu ombro e eu olhei para trás para encontrar um
rosto familiar. Ele era um policial que foi enviado para minha casa algumas
vezes. Eu também o vi na delegacia várias vezes quando fui chamado por causa
do meu grafitti. Eu apenas abaixo minha cabeça baixa. Foi um gesto para dizer
"sinto muito" por fazê-los correr para cá em vão, mas eu também não sabia o
que o que mostrar no meu rosto. “Sua vizinha deve estar muito preocupada
com vocês dois. A senhora que relatou este incidente não pareceu nada
aborrecida e nos pediu repetidamente para virmos rapidamente antes que
alguém se machucasse. Certifique-se de encontrá-la e agradecê-la mais tarde."
Perguntei se a voz daquela senhora era baixa e rouca. Ele não conseguia se

139
lembrar exatamente, mas poderia ter sido. Minha irmã, que estava
conversando com outro policial, virou a cabeça para olhar para mim.
"Você mantém contato com a mãe?" Perguntei a ela depois que todos
saíram. Ela estava limpando as garrafas e pratos espalhados no chão, e eu
estava sentado contra uma parede. Meu pai ainda estava dormindo naquela
posição desconfortável. O sol já havia se posto e a longa janela acima da
cabeça de papai estava escura.
Minha irmã se levantou e sentou-se na mesa de jantar. Ela não disse
uma palavra, mas seu silêncio mais do que respondeu à minha pergunta. Pedi a
ela o endereço e o número de telefone da nossa mãe. “Eu não sei o número
dela. Eu só sei que ela vive em um apartamento alugado em Buk-gu,
Munhyeon. Taehyung, por que você quer contatá-la?” Ela perguntou. “Para
perguntar a ela. O que ela estava pensando? Por que ela foi embora? Por que
ela apareceu de novo.” Minha irmã sentou-se ao meu lado. "Taehyung, mamãe
sente sua falta."
Eu bufei e me levantei. Ela estava claramente inconsciente de como eu
estava bravo. Eu disse a ela que ia fazer essas perguntas a mamãe, mas não
estava particularmente curioso sobre suas respostas. Como isso me ajudaria
mesmo se soubesse por que ela foi embora? Eu só queria liberar meu
ressentimento latente. “Por que ela veio aqui? Ela é quem nos abandonou. E
agora ela quer bancar a figura materna?"
Comecei a caminhar para o norte, na direção de Munhyeon. Eu queria
andar mais rápido que meu coração palpitante. Essa foi a única maneira de eu
conseguir respirar. Já passava da meia noite. Os ônibus pararam de funcionar e
eu não tinha dinheiro para táxi. Andar era a minha única opção. Para chegar lá,
tinha que atravessar a ferrovia e uma ponte e passar pelo centro da cidade. Eu
posso chegar lá antes do amanhecer. Senti passos de alguém atrás de mim
quando eu estava atravessando a ferrovia. Jungkook estava me seguindo. Eu
tinha esquecido completamente que Jungkook estava comigo quando corri
para a minha casa após ter visto o carro de patrulha.
"Vá embora!" Eu gritei para Jungkook e continuei sem olhar para trás.
Ele deve ter visto tudo. A polícia, os vizinhos estalando suas línguas, garrafas
de bebida rolando, papai roncando e minha irmã com a cabeça baixa. Jungkook
deve ter visto tudo. Eu nunca disse a ninguém sobre a violência do meu pai.

140
Nunca. Eu nunca disse aos outros que minha mãe havia fugido. Não era por
casa do meu orgulho. Talvez tenha sido. Simplesmente não parecia justo que
eu tivesse que explicar minha situação miserável e minha vida sozinho.
Eu acelerei o meu ritmo. Eu finalmente saí da área residencial e subi as
escadas de um viaduto para pedestres sobre a ferrovia quando ouvi passos
atrás de mim. Dei uma olhada rápida e vi Jungkook. Eu ia gritar porque ele
ainda estava me seguindo, mas mudei de ideia. Não era da minha conta. Eu
pisei na ponte depois de descer da ferrovia. Jungkook ainda estava me
seguindo de longe. Parei no meio da ponte e olhei para o rio.
Na calada da noite, as estradas e os edifícios eram pouco iluminados
pelas lâmpadas das ruas, mas não o rio. O rio preto correu ferozmente sob
meus pés com um som estrondoso. Parecia mais ameaçador porque não era
discernível no escuro. Jungkook também parou atrás de mim e olhou para o
rio. Havia apenas nós dois na ponte. Sem pedestres e sem carros. Nossas
camisetas estavam molhadas de suor e balançavam ao vento.
"Você sabe que andamos por uma hora?" Acenei para Jungkook e ele se
aproximou. Nós começamos a andar lado a lado. "Posso perguntar para onde
estamos indo?" Eu disse a ele que estava indo para a casa da minha mãe. Eu
tinha algo para contar a ela. Jungkook assentiu. Meu ritmo estava ficando mais
lento. De repente eu me perguntei se eu estava realmente indo para a casa da
minha mãe. Eu não sabia exatamente onde ela estava morando. Eu não sabia o
seu número ou endereço. Eu não tinha planos depois de chegar ao complexo
de apartamentos. Minha raiva diminuiu em apenas uma hora e foi substituída
por fome e dor.
Imaginei como seria nosso encontro. Na verdade, eu já havia imaginado
inúmeras vezes. Foi o próximo passo que não ficou claro. Depois de fazer
minhas perguntas à minha mãe, o que ela diria? Ela as responderia? Se sim, ou
se não, como devo reagir? Talvez tenha sido melhor para todos nós se eu não a
encontrasse. Essa foi sempre a minha conclusão. Mas eu ficava imaginando o
momento e agora estava passeando pela rua de noite assim sem nenhum
plano para ver minha mãe.
"Sua perna está bem?" Pensando bem, Jungkook acabou de sair do
hospital. E eu o fiz andar por horas. "O médico disse que eu deveria andar
muito como reabilitação." Jungkook me mostrou um sorriso e me ultrapassou

141
como se ele estivesse tentando provar isso. Eu não conseguia dizer que
devíamos parar por aqui, decidi continuar. “Você não está com fome?”
Quando relaxei, todos os meus sentidos voltaram a clamar. "Eu estou
lamentando que não terminei o bolo e aquele hambúrguer.” Eu ri com as
palavras de Jungkook. Os seres humanos são tão absurdamente fortes, ou tão
absurdamente fracos, e nós éramos a prova – com fome, reclamando que
nossas pernas doíam e ainda riamos juntos, mesmo nesta situação.
As luzes ficaram mais brilhantes e mais fortes, e uma rua movimentada
logo apareceu diante de nós. Era noite adentro, mas a rua bem iluminada
estava lotada de pessoas e carros passando. Eram três e meia da manhã. Nós
nos sentamos em uma mesa ao ar livre do lado de fora de uma loja de
conveniência.
Jungkook disse que estava com sede quando estávamos na metade do
nosso miojo. Entrei na loja para comprar bebidas. Quando voltei, alguém
estava na frente de Jungkook. Ele estava de costas para mim, então eu não
podia dizer quem ele era ou o que ele estava fazendo. Jungkook olhava para
ele com uma expressão alarmada. Corri para o lado de Jungkook e olhei para o
homem.
O homem usava um sobretudo cáqui escuro no meio do verão. Ele tinha
uma mecha de cabelo grisalho e sua barba desgrenhada estava manchada de
caldo de miojo. Ele cheirava a álcool. Ele foi devorava avidamente o meu
miojo. Não valia a pena perguntar quem ele era ou por que estava comendo
meu macarrão. Fiquei surpreso, mas não irritado. Na verdade, eu estava com
medo.
Naquele momento, alguém de um grupo de encrenqueiros saindo da
loja de conveniência empurrou o ombro do homem, e outro tropeçou nele. O
homem do sobretudo perdeu o equilíbrio e empurrou a mesa ao cair. O copo
de miojo do Jungkook tombou e o caldo espalhou-se por suas pernas.
Jungkook se levantou em um pulo e apressou-se a sacudi-lo das calças. Ele
disse que estava bem e que não havia se queimado já que o caldo já estava
frio.
O grupo de encrenqueiros estava indo embora, rindo baixinho. O
homem do sobretudo caqui e sujo olhava para o copo caído. seus dedos
estavam na mesa e cobertos com macarrão. Eu não consegui perguntar se ele

142
estava bem. “Você não deveria se desculpar? Você acabou de fazer essa
bagunça.” Eu gritei com os homens. Eles olharam para trás. “Não, nós não
fizemos. Ele fez. E ninguém lhe disse para se sentar lá. Pequenos punks na rua
a esta hora”. Os homens xingaram inarticuladamente.
O homem do sobretudo sujo olhou para mim. Nossos olhares se
encontraram. Ele tinha olhos amarelados e um rosto coberto de manchas da
idade. Ele me lembrou de alguém. Alguém que estava sempre bêbado,
balançando tudo com os punhos e vivendo como um ditador e um perdedor.
O que eu esperava que acontecesse aconteceu. Me atirei nos homens e
dois do grupo deram socos em mim. Eu me esquivei do primeiro soco, mas o
segundo soco roçou meu queixo. Jungkook interveio para me impedir, mas foi
pego na luta também. As mesas de plástico e cadeiras foram viradas, e o sinal
de “Proibido Estacionar” foi derrubado. O funcionário da loja de conveniência
já tinha chamado a polícia, como se ele já tivesse acostumado com isso. Nós
podemos ouvir a sirene um minuto depois. Todos nos levantamos e corremos
em direções opostas, gritando um para o outro que tiveram sorte de fugir
dessa vez.
Eu era particularmente bom em fugir. Às vezes, fui pego de propósito,
mas agora não era um desses momentos. Continuei a liderar o caminho,
verificando se Jungkook estava acompanhando. Um carro prateado passou por
nós a toda velocidade. Seu espelho lateral roçou Jungkook. Atordoado, ele
caiu. Ele tinha acabado de receber alta do hospital depois de dois meses por
causa de um acidente de trânsito. Era natural que ele estivesse atordoado. O
carro parou bruscamente, e um dos homens que nos bateu mais cedo colocou
a cabeça para fora da janela do banco do passageiro. “Preste atenção. Estamos
deixando você ir só desta vez. Não haverá piedade da próxima vez.” E o carro
desapareceu com um motor rugindo.
Jungkook lentamente se levantou, segurando meu braço. Ele parecia
desconfortável. Ele deve ter machucado a perna quando caiu. O interior da
minha boca latejava. Sangue respingou nas costas da minha mão quando eu
limpei minha boca. "Onde devemos ir?" Jungkook perguntou. “Com essa
perna? Vamos voltar.” Jungkook começou a andar, dizendo que estava bem.
"Veja! Eu estou bem.” Eu fiquei lá e observei Jungkook arrastar uma perna.

143
"Vamos voltar!" Eu gritei em Jungkook. Verifiquei meu telefone. Era
4h50 da manhã. Ainda tínhamos algum tempo para matar até o primeiro
ônibus chegar. Olhei ao redor e encontrei uma colina baixa por trás do distrito
de entretenimento. "Você já viu o nascer do sol?"
Apoiei Jungkook enquanto subíamos a colina. Eu sentei na escada no
final do declive suave. Eles dizem que o céu está no seu ponto mais escuro
antes do nascer do sol, e era verdade. Nenhuma estrela era visível no céu
escuro como breu. Mas sinais de néon de diferentes formas e cores irradiavam
luzes brilhantes na cidade abaixo. Eu virei meus olhos para o norte. Eu
adivinhei grosseiramente o bairro em que mamãe deve estar morando. Lá,
deve ser isso. Ela deve estar comendo, dormindo e limpando naquele
apartamento.
"Jungkook, eu segui a minha mãe." Jungkook olhou para mim. Eu fixei
meus olhos nas luzes que saíam pelas janelas do complexo de apartamentos.
Então. Aquela noite. Naquela noite, dez anos atrás, quando minha mãe saiu de
casa. Naquela noite, quando mamãe, minha irmã e eu fomos espancadas pelo
meu pai e choramos para dormir. Eu não conseguia me lembrar por que ele
nos batia tão forte. Mas me lembro claramente de pensar que deveria nadar
com meus amigos amanhã, e acho que mamãe não conseguirá fazer meu
almoço. Meu lábio machucado vai cicatrizar até amanhã? Se não, eles vão tirar
sarro de mim. Meus ombros doem. Eu não deveria ter tentado me virar para
evitar seus golpes. Minha irmã está chorando baixinho. Foi ainda mais
angustiante ouvir isso hoje.
Meio adormecido, eu tive um vislumbre da nossa mãe parada aos nossos
pés e olhando para nós. Ela estava saindo. Ela estava nos abandonando. Eu
sabia disso instantaneamente. Fingi estar dormindo, me levantei e a segui. Eu
não tinha nenhum plano. Eu não estava pensando em morar com ela. Eu não
me senti amargo nem com medo. Como seria não ter mãe, como seria viver
sem ela – não era algo que você pudesse entender.
Eu a segui por algum tempo. Na minha memória, andei a noite toda. Mas
minha memória deve ter exagerado já que eu era apenas uma criança. Ela não
olhou para trás. Nem sequer uma vez. Ela realmente não sabia que eu estava
seguindo-a? Talvez ela estivesse lutando para olhar para frente por medo de
ter que me levar com ela se ela olhasse para trás. “Claro, esse pensamento

144
veio a mim depois. Quando eu lutei para compreendê-la. Agora? Não sei
porque fui tão longe."
"Hey". Eu olhei para a voz de Jungkook. "Eu sinto muito." Eu olhei para
ele. "Pelo que está se desculpando? Por que você sente muito?” “Você não
pôde ir ver sua mãe por minha causa.” Jungkook respondeu. "Você é idiota?"
Eu explodi. Eu não queria perder a paciência. Mas minha voz ficou mais alta
sozinha. Eu gaguejei já que eu não falava bem e não sabia expressar meus
sentimentos. “Por que você sente muito? As pessoas deveriam sentir por
muito por você. O que você fez de errado? Eu deveria me desculpar por trazer
você aqui. Meus pais, que me fizeram trazê-lo aqui, deveriam se arrepender.
Aqueles caras que compraram briga primeiro deveriam se arrepender.” Eu
continuei a aumentar minha voz. "Você é uma boa pessoa. Você é bom como
você pode ser. Não é sua culpa. Não é sua culpa!"
O céu, que parecia permanecer escuro para sempre, começou a ficar
azulado rapidamente. A luz que permeava o céu da extremidade mais distante
sugava a luz dos sinais de néon. Nós assistimos o nascer do sol sem uma
palavra. O sol enorme e em brasa surgiu sobre o complexo de apartamentos.
Minha mãe está assistindo o nascer do sol também?
Nós dois nos sentamos na parte de trás do ônibus um do lado do outro a
caminho de casa. Foi antes do amanhecer se iniciar. A estrada estava vazia e o
ônibus continuava a correr. Virei a cabeça e olhei para o norte mais uma vez.
Aquela noite. Mamãe parou de andar. Ela ficou parada imóvel por algum
tempo. Ela também não olhou para trás. Se eu tivesse continuado a caminhar.
Eu teria chegado a ela. Eu poderia ter segurado a mão dela e perguntado onde
ela estava indo, para onde ela estava indo enquanto nos deixava para trás, e
quando ela voltaria. Eu poderia ter chorado, feito birra e talvez puxado ela de
volta para casa. Mas eu apenas virei e voltei para casa sozinho. Meu corpo
inteiro doía e eu não pude nadar com os outros. Deitei no chão, suando e
tentando dormir. Eu não sabia porquê.
"É aquele homem de novo." Ouvindo a voz de Jungkook, olhei pela
janela. Um homem encurvado, de sobretudo cáqui, caminhava sozinho.

145
A Direção Que o Sol Nasce

146
HOSEOK
25 de Julho Ano 22

Eu esbarrei com o Yoongi no meu caminho da sala de prática para


hospital. Eu estava indo para a sala de prática sem perceber e parei. O que eu
ainda seria capaz de fazer lá? Meu tornozelo ficou pior. O molde macio foi
substituído por um molde de gesso real. O médico me repreendeu. "Você não
deve forçar o tornozelo." Mas eu não conseguia me sentar enquanto
trabalhava na lanchonete. Eu também tinha muita coisa acontecendo na sala
de prática. “Você tem que ter muito cuidado com seu tornozelo. Já esteve
ferido antes, e pode ficar danificado permanentemente a menos que você
tome cuidado extra.” O médico continuava dizendo isso de novo e de novo.
Entrei na rua principal que leva à minha casa com minhas muletas. Eu
nunca tinha ido para casa tão cedo. Eu nunca tinha pulado a prática sem um
motivo especial. Eu fiquei cara a cara com Yoongi . Ele estava bêbado e
cambaleando na faixa de pedestres. Ele não me reconheceu quando passei por
ele.
Virei a cabeça e fixei os olhos no sinal de "ande". Dois dias depois da
minha visita a Jungkook no hospital, fui até a casa do Yoongi . Ele não atendeu
a minha ligação, então fui direto para a sua sala de trabalho. Deve ter sido de
manhã, porque foi antes de eu ir para o Two Star Burger. Eu bati na porta, mas
ninguém respondeu. O som fraco da música fluía pela porta. Pensei em chamá-
lo novamente, mas desisti. Chutei a porta em vez disso.
Eu conhecia Yoongi desde o ensino médio. Eu sabia como sua mãe havia
morrido, como a morte dela o impactara e como ele havia tido dificuldades
depois. Eu tentei ser um amigo reconfortante e confiável para ele. Eu ri de suas
palavras duras e o levei comigo, embora ele achasse que eu era irritante. Mas
nós não tínhamos importância para ele. Nós pensamos que pelo menos
Jungkook fosse ser diferente. Ele certamente sabia o que ele significava para
Jungkook. Ele já tinha ouvido falar do acidente de Jungkook pelo Jimin. Mas ele
não veio ao hospital. O que é pior, uma mulher que alegou ser sua parceira
musical veio até mim do nada há vários dias. Ela me disse que tinha me
encontrado depois de perguntar a todo mundo. Ela disse que não conseguia
falar com ele

147
O sinal de "Ande" ficou verde. Comecei a atravessar a faixa de pedestres,
cambaleando. Eu olhei para trás enquanto andava. Eu tentei não, mas não
pude evitar. Yoongi estava deitado na rua em frente a um carrinho de venda
de acessórios. O vendedor gritou com ele quando as pessoas passando
franziram a testa.
"Quando você vai parar de fazer isso?" Ele olhou para mim sem
expressão. “Você acha que você é o único passando por momentos difíceis?
Você acha que eu coloco um sorriso na frente dos outros porque minha vida é
toda rosa e brilhante? Me fale. Com o que você está tão chateado? Todo
mundo sabe que você é bom em música, e todos eles aceitam de bom grado
até mesmo quando você é grosso. Sim, você deve estar sofrendo desde que
sua mãe morreu. Eu sei. Mas você não pode continuar assim para sempre.
Você não vai fazer música? Você pode viver sem isso? Não foi feliz, mesmo que
apenas uma vez, por causa da música? Por que você não foi ver o Jungkook?
Você não sabe o que você significa para ele? Você não vê que todos nós
estamos sofrendo também? Você não vê isso?"
Não queria pressioná-lo tanto, mas fiquei muito chateado. Não foi
inteiramente por causa dele. Eu estava chateado que eu estava de muletas. As
lesões eram inevitáveis, mas também fatais para os dançarinos. Eu pensei que
estava sendo cuidadoso, mas me machuquei em um momento inesperado. Foi
minha culpa. Ninguém mais poderia ser culpado por isso. Eu sabia que ficaria
nervoso e consciente do meu tornozelo toda vez que dançasse, e isso me
deixaria desanimado. Ou então, eu me machucaria novamente. E ainda assim
eu não consegui escapar disso. Eu não poderia viver sem dançar. Eu tinha que
continuar dançando apesar de estar desanimado e machucado.
"É hora de parar de fugir. Se você vai fugir de novo, nunca mais volte."
Me virei cruzei a rua. "Hoseok". Eu pensei ter ouvido ele me chamando,
mas não olhei para trás. Eu sempre me culpei por tudo que deu errado. Eu
sempre pensei que deveria ter feito isso ou suportado aquilo. Eu não queria
mais viver assim.

148
YOONGI
25 de Julho Ano 22

Abri os olhos no meio da noite. Estava chovendo. Xingamentos saíram da


minha boca automaticamente quando me levantei do chão. Eu sentei ainda
por um tempo. Meu corpo inteiro estava encharcado de chuva. Eu me senti
todo trêmulo e frio.
"Se você vai fugir de novo, nunca mais volte." A voz de Hoseok soou em
meus ouvidos. Tudo o que consegui lembrar depois de sair do hospital de
Jungkook foi que continuei a vacilar, esbarrar nas coisas e cair. Tomado por
embriaguez, dores de cabeça, medo e desespero, eu não sabia quanto tempo
havia passado ou onde eu estava. Foi quando me deparei com Hoseok.
Naquele momento, eu me senti sufocada. Foi meio alegria e meio alívio. Por
alguma razão, eu acreditava que ele seria capaz de entender minha confusão e
medo, mesmo que eu mesmo não pudesse me entender.
Mas Hoseok desviou o olhar. Ele fingiu não ter me visto. Logo o sinal
mudou e eu apenas fiquei ali observando-o andar. Então alguém me empurrou
e eu caí no chão. Eu ouvi pessoas gritando e estalando suas línguas para mim.
“Por que você não foi ver o Jungkook? Você não sabe o que você
significa para ele?” Claro que eu sabia. Talvez por isso não pudesse entrar em
seu quarto. Eu estava distorcido e cheio de espinhos. Qualquer um que
tentasse se aproximar de mim iria se machucar.
Levantei a cabeça e olhei a trilha desolada da montanha. Havia duas
direções. Eu poderia andar mais fundo na montanha ou eu poderia me virar e
voltar. Comecei a me mover em direção à floresta escura. Sempre me arrisquei
em escolher entre obstáculos. Eu não tinha destino. Eu perdi meu senso de
tempo. Talvez eu estivesse andando em círculos. Parecia que meus joelhos
cederiam a qualquer minuto por causa do frio e da fadiga. Eu estava sem
fôlego e meu coração palpitava. E se eu apenas desmaiasse aqui e morresse?
Bem, se eu estou destinado a morrer aqui, então é aqui que eu vou morrer. Eu
caí.
Pingos de chuva caíram no meu rosto. Estava tão escuro com meus olhos
abertos quanto quando eles estavam fechados. Eu estava me afogando em

149
camadas de escuridão. Pensei na morte de novo e de novo. Eu queria fugir dos
medos e desejos que continuaram a me assombrar. Eu queria correr o mais
longe daquele objeto aterrorizante pelo qual eu era impotente, mas não
conseguia olhar direto, aquela agonia me empurrou de um extremo ao outro.
Agora deve ser a hora. Era tudo para melhor.
Eu havia infligido dor aos outros enquanto eu sofria uma dor maior. Eu
olhei para longe de suas feridas. Eu não queria assumir nenhuma
responsabilidade. Eu não queria me envolver. Esse era quem eu era. Este
momento deve ser uma bênção para todos. Eu pisquei devagar e comecei a
cochilar. O frio, a dor e a fadiga desapareceram. E fiquei entorpecido com a
escuridão, a luz e o ambiente ao meu redor. Tudo ficou sombrio.
Abri os olhos novamente ao som de um piano. Era silencioso. Exceto
pelos sons de gotas de chuva caindo e o farfalhar das folhas. Em meio ao
silêncio, os frágeis e delicados sons de piano continuaram a se aproximar de
mim. Alguém tocando piano no meio da montanha no meio da noite? Eu achei
que era uma alucinação, mas continuou.
Eu sorri. Era essa melodia. Aquela melodia que eu tentei tanto lembrar.
Que algo substancial estava faltando, que me fez ficar acordado a noite toda
por dias a fio. Por que isso estava vindo para mim neste momento de todas as
ocasiões? Me concentrei mais, mas a melodia ainda era pouco audível e
distante e interrompida pelo som da chuva. Eu comecei a tossir.
Eu tentei me levantar, mas parei. O que eu faria agora, mesmo que
pudesse discernir a melodia? O que mudaria mesmo que eu completasse
minha música? Eu nunca quis ser reconhecido pelos outros, receber aplausos
ou ser famoso. Eu nunca quis me provar. Então o que significaria completar
esta peça?
Mas eu me levantei do chão com uma mão e comecei andar na direção
de onde o som estava vindo. Eu estava cambaleando e meu corpo tremia. Meu
rosto e minhas mãos estavam dormentes. Eu não conseguia sentir minhas
pernas. Nenhuma das partes do meu corpo parecia estar sob meu controle.
Mas eu dei passos firmes, um de cada vez, para chegar mais perto da melodia.
Gotas pesadas de chuva atingiram minha cabeça. Minha camisa estava
molhada. Cada articulação e músculo pareciam gritar. Minhas pernas tremiam
tão violentamente que eu não conseguia levantar meus pés do chão. Meus pés

150
escorregaram na grama molhada, e galhos espinhosos roçaram meus ombros.
Eu senti um frio profundamente e quase desmaiei. Meu ritmo ficou mais lento
e mais lento. A melodia do piano estava diminuindo a cada passo que dava.
Eu apressei meu ritmo para encontrar a fonte da música antes que ela
parasse. Eu estava com medo de que, se acontecesse, eu nunca seria capaz de
ouvir de novo. Marchei para frente, incapaz de distinguir a trilha de caminhada
da floresta. Fui golpeado por galhos caídos. Então, de repente, meus joelhos se
dobraram e eu caí no chão. Eu estava tão ofegante que senti vontade de
vomitar. Todos os meus sentidos voltaram de uma vez e senti o frio, a fadiga e
os estranhos arredores no interior da montanha vividamente. Conforme eu
acelerava meu ritmo mais e mais, quando eu batia contra mais galhos, quando
meus pés escorregaram mais, o som do piano ficou mais claro. Quanto mais
grave a dor, mais alto o som aumentava.
Eu finalmente parei de andar depois de vagar na chuva por horas. A
melodia foi mais vividamente trazida à vida. Ela explodiu na minha cabeça,
combinada com o que eu vinha compondo até poucos dias atrás. Eu cobri
minha cabeça com os dois braços e me abaixei. Estava mais perto da emoção
crua do que da música. Isso estimulou minha sensação de dor, e não minha
audição. Foi uma combinação de sofrimento, esperança, alegria e medo. Foi
tudo o que eu tentei tanto evitar.
De repente, uma cena de uma tarde ensolarada apareceu diante dos
meus olhos. Eu estava tocando uma música na frente do piano na minha sala
de trabalho. Foi essa melodia que continuou a girar na minha cabeça. "Isso soa
muito legal." Jungkook chegou mais perto. Eu ri. "Você sempre diz isso."
Não era uma única melodia. Foi uma combinação de várias memórias.
Desde os dias em que eu brincava com as teclas do piano quando criança.
Desde os dias em que meus amigos dançaram em sincronia com o meu
desempenho na sala de aula transformada em sala de armazenamento. Desde
os dias em que fiquei acordado a noite inteira escrevendo peças e inalando o
ar fresco da manhã. Meu piano estava ao meu lado a cada momento feliz.
Essas lembranças felizes sempre acabavam sendo despedaçadas, mas não
podiam ser negadas.
O que significaria para completar esta peça? Eu ainda não consegui
encontrar a resposta. Mas havia algo que precedeu essa pergunta e a resposta.

151
Eu queria capturar tudo isso antes que ele se espalhasse pelo ar. Não era para
agradar a ninguém ou para provar alguma coisa. Não era nem para mim
mesmo. Eu só queria capturar essa emoção, dor e medo, que estavam prestes
a explodir na minha cabeça e coração, com música. Não tinha que sinalizar o
começo de algo. Não tem que significar nada. Eu só queria completar essa
música.
O som do piano não era mais audível. A chuva foi diminuindo
gradualmente, mas meu corpo tremia incontrolavelmente. Fechei meus olhos
e senti tudo ao meu redor ainda mais vividamente. As gotas de chuva que
caíam em minhas bochechas, espirraram no chão e fluíram em um córrego, o
vento gelado, o cheiro de terra, o farfalhar das folhas. E minha respiração.
Quando me levantei, o sinal da fonte mineral apareceu. Eu pensei que tinha
vagado profundamente na montanha, mas estava de volta onde eu comecei. E
o caminho ainda se estendia em duas direções opostas. Eu inclinei meus
passos para a direção onde o sol nasce.

152
JIMIN
28 de Julho Ano 22

Verifiquei o interior do Two Star Burger. Hoseok não estava ali. Fazia
quatro dias desde que ele apareceu na sala de prática. Alguém disse que ele
disse a minha parceira de dança que ele faria uma pausa, mas depois disso ele
não atendeu a ligação de ninguém. Ele nem leu as mensagens postadas no chat
do grupo Just Dance.
Eu sabia que o tornozelo dele estava incomodando. Talvez tenha sido
aquela noite. A noite em que minha parceira de dança se feriu por minha
causa. Choveu aquela noite e ele a carregou nas costas para o hospital na
chuva. Sua condição deve estar piorando.
Ao entrar no restaurante, os trabalhadores me saudaram alegremente.
"Hoseok está de folga hoje?" Eles disseram que ele estava de licença médica,
provavelmente por três semanas, mas eles não tinham certeza. Seu tornozelo
piorou. Ele teve que usar um gesso, e o gerente recomendou que ele tirasse
uma folga.
Eu corri diretamente para a casa dele. Eu não podia esperar o ônibus
chegar, então corri pela ladeira. Estava quente demais naquele dia. Minhas
costas estavam pingando de suor. Eu subi as escadas para o seu quarto no
último andar. A maçaneta, aquecida pela luz do sol, ardia em brasa. Estava
trancado. Deixei uma mensagem em nosso bate-papo em grupo. "Onde você
está, Hoseok?" No final do dia, ele ainda não tinha respondido.

153
YOONGI
28 de Julho Ano 22

Eu finalmente consegui me levantar à tarde. Eu sofri de calafrios severos


por dois dias depois de descer da montanha. Eu não conseguia me lembrar de
nenhum detalhe desses dois dias. Eu tremi de febre. Às vezes eu voltava para
mim mesmo, mas rapidamente me perdia de novo.
Meu lençol estava encharcado. Eu ainda me sentia tonto. Saí da minha
sala de trabalho, tentando me manter firme. Fui ao hospital para pegar um
soro e depois coloquei comida na boca. Mas eu vomitei tudo. Eu li a mensagem
de Jimin enquanto eu estava enxaguando a minha boca no banheiro. Embora o
número ao lado da mensagem tenha diminuído, não houve respostas.
Eu caminhei ao longo da ferrovia e cheguei ao ponto de ônibus. Havia
um prédio inacabado a distância. A construção havia sido interrompida por
meses. A loja de música era ligeiramente para cima da colina depois de passar
por aquele edifício. Parei em frente à loja de música. Não houve som
crepitante de chamas ou um desempenho de piano desajeitado e lento. Eu não
tinha energia para me curvar, pegar uma pedra e jogá-la. A coisa toda parecia
um passado distante e me fez pensar se realmente havia acontecido. Eu pude
ver um piano pela vitrine.
“Você não vê que todos nós estamos sofrendo também? Você não vê
isso?” Isso foi o que Hoseok disse no outro dia. As memórias daquele dia
estavam todas emaranhadas na minha cabeça. Mas eu lembrava claramente
que o Hoseok estava um pouco diferente. Não foi a primeira vez que Hoseok
ficou com raiva de mim. Ele nunca esteve em tal limite, mas ele sempre
pressionou, puxou e me encorajou todas as vezes que eu caí. Por dessa vez
pareceu diferente?
Abri a mensagem do Jimin de novo. "Onde você está, Hoseok?" Várias
horas se passaram, mas Hoseok não tinha respondido. Eu pude ver que eu o
decepcionei. Senti como se algo dentro de mim estava flutuando e batendo ao
redor. Hoseok muitas vezes se irritou e nos afastou. Mas ele nunca ficou em
silêncio ou olhou para o outro lado. Ele foi o único que sempre abriu o

154
caminho para eu voltar, não importava o quão longe eu tinha ido. Não desta
vez. Parecia irrevogável desta vez.

155
NAMJOON
7 de Agosto Ano 22

Liguei a luz e olhei para o folheto que estava preso à porta do meu
contêiner. Estava escrito "redesenvolvimento" e "demolição". As pessoas
devem estar falando sobre o redesenvolvimento dessa área novamente. Havia
sempre conversas sobre derrubar os contêineres que cobriam a ferrovia e os
edifícios de posseiros através da ferrovia. Eu amassei o panfleto e joguei na
lata de lixo. A conversa do redesenvolvimento não começou ontem. Mas
sempre fervia como se a demolição fosse ocorrer no dia seguinte e depois
diminuía pouco depois.
Eu coloquei minha bolsa no chão e me deitei. Fazia um tempo desde o
pôr do sol, mas o interior do contêiner ainda estava quente. Passei todas as
noites aqui depois de visitar o Jungkook. Parecia exaustivo. Meu nariz sangrou
de vez em quando, quando eu estava lavando meu rosto. Mas eu sempre vinha
aqui ao invés do pequeno quarto dos fundos do posto de gasolina.
Ninguém mais abriu a porta e entrou aqui. Talvez ninguém nunca mais
entrasse. Todos aqueles que se encontram devem partir, sem exceção. Podia
ter sido a nossa vez. Mas, se alguém ainda sentisse a necessidade de “nós”
ficarmos juntos, eu queria mandar um sinal de que eu estava aqui. Eu queria
mostrar a ele que "nosso" esconderijo ainda estava aqui e ainda iluminado.

156
TAEHYUNG
11 de Agosto Ano 22

Eu saí da loja de conveniência depois de terminar meu turno. Eu


habitualmente pegava meu telefone, mas não havia chamadas ou mensagens
perdidas. Era o pôr-do-sol e a rua estava cheia de pessoas ocupadas
caminhando. Eu tirei as duas mãos nos bolsos e continuei andando. Um vento
quente varreu a estrada. Eu comecei a suar depois de dar alguns passos.
Quanto tempo duraria este verão? Eu chutei o chão, frustrado.
Continuei andando com a cabeça baixa e parei em frente a uma parede
familiar. Era a parede onde a garota desenhou seus primeiros grafites. Eu olhei
automaticamente em volta. Desde aquela noite, quando a deixei no beco e saí
à frente dos faróis do carro de patrulha sozinho, não a tinha visto no meu
bairro.
Eu descobri um grande "X" pulverizado sobre seus grafites enquanto eu
tentava encontrar seus traços. O que isso significa? Várias imagens
sobrepunham o grafite "X". A imagem dela rindo de mim quando tentei deitar
na ferrovia e bati minha cabeça. E como ela me pôs de pé quando a ajudei a
fugir e cai. Como ela perdeu a paciência quando eu peguei o pão dela e comi.
Como ela parecia sombria toda vez que passava pelo estúdio fotográfico com a
foto da família em exibição. Eu disse a ela enquanto grafitávamos essa parede
lado a lado. “Não pense que você tem que carregar o fardo sozinho.
Compartilhe com os outros.” O gigante “X” foi grafitado sobre todas essas
memórias. Parecia gritar que elas eram falsas. Que elas eram todas mentiras.
Eu nunca realmente olhei para essa parede desde aquele dia.
Eu estava prestes a me virar e ir embora quando descobri uma frase
curta escrita em caracteres minúsculos sob o "X". Não é sua culpa foi riscado
na parede. Foi essa garota. Eu não a vi escrever ou reconheci sua caligrafia,
mas eu simplesmente sabia. "Não é sua culpa." Era aquela garota.
Eu me lembrei do dia em que eu saí cegamente para encontrar minha
mãe. Eu continuei marchando freneticamente, cheio do ressentimento, mas no
final eu não consegui chegar a lugar nenhum naquele dia. Enquanto caminhava
de volta para casa de mãos vazias, eu virei minha cabeça para o bairro onde ela

157
morava. O bairro estava retrocedendo sob a luz do dia nascendo no Leste. Eu
senti vontade de chorar. Algo que eu estava firmemente agarrado parecia
estar escorregando através dos meus dedos. Os pedaços de ressentimento
desabaram silenciosamente. Era triste, como se eu tivesse desistido de algo
que não deveria ser abandonado.
"Não é sua culpa." A frase me lembrou de como eu me sentia naquele
momento. Eu comecei a andar novamente. Eu passei por becos estreitos e subi
e desci inúmeras encostas. Finalmente, minha casa, Magnolia Mansion,
apareceu. Eu subi as escadas. Quando parei em frente à porta, pude ouvir a
respiração pesada de papai e o tilintar dos copos de licor. Eu me virei, coloquei
minhas mãos no corrimão e olhei para fora. O sol já se pôs. Sua tonalidade
vermelha estava desaparecendo do céu que escurecia. "Não é sua culpa." Eu
murmurei. Eu respirei fundo, me virei e entrei em minha casa.

158
HOSEOK
12 de Agosto Ano 22

Alguém empurrou meu ombro quando saí do trem. Larguei o bilhete que
estava segurando. Caiu na ferrovia e escorregou para uma das rachaduras. Eu
olhei em volta. Era verão quando saí e ainda era verão agora. O trem partiu
para a próxima estação, levantando o vento.
No final do mês passado, deixei Songju de trem dessa plataforma. Eu
assisti a cidade saindo pela janela. Desde que eu conseguia me lembrar, eu
tinha morado em Songju . Eu nunca saí da cidade e nunca imaginei morar em
outro lugar. Eu fui para a lanchonete e para a sala de prática no horário. Depois
de dançar por horas, fui para casa e descansei. Embora a cidade fosse
pequena, em Songju eu tinha um lugar onde precisava ir, algum lugar que eu
precisava estar.
Depois que meu tornozelo foi ferido, minha rotina diária desmoronou.
Eu fui trabalhar e a sala de prática usando um molde macio. A condição do
meu tornozelo piorou. Com um gesso completo, tive que tirar uma licença
médica. Eu tinha três semanas inteiras cheias de nada. Três semanas sem
trabalho, sem dançar, e nenhum lugar para estar.
Eu consegui passar pela manhã do primeiro dia. A chuva que caiu
durante a noite parou ao amanhecer. Eu limpei a casa e organizei minhas
roupas. Cortei o cabelo e limpei a água da chuva do banco em frente à minha
casa. Mas fiquei sem coisas para fazer à tarde. Meu telefone não tocou.
Algumas mensagens de meus colegas de trabalho e dos membros do Just
Dance foram tudo o que chegou. Ainda assim, nenhuma ligação ou mensagem
dos outros. Parando pra pensar agora, sempre foi eu quem contatou os outros
primeiro. Eu coloquei meu telefone no chão. Eu não queria contatá-los
primeiro dessa vez. E se nenhum deles enviar uma mensagem? Que assim seja.
Eu me lembrei de como eu encontrei Yoongi na noite anterior. O que eu soltei
foi repetido na minha cabeça. Eu me levantei e gritei no ar. "Ele não vai se
lembrar de qualquer maneira!"

159
O caminho para casa parecia mais longo do que o habitual depois que
deixei o Yoongi lá. Eu tive que subir a encosta com muletas. Embora o sol
tivesse se posto, o ar parecia abafado, também estava úmido. Eu estava
encharcado de suor quando cheguei em casa. Eu não me arrependi do que eu
disse ao Yoongi. Era hora de ele parar de se entregar à autopiedade. Mas
aqueles momentos, aquelas palavras continuaram voltando para mim.
No telhado, eu podia olhar para a cidade sem mim. O trem passava pelo
centro e desaparecia na esquina ao pé da montanha. Eu descuidadamente
joguei minhas roupas em uma bolsa e me dirigi para a estação. Olhei a lista de
cidades em frente à bilheteria e escolhi a maior cidade vizinha. Eu pensei que
seria melhor mudar para a cidade grande. A assim, deixei Songju.
Saí do trem depois de cerca de duas horas. Assim que saí da estação, fui
confrontado com um cruzamento movimentado. Linhas de arranha-céus e
pessoas ocupadas caminhando sob o sol brilhante surgiram. Peguei o primeiro
ônibus que parou na minha frente.
"Onde devo descer?" O motorista olhou para mim como se eu estivesse
falando bobagem. Um passageiro que pede seu próprio destino? Sim, devo ter
soado estúpido. Depois de cerca de vinte minutos, o ônibus chegou a um
bairro que parecia uma parte antiga da cidade. Eu coloquei minha bolsa em um
pequeno quarto anexado a um mercado que tinha uma placa "Pousada". Saí de
lá. Eu não sabia dizer qual direção era qual.
Eu apenas vaguei pela vizinhança pelos primeiros dois dias. Não havia
prédios altos e nenhum distrito comercial bem iluminado. Era semelhante ao
meu bairro onde ficava o meu quarto na cobertura. Eu escolhi deixar o Songju.
Talvez seja por isso. Tentei não pensar na cidade e nas pessoas que deixei para
trás, mas perdi o controle. Liguei meu telefone e pensei nos outros. Eu poderia
ter deixado Songju, mas minha mente ainda estava lá.
No terceiro dia, decidi me aventurar mais. Mas em menos de vinte
minutos depois que saí do mercado, meus ombros começaram a doer com as
muletas embaixo deles. O suor escorria pelas minhas costas sob o sol
escaldante. Um prédio de tijolos vermelhos apareceu. Era o Salão do Cidadão.
Enquanto eu apertava o botão da máquina automática, a porta do auditório se
abriu e várias pessoas saíram. O som da música fluía pela porta aberta. Eu

160
podia ver um homem se alongando em um canto do palco com os holofotes
iluminando sua cabeça.
Eu estava indo para o auditório antes que eu percebesse. Quando fechei
a porta atrás de mim, fiquei sozinho na escuridão e na música. Eu me sentei no
banco mais próximo. O som da música fluía pelo ar como ondas batendo. O
homem no palco se move lentamente e estica as pernas, tornozelos, braços,
pescoço e ombros. Seu alongamento, que continuou por um bom tempo,
parecia uma peça de coreografia em si. Então a música parou. O homem que
estava sentado no chão levantou-se e caminhou até o centro do palco. O palco
ficou imerso em silêncio por um tempo.
A música começou de novo. Desta vez, caiu em torrentes. O homem
acelerou e afrouxou seus movimentos para a música. Seus braços e pernas
formavam não apenas linhas retas e curvas, mas formas tridimensionais. Um
momento liderava para outro através de seus gestos e movimentos dinâmicos.
Seus movimentos estavam criando uma história que parecia não ter fim. Ele
afastou o ar com as mãos e enviou reverberações pelo chão, que enviou
adrenalina não aos meus olhos, mas à minha mente.
O tom da música aumentou mais e mais e levou o homem a uma
explosão maior de emoção. Ele rugiu de raiva com todo o seu poder,
recuperou o fôlego e olhou para algo distante. Seu sofrimento, esperança,
alegria e medo foram transmitidos sem filtragem. Sentimentos que eu nunca
tinha experimentado antes jorraram e giraram dentro de mim
Eu não sabia quanto tempo havia passado. A luz do auditório estava
acesa. Eu apenas sentei lá imóvel.
Alguém se aproximou de mim e me pediu para sair porque os dançarinos
estavam ensaiando. Pessoas de fora não eram autorizados a ficar. O cartaz da
performance do Dance Acadamy foi anexado à entrada do Salão do Cidadão. O
homem no palco não era o destaque no pôster. O show estava programado
para acontecer depois de amanhã.
Voltei para a pousada e deitei no banco largo no quintal. Fechei meus
olhos e pensei naquelas horas no auditório. Foi a minha primeira vez para ver
uma performance real em pessoa. Foi uma experiência totalmente diferente
do que eu tinha visto através daquela pequena janela chamada Youtube. Eu

161
poderia ter ficado ainda mais impressionado porque era tão vívido e vivo. Eu
refiz cada movimento e gesto que fez meu coração bater forte.

Naquele momento, meu telefone tocou no meu bolso. "Onde você está,
Hoseok?" Era a mensagem de Jimin. O número ao lado da mensagem diminuiu
gradualmente, mas nenhuma outra mensagem foi postada depois. O que devo
dizer? Eu sempre me expliquei meio brincando, mas não queria desta vez. Foi a
primeira vez que não respondi a uma mensagem dirigida a mim. Nosso chat
caiu em silêncio.

Fui ao auditório no mesmo horário no dia seguinte. Eu me escondi na


escuridão e observei os movimentos do homem. Foi a mesma coreografia, mas
transmitiu uma história diferente e emoções diferentes. Quem era ele? Como
ele poderia expressar e transmitir todos esses sentimentos assim? O ensaio
terminou. Quando entrei no corredor, encontrei os olhos do homem enquanto
ele falava com os membros da equipe à frente. Eu me curvei sem perceber.
Um membro da equipe veio até mim e disse: "Oh, você é o cara de ontem."

O show aconteceu no dia seguinte. Mas o homem não estava nesse. O


show, que teve quatro capítulos, ele não participou. O show durou mais de
uma hora, e eu aplaudi e gritei várias vezes do meu lugar. Mas foi só isso. Eu
não poderia reviver aquele momento avassalador que ferveu meu coração e
congelou meu corpo. Nada disso poderia se comparar com seus movimentos
surpreendentes. Por que ele não se juntou à performance? Eu andei pelo palco
depois da apresentação, mas havia apenas membros da equipe e dançarinos
ocupados arrumando as coisas.

Eu me deparei com a equipe da performance novamente na estação de


trem. Eu estava pisando na plataforma para sair para outra cidade e vi um
grupo de pessoas reunidos à distância. Eles estavam obviamente tendo
problemas para carregar os acessórios de palco e todos os tamanhos de
equipamentos no trem. Eu não tinha um propósito definido quando fui até lá e
os ajudei. Foi apenas porque eles pareciam confusos e inexperientes e eu
estava acostumado a organizar e mover as coisas. Meu gesso ficou no

162
caminho, mas eu era melhor do que a maioria deles que estavam ali, confusos.
"Você é aquele cara de novo." Eu olhei ao redor e encontrei o membro da
equipe.

"Eu nem sequer lhe agradeci direito." O membro da equipe veio ao meu
lugar um pouco depois que o trem partiu. Ele se sentou no assento seguinte e
disse que metade da equipe tinha ido embora porque as coisas ficaram
confusas. Ele acrescentou que eles não teriam conseguido sem minha ajuda.
Ele apontou para o meu gesso e perguntou se não era muito estresse para o
meu tornozelo. Eu apenas acenei minha mão.

“Aliás, aquele homem que vi no ensaio. Por que ele não estava na
performance?” Ele pareceu confuso a princípio. Então ele assentiu. “Ah, ele.
Ele é nosso diretor artístico.” A explicação do funcionário continuou
indefinidamente. Como ele tinha sido um dançarino aclamado uma vez. Como
ele sofreu uma lesão terrível. Como ele passou anos de desespero e frustração.
“Você quer saber a parte mais incrível? Ele surpreendeu a todos e fez um
retorno como coreógrafo e diretor.” Mas a lesão deixou um impacto
duradouro. Ele não poderia se apresentar no palco novamente. O membro da
equipe deu um suspiro profundo. Estava ficando escuro do lado de fora da
janela.

Eu vim para participar e turnê com o show por coincidência. Os ajudei a


descarregar sua bagagem na próxima estação, e minha bolsa foi com as coisas
deles no processo. Felizmente, eu tinha o número de um dos membros da
equipe. Saí na próxima estação, voltei para a estação em que saíram e segui
para o alojamento deles. Era tarde da noite. Fui convidado a passar a noite
com o pessoal. Tomei o café da manhã com eles na manhã seguinte e fui para
o Centro Cultural do Distrito, que era seu próximo local.

A proposta da equipe de se juntar a eles e fazer uma turnê juntos deve


ter sido feita em parte como uma brincadeira. Eu também meio que brincava.
Naquele momento, sua prática começou. Eu o observei inexpressivamente. E
então eu perguntei a eles. "Posso realmente ir com vocês?"

163
Eu viajei em torno de três cidades com eles. Nós pegamos um ônibus ou
trem, descemos, desembalamos as malas em um motel, enchemos nossas
bocas com comida, verificamos o palco no local do show, voltamos para o
motel e pegamos o ônibus ou o trem novamente. O homem se alongou e
praticou todos os dias, não importa onde ele estava. Ele nunca pulou um dia,
embora ele não fosse se apresentar no palco.

Fiz amizade com os membros da equipe e os dançarinos. Suas danças e


as minhas eram diferentes, mas compartilhamos a paixão de expressar o que
sentimos através do movimento. Conversamos sobre dançar no trem e
enquanto esperávamos o ônibus. Nós nos contamos sobre nossos dançarinos
favoritos e assistimos seus vídeos juntos.

Eu finalmente consegui falar com ele quando eu estava mostrando a


equipe um vídeo de Just Dance praticando.

"Você é um dançarino?" Eu olhei ao redor e ele estava parado lá. Me


levante, inclinando-me ligeiramente. Eu olhei para o homem. Eu não sabia
como responder a sua pergunta. Eu estava hesitante em admitir na frente dele
que eu também era uma dançarina. "Você é um dançarino." Ele disse,
apontando para mim no vídeo. Foi assim que cheguei a falar com ele. "Por que
você gosta de dançar?" Eu nervosamente arrastei o final da minha sentença.
"Bem, isso é.. você sabe..." O homem perguntou quando eu comecei a dançar.
Eu disse a ele que foi em um show de talentos na escola quando eu tinha uns
doze anos.

Meus colegas de classe me arrastaram para o palco. Meu corpo


começou a se mover automaticamente. Eu fiquei ainda mais animado com as
palmas e aplausos do público. Eu não conseguia pensar em mais nada. Eu
apenas me movi espontaneamente. Depois que a música terminou, eu olhei
para frente, passando meus dedos pelo meu cabelo encharcado de suor. Eu
senti como se tivesse jogado fora todos os pedaços que estavam entupindo
meu coração. Parecia refrescante e gratificante. Levei muito tempo para

164
perceber o quanto isso era estimulante e que esse sentimento não vinha do
aplauso do público, mas de dentro de mim mesmo.

O homem apontou para mim no vídeo e disse que gostava dos meus
movimentos. "Nem todo dançarino pode se mover assim." Eu me vi no vídeo.
Eu gostei de como eu estava quando dancei. Eu poderia voar e me libertar dos
olhos e dos padrões do mundo. Nada era importante para mim, exceto mover
meu corpo para a música e comunicar meu sentimento através do meu corpo.
Fora do palco, eu estava amarrado por tantas coisas. Eu não podia ficar no ar
com os pés do chão. Eu tive que sorrir e rir quando estava chateado e triste. Eu
costumava desmaiar na rua, tomando remédios que não precisava. Houve
momentos em que eu pude revelar quem eu realmente era. Momentos em
que acredito que poderia ser feliz novamente. Momentos em que eu poderia
deixar tudo o que me pesava e subir alto. Momentos eu poderia alcançar
alturas inimagináveis fora do palco. Dançar me deu esses momentos.

"Eu ouvi que você superou uma lesão grave." O homem olhou para mim.
Eu sabia que estava sendo rude, mas eu tinha que perguntar a ele. O homem
olhou para o meu gesso e abriu a boca.

“A altura é importante. Mas também profundidade também. Você tem


que chegar no fundo do poço. Você tem que descer até não poder descer mais,
até sentir como se fosse sufocar pelo seu desespero. Então, você tem que
escapar disso. O que é crucial é descobrir sua força motriz. Em outras palavras,
você tem que encontrar o que faz você ficar firme novamente. Depois de
encontrá-lo, nunca deixe de ir. Pode ser uma pessoa ou um desejo. Pode ser
mal e nojento. Mas se agarre a isso."

Essa foi a nossa primeira e última conversa. A turnê continuou, mas eu


não tive outra chance de falar com ele. Eu assisti ele praticar todos os dias e
pensei sobre o que ele disse. Profundamente. Meu desespero mais sombrio. O
que me faria ficar firme de novo a partir desse desespero.

“Você mora em Songju? O diretor também é de lá.” Um membro da


equipe disse isso para mim quando eu estava olhando para um folheto

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promocional no lounge da estação de trem. O festival de fogos de artifício nas
margens do Yangjicheon em Songju. 30 de agosto. Até onde eu conseguia
lembrar, eu tinha visto o festival todo ano. Era realizado no final de cada verão.
Quando eu estava morando no orfanato, todos nós subimos até o telhado e
assistimos os fogos de artifício surgindo no céu noturno deitados. Depois que
saí do orfanato, morei no último andar de uma casa multifamiliar no bairro
mais alto de Songju. Era o local perfeito para assistir aos fogos de artifício.
Embora fosse um pouco longe do fogo de artifício, fornecia uma ampla visão
ininterrupta.

"Você mudou de ideia durante a noite?" O membro da equipe me


perguntou. Foi ele aquele que sugeriu que eu entrasse na equipe há vários
dias. "Nós pensamos que você era confiável e talentoso." Os outros membros
da equipe concordaram com entusiasmo. Alguns até aplaudiram. Eu quase
disse sim. Eu me tornei ligado a eles sem perceber. Fazer turnês era um
trabalho árduo, mas eu gostava de cada momento, mesmo deitado na cama à
noite gemendo e resmungando. Meu tornozelo se curaria gradualmente,
enquanto eu continuava a trabalhar com eles e realizava mais performances.
Talvez eu pudesse fazer um teste e ser selecionado como um membro oficial e
começar a atuar no palco. Talvez eu seja capaz de receber treinamento do
homem e aprender mais sobre profundidade. Eu comecei a pensar que isso
poderia ser onde eu pertencia. O funcionário me disse para dormir, e eu dei a
ele a minha resposta à noite. Lhe agradeci por sua sugestão e lhe disse que
tinha que voltar. "Você tem certeza?" Ele me perguntou mais uma vez.
Pegando minha mala, eu respondi: "Eu tenho que ir tirar meu gesso."

Eu peguei o trem na pista oposta. Eu chegaria na Estação Songju em


duas horas. Eu me senti emocionado. Eu não tinha sido empurrado para bater
o fundo do meu psicológico ainda. Pode nunca acontecer. Mas eu pensei em
alguns momentos depois da conversa com o homem. 'Eu não vou entrar em
contato com você nunca mais. Viva sua própria vida. Nunca mais volte. 'Talvez
Yoongi tenha atingido seu fundo do poço naquele dia. “Hoseok.” Eu me virei e

166
continuei, e ele me chamou. Eu não olhei para trás. Eu o abandonei quando ele
estava sufocando de seu próprio desespero. Eu fugi.

"Você está bem?" Enviei esta mensagem depois de muita hesitação.


A lembrança daquele dia estava pesando mais pra mim a cada dia mais.
A mensagem de Jimin ainda estava no chat. "Onde você está, Hoseok ?" Enviei
a Yoongi uma mensagem em outro bate-papo com apenas nós dois.

Sua resposta veio ao amanhecer. Eu acordei assustado com a vibração


do meu telefone. O nome de Yoongi apareceu na tela. Ele me enviou um
arquivo de música. Coloquei meus fones de ouvido e toquei o arquivo. Eu
escutei sua música com os olhos fechados, deitada na cama. Era lindo e
diferente de tudo que ele já havia feito. A alegria e o desespero se cruzaram
em meio à tristeza, e um mar azul se agitou além do deserto. As flores
desabrochavam e murchavam, e as notas saltavam e davam a impressão de
virem no minuto seguinte. Se assemelhava ao Yoongi.

Eu perguntei qual era o título, mas ele respondeu com outra pergunta.
"Quando você vai voltar?"

A estação de trem ao meio-dia estava quieta. Pessoas carregando malas


grandes estavam descendo na plataforma para pegar o trem que se
aproximava. Eles me lembraram de mim mesmo no dia em que saí. Eu estava
usando o que eu tinha usado naquele dia e carregando uma mala do mesmo
peso. Mas meu tornozelo devia estar curado. Não foi a única coisa que havia
curado. Abri o nosso chat em grupo no meu telefone e postei uma mensagem.
“Iai, meus amigos! Eu estou de volta! Como vocês estão?"

167
HOSEOK
13 de Agosto ano 22

Passei pela sala de prática do Just Dance pela primeira vez em um


tempo. Eu fui recebido com o som da música, o ar cheio com o cheiro de suor e
a sala cheia de adrenalina. Meu coração acelerava toda vez que eu vinha para
cá. Após uma rodada de saudações ruidosas e barulhentas dos membros,
sentei-me contra a parede e os observei praticarem. Quando eu seria capaz de
dançar de novo? Eu estava impaciente e emocionado. Eu pensei na dança do
homem. Eu seria capaz de dançar como ele algum dia? Naquele momento,
alguém chegou perto e sentou-se ao meu lado.

Foi essa garota. Ela me bateu no meu ombro, sorrindo e disse: “Onde
você esteve? Você estava se divertindo sozinho?” Nós dois no espelho
estávamos sentadas lado a lado, apoiados contra a parede. "Como você tem
estado?" Ela fez uma expressão que parecia me reprovar por uma pergunta tão
retórica. Eu continuei olhando para mim mesmo no espelho. "Eu já te falei
sobre a minha mãe?" Eu devo ter repetido isso cem vezes. Mas ela sempre
ouviu a minha história com entusiasmo. “Ela deve estar vivendo feliz em algum
lugar, certo? Então eu estou bem. Mesmo que nunca nos encontremos
novamente, tudo bem se nós dois estivermos felizes."

Ela olhou para mim. “E eu pensei que você se parecia com minha mãe.
Mas você não se parece. Eu estive ocupado descobrindo isso.” Ela parecia
confusa. Eu ri e continuei a falar.

“Então, quando você embarca? Não, não é isso que eu ia dizer.


Parabéns. Era o seu sonho." Ela inclinou a cabeça e a levantou novamente.
"Desculpa. Eu deveria ter dito a você primeiro.” “Se você sente muito, me
compre uma refeição. Vou te dar uma festa de despedida muito legal depois."

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Eu deliberadamente sorri um grande sorriso e fiz um barulho. “Vamos
nos encontrar novamente um dia como dançarinos famosos. Vamos trabalhar
duro. Porque eu não vou deixar você me superar." Ela assentiu. Nós dois no
espelho estavam sentados um ao lado do outro, encostados na parede.

169
SEOKJIN
15 de Agosto Ano 22

Eu a vi pela primeira vez pela ferrovia. Foi há um mês em um dia que eu


tinha muita coisa na cabeça. Fui ver Jungkook no hospital, mas fiquei lá por
apenas dez minutos. Eu raramente conversava com Jungkook quando estava
lá. Por alguma razão, Jungkook estava tenso e manteve a guarda alta contra
mim. Nenhuma mensagem foi postada em nosso chat em grupo. A mensagem
de Hoseok , que dizia que ele não manteria mais contato, foi a última. Eu senti
que essa mensagem foi destinada a Yoongi. Mas, sempre que eu lia, por algum
motivo parecia que era dirigida a mim.
Saí do hospital e caminhei cegamente. Percebi depois de algum tempo
que estava em frente aos cruzamentos da ferrovia. A cancela do cruzamento
estava abaixada e eu podia ver um trem se aproximando à distância. Isso me
lembrou da época em que peguei um avião sozinho na minha infância. Pode
parecer bobo, mas pareceu similar. O que eu estava esperando? Fosse o que
fosse, eu não deveria esperar algo assim? Esse sentimento de pertencer não
era mais que uma ilusão? O que era esse vazio? Eu estava sozinho, afinal? O
que eu fiz de errado? Essa linha de pensamento continuou com o vento forte
agitado pelo trem que passava.
O trem desapareceu de vista tão rápido quanto se aproximou. A cancela
subiu e a travessia estava liberada novamente. Ela caminhou em minha
direção, andando contra o fluxo de ar trazido pelo trem. Ela deixou o diário cair
enquanto passava por mim. Em seu diário estava sua lista de desejos: fazer
uma aula de italiano, participar de um programa de temple stay(permanência
no templo), se voluntariar em um abrigo de animais, fazer um curso de barista
e compartilhar fones de ouvido com o namorado enquanto caminhava.
Smeraldo era um deles.
Debaixo de um recorte de revista de Smeraldo estava o seguinte
parágrafo:

170
O amor não é primariamente um relacionamento com uma pessoa
específica; é uma atitude que determina a relação de uma pessoa com o
mundo como um todo. Se eu realmente amo uma pessoa, amo todas as
pessoas, amo o mundo, amo a vida. Se eu posso dizer a outra pessoa, “Eu te
amo”, eu devo ser capaz de dizer: “Eu te amo em todo mundo, eu amo você
através do mundo, eu amo você e também a mim mesmo.” – A Arte de Amar
por Erich Fromm.
Eu fiz muitas coisas com ela por um mês. Fizemos caminhadas,
compartilhando fones de ouvido e ouvindo música como ela queria, e nos
voluntariando em um abrigo de animais. Nós não pudemos fazer uma estadia
de templo, mas nós pegamos um ônibus e fomos até a última parada e
passamos um tempo em nosso café favorito.
Smeraldo é uma flor que se diz crescer apenas no norte da Itália. Passei
por uma grande loja de flores nas proximidades, mas ninguém nunca tinha
ouvido falar da flor. Então eu encontrei esta pequena loja de flores ainda em
construção. Era em um canto do lado esquerdo depois de atravessar a ponte
para Munhyeon.
Eu não tinha grandes expectativas quando o proprietário, que estava
organizando alguns documentos em um canto, se aproximou de mim. Ao ouvir
o nome da flor, o proprietário me encarou por um longo tempo e me disse que
seria capaz de entregar a flor, embora sua loja ainda não estivesse oficialmente
aberta. "Por que tem que ser essa flor?"
Ela não sabia que eu estava com seu diário. Ela nunca seria capaz de
imaginar que eu tinha seguido a lista em seu diário por todas as coisas que
fizemos juntos no último mês. Eu não devolvi o diário dela nem disse a ela que
estava com ele. Eu sabia que era errado. Eu sabia que estava quase a
enganando. Tentei arrumar a situação algumas vezes, mas fiquei com medo.
Eu estava com medo que ela pudesse me deixar como meus amigos. Eu estava
com medo que seu coração se tornasse frio quando visse meus erros, tolices e
medos.
Queria fazê-la feliz. Eu queria fazê-la rir. Toda vez que eu a fazia feliz,
parecia que eu me tornava uma pessoa melhor. Parecia que meus desfeitos
estavam sendo perdidos de vista. Eu só tinha mais uma coisa para preparar.
Era uma flor que significava "a verdade não contada" na linguagem da flor.

171
O proprietário parecia perplexo com o meu pedido de obter a flor de
Smeraldo em 30 de agosto e disse que seria difícil encontrar uma até lá. Mas
tinha que ser esse dia. Uma exibição de fogos de artifício estava programada
para acontecer no Yangjicheon Stream. Ela gostava do céu noturno. Eu estava
pensando em confessar meu amor por ela quando os fogos de artifício
explodirem no céu noturno. Eu estava pensando em presenteá-la com sua flor
favorita e lhe confidenciando meu coração em seu momento favorito e em seu
lugar favorito.

172
TAEHYUNG
29 de Agosto Ano 22

Foi ideia do Hoseok se reunir para ver os fogos de artifício. Após seu
retorno, nosso chat em grupo começou a funcionar novamente. Dissemos a ele
como sentíamos sua falta de maneira reprovadora e acolhedora, e Hoseok
respondeu de brincadeira que deveríamos ter percebido a importância de sua
existência mais cedo.
"Certifique-se de vir para os fogos de artifício." Todos nós dissemos que
sim. Namjoon chegaria depois de seu turno no trabalho de meio período, e
Seokjin também prometeu vir, no entanto, depois de seu compromisso. Eu me
lembrei do meu sonho quando vi a mensagem. Uma mulher sendo morta em
um acidente com Seokjin a observando. Esse sonho terminou com fogos de
artifício. Pétalas brancas de chamas caíam do céu noturno.
Eu balancei a cabeça para descartar esses pensamentos. O local do
encontro foi o contêiner de Namjoon. Às vezes eu andava em sua direção
quando não conseguia dormir à noite ou quando papai se embriagava e agia
grosseiramente. Eu não andei até a porta ou fiquei por muito tempo como
costumava fazer. Eu apenas virava quando passava da estação para ter um
vislumbre do contêiner.
Mas o contêiner estava aceso todas as vezes. Eu não tinha percebido
como isso era incomum até recentemente. Estava sempre aceso. Mesmo
quando ele devia estar dormindo. Percebi que era um sinal para que viéssemos
a qualquer momento. Eu não tinha como ter certeza. Era apenas uma
suposição. Mas eu estava confiante. Ainda assim, eu não podia bater na porta
e entrar, porque não sabia o que dizer.
Os fogos de artifício são amanhã. Eu serei capaz de chegar a tempo se eu
sair assim que eu terminar o meu turno.

173
YOONGI
30 de Agosto Ano 22

Eu saí do ônibus e caminhei ao longo da ferrovia. Contêineres surgiram à


distância. Eu vi Taehyung da janela do ônibus no meu caminho até aqui. Ele
também estava caminhando na direção dos contêineres. Os outros devem
estar vindo também.
Eu completei a peça há vários dias. Mudei a versão que enviei para o
Hoseok mais algumas vezes. Eu dei o título de "Hopi"(esperança). Para ser
honesto, o título não combinava com a peça. Continha meu medo, covardia e
inferioridade. Continha todos os momentos que eu me repreendi, tentei evitar
e fugir. Mas eu não conseguia pensar em nenhuma outra palavra que pudesse
abranger tudo isso.
O contêiner do Namjoon apareceu. Alguém estava de pé na frente. Seu
rosto não era visível, mas, baseado em seu físico, era Jimin. Parei e olhei ao
redor quando alguém me chamou por trás. Aquele alguém estava acenando
para mim na frente do primeiro contêiner.

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SEOKJIN
30 de Agosto Ano 22

Recebi o buquê de flores de Smeraldo no último minuto. Já passava da


hora marcada, e eu olhava para o relógio com impaciência. Felizmente, o
caminhão de entregas apareceu antes dela. O proprietário da loja de flores
estava dirigindo um caminhão com o logotipo da Flower Smeraldo escrito na
lateral.

"Desculpa. O festival de fogos de artifício me segurou."

Depois que o caminhão saiu, descobri que não havia o cartão que eu
pedi com as flores no buquê. Liguei para o proprietário imediatamente.

“Ah, eu vou fazer um retorno agora. A luz acabou de mudar."

Antes que o dono terminasse a frase, ela apareceu, caminhando em


minha direção a partir de um cruzamento à distância.

175
JUNGKOOK
30 de Agosto Ano 22

Cheguei à ferrovia bem cedo. O ar esfriara depois do pôr-do-sol e estava


escuro. Pensei em entrar no contêiner, mas decidi me sentar em um canto da
plataforma do outro lado da ferrovia. Já fazia um tempo desde que nos
encontramos. Um sentimento misto superou a alegria e a expectativa. Eu fui
constantemente lembrado do dia do acidente.
Jimin foi o primeiro a chegar ao contêiner. Ele abriu a porta, olhou para
dentro, mas não entrou. Pulei da plataforma e cruzei a ferrovia novamente.
Yoongi apareceu naquele momento, andando devagar com os olhos fixos no
chão e olhou para trás. Hoseok estava atrás dele, carregado de sacolas em
ambas as mãos.
Eu me senti desconfortável e agitado. Eu estava animado para encontrá-
los. Mas eu não podia simplesmente aproveitar esse momento livremente. Eu
estava esperando há tanto tempo por momento, mas queria me virar e ir
embora ao mesmo tempo. O primeiro conjunto de fogos de artifício explodiu
no ar sem aviso. As chamas brancas surgiram no meio do céu noturno e
explodiram em milhões de pétalas cintilantes e brilhantes com um grande som
de estalo.

176
SEOKJIN
30 de Agosto Ano 22

O caminhão de entregas parou subitamente depois de fazer o retorno.


Seus faróis brilharam. Eu fiquei lá impotente em meio à cena da colisão, salto e
queda. Eu não consegui ouvir ou sentir nada por um momento. Era verão, mas
o vento estava frio. Então eu ouço algo batendo e rolando na estrada. A
fragrância das flores fez cócegas no meu nariz. Eu voltei para a realidade. O
buquê de flores de Smeraldo caiu da minha mão. Ela estava deitada no meio
da estrada. O sangue começou a se espalhar por debaixo do cabelo
despenteado. Sangue vermelho escuro corria pela estrada.

Com um estalo alto, o primeiro conjunto de fogos de artifício explodiu


no ar no céu noturno à distância. Em algum lugar, ouvi um espelho rachando.

177
Epílogo
Pesadelo

178
Taehyung
11 de Abril Ano 22

Estava amanhecendo quando acordei. O cheiro familiar e o ronco de


meu pai jorravam de seu quarto. O ar estava turvo do outro lado do pedaço de
vidro translúcido inserido na porta da frente. Levou apenas três passos da
entrada estreita, onde os sapatos estavam espalhados por todo o quarto
principal. Eu comecei a dormir lá desde que me lembrava.
Senti uma pressão nas minhas costas e ombros quando me levantei. Eu
saí com um copo de água na minha mão. Eu descuidadamente coloquei os
sapatos e caminhei devagar. Passei pela delegacia de polícia, beco e viaduto
para pedestres, e a ferrovia entrou no meu campo de visão. Era antes do
nascer do sol e a rua estava imersa em silêncio, ainda sem carros. O vômito de
alguém mais cedo na noite cheirava mal.
Eu caminhei ao longo da ferrovia. Um, dois, três, quatro. Parei na frente
do quarto contêiner contando do final. Era o do Namjoon. Eu alcancei a
maçaneta e parei. Namjoon deveria estar dormindo agora. E o que eu vi na
noite passada em meu sonho não devia ser mais que um pesadelo.
Tomei um gole de água e me virei. A estação e a ferrovia em mau
estado, as casas abandonadas, as árvores e as ervas daninhas que cresciam
aleatoriamente entre elas. Um saco de plástico preto rolou por mim e depois
voou pelo ar. Era um bairro pobre.
No meu sonho, esta área foi envolvida em chamas. Toda a cena pareceu
brilhar e se mover. Talvez tenha sido o calor ou talvez porque eu estava
sonhando. Alguém grita, algum tipo de som estridente, o som de choro, e o
som de algo desmoronando, tudo se juntou e inundou minha mente. As
imagens que brilhavam à distância aproximaram-se subitamente a toda
velocidade. Eu senti náuseas e fechei meus olhos, mas era um sonho. Eu não
conseguia me livrar deles fechando os olhos.
Meu olhar, primeiro bloqueado por chamas, empurrou as pessoas que
estavam de costas para mim no minuto seguinte, e então parou de repente.

179
Um, dois, três, quatro. O quarto contêiner era o do Namjoon. A porta havia
caído. Havia manchas de sangue. Chamas surgiram de dentro. As pessoas se
afastaram uma após a outra. O chão apareceu. Namjoon estava deitado lá.
Alguém deixou escapar. "Ele está morto."
Eu abri meus olhos para encontrar o teto da minha casa. Eu podia ouvir
meu pai roncar. Foi tudo um sonho. Minha palma doeu de repente. Liguei a
água da torneira e estendi a palma da mão. Parecia entorpecido sob o jato de
água. Enchi um copo com água e bebi. Foi um sonho. Um pesadelo.

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