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SERTANEJOS CONTEMPORÂNEOS:

ENTRE A METRÓPOLE E O SERTÃO


USP – UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
Reitor: Prof. Dr. Jacques Marcovitch
Vice-Reitor: Prof. Dr. Adolpho José Melfi

FFLCH – FACULDADE DE FILOSOFIA,


LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
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Digitalização de imagens e capa: ART3 PROPAGANDA

Crédito das fotos:


Inês de Castro – págs. 53, 78, 79, 80, 123, 124 e 125
Marcelo Pedrosa de Resende – págs. 54, 55, 77, 126, 212, 213, 214, 215 e 216

Fotolitos da capa cedidos gentilmente por Takano Editora Gráfica Ltda

Humanitas FFLCH/USP – junho 2001


ISBN 85-7506-016-3

ROSANI CRISTINA RIGAMONTE

SERTANEJOS CONTEMPORÂNEOS:
ENTRE A METRÓPOLE E O SERTÃO

2001

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO • FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


Copyright 2001 da Humanitas FFLCH/USP

É proibida a reprodução parcial ou integral,


sem autorização prévia dos detentores do copyright

Serviço de Biblioteca e Documentação da FFLCH/USP


Ficha catalográfica: Márcia Elisa Garcia de Grandi – CRB 3608

R565 Rigamonte,
Pandaemonium Rosani Revista
Germanicum: Cristinade estudos germânicos/Departamento de Letras
Sertanejos
Modernas. Contemporâneos:
Faculdade entre
de Filosofia, Letras a metrópole
e Ciências e o sertão
Humanas. / Rosani
Universidade de
Cristina Rigamonte
São Paulo. – São
– n. 1 (1997) Paulo:
–. – São Humanitas/FFLCH/USP:
Paulo: Humanitas/FFLCH/USP,Fapesp,
1997 – 2001

Descrição
255p.baseada em: v. 3, n. 1 (jan. -jun. 1999)

ISSN 1414-1906
ISBN 85-7506-016-3
1. Literatura alemã 2. Língua alemã 3. Estudos germânicos 4. Literatura I.
Universidade1. de
Migração (Brasil)
São Paulo. 2. Antropologia
Faculdade cultural
de Filosofia, Letraseesocial 3. São
Ciências Paulo
Humanas.
(Estado)de–Letras
Departamento História I. Título
Modernas.

CDD 830
CDD 711.40981
j430

HUMANITAS FFLCH/USP
e-mail: editflch@edu.usp.br
Telefax: 3818-4593

Editor Responsável
Prof. Dr. Milton Meira do Nascimento

Coordenação Editorial
Mª. Helena G. Rodrigues – MTb n. 28.840

Projeto Gráfico e Diagramação


Selma Mª. Consoli Jacintho – MTb n. 28.839

Revisão
Gilberto Tedeia / Edison Luís dos Santos
SUMÁRIO

Agradecimentos .................................................................. 7
Prefácio ...............................................................................11
Apresentação ..................................................................... 15
Introdução ......................................................................... 19
O Forró do Severino ......................................................... 21

Capítulo I – Trajetória de Pesquisa ...................................... 27


Definição do objeto ............................................................... 29
A pesquisa de campo ............................................................ 33
Estratégias de pesquisa .......................................................... 39
Em busca dos caminhos nordestinos ...................................... 48

Capítulo II – CNT – a “Contemporaneidade” ...................... 67


O lugar do Forró ................................................................... 69
Os freqüentadores e suas práticas ........................................... 76
As barracas e seus proprietários ............................................. 96
O baile e sua dinâmica ........................................................ 101
Programação musical .......................................................... 102
As transformações ............................................................... 106
Rosani Cristina Rigamonte

Capítulo III – A Praça Silvio Romero – a “tradição” .......... 113


O encontro dominical .......................................................... 117
Os freqüentadores ............................................................... 127
Os caminhoneiros ............................................................... 148
O movimento da rede ......................................................... 160
O tempo e o espaço da rede ................................................ 163

Capítulo IV – A Festa no Sertão. O retorno às origens ........ 173


O percurso .......................................................................... 175
As entregas ......................................................................... 180
Piripá ................................................................................. 204
Os preparativos para a festa ................................................. 206
A festa/A Gincana ............................................................... 217
O Forró .............................................................................. 220
O retorno ............................................................................ 232

Considerações finais ....................................................... 239


Referências bibliográficas .............................................. 245
Indicações bibliográficas sobre o tema
Migrações ......................................................................... 251

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

AGRADECIMENTOS

O s caminhos percorridos por vezes foram árduos e tortuo-


sos, de modo que chegar ao final foi quase ato de teimosia; isto não
significa, contudo, que esteja completamente concluído, mas sim
que já é hora de finalizar. Durante este período houve altos e baixos
e para persistir e seguir em frente, não me faltaram “ombros” dispos-
tos a dar apoio e incentivo. Conseguir agradecer a todos que contri-
buíram, de alguma forma, com este trabalho, com a devida
intensidade, é uma tarefa quase que impossível.
Esse livro é uma versão minimamente modificada de uma
dissertação de mestrado, que leva o mesmo nome, defendida em
dezembro de 1997.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – CNPq, meus sinceros agradecimentos pela bolsa con-
cedida para a realização desta pesquisa e à FAPESP – Fundação de
Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo por ter possibilitado a
publicação deste trabalho.
Ao Prof. Doutor José Guilherme Cantor Magnani, meu
orientador, que nas nossas inúmeras conversas e discussões contri-
buíu e muito com suas sugestões, críticas e encorajamentos.
À Profª. Doutora Maria Lúcia Montes, ao Prof. Doutor John
C. Dawsey e à Profª. Doutora Lúcia Maria Machado Bogus, por
terem incentivado tanto o meu interesse sobre este trabalho.
Beatriz P. Schreiner, Rita de Cássia Amaral e Vera Lúcia Galli,
minhas interlocutoras que, cada qual à sua maneira me “socor-

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Rosani Cristina Rigamonte

reram”de forma exemplar diante de tantas encruzilhadas que surgi-


ram no transcorrer desta caminhada.
Adriana F.C. Tintori, Daniela S. Pereira, Laerte F. de Oliveira,
Luís H. Dávila, Marli de Barros, amigos tão presentes que, no mo-
mento de vestir a indumentária de pesquisador, foram a campo e,
ao som do Forró, complementado pelos quitutes nordestinos, reali-
zaram uma importante tarefa para a consolidação desta pesquisa.
Ao pessoal da FUNDEF – em especial – ao Sr. Gino Pereira
dos Reis que me apoiou de forma paciente durante todo o período
de elaboração deste trabalho.
Aos amigos do Núcleo de Antropologia Urbana – NAU – e
aos companheiros do Programa de Pós-Graduação tanto da USP
quanto da PUC-SP que, através de conversas, críticas, discussões e
troca de experiências, colaboraram de forma especial.
Ao Laboratório de Imagem e Som em Antropologia – LISA –
e em especial a Inês de Castro, que produziu boa parte das fotos
deste trabalho.
Toda esta jornada não teria valido a pena sem a cumplicida-
de de Maria A. Augusto(minha mãe), Regina, Rosangela, Reinor,
Bianca e Pablo(meus irmãos e sobrinhos). Em especial agradeço à
ART 3 que magnificamente realizou a produção gráfica deste traba-
lho.
Dalvadício Brito que, sem o seu apoio jamais teria consegui-
do “mergulhar” profundamente na dinâmica que rege as práticas
cotidianas destes baianos, tão especiais. Meu eterno agradecimento
ao Sr. Severino da Silva, sem o qual o meu interesse pelo Forró
jamais teria sido despertado.
A todos alagoanos, baianos, cearenses, maranhenses, minei-
ros, paraibanos, pernambucanos, piauienses, potiguares e sergipanos

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

que, quando abordados, revelaram um universo único e peculiar


vivido na sua saga cotidiana.
Por fim, a você Marcelo, pela paciência e credibilidade em
mim depositadas, além de sua parcela de “observação participante”
que exerceu tão ativamente. Obrigada!
Dedico este trabalho a todos os migrantes, em especial aos
meus avós e a meu pai (in memorian) que, através de seus sonhos e
coragem, colaboraram na construção desta metrópole única em sua
diversidade e integração.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

PREFÁCIO

Não obstante ter escolhido como tema um assunto bastan-


te conhecido – nordestinos em São Paulo – a dissertação que Rosani
Rigamonte defendeu no Departamento de Antropologia da USP e
que agora sai em livro traz sugestivas inovações.
Que levas de migrantes de diferentes Estados do nordeste
brasileiro constituíram a decisiva mão-de-obra no setor da constru-
ção civil da capital paulistana; que o Forró há muito foi adotado por
gente com outros sotaques e continua sendo desfrutado até em bair-
ros de classe média; que as Casas do Norte, espalhadas pela cidade,
dão sustentação a importantes itens da tradição culinária nordesti-
na – tudo isso já é sabido de longa data e não constitui novidade
nenhuma.
O problema é que estas e outras imagens, já firmemente arrai-
gadas no senso comum – sem contar os estereótipos e preconceitos,
que de tempos em tempos vêm à tona na forma de intolerâncias –
continuam fornecendo um quadro de referência rígido, quando os
processos sociais contemporâneos, formas de inserção e até mesmo
modalidades de lazer, entretenimento e cultura da população nordes-
tina em São Paulo, passaram por significativas mudanças. É preciso
não apenas descobrir essas novas formas e descrever sua dinâmica,
mas articulá-las com outros movimentos e com a dinâmica cultural
da cidade, sob pena de se continuar a repetir os velhos chavões. Mas,
como fazer?
É aqui onde entra a contribuição da pesquisa de Rosani, que
começa com a escolha do método etnográfico, buscando, num pri-

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Rosani Cristina Rigamonte

meiro momento olhar de perto para flagrar, no detalhe, alguns des-


ses processos. Foi assim que ela descobriu, lá no bairro do Tatuapé,
uma praça freqüentada por nordestinos, nas manhãs de domingo.
Qual a atração? Uma antiga forma de transporte e contato com
membros da família que ficaram lá no sertão, e para os quais são
remetidos, através de uma frota informal de caminhões – e com
base na solidez de uma confiança sem outra garantia que não a
palavra empenhada – um dinheirinho, notícias, uns objetos com-
prados com as economias apuradas após um bom tempo de traba-
lho duro.
Mas não é só o trabalho que importa. Todo mundo conhece
o CTN – Centro de Tradições Nordestinas, localizado no bairro do
Limão e que conta até com uma emissora, a Rádio Atual, voltada
diretamente para este segmento específico. É um empreendimento
grande, moderno, com música, baile e comidas típicas que atrai
muita gente nos fins de semana. Uma verdadeira mancha de lazer
mas com uma dinâmica diferente do pedaço que se instituiu lá na
praça Silvio Romero.
Estes foram, inicialmente, os locais escolhidos para a pesqui-
sa. A novidade, porém, está na forma como esses dois arranjos se
articulam num plano mais amplo: buscando, agora, um olhar de
longe, Rosani mostra que sertão e metrópole não são dois pólos
separados: diferentemente do que ocorria nos processos migrató-
rios de décadas anteriores, quando a ruptura entre ambos era maior,
atualmente são pontos de um mesmo circuito, são contemporâneos
e o caminho pode ser refeito.
Aproveitando os festejos de São João, que ocasionam uma
verdadeira revoada em direção às pequenas cidades de origem dos
migrantes, temporários ou permanentes, a autora comparou o esti-
lo e as dinâmicas das festas de lá com as de cá e também não hesi-

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

tou em fazer o percurso todo até o interior da Bahia, num caminhão


de entregas, perfazendo desta forma um trajeto no interior desse
circuito entre a metrópole e o sertão.
Em suma, este é um trabalho que comprova a vitalidade da
etnografia para o entendimento de processos sociais, arranjos cultu-
rais e modos de vida a partir de uma perspectiva capaz de ir além do
senso comum, de ultrapassar o pretensamente já conhecido: para
tanto é preciso que a estratégia da pesquisa alie um objeto bem
localizado com um recorte mais amplo que não se limite a um estu-
do de caso encerrado em suas fronteiras.
Este é um desafio para os antropólogos urbanos diante do
contexto altamente complexo, diversificado e interdependente da
dinâmica urbana atual. No caso de Sertanejos Contemporâneos:
entre a metrópole e o sertão, Rosani mostra que esses pólos, apa-
rentemente antagônicos, não apenas estão relacionados, mas são
indispensáveis para se entender práticas sociais e culturais que tran-
sitam por um e outro.

São Paulo, fevereiro de 2001

José Guilherme Cantor Magnani

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

APRESENTAÇÃO

O homem não se contenta mais em conhe-


cer, conhecendo mais, ele vê a si mesmo co-
nhecedor, e o objetivo verdadeiro de sua
pesquisa torna-se um pouco mais, cada dia,
esse par indissolúvel formado por uma hu-
manidade que transforma o mundo e que se
auto-transforma no curso de suas operações
(Lévi-Strauss, 1993: 401).

Este livro é o resultado da reprodução integral da dissertação


de mestrado apresentada ao Departamento de Antropologia da USP.
Este trabalho tem como ponto de partida o percurso dos
migrantes nordestinos traçado nas últimas décadas na cidade de
São Paulo e propõe um reconhecimento das formas e alternativas
de “apropriação” da nova realidade urbana, buscando discutir estas
questões por um enfoque peculiar, mediante o “olhar” de quem
chega e estabelece seus próprios modos de inserção no contexto
metropolitano.
A identificação de estratégias de sociabilidade e de trabalho,
as transformações na cultura de origem e as formas de lazer desta
população serão os pontos de referência nesta análise, que terá como
pano de fundo a procura das influências de todo este processo em

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Rosani Cristina Rigamonte

seu modo de vida, tanto na metrópole, quanto no seu local de pro-


cedência. Valendo-se destes aspectos, pretende-se verificar o que
representa o nordestino na cidade de São Paulo e o que a cidade
representa para ele.
O que se busca retratar é um pouco da “cidade nordestina”
que reside no interior da metrópole paulistana, tendo-se por base
a relação entre duas lógicas: a da metrópole que transforma a cul-
tura em produto para consumo de ampla massa, e a do “pedaço”,
tradicional espaço de cultivo e fruição de uma cultura que acaba
por fortalecer vínculos de sociabilidade e pertencimento, tendo-se
por fio condutor o diálogo do tradicional com o moderno, no ter-
mo do qual se entrevê formas intermediárias de interação entre
estes dois universos. Essa será a via de acesso aos relatos do como
e a forma da integração à metrópole dos “sertanejos contemporâ-
neos”.

A estrutura do livro

O recorte da pesquisa foi construído inicialmente baseando-


se em duas práticas de lazer diferenciadas: um ponto de encontro
dominical numa praça, onde pessoas se encontram há mais de trin-
ta anos no mesmo lugar e um baile popular no Centro de Tradições
Nordestinas para cerca de cinco mil pessoas, que ocorre todos os
finais de semana.
O livro inicia-se com uma “Introdução” que descreve um Forró
que marcou época na periferia de São Paulo, no final dos anos 70,
Forró cuja dinâmica reflete muitas das estratégias de vida adotadas
por esta população. O “Forró do Severino” – assim ficou conhecido –
funciona como “porta de entrada” para esta análise.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

O primeiro capítulo discute as trajetórias de pesquisa, e enfoca


desde a definição do objeto de reflexão até a metodologia e as estra-
tégias de pesquisa de campo.
O segundo capítulo centra-se no Centro de Tradições Nor-
destinas e no perfil do Forró que acontece na metrópole: seus fre-
qüentadores, redes de sociabilidade, músicas, danças, origem,
apontando-se a abrangência deste grande empreendimento na ci-
dade de São Paulo.
No terceiro capítulo, a discussão aborda de forma mais pon-
tual um outro lugar do entrelaçamento entre o tradicional e o mo-
derno: a Praça Silvio Romero, um ponto de encontro dominical,
palco de uma “densa” estrutura envolvendo laços de amizade e
parentesco, trabalho, moradia, viagens, encomendas, entregas.
No quarto capítulo, o cenário de fundo não será São Paulo, e
sim Piripá, pequeno município localizado no sertão baiano, e o ob-
jeto é uma das festas mais populares do Nordeste, a Festa de São
João, por meio da qual se visualiza como o modo de vida da metró-
pole dialoga com o sertão, tomando-se o Forró como um interlocu-
tor privilegiado neste diálogo.
E, por fim, nas “Considerações finais” é apresentado um pa-
inel das manifestações da cultura nordestina nos bairros “moder-
nos” da cidade, onde jovens universitários paulistanos divertem-se
ao som de um bom e ritmado Forró, o que permite delinear uma
nova instância do diálogo entre a cultura popular e seus estilos mu-
sicais e o contexto no qual são reproduzidos.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

INTRODUÇÃO

D izer que São Paulo é a maior cidade nordestina do país já


não causa grande impacto: o peso do contingente migratório origi-
nário do Nordeste na população da cidade, sua participação como
mão-de-obra no processo de desenvolvimento urbano e industrial e
a influência da cultura típica daquelas regiões – não obstante os
surtos de preconceito contra os “baianos” – constituem realidade
indiscutível. Afinal, é quase um século de presença continuada, que
se intensifica a partir dos anos 30.
Conforme observou Francisco Weffort, num artigo sobre cul-
tura popular,
os nordestinos têm agora, como os italianos em sua época,
embora num grau menor, a vantagem de uma presença cultu-
ral visível na cidade. Visível, isto é, diferente. E que persiste em
apresentar-se em programas de rádio e televisão, nos Forrós e
festas típicas e num tipo de comércio que se espalha pelos bair-
ros periféricos e por algumas cidades vizinhas atendendo à per-
manência de hábitos, em particular os alimentares, próprios do
Nordeste (Weffort, [1979], 1988: 16-7).

Quais são as marcas dessa presença cultural hoje, na cidade?


Apresenta mudanças significativas com relação às primeiras formas?
Interage com outras modalidades e instituições características da
metrópole contemporânea?
Nada mais adequado para ingressar nesse universo e identifi-
car seus novos caminhos do que escolher, como via de acesso, o

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Rosani Cristina Rigamonte

bom e velho Forró, marca registrada, ontem e hoje, do inconfundí-


vel ethos reconhecido pelo sotaque, música, dança, bebidas e comi-
das típicas. Não será, contudo, qualquer Forró. Aliás, vai ser um que
já nem existe, mas que, pelas circunstâncias de sua trajetória, cons-
titui-se em um verdadeiro paradigma das vicissitudes da presença
nordestina na cidade de São Paulo e das alternativas que esta lhe
reserva. Trata-se do Forró do Severino.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

O FORRÓ DO SEVERINO

Olha que isso aqui tá muito bom


Isto aqui tá bom demais...
Olha que isso aqui tá muito bom
Isto aqui tá bom demais...
(Luiz Gonzaga, Bom demais).

Favela da Vila Prudente, zona leste da cidade de São Paulo,


meados dos anos 70. Mais de quinhentas pessoas se espremem num
salão decorado de azul e verde e equipado com um moderno siste-
ma de iluminação que faz as lâmpadas piscarem continuamente e
se entretêm ao som do tradicional conjunto composto de sanfona,
zabumba e triângulo, sustentam-se com o sarapatel e o caldo de
mocotó, especialidades da casa, e se reanimam com muitas doses
de Ypioca e Chave de Ouro. E, assim, os freqüentadores do Forró
do Severino passam a noite dançando…: “Êta forró danado de bom,
seu moço!”
Foi no ano de 1971 que a sala do barraco do “Seu” Severino
se transformou em salão de baile. Tudo começou com as festas de
aniversário que aconteciam em sua casa: animadas pelo cunhado
sanfoneiro, as noites acabavam invariavelmente em Forró. Até que
certa vez resolveram dar festas sem ter um motivo certo para come-
morar; o que importava era dançar, encontrar os amigos, bater um
bom papo, divertir-se entre conhecidos e conterrâneos.

21
Rosani Cristina Rigamonte

Todos finais de semana, vinha o sanfoneiro, meu cunhado, a


gente comprava umas bebidas, a mulher fazia o sarapatel e o
forró só acabava quando o dia amanhecia. Muita gente come-
çou a querer participar da festa, foi aí que meu primo Valdo
deu a idéia. ‘Vamo cobrá ingresso’. E estava formado o forró
do Severino (Severino José da Silva, 71).

A idéia deu certo: eram tantos os freqüentadores que o espa-


ço logo ficou pequeno, sendo preciso comprar o barraco ao lado,
depois outro, depois mais um, até que o salão passou a ocupar uma
área de quase 1.000 m2, o equivalente a 10 ou 11 barracos. Dava
de frente para a Rua Dianópolis, porta de entrada de uma das maio-
res e mais antigas favelas da cidade de São Paulo.
O Forró do Severino tornou-se verdadeira atração, pois pro-
movia grandes eventos, cuja fama se estendia além das fronteiras
da favela. Era um Forró nos moldes tradicionais: a música ao vivo,
com a atuação de cantores, sanfoneiros e tocadores de instrumen-
tos típicos, garantia uma festa sempre animada e que ia longe. Artis-
tas de sucesso na época, como Paulo Sérgio, Valdic Soriano, Claudio
Fontana, Genival Lacerda e tantos outros, cantaram no Forró, inau-
gurando o que mais tarde ficaria conhecido como o “estilo brega”,
resultado do contato entre ritmos tradicionais e inovações da mídia
e da indústria fonográfica. Na época de seu apogeu, o Forró abria
todas as sextas, sábados e domingos.
Não podia ter sido melhor o desfecho da típica trajetória de
um migrante nordestino. Severino José da Silva, em 1948, aos 16
anos, analfabeto, saiu de Itora no interior de Pernambuco e foi para
Recife em busca de uma vida melhor. Começou a trabalhar como
vendedor ambulante no mercado São José, no centro da cidade,
vendendo batata, alho e cebola. Ficou cerca de dez anos na capital
pernambucana, morando com seu tio, e, quando conseguiu juntar
dinheiro suficiente, resolveu migrar para o Sul.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A viagem de navio cargueiro até o Rio de Janeiro durou qua-


tro dias. Hospedou-se em casa de parentes, na favela de Caxias, e
permaneceu ali por um ano e meio. Foi quando resolveu visitar
alguns familiares que moravam em São Paulo: tinha ouvido muito
falar da cidade e quis conhecê-la. Severino chegou à capital
paulistana em 1960 e foi direto à casa de uma prima que morava na
favela da Vila Prudente. Desde então, nunca mais saiu de São Pau-
lo, sequer para visitar sua cidade natal, ou os parentes no Rio de
Janeiro. Estabeleceu-se em São Paulo, casou aos 28 anos, teve cin-
co filhos e três netos.
Vim só pra passear, mas gostei demais, tinha muito emprego,
tinha espaço para morar, o povo era unido, o lugar bonito e
resolvi ficar.

Dez anos depois era proprietário de um salão de baile fre-


qüentado não apenas por amigos e conhecidos: agora vinha gente
de todos os cantos da cidade. “Seu” Severino, contudo, começava
a encontrar dificuldades para administrar o empreendimento. Con-
tava com a ajuda dos filhos, esposa, noras e genros, mas não era
suficiente; tudo aquilo tinha crescido para além da medida.
A cidade mudou, o povo que passou a freqüentar o forró já era
gente demais, eu já não conseguia controlar, a coisa cresceu
muito, foi muito além do que eu esperava... A violência come-
çou a invadir a nossa festa, a vida começou a ficar mais difícil,
não dava mais...

A violência que acompanhava o crescimento da cidade co-


meçou a descaracterizar a festa do “Seu” Severino, que dependia
agora de proteção policial. E como o posto da Polícia Militar que
existia dentro da favela foi fechado em 1980, foi preciso apelar para
policiais de outras regiões. Resultado: tendo-se em vista as crescen-
tes bebedeiras e brigas, cresceram os gastos voltados para a garantia

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Rosani Cristina Rigamonte

da ordem e segurança. A infra-estrutura disponível tampouco era su-


ficiente para abrigar tanta gente; a favela crescera e já não havia espa-
ço disponível para a ampliação do salão. Um certo limite foi atingido.
O que eu queria era uma festa pra gente se sentir em casa, pra
dançar e se divertir como era na nossa terra, depois que tudo
mudou, eu mudei também. Do jeito que tinha de ser eu não
queria mais.

Enfim, a cidade crescia a toque de caixa, a migração nordes-


tina atingia seus maiores índices, tudo se modernizava e, se quisesse
acompanhar o ritmo das mudanças, era preciso reformular o “Forró”
em outros moldes.
Era muito bom, tenho muitas saudades, mas já não era mais
pra mim, o que eu queria eu já tinha conquistado, pra conti-
nuar tinha que mudar. Fechei o forró na favela e entrei de sócio
em um salão de baile, na Vila Alpina. Era diferente, fiquei mais
ou menos um ano lá. Num sábado, no meio do salão, teve
briga e mataram uma pessoa. Veio polícia e fechou tudo, aca-
bou a festa. Foi aí que eu tive certeza do meu sentimento, aqui-
lo já não era mais pra mim.

O salão de baile fora do “pedaço”1 original, independente da


teia de relações formada por parentes, conterrâneos e vizinhos, fun-
cionava com outra lógica: “era diferente”, reconhece Severino. A
curta e trágica experiência deixou claro que não era esse o estilo a
que estava acostumado. Para equilibrar o orçamento, Severino ven-
deu sua parte do negócio e voltou à antiga ocupação de vendedor

1
O termo é usado na acepção de Magnani: “O termo na realidade designa
aquele espaço intermediário entre o privado (a casa) e o público, onde se
desenvolve uma sociabilidade básica, mais ampla que a fundada nos laços
familiares, porém mais densa, significativa e estável que as relações formais
e individualizadas impostas pela sociedade” (1984: 138).

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

ambulante, comercializando peixe na favela. Em dezembro de 1994


tinha dois barracos, em um morava sua filha e no outro – o que
tinha originado o famoso Forró – ele próprio residia.
O Forró do Severino encerrou suas atividades em 1984, ten-
do durado 14 anos. Sua história – em vez da crônica de um fracasso
– ilustra de forma exemplar as vicissitudes, limites e alternativas dos
caminhos trilhados pelos migrantes nordestinos em busca de inser-
ção nos pontos de chegada. Do sertão pernambucano até a cidade
de destino muitas foram as etapas percorridas, porém, sempre pon-
tuadas pela família: um tio, uma prima. Uma vez estabelecido e
formado o próprio núcleo, o cultivo de traços da cultura de referên-
cia permitiu ampliar e reforçar laços de sociabilidade para além do
círculo mais restrito da família.
Não se tratava, contudo, de uma cultura de migrantes com o
fito de constituir nichos freqüentados apenas por nordestinos: como
se viu, o empreendimento de “Seu” Severino logo extrapolou as
fronteiras iniciais – “o povo que passou a freqüentar o forró já era
gente demais”. O Forró, assim como outros itens da cultura nordes-
tina, tinha passado a fazer parte da paisagem e dos costumes de
uma cidade acostumada, aliás, a incorporar as contribuições dos
diferentes grupos que aqui aportaram.
Porém o ritmo de crescimento dessa cidade tornou inviável o
funcionamento de um empreendimento como o Forró do Severino,
com base ainda na estrutura familiar. As escalas foram alteradas, as
regras agora eram outras, e como o que ele “queria era uma festa
pra gente se sentir em casa, pra dançar e se divertir como era na
nossa terra”, o formato inicial já não dava conta, à medida que
vinha deixando de ser uma forma de entretenimento freqüentado
apenas por conhecidos, e se transformado num ramo de atividade
que não estava imune ao processo da crescente complexidade ur-

25
Rosani Cristina Rigamonte

bana, “pra continuar tinha que mudar”. E Severino preferiu dizer


não. Para entender melhor como esta população enfrentou estas
transformações, é preciso sair em busca dos caminhos nordestinos
tal como trilhados nos dias que correm hoje na cidade.

26
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

CAPÍTULO I
TRAJETÓRIA DE PESQUISA

27
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

definição do objeto

Definição do objeto

A o tentar estabelecer o recorte desta pesquisa, foram en-


contradas2 várias reflexões sobre o tema já realizadas, reflexões que
englobavam uma diversidade de temas e objetos, entre os quais se
destacam o processo de urbanização, as relações de trabalho, os
focos das migrações internas no Brasil, os fluxos migratórios para
São Paulo, o êxodo rural, assim como a exclusão e a marginalidade
social urbana das populações vindas do campo. Mas não eram exa-
tamente estes os caminhos que se desejava trilhar nesse trabalho. O
intuito era o de estabelecer uma análise valendo-se de um enfoque
que não fosse puramente o econômico, ou o político.
Como se sabe, a cidade de São Paulo cresceu num ritmo
bastante acelerado entre as décadas de 50 e 70 deste século, o que
teria ocasionado inúmeras transformações em toda a sua estrutu-
ra. Aquela cidade que havia iniciado seu processo de urbanização
e industrialização por meio do trabalho dos imigrantes europeus,
sobretudo os italianos, passaria a traçar um novo percurso histó-
rico com a inserção dos migrantes nacionais neste contexto.

2
Alguns autores que enfocaram o tema da migração: Borges (1955); Jordão
Neto (1969; 1973); Secretaria 1973; Pentado (1968); Graham (1984); Souza
(1980); Muszynski (1986);. Rodrigues (1981); Lazarte (1987); Unzer (1951);
Becker 1968; Andrade (1993); Singer(1980); Cardoso (1975); Mattos
(1972); Silveia 1984; Berlinck (1975); Perrucci (1978).

29
Rosani Cristina Rigamonte

Nascida e criada na Mooca, bairro operário e conhecido re-


duto italiano à beira do Tamanduateí, “a porta da periferia”, vivenciei
na infância e na adolescência um cenário que me possibilitou pre-
senciar bem de perto algumas destas transformações.
As vilas operárias, os antigos casarões e os cortiços, outrora
moradia destes italianos, iam transformando-se3, e, a cada dia, mais
e mais novos moradores ali se alojavam. Na rua onde residia já não
mais estavam em cena apenas d. Rosina, Seu Renzo, Nino e Carmela:
passara a conviver também com o Zé da Casa do Norte, o Severino
do Peixe, Josefa e Zuína. A este cotidiano incorporavam-se novos
personagens, e também as práticas sociais modificavam-se. A
macarronada da d. Carmela já não era tão freqüente, e os adeptos
da bocha também já não eram tantos assim. Em contrapartida, ha-
via bailes nos casarões, nos finais de semana, animados pelo som
da sanfona e da zabumba. A “ebulição” causada ao se saborear o
caldo de mocotó preparado pelo Zé da Casa do Norte era a grande
sensação do momento. Aí centrava-se o enfoque, aquele que trata-
va da cultura, dos hábitos, dos costumes, das práticas de lazer e
sociabilidade desta população.
Partindo destas reflexões, conclui que o caminho escolhido
para começar a falar desta população consistiria na identificação da
“rua do nordestino”, ou seja, de determinados locais públicos onde
migrantes recentes e mais antigos estabelecem redes de sociabilida-
de. Nesses pontos de encontro há uma troca de experiências que
reforça as formas de vivência do seu cotidiano. O propósito deste
livro foi o de entrar em contato com as práticas sociais e o modo de
vida desta população em um tal contexto.

3
Sobre a transformação dos bairros operários, sobretudo o Brás, cf. Pardini,
1992.

30
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Embora freqüentemente desprezada, a vivência do “tempo li-


vre” não é, de modo algum, destituída de importância nem
para as pessoas e os grupos sociais, e nem para a vida em
sociedade. Aí se adquire um nome, uma identidade, um papel
social, se aprende a viver e se vive de acordo com ele. Ainda
mais: no trabalho não se é fulano ou sicrano, jovem ou adulto,
mas apenas um trabalhador. Embora tais identidades – sobre
as quais se estrutura em grande medida a vida social – possam
repercutir na hora de se vender a força de trabalho, não é nem
no mercado, nem no local de trabalho, que elas se constituem e
são transmitidas, mas basicamente na família, no bairro, onde
se mora junto dos colegas e vizinhos (Caldeira, 1984: 118).

No seu bairro, no seu pedaço, os indivíduos encontram e re-


conhecem seus laços, constroem e reafirmam sua identidade. É im-
portante ressaltar que nos momentos de lazer, entendo por lazer o
conjunto de atividades desenvolvidas durante o tempo livre, ou do
“não trabalho”. Os indivíduos, mais do que um simples descanso e
divertimento, estão em contato com as suas origens, os seus referen-
ciais. Além da busca pelo prazer e pelo lúdico, o lazer permite outras
possibilidades:
trata-se do desenvolvimento pessoal e social que este enseja.
No teatro, no turismo, na festa, no ponto de encontro etc...
estão presentes oportunidades privilegiadas, porque espontâ-
neas, de tomada de contato, percepção e reflexão sobre as
pessoas e as realidades nas quais estão inseridas (Marcellino,
1996: 14).

O lazer é, pois, enfocado aqui como o espaço que possibilita


a representação da sociedade e dos conflitos vividos, e uma certa
autonomia desse espaço justificaria a construção desta análise em
tais moldes. A proposta é relacionar estes momentos de lazer e de
comemorações ao contexto vivenciado pelo migrante na metrópo-
le, o espaço urbano-industrial, da modernidade e do trabalho.

31
Rosani Cristina Rigamonte

O trabalho, pois, intentou relacionar dois locais bastante dife-


renciados entre si, no que se refere aos equipamentos e às práticas
de lazer. O primeiro é o Centro de Tradições Nordestinas (CTN), um
centro de lazer que é a materialização de um espaço especificamen-
te voltado para a população migrante nordestina da metrópole, no
qual vários atrativos foram aglutinados com o objetivo de trazer a
população até aquele local. A estas estratégias se soma a eficácia de
um veículo de comunicação de massa, a Rádio Atual.4 As tradições
da cultura nordestina são ali reelaboradas e funcionam como ponte
de identificação entre o local e os seus freqüentadores. Dessa ma-
neira, pessoas oriundas de diferentes partes do Nordeste podem
buscar ali o seu reconhecimento como membro deste grupo, além
de poderem rever amigos e conterrâneos e participar de Forrós tão
animados, quanto os de seu local de origem.
Pode-se estabelecer uma contraposição entre este Centro de
Lazer e uma praça, local público onde diferentes populações po-
dem dela se apropriar. No espaço da praça é possível enfocar o
processo de construção de um pedaço nordestino dentro da cidade,
de um pedaço apropriado há longa data por uma população defini-
da pelo seu local de origem, mediante uma prática que se perpetua,
do mesmo jeito, há mais de três décadas. A contraposição entre
esses espaços será complementada por uma descrição sobre o local
de origem desta população, qual seja, o espaço rural, lugar das tra-
dições, tendo-se a festa de São João como pano de fundo desta
análise.
A primeira relação é estabelecida segundo a possibilidade de
convivência na metrópole de formas diferenciadas, ou seja, diferen-
tes práticas sociais, as “modernas” e as “tradicionais”, podem per-

4
Rádio Atual e CTN funcionam no mesmo espaço físico e são direcionados
para o mesmo público.

32
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

mitir que os indivíduos participem da experiência urbana, cada qual


com sua peculiaridade.
A segunda relação foi tratada por meio do Forró, enfocando-
se como esta festa se realiza no contexto da metrópole, e como este
mesmo Forró se dá no sertão. O primeiro contexto se utiliza de equi-
pamentos modernos para realizar-se e reflete uma realidade vivida
fora do território de origem. O segundo se dá no próprio local de
origem, realizando-se para celebrar a festa mais importante do ano,
além de celebrar o retorno dos que partiram.
E, por fim, busca-se apontar como nestes três locais, o Forró
urbano, a praça e o sertão, podem refletir o diálogo estebelecido
entre o campo e a cidade. De fato, este trabalho tem como ho-
rizonte apontar o que a cultura de massa reflete das tradições e o
que a cultura popular absorve daquilo que é considerado moder-
no.
A cultura de massa produzida na sociedade urbano-industrial
embasa-se não numa estrutura fixa que se perpetuaria através do
tempo, mas na forma, no texto, ou no diálogo entre estes dois extre-
mos, o tradicional e o moderno, e é esta forma que permite a sua
reinterpretação e ressignificação. Portanto, o desafio proposto é este,
o de tentar construir o resultado das transformações que ocorreram
tanto na cidade (a metrópole paulistana) como no campo(o sertão
nordestino), por meio da experiência vivenciada por estes sertane-
jos contemporâneos.

A pesquisa de campo

A pesquisa de campo para este projeto foi iniciada em setem-


bro de 1993, quando passei a freqüentar a Praça Silvio Romero,

33
Rosani Cristina Rigamonte

mas já há algum tempo vinha desenvolvendo trabalho junto aos


migrantes nordestinos. Entre 1987 e 1990, trabalhei na FUNDEF
(Fundação para o Desenvolvimento das Atividades Econômicas
Familiares de São Paulo) em um programa direcionado à popula-
ção de baixa renda residente na cidade de São Paulo, voltado em
especial aos moradores da zona leste, a um público composto, em
sua maioria, por migrantes nordestinos.5
Durante o desenvolvimento deste trabalho, participei de vári-
as festas promovidas pelos usuários do programa, festas como casa-
mentos, batizados, dia de São João, finais de ano, todas elas animadas
ao som de uma sanfona, um triângulo e uma zabumba. As come-
morações sempre acabavam em Forró. E foi por meio destas opor-
tunidades que pude entrar em contato cada vez mais aprofundado
com a cultura destes migrantes.
Por ocasião deste mesmo trabalho, tive a oportunidade de
conhecer de perto o Sr. Severino, conhecido como “Seu” Severino.
Ele era proprietário de uma casa de espetáculos, mais especifica-
mente, de uma casa de Forró bastante conhecida nos anos 70, ins-
talada no interior da Favela da Vila Prudente, um empreendimento
que há tempos aguçava a minha curiosidade. Após entrar em con-
tato com o Sr. Severino e a história do Forró, muito das singularida-
des desta população e de suas alternativas de sobrevivência se

5
Este programa apoiava pequenos empreendimentos familiares, ou seja, pe-
quenos negócios de “fundo de quintal” que possibilitavam a sobrevivência
destas famílias. Os serviços prestados eram: créditos para implementação do
negócio, cursos para planejamento e administração destes empreendimen-
tos, além de assessorias, nas quais o grupo técnico, do qual eu fazia parte,
acompanhava de perto a reestruturação e fortalecimento destes negócios. O
objetivo principal do programa era possibilitar a estes pequenos produtores
e comerciantes um ingresso efetivo no mercado de trabalho, o que propor-
cionaria a melhoria da qualidade de vida do grupo envolvido.

34
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

mostraram manifestas ali. Embora o Forró tenha encerrado suas


atividades antes mesmo do início deste trabalho, o projeto de
pesquisá-lo mais detidamente não foi abandonado, e a memória
dele aparece reavivada na “Introdução” deste livro.
Um fato que sempre despertou a minha curiosidade era a
constante troca de correspondências, informações e encomendas
que estes migrantes mantinham com a sua terra natal e seus paren-
tes, como se houvesse uma linha direta Nordeste-São Paulo. O que
mais intrigava era a forma como estes contatos eram estabelecidos:
“O Zé da Diva foi p’ra roça, trouxe essa farinha e carta da nossa
família”, “Fulano vai para a Bahia e nós vamos mandar essas
roupas para o pessoal”, “Sicrano chegou essa semana e trouxe
notícias da mãe”.

As notícias, as encomendas e as correspondências iam e vi-


nham sem grandes dificuldades. Por vezes as entregas eram feitas
em casa de parentes, por outras levavam as remessas até a rodoviá-
ria, na esperança de encontrar algum conhecido e enviar direta-
mente para a sua terra as encomendas. Muitas vezes não se utilizavam
dos meios de comunicação formal – correio, telefone ou transporta-
doras –, e as notícias e remessas circulavam livremente através de
redes informais.
A partir daí, comecei a investigação do movimento destas
informações, da ocasião em que os meios formais ou informais eram
utilizados, e sobre a existência ou não de algum outro meio além
destes para a troca de remessas e notícias. Foi quando um conheci-
do mencionou a existência de alguns pontos de encontro que exis-
tiam voltados para tal fim.6 A Praça Silvio Romero, o local analisado

6
Há neste capítulo referências a alguns destes pontos. Infelizmente não foi
possível inventariar todos eles, em virtude do seu grande número, o que

35
Rosani Cristina Rigamonte

mais detidamente neste trabalho, foi igualmente citada nesta oca-


sião como um destes pontos, um local que já conhecia anteriormen-
te, mas do qual ignorava completamente a existência desta prática
ali realizada.
Dois anos se passaram, e por volta de agosto de 1993 decidi
preparar o projeto de pesquisa para o ingresso no Programa de Pós-
Graduação. Embora estivesse bem delineado o interesse em dire-
cionar as pesquisas para a cultura desta população, houve a clássica
dificuldade em delinear o seu recorte. Um dos enfoques escolhidos
centrava-se nestes pontos de encontro, nos quais circulavam infor-
mações sobre o local de origem, mercadorias e correspondências.
Após restringir o universo a dois deles, bastante famosos, a Praça da
Árvore, na zona sul (ZS) e a Praça Silvio Romero, na zona leste (ZL),
optei pelo segundo após uma visita a ambos os locais e observei
que a Praça da Árvore aglutinava menos pessoas que a Praça Silvio
Romero, tida, então, como o local ideal para acompanhar o movi-
mento desta rede e entender melhor o seu funcionamento e as cau-
sas de sua existência.
Entretanto, um outro local passara a aguçar o meu interesse,
o CTN (Centro de Tradições Nordestinas), que funcionava há dois
anos e fazia bastante sucesso na mídia popular. Após conhecer o
local e perceber que lá não era propriamente um ponto para troca
de correspondências, portanto, algo que escapava o enfoque eleito,
percebi que lá era, na verdade, um grande Forró com equipamen-
tos de lazer específicos. Parecia bastante interessante: toda a cons-
trução buscava recriar um clima interiorano, com telhados de sapé,

acabou por impossibilitar o conhecimento exaustivo de todos eles, além


do que sempre houve margem para a construção e descoberta de novos
pontos de encontro.

36
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

mesas e cadeiras ao ar livre, comidas típicas. Eu não tinha conheci-


mento da existência de nenhum lugar similar àquele na cidade, pelo
menos até aquele momento.
A partir destas descobertas, resolvi enfocar estes dois locais,
exatamente em razão de suas formas diferenciadas, pois isso possi-
bilitaria perceber se estaria a lidar com tipos de migrantes e estilos de
vida totalmente diferentes, na medida em que a praça perpetua uma
prática antiga e peculiar, ao viabilizar a troca de informações e o
encontro de conterrâneos, ao passo que o centro de lazer proporci-
ona uma experiência diferenciada, uma experiência urbana, por ser
um local que abriga milhares de pessoas a cada baile e que reúne
migrantes de todas as partes do Nordeste.
Inicialmente pretendi aplicar um mesmo modelo de questi-
onário na Praça e no CTN, com o intento de constatar informa-
ções diversas, desde o local de origem, práticas de lazer, ocupação,
grau de instrução, enfim, um pequeno perfil destes migrantes, até
um histórico do seu processo migratório. Entretanto, ao iniciar o
trabalho de campo algumas dificuldades impediram que este ins-
trumento pudesse ser usado de maneira satisfatória, sobretudo na
Praça, onde se passou a abordar os freqüentadores de maneira
mais informal, utilizando-se apenas um roteiro básico de pergun-
tas, o que permitiu que se reunisse dados sobre o perfil desta po-
pulação.
No CTN, onde o número de freqüentadores é, no mínimo,
dez vezes maior do que na Praça (cerca de 1,5 mil a 2 mil pessoas,
por evento), foi necessário utilizar o questionário como um instru-
mento de pesquisa, pois ali há grande circulação de pessoas, e é
quase impossível manter um relacionamento constante com o mes-
mo grupo: embora existam freqüentadores assíduos, eles são uma
minoria e detectá-los não seria uma tarefa tão simples. Enquanto na

37
Rosani Cristina Rigamonte

Praça basta conhecer uma pessoa para, logo em seguida, conhecer


o seu grupo, além de ela ser um local bastante apropriado para uma
boa prosa e de seus freqüentadores serem extremamente assíduos,
no baile o ambiente não favorece: há músicas, danças, comidas
típicas, flertes, namoros, o que faria com que a disponibilidade des-
tas pessoas para uma pesquisa, com tamanha gama de divertimen-
tos, fosse bem menor. Portanto, o questionário se tornaria um pretexto
que permitiria o estabelecimento de um contato um pouco mais
prolongado com os freqüentadores.
Neste processo de pesquisa de campo foram obtidas, valen-
do-se de um roteiro básico, cerca de 85 histórias de vida na Praça, e,
no CTN, 130 questionários foram preenchidos.
No primeiro semestre de 1995, um convite me permitiu a
elaboração do perfil dos alunos de um colégio supletivo localizado
no centro de Santo Amaro (ZS), o CECAE, voltado para trabalha-
dores que não concluíram o primeiro grau, sendo que estes alunos,
na sua maioria, são migrantes ou filhos de nordestinos. As 114 en-
trevistas lá realizadas seguiam um roteiro de perguntas básicas e ia
ao encontro das expectativas desta pesquisa e permitiu a aquisição
de mais uma série de informações sobre o processo migratório desta
população, os pontos de encontro espalhados pela cidade, os locais
de lazer – portanto, foi uma oportunidade para ampliar o conheci-
mento sobre as redes de comunicação e sociabilidade formadas por
esta população.
Além deste material da pesquisa de campo, organizei um acer-
vo contendo mais de mil fotografias, sobre temas tão diversos quan-
to pontos de encontro, Praça da Sé, CTN, Praça Silvio Romero,
Rodoviária, entregas, sertão baiano, São João em Piripá. Foi orga-
nizado ainda um arquivo contendo recortes de jornais e revistas
com artigos sobre nordestinos, preconceito, músicas, cinema, cultu-

38
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

ra nordestina na mídia, um acervo que ainda contava com uma


série de convites de bailes, cartazes e panfletos sobre todo tipo de
Forró que ocorre pela cidade. Foi este o material coletado para a
análise desta pesquisa.

Estratégias de pesquisa

Para iniciar a pesquisa de campo decidi começar pela Praça


Silvio Romero. Para tanto, um longo e tortuoso caminho teve de ser
trilhado. Num primeiro momento, passei semanas apenas a obser-
var o movimento de longe. Ia à igreja, freqüentava a feira livre, eventos
que também se realizam na praça aos domingos. Enfim, ia partici-
pando à distância. Mas quando decidi estabelecer o primeiro conta-
to, cometi também a minha primeira gafe.
Após me dirigir à praça no intuito de utilizar da rede de entre-
gas ali estabelecida7, questionei os caminhoneiros sobre o preço da
remessa de uma TV para a Bahia: não obtevi respostas objetivas e
todos me encararam com bastante desconfiança. Como poderia al-
guém mandar uma encomenda por meio daqueles caminhões, sen-
do uma desconhecida? Só se utiliza daqueles serviços as pessoas
que se conhecem do seu local de origem. Porém, quem era ela?
Estaca zero: não obtive nenhuma informação precisa, e parti
com a sensação de que dificilmente conseguiria estabelecer algum

7
Há uma série de caminhões que se utilizam da Praça para recolher e acer-
tar remessas de encomendas a serem entregues no sertão baiano. Eles têm
um papel extremamente importante neste ponto de encontro, sendo a causa
da aglutinação desta população neste determinado lugar. Estas questões
serão melhor esclarecidas no capítulo destinado à análise da Praça e de
seus freqüentadores.

39
Rosani Cristina Rigamonte

contato. Vencida a depressão, pensei em ligar para a TV Cultura8, e


tentar algum tipo de contato através da produção do programa Vi-
trine. Expliquei à produção do programa o motivo do meu interesse
e, sem grandes problemas, recebi a indicação do nome de um cami-
nhoneiro. Lá fui eu, em busca do Sr. Dalvadício Brito. Ele me rece-
beu com cordialidade; após ouvir algumas explicações sobre o que
me levava até lá, ele prontamente se dispôs a colaborar com o tra-
balho, indicando algumas pessoas para a realização das entrevistas.
A princípio pretendi utilizar o gravador ou questionários para
coletar o material, contudo, esta técnica não surtiu bons resultados.
Era visível o constrangimento de alguns entrevistados, nem um pouco
à vontade enquanto a sua vida era “gravada”, sobretudo por esta-
rem na frente de seus conterrâneos. Então resolvi empregar outra
estratégia. Como é prática comum freqüentar os bares ao redor da
Praça e trocar informações em torno dos caminhões, passei a eleger
semanalmente um freqüentador e, valendo-se de convites para um
cafezinho e bate-papos descontraídos, as questões do meu interesse
iam sendo abordadas. As histórias de vida e as informações sobre a
rede emergiam pouco a pouco.
As conversas a princípio eram bastantes formais e os entrevis-
tados não demostravam muito interesse em participar, talvez graças
ao parco conhecimento que tinham sobre minha pessoa: eu era
uma pessoa “de fora” a investigar a vida daquele grupo. Ademais e
sem grandes pretensões, passei a freqüentar a Praça como os de-
mais, somente para rever amigos. E com o passar dos meses foi
ampliando-se o leque de amigos e conhecidos e, entre uma conver-

8
Naquela mesma semana, por coincidência, o Vitrine havia apresentado
uma matéria sobre a Praça Silvio Romero, tratando da freqüência dos nor-
destinos naquele local e da estrutura da rede de entregas que ali se realiza-
vam semanalmente.

40
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

sa e outra, um cafezinho aqui e outro ali, as informações foram


surgindo. Mas só depois da primeira viagem até Piripá (BA) foi que
consegui estabelecer contatos mais consistentes com esta popula-
ção, viagem realizada um ano e meio após ter iniciado o trabalho de
campo. Este é o processo que termina com o pertencimento do
pesquisador ao “pedaço” e aceitação por seus integrantes.
Quanto ao baile, comecei a freqüentá-lo a partir de novem-
bro de 1993 e, quinzenalmente, ia a um dos Forrós promovidos ali.
O CTN promove Forrós todas as sextas, sábados, domingos e feria-
dos. Os Forrós aos sábados são os mais animados, entretanto, não
conseguia freqüentá-los semanalmente, pois o baile inicia-se por volta
das 22h e se estende até as 4h. Ocorre que, no domingo, o movi-
mento na Praça inicia-se por volta das 7h30, e atinge o seu pico por
volta das 10h, e, portanto, tive de organizar com precisão a progra-
mação dos fins de semana, o que, no começo, não evitou um certo
atordoamento com ritmos tão diferenciados.
O baile passou a ser freqüentado sem gravador em punho e
questionários. Afinal, esta estratégia parecia totalmente descartada
para o trabalho de campo, tendo em vista a experiência anterior na
Praça. O que me interessava ali era a possibilidade de florescimento
da naturalidade. Contudo, agindo desta forma cometi a segunda
gafe: comecei a enfrentar problemas com os entrevistados, por cau-
sa da informalidade que tentei estabelecer naquele local.
O primeiro problema consistiu em freqüentar sozinha um bai-
le que reúne cerca de 5 mil pessoas e acreditar que se possa passar
desapercebida do público masculino. É obviamente impossível! Tive
de aprender a dançar, apreciar codornas, sarapatel e tantas outras
iguarias, e, felizmente, não foi preciso namorar com ninguém. Ocor-
re que aquele é um local onde se pode facilmente arranjar um na-
morado, e uma questão ficava no ar: o que fazia eu ali, sozinha,

41
Rosani Cristina Rigamonte

fazendo-se de simpática, querendo conversar com todos, se não


estava interessada em namoro? Estranho! Porém, cada vez que ten-
tava conversar com os rapazes de maneira informal, estes não acre-
ditavam no meu argumento quanto à pesquisa e insinuavam que
eu estaria interessada em algum deles. As moças, em contrapartida,
não gostavam muito da minha conversa, e logo me encaravam como
uma espécie de rival. Se, por acaso, já tivesse conversado com al-
gum dos rapazes pelos quais estivessem interessadas, pronto, a situ-
ação tornava-se insustentável, sem conversa. Tive de refletir muito
em como sair desta situação.
Foi então que ocorreu a idéia de passar a freqüentar o baile
acompanhada, como os demais freqüentadores; e marido, mãe, irmã,
vizinhos, amigos, todos foram escalados para a tarefa. Depois da
nova estratégia adotada, pude me entregar com mais tranqüilidade
aos encantos do Forró. Mesmo assim, essa estratégia não me permi-
tira obter um perfil um pouco mais preciso sobre aquela população,
em razão sobretudo do grande número de pessoas que ali se reúne,
o que impossibilitava o estabelecimento de uma conversação cons-
tante com uma mesma pessoa.
Com a pretensão de obter um perfil um pouco mais preciso
acerca do público freqüentador do CTN, o que permitiria enrique-
cer os dados sobre procedência, processo migratório, redes de co-
municação e sociabilidade desta população, após quase dois anos
freqüentando o baile, acabei por vestir a “indumentária” de pesqui-
sadora em campo, acompanhada de gravador e questionários em
várias das visitas. Nesta fase, contei com a colaboração de uma
equipe, composta por amigos da Universidade.9

9
A equipe visitou cerca de oito vezes o local munida de questionários, com
revezamentos, no total composta por seis pessoas: Adriana Ferraz de

42
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Entretanto, foi uma única intenção que freqüentemente me


levou até o CTN: a de observar e deixar que o baile acontecesse,
para que fosse possível entendê-lo melhor: a festa ia rolando com
suas músicas, danças, namoros, hábitos alimentares. Era isto que
interessava.
Ocorre que os contatos estabelecidos com a equipe adminis-
trativa do CTN foram formais e foi necessária uma autorização para
que pudesse realizar as pesquisas no local. Ofícios do Departamen-
to de Antropologia, crachás identificatórios, datas preestabelecidas,
todos estes procedimentos foram necessários para a realização des-
te trabalho. Foram medidas de precaução e segurança, tanto para
os pesquisadores, quanto para os freqüentadores do local, pois sabe-
se que é preciso manter o controle do que ocorre ali, afinal, são
cerca de 2 mil pessoas circulando naquele espaço e os riscos são
muitos. Mas em nenhum momento me defrontei com qualquer tipo
de restrição posta pela equipe administrativa do CTN, pelo contrá-
rio, sempre que foi necessário qualquer tipo de apoio, informação
ou autorização, obtive-as prontamente.10 Infelizmente uma entrevis-
ta bastante importante, com o proprietário e idealizador da casa, o
Sr. José de Abreu, não foi possível: desde que foi eleito deputado

Camargo Tintori, Daniela Scridelli Pereira, Laerte Fernandes de Oliveira,


Luis Humberto Dávila, Marli de Barros e Marcelo Pedrosa de Resende, aos
quais a autora agradece a enorme colaboração prestada, pois, sem eles,
teria sido quase impossível realizar o trabalho requerido por esta estratégia
de pesquisa. O perfil que foi construído não teve o intuito de uma amostra
quantitativa, visto que se coletou 130 entrevistas, antes, o projeto foi a
confecção de um pequeno survey desta população e sustentar algumas
das hipóteses que iam surgindo nas conversas semanais ali realizadas.
10
Em tempo, sou muito grata à equipe do CTN pela enorme colaboração
com a pesquisa.

43
Rosani Cristina Rigamonte

federal por São Paulo, ele se dividia entre os afazeres em Brasília e


aqui, com pouco tempo disponível, fator que impossibilitou o con-
tato.
Além deste trabalho em campo, foram realizadas duas via-
gens a Piripá, município localizado no sul da Bahia, no sertão
baiano: a primeira em julho de1995, a outra, em junho de 1996.
Elas foram de grande ajuda, pois, além de poder observar de per-
to a rede de entregas acionada por esta população, pude acompa-
nhar uma das festas mais populares do Nordeste, a Festa de São
João. Após estas viagens, uma terceira vertente de análise passou
a constituir este trabalho: um diálogo entre a cidade de São Paulo
e o sertão baiano.
Como já comentado anteriormente, o contato com a po-
pulação da Praça e as informações sobre a rede de entregas não
foram dados que surgiram facilmente: as pessoas não me conheci-
am muito bem e havia sempre uma certa desconfiança, afinal, esta
rede funciona de maneira informal e os caminhoneiros são proprie-
tários de seus caminhões e donos do seu próprio negócio, não estão
agregados nem vinculados a nenhum tipo de instituição formal, tais
como transportadoras ou empresas de viagens. Para eles há sempre
o risco de alguma implicação legal, ou de concorrentes querendo
informação sobre o negócio. Além destes elementos, há os riscos de
assaltos, o que lá não é raro; neste caso, o prejuízo é muito grande
para os caminhoneiros. Por essas e outras, eles são sempre muito
receosos ante desconhecidos.
Excluindo o Sr. Dalvadício, pouquíssimos caminhoneiros to-
leravam que me aproximasse de seus caminhões e ficasse conver-
sando com seus clientes, restrição que levou-me a permanecer sempre
pelos arredores do caminhão de meu informante. Por ocasião de
suas viagens quinzenais, sentava-me em um banco da praça e con-

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

versava com o pessoal que já conhecia, jamais me aproximando de


outros caminhões na ausência de Dalvadício, pois esta atitude não
era vista com bons olhos pelos demais caminhoneiros. Em suma,
não tive livre acesso à região dos caminhões e a maioria dos clientes
dos demais caminhoneiros.
Certa vez, Dalvadício indagou-me sobre o meu interesse em
ir conhecer a sua cidade natal e o destino final das encomendas;
fiquei bastante surpresa e, ao mesmo tempo, radiante ante o que
seria uma oportunidade única. Num primeiro momento, convidou-
me para ir participar da festa de São João, mas eu não dispunha de
tempo no mês de junho daquele ano. Então foi combinado que,
naquele ano, eu iria visitar a cidade no mês de julho para ver de
perto as entregas, e que, no ano seguinte, iria para acompanhar a
festa, o que de fato ocorreu.
No caso das viagens ao sertão, os fatos ocorreram de forma
surpreendente. Na primeira viagem, surgiu a oportunidade de me
aproximar mais do universo da pesquisa e de meu informante. Faci-
litou, e muito, todo o trabalho que vinha sendo desenvolvido na
Praça. Acabei por visitar casas de algumas famílias cujos integrantes
eu havia conhecido em São Paulo, além da oportunidade de co-
nhecer novos e antigos migrantes que se utilizavam desta rede. Ape-
sar de, nesta fase do ano (julho de 1995), a cidade estar quase vazia,
pois muitos haviam retornado a São Paulo após as festas do mês de
junho, a viagem foi de grande importância para a pesquisa em an-
damento, pois acompanhar a cidade no seu ritmo normal, fora da
temporada festiva, viabilizou o encaminhamento harmônico do tra-
balho ao retornar a São Paulo, e possibilitou a realização de várias
entrevistas em profundidade.
Após um ano da primeira viagem, e ampliada a relação com
os freqüentadores da Praça, inclusive com o informante, deu-se a

45
Rosani Cristina Rigamonte

segunda viagem (junho de 1996), de saída um pouco tortuosa. Nessa


época, eu e meu informante desfrutávamos de uma maior intimida-
de, e muitos eram os que passaram a buscar se informar um pouco
mais sobre quem eu era, e assim, aos poucos, eu passava a saber
mais sobre quem eram eles.
Durante esta viagem, tive de passar por uma bateria de testes
e questionamentos: sempre que possível, eu era colocada à prova.
O primeiro foi em torno do intuito da viagem: estava ali a trabalho
ou de férias? Afinal, todos vão para lá para se divertir, este é um
momento de festa. O segundo se referia à fidelidade ao marido:
“Mulher casada não vem sozinha a uma festa destas!”, como pode-
ria eu estar desacompanhada naquele momento, coisa que jamais
aconteceria com as mulheres da região? – se era casada, deveria
estar acompanhada no momento da festa.
Tive também de suportar uma certa represália feminina. A
primeira delas também relacionada à falta de acompanhante: pen-
sava-se que, com certeza, eu deveria estar à procura de um. A se-
gunda se referia à minha relação com os locais públicos masculinos.
Uma série de bares, churrascos e festas é freqüentada, no mais das
vezes, por homens ou por mulheres solteiras (estas, em sua maioria,
oriundas de São Paulo, recém-chegadas, mulheres emancipadas), e
para ir a esses lugares e comemorações, eu era convidada, convida-
da até mesmo para ser testada, e para que um certo comportamen-
to fosse observado: entrava e saía dos bares, festas, conversava com
homens, mulheres, jovens, velhos… Após perceber o problema,
decidi não me intimidar. Por fim, tive de provar minha lealdade até
mesmo ao informante, ao ter de lidar com a concorrência entre os
caminhoneiros.
A esta altura, a maioria dos caminhoneiros já me considerava
“persona grata”, e alguns deles se dispuseram a contar a sua histó-

46
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

ria, um fato inusitado até aquele momento. Com isso, o informante


principal passou a ressentir-se um pouco com a situação, e não po-
deria ser deixada de lado a pessoa que até aquele momento havia
me tratado com tanta estima. Foi preciso bastante diplomacia para
contornar todas estas situações e manter intactas as relações que
tinha conseguido estabelecer até aquele momento.
Depois de passar por uma maratona de testes, que durou
mais de uma semana, ficou provado que, de fato, eu era diferente,
“de fora” daquele meio, e que o propósito de minha permanência
ali era a pesquisa: consegui provar que era, de alguma forma,
confiável. Enfim, fui aceita, apesar do meu comportamento “es-
tranho”, e pude freqüentar livremente todos os lugares, fui respei-
tada pelo grupo e a “jornalista paulista” – assim fiquei conhecida –
pôde finalmente participar ativamente da Festa de São João em
Piripá.
Enquanto na Praça, a princípio, me sentia “fora” do grupo,
excluída, e todos desconfiavam um pouco das minhas intenções, já
no CTN fui recebida como se fosse “do pedaço”, e tive de me distin-
guir como “de fora” do grupo para ser levada um pouco mais a
sério e poder desenvolver algumas partes do trabalho. E lá no sertão
eu era questionada a todo momento: de que lado estava, do deles,
ou dos “outros”?
O processo de inserção no universo da pesquisa não foi um
caminho trilhado com total segurança e conhecimento, há surpresas
a todo momento, o que exige a articulação de novas estratégias.
Acredito que essa necessidade de um constante “jogo de cintura”
faz desta parte do trabalho a que mais contribui para o enriqueci-
mento individual de cada um dos envolvidos. O contato com o “ou-
tro”, a troca, a negociação, a adaptação constituem estratégias
fundamentais para nos manter vivos “em campo”.

47
Rosani Cristina Rigamonte

Em busca dos caminhos nordestinos


São tantos os Severinos, Januárias e Raimundos, que medi-
ante sua experiência de vida e sua inserção nas grandes cidades o
contexto da metrópole é enriquecido com a possibilidade de
transformá-lo, o que contribui para reduzir a escala de impessoalidade
e anonimato presentes neste universo.
As marcas da cultura nordestina estão por toda parte: nas
Casas do Norte, nos Salões de Baile, em determinadas praças, em
lojas de produtos típicos, mercados e feiras. Alguns espaços – seja
por razões históricas, seja pela quantidade de pessoas que atraem,
ou pela variedade de produtos que oferecem para a venda e o des-
frute – são, entretanto, particularmente representativos da presença
dos migrantes nordestinos; pode-se dizer que constituem verdadei-
ras “manchas”11 no espaço urbano.
Estes locais nos colocam em contato com modos e padrões
culturais próprios. E é por intermédio desta conexão que entramos
em sintonia com modelos divergentes das práticas ditas urbanas,
pois o contato pessoal e as redes informais de comunicação são de
extrema importância para a manutenção destas práticas.
11
O termo é usado na acepção de Magnani: “Existe uma outra forma de
apropriação do espaço quando se trata de lugares que funcionam como
ponto de referência para um número mais diversificado de freqüentadores.
Sua base física é mais ampla, permitindo a circulação de gente oriunda de
várias procedências. São manchas, área contígua dos espaços urbanos do-
tadas de equipamentos que marcam seus limites e viabilizam – cada qual
com sua especificidade, competindo ou completando – uma atividade ou
prática predominante. Numa mancha de lazer, os equipamentos podem
ser bares, restaurantes, cinemas, teatros, o café da esquina etc. Os quais,
seja por competição ou complementação, concorrem para o mesmo efeito:
constituem pontos de referência para a prática de determinadas ativida-
des” (1992: 16).

48
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Dito isto, surge a questão: como se dá o processo de forma-


ção destes espaços que se espalham pela metrópole e são tão pecu-
liares? No caso dos nordestinos, alguns firmaram sua tradição ao se
tornarem pontos de desembarque ou de chegada na cidade, cria-
ram aos poucos características próprias, constituindo uma nova di-
nâmica cultural. São locais conhecidos, entre os quais se destacam
o Largo da Concórdia, a Estação da Luz, a Baixada do Glicério e o
Terminal Rodoviário Tietê.
Retome-se um pouco esta trajetória.
Até recentemente os deslocamentos destas populações proces-
savam-se por via marítima, fluvial e ferroviária. “Pegando um Itá
no Norte”12, como diz a canção popular. A população dirigia-se
para o Rio e para Santos, de onde tinha partido muitas vezes a
pé, para o seu destino. Subindo o Rio São Francisco até Pirapora,
ponto terminal de navegação, os retirantes procuravam os en-
troncamentos ferroviários próximos para sua distribuição; papel
importante cabe, ainda, a Montes Claros, capital regional do nor-
te de Minas, como centro de convergência e redistribuição da
população. Após a abertura das grandes rodovias foi pelo cami-
nhão que passou a afluir a população, universalizando-se a figu-
ra do “pau-de-arara” (Becker,1968: 104).

Até meados dos anos 70, um dos mais conhecidos pontos de


desembarque de nordestinos e migrantes na cidade era a Estação
Ferroviária Roosevelt, ao lado do Largo da Concórdia, no bairro do
Brás. O trem era conhecido como “trem baiano”13, em razão do
grande número de passageiros provenientes da Bahia. As imedia-
ções do local se adaptaram para receber os novos habitantes.

12
Tipo de embarcação de antiga companhia de navegação costeira que fazia
o percurso Norte/Sul.
13
Refere-se a uma linha Férrea que liga Pirapora-MG a São Paulo. O Termi-
nal desta linha é na Estação Ferroviária Roosevelt.

49
Rosani Cristina Rigamonte

Os que vinham de caminhão se serviam de postos tradicio-


nais de desembarque, regiões que concentram até hoje um grande
número de transportadoras, como o Brás e o Pari (ZL). São estes os
que recebiam a alcunha de “pau-de-arara”.14
O antigo Terminal Rodoviário da Luz recebeu, até 1978, os
nordestinos que chegavam à cidade de ônibus. A região da Estação
da Luz também absorveu maciçamente os hábitos, costumes e prá-
ticas nordestinas. Com a saturação da antiga rodoviária e o projeto
de construção de uma nova, os ônibus que faziam o trajeto Nordes-
te-São Paulo foram transferidos para o Terminal Interestadual do
Glicério, que, apesar de provisório, também acabou por constituir
uma “mancha nordestina” em seus arredores que permanece até
hoje.
Em 1982, com a inauguração do Terminal Rodoviário Tietê,
uma nova mancha se constitui. Passar o domingo na Rodoviária
tornou-se uma prática comum. Uma grande aglomeração de
migrantes nordestinos ali se forma: eles tecem os mais variados tipos
de contatos – despedidas de amigos e parentes, envio de cartas e
encomendas para sua cidade natal, recepção de familiares, ou mes-
mo, de conterrâneos recém-chegados que, pouco familiarizados com
a cidade e suas práticas, necessitam de um apoio inicial. Toda essa
movimentação transformou o Terminal Rodoviário do Tietê não
apenas em um local de embarque e desembarque, como também
em um ponto de encontros, contatos e lazer.

14
Caminhões que faziam o percurso Nordeste/São Paulo, principalmente nas
décadas de 50/60, transportavam juntamente com a carga vários migrantes,
por vezes carregavam os caminhões somente com passageiros. Não tendo
condições ou acesso a outros meios de transporte rumo a São Paulo, estes
migrantes vinham “empuleirados” em meio a carga, motivo este que origi-
nou a denominação.

50
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Estes pontos de encontro descritos acima e os meios de trans-


porte por eles utilizados, como o “trem baiano”, o “pau-de-arara” e
o “Itá no Norte”, revelam um pouco da história da chegada e da
inserção destes migrantes à cidade. As cidades de Pirapora (MG) e
Montes Claros (MG) eram grandes centros aglutinadores destes flu-
xos, tanto dos trens, quanto dos caminhões. Até o princípio dos
anos 70 era bem reduzido o número de ônibus que circulava pelo
interior do sertão nordestino. Veja a seguir um roteiro que permitirá
visualizar os mais comuns canais de acesso utilizados por esta popu-
lação para chegar em São Paulo.

51
Rosani Cristina Rigamonte

Roteiro das migrações para o Estado de São Paulo


(mapa 1)*

* Fonte: Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio de São Paulo(1951). Boletim do Departamen-


to de Imigração e Colonização do Estado de São Paulo. São Paulo, ano 06, vol.06.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Um domingo na Rodoviária

53
Rosani Cristina Rigamonte

Feiras populares

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

As ervas medicinais têm


destaque nestas feiras

55
Rosani Cristina Rigamonte

Veja-se um rápido perfil da inserção do migrante na cidade,


tendo-se a Praça da Sé como espaço desse entrelaçamento. A Praça
da Sé é uma conhecida mancha central de múltiplos usos e um
ponto de atração. É freqüentada por moradores de bairros mais dis-
tantes, graças à facilidade de acesso por meio de metrô e ônibus.
Ainda que não possa ser caracterizada como um espaço exclusiva-
mente nordestino, na Sé há uma dinâmica urbana que relembra as
feiras de Caruaru, Juazeiro do Norte e tantas outras, tão famosas no
Nordeste como espaços nos quais se misturam o ponto de encontro,
de troca de informação e de compras.15

Tem louça, tem ferro velho


Sorvete de raspa que faz Jaú
Gelada, caldo de cana,
Fruta de paima e Mandacaru,
Boneco de Vitalino,
que são conhecidos até no sul
de tudo que há no mundo
Tem na feira de Caruaru
(Onildo Almeida & Luiz Gonzaga, Feira de Caruaru)

O que se encontra na Sé são barracas marcadas por uma


incrível e multifacetada profusão de artigos de consumo populares,
desde calças jeans, tênis, camisas, camisetas, uniformes de futebol
(de imitações de marcas famosas aos mais “modernos” modelos
originais de grifes encontradas somente em shopping centers pela
cidade), até rapadura, churrasquinho, pinga, caldo de cana, pentes,

15
Esta prática na Praça da Sé deu-se até novembro de 1997. Pois a partir
deste período a Prefeitura proibiu a permanência dos vendedores neste
local, alegando motivos de segurança para os freqüentadores da praça.

56
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

espelhos, óculos, rádios, relógios, fitas cassete, aparelhos eletrôni-


cos, provenientes do Paraguai em sua maioria.
Dentre os vendedores ambulantes destaca-se um tipo especi-
al: o vendedor de ervas medicinais. Uma infinidade de produtos é
exposta em seu arsenal – folhagens, raízes, casca de árvore, poma-
da, elixir, chás –, produtos voltados para a resolução de uma varia-
da gama de problemas, desde impotência sexual e “doenças do
coração” até abortivos, contraceptivos, antidepressivos, calmantes,
estimulantes. É prática cotidiana desta população voltar-se para as
tradições de uma medicina popular.
Tanto o fotógrafo “lambe-lambe”, quanto o mais moderno e
sua máquina Polaroid, incumbem-se de fixar estes momentos em
imagens que serão enviadas a parentes e amigos. Todos os finais de
semana uma grande quantidade de fotos é tirada, tendo-se os cha-
farizes, praças, fontes, estátuas – símbolos da cidade moderna – como
cenário. E dessa forma, um pouco da beleza e imagens da metrópo-
le vão sendo documentadas.
Nem só de comércio vive a Sé: há a palavra falada e a rima-
da, cantada. Os violeiros, repentistas e poetas, mediante suas
cantorias e literatura de cordel, trazem para a Praça alguns fragmen-
tos da cultura popular nordestina. Transcorrem por recordações e
saudades da terra natal, retratando sagas de cangaçeiros, vaquejadas
e festas de São João.
As cartas e mensagens de amor também estão presentes. “Seu”
Ademar, um dos engraxates da Praça da Sé, e que há mais de 20
anos exerce também o ofício de escritor, é conhecido pelas cartas e
mensagens amorosas que redige – em verso e prosa – a pedido dos
saudosos e pouco alfabetizados clientes. (Em tempo: “Seu” Ademar
é um autodidata.)

57
Rosani Cristina Rigamonte

As lojas de discos e as barracas de fitas cassete são muito


importantes nestas aglutinações. Nelas emergem uma mistura de
estilos atuais, modernos, que vão desde sucessos internacionais do
hit parade e temas de novelas, até os sertanejos (o fenômeno atual
de vendas), passando por Roberto Carlos, grupos de pagode, can-
tores regionais do Nordeste, grupos de axé music, grupos famosos
de Forró, como Mastruz com Leite e Cacau com Leite, com espaço
também para sucessos fonográficos nacionais como Tiririca, Mamo-
nas Assassinas, Falcão, Grupo Gera Samba, entre tantos outros. A
música no Nordeste é bastante popular, e, na metrópole, o jeito
nordestino de fruir essa linguagem acaba por misturar gostos dife-
renciados, criando um ethos musical que tenta abranger e mesclar
as várias preferências nacionais.
O migrante não se situa numa suposta “marginalidade cultu-
ral”, mas toma parte ativa da cultura urbano industrial. En-
quanto público popular, é portador de gostos e expectativas
que a indústria procura responder. Enquanto (tele) espectador
moderno, adere a sofisticação audiovisual dos meios eletrôni-
cos. Como sujeito de uma coletividade particular, pode, por
vezes, adaptar estes meios de uso social que a própria vivência
lhe pede (Mira: 1993, 24).

Além destas manchas, que constituiriam pontos de referência


mais gerais e funcionariam como pólos de atração e aglutinação
para pessoas provenientes das mais distantes regiões de São Paulo,
existem inúmeras outras manchas localizadas em praças, parques,
terminais de ônibus, centros comerciais, manchas que, às vezes,
aglutinam pensões, cortiços, habitações populares, e oferecem um
pouco de tudo o que o nordestino possa comprar, vender, trocar, ou
tão-somente observar e relembrar.
As práticas podem se diferenciar. Nos parques e praças é mais
comum que se estabeleça um ponto de encontro, footing, namoros

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

e trocas de correspondência e de informação da terra natal. Já nos


centros dos bairros há a concentração de lojas especializadas e ven-
dedores ambulantes.
Quanto aos terminais de ônibus, estes funcionam como pon-
tos de encontro. Nos locais onde se aglutinam terminais de ônibus e
trens que se dirigem para a periferia e as cidades da Região Metro-
politana, ocorre uma prática bastante peculiar, que proponho deno-
minar de um happy hour forçado. No horário do rush, enquanto
executivos relaxam em bares requintados e agradáveis nos Jardins,
e assim evitam o tráfego mais intenso da cidade, gigantescas multi-
dões das classes mais populares enfrentam enormes filas nos termi-
nais urbanos, e, com essa espera, iniciam sua longa jornada de
retorno para suas casas. Nesse contexto, uma prática bastante co-
mum nos terminais espalhados pela cidade é a espera em volta de
algumas barracas: uma pinguinha, um churrasquinho, uma tapioca
acabam servindo para amenizar o tempo perdido e se divertir, en-
quanto se espera um espaço nos ônibus ou nos trens lotados.
No horário das 17 às 21 horas é o maior movimento, é quando
o pessoal sai do trabalho e espera o ônibus e o trânsito melho-
rar, toma “uma”, ouve um som, é a hora de dar um tempo.
Enquanto os bacanas vão a lugares finos, o povão se reúne nas
barraquinhas pela rua (Avelino, 31 anos, baiano, camelô que
vende churrasquinho no Largo de Pinheiros (SP)).

Poderíamos citar inúmeras ocorrências destas manchas. Po-


rém, é quase impossível ter acesso a todas elas, em razão da grande
quantidade de pontos como estes espalhados pela cidade e seus
arredores. Para que se possa ter uma idéia de sua propagação, pode-
se enumerar uma extensa lista apenas com alguns dos pontos mais
conhecidos e tradicionais: Largo da Batata (Pinheiros), Largo do
Japonês (Cachoeirinha), Largo do Limão, Largo do Socorro, Largo

59
Rosani Cristina Rigamonte

Nossa Senhora do Ó, Largo São Mateus, Largo Treze de Maio (Santo


Amaro), Mercado da Penha, Parque da Aclimação, Parque da Con-
ceição (Jabaquara), Parque da Luz, Parque do Piqueri, Parque Dom
Pedro, Parque Fernando Costa (Água Branca), Parque Pirituba, Praça
da Árvore (denominada no final dos anos 70 como a Embaixada
dos Baianos), Praça Silvio Romero (Tatuapé), Santana (Terminal de
ônibus).

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Pontos de referência: migrantes nordestinos pela


cidade (Mapa 2)

Legenda
Terminais rodoviários e
ferroviários
(antigos e atuais)
(1) Estação da Luz
(2) Baixada do Glicério
(3) Terminal Rod. Tietê

Terminais de ônibus/
Centros comerciais
(4) Parque D. Pedro II
(5) Largo da Batata
(6) Largo Treze de Maio
(7) Santana Forrós(casas de dança e praças) Parques e praças
(8) Largo São Mateus (17) Espaço Sertanejo (Lgo do Cpo. Limpo) (28) Parque do Carmo
(9) Largo do Limão (18) Praça do Forró/São Miguel Pta. (29) Parque Anhanguera
(10) Largo do Japônes (19) Praça Sertaneja/Lauzane Pta. (30) Parque Conceição
(11) Largo do Socorro (20) Centro de Tradições Nordestinas (31) Parque Fernando Costa
(27) Parque da Aclimação (21) Centro de Lazer Patativa (32) Parque do Piqueri
(12) Mercado da Penha (22) Gigantão (33) Praça da Árvore
(13) Estação da Lapa (23) Centrão 1 (34) Parque Pirituba
(14) Praça da Sé (24) Centrão 2 (35) Largo Café do Ponto
(15) Largo da Concórdia (25) Asa Branca/Pinheiros (36) Praça Silvio Romero
(16) Forró do Pedro Sertanejo (26) Asa Branca/Santo Amaro

61
Rosani Cristina Rigamonte

Além destes pontos de encontro, há também as “Casas do


Norte”, armazéns que vendem artigos muito especiais16; da varie-
dade da oferta, pode-se deduzir a existência de uma grande quanti-
dade de diferenciados costumes e hábitos alimentares que se serviriam
desses armazéns, espalhados por toda a cidade, dos pontos centrais
ao subúrbio mais longínquo. Elas têm um significado especial: intro-
duzem e transportam para a metrópole hábitos alimentares dos mais
variados pontos do Nordeste, retomam esta tradição e permitem
que ela se perpetue.
Um outro local onde podemos encontrar artigos típicos da
culinária nordestina é o Mercado Municipal de São Miguel Paulista
(ZL). Em 1981 foi inaugurada uma nova seção do Mercado pelo
prefeito da cidade de São Paulo, Sr. Reynaldo de Barros, denomi-
nada Pavilhão do Nordeste, tendo-se como objetivo a concentra-
ção de produtos alimentares típicos da região, além de artesanatos
em cordas, redes, entre outros utensílios. Atualmente, o Pavilhão
mescla todo tipo de produto, não só os típicos nordestinos, mas há
ainda alguns vendedores que preservam o intuito original do mer-
cado.
Já nos moldes propriamente da feira livre, destaca-se, pela
sua tradição e variedade de produtos provenientes do Nordeste, a
“Feira do Norte”, montada nas imediações da Praça Agente Cícero,
diante da Estação Ferroviária Roosevelt. Mais uma ilustração viva
dos hábitos nordestinos que marcam alguns pontos da cidade, a

16
São eles: rapadura, castanha de caju, carne de sol, carne de bode, farinha
de tapioca, feijão de corda, azeite de dendê, vinho saputi, vinho jurubeba,
pinga Coquinho, aguardente pitu, charque, manteiga de garrafa, requei-
jão, farinha de mandioca, jerimum, inhame, acará, beiju, Coquinho (em
rosário), macaxeira, fruta-pão, jenipapo, tamarindo, jaca, jambo, cacau,
banana da terra, pequi, óleo de pequi, entre tantos outros itens.

62
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

feira é imensa, e, é claro, os produtos ali são comercializados por


conterrâneos nordestinos. Há lá uma enorme variedade de fumos
de corda, cabritos pendurados, cortes de carne diferenciados, além
do destaque dado para o andu, um feijão típico do sertão. Aos arti-
gos regionais mistura-se uma infinidade de produtos eletrônicos pro-
venientes do Paraguai, acompanhados por roupas e cosméticos. É
uma feira onde se pode até almoçar: é possível escolher entre as
inúmeras barracas que preparam comidas típicas e servem ali mes-
mo; lá, como nas feiras tradicionais do Nordeste, cozinhas e refeitó-
rios espalham-se pelas ruas.
Outro hábito alimentar proveniente do Nordeste que ganha
espaço pela cidade é a tapioca. Da avenida Paulista à Estação Fer-
roviária de São Miguel Paulista, várias pequenas barracas vão ga-
nhando espaço, sobretudo no horário do rush matinal. Maria Eulália,
31 anos, natural de Irecê (BA), trabalha há cerca de um ano ven-
dendo tapioca na avenida Paulista:
Eu fui uma das primeiras a começar a vender aqui, e agora já
tenho uns sete concorrentes. Mas, é assim mesmo, se não fosse
eu, alguém ia ter a idéia primeiro, porque é simples, só precisa
de um fogareiro e uma mesinha para ajeitar os recheios e tá
montado o negócio. Os paulistas gostam muito da de queijo, é
uma delícia mesmo!

Nessas barracas é possível saborear as deliciosas tapiocas, que


também podem ser encontradas nos terminais de ônibus, metrôs,
nos camelódromos, em feiras de produtos artesanais, como a da
Praça da República e a da Praça Benedito Calixto, ou nas feiras que
acontecem regularmente no Parque do Ibirapuera. É a tapioca ga-
nhando popularidade em São Paulo.
Além dos pontos de encontro e hábitos alimentares descritos,
há um santuário especial na cidade, que dá destaque a um religioso

63
Rosani Cristina Rigamonte

que é bastante popular no Nordeste brasileiro, o Padre Cícero Romão


Batista, que também tem seu lugar de destaque na cidade. O santu-
ário dedicado a ele está localizado na avenida Celso Garcia, no 1.178,
Tatuapé (ZL), onde dezenas de fiéis aglomeram-se diariamente para
pedir e agradecer as graças concedidas. Apesar disso, o Padre Cícero
não foi ainda beatificado, não sendo considerado santo pela Igreja
Católica. Para resolver esta questão, uma campanha foi organizada
em São Paulo, em 1991, pela Rádio Atual (Am-1370 kHz) e mais de
500 mil assinaturas de devotos foram recolhidas. Na visita realizada
ao Brasil no mesmo ano pelo Papa João Paulo II, este manifesto foi
entregue a ele, e a partir de então iniciou-se o processo de beatifica-
ção do Padre Cícero.
O que não poderia faltar aqui é a elucidação de uma das
manifestações culturais mais marcantes desta população, o Forró.
Alguns deles marcaram época em São Paulo. Nos anos 70, o Forró
do Pedro Sertanejo, no bairro do Belém (ZL), era popularmente
conhecido, e ali se apresentaram artistas de destaque da época. Esta
casa permanece funcionando até hoje, com um novo nome, Forrozão
da Catumbi. Uma outra casa passou a se destacar no começo dos
anos 80, o Asa Branca. Com uma casa em Pinheiros e outra em
Santo Amaro, o Asa ganhou nome e reconhecimento, e suas ativi-
dades prosseguem até hoje.
No centro histórico de São Miguel Paulista realiza-se, todos os
sábados, um Forró no meio da Praça Padre Aleixo Monteiro Mafra.
Esta praça passou a ser conhecida como Praça do Forró e se trans-
formou em ponto de baile há quase 10 anos; há um coreto que faz
as vezes de palco, há barracas que se espalham pelos arredores, e o
Forró que vai até o dia amanhecer. Há, ainda, em Lauzane Paulista
(ZS), na praça central do bairro, e no Largo do Campo Limpo (ZS),
locais que se transformam, semanalmente, na Praça Sertaneja e no

64
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Espaço Sertanejo, respectivamente, onde grupos musicais, violeiros


e repentistas realizam um evento que assume o perfil de um grande
Forró.
Uma nova fase de ascensão do Forró marca os anos 90: gran-
des empreendimentos destinados ao lazer desta população estão
em ascensão pela cidade. O precursor deste movimento é o Centro
de Tradições Nordestinas (CTN), localizado no Bairro do Limão,
zona norte (ZN), que divide o espaço com a Rádio Atual, “a Rádio
mais nordestina do país”, como é intitulada pelo seu idealizador,
José de Abreu, ambos empreendimentos inaugurados em 1991. O
CTN será objeto de descrição mais pormernorizada adiante nesta
dissertação.
Após o sucesso do CTN, outras casas de baile foram sendo
inauguradas ano após ano inspirando-se em seus moldes: o Centro
de Lazer Patativa (Santo Amaro – ZS), Centrão (São Miguel Paulista
– ZL), Centrão (São João Clímaco – ZS), Gigantão (Sapopemba –
ZL), Itaquerão (Itaquera – ZL). Além do sucesso do CTN ter incenti-
vado a criação de novos pontos de lazer pela cidade, a Rádio Atual
também abriu novos espaços para o Forró na programação radiofô-
nica, e surgem programas como Domingo é só forró (Imprensa FM) e
Madrugadas de forró (Band FM), entre outros.
As múltiplas formas da presença nordestina na cidade fazem
parte da experiência cotidiana do paulistano. Diante dela, a história
do Forró do Severino parece até constituir-se como uma exceção,
tendo-se em vista a prosperidade dos outros negócios. Não há dúvi-
da que a constatação de todas essas manchas, pontos e espaços
marcados pela incorporação de migrantes nordestinos e seus des-
cendentes atesta a vitalidade de sua cultura na cidade. Alguns deles,
porém, foram considerados particularmente instigantes para pensar
a questão formulada anteriormente sobre a tensão entre formas tra-

65
Rosani Cristina Rigamonte

dicionais – resultado do longo e continuado processo de inserção –


e outras, mais contemporâneas.
Trata-se, mais concretamente, de uma praça situada no bair-
ro do Tatuapé – Praça Silvio Romero – e do Centro de Tradições
Nordestinas (CTN), no bairro do Limão. Por suas características,
dinâmicas e tipo de atividades que propiciam, estes representam
casos exemplares das novas modalidades de presença da cultura
nordestina na cidade, articulando, em graus e estilos diferentes, os
pólos da oposição tradicional versus moderno, rural versus urbano,
entre outras.
A Praça Silvio Romero é um ponto de encontro dominical
que também serve de espaço para troca de informações, contato
entre residentes na capital e parentes do interior mediante um inte-
ressante sistema de envio e recebimento de notícias e encomendas.
Formando um contraponto, o CTN é um exemplo de empreendi-
mento empresarial de porte que convive com a dinâmica da cultura
popular.
A análise dessas duas modalidades de realização da cultura
popular corrobora a exposição de Magnani: “a cidade não se impõe
de forma homogênea e absoluta sobre seus moradores. Há que se
entender: não se trata de passar por alto ou minimizar as profundas
contradições e perversidades do desenvolvimento urbano da me-
trópole paulistana. O que se propõe é apenas variar o ângulo, olhar
deste outro lugar, apreciar a cidade do ponto de vista daqueles que,
exatamente por causa da diversidade de seu modo de vida, se apro-
priam dela de forma diferenciada” (Magnani, 1993: 19).
A proposta é penetrar neste universo através dos pontos cita-
dos (CTN e Praça), e, valendo-se das suas particularidades e diver-
sidades, observar diferentes maneiras de se estar e de se inserir na
metrópole.

66
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

CAPÍTULO II
CTN – A “CONTEMPORANEIDADE”

67
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

definição do objeto

A o encontrar um lugar com tamanho destaque como o CTN,


logo se busca entender o que significa um espaço como este na
cidade. Um centro de lazer construído especificamente para a popu-
lação de origem nordestina, ou seja, um local que tenta reconstruir e
representar por meio de elementos culturais os referenciais de ori-
gem desta população.

O lugar do Forró

O Centro de Tradições Nordestinas localiza-se na rua Jacofer,


nº 615, no Bairro do Limão, zona norte da capital paulistana. Fun-
dado no dia 15 de novembro de 1991, possui uma área de 25 mil
m2 que inclui capela, parque de diversões, mesas de jogos, um salão
de danças e mais de trinta barracas de comidas típicas, além dos
estúdios da Rádio Atual, que é propriedade do empresário paulista,
José de Abreu.
A referência para se chegar ao CTN é a avenida Nossa Se-
nhora do Ó, próxima ao Largo do Limão. Além das linhas de ôni-
bus que trafegam por essa via, há uma linha especial que sai do
Terminal Rodoviário anexo à estação Barra Funda do metrô rumo
ao CTN, todos os finais de semana, tamanho é o fluxo de pessoas
que por ali circulam nos mais variados eventos (em torno de 5 mil

69
Rosani Cristina Rigamonte

pessoas semanalmente). Os três quarteirões ao redor do Centro de


Lazer também se transformaram: além das mais de vinte barracas
de lanches e bebidas, espalhadas pela rua, cerca de cinco salões de
baile17 foram abertos, na tentativa de absorver parte deste imenso
público. Inicia-se na rua o clima de festa que invade as dependên-
cias do CTN. A entrada é gratuita e, nos finais de semana, tem lugar
a atração máxima, o Forró.18
Logo na entrada, duas grandes imagens dão o primeiro toque
ao ambiente. A primeira é do Padre Cícero Romão Batista, padroeiro
de Juazeiro do Norte, cuja capela já se tornou paróquia e onde são
rezadas missas aos domingos pela manhã. Ao pé da imagem são
colocadas fitas, fotos, velas e mensagens escritas. A outra, defronte à
primeira, representa frei Damião, missionário enviado do Vaticano
por volta dos anos 50 para atuar no Nordeste, tendo se tornado mui-
to popular pelas suas ações em prol dos desamparados.19

17
Salões que são bastante peculiares: um está instalado em uma das barra-
cas na rua, coberto por lona plástica; outro tem características de salão,
galpão fechado, com bilheteria e seguranças na porta; e ainda, um outro
Forró instalado na laje de um bar, minúsculo, e assim por diante.
18
Afirma-se que o termo forró seria uma corruptela do termo inglês for all. Nas
dependências dos alojamentos das companhias inglesas que, no século pas-
sado, construíram estradas de ferro no Nordeste brasileiro, aconteciam co-
memorações exclusivas dos estrangeiros, denominadas small parties. Mas a
cada trecho concluído da obra os ingleses comemoravam o êxito promoven-
do uma festa na qual todos os trabalhadores podiam participar. Para que isto
ficasse claro, colocavam uma placa indicativa na porta com o aviso For all
body. Em pouco tempo a festa tornou-se conhecida como forrobodó, nome
que passou a designar dança agitada, com ritmo próprio e muita alegria.
Com o tempo o termo transformou-se e ficou reduzido a forró.
19
Antes de sua morte, quando se encontrava bastante idoso e doente, o
religioso foi pessoalmente ajudado pelo proprietário da Rádio Atual, que o

70
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Marcando o lado profano do CTN, onde a festa e a diversão


estão vivas por meio do Forró, havia uma imagem de Luiz Gonzaga,
o Rei do Baião, homenageado logo na entrada do salão. Entretanto,
em virtude das reformas que estão ocorrendo no espaço, todas as
imagens foram retiradas a título de restauração, sendo que, ao final
da obra, serão repostas em seu local de origem. À sua esquerda
estavam Lampião e Maria Bonita e, ao fundo próximo ao parque,
Zumbi, do Quilombo de Palmares. Estas representações de perso-
nagens ilustres pontuavam todo o espaço evocando a variada tradi-
ção nordestina que dá o tom ao conjunto, espécie de condensação
das diferentes vertentes culturais regionais.
Por volta das vinte horas, todas as sextas-feiras, sábados, do-
mingos e feriados, tem início o Forró, que se estende pela madruga-
da adentro. O salão de baile e as barracas de comidas que o
circundam são construídos em forma de quiosques com grandes
coberturas20; nas mesas em torno das barracas servem-se pratos

trouxe para tratamento de saúde em São Paulo. Para demonstrar sua gra-
tidão, frei Damião doou ao CTN uma batina, que foi colocada num altar
do saguão da rádio, tornando sagrado este espaço dentro deste território.
20
Outrora estas coberturas eram feitas de piaçaba, típica construção nos
moldes nordestinos, mas com as reformas que estão sendo feitas no CTN,
desde o princípio de 1996, estas coberturas foram retiradas e substituídas
por telhas; “medida de segurança” foi um dos motivos alegados para a
troca, pois a piaçaba é altamente combustível e já houve caso de incêndio
em uma barraca há alguns anos. A retirada das estátuas foi uma ação que
também faz parte destas reformas, que inclui o aumento do palco e a troca
de toda a estrutura do salão de danças. Todas estas mudanças estão sendo
feitas para ampliar e melhorar os espaços utilizados pelo Forró, pois a cada
ano aumenta o número de freqüentadores. Entretanto, muitas pessoas ale-
gam que gostavam mais da antiga estrutura do CTN, que dava a sensanção
de um local mais aconchegante. “Depois das reformas mudou demais,

71
Rosani Cristina Rigamonte

típicos: baião-de-dois, bobó de camarão, bucho de cabrito, carne de


sol, codorna frita, feijão de corda, mocofava, jabá mexido, mocotó
de vaca, fava, sarapatel, acarajé, caldo de mocotó, tripa e rabada.
Para ajudar a digestão e animar o baile, generosas doses de Chave
de Ouro, Ypioca e Coquinho são servidas ali. Os ritmos e estilos
musicais são variados: xote, baião, xaxado, cora, frevo, repente,
desafio, embolada, lambada, pagode, sertanejo, sucessos nacionais,
entre outros. E quando a música toca, todo o CTN dança.
As músicas que animam o baile constituem também a marca
característica da Rádio Atual, que integra o Centro. Trata-se de rit-
mos tipicamente populares e regionais, divulgados pela “mais nor-
destina das emissoras”, segundo as palavras de seu proprietário. O
folheto de divulgação Danado de Bom proclama: o que se busca é
“preservar, transmitir e divulgar o patrimônio cultural de uma das
regiões mais representativas e atuantes na formação do povo brasi-
leiro”.
Seguindo a tradição de marcar o espaço com fotos e imagens
de personagens representativos, mas conotando um caráter mais
abrangente, no saguão de entrada da emissora estão as fotos de seu
proprietário ao lado do filho de Lampião, de José Sarney, Chico
Anysio, Luíza Erundina, Paulo Maluf, Eduardo Suplicy, José Serra,
Mário Covas. Como se vê, são personalidades de projeção nacio-
nal, alguns nordestinos e outros paulistanos, cuja presença sinaliza a
vocação mais cosmopolita da emissora.21 Em meio às fotos, alguns

para quem é assíduo freqüentador essas mudanças não são tão boas assim,
isso não é mais aquele CTN de antigamente, está virando um baile co-
mum” (Regina, 35 anos, Santa Luz (BA), freqüentadora assídua do CTN).
21
Exposta ainda nesta galeria encontra-se também cenas da carreira política
que está sendo construída pelo proprietário da rádio e do CTN, o Sr. Jóse
de Abreu, eleito deputado federal por São Paulo em 1994 sob a legenda

72
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

recortes de jornal com matérias sobre a Rádio Atual e o CTN. Uma


foto de Luiz Gonzaga e uma cópia emoldurada de seu registro de
nascimento ocupam lugar de destaque na galeria.
Todos estes símbolos – e sobretudo esse “diálogo” entre per-
sonagens de diferentes procedências – apontam para a necessidade
de reafirmar uma identidade, tanto internamente, para seus partícipes,
como de exibi-la para fora. Numa das barracas, seu proprietário,
com chapéu de couro, vestia uma camiseta com a seguinte inscri-
ção: “Sou nordestino sim, e daí?” A mensagem tem endereço certo.
Em outubro de 1992, num período próximo às eleições para prefei-
to da cidade de São Paulo, o CTN teve seus muros pichados com
símbolos nazistas e uma frase: “Fora nordestinos!” Este tipo de into-
lerância, ainda que pouco habitual em sua forma de expressão,
explicita a ambigüidade de uma atitude que, a um só tempo, reco-
nhece a importância da contribuição da cultura nordestina para a
cidade, e sente-se incomodada diante da diferença. Nesse sentido, a
Rádio Atual desempenha um importante papel como elemento de
difusão da cultura nordestina e promoção do CTN.
A rádio, seguindo o padrão corrente entre emissoras popula-
res, mantém desde sua fundação uma programação bastante
diversificada. Já promoveu eventos como o Festival de Músicas
Nordestinas de Novos Talentos, campanhas de arrecadação de ali-
mentos como SOS Nordeste, que auxiliou as regiões mais atingidas
pela seca nos anos de 1992, 1993 e 1994. Também retransmitia, via
Embratel, alguns programas de emissoras como a Rádio Liberdade
de Caruaru (PE), Rádio Timbiras (São Luís do Maranhão), Rádio
FM de Campina Grande e Difusora de Cajazeiras (PB).

do PSDB; e ainda, no ano de 1996 ele disputou o cargo de prefeito no


município de Osasco pelo mesmo partido, sem sucesso.

73
Rosani Cristina Rigamonte

Por meio de um estilo coloquial, estimula-se a troca de infor-


mações entre locutor e ouvintes e desenvolve serviços de utilidade
pública, mediante os quais ouvintes de São Paulo e seus parentes
no Nordeste trocam mensagens e são oferecidas orientações para
os problemas do dia-a-dia, com a opinião de advogados, médicos e
autoridades.
Alguns programas de utilidade pública deram à rádio grande
audiência, como foi o caso do Espaço Esperança, por meio do qual
pessoas recém-chegadas à cidade eram auxiliadas na localização de
familiares. Bárbara, a garota sensual era dirigido para os trabalhado-
res noturnos. Ainda vai ao ar programas como Encontros de Amor,
conduzido pelo conhecido jurado de programas de auditório, Pedro
de Lara; Flor da Terra, pelo locutor Téo de Azevedo; Patativa, por
Zé Lagoa; e outros com locutores como Élcio de Lima, Cícero
Augusto, Tony Fernandes, entre outros.22

22
A rádio mudou bastante a sua programação durante estes seus seis anos
de funcionamento. Sem perder sua originalidade, advinda da divulgação
do Forró e outros estilos nordestinos, tem acrescentado a sua estrutura
novos locutores e programas mais atuais. Segue-se a programação da rá-
dio neste ano de 1997. Segunda à sexta: 0h às 4h – Silvio Rocha, o Fazen-
deiro Feliz (American Sat); 4h às 5h – A Vez do Repente, com Sebastão da
Silva, Severino Feitosa e Valdir Teles; 5h às 5h 10 – Bom Dia Companhei-
ro, com Luiz Tenório de Lima; 5h 10 às 7h – Show do Caboclão, com
Otávio Pimentel; 7h às 8h – O Rádio é Notícia (American Sat); 8h às 9h –
Ronda da Cidade, com capitão Conte Lopes; 9h às 10h – Astrologia Hoje,
com Cícero Augusto (American Sat); 10h às 11h – Bastidores, com Décio
Pitinini; 11h às 13h – forró do Mano Novo, com Expedito Duarte; 13h às
14h – Pequenos Trabalhos, Grandes Efeitos, com d. Eliete; 14h às 16h –
Patativa, com Zé Lagoa; 16h às 16h 5 – Alguém Precisa de Você, com
Eliseu Gabriel; 16h 5 às18h 30 – Som Zoom Sat, com Só Forró e Solon
Vieira; 18h 30 às 19h – O Rádio é Notícia (American Sat); 19h às 20h – A

74
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Digno de menção é o famoso Forró em casa, que todos os


sábados e domingos, das 20h às 24h, transmite ao vivo os bailes
promovidos pelo CTN, o que permite promover festas a domicílio,
valendo-se do rádio. Os ouvintes participam ativamente e a emissora
recebe mais de mil cartas por mês e cerca de 5 a 6 mil telefonemas.
Acompanhando as transformações que pretendem “moder-
nizar” o CTN, o mais novo serviço prestado pelo Centro, desde fe-
vereiro de 1997, é o Telenordeste. Um posto telefônico que faz
ligações para todo o Brasil a preços subsidiados. O espaço é bastan-
te moderno e oferece serviços como: transmissões de fax, xerox,
banco 24 horas, telemensagens, celulares e acessórios. A grande
procura concentra-se no serviço de ligações interurbanas, atingindo
cerca de 400 ligações por semana:
Para fazer interurbano tem que ser de posto telefônico, porque
com ficha nunca dá certo, sempre tem que chamar o pessoal, a
gente tem que esperar, a ligação cai, não é fácil. Além do que
os postos telefônicos não funcionam a noite e nos finais de se-
mana, para gente que trabalha, complica. Eu gostei muito, faci-
litou a valer para falar com o pessoal da nossa terra (Raimundo,
24 anos, piauiense, porteiro).

Voz do Brasil; 20h às 21h 55 – Programa Téo Castilho; 21h 55 às 22h –


Alguém Precisa de Você, com Eliseu Gabriel; 22h às 23h – Marcos Meirelles
Show (American Sat); 23h às 0h – Flor da Terra, com Téo de Azevedo. Aos
finais de semana há algumas alterações na programação, e são transmiti-
dos alguns programas especiais. Aos sábados das 12h às 14h – Élcio de
Lima (American Sat); 14h às 17h – Encontros de Amor, com Pedro de
Lara; 17h às 20h, Osías Macedo; 20h às 0h – Casa de Bamba, com Mestre
Sabú. Aos domingos, das 5h às 8h – Chapéu de Couro, com Jorge Paulo;
12h às 14h – Flor da Terra, com Téo de Azevedo; 14h às 16h – Domingo
de Glória, com Glória Rios; 16h às 18h – Ligeirinho na Jogada, com Eduardo
Luiz; 18h às 20h – Tony Fernandes.

75
Rosani Cristina Rigamonte

A particular combinação entre emissora e equipamentos de


lazer, juntando a versatilidade da programação da Rádio Atual com
a variedade dos eventos promovidos pelo Centro, faz desse conjun-
to não apenas local de entretenimento e sociabilidade para os fre-
qüentadores, mas um pólo irradiador das tradições e costumes
nordestinos. Este é um lugar onde a imagem do Nordeste é positiva
e a ausência é preenchida com o melhor que a terra distante pode
oferecer: a sua festa, a sua música e a sua alegria.

Os freqüentadores e suas práticas

Para conhecer melhor o público freqüentador do CTN, foi tra-


çado um pequeno perfil destes indivíduos por meio de pesquisa. Lon-
ge de dar conta de toda a realidade que ali se manifesta, este survey
tencionava aprofundar a análise do local e das práticas sociais que ali
se estabelecem. Foram entrevistadas 130 pessoas, sendo 74 homens
e 56 mulheres. Isto não significa que o público masculino seja predo-
minante, apenas que os homens se dispuseram com mais facilidade a
responder ao questionário. A proporção entre homens e mulheres é
equivalente, mas ambos reclamam da quantidade e qualidade (bele-
za e status) das pessoas disponíveis do sexo oposto:
As mulheres aqui só querem saber de homem de carro e com
dinheiro no bolso. Os mais pobres aqui ficam na mão (Jovanil-
do, 28 anos, pernambucano, motorista).

Arrumar namorado dá até para arrumar, mas tem que tomar


cuidado para a diversão não virar um martírio. Por que tem
uns que colam e acham que são donos da gente e eu quero
escolher bem, porque de pobre e feia, já me chega eu (Nívia,
24 anos, baiana, auxiliar de escritório).

76
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A crença

O mito

77
Rosani Cristina Rigamonte

As iguarias da culinária
nordestina

78
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A foto

O dono da Barraca

79
Rosani Cristina Rigamonte

O baile de sábado:
Forró, suor e cerveja.

80
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Aqui tem muita mulher, mas elas querem é um homem para


casar, querem mudar de vida. É fácil de se enroscar, tem que
ser esperto (Luciano, 28 anos, pernambucano, motorista).

Quanto ao local de nascimento23 desta população, constata-


se que é composta, em sua maioria, por baianos, seguida por
pernambucanos, paraibanos, alagoanos, potiguares, cearenses,
paulistas, piauienses, mineiros, maranhenses, sergipanos, cariocas e
paulistanos, existindo ainda os mato-grossenses, paraenses,
paranaenses e estrangeiros (boliviano).24
O que se constata é a grande diversidade da procedência
destes freqüentadores. A maioria é proveniente da região Nordeste
do país, mas entre o público entrevistado há também paraenses,
mato-grossenses, cariocas, paulistas, e até mesmo um boliviano.25
Eu sou primo do rapaz do grupo que vai cantar agora. Nunca
tinha vindo aqui, já tinha ouvido falar, mas achei que era um
lugar meio brega, coisa de gente caída, pobre. Mas o povo aqui
é diferente, é animado, dá para se divertir e se quiser arrumar
uma namorada fica fácil, tem muita mulher bonita no meio do
povo (Sérgio, 24 anos, carioca, digitador).

O CTN é um espaço de lazer popular, onde a diversão é gra-


tuita, o que possibilita o ingresso dos mais variados tipos de pessoas,

23
As referências aos dados da pesquisa constarão, sempre que necessário,
nas notas de rodapé.
24
Onde você nasceu? Bahia (23%), Pernambuco (16%), Paraíba (10%),
Alagoas (9%), Natal, Ceará, São Paulo e Piauí (7%), Minas Gerais (4%),
Maranhão, Sergipe, Rio de Janeiro (2%) e Mato Grosso, Pará, Paraná e
Bolívia (1%).
25
A aplicação do survey não seguiu as normas habituais previstas para este
instrumento de pesquisa, que foi tomado como mais um indicador, ao
lado de outros, para elaborar o perfil dos freqüentadores.

81
Rosani Cristina Rigamonte

mas a maioria dos freqüentadores tem origens nordestinas, pois as


práticas ali estabelecidas rendem culto a tradições, como ritmos mu-
sicais, comidas típicas e danças, da cultura regional do Nordeste, a
marca registrada do local. Os freqüentadores, quando indagados
sobre o que mais gostam no CTN, afirmam que são os hábitos pro-
venientes do Nordeste o responsável por tamanho sucesso e pela
sua preferência.
O Forró é o maior aglutinador de tantos migrantes nordesti-
nos. O Forró aqui referido não é somente o estilo musical, mas toda
a energia que o baile concentra. O lema é “forrofiar” – dançar mui-
to, comer, encontrar conterrâneos, “se acabar”. Alguns apontam o
local como ponto exclusivo para nordestinos: “Me sinto à vontade
no CTN, pois poucos paulistas freqüentam aqui. Aqui é só nordesti-
nos” (Edinaldo, 28 anos, paraibano, vendedor).
Outros freqüentadores já apontam o local como aberto a to-
dos: “Aqui é como coração de mãe: cabem todos, baianos, paraiba-
nos, paulista é só gostar de um forró que vai achar o lugar certo para
se divertir” (Francisco, 25 anos, baiano, auxiliar de montagem).
Pode-se reafirmar, com mais algumas citações, o porquê da
preferência dos freqüentadores por este local:
Aqui tem forró, baianos, atrações diferentes, não se paga nada
para entrar e ainda come-se uma carninha de sol muito boa, o
que você quer mais?(José, 76 anos, baiano, aposentado).
Encontra-se gente simples e hospitaleira, você pode vir sozinho
que acaba fazendo um amigo (Antônio, 47 anos, cearense,
operador de máquinas).
O clima é legal, é divertido. É um lugar diferente do resto da
cidade (Claudia, 23 anos, baiana, garçonete).
Aqui não tem bagunça, é tranqüilo, dá até para trazer toda a
família (Manoel, 49 anos, paraibano, vendedor).

82
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Olha eu não conheço e nem sei se gostaria de ir a outro lugar,


por que eu gosto daqui, desse tipo de festa (Alcimar, 19 anos,
cearense, faxineiro).
Venho aqui para ver os meus conterrâneos. Já encontrei aqui
um irmão meu que eu não via há anos, além de amigos da
minha terra. Isto aqui pode ser chamado de ponto de encontro
de nordestino (Cícero, 35 anos, alagoano, zelador).
Aqui é um lugar seguro, agradável e você só gasta dinheiro se
quiser. Senão você pode dançar e se divertir a noite inteira,
não precisa pagar nada, isto é o melhor (Ana Paula, 18 anos,
baiana, balconista).

A maioria das pessoas entrevistadas26 chegou ao CTN por


meio de indicações de amigos e parentes, o que demonstra como a
rede de comunicação existente entre esta população funciona de
forma eficiente. As informações que circulam vão dos locais de
moradia e trabalho às formas de locomoção pela cidade e até mes-
mo locais de divertimento:
Fiquei sabendo do CTN lá no Piauí, através de um amigo. Ele
falou que o baile era bom e a comida nem se fala. Logo que
cheguei em São Paulo vim conhecer e nunca mais saí daqui,
gosto muito, ele estava com a razão (Francisco, 22 anos,
piauiense, vigilante).
Eu trabalhava a noite e ouvia a Rádio Atual, eles anunciavam
todas as festas que iam ter aqui, eu tinha muita vontade de co-
nhecer. Depois de 02 anos troquei de emprego e desde lá nunca
mais saí daqui (Francisco, 23 anos, piauiense, motorista).
Eu fiquei em São Paulo uns 03 anos e quando eu voltei para a
Bahia muitos dos meus amigos me falaram do CTN e eu não

26
Como você ficou sabendo do CTN? Indicação de amigos ou parentes (76%);
através do rádio (20%); trabalha na casa (2%); residência próxima ao local
(2%).

83
Rosani Cristina Rigamonte

me conformava de não ter conhecido. Quando voltei um ano


depois passei logo a freqüentar este lugar (Josenildo, 27 anos,
baiano, mestre de obras).

A Rádio Atual é um meio de comunicação bastante eficaz,


mas a divulgação boca-a-boca surte resultados bastante surpreen-
dentes e, neste caso, supera a eficácia de divulgação deste meio de
comunicação de massa. E o baile cada vez mais torna-se conhecido
por meio da divulgação entre amigos, parentes e conterrâneos.
Pode-se dispor os freqüentadores em três categorias: assíduos,
os esporádicos e os que estão ali pela primeira vez.27 Os assíduos
são os que mais se destacam entre esta população, pois estão ali
semanalmente e a prática mais comum é freqüentar o mesmo bar
há anos. Tornaram-se conhecidos dos donos dos bares e garçone-
tes, quando não são conterrâneos dos mesmos. Na maioria das ve-
zes costumam reunir-se ali com vários colegas e parentes, saboreando
comidas e bebidas típicas.
Os freqüentadores esporádicos, como o próprio nome aponta,
de quando em vez estão presentes no baile. Alguns costumam ir ao
CTN seguidas vezes, por exemplo, durante um mês e depois “dão um
tempo”, com o propósito de não repetirem o mesmo programa, pois,
entre as inúmeras oportunidades de diversão, há os que querem co-
nhecer um pouco de tudo que a cidade oferece, sobretudo os jovens.
Se você vem só aqui, acaba enjoando, porque por mais gente
que venha aqui, você acaba conhecendo muita gente e fica
muito conhecido. Não, não, tem hora que é preciso dar um

27
Há quanto tempo você freqüenta o CTN? Primeira vez (26%); alguns me-
ses (19%); há mais de um ano (24%); 2 a 3 anos (20%); desde que inaugu-
rou (14%). Com que freqüência você vem? Sempre (48%); raramente ou
de vez em quando (28%); primeira vez (22%).

84
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

tempo, respirar outros ares. São Paulo tem muitos lugares para
se conhecer não vou ficar só aqui. Mas eu sempre vou e volto
(Regina, 22 anos, baiana, balconista).

Estes mesmos freqüentadores alegam, vez por outra, que as


músicas se repetem muito e o estilo é sempre o mesmo; apesar de
gostarem de Forró, afirmam gostar de variar um pouco o estilo do
local a ser freqüentado, indo também a salões de bailes, barzinhos,
shoppings, programas um pouco mais urbanos. Já os freqüentado-
res assíduos gostam exatamente destas “permanências” que vigo-
ram na casa, pois as mudanças, tanto na estrutura física, quanto na
programação, desagradam-lhes de todo, sobretudo os mais saudo-
sistas e os que freqüentam o CTN desde sua fundação, freqüentado-
res que mais se orgulham da casa e do seu estilo.
Aqui me sinto em casa, lembro da minha cidade, das festas, do
meu pessoal, isto aqui faz parte da minha cultura. Desde que
inaugurou eu sempre venho aqui, conheço até alguns locuto-
res da Rádio. Isto aqui para mim é um pouco da minha terra
natal (Raimundo, 33 anos, cearense, segurança).
Desde que inaugurou eu freqüento aqui. Mas os melhores
comunicadores já saíram da rádio. Jorge Mauro, Sandro San-
tos. Eu vou muito ao Patativa, mas não consigo parar de vir
aqui, eu conheço todo mundo (José Márcio, 32 anos, alagoano,
mecânico).

Os “marinheiros de primeira viagem” – o público que pela


primeira vez vai ao baile – também se fazem presentes. Alguns deles
ficam maravilhados com tudo o que há ao seu redor: com milhares
de pessoas ali reunidas, os ritmos musicais nordestinos, comidas
típicas e a grande festa ao ar livre. “Isto aqui lembra as barracas na
quermesse de São João. É bom e ao mesmo tempo não, porque
mata as saudades da terra natal, mas também traz muitas lembran-
ças” (Alcimar, 19 anos, cearense, faxineiro).

85
Rosani Cristina Rigamonte

Apesar dos diferentes índices das taxas de freqüência dos en-


trevistados, eles têm algo em comum: o estilo musical que mais gos-
tam é o Forró.28 A música sertaneja vem logo atrás, seguida pelo
pagode, samba, música “brega”, axé music e, por fim, sucessos in-
ternacionais e rocks nacionais.
Quando se referem ao Forró, o espectro de conjuntos e canto-
res citados vai do mais tradicional, como Luiz Gonzaga ou Domingui-
nhos, aos mais contemporâneos, como Mastruz com Leite, Assizão e
o Som Livre do Forró. Em tempo: a banda Som Livre do Forró é uma
das que tocam ao vivo, com freqüência, nos bailes promovidos pelo
CTN, o que a torna bastante conhecida para boa parte do público.
Zezé de Camargo e Luciano foi a dupla sertaneja mais ouvi-
da por esta população, seguida por Chitãozinho e Xororó, Leandro
e Leonardo. Entre os que apreciam moda de viola, destacam-se os
nomes de Verlon Dantas e Dedé Lorentino, sempre presentes nas
programações do CTN. Os apreciadores de pagode e samba prefe-
rem os grupos Raça Negra, Katinguelê, Exalta Samba, Negritude
Júnior e o som de Zeca Pagodinho.
Quando se menciona aqui “brega” como um estilo musical,
trata-se de uma apropriação do termo tal como utilizado e definido
por um dos entrevistados acerca de sua preferência: “Música que
chamam de brega é aquele tipo romântica, que fala do cotidiano,
traição, abandono, saudades, distância entre as pessoas amadas, es-
sas coisas”. (Luciano, 28 anos, pernambucano, motorista). Isto pos-
to, nesta categoria foram incluídos cantores como Adelino
Nascimento, Amado Batista, Wando, Roberto Carlos e Flávio José.

28
Que tipo de música você mais gosta? Forró (39%); sertaneja (18%); pago-
de ou samba (17%); brega romântica (10%); axé music (9%); sucessos
internacionais e rock brasileiro(7%).

86
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Há também algumas bandas que foram citadas e que são


mais populares no local de origem, tais como Queijo Ralado (PB),
Banda Estilo (CE), Núbia Lafayete (RN), Trio Nordestino (BA), to-
das são bandas de Forró. Existem também aqueles que não têm
preferências regionais, e houve casos de entrevistados que desco-
nheciam todo tipo de música relacionada com sua terra natal, em
razão da infra-estrutura do local que habitavam, zona rural despro-
vida de luz elétrica. “Eu não ouvia música nenhuma, porque lá onde
eu morava não tinha luz elétrica e muito menos rádio. Violeiros?
não existia, mal tinha gente por lᔠ(Agiomar, 37 anos, cearense,
segurança).
A estação de rádio preferida por esta população também foi
objeto da pesquisa, e constatou-se que a maioria deles ouve com
freqüência a Rádio Atual e rádios como Cidade, Jovem Pan, Band
FM e Gazeta.29 São rádios com programas populares, AM em sua
maioria. Os serviços informativos, noticiários e a freqüência de músi-
cas nordestinas na sua programação são os fatores que atraem este
público. Freqüentar o CTN e ouvir com freqüência a Rádio Atual são
práticas constantes desta parcela da população nordestina.
A forma de utilização do tempo livre para o lazer ilustra tam-
bém estas preferências30: aqui, o CTN foi apontado, pela maioria,
como o local onde passam seu tempo de folga. Há ainda os que
afirmam preferir o descanso ou ficar em casa nestes momentos, os
que preferem visitar parentes e amigos, freqüentar barzinhos, outros

29
Que estação de rádio costuma ouvir? Rádio Atual (41%); Rádio Cidade
(11%); Rádio Jovem Pan (8%); Band FM (7%); Rádio Gazeta (5%); Rádio
Imprensa (4%); Rádio Globo (3%) e Rádio Continental (3%).
30
O que faz no seu tempo de folga em São Paulo? CTN (35%); fica em casa
(14%); visita parentes e amigos (7%); barzinhos (7%); namora (6%); jogo
bola (5%).

87
Rosani Cristina Rigamonte

salões de baile, ou ir a shopping centers, jogar bola, assistir TV, andar


de bicicleta, ou mesmo fazer um churrasquinho com os amigos. Esses
são os programas mais freqüentes desta população no seu tempo de
folga. A diversão está diretamente relacionada com a disponibilidade
de dinheiro, pois programas que necessitem de grande quantia de
dinheiro para realizá-los não são práticas desta população.
Eu gosto de dançar em salão de bailes, vou ao Sandália-Clube,
Pedacinho do Nordeste e Andrade em Pinheiros; Recanto Nor-
destino na Liberdade, Feijão Verde no Butantã, além do Dia-
mante Cor de Rosa na Lapa, tem salão bom de forró para todo
lado, mas a diferença é que estes aí que eu disse, todos pagam
para entrar. E só dá para ir até lá quando sobra dinheiro. Coisa
que dificilmente acontece! (Valdomiro, 26 anos, pernambucano,
motorista).
Eu vou ao Espaço Sertanejo e lá rola o Show da Rádio Ação de
15 em 15 dias, fica na Praça do Campo Limpo, é um baile ao
ar livre. É demais! (Márcia, 25, baiana, servente de colégio).
Eu freqüento o CTN, mas também quando tenho dinheiro vou
no Patativa, no Centrão, no Gigantão e também no CTB [Cen-
tro de Tradições Brasileiras] lá em São Miguel Paulista, todos
estes lugares têm o jeitão do CTN (Francisco, 37 anos, potiguar,
pedreiro).

Estes locais citados são bastante conhecidos por esta popula-


ção, nos quais tanto os bailes, quanto os pontos de encontro, são
marcados por uma freqüência predominantemente nordestina. Estes
locais foram citados no capítulo anterior (mapa 2, com os vários pon-
tos de encontro e de lazer dos migrantes nordestinos pela cidade).
Quando questionados sobre o perfil da utilização do tempo
de folga na sua cidade natal31, notam-se algumas transformações
31
O que fazia no seu tempo de folga na sua cidade natal? Freqüentava bailes
locais (32%); passeio em casa de amigos (14%); banho no açude ou rio

88
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

entre os tipos de divertimento praticados em São Paulo e em seus


locais de origem, pois práticas como tomar banho no açude, banho
no rio, andar a cavalo, freqüentar vaquejadas, ir a caçadas ou a
pesca não são habituais, ou mesmo possíveis, no meio urbano, quan-
do antes eram freqüentes. Entretanto, a prática mais comum era
mesmo a freqüência a bailes, festas locais e festas juninas, para
“forrofiar”, demonstrando que boa parte desta população, apesar
de ter migrado para uma cidade tão grande quanto São Paulo, ain-
da consegue preservar algumas de suas tradições, como dançar um
bom Forró.
Para concluir este perfil dos freqüentadores, foram levantados
dados pessoais que permitem vislumbrar de forma mais ampla quem
são, onde estão e como vivem estes migrantes na metrópole. Dos
130 entrevistados, 61% é procedente do núcleo urbano e 39%
da “roça”. Hoje moram nas seguintes regiões de São Paulo: 39% na
zona norte, 18% na zona leste, 18% na grande São Paulo, 11% no
Centro, 7% na zona sul e 7% na zona oeste. Não é possível, medi-
ante esta mostra, concluir que a maioria da população nordestina
reside na zona norte da cidade, e sim que, como o CTN localiza-se
nesta região, para a população que mora nos seus arredores é mais
fácil freqüentar o local. Todavia, pode-se notar que a população ali
presente não é composta só de moradores dos seus arredores, e sim
de migrantes que provêm de todas as partes da cidade e do seu
entorno.
Entre os freqüentadores há os recém-chegados, os já estabe-
lecidos e antigos moradores da cidade. No primeiro grupo há o caso
de Raimundo, 19 anos, paraibano, na cidade há dois meses e no

(12%); jogar bola (8%); vaquejada (8%); andar a cavalo (8%); pescaria
(5%).

89
Rosani Cristina Rigamonte

segundo dia da sua chegada já começara a trabalhar em um condo-


mínio. O seu caso pode ser posto em contraponto com o da
d. Ricardina, 60 anos, cearense, na cidade há mais de 36 anos, que
trabalhou numa indústria gráfica até se aposentar no ano passado.
Há ainda casos como o de Neto, 29 anos, alagoano, morador na
cidade há 11 anos, que já tem seu próprio negócio, o comércio de
tapeçarias para automóveis.
Pode-se observar, portanto, a grande heterogeneidade no in-
terior desta população quanto ao tempo de permanência na cida-
de.32 Muitos alegam que, apesar de estar aqui há vários anos, já
foram e voltaram várias vezes para sua terra natal. Outros jamais
retornaram para sua cidade, nem de férias. Há os que têm um ciclo
determinado de permanência e retorno entre São Paulo e Nordeste,
e há os que acabaram de chegar na cidade. Estes são exemplos que
ilustram um pouco a dinâmica vivida pelos migrantes nordestinos
em relação ao próprio ciclo migratório.
O estado civil da população entrevistada é composto, em sua
maioria, por solteiros.33 O que não deve causar espanto, pois a prá-
tica de freqüentar bailes e programas noturnos está diretamente re-
lacionada com a disponibilidade que a vida de solteiro proporciona.
Isso não quer dizer que a freqüência de casais, pessoas mais idosas,
e até mesmo de crianças, não seja uma prática constante neste bai-
le. Pelo contrário, mesmo nos bailes de sábado, os mais concorridos
e mais freqüentados (cerca de três mil pessoas numa noite), é possí-
vel observar um grande número de casais de meia idade, crianças e
até idosos participando ativamente do baile.

32
Há quanto tempo você mora em São Paulo? Menos de um ano (2%); um
a três anos (24%); quatro a sete anos (26%); oito a 12 anos (14%); 13 a 16
anos (10%), há mais de vinte anos (19%).
33
Estado civil: solteiro (58%); casado (28%); desquitado (11%); e viúvo (3%).

90
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Quanto ao grau de instrução, metade desta população não


completou o 1o grau. As alegações, em sua maioria, destacam a
necessidade de ajudar em casa muito cedo, deixando pouco tempo
livre para a escola, embora dificuldades de outra ordem fossem cita-
das, tais como as grandes distâncias, a insuficiência ou a quase
inexistência de transporte local, e até a indisponibilidade de recursos
para a manutenção de um filho na escola, como a compra de mate-
rial escolar e uniformes. Em suma, mesmo morando em núcleos
urbanos, esta população encontra dificuldades econômicas para
manter os filhos na escola, e o trabalho remunerado passa a ser a
atividade principal dos adolescentes neste contexto.
Sabe-se da pequena demanda de postos de trabalho no local
de origem; o caminho para a população mais jovem acaba sendo
as grandes cidades, São Paulo em particular. Grande número de
rapazes e moças sai de sua terra natal em busca de melhores condi-
ções de vida para si e para sua família. A faixa etária predominante
dos entrevistados é entre 17 e 23 anos, mas há um número significa-
tivo de migrantes em todas as faixas etárias, abrangendo até os 50
anos.34 Cabe ressaltar aqui que, antes dos 15 anos, é muito difícil
iniciar sozinho o processo migratório. Estes jovens alegam que o
mais comum é rumar para São Paulo indo à casa de um parente ou
amigo, o que facilita a chegada à cidade. Já nos casos em que toda
a família se mudou para São Paulo, o processo se deu de forma
tranqüila.
Os mais idosos afirmam que, hoje, o processo migratório é
menos traumático, porque o jovem, mesmo que saia de sua cida-
de desinformado sobre a realidade de São Paulo, com certeza, ao

34
Faixa etária: 17 a 23 anos (35%); 24 a 27 anos (20%); 28 a 31 anos (22%);
32 a 37 anos (8%); 38 a 45 anos (10%), mais de 53 anos (2%).

91
Rosani Cristina Rigamonte

chegar aqui, será recebido por parentes ou amigos que poderão


orientá-lo:
Hoje, as informações são de conhecimento de todos, no meu
tempo a gente não tinha nem TV, não sabia o que ia encontrar
pela frente. Alguns nem sabiam o caminho de volta para casa,
se desse errado estava tudo perdido. Hoje não, há assistência
para todo lado, assim facilita a vida do povo (Edivanio, 66 anos,
pernambucano, aposentado).

Para finalizar a construção deste perfil, vejam-se os tipos de


ocupação que esta população exerce na cidade. O mercado de tra-
balho paulistano passa por uma reestruturação de suas bases que
concentram um maior número de vagas no setor terciário, na área
de prestação de serviços, atingindo sobretudo esta população que
exerce funções como vigias, seguranças, zeladores e guardas-notur-
nos35, balconistas, garçons, arrumadeiras, cozinheiros, babás. A ten-
dência do mercado aparece aqui demonstrada, todavia há um bom
número de pessoas empregadas no setor de produção da econo-
mia. Esses dados apontam a existência de alguns postos de trabalho
para uma mão-de-obra tida como “desqualificada” em outros seto-
res da economia.

35
Aponta-se a existência de um “exército informal” na cidade de São Paulo,
composto por mais de 40 mil trabalhadores, que prestam serviço como
guardas-noturnos, sendo a quase totalidade deste contingente composta
por migrantes nordestinos. Além disto, afirma-se que há quase 60 mil tra-
balhadores que prestam serviço nos postos de vigias e porteiros de condo-
mínio, a maioria com a mesma procedência (cf. “A turma do Apito e do
Sereno”. In: Veja. ano 29, no 46, 10.nov.1996).

92
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Atividade %
Porteiro, zelador, segurança, faxineiro, , o 15%
montador, metalúrgico, téc. plástico
Aux. montagem, empilhador, aj. geral 15%
Vendedor autônomo e ambulante 14%
Babá, doméstica e cozinheira 12%
Motorista, manobrista, cobrador, 7%
mestre de obra, pedreiro, pintor
Eletrecista, carpinteiro 7%
Aj. pizzaria, garçonete, padeiro 6%
Costureira, cabeleireira, enfermeira, 6%
telefonista, aux. escritório
Recepcionista 6%
Desempregado 3%
Aposentado 3%
Estudante 2%
Dona-de-casa 2%
Mecânico 1%
Carteiro 1%
Funcionário público 1%
Fabricante de cintos 1%

Veja-se agora um inventário construído com algumas ima-


gens sobre a cidade de São Paulo e as expectativas relatadas pelos
entrevistados. A metrópole atrai esta população valendo-se das pos-
sibilidades de ascensão e melhorias na qualidade de vida que o seu
mercado de trabalho pode oferecer. Muito do que se diz sobre a
cidade enfoca centralmente esta questão:
Vim tentar construir o meu futuro (Raimundo, 33 anos, cearense,
segurança).
Vim para me estruturar financeiramente (Lucilene, 24 anos,
pernambucana, recepcionista).
Por causa das condições de vida estou aqui (Luiz, 29 anos,
cearense, metalúrgico).

93
Rosani Cristina Rigamonte

Vim para ter uma vida mais confortável (José Eudes, 21 anos,
pernambucano, empilhador).
Vim à procura do futuro (Vera, 27 anos, baiana, doméstica).
Eu vim para São Paulo por que todo mundo vem. Eu queria
conhecer, aqui é o coração do Brasil e daqui eu não saí. Acho
bom para tudo, vou visitar a minha cidade mas só de férias. Eu
já sou paulistano, meu lugar é aqui e eu não volto mais. Mesmo
que eu morrer, minha alma vai ficar por aqui (Osvaldo, 34 anos,
pernambucano, manobrista).
Eu estou saindo do meu emprego de ajudante de limpeza para
abrir o meu negócio, um bar. Sabe, eu já realizei um dos meus
maiores sonhos, trabalhei dois anos e comprei uma TV, som e
geladeira e mandei tudo para os meus pais. Agora eles já têm
um pouco de conforto. Eles estão muito orgulhosos e agora eu
já posso tocar a minha vida (Edmilson, 22 anos, potiguar, aju-
dante de limpeza).

Alguns alegam que sua cidade natal é o fator de expulsão


desta população:

Eu não gosto da cidade onde eu nasci, lá não se vive, lá nin-


guém é gente (Cláudia, 22 anos, baiana, garçonete).

Vim procurar uma vida diferente e mais alegre, saí daquele fim
de mundo (Regina, 22 anos, baiana, balconista).

Eu não queria casar na cidade onde eu nasci e continuar por


lá. Quero uma vida mais decente (William, 20 anos, baiano,
separador de mercadorias).

Na cidade onde eu nasci não tem trabalho, conforto e estudo e


eu vim em busca disto (Antonio, 46 anos, sergipano, operador
de máquinas).

Em São Paulo é mais fácil, no Norte não tem indústria metalúr-


gica e nem prédios para a gente trabalhar (Givaldo, 32 anos,
alagoano, porteiro).

94
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Para sobreviver melhor fugi dos problemas de miséria do Nor-


deste brasileiro (Paulo, 20 anos, pernambucano, porteiro).

Outros apresentam desilusões em relação ao sonho construído


por meio das oportunidades que a cidade de São Paulo pode ofere-
cer:
Eu vim moça e achava que por aqui tudo era melhor para
trabalhar, educação, saúde, mas agora com a crise de empre-
gos só ando quebrando a cara. Eu queria poder ir embora da-
qui, estou cansada (Maria do Socorro, 48 anos, alagoana,
técnica em plástico).

Aqui tem discriminação sim, se traz as pessoas para trabalhar e


não se paga salário decente. Eu não troco o povo da minha
terra pelo povo daqui. Eu vim da minha terra foi para tirar leite
de paulista, não foi para dar leite para paulista não. Em 98 eu
volto para lá, já trabalhei bastante. É aquela a minha terra, vou
cuidar da minha família. Eu não discrimino a minha terra e
dou muito valor a ela (Irineu, 43 anos, potiguar, porteiro).

Trabalhar na cidade, enfrentar o processo de adaptação, in-


corporar um ritmo de vida “alucinante”, concorrer a uma vaga num
mercado de trabalho saturado, estes são alguns dos desafios que
esta população é obrigada a enfrentar, além do preconceito dos de-
mais. “Baiano” é uma expressão pejorativa que, de forma aleatória,
é dirigida pelas pessoas a estes migrantes. Mas como reagem tais
cidadãos frente a semelhante desafio?
Os amigos brincam dizendo “– Oh! Seu baianão! Não faça isso!”
Até eu já estou chamando os outros de baiano. Mas tudo bem,
baiano é um cara bom, inocente, honesto e sem maldade
(Reginaldo, 21 anos, baiano, montador).
O pessoal aqui chama a gente de baianinho, mas eu nem ligo,
fora isso eles até são educados (João, 20 anos, baiano, ajudan-
te de gráfica).

95
Rosani Cristina Rigamonte

Eu gosto daqui (CTN), das pessoas que freqüentam, desse monte


de baiano. O povo aqui de São Paulo me trata de baiano, ape-
sar de eu ser pernambucano, acabo virando baiano, também.
Eu goste ou não, é assim que eles acabam nos vendo e é me-
lhor aceitar (Luciano, 23 anos, pernambucano, entregador).
Sabe, aqui o jeito de se tratar é diferente, as pessoas lá não têm
estudo, quando a gente volta é tratado até de orgulhoso. Mas
não é não, é que a gente aprende com o jeito do pessoal daqui.
Tem uns que até dizem que queremos virar paulista abestado.
Se eles soubessem como paulista abestado é, não diziam isso
(Dagoberto, 20 anos, paraibano, vendedor).

Esta população enfrenta tais desafios e conquista seus espa-


ços tirando proveito do que a cidade tem a lhes oferecer, e por mais
dura e impossível que possa parecer esta batalha, ela é enfrentada e
a chama da alegria permanece acesa. E o baile continua!

As barracas e seus proprietários

As barracas do CTN, um total de trinta, são oferecidas em


regime de aluguel36, sob a precondição do locatário adquirir as bebi-
das através da administração do próprio CTN. Com isso, todas for-
necem a mesma marca de cervejas e refrigerantes, comprados no
depósito da casa. Por medida de segurança, vasilhames não são
permitidos, e todas as bebidas são oferecidas em latas.
No período de inauguração da casa, as barracas foram loca-
das somente para nordestinos: com essa exigência, buscava-se coe-
rência com a proposta do lugar e uma certa imagem de adequação

36
Em março de 1997, o valor do aluguel girava em torno de 500 reais
mensais.

96
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

aos hábitos e costumes referentes à comida nordestina, na medida


em que se supunha o nordestino um portador exclusivo daquele
conhecimento tido como o primeiro requisito para aquisição da vaga,
uma certa intimidade com a tradição culinária do Nordeste.
Entretanto, hoje esta prerrogativa não impera mais, pois nem
todos os nordestinos tiveram capital para continuar tocando o seu
negócio, e se tornou difícil manter o pré-requisito. O que se exige
atualmente é que sejam oferecidos pratos típicos da culinária nor-
destina. Mas há algumas opções diferenciadas, tais como as barra-
cas de cachorro-quente, hambúrguer, pão-de-queijo, coxinhas, e
assim por diante. Mas o forte é a procura por carne de sol e feijão de
corda.
Existem duas barracas que servem itens diferenciados que
pertencem à culinária nordestina, o acarajé e a tapioca. Ambas são
bastante concorridas. As demais seguem à risca o cardápio mais
tradicional. Alguns dos barraqueiros administram seus boxes desde
a inauguração do CTN, é o caso do Manoel.
Manoel, 51 anos, potiguar, já trabalhou na construção civil
como ajudante geral, e foi também tecelão durante dezessete anos.
Está na cidade de São Paulo há 32 anos. Desde 1991 administra
sua barraca no CTN. Além dele somente cinco proprietários perma-
necem desde a inauguração à frente do seu negócio nas barracas.
Gosta do que faz e é bastante conhecido entre os freqüentadores e
pela administração da casa. É tido como um dos barraqueiros-mo-
delo, pois consegue administrar com sucesso a sua barraca.
Manoel preserva as tradições nordestinas, anda sempre com
um chapéu de couro e se orgulha muito com o sucesso da casa. Na
sua barraca há uma série de clientes assíduos que todos os finais de
semana estão ali, tivemos mesmo a oportunidade de entrevistar al-
guns deles. Ele alega que a clientela se diferencia conforme o dia da

97
Rosani Cristina Rigamonte

semana: nas sextas e sábados a freqüência é mais de jovens e o


consumo é maior de bebidas alcoólicas. Já aos domingos a freqüên-
cia é mais familiar e o almoço é o ponto forte do dia.
Os pratos que serve são bastante elogiados. Ele está sempre à
frente da casa, faz questão de atender as mesas e os seus clientes e
não se ausenta em hipótese alguma. Acredita ser este o segredo do
sucesso da sua administração:
É o olho do dono que engorda o gado, se diz na minha terra,
então eu não posso querer ter uma barraca e não ficar aqui. Aí
não dá, na mão de empregado a coisa não anda. As mesas têm
que ser muito bem controladas, senão o cabra senta, bebe,
come e sai de fininho e lá vem o prejuízo. Ou então uma
cervejinha aqui, uma carne de sol ali e a garçonete embolsa o
dinheiro e lá vem prejuízo de novo. Apesar que eu só contrato
gente conhecida, porque senão, não dá!

Ao referir-se às reformas do CTN, afirma ter gostado muito


das ampliações. Embora as reformas estivessem descaracterizando
um pouco a estrutura inicial, que se distinguia por suas barracas de
sapé, o que dava um clima mais interiorano, elas lhe pareciam ne-
cessárias, pois o risco de incêndio era muito grande, completa Manoel,
ressaltando que a segurança de todos está acima da beleza. Ele fala
do proprietário da casa com bastante orgulho, apontando nele a
figura de um ótimo administrador, delegando a ele o sucesso que a
casa tem.
O CTN e toda esta estrutura é obra do José de Abreu, um
homem bom e preocupado com os nordestinos e sua cultura.
Não é qualquer um que faz o que ele faz pela nossa gente.
Sempre se preocupa com as necessidades do povo. Desde o
começo ele foi sempre o mesmo, e agora em Brasília também
está defendendo os direitos do povo nordestino.

98
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Manoel demonstra satisfação no seu trabalho, e, quanto a


São Paulo, não tem nada a reclamar. Para sua cidade natal vai sem-
pre que pode de férias, mas daqui acredita que não sai mais:
Minha mulher e duas das minhas filhas trabalham comigo. Te-
mos uma vida boa, não nos falta nada, as meninas tiveram
estudo. Já consegui até minha casa na praia, posso dizer que
tive muita sorte em São Paulo, mas também tenho lutado mui-
to e trabalho é coisa que não me assusta!

Pode-se afirmar que Manoel é um “barraqueiro” bem-sucedi-


do, e por isso mesmo, não acena com a menor intenção de abando-
nar o seu negócio. Consegue administrá-lo com equilíbrio, e, como
ele mesmo alega, a receita do seu sucesso se assentaria, de fato, na
sua presença constante; acrescente-se a isso o perfil familiar deste
empreendimento: sua esposa é a chefe da cozinha e acompanha o
preparo dos alimentos, uma filha trabalha no caixa e outra no bal-
cão, e há sobrinhas e outros parentes servindo as mesas. Eis a recei-
ta de Manoel.
Nem todos os barraqueiros têm uma história de sucesso se-
melhante à de Manoel, como já comentado anteriormente. No prin-
cípio, todos os proprietários deveriam ser nordestinos, mas nem todos
conseguiram tocar seus negócios. Há barracas à venda com uma
certa regularidade, o que demonstraria a dificuldade, para alguns,
de administrar este negócio.
Ariuma, 46 anos, mineira, está em São Paulo há 15 anos e
sempre trabalhou com comunicação. A barraca que ela administra-
va em março de 1996 era do seu marido, mas havia quatro meses
ela estava sozinha no negócio:
Ele se desentendeu com o pessoal da rádio e desde então não
aparece mais aqui. Isto não é coisa para mulher, os homens

99
Rosani Cristina Rigamonte

ficam bêbados, não há como controlá-los, por isso eu estou que-


rendo vender esta barraca, não está valendo a pena para mim.

Além da barraca, ela teve também durante quatro anos uma


outra ligação com o CTN, um programa na rádio. Era o Ariuma-
variedades, que ia ao ar diariamente das 17h às 18h 30 e tocava
vários tipos de músicas, fazia vários anúncios e entrevistava pessoas
de destaque, como artistas, políticos e personalidades. A decisão de
vender a barraca se deu à época de sua saída do programa. Ela
afirma que o ambiente mudou muito no decorrrer destes anos, tan-
to na rádio quanto no baile:
Antes, no princípio, nos primeiros anos, o CTN tinha um am-
biente mais familiar, agora é esse povão e tudo aqui está
descaracterizado. Não é mais aquela coisa aconchegante de
antes. De dia aqui é um local agradável, mas à noite tem muita
gente estranha e eu tenho medo.

Ariuma afirma ter enfrentado problemas para administrar a


barraca, o maior empecilho teria sido sua pouca disponibilidade de
tempo. Tem deixado a barraca na mão dos funcionários, e isto tem
prejudicado o andamento:
As pessoas não param aqui, faltam muito, fazem o que que-
rem, as coisas não têm caminhado muito bem. Eu nem tenho
aberto às sextas-feiras, o movimento não tem compensado o
trabalho que eu tenho para abrir.

Durante cerca de um mês a barraca permaneceu à venda, e


logo após este período ela foi assumida por seu novo proprietário.
Este tem tentado reerguer o negócio, o que aparentemente tem con-
seguido. Desde então, Ariuma deixou o CTN e disse que continuará
a seguir sua carreira na área de comunicação.
Alguns conseguem sucesso visível, outros enfrentam dificulda-
des. Administrar a barraca é como abrir uma empresa, um negócio

100
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

de risco. Público certo há; entretanto, é ilusão imaginar que este


empreendimento seja uma grande fonte de lucros. Em vez disso, é
algo que requer muito trabalho e determinação, pois se for mal ad-
ministrado não há como prosperar.

O baile e sua dinâmica

Todas às sextas, sábados, domingos e feriados o CTN abre


suas portas. Semanalmente chega a reunir quase 5 mil pessoas. Mas
nem todos os dias o baile se dá da mesma forma. Às sextas feiras, o
baile tem início por volta das 20h e dura até a meia-noite. É o baile
mais curto e o que reúne o menor número de pessoas, tendo-se em
vista que grande parte da população freqüentadora trabalha aos
sábados, e, portanto, nem todos teriam disposição e disponibilidade
para virar a madrugada dançando.
Há um menor número de pessoas e, por isso mesmo, seria o
dia mais agradável para quem gosta de dançar. Às sextas feiras é
possível avistar casais bailarinos aproveitando o espaço para oferecer
pequenos shows de habilidade. Os mais idosos também aproveitam
o espaço e tomam conta da pista. E o clima fica, assim, mais íntimo.
Aos sábados é que se realiza a maior festa da semana. De-
pendendo da atração, são reunidas até 5 mil pessoas num único
dia. À tarde já começa o movimento: surgem os que gostam de
saborear uma comida, fazer telefonemas, levar as crianças para brin-
car no parque, aproveitar o espaço disponível. A partir das 16h ini-
cia-se o som play-back, mas apenas por volta das dez da noite, com
o início dos shows ao vivo, é que o baile “pega-fogo”. Desse horário
em diante é preciso enfrentar filas imensas para conseguir ingressar
no CTN, mas todos alegam que vale a pena o sacrifício.

101
Rosani Cristina Rigamonte

São centenas de rapazes e moças por todos os lados, casais


que dançam, casais que namoram, rapazes que flertam, moças que
circulam fazendo o footing. Enfim, uma grande festa a céu aberto.
Pelas mesas pode-se observar muitas pessoas apreciando o baile,
saboreando comidas típicas e apreciando o show que rola no palco.
As mesas de aposta estão sempre lotadas e o parque de diversões
em plena atividade. Por volta da 1h o baile atinge o seu auge: a casa
fica absolutamente lotada e a atração principal já iniciou o seu show.
O clima é contagiante, é impossível não participar.
Aos domingos, o Centro oferece uma programação com-
pleta para toda a família, que se inicia com a missa e se encerra
com o Forró. Durante todo o dia sucedem-se apresentação de
repentistas, shows diversos, almoços com comidas típicas e atra-
ções características de parques de diversões, tanto para adultos,
como para crianças. No domingo a freqüência diurna é composta
majoritariamente por famílias que aproveitam o dia para fruir toda
a programação.
Enfim, toda a população que freqüenta o local, desde os que
gostam de curtir um repente e uma boa carne de sol, até os que
gostam de agitar no meio da multidão ao som de um bom pagode,
todos têm um espaço de destaque na programação.

Programação musical

Tanto a Rádio como o baile seguem uma programação que


tenta, a um só tempo, ser fiel aos Forrós e abranger os sucessos
atuais. Na programação da rádio as músicas selecionadas seguem o
seguinte esquema: dois Forrós seguidos por uma música da atuali-
dade, tanto as sertanejas quanto as românticas. No âmbito do baile,

102
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

a programação segue este estilo, mesclando-o com shows ao vivo, o


que o diferencia desta estrutura.
Para ilustrar melhor como os temas atuais estão presentes no
baile, veja-se a programação de uma noite de Forró. Aos sábados, o
que se passa no palco do CTN é transmitido ao vivo pelo programa
noturno da rádio. Nos bailes de sábado, portanto, é praxe a presen-
ça de um locutor para comandar o show no palco. Em uma das
noites de sábado de maio de 1996 foi ao ar “a voz de cristal”, Tony
Fernandes. O baile se iniciou por volta das 18h, com coreografias
infantis e adultas, e o espectro de temas ia do sertanejo a Roberto
Leal ou o cigano.37
Logo após as coreografias, inicia-se o baile com play-back. A
seleção das músicas a cargo do disc-jóquei que nesta noite organizou
a programação foi a seguinte: Mastruz com Leite, Katinguelê, Mamo-
nas Assassinas, Sérgio Reis, Som Livre do Forró, Luiz Gonzaga, Roberto
Leal, Eliana de Lima, Fagner e Geraldo Gil, Genival Lacerda, Caju e
Castanha e Luis Minele. Alguns refrãos de músicas que foram tocadas
ilustram um pouco do estilo de algumas destas músicas.
Eu sou um coroa enxuto
E tenho dinheiro p’ra xuxu
Não vem com essa de coroa enxuto
Por que para dançar Forró comingo
Eu prefiro um garoto molhado (Luis Minele, Coroa Enxuto).

Em São Paulo tem uma banca


de óculos em cada esquina

37
Nesta época, uma novela de destaque na Rede Globo retratava os hábitos
e costumes de um grupo familiar cigano, o que justificaria a interpretação
deste estilo em meio às demais coreografias apresentadas.

103
Rosani Cristina Rigamonte

E só para enfeitar a cara mandou para a Josefina


Lá em Petrolina
Ela mandou perguntar para que serve?
Estas duas arruelas de ferro
com dois caco de vidro em cima (Genival Lacerda, Presente de
Nordestino).

O apelido é maldoso
O nome certo é ambulante
Ele é um grande comerciante
Forma de vida, crise,
Muita gente foi trabalhar de ambulante
Gente trabalhadora, honesta, que enfrenta a polícia.
A Prefeitura e a população
Vai para a rua ganhar o seu sustento (Caju e Castanha, Melô
do Camelô).
Por volta das 22h entra no palco o locutor. Os shows ao vivo
têm início com Elza de Lima (forrozeira), Marco Antonio (forrezeiro),
ambos cantam sem banda, apenas com play-back. As atrações es-
peciais ficam por conta das bandas: Art-Show (PB) e Flor da Bahia
(Salvador). O baile pega fogo e só se encerra por volta das 5h da
manhã.
Na Rádio Atual, a programação também é bastante variada.
Pode-se identificar dois tipos básicos de programação. Há os pro-
gramas mais tradicionais, nos quais repentistas e violeiros são mais
exaltados, e ritmos como emboladas e xotes estão sempre presen-
tes. E há os mais modernos, que seguem a programação padrão da
rádio, na qual os Forrós são alternados com ritmos sertanejos, pago-
des e temas românticos. Veja-se, a título de exemplo, alguns ritmos
tocados nestes dois tipos de programação para que se possa cons-

104
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

truir uma imagem da preferência musical reguladora destes diferen-


tes estilos de programas.
O programa Flor da Terra, de Téo de Azevedo, é o mais tradi-
cional da Rádio. “Este programa é uma coletânea das verdadeiras
raízes da cultura do Nordeste”. Na programação estão presentes
Téo de Azevedo, Trio Bahia, Léo Canhoto e Robertinho, Raimundo
Nonato, Genival Lacerda, Caju e Castanha, Banda Cacau com Lei-
te, Mastruz com Leite, Dominguinhos e Luiz Gonzaga.
Diariamente os ouvintes são convidados a participarem de
uma série de cantorias que se realizam pela cidade, nas Casas do
Norte, em grêmios recreativos e esportivos, além de associações de
bairro, eventos que ocorrem mais diversos nos bairros da cidade,
tais como a Vila dos Remédios, São João Clímaco, Guaianazes, Vila
Císper, Vila Carrão, Estrada das Lágrimas, Glicério, Bairro dos Pi-
mentas. A iniciativa de Téo de Azevedo visa divulgar os violeiros e
repentistas, já que ele coordena o selo da gravadora Atual, que
prioriza estes estilos.
Em contraposição a este modelo de programa, há o estilo de
Tony Fernandes e o seu Cantinho do Amor, em cuja programação
aparecem Roberto Carlos, Sidney Silva, João Paulo Júnior, Tim Maia,
Chitãozinho e Xororó, Jorge Moisés, Jean e Giovani, Elimar San-
tos, Raça Negra e Fábio Júnior. Mesclada à programação são lidas
as cartas que descrevem o perfil da pessoa que deseja encontrar um
companheiro, além da dedicatória de poesias e músicas, ofertadas
por casais apaixonados.
A programação demonstra um pouco das transformações
vividas atualmente pela rádio e pelo próprio CTN. O desafio é
tentar, a um só tempo, modernizar-se e preservar antigas tradi-
ções, sem com isto descaracterizar o local e a cultura regional nor-
destina.

105
Rosani Cristina Rigamonte

As transformações

O local denomina-se Centro de Tradições Nordestinas. Entre-


tanto, ficará decepcionado quem procurar encontrar somente triân-
gulo, sanfona e zabumba, ou achar que é apenas nesse tripé que se
assenta a “autenticidade” dessa festa. Contudo, como adverte
Magnani,
Mais relevante que lamentar a perda de uma suposta autenci-
dade, no entanto, é tentar analisar as crenças, costumes, festas,
valores e formas de entretenimento na forma em que se apre-
sentam hoje, pois a cultura, mais do que uma soma de produ-
tos, é o processo de sua constante recriação, num espaço
socialmente determinado (1984: 18-9).

As tradições não residem somente naqueles ícones dos anti-


gos Forrós. Isto não implica que estarão ausentes dali; antes, que se
mesclam neste espaço. Tomando como exemplo os estilos musicais,
há uma mescla do sertanejo com o “brega”, sucessos nacionais,
pagode, e, é claro, Forrós (enquanto categoria musical, o Forró in-
corpora diversos estilos, entre os quais o baião, xotes e emboladas).
O estilo de Forró promovido neste Centro de Lazer pode ser
considerado como vinculado a uma geração mais atual, que teria
incorporado instrumentos de corda como guitarra e baixo, além dos
teclados e bateria, o que pode ser tido na conta de uma “moderni-
zação” do estilo, fato que, quando questionado se este é um Forró
ou não, muitas vezes confunde e causa polêmicas: este estilo musi-
cal representaria a cultura popular ou seria simplesmente uma re-
produção de estilos urbanos-industriais produzidos para uma escala
de consumo ampla, que atende pelo nome de cultura de massas?
Na verdade, o que o local promoveria seria um determinado
espaço e tempo do Forró. A intenção seria a de aglutinar migrantes,

106
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

que estão longe, portanto, do seu local de origem, e que têm como
hábito freqüentar bailes similares a estes em sua terra natal. Esse
baile surgiria como uma alternativa de resgate de suas origens, uma
celebração no “exílio” que reproduziria o que o Forró tem de mais
marcante.
Este tipo de baile convida à dança, tem energia, e, em cada
contextualidade, os temas e as letras buscam reproduzir a vivência
daquele instante, ou seja: a saudade do sertão, o abandono de en-
tes queridos, a ausência da pessoa amada, as dificuldades ante a
sobrevivência, além das incorporações de hábitos e costumes
advindos do novo estilo de vida, temas relatados nas músicas mais
atuais.
Venha de onde vier, é preciso que se observe que as produções
culturais de um povo, que se apresentam como duradouras ou
tradicionais refletem de algum modo a sua realidade vivida aqui
e agora, seu gosto e sua visão de mundo. Deste modo tem
sempre um sabor de atualidade (Ferretti, 1988: 33).

Vale dizer, esta produção musical falaria dos seus produtores e


de seus receptores e refletiria o agora, o vivido e ressaltaria
também “os recursos técnicos disponíveis, as suas relações com
outras produções e de suas vinculações ao momento histórico.
Por isso mesmo, dificilmente estas produções permanecem
inalteradas por longos intervalos de tempo” (Ferretti, 1988: 34).

Apesar da incorporação de novos instrumentos, de algumas


variações nos temas, das similaridades adquiridas ante novos estilos
produzidos e reproduzidos no meio urbano industrial, o Forró pode
sim ter incorporado todos estes adendos, mas não teria perdido sua
essência, pois o seu trio estruturante composto por triângulo, sanfo-
na e zabumba convive harmonicamente com todas estas inovações.
Esta produção musical ainda reflete muito da riqueza da cultura

107
Rosani Cristina Rigamonte

regional desta população, e funciona como “um estoque simbólico


que alimenta o imaginário e as formas de expressão dos vários gru-
pos de origem migrante” (Magnani, 1990: 8).
O “arrasta-pé”, o “levanta poeira” e o chiado do chinelo ins-
tauram-se quando o Forró se inicia. O que tem de ser levado em
conta é que este Forró tem como pano de fundo a metrópole paulistana,
e, por isso mesmo, ao refletir a dinâmica cultural vivida nesta realida-
de, o Forró promovido pelo CTN teria incorporado várias inovações.
Nos últimos anos, este Centro de Lazer vem atravessando
mudanças na sua estrutura, tanto a física, quanto a administrativa.
A rádio cresceu, conquistou maiores índices de audiência, e junto
com ela, o CTN tem crescido e se tornado cada vez mais conhecido.
O seu espaço físico é imenso e tem capacidade para receber o gran-
de público que por ali circula, mas toda esta área está passando por
uma reestruturação para melhor atender a esta demanda.
A incorporação de inovações com o crescimento é uma situa-
ção inversa à vivida pelo “Seu” Severino, no princípio dos anos 80,
no auge do crescimento do seu Forró, quando deveria ter reformu-
lado toda a estrutura da casa. Mas o proprietário não tinha condi-
ções de acompanhar tais inovações, pois isto implicaria numa ampla
transformação. De saída, uma mudança de local de funcionamento,
pois para que aquele Forró crescesse o suficiente para atender a
demanda de público, que a casa atraía cada vez mais, deveria existir
um espaço físico mais adequado, talvez um salão de baile em mol-
des tradicionais, até mesmo fora da favela. Deveria ainda ter uma
estrutura de segurança adequada para não por em risco os freqüen-
tadores do local.38
38
O CTN terceirizou os serviços de segurança do local. Ao ingressar nas
dependências do Centro, todas as pessoas passam por uma revista, na
qual armas de fogo, instrumentos cortantes e qualquer tipo de equipamen-

108
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Mas não só. Para acompanhar esta administração, toda a es-


trutura informal de seu empreendimento tinha de ser reformulada,
e, com isso, a dinâmica do pedaço teria de ser quebrada. O baile
deixara de ser simplesmente uma festa entre amigos e conterrâneos,
na medida em que migrantes de toda parte da cidade desejavam
participar do evento. O sucesso da casa implicava sua transforma-
ção, e impedi-la era praticamente impossível, tanto que o seu pro-
prietário vislumbrou como saída desse impasse o encerramento das
atividades de seu Forró, a ter de transformá-lo num grande evento.
O CTN hoje passa por este desafio. Toda sua equipe tem se
empenhado na realização dessas transformações. O que não significa
que tenham conseguido superar as dificuldades que se apresentam.
O CTN constitui uma mancha de lazer, já que aglutina no seu
entorno vários eventos e equipamentos, que foram se organizando
para atender a toda a população que se desloca até ali. Por isso,
aquele clima íntimo de outrora, aquele em que todos se conheciam,
hoje dialoga com outra escala, pois ali se efetiva sob uma dinâmica
mais metropolitana. Milhares de migrantes ali se reúnem, podendo
haver um reconhecimento entre os freqüentadores enquanto parte
de um mesmo grupo, mas numa lógica diferenciada do pedaço.
Há na casa freqüentadores assíduos, que realizam um ritual
próprio: vão sempre a mesma barraca, comem os mesmos pratos,
encontram conterrâneos de sempre. Mas hoje não conhecem gran-
de parte dos freqüentadores que por ali circulam, e a maioria desses
se apropriam do local segundo formas diferenciadas. É quando se
pode passar a identificar este espaço como uma mancha de lazer,

to que ofereça risco à população são proibidos. Esta equipe também não
permite o ingresso de pessoas que se encontrem embriagadas, pois, na
maioria das vezes, desencadeiam brigas e desordem..

109
Rosani Cristina Rigamonte

não mais relacionando-o somente com a dinâmica do pedaço, “no


qual o determinante são as relações que se estabelecem entre seus
membros, pelo manejo de símbolos e códigos comuns, o espaço
enquanto ponto de referência é restrito, interessando mais a seus
habitués” (Magnani, 1997: 42). O que deve ser ressaltado no caso
do Centro é a série de equipamentos e práticas de lazer que todo o
aglomerado do CTN e seus arredores reúne.
As atividades que oferece e as práticas que propicia são resulta-
dos de uma multiplicidade de relações entre seus equipamen-
tos, edificações e vias de acesso – o que garante uma maior
continuidade, transformando-o assim, em ponto de referência
físico, visível e público para um número mais amplo de usuári-
os (Magnani, 1997: 43).

Não que no interior desta mancha de lazer não possam coe-


xistir pedaços diferenciados, tais como a barraca dos alagoanos, o
bar dos cearenses, a esquina dos baianos, mas deve ser levado em
conta que estes pedaços não são fechados e restritos apenas aos
seus freqüentadores mais assíduos, já que o grande aglomerado atrai
os mais variados tipos e estilos de nordestinos de todas as partes da
cidade e de todo o país.
Um outro fato significativo a ser ressaltado é o grande núme-
ro de casas inauguradas por toda a cidade que seguem os mesmos
moldes do CTN, comprovando a receita do sucesso do local. O
“Centro de Lazer Patativa” (ZS) é um exemplo. José de Abreu par-
ticipou da estruturação desta nova casa, juntamente com seu pro-
prietário, Zé Lagoa, locutor de um programa na Rádio Atual. Nesta
nova casa é necessário pagar ingresso para assistir aos shows e para
participar dos bailes, sobretudo porque as atrações têm como obje-
tivo serem sempre de destaque. Apresentam-se ali os grupos como
Raça Negra, Katinguelê, Mastruz com Leite, entre outros. A casa

110
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

tem obtido sucesso, embora tenha se restringido a um público mais


selecionado, aquele que tem dinheiro disponível para o lazer.
Além do Patativa, há outros concorrentes, tais como o Centrão
(ZL), Gigantão (ZL), o CTB – Centro de Tradições Brasileiras (ZL),
entre outros. E hoje, seis anos após a inauguração do CTN, é possí-
vel encontrar várias casas noturnas e centros de lazer inspirados em
seus moldes, ou seja, que promovem festas e bailes, não raro ao ar
livre, com Forrós e comidas típicas nordestinas.
É possível crer que o própria concorrência tenha levado o
CTN a enfrentar uma “crise de identidade” ante seu público e suas
preferências. Os pagodes e as músicas sertanejas também são prefe-
ridos por boa parte desta população, e o dilema gira em torno de
concessão ou não às tendências populares mais atuais. Resistir às
transformações que o sucesso do local está proporcionando seria
um equívoco, porque é visível o aumento da demanda de público
para o local. E assim, a alternativa que está sendo adotada é a estra-
tégia da “bricolagem”, qual seja, mesclar um pouco de tudo, o tradi-
cional e o moderno, o rural e o urbano, um caminho que permite a
incorporação destas transformações.
O pequeno “mundo” nordestino construído ali tem de en-
frentar agora as vicissitudes do seu crescimento. Para tanto, está
abrindo mão de um pouco do seu regionalismo, para escancarar
suas portas e refletir assim os contrastes e conflitos vividos em meio
a dinâmica das grandes cidades.
Como no Forró do Severino, vez por outra a violência acaba
invadindo esta festa. Mesmo numa noite de sábado, com a casa
superlotada e o baile fervendo, com pessoas por toda parte e quase
4 mil pessoas ali reunidas, entrar armado no CTN é quase impossí-
vel. Entretanto, antes do início das reformas, atrás da casa havia um
pequeno beco por onde era possível entrar e burlar a segurança,

111
Rosani Cristina Rigamonte

pulando o muro. Certa vez, por volta das duas da madrugada, inici-
aram-se os disparos: duas armas foram descarregadas; nas escadas
da roda gigante, com arma em punho, um rapaz disparou seguidas
vezes, até acertar o seu alvo – a roda gigante continuava a girar,
mulheres e crianças gritavam desesperadas, todos deitados no chão,
tudo parecia insólito. Após acertar o quarto disparo na sua vítima, o
rapaz, como que num passe de mágica, da mesma forma que apa-
recera, desapareceu no nada: pulou rapidamente o muro e não foi
encontrado. Ainda com vida, Élcio, 24 anos, baiano, segurança da
casa, foi socorrido e faleceu no hospital. “Justiça com as próprias
mãos”, era o que todos diziam: “vingança”, era a explicação para o
crime. E o baile continuava, nem sanfona, nem zabumba pararam
de tocar, apenas mais um corpo que caía em meio à metrópole.
“O sorvete é morango, é vermelho,
Ô girando é a rosa, é vermelha,
Ô girando, ô girando é vermelho.
Olha a faca, olha o sangue na mão, e José
Juliana no chão, e José
Outro corpo caído, e José
Seu amigo João, e José
Amanhã não tem feira, e José
Não tem mais construção, e João
Não tem mais brincadeira, e José
Não tem mais confusão, e João”
(Gilberto Gil – Domingo no Parque)

112
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

CAPÍTULO III
A PRAÇA SILVIO ROMERO – A
“TRADIÇÃO”

113
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A o descrever a dinâmica que rege o CTN e seus freqüenta-


dores, foi possível entrar em contato com uma realidade bastante
peculiar: a presença, na metrópole, de um Forró, popular baile no
nordeste brasileiro, agora reelaborado no novo contexto urbano.
Ao reproduzi-lo foi necessário estabelecer um diálogo com o
contexto no qual está inserido. Este é um Forró com cara de cidade
grande, equipamentos modernos, grande número de pessoas, um
baile metropolitano. Independente das transformações ali estabeleci-
das, contudo, este evento permite uma aproximação aos referenciais
de origem, um reconhecimento entre a população freqüentadora, além
de reafirmar a cultura regional nordestina.
Entretanto, na metrópole paulistana nem todas as redes de
comunicação e sociabilidade seguem um padrão único de regras,
condizente com uma estrutura urbano-industrial e de comunicação
de massa. Há redes que se mantêm mediante uma estrutura peculi-
ar, através de arranjos e padrões próprios. Para que se vislumbre tal
possibilidade, em contraposição ao CTN, foi analisada a Praça Sil-
vio Romero, local onde uma rede de indivíduos é movida pelo seu
conhecimento prévio, reafirmando laços de confiabilidade e meca-
nismos de conhecimento, vizinhança e parentesco, provenientes do
local de origem.
Os freqüentadores desta Praça já se conhecem previamente,
reforçam ali uma rede que se move desde o sertão até a cidade. A
utilização constante deste mecanismo permite que ela (a rede) se

115
Rosani Cristina Rigamonte

perpetue ao longo do tempo. Esta rede de entregas, movida pelos


encontros dominicais, estabelece uma linha direta que permite um
intercâmbio entre dois pólos, os benefícios da vida moderna melho-
rando a vida no sertão, e os ingredientes da culinária regional, produ-
zidos no sertão, sendo consumidos na metrópole. As oportunidades
de trabalho são visíveis nos dois extremos, independente de que lado
se esteja.
Portanto, este é um mecanismo que beneficia e facilita a vida
de seus integrantes, que estabelece uma prática diferenciada, sobre-
tudo quando se enfoca o contexto no qual ela se realiza:
na cidade a família se reorganiza, mas permanece como o gru-
po basicamente responsável pelo bem-estar e segurança eco-
nômica de seus membros e é, por assim dizer, o ponto de
referência e o núcleo de reelaboração dos padrões de compor-
tamento e das representações coletivas (Durham, 1973: 211).

Através dos laços de parentesco e vizinhança, os indivíduos


que participam desta rede têm a possibilidade de chegar até a ci-
dade e inserir-se nos seus mecanismos de funcionamento, tais como
o trabalho, moradia, locomoção, lazer e sociabilidade. Portanto, a
família e seus laços encontram a possibilidade de se fortalecer, me-
diante alternativas próprias, mesmo no interior das grandes cida-
des.
Além da perpetuação dos laços de origem, é possível obser-
var ainda, neste mesmo local, como se deu a formação de um “pe-
daço” nordestino dentro de uma “mancha” de lazer, que seria o
caso desta praça. É possível perceber como diferentes populações
se apropriam de um mesmo espaço, cada qual com suas regras,
cada qual com sua dinâmica e suas peculiaridades. Sem, no entan-
to, interferir ou impedir a existência da outra, pelo contrário, todos
os domingos, o povo se encontra na praça.

116
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

O encontro dominical

A Praça Silvio Romero localiza-se no bairro do Tatuapé (ZL),


a 500 metros da estação de metrô do Tatuapé. É tradicionalmente
conhecida como ponto de encontro de jovens, lugar de footing aos
finais de semana, que se realizam nos bares que circundam seus
arredores. Já foi cenário de “rachas” de automóveis e encontro de
playboys.
Esta “mancha” de lazer se completa com outros estabeleci-
mentos, tais como restaurantes com serviço à la carte, rodízios, ba-
res, lanchonetes, entre elas, um McDonald’s. No centro da Praça
fica a Igreja Nossa Senhora da Conceição, cercada por bancos e
árvores. Numa das laterais, um grande ponto de táxi, na outra, o
ponto final da linha de trólebus Praça da Sé-Praça Silvio Romero.
Lojas de grifes, modernas agências bancárias, banca de jornal e
frutas convivem com antigos estabelecimentos comerciais.
Um centro de bairro que se moderniza, mas conserva um ar
de cidade interiorana. Este é o cenário, com os variados grupos
dividindo entre si o mesmo espaço: idosos no período da tarde, os
católicos por ocasião das celebrações religiosas na igreja, e, no mais
das vezes, jovens freqüentando-na no período noturno. Contudo,
existe também um outro tipo de usuário, de tradicional e assídua
presença, os nordestinos, que freqüentam a Praça todos os domin-
gos pela manhã. Além do previsível propósito de usufruir de um
espaço público destinado ao lazer, um outro objetivo os atrai à pra-
ça: a espera de caminhões que trazem mercadorias e encomendas
do sertão baiano. Para entender as razões deste comportamento é
preciso remontar até algumas décadas atrás.
Hoje, o bairro do Tatuapé, embora seja uma região da cidade
que concentra grande número de nordestinos, não é conhecido

117
Rosani Cristina Rigamonte

apenas como um pólo aglutinador desta população. Trata-se de


uma área central que é distante oito km da Catedral da Sé, o Marco
Zero da cidade, servida por trem e metrô, e ponto de baldeação
para o centro propriamente dito da cidade. Nos anos 60, Vila Alpi-
na, Vila Invernada e outros bairros circunvizinhos, centros recepto-
res de migrantes nordestinos, já se serviam do Tatuapé como um
caminho para o centro.
Data desta época a iniciativa de um grupo de amigos desti-
nada a sanar as dificuldades de transporte rodoviário entre certas
regiões do sertão da Bahia e São Paulo. Esse grupo, formado por
antigos migrantes, percebendo o grande afluxo de então, inaugura-
ram uma verdadeira ponte entre esses dois pólos. Adquiriram algu-
mas camionetas (modelo: peruas kombi, da marca Volkswagem) e
criaram uma linha Nordeste-Sudeste-Nordeste ligando os municí-
pios da região de Vitória da Conquista (tais como Piripá, Cordei-
ros, Tremendal, Condeúba, Jânio Quadros, Lagoa Preta, São João
do Paraíso-MG e Taioberas) com São Paulo. Em pouco tempo ti-
nham um cronograma completo com datas e horários.
A Praça Silvio Romero, por ser considerada central e de fácil
acesso aos bairros para onde a maioria dos recém-chegados iria se
deslocar, tornara-se o ponto de partida e chegada das camionetas,
e, dessa forma, um ponto de referência para todos aqueles que
mantinham laços com os parentes nas regiões de origem. Até mea-
dos dos anos 70, a parada das camionetas era feita em uma rua
paralela à praça, mas como o fluxo foi crescendo e angariando po-
pularidade, desde então, a movimentação passou a ocupar o espa-
ço da praça.
Este tipo de transporte ganhou muitos adeptos e logo am-
pliou seu raio de atividades. Além de um meio de locomoção de
passageiros, o sistema de camionetas tornou-se um sistema de co-

118
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

municação alternativo para parte destes migrantes. As pessoas co-


meçaram a remeter encomendas, recados, presentes. Ao mesmo
tempo em que as solicitações se diversificavam, empresas maiores
começavam a investir mais na região, o que instaurou uma forte
concorrência ante esta rede de transporte informal.
Os caminhões, atualmente são 15, fazem viagens quinzenais,
sendo que alguns dos caminhoneiros foram outrora alguns dos
“perueiros”. Os caminhões não transportam cargas do Nordeste para
cá, não é este o ponto forte da linha, na medida em que buscar
outros tipos de carga, embora pudesse expandir a rede e atender a
outras regiões, acabaria afetando a assiduidade das viagens e pode-
ria aumentar os seus custos, o que não interessa aos proprietários.
Esta frota de caminhões se estabeleceu para atender à demanda
das encomendas, cuja proporção é o suficiente para custear as des-
pesas ou prejuízos com as viagens.
Os caminhões transportam, na maioria das vezes, eletrodo-
mésticos, alimentos, roupas, materiais de construção, mudanças e
cartas. São presentes e ajuda remetidos aos parentes que permane-
ceram na Bahia. Semanalmente chegam do sertão baiano cerca de
50 a 80 cartas e são remetidas de São Paulo para lá cerca de 100 a
150 cartas. Aproximadamente a metade das que são remetidas para
São Paulo é destinada aos trabalhadores da construção civil que
moram no trabalho e circulam de obra em obra, sem residência fixa,
o que dificulta a comunicação com os parentes que deixaram na
terra natal. De regiões longínquas vem o restante das cartas, mais
facilmente recolhidas pelos caminhões que por lá circulam semanal-
mente, que por meio do serviço do correio, o que exigiria um árduo
deslocamento até a agência.
As cartas que vão de São Paulo para o sertão baiano são
remetidas para pequenas cidades e vilarejos desprovidos de serviço

119
Rosani Cristina Rigamonte

de entrega a domicílio. Muitas vezes, através destas cartas chega o


dinheiro que garante o sustento da família no sertão. São lugares
em que o correio concentra as correspondências recebidas em sua
agência local, sendo atribuição do interessado a descoberta e retira-
da das eventuais remessas. Considerando-se que o transporte local
é quase inexistente, dificultando em muito o acesso dos meios de
comunicação aos familiares, e posto que a maioria reside no perí-
metro rural, apenas para saber se há correspondência é necessário
se locomover 10, 20 ou 30 km até a agência.
Os caminhoneiros, por sua vez, são provenientes da região.
Conhecem as famílias, fato que estabelece maior confiabilidade en-
tre as partes, facilita esta troca de correspondências e cria a possibi-
lidade de uma “rede informal” de comunicação, sem a qual o serviço
seria inviável.
Domingo, por volta das 7h, começa o movimento. As pes-
soas vão chegando aos poucos, sentam-se nos bancos ao lado da
Igreja. Alguns grupos começam a se formar, circulam informações,
muitos conhecidos e alguns namoros. O movimento vai crescendo
por volta das 7h30, horário em que as personagens mais importan-
tes costumam chegar. São os proprietários dos caminhões e suas
“ricas entregas”. Em média, de quatro a seis caminhões se enfileiram
no lado esquerdo da praça, todos os domingos.
Vendedores ali se encontram. Montam barracas de churras-
quinhos, batidas, carrinho de cachorro-quente, fumo de corda pro-
veniente da região, botinas, papéis e envelopes de cartas, além do
serviço de um fotógrafo que regularmente circula por ali. Há, ainda,
um cego que pede esmolas entre os freqüentadores. Todos os bares
ao redor da praça e uma papelaria abrem aos domingos pela ma-
nhã, para atender a clientela que ali se reúne. Os caminhões estacio-
nam e descarregam suas mercadorias, as carrocerias ficam abertas e

120
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

toda a carga exposta. Alguns pacotes provenientes do sertão con-


têm alimentos típicos, presentes, retribuições, um sinal de vida, de
presença e uma grande quantidade de cartas.
As pessoas se aproximam dos caminhões calmamente e ob-
servam carta por carta, verificando se alguma delas está endereçada
para si ou aos seus familiares. Não há confusão, nem atropelo; é um
movimento harmônico. Este ritual é seguido por todos. Neste ponto
de encontro já tradicional trocam informações, idéias, mandam no-
tícias, revêem amigos e depois retornam para seu cotidiano. Toda
esta teia de comunicação estabelece laços entre seus participantes e
reforçam uma rede de sociabilidade.
Além de receber as cartas e encomendas, as pessoas trazem
sua correspondência para ser enviada e, por vezes, alguns peque-
nos pacotes. No caso da remessa de eletrodomésticos, é feita a soli-
citação de remessa e combinado o dia para a retirada da mercadoria
na residência do remetente. Tanto as cartas quanto as encomendas
não seguem os padrões formais de endereçamento, tais como nome,
endereço, cidade, CEP. Uma vez ou outra o envelope contém ape-
nas referências nominais, algo como “Para ser entregue à Maria
Aparecida de Matos [frente], de Antônio Simão Silva [verso]”, e
tudo chega ao seu destino. A relação é de confiabilidade e cumplici-
dade entre os organizadores e os receptores desta “rede informal de
comunicação”. Em meio à metrópole e às relações tão distanciadas
há um espaço preservado que reproduz as relações vividas na re-
gião de origem, garantindo sua continuidade.
Trata-se, evidentemente, de uma lógica que pouco tem a ver
com a que regula as atividades e negócios próprios da sociedade
moderna; tem antes a ver com as relações de tipo comunitário39,
39
Em que as relações face-a-face e o conhecimento prévio dos interlocutores
fornecem as bases da garantia (Tönnies, 1963).

121
Rosani Cristina Rigamonte

cuja base de confiabilidade é dada pela referência a vínculos fami-


liares e às redes mais amplas que dela derivam. Evidentemente, isto
não significa que os usuários do sistema deixem de participar de
outros, característicos de relações “societárias”; trata-se, simplesmen-
te, de manter os vínculos com a outra ponta de seu universo de
referência, daí a preferência ao sistema a que ambos os pólos estão
acostumados.
Neste emaranhado de mensagens, o movimento da Praça é
bastante interessante: um aglomerado de pessoas em volta dos ca-
minhões e, claro, em torno dos personagens de maior destaque da
Praça, “os caminhoneiros”. Eles proporcionam esses momentos de
prazer e são os intermediários entre os dois universos, participando
das duas lógicas e realizando uma ponte entre o sertão e a metrópo-
le. Representam pessoas que lutaram e conseguiram sucesso por
meio de seu trabalho, de um trabalho que preserva e perpetua o
referencial de origem. Conversar com o caminhoneiro recém-che-
gado é obter informações recentes sobre a região, tais como quem
casou, quem morreu, quem migrou, quem retornou, e assim por
diante. Aqui e lá, a todo momento.
Os referidos caminhoneiros realizam um pouco o sonho de
todos os que partiram e de todos os que ficaram. Podem estar em
São Paulo, viver em São Paulo, mas com apenas dois dias de via-
gem retornam ao sertão baiano, entregam suas encomendas, revê-
em os amigos, os parentes, recebem notícias, matam saudades e,
mais dois dias, pronto, já estão em São Paulo de novo. Estão sem-
pre em contato com os dois mundos, o daqui e o de lá. São os
“mensageiros da alegria” e habitam o coração de todos: matam
saudades, chegam em momento de “precisão”, trazem fartura, pre-
sentes, boas e, por vezes, más notícias. São pessoas simples,
batalhadoras e viabilizam relações de extrema importância que, atra-

122
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Os encontros dominicais:
informações, novidades e
saudades

123
Rosani Cristina Rigamonte

Na praça, também se faz a


preparação das cartas para o envio

124
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

O fotógrafo
oficial da praça

A fila para
recebimento
das cartas

125
Rosani Cristina Rigamonte

As cartas

Brito negociando
uma entrega

126
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

vés dos meios formais de comunicação e transporte, jamais seri-


am traçadas nestes moldes, com toda essa “pessoalidade” e sim-
plicidade.
Desta forma, a Praça Silvio Romero, mancha de lazer no bair-
ro do Tatuapé, abriga um “pedaço” nordestino que aproxima dois
universos regidos por lógicas diferentes, mas que se comunicam por
meio de uma rede de sociabilidade que se torna visível, eficaz e
marca o espaço, naquele dia e hora.

Os freqüentadores

O local é freqüentado por pessoas que se conhecem e fazem


parte de um ciclo comum. São geralmente do mesmo local de ori-
gem, e têm as mesmas raízes, histórias de vida, com oportunidades
e dificuldades similares. Há um espírito de pertencimento entre eles.
Os iguais ali se reconhecem.
Um “intruso”, ao chegar na Praça em meio à movimentação,
logo é identificado. É filho de quem? Veio de onde? Há quanto
tempo está em São Paulo? Não há quem freqüente os encontros
dominicais que não conheça aos demais. Todos são do “pedaço”.
Quando um parente ou amigo recém-chegado passa a freqüentar a
praça, logo é introduzido no ritual. Aquele que conhece aos demais
apresenta-o a todos.
“Esse é o Janjão do Aguiar, da Lagoa Preta”, referenciando
o nome ao nome do pai e da cidade natal. Depois de apresentado
e identificado por todos, poderá, então, trafegar livremente pelo
espaço.
Pessoas de “fora” não são bem vistas em meio ao ritual do-
minical, pois ali circulam informações sobre oportunidades de em-

127
Rosani Cristina Rigamonte

prego, locais disponíveis para moradia, salários no mercado, além


de todo o dinheiro que é enviado semanalmente, de maneira in-
formal, por meio das cartas. Há uma fidelidade entre os freqüenta-
dores que deve ser preservada. Portanto, o que ali acontece não
deve interessar a mais ninguém, senão àqueles que estão envolvi-
dos no processo.
Muitas pessoas trazem seus pacotes para serem enviados e
desconfiam de quem questiona sobre o seu conteúdo, que, no mais
das vezes, é revelado somente ao caminhoneiro que irá transportá-
los. As desconfianças e reservas giram em torno das características
das encomendas, dos tipos de acerto feito para seu transporte, e, até
mesmo, da quantia mensal enviada aos familiares que estão no ser-
tão. Cada qual deseja preservar sua individualidade, e as negocia-
ções ali constituídas não são públicas.
Além do conhecimento mútuo, um código de ética norteia a
relação desses freqüentadores com os caminhoneiros. Os mais jo-
vens se arriscam a uma pesquisa de mercado explícita, indagando a
vários deles sobre o custo do frete, atitude não adotada pelos fre-
qüentadores mais velhos, pois isto poderia pôr em risco a relação de
fidelidade fundada entre eles. Os que se utilizam da rede há muitos
anos são fiéis aos seus entregadores, não questionam preços,
tampouco indagam sobre a data da viagem: solicitam a entrega e
ponto final.
Essa relação de fidelidade se impôs ao longo de anos, medi-
ante a confiança recíproca e transcende a simples relação comercial.
Concluídas as entregas, os caminhoneiros visitam os parentes dos
usuários, informando-se sobre o andamento das coisas, dando e
recebendo recados. O vínculo de lealdade e fidelidade assim esta-
belecido só será quebrado em casos muito graves, algo como uma
discussão ou briga entre as partes.

128
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

O encontro dominical reúne, em média, de cem a 150 pesso-


as, homens em sua maioria. Podem ser divididos em dois grandes
grupos: os “moradores da cidade” e os “moradores do sertão”. Os
moradores da cidade, muitas vezes, são jovens solteiros que só vão
ao sertão para passar as férias, e moram em São Paulo na casa de
parentes, ou mesmo, no local de trabalho. Neste bloco integram-se
também aqueles que são casados e que migraram com toda sua
família, estabelecendo contato com o sertão da mesma forma que
os solteiros, mandando auxílio financeiro para a família e preferindo
a época das festas juninas para tirar suas férias e visitar os parentes.
Os moradores do sertão são, em sua maioria, casados que
migraram para a cidade sozinhos, deixando no local de origem toda
a sua família. Em São Paulo moram no local de trabalho, na casa de
parentes, ou ainda, em pequenos cômodos alugados. Permanecem
na cidade cerca de 8 a 11 meses por ano, e o período restante pas-
sam no sertão. Embora passem mais tempo na cidade, não desejam
fixar residência na mesma, já que suas famílias, propriedades e la-
vouras estão no sertão, e consideram a cidade como um local para
o trabalho, não de moradia. É o perfil destes freqüentadores e um
pouco de suas práticas cotidianas na cidade que serão examinados
mais detidamente a seguir.
Os “moradores da cidade”, como já salientado, vão visitar os
seus parentes na época das festas juninas, aproveitando o período
festivo para gozar suas férias e usufruir do que há de melhor na
região. Eles mantêm o vínculo empregatício em São Paulo e retornam
no final do período festivo. Compram presentes para a família e, no
caso dos rapazes, adquirem um meio de transporte particular, seja
uma motocicleta, bicicleta, ou mesmo automóveis; passo seguinte,
são remetidos à sua cidade natal, feito que garante um certo status
ao remetente. Os parentes que chegam de São Paulo são recebidos

129
Rosani Cristina Rigamonte

com festa, e tornam-se a grande razão das comemorações do pe-


ríodo, pois, além da melhoria nas condições de vida, são motivo de
orgulho dos familiares.
Entre os moradores da cidade, os solteiros compõem o bloco
dos mais jovens, e são eles os mais “modernos”. Usam roupas co-
muns na cidade grande, tais como tênis importados, camisetas, cal-
ças e bermudas de grifes renomadas. Alguns comparecem na praça
com suas próprias bicicletas ou motos, sinal de ascensão e desta-
que. Eles curtem bailes, festas, namoram garotas paulistanas e se
tornam cada vez mais independentes, sobretudo em relação aos
rapazes de sua faixa etária que permanecem no sertão.
As encomendas mais freqüentes feitas por eles são seus meios
de transporte, bicicletas e motos, geralmente as primeiras aquisições
destes usuários.
Eu não fico com a moto aqui porque é muito difícil. Primeiro eu
sei dirigir, mas não tenho carta, depois não tenho minha pró-
pria casa aqui e ainda corro o risco de ser roubado. Tanto sacri-
fício para ficar sem ela ou para ficar tendo prejuízo em pagar
multa, ou ainda correr o risco de se quebrar inteiro num aci-
dente. Não, essa moto para mim é para ser usada lá na minha
terra. Lá dá mais certo, é menos preocupação. Aqui tem ônibus
e metrô para todo lado (Celito, 19 anos, natural de Condeúba
(BA), está em São Paulo há três anos, trabalha na construção
civil e estava acertando o frete de sua moto).

A maior preocupação destes jovens é poder continuar na ci-


dade, construir o seu futuro, almejando melhores oportunidades do
que as que seus pais tiveram. São jovens na faixa etária entre 16 e
24 anos, que freqüentemente trabalham como servente na constru-
ção civil. Também há os office-boys, balconistas, ajudantes em ge-
ral, mas em menor número. São introduzidos no mercado com o
auxílio de parentes mais velhos, como tios, pais, irmãos, primos e

130
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

padrinhos. Alguns têm a sorte de serem introduzidos em áreas nas


quais acabam adquirindo uma maior especialização da mão-de-
obra, como pintura, colocação de azulejos e pisos, e aplicadores de
gesso, entre outros, o que lhes permite um ganho mensal maior,
além de uma estabilização econômica mais rápida.
Eu gosto da vida aqui, a gente se torna independente e pode
até ajudar a família lá na nossa terra. Vim aqui trabalhar por
que este é o jeito, mas a gente não pode reclamar. Dá para
aprender muita coisa, uma profissão, fica mais esperto, apren-
de mais leitura, mais matemática, aprende a andar para todo
lado da cidade. Aqui tem que saber das coisas senão fica para
trás. O salário que se vai ganhar no mês, tem que aprender a
controlar as despesas, além de mandar dinheiro para a família.
Eu acho que é uma escola de onde a gente sai pronto para
viver em qualquer lugar do mundo (João, 21 anos, natural de
Piripá (BA), está em São Paulo há seis anos e trabalha como
azulejista).

Os rapazes solteiros, na verdade, não têm muito a perder, e


também não sofrem tantas privações como os casados que se dis-
tanciam de sua família e têm a responsabilidade de sustentá-la à
distância. Eles, os solteiros, ajudam no sustento dos pais e irmãos
mais novos, e gozam de grande destaque quando regressam à cida-
de natal. É quando as “moças disponíveis” tentam agradá-los para
conseguir um possível compromisso, e quando os mais desavisados
podem passar da categoria de solteiros para casados.
Eu não posso me queixar nos três anos que estou aqui nunca
fiquei desempregado. Tenho podido ir passar o São João na
minha terra e tudo tem corrido bem. Me sinto bem aqui e lá.
Não sei se você sabe mas o São João de lá é uma beleza, a
festa é muito animada e vai longe. Quando a gente chega lá,
todas as meninas nos tratam como reis, muitas querem namo-
rar, dançar, beijar. Mas o único perigo é se enroscar e numa

131
Rosani Cristina Rigamonte

dessas férias acabar arranjando casamento. Aí é fogo! Tem


que tomar cuidado. Mas por enquanto, não fui pego ainda, tô
tocando minha vida e ajudando meus parentes (Raimundo,
19 anos, natural de Piripá, trabalha na construção civil).

Alguns rapazes já não estão tão alertas quanto Raimundo,


vão para sua cidade, divertem-se, namoram e depois pensam que
podem vir embora tranqüilos. Mas não é assim que as coisas funci-
onam, os pais são bastante zelosos em relação às filhas. Segundo a
regra, brincar o “São João” juntos e namorar na frente de todos é
assumir um determinado compromisso, e é esta situação que deixa
o rapaz no “enrosco”, conforme alerta Raimundo.
Ronaldo, 21 anos, está em São Paulo há oito anos. Ele é de
Boa Sorte, subdistrito de Tremedal (BA), trabalha numa loja de
materiais de construção como carregador. Em 1995 resolveu ir visi-
tar sua cidade e brincar o “São João” por lá. Sua chegada foi uma
grande festa, todos muito felizes por revê-lo, sobretudo as garotas
que o receberam com muita euforia. Ele é trabalhador e indepen-
dente, sabe cozinhar, lavava suas próprias roupas no rio, ajudava o
pessoal na roça colhendo mandioca e andu. Todos se impressiona-
ram com a sua mudança, ele estava mais esperto e maduro. Na
primeira festa em que foi, várias meninas queriam dançar e serem
apresentadas a ele. Absoluto sucesso! Ele se engraçou com Janete,
15 anos, filha de um padrinho de sua mãe. Logo começaram a
namorar:
Não fiquei disponível por lá nem 2 dias, logo já estava namo-
rando. Eu fiquei apaixonado, ia a todos os lugares com ela,
brincamos juntos todo o São João. Mas na véspera de minha
partida fui chamado à casa de Janete e sua mãe não deixou
que eu viesse embora antes de firmar compromisso com a moça.
E me fez prometer que eu iria comprar uma aliança de noivado
e enviaria a ela.

132
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Ronaldo encontrava-se em apuros na Praça, logo após o seu


retorno, em um dos encontros dominicais, pois seu tio estava discu-
tindo e esbravejando com ele: “Ele é o pai da moça. Aceitou o com-
promisso sim, mas só se eu marcar a data do casamento, agora não
sei o que faço, por esta eu não esperava”. Ronaldo ficou noivo e até
marcou a data de seu casamento para o próximo ano, mas sem
muita certeza sobre o que fazer. Agora se corresponde com a namo-
rada via caminhoneiro e pode-se dizer que ele é um daqueles rapa-
zes que se encontram “enroscados”.
Dentre os moradores da cidade, há também os “solteirões”,
aqueles de idade mais avançada que acabaram não se casando
quando mais jovens. Alguns dizem que não foi possível casar em
razão da “vida dura de trabalho” que levavam; outros alegam a falta
de oportunidade, “não apareceu ainda a mulher certa”. Estes fre-
qüentadores já fixaram sua residência na cidade, moram em peque-
nas casas alugadas, ou já construíram sua própria moradia. E são
raros os casos daqueles que ainda não adquiriram propriedades na
sua cidade natal.
Avelino, 32 anos, é de Piripá, está há 16 anos em São Paulo,
trabalha como azulejista e já se considera um paulista. Acostumado
com a vida da cidade, acredita que não se readaptaria à vida de
Piripá: “Eu passeio bastante, inclusive freqüento alguns barzinhos
aqui na Praça, à noite, nos finais de semana, saio com os amigos e
com as namoradas que pintam.” Ele mora na Vila Formosa (ZL),
numa pequena casa alugada, e trabalha para uma empresa de co-
locação de toldos e esquadrias metálicas que se localiza no Tatuapé
(ZL). Conseguiu comprar dois terrenos, um em Guarulhos e outro
em Suzano. Está iniciando a construção de uma casa num deles, e
pretende alugá-la quando estiver pronta. Não pretende morar nela,
porque gosta mais da região em que mora atualmente, de onde não
pretende se mudar.

133
Rosani Cristina Rigamonte

Ele viaja quase todos os anos para passar o São João em sua
cidade natal, e diz ser a melhor festa que já freqüentou:
É uma beleza, a gente dança tanto que só fica a carcaça. Sabe
uma vez tentaram me arrumar casamento por lá, não pensa
que foi fácil se safar, e olha que até minha família ajudou, fa-
ziam muito gosto, quem não queria casar era eu. Hoje em dia
já penso diferente, sinto falta de uma companheira, mas não
quero ninguém que seja muito séria, eu não sou muito sério,
gosto de liberdade então precisa ser alguém que pense como
eu, senão não dá certo.

Avelino não tem pressa. Vai curtindo a vida paulistana e ten-


tando achar a noiva ideal para ele; considera muito difícil encontrá-
la, pois a procura já há 5 anos e ainda não a encontrou.
Já para João, 40 anos, as coisas são um pouco diferentes.
Nasceu em Tremedal, migrou para São Paulo há mais de 20 anos,
mora num pequeno “quarto e cozinha” alugado na Vila Invernada
(ZL). Ele é um pedreiro bastante conceituado e trabalha por conta
própria. Até hoje não se casou porque quando jovem trabalhava
demais, e receava assumir tal responsabilidade com a vida tão in-
certa; por vezes não tinha trabalho assegurado por todo o ano, mu-
dava constantemente de moradia, cenário que lhe causava bastante
insegurança. Acredita agora que morrerá solteiro, mesmo. Não ali-
menta ilusões de se casar como fazia outrora:
No começo, quando vim para São Paulo, sentia muita falta de
uma companheira, mas, hoje, já me acostumei. Moro perto
dos meus primos, sobrinhas, mantenho contato com todos e
vou tocando a vida. Ajudo meus pais, que ainda são vivos e
moram na Bahia, vou comprando minha coisa. Já construi
minha casa em Tremedal, tenho minha roça e mais nada para
me preocupar. Acho que só caso se aparecer um grande amor,
porque se não eu não me preocupo com isto.

134
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

E, com muita tranqüilidade, vai curtindo sua vida de solteiro.


As mulheres, embora sejam em menor número, seguem as
regras do grupo dos “moradores da cidade”: mandam auxílio e sus-
tento para a família, e visitam-na no período de festas. No grupo
feminino, é rara a ocorrência de deslocamento no tempo de chuvas,
e, quando o fazem, se fazem acompanhar pelos maridos. Filismina,
38 anos, é irmã de João, também solteira, trabalha como doméstica
e está em São Paulo há 18 anos. Ela costuma passar, em média, um
ano em São Paulo e seis meses na cidade natal.
Sabe, para morar de vez eu não me acostumo aqui. Acho que se
tivesse uma casa própria até ficaria de vez, mas viver na casa dos
outros a gente não tem muito sossego, não. Eu dou valor à mi-
nha patroa, porque eu vou e volto há mais de dez anos e ela
sempre me aceita de volta. Diz que já acostumou comigo e que,
para ela, tudo bem. Mas, mesmo assim, não é a minha casa.

Filismina é assídua freqüentadora da Praça e tem uma série


de parentes que encontra semanalmente por lá. Corresponde-se com
seus parentes de Tremedal com bastante constância.
Eu venho aqui para passear, venho encontrar o meu pessoal.
O João mesmo, meu irmão, eu venho ver ele aqui, porque eu
moro longe dele, perto do aeroporto, então eu venho para es-
ses lados só no domingo. Daqui a gente sai e vai almoçar na
casa dos parentes. Depois começa de novo a nossa vidinha.

Ao ser indagada sobre o casamento, ela diz que não sente


falta. Não teria muita paciência para se casar hoje em dia:
Namorado tive muitos, e, de vez em quando, a gente sempre
arruma um. Eu sou livre e faço o que eu quero da minha vida.
Tenho minha casa e minhas terrinhas. Estou tranqüila, não sei
se um dia ainda acabo casando. Quem sabe? Tudo pode acon-
tecer.

135
Rosani Cristina Rigamonte

As moças não migram na mesma proporção que os rapazes,


mas algumas delas conseguem o consentimento da família para tentar
a vida em São Paulo. Rosinalva, 23 anos, natural de Piripá, na cida-
de há seis anos, trabalha em “casa de família”.40
Quando eu quis vir para São Paulo foi uma guerra em casa.
Sabe, as moças costumam ficar por lá, os rapazes são poucos
que por lá ficam, todos vêm. A família sempre acha que é me-
lhor assim, mas lá em casa nós não temos irmãos, meu pai já
esteve por aqui trabalhando, mas agora está meio doente, en-
tão não tinha outro jeito, era eu que tinha que vir mesmo. No
começo, todo mundo desconfia da gente, acha que mulher so-
zinha em São Paulo vai se perder. Mas isso já passou.

Rosinalva conseguiu o seu emprego por meio de um parente,


e quando chegou na cidade já tinha trabalho certo. Diz não ter tido
muita dificuldade para se adaptar, ajuda sua família e não reclama
da vida que leva.
Eu passeio, tenho amigas e parentes, venho à praça sempre
que posso, compro minhas coisas e estou bem. Tanto que, esta
que você está vendo é minha irmã, eu arrumei uma casa para
ela trabalhar e já faz um mês que ela está aqui. Minha mãe
ficou feliz porque eu já encaminhei a minha irmã.

Luzia, irmã de Rosinalva, tem 18 anos e ainda está em fase


de adaptação à cidade. Precisa ainda da irmã para se locomover.
Está um pouco assustada, mas tem certeza que esta foi a melhor
coisa que podia acontecer na sua vida. “Eu agora vou saber o que
eu quero da vida, se ficasse por lá só me restava arrumar um ho-
mem para casar e cuidar de filho. Vou trabalhar e construir uma vida
melhor para mim.” A maior preocupação das irmãs é quanto à saú-

40
Trabalhar em “casa de família” significa a prestação dos serviços de em-
pregada doméstica em uma residência familiar.

136
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

de de sua família, pois os seus pais já são idosos. Rosinalva vai


todos os anos visitá-los no seu período de férias, usufruídas imprete-
rivelmente no mês de junho.
Há também solteiras que encontram menos dificuldades para
migrar, pois o processo já se deu há mais de uma geração em suas
famílias. Zélia, 21 anos, natural de Piripá, mora em São Paulo há
mais de cinco anos, e também trabalha em casa de família. Tem
duas irmãs que também estão na cidade no mesmo tipo de traba-
lho. Sua mãe, Zuína, 43 anos, também já trabalhou durante anos
em São Paulo, assim como sua tia e avô.
Eu tenho tias, primas, irmãs, amigas, bastante gente de lá,
aqui. E não tem outro jeito para poder viver um pouco me-
lhor lá, a gente tem que construir a vida aqui mesmo. Eu e as
minha irmãs que sustentamos a turma lá em casa, minha mãe
ficou doente, e se não fossemos nós, eles estavam passando
fome.

Zélia estava na Praça enviando encomendas para sua famí-


lia, dois cobertores, roupas para os irmãos, um jogo de panelas,
além de uma caixa com peças para o seu enxoval. Ela diz que o
namorado é da sua cidade, mas também trabalha aqui em São
Paulo; pensam em se casar, mas não sabem quando e nem onde
vão morar. Aos poucos vão comprando coisas para a futura casa.
A gente até pensa em alugar uma casa aqui, mas é tão difícil.
Bom, por enquanto nós vamos namorando, quando chegar
a hora a gente decide. Mas, nós vamos comprar um terreno
em Piripá, temos que pensar no nosso futuro. Se não dá
para ter casa própria aqui, pelo menos lá nós vamos ter a
nossa casa.

Embora o ganho obtido na metrópole, por vezes, não lhes pos-


sibilitem uma fixação plena, como a aquisição de casa própria, ou de

137
Rosani Cristina Rigamonte

um emprego fixo, o salário obtido propicia a essa população uma


ascensão social no seu local de origem. Lá adquirem suas casas,
montam negócios, dão melhores condições de vida aos seus famili-
ares, além da aquisição de bens de consumo, equipamentos e auto-
móveis, bens cuja aquisição, com os salários ali pagos, beira a
impossibilidade.
Salvador, 26 anos, casado, natural de Tremedal, está em São
Paulo há 12 anos e trabalha numa empresa de colocação de toldos.
Pode-se qualificá-lo com um freqüentador da Praça, mas ele não se
considera um deles. Entretanto, várias vezes compareceu aos en-
contros dominicais para conversar com amigos que lá se reúnem. É
possível que não se considere um freqüentador por não se utilizar
dos serviços prestados pelos caminhoneiros, e também como uma
forma de se diferenciar dos demais.
Minha família mora quase toda aqui. A gente já é como se
fosse de São Paulo. Sabe, eu sei que os paulistas não valori-
zam muito o trabalho dos baianos, mas tem hora que eles têm
razão. O pessoal de hoje em dia não pensa diferente do povo
de antigamente, continuam levando a mesma vida, ganham
dinheiro aqui e mandam tudo para lá. O que o povo tinha
que fazer era construir uma vida aqui. Acho que eles não se
preocupam com o futuro dos seus filhos, pois o que adianta
ter as coisas lá e os serviços continuarem aqui? É mais seguro
aqui, porque senão os filhos vão levar a mesma vida que eles,
morando aqui e lá.

De fato essa vida de ir e vir não é fácil, pois não há uma fixa-
ção do indivíduo junto a sua família. As relações são estabelecidas à
distância e é necessário bastante esforço e cumplicidade de ambas
as partes. Entretanto, para vários deles, este não é um fator traumá-
tico. Muitos consideram como positivo o intercâmbio entre São Paulo
e a terra natal e alguns até prefeririam viver por lá, se as oportunida-

138
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

des de trabalho não se concentrassem por aqui. Sobrando poucas


alternativas para uma fixação definitiva no sertão, o constante mo-
vimento de ir e vir acaba se tornando uma estratégia para aprovei-
tar melhor as oportunidades onde elas estiverem.
O que fica claro é que estes indivíduos adquirem mobilidade
mediante a adaptação à dinâmica dos dois universos. Depois de
organizado e conhecido os mecanismos de inserção na metrópole e
no seu mercado de trabalho, não há mais muitas dificuldades para
reiniciar o processo. É possível estar no sertão quando necessário, e
também retornar à metrópole no momento do trabalho.
Quanto ao segundo grande grupo de freqüentadores da Pra-
ça, os “moradores do sertão”, cujas famílias permaneceram no
pólo de origem, trazem consigo uma maior carga de responsabili-
dade, pois não desfrutam das benesses de lazer da cidade, como
bailes e namoros, pelo menos na mesma proporção que os soltei-
ros. Eles são mais assíduos aos encontros dominicais, e grande
parte deles enfrenta o processo migratório, sozinhos, deixando para
trás a família, o que possibilita que esta investida tenha um custo
bem menor, ao baratear assim as despesas durante sua perma-
nência na cidade.
São homens na faixa etária entre 21 e 60 anos, que traba-
lham em sua maioria na construção civil. Na categoria dos casados
são raros os casos de empregos em setores diferenciados do merca-
do do trabalho. Entretanto, há os que se empregam como seguran-
ças, porteiros, vigias e ajudantes em geral. Eles se adaptam a esta
realidade, e alguns conseguem vê-la com bons olhos, sem grandes
amarguras.
Belizário, 54 anos, casado, natural de Jânio Quadros (BA),
chegou pela primeira vez a São Paulo no ano de 1959. Trabalha
como pedreiro e tem doze filhos. Dadao, como é conhecido, veio

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Rosani Cristina Rigamonte

para cá solteiro e começou a sua vida como servente de pedreiro,


diz ter “carregado muita lata”41.
No princípio a gente faz de tudo, precisa aprender, é muito
sofrido. Mas depois que pega o jeito, a cabeça abre mais, e aí
tudo se desenrola, parece que a gente ganha mais força para
viver esta vida. Aprendi a andar na cidade, a procurar empre-
go, e ainda aprendi o caminho de ida e volta da minha terra
para São Paulo. Então ficou tudo muito mais fácil.

Dadao casou-se aos 24 anos em Tremedal e sua esposa ficou


morando por lá enquanto ele trabalhava em São Paulo. Tiveram
nove filhos, e ele ia vê-los sempre que podia.
Cada vez que eu ia, era um filho novo, a gente ia tocando a
vida. Os filhos foram crescendo, mas um belo dia minha mu-
lher adoeceu e morreu rapidamente, nem tive tempo de che-
gar até lá. A família ajudou muito. Os anos se passaram e casei
de novo. Já tenho três filhos desse outro casamento. Eu já quis
trazer a mulher para cá, mais ela diz que gosta é de morar por
lá mesmo. A minha primeira mulher era a mesma coisa. Então
não tem jeito, tem que vir sozinho. Já fazem muitos anos que
eu sempre vou para minha terra nas águas. Só volto lá pelo
começo de janeiro. Toco a roça, trato das criação, faço serviço
em casa. Aí eu volto, trabalho de janeiro a setembro, e depois
começa tudo de novo.

Dadao mora na Vila Formosa, num “quarto e cozinha” que


ele construiu na metalúrgica de um amigo. Tem quatro filhos que
moram aqui em São Paulo, três homens e uma mulher. Dois dos
rapazes trabalham na construção civil, um trabalha como seguran-
41
Carregar latas é uma expressão que designa a função de servente de obra,
pois os que ingressam na construção civil sem nenhum conhecimento ou
especialização assumem o posto de servente ou ajudante geral, e carregar
latas é o trabalho mais duro e menos remunerado em toda a obra.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

ça e a moça trabalha em casa de família. Só um dos seus filhos


mora com ele, os demais moram no trabalho. Ele freqüenta a Pra-
ça desde os anos 70, conhece vários caminhoneiros e tem muitos
amigos.
Olha eu acho que se a vida fosse diferente eu não acostumava.
A mulher fala para eu parar, teve um ano que eu até pensei em
ficar pôr lá, mas não me acostumei. Depois de janeiro vem
todo mundo embora, e lá não tem o que fazer, tem que deixar
a plantação crescer. Aí a Lúcia falou: – Dadao, é melhor você
pegar suas coisas e ir para São Paulo, senão você não vai dar
sossego para ninguém e nem vai ficar em paz. E lá vim eu...
não adianta... essa terra aqui vicia a gente no trabalho!

Nem todas as esposas ficam pelo sertão, algumas gostam de


acompanhar seus maridos, como é o caso de Ananias e Jovelina,
que todos os anos vêm juntos para São Paulo. Ananias, 30 anos,
natural de Tremedal, trabalha em São Paulo há 12 anos e está casa-
do com Jovelina há cinco anos; desde então, traz sua esposa sem-
pre que vem para cá.
Agora que nós tivemos o nosso primeiro filho não sei como vai
ser para ela trabalhar, mas acho que as minhas sobrinhas vão
ajudar. Eu trabalho para um mesmo construtor há oito anos.
Venho para cá, passo em média um ano a um ano e meio
trabalhando. Quando termino a empreitada, vou para minha
cidade e fico por lá uns quatro meses. Bom mesmo é quando
essa época coincide com as chuvas, porque aí eu mesmo posso
fazer minha roça. Tenho minha casa em Tremedal, e construí
um cômodo na casa do meu cunhado, onde nós ficamos. É lá
em São Mateus.

Ananias estava com sua esposa na Praça. Eles tinham


retornado de sua cidade natal havia 20 dias, já começara nova
empreitada de trabalho. E Jovelina estava à procura de emprego.

141
Rosani Cristina Rigamonte

Entre estes freqüentadores há os que pretendem construir


uma vida diferente dos demais; almejam ter o próprio negócio
em sua cidade e trabalham visando o objetivo de conseguir esta
autonomia. É o caso de João. Ele tem 24 anos, é letrista, casado,
natural de Piripá, e tem objetivos definidos para o futuro. Está
em São Paulo há oito anos, vem construindo uma casa no Jar-
dim Iguatemi, e uma outra está em fase de acabamento em Vitó-
ria da Conquista (BA), na qual pretende morar, provavelmente,
no próximo ano.
Estou construindo e vou montar um comércio. Se a gente não
tiver o próprio negócio, dá no máximo 2 anos e já se está de
volta para São Paulo. Trabalho é muito ruim, não dá para de-
pender de arrumar uma coisa por lá. Tem que levar tudo ajeita-
do daqui, e também tem outra coisa: se não der certo eu venho
de volta para cá.

Todos os seus três irmãos que estão em São Paulo – e traba-


lham no mesmo ramo que ele, letrista, isso é, pintam placas, faixas e
cartazes – adquiriram know-how, e hoje têm o seu próprio negócio
em São Paulo. João está trabalhando para uma firma desde que
retornou da última época de chuvas. Continua fazendo outros servi-
ços por fora, trabalhando em jornada dupla para conseguir termi-
nar simultaneamente as duas construções, a de São Paulo e a de
Vitória da Conquista.
Sabe, São Paulo, para muita gente, é uma grande ilusão. Eu,
moça, nunca me iludi com isto aqui. Tem gente que vem para
cá, não quer mais saber, nem dos parentes, nem dos amigos,
muito menos de voltar. Parece até que quer ser outra pessoa.
Ficam maravilhados com a vida do povo daqui. Mas tudo isto é
ilusão, se bobear tudo que a gente ganha fica aqui mesmo. Tem
que saber o que veio fazer, senão nunca sai daqui, sempre fica
na pobreza.

142
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

João gosta de destacar que tem uma visão diferenciada do


seu “povo”. Embora ache que São Paulo é uma ilusão, não descar-
ta a possibilidade de voltar para cá, caso os seus planos fracassem.
Portanto, para ele, a ilusão reside no fato de as pessoas se maravi-
lharem com a vida que a metrópole oferece, esquecendo-se de suas
origens.
Há alguns casos em que as viagens e o contato com univer-
sos diferenciados são apontados como enriquecedores para a vida
cotidiana. É o caso de Sissi, como Manoel Messias é conhecido, 45
anos, natural de Jânio Quadros (BA), casado, seis filhos. Em São
Paulo desde 1965, veio morar na casa de um tio em Itaquera e,
desde então, trabalha na construção civil. Hoje mora “num quarto e
cozinha” alugado no bairro do Tatuapé. É bastante conhecido na
Praça e na região, e diz nunca ter sofrido com falta de trabalho aqui
em São Paulo.
Ele costuma viajar para sua cidade natal no mês de dezem-
bro, retornando a São Paulo em fins de fevereiro. É o período em
que prepara a sua terra e deixa tudo plantado para que a família
toque a roça durante o resto do ano.
Este ano eu vou completar a minha 56a viagem. Eu gosto mui-
to de viajar, já fui por vários caminhos diferentes, tomo ônibus
para pontos diferentes do percurso, só para conhecer. Já fiz
vários amigos por estas estradas, tem gente que não gosta de
viajar de jeito nenhum, que nem minha mulher, diz que é da
roça e que não tem nada que sair de lá. Eu já gosto do movi-
mento. A viagem me faz bem, eu penso muito, descubro coisas
novas. Ah! É bom! Sabe eu gosto também de São Paulo, do
trabalho daqui, da vida. Eu vou para a minha terra, faço o que
tem que ser feito. Cuido da roça, da casa, da família. Já cheguei
a ficar seis meses por lá, quando as crianças eram pequenas,
mas mais tempo do que isso não dá, lá não tem ganho de vida,

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Rosani Cristina Rigamonte

por isso eu gosto daqui. Aqui a gente tem como arrumar um


jeito para viver.

Isto não quer dizer que todos encarem o processo da mesma


forma; alguns se cansaram de se deslocar. Depois de vários anos
vivendo assim, optaram pelo retorno à família e à cidade natal.
Ni, como é conhecido, trabalha em Piripá na construção civil,
tem três filhos e é casado há 17 anos. Sua mulher e a filha mais
velha trabalham na limpeza da Escola Municipal. Ele relembra com
saudades o seu tempo de São Paulo, onde chegou até mesmo a
tocar no Forró do Pedro Sertanejo, nos seus áureos tempos.
Freqüentei tudo quanto foi baile, Asa Branca, Pedro Sertanejo,
aquilo era uma beleza, era só alegria. Eu esticava o cabelo, no
centro da cidade, e acho, até mesmo, que sou careca hoje por-
que alisei o cabelo demais. Ficava uma beleza, mas durava só
um mês. Aí eu corria lá e tornava a fazer.

Nivaldo fala de São Paulo com alegria, relembrando a moci-


dade, mas acha difícil conciliar mulher e filhos ao ritmo de vida
paulistana. “Hoje em dia o serviço não é tão bom como antes, nem
tão fácil assim. Acaba um serviço e fica parado esperando o outro,
isto custa dinheiro. E como é que eu posso ficar um ano sem apare-
cer em casa? Não dá, não!” Nivaldo trabalhou mais de 20 anos em
São Paulo, mas resolveu tentar a vida em Piripá: ao contrário da
maioria de seus conterrâneos, ele luta para permanecer na sua terra
natal. Há mais de oito anos não voltava para São Paulo, mas rece-
beu o convite de um amigo para acompanhá-lo no término de uma
obra.
Olha, eu vim porque a proposta era boa demais e eram só dois
meses de trabalho. Vim, e ainda ganhei o que sobrou de mate-
rial da construção, uma pia para banheiro, um vaso sanitário,
uma pia de inox, dois vitreaux, e ainda duas poltronas e um

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

fogão a gás. Valeu a pena, mas não tem jeito, eu não me


acostumo mais ficar por aqui. Acho que já estou velho para
São Paulo.

Ni toca sanfona, é autodidata, e, nos finais de semana, ani-


ma festas, casamentos e aniversários, além de trabalhar na cons-
trução civil. O que mais importa para ele é a sua sanfona. Fala da
música e do Forró com muita alegria e emoção. “Se eu parar de
tocar eu não vou ser mais o mesmo, ela já faz parte da minha alma.”
A característica marcante que diferencia os dois grupos de
moradores, os da cidade e os do sertão, é a forma como se dá o
processo de deslocamento de cada um deles. Ao contrário dos mo-
radores da cidade, os do sertão viajam com maior assiduidade nos
meses de setembro a dezembro, período das chuvas. Além de rever
os parentes, aproveitam o período para preparar a sua lavoura.
A preocupação destes trabalhadores está concentrada na
manutenção e bem-estar de seus familiares. Portanto, com o feijão e
a mandioca garantidos para todo o ano e, ainda, com o ganho
conquistado em São Paulo, há a possibilidade de se ir para além da
mera subsistência, conquistando-se melhorias, tais como a casa e
terra própria, gado, bens duráveis, e, até mesmo, automóveis e motos.
Enfim, estes migrantes não retornam para sua cidade natal só para
o lazer, mas também para o trabalho.
Há uma terceira categoria de freqüentadores: os idosos, que
vêm para São Paulo normalmente para fazer tratamentos de saúde,
ou para o casamento de algum filho ou parente. É possível distin-
gui-los imediatamente do restante da população, de saída, pela ida-
de, em seguida, pelo aglomerado que se forma ao seu redor. São
parentes, amigos e conhecidos que vêm saudá-los, pois eles vêm à
Praça para rever a sua gente que está em São Paulo e para saber
notícias de todos.

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Rosani Cristina Rigamonte

Dona Maria, 67 anos, natural de Piripá, está na casa de sua


filha em São Miguel Paulista. Veio para o casamento de um sobri-
nho e para um pequeno tratamento de saúde. Já havia duas sema-
nas que estava na cidade e se preparava para partir quando sua
irmã veio para ser operada. Ficou, então, para acompanhar a cirur-
gia. Um sobrinho, que ia para o mesmo casamento que ela, foi atro-
pelado no caminho. O acidente foi grave, e ele ficou hospitalizado e
em estado de coma por três dias.
Hoje eu vim para saber direito o que foi que aconteceu com
ele. Todo mundo só veio a saber três dias depois. Ele ficou
desaparecido, foi só quando ele acordou no hospital, e conse-
guiu dizer quem era ele, foi aí que a família ficou sabendo dele.
Aqui na Praça a gente fica sabendo das coisas direitinho, é um
centro de informações. Sabe, essa cidade é boa, tem muita
coisa, mas também é perigosa, nada é fácil, tudo tem dois la-
dos.

Dona Maria vem todos os anos visitar sua filha que mora em
São Paulo há 20 anos, e, na ocasião, aproveita para fazer seus trata-
mentos de saúde, consultando o ginecologista, o oftamologista e
também o cardiologista. “Faço sempre meus tratamentos aqui, é
mais fácil, tem de tudo, e não tem dificuldade. Se precisa de exame
tem, se precisa de remédio acha. Por lá é tudo difícil, nunca tem
nada”.
De resto, há ainda uma última categoria que freqüentemente
se utiliza deste transporte informal, mas de maneira diferenciada: os
que vêm para se servir da rede a fim de transportar toda a sua mu-
dança. Após muitos anos em São Paulo, migram de volta para ten-
tar a vida no sertão mais uma vez.
Estela, 29 anos, natural de Jânio Quadros, era quem estava
na Praça para acertar o transporte de sua mudança, composta por

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

armários, fogão, geladeira, roupas, camas, sofá, estante, mesa, bi-


cicleta. Enfim, uma casa completa. Ela é casada com Luiz, 34 anos,
que trabalha como pintor. “A gente namorava e ele já trabalhava em
São Paulo. Nós casamos e eu vim para cá. Fiquei nove anos, tive
dois filhos, trabalhei, aprendi muitas coisas, foi bom demais. Mas o
nosso sonho nós não conseguimos realizar, a casa própria...”
Estela irá na frente com seus filhos para matriculá-los na esco-
la, e seu marido ainda continuará trabalhando mais um pouco. Pre-
tende ir ajeitando as coisas até que ele chegue. As crianças estão
maravilhadas com a idéia da vida no interior.
Nós moramos no Itaim Paulista, nos fundos da casa do meu
cunhado. Tudo muito pequeno. As crianças não podem ficar
soltas na rua. Lá na roça a gente nunca sabe onde eles andam.
Caçam passarinho, andam pela lavoura, passam o dia brincan-
do. Todas as vezes que fomos de férias para lá eles nunca que-
riam vir embora. Onde nós morávamos eles não tem a liberdade
que terão.

Retornarão à casa que receberam dos pais de Luís, há vários


anos. Apesar de ser uma casa simples, na “roça”, o importante é
que a casa é deles. Resolveram enfrentar as dificuldades de viver
esta realidade.
A casa é simples, sem recursos, mas é nossa. Nós vamos conse-
guir. Se nós tivéssemos conseguido comprar uma casa para
morar aqui, nós até ficávamos, eu gosto de São Paulo. Mas não
conseguimos, juntamos as coisas e resolvemos voltar. É bom,
eu tinha muitas saudades de lá. Vamos tentar, se não der nós
começamos de novo.

Alguns resolvem voltar, outros ficam definitivamente em São


Paulo. E há os que vão e vem, conforme as condições de trabalho
em cada lugar; embora haja sempre o risco, tanto em São Paulo,

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Rosani Cristina Rigamonte

como na sua região de origem: no momento da vinda e do retor-


no nada é garantido. Tanto aqui como lá o mercado de trabalho é
restrito e as alternativas são poucas. No “final das contas”, São
Paulo acaba acenando como uma alternativa, que pode ser tenta-
da, sendo uma estratégia utilizada por esta população há várias
décadas.
Quando se fala em São Paulo, muitas imagens são resgata-
das: transformações, melhoria de vida, sofrimento, fracassos e su-
cessos. Falar de São Paulo acaba por suscitar muitas histórias, já
que se trata de um referencial que coexiste há muito tempo com o
cotidiano do “povo do sertão”.

Os caminhoneiros

Foi no ano de 1964, aos 16 anos de idade, que Dalvadício


desembarcou em São Paulo. Veio de Itambé (BA), no famoso “pau-
de-arara”. Veio de carona num caminhão carregado de sal, proce-
dente de Aracaju.
Eu e meu irmão desembarcamos no Pari, era a Transportadora
Estrela do Norte, fica atrás da Portuguesa, ali perto da Cruzeiro
do Sul. Por ali mesmo arrumamos uma pensão para ficar, eu
era de menor, paguei logo adiantado uma semana para eles
não pedirem meus documentos.

Sua mãe, d. Eleonora, saíra de sua cidade natal, Piripá, há


dois anos, em razão da morte de seu pai: juntara os seus quatro
filhos e seguira para Itambé, sua cidade natal, deixando para trás a
roça e sua casa. O pessoal da região, com o passar do tempo, apro-
priou-se dos bens abandonados; e a sua família perdeu tudo.
Dalvadício resolveu que deveria vir para São Paulo a fim de ajudar

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

a mãe. Juntou suas coisas e rumou para o “sul maravilha”. Tinha


um tio que morava na zona leste da cidade, mas levou alguns meses
para encontrá-lo. Enquanto isso foi vivendo em pensões na região
do Pari.
Começou a trabalhar na construção civil, mas não ficou por
muito tempo. Ele tinha estudo e resolveu procurar outro tipo de
trabalho. Em suas andanças pela cidade encontrou um emprego
como ajudante de padeiro, na região dos Jardins (ZS), e lá foi ele
iniciar sua carreira de padeiro. Trabalhou durante onze anos no ramo
de panificação.
Eu aprendi de tudo, sei fazer pão doce, salgado, rosca, torta,
rotisserie. Fiz vários cursos, aproveitei bem. Começava a traba-
lhar logo de madrugada. Eu gostava e com o tempo fui apren-
dendo a usar o resto do dia para fazer outras coisas. Nos anos
70 tive uma pequena confecção. Fazia calças boca de sino, ven-
dia para toda a turma. Eu e os meus amigos íamos nos bailes
na estica. O Ni, meu amigo, era sanfoneiro famoso e, na época,
tocava nos bailes com as roupas que eu fazia. Ele tinha até um
cabelo black-power. Tempos bons!…

conta Dalvadício, com alegria e satisfação, esse seu passado de luta.


Depois de alguns anos, fez umas economias e comprou um
táxi, com o qual trabalhava após sua jornada de trabalho na pada-
ria. Tinha contato com o pessoal de sua cidade e região freqüentan-
do a Praça Silvio Romero. Abrigava parentes e amigos em sua casa,
quando estes chegavam na cidade, mas até então não havia
retornado para sua cidade natal. Comprou o seu primeiro terreno e
construiu sua primeira casa; foi quando conseguiu trazer sua mãe
para junto dele e de seu irmão. Já havia passado quase 10 anos.
Dalvadício não se casou muito jovem; como ele mesmo diz,
aproveitou bastante a vida de solteiro e só começou a pensar em

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Rosani Cristina Rigamonte

casamento quando conseguiu organizar seus negócios. Casou-se


aos 32 anos e logo nasceu a sua primeira filha.
Em meados dos anos 70, as peruas que faziam ponto na Pra-
ça Silvio Romero estavam sendo vendidas e substituídas por peque-
nos caminhões, era atividade que entrava em fase de transição.
Compensava mais transportar encomendas e mudanças do que
pessoas. Dalvadício aproveitou este momento e entrou na rede.
Vendeu seu táxi, saiu do emprego de padeiro e comprou o seu pri-
meiro caminhão.
Ele trabalhou numa mesma linha durante 10 anos, São Pau-
lo-Tremedal, pela rodovia Rio-Bahia. O forte fluxo de encomendas
da sua rede eram as cartas. Correspondências enviadas do pessoal
daqui para o pessoal de lá e vice-versa. As cartas que se destinavam
ao pessoal do sertão levavam, além de notícias, a ajuda do mês. Era
um meio seguro e pouco oneroso de mandar dinheiro aos familia-
res.
Entretanto, essa não era a linha que ele mais desejava fazer:
primeiro, porque requeria viagens semanais, graças à urgência da
entrega do dinheiro e toda uma organização que se fazia ao longo
do caminho, o que não permitia o menor descanso ao condutor. Ia
à Praça aos domingos pela manhã, e de lá já seguia viagem. Viajava
durante dois dias, domingo e segunda-feira, e passava a terça-feira
em Tremedal, o ponto final da linha. Quarta e quinta-feira passava
na estrada. Chegava em São Paulo na sexta-feira de madrugada.
Tinha a sexta-feira e o sábado para recolher encomendas, a fim de
que no domingo pudesse recomeçar o ciclo da viagem.
Ademais, não encontrava tempo para ir visitar sua cidade,
que é vizinha de Tremedal. Durante o período que fez esta linha, 10
anos, só realizou quatro visitas à sua cidade natal. Estava cansado e
queria mudar de linha. No mesmo período, Dalvadício teve a infeli-

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

cidade de ficar viúvo. Sua esposa era jovem, tinha 27 anos. Ela
adoeceu enquanto ele viajava e quase que não resistiu até a sua
volta: os médicos não foram capazes de detectar qual seria a doen-
ça e, em menos de dez dias, ela faleceu.
Ele ficou viúvo com três filhas, fato que requeria sua maior
presença em São Paulo. Foi então que decidiu passar a linha das
cartas para outro caminhoneiro, João, natural de Tremedal, que até
hoje faz o mesmo percurso. Dalvadício passou a transportar somen-
te encomendas e mudanças.
Além de diminuir a responsabilidade, você sabe, carregar di-
nheiro nestas estradas é um perigo! E também pude estar mais
aqui em São Paulo. Como a cada vinte dias, no máximo, esta-
va de volta em Piripá, comecei a rever amigos, receber notícias,
fazer diferentes negócios, para mim foi melhor.

Brito – como é conhecido na Praça – já é caminhoneiro há


mais de 18 anos, conseguiu comprar dois caminhões, construiu três
casas em São Paulo, e, neste ano, terminou de construir sua casa em
Piripá. Tem também seu depósito de materiais plásticos em São Paulo
e realiza a maioria de suas vendas no percurso de suas entregas
rumo à Bahia.
Auxilia a todos no que pode, com indicações de moradia e
emprego. O seu trabalho é bastante duro: as encomendas são reco-
lhidas no domicílio, carrega sozinho o caminhão, com cargas bas-
tante pesadas, como materiais de construção, motos, mudanças,
além de enfrentar quinzenalmente 3 mil km de estrada.
Os caminhoneiros são em torno de quinze, com diferencia-
das freqüências entre si na Praça: há os que moram no sertão e
vêm regularmente a São Paulo para pegar suas encomendas; há
os que moram em São Paulo e fazem suas entregas na região de
Vitória da Conquista (BA). Nem todos são necessariamente de

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Rosani Cristina Rigamonte

Piripá, há os de municípios das redondezas: Jânio Quadros, Tre-


medal, Condeúba, Belo Campo, Lagoa Preta, Lagoa Grande, en-
tre outros.
Entretanto apenas um deles tem uma linha diferenciada den-
tre todos os caminhoneiros, o João de Tremedal. O forte de suas
entregas são as cartas e, em vez de fazer o percurso conforme as
entregas, tal como os demais caminhoneiros, ele tem um percurso
fixo: o ponto de entrega das cartas. As entregas são feitas em casas
determinadas; a caminho de Jânio Quadros, por exemplo, há dois
pontos de parada na roça, em São João do Paraíso, mais três pon-
tos, e assim por diante.
Todo o pessoal que mora nos arredores sabe o dia em que
serão entregues as cartas. Portanto, vão ao seu encontro para retirá-
las. O mesmo acontece na Praça. João é o único caminhoneiro que
comparece todos os domingos na Praça: numa semana ele arreca-
da as cartas remetidas ao sertão, na semana seguinte entrega as que
são remetidas a São Paulo.
Não foi possível obter maiores detalhes sobre esta rede de
entregas, nem mesmo sobre a trajetória de João. Ele se recusa a
falar sobre o seu negócio, não gosta de abrir muito as informações.
É uma atitude perfeitamente justificável, pois administra um nego-
cio de alto risco. Viaja sozinho pelas estradas com uma quantia em
dinheiro, sobre a qual não incide qualquer indenização em caso de
eventuais perdas, e ele já passou por algumas experiências pouco
agradáveis.
Em 1992, em uma matéria para o diário Folha de S. Paulo
realizada na Praça, João e Brito foram entrevistados. A matéria che-
gou a revelar os valores que circulavam pela rede, entre outros deta-
lhes. Os usuários da rede se irritaram, além de aumentar o risco de
João ser assaltado. Chegou até mesmo a ser perseguido, um grande

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

transtorno foi causado. A partir daí, ele resolveu não falar mais com
estranhos sobre suas entregas.
Apesar de sua discrição, a entrega e recolha das cartas ocorre
num local público, o que não o exime de riscos, e, infelizmente, às
vésperas da Festa de São João de 1996, foi assaltado num domingo
logo após a recolha das cartas, na porta de sua casa. Ele tentou dar
aos ladrões apenas o dinheiro que tinha no bolso, mas estes exigi-
ram a pasta com as cartas, de onde se pode inferir que eles tinham
pleno conhecimento do que se passava na rede.
Além de Brito e João, há vários caminhoneiros com bastante
destaque na Praça. Um deles é parte da história da formação desta
rede: Diamani, o único dos que foram outrora “perueiros”, e ainda
hoje integra a rede, na condição de o mais antigo caminhoneiro na
ativa.
Diamani, 52 anos, natural de Piripá, casado, 5 filhas, iniciou
sua carreira de caminhoneiro por volta de 1963. Fazia entregas em
Vitória da Conquista (BA), como motorista de um caminhão, do
qual não era o proprietário. Conhecia a região e foi adquirindo ex-
periência de estrada. Não havia linhas regulares de ônibus que in-
terligassem os municípios. Diamani e mais uns dois caminhoneiros
da região davam carona a vários destes transeuntes até Vitória da
Conquista, local que aglutinava passageiros que se deslocavam para
São Paulo. Havia ali algumas linhas de caminhões e peruas que
ligavam o sertão a São Paulo.
Essas linhas tinham como ponto final a Estação Roosevelt
(SP). Conhecendo os mecanismos já existentes destas redes infor-
mais de transporte e percebendo o fluxo de passageiros provenien-
tes da sua região, esses caminhoneiros, num primeiro momento,
tomaram de empréstimo algum capital, locaram peruas em Vitória
da Conquista e começaram a transportar passageiros da sua região
até São Paulo, desembarcando-os na Estação Roosevelt.

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Rosani Cristina Rigamonte

A linha começou a se formar inicialmente com muitas dificul-


dades. Os meios de transporte adquiridos eram bastante precários,
ao que se acrescenta as péssimas condições das estradas locais. Al-
guns pontos foram se formando e a linha foi se estruturando. Alguns
acidentes graves marcam a história desta linha.
Foi em 1964. O outro rapaz que fazia parte da linha comigo e
com o Quinquinha foi pego por um caminhão de frente, mor-
reu todo mundo, eram dez pessoas e eu é que tive que recolher
os corpos. Nunca vou esquecer deste dia. Cheguei a ficar com
idéia fixa desse dia na cabeça por uns bons anos.

Este é apenas um dos muitos acidentes que marcaram a traje-


tória de Diamani.
A linha, conforme foi se estruturando, passou a chamar a aten-
ção das empresas de ônibus: no princípio da década de 70, elas
passaram a atender boa parte daquela região. Em 1974, uma linha
regular de ônibus foi estruturada na região e a empresa tentou de-
sarticular a rede oferecendo o gerenciamento desta linha para al-
guns destes “perueiros”. “Eu não queria ser mais empregado de
ninguém, nós sofremos muito para montar esta linha, e só eu sei o
que passei por estas estradas. Eu não ia entregar de mão beijada
nada para ninguém. Eu disse não, mas Quinquinha aceitou.”
Foi possível conhecer Quinquinha por ocasião da viagem até
Piripá. Joaquim, 54 anos, natural de Piripá, casado, quatro filhos,
foi companheiro de Diamani na estruturação da rede. Ele foi ape-
nas perueiro, pois, quando a Viação Novo Horizonte incorporou a
linha, ele a abandonou e passou a ser o agente da empresa na re-
gião, abrangendo a área desde Caculé (BA) até Vitória da Conquis-
ta (BA), e é o responsável pela mesma até hoje.
Quinquinha tem um bar na praça principal de Piripá, de onde
coordena a linha e a venda de bilhetes.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Para mim foi um bom negócio, eu não posso reclamar: fiquei


aqui com a minha família e não tive mais que enfrentar estas
estradas. A gente levava uma vida muito dura, não era essa
tranqüilidade que é hoje. Transitava numas picadas no meio da
roça, tinha muito acidente. Eu reconheço que a empresa tirou
emprego de muita gente, mas não tem jeito, quando a coisa
começa a dar certo para os pobres, vêm os que têm mais e
tomam conta de tudo. É sempre assim.

Diz não ter mais retornado à Praça, e diz ter saudades daque-
les tempos em que trabalhava por lá, mas alega que tudo era muito
diferente, menor, mais bonito, tempos em que se podia conhecer
cada canto de São Paulo; imagina tudo muito mudado hoje, não
tem a menor vontade de retornar.
A partir deste período, a linha de peruas passou a sofrer con-
corrência, o que conseguiu desarticular boa parte da rede. Entretanto,
o transporte perdurava. Durante a década em que ela se tornou regu-
lar, 65-75, a linha já passara por algumas mudanças no seu percurso
original. Diferenciava-se da linha regular de ônibus, e, com relação ao
seu ponto final, também das linhas existentes em Vitória da Conquis-
ta. Com a grande aglutinação da população proveniente desta região
na zona leste de São Paulo, a Rua Tuiuti, paralela à Praça Silvio Romero,
transformou-se no ponto de chegada desta rede.
A rede perpetuou-se, e por volta de 1976 a maioria das peru-
as já tinha sido substituída por caminhões. O negócio tornara-se
mais vantajoso para este tipo de transporte e, em vez de continuar
com o transporte de passageiros, estes motoristas passaram a trans-
portar entregas de São Paulo para sua região, tendo como ponto de
encontro a Praça Silvio Romero.
Algumas pessoas até iam de caminhão para São Paulo, mas o
que estava valendo mais a pena era trazer as encomendas de

155
Rosani Cristina Rigamonte

São Paulo até o sertão. As peruas davam muita manutenção,


tínhamos que viajar direto e as estradas eram ruins demais,
judiavam delas. Quando eu tive que parar com a perua e co-
meçar com o caminhão, foi como começar tudo de novo. Di-
nheiro emprestado para comprar o caminhão, muita luta. Mas
não me arrependo, fui em frente e toquei o meu negócio.

Diamani nunca morou em São Paulo. Sua casa, esposa e


filhas estão em Piripá até hoje. Só uma de suas cinco filhas mora
hoje em São Paulo, a única que se interessara em migrar. Ele vem a
cada 15 ou 20 dias para São Paulo, fica na casa de seus parentes,
vai à Praça arrecadar entregas e retorna para Piripá.
Esta prática hoje é muito comum entre os caminhoneiros. A
maioria mora na Bahia e vem a São Paulo para arrecadar as entre-
gas. Os que estabeleceram moradia fixa em São Paulo são mais
assíduos nos encontros dominicais, o caso de Brito e João. Os de-
mais demoram mais tempo para aparecer. É por isso que a cada
final de semana se reúnem cerca de seis a sete caminhoneiros na
Praça, pois toda semana vários deles estão em trânsito.
Além destes caminhoneiros que fazem parte da rede há bas-
tante tempo, sempre há a incorporação de novos personagens, o
mercado vai possibilitando transformações. A concorrência hoje é
um fenômeno visível, há um grande número de caminhoneiros que
circulam pelo ponto, e sempre aparece um novo integrante na linha.
Brito tem apontado a concorrência como uma forte problemática
para os negócios fechados na Praça.
Nós estamos aqui já faz muito tempo, conhecemos bem como
as coisas acontecem, qual é o custo do transporte, mas vão
chegando uns que querem os fregueses do outro. Compram o
caminhão e precisam de dinheiro para pagar e vão oferecendo
o serviço sempre mais barato, só para ir pegando o cliente.
Aqui tem que tomar cuidado: tem muita gente que quer levar

156
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

vantagem em cima de quem está aqui há mais tempo. Mas


tem uma coisa: muitos desistem. Pois vão pensando que aqui
se ganha dinheiro fácil, mas com o trabalho vão percebendo a
dureza das coisas. Mal conseguem pagar o caminhão, logo já
estão tendo que vendê-lo. É tudo fogo de palha, mas cada um
que entra até cair na real vai atrapalhando a vida da gente – e
nos últimos quatro anos teve gente demais que se meteu neste
negócio.

De fato, durante o período em que esta rede foi acompanha-


da, de 1993 a 1997, houve um grande aumento no número de
caminhões que prestam este serviço. Na rede, o número de cami-
nhões cresceu em quase 100%: havia uma média de oito cami-
nhões que atendiam a Praça, e hoje este número gira em torno de
quinze a dezesseis entregadores. Embora haja um grande número
de usuários, o fato é que o fluxo de entregas não é suficientemente
grande para atender a toda esta oferta de serviços, o que estaria
levando alguns caminhoneiros a adotarem novas estratégias para
sua sobrevivência, entre as quais se destacam o aumento dos outros
negócios, como a venda de tonéis plásticos, exploração de outras
regiões ou a freqüentação de outros pontos de encontro. A crise de
mercado também se estabeleceu na rede.
Há um tipo bastante peculiar entre os caminhoneiros. Ele
participa da rede há uns três anos realizando seus negócios de for-
ma diferenciada. Sulino, conhecido como Sulino Bodeiro, 32 anos,
Piripá, casado, dois filhos, traz mercadorias típicas do sertão para
serem vendidas em São Paulo.
Eu trago bodes. Vocês conhecem por cabrito, não é? Trago-os
vivos, solto no jardim de um motel lá em Ermelino Matarazzo,
e, conforme vou fazendo as vendas, vou matando-os. Além
dos bodes, eu trago requeijão, farinha de mandioca e feijão,
vendo nas Casas do Norte. Vendo quase tudo para um pessoal

157
Rosani Cristina Rigamonte

que tem loja na Praça Roosevelt. Vendo a varejo também, e


ainda tem um outro pessoal que tem Casa do Norte em Ermelino
Matarazzo e São Miguel que compram tudo que eu levo lá.
Depois que eu faço minhas vendas começo a recolha das en-
tregas, terminadas sigo em frente. Uma vez a cada trinta dias
faço essa viagem até São Paulo.

Sulino faz ainda transporte de cargas e vendas pela sua re-


gião na Bahia, além de ter encerrado o seu mandato como verea-
dor por Piripá pelo PL, gestão 93-96. Não se candidatou para
reeleição, mas fez campanha para um outro candidato do seu parti-
do e colabora na gestão do atual prefeito. O que demonstra a possi-
bilidade de tipos diversos de atividades dentro da rede.
Apesar das peruas kombis estarem extintas há muitos anos da
Praça, um tipo de transporte similar voltou a instaurar-se por lá no
ano de 1996. Toti, 45 anos, natural de Tremedal, casado, está ten-
tando reativar o transporte de pessoas, adquiriu um automóvel, marca
Chevrolet, modelo Veraneio e faz ponto na Praça a cada quinze
dias. No domingo pela manhã os passageiros ali se reúnem, e lá
pelo meio-dia rumam para seu destino, o sertão baiano.
O valor cobrado pelo transporte custa entre dez e quinze re-
ais, mais caro do que a passagem vendida pelas empresas de ôni-
bus. Entretanto, com a Veraneio o passageiro é deixado na porta de
sua casa na zona rural. E seus usuários a preferem justamente por
isso. Com o ônibus, os passageiros são deixados na zona urbana, e
para chegarem à roça devem caminhar entre de 15 a 20 km ou
pagar uma quantia, a depender da distância, entre 20 e 30 reais,
para ser levado da cidade ao sítio. Portanto, o transporte via Vera-
neio acaba saindo mais barato. Toti está conseguindo lotação com-
pleta todas as quinzenas e, aparentemente, o negócio caminha sem
grandes problemas.

158
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Quando não conseguem muitas entregas na Praça, os cami-


nhoneiros vão em busca de seus clientes, em seus respectivos locais
de moradia, uma estratégia denominada “rastrear” por eles. Por vezes,
acabam obtendo mais entregas agindo desta forma do que perma-
necendo na Praça. Há locais determinados e de conhecimento pré-
vio de cada caminhoneiro. São alguns bairros da cidade que
aglutinam moradores de determinadas regiões do sertão. Esses bair-
ros, bem como a região predominante da origem dos migrantes que
nele residem, são relacionados abaixo:

Vila Formosa (ZL): Piripá, Tremedal


Itaim Paulista (ZL): Jânio Quadros
Guaianazes (ZL): Condeúba, Piripá, Tremedal
Campo Limpo (ZS): Piripá, Caculé, Cordeiros
Jardim Santa Catarina (ZS): Piripá
Parque do Carmo (ZL): Piripá, Tremedal
Pinheiros (ZO): Belo Campo
Lapa (ZO): São João do Paraíso
Jardim Imperador (ZL): Piripá, Tremedal
Brasilândia (ZN): Lagoa Preta, Piripá, Lagoa Grande
Jardim Boa Vista (ZL): Piripá

Há migrantes morando em outras regiões da cidade, mas es-


tas foram apontadas como regiões aglutinadoras do “pessoal” da
região dos caminhoneiros, regiões de onde sai a maior parte das
encomendas que se destinam ao sertão.

159
Rosani Cristina Rigamonte

O movimento da rede

Pode-se dizer que este é um grupo peculiar de migrantes, cuja


dinâmica e comportamento, por vezes, contradiz algumas das idéias
correntemente desenvolvidas sobre o tema, idéias como desagrega-
ção, exclusão social, perda de identidade, entre outras. Este é um
grupo com dinâmica própria e determinada por meio de ciclos anu-
ais, processo de retorno constante, contato contínuo com os paren-
tes, intermediando o acesso do sertão aos benefícios da “cidade
moderna” (bens de consumo, infra-estrutura para a construção, além
da ajuda financeira mensal para a manutenção da família).
Os migrantes possuem aspirações e avaliações ocupacionais
bem definidas, que se referem a natureza da atividade que exer-
cem ou venham a exercer em São Paulo, o sucesso da migra-
ção não parece ser visto como decorrente do tipo de ocupação,
mas antes do nível de consumo[...]. A posse de móveis, rádio,
fogão a gás, às vezes inclusive geladeira e TV, são motivo de
orgulho e prova palpável do sucesso alcançado (Durham, 1973:
209).

Ao enviar encomendas e presentes para seus parentes, estes


trabalhadores, além de estarem provando o seu sucesso mediante a
aquisição de bens de consumo, estão proporcionando ao seu grupo
familiar um conforto e um benefício quase impossíveis de serem
adquiridos somente mediante os recursos obtidos no meio rural.
Estes envios possibilitam uma determinada “aproximação” com o
modo de vida da metrópole.
Estas “ricas entregas” conduzidas até o sertão, além de sua
razão prática, portam ainda uma razão simbólica (Salhins, 1979). A
TV, a geladeira, o fogão a gás possibilitam que a cidade, o urbano,
aproxime-se do sertão. Trazem para mais perto a pessoa que está
distante da família, demonstram o sucesso que está sendo obtido e

160
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

a possibilidade de inserção em um universo que, por vezes, parecia


longínquo e inacessível. Esta aquisição demonstra um ingresso em
uma nova realidade.
Viver na cidade exige a utilização de certos bens e equipa-
mentos. Não há lenha disponível para cozinhar, existe a necessida-
de de conservar alimentos perecíveis, já industrializados. No entanto,
no sertão, adquirir um fogão a gás implica também dinheiro dispo-
nível para comprar e carregar o gás; lá, a aquisição de uma geladei-
ra implica a utilização da rede elétrica, à qual boa parte destas
residências não estão conectadas. Estes bens são sinais de ascensão
social, modernidade, maior poder aquisitivo; ingressa-se, portanto,
num novo padrão de consumo. A migração de determinados mem-
bros da família significa a possibilidade de obter conforto e “luxo”
aos integrantes deste grupo. “Nenhum objeto, nenhuma coisa é ou
tem movimento na sociedade humana, exceto pela significação que
os homens lhe atribuem” (Sahlins, 1979: 189).
Estas aquisições têm uma conotação tão importante para to-
dos, sobretudo aos que permanecem no meio rural: com a chegada
de uma encomenda deste porte, todos os vizinhos e parentes com-
parecem e acompanham com muita euforia e festejo o recebimen-
to. Estas entregas serão examinadas mais detidamente no capítulo
reservado ao sertão.
Os freqüentadores da Praça Silvio Romero, por integrarem
esta peculiar rede de comunicação, participam de certa forma de
ambos os pólos, e otimizam as oportunidades de uns e de outros:
quando é época de seca no Nordeste, aproveita-se da oferta de
trabalho em São Paulo; o período de chuvas é utilizado para o tra-
balho na roça; e quando é férias em São Paulo, é momento de festa
no sertão. O ano compõe-se de momentos de pico revezados entre
São Paulo e sertão.

161
Rosani Cristina Rigamonte

Para esta população não há o total abandono de suas raízes,


nem de seus referenciais, mas sim uma complementação, um inter-
câmbio entre dois universos. O contato com a cidade se realiza há
várias décadas, através de várias gerações. Construiu-se de forma
tão peculiar, que conseguiu combinar o que há de mais importante
nos dois pólos.
O tipo de trabalho exercido na metrópole acaba por contri-
buir também com todo o processo. São trabalhos sem vínculos
empregatícios muito rígidos e, muita vez, são apenas temporários.
No caso dos homens, as obras são encomendadas por empreita-
da, tempo determinado para o trabalho. Há oscilações neste mer-
cado, determinando períodos no ano de baixíssima demanda,
viabilizando que estes trabalhadores se ausentem da cidade du-
rante este período.
Para as mulheres, o trabalho como empregada doméstica,
também e no mais das vezes, não estabelece vínculos empregatícios
formais, o que favorece a saída do emprego. A Praça se tornou um
local onde há ofertas de trabalho, pois os que estão de partida ofere-
cem seus postos aos recém-chegados e/ou aos desempregados, o
que é uma prática benéfica para todos, tanto aos que partem, aos
que chegam e aos empregadores desta mão-de-obra.
Alguns destes migrantes trabalham para construtoras e só vêm
para São Paulo com trabalho acertado. Mantêm-se em contato com
os responsáveis e, quando solicitados, vêm para a cidade. Ao térmi-
no do trabalho, retornam ao seu local de origem. Outros se organi-
zam para trabalhar o máximo em determinados períodos do ano,
buscando recursos e tempo disponíveis para poderem passar alguns
meses junto com a família no sertão. E é possível traçar o perfil desse
vai-e-vem referindo-se a umas poucas categorias profissionais, pois,
embora haja freqüentadores da praça que trabalham em atividades

162
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

como as de garçom, segurança, vigias, ajudantes, metalúrgicos,


balconistas, recepcionistas, os grupos que mais se destacam são os
da construção civil e das empregadas domésticas.
Tais características vão se revelando no decorrer dos encon-
tros dominicais, nada é muito explícito. É possível observar que, em
determinadas épocas do ano, há grandes oscilações no número de
freqüentadores. Em alguns períodos, são em grande número, nou-
tros, em número bastante reduzido. Estas oscilações são atribuídas
às visitas à terra natal. Determinado grupo elege as festas juninas,
como a época mais importante do ano para esse retorno. Outros
preferem ir para a sua terra no período das chuvas, de outubro a
janeiro.
Para observar como se dá o funcionamento destes mecanis-
mos, foram realizadas duas viagens à região de Vitória da Conquista
(BA): uma no período que antecede as chuvas (julho), e a outra
visando acompanhar de perto a Festa de São João (junho), as quais
serão tratadas no próximo capítulo.

O tempo e o espaço da rede

O movimento da rede permite visualizar que ela tem um tem-


po próprio. Apesar de seus integrantes estarem inseridos em um
processo produtivo, adequado ao mercado de trabalho urbano-in-
dustrial, o fator que dita qual é o tempo de trabalho na cidade é o
tempo de seca no sertão. E o tempo de chuva é o momento de
trabalho no sertão e os fatores determinantes deste tempo têm uma
lógica independente do tempo da cidade.
Os meses de setembro a dezembro não são os períodos mais
comuns de férias ou de se ausentar do trabalho. Entretanto, é neste

163
Rosani Cristina Rigamonte

período que a chuva ocorre, independente do tempo de trabalho e


da produção urbano-industrial: é, pois, quando se deve ter um ter-
reno limpo e arado para iniciar o plantio da lavoura de mandioca e
feijão, culturas que irão garantir o sustento no próximo ano. O que
determina este período é o tempo natural ou “tempo ecológico”,
como aponta Evans-Pritchard,
Ao descrever os conceitos Nuer de tempo, podemos fazer uma
distinção entre aqueles que são principalmente reflexos de suas
relações com o meio ambiente – que chamaremos de tempo
ecológico – e os que são reflexo de suas relações mútuas dentro
da estrutura social – que chamaremos de tempo estrutural [...].
Além disso, o cálculo do tempo baseado nas mudanças da na-
tureza e na resposta do homem a elas limita-se a um ciclo anual
e, portanto, não pode ser empregado para determinar períodos
mais longos do que as estações do ano (Evans-Pritchard, 1993:
107-8).

Os integrantes desta rede, sobretudo os que já têm uma famí-


lia residindo no sertão, organizam um mecanismo que lhes permita
trabalhar na cidade e, ao mesmo tempo, tocar suas roças no sertão.
A manutenção e a colheita da lavoura ficam por conta das mulhe-
res, crianças e demais parentes, mas o arado e o plantio requerem
uma força de trabalho maior. Este tempo de chuva determina o
momento exato do abandono do trabalho na cidade, para dar iní-
cio ao trabalho no sertão. Portanto, são os fatores ecológicos que
determinam o tempo do movimento desta rede.
Viajar ou não viajar: esta decisão é determinada pelo tempo
de chuva e pelo tempo de seca. A alternância climática influencia
no comportamento destes indivíduos. Quando a seca castiga o ser-
tão, há muita desilusão, reclamações e aflições que pairam sobre os
encontros dominicais, pois neste tempo não haverá fartura, e sim
dificuldades.

164
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

No final de agosto e princípio de setembro, a preocupação


passa a girar em torno do momento exato da partida: é preciso
partir na hora certa, somente quando as chuvas começarem. Os
caminhoneiros são consultados sobre suas previsões meteorológi-
cas. “Quais as previsões na região? Como anda o clima? Há indícios
de chuvas? Em algum lugar já choveu?” Há grande expectativa no
ar, mas ninguém pode se precipitar, pois a chuva pode não vir. Se
assim for, não haverá viagem e o dinheiro que era para ser gasto na
viagem será de suma importância para a manutenção de todos.
Neste período há sempre um certo nervosismo no ar, todos
estão apreensivos. A falta de chuva é sempre muito desastrosa, há o
risco de se perder animais, e de não se colher absolutamente nada
do que se plantou, resultando num longo período sem que o chefe
da família possa retornar a sua terra. Em 1994 choveu pouco, fato
que impossibilitou a viagem de muitos. Mas o período de chuvas de
95 e 96 foi bastante intenso, para a alegria de todos. Muitos viaja-
ram e fartas colheitas foram obtidas.
Durante os meses de setembro, outubro e novembro e até
dezembro, o assunto é a intensidade das chuvas e o sucesso do
plantio obtido por cada um. A maioria das notícias trazidas do ser-
tão relacionam-se a estes fatos. É um período, portanto, em que há
uma sensível diminuição no número de freqüentadores da Praça.
Sendo as necessidades do gado e as variações no suprimento
de alimentos que traduzem principalmente o ritmo ecológico
para o ritmo social do ano, e o contraste para o modo de vida
no auge das chuvas e no auge das secas que fornece os pólos
conceituais da contagem do tempo. (Evans-Pritchard, 1993:
109).

O tempo para estes migrantes, como para os Nuers, tem como


referência básica os pólos estruturais chuva e seca.

165
Rosani Cristina Rigamonte

Portanto, o ano pode ser dividido nos seguintes ciclos:

Meses do ano Tempo ecológico Atividade do ciclo

setembro, outubro tempo de chuva trabalho no sertão

novembro, dezembro partida para o sertão

janeiro arado e plantio da terra

fevereiro, março tempo de seca trabalho na cidade

abril, maio volta para a cidade

julho e agosto manutenção da lavoura

junho fim de colheita festa no sertão

celebração da fartura obtida

Neste calendário pode-se notar quais são os melhores mo-


mentos para se estar no sertão, o tempo do trabalho na lavoura, e o
momento da festa, da colheita, da celebração. No interior desta or-
ganização anual há a existência de dois tipos de movimentos que se
destacam.
O primeiro pico de movimento é no tempo das chuvas. Quem
realiza a viagem para o sertão, na maioria das vezes, são os homens
casados que já têm sua propriedade, cuja família permanece no
local de origem. São os denominados “moradores do sertão”.
No segundo pico, o tempo de festa, quem realiza a viagem,
no mais das vezes, são os jovens que passam o ano todo na cidade
e os que se deslocaram com toda a sua família, são os denominados
“moradores da cidade”. Na verdade, o tempo de festa é o período
em que estes trabalhadores tiram suas férias anuais. Os homens ca-

166
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

sados que migram no tempo da chuva apenas nos anos muito abas-
tados conseguem recursos financeiros para duas viagens num ano,
e em momentos tão próximos. Portanto, eles raramente aproveitam
a festa no sertão.
No período das chuvas, entre setembro e janeiro, época em
que grande número de pessoas está no sertão, a dinâmica da praça
não apresenta grandes novidades, acontece o de sempre. As pesso-
as se reúnem para rever os amigos, receber notícias de parentes,
mandar cartas e encomendas e, ainda, para conhecer novos
conterrâneos. O movimento das pessoas chegando e um grande
falatório compõem a dinâmica do encontro dominical na praça. As
perguntas soltas no ar são elucidativas.

“Você chegou quando?”, “Disse que não voltava mais, hein?”,


“Peça para moça ali escrever, eu não sei não!”, “Vou embora
agora em outubro, não sei quando volto.”, “Eu não tenho por-
que sair de lá, tenho comida, acomodação e até roupa lavada,
se aparecer uma vaga eu te falo.”

E assim se realizam as manhãs de domingo: amigos, notícias


e trabalho, a cada semana um momento especial de lazer: o Domin-
go na Praça!
No final do ano, época das festas natalinas, há um aumento
no movimento das cargas. O décimo terceiro salário possibilita a
compra de alguns benefícios para a família. São fogões, geladeiras,
televisores, até mesmo a construção ou aumento de algum cômodo
da casa. E lá se vai mais uma infinidade de encomendas para o
sertão. Na data do Natal e sua véspera, o movimento é bastante
reduzido na Praça, todos estão comemorando na casa de parentes
ou amigos. Mas é ali que se organizam as festas, churrascos ou jogos
de futebol de tais comemorações.

167
Rosani Cristina Rigamonte

No começo do novo ano, o clima é de balanço: o que foi


realizado, o que ficou para trás, o que falta ser feito. O princípio do
ano de 1996, como nos outros, é marcado pela aquisição de novos
bens, só que desta vez os caminhoneiros também participaram. Brito
e João adquiriram caminhões novos, Mercedes-Benz, modelo 1218.
Eles são os dois mais freqüentes e importantes caminhoneiros da
Praça. Fato que demonstra que novos investimentos foram realiza-
dos para o melhor atendimento desta população e para o melhor
funcionamento da rede.
No final de janeiro há um reaquecimento na movimentação
da Praça, os que foram realizar o plantio de suas roças já estão de
volta. O período de trabalho intensifica-se mais uma vez, o ritual da
Praça segue o seu curso. Alguns comentários e conversas ouvidos
por ali vão revelando determinados comportamentos desta popula-
ção. Os recados trazidos pelos caminhoneiros são um exemplo dis-
to: “João, o fogão da tia Maria queimou de vez, ela está velha demais
não pode ficar cozinhando daquele jeito, está na hora de você provi-
denciar um novo para ela. E olha que não foi ela que pediu”.
Brito dá alguns recados aos homens que se aglomeram em
volta do seu caminhão, uma prática comum, pois é neste momento
que são trocadas as informações dos parentes daqui com os de lá.
Alguns costumam aproximar-se do caminhão para indagar se há
algum recado para eles.
José, pode vir aqui que o negócio tá feio para seu lado. A mu-
lher mandou dizer que quer que você volte imediatamente,
que não acredita que você tenha mandado gente para traba-
lhar na roça e não foi no tempo de chuva. Diz que já fazem
nove meses que você está aqui e nenhuma notícia, ela está
uma fera,

dizia Brito e José tentava se justificar.

168
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Eu vou fazer até macumba para não voltar mais para essa cida-
de. Eu já tô velho, tenho 56 anos e ainda estou nessa vida. Mas
não tem jeito, a gente fica um tempo por lá e logo o povo come-
ça arrumar serviço para gente vir para cá. E se você vem, pron-
to! Não tem jeito, é duro conseguir sair daqui. Não adianta ter
as coisas lá e pagar para gente olhar, mas o que eu ganho aqui
acaba compensando. Não adianta eu explicar essas coisas para
a mulher, nem mandar carta, o que elas querem é que a gente
volte. Já me disse que vai comprar uma corrente com um ca-
deado e me prender por lá. Olha me faça o favor, diga a ela
que eu estou ajeitando as coisas por aqui, e que mais uns dois
meses eu prometo estar de volta. (José, 56 anos, Piripá, já per-
deu a conta de quantas vezes veio para São Paulo, trabalha
como azulejista e pintor).

E é desta forma que várias notícias e informações chegam


aos parentes. Algumas famílias se comunicam por meio de recados,
pois cartas não resolvem em alguns casos: são vários os casos de
analfabetismo existentes em ambas as pontas da rede. Assim, al-
guns acabam sabendo de seus parentes e da possível data de seu
regresso por meio da rede de informação.
Desde o período de janeiro, época do retorno dos que foram
trabalhar em suas roças, até o mês de maio não há grandes mudan-
ças na dinâmica da praça.42 Mas o ciclo ganha nova movimentação
no período das festas. O alvoroço toma conta do pedaço.

42
Em abril de 1996, um ano eleitoral, alguns fatos interessantes ocorreram
na Praça. É o prazo de encerramento das inscrições para transferência de
títulos de eleitores. Alguns candidatos, valendo-se deste momento, estive-
ram presentes na Praça. Ofereceram viagens e facilidades para os que
fossem até sua cidade e transferissem o título para lá. Foi o caso do então
prefeito do Município de Jânio Quadros, “Ti”, como é popularmente co-
nhecido, além do candidato a candidato à Prefeitura do Município de

169
Rosani Cristina Rigamonte

A Festa de São João é um dos maiores marcos deste ciclo,


toda população que freqüenta a praça fica em polvorosa no final do
mês de maio e início de junho, quando começam os preparativos
para a festa. Compra de passagem, marcação de férias, cartas avi-
sando ao pessoal de lá sobre quem vai daqui. São semanas de gran-
de movimentação, com remessa de muitas encomendas. Os
caminhoneiros concentram-se em maior número na Praça, à espera
da contratação de seus serviços. Alguns fazem viagens mais rápidas
neste período, para poderem atender toda a demanda de entregas,
que aumenta muito.
Caixas de mantimento vão chegando; ao longe já se vê um
senhor, carregando um rádio no ombro; algumas bicicletas são
trazidas pessoalmente; em volta do caminhão o tema da conversa é
o dia de partida de cada um. “Eu vou dia 12”, “Eu vou dia 20”; “Já
comprou passagem?”; “A partir do dia 15 para Vitória da Conquista

Maetinga, Adonildo Santos (PFL). A transferência do título dava direito a


uma viagem gratuita a seu município, patrocinada pelos políticos em ques-
tão.
Nesse período houve mudanças na movimentação, porque os caminho-
neiros atraíam pouca atenção dos presentes, e os aglomerados se arma-
vam em volta dos candidatos. Os comentários, a cada domingo daquele
período, referiam-se aos que aceitaram a viagem ou não, aos candidatos
que viriam buscá-los e assim por diante.
No mês de maio entraram em cena os candidatos locais. Vicente Viscome,
candidato a vereador pelo PTB-SP, inaugurou o seu comitê eleitoral na
Praça e, durante o período da campanha, animou com música os en-
contros dominicais. Outro candidato (Antônio Luiz Rodrigues, PTB-SP)
também tentou ganhar alguns eleitores, promovendo um Forró e vindo
pessoalmente para convidar o pessoal da Praça, com entrada franca, é
claro.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

não tem mais!”; “Quando você for vai adorar – dizia-me Maria Eunice
– é a melhor festa que eu já vi na minha vida”. Todos querem come-
morar em sua terra o “São João”. Fogueira no terreiro, comemora-
ção na Praça, barracas, comidas típicas, dançar até o sol raiar. Na
semana da festa, a Praça fica praticamente vazia; alguns poucos
freqüentadores ali se reúnem, em um momento de nostalgia pelas
festas anteriores.
No princípio do mês de julho, após o término das festas, há
um fenômeno interessante: um grande número de encomendas é
remetido da Bahia para São Paulo, algo que só ocorre neste período
do ano. São presentes da festa enviados para aqueles que dela não
puderam participar. São inúmeras caixas e sacolas colocadas do
lado de fora dos caminhões, para serem reconhecidas e retiradas.
Nelas há uma infinidade de biscoitos, dos tipos mais variados, por-
ções de farofa de carne seca, conhecida como paçoca, além de car-
ne seca e vários litros e garrafões de pinga da região.
Nos meses seguintes à festa há uma queda no número de
encomendas e de viagens por parte destes trabalhadores. Julho e
agosto são meses de trabalho intenso para todos que permanece-
ram ou que retornaram à cidade. No final de setembro, a movimen-
tação e a ansiedade instauram-se e mais uma vez, portanto, volta à
baila as discussões, as previsões e manifestações do tempo ecológi-
co que irá determinar o início de mais um ciclo anual, assim se
definindo o comportamento e o deslocamento destes freqüentado-
res da Praça Silvio Romero.
Esta pesquisa construída em torno da Praça Silvio Romero e
de seus freqüentadores acaba por desvelar o grau de conhecimento
e entrelaçamento existente no interior deste grupo. E, note-se, as
várias experiências vividas e relatadas aqui ilustram a maneira como
este grupo de migrantes se inseriu na metrópole e como foi se apro-

171
Rosani Cristina Rigamonte

priando dos mecanismos que permitem esta inserção. Relações tra-


vadas no seu local de origem são reafirmadas neste contexto, o que
possibilita visualizar a história da formação deste ponto de encontro
que se perpetua há mais de 30 anos, passando de geração para
geração. Uma maneira peculiar de ser e de estar na metrópole.

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

CAPÍTULO IV
A FESTA NO SERTÃO. O RETORNO ÀS ORIGENS

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A o descrever esta rede que se estabelece na Praça Silvio


Romero, é possível constatar a importância deste mecanismo na
manutenção de laços culturais e na fixação de um certo equilíbrio
nas estratégias de vida articuladas por estes migrantes na cidade.
Esta rede permite um contato constante com os seus referenciais de
origem, a afirmação de sua identidade e sentimento de reconheci-
mento perante o seu grupo. Em poucas palavras, ela estabelece elo
de comunicação entre o sertão e a metrópole. Após uma das pontas
desta rede ter sido esquadrinhada no capítulo anterior, este capítulo
tratará da outra ponta, a que fica no sertão, e se verá o quanto é
fundamental para que este mecanismo se mantenha vivo. Após esse
percurso, estará concluída a análise sobre estes indivíduos e seus
mecanismos de sobrevivência. Para isso, a autora teve de realizar
uma viagem até o outro pólo desta relação, o que viabilizou a des-
crição do meio físico, do outro lado da rede de entregas e da espera-
da Festa de São João no sertão.

O percurso

Foram três dias e três noites de viagem, 1.500 km percorridos,


23 entregas realizadas, numa jornada bastante intensa.43 E cheia de

43
Trata-se aqui da segunda viagem realizada ao sertão, na companhia do Sr.
Dalvadício. Já na primeira viagem foi possível conhecer um pouco da di-

175
Rosani Cristina Rigamonte

pequenos presentes do acaso. A viagem atravessa a região central


do Brasil e percorre boa parte do interior mineiro e suas serras. Mi-
nas Gerais é o território predominante do nosso itinerário, que se
inicia na rodovia Fernão Dias (BR-381), cruza as cidades de São
Paulo, Mairiporã, Atibaia, Bragança Paulista (SP), Extrema, Pouso
Alegre, Três Corações, Perdões, Betim, Contagem, Belo Horizonte,
Paraopeba, Curvelo, Corinto, Bocaiúva, Montes Claros, Janaúba,
São João do Paraíso, Viana, Ninheiras (MG), Pastinho, Barrinha,
Lagoa de Fora, Mangueiro e Piripá.
Até Belo Horizonte, a viagem transcorreu de forma convenci-
onal, percorrendo as estradas principais e rodando a maior
kilometragem possível. Esta é a parte do percurso onde se tem de
ganhar tempo, pois, de Paraopeba para frente, iniciam-se os pontos
de entregas das encomendas.
A linha mais freqüente que os caminhoneiros fazem segue o
seguinte percurso:
Rodovias Municípios Serra
Estado de São Paulo
BR-381 (Fernão Dias) São Paulo
Mairiporã
Atibaia
Bragança Paulista

nâmica das entregas (julho de 1995). A segunda se deu com o intuito de


acompanhar de perto a preparação e a realização da Festa de São João, a
mais importante do ano para esta população.

176
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Estado de Minas Gerais


BR-381 Extrema
Pouso Alegre
Três Corações
Perdões
Betim
Contagem
Belo Horizonte
BR-040 Paraopeba
BR-135 (Rodovia Curvelo Serra do
do Carvão) Espinhaço
Corinto
Bocaiúva
BR-122 Montes Claros
Janaúba
(Estrada de terra) São João do Paraíso44
Mangueiro Serra Geral

Estado da Bahia
Curralinho
Cordeiros
Serrinha
Condeúba
Piripá

44
A partir deste ponto da viagem, os percursos passam a se diferenciar, pois aqui
se inicia a região de maior afluxo das entregas, indo até a região de Piripá.

177
Rosani Cristina Rigamonte

O percurso (Mapa 3) *

* Fonte: Bartholomew, Jonh (1990). Mini World Atlas. Scotland, Ed. Jonh Bartholomew Sonltd.

178
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

O que cabe ressaltar, primeiramente, é a caracterização e a


importância do meio físico desta região, que, a partir de Curvelo
(MG), denominado o Portal do Sertão, sofre grandes transforma-
ções. Ingressa-se no centro do país, o grande Planalto brasileiro,
região de terras altas formada por um cinturão orogenético, ladeado
a oeste pela Bacia do São Francisco e a leste pela do Jequitinhonha.
É quando desponta a Serra do Espinhaço, que se estende do cen-
tro-norte de Minas Gerais até o interior da Bahia, nas proximidades
da Serra Geral.
O clima também vai se modificando, passando do tropical
para o semi-árido, com chuvas escassas, estiagens prolongadas, tem-
peraturas altas nas depressões e amenizadas pela altitude nas serras.
A rodovia que atravessa esta região, a BR-135, é conhecida
como a Rodovia do Carvão. Em meio à floresta de eucaliptos avis-
tam-se, ao longe, pontos de fumaça em toda sua extensão: são os
fornos que produzem o carvão. Nove entre dez caminhões que tra-
fegam por esta região transportam carvão para as siderúrgicas mi-
neiras.
A vegetação tropical e de cerrado hoje, em grande parte, cede
espaço ao reflorestamento no centro-norte mineiro. Em direção à
Bahia, inicia-se a transição para uma vegetação esbranquiçada,
xerófita, com cactáceas, esparsa e com aspecto rude, é o domínio
das caatingas. São formas retorcidas de árvores, com caules e raízes
adaptadas ao clima, algumas com grande quantidade de espinhos.
Começa o território de espécies como o jatobá, macaúba, mofumbo,
angico, mandacaru, aroeira, embaúba, pequi e, não raro, alguns
xique-xiques.
A hidrografia nesta região já não é tão rica. Rios intermiten-
tes, como o Gavião, seguem por vales rodeando a Serra Geral até
encontrar um rio perene, o Rio das Contas, demonstrando a semi-

179
Rosani Cristina Rigamonte

aridez regional. Inicia-se a viagem etnográfica, na qual as caracte-


rísticas da caatinga e do sertão estarão marcando esta análise.
Em todas as narrativas que retratam o cotidiano vivido nesta
região do país, o sertão marca e distingue os indivíduos que ali resi-
dem. A sobrevivência em um meio inóspito concede a estes morado-
res poucas alternativas, entretanto, determina também características
únicas. Entrar em contato com o cotidiano no sertão possibilita
visualizar as dificuldades encontradas para a sobrevivência, mas per-
mite também vislumbrar as alternativas encontradas, que permitem ir
para além da “sina severina” (Melo, 1956), sem que se esqueça do
mote de Euclides da Cunha, “o sertanejo é antes de tudo um forte”
(1957: 101).

As entregas

Que a viagem siga em frente! O percurso traçado é determi-


nado pelos locais da realização das 23 entregas.45 Elas podem ser
classificadas em duas categorias:
(1) Mercadorias remetidas de São Paulo para pessoas que
residem no sul da Bahia e norte de Minas Gerais. São elas: TVs,
fogões, mudanças, geladeiras, materiais de construção, entre ou-
tros;

45
Neste texto serão detalhadas as entregas que foram realizadas por ocasião
desta viagem (julho de 1996), sendo possível observar os diferentes tipos
de usuários desta rede. Entretanto, as minúcias sobre a rede e o município
de Piripá são frutos que não foram obtidos somente com esta viagem, mas
também durante a primeira viagem a Piripá, em julho de 1995.

180
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

(2) Bombonas46, um material plástico do qual Brito tem um


depósito em São Paulo, e boa parte de suas vendas são efetuadas
nesta região.
O caminhão estava carregado com mais de cem bombonas
de 50 litros, pois Dalvadício pretendia ir parando nas feiras, que
ocorrem semanalmente nos municípios desta região, e vendê-las à
população local. Entretanto, houve atraso na saída de São Paulo,
em razão da demora para a preparação da carga, e, ainda, um aci-
dente grave logo após a saída de Belo Horizonte, o que o obrigou a
pegar um desvio, acarretando num atraso de mais seis horas, o que
inviabilizou totalmente a estratégia de venda que Brito pretendia
realizar nesta viagem.
Isto significou um longo transtorno: a cada entrega realiza-
da, era necessário descarregar todo o caminhão, pois as encomen-
das estavam armazenadas no fundo da carroceria, visto que as
bombonas seriam vendidas primeiro; em alguns casos foi necessá-
rio levar mais de uma hora só descarregando-as e carregando-as.
As primeiras paradas foram para efetuar algumas vendas de
bombonas, no município de Paraopeba (MG), onde também fo-
ram feitas 02 entregas.
D. Maria, 53 anos, recebeu uma TV do seu filho Lucas, 19
anos, que está trabalhando em São Paulo há um ano e meio na
construção civil. Este foi o primeiro presente que D. Maria recebeu
de seu filho.

46
São tonéis plásticos, provenientes da Argentina, carregados de azeitonas,
reaproveitados quando vazios. Substituem caixas d’água e/ou reservatóri-
os de água e também são utilizados para armazenar combustíveis para as
pessoas que trabalham no corte dos eucaliptos, ou na lavoura. Enfim, são
utilizadas para o armazenamento de produtos escassos na região.

181
Rosani Cristina Rigamonte

Faz tempo que ele me diz que iria me comprar uma TV, e não
é que ele conseguiu! Ele é esforçado e está guardando dinheiro
para ter a sua casa. Nos manda sempre que pode uma ajuda, e,
se não fosse deste jeito, ele nunca iria começar a construir a sua
vida. Aqui é muito difícil!

Flávio, 26 anos, também trabalha na construção civil em São


Paulo, é casado e tem dois filhos, veio passar as festas com a sua
família. Comprou uma moto (Honda, CG-125) e mandou entregar
em sua casa. A moto chegou algumas horas depois dele.
Aqui um transporte faz falta, é tudo distante, e a moto é ideal.
Quero ter o meu negócio e arranjar um jeito de viver mais
tempo por aqui. Mas, por enquanto, não posso reclamar, tenho
conseguido tocar a vida trabalhando em São Paulo.

Após as entregas, a viagem seguiu até Curvelo, onde o per-


noite se deu no próprio caminhão. O primeiro dia de viagem estava
concluído. O segundo dia seguiu sem entregas, apenas paradas vi-
sando vender algumas bombonas pelo caminho. Somente no prin-
cípio da noite é que se chegou a São João do Paraíso, onde foram
efetuadas 10 entregas (quatro motos, três bicicletas e um automóvel
(Volkswagen, Fusca).
Antônio, 20 anos, solteiro, iria chegar dali a dois dias para as
festas, e enviou sua moto (Honda, XL-125). Quem recebeu a moto
foi sua irmã Dadinha, 19 anos, que pretende ir com seu irmão para
São Paulo, quando ele voltar das férias.
Estávamos esperando, ele já mandou avisar que a moto chega-
ria. Eu também vou para São Paulo este ano com ele, minha
prima já arrumou uma casa para eu ir trabalhar, estou esperan-
do passar as festas, e aí eu vou na companhia de Tonho. Ir
acompanhada é muito melhor, a gente não corre o risco de se
perder, assim a mãe fica mais tranqüila e eu também.

182
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Esta é uma prática muito comum: irmãos, primos e outros


parentes costumam sempre trazer alguém que quer vir para São
Paulo, facilitando assim o primeiro contato com a cidade.
Vítor, 22 anos, solteiro, trabalha na construção civil com o seu
tio e já está em São Paulo há quatro anos. Já havia chegado de
viagem e aguardava a entrega de suas encomendas, duas motos
(Yamaha, DT-180).
Estou trabalhando há 02 anos para comprar estas motos, uma
é minha, e a outra eu vou vender, antes de voltar para São
Paulo. Aqui é difícil achar uma moto usada em bom estado, por
um bom preço. Eu logo vi que era fácil vender, então comprei
as duas e já tenho gente interessada nela.

Além de ter comprado o seu meio de transporte próprio, Vítor


iria negociar motos, alegando ser um bom tipo de comércio para a
região.
Os irmãos Weligton (18) e Waldir (17), solteiros, compraram
duas bicicletas em São Paulo e as remeteram para sua casa. Não
haviam chegado de viagem ainda, e na sua casa não havia nin-
guém para recebê-las. As encomendas foram entregues na casa de
sua vizinha.
Givaldo, 21 anos, casado, um filho, mandou uma moto
(Honda, CG-125), e quem a recebeu foi a sua esposa. Lúcia, 20
anos, trabalha em São Paulo, em casa de família. Veio para São
João do Paraíso há dois meses, depois que teve seu filho.
Sabe, aqui é mais difícil para ter nenê. O hospital é ruim, os
médicos até judiam da gente. Eu trabalhei até quando deu, fui
pro hospital e deu tudo certo. Vim pra cá, o nenê tinha nem um
mês. Vou esperar ele crescer um pouco mais e depois volto
para o trabalho em São Paulo. O nenê fica com a minha mãe.
Por enquanto, ele é muito pequeno, é melhor ficar por aqui.

183
Rosani Cristina Rigamonte

Não posso ficar muito tempo porque tenho medo de perder


meu emprego. Mas minha patroa deu os quatro meses que eu
tenho direito. Quando terminar volto para São Paulo.

Givaldo virá passar as festas junto com a sua família. O casal


ainda não tem sua casa própria em São João, mas já tem o terreno
e o sonho é conseguir construí-la.
Maurício, 20 anos, solteiro, recebeu a bicicleta que comprara
em São Paulo e remeteu para sua casa. Veio para passar as festas.
Eu comprei para poder curtir as festas, na roça, senão fico pre-
so. Aqui é difícil ter carro para onde a gente quer ir. Tem festa
para todo lado. Com a bicicleta faço como achar melhor. De-
pois, na hora de ir embora, ou eu guardo para quando eu vol-
tar, ou vendo antes de ir.

Ele está há mais de quatro anos em São Paulo, já morou na


casa de parentes, amigos, e agora mora no serviço. Trabalha como
ajudante em um restaurante. E relata o que ele considera ser uma
das maiores dificuldades da vida em São Paulo:
A pior coisa é arrumar um lugar tranqüilo para morar em São
Paulo: ou é longe, ou tem que dividir com os outros, ou custa
caro demais. Eu ainda vou ter casa. Sem ela eu não penso em
me enroscar com ninguém. Se eu não tive filho até agora, pos-
so esperar.

Hélio, 27 anos, casado, três filhos, estava aguardando a che-


gada de seu automóvel. Ele é mecânico em São Paulo e também
em São João do Paraíso (MG).
Eu aprendi a profissão em São Paulo, mas logo fui querendo
aprender tudo, para não trabalhar só de ajudante. Agora tam-
bém trabalho por aqui. Mas não dá pra viver só com o trabalho
daqui, tem pouco serviço. E tem épocas do ano que quase não
tem serviço nenhum. Vou para lá, trabalho com os meus co-

184
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

nhecidos, levanto um dinheiro, e volto para passar o resto do


ano aqui. A gente que tem família tem que se virar.

Hélio arrumou um meio termo, trabalha parte do ano em


São Paulo, parte do ano na sua cidade; embora o fator econômico
seja o determinante de suas idas e vindas, diz que, por vezes, gosta-
ria de ter sua própria oficina em São Paulo, onde há mais serviço, e
aí sim levaria toda a sua família para São Paulo. Mas isto teria um
custo alto, e ele teme não conseguir dar conta das despesas, e, por
enquanto, vai ficando, um pouco lá, um pouco aqui.
A última entrega do dia ocorreu na casa de João, 30 anos,
irmão de Alcebino. Alcebino, 26 anos, está em São Paulo. No ano
passado, na viagem anterior, uma entrega foi feita nesta casa, e eles
estavam terminando de construí-la. Ela já foi finalizada e agora uma
nova casa está sendo construída no terreno dos fundos, que se en-
contra em fase de acabamento. Alcebino veio no ano passado com
toda a sua mudança para sua terra natal. Mas um mês depois já
estava arrependido, achava que ia acabar voltando para São Paulo.
João, seu irmão, foi quem recebeu as encomendas. “Ah! Ele ficou
aqui mais um mês e voltou para São Paulo, disse que ainda está
muito jovem para ficar por aqui. Precisa trabalhar um pouco mais
para construir o seu futuro”.
Alcebino já trabalhou nove anos em São Paulo, na construção
civil, morando na Freguesia do Ó. Durante este período foi algumas
vezes em férias para sua cidade e, aos poucos, foi comprando terreno,
material de construção e, em parceria com seu irmão João, foi cons-
truindo esta casa. Diferente das casas da região, esta é muito bem
acabada, com pisos e azulejos, cômodos grandes, uma casa nos mes-
mos moldes a que estava acostumado construir em São Paulo.
Conseguiu construir sua casa, mas não se acostumou com a
vida e com a dificuldade de arrumar serviços na região. E como

185
Rosani Cristina Rigamonte

ainda é solteiro, achou melhor voltar para São Paulo. Já João, seu
irmão, que é casado e tem um filho, está morando com sua família
em São João do Paraíso. Ficou durante dez anos em São Paulo,
tinha sua casa em São Miguel Paulista, mas há mais ou menos um
ano e meio resolveu voltar para sua cidade.
Sabe, para quem vai com a família, é difícil, porque você preci-
sa ter uma casa, escola para as crianças, a vida é muito agitada.
Aqui eu trabalho como pedreiro e faço as casas completas, des-
de o alicerce até o acabamento. Não posso reclamar, o povo
que tem dinheiro vem me procurar. E não tem me faltado ser-
viço. Agora, se aparece um serviço muito bom, por pouco tem-
po, em São Paulo, aí eu vou. Meu irmão me chama e eu pego
uma empreitada e volto. Mas eu não gosto não, deixar a mu-
lher aqui é muito ruim. Para mim tem que ir junto, de todo jeito
nós vamos tocando.

As encomendas que foram entregues eram um aparelho de


som que João pediu ao seu irmão, além de material de acabamento
(pisos e azulejos, para a nova casa que estão construindo em socie-
dade, e que, quando pronta, se Alcebino continuar em São Paulo,
irão alugar).
João insistiu, e com sucesso, para que se pernoitasse em sua
casa. Às 5h a viagem foi retomada. Nos dois primeiros dias várias
entregas foram realizadas, mas a maioria delas ficou para o último
dia, quando foi percorrida a região próxima a Piripá. O trajeto foi
realizado somente por estradas de terra, vicinais, e todas as entregas
seriam realizadas “na roça”, até que fosse atingido o destino final.
Pequenos povoados, pequenos núcleos, cravados sertão afora.
No município de Viana, Nair, 21 anos, mandou para sua
mãe uma TV. Ela está há dois anos em São Paulo, trabalhando em
casa de família. Dona Doralina mora um pouco afastada, então o
local de entrega foi um bar que fica no caminho. E ela estava lá à

186
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

espera da encomenda, muito orgulhosa de sua filha, falava com


satisfação.
Nair mandou me avisar, pelo meu sobrinho que chegou on-
tem, que ela virá amanhã, e que eu esperasse aqui por uma
encomenda. Eu fiquei matutando: o que era? Pensei em fogão
a gás, mas logo desanimei, acho que eu não me acostumo com
esta história de gás. Mas uma televisão… ah, isto é bom de-
mais!
Agora a minha casa vai viver cheia. Todo mundo vai poder
assistir TV. Sabe, a Nair é uma moça boa. Mas não foi fácil para
eu aceitar a idéia de que ela ia embora para São Paulo. Soltei-
ra, logo ia se perder. A gente é ignorante! Mas hoje, acho que
ela está certa mesmo. E fez bem de brigar para ir cuidar da vida
dela. Além de tudo, ela me ajuda muito. Aqui estaria parada no
tempo. Eu não vejo a hora dela chegar, meu sobrinho disse
que ela está mudada. São Paulo deixa as pessoas diferentes.
Aqui a vida é devagar, a gente não precisa ser assim. Eu já
estive lá quando era moça, fui com o meu marido há uns 25
anos, ficamos um pouco. Eu fui me tratar e ele trabalhar. Dei-
xamos os filhos com a mãe dele, ficamos um tempo morando
em casa de parentes, mas aí eu fiquei grávida de novo e nós
resolvemos voltar.

A próxima parada foi o município de Ninheiras; neste local


há um armazém grande onde Brito conseguiu vender mais de 50
bombonas, o que aliviou em muito o trabalho durante as entregas.
Agora, com menos trabalho a cada parada, seria possível terminá-
las ainda naquele dia.
Rubens, 25 anos, mandou uma caixa cheia de mantimentos,
entre os quais cervejas importadas e comidas variadas, fogos de
artifício coloridos e artigos diferenciados daqueles que se encontra
na região e que são tradicionais nas festas. Conforme disse seu ir-
mão Júlio, 23 anos, solteiro, “esse cara é louco, ele disse que ia

187
Rosani Cristina Rigamonte

agitar a festa desse ano e pelo jeito vai conseguir, ele queria uma
festa animada e preparou tudo para conseguir”. Rubens trabalha
como azulejista em São Paulo, há mais de sete anos, vem sempre
que pode para visitar a família e já mandou, por meio de Brito,
encomendas como TV, fogão, geladeira, entre outras.
Esse meu filho não esquece de nós aqui, não é como muitos
que vão embora e nunca mais aparecem. Ficam por São Paulo
mesmo e esquecem do povo daqui e das dificuldades com que
se vive, preferem pensar que são de lá e esquecem tudo para
trás. Graças a Deus ele não é assim, é trabalhador e nunca
esquece de nós (Sr. Rubens, 55 anos, pai de Rubens falando
do filho).

Ao entrar mais em contato com a zona rural – a roça –, é


perceptível o clima de euforia e festa que todos vivem neste período
do ano. Os preparativos são visíveis por toda parte, casas sendo
enfeitadas, mulheres preparando comidas especiais, animais sendo
mortos e limpos. Os barracões47 sendo construídos e os paus de
santo enfeitados. Enfim, a cada casa ou vilarejo que se parava, tudo
estava em ritmo de festa: o dia de São João estava chegando.
A cada parada do caminhão, crianças corriam para ficar ao
seu redor e avistar a infinidade de coisas que trazia. Ao abrir suas
portas nesta parada, uma criança avistou um fogão em meio à
carga e gritou alegremente: “um fogão a gás, um fogão a gás, de
quem será este presente?” O local era Mangabeiro e o material a
ser entregue eram dois sofás, dois colchões de solteiro e um fogão
a gás.

47
São barracões preparados para os bailes, na maioria das vezes são cons-
truções de palha que, além de proteger, têm um belo efeito decorativo, e
ainda são enfeitados com bandeirolas coloridas.

188
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Quem recebeu foi Letícia, 27 anos, mãe de quatro filhos, e


quem remetera os presentes foi seu marido, Tiozinho. Ele pretendia
retornar no final do mês de julho.
Ele não fica muito, não agüenta, isto é assim desde que nos
casamos, há uns oito anos. Ele vai trabalhar uns meses lá, com-
pra algumas coisas para nós, e aí volta. Trabalha um pouco
aqui, na casa, na roça e, quando tá na hora, vai trabalhar um
pouco lá.

Aos poucos Tiozinho vai construindo sua casa, situada na


zona rural, afastada do núcleo urbano, tocando sua roça como pode.
Eliene, sua filha, que estava presente na entrega das encomendas, e
foi quem avistou o fogão a gás, disse que desejava muito ter uma
fotografia sua, e, então, o desejo foi concedido.
Todos estavam muito alegres, muitas posses, muitas histórias.
Mas, lamentavelmente, surgiu um problema inesperado: o tão aguar-
dado sofá não entrou na casa. Tentaram pela porta da frente, pela
porta de trás, pelas janelas laterais, da frente, e nada! O sofá teve
mesmo de ficar do lado de fora.
– Ah! Moço, tente mais uma vez, o que é que eu vou fazer?
Aqui não tem homem, não, quem é que vai fazer este serviço?
Como é que eu vou botar o sofá para dentro?

– Arranque uma porta, ou uma janela, mas fica para amanhã.


Hoje fica do lado de fora, porque ainda temos muitas entregas
para fazer.

E Letícia ficou com o sofá do lado de fora. Mas é provável


que logo arranjaria um jeito, o importante é que as encomendas já
tinham chegado ao seu destino. Seu cunhado enviou uma carta
para que ela entregasse à sua irmã, com notícias e, provavelmente,
algum dinheiro para as despesas do mês.

189
Rosani Cristina Rigamonte

Finalmente, o primeiro município da Bahia, Barrinha. Na casa


de Nicodemus, 39 anos, casado com Nalra, 30 anos, e com um
filho, Gustavo, de um ano, foi entregue uma caixa d’água, azulejos e
vidros. Eles estão terminando de construir sua casa. Brito freqüenta
muito a casa de Nicodemus em São Paulo, eles moram em São
Miguel Paulista. Sempre há encomendas para recolher por lá, além
de ser freqüentemente convidado para os churrascos e festas que
acontecem por lá.
Sabe, a nossa casa é simples, mas é alegre, tenho vários amigos
daqui da região que moram por lá, além de parentes e amigos
de lá também. A gente compra umas cervejas, põe o som, aí já
virou festa. Eu moro naquela região há mais de 21 anos, já sou
bem conhecido por lá. E eu gosto de receber os amigos, é tudo
simples, mas a gente tem alegria de se reunir e se divertir.

Nicodemus não aparenta ter quase 40 anos, graças ao seu


estilo jovem, cabelos longos e um acentuado gosto por música. A
casa que está construindo ainda está sem vidros, sem banheiro, falta
colocar as portas, mas o som já está instalado... Durante as horas
que passamos por lá ouvimos Rolling Stones, Chitãozinho e Xororó
e Onildo Barbosa48, o que demonstra o seu eclético gosto musical.
Nalra, sua segunda esposa, conta com orgulho sua história
de amor com Nicodemus.
Nós somos primos, e ele é quase 10 anos mais velho do que
eu, logo moço com uns 16 anos foi trabalhar em São Paulo, e
aparecia por aqui de vez em quando. Ele tinha 18 anos quando
sua noiva ficou grávida, ele casou-se com ela, mas continuou,
trabalhando e morando em São Paulo. Ela ficou aqui e ele lá.

48
Onildo Barbosa é de Vitória da Conquista, e nos últimos anos vem ani-
mando as festas de São João por toda a região.

190
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Mandava dinheiro e aparecia de vez em quando. Eles tiveram


mais 2 filhos, e ela nunca quis saber de São Paulo. Ele cada vez
vinha menos, mandava o dinheiro, mas tinha a vida dele em
São Paulo. Até que se separaram.
Eu ainda não tinha casado nesta época, mas já morava em São
Paulo, via ele sempre por lá, mas cada um na sua. Logo que se
separou da mulher, veio atrás de mim. A gente se juntou e já
estamos assim há oito anos. Vivo bem com ele e é isso que
importa. Agora essa vida dele lá e eu aqui, isso não dá certo. Se
eu tô com ele, vou viver com ele onde ele estiver. Eu vou ficar
uns meses por aqui para acabar esta casa. Quando terminar de
construir eu volto para lá.
Dizer que nós vamos ficar morando aqui ou morando lá, isso
eu não sei. Depois que a gente se acostuma com essa vida, é
difícil se aprumar num lugar só. Fica vivendo aqui e lá. Eu até
gosto, a vida fica mais divertida, a gente tem duas casas, ami-
gos em todo lugar. Quando não der mais para ser assim a gente
vê o que faz.

Nalra e Nicodemus vivem uma vida harmoniosa e se diferen-


ciam da maioria dos casais da região, que normalmente vivem em
cidades diferentes. Os homens em São Paulo e as mulheres no ser-
tão com os filhos. Neste caso, o fato de Nalra já ter iniciado o seu
processo migratório antes de viver com Nicodemus ajudou, ao que
se acrescenta o primeiro casamento desfeito pela distância, experi-
ências que favoreceram muito a situação atual dos dois.
No próprio município de Barrinha foram realizadas mais al-
gumas entregas. A primeira ocorreu na casa de Maria de Dadão,
onde foram entregues um fogão e uma caixa com utensílios domés-
ticos. Maria ainda não tinha chegado de São Paulo, mas sua cunha-
da (e vizinha) disse que ela estava para voltar: “Maria foi trabalhar
um pouco e se tratar, vai vir com o seu marido para as festas, não sei
se ela volta ou se fica. Se ela ainda estiver trabalhando, vai ver que

191
Rosani Cristina Rigamonte

volta para fazer mais um dinheirinho. Ela já comprou até um fogão.


É, vale a pena enfrentar São Paulo”. Maria Eulália, 43 anos, sua
cunhada ficou refletindo acerca do esforço de Maria e concluiu que
de fato é vantajoso trabalhar em São Paulo, já que na região só se
ganha para comer e mais nada.
Pretinho, vizinho de Maria, serviu de guia até o próximo local
de entregas. Brito conhecia mais ou menos o lugar, mas não sabia
exatamente como fazia para chegar até lá. Quando aceitou entregar
esta encomenda, o remetente lhe explicou que, chegando na re-
gião, era só perguntar pelo seu Jeová, já que todos o conheciam por
ali, e foi o que fez.
O povoado é conhecido por Pastinho e para chegar até lá é
preciso atravessar uma trilha pelo meio do eucaliptal; se fosse mais à
noite não seria possível chegar ao destino, mas felizmente com a
ajuda de Pretinho, tudo terminou bem. Era um sítio com três casas
distantes uma da outra, onde seu Jeová mora com seus dois filhos,
já casados.
No sítio só havia o Sr. Jeová e dois netos adolescentes, os
demais estavam todos em São Paulo trabalhando, inclusive o desti-
natário da mudança. Na entrada do sítio, uma surpresa: o cami-
nhão não passava pela porteira, e não seria possível descarregar a
mudança ali, pois eram muitas coisas e a casa era distante demais.
Apesar da hora avançada, não havia outra alternativa: era necessá-
rio arrancar a porteira, e todos de enxada em punho cavaram, bate-
ram, forçaram, até que a porteira foi por terra. Mais uma missão que
parecia quase impossível foi realizada.
Jeová, 26 anos, o remetente da mudança, mora e trabalha
em São Paulo há mais de seis anos. É casado com Nilce há três anos
e tem dois filhos, um deles recém-nascido. Nilce havia chegado há
dez dias, teve o filho, e logo após veio para junto da família do seu

192
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

marido para passar o resguardo. Toda a sua mudança foi entregue:


fogão, geladeira, TV, camas, sofá, guarda-roupas, guarda-comidas,
mesas e cadeiras.
Ele vem em outubro para cá, e nós vamos começar a cons-
truir nossa casinha em Ninheiras, eu sou de lá. Sabe, ele vai
vir para ficar. Vai ter que dar um jeito por aqui, é muito ruim
ficar sem ele. Mas para mim estava muito ruim ficar em São
Paulo, eu não me acostumo. A gente namorava quando ele
foi para lá, depois casamos e eu fui para junto dele. Tive o
meu primeiro filho e fui agüentando, mas agora na gravidez
eu estava assustada. Não me acostumo com a vida de lá, pre-
firo a vida mais sossegada daqui. Lá tudo é longe, é difícil
andar, tenho medo de me perder, de ladrão, de um monte de
coisas. Tive o nenê e vim embora, mas não vejo a hora dele
chegar. Será que ele vai se acostumar aqui de novo, o pior é
se ele se acostuma e não arruma como trabalhar. Aí começa
aquela vida, ele lá e eu aqui. Ah! Eu nem sei o que vai ser, só
me resta esperar.

A mudança de residência de São Paulo para a terra de ori-


gem sempre causa certas incertezas. Nilce estava aflita com relação
ao seu futuro e de sua família. Mas, ao ver os seus pertences chega-
rem, um certo ar de esperança logo se estampou em seu semblante.
O que ela mais temia era ter de começar a viver a vida onde marido
e mulher ficam em cidades diferentes em função de maior oferta e
oportunidades de trabalho.
Ela não se adapta em São Paulo e ele pode não conseguir
emprego na região. Mas nem todos acham que isto seja um grave
problema, pois conseguem achar alternativas e vivem de forma até
que harmônica ante esta realidade. Sua cunhada argumentou com
certo positivismo sobre a questão, demonstrando que sua vida con-
jugal é boa, apesar da distância.

193
Rosani Cristina Rigamonte

É duro quando a gente toma uma decisão e não sabe se é a


melhor, ainda mais quando a gente tem filhos para criar, é tudo
tão confuso. Mas a Nilce é nova ainda, tem tempo pela frente.
Meu marido também trabalha em São Paulo, somos casados
há 13 anos, temos quatro filhos e me sinto bem. Eu gosto muito
dele e sempre quando ele está aqui é dia de festa, e às vezes
que eu fui visitá-lo também, me trata como se eu fosse a sua
namorada. Parece até que esta vida lá e aqui faz bem para o
nosso casamento. Só que tem uma coisa: ele me dá toda assis-
tência, fica alguns meses lá e alguns meses aqui. Tem uns que
vão e nunca mais voltam, até esquecem da mulher que deixam
aqui. Que a gente corre esse perigo… ah! isso corre moça! Mas
tem que ter fé! (Gelza, 31 anos, seu marido Julião, 34 anos,
trabalha em São Paulo há mais de 17 anos na construção ci-
vil).

No núcleo urbano de Barrinha foi entregue uma encomenda


na casa de Zé do Aguiar. Sua esposa Maria a recebeu, mas não
gostou muito. Esta era uma entrega que Almerina mandou aos cui-
dados de Zé do Aguiar e que deveria ser entregue para o pessoal da
Fazenda Palmeiras. Era uma TV, um fogão e uma caixa de roupas,
que ela remetia para sua mãe. E Maria deve ter algum problema
pessoal com Almerina e sua família.
– Eu já falei p’ro Zé que eu não quero ele metido com essa daí,
ele faz de tudo para esse povo, moço, assim não dá! Só falta ele
ter que pagar isso agora, esbravejava Maria.

– Não, Senhora, Almerina comprou e pagou tudo em São Pau-


lo, respondeu Brito, já meio irritado.

– Ah! Vem de São Paulo, onde foi que o Senhor foi buscar
isso? Eu quero saber o que ela anda fazendo em São Paulo.

– Olha, moça, se a Senhora vai receber bem, senão eu dou um


jeito e deixo em algum vizinho. Mas a minha obrigação é só

194
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

fazer as entregas, e é o que eu tô fazendo, eu não sou obrigado


a ficar falando da vida de ninguém, não Senhora! respondia
Brito já bastante nervoso.

– Tá bom, é melhor eu receber isso senão a minha vida pode


virar um inferno, por causa disso. Deixa essas tralhas aí que eu
dou um fim nelas.

– Bom, tá entregue e não vá a Senhora complicar a minha


vida!

– Vida complicada a sua, com um caminhãozão desses? Vida


complicada é a minha nesse fim de mundo, e aquela lá em São
Paulo, gritava dona Maria.

Se Brito não tivesse rapidamente montado no seu caminhão


e seguido em frente, ela contaria toda a sua vida, e certamente bri-
garia mais um pouco com ele. Este foi o único conflito que houve
durante as entregas. Na verdade as entregas são sempre recebidas
com ansiedade, expectativa e alegria, pois são sempre de muita
serventia para os seus destinatários. Desta vez, ela, Maria, não era a
destinatária e, com certeza, não tinha um bom relacionamento com
o pessoal da fazenda, em particular, com Almerina. Foi uma de-
monstração de raiva e ódio, mas mesmo assim recebeu as enco-
mendas com medo da represália de seu marido.
No caminho entre Barrinha e Lagoa de Fora, mais outra en-
trega foi realizada, uma moto (Honda, CG-125). Marcos, 18 anos,
foi quem a remeteu. Ele viria para as festas, mas ainda não havia
chegado, quem recebeu a entrega foi sua mãe. Ele está em São
Paulo há dois anos e trabalha numa loja. “Mora com uns parentes
nossos, e faz um ano que está nesse serviço, ele estava louco para
comprar esta moto, tanto quis que conseguiu”.
Seus primos descarregaram a moto e ficaram enfurecidos:
queriam ligá-la, mas Marcos não mandou a chave. Antonio, 16 anos,

195
Rosani Cristina Rigamonte

seu primo dizia: “Olha só, que beleza! Eu ainda vou comprar uma.
Eu vou convencer a minha mãe e vou embora este ano. Não dá,
moça, para ficar aqui. Eu tenho que ir trabalhar em São Paulo”.
Antonio deseja ir trabalhar em São Paulo, mas sua mãe não quer
que ele vá, o seu pai trabalha lá e ela quer que ele fique com ela.
Quanto tempo ela ainda irá conseguir segurá-lo? Isto é uma incóg-
nita que fica no ar, mas pela determinação de Antônio, não será por
muito tempo, ele queria a oportunidade de também ter a sua inde-
pendência. “E digo mais, se precisar fugir, eu fujo!”
A próxima parada foi Lagoa de Fora, onde foi realizada mais
uma entrega. Jô, 29 anos, três filhos, recebeu os pisos que o seu
marido, Zé de Vito, 32 anos, mandou para a sua casa.
Olha, dizer que ele vem sempre é mentira. Ele vem uma vez
por ano, quando pode. Já chegou a ficar três anos sem vir aqui.
Mas vira e mexe ele manda as coisas para gente. Quando ele
está aqui arruma qualquer um para ajudar ele na casa, já me-
lhorou muito do que era quando nós casamos. Mas, no ritmo
que vai, eu acho que ele ainda leva uns dez anos para terminar.
Mas não tem jeito moça! O jeito é esse. E eu não me aperreio
não. É desse jeito que dá para ser, é assim que é. E vamos
levando a vida!

Já quase chegando em Piripá foi realizada a última entrega


do percurso: uma moto (Honda, XL-250), na casa de José Roberto,
e quem a recebeu foi seu pai, informando que ele só viria em de-
zembro.
O Zé está trabalhando e construindo a vida dele. Ele é moço e
tem tempo para casar. É melhor assim do que no meu tempo.
Casei muito moço e fui trabalhar em São Paulo para sustentar
a família. Vida difícil para a mulher, as crianças, e mesmo para
mim. Mas hoje eu já estou mais tranqüilo, faz anos que não
preciso mais ir trabalhar lá. Fico aqui na roça, toco a lavoura e

196
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

arrumo o que fazer por aqui. Mas tudo o que eu consegui e


tenho veio do meu trabalho em São Paulo. Se não fosse aquele
suor sagrado que a gente deixa lá, não tínhamos nada.
Eu não reclamo da vida que levei e levo, tô com a minha
companheira e a gente aqui sempre foi muito unido. Mas eu
acho que tem que mudar, não tem que ser do jeito que foi no
meu tempo, as moças também têm que ir para lá para apren-
der a viver uma vida diferente. Eu tenho uma filha pequena e
já disse para a minha mulher, que se um dia ela quiser ir para
São Paulo, para viver a vida dela, ela tem o meu consenti-
mento.

O Sr. Mário, 48 anos, cinco filhos, pai de José Roberto, traba-


lhou há quase 20 anos em São Paulo, incluindo todas as suas idas e
vindas. E demonstra que, embora a necessidade de trabalhar em
São Paulo persista há várias décadas, tudo tem possibilidade de
mudanças. Para ele, as mulheres têm de participar da construção de
uma nova vida, tem de haver mais oportunidades para ambos os
sexos.
A chegada em Piripá se deu por volta das 2h da manhã, após
essa longa jornada; foram 19 entregas, faltavam apenas três, a se-
rem realizadas no próprio município. Brito veio com o caminhão
completamente carregado; se quisesse, poderia ter feito duas via-
gens. Mas como pretendia ficar uns dez dias em Piripá, preferiu vir
de uma vez e compensar esta parada, desta forma não comprome-
teu o fluxo de suas entregas. Além destas entregas, restara uma pe-
quena mudança a ser levada até Vitória da Conquista, mas Brito a
passaria para um dos seus amigos que faz este percurso semanal-
mente.
Logo pela manhã iniciou-se o trabalho, a fim de que ele ficas-
se livre para o descanso tão merecido. Fenício, 36 anos, trabalha na
construção civil em São Paulo e tem um pequeno bazar em Piripá,

197
Rosani Cristina Rigamonte

tocado pela mulher com a ajuda de seus três filhos. Ele mesmo rece-
beu sua entrega, uma fritadeira, duas caixas de som e uma caixa de
roupas. Fenício iria montar uma barraca para as festas, para vender
pastéis. “Eu não perco oportunidades, ainda mais a gente que tem
família para sustentar, vou trabalhar um pouco ganhar um dinheiri-
nho extra, depois volto para São Paulo, minha mulher vai se virando
aqui e eu lá, a gente faz como pode”. Ele migrou há 18 anos para São
Paulo e todo ano volta para Piripá e passa alguns meses. No princípio,
ficou quase quatro anos sem voltar, mas depois que se “ajeitou” com
a vida em São Paulo, e constituiu família, vem todos os anos.
Na casa de Mazinha, 36 anos, foi entregue uma bicicleta, duas
caixas de som e três caixas de piso, que seu filho Fabiano, 16 anos,
mandou entregar. Ele já havia chegado de São Paulo. A bicicleta e o
som eram dele, os pisos foram comprados por seu pai na última vez
que esteve lá; Fabiano aproveitou a oportunidade e mandou tudo.
Zé Preto, 38 anos, seu pai, trabalhou em São Paulo mais de 20
anos, sempre na construção civil, mas há mais de um ano não vai a
São Paulo.
O trabalho anda meio fraco por lá, eu vou gastar o dinheiro
da passagem, depois chego lá, não acho trabalho, tenho que
voltar, aí não dá! É só prejuízo. A situação não dá para arris-
car muito hoje. Eu tenho encontrado alguns trabalhos aqui e
também comecei a levantar o nosso barraco. Sabe, agora,
com a ajuda dos meninos que cresceram, já dá para eu ficar
um pouco por aqui. Quando eles eram todos pequenos, era
um sufoco. Tinha ano que eu nem tinha dinheiro para vir até
aqui. Mas agora todo mundo ajuda um pouco e isto alivia
muito a gente.

A diminuição da oferta de empregos em São Paulo é real,


mas não parece que este seja um motivo que force Zé Preto ficar
“tentando a vida” em Piripá. Ele hoje não é o único arrimo de sua

198
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

família, conta agora com a ajuda de seus filhos, o que lhe dá mais
mobilidade para investir na construção de sua casa, além de convi-
ver com a sua família, o que ele não pôde fazer nos últimos 20 anos.
Zé Preto e Mazinha têm oito filhos, e só Fabiano está em São
Paulo; outros quatro trabalham em Piripá, os demais são pequenos.
Zé Preto trabalha com seu filho mais velho na construção civil, duas
filhas trabalham em casa de família na cidade, e um menino menor
é vendedor de sorvetes. Lúcia, 18 anos, uma de suas filhas, já traba-
lhou em São Paulo durante dois anos, mas teve um problema de
saúde, tratou-se e depois preferiu voltar para Piripá.
Sabe, até hoje minha patroa quer que eu volte, eu tô dando
um tempo, não sei ainda o que eu vou fazer. Mas, se eu resol-
ver ir, tenho para onde, isso é bom. Depois das festas eu deci-
do. Por enquanto não estou preocupada. Tô bem de saúde e
isto é o que me importa. A gente vai para lá, a vida é muito
agitada, e eu não sei se quero. É muito bom porque a gente
ganha mais dinheiro, a vida aqui é mais difícil, mas estar na
casa da gente às vezes não tem preço!

Já o seu irmão Fabiano até que gosta mais da vida de São


Paulo. Ele é jovem, mora com os tios e curte viver lá . “Eu só vim
mesmo para passar as minhas férias, vou ficar mais 15 dias e depois
eu volto. Tô firme no trabalho, e não posso reclamar. O bom disso
tudo é que a gente pode vir para cá e se divertir, e ainda pode fugir
do frio de lá de vez em quando.”
Brito tinha ainda que fazer uma entrega, porém, os seus des-
tinatários não tinham chegado em Piripá e teve de descarregá-la no
seu depósito49; quando chegassem, retirariam suas encomendas, um
fogão, uma TV e um armário.
49
Neste depósito ele guarda as bombonas para serem vendidas em Piripá,
por uma tia, além das mercadorias que ele descarrega para serem retiradas

199
Rosani Cristina Rigamonte

As entregas
“Moradores da cidade”
Estado Civil Idade (em anos) objeto
solteiro 19 TV
solteiro 20 moto
solteiro 22 2 motos
solteiro 18 2 bicicletas
solteiro 20 bicicleta
solteira 21 TV
solteiro 25 mantimentos
solteira 21 fogão, TV, roupas
solteira 18 moto
solteiro 18 moto
solteiro 16 bicicleta, som, mat. construção
solteiro 26 som, mat. construção
casado 21 moto
casado 39 mat. construção
“Moradores do sertão”
Estado Civil Idade (em anos) objeto
casado 26 moto
casado 27 fusca
casado 41 fogão
casado 32 mat. construção
casado 36 fritadeira, som

casado 30 sofá, colchão, fogão

Duas mudanças também foram entregues nesta viagem.

200
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Após a exposição circunstanciada destas 22 entregas, pode-


se retomar a investigação em torno da possibilidade de o ciclo
anual de partida e de retorno ser determinado pelo “tempo de
festa” e “tempo de chuvas”. É possível observar que as entregas
estão dividas em dois blocos, classificados segundo o perfil do re-
metente, “moradores da cidade” e “moradores do sertão”. Os jo-
vens nesta época de festas adquiriram meios de transporte, que
irão facilitar a vida de quem permanece no sertão, e possibilitam
ainda que o próprio remetente possa se locomover para todas as
festas que ocorrem na região. As filhas remeteram fogões, TVs e
roupas para as mães e familiares. As manifestações de ajuda e a
preocupação para com os familiares é muito grande entre estes
jovens.
Os que migram na época das chuvas, os casados que traba-
lham na cidade, alternam suas entregas entre materiais de constru-
ção, meio de transporte, eletrodomésticos e móveis, e todos investem
no bem-estar de suas famílias e na construção e melhoria de suas
propriedades.
Os jovens que iniciam o seu processo migratório sem o com-
promisso de sustentar uma família com filhos conseguem obter
maiores benefícios, em menor espaço de tempo, pois os que mi-
gram em razão da necessidade de sustentar a família lutam para
conseguir sobreviver na cidade e garantir a sobrevivência de todos
no sertão. Se, por acaso, passarem um mês desempregados, eles
põem em risco todo o orçamento anual. Portanto, a disponibilidade
de reservas monetárias para a compra de material de construção,

ali. É uma espécie de garagem que permanece sempre fechada, não é um


estabelecimento comercial, mas no futuro ele pretende transformá-lo em
um.

201
Rosani Cristina Rigamonte

televisores, fogões e eletrodomésticos em geral não é tão grande


assim, e requer um planejamento de gastos bastante organizado,
para que, ano a ano, estes migrantes possam atingir seus objetivos
de melhoria de vida.
Os jovens que se deslocam hoje, na maioria das vezes, obti-
veram benefícios do processo migratório de seus pais e parentes, e,
portanto, tiveram uma vida com um pouco mais de recursos do que
seus pais. Boa parte deles cursou o primeiro grau, ainda que incom-
pleto. Na maioria das vezes, eles saem de sua cidade natal com
emprego garantido. Quando há alguém no seu grupo familiar que
trabalha em algum setor mais especializado da construção civil, em
áreas como pintura, colocação de azulejos, colocação de acaba-
mentos em gesso etc., este jovem certamente será encaminhado
para este setor, abrindo caminho para uma maior fonte de rendi-
mentos e uma ascensão mais rápida do que aqueles que passam a
vida “carregando latas”.
As mulheres, além dos jovens, passam também a desempe-
nhar um papel muito importante nesta rede. Muitas delas conse-
guem vencer o preconceito, e viajam sozinhas para São Paulo,
provando que não há mal algum em vir ao encontro do trabalho, e
isto não significa que teriam perdido a moral. Além das solteiras,
algumas mulheres casadas também enfrentam a migração; por ve-
zes, vão e voltam com seus maridos, ou acabam por fixar residência
na cidade. Há as que se fixam na cidade, mas encontram dificulda-
des para manter os filhos e, portanto, acabam deixando-os no ser-
tão para crescerem um pouco, o que acaba por facilitar e baratear a
vida na cidade. Neste período enviam recursos para a manutenção
dos filhos e do restante da família que permanece no sertão.
Aos poucos as mulheres vão se inserindo neste processo em
maior número, cada qual com sua alternativa. Maria do Dadão vai

202
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

esporadicamente a São Paulo, e em cada empreitada consegue


uma nova aquisição. O ganho do marido dá para o sustento e ela
garante o “luxo”: já conseguiu comprar uma TV, enxovais, roupas,
móveis, e agora um fogão a gás. A mulher de Fenício não migra
para a cidade de São Paulo, entretanto, toca um pequeno bazar na
sua cidade, uma forma de complementar a renda da família e de
permanecer ao lado dos filhos em sua casa, no seu local de origem.
Jovelina, casada com Ananias há cinco anos, desde então o acom-
panha todos os anos no período das secas: enquanto ele trabalha
na construção civil, ela trabalha em casa de família. Depois de dez
meses de trabalho em São Paulo, voltam para passar cerca de qua-
tro meses cuidando de sua casa e da roça que possuem em Treme-
dal (BA).
Quando os dois membros do casal participam do processo
migratório, é maior a possibilidade de aquisição de casas, terrenos,
propriedades e animais de criação. Mesmo trabalhando e morando
em São Paulo, a maioria deles vai construindo suas casas, tanto
para moradia, como para lazer, ou como uma outra fonte de renda,
tocando seus negócios no sertão.
Há ainda os que conseguem adquirir duas casas, mesmo
pequenas e situadas na periferia, o caso de Nicodemus. Uma localiza-
se na cidade e outra no sertão; desta forma, não há grandes difi-
culdades em nenhuma das duas pontas da rede, pois há maior
estabilidade e tranqüilidade para toda a sua família.
Pode-se notar que esta rede é duradoura e se perpetua atra-
vés do tempo. Entretanto ela não é estática ou imutável, ela se trans-
forma e acompanha as mudanças que cercam as suas duas pontas.
Funciona como um caminho pelo qual as “modernidades” da cida-
de chegam até o sertão, além de permitir que os seus integrantes, de
alguma forma, participem destas inovações.

203
Rosani Cristina Rigamonte

Este movimento não possibilita a total modernização do ser-


tão. Tampouco equivale a um modo de vida urbano plenamente
instaurado em tal realidade. Estes benefícios não significam a supe-
ração de todas as dificuldades locais. De alguma forma, estas trocas
buscam a superação do isolamento a que esta região foi submetida,
e tentam instaurar uma possibilidade para que esta população pos-
sa participar mais ativamente das melhorias produzidas pela socie-
dade urbano-industrial.

Piripá

Cidade de pequeno porte, com aproximadamente 5 mil ha-


bitantes, tudo somado, o núcleo urbano e a área rural. Há uma
igreja católica, uma igreja evangélica, e três escolas, duas de primei-
ro grau, a outra de segundo grau. Há ainda um mercado municipal,
uma feira semanal, uma bomba de gasolina, uma agência telefôni-
ca e uma bancária.
O comércio local é composto por padarias, bares, bazares,
lanchonete, sorveteria e armazéns. Claro, tudo ao estilo de Piripá:
pequenos e administrados de maneira bastante informal e familiar.
Algumas olarias e alambiques funcionam ao redor do núcleo urba-
no. A cidade está crescendo, expandindo seus limites, e novos bair-
ros já esbarram na zona rural. O feijão e a mandioca predominam
nas lavouras locais.
Nos finais de semana, domingo é o dia mais animado, pois é
véspera de feira. Pela manhã, a celebração de missa e o jogo de
futebol; à tarde, o programa é a lanchonete e a sorveteria; por fim, à
noite é a vez do baile na discoteca. No salão da discoteca, durante
todo o dia, as transmissões da rádio local informam quais serão os

204
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

eventos, destacando-se os bailes, jogos de futebol, jogos de voley.


Uma programação completa para o domingo.
No fim da tarde de domingo começam a chegar à cidade
alguns vendedores, que recordam o estilo dos “caixeiros” viajantes:
circulam em todas as feiras da região – aos domingos, em Lagoa
Preta; às segundas, em Piripá; às terças, em Tremedal, e assim por
diante. A feira é o principal evento que ocorre semanalmente na
cidade, concentra muitas pessoas dos núcleos urbanos e rurais, uma
variedade de produtos da região, além de muita diversão.
Durante os outros dias da semana, o movimento de pessoas
pelas ruas é pequeno, quase nulo. São os horários de entrada e
saída das escolas que caracterizam o maior movimento pelas ruas.
Aqueles que residem na zona rural não vêm à cidade com freqüên-
cia. Mas a segunda feira começa muito cedo: por volta das 6 horas
da manhã as barracas já estão praticamente todas montadas. Do-
mingo à noite vários automóveis e pessoas pernoitam nos arredores
do mercado municipal. Cada qual com o seu propósito, seja a ven-
da de seus produtos, rever os amigos, namorar ou fazer a sua feira.
São caminhões e caminhonetes que chegam trazendo o povo de
toda a região.
Este é o dia em que os pequenos produtores trazem suas mer-
cadorias para serem vendidas, e é um momento único para fazer as
compras, pois no núcleo urbano apenas alimentos não perecíveis são
comercializados. Todos os bares se abrem, e há estabelecimentos co-
merciais que existem exclusivamente para este dia. A cidade, comple-
tamente vazia em dias normais, neste dia tão importante se movimenta
ativamente.
Vão surgindo cavaleiros, vaqueiros, chapéus de couro, carros
de boi, que se encontram no ritual da feira. Legumes, verduras,
carne seca, carne verde, feijão fradinho, andu, feijão-de-corda, er-

205
Rosani Cristina Rigamonte

vas medicinais, óleo de pequi, rapadura, farinha de mandioca, pol-


vilho, goma, requeijão, chapéu de couro, candeeiro, embornal, blu-
são, sela, fumo de corda, cachaça, fazenda, alpargatas, rádios de
pilha, cosméticos, fitas cassete e tantos outros produtos. Enfim, a
feira é uma exposição de costumes e tradições regionais.
A feira, portanto, é um evento de grande importância para
esta população, pois proporciona contato entre as populações lo-
cais e acesso a bens de consumo impossíveis de serem adquiridos
fora deste evento na região.
Além da feira, só mesmo a Festa de São João para alvoroçar
a todos, a festa mais tradicional da cidade e de toda a região, a
ponto de moldar o mês de junho como o preferido para as férias.
Para a festa arma-se um “terreiro” na Rua Principal e são seis dias
de Forró. Não há quem não fale do São João em Piripá.

Os preparativos para a festa

Quem for a Bahia visite o sertão


Vá ver Piripá com animação
É clima de festa Forró e cachaça
Meninos na praça soltando balão50
(Onildo Barbosa. São João em Piripá)

50
“Turista chegando de todo lugar / Para ver Piripá no seu São João / Canjica
na mesa / Batata na brasa / Todo mundo em casa / Em um clima só /
Morena bonita fazendo gincana / São 4 semanas tocando forró / Eu vou a
Piripá / Eu vou a Piripá / Levanta a poeira nos forró de lá.”

206
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A festa é como que um marco abrindo e fechando ciclos anuais.


Comemora-se a colheita, o tempo de chuva, os víveres que foram
suficientes para o ano, a criação que sobreviveu, a seca chegando ao
seu final. Dia 24 de junho é a data em que se comemora o nascimen-
to de São João e um grande dia de festa no sertão. As explicações e
justificativas para ressaltar a importância desta data poderiam ser inú-
meras, mas o que chama a atenção é como esta festa desencadeia
toda uma movimentação no fluxo de retorno desta população.
A maioria opta por este período para tirar férias, rever paren-
tes, ficar noivo, marcar casamento. “É como se fosse natal para
paulista, é mais de uma semana de festa, e a gente passa o ano todo
se preparando. Compra presentes para parentes, roupa nova, faz
comidas gostosas, é só alegria” (Zuíno, 28 anos, piripaense, trabalha
na construção civil em São Paulo, e veio este ano brincar a Festa de
São João em Piripá).
Desde que as entregas foram iniciadas, o assunto era o São
João. “Vocês vieram para a festa?” “Vão passar aonde?” “Vai ter
arraial aqui, volta para passar com nós.” “Na nossa festa ainda se
assa mandioca e batata doce na brasa, não vai perder, hein!” Os
convites eram inúmeros, e pelo que se fala nas entregas, é possível
notar que os filhos(as), maridos, irmãs e parentes em geral estarão
presentes por ocasião da festa.
As mulheres, além da faxina, arrumação e ornamentação das
casas, incumbem-se de preparar deliciosos biscoitos. Em todas as
casas que foram realizadas as entregas, desde São João do Paraíso
até Piripá, foram oferecidas estas delícias, confeccionadas
artesanalmente. Todos eles têm como base a goma51, e, dependen-

51
Uma espécie de geléia produzida à base de mandioca, um polvilho já
apurado. Algumas mulheres são especialistas no preparo da goma,

207
Rosani Cristina Rigamonte

do do tipo de biscoito adiciona-se leite, coco, sal, gordura e assim


por diante. É desta alquimia que se obtém os chimangos, chiringas,
sequilhos, biscoitos doces, cozido de assado e bolos diversos.
A quantidade produzida é imensa, tanto que, no retorno dos
parentes a São Paulo, todos trazem sacos de biscoitos de presente, e
os que ficam em São Paulo aguardam o envio destas guloseimas.
Os biscoitos de polvilhos que se consome em São Paulo nada mais
são do que a chiringa que se faz na região.
Para o preparo, as mulheres fazem verdadeiros mutirões, e
trabalham a cada dia na casa de uma delas. É necessário o preparo
da goma, o preparo da massa, untar as formas, enrolar os biscoitos,
preparar e controlar o fogo no forno à lenha, e, por fim, assar forma
por forma, não podendo perder o ponto do assado.
Para cada tipo de biscoito uma massa, um ponto, uma forma
de preparo e um tempo de cozimento. Se na zona rural a energia
elétrica é inexistente, na zona urbana ela é dispensada para este
preparo. Portanto, não são usados os liqüidificadores, nem batedei-
ras no processo de preparo da massa.
Aqui, moça, é tudo no muque, é força mesmo que tem que
por. Tá aí o segredo da massa. A força de cada mulher vai nos
biscoitinhos. Quando se prova logo se sabe se a mulher é jeito-
sa, se é trabalhadora, se tem energia, tudo se sabe. Esses bis-
coitos revelam os segredos da dona. (Dona Detinha, 51 anos,
nove filhos, famosa biscoiteira de Piripá).

Foi possível observar as diversas fases do processo produtivo,


em diferentes lugares. Durante as entregas, quando se chegava à
noite, as mulheres reunidas estavam preparando a goma. Se fosse

permitindo comercializá-la já pronta, o que ocorre apenas nos núcleos


urbanos, pois na roça cada um prepara a sua goma.

208
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

ao amanhecer, a massa; se fosse perto do meio-dia, era a fase do


início da untação e cozimento dos biscoitos, parte do processo que
se estende até o anoitecer. Ao anoitecer, goma. E nesse ritmo, du-
rante os dez dias que antecederam a festa, este preparo ocorria por
toda parte, e a reunião do mutirão funcionava como uma prévia da
festa. Mulheres reunidas, crianças correndo, cantorias, biscoitos fres-
quinhos para serem saboreados. Alegria no ar, os familiares chega-
rão!
Outra atividade bastante marcante é a preparação dos terrei-
ros e barracões onde acontecem as festas, com adereços como ban-
deirinhas, imagens do santo, fitas, o mastro do santo sendo
preparado, madeiras para as fogueiras, e assim por diante. Tudo
sendo preparado com alegria e expectativa. “Será que o Tiãozinho
vem?” “Brito, o Dito foi na praça dizer se vinha?” “Tem notícias se
o Carlito vai vir?”
Brito, como os demais caminhoneiros, é uma fonte de infor-
mações. Como já foi visto, é prática do pessoal em São Paulo man-
dar recados no boca-a-boca para os parentes e conhecidos, via
caminhoneiros. A cada parada, várias mulheres e crianças vinham
em busca de novidades e notícias do “povo de São Paulo”.
Na chegada em Piripá, os preparativos também eram visí-
veis. Na rua principal, ao lado da Praça e em frente à matriz, estava
sendo montado um grande barracão. Muitos homens trabalhavam.
A Prefeitura e comerciantes locais são os patrocinadores da festa.
Sobretudo num ano como 1996, ano de eleições municipais, no
qual os candidatos à candidatura de prefeito ou vereador aprovei-
tam para se autopromoverem por meio de camisetas e bonés.
O enfoque central dos preparativos para a festa no município
de Piripá é o barracão, além das barracas montadas ao seu redor. As
ruas principais também são enfeitadas, mas este serviço fica por

209
Rosani Cristina Rigamonte

conta das equipes da Gincana, um outro acontecimento que ocor-


re paralelamente ao Forró.
Muitos fogos de artifício são vendidos por toda a cidade, e se
faz muitas alusões sobre suas queimas na noite de São João, tendo
as crianças como os adeptos mais fervorosos. São foguetes, buscapés,
chuveiros, rojões, traques de sete tiros, bombas, uma grande diver-
sidade, que se alastra por latas, armadilhas, esquinas, enfim, em
toda parte.
Durante toda semana que antecedeu a festa, diariamente, no
mesmo horário, por volta das 10h da manhã, houve queima de
fogos, um fato algo intrigante. Até que um dia foi possível ter acesso
à casa onde ocorria a queima, ao local da comemoração: nada mais
era do que um almoço que festejava a chegada de dois filhos de
São Paulo. A família comemora a chegada dos parentes com festa e
queima de fogos e o evento ocorre sempre no mesmo horário, por
ser esta a hora de chegada do ônibus de São Paulo.
Um fato envolvendo a prática da espera às vésperas da festa
deve ser citado. Anselmo, 35 anos, casado, chegou a Piripá logo
pela manhã, no dia 18 de junho, mas já era aguardado pelos ami-
gos, e todos foram diretamente para o Bar Cana Brava comemorar
a chegada, em vez de ir diretamente para sua casa, onde a família o
aguardava. Passaram-se mais de três horas e eles continuavam be-
bendo no bar. Quando deu conta do atraso, saiu afobado e bêbado
rumo à sua casa. Para comemorar, resolveu comprar algumas bom-
bas e estourar na sua chegada, para alegrar toda a família. Próximo
à cerca de seu quintal, Anselmo acendeu várias bombas de uma só
vez e atirou-as para tudo quanto foi lado…, mas o que suas condi-
ções não lhe permitiram prever era que uma das bombas cairia ao
lado do porco que estava no quintal, que imediatamente a colocou
na boca, e BUM!!!

210
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

“Eu já vi porco assado, cozido, frito; agora, porco explodido!


Só podia ser coisa do Anselmo, mesmo!”, emendava seu vizinho,
em tom irônico. Foi tamanho o estrondo que durante dias comenta-
va-se o caso do porco. E se o projeto era uma grande comemoração
para a sua chegada, nas imediações de sua casa não houve quem
não o visitasse para averiguar o acontecido… Era pedaço de porco
para todo lado. Estórias que o “povo” conta.
Um dos sentimentos mais fortes e presentes em toda esta se-
mana de comemorações é a celebração da união, do reencontro.
São João é o momento em que todos se reúnem, a família, os ami-
gos e os casais. Durante toda a semana que antecede a festa, há o
que se comemorar todos os dias. A chegada do irmão, da filha, do
sobrinho, do marido, do amigo, enfim, a chegada de todos para a
festa é um dos grandes motivos das comemorações. “A Festa de
São João hoje significa estar na nossa terra com a nossa gente, não
há tristeza, não há distância, não há saudades. É só alegria e festa! E
viva São João!” (Ditinho, 25 anos, casado, trabalha em São Paulo
há oito anos na construção civil e veio para brincar as festas em
Piripá).
Este é um momento único no ano, no qual o sertão é o
destaque na vida destes migrantes. Todos que podem, retornam
para comemorar e brincar junto com seus familiares. Contrapon-
do-se ao resto do ano, no qual São Paulo é o aglutinador do fluxo
destes indivíduos, neste período há o retorno para a festa; o sertão
é o local onde esta celebração tem suas raízes e seu significado,
ressaltando o reencontro com os parentes e a reafirmação de suas
origens.

211
Rosani Cristina Rigamonte

A caminho
de Piripá

Lourdes recebe
sua encomenda

212
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

As
entregas

213
Rosani Cristina Rigamonte

O sertão e suas
peculiaridades

214
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Os homens do
sertão

215
Rosani Cristina Rigamonte

Os ilustres bailarinos
na pista

Vilmar do Acordeom animando


a Festa de São João.

216
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

A festa

Em Piripá, os acontecimentos da festa na zona urbana estão


divididos em dois grandes blocos: o Forró e a Gincana. Já em outras
cidades da região são cinco dias exclusivamente de Forró.

A Gincana

A Gincana é organizada nos moldes convencionais: equipes


determinadas, provas a serem desenvolvidas, contagem de pontos e
premiação para a equipe vencedora. O evento ocorre durante todo o
dia, no período das festas. São equipes constituídas pelos moradores
da cidade, cada uma com aproximadamente 50 pessoas, em sua
maioria jovens, que cumprem tarefas previamente determinadas pela
comissão organizadora. No ano de 1996, participaram da Gincana
três equipes: BBMorar, Cana Brava e Piraça.
As equipes são formadas na sua maioria por jovens
piripaenses, alguns dos quais moram em São Paulo, cuja recepção
na chegada fica por conta da equipe, que aguarda ansiosamente a
chegada de seus integrantes. Este evento é organizado há mais de
dez anos. Há os que apontam um vereador como o mentor intelec-
tual da Gincana, outros, a Prefeitura como organizadora inicial. En-
fim, o evento ocorre anualmente e é patrocinado pela Prefeitura e
comerciantes locais.
A comissão organizadora e a comissão julgadora são
selecionadas pela Prefeitura. Os integrantes não precisam ser neces-
sariamente da cidade, precisam apenas estarem envolvidos com a
arte e eventos culturais; professores, músicos e escritores compõem
a comissão.

217
Rosani Cristina Rigamonte

A Gincana ocorria durante todo o dia; o Forró durante toda


a noite. As tarefas começavam por volta das 9h e finalizavam-se
por volta das 19h. O Forró iniciava-se às 22h e encerrava-se às 6h
da manhã. Foram seis dias de intensa atividade, tendo-se de per-
correr toda a cidade, além, claro, dos almoços e jantares que ocor-
rem por toda parte.
O evento iniciou-se no dia 21 de junho às 23h, momento em
que todas as equipes passam a enfeitar as ruas principais da cidade:
a agitação e o trabalho atravessaram toda a madrugada. As três
ruas que circundam o barracão, a matriz e a praça central eram o
espaço a ser ornamentado. O barracão já estava completamente
enfeitado e o motivo predominante eram as cores da bandeira baiana
– azul, branco e vermelho –, já que o tema da festa neste ano era
“Bahia, nossa terra, nossa gente!” As ruas foram enfeitadas de for-
ma a ressaltar o povo e a cultura baiana.
No dia seguinte, as ruas estavam com bandeiras coloridas,
palhas, murais, carros de bois e vários personagens. O povo baiano
foi destacado pela sua originalidade musical, pela influência africa-
na nos seus ritmos e costumes, pelo sertão e, ainda, por suas belezas
físicas e riquezas naturais. O cacau e a cana receberam lugar especi-
al como grandes fontes de riquezas. A imagem da Bahia construída
no sertão era uma mistura de baianas do acarajé e capoeiristas ao
lado de carros de boi e chapéus de couro, emoldurados por planta-
ções de cacau, cana e mandacarus.
Foi uma mistura do novo com o velho, do litoral com o ser-
tão. Não faltaram as representações de brincadeiras tradicionais das
festas juninas, como a quadrilha, a queima de fogos, o quebra-pote52,
trança-fitas53 e o pau-de-sebo.54
52
O quebra-pote é uma brincadeira infantil, na qual se amarra um pote de
barro cheio de brindes e doces num mastro não muito alto. Passo seguinte,

218
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

As tarefas que se sucederam demonstravam a todo momento


esta mistura entre o tradicional e o moderno, o regional e o global.
Foram solicitadas tarefas como:
(1) Coreografias: com as canções Boquinha da Garrafa e Se-
gura o “Tchan”55, além de ritmos ciganos56;
(2) Imitações: Falcão, Tiririca e Mamonas Assassinas.
E os que não fossem fiéis às interpretações eram vaiados pelo
público.
A última tarefa foi um show de calouros, onde talentos locais
mostraram seu potencial. Portadores de estilos sertanejos, românti-
cos ou debochados subiram ao palco e interpretaram músicas de
Roberto Carlos, Chitãozinho e Xororó, Roberta Miranda, Júlio

coloca-se venda em alguns meninos, que com uma vara na mão devem
quebrar o pote. Todas as demais crianças esperam ao redor a hora que o
pote for quebrado, momento em que todos se jogam no chão e disputam
as delícias reservadas aos mais rápidos.
53
Trança-fitas é uma alegoria das danças tradicionais do mês de julho. Um
mastro é colocado no meio da roda com longas fitas coloridas, onde cada
par pegará uma delas, no meio da dança. Com passos sincronizados, os
pares vão dançando e cruzando as fitas. Ao final o mastro fica todo enfei-
tado por fitas coloridas, trançadas através da música. O mastro é dedicado
ao Santo da comemoração e fica no meio do terreiro.
54
Um grante mastro é besuntado por sebo de animal e no ponto mais alto é
colocado uma quantia em dinheiro para quem conseguir pegá-la. Ho-
mens disputam a vez de tentar subir no pau, mas poucos chegam ao final
e ganham o prêmio.
55
Estas são músicas do grupo Gera Samba, que despontou no carnaval 96,
com temas que misturam erotismo e sensualidade; venderam milhões de
discos. A boca da garrafa e o “Tchan” são representações de atos sexuais.
56
A vida cigana foi interpretada em uma telenovela exibida no horário nobre
da Rede Globo, na época da festa.

219
Rosani Cristina Rigamonte

Iglesias, Elton John, além de autorias próprias. No último dia de


Gincana, todas as equipes apresentaram suas quadrilhas: a quadri-
lha dançada no sertão é um espetáculo maravilhoso de ser visto.

O Forró

A cidade estava em festa, com ininterruptas comemorações.


Foi possível presenciar um casamento e várias festas para comemo-
rar a chegada de parentes. E há os que comemoram o seu ritual de
iniciação, pois, após as festas, iniciarão o seu processo migratório
rumo a São Paulo.
Foram seis noites de Forró, do dia 21 de junho ao dia 26. O
baile se inicia às 22h e só termina quando o dia amanhece, por volta
das 6h. A música é ao vivo durante as oito horas de baile, com ape-
nas dois pequenos intervalos. Uma animação sem fim.
Quem alegrou a festa foi Vilmar do Acordeom e sua banda. Ele
já faz este trabalho há oito anos e é a base do baile. Mas no dia do São
João sempre um forrozeiro em ascensão vem animar a festa; neste
ano, foi a vez de Edgar Mão Branca, da região de Vitória da Conquis-
ta.
A todo momento, pode-se observar que nas músicas tocadas,
tanto no Forró, quanto na Gincana, há uma certa integração, apesar
da distância, entre o sertão e os grandes centros urbanos: as preferên-
cias e gostos musicais mesclam-se a todo momento. Nem só ritmos
sertanejos, nem tampouco apenas ritmos das grandes cidades, mas
sim uma união até que harmônica entre diferentes estilos musicais.
A festa ocorreu no sertão, mas foi possível dançar sob o som
de Mamonas Assassinas, Raul Seixas, Luiz Gonzaga, Leandro e

220
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Leornado, Roberto Carlos, Mastruz com Leite, Onildo Barbosa, Fal-


cão, Edgar Mão Branca, entre outros. A influência de ritmos e com-
positores tradicionais não é exclusiva, há também estilos musicais
produzidos para o mercado consumidor das grandes cidades, entre-
laçamento que alimenta a discussão sobre onde termina e onde
começa a cultura de massas e a cultura regional. De saída, pode-se
ter uma certa decepção, pois a referência primeira dos princípios
estruturantes do São João é o tripé fogueira, sanfona e quadrilha.
Estes elementos estavam presentes, entretanto, dialogando
com estilos musicais e ritmos, costumes e modas, oriundos da me-
trópole:
Antes de concluir, portanto, pelo caráter conservador ou
constestatório das manifestações de cultura e entretenimento
populares, é preciso estar atento para os significados que estão
investidos. O fundamental é fixar-se menos numa suposta cla-
reza ideológica e mais na lóg3ica que preside e sustenta os
fragmentos aparentemente contraditórios dessa verdadeira
bricolagem que é chamada cultura popular (Magnani, 1984:
27).

O Forró misturou várias bandas, desde os modernos Mastruz


com Leite57, Cacau com Leite, Onildo Barbosa e Edgar Mão Bran-
ca, esses dois cantores da região, até o mais tradicional, como Luiz
Gonzaga e Domiguinhos: independente do estilo, se mais moderno
ou mais tradicional, o ritmo permanece o mesmo. Há também va-
riações nos temas das músicas, que vão desde a comemoração do
São João, as saudades dos tempos em que todos brincavam esta
festa na roça, até algumas versões mais modernas que falam da

57
Grupo conhecido em São Paulo e que se encontra em plena ascensão.
Tentaram modernizar o Forró, adaptando bateria, sax e guitarra ao tradi-
cional trio formado por zabumba, sanfona e triângulo.

221
Rosani Cristina Rigamonte

sensualidade e da transgressão de algumas regras, como brincar


com todas as meninas neste ano!
Alegria, alegria São João chegou
E vou brincar com você
Eu sou devoto deste santo padroeiro
Do Nordeste brasileiro, Sr. São João
A festa dele eu comemoro cantando e dançando
Xote, arrasta-pé e baião
(Edgar Mão Branca. Forró em Irecê)

Vou passar o mês de junho


Nas ribeiras do sertão
Onde dizem que a fogueira
Ainda aquece o coração
Para dizer com alegria
Mas chorando de saudades
Não mudei meu São João
Quem mudou foi a cidade
(Zé Dantas e Luiz Gonzaga. São João Antigo)

Ai que saudades que eu sinto


Das noites de São João
Das noites tão brasileiras
Sob o luar do sertão
(Luiz Gonzaga. Noites brasileiras)

Olha p’ro céu meu amor


Vê como ele está lindo
Foi numa noite igual a esta

222
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

Que tu me deste teu coração


O céu estava assim em festa
Porque era noite de São João
(Mastruz com Leite. São João).

Junho é o mês de passar o São João na roça


Roça de milho
Roça menino
Roça assim seu corpo em mim
(Cacau com Leite. São João na Roça)

Vou dançar o São João,


Farrear com mais de mil,
Ver os velhotes atirar granadeiras
E a moçada no terreiro tirar fogo sem fuzil
(Mastruz com Leite. O São João)

Empurre essa mesa p’ro canto


E lá p’ra fora o banco
Nesse lambuzeiro gostoso
Enquanto o fole tá fungando
Com ela beiçando, todo mundo olhando
O povo desconjurado
Esse nosso relaxo dengoso
(Edgar Mão Branca. Baião Porrada)

Quem quer Forró quer folia


Quem quer folia quer dançar
Quem quer dançar quer um bom sanfoneiro
E um bom zabumbeiro ritmando o Forró!
(Edgar Mão Branca. Fussaca)

223
Rosani Cristina Rigamonte

O que está presente a todo momento são sentimentos como


saudades, energia e resistência. A festa não tem hora para acabar. E
ela demonstra, portanto, a força de um povo, que dança até se aca-
bar. São crianças, jovens, adultos, velhos. Da cidade, da roça, da
região, de longe. Todos se misturam para comemorar; no adiantado
da hora, até homem dança com homem...
Negar uma dança é falta de consideração, uma desfeita: quem
vai à beira do salão é quem quer dançar. E a ordem da festa é esta:
DANÇAR! Alguns são profissionais, dançam magnificamente, outros
são aprendizes, alguns que não têm tanta habilidade, mas o ritmo
contagia, a poeira sobe e o arrasta pé vai longe.
Na tentativa do aprendizado da dança foi possível encontrar
um “professor nativo”: Celinho, 28 anos, casado, trabalha em São
Paulo, é bancário há mais de oito anos – dava lições teóricas e prá-
ticas sobre o assunto “O segredo está no pé de apoio, o passo tem
que ser arrastado. Moça! Isso não é samba, não tem pulinho, nem
rebolação. O passo é seco, é para chão de terra, tem que fazer a
poeira subir”. E depois de seis dias de observação participante, meu
professor já tecia elogios.
A paulista levou a sério esta pesquisa, dançou com velho, com
novo, com bonito, com feio, dançou a valer! Mas o que não
esqueceu foi o passo arrastado, o pé de apoio, a resistência.
Essa é das nossas! Já é uma pós-graduada em Forró!

Para participar efetivamente da festa é preciso dançar. E aí


descobre-se qual é o segredo e o significado do Forró: a força, pois
sem resistência suficiente não há como acompanhar o ritmo, e
tampouco a festa até o final. O passo arrastado, a chiadeira do chi-
nelo requer muita habilidade e vitalidade. Um dos depoimentos mais
reveladores do espírito e dessa essência do sertanejo foi a conversa
com o Sr. Zequinha, 81 anos, 11 filhos. Já trabalhou em São Paulo

224
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

durante várias décadas e agora tem um bar em Vitória da Conquis-


ta, onde mora, visitando sua cidade natal somente em datas come-
morativas. E todos os anos não perde o São João, é óbvio.
Você quer saber qual é o meu segredo, para dançar até hoje
desse jeito? Ah! Vocês que vivem só na cidade têm muito o que
aprender aqui com o povo do sertão. O negócio é Catuaba. Já
ouviu falá? Pois é isso mesmo, dê Catuaba para o seu marido,
para você vê como a tua vida vai mudar. O povo da cidade
grande é doente, cansado, os homens são meio frouxo. Com
nós aqui não tem problema nenhum. Trabalhamos a valer, en-
frentamos sol, seca, caatinga. Na cidade não há trabalho que
nos assuste, não tem festa boa que a gente perca e nem deixa-
mos desgostosa nenhuma moça. Temos sempre energia p’ra
queimar. Mas não se esqueça: Catuaba, essa levanta qualquer
um!

Sr. Zequinha é um fenômeno de energia brutal. Orgulha-se


de sua disposição: como ele mesmo diria, Santa Catuaba! O sertão,
sua sabedoria e seus mistérios.
Vários conhecidos de São Paulo, freqüentadores da Praça
Silvio Romero foram encontrados na festa. Moças, rapazes, soltei-
ros, casados, enfim, uma infinidade de pessoas que veio para Piripá.
Mas nem todos os aguardados vieram; neste ano o sucesso não foi
o esperado. Nos últimos cinco anos o movimento de pessoas tem
sido maior, esperava-se mais gente. Mas isto nada mais é do que um
reflexo da crise de empregos pela qual passa São Paulo e todo o
país.
Antes se o patrão não liberasse o mês de junho para gente
viajar, tirar as férias, era só sair do emprego, passar o São João
aqui, depois, na volta, não se passava nem uma semana sem
emprego. Agora não, o emprego tá difícil, e tem gente que não
consegue passar o ano todo trabalhando. Tá faltando muito

225
Rosani Cristina Rigamonte

trabalho. Então, não dá para bobear: se o patrão não liberar,


tem que amargar e perder o São João. Mas é triste. Ter que
perder a festa é demais!

Roberto, 21 anos, trabalha em São Paulo na construção civil,


há mais de quatro anos, solteiro, e conseguiu suas férias para vir
brincar o São João.
O meu primo Janô viu que dificilmente o chefe dele iria deixá-
lo sair, ainda mais que ele não tem um ano de trabalho, então
você sabe o que ele fez? Tem uma amiga que é enfermeira, ele
foi no hospital que ela trabalha, deu uma anestesia, abriu um
corte no dedo, deu 5 pontos, foi no INSS, apresentou a ficha
de atendimento hospitalar, disse que tinha caído do ônibus,
voltando do trabalho, ganhou uma licença de 12 dias, e está
aqui para brincar o São João. Você vai até falar que ele é louco,
mas, se ele não viesse, era aí que ele ia ficar louco de vez. Esta
festa daqui faz falta para a gente lá.

Airton, 23 anos, trabalha em São Paulo num escritório de


contabilidade e conseguiu tirar suas férias no mês de junho. De fato,
Janô brincava o São João com seu braço enfaixado, estava sendo
muito bem tratado pelas garotas, não tinha do que reclamar.
Outro movimento que sinaliza a diminuição de pessoas vin-
das para a festa deste ano é a queda do número de ônibus fretados
para trazer o pessoal de São Paulo até Piripá. Normalmente, a mé-
dia anual é de cinco a seis ônibus. Entretanto neste ano foram freta-
dos apenas dois ônibus, um proveniente do Capão Redondo e outro
do Jardim Santa Catarina (ZS).
Eu venho todo ano, há uns oito anos. Moro por ali, já conheço
o pessoal, trabalho como motorista de ônibus, e eu alugo os
ônibus que precisar. Neste ano, foram só dois, mais ainda bem
que eu consegui formar esta turma, pois achei que não ia vir
ninguém. O dinheiro tá curto e todo mundo tem receio de gas-

226
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

tar, mas no fim deu certo. Eu comecei a fazer esta linha por
causa de um vizinho meu que é daqui. Me disse: por que eu
não alugava um ônibus?, ele tem muitos parentes e amigos
daqui, montou a primeira turma e deu certo, e, aí, eu vou to-
cando até hoje. A gente passa uma semana aqui para as festas,
depois vamos até Bom Jesus da Lapa, ficamos dois dias lá e
depois voltamos direto para São Paulo. Só eu e o meu amigo,
motorista, é que estamos hospedados aqui na pensão, o resto
está tudo em casa de parente, é tudo gente daqui!

Roberto, casado, 31 anos, paulista, trabalha como motorista


de ônibus em São Paulo. É o organizador dos ônibus que são fretados
de São Paulo para Piripá. Este empreendimento de turismo se organi-
za de maneira informal, uma vez que Roberto aluga os ônibus confor-
me a demanda e a divulgação é feita boca-a-boca, entre amigos e
parentes da região na qual mora. Ele reside no Jardim Santa Catarina
(ZS), região onde há aglutinação de moradores de Piripá.
Apesar desta não ter sido uma das festas mais lotadas dos
últimos anos, o fluxo de pessoas foi bastante grande, o barracão
estava lotado todas as noites. O pessoal da roça esteve presente e o
Forró fica muito mais colorido e animado quando todo o povo par-
ticipa.
Aqui é um lugar que se pode dançar. Os homens tomam ca-
chaça, mas não ficam violentos, respeitam as mulheres. Nas
cidades maiores, os bailes são mais perigosos, é uma violência
que não dá para dançar com qualquer um. Aqui a gente dança
com conhecido, com parente, não tem problema, estamos em
casa. Se o homem bebe demais e fica caído pela rua na madru-
gada, no dia seguinte a gente vem recolher e nada de mau
acontece. Só os moleques que fazem brincadeira de pendurar
placas, pintar a cara, mas isso é tudo gozação, coisa de mole-
que. Agora em Vitória da Conquista, onde eu moro, é uma
loucura! Eu digo que é pior do que em São Paulo. Até ontem o

227
Rosani Cristina Rigamonte

terceiro dia de festa já tinham morrido nove pessoas, bebedei-


ra, facada, tiros, é muito violento! (Zoraide, 30 anos, casada,
professora, já morou oito anos em São Paulo e agora mora em
Vitória da Conquista).

De fato, a tranqüilidade reinou até o final da festa. Algumas


brigas, bebedeiras, mas sem grandes problemas. Era possível transi-
tar tranqüilamente pelas ruas na madrugada, muita gente que veio
da roça para os bailes dormia pelas ruas, e tudo seguia bem. Todos
estavam ali para se divertir, brincar, dançar e festejar.
Todos os caminhoneiros estavam presentes para a festa: Brito,
Pereirinha, Diamani, Zuíno, Vicente, entre outros. Eles organizam
suas atividades de tal forma que possam ficar parados pelo menos
uma semana para acompanhar a festa. Concentram um grande
número de entregas nas semanas que antecedem o evento, e logo
após este período há uma queda natural no movimento. Portanto, o
próprio fluxo da festa favorece o descanso destes caminhoneiros.
As barracas ao redor do barracão, no centro da cidade, pas-
sam o dia e a noite inteira movimentadas. Todos revêem amigos,
parentes, toma-se uma cachaça aqui, uma cervejinha ali. O assado,
carne na brasa, é o forte da festa. Tanto nas barracas como nas
festas que ocorriam pelas casas, a comida tradicional é o assado. Há
também mandioca e batata doce na brasa. Assado de porco, de
vaca, de galinha por todo lado. Grandes churrasqueiras ardiam noi-
te e dia. A bebida variava entre cerveja, cachaça e quentão. À noite
surge um outro integrante do cardápio – os caldos. Os caldos de
mocotó e de sururu davam energia e sustento para os que estavam
há horas dançando e há dias sem dormir, o que inclui a grande
maioria das pessoas.
Às 21h30 o barracão começava a ficar movimentado. Os mais
apaixonados pelo Forró gostam de dançar da primeira à última

228
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

música: pontualmente às 22h começam a forrofiar, e só param quan-


do o dia amanhece, não há o que os faça parar. Ao redor do barra-
cão estavam dispostas várias mesas, às quais se podia ter acesso
mediante o pagamento da quantia de 15 reais, o que dava direito a
quentão, pipoca e amendoim durante todos os dias de festa; todas
estavam lotadas.
Só na véspera de São João é que as tradicionais fogueiras
passam a fazer parte do cenário. Embora não fiquem no centro das
festas, como antigamente, são acesas na porta das casas e, por ve-
zes, ficam a queimar sem nenhum espectador. Já na roça, a festa
ainda ocorre ao redor da fogueira.
Cachaça, assado, Forró, fogueira, amigos e parentes: este é o
ritmo da festa mais esperada por esta população durante todo o
ano. Se analisada em contraponto com as antigas festas juninas,
poderia ser dito que esta festa perdeu muito de suas tradições, mas,
quando se presencia as comemorações mais de perto, é possível
acompanhar toda uma ritualização de antigas tradições, como as
fogueiras e os fogos na noite de São João. A festa ressignificou-se e
adaptou-se às novas conjunturas vividas por esta população, isto é,
não perdeu seu significado original, antes, acompanhou a transfor-
mação do contexto no qual está inserida.
Em suma: era festa noite e dia; de fato, festejar o São João no
sertão é animado. No final da semana, no dia 28 de junho, data em
que se comemora São Pedro, realiza-se um baile na Ressaca – uma
grande fazenda que tornou-se subdistrito de Piripá. No núcleo da
vila foi armado um barracão onde o mesmo sanfoneiro que animou
os seis dias de festa na cidade foi animar a festa de São Pedro na
roça. Todos que participaram da festa em Piripá vieram também
participar da festa na Ressaca. Apesar de toda a infra-estrutura ar-
mada (com barracão, barracas, som, luzes, mesas, bandeiras), a fes-

229
Rosani Cristina Rigamonte

ta mais distanciada do núcleo urbano tem um outro clima, é mais


nostálgica e romântica, pois o luar do sertão torna-se mais presente
neste cenário.
A festa de Piripá é famosa. Toda região de Vitória da Con-
quista tem também festas bastante tradicionais. Pela programação
da TV local era possível perceber o impacto comercial e turístico que
estas festas proporcionam. Onildo Barbosa, um famoso forrozeiro
de Vitória da Conquista, neste ano tornou-se o “garoto propagan-
da” de várias cadeias de lojas da região, e não foram poucas as
inserções comerciais em que participara na televisão: Mercadão dos
Calçados, Imobiliária Veloso, Forró de Itambé, São João de Vitória
da Conquista, Supermercado Vitória – vendia de tudo, desde festas,
alimentos, até calçados; até o slogan dos diferentes anúncios era
bastante similar. “O sertão está em festa, aproveite para comprar e
comemorar o São João.”
Além das promoções de vendas para o São João, os anún-
cios para promover as festas da região eram inúmeros e se diferen-
ciavam pelo tipo de festa que promoviam. De grandes festas, ditas
modernas, a outras mais tradicionais, que se intitulavam como à
moda antiga, os anúncios publicitários eram como se segue:
– Lageado do Tabocal (BA): Grande Forró do Moraes, com
Moisés e sua Banda. Serão cinco dias de Forró sem parar.
– 8o FESTSOL – Festival de Carne de Sol em Itororó: a melhor
carne de sol da região, acompanhada de cinco dias de Forró.
– Serão cem horas de Forró em Itambé: com Onildo Barbosa,
Cacau com Leite e Zé Eduardo. É só para quem for sacudido.
É Forró noite e dia para dançar.
– Vitória da Conquista vai arrebentar, são seis dias de festa sem
parar, muitas atrações e a animação fica por conta de Onildo
Barbosa e Cacau com Leite.

230
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

– São João em Anagé: com muita folia e animação, com


sanfoneiro e arrasta-pé, para a poeira levantar até o dia raiar.
– Jaguaquara tem o melhor São João Tradição: com sanfona,
quadrilha, quebra-pote e quentão. Venha participar.

Tem São João para todos os gostos, mas, independente de


algumas se intitularem gigantescas ou modernas, tem de haver fo-
gueira, fogos de artifício e sanfoneiro, imprescindíveis. E as festas
que se intitulam São João Tradição tocam músicas e ritmos mais
atuais, como Onildo Barbosa, Mastruz com Leite, que não podem
faltar. A festa vai se adaptando às novas tendências do mercado e
tenta agradar a todos os tipos de festeiros, desde os mais tradicionais
até aos mais modernos.
Por mais que esta festa se ressignifique, o que importa é o seu
espírito, que permanece preservado. É o fôlego, a euforia, a resistên-
cia, é como abrir a alma e entrar em contato com os deuses, uma festa
de identificação e de reencontro com as origens. Seja na tradição ou
não, é imprescindível que sejam cinco dias de festa sem parar, dançar
até o dia raiar, no subir da poeira até mais nada se enxergar.
E o futuqueiro cresce no salão
E a fussaca não tem hora de pará
De gole em gole haja coração
é no goró, é no quentão, no que vier de lá.
E o que vier eu traço, seja na perna ou no braço
Eu mostro tudo o que faço no fungado de um Forró.
(Edgar Mão Branca. Fussaca)

A Festa de São João tem se ressignificado e recebe influências


do meio urbano, preserva suas tradições, mas incorpora novas di-
nâmicas, hábitos e estilos musicais. Embora opere essa incorpora-
ção em uma escala diferenciada da estabelecida no CTN, esta

231
Rosani Cristina Rigamonte

manifestação cultural busca dialogar com a dinâmica das grandes


cidades. No sertão, a festa mais importante do ano celebra o retorno
daqueles que partiram para São Paulo em busca de melhores con-
dições de vida. Já no Forró metropolitano, o que se celebra é o
reconhecimento e a identificação de um grupo de trabalhadores de
origem nordestina, que são de extrema importância para o cresci-
mento da cidade. Como forma de identificação deste grupo, o CTN
reforça laços de origem e a cultura regional nordestina.
Seja o Forró no seu local de origem, seja o Forró no “exílio”,
independente se na forma tradicional ou em estilo contemporâneo,
o que este baile reafirma é uma realidade vivida por esta população.
Um diálogo que levasse em conta apenas a dinâmica do meio rural,
ou do meio urbano, não daria conta de tais manifestações culturais.
Cada qual em seu contexto, cada qual com seus padrões de com-
portamento, mas indo um pouco além, e ressaltando o diálogo en-
tre o rural e o urbano, o tradicional e o moderno, uma mistura, uma
mescla, que intermedeia os dois pólos da realidade vivida por esta
população.

O retorno

Após o baile de São Pedro no vilarejo da Ressaca, no dia 28


de junho, começa a movimentação de retorno: a grande maioria
das pessoas que veio para rever parentes, passear, gozar suas férias
deve retornar agora ao trabalho, de volta para a vida paulistana. Já
não são encontradas passagens com destino a São Paulo, e quem
não se antecipou, tem dificuldades para sair da cidade.
Há duas linhas de ônibus permanentes que servem a cidade.
A primeira é uma linha de ônibus diário rumo a São Paulo, que

232
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

segue até Belo Campo, local onde se aglutinam várias linhas vindas
de pequenas cidades dos arredores, e de onde sai diariamente ôni-
bus para São Paulo. O comum é chegar em Belo Campo e não
encontrar lugares disponíveis para todos os passageiros e, então,
inicia-se a saga.
O povo aqui é ignorante, deve exigir o seu lugar porque com-
prou a passagem. Não, mas ficam esperando o tempo que for,
por medo de perder o dinheiro que deu. O que eles não enten-
dem é que se deu o dinheiro tem que brigar, pagou tem direito!
Mas, também esses cabras são sem-vergonhas, nem brigar não
adianta. Eu tô aqui me descabelando de xingar, e vou ter que
esperar outro ônibus, senão eu vou bater no cara e os policiais
me prendem! Isso aqui é o fim do mundo! (Etelvino, 28 anos,
pintor, trabalha em São Paulo há mais de dez anos, estava em
Belo Campo na baldeação dos ônibus, proveniente de Caetitê,
brigando por um lugar para São Paulo).

Outra alternativa é ir até Vitória da Conquista, mas há apenas


um ônibus diário de Piripá até lá. Ao chegar em Vitória deve-se
tentar comprar a passagem na hora. Claro que é possível comprar a
passagem com antecedência, só que, nesse caso deve-se mandar
alguém comprá-la antes do período de início das festas, porque de-
pois é quase impossível achar bilhetes disponíveis. É visível que vol-
tar para São Paulo não é uma tarefa simples.
A saída de Piripá ocorreu em 30 de junho58; foram quatro
horas de viagem até Belo Campo, após duas horas de espera; a
viagem seguiu até Vitória da Conquista, mais duas horas e meia de
viagem. Em Vitória da Conquista foi preciso aguardar mais uma
hora e meia, para, finalmente, embarcar num ônibus rumo a São
Paulo. Vitória da Conquista-São Paulo, com mais 26h de viagem.

58
O retorno a São Paulo ocorreu em dias diferentes: Brito com seu caminhão
e a autora de ônibus.

233
Rosani Cristina Rigamonte

O comentário no ônibus girava em torno das dificuldades


enfrentadas por todos para conseguir aquela vaga. Parentes que
haviam comprado o ticket com antecedência, vereadores que con-
seguiram confirmar poltronas, horas de fila, brigas, discussões. Cada
qual com sua saga. Mas logo após os ânimos do tumultuado em-
barque se acalmarem, a conversa mudou de clima e transportou a
todos de volta ao São João.
Maria Eulália, 34 anos, de Caculé, mora no Rio de Janeiro
há 15 anos, e desde então numa mais veio rever sua família. Seu
irmão mais novo casou-se neste São João e ela veio para a cerimô-
nia. “Eu nem imaginava como eles estavam. Eu tinha saudades dos
meus parentes, mas é muito cansativo chegar até lá. Se depender de
mim passo mais uns 15 anos sem voltar”.
Apesar de tentar renegar suas origens, demonstrando que tudo
é muito difícil nesta região, como locomoção, comida, trabalho e
qualidade de vida, Maria Eulália falava com certo entusiasmo da
festa que tinha presenciado.
Eu nem imaginava que ainda podia ter festas tão bonitas por
aqui, a gente acaba esquecendo de tudo, e imagina tudo mu-
dado. Mas parece que aqui eles pararam no tempo e a festa é
como antigamente. Sanfoneiro, com muito assado, forró e ani-
mação. Comi até mandioca e batata doce assada na brasa. Uma
beleza! Mas eu não servia mais para morar aqui. Já estou acos-
tumada com a vida na cidade grande, e lá é o meu lugar.

Nem todos concordam com esta visão de que a vida na cida-


de grande seja melhor. Um outro passageiro do ônibus falava com
alegria e muito entusiasmo da sua terra natal. Cícero, 53 anos, de
Jânio Quadros, está em São Paulo desde 1964. Neste ano irá se
aposentar, trabalhou 32 anos em empresas de ônibus como ajudan-
te, cobrador, encarregado de guichê intermunicipal e fiscal de linha,

234
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

sua última e atual função. É separado, tem dois filhos moços, mora
na Penha (ZL). Ele tem casa própria em Guarulhos, na qual reside
sua ex-esposa e seus filhos, e há dois anos terminou de construir sua
casa em Jânio Quadros (BA).
Assim que eu me aposentar, volto para Jânio Quadros, vou
abrir um comércio e viver minha vida por lá. Eu já trabalhei
muito em São Paulo, tudo o que eu construí consegui com o
meu trabalho. Se não fossem as oportunidades que esta cidade
oferece, hoje eu não teria tudo que eu tenho. Mas, eu sou sozi-
nho, ainda trabalho muito e não consigo arrumar ninguém que
me agrade viver comigo. Na minha cidade todo mundo conhe-
ce as moças disponíveis, fica mais fácil de se ajeitar. Desde que
eu me separei há oito anos eu me sinto muito sozinho.

Cícero está feliz pela chegada do momento de sua aposenta-


doria, falou com alegria também destas férias que passou em sua
cidade e de sua saga em São Paulo.
Olha, no começo era só trabalho, foi lá por 78, 14 anos depois
que estava em São Paulo, que eu consegui ir rever os meus
parentes. Mandava sempre ajuda para eles, me correspondia,
recebia parentes que vinham começar a vida em São Paulo.
Mas ir lá demorei para ir, era bem mais difícil do que hoje. Mas
depois da primeira vez que retornei nunca mais falhei nenhum
São João, eu completo com esta, dezenove viagens até minha
cidade, para mim isto é sagrado. Todo ano eu vou. E agora que
a casa já está toda pronta, eu me aposento esse ano. E aí eu vou
vir passear em São Paulo, vai ser ao contrário. Lá no São João
todo mundo quis comemorar minhas alegrias, já estão me ar-
rumando até umas namoradas, foi uma grande folia!!

Cícero teve suas compensações com a vida que levou em


São Paulo, mas desde que começou a restabelecer contato com sua
terra natal, tem vontade de voltar, e agora com a sua aposentadoria

235
Rosani Cristina Rigamonte

haverá possibilidade de retorno. Ele diz que sempre virá a São Pau-
lo, pois não pode se imaginar vivendo totalmente distante, pois,
para ele: “São Paulo é o meu segundo berço”.
O Sr. José Maria não é da região de Piripá, é de Argoim, mais
ao norte da Bahia, próximo a Feira de Santana. A sua esposa é de
Piripá, entretanto, ela não gosta de viajar para a sua cidade, mas Sr.
José vem todos os anos para as festas, embora sozinho.
A minha mulher não vem para cá desde 71, ela não gosta da
roça, diz que o negócio dela é ficar na cidade. Sabe, acho que
ela pensa que tudo continua a mesma coisa. Este sertão já é
outro lugar, tudo mudou, tudo melhorou. Não tem estrada as-
faltada, mas dá para andar de carro, caminhão, ônibus, não é
só carro de boi, não! Tem energia em muitos lugares, tem ante-
na parabólica, então tem televisão para todo lado. Agora, tudo
chega até aqui. Tudo que acontece lá, já se sabe aqui. Ninguém
fica mais isolado, todo mundo manda notícias, qualquer um
pode ir para São Paulo. Antigamente a gente ia e não sabia se
ia saber voltar. Hoje é uma beleza, tudo fácil!

Sr. José tem 58 anos, vive em São Paulo há mais de 32 anos,


sempre trabalhou na construção civil, tem três filhos. Toda a sua
família está em São Paulo, só lhe restou no sertão os parentes de sua
esposa.
Eu sou apegado com o pessoal de Piripá. Todo ano eu venho
para o São João. Desta vez não tô levando ninguém comigo, isto
é difícil, todo ano vai mais um p’ra lá. Só na minha casa tenho
quatro sobrinhos morando comigo. Minha casa é grande, quan-
do alguém precisa ir trabalhar ou se tratar ficam todos lá. A gente
também quando foi para São Paulo foi acolhido pelos parentes,
a nossa missão agora é fazer o mesmo para quem precisa.

Entre uma conversa aqui, outra ali, uma parada e outra, a


viagem foi avançando. Conversar com alguns dos passageiros con-

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

cede uma visão mais apurada do fluxo de pessoas que vieram para
a festa. Pessoas que mantêm um contato constante com o pessoal
de sua terra natal, outras que há anos não retornam ao seu local de
origem. Rapazes que vão passar suas férias, casamentos que se ce-
lebram.
É uma prática comum das moças que permanecem no local
de nascimento tentarem arrumar um noivo neste período, marcar
um casamento, pois, durante o resto do ano, a maioria dos rapazes
disponíveis estará trabalhando em São Paulo, sendo este o momen-
to ideal para arrumar um pretendente. Muitas sonham em vir para
São Paulo, outras sonham simplesmente em casar. No ônibus havia
um exemplo típico de um amor de São João.
Roberto, 19 anos, de Caetitê, está em São Paulo há três anos
e trabalha na construção civil. No ano de 1995 foi brincar o São
João na sua cidade e se enamorou por Jesuína, 15 anos. Brincaram
as festas juntos, se apaixonaram e, ao final, Roberto voltou para
São Paulo… ignorando completamente que Jesuína ficou grávida.
Quando se soube, sua família expulsou-a de casa, e uma tia abri-
gou-a até que ela tivesse a criança.
Neste São João, Roberto retornou à sua cidade, casou com
Jesuína e estava trazendo-a para São Paulo, juntamente com o seu
filho de três meses. Arrumaram a casa de um parente para Jesuína
ir ficando com o seu filho, enquanto Roberto tentava dar um jeito na
vida. Por enquanto, ele vai continuar morando na obra na qual tra-
balha. “Eu sou da roça, não sei de nada não, moça! Vou p’ra lá para
viver uns tempos, não sei como é, mas eu acho que o único jeito que
tem agora é eu ir para perto dele. Minha gente me pôs p’ra fora.
Jesuína, sentada no seu canto, parecia uma menina brincan-
do de bonecas com o seu bebê, e Roberto feliz por ter ao seu lado
sua família. Ambos extremamente jovens, indo em busca do seu

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Rosani Cristina Rigamonte

destino. Se esta será uma jornada de sucessos ou fracassos, isso só


o tempo poderá lhes dizer. A sorte deles estava lançada. “A única
saída que eu tinha era essa, voltar e casar. Eu podia sumir e largar
ela lá com esta criança. Mas, todo mundo pôs ela para fora. O filho
é meu, agora tenho fé em Deus que nós vamos achar nosso cami-
nho!” Ao desembarcar na Rodoviária, Jesuína emocionou-se de
alegria e espanto, ao mesmo tempo. Juntaram suas bagagens, duas
pequenas sacolas, respiraram fundo e seguiram em frente.
Ao observar o casal, podia-se arriscar um palpite: o perfil
era de um típico caso de insucesso. Eles tinham parcos recursos,
pouca instrução, ambos bastante simples e, com certeza, o ingresso
de Jesuína no mercado de trabalho dependeria da ajuda de tercei-
ros. Entretanto eles já ingressaram na grande cadeia de relações de
inserção para a vida na cidade, havendo acesso ao mercado de
trabalho, pois Roberto está empregado há três anos, tem parentes e
conhecidos que irão acolhê-los de imediato, e não necessitam de
moradia própria, o que os livra de uma das maiores dificuldades
para se estabelecer na cidade.
Estes auxílios são de suma importância, um ensina a tomar o
ônibus, outro arruma uma casa de família para Jesuína trabalhar,
uma vizinha fica com o bebê. E a rede de ajuda mútua absorve mais
dois cidadãos que passam a integrar o fluxo migratório campo-cida-
de e serão incorporados ao mercado de mão-de-obra barata, ne-
cessário para a manutenção da metrópole. Uma história como tantas
outras, que se repete diariamente, há quase um século.

238
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A diversidade da cultura humana está atrás


de nós, à nossa volta e à nossa frente. A úni-
ca exigência que podemos fazer valer a seu
respeito (exigência que cria para cada indiví-
duo deveres correspondentes) é que ela se
realize sob formas em que cada um seja uma
contribuição para a maior generosidade das
outras (Lévi-Strauss, 1989: 98).

Este trabalho (1989: 98), valendo-se de uma descrição


etnográfica, tratou de práticas de lazer e de sociabilidade dos migrantes
nordestinos no contexto da metrópole paulistana. Por intermédio des-
tes arranjos, algumas relações foram enfocadas: primeiramente, foi
construído um inventário de locais onde estas práticas se estabelecem,
desde pontos de encontro, terminais rodoviários (atuais e antigos), até
os Forrós e casas de dança, apontando-se como estes migrantes se
divertem e conseguem ter presença marcante na metrópole.
Estes locais demonstram como estes indivíduos foram ganhan-
do espaço pela cidade: em primeiro lugar, graças ao grande número
de migrantes; em segundo, quando traduzem as manifestações da
cultura popular em dimensões compatíveis com o mercado urbano-
industrial, voltado para a cultura de massa.
Para aprofundar esta reflexão, uma descrição mais detalhada
do Centro de Tradições Nordestinas (CTN) demonstrou o processo

239
Rosani Cristina Rigamonte

de reelaboração dos gostos, hábitos e práticas sociais da cultura


regional nordestina em um tal mercado de massa. E pode-se acom-
panhar como a reprodução do Forró em um tal contexto pode car-
regar consigo elementos estruturantes que permitem a sua
ressignifição nesse novo cenário.
Esta população migrante marca sua presença na cidade tam-
bém mediante outros tipos de relações, bastante significativas. É o
caso da criação de “redes de comunicação” direta com o sertão,
organizadas segundo mecanismos fundados numa dinâmica e numa
lógica similar ao local de origem desta população. Para apresentar
os contornos destes mecanismos, a pesquisa se voltou para a
efetivação dessas relações tal como se mostram na Praça Silvio
Romero. A descrição da dinâmica e movimento da rede viabilizou a
visualização da peculiar “temporalidade” que este grupo mantém
com a metrópole.
A lógica da Praça mostrou-se em uma tal proporção tão dis-
tinta das utilizadas no CTN, que foi possível elaborar um quadro de
oposições: milhares de pessoas X local para um grupo restrito e iden-
tificado pelo local de origem; utilização de equipamentos de comu-
nicação de massa X utilização de redes de comunicação informal, o
boca-a-boca; a formação de uma mancha de lazer X um pedaço
nordestino na cidade. Os contrapontos poderiam ser inúmeros, mas
estes são suficientes para apontar a possibilidade de se concretizar
diferentes e peculiares formas de apropriações sem que estas impe-
çam um contato mais profundo com as práticas sociais estabeleci-
das em meio à urbanidade. Independente do grupo em que se
participe, é possível tirar proveito desta experiência vivida nas gran-
des cidades.
A viagem até o sertão constitui um outro foco para essa aná-
lise, tendo-se como eixo o Forró, enquanto prática de lazer tão

240
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

comum desta população, tal como vivenciado em seu local de


origem. Neste baile, viu-se que o sertão também não está imune
às “contaminações” que o mercado urbano-industrial pode pro-
vocar. Na medida em que ocorreram transformações e moderni-
zações, tanto no campo, quanto na cidade, pode-se entrever a
possibilidade de contato entre ambas as pontas deste processo
mediante o ir e vir destes migrantes, que carregam consigo peda-
ços da cidade e pedaços do sertão, “contaminando” ambos os
lados desta rede.
Ao analisar estas manifestações culturais, a Praça, o Centro
de Lazer, o Forró no sertão, foi possível perceber a intensidade do
diálogo que se estabelece entre as “tradições” da cultura popular e
as “modernidades” que a sociedade urbano-industrial produz.
Ao participarem deste movimento, estes migrantes ressignifi-
cam seus referenciais de origem e passam a dar grande importância
também aos gostos e modismos das grandes cidades. Não se trata
aqui de apontar este fato como se fosse um sinal da perda da origi-
nalidade e da identidade, ou como o fim da cultura popular. Na
análise destas manifestações culturais, o que se enfatizou foi a im-
portância destas transformações para o entendimento do movimento
de integração que esta manifestação cultural e o seu resultado po-
dem refletir.
Para elucidar este diálogo, há um outro movimento que re-
afirma toda esta discussão, mas por um outro prisma, e que não
pode deixar de ser levado em conta, mesmo que de forma
ilustrativa. Este é o movimento inverso, o de paulistanos em busca
das raízes da cultura popular. O meio rural e seus referenciais par-
ticipam desta produção cultural com seus padrões de comporta-
mento e cadeias simbólicas para conceder a estes indivíduos um
possível “retorno” às origens.

241
Rosani Cristina Rigamonte

Nos anos 90, assiste-se ao ressurgimento das Casas de Forró


em bairros “modernos” da cidade, em zonas privilegiadas, nas quais
jovens universitários buscam divertir-se com músicas tradicionais
nordestinas. Os bailes mais famosos são Vento Forte (Itaim Bibi),
Projeto Equilíbrio (Pinheiros), Remelexo (Pinheiros), entre outros. A
prática do baile consiste em serem animados com música de grupos
que toquem ritmos regionais, como Trio Virgulino, Banda Remelexo,
e em promoverem shows com grupos tradicionais, recuperando-se
ritmos como o xote, o xaxado e o baião, além de possibilitar o
surgimento de bandas formadas também por jovens universitários
de classe média, que reproduzem os ritmos regionais nordestinos
em grupos como Jambêndula (SP), Banda Gê (SP), Mafúa (SP), Os
Sobrinhos da Tia Malúdica (RJ) e Os Cachorros da Cachorra (DF).
Estas bandas adicionam em suas músicas instrumentos como
guitarra, baixo e bateria, sem abandonar o “trio estruturante” do
Forró, composto por triângulo, zabumba e sanfona. Acabam por
acompanhar a tendência das bandas nordestinas de Forrós, que
desde o começo da década de 90 vêm agregando instrumentos ele-
trônicos para tocar seus ritmos “forrozeiros”, bandas como Mastruz
com Leite, Cacau com Leite, Trio Nordestino, Som Livre do Forró,
entre tantas outras.
Resta ressaltar, além das transformações vividas por estes
migrantes, expressas no Forró em suas origens e nas suas reprodu-
ções, que a cultura popular nordestina também se apropriou da
metrópole mediante este tipo de manifestação cultural. Cada grupo,
cada contexto relê e reelabora a sua cultura dependendo do ângulo
por onde enxergam e recebem tal produção. Entretanto, neste final
de século, no qual os meios de comunicação de massa acabam com
fronteiras e transformam o meio em que vivemos num universo
“globalizado”, o migrante, o campo, a cidade, todos estes referen-

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Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

ciais passam por transformações. Há poucas possibilidades de se


estar desintegrado ou dissociado deste processo.
As suas peculiaridades estão presentes, sua cultura manifesta,
e estes sertanejos contemporâneos tentam de várias formas inte-
grar-se a este movimento. Nem o sertão e nem a metrópole estão
livres de serem contagiados pelos reflexos que advêm tanto de um
meio como de outro. O campo e a cidade hoje vivem uma troca e
um intercâmbio, ambos sofreram várias transformações segundo um
processo de urbanização e industrialização que se deu no país. Mas
hoje esses pólos não vivem somente a dicotomia como se fossem
dois pontos extremos de um processo, antes, comunicam-se e bus-
cam a reintegração das manifestações de um pólo no outro, e há
uma troca que se tornou visível mediante esta leitura.

243
Sertanejos Contemporâneos: entre a metrópole e o sertão

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Ficha técnica

Divulgação Livraria Humanitas-Discurso


Mancha 10,5 x 18,5 cm
Formato 14 x 21 cm
Tipologia Souvenir Lt BT 10/15 e Arrus 12/13
Papel miolo: off-set 75 g/m2
capa: cartão supremo 250 g/m2
Impressão da capa Quadricromia
Impressão e acabamento Provo Distribuidora e Gráfica Ltda
Número de páginas 256
Tiragem 500 exemplares

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