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O LIVRO, O LEITOR E A LEITURA DIGITAL (book draft - relatório de projecto)

Book · January 2015

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Gustavo Cardoso
ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa
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O LIVRO, O LEITOR E A LEITURA DIGITAL
Gustavo Cardoso (org.)

2014
ÍNDICE

- AGRADECIMENTOS

- INTRODUÇÃO – A sociologia da leitura e o (novo) paradigma digital: uma


relação a explorar
Emanuel Cameira e Gustavo Cardoso

PARTE I – O LIVRO, OBJECTO ECONÓMICO E CULTURAL

- O sector do livro em Portugal


José Soares Neves
- O mundo económico do livro
Sandro Mendonça
- A indústria do livro digital em Portugal: mutações de um sector tradicional
Cátia Ferreira

PARTE II – GEOGRAFIAS SOCIAIS DA LEITURA E DA INTERNET

- Práticas de leitura em Portugal


José Soares Neves
- A leitura digital no mundo. Incursão por alguns estudos internacionais
Emanuel Cameira
- A língua e a Internet no contexto global
Tiago Lapa

PARTE III – A DIGITALIZAÇÃO DA LEITURA

- A leitura digital no contexto global e nacional: resultados de um inquérito aos


leitores digitais em 16 países
Gustavo Cardoso e Emanuel Cameira
- A leitura digital e o jornalismo: transformação de hábitos de leitura e
transformação do jornalismo?
Tiago Lima Quintanilha e Gustavo Cardoso
- Leitura digital, Internet e media sociais: uma análise comparativa
Tiago Lapa e Gustavo Cardoso

1
PARTE IV – NOVAS INSTITUIÇÕES DA LEITURA E DO LIVRO

- Tendências internacionais sobre as instituições da leitura e leitores na era da


Internet
Liliana Pacheco
- A leitura digital em contexto de biblioteca: um enquadramento analítico e
prospectivo
Carla Ganito
- Os contextos das bibliotecas escolares e municipais: procura e oferta de
recursos e serviços na era do digital
Marta Neves

PARTE V – TECNOLOGIA, CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DIGITAL DO LIVRO

- A tecnologia na edição digital


Ricardo Rodrigues
- Livros, texto e tecnologias digitais
Pedro Jacobetty e João Querido
- Expectativas, preocupações e desafios: a leitura digital na perspectiva de
bibliotecários, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de
informação
Cátia Ferreira

- CONCLUSÃO – Ler
Gustavo Cardoso

2
AGRADECIMENTOS

3
INTRODUÇÃO

A sociologia da leitura e o (novo) paradigma digital: uma relação a explorar

Emanuel Cameira e Gustavo Cardoso

4
O pressuposto de partida é simples: tradicionalmente focados na esfera do
impresso (livros, jornais, revistas), pode dizer-se dos vários estudos e inquéritos que,
no plano nacional, a sociologia vem desenvolvendo, ao longo das últimas duas
décadas, em torno dos hábitos e práticas de leitura da população portuguesa (Freitas e
Santos, 1992; Pais, 1994; Freitas, Casanova e Alves, 1997; Neves, 2011) que os mesmos
adoptam uma perspectiva pré-Internet. Considerando que “a importância de uma
sociologia da leitura tal como se constituiu” coloca um conjunto de questões ligadas
“ao seu objecto e à adaptação dos seus métodos a uma realidade em evolução”
(Furtado, 2000: 188), compreender como se estruturam as experiências de leitura dos
portugueses quando efectivadas a partir de um ecrã de computador1 ou através da
utilização de outros interfaces digitais afigura-se então fundamental, e isto num
modelo de sociedade cujo paradigma da tecnologia da informação (Castells, 2002)
interfere nos mais diversos domínios da existência individual e colectiva. A desordem
na leitura a que Armando Petrucci aludia deixava já entrever em 1998 certas
interrogações a que uma abordagem sociológica não se poderá hoje furtar:

por primera vez, pues, el libro y la restante producción editorial encuentran que tienen
una función con un público, real y potencial, que se alimenta de otras experiencias
informativas y que ha adquirido otros medios de culturización, como los audiovisuales;
que está habituado a leer mensajes en movimiento; que en muchos casos escribe y lee
mensajes realizados con procedimientos electrónicos (ordenador, máquina de vídeo o
fax); que, además, está acostumbrado a culturizarse a través de procesos e
instrumentos costosos y muy sofisticados; y a dominarlos, o a usarlos, de formas
completamente diferentes a los que se utilizan para llevar a cabo un proceso normal de
lectura. Las nuevas prácticas de lectura de los nuevos lectores deben convivir con esta
auténtica revolución de los comportamientos culturales de las masas y no pueden dejar
de estar influenciados. (Petrucci, 1998: 541)

De facto, com “a leitura em formato digital (…) excluída (…) da definição de


práticas de leitura” (Neves, 2011: 34), reconceptualizar o ramo específico da sociologia
que delas se ocupa à luz de um novo objecto significa desde logo ultrapassar a questão
da simples leitura de textos impressos e referenciar um vasto corpus analítico
composto por sites, blogues, Facebook, Twitter, e-mails, e-books, etc., a que se acede
por via de diferentes dispositivos digitais, o computador, o telemóvel, o tablet ou o e-
reader. Ora, de acordo com Suzanne Bertrand-Gastaldy, “avec les nouveaux objets à
lire et les nouveaux dispositifs, on assiste à un brouillage des frontières entre plusieurs
activités cognitives autrefois distinctes: la recherche d’information, la consultation,

1
Para a década de 80, confira-se por exemplo o que Anne-Marie Chartier e Jean Hébrard recordam a
propósito da introdução do Minitel (terminal de consulta de banco de dados) na sociedade francesa:
“(…) la lecture sur l’écran du Minitel s’installe dans l’espace social et domestique sans que personne n’y
prête vraiment garde. Il s’agit pourtant du premier support de lecture «interactive» de masse, mais
paradoxalement c’est une pratique sans discours” (Chartier e Hébrard, 2000: 687).

5
l’analyse et toutes sortes de lectures, l’écriture et la communication” (Bertrand-
Gastaldy, 2002: 7). A primazia simbólica da ordem do livro e dos demais suportes
impressos, cientificamente reiterada (Freitas e Santos, 1992b: 80; Santos, 1992), não
circunscreve pois nas sociedades contemporâneas a abrangência desse fenómeno
social e culturalmente multiforme designado como leitura.
Citado por José Afonso Furtado (2000: 189), Frédéric Barbier afirma que “num
plano fenomenológico, não há uma mas muitas, uma infinidade de leituras, consoante
a natureza dos volumes, o tipo dos textos lidos, as pessoas que os lêem, os momentos
e as situações em que os lêem, as necessidades a que dão (ou não) resposta”.
Intimamente vinculados às dinâmicas históricas de transformação social, e bastará
assinalar a comprovada transversalidade/generalização da leitura em sociedades da
informação e do conhecimento ou inclusive o sincronismo das revoluções induzidas
pela textualidade electrónica – “in the technique of production and reproduction of
the text, (…) in the structure of the vehicle, the support of the text, and (…) in the
reading practices” (Chartier, 1997: 5) -, encarar os tipos de interacção estabelecidos
entre os sujeitos leitores e aquilo que é lido na passagem do táctil para o digital
(operacionalizáveis no clássico leque de perguntas: quem lê? o que lê? como/onde lê?
porque lê? – Neves, 2011: 20), obriga também a pensar as possíveis correlações
existentes entre leitura(s) em papel e leitura(s) em ecrã, distintos modos de acesso ao
texto.
Que o advento da World Wide Web, frequentes vezes associado à abolição de
um conjunto de hábitos e representações próprios da (aurática) cultura do livro
impresso, terá estruturado decisivamente todo este processo de mudança, é algo que
bastantes autores têm procurado sublinhar (Vandendorpe, 2008; Furtado, 2002; De La
Flor, 2004; Giffard, 2011). A possibilidade de instantaneamente trocar mensagens, de
proceder a uma rápida gestão do conhecimento, encontrando, lendo, descarregando
de imediato e em qualquer lugar determinado conteúdo alojado em linha, porventura
partilhado, leva a que alguns analistas optem por identificar novos leitores, cujas
modalidades de leitura e escrita em ecrãs ganham o estatuto de praxis quotidiana, da
mesma forma que “a leitura de livros, revistas e a escrita em papel foi rotina para as
gerações anteriores. Trata-se de um deslocamento na experiência fundamental de ler
e de escrever” (Bellamy et al., in Furtado, 2010: 32). Dir-se-ia portanto que a Internet e
a progressiva convergência das tecnologias digitais, num ambiente societal em rede
onde o volume e o alcance de todos os tipos de textos e informações sofreu uma
exponencial expansão, se encarregou de tornar viável uma leitura de mobilidade
conectada, afastada da clássica visão do homo typographicus.
À luz destas tendências, que perspectivas teóricas deverá uma sociologia da
leitura digital mobilizar visando apreender a complexidade do respectivo objecto de
estudo? Importa começar por mencionar o valioso contributo da francesa Claire
Bélisle, designadamente a noção de leitura que propõe:

6
la lecture est un activité humaine, c’est-à-dire intentionnelle et motivée, accomplie par
des sujets mettant en oeuvre des stratégies pour attendre des buts par des opérations.
Cette approche a l’intérêt d’intégrer l’analyse de la tâche, avec ses composantes que
sont les buts, les moyens (entre autres, les supports que sont les livres papier et
eléctroniques) et l’environment, et l’analyse des actions, avec le déroulement
séquenciel des interactions. C’est l’instrumentation de la lecture que retiendra
l’attention ici. (Bélisle, 2004: 7-8)

Argumenta também a autora que tais práticas ocorrem sempre no âmbito de


um dado contrato de leitura. Melhor dito: inscrita no contexto socio-cultural, há uma
convenção tácita de funcionamento, um quadro de referência comum a regular as
relações entre cada suporte e os seus potenciais leitores. Assim, lembrando o conceito
de horizonte de expectativas formulado por Hans Robert Jauss – essa predisposição a
um certo modo de recepção – realça-se como as práticas e concepções supostas num
contrato de leitura particular podem mudar de configuração caso o suporte em causa
seja outro. Martine Poulain, por seu turno, destacando a heterogeneidade contextual
em que os indivíduos se movem, ideia cara a Bernard Lahire, salienta o seguinte
aspecto:

hay que reconocer la diversidad de sus formas de ejercicio [da leitura], incluso al nivel
de un mismo individuo. (…) Las personas viven en universos heterogéneos a los cuales
se adaptan, esforzándose al mismo tiempo por dominarlos. Este contexto es, a su vez,
móvil, tanto a nivel sincrónico (para el mismo individuo, leer en el ambiente familiar,
escolar o profesional es una actividad multifacética, a veces contradictoria, en estos
contextos diferentes), como a nivel diacrónico (las disposiciones de los individuos y las
configuraciones en las cuales se mueven cambian en el transcurso de la vida). Los
hábitos de lectura o escritura de los individuos, no más que sus otros comportamentos
sociales, no pueden estar separados del contexto en el cual tienen lugar. (Poulain,
2011: 201)

Por conseguinte, falar de leitura, “tout ce qui se passe quand des gens lisent” –
na concepção de Passeron (1986: 18), envolve normalmente uma segmentação
interna: de um lado, a que se realiza por prazer e necessidades de informação; do
outro, a que decorre de razões escolares ou profissionais. Contudo, Wendy Griswold,
restringindo substantivamente os conceitos de leitura e de leitor nas suas
investigações, chega a enfatizar que “readers are not people who can read, or who do
read for work but those who choose to read in their spare time” (cit. in Neves, 2011:
33). Preside à presente obra um entendimento diferente. Admite-se uma noção mais
ampla de leitura (de textos digitais), vinculada também aos contextos escolar e
profissional, e englobando a “cursory reading we do every day as we make our way
through a text-saturated world – (…) news Web sites, e-mail messages, tweets, or text
messages” (Cull, 2011: 2). Nestes termos, tocando-se no digital, revela-se talvez
oportuno equacionar as noções-chave de classe de leitores e cultura de leitura
avançadas na reflexão teórica de Griswold (2005), pese embora ambas de difícil

7
operacionalização. Grosso modo, compondo-se a classe de leitores por membros
altamente escolarizados e de elevado capital económico, jovens, lendo regularmente
livros em situações de lazer e trabalho (sobrestima-se aqui a modalidade do impresso)
e, cumulativamente, usando a Internet, “an everyday technology, diffusing through
homes, schools and workplaces by the late 1990s” (Livingstone, 2005: 3), a que
classe(s) de indivíduos se alude tendo por base a(s) leitura em ecrã(s)?. A questão é tão
mais pertinente se articulada ao conceito de cultura de leitura, “a place (a city, a
province, a country), where most people, over and above the demands of their job or
schooling, routinely read (…) for entertainment and information” (Griswold cit. in
Neves, 2011: 37). No fundo, o que se discute é a valorização da literacia e da leitura em
todos os suportes e contextos sociais; no caso da sociedade portuguesa, a vitalidade
da sua cultura de leitura.

Recordando considerações de Anthony Giddens, Manuel Castells ou Scott Lash,


Judy Wajcman adianta como a aceleração da vida quotidiana contemporânea está
intimamente ligada à intervenção das tecnologias digitais. No entanto, além dos
efeitos de compressão sobre o espaço e o tempo, “technologies change the nature and
meaning of tasks and work activities, as well as creating new material and cultural
practices” (Wajcman, 2008: 66). Partindo da assunção de que o estudo da utilização
daquelas tecnologias consubstancia uma das áreas de maior potencial de crescimento
para as ciências sociais (Cardoso, 1998: 29), analisar o que está envolvido nas
operações de ler suscitadas numa era de interfaces digitais, ao nível das práticas
concretas, das expectativas, das representações, possui suficiente pertinência para
perceber eventuais alterações nas relações com a leitura por parte da população
portuguesa.
É precisamente através do conceito de leitor imersivo, virtual que a perspectiva
de Lucia Santaella se inscreve em toda esta discussão. Se Katherine Hayles (2010) se
interessa pela hiperleitura, estratégia de resposta face a um contexto saturado de
informação (a tónica aí está na tácita selecção ou justaposição dos textos pelos quais
se deambula, ou que acidentalmente se nos deparam), Santaella tipifica quem a ela se
dedica, “não mais um leitor que segue as sequências de um texto, virando páginas,
manuseando volumes, percorrendo com seus passos a biblioteca, mas um leitor em
estado de prontidão, conectando-se entre nós e nexos, num roteiro multilinear, multi-
sequencial e labiríntico que ele próprio ajudou a construir ao interagir com os nós
entre palavras, imagens, documentação, músicas, vídeo, etc.” (2004). Se para o leitor
contemplativo, meditativo, vindo do Renascimento e prevalecendo hegemonicamente
até meados do século XIX, o objecto livro pressupõe uma modalidade e um tempo de
leitura e atenção específicos, o leitor fragmentado, movente, nascido com o
aparecimento dos jornais é então, por contingência, um leitor mais célere, de
fragmentos, de linguagens híbridas, de notícias quotidianas massificadas. Não obstante

8
a sequencialidade histórica que parece marcar o surgimento destas três categorias de
leitores, tende a haver coexistência temporal entre elas.
Ideal-tipicamente, o leitor virtual “navega”, “surfa” na Internet. E assim,
defende Bertrand-Gastaldy,

la tendance se dessine vers des lectures ouvertes, relationnelles, multidimensionnelles


et encore plus personnalisées qu’auparavant. Il se pourrait que, dans certaines
conditions, les lectures favorisées soient des lectures fragmentées de passages de
documents répondant à des questions très précises, voire factuelles qui ne suivent pas
la linéarité de l’énoncé mais les hyperliens existants ou créés par l’instrument de
recherche, par l’index, en fonction des visées de l’«utilisateur» (le mot semble, dans ces
conditions, plus approprié que celui de «lecteur»). Le butinage, la lecture découverte, le
survol, la lecture sélective sont alors privilégiées2. (Bertrand-Gastaldy , 2002: 7-8)

Reter que as mesmas tecnologias digitais, mediando a(s) leitura(s) que se


fazem, traduzirão diferentes coisas para diferentes grupos de indivíduos. E que tanto o
interface (o gadget) como os conteúdos em causa implicarão distintas formas e
objectivos de leitura. Com efeito, cada indivíduo pode potencialmente ler em ecrã uma
multiplicidade de textos, em situações variadas da sua vida social e cultural. O ponto
determinante reside no facto de não se lidar exclusivamente com práticas de leitura
eruditas ou cultivadas, distintivas no sentido imputado por Pierre Bourdieu, mas
também, recuperando premissas do norte-americano Robert Darnton, aquela leitura
comum ou normal, tomando o texto enquanto instrumento orientado para fins que lhe
são exteriores, longe da contemplação de carácter estético-literário e presa às
preocupações imediatas (comunicar, divertir-se, documentar-se) do dia-a-dia3
(Baudelot e Cartier, 1998: 26-27). Conferir inteligibilidade ao fenómeno da leitura
digital requererá, em igual medida, a identificação de sujeitos que, segundo diversos
graus de recorrência e pluralidade, utilizam o(s) interface(s) na sua vertente de
tecnologia comunicacional ou social, síncrona ou assíncrona (lendo e-mails, mensagens
de telemóvel, textos acedidos no âmbito das redes sociais, etc.) e/ou visando
apropriar-se de materiais legíveis de maior permanência (hipertextuais ou não), e-
books ou textos publicados em páginas da Web. Mark Deuze não deixa de o
reconhecer:

a sketch of characteristics common to a culture does not presuppose that all individuals
located within that culture behave or act in similar ways, nor that a set of emerging
2
No que à leitura digital se refere, David Levy (1997) realça por exemplo a tendência de leituras em ecrã
de menor profundidade, mais fragmentadas ou dispersas. Por seu lado, Sven Birkerts, na obra The
Gutenberg Elegies: The Fate of Reading in an Electronic Age (1994), alega a transição de uma leitura de
maior densidade, vertical, para outra na diagonal, como é habitual designar-se, à superfície do texto.
3
Binómio em que vários autores reconhecem validade analítica quando se tem em vista a compreensão
das práticas de leitura, por exemplo retomado nos conceitos de “lecture savante” e “lecture ordinaire” –
veja-se Dufays, Jean-Louis (2005), “Lecture littéraire vs lecture ordinaire: une dichotomie à interroger”,
in Jouve, Vincent (org.), L’expérience de lecture, Paris, Éditions L’improviste, pp. 309-322.

9
practices is a linear progression from or improvement upon those that came before. (…)
In the ways humans and machines interact in the context of ever-increasing
computerization and digitalisation of society an emerging digital culture is expressed.
Such a culture thus has consequences on a shared social level – both online as well as
offline. (Deuze, 2006: 69)

Importante nesta fase indicar as duas definições de leitura que Olivier Donnat
(veja-se Neves, 2011: 27) avançou: prática cultural e actividade de recepção. É sob tal
alternância de enfoque que a sociologia da leitura (de suportes impressos, registe-se)
tem vindo aliás, globalmente, a assentar. Se no primeiro caso prevalece o peso
explicativo das variáveis sociográficas, as estruturais relações de homologia entre as
características dos indivíduos e os seus tipos e intensidades de leitura, no segundo
promove-se um olhar eminentemente compreensivo, tentando dissecar a variedade
de significados que cada acto de ler comporta. Ainda que não seja propósito deste
estudo enveredar pelas apropriações e elaborações de sentido que os indivíduos
activamente encetam frente a determinadas configurações textuais (Manguel, 1998),
essa a linha de Michel de Certeau (1990) por exemplo, considerar-se-á na análise da
leitura feita em dispositivos digitais “the ways in which these technologies (…) become
(or do not become) both meaningful and useful” (Silverstone, 1995: 75-76).
Como escreve Fernando De La Flor, debruçando-se sobre a hodierna
omnipresença da palavra escrita, “nos nossos dias, a leitura converte-se num autêntico
kit de estratégias de recepção variadíssimas, que têm como marco um ecrã todo-
poderoso e um conjunto de possibilidades combinatórias que joga (…) com todo o
amplo campo de signos culturais” (De La Flor, 2004: 91). Na verdade, nem só de
recepção se trata. Sustenta Martine Poulain que a revolução electrónica e digital “ha
multiplicado la presencia de lo escrito y su uso; también ha conducido a todo lector a
escribir: lo escrito viene a reemplazar lo oral frente a una pantalla silenciosa” (Poulain,
2011: 203). A lecto-escrita; lê-se igualmente para escrever (Adler et al., 1998)4.
De facto, é devido ao permanente confronto dos sujeitos com a evolução das
tecnologias digitais, exigindo habilidades e competências particulares (“consumers of
expertise, (…) inside the technological implement we use”, na acepção de Zygmunt
Bauman – 1990: 200) que surge o conceito de literacia digital.

The new literacies of the Internet and other ICTs include the skills, strategies, and
dispositions necessary to successfully use and adapt to the rapidly changing
information and communication technologies and contexts that continuously emerge in
our world and influence all areas of our personal and professional lives. These new
literacies allow us to use the Internet and other ICTs to identify important questions,
locate information, critically evaluate the usefulness of that information, synthesize

4
Por exemplo: escrevendo para criar um novo documento ou para modificar um já existente;
escrevendo de maneira abreviada ou pouco estruturada, com uma função provisória, que não visa a
elaboração de um texto ou documento final; escrevendo anotações ou comentários a algo que se leu;
preenchendo formulários, etc.

10
information to answer those questions, and then communicate the answers to others.
(Leu et al., 2004: 1572)

A visão convencional de que a literacia corresponde à “capacidade de processamento


na vida diária (social, profissional e pessoal) de informação escrita de uso corrente
contida em materiais impressos vários (textos, documentos, gráficos)” (Gomes et al.,
2000: 1), vem sofrendo uma deriva justificada essencialmente pelo crescente interesse
em redor das formas electrónicas de expressão. Com consequências óbvias ao nível do
modo como comunicamos e disseminamos a informação, como encaramos as (por
vezes interdependentes) tarefas de leitura e escrita “que a modernidade e o livro
vieram rigidificar” (Babo, 2003: 58). Talvez seja indispensável não esquecer que, graças
às potencialidades de combinação multimédia (texto, som, imagem, vídeo) encerrada
nos meios digitais (Castells, 2001), é perante uma textualidade mestiça (a expressão é
de Fernando De La Flor) que, em certos casos, os sujeitos se encontram. Aliada à
tecnologização de uma literacia presente “nearly everytime we try to read, write and
communicate with the Internet and other ICTs” (Leu et al., idem: 1590)5, quer a leitura
quer a escrita transformam-se textual, relacional, espacial e temporalmente.
Os atributos dos textos mudam, num cenário onde quem escreve e lê passa
cada vez mais tempo diante de ecrãs produzindo-os e/ou consumindo-os.
Absolutamente diversos no que à sua natureza concerne, os textos digitais incluem “a
linear text in digital format, a nonlinear text with hyperlinks, a text with integrated
media, and a text with response options” (Dalton e Proctor, 2008: 300). Neles se nota a
proeminência do design de informação contemporâneo.
De um ponto de vista relacional, a emergência da componente de escrita
dentro dos novos media (recorde-se que à segunda geração da Internet comercial,
com a blogosfera, os wikis, etc., se juntou uma valência autoral da parte dos
utilizadores – Axel Bruns introduziu a este respeito a noção de produser6) parece capaz
de modificar a relação inscrita entre quem lê e escreve, na medida em que se assiste a
um incremento da interactividade.

5
O grupo constituído pelos investigadores Donald Leu, Charles Kinzer, Julie Coiro e Dana Cammack
apontam alguns exemplos do que integram debaixo da nomenclatura novas literacias: “using a search
engine effectively to locate information; evaluating the accuracy and utility of information that is
located on a webpage in relation to one’s purpose; using a word processor effectively, including using
functions such as checking spelling accuracy, inserting graphics, and formatting text; participating
effectively in bulletin board or listserv discussions to get needed information; knowing how to use e-
mail to communicate effectively; and inferring correctly the information that may be found at a
hyperlink on a webpage” (ibidem: 1590).
6
“Indeed, even those members of the networked population who choose for the moment to remain
users (…) are always already potential produsers themselves – and recent developments have made it
ever more easy, and in some cases even inevitable, for such users to become produsers”, in Bruns, Axel
(2009), Blogs, Wikipedia, Second Life, and Beyond – From Production to Produsage, New York, Peter
Lang Publishing, p. 22.

11
The internet and other new media give users the means to generate, seek and share
content selectively, and to interact with other individuals and groups, on a scale that
was impractical with traditional mass media. (Livingstone, 2005: 5)

Tanto a interacção social como a conversação reflexiva, subentendendo uma


dimensão da leitura que pode ser construída ou originada pelo próprio, ocorre através
do uso das tecnologias digitais. Neste contexto, ganha especial ênfase na leitura digital
o balanço entre práticas individuais e sociais de leitura, até porque convém referir
como muitos dos conteúdos que efectivamente se lêem na Internet (notícias, por
exemplo) aparecem filtrados em função de critérios de popularidade ou relevância
(Picone, 2007: 98), isto é, definidos também pelos interesses de outros indivíduos.
Desde há largos anos que o processo de ler tem sido investigado sob ângulos
vários. Ora explorando a estrutura do discurso, as características concretas dos textos,
ora sondando as estratégias de compreensão que os leitores implementam, ora até
prestando atenção ao papel do leitor, às funções da leitura ou aos media usados nesse
âmbito. Relativamente às interacções erigidas entre o leitor e texto, Leu e Reinking
admitem, respondendo à idealizada e metafórica assunção de que o leitor interage
com o texto em busca do(s) seu(s) sentido(s), da sua compreensão, que

electronic learning environments (…) provide an opportunity to operationalize this


idealized notion of a dynamic, reciprocal interaction between readers and texts. We use
the term “electronic learning environments” to refer to environments where text carries
at least a portion of the information within an interactive electronic medium. Electronic
learning environments include what are commonly referred to as hypertext,
hypermedia or multimedia. Within electronic learning environments, readers actively
manipulate the nature of the information they encounter as they navigate through
flexibly structured resources in an attempt to construct meaning. (…) Many electronic
learning environments actively respond to readers who seek information from multiple
media sources. (…) For example, might (…) provide an explanation for a difficult
concept unfamiliar to a user, animate a complex process to illustrate causes and
consequences, provide a video segment to demonstrate a procedural routine, or display
written responses by other users about their learning experiences. (Leu e Reinking,
1996: 44-45)

São assim desafiadas as formas tradicionais (mais estáticas) de relação com a


matéria escrita nas sociedades actuais, em que os aparelhos tecnológicos quase
assumem o estatuto de segunda pele do indivíduo (Baudrillard, 1993), com ele
compondo um circuito integrado. Provavelmente com variações conforme se dirija o
foco para os chamados nativos digitais7 (teoricamente, sujeitos de uma geração que

7
Uma importante ressalva conceptual: “while we frame digital natives as a generation ‘born digital’, not
all youth are digital natives. Digital natives share a common global culture that is defined not only by
age, strictly, but by certain attributes and experiences in part defined by their experience growing up
immersed in digital technology, and the impact of this upon how they interact with information
technologies, information itself, one another, and other people and institutions. Those who were not
‘born digital’ can be just as connected, if not more so, than their younger counterparts. And not
everyone born, since, say, 1982, happens to be a digital native” (“Are all youth digital natives?”,

12
cresceu mergulhada numa parafernália de dispositivos digitais, dos quais se serve
quotidianamente) ou para os imigrantes digitais (socializados na utilização dessas
tecnologias já em etapas ulteriores da sua vida, combinando ferramentas digitais e
analógicas com o intuito de aceder à informação ou de comunicar com terceiros), dois
conceitos cunhados em 2001 por Marc Prensky.

Em 1994, o estudo intitulado Práticas culturais dos lisboetas, coordenado por


José Machado Pais, observava que, à data, a alusão à fragilidade dos hábitos de leitura
dos portugueses (de livros, jornais e revistas) ocupava um espaço substancial nos
debates em torno da constelação dos seus comportamentos culturais, estritamente
falando. Essa apatia ou baixo «nível cultural» servia então para atacar “a cultura
«massificadora» imposta pelos grandes meios de comunicação assentes na tecnologia
electrónica, em detrimento do livro, como lugar privilegiado do pensamento, da
reflexão e da cultura” (Pais, 1994: 191). Simplesmente, citando O. Donnat, os autores
argumentam ser “díficil «sitiar» (cerner, no original) uma actividade que tanto
pertence ao tempo de trabalho como ao de lazer, e releva do registo do utilitário, da
pura distracção e da erudição, mais ou menos sábia” (idem: 193). Algo que,
obviamente, também perpassa pela leitura protagonizada em múltiplos suportes
digitais.
No quadro desta discussão, encontra-se interesse na mobilização e adaptação
analítica de certos conceitos propostos por Idalina Conde acerca da problemática
sociológica das práticas culturais, não circunscritas à sua dimensão cultivada. Quando
se pretende conhecer hábitos e comportamentos de leitura mediados por
equipamentos com uma plural disponibilidade de usos (lúdico e/ou funcional, escolar
e/ou profissional, ou mesmo da ordem da fruição literária), presumir desde logo uma
realidade constituída por práticas (de leitura) receptivas, a “exposição algo ‘passiva’ a
emissões (que substituiria por tipos de textos) inalteráveis pelo receptor ainda que por
ele escolhidas (…)”, operacionais, servindo de plataforma de usos expressivos ou
criativos por parte de quem lê, e ambíguas ou polivalentes, “cujo sentido radicará nos
contextos e propósitos com que são usados” (Conde, 1996: 121-122). É aqui sugerido
que os interfaces digitais funcionam enquanto espécie de “mobiliário cultural”,
artefactos materiais e dispositivos agenciais para a leitura e escrita que acontece
dentro ou fora do espaço domiciliar. Empiricamente, é portanto verosímil que, no
momento em que escreve, determinado sujeito possa estar num espaço tendo a seu
lado um livro em suporte papel e um computador portátil. Ou o seu iPad, mediante o
qual consulta publicações online (conectadas ao Google ou à Amazon) ou artigos de
formato pdf que lhe foram enviados e que entretanto armazenou. Essa reconfiguração
da experiência de ler dá azo a uma hibridização de competências, a uma multiplicidade
sensorial da literacia e da leitura.

http://cyber.law.harvard.edu/research/youthandmedia/digitalnatives/areallyouthdigitalnatives, acedido
em 10 de Julho de 2012).

13
Num tempo de modernidade líquida, caracterizada pelo estado ubíquo,
desmaterializado, dinâmico e maleável da informação, que assim contraria convenções
sociais antes estabelecidas, Bauman (2000) aponta para os indivíduos na sua condição
de consumidores móveis, flexíveis, “who actively negotiate and ‘domesticate’ the role,
adoption and employment of technological innovations, in a dynamic process within
the everydayness of their social practices” (Jiang, 2011: 6). Factor particularmente
sensível no que diz respeito às práticas de leitura digital é a circunstância de se
perspectivar um condicionamento provocado pelos estilos e ciclos de vida, pelos
papéis sociais que os indivíduos vão desempenhando, dimensão eventualmente
dotada de maior densidade explicativa se comparada a influências de teor geracional.
Afirma Anthony Giddens que “um estilo de vida pode ser definido como um conjunto
mais ou menos integrado de práticas que um indivíduo adopta, não só porque essas
práticas satisfazem necessidades utilitárias, mas porque dão forma material a uma
narrativa particular de auto-identidade” (Giddens, 1994: 73). Negociar escolhas de
estilos de vida numa sociedade de capitalismo desenvolvido que multiplicou de tal
modo a diversidade de opções passa também por identificar a incorporação de uma
transversal “cultura de consumo” (Featherstone, 1991) nas actividades do dia-a-dia
dos indivíduos. O capital simbólico dos objectos de uso corrente, profundamente
estetizados, pressupõe a atribuição de significados além da mera utilidade,
consumindo-se por arrasto um valor signo, conforme Baudrillard pretendeu
demonstrar. E isso, nas considerações certas de Idalina Conde, “numa
contemporaneidade eclética com tendências homogeneizantes paralelas a efeitos
personalísticos” (Conde, 1992: 147).
Interrogar a apropriação das tecnologias digitais onde se lê, reportadas a
temporalidades e espacialidades específicas, contrastantes e entrecruzadas, de
trabalho e de lazer (Pais, 1998; Rainie e Wellman, 2012) - lendo no computador do
escritório ou da biblioteca um artigo saído no jornal diário, lendo em trânsito e no
iPhone um e-mail recebido ou lendo um romance na praia através do Kindle -, torna
pois necessário trazer para a análise a teoria da domesticação da tecnologia, de Roger
Silverstone, estendida igualmente ao exterior do universo doméstico: “the emphasis is
on consumption rather than mere use. So attention has been given to what ICTs mean
to people, how they experience them and the roles ICTs can come to play in their lives”
(Haddon, 2003: 44).
É a assimilação da tecnologia nas rotinas e micro-práticas da vida quotidiana
dos seus utilizadores que ilumina o dito processo de domesticação, capacidade na
dependência dos diferentes tipos de capital que se possui ou dos quais se está
destituído (Bourdieu). Domesticação da Internet num primeiro nível, querendo-se
deduzir uma definição de leitor digital como alguém a ela ligado, aproveitando o
acesso a documentos e informações, a sua partilha, e as funcionalidades comunicativas
disponibilizadas pelo dispositivo digital ao dispor. Na era da literacia online, esse o
requisito base. Manuel Castells acentua que

14
we do not “watch” the Internet as we watch television. In practice, Internet users (the majority
of the population in advanced societies and a growing proportion of the third world) live with
the Internet. (…) Working with the Internet includes occasional surfing of non-work-related web
sites or the sending of personal e-mails as a result of widespread multitasking in the new
informational environment. Furthermore, the Internet is increasingly used to access mass
media (television, radio, newspapers), as well as any form of digitized cultural or informational
product (films, music, magazines, books, journal articles, databases). (Castells, 2009: 64)

E-mails e textos também lidos e/ou enviados em segundos. Sucede que


tencionando-se ensaiar categorias de leitores digitais, e até porque “the singularity of
‘the internet’ is particularly problematic, for it refers to a diverse collection of
technologies, forms and services bundled together” (Livingstone, idem: 4), deverão ser
salientados os sites, congregando informações de variada índole, ou as
aplicações/ferramentas dos media sociais (blogues, Twitter, Facebook, Orkut, etc.).
Neste caso, a publicação, produção colaborativa e difusão de vários géneros de
conteúdos destinados à leitura tem aí lugar de maneira descentralizada. Sobre isto se
tem preocupado o campo dos Internet Studies, procurando apurar os reais usos e
perfis dos internautas. A via tradicional da sociologia da leitura deixa na sombra todas
estas práticas leiturais. Ora, com o objectivo de tentar compor uma sociologia da
leitura digital, o facto de as indústrias (culturais) dos bens impressos sofrerem
modificações com a entrada na sociedade da informação, revendo os modelos de
negócio e redefinindo os seus produtos e canais de distribuição (Thompson, 2010),
acarreta que se considere ponderar “no próprio corpus da edição electrónica, (…) dois
géneros de textos: representações derivadas ou secundárias de livros impressos e
publicados ou de textos pensados primariamente para publicação impressa, e
publicação de textos electrónicos pensados e concebidos para se moverem em
suportes digitais desde o seu início” (Furtado, 2000: 365). O movimento de
transposição para o digital experimentado pelos intervenientes das cadeias de edição
de livros, jornais e revistas (apostando na orientação personalizada dos materiais de
leitura para suportes tais como os tablets, os smartphones ou os e-readers), cobre
então outra dinâmica não despicienda aspirando-se chegar à identificação,
necessariamente provisória, de tipos de leitores digitais. Ao situarmo-nos nesse plano,
assume-se um recorte tipológico que, de modo algum, esgota adicionais ou mais finas
declinações do ser leitor advindas do confronto com os dados empíricos. Todavia, a
ideia de um leitor total, omnívoro, que lê tudo, desde os textos contidos nas
plataformas dos media sociais e noutras páginas Web aos formatos especialmente
vocacionados (o exemplo dos e-books) para os novos interfaces digitais (móveis), que
recorre às populares formas tecnológicas do SMS e do correio electrónico (e-mail), e
que faz uso das possibilidades da rede, revestirá seguramente a especificidade de um
certo grupo de leitores. Em segundo lugar, a ideia de um leitor parcelar – demarcando
livros, jornais e revistas, Eduardo de Freitas e Maria de Lourdes Lima dos Santos fixam
essa classificação a um “acesso recorrente, mas fragmentado, porque limitado a um ou

15
dois desses três conjuntos de publicações, sem traduzir necessariamente capacidades
descodificadoras reduzidas dos indivíduos” (Freitas e Santos, 1991: 68) -, que
elucidaria práticas de leitura combinando algumas das seguintes actividades:
navegação “tradicional” na Web, nos textos das redes e media sociais, utilização dos
sistemas de SMS e de e-mail, leitura de livros ou demais documentos digitais (e-books,
ficheiros pdf, etc.) passíveis de consumo em diferentes gadgets. Vale no entanto a
pena relembrar que na leitura em meio digital se cruzam potencialmente dimensões
de aquisição e/ou partilha mas também de comentário, de estatuto crítico ou social.
Finalmente porém, importa não negligenciar na tipologia o que aqui se apelida de
proto-leitor, sujeito que, “apesar de (…) possuir (…) a competência de leitor (“sabe-se
ler”)” (Freitas e Santos, idem: 68), por força de incipientes competências de literacia
digital ou tecnológica se mostra alheado ou afastado das práticas de leitura acima
discriminadas (somente fazendo uso pragmático do SMS ou do e-mail por exemplo).

Será porventura útil nesta fase abordar o contributo-chave de John B.


Thompson relativamente a uma das (cinco) características da “comunicação de massa”
que apresentou. Embora o autor defenda que aquela expressão “é (…) inapropriada
para os novos tipos de informação e comunicação em rede, que se estão tornando
cada vez mais comuns hoje em dia” (Thompson, 1998: 32), há uma dimensão de
massificação que as redes sociais introduzem e que interessa evidentemente assinalar
no estudo da leitura digital. A bem dizer, a comunicação de massa implica a indefinição
do número de destinatários, os seus produtos “permanecem disponíveis a quem quer
que tenha os meios técnicos, as habilidades e os recursos para adquiri-los” (idem: 35).
Se no caso dos meios de comunicação e escrita interpessoal, como o e-mail ou o SMS,
o que está grosso modo em causa são textos dirigidos para um outro específico, nas
redes sociais lê-se mais, há mais gente a escrever, desencadeiam-se também processos
de comentário. Esse fenómeno social cada vez mais significativo e penetrante que se
baseia na rápida circulação dos mais variados tipos de textos (ao limite, é incontrolável
onde vai parar o que se escreve, alvo de sucessivas partilhas ou redistribuições por
diferentes grupos de internautas) permite assim levantar a hipótese de que as redes
sociais abrem as portas para a massificação da leitura digital. A ideia de que qualquer
pessoa tem hoje em si os meios da comunicação de massas, em virtude de poder
colocar textos em plataformas digitais com vista a serem lidos por uma diversidade de
indivíduos (Castells, 2007), carrega contudo um aspecto que se afasta de outra das
propriedades que Thompson destacou. À partida, a fundamental desigualdade entre
quem escreve e lê – “os receptores são, pela própria natureza da comunicação de
massa, parceiros desiguais no processo de intercâmbio simbólico” (ibidem: 35) –,
quando pensada na esfera dos media e redes sociais revela um alcance distinto.
Simultaneamente sujeitos em processos de produção, transmissão e recepção, deixa
pois de ser verdadeiro que os mesmos se encontrem “privados das formas diretas e
contínuas do feedback característico da interação face a face” (ibidem: 34).

16
Que historicamente o número de leitores suplantou sempre o número de
autores é algo que parece não oferecer dúvidas. A tese de Dennis Baron é a de que a
Internet terá impulsionado uma transformação:

thanks to the internet, that gap may be narrowing dramatically. Each new stage in the
history of writing technologies tends to expand the authors club, and the digital
explosion seems to have opened that guild up to something approaching universal
membership, at least so far as the universe of computer users goes. On the internet,
everyone’s an author, every scrap of prose a publication. (2009: 157)

De facto, a utilização da Internet alastrou-se por todo o mundo a uma


velocidade absolutamente ímpar se se considerar quaisquer outros meios de
comunicação8. Mas em consonância com o que vários autores sublinham, é preciso
explicitar melhor em que medida nas contemporâneas sociedades da informação o
próprio modelo comunicacional mudou. Pode dizer-se que esse novo modelo fundou
os seus alicerces numa comunicação de carácter globalizado, na intersecção em rede
dos meios de comunicação interpessoais e de massas, sem esquecer os diferentes
padrões ou graus de interactividade associados à emergente mediação em rede
(Cardoso, 2011). A auto-comunicação de massa de que fala Manuel Castells – “it is
mass communication because it reaches potentially a global audience through the p2p
networks and Internet connection. It is multimodal, as the digitization of content and
advanced social software, often based on open source that can be downloaded free,
allows the reformatting of almost any content in almost any form, increasingly
distributed via wireless networks. And it is self-generated in content, self-directed in
emission, and self-selected in reception by many that communicate with many”
(Castells, 2007: 248) – em traços largos é-o porque fruto de uma individualizada
apropriação. Mas também a comunicação mediada de um para muitos, que por
exemplo preside à utilização do Facebook com os nossos “amigos”, e a comunicação
interpessoal multimédia (refira-se o uso dos programas de conversação instantânea),
testemunham a metamorfose em matéria de modelo comunicacional. O resultado são
então práticas e níveis de envolvimento e/ou interacção muito distintos, certas
abrangendo actividades de leitura claro está, atravessadas pela influência de um
denominador comum, a mediação por ecrãs.
Como adianta Henry Jenkins, os indivíduos vivem actualmente num mundo
onde “old and new media collide, where grassroots and corporate media intersect,
where the power of the media producer and the power of the media consumer
interact in unpredictable ways” (Jenkins, 2006: 259-260). Fluxos de conteúdos e
formas de disseminação mais directas e libertas dos mecanismos de gatekeeping em

8
“As a result, the number of Internet users on the planet grew from under 40 million in 1995 to about
1.4 billion in 2008. By 2008, rates of penetration had reached more than 60 percent in most developed
countries and were increasing at a fast rate in developing countries” (Castells, 2009: 62).

17
que interferem jornalistas, editores, etc. Gustavo Cardoso resume-o nos seguintes
moldes:

os nossos conteúdos – sejam eles noticiosos, informativos ou de entretenimento –


parecem ter-se alterado graças à presença de conteúdos fornecidos pelos próprios
utilizadores dos meios de comunicação e não apenas pelas empresas de mídia, dando
lugar à coexistência de diferentes modelos de informação para diferentes públicos.
(Cardoso, 2011: 236)

No fundo, dever-se-á ter presente o que Jenkins nomeia de cultura da


convergência, teoricamente perceptível quando se faz entrar na discussão dois
conceitos subjacentes, convergência de media e cultura participativa. O primeiro
aponta para a progressiva adaptação dos mass media ao advento da Internet, visando
a distribuição dos seus produtos por outra via, ou seja, para o princípio de que vários
tipos de conteúdos perpassam portanto múltiplas plataformas de media9, e isso a par
de um comportamento migratório que certos públicos ou audiências levam a cabo,
oscilando entre canais no consumo de tais conteúdos. Já quanto à noção de cultura
participativa o ponto determinante reside no facto de a convergência igualmente
representar “a cultural shift as consumers are encouraged to seek out new information
and make connections among dispersed media content. The term participatory culture
contrasts with older notions of passive media spectatorship. Rather than talking about
media producers and consumers as occupying separate roles [a fundamental
desigualdade a que atrás se aludiu] we may now see them as participants who interact
with each other according to a new set of rules” (Jenkins, 2006: 3). Daqui deriva que
num contexto de convergência de media, e na intenção de nos centrarmos na leitura
feita sobre uma pluralidade de ecrãs, todo o conteúdo escrito pode ser activa e
facilmente difundido e/ou seleccionado pelos leitores. De acordo com esta lógica de
raciocínio, querer compreender o fenómeno da leitura digital pede a necessária
atenção à possibilidade de os sujeitos navegarem ao redor da paisagem de media,
escolhendo ou alternando entre dispositivos tecnológicos consoante a actividade ou o
objectivo em causa, a própria natureza dos textos, e, por outro lado, comentando
notícias e artigos publicados online, lendo e/ou produzindo conteúdos escritos nos
fóruns da Web e nos sites das redes sociais (neste particular, uma leitura que assume
um cariz também acidental, já que os indivíduos, na condição de destinatários das suas
redes de amigos, acabam por ler textos que, se calhar, noutras plataformas ou
suportes não procurariam de modo voluntário)10. Saber até que ponto o poder

9
Inclusivamente numa mesma máquina ou gadget podem convergir conteúdos e/ou funções muito
diversas. Atente-se no exemplo do smartphone, misturando, entre outras, valências do computador, do
telefone, da câmara digital, da Internet, possibilitando não só a interacção como também a produção e
o acesso a uma enorme variedade de conteúdos.
10
Assim, “with a deluge of information cascading from a variety of different sources, networked
individuals must actively develop the skills to critically assess the institutional information they find and
what they receive from their personal networks. The ability to balance these two information sources is
a key for networked individuals as they cope with information overload. They rely on search engines,

18
transformador da Internet influencia a(s) leitura(s) que hoje se faz(em) constitui toda
uma questão.
É também o problema de questionar qual o modelo que se crê hodiernamente
associado ao mais vasto público-leitor (Santos, 1992). A ideia de que o sujeito
informado – “the citizen who aims at being well informed” e que “for this (…) reason
has to form a reasonable opinion and to look for information” (Schütz, 1946) – se
constrói agora no espaço virtual da Internet, ao mesmo tempo que escreve e lê,
substituindo essa visão chegada do século XIX e que tinha por idiossincrasia uma noção
de sujeito informado correspondente à figura do leitor de jornais, modalidade
democratizadora do impresso (Darnton, 2011: 143). Oportuno a este respeito
recuperar uma passagem da Revista Universal Lisbonense (1841) que Maria de Lourdes
Lima dos Santos citou num seu artigo:

Este século tão destruidor como criador, matou a Livraria e pôs no seu lugar o
Jornalismo. Assim deveria ser, porque este século é popular. Os livros eram a muita
ciência para poucos homens; os jornais são um pouco de ciência para todos. O que os
livros monopolizavam, os jornais o derramam como podem. (Santos, 1992: 20)

É um facto que a Internet, a tal massificação do texto a que se refere Umberto


Eco (1996) - da opinião de que a invenção do computador permitiu, depois da
televisão, o regresso à Galáxia Gutenberg, informando-nos acerca do mundo na forma
de páginas e palavras -, se converteu num poderoso, sem paralelo, canal de
distribuição. A pergunta que aqui genericamente se antecipa é se aqueles que lêem (e
escrevem) online vêem tal leitura como uma actividade de substituição ou extensão
face à realizada em suportes impressos (livros, jornais…). Ou, dito de outra maneira,
como influencia ela a leitura do que existia antes em papel e que agora também se
propagou pela esfera digital?
A leitura e a escrita constituem hoje os requisitos elementares para que
qualquer indivíduo se consiga integrar nas várias dimensões da vida contemporânea:
“condição da pólis, condição da cidadania, a leitura e a sua ausência estabelecem o
limiar da sociabilização, que, após a alfabetização, ganhou hoje na (i)literacia o seu
novo patamar” (Babo, 2003: 51). Na verdade, o alargamento gradual da escolarização
contribuiu decisivamente para que sejam cada vez em maior número aqueles que
desenvolvem as competências necessárias ao exercício da leitura e da escrita, “assim
como são também cada vez mais as ocasiões, os contextos e os domínios, assim como
os suportes, que apelam à sua utilização” (Ávila, 2008: 74). Parece natural que se parta
daqui para um olhar sociológico de muitas perguntas: que conclusões podem ser
ventiladas acerca da leitura digital mediante a sua associação a determinadas variáveis
do foro sociográfico? O que muda nas práticas da leitura com a transposição ou

bookmarks, and tags. Moreover, people develop ways to alert them to new information about issues
that matter to them” (Rainie e Wellman, 2012: 232-233).

19
desenvolvimento dos conteúdos para o formato digital? Disseminando textos a largas
audiências, que interferência têm as plataformas das redes sociais nesse âmbito?
Como é a leitura digital percepcionada pelos indivíduos? Que regularidades são
passíveis de objectivação quando analiticamente se cruzam leituras digitais e em
papel? E, por arrasto, em que medida a focagem na leitura digital sintoniza e/ou
complexifica com novas categorias de leitores a sociologia da leitura que em Portugal
se vem fazendo?
Para este fim, com a leitura digital latamente considerada, é-se levado a
concluir com uma citação de Bernard Lahire:

il y a lecture et lecture, et il faut rappeler cette évidence contre les tendances les plus
anodines (que l’on retrouve souvent dans les commentaires des tableaux statistiques
concernant la fréquence de lecture, selon la cátegorie socio-professionnelle, le sexe, le
niveau de diplôme…, de tel ou tel genre d’imprimé) à faire comme si, entre les “non-
lecteurs” ou les plus “faibles lecteurs” et les plus “forts lecteurs”, la différence n’était
qu’une différence quantitative (“on lit d’autant moins de telle ou telle cátegorie
d’imprimés que l’on fait partie de telle ou telle catégorie de lecteur…”). (Lahire, 1993:
101)

20
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25
PARTE I

O LIVRO, OBJECTO ECONÓMICO E CULTURAL

26
Que se possa afirmar que o universo do livro experimenta actualmente múltiplos
processos de mudança não equivale contudo a assumir a simples substituição de
paradigmas ou de formatos. Aliás, o que se afigura empiricamente constatável, é a
convivência entre modelos, não tendo a cultura do impresso sido abolida em virtude
da entrada em cena do digital. Não é pois por acaso que os três capítulos compondo
esta primeira secção se esforçam ora em caracterizar o sector nacional do livro do
ponto de vista de várias facetas da sua oferta (olhando para as entidades que editam e
comercializam livros, agentes de mediação da leitura cuja actuação se inscreve ainda
dominantemente dentro do paradigma do impresso), ora as modificações tecnológicas
e económicas que não só transformam o livro tal como o conhecíamos enquanto
objecto como também a indústria que nele se baseia, sem deixar de dar conta das
mudanças que já se conseguem verificar em Portugal nas esferas da edição e da venda
de livros em função da influência que as realidades da Internet, em particular, e dos
meios digitais, em geral, acabam por aí exercer. Tratando-se de contributos não
especificamente centrados nas práticas de leitura propriamente ditas, mas
identificando aspectos relacionados com a produção/intervenção no conjunto de
leituras que os leitores podem então realizar, acabam igualmente por facultar
informação substantiva para responder a essa questão que serviu de título a um livro
dirigido pelo historiador Jean-Yves Mollier, Où va le livre? (2000). É dos nexos possíveis
de estabelecer entre os diferentes textos desta parte que não só se podem
perspectivar transições em curso como eventuais reconfigurações do mundo social do
livro na sociedade portuguesa em termos de novos modelos de negócio e de novas
lógicas de produção e promoção, favorecendo por seu turno a emergência de outros
tipos de leituras e modos de acesso aos livros, artefactos nesse limbo entre papel e
digital, bem e serviço.

27
1

O sector do livro em Portugal

José Soares Neves

28
Introdução

Quais as caraterísticas do sector do livro em Portugal? Que informação estatística está


disponível e é suscetível de contribuir para essa caracterização? O objetivo do
presente capítulo é compreender de onde partimos relativamente a um dos principais
suportes de leitura, o livro, tendo por base fontes estatísticas. São várias as principais
fontes aqui utilizadas, de natureza e alcances diferentes, mas que, no seu conjunto,
permitem avançar vários elementos para uma caracterização global do sector:
estatísticas oficiais (INE), sistema ISBN, Depósito Legal e inquéritos ao sector. O
levantamento e crítica das fontes constam de um estudo com uma reflexão mais vasta
sobre um sistema de informação do sector do livro (Neves, Santos, Lima, Vaz e
Cameira, 2012). Considera-se o sector como o conjunto de agentes cuja atividade está
relacionada com a edição ou a comercialização de livros. Embora não se ignore que
existe uma definição internacional de “livro” emanada da UNESCO, ela não será
necessariamente seguida uma vez que raramente é utilizada, desde logo nas
estatísticas internacionais (Wischenbart e Ehling, 2009: 5).
Neste capítulo refere-se a evolução do panorama editorial português ao longo da
primeira década do século XXI quanto às empresas (volume de negócios, pessoal ao
serviço) e outras entidades que editam livros, bem como os títulos e os exemplares
editados. Aborda-se a comercialização, em particular nas livrarias e nas grandes
superfícies mas também noutros canais, incluindo o comércio eletrónico.
Apesar dos avanços recentes permanecem inúmeras lacunas na informação disponível
em Portugal, aspeto particularmente notório em contraste com outros países, lacunas
que inviabilizam não só o alargamento da análise a outras dimensões mas também o
aprofundamento daquelas aqui abordadas.
Uma das lacunas é a inexistência de inquéritos regulares à edição e à comercialização.
Se isto é relevante quanto ao formato papel, é particularmente evidente quanto aos
formatos eletrónicos, os quais constituem o principal desafio com que o sector do livro
está confrontado em múltiplos planos (a cadeia do livro, os direitos de autor e os
direitos de reprodução, para citar apenas alguns) e que tem impactos diferenciados
em cada país. Por esse motivo têm sido realizados nos últimos, na Europa e noutros
quadrantes geográficos, estudos nacionais que incluem, ou são direcionados
especificamente, para a edição e a leitura digitai, o que não é o caso de Portugal.

29
O sector do livro como objeto de estudo

O sector do livro tem uma longa tradição de estudo pelas ciências sociais,
designadamente da Economia e da Sociologia da cultura. Os trabalhos de Lewis Coser e
outros (Coser, 1975; Coser, Kadushin e Powell, 1982), bem como de autores da socio-
economia da cultura em França, como François Rouet (1992; 1998) ou Françoise
Benhamou (1986; 1996), ou obras sobre as indústrias culturais e as indústrias criativas,
de que o livro é um dos constituintes (Garnham, 2005), são algumas referências
importantes.
Em Portugal vários autores abordaram o sector da edição. Entre eles importa citar
Fernando Guedes e as suas reflexões em torno da história do livro e da edição, do livro
como objeto cultural e económico (Guedes, 2001), as obras de Jorge Martins no
tocante aos indicadores de mercado, ao marketing, aos agentes envolvidos na cadeia
do livro, numa perspetiva nacional ou transnacional (Martins, 1999a; Martins, 1999b),
à rede social do livro (Martins, 2005a; 2007) e mais especificamente sobre o próprio
livreiro (Martins, 2005b). Rui Beja editou recentemente obras sobre a história do
Círculo de Leitores, casa editorial fundada em 1970, e sobre a edição em Portugal nas
últimas três décadas (Beja, 2011; 2012). José Afonso Furtado é outro autor
incontornável, não só no que se refere ao livro, à edição e ao mercado (Furtado, 1995;
1998), às leituras (Furtado, 2000), às implicações das novas tecnologias e à leitura
digital (Furtado, 2003; 2004; 2007), mas também quanto à relevância da gestão
estratégica (Furtado, 2008) e, mais recentemente, à literacia na sociedade da
informação (Furtado, 2012).
Após a criação do Observatório das Actividades Culturais (OAC) em 1996 o sector foi
um objeto de estudo com alguma continuidade. Disso são exemplos a avaliação das
políticas culturais nacionais (Santos e outros, 1998), de medidas políticas públicas
específicas do sector como o Preço Fixo do Livro (Santos e Gomes, 2000), de
construção e análise de indicadores de mercado (Freitas, 1998; Santos e Gomes, 2000)
ou sobre as oportunidades profissionais das mulheres no sector (Gomes, Lourenço e
Martinho, 2005). Outros estudos e documentos referem, embora por vezes com
perspetivas mais gerais, as entidades com atividade de edição (Gomes, Lourenço e
Martinho, 2006; Gomes e Martinho, 2009: 64-79). Os relatórios do Inquérito ao Sector
do Livro, realizado entre 2007 e 2009 foram entretanto publicados (Neves, Santos,
Lima, Vaz e Cameira, 2012; Neves, Santos e Vaz, 2012). E, ainda no âmbito do OAC,
foram disponibilizadas séries estatísticas sobre as empresas da edição e
comercialização com dados do Instituto Nacional de Estatística (Neves e Santos, 2010)
e sobre a edição com base na informação do sistema do Depósito Legal (Neves, Santos
e Lima, 2012).
Promovido pela APEL, foi realizado recentemente um estudo sobre a dimensão do
mercado da cópia ilegal com incidência no sistema de ensino (Dionísio e Leal, 2012).

30
Entre os modelos que permitem enquadrar uma abordagem do sector do livro pode
ser considerado o das indústrias culturais que, embora heterogéneas, Maria de
Lourdes Lima dos Santos define como aquelas atividades industriais que integram
trabalho cultural ou artístico diretamente nos seus produtos (Santos, 1999). Françoise
Benhamou (1996), Nicholas Garnham (2005) ou Gisèle Sapiro (2005) são autores que
elucidam de que modo bens culturais como o disco, o filme ou o livro, pelas
peculiaridades dos respetivos conteúdos, estão na base da constituição de um campo
distinto de análise económica que chega à definição daquelas indústrias de acordo,
grosso modo, com cinco critérios, a saber: reprodutibilidade (a partir de um protótipo
reproduzido ou difundido a uma escala massificada); incerteza (no sentido em que os
produtores, neste caso editores de livros, têm dificuldade em prever a procura do bem
produzido; desenvolvem-se estratégias para captar a atenção do consumidor);
concentração (no fundo, sejam elas horizontais ou verticais, trata-se de estratégias
cujo intuito é minorar a incerteza do mercado e conquistar ou reforçar aí a posição da
empresa, resultando na criação de economias de escala); risco económico (dada a
imprevisibilidade da procura, os investimentos iniciais implicam um inevitável risco
económico, gerido à luz do seguinte princípio – o sucesso de um best-seller pode
contudo colmatar as perdas derivadas de sucessivos fracassos editoriais); direitos (há
proteção autoral e de reprodução, isto é, existem leis criadas para salvaguardar a
propriedade intelectual e os conteúdos criativos).
Outro modelo articula as artes, as indústrias culturais e as criativas, nas quais os
direitos de propriedade intelectual são centrais (Garnham, 2005) e a que dois estudos
recentes deram grande notoriedade, um à escala europeia, o outro em Portugal: o
relatório KEA para a Comissão Europeia (AAVV, 2006) generalizou a noção de sector
cultural e criativo que inclui, para além do núcleo central das artes e o círculo das
indústrias culturais (sector cultural), o círculo das atividades e indústrias criativas e o
das indústrias com aquele relacionadas (que conformam o sector criativo), e atribuiu,
possivelmente, uma visibilidade sem precedentes ao valor económico das atividades
consideradas como culturais e criativas; e o relatório coordenado por Augusto Mateus
para o Ministério da Cultura sobre o sector cultural e criativo em Portugal (Mateus,
Primitivo, Caetano, Barbado e Cabral, 2010). Para além destes dois estudos, que
definem o sector a partir das atividades consideradas e quantificam o seu peso
económico, haverá que referir ainda o trabalho que vem sendo realizado na União
Europeia desde meados da última década do século passado sobre estatísticas
culturais (Neves, 2008; Deroin, 2011), mais proximamente realizado no quadro da
ESSnet-Culture (2009-2011) e que culminou com a publicação do relatório final em
2012 no qual se estabelece uma nova grelha de atividades culturais e criativas (Bina,
Chantepie, Deroin, Frank, Kommel, Kotynek e Robin, 2012). Em concreto, a
importância deste último relatório reside na possibilidade de a referida grelha vir a ser
adotada nas estatísticas oficiais dos estados membros, como aliás é já o caso de
Portugal.

31
Fontes estatísticas primárias sobre o sector do livro

No plano internacional importa referir os esforços realizados pela UNESCO desde a


aprovação em 1964 de uma resolução com recomendações sobre a normalização
internacional das estatísticas relativas à edição de livros e publicações periódicas
(Unesco, 1965). Com o intuito de fornecer informação normalizada acerca das diversas
facetas da produção e distribuição de publicações impressas, adverte para a
necessidade de cada Estado Membro pôr em prática um conjunto de princípios no que
diz respeito a definições, classificações e apresentação de dados estatísticos relativos a
livros, periódicos e revistas. Uma nova proposta para a recolha de estatísticas
internacionais do livro foi recentemente difundida pela UNESCO, embora nela se
destaque a dificuldade de serem estabelecidos padrões a este nível (Wischenbart e
Ehling, 2009).
De acordo com uma abordagem comparada internacional são quatro as fontes a que
mais frequentemente se recorre para caracterizar o sector do lado da oferta: as
estatísticas oficiais produzidas pelos institutos nacionais de estatística por via de vários
projetos, o Depósito Legal (DL), o International Standard Book Number (ISBN) e os
inquéritos de sector (branch survey, barómetros ou estudos de mercado) (Neves,
Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012).
No quadro da União Europeia, três projetos de produção de informação estatística
adquirem atualmente especial relevância para este sector, uma vez que resultam de
um esforço do EUROSTAT no sentido da uniformização (ou harmonização) de critérios
na recolha de dados pelos institutos nacionais de estatística. São os projetos
relacionados com as empresas (Structural Business Statistics), o emprego (Labour
Force Survey) e o comércio internacional (Comext), para os quais é possível, em cada
país e no conjunto dos países da UE, extrair informação sobre o sector do livro,
naturalmente comparável entre eles (Beck-Domzalska, 2007: 78-85 e 178-182).
Por seu turno, o Depósito Legal (DL) consiste na obrigação11 de os editores e/ou
produtores de qualquer tipo de documento depositarem numa instituição nacional
designada para o efeito um ou mais exemplares para uso público. Ao longo da história
do DL os requisitos têm evoluído – sobretudo no que diz respeito aos suportes e tipos
de publicações abrangidos, para além do livro impresso, como por exemplo materiais
não livro, materiais audiovisuais e publicações eletrónicas (Campos, 2005: 2-3). Na
maioria dos países a legislação consigna à respetiva biblioteca nacional a
responsabilidade pela acessibilidade, divulgação e preservação da coleção nacional. O
DL tem vindo a ser utilizado como uma fonte na produção de informação estatística
sobre o acervo bibliográfico editado (Schroeder e Steenkist, 2005: 7).
Em Portugal o Depósito Legal está regulamentado pelo Decreto-Lei nº 74/82, de 3 de
Março, e pelo Decreto-Lei nº 362/86, de 28 de outubro. É uma atribuição da Biblioteca
Nacional. Tem como objetivos a constituição, conservação, produção e divulgação de

11
Com exceções. Na Holanda, o Depósito Legal não é obrigatório (Schroeder e Steenkist, 2005: 8).

32
uma coleção bibliográfica nacional com todas as publicações editadas no país. A
referida coleção inclui monografias, publicações periódicas, teses de mestrado e
doutoramento e produtos semelhantes.
Quanto ao ISBN, é um sistema numérico que visa normalizar, generalizar e melhor
identificar livros e produtos semelhantes (folhetos impressos, publicações multimédia
e eletrónicas) em qualquer parte do mundo. Criado nos anos 70 em Inglaterra, o ISBN
é regulado pela International ISBN Agency que coordena a atividade das agências
nacionais. O ISBN vigora em cerca de 160 países (Pimentel, 2007: 231). Na
generalidade dos países não é obrigatório por lei, pelo que a
participação/comunicação das editoras às agências nacionais de ISBN é voluntária.
Refere-se a expetativas de edição e não necessariamente a publicações como no DL.
Constitui, em alguns países, como é o caso de Espanha em que é obrigatório, uma
fonte relevante para as estatísticas do sector.
Relativamente aos inquéritos ao sector – a quarta e última fonte de informação
estatística aqui considerada – saliente-se antes de mais a sua heterogeneidade, pelo
que têm dificuldades comparativas tanto no plano nacional como transnacional. São
diversos os propósitos (caracterização do sector, aprofundamento de um
determinando segmento), as perspetivas adotadas (estudos económicos, de mercado,
sociológicos, etc.) e a regularidade com que são realizados. Fornecem geralmente
dados detalhados do mercado (financeiros, físicos, informações sobre mercado
nacional/exterior, bens, categorias editoriais, consumos e direitos de autor e de
propriedade intelectual) e das editoras e, eventualmente, de empresas de outras
atividades como a distribuição e o retalho. São promovidos por instituições
diferenciadas, quer públicas quer privadas, neste último caso em particular pelas
organizações profissionais do sector, em parceria, isoladamente ou com o apoio da
tutela da Cultura, situação mais comum.
Do conjunto de fontes consideradas ressalta com clareza a proximidade, embora não
sobreposição, entre Depósito Legal e ISBN (Schroeder e Steenkist, 2005: 31-32). Mas
da análise das vantagens e limitações respetivas resulta igualmente a sua
complementaridade, pelo que devem ser consideradas num sistema de informação
sobre o sector (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012).

Informação estatística sobre a oferta de livros em Portugal

Parte relevante da informação estatística é de caráter económico. Nos anos oitenta


foram produzidos dois relatórios para a tutela da cultura em Portugal: o Estudo dos
Aspectos Económicos da Edição em Portugal (Varela e Ramos, 1984) e o Relatório da
Comissão do Livro (Moura, Cabral, Guedes e Furtado, 1986). O primeiro debruçou-se
sobre o mercado do livro, as empresas do sector e o papel do então Instituto
Português do Livro (IPL) e tinha por objetivos: a caracterização da estrutura

33
empresarial do sector e a identificação dos principais indicadores económicos; a
análise do mercado do livro, com incidência na procura interna e externa na oferta
nacional; a análise das políticas de marketing-mix e de produção; a identificação das
características organizacionais das empresas e dos mecanismos económicos; um
contributo para uma avaliação das ações já desencadeadas pelo IPL; um esboço de
diagnóstico do sector, o qual se desdobrava em diversos planos. Por sua vez, o
Relatório da Comissão do Livro retoma o diagnóstico e as propostas feitas no
anteriormente referido sobre o papel da tutela e centra-se nas políticas culturais para
as quais propõe 105 medidas (Moura, Cabral, Guedes e Furtado, 1986).
No início da década de noventa um outro estudo, igualmente realizado para a tutela
do sector (então Instituto Português do Livro e da Leitura, IPLL) incidiu no Mercado do
Livro em Portugal e abordou tanto a oferta como a procura (Gaspar e outros, 1990;
Gaspar e outros, 1992).
Estes estudos constituem contributos relevantes à altura da sua realização, mostram
as dificuldades que a abordagem estatística enfrenta, sugerem aspetos metodológicos
e permitem traçar a evolução do sector em Portugal em alguns planos. Mas,
paralelamente, mostram também que não se avançou significativamente na
implementação, ou sequer na definição, de um sistema de informação capaz de dar
conta da evolução do sector nos seus principais contornos, de uma forma permanente,
adequada e continuada. A suspensão, não retomada, do inquérito anual realizado e
difundido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL)12 (últimos dados
sobre 1999) é outro elemento que evidencia as lacunas de informação existentes.
Especificamente quanto às estatísticas nacionais, oficiais, sobre o livro, nas últimas
décadas identificam-se duas grandes fases na informação reunida e disponibilizada na
publicação anual do INE dedicada à cultura. Na primeira o INE difundiu parte dos
dados produzidos pela APEL com base em inquérito estatístico iniciado em meados da
década de oitenta do século passado (e não apenas dos seus membros, como até
então) e vai até 1998. A segunda decorre desde 1999, ano em que passou a publicar
dados provenientes do seu Inquérito às Empresas (a partir de 2004 Sistema de Contas
Integradas das Empresas), desde 2009 agrupados nas atividades culturais e criativas
(INE, 2010) de acordo com o trabalho então em curso no âmbito da ESSnet-Culture
atrás referida.
Os dados do INE incidem sobre um conjunto relevante, embora limitado, de dimensões
económicas. Essa constatação motivou a realização em simultâneo de inquéritos às
empresas de edição e às de comercialização de livros em 2008, os quais, como de resto
outros inquéritos antes realizados, registaram baixas taxas de resposta, mas
permitiram avançar dados mais detalhados sobre o sector em múltiplas dimensões
(Neves, Santos e Vaz, 2012), parte dos quais serão retomados adiante13. O inquérito,

12
Sobre os inquéritos aos editores e às livrarias da APEL ver Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira (2012).
13
Sobre o processo que conduziu à realização do Inquérito, seus objetivos e contexto em que foi
concretizado ver a Introdução em Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, (2012: 17-25). Sobre a

34
tal como de resto o estudo em que se insere, coincidiu no tempo com alterações
significativas no sector entre as quais se destaca, após uma fase de concentração ao
nível do comércio, o desencadeamento de novos e poderosos processos de integração
horizontal ao nível editorial e a entrada do capital financeiro nesta área, processos em
que a criação do grupo Leya teve um papel preponderante. Entre 2007 e 2010
verificou-se a concentração em grandes grupos editoriais como a Porto Editora e a
Babel, para além da Leya (Beja, 2012: 106-110).

A edição

Antes de passar à apresentação de um conjunto de informação estatística convém ter


presente que a atividade de edição de livros não obedece a qualquer regulamentação
específica. Por outras palavras, é editor quem quer ou se reivindica de tal condição. No
ISBN basta declarar-se como editor. No DL, cujo registo é comummente feito pelas
tipografias, basta que uma dada entidade, ou indivíduo, se assuma como editora de
um determinado título. As empresas comerciais têm de registar a atividade económica
principal e as secundárias de acordo com a nomenclatura das atividades económicas
em vigor no ato de constituição. Repare-se que o INE considera as editoras de livros de
acordo com a nomenclatura das atividades económicas e como atividade principal.

Entidades que editam livros

O sistema ISBN reporta-se a entidades muito diversas – desde autores/editores até às


empresas, passando por organismos da administração pública central e local – o que
tem a vantagem de mostrar com clareza que esta atividade não se limita às empresas
cuja atividade principal é a edição de livros (as consideradas nas estatísticas oficiais),
antes pelo contrário. Isso mesmo fica patente no Inquérito ao Sector do Livro uma vez
que na listagem de 9.939 entidades com prefixo ISBN de editor atribuídos no período
1988/2007, 9% são consideradas autores-editores, ou seja, solicitaram um único
prefixo (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 75).

metodologia seguida ver Neves, Santos e Vaz (2012: 15-42). A este propósito deixam-se aqui as
principais coordenadas: os questionários foram aplicados pela equipa do OAC por via postal em 2008; o
ano de referência dos dados é 2007; foram inquiridas empresas de edição de livros como atividade
principal (294) e com outra atividade principal (82); e empresas do comércio a retalho de livros (323); as
taxas de resposta foram, respetivamente, 17%, 21% e 16%. O questionário às empresas do comércio a
retalho de livros incluiu um módulo sobre os estabelecimentos.

35
Indicadores das empresas da edição

Quanto ao subuniverso das entidades editoras formado pelas empresas com atividade
principal de edição de livros estão disponíveis vários indicadores14. Faz-se aqui
referência a três deles. O primeiro remete para o total de empresas cujo número tem
vindo a crescer e é de 451 em 2010 quando, em 2007, era 429. O pessoal ao serviço
mostra uma tendência contrária, de queda, dado que o seu número passou de 2.840
em 2007 para 2.541 em 2010. O terceiro indicador reporta-se ao volume de faturação.
Deste ponto de vista, embora se tenha verificado em 2008 um pico significativo, mas
incomum, de €404 milhões (ano, lembre-se, de criação da Leya, e de uma maneira
geral, de continuação do processo de concentração em grandes grupos editoriais
iniciado no ano anterior), o valor registado em 2010 – €361 milhões – está próximo
dos resultados verificados no conjunto dos anos mais recentes.
De um modo mais detalhado pode-se dizer que predominam as pequenas e muito
pequenas empresas em número de pessoal ao serviço (até 10) que têm vindo a
aumentar e representam 91% em 2010. O grosso das empresas está localizado nas
regiões de Lisboa e Norte (63% e 23%, respetivamente, em 2010, o que significa que
nestas duas regiões se localizam 86%), sendo que, numa perspetiva mais geral, é visível
o aumento das empresas localizadas no Norte concomitantemente com a diminuição
das situadas em Lisboa. A mesma estrutura e a mesma tendência se verifica quanto à
distribuição do volume de negócios, mas neste indicador a diferença entre as duas
regiões diminui bastante e é de 57% contra 38% (Lisboa e Norte, respetivamente, em
2010), valores que, somados, representam 96% do total nacional.

Títulos editados e exemplares produzidos

De acordo com os títulos registados no âmbito do Depósito Legal – que constitui uma
aproximação possível ao panorama editorial português – constata-se um padrão
ascendente de 2000 para 2010 (Neves, Santos e Lima, 2012: 56). O crescimento é,
aliás, expressivo, uma vez que os títulos registados passam de 14.066 em 2000 para
17.203 em 2010, o que significa portanto uma variação de 3.137 títulos (gráfico 1).
Tomando por base 2010 chega-se ao número significativo de 44 depósitos em média
por dia.

14
Sobre as empresas da edição e da comercialização de livros utilizam-se três referências como fontes
complementares, para o período 2000-2010: o Inquérito ao Sector do Livro no que toca ao levantamento
e crítica dos indicadores (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012); uma atualização dos indicadores
que inclui séries para 2000-2007 e notas sobre os métodos utilizados nesse período pelo INE (Neves e
Santos, 2010); e o volume Estatísticas da Cultura 2010 (INE, 2011) com dados de 2007 a 2010 para
alguns indicadores. Uma vez que esta série segue o mesmo método (fonte Sistema de Contas Integradas
das Empresas e CAE Rev 3) e os dados anuais são comparáveis será a aqui utilizada.

36
Gráfico 1
Títulos depositados ao abrigo do DL por ano (2000-2010) número

Fonte: Neves, Lima e Santos (2012: 56), a partir de BNP.

Os títulos em língua portuguesa original, portanto que não resultam de traduções, são
claramente maioritários e representam entre 69% e 75% no período 2000-2009.
Embora as oscilações anuais sejam notórias é patente que nos anos mais próximos se
verifica um aumento percentual das obras traduzidas para português (quadro 1).

Quadro 1
Títulos em português por língua original e por ano (2000-2010) número

Ano
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Em língua
portuguesa 7.187 7.464 7.456 7.495 7.587 6.768 7.814 8.249 8.822 8.215
original
Traduzidos em
2.421 2.561 2.789 2.704 2.687 3.002 3.249 3.290 3.604 3.636
língua portuguesa
Total 9.608 10.025 10.245 10.199 10.274 9.770 11.063 11.539 12.426 11.851
Fonte: Neves, Lima e Santos (2012: 58), a partir de BNP.

Do ponto de vista do género, os títulos de texto não literário (8.602 em 2009) e de


ficção (1.170) são os que mais se destacam ao longo de toda a série (quadro 3). Mas ao
passo que os primeiros se mantêm num mesmo patamar, os seguintes registam um
crescimento assinalável, uma vez que, tomando por referência o ano de 2000, o seu

37
número quase duplica. Se é verdade que genericamente todos crescem, os géneros
contos e poesia não só são relevantes em número, como também apresentam
crescimentos expressivos.

Quadro 3
Títulos por género literário e por ano (2000-2009)
Ano
Género literário
2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
Ficção 927 951 444 483 1.326 1.208 898 1.428 1.787 1.700
Drama 50 33 8 20 58 58 47 65 83 70
Ensaios 34 16 19 22 59 33 82 39 23 19
Humor, sátira 17 22 1 7 33 25 24 43 53 21
Cartas 10 11 4 5 17 11 11 18 25 21
Contos 212 264 106 106 340 387 349 611 812 898
Poesia 471 404 171 238 585 485 546 670 684 621
Discursos,
10 12 0 0 3 1 2 6 13 8
oratória
Texto não
8.012 8.446 9.794 9.580 7.858 7.316 9.401 8.836 9.038 8.602
literário
Formas
múltiplas ou
209 231 72 98 444 572 252 403 533 378
outras formas
literárias
Fonte: Neves, Lima e Santos (2012: 59), a partir de BNP.

Ainda quanto a números totais, os dados provenientes do ISBN aproximam-se, como


seria de esperar, dos do Depósito Legal. No período 2002-201115 são visíveis as
oscilações anuais mas é nos últimos anos que se encontram os valores mais elevados
(17.329 em 2010 e 16.938 em 2011). O número mais baixo reporta-se a 2003 (12.432).
A utilização dos dados ISBN ponderados pela população no quadro dos países ibero-
americanos, tomando como exemplo 2011, mostra que Portugal (159) está
significativamente abaixo de Espanha (254), mas ambos se situam muito acima da
média dos países latino-americanos (29).
Apesar desta evolução positiva no número total de títulos, no que respeita aos novos
livros editados e importados deteta-se de 2007 para 2011 uma quebra acentuada de

15
A partir de Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 156-157, e
http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=206&langid=1, consultada a 25 de Fevereiro de 2013.

38
4.555 para 2.033 títulos, ou seja, para menos de metade, o que se deve à concentração
do mercado da edição e ao clima económico (Dionísio e Leal, 2012: 26).

Exemplares produzidos

Os indicadores sobre exemplares produzidos de Livros, brochuras e impressos


semelhantes – livros escolares e literatura (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012:
136-143), mostram o peso destacado dos escolares, e que crescem de 12,7 milhões em
2000 para 26,7 milhões em 2006, e de literatura, igualmente em crescimento, mas
num patamar substancialmente mais baixo (de 6,7 milhões para 10,8 milhões nos
referidos anos) e com um aumento mais ligeiro. Do ponto de vista do valor das vendas
verifica-se uma tendência claramente positiva no que toca ao género livros escolares
cujos valores aumentam de €62,7 milhões para €121 milhões de 2000 para 2006.
Quanto ao género literatura apresenta várias oscilações ao longo do período mas
apesar de tudo regista também uma evolução positiva de €71,7 milhões para €73,7
milhões.

Algumas caraterísticas das empresas da edição de livros

Os inquéritos à edição e à comercialização realizados no âmbito do Inquérito ao Sector


do Livro (Neves, Santos e Vaz, 2012) permitem avançar informação adicional em
múltiplas dimensões. Referem-se seguidamente alguns dos resultados. Retomam-se
dados agregados para empresas de edição como atividade principal e empresas com
outra atividade principal. A edição de livros por suporte mostra que 95% edita em
papel, 26% simultaneamente em papel e em suporte eletrónico, 7% e-books e, numa
percentagem apenas ligeiramente mais baixa, 5% edita audiolivros, o que significa
portanto que, embora o e-book já esteja presente, não se distinguia ainda do
audiolivro, suportes com evoluções muito diferentes como é já claro. Relativamente ao
catálogo editorial, especificamente quanto à nacionalidade dos autores, a maioria
(57%) são portugueses, ao passo que os estrangeiros são 41% e os autores de outros
países lusófonos são 1%. Relativamente aos géneros editoriais é visível, por um lado, a
sua diversidade e, por outro, a relevância que, apesar de tudo, têm as ciências sociais
(58%) e a literatura (48%), logo seguidos de outros géneros como atualidades e ensaios
e também infantil e juvenil (ambos com 47%). Relativamente ao volume de vendas
(valor apurado: €115.504 mil) e à sua distribuição ao longo do ano, mais de metade
reporta-se ao 3º trimestre. A comparação da repartição do volume de negócios e dos
exemplares vendidos por género editorial mostra alguma proximidade quanto à
hierarquia percentual, cujo topo coincide no livro escolar, seguido de literatura. Por
fim, refira-se ainda o indicador das margens de desconto aplicadas pelas editoras por

39
canal de distribuição ou venda (gráfico 2). Deste ponto de vista retêm-se a grande
diversidade de margens apuradas (em alguns deles muito elevadas), não só entre os
diferentes canais, mas também em cada canal.

Gráfico 2
Margens de desconto aplicadas por canal de distribuição/venda (n = 33)
percentagem

Fonte: Neves, Santos e Vaz (2012: 72).

A comercialização

Comércio a retalho de livros (livrarias)

De acordo com o último inquérito sociológico sobre a leitura, as livrarias continuam a


ser o principal local de aquisição de livros (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007: 142).
Mas isso não significa que não se tenham verificado evoluções relevantes nas últimas
décadas. O Estudo dos Aspectos Económicos da Edição em Portugal, se por um lado
parece pôr em causa o significado das livrarias (que teriam sido ultrapassadas, por
volta de 1984, pela via postal ou direta, nomeadamente através de clubes do livro, no
volume de vendas dos maiores editores), por outro lado permite destacar a relevância
desses canais de comercialização (que um inquérito sobre a leitura realizado em 1988
parcialmente confirma, uma vez que a encomenda postal/correspondência surge
imediatamente abaixo das livrarias entre os locais de compra preferidos - Freitas e
Santos, 1992: 40) e – este é talvez o ponto mais significativo – evidencia claramente as
alterações entretanto verificadas nos canais de comercialização (Varela e Ramos, 1984:

40
21). Ou seja, perderam importância a venda postal ou direta, incluindo os clubes do
livro, ganharam peso outros canais como os super e hipermercados. E assistiu-se
igualmente a uma enorme pulverização dos locais de venda de livros, os quiosques de
venda de jornais e “pontos atípicos de venda de livros” (Tenorio, 2008), ou seja, cuja
atividade principal não é a venda de livros, incluindo estações dos CTT e postos de
abastecimento de combustíveis.
O número das empresas com atividade económica principal de comércio a retalho de
livros mostra sinais de decréscimo especialmente visíveis em 2009 e 2010. O número
de 2010 (596) é o mais baixo e representa uma diminuição de 54 empresas face ao ano
anterior16. Quanto ao volume de negócios mantem-se relativamente estável e situa-se
num intervalo que oscila entre os €142 e os €145 milhões de euros no período 2007-
2010, sendo que o valor mais elevado ocorre em 2009. E relativamente ao pessoal ao
serviço as oscilações são relativamente pequenas, situando-se em torno dos 2.000.
As empresas são, no essencial, pequenas e muito pequenas: em 2010, 96% têm até 10
pessoas ao serviço, 3% entre 10 e 49. Do ponto de vista da localização no território
nacional a esmagadora maioria está sedeada nas regiões de Lisboa e Norte (34% cada)
e Centro (21%) se se considerar apenas 2010, mas que não apresenta desvios
significativos face aos anos anteriores excetuando-se um ligeiro reforço da
percentagem de Lisboa. Do ponto de vista do volume de negócios, embora a
informação disponível não permita grande detalhe, constata-se que a parte relativa às
pequenas e muito pequenas empresas em termos de pessoal vem diminuindo e regista
42% em 2010. É na região de Lisboa que a faturação é mais elevada, na ordem dos 56%
nesse mesmo ano, mas mantém-se por outro lado a concentração nesta região e nas
do Norte (24%) e Centro (15%). A soma destas três regiões situa-se portanto nos 95%,
percentagem que significa ligeiros acréscimos face aos anos anteriores.

Outros dados sobre as livrarias (empresas e estabelecimentos)

Ainda relativamente às livrarias, retomam-se, como atrás se fez quanto à edição,


alguns dos resultados obtidos no Inquérito ao Sector do Livro (Neves, Santos e Vaz,
2012) no tocante às empresas e aos estabelecimentos.
Assim, quanto às empresas, um primeiro aspeto refere-se aos modos de aquisição de
livros: os mais utilizados são a consignação e a compra a firme (com direito a
devolução), ambos com 74%, mas o preferido é claramente o primeiro (41% contra
25%). O outro aspeto é a existência, ou não, de página na Internet, sendo que apenas
33% respondeu afirmativamente. E, ainda quanto à Internet, constata-se que apenas
6% utiliza este meio como serviço de vendas.
Na perspetiva dos estabelecimentos de venda ao público retêm-se igualmente alguns
resultados. Por exemplo, quanto aos espaços destinados ao público, podem ser vários,

16
Ver nota anterior a propósito das empresas da edição.

41
dos quais o local de leitura é o mais frequente (34%) seguido de espaço para
exposições temporárias (21%) e para crianças (20%). Contudo, a percentagem mais
significativa dos estabelecimentos reduz-se ao espaço de venda (ainda assim apenas
43%). Relativamente aos géneros comercializados os mais relevantes percentualmente
são literatura, arte e infantil/juvenil, todos acima dos 87%. Será útil acrescentar que o
volume de negócios apurado (€15.491 mil) se refere sobretudo ao livro não escolar
(64%), seguido do livro escolar (19%). A comparação das hierarquias percentuais entre
os exemplares vendidos e o volume de vendas mostra que no topo se encontram os
livros de ciências sociais e humanas mas quanto ao género imediatamente a seguir os
dois indicadores divergem: quanto aos exemplares vendidos é a literatura, mas quanto
ao volume de vendas é o livro escolar. Por fim, relativamente ao canal de
comercialização, tanto no que se refere aos exemplares vendidos como ao volume de
vendas, a loja representa a quase totalidade (91%) e a Internet entre 5% e 6%, assim se
confirmando o carácter de proximidade física dos estabelecimentos face aos clientes.

Grandes superfícies comerciais

Como antes se referiu, para além das livrarias, principais locais de compra de livros, os
super e hipermercados (presumivelmente grandes superfícies alimentares, mas que
podem ser também não alimentares) são outro importante local de compra. No que
respeita às estatísticas sobre comercialização de livros nestes estabelecimentos, ou do
ponto de vista das estatísticas oficiais (INE), nas grandes superfícies comerciais e, mais
recentemente, nas designadas Unidades Comerciais de Dimensão Relevante (UCDR),
são possíveis algumas aproximações mas apenas quanto ao volume de negócios e ao
seu impacto na faturação total (Santos e Gomes, 2000: 43-45; Neves, Santos, Lima, Vaz
e Cameira, 2012: 104-110).
No período 1993-1999, apesar do aumento do número de estabelecimentos e do
volume de vendas de livros, o peso que esta classe tinha no total de vendas a retalho
corresponde a sensivelmente 1%. Tendo em conta a área de exposição e venda, a
proporção tende a ser maior nos escalões mais elevados na maioria dos anos do
período em causa.
A análise da comercialização de livros nas grandes superfícies comerciais, agora UCDR,
requer uma chamada de atenção para os seguintes aspetos. No conjunto dos seis anos
considerados (2000-2001 e 2004-2007) o número total de estabelecimentos de
comércio a retalho alimentar ou com predominância alimentar e não alimentar ou sem
predominância alimentar, no Continente, teve um crescimento de 46%, atingindo o
valor máximo em 2007 com 2.309. Verifica-se igualmente um crescimento no volume
de vendas de livros, jornais e artigos de papelaria até 2005, que se inverte em 2006
com uma quebra de 3% e volta a crescer em 2007, ano em que se regista o valor mais
elevado (€188,8 milhões). Por outro lado, verifica-se uma quebra contínua no peso das

42
vendas dos produtos daquele grupo no total das vendas dos estabelecimentos, que
passa, naquele período, de 1,8% em 2004 para 1,4% em 2006 e 2007. Um aspeto
significativo é que, no ano de 2007, ao número mais elevado de estabelecimentos de
comércio a retalho não corresponde um aumento do peso relativo dos livros, jornais e
artigos de papelaria em relação ao total de vendas a retalho, isto apesar do forte
aumento do volume de vendas verificado para aquele grupo de produtos.
Na análise do peso relativo de livros, jornais e artigos de papelaria no total de vendas
das UCDR de comércio a retalho não alimentar ou sem predominância alimentar no
período 2004-2007 (no Continente), observa-se que o peso relativo das vendas de
livros, jornais e artigos de papelaria apresenta um decréscimo de dois pontos
percentuais de 2004 (3,9%) para 2007 (1,8%). Em termos absolutos, passa-se de um
volume de vendas de €73,7 milhões em 2004 para €66,6 milhões em 2007. O
apuramento por região mostra que o peso das vendas é mais elevado no Norte e em
Lisboa, sendo que as percentagens mais significativas se registam no ano de 2004, com
5% e 4%, respetivamente. Estas são também as regiões com uma tendência constante
de quebra no peso relativo das vendas naquele grupo de produtos. Os valores mais
baixos registam-se na região do Alentejo. Quanto ao peso relativo das vendas de livros,
jornais e artigos de papelaria de acordo com os escalões de área de exposição e venda
verifica-se que é nos estabelecimentos de comércio a retalho não alimentar com áreas
entre os 1.000 e os 1.999 m2 que as vendas são mais elevadas, variando entre 4% e 5%,
independentemente do ano em causa. A única exceção é o ano de 2004 em que as
vendas nos estabelecimentos com área igual ou superior a 2.000 m2 (o escalão mais
elevado) chega aos 7%.
Os dados mais recentes (2011, agora para Portugal e não apenas Continente, que
regista €83,8 milhões) (INE, 2012: 74-77) mostram que, para um volume de vendas de
€85,7 milhões, a percentagem referente a esta categoria de produtos se situa em
1,8%, mantendo-se Lisboa como a região com a percentagem mais elevada, ainda que
diminuindo para 2%, o Alentejo a mais baixa (0,9%) no Continente, sendo no conjunto
das regiões os Açores o que tem valor mais baixo (0,2%). Do ponto de vista dos
escalões de área de exposição e venda verifica-se um crescimento em todos eles com
exceção do mais elevado (2.000 m2 e mais), mantendo-se no escalão imediatamente
abaixo (1.000 a 1.999m2) a percentagem mais elevada, que é de 4,3%.
No que diz respeito às vendas de livros, jornais e artigos de papelaria nos
estabelecimentos de comércio a retalho alimentar ou com predominância alimentar,
verifica-se que o seu peso relativo se mantém inalterado ao logo do período 2004-
2007, com 1,3%. Em valores absolutos verifica-se, porém, um aumento no volume de
vendas que passa de €96,9 milhões em 2004 para €122,1 milhões em 2007. O
apuramento por região mostra que as percentagens apresentam poucas oscilações,
variando entre 1% e 2% no período em análise. Mesmo assim, é possível constatar que
é nos equipamentos localizados na região de Lisboa que se registam as percentagens
mais elevadas e de novo no Alentejo as mais baixas. Agora quanto ao peso relativo das

43
vendas por escalão de área de exposição e venda confirma-se que quanto maior a área
maior o peso relativo das vendas de livros, jornais e artigos de papelaria. Por escalão, é
nos estabelecimentos com 8.000 m2 e mais (o mais elevado) que as vendas são mais
significativas em qualquer dos anos de 2004 a 2007, com valores em torno dos 2,5%.
Em 2011 (INE, 2012: 66-69) o volume total de vendas manteve-se praticamente
inalterado (€122,6 milhões, a que corresponde 1,1%), mas apenas porque estão
incluídos os Açores e a Madeira. Com efeito o valor para o Continente baixou para os
€118. Por região, as do Continente baixaram uma décima, Lisboa manteve-se com a
percentagem mais elevada (1,3%), o Alentejo a mais baixa (0,9%), aliás igual à da
Madeira. Quanto ao escalão de área de exposição e venda mantem-se sensivelmente a
constatação antes feita, ou seja, é nas maiores superfícies que o peso da categoria
livros, jornais e artigos de papelaria é mais significativo: 2,3% nas de 4.000 a 7.999 m2
(que registam ligeira subida) e 2,5% nas de 8.000 m2 e mais (que se mantêm).
Em síntese, a informação disponível, desagregada para o produto livro, sofreu um claro
retrocesso relativamente a 2000 uma vez que a mais recente se refere, de forma
agregada, a livros, jornais e artigos de papelaria.
Ainda assim, os dados analisados sugerem que: (i) o valor de vendas de livros, jornais e
artigos de papelaria regista um crescimento quase constante; (ii) por tipo de
estabelecimento, os de comércio a retalho não alimentar registam valores médios de
volume de vendas mais baixos para aquela categoria de produtos comparativamente
com os do comércio a retalho alimentar; (iii) a região de Lisboa é a que tem o mais
elevado peso na categoria livros, jornais e artigos de papelaria, logo seguida da região
Norte; (iv) por área de exposição e venda, os estabelecimentos em que se verifica
maior volume de vendas no comércio a retalho não alimentar são aqueles com áreas
entre os 1.000 m2 e os 1.999 m2 – não são, portanto, os que têm maior área – ao passo
que nos de retalho alimentar os pesos mais significativos se situam claramente nestes
últimos.

A comercialização de livros: ilustração de outros canais

Desde finais dos anos noventa do século passado que se assiste à diversificação dos
pontos de venda de livros embora, como se viu, sem pôr em causa o lugar central
ocupado pelas livrarias. Nos anos oitenta já as grandes superfícies tinham entrado no
comércio do livro, facto que contribuiu para a aprovação da Lei do Preço Fixo do Livro
em 1996 (Santos e Gomes, 2000). Mais recentemente, a comercialização de livros tem
vindo a ser realizada também através de outros canais em estabelecimentos
comerciais com outras atividades principais. A articulação entre a comercialização de
livros e a imprensa escrita é aqui um aspeto particularmente relevante. Estes pontos
de venda caracterizam-se pela diversidade das atividades, pela grande quantidade e
pela elevada dispersão pelo território nacional, embora com um peso relativamente

44
pequeno em termos de vendas (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 110-116).
Destes canais, em meados da década passada considerados emergentes, fazem por
exemplo parte os postos dos CTT, os quiosques de venda de jornais e as lojas das
gasolineiras.
Os CTT constituem um importante canal de contacto com o público uma vez que a
empresa é composta por uma extensa e descentralizada rede que totalizava, em 2007,
903 estações, incluindo estações móveis e balcões exteriores de correio. A partir de
1998 o livro começou a ser comercializado, enquanto produto de terceiros, num
número reduzido de estações. Em 2007 a disponibilização de livros para venda era
uma realidade em todas as estações. A oferta editorial inclui várias editoras e diversos
géneros de livros.
A associação do livro aos média, em particular a imprensa escrita, é uma importante
forma de difusão do livro. Manuel Pimentel considera que há a necessidade de estudar
aquele que designa como um dos principais acontecimentos editoriais – a distribuição
de livros com jornais – pela relevância que a estratégia assumiu (Pimentel, 2007). Entre
os muitos pontos de venda uma parte significativa são quiosques. Em Portugal a
incursão do jornal Público com a Coleção Mil Folhas17 nesta estratégia de vendas ajuda
a explicar como esta ideia se implantou e se generalizou. O sucesso da medida prende-
se principalmente com o preço baixo e o elevado número destes postos de venda que
em 2006 chegava aos 7.000 distribuídos um pouco por todo o país (Porto, 2006).
No que diz respeito às empresas cuja atividade principal é a distribuição e
comercialização de produtos petrolíferos e derivados em Portugal, a comercialização
de livros teve início em finais dos anos noventa. Este é um aspeto comum à
generalidade das empresas analisadas. Quanto à sua colocação, o livro encontra-se
disponível para venda apenas nas estações de serviço com a funcionalidade de loja de
conveniência. A tipologia de loja de conveniência difere consoante a empresa, mas de
forma geral caracteriza-se pelo nome e imagem personalizados, dimensão variada e
pela oferta diversificada de serviços e produtos.

17
A Coleção Mil Folhas incluiu um total de 101 títulos e foi distribuída com o Jornal Público entre 2002 e
2004.

45
Do comércio eletrónico de livros às publicações eletrónicas

Do ponto de vista do comércio de livros com utilização das novas tecnologias


distinguem-se dois planos: por um lado, a utilização da Internet para a venda de livros
impressos e, por outro, aquilo que José Afonso Furtado designa como a mudança da
edição do livro impresso para a edição ou publicação eletrónica, a qual implica três
noções em simultâneo: a publicação eletrónica (conteúdo); o dispositivo de leitura
(dedicado, computadores pessoais e PDA); e um sistema de leitura (Furtado, 2004: 13-
14), ou seja, o comércio de livros eletrónicos e, cada vez mais, dos aparelhos e
respetivo sistema de leitura. Nestes dois planos a principal nota é a carência de
informação estatística.
Como referido no Inquérito ao Sector do Livro, cujo tópico sobre esta matéria se
acompanha aqui (Neves, Santos, Lima, Vaz e Cameira, 2012: 116-122), o comércio
eletrónico do livro começou a evidenciar-se no fim da década de 90 do século XX nos
EUA e no Canadá, países que registaram em 1997 o maior volume de vendas
provenientes deste comércio (Martins, 2001). Este mesmo autor adianta que a
revolução na venda de livros na Internet se deu com a criação da Amazon, em 1995.
Mais tarde surgiram, no universo digital, outros sítios de venda como a Barnes & Noble
e a Borders e as livrarias BOL (Bertelsmann On Line).
O sector do livro moldou-se facilmente ao novo formato de comércio e, para tal,
concorreram duas ordens de fatores: i) os primeiros utilizadores das plataformas
digitais terem, na sua maioria, níveis superiores de escolaridade, característica
também associada aos consumidores regulares de livros, e as próprias características
do produto, nomeadamente a reduzida dimensão, facilidade de aquisição através de
catálogo e baixo custo (Martins, 2001: 76); ii) a emergência do comércio eletrónico do
livro constituiu uma ferramenta relevante no que concerne à oferta de um vasto
catálogo e à possibilidade de o consumidor poder fazer as suas consultas e efetuar as
suas compras pela Internet sem perder tempo em deslocações.
A plataforma digital constitui também uma ferramenta importante para dar maior
escoamento aos fundos de catálogo, antes vedado pelo sistema tradicional de
distribuição (Clark, 2001; Pimentel, 2007). Para Manuel Pimentel, uma das vantagens
da utilização da Internet na exposição dos seus catálogos é não implicar a participação
de intermediários e outra é ser uma plataforma que ajuda a vender “coleções muito
específicas” que, de outra maneira, não seriam colocadas nas livrarias (Pimentel, 2007:
238).
No que toca ao conhecimento do comércio eletrónico do livro em Portugal, a
informação existente é escassa. Os poucos estudos mostram que, se por um lado ainda
se encontra num estádio inicial de desenvolvimento e implementação, também está,
por outro lado, a revelar uma certa dinâmica.
Um estudo com base num inquérito às livrarias com presença na Internet e na análise
do conteúdo dos seus sites, constatou que, em 1999, eram 28 as livrarias que usavam

46
a plataforma digital para vender livros (as “e-livrarias”) e que esse número subiu para
32 em 2000 (Martins, 2001). Em termos de localização, Lisboa era, naquele último ano,
o concelho com o maior número de casos (12), seguido do concelho do Porto (4). O
autor justifica esta concentração no concelho de Lisboa devido, por um lado, ao facto
de a maioria dos grandes editores e distribuidores nacionais desenvolver na capital a
sua atividade profissional e, por outro lado, à existência de um elevado número de
recursos humanos com competências ao nível das tecnologias. Acrescenta que estas e-
livrarias se caracterizavam por terem um catálogo próprio com mais de 20 títulos e que
tinham registado um acréscimo de 22% nas vendas entre 1999 e 2000. Como exemplo
aponta algumas estimativas relativas ao número de encomendas, sendo que a
MediaBooks tinha processado mais de 5 mil encomendas em 2000 (com prevalência
para as que compreendiam mais do que um livro), que a Livraria Buchholz se fixou em
3.250 e que a Kingpin of Comics se situava em mil. Nesse mesmo ano, o maior volume
de vendas de comércio eletrónico do livro – destas e-livrarias – situava-se
maioritariamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, muito embora se
tenha verificado um aumento de consumo no interior do país.
Um estudo de avaliação realizado pelo Observatório do Comércio/Instituto Pedro
Nunes (2000) fez uma análise da oferta em Portugal a partir de uma amostra de 70
lojas virtuais de empresas selecionadas. No que respeita ao livro foram analisados 13
sites de 4 editoras, 3 livrarias com presença na Internet e 5 livrarias virtuais.
Os dados do 5º Relatório sobre As Lojas Electrónicas Portuguesas (Vector21, 2003)
revelavam a existência de 28 lojas relacionadas com o comércio livreiro18 (4% do total
de sites comerciais inscritos). Um outro estudo realizado pelas mesmas entidades,
agora do lado da procura, assinala que em 2004 o produto que os consumidores
referiram mais ter adquirido online foi o livro (37%) (Vector21, 2005).
De acordo com o inquérito sociológico realizado no âmbito do PNL, A Leitura em
Portugal, em princípios de 2007 dos que compravam livros apenas 5,1% o faziam em
sites portugueses e 3,6% em sites estrangeiros (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007:
144).
Quanto a empresas com presença na Internet, no Inquérito ao Sector do Livro
identificam-se alguns exemplos. Distinguem-se dois tipos de funcionalidade (as que
apenas permitem efetuar a encomenda online dos livros, sendo o pagamento feito
posteriormente por intermédio de outros meios; e aquelas que permitem também
realizar o pagamento online do produto) e dois tipos de atividade (editora e livraria).
Assim, as Edições Tinta-da-China, a Editorial Verbo e a Livros de Areia Editores
correspondiam a encomenda/editora; a Livraria Letra Livre e a Livraria Portugal a
encomenda/livraria; a Porto Editora, a Editorial Caminho e a Cavalo de Ferro Editores
aos tipos encomenda e pagamento/editora; e a Livraria Almedina, a Livraria Bertrand e
a Bulhosa Books & Living aos tipos encomenda e pagamento/livraria.

18
Corresponde às lojas que apresentavam produtos integrados na categoria Livros, Editoras e
Publicações.

47
Quanto a livrarias virtuais no Inquérito referem-se também alguns exemplos. Com base
na distinção entre dois tipos de funcionalidade (encomenda e pagamento) e dois tipos
de estrutura (integrada e independente) mencionam-se a Netlivros
(encomenda/integrada), a PortugalLivros (encomenda/independente), a Webboom
(entre 1999 e 2007)/Wook (a partir de 2008) pertencente à Porto Editora e a
MediaBooks, pertencente à Texto Editores (pagamento/integradas) e ainda a Marka e
a Arco-Íris, Livraria Virtual (pagamento/independente).
Em 2000, o comércio eletrónico do livro em Portugal era pouco significativo e tal
devia-se ao elevado receio dos consumidores em adquirir livros através da Internet.
Esta realidade espelha-se, de acordo com os profissionais do sector na enorme
diferença entre o número de visitantes dos seus sites e o ainda reduzido volume de
vendas (Martins, 2001: 116).
Assim, como se refere noutro estudo, a utilização da plataforma digital pelos editores
surge como complementar, não se sobrepondo aos serviços tradicionais do negócio
(Empirica Gmbh, 2005: 17).
Num outro plano, os programas de digitalização do Google, iniciados em 2004, têm
levantado receios aos editores, preocupados com a salvaguarda dos direitos de autor e
de reprodução (copyright) (Screen Digest Ltd, Cms Hasche Sigle, Goldmedia Gmbh e
Rightscom Ltd, 2006). Ainda assim, como também adianta o relatório, editoras como a
Blackwell’s e a HarperCollins afirmaram ter tido vendas pequenas, porém expressivas,
aquando da sua participação no Google Book Search. Ou seja, esta plataforma
funcionaria como uma montra que promoveria a compra de livros impressos, com um
papel inovador fazendo a ponte entre editoras e consumidores de livros, aproximando-
os através da melhoria da busca de livros, por palavras-chave e a disponibilização de
algum do seu conteúdo, o que parece prometer um aumento nas vendas pela Internet
e lucros para as editoras com acordos com o Google, nomeadamente os decorrentes
de receitas publicitárias (Pimentel, 2007).
Mais recentemente esta discussão ganhou novos contornos (García, Díaz e Arévalo,
2011: 176-186). Num extenso artigo publicado em 2009 no The New York Review of
Books sobre o Google e o futuro dos livros, a propósito do processo judicial em curso
nos EUA, Robert Darnton parte de dois princípios, o da difusão do saber e o do
copyright, constata a transformação da república das letras na república do
conhecimento e desta na república do conhecimento digital, reconhece o contributo do
Google mas conclui que esta empresa está a construir um poderoso monopólio de
novo tipo, o monopólio do acesso à informação (Darnton, 2009).
Relativamente aos e-books, estes apresentam, devido aos seus baixos custos de
produção, um perfil que pode ser uma opção viável em nichos de mercado, com pouca
tiragem e cuja impressão é dispendiosa, como os livros académicos e educacionais
(Empirica GmbH, 2005: 19). No entanto, por esta altura não se pode falar ainda num
mercado dinâmico de e-books, excetuando a venda substancial a instituições de ensino
superior, apesar de os editores acreditarem e desejarem apostar neste sector no

48
futuro (Screen Digest Ltd, CMS Hasche Sigle, Goldmedia Gmbh e Rightscom Ltd, 2006).
Verifica-se ainda a existência de outros segmentos mais consolidados como são os
recursos especializados para o ensino secundário, e o das revistas, documentos ou
relatórios científicos (Furtado, 2004: 15), com acesso pela Internet.
Ainda segundo o relatório acima mencionado (Screen Digest Ltd, CMS Hasche Sigle,
Goldmedia Gmbh e Rightscom Ltd, 2006), não eram conhecidas estatísticas relativas às
vendas de e-books na Europa, eventualmente porque registavam por essa altura um
volume muito baixo. De facto, os indicadores disponíveis mostram que as vendas
ganharam particular relevo nos anos de 2008 e 2009 (García, Díaz e Arévalo, 2011: 159
e ss). Nos EUA as vendas de e-books registaram durante todo o período de 2002 a
2005 valores reduzidos, e apenas com ligeiras oscilações. Porém, duplicaram em 2006
e nos anos seguintes registaram um crescimento forte e continuado, mesmo
exponencial: no primeiro trimestre de 2002 o volume de vendas era ainda de $1,6
milhões, no primeiro trimestre de 2006 ascendia a $4,1 milhões, no primeiro de 2009
era já de $25,8 milhões e no quarto chegava aos $55,9 milhões (Thompson, 2011: 315-
317).
Esta evolução dos conteúdos não é independente da dos equipamentos específicos de
leitura em écran, pelo contrário. A cronologia dos e-readers e dos tablets (Rainie,
Zickuhr, Purcell, Madden e Brenner, 2012: 15) mostra que a oferta, cuja origem
remonta a 2001 com o iPod (associado à iTunes) e a 2004 com o Sony LIBRIe e-book
reader (primeiro leitor de livros eletrónicos), se vem alargando em marcas e evoluindo
em termos de tecnologia e de modelos, ao mesmo tempo que os preços vêm
baixando. No fim de 2011 estavam já disponíveis diversos modelos do Kindle
(Amazon), do Nook (Barnes & Nobles) e do Kobo (então vendido na cadeia de livrarias
Borders, entretanto adquirida pela Barnes & Nobles, recentemente adotado pela FNAC
e disponível em Portugal), a que haverá que acrescentar o Tagus (da Casa del Libro em
Espanha).
A revolução digital vem suscitando inúmeras reflexões a propósito das suas possíves
evoluções e das implicações não só na edição como no consumo e nas bibliotecas
(García, Díaz e Arévalo, 2011). Os estudos realizados em vários países, designadamente
em Espanha (Neturity, 2011) e nos EUA (Aptara, 2011), mostram a dimensão dos
processos de adaptação à era digital em curso. A acompanhar a constatação do
crescente número de utilizadores também se vêm sucedendo os estudos sobre a
leitura de publicações eletrónicas, com particular ênfase nos e-books. Estes estudos
mostram que se trata de uma prática que abrange ainda faixas populacionais
significativamente mais reduzidas do que a leitura de texto impresso, mas que vem
registando acréscimos significativos, em particular entre os grandes leitores (Failla,
2012; Rainie, Zickuhr, Purcell, Madden e Brenner, 2012; Sofia/Sne/Sgdl, 2012).

49
Conclusão

A informação estatística aqui mobilizada sobre o sector do livro nas vertentes da


edição e da comercialização, proveniente de diversas fontes, sobre várias
componentes da oferta, mostra que, no período que vai, grosso modo, até 2010, não
se registaram grandes alterações de sentido negativo (por exemplo quanto ao volume
de faturação) e em algumas dimensões a evolução é mesmo de sentido positivo, como
no tocante aos títulos editados, os quais parecem manter também uma elevada
diversidade. Contudo, resulta também da informação mobilizada – que se reporta
quase totalmente às publicações impressas, ou pelo menos que, salvo raras exceções,
não permite identificar qual a parte relativa às eletrónicas – que a mudança digital,
que tanto vem preocupando os profissionais do livro, por um lado, e despertando o
sentido de novas oportunidades, por outro, parece ter ainda um peso pouco
significativo no sector do livro em Portugal.
Eventualmente, isso deve-se não propriamente ao que se passará na atualidade, mas
sim ao facto de os dados estatísticos se reportarem a um período em que o seu
impacto era, mesmo à escala internacional, ainda pouco visível. Pode, também, dar-se
o caso de se tratar de desadequação, para além de desatualização, das fontes
disponíveis face à nova realidade, o que mais reforça a relevância de uma atenção
acrescida quanto a um sistema de informação sobre o sector que permita melhorar
substantivamente as fontes existentes por via da desagregação e alargamento dos
indicadores utilizados (por exemplo no ISBN ou no Depósito Legal), em articulação com
outras, mais especificamente direcionadas para a aferição dos vários aspetos
implicados na era digital, tanto do lado da oferta como do lado da procura.

50
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55
2

O mundo económico do livro

Sandro Mendonça

56
Introdução

O negócio do livro é um nexo simbiótico de tecnologias-produto e um complexo de


actividades-mercado muito heterogéneos. O livro é um dos artefactos-chave da
modernidade, uma unidade-base da transmissão de saberes positivados e um
recipiente-padrão dos reportórios culturais que tem permitido uma acumulação
criativa de ideias e técnicas. Mas o livro é também um produto da era da reprodução
mecânica que entrou na era da reprodução digital. Neste processo de transformação o
livro é, sobretudo, um “bem informacional” em mudança/transição, talvez, para um
“serviço comunicacional”. Este texto procura analisar e discutir as inovações tecno-
económicas em curso no mundo do livro, tendo em conta que este é uma moeda de
troca fundamental numa economia baseada no conhecimento.
O livro é tido aqui como um produto. Porém, a nossa definição de produto é a
seguinte: um objecto, tangível ou intangível, que acessível ou em contacto com o
utilizador permite a realização de benefícios pelos quais este está disposto a pagar,
seja em termos de tempo, atenção, dinheiro, ou outro recurso. Daqui resultam três
implicações que importa tornar explícitas:

 em primeiro lugar, o livro é um artefacto que, por definição, está posicionado


num contínuo de entre o bem puro (100% tangível, acabado, estático,
estanque) ou o serviço puro (100% intangível, dinâmico, processual, relacional);
 em segundo lugar, a sua transferência do lado da oferta para o lado da procura
é um fenómeno contratual com potenciais múltiplas soluções, sendo que um
caso especial é a transmissão do direito físico de propriedade tendo um preço
com contrapartida, mas o caso geral será o acesso aos conteúdos num quadro
regulatório mais ou menos transparente e equilibrado entre estes e outros
detentores de interesse da ecologia mediática do livro (autores, leitores,
editora, distribuidores, anunciantes, etc.);
 em terceiro lugar, a variedade de actores envolvidos, a geometria variável da
configuração de ligações entre estes e as funções emergentes desta teia de
agentes-rede fazem com que a indústria do livro seja menos uma cadeia de
valor clássica e mais um sistema de valor interactivo.

O presente capítulo está organizado da seguinte forma. A secção 2 põe em perspectiva


histórica o fenómeno da evolução do livro (o objecto em si) e da indústria livreira (as
actividades que suportam a sua produção e distribuição). A secção 3 discute a natureza
da mudança em curso, decompondo o fenómeno em termos de inovação de produto e
processo bem como em termos de inovações organizacionais e comerciais. A secção 4
aborda a expressão económica da edição e da leitura, com uma atenção em particular
para a situação portuguesa. A secção 5 colecciona as principais noções e observações
extraindo pistas para o futuro.

57
No princípio era a disrupção…

O livro tem sido uma companhia de cabeceira da civilização moderna. Tudo começou
com a entrada na Europa de uma matéria-prima de base, o papel (uma inovação de
input). No século XII era já produzido na Europa depois da sua utilização na China
desde o ano 150 (Ede e Cormack, 2012: 94). É, no entanto, com a chegada do método
impressão de caracteres móveis, método introduzido na Europa por via de Johannes
Gutenberg na década de 1440, que a indústria da tipografia e impressão descola
(inovação de processo). Desde então que o livro se tem mantido como produto
convencional, exibindo uma estável “configuração de consenso” (dominant design). A
invenção do papel e da impressão terão tido origem na China, só o formato do objecto
em si terá uma assinatura europeia (inovação arquitectural). A impressão é uma nova
combinação de técnicas, tecnologias que eram conhecidas e agora unidas para uma
função conhecida, que triunfou no tempo certo e no sítio apropriado. Aqui o livro teve
sucesso imediato, tendo encontrado condições favoráveis à sua disseminação (difusão
da inovação).
O primeiro produto de impacto de Gutenberg foi a bíblia, em dois volumes, 1282
páginas no total, impressa em 42 linhas por página. Gutenberg, um artesão experiente
que percebida das artes de cunhagem de moeda, empregou 20 pessoas na produção
de um lote de cerca de 180 cópias (hoje sobrevivem 40 exemplares, 23 completos). Os
primeiros exemplares de incunábulos foram acabados em meados de 1455, mas a sua
“nova forma scribendi” levou dez anos a aperfeiçoar enquanto estava na cidade de
Estrasburgo (Dudley, 2008: 85). O sistema permitia-lhe trabalhar em quantidade e
velocidade ao mesmo tempo que padronizava e controlava meticulosamente a
qualidade do produto final de modo a que chegasse ao nível dos então manuscritos. O
objectivo de Gutenberg era criar um substituto próximo, isto é, o que ele não queria
era fazer uma não-inovação de output. Assim, nos primeiros tempos a referência dos
incunábulos eram os livros manuscritos, só a partir de 1500 os livros impressos
começam a adquirir as usas próprias características. Entre estas características estão a
numeração das páginas, o tamanho mais portátil, texto de margem a margem em vez
de duas colunas por página, etc. (Gnanadesikan, 2009: 255-256). Esta proto-
mecanização tinha como objectivo reproduzir ou imitar os manuscritos.
Até Gutenberg, a produção de livros era baseada num sistema de produção próprio,
compatível com a estrutura de custos implicada pelo objecto. Uma bíblia de dimensão
semelhante à de Gutenberg tomaria cinco anos às mãos de dois hábeis escribas (Man,
2002: 25-26, 44). Até aí, só os mosteiros pertencendo à Igreja Católica conseguiam ser
as unidades de produção capazes de suportar tão grandes custos. A figura 1 mostra a
correlação positiva entre o número de mosteiros e o volume de livros produzidos na
Europa. A inovação do livro impresso viria a revelar-se “disruptiva” para a infra-
estrutura institucional de produção do livro.

58
Figura 1. A produção de manuscritos e o número de mosteiros (séc. VI ao séc. XV)

Fonte: Buringha e van Zanden (2009: 428)

Após Gutenberg a abordagem da imprensa foi emulada rapidamente por vários outros
artesãos. O impacto foi muito rápido e sentido com força em toda a Europa. A figura 2
permite ver como a partir de 1470 se dá logo um grande declínio na produção do meio
clássico, os manuscritos. A concorrência era forte e por volta de 1500 já existiam cerca
de mil oficinas de imprensa na Europa (Ede e Cormack, 2012: 95). A substituição da
velha produção manual pelo novo sistema técnico foi extraordinariamente rápida,
sobretudo quando contextualizado num tempo histórico mais lento. Este é, portanto,
um primeiro e paradigmático exemplo do desmantelamento da base produtiva
existente do artefacto a que se convencionou chamar “livro”. O fenómeno da
“destruição criativa” schumpeteriana atacou cedo neste sector. A indústria de
conteúdos que vinha desde a Idade Média foi, assim, um dos primeiros sectores
económicos a ser subvertido pelos novos tempos.

Figura 2. Volume de manuscritos produzidos nos séculos XIV e XV

Fonte: Buringha e van Zanden (2009: 419)

Estas economias do lado da produção fizeram baixar o preço do artigo para 30 florins,
o equivalente a três anos de salário de um funcionário médio de então (Ede e

59
Cormack, 2012: 95). Na década de 1470 os preços dos livros nos Países Baixos
colapsam caindo para um terço do que eram (figura 3). A explicação deste fenómeno é
suficientemente conhecida, prendendo-se com economias de escala “estáticas”
(eficiências produtivas devido à produção de altos volumes que fazem diluir a
componente fixa dos custos) e “dinâmicas” (isto é, aprendizagem) (van Zanden, 2009:
183). As novas tecnologias (baseadas em princípios mecânicos) estavam preparadas
para a produção em série (antecipando o que viria a acontecer com a industrialização
em muitos outros produtos) e para ganhos crescentes de produtividade (permitindo
que o processo fosse sendo aperfeiçoado por inovações incrementais) e de economias
de gama (permitindo gerar outros bens como mapas ou panfletos).

Figura 3. Estimativas dos preços reais dos livros nos Países Baixos, 1460-1800

Fonte: van Zanden (2009: 183)

O potencial explosivo de eficiência e de economia teve um impacto difícil de


sobrestimar (Eisenstein, 1980). A população de livros em existência só poderia
aumentar se os livros pudessem ser feitos de modo ainda mais barato (Dudley, 2008:
85). Numa época de mudança, no dealbar da Renascença e dos Descobrimentos, o
lado da procura estava pronto a corresponder com uma igual explosão das vontades
de aquisição. É possível que a capacidade incendiária das ideias de Martinho Lutero
não se tivesse alastrado de imediato, como aconteceu aos pensamentos de tantos
outros hereges antes dele, ou que o poder imediatamente transformador dos
trabalhos de Galileu tivesse sido constrangido pelos limites técnicos dos veículos de
difusão, como esquecidas foram as descobertas de Da Vinci ao seu tempo. A seu
tempo este novo meio, o livro impresso, viria a criar as bases para a Revolução
Científica, para o Iluminismo, para a Revolução Francesa (Burke, 2000). Assim, as casas
de publicação permitiriam a publicação e a transformação da República das Cartas
numa Revolução Científica dotada de instituições com publicações periódicas e
bibliotecas bem guarnecidas (comutatividade do conhecimento). A impressão barata

60
de panfletos e opúsculos criou a tribuna que permitiu ao movimento Iluminista
desmantelar o Antigo Regime (reengenharia institucional).
Uma indicação da dinâmica desde aí verificada no sector livreiro pode ser recolhida
através de uma consulta a catálogos de bibliotecas de referência internacional. Na
figura 4 é possível assistir a uma exponenciação persistente de novos livros. Note-se a
existência de picos acima da tendência (por volta do ano da Revolução Francesa) ou
abaixo (coincidindo com as duas Guerras Mundiais da primeira metade do século XX).

Figura 4. Número anual de itens (livros, etc.) catalogados na biblioteca da universidade


de Cambridge (1600-1960)

Fonte: Pollock (2009)

Este vibrante crescimento, repita-se, ele próprio em aceleração, foi suportado pela
acoplagem do motor a vapor durante os meados do século XIX (Eisenstein, 1980: 19).
Neste século a publicação de jornais explode. Mas a distribuição também se mecaniza,
podendo-se alcançar por caminho-de-ferro e por navio a vapor os mercados finais de
modo regular e previsível, frequente e barato. Já em finais do século XIX ocorre ainda a
vaga da electrificação, a qual, em conexão com o motor de explosão, vai permitir
irrigar capilarmente os mercados internos dos vários países com produtos
informacionais actualizados e segmentados. Esta é a época, também, em que o próprio
processo de autoria começa a sofrer mutações; com o aparecimento da máquina de
escrever a escrita começa a mecanizar-se (Gnanadesikan, 2009: 265). Entre 1935 e
1960 as versões baratas de livro (versões “low cost”, i.e. paperback) inundaram o
mercado, tendo ultrapassado os livros de capa dura (Howard, 2005: 148). A
industrialização do sector estava assim completa em meados do século XX.
O aparecimento da imprensa levou à emergência de novos papéis e protagonistas. O
mercado alargava-se e, seguindo as predições de Adam Smith, aprofundava-se a
divisão de trabalho. A revolução da imprensa desdobrou na sociedade papéis para
novos protagonistas (van Zanden, 2009: 183). Entre os exemplos de novas
especialidades figuram os intelectuais que viviam do seu trabalho de escrita (sendo

61
Erasmus de Roterdão um dos primeiros exemplos), os editores, que preparavam e
publicavam as obras (muitas vezes eram eles que decidiam reunir papéis dispersos e
publicá-los entre capas duras), os críticos literários (que ajudam a criar e a dirigir a
procura), entre outros.
O sector começou então a amadurecer; o produto e a indústria tinham chegado ao
longo prazo. Com esta estabilização cristalizavam também profissões. O negócio da
impressão e dos livros tornou-se um “negócio”, de um modo que o mister de cópia de
manuscritos nunca foi (Gnanadesikan, 2009: 257). Mas a história de vida do livro não
tinha ficado por aqui.

… E depois começaram a chegar as tecnologias de informação

É com a aplicação das tecnologias da terceira revolução industrial (a revolução da


informação do final do século XX, ver Freeman e Louçã, 2001) que o mundo do livro
volta a mexer. Nos anos de 1990 as tecnologias de publicação começam a ser
automatizadas, sendo um exemplo as impressoras “DocuTech” (Howard, 2005: xvi).
Este novo potencial de impressão baixou ainda mais os custos de publicação
permitindo tiragens “on-demand” (a publicação imediata de cópias depois de um
pedido recebido por parte de um cliente - ver figura 5) e democratizando o fenómeno
da “auto-publicação” (a publicação de micro-tiragens depois de um pedido recebido
por parte de um autor). O impacto resultou em mais uma modernização do processo
de produção das tipografias convencionais, agora operando na base de tecnologia
electrónica. Se Gutenberg permitiu a impressão de larga escala de produtos idênticos,
agora as fotocopiadoras-impressoras permitiam a impressão em produtos
costumizados em massa (Clarke, 1997).

62
Figura 5. Incidência da expressão “print on demand” em todos os livros publicados
digitalizados pela Google

Fonte: ngrams.com

Desde tempos imemoriais que os livros, devido à sua escassez e ao analfabetismo,


costumavam ser lidos em voz alta. Os áudio-livros começaram a ter algum sucesso
também na década de 1990, com cassetes, em particular nos segmentos infantil, auto-
ajuda, romances-mistério, etc.; contudo esta preferência nascente rapidamente migra
para outros suportes, para os computadores e para a Internet (Howard, 2005: 151).
Este novo tipo de consumo do conteúdos, sobretudo possibilitado pelos dispositivos
miniaturizados e adaptados ao estilo de vida móvel contemporâneo, constitui-se
também como um retorno a uma forma pré-industrial de acesso à informação
codificada. Uma espécie de serviço extra estendendo o produto core.
Também na transição para os anos 90 os efeitos da difusão dos computadores pessoais
começaram a influenciar a actividade de escrita. A dactilografia começou a ser
substituída pelo uso dos processadores de texto, que ofereciam agora um ambiente
gráfico mais ergonómico. Os estudos da época fizeram notar que este novo tipo de
escrita facilitava a escrita e, sobretudo, a reescrita. O processamento de texto baixou
os custos da contínua experimentação e manipulação de texto por “re-cópia”
(Cochran-Smith et al., 1991: 6) alargando, portanto, as possibilidades práticas de
mudanças “micro-estruturais” (Owston et al., 1992). Esta inovação radical na escrita
levou a uma vaga de desintermediação de pequenos processos. A “auto-gestão
documental” tornou (parcialmente) redundante um número de especialidades. Estas
tarefas tinham surgido com a fina divisão de trabalho que se tinha desenvolvido com o
estabelecimento dos métodos fordistas no sector do livro: copywriter, paginador,
indexador, etc. (Clarke, 1997).

63
A facilidade de produção e reprodução de informação bem como o crescimento das
áreas relacionais com os bens intangíveis levou a um grande crescimento do interesse
estratégico na área dos direitos de propriedade intelectual na década de 1990
(Godinho et al., 2008). Tal como as tecnologias mecânicas vieram a motivar inovações
ao nível da governança dos direitos de cópia as tecnologias digitais motivavam tensões
entre as práticas de partilha entre os utilizadores e as estratégias dos detentores dos
direitos (Liu, 2012). As novas tecnologias permitiam mais facilmente que os conteúdos
caíssem em poder de terceiros, quer por via da cópia analógica (mas potenciada por
fotocopiadoras cada vez mais multi-função) quer por via electrónica (“scanização”). Na
era da reprodução digital o acesso aos conteúdos estava cada vez mais desligado da
posse física do bem, permitindo usufruto da criação literária sem exclusão dos
detentores legais do acesso ao bem. Os debates insinuavam-se na esfera pública quer
motivados pela questão da propriedade intelectual versus democracia intelectual no
acesso a ideias e patrimónios identitários (extensão e reforço dos direitos de autor)
quer pela questão da competitividade das actividades baseadas nos conteúdos e no
conhecimento num mundo em globalização (o acordo TRIPS - Trade-Related Aspects of
Intellectual Property Rights) (Mendonça, 2007).
Mas as mudanças começariam a fazer-se sentir também da outra ponta do sector. Já
nos finais da década de 1990, quando inflava a bolha “Dot Com”, a empresa Amazon
tinha um nome globalmente reconhecido como especialista em comércio electrónico
de livros. Actuando na Internet esta empresa de Seattle entrou agressivamente no
negócio da distribuição de livros, recebendo pedidos electrónicos para depois fazer
eficientemente o despacho físico dos livros. Utilizando técnicas “just-in-time”,
permitidas pelo controlo apurado do “backoffice” e da logística (figura 6) e pelo uso
intensivo de computadores interligados em rede, a Amazon conseguia anunciar vendas
de um leque muito mais vasto de livros do que aqueles de que dispunha em armazém
(Stone, 2013). Reduzindo os custos das operações e despachando livros rapidamente,
a Amazon posicionava-se como substituto de uma das instituições clássicas da velha
economia, o “front-office” da indústria livreira: a livraria. Esta empresa sobreviveu à
crise do sector tecnológico, 2000-2001, e alargou ainda mais o espectro de produtos
que vendia, desde software, flimes, joalharia, roupa, artigos desportivos, etc. Porém,
uma inovação que implementou no seu sítio na Web quebrou as regras do retalho:
permitia comentários de livros dos próprios leitores, mesmo que hostis (Gapper,
2013). Este envolvimento activo do lado da procura na estruturação e ponderação de
gostos pelos consumidores era uma espécie de inovação de serviço (auto-serviço, ou
“self-service”), deixando que fosse o lado da procura a emergir como novo crítico
literário.

64
Figura 6. Os processos de logística da Amazon

Fonte: The Wall Street Journal (2011), “New economics rewrite book business”,
http://on.wsj.com/16urn9M

Todas estas mudanças nos processos de escrita, edição e distribuição re-integraram e


curto-circuitaram a cadeia de valor tradicional que prevalecia no negócio. A noção de
cadeia de valor é um conceito linear e tributário da era industrial, porém alerta-nos
para a natureza institucional do processo de geração de valor na economia
(Mendonça, 2008). A transformação de recursos em resultados é um complexo de
contributos tecnológicos e organizacionais assentes numa base de relações duradouras
mas revisíveis. A figura 7 sintetiza a discussão precedente mostrando a evolução do
sistema sectorial de publicação. Na actual fase, um estádio híbrido ou em fluxo, o que
temos é uma representação de uma “cadeia aumentada” (note-se aumentada e não
ainda completamente revolucionada) com novas ligações que resultam de
desintermediações e reconexões.

Figura 7. Da cadeia de valor ao sistema de valor no negócio da produção e reprodução


de livros e da actividade de escrita e leitura de textos

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65
“Piratas”

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e-Readers

O próximo capítulo do livro inscreve-se num contexto comunicacional ubíquo

Até esta fase descrevemos sobretudo como a presente vaga de mudanças afectou
sobretudo todos os processos em torno do livro: o objecto em si permanecendo
inteiro e intacto. No entanto, mais se tem passado no mundo do livro. Este tem-se
desmaterializado, fragmentado, animado, enredado no éter interactivo
comunicacional ubíquo. A natureza do livro está hoje em evolução acelerada. Em boa
verdade o processo de mudança parece assemelhar-se ao descrito por Barras (1986)
quando este ofereceu um modelo conceptual para descrever o ciclo de vida do
produto no caso dos serviços. Neste caso, argumentava, dava-se primeiro uma
transformação dos métodos de produção orientada no sentido de maior eficiência
(inovação de processo) dentro do quadro de um bem estável; só mais tarde ocorreriam
mudanças significativas no arranjo de características do produto final. Isto é, a
inovação seguiu nesta indústria de conteúdos um ciclo de vida reverso, algo típico dos
sectores de serviços.
As mudanças até qui descritas representam a introdução de novos processos para
fazer chegar ao mercado os mesmos produtos. No entanto, deve notar-se, estas foram
alterações muito significativas, ou seja, inovações radicais de processo. O historiador
económico von Tunzelmann (2003: 370) argumenta que esta é apenas uma “sub-fase”
de um processo mais abrangente. A sua previsão é que no contexto da presente
Revolução da Informação, irá assistir-se à transição para um modo de subversão do
produto antigo e de reinvenção do objecto em si. Com o desenrolar do tempo novos
produtos e novas aplicações emergem e tomam conta de uma variedade crescente de
sectores estabelecendo-se como novo padrão-tipo de organização da economia; isto
seria assim mesmo em sectores tidos como tradicionais.

66
Hoje, sabemo-lo, os tempos de mudança chegaram finalmente ao bem em si. E estas
mudanças levam agora a um repensar da própria natureza do livro na era da
computação imbricada no ambiente (dimensão tecnológica) que existe numa densa
ecosfera digital em expansão (dimensão institucional). Na era da produção digital os
livros não são tanto escritos à mão ou dactilografados: são afinal digitados para dentro
de ecrãs. Na era da reprodução digital os livros não são tanto fabricados (produzidos):
são replicados (duplicados por “copy and paste”, “download”, etc.) e aparecem à tona
de suportes electrónicos (de todos os tamanhos: computadores, smartphones, tablets,
etc.). O livro emerge como produto informacional em rede. Hoje o livro evolui, então,
para se tornar uma manifestação de um fenómeno mais geral, mais um conteúdo de
media disponível por meio de ecrãs vários, interactivos e em ligação a outros através
de infra-estruturas de telecomunicação contemporâneas (ver outros casos Cardoso,
2013).
Objectos como livros, revistas ou jornais têm sido objectos analógicos. Estes são casos
particulares de suportes tangíveis convencionais que dão apoio a essa actividade a que
chamamos leitura. O livro clássico é um “dispositivo”, isto é, um tipo de “gadget” ou
“device” como é corrente dizer-se no léxico actual. Calha que um livro no seu formato
em papel não se desliga quando não está ligado à tomada eléctrica. Não está
dependente de electricidade ou de actualizações de software para funcionar e estas
são vantagens do ponto de vista do utilizador. Contudo, para ser produzido, um livro
necessitou de consumos intermédios, isto é, que matérias-primas e subsidiárias
fossem canalizadas para o seu processo de fabrico. Um livro impresso tem, portanto,
muita energia embutida. É energia sob a forma de matéria. Uma página em papel de
um livro convencional é, portanto, um “ecrã”, uma “tela”, um “interface” onde energia
foi investida à cabeça mas que não precisa agora dela em permanência para funcionar
(a não ser quando a leitura se faz à noite por exemplo, aí a luz tem de ser convocada
pelo leitor). O papel tem sido uma janela onde estão estampados os signos que
transmitem a informação. Uma folha impressa é uma superfície por onde os nossos
olhos deslizam e na qual os nossos dedos tocam. As palavras estampadas nessa fina
fatia de matéria são estáticas e a sua posição na página inamovível. As palavras têm
estado, elas próprias, fixas e presas em páginas inexoravelmente umas a seguir às
outras numa ordem pré-determinada.
O e-book consumido através de tablets é, talvez, a manifestação mais iconográfica
desta mudança. No início dos anos 2000 os anúncios de “tinta electrónica” e “papel
electrónico” sucediam-se. Ao início, a definição de livro digital ou electrónico era
simples “an electronic version of a printed book which can be read on personal
computer or handheld device designed specifically for this purpose.” (Oxford English
Dictionary, citado em Howard 2005: 151). No entanto, dificilmente a situação poderia
ser tão cedo definida. Por exemplo, no fim de 2004, a Google anunciava duas
iniciativas gémeas, o “Google Print” e o “Google Book Search”. Aquilo que viria a ser
chamado tão-somente “Google Books” permitiria ter acesso à meta-informação de

67
livros (quando sob copyright), a amostras dos livros (“snippets” ou várias páginas), ou
mesmo ao livro inteiro quando no domínio público (ver figura 9). A disponibilização
digital de livros, sem necessariamente isso equivaler à sua posse (virtual ou real) pelo
leitor, estava a evoluir.

Figura 9. O Google Books

Fonte: Wikipedia

A mudança iria acelerar para os fins da década. A Amazon começou por ser uma
livraria electrónica de livros em papel, agora lidera o movimento de migração para o
modelo de negócio digital puro, isto é, de livraria electrónica de livros electrónicos.
Curiosamente também, a Amazon vende esses livros preferencialmente para a sua
própria plataforma de uso pessoal. O “Kindle”, o e-reader lançado originalmente em
Novembro de 2007, era ao início anunciado como possibilitando “leitura sem fios” (ver
figura 10). Tinha, evidentemente, tecnologia wi-fi para “download” de livros. Dois anos
depois, em 2009, o Kindle 2 era lançado dispondo de novos atributos como a sua
menor dimensão e a leitura em voz alta. A característica texto-para-voz levantou
problemas. A tecnologia denunciada pela Author’s Guild, a maior organização
americana de autores e agentes literários, como indutora de infracção de direitos:
“they don't have the right to read a book out loud. That is an audio right, which is
derivative under copyright law.” (Paulo Aitken, president da Author’s Guild, citado em
“New Kindle Audio Feature Causes a Stir”, The Wall Street Journal, 10 de Fevereiro de
2009, http://on.wsj.com/1aTQVfL). A Amazon acabou anunciando que recuava,
limitando essa capacidade. As editoras podem optar por permitir esse atributo ou não
nos seus livros no Kindle 2 (figura 10). Apesar desta polémica as vendas generalizadas
de e-books começaram a crescer marcadamente a partir do ano seguinte, pois o
aparelho iPad da Apple iniciaria este movimento de adesão a dispositivos móveis
interconectados decisivamente em 2010.

68
Figura 10. O Kindle Figura 11. Receitas de e-books

Fonte: The Wall Street Journal (2011), “New economics rewrite book business”,
http://on.wsj.com/16urn9M

O sucesso de venda dos e-books tornou-se o segmento mais dinâmico da indústria do


livro na transição para a segunda década do século XXI. No primeiro trimestre de 2012
os e-books para adultos nos EUA geravam já $282 milhões em vendas contra $230m
gerados pelos livros de capa dura (The Wall Street Journal, “Your E-Book Is Reading
You”, 19 Julho, http://on.wsj.com/15FPT7b). Do lado da oferta a estrutura económica
do negócio era, por definição, muito atractiva: enquanto bem virtual o custo marginal
de cada unidade vendida era aproximadamente zero, portanto, mesmo a preços baixos
seria possível ter elevados retornos desde que todo o esquema de vendas e a
reputação negocial estivessem assegurados (ver, e.g., Shapiro e Varian, 1998). Este
atractivo segmento foi de imediato dominado por dois gigantes norte-americanos: a
Amazon (com o seu site e o seu Kindle) e a Apple (com a sua iBookStore e o iPad). A
perseguição de lucro no contexto de uma estrutura de mercado caracterizada por um
grau de monopólio levaria a uma conspiração contra os consumidores que viria a ser
provada em tribunal. A Apple (com 20% do mercado norte-americano de e-books) foi
acusada e dada como culpada de ter organizado um cartel para fazer subir o nível de
preços nos EUA (figura 12). Segundo o Tribunal, os executivos destas empresas
reuniam-se em salas de jantar em caros restaurantes de Nova Iorque lamentando-se
dos preços baixos praticados pela Amazon e vendo o que poderiam fazer para reagir.
Esta conduta anti-competição tinha sido posta em causa graças a um conjunto de
contratos com as casas editoriais e de dispositivos de controlo dentro do ambiente de
compras electrónicas detido pela Apple.

69
Figura 12. Conspiração contra os consumidores de livros digitais

Fonte: Financial Times, 11 Julho de 2013, p. 1, http://on.ft.com/HkzfkO (ver resposta


da Apple aqui: http://on.ft.com/17S4z0K)

O cartel é uma estratégia concertada para atingir o preço máximo compatível com o
máximo lucro. Porém, a digitalização dos livros tem sido acompanhada por
experimentalismo a nível de modelos de negócio: alguns deles têm sido caracterizados
pela tentativa de praticar o preço mínimo. Um exemplo é a área das publicações
académicas. Ao nível de revistas científicas há uma tendência bem identificada ao nível
de open science (Cardoso et al., 2012). Ao nível de manuais é interessante ver o
projecto Bookboon (figura 13). Este modelo de negócio é uma espécie de “product
placement” dentro do livro propriamente dito. Os livros podem ser descarregados
gratuitamente, porém os conteúdos são entrecortados com anúncios. De notar
também que o download exige a introdução de informações várias por parte de quem
os procura adquirir. O leitor paga, por isso, em termos de tempo e atenção mas
também em termos de dados e privacidade.

70
Figura 13. O modelo de negócio Bookboon

Fonte: http://bookboon.com/en/textbooks/management-organisation/business-
models

A questão do rasto informacional deixado pelo leitor adquire, de facto, uma


importância crescente nos modelos de negócio online. De facto, hoje o leitor pode ser
lido pelo livro. Com os livros a serem intersectados pelo modelo logístico da “cloud”
um livro pode ser consultado à distância (como a música pode ser escutada por
“streaming”), sem estar necessariamente instalado na máquina pessoal do leitor.
Novas possibilidades de “data mining” (análise fina dos dados de compra do objecto) e
de “consumer tracking” (análise fina dos dados de uso do objecto) implicam hoje o

71
livro nos grandes debates contemporâneos sobre protecção de dados e vigilância
electrónica. As operações de marketing das empresas (sobretudo dos grandes
operadores dos livros electróncios: a Apple, a Amazon, a Google) podem agora saber
não apenas os dados das vendas mas também os hábitos detalhados de leitura; o leitor
passa a ser um “livro aberto” e capaz de gerar “big data”. A leitura deixou de ser um
acto solitário, é um acto monitorizado: uma empresa como a Barnes & Noble, que com
o seu e-reader Nook tem cerca de 25% a 30% do mercado norte-americano de e-
books, estuda já aprofundadamente como os leitores reagem a certos géneros de
modo a criar livros optimizados às suas preferências (The Wall Street Journal, “Your e-
Book is reading you”, 19 Julho, http://on.wsj.com/15FPT7b).
O potencial dos e-readers/tablets distingue este suporte da versão papel fazendo já
evoluir o e-book para algo mais que uma versão digital de um livro estático (imutável)
e estanque (auto-contido). Este fenómeno está a acontecer em várias áreas temáticas,
onde a informação a que se tem acesso começa a ser animada (o livro como consola
interactiva) e a extravasar os contornos originais (o livro dotado com novos extras).
Assim, e no caso de livros técnicos e manuais, estes podem incluir materiais como
vídeos, fotografias, música, “quizzes”, slides, e outros conteúdos interactivos que o
autor pode costumisar, convidando também o utilizador a participar (figura 14). No
caso de livros como biografias ou história os livros podem incluir entrevistas com o
autor, mapas de locais, vídeos do Youtube incrustados no conteúdo como se fossem
notas de rodapé. Estes exemplos de livros “multimédia” ou “transmedia” começam a
ser denominados “livros estendidos”, “edições amplificadas”, “narrativas interactivas”
(The Economist, 22 Fevereiro 2012, http://econ.st/zORIYh). Mas estas criações são
caras e têm redundado em alguns falhanços para as editoras; trata-se possivelmente
de um modelo só adaptado a nichos especializados, e o seu valor de negócio ainda não
está completamente testado. Neste cenário o livro é, todavia, uma aplicação… mais
complexa (e mais cara) ou mais simples (e mais barata).
Nesta era de experimentalismo o novo livro surge com um modelo cada vez mais
autónomo e distanciado da sua referência clássica. Muitas vezes estas são edições já
vendidas só na versão digital. Estas edições, que têm já o nome de “e-riginais”, são
versões que têm beneficiam de várias funções especiais ou camadas adicionais de
enriquecimento multimedia. Mas o novo livro surge também crescentemente não
como repertório informacional (stock de conteúdos) mas como fluxo comunicacional
(flow de serviços). As capacidades interactivas e a ligação ao ecossistema externo são
aqui a essência. Várias facilidades transformam os livros em media sociais ao
permitirem ter “guest-book” electrónicos ou disparar citações directamente para
“twetts” a partir do livro, e nada impede o livro de ser um sistema aberto, cuja
narrativa evoluiu à medida que o leitor avança e interage com ele. Eis o surgimento de
livros em movimento capazes de fornecerem infinitas experiências.

72
Figura 14. Livro-texto recombináveis e remodularizáveis

Fonte: http://www.onlineschools.com/blog/open-source-digital-textbooks

Finalmente, a tecnologia antiga raramente fica parada. Uma das formas de resistência
do formato antigo em papel pode estar relacionada com a emergência de
“impressoras 3D”. Tais tentativas de resistir face à obsolescência são conhecidas pelo
“efeito do navio à vela”, devido ao crescendo de desempenho que os navios de vela
tiveram no final do século XIX quando ameaçados já inexoravelmente pela nova
tecnologia do vapor. A Biblioteca Pública de Brooklyn introduziu a “Espresso Book
Machine”, uma máquina capaz de imprimir e acabar por completo um livro de um
autor que queira algumas cópias do seu trabalho em poucos minutos (ver figura 15).
Esta parece ser uma forma extrema de “publique você mesmo” (modelo “on demand”
completamente integrado), uma desintermediação radical em que o autor é ele
mesmo editor e distribuidor simultaneamente. Eis a capacidade de criar obras
infinitamente variáveis.
Muitos destes sectores de conteúdos estão sob pressão, e depois de vários segmentos
como a música ou o audiovisual, agora é a vez de uma grande turbulência ter lugar no
mundo dos livros e dos livreiros. Porém, há sinais de que a reconfiguração do sector
está a estabilizar nos seus parâmetros, com as receitas dos e-books a aumentar bem
como os modelos de negócio a encontrarem novas configurações.

73
Figura 15. Publique você mesmo… em poucos minutos e em alta qualidade

Fonte: http://nydn.us/Hb5qmn, ver também vídeo oficial http://bit.ly/jPR8n

Na fase actual, portanto, o livro surge como objecto em transição de um corpo


puramente tangível para uma reencarnação puramente intangível. Esta é uma
migração difícil, repleta de surpresas pelo caminho, e de estradas secundárias que vão
dar a lado nenhum. É possível que haja várias soluções para diversos tipos de
exigências editoriais e preferências de mercado, mas as tecnologias da informação e
da comunicação têm trazido o livro para mais longe da noção de bem e mais perto da
noção de serviço (ver figura 16). Esta é uma viagem de um artefacto analógico para um
mundo digital pós-industrial.

Figura 16. O livro como mix de elementos tangíveis e intangíveis


Todos os produtos estão situados num contínuo

100% tangível 100% intangível

(“bens”) (“serviços”)

-evento estático- -processo contínuo-


Fonte: o presente trabalho
Venda/Compra Acesso/Licenças

Os livros em números

O fenómeno do livro tem atraído uma atenção crescente a nível científico desde os
finais dos anos de 1990 (ver figura 17). Os países que mais produziram literatura sobre

74
o livro e a edição são os EUA e o Reino Unido, mas é interessante também reparar que
a China e a Formosa estão no top10. As três principais áreas científicas foram: as
ciências sociais, as disciplinas da gestão e as ciências da computação. É interessante
também referir que entre 2008 e 2012 vários dos artigos mais citados versam sobre
marcas na Internet, pirataria de e-books e sustentabilidade dos modelos de negócio
(ver figura 18). A dimensão económica e tecnológica parece motivar grande parte da
atenção.

Figura 17. Artigos científicos sobre “book publishing”

Figura 18. Artigos sobre livros mais citados entre 2008 e 2012

75
Fonte: Scopus

76
Figura 19. Importância económica das actividades criativas baseadas em copyright na
EU-27

Fonte: Comissão Europeia (2013: 79)

Mas quanto vale esta área da cultura e dos conteúdos? Nem sempre os dados estão
disponíveis. As estimativas da Comissão Europeia do início dos anos 2000 mostravam
que as actividades baseadas em criatividade e direitos de propriedade intelectual eram
não-negligenciáveis para a economia europeia (Mendonça, 2007). Estas contribuíam
directamente com 2,6% do PIB da UE-25 (dados de 2003), acima do sector imobiliário
ou da indústria alimentar. A importância no emprego era maior ainda: representavam
3,1% do emprego total (5,8 milhões de pessoas em 2004), preponderantemente
qualificado (46,8% dos trabalhadores têm formação superior). Toda esta área de
prática produtiva crescia significativamente acima da média do resto da economia,

77
17,5% ao ano entre 1999 e 2003. Os dados da altura mostravam ainda Portugal como
país onde o fenómeno registava um peso inferior à média, com 1,4% do PIB e 2,3% do
emprego total, mas no qual o sector criativo-cultural foi o que mais cresceu no
contexto da UE-15.
A tentativa mais recente resultou de um consórcio entre a Comissão Europeia, o
Instituto Europeu de Patentes e Organização para a Harmonização do Mercado
Interno. Este relatório de Setembro de 2013 não cita o anterior e chega a valores
díspares. Conclui-se que cerca de 39% do valor acrescentado da União Europeia (cerca
de 4,7 mil milhões de euros por ano) são gerados por sectores de actividade que
utilizam intensivamente direitos de propriedade intelectual (patentes, marcas, design,
direitos de autor, denominações de origem, etc.) bem como 26% de todo o emprego
na UE (56 milhões de postos de trabalho de um total de 219 milhões).
Neste estudo concluiu-se ainda que no emprego nas actividades totais da área criativa
e de conteúdos cerca de 7,2 milhões vêm de áreas baseadas em copyright (música,
imprensa, livros, cinema, televisão, artes, etc.), ou seja, 12,9% dos 56 milhões. Dentro
das indústrias intensivas em copyright o sector dos livros é uma pequena parte com
317 150 trabalhadores (4,4% das indústrias intensivas em copyright). Os seguintes
países têm pesos no emprego acima da média (ver figura 19): Suécia, Dinamarca,
Finlândia, Holanda, Reino Unido, Irlanda, Estónia, França, Alemanha e Luxemburgo. Os
países com peso no PIB acima da média são: Irlanda, Reino Unido, Suécia, Finlândia,
Bulgária, França, República Checa, Grécia, Hungria e Estónia. Portugal tem uma
proporção abaixo da média em ambos os indicadores.
Como outros sectores baseados em criatividade e conteúdos protegidos por copyright
(por exemplo, a música ou o cinema) o sector do livro e dos livreiros passa hoje por
uma transformação profunda. A PWC (2013) estima que em 2017 os e-books
representem 22% de todas as receitas do negócio no mercado global, subindo dos 9%
actuais, impulsionadas pela difusão de tablets e e-readers. Nesse ano o sector será
menor do que em 2008, sendo que o crescimento dos e-books não conseguirá
colmatar todas as perdas dos livros clássicos (ver figura 18). A América do Norte estará
na liderança da transição com 38% das vendas em formato electrónico em 2017 (em
2012 era já de 20%). O contexto estratégico é, por isso, híbrido, apontando-se para
uma coexistência duradoura dos dois tipos de edições, papel e digital.

78
Figura 20. Dimensão do mercado mundial impresso e electrónico de livros (US$m)

Fonte: PWC (2013), http://pwc.to/1UM2b8

Uma análise do sector em Portugal utilizando os dados disponíveis entre 2004 e 2011
permite algumas leituras sobre a organização do sector. Uma diminuição do número
de postos de trabalho coexistiu com um aumento do número de empresas. Um
volume de receitas estagnado tem sido então repartido por menos pessoal ao serviço
mas por mais empresas. Esta é hoje uma actividade mais fragmentada que antes
(pulverizada em pequenas e micro-empresas).

Figura 21. Dados do sector do livro em Portugal, 2008-2011

Fonte: elaborações próprias a partir de INE


Nota: CAE subclasse 58110 Edição de livros; Compreende, nomeadamente, a edição de
livros, dicionários, enciclopédias, brochuras, mapas, atlas e cartas geográficas e
opúsculos, impressos, em forma electrónica (CD, etc.), via Internet e em forma áudio

A dimensão internacional do livro português intensificou-se nos últimos anos, como a


figura 22 revela. É sobretudo a partir de meados da década de 2000 que a
performance tem um crescimento muito robusto, tanto em valor como em volume.

79
Figura 22. Exportações portuguesas de bens (livros) entre 1999 e 2012

Fonte: elaborações próprias a partir de Comext (Eurostat)

E para onde vão as exportações portuguesas? A figura 23 apresenta um esquema que


sintetiza os destinos atingidos, ventilando a dimensão dos mercados pela sua dinâmica
de crescimento. Em 2012 é visível que Portugal concentra as suas mercadorias
exportadas em economias pequenas que não estão a crescer (i.e. periferia europeia),
embora haja sinais de diversificação para pequenas economias em crescimento (i.e.
países africanos lusófonos). É precisamente onde existirão mais oportunidades que a
penetração portuguesa é mais fraca.

80
Figura 23. Mercados de destino dos livros exportados desde Portugal

Pequenas Grandes
economias economias

Desempenho
BRICS
exuberante
PALOP

Desempenho
medíocre
“PERIFERIA” “TRÍADE”

Pequenas Grandes
2012
economias economias

Desempenho
1,6%
exuberante
20,2%

Desempenho
medíocre
66,6% 11,5%

Fonte: elaborações próprias a partir de Comext (Eurostat)

Apesar do desempenho recente ao nível da exportação, o cômputo desta mercadoria é


negativo na balança comercial. A figura 24 mostra que se importa mais em termos de
volume, mas sobretudo em termos de valor. A qualidade dos livros e os mercados
finais deverão ser determinantes para determinar o valor. De facto o preço médio por
kg varia conforme o destino: países desenvolvidos - 22,7€/kgs para os EUA, 14,8€ para
o Canadá; lusofonia emergente: 6,9€/kgs para o Brasil e 3,0€ para Angola. Assim, o que
parece poder concluir-se é que Portugal exporta insuficientes livros para mercados
grandes que estejam dispostos a pagar muito por eles. E estes são dados que não
incluem livros digitais, aqui o fenómeno ainda tem uma ínfima expressão.

81
Figura 24. Contraste exportações-importações de livros, Portugal em 2012

Fonte: elaborações próprias a partir de Comext (Eurostat)

Conclusões

O sector do livro é marcado por uma mudança estrutural. Tal é mesmo a marca de
nascimento do objecto. Mas hoje em dia a transformação é muito acelerada e está
relacionada com a terceira revolução industrial, podendo dizer-se que a primeira e a
segunda revoluções terão tido apenas um efeito de projecção cumulativa sobre este
produto, tornando-o mais central ainda na vida da sociedade e da economia. “[O] livro
provavelmente transformou-nos mais do que qualquer outra ferramenta”. Quem o diz
é Jeff Bezos, o empresário norte-americano da Amazon. Estas palavras são proferidas
em Out of Print (http://outofprintthemovie.com/), um documentário acabado de
estrear, narrado por Meryl Streep e realizado por Vivienne Roumani (uma antiga
bibliotecária). Actualmente a era digital está a transformá-lo mais do que qualquer
outra revolução tecnológica e económica.

82
Referências bibliográficas

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84
3

A indústria do livro digital em Portugal: mutações de um sector tradicional

Cátia Ferreira

85
O contexto editorial português é, ainda, caracterizado pelo predomínio do livro
impresso. No entanto, nos últimos anos tem-se vindo a assistir a uma mudança, e o
investimento em suportes de leitura alternativos tem permitido aos leitores
desenvolverem práticas de leitura digital na sua língua materna. Ou seja,
independentemente da hegemonia do livro impresso, tal não é sinónimo de não
adopção de estratégias de edição digital. Ao longo do presente capítulo serão
analisadas as principais estratégias de edição digital que têm vindo a ser postas em
prática pelas editoras portuguesas. O objectivo principal é perceber em que fase de
adaptação ao digital se encontra esta indústria cultural.
A Direcção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB)19 destaca que é
necessário ter uma visão panorâmica do mercado português e que, para além de
perceber as dinâmicas associadas ao livro impresso, está a tornar-se cada vez mais
necessário compreender as novas dinâmicas associadas ao livro e à leitura. Estas novas
dinâmicas dizem respeito à edição online, edição digital e à publicação de e-books, mas
também a fenómenos emergentes como a impressão a pedido (print on demand) e a
edição de autor (self publshing), ou os audiolivros. Paralelamente à reflexão em torno
do impacto destas novas práticas editoriais no mercado do livro nacional,
procuraremos também perceber de que forma o contexto digital pode contribuir para
atenuar aqueles que são considerados os principais desafios para este sector.
O último estudo publicado pela APEL – ‘Estudo do Sector de Edição e Livrarias e
Dimensão do Mercado da Cópia Ilegal’ (Dionísio e Leal, 2012), procurou identificar os
principais desafios com os quais editores e livreiros nacionais terão de lidar no triénio
2012-2015. Concluiu que o desafio principal é a aposta nos livros em formato digital.
De acordo com este estudo é crucial que os editores valorizem a adopção de e-readers
e de outros suportes de leitura digital e que tirem partido das novas tipologias de
edição, não só para satisfazer as necessidades de um público leitor cada vez mais
próximo às tecnologias de informação e comunicação, mas também como forma de
divulgar à escala mundial o que se produz em língua portuguesa. Esta aposta deve ser
acompanhada por um reposicionamento estratégico de editoras e livrarias. Os novos
modelos de negócio a adoptar devem reflectir: uma reorientação para o leitor/cliente,
que como veremos pode ter como elemento primordial as novas plataformas de
comunicação digital; uma consciencialização do impacto da cópia ilegal – a fotocópia é,
ainda, o meio mais usado no que diz respeito à cópia ilegal; a aposta em novos
formatos de edição, tirando partido do potencial da edição digital e dos conteúdos
multimédia; e a aposta em novas formas de comunicação que devem ser articuladas
com as já praticadas.
A análise apresentada será estruturada em quatro secções: ‘A edição e promoção
digital em Portugal’, ‘A edição nacional de e-books’, ‘A venda de e-books em Portugal’
e ‘Hábitos de leitura de e-books’.

19
http://www.dglb.pt/sites/DGLB/Portugues/Paginas/home.aspx.

86
A edição e a promoção digital em Portugal

A edição de livros em formato digital em Portugal tem início em 1999 pela mão da
editora Centro Atlântico20. A editora, fundada em 1994, tem, desde o seu início, o
objectivo de divulgar obras centradas nas tecnologias de informação e comunicação.
Em 2006, surge um segundo projecto centrado na edição digital – a editora Sinapses.
Esta é a primeira editora em Portugal a dedicar-se aos livros online. Os livros propostos
são avaliados por uma comunidade composta por utilizadores registados na
plataforma, os mais votados são revistos e editados sob a chancela Sinapses. Este
projecto tem o seu fim em Janeiro de 2010. Actualmente os grupos Leya e Porto
Editora são responsáveis pela maioria dos títulos editados em formato digital em
Portugal. No entanto, como veremos na próxima secção, há outros editores e outro
tipo de projectos a serem desenvolvidos nesta área.
No que diz respeito às artes gráficas, temos também vindo a assistir a uma mudança,
as gráficas especializadas em impressão offset e na produção de livros têm vindo a
apostar numa diversificação dos seus serviços. A impressão digital de pequenas
tiragens é já possível em diferentes gráficas nacionais. A impressão a pedido (print on
demand) é outra das estratégias que permite aos editores controlar as tiragens
produzidas, evitando a acumulação de stocks. Em Portugal, o recurso a print on
demand está a ganhar importância a par e passo com o fenómeno da auto-edição. Nos
últimos anos têm surgido projectos editoriais alternativos centrados na auto-edição,
livros digitais e impressão a pedido. Os serviços editoriais estão a ser alvo de um
processo de diversificação, a auto-edição sob uma chancela editorial exclusiva para
este tipo de edição é uma das possibilidades oferecidas a todos aqueles que queiram
editar um livro. Estes livros não são produzidos a pensar num canal de vendas
tradicional como a livraria. Estão disponíveis auto-edições em formato impresso e
digital. O formato impresso tende a ser impresso através de impressão digital, ou a
estar disponível em print on demand, sendo impressos apenas os exemplares
encomendados. A maioria destes projectos editoriais alternativos oferece um leque de
serviços completo. Ou seja, podem gerir todo o processo de publicação e venda de um
título. Caso o autor prefira, pode contratar apenas serviços específicos, como, por
exemplo, a paginação, revisão e preparação de um e-book.
Em 2009, surgem as duas primeiras empresas editoriais com estas características em
Portugal. O Sítio do Livro, lançado em Abril, e em Julho a Bubok.pt, uma plataforma de
auto-publicação associada à editora espanhola especializada em auto-publicação, a
Bubok. Em 2010, é fundada a Várzea da Rainha, um projecto de Zita Seabra, editora da
Alêtheia. O Sítio do Livro21 é uma plataforma de produção e venda de livros
vocacionada para autores, editores, livreiros e leitores. Os serviços oferecidos aos
autores incluem todas as etapas da produção de um livro, seja em formato impresso,

20
http://www.centroatl.pt.
21
http://www.sitiodolivro.pt/.

87
seja em digital. Aos editores é dada a possibilidade de disponibilizarem títulos
esgotados em regime de print on demand, e às livrarias e leitores terem acesso a
títulos aos quais de outra forma dificilmente acederiam. O Sítio do Livro tem um
protocolo com a Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), assegurando dessa forma
que todos os direitos autorais estão salvaguardados. O catálogo de livros disponível
para compra na plataforma é extenso, estando representadas também a maioria das
editoras nacionais. Do total de títulos disponíveis, 120 títulos estão também
disponíveis em formato e-book22. A Bubok23, por sua vez, é uma plataforma mais
vocacionada para a auto-publicação, oferecendo serviços de edição personalizáveis de
acordo com os objectivos do autor. Associada à plataforma de auto-edição, existe uma
livraria online onde é possível comprar livros impressos e em formato digital sob a
chancela Bubok. Actualmente o catálogo conta com mais de 3.000 títulos24, dos quais a
maioria está disponível tanto em formato impresso como digital. A Várzea da Rainha25
é um projecto de maior amplitude, prestando diversos serviços gráficos, editoriais e de
produção. Entre os serviços gráficos disponibilizados encontra-se a impressão digital e
o print-on-demand. Ambos recorrem a equipamentos de impressão apropriados e
muito actuais, entre os quais são de destacar a Xerox Nuvera 200 e a Xerox Color Press
1000. Os livros editados em parceria com a Várzea da Rainha são publicados sob a
chancela Sinapis26. O sistema de auto-publicação é composto por diferentes serviços
associados a diferentes etapas na produção de um livro. São disponibilizados serviços
editoriais, design, produção, distribuição, marketing e comunicação, e de edição digital
(e-books). No que diz respeito à edição de livros em formato digital, disponibilizam a
conversão de obras impressas, bem como a criação de raiz de um livro digital. Os
principais formatos utilizados são: epub, lit, pdf e azw (Kindle). Paralelamente a estes
serviços, a Várzea da Rainha disponibiliza, ainda, uma livraria online onde é possível
adquirir títulos da Sinapis e Alêtheia Editores.
Para além destes três projectos que aliam a possibilidade de impressão digital à edição
digital, há, ainda, um quarto projecto que só envolve a auto-publicação em formato
digital. Em Dezembro de 2012, o grupo Leya lançou uma plataforma dedicada à auto-
edição de e-books – a Escrytos27. Ao potencial autor é oferecida a possibilidade de
publicar o seu livro de forma totalmente gratuita, bastando registar-se na plataforma e
ter um original num ficheiro word. Caso o autor prefira usufruir de algum dos serviços
editoriais disponíveis, poderá fazê-lo – são oferecidos serviços de avaliação, revisão,
acompanhamento e promoção. Os serviços são disponibilizados mediante pagamento
e podem ser contratados avulso ou em pacotes.

22
http://www.sitiodolivro.pt/pt/montras/publicacoes-ja-disponiveis-em-e-book/ (23/11/2013).
23
http://www.bubok.pt/.
24
https://www.bubok.pt/livraria (23/11/2013).
25
http://www.varzeadarainha.pt.
26
http://www.varzeadarainha.pt/?area=livro&page=publicacao-em-editora.
27
http://www.escrytos.com/.

88
Os audiolivros constituem um meio alternativo de entrar em contacto com o conteúdo
de um livro. Apesar de este ser um formato relativamente recente em Portugal, a
origem dos audiolivros remonta à década de 1930, nos Estados Unidos da América28.
Em 1931, o Congresso americano aprova um programa centrado na gravação de textos
narrados, que tem como objectivo ajudar os adultos invisuais. Os primeiros audiolivros
surgem em 1932, sob a alçada da American Foundation for the Blind. Um ano após o
lançamento dos primeiros títulos, tem início a produção em massa de aparelhos que os
reproduzissem. Desde então, o programa de audiolivros tem vindo a ganhar uma
importância crescente, sendo um dos seus principais parceiros as bibliotecas. No início
dos anos 90 são disponibilizados via Biblioteca Nacional milhões de títulos a mais de
700.000 ouvintes com deficiência. A grande maioria desses títulos é produzida por uma
equipa de profissionais do National Library Service. Apesar de inicialmente dirigidos
para um público-alvo com características específicas, o consumo de audiolivros
generaliza-se nos países anglo-saxónicos a partir da década de 60 do século XX, as
bibliotecas mantêm o seu papel de destaque enquanto difusoras deste formato. A
popularização dos leitores de cassetes portáteis contribui para a adesão a este novo
formato para o consumo de informação. Os primeiros audiolivros pensados para a
população em geral cingem-se a conteúdos instrutivos e educativos, mas em pouco
tempo começam também a ser adaptados conteúdos literários, principalmente de
ficção. Este formato alternativo para entrar em contacto com conteúdos originalmente
escritos ganha uma importância tal nos E.U.A. que, em 1996, é instituído um prémio
nacional que visa distinguir os melhores audiolivros tendo em conta diferentes
categorias, os Audie Awards29. A evolução tecnológica tem marcado o
desenvolvimento deste formato alternativo ao livro impresso e depois do período
áureo da cassete esta é substituída pelo CD, mas são os formatos digitais mais
recentes, as novas possibilidades oferecidas pela Internet e os leitores multi-formato
portáteis que revolucionam o audiolivro e contribuem para a sua aceitação entre um
número cada vez mais significativo de pessoas. Actualmente estão disponíveis diversas
plataformas dedicadas à divulgação e distribuição de audiolivros, muitas delas
associadas a bibliotecas locais, como o OverDrive e o NetLibrary. Em Portugal, a
primeira colecção de audiolivros em CD é publicada em 200730, e nessa altura há
apenas uma editora a dedicar-se a este formato, a 101 Noites31. A colecção tem o
nome de ‘Livros para Ouvir’ e é composta maioritariamente por obras literárias
portuguesas, narradas por actores nacionais. Em 2008 surgem dois novos projectos

28
http://booksalley.com/bAMain/bAlleyT02_Museum.php.
29
Para informação adicional sobre os Audie Awards visitar a página oficial do prémio:
http://www.theaudies.com/.
30
‘Os audiolivros chegaram a Portugal’, notícia do jornal Expresso, de 30 de Novembro, 2007, disponível
em http://expresso.sapo.pt/os-audiolivros-chegaram-a-portugal=f179972. Esta colecção marca o início
da edição de audiolivros para o público em geral. Até então os poucos títulos que se encontravam
disponíveis em formato áudio destinavam-se ao público infantil e a pessoas com deficiência visual.
31
http://www.101noites.com.

89
comerciais de audiolivros, A Boca32 e a MHIJ Editores,33 ambos os projectos dedicados
à edição em diversos formatos, mas dando especial atenção ao audiolivro e à sua
disponibilização em mp3 e em CD.
O recurso a plataformas alternativas para comunicar com os leitores é visto como
primordial numa época em que o consumo e procura de informação passam cada vez
mais pelos meios digitais que temos à disposição (Mrva-Montoya, 2012). Perante a
crescente importância das plataformas sociais para diversas áreas de actividade, é
importante perceber como estas são exploradas para potenciar a divulgação de
produtos editorais em Portugal. Mesmo que aplicadas para a promoção de títulos
impressos, estas novas ferramentas são vistas como tendo o potencial de promover
hábitos de leitura e compra de livros (Nelson, 2006; Thoring, 2011; Tian and Martin,
2010). De modo a contribuir para um melhor entendimento de como estão a ser
usadas as ferramentas sociais disponíveis, de seguida iremos analisar alguns exemplos
ilustrativos de como as editoras nacionais estão a tirar partido de sites de redes sociais
como o Facebook, plataformas de microblogging como o Twitter e de blogues.
Adicionalmente procuraremos caracterizar a presença nacional no programa de
promoção da leitura da Google, Google Books.
A presença das editoras nacionais no site de rede social Facebook, apesar de não ser
representativa do sector, é já significativa. Muitas são as editoras com página nesta
plataforma social, a maioria utilizando-a de modo complementar ao website. Uma
breve análise desta presença permitiu-nos perceber com que objectivo recorrem os
editores nacionais a esta plataforma. Entre os objectivos mais presentes estão a
divulgação de notícias das próprias editoras e do sector, divulgação de novidades e de
eventos, e partilha de clipping. De modo a ilustrar as práticas de promoção digital
através deste site de rede social, foram analisadas as páginas de Facebook de seis
editoras: A Esfera dos Livros, Saída de Emergência, Edições Tinta-da-China, Editorial
Presença, Gradiva, e Orfeu Negro. A selecção teve como objectivo analisar editoras
com posicionamentos estratégicos e editoriais diferentes, bem como editoras de
diferentes dimensões e anos de experiência. A mesma lógica será seguida na análise
que faremos da utilização das outras plataformas.
A Esfera dos Livros, presente neste site de rede social desde 201034, conta com 17.751
likes35 – ou seja seguidores, as actualizações tendem a ser constantes e entre o tipo de
posts que publicam encontram-se passatempos, notícias (sobre o sector, mas
essencialmente relacionadas com a editora), divulgação de novidades e clipping. Entre
o tipo de conteúdos publicados é de destacar a presença de diferentes tipologias de

32
http://www.boca.pt.
33
http://mhij.pt/.
34
https://www.facebook.com/aEsferadosLivros.
35
O número de likes indicado para as diferentes editoras diz respeito ao número de seguidores que as
páginas tinham à data de 23 de Novembro de 2013.

90
conteúdos – capas de livros, fotografias e vídeos (Youtube). A Saída de Emergência36,
por sua vez, não disponibiliza informação sobre quando aderiu ao Facebook, conta
com 11.952 likes e recorre a esta página principalmente para divulgar campanhas de
promoção, curiosidades relacionadas com o mundo dos livros e informação sobre
eventos. Os conteúdos publicados são centrados muitas vezes nas capas dos seus
livros. São também disponibilizadas fotografias com alguma frequência. A Edições
Tinta-da-China37 funda a sua página em 2009, sendo uma das páginas visitadas mais
antigas. A publicação de posts é constante, os 12.798 seguidores podem estar
permanentemente actualizados relativamente às suas novidades e projectos editoriais,
notícias sobre a editora e sobre o sector do livro, eventos, curiosidades relacionadas
com livros e leituras e clipping. A publicação de posts de texto tende a ser
acompanhada por outro tipo de conteúdos, como fotografias, capas de livros e vídeos
(Youtube). A Editorial Presença38 conta com 100.000 seguidores e tende a publicar
novos posts com alguma regularidade. Para além de notícias, informação sobre
novidades e curiosidades sobre o mundo do livro, esta editora recorre ao Facebook
para estabelecer um contacto mais próximo com os seguidores. Isto é feito através da
publicação de perguntas relacionadas com determinados títulos, envolvimento no
processo editorial, mensagens de vídeo de autores e de recomendações de leitura.
Presente no Facebook desde 2011, a Gradiva39 conta com 2.985 seguidores e publica
novos conteúdos com alguma regularidade. Entre os conteúdos mais veiculados estão
os que dizem respeito ao lançamento de novidades, clipping, informação sobre
eventos e campanhas de promoção. Tendem a estimular a comunicação directa com
os seguidores através da publicação de perguntas. Os conteúdos tendem a ser
complementados com vídeos, fotografias e capas de livros. Por último, a página da
Orfeu Negro40, lançada em 2011, conta com 5.279 seguidores. Os posts tendem a ser
menos regulares do que nos exemplos anteriores e o tipo de mensagens publicadas é
também mais reduzido. A utilização da página neste site de rede social centra-se na
difusão de notícias sobre a editora e sector editorial, novidades editoriais e clipping.
O número de editoras nacionais presentes na plataforma Twitter é inferior ao das
presentes no Facebook. Ao longo da pesquisa realizada tornou-se, também, evidente
que a maioria das editoras presentes nesta plataforma tem uma página no Facebook.
Os exemplos seleccionados para análise foram os das editoras Guerra e Paz, Livros
Cotovia, Relógio d’Água, Eucleia, Booksmile e Bruuá. A Guerra e Paz Editores tem
actualmente 183 seguidores nesta plataforma41 e já publicou um total de 2.243 tweets.
As actualizações são constantes e dizem respeito essencialmente a novidades

36
https://www.facebook.com/pages/Edi%C3%A7%C3%B5es-Sa%C3%ADda-de-
Emerg%C3%AAncia/182466331785544.
37
https://www.facebook.com/pages/Edi%C3%A7%C3%B5es-tinta-da-china/301684475314.
38
https://www.facebook.com/presenca?fref=ts.
39
https://www.facebook.com/gradiva.publicacoes.
40
https://www.facebook.com/orfeunegro.
41
https://twitter.com/GeP_editores.

91
editoriais, eventos e clipping. Por vezes são dirigidas mensagens aos seguidores de
modo a estimular a interacção. Apesar das características desta ferramenta social, as
mensagens são muitas vezes complementadas com conteúdos multimédia. A página
de Twitter da Livros Cotovia42, por sua vez, encontra-se desactualizada desde 26 de
Abril de 2012. Pelos posts disponíveis rapidamente percebemos que a actualização
nunca foi muito constante. Este canal de comunicação é utilizado essencialmente para
divulgar novidades editoriais e notícias sobre a editora. A página conta com 118 tweets
publicados e com 124 seguidores. Na página da Relógio d’Água43 os 235 seguidores
podem ler 943 tweets, a maioria relacionados com novidades editoriais, notícias sobre
a editora e clipping. Na da Eucleia Editora44 encontramos também peças de clipping,
informação sobre novidades editorais e notícias sobre a editora e o sector.
Adicionalmente são disponibilizados conteúdos promocionais e informação sobre
campanhas de desconto. A Eucleia Editora tem 463 tweets publicados e 32 seguidores.
A Booksmile é uma utilizadora activa desta plataforma45, conta com 14.924 seguidores
e 10.883 posts publicados. O recurso ao Twitter tem como propósito partilhar
informação sobre as novidades editoriais, sobre eventos e notícias relacionadas com a
editora ou o universo editorial. A maioria dos conteúdos é complementada com
fotografias, capas de livros e vídeos. Por fim, a Bruaá Editora46, com 1.396 seguidores e
1.966 tweets publicados, recorre a esta plataforma preferencialmente para divulgar
notícias do sector e da editora. A página de Twitter da Bruaá encontra-se integrada
com a de Facebook, sendo a maioria dos conteúdos publicados a partir dessa
plataforma.
O blogue foi uma das primeiras ferramentas da web 2.0 a ser explorada pelos editores
nacionais (Neves, Lima, Vaz e Cameira, 2012). Um número reduzido de editoras possui
um blogue em vez de um website, sendo que a maioria utiliza esta ferramenta como
um meio adicional para estar em contacto com os leitores. De modo a perceber de que
forma os blogues são utilizados serão apresentados os blogues das editoras Ésquilo,
Objectiva, Chiado Editora, Assírio e Alvim, Alêtheia e Quetzal. O blogue da Ésquilo47
data de 2008 e tem como objectivo principal a divulgação de campanhas
promocionais, novidades editoriais e notícias sobre a editora. As actualizações são
pouco regulares e o blogue encontra-se desactualizado desde o dia 2 de Abril, de 2013.
A Editora Objectiva, por sua vez, mantém actualizada a segunda versão do seu
blogue48, lançada em Maio de 2012. O blogue é actualizado com regularidade e é
utilizado essencialmente para a divulgação de notícias relacionadas com a editora,
peças de clipping e informação relativa a campanhas promocionais. A Chiado Editora,

42
https://twitter.com/livroscotovia.
43
https://twitter.com/RelogioDAgua.
44
https://twitter.com/eucleiaeditora.
45
https://twitter.com/booksmile.
46
https://twitter.com/bruaa.
47
http://esquilo-pt.blogspot.pt/.
48
http://objectiva.blogs.sapo.pt/.

92
tal como a Ésquilo, tem o seu blogue desactualizado49. Os conteúdos disponibilizados
até Abril de 2013 dizem respeito a novidades e eventos da editora. O blogue da editora
Assírio e Alvim50 é actualizado com alguma regularidade e disponibiliza notícias
relacionadas com a editora e com o sector, informação sobre eventos e novidades
editoriais, bem como o catálogo de títulos. O blogue da Alêtheia Editores51 encontra-se
também desactualizado, também desde Abril de 2013. Até então os posts publicados
são de teor promocional ou informativo – campanhas, lançamento de novidades,
conteúdos promocionais ou relativo a eventos. O último blogue analisado, o da
Quetzal52, é actualizado regularmente e utilizado principalmente para divulgar notícias
sobre o sector editorial e sobre a editora, informação sobre novidades editoriais e
clipping.
No que diz respeito à participação em programas internacionais de incentivo à
divulgação de produtos editoriais em formato digital53, há dois editores portugueses a
tirar partido de pelo menos dois desses programas – Google Books para Editores e
Amazon ‘Search Inside the Book’54. As editoras em questão são o Centro Atlântico e
algumas chancelas do Grupo Leya. A primeira estabeleceu a parceria com o Google em
2004, e a segunda em 2008. Para além destas editoras, a Biblioteca Geral da
Universidade de Coimbra estabeleceu, também em 2008, uma parceria com o Google
que resultará na disponibilização de 600 títulos no serviço de digitalização e pesquisa
de livros desta empresa55. A parceria com o Google é gratuita, tem como objectivo a
promoção de títulos através da sua indexação nos motores de busca Google. O editor
disponibiliza títulos do seu catálogo, bem como informação sobre os mesmos, e pode
permitir a pré-visualização de partes de livros. Não é possível disponibilizar um título
de forma integral, a não ser que os direitos de autor estejam já no domínio público. O
editor pode, ainda, disponibilizar informação adicional sobre livrarias online onde
adquirir o livro, e tirar partido do plug-in do Google Preview que lhe será
disponibilizado para que possa embeber as pré-visualizações do Google Books
directamente no seu website. A parceria com a Amazon, por outro lado, envolve a
presença na Kindle Store. Apesar de disponibilizarem apenas alguns títulos dos seus
catálogos, ambas as editoras permitem a pré-visualização dos seus títulos através da
funcionalidade ‘Search Inside the Book’.
Os intervenientes do sector do livro nacional têm vindo a apostar na adaptação deste
às novas modalidades da edição e da leitura. Apesar de ainda haver um longo caminho
a percorrer, a edição em Portugal tem tentado acompanhar as mudanças

49
http://blogue.chiadoeditora.com/.
50
http://assirioealvim.blogspot.pt/.
51
http://aletheiaeditores.blogspot.pt/.
52
http://quetzal.blogs.sapo.pt/.
53 Alguns destes programas são: o Barnes & Noble ‘See Inside’, o serviço de indexação Bowker, ou o
HathiThrust.
54 Mais informação disponível em http://www.google.com/googlebooks/partners/tour.html.
55 A maioria dos títulos é da autoria de professores da Universidade de Coimbra e encontra-se
esgotada.

93
testemunhadas a nível internacional. Na próxima secção será analisada em particular
uma dessas mudanças, a edição de livros em formato digital (e-books).

A edição nacional de e-books

A editora Centro Atlântico é pioneira no nosso país na edição de livros em formato


digital. Em Março de 1999 é lançado o primeiro título neste formato alternativo – O
Futuro da Internet, de José Augusto Alves. Desde então a edição digital tem sido
complementar à edição impressa de um número significativo de títulos do seu
catálogo. A estratégia da complementaridade tem sido a mais explorada pelas editoras
nacionais que já apostam em editar livros em diversos formatos. De modo a contribuir
para um melhor entendimento da relevância conferida ao formato e-book e como este
está a ser explorado pelo sector editorial português, analisaremos exemplos de
editoras que têm vindo a apostar neste formato. O objectivo será perceber, por um
lado, qual a representatividade dos livros em formato digital entre os títulos
publicados, e por outro quais as características destes produtos. Após este
mapeamento relativo às práticas editoriais, analisaremos dados relativos à venda
deste tipo de livros.
A primeira editora em análise é a percussora da edição digital em Portugal – Centro
Atlântico. O objectivo da edição em formato digital tem sido o de complementar
alguns títulos editados em papel, ou seja, esta editora não tem como posicionamento
estratégico editar livros apenas em formato digital, os e-books disponíveis têm, ou
tiveram, uma versão impressa correspondente. Actualmente oito das suas colecções
disponibilizam títulos nos dois formatos, a versão e-book permite que um título fique
disponível mesmo após a venda de todos os exemplares impressos. Ou seja, mesmo
após o fim do stock de livros impressos, os títulos disponibilizados em formato digital
poderão continuar disponíveis para compra56. A Centro Atlântico tem actualmente
cerca de 48 títulos disponíveis em formato digital e o formato pdf é o eleito para os
seus e-books. Os títulos são comercializados com DRM que permite ao editor controlar
o uso de cada cópia, por exemplo, no que diz respeito a número de páginas impressas
e número de cópias feitas do ficheiro. Para além disto, os e-books da Centro Atlântico
são personalizados com o nome do proprietário do título e não têm activa a
funcionalidade de comentário/anotações. Apesar do catálogo de títulos e os formatos
em que estes se encontram disponíveis estar publicado na página web da Centro
Atlântico, a venda ‘directa’ de e-books é feita através da plataforma da Wook57.

56
Um exemplo de um destes títulos é o livro e-Learning e e-Conteúdos, de Jorge Reis Lima e Zélia
Capitão. A edição impressa encontra-se esgotada, no entanto é ainda possível adquirir a obra em
formato digital – http://www.centroatl.pt/titulos/si/e-learning.php3.
57
Apesar de aparentemente se tratar de uma venda directa a partir do website do editor, aquando da
encomenda somos reencaminhados para a página da Wook.pt. Este tipo de parceria para a venda
‘directa’ de e-books foi também estabelecida por outras editoras, como a Princípia também com a

94
As editoras que contam com mais títulos em formato digital disponíveis são as que
integram os dois maiores grupos editoriais nacionais: os grupos Leya e Porto
Editora/Bertrand Círculo. Ambos os grupos possuem livrarias online com áreas
específicas dedicadas aos e-books e distribuem não só títulos das suas editoras, como
de outras que começam a dar os primeiros passos nesta área. O grupo Leya tem
lançado e-books de várias das suas chancelas. Entre as que contam com mais títulos
disponíveis encontram-se a D. Quixote, Oficina do Livro, Editorial Caminho, Lua de
Papel, Edições Asa, Texto Editores e Casa das Letras. No que diz respeito aos formatos,
a maioria dos e-books estão no formato epub mas ainda têm alguns em pdf. O grupo
Porto Editora/Bertrand Círculo tem também apostado no formato epub, mas entre os
títulos disponíveis encontram-se ainda alguns em pdf. Estes dois formatos são os
eleitos pelos editores portugueses para as suas edições digitais. Ambos são
compatíveis com múltiplas aplicações de leitura digital, não representando, à partida,
um obstáculo para os leitores. Entre as chancelas deste grupo que disponibilizam um
número mais elevado de e-books estão: Porto Editora, Bertrand, Quetzal, Sextante,
Pergaminho, Arte Plural Edições e Assírio e Alvim.
Há, ainda, um terceiro grupo editorial que começa também a investir na edição digital,
o grupo Almedina. Os e-books das suas chancelas editoriais encontram-se disponíveis
na livraria Almedina online, bem como noutras livrarias como a Wook ou Bertrand
online. As chancelas Almedina e Edições 70 são as que contam com mais títulos em
versão digital. Os formatos utilizados são, mais uma vez, o pdf e o epub.
Os grupos editoriais não são os únicos a apostar na diversificação do formato dos seus
títulos, algumas editoras independentes têm também vindo a dar atenção à edição em
formato digital. A Nova Delphi é uma jovem editora que conta com alguns e-books no
seu catálogo. Actualmente tem 26 títulos disponíveis em formato digital. O formato
escolhido foi o epub, e todos os títulos que tem disponíveis em digital foram também
editados em papel. A Editorial Presença, por sua vez, conta com cerca de 57 títulos
disponíveis. No entanto, a venda directa através do website só prevê a compra de
edições impressas. A venda dos e-books é realizada através de livrarias online.
A editora Princípia disponibiliza em formato digital 56 títulos de várias chancelas (Casa
Sassetti, Princípia, Lucerna, Sopa de Letras). A maioria dos títulos está disponível em
pdf, havendo apenas alguns em epub. A venda dos títulos não é feita directamente a
partir do site da editora, mas a partir da Wook, tal como acontece com os e-books da
Gradiva. Esta casa editorial conta com sete títulos disponíveis em pdf e epub. A
Imprensa Nacional Casa da Moeda – INCM estabeleceu também uma parceria para a
venda dos seus títulos em formato digital, desta vez o parceiro eleito foi a Leya online.
A editora conta com cerca de 31 títulos, os formatos eleitos foram o epub e o pdf. A
Planeta conta com apenas alguns títulos em formato digital, cerca de 17, e optou
também por vendê-los apenas através de livrarias online (por ex. Bertrand e Wook).

livraria do grupo Porto Editora, ou a INCM através da Leya Online. Os títulos destas editoras encontram-
se disponíveis noutras livrarias online.

95
Até ao final do ano passado o panorama editorial digital português contou, ainda, com
outro projecto editorial alternativo, as Edições Vercial. Este projecto editorial da
Universidade do Minho privilegiou a edição em formato digital, havendo ainda títulos
disponíveis na maioria das livrarias online.
Os editores, apesar de serem figuras de relevo na adaptação do sector editorial às
novas práticas de leitura, não são os únicos representantes do sector a contribuir para
este processo, as bibliotecas desempenham um papel igualmente importante na
promoção da leitura em múltiplos suportes e têm vindo a contribuir activamente para
a estimulação das práticas de leitura digital. Esta relevância da biblioteca enquanto
espaço propício à experimentação de práticas de leitura alternativas tem sido
reconhecida através de investigações desenvolvidas um pouco por todo o mundo, mas
com particular incidência no país onde a leitura em formato digital se encontra mais
disseminada – nos EUA58. Em Portugal, há projectos de digitalização e disponibilização
de fundos de catálogo para requisição digital, mas há ainda um longo caminho a ser
percorrido para que seja possível equipar as bibliotecas (municipais, escolares,
universitárias e especializadas) com equipamentos diversificados para leitura digital,
bem como com obras adquiridas originalmente em formato digital. No âmbito da
análise que está a ser desenvolvida no que diz respeito à edição nacional de e-books,
consideramos haver pelo menos duas bibliotecas às quais devemos dedicar alguma
atenção – a Biblioteca Nacional e a Biblioteca Digital do Instituto Camões.
A Biblioteca Nacional de Portugal59 (BNP) tem contribuído para a estimulação das
práticas de leitura em formato digital através dos serviços de biblioteca digital e
livraria online. A Biblioteca Nacional Digital60 (BND) foi lançada em Fevereiro de 2002,
tendo como objectivo disponibilizar o acesso digital a documentos da sua colecção 61. O
lançamento deste projecto foi precedido pelo início da digitalização de parte do seu
catálogo, processo que começou em 1998.
Devido à extensão do seu acervo bibliográfico foi crucial para a BNP definir critérios
que orientassem o processo de digitalização e consequente disponibilização de obras
através da plataforma da BND. O critério principal foi o de preservação de documentos
frágeis ou difíceis de manusear. Entre os documentos digitalizados encontra-se
material iconográfico (cartazes, estampas e desenhos, por exemplo) e cartográfico. No
seu conjunto, este material representa cerca de 80% dos documentos disponibilizados
na BND62. O acervo digital da BND está disponível também nos portais internacionais
Europeana63 e The European Library64. Entre os documentos disponíveis na BND

58 Mais disseminada pela população do país. Por exemplo, entre a população utilizadora de Internet a
leitura em formato digital é mais frequente nos BRICS (veja-se Cardoso e Cameira, capítulo 7).
59 http://www.bnportugal.pt.
60 http://purl.pt/index/geral/PT/index.html.
61 Apresentação disponível em http://purl.pt/index/geral/PT/about.html.
62 À data de 23 de Novembro de 2013, estavam registados na colecção Fundo Geral 3.418 documentos,
na Iconografia 15.066, na Cartografia 1.702, Música 246 e Reservados 2.810.
63 http://www.europeana.eu.
64 http://www.theeuropeanlibrary.org.

96
encontramos documentos públicos e privados (designados por cópia pública e cópia
interna, respectivamente). Só é possível aceder livremente aos públicos, o acesso a
versões digitalizadas de obras que ainda não se encontrem no domínio público só pode
ser feito a partir da rede interna da BNP. O formato mais utilizado é o pdf, mas estão
disponíveis também documentos em jpg.
A livraria online da BNP65 resulta de uma parceria com a Marka, uma distribuidora de
conteúdos editoriais em formato papel, digital e multimédia, e que representa editores
nacionais e internacionais. Esta plataforma é um dos principais canais de venda das
edições BNP, digitais e impressas. A Biblioteca Nacional tem mais de 100 anos de
experiência editorial e conta com mais de 250 títulos editados. De forma a facilitar a
pesquisa de títulos, é possível pesquisar o catálogo como um todo ou escolher a opção
de consultar o catálogo da livraria online de livros impressos ou o da de e-books66. No
que diz respeito às edições em formato digital, estas são disponibilizadas para compra
ou para empréstimo pago, o valor do empréstimo é de €1 por 5 dias. De momento
encontram-se disponíveis 93 títulos, em formato pdf e todos protegidos com DRM.
A Biblioteca Digital Camões67 é um repositório de obras em língua portuguesa que tem
como objectivo disponibilizar obras integrais para leitura gratuita. O catálogo
disponibilizado é constituído por obras que se encontram no domínio público e por
obras protegidas por direitos de autor e conexos. De acordo com a natureza do
documento, o leitor terá um nível de acesso específico: possibilidade de apenas ler, de
ler e imprimir, ou de ler, imprimir e copiar. Actualmente existem 2.595 registos e as
obras estão todas disponíveis em formato pdf. Os parceiros institucionais deste
projecto do Instituto Camões são maioritariamente organizações que actuam no sector
do livro: Direcção Geral do Livro e da Biblioteca, Bertrand Livreiros, Círculo de Leitores,
INCM, Porto Editora e Quimera Editores68.
A edição de e-books avançados e de aplicações de livros interactivos começa também
a dar os primeiros passos no mercado português. A Porto Editora tem sido uma das
editoras mais activas neste domínio, outro exemplo de uma editora a apostar nos
livros interactivos é a Pato Lógico que estabeleceu uma parceria com a Biodroid
Entertainment. A Porto Editora tem várias aplicações na App Store da Apple, entre as
quais: dicionários, Diciopédia (ambos também disponíveis no Google Play) e uma
colecção de livros infantis interactivos, ‘Os Miúdos’ (8 títulos). Para além destes títulos,
a Porto Editora lançou, em Fevereiro de 2013, uma colecção de livros infantis
interactivos para ambiente Windows 8. Este projecto resultou de uma parceria
estabelecida entre a editora e a empresa de criação de software Viatecla (estão
anunciados 16 títulos).

65 http://livrariaonline.bnportugal.pt/.
66 http://livrariaonline-ebooks.bnportugal.pt/.
67 http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes.html.
68 Os restantes parceiros institucionais do projecto são: Miso Music Portugal, Instituto de Investigação
Científica Tropical, Centro Cultural de Belém e ParqueExpo.

97
A colaboração entre a Pato Lógico e a Biodroid, por sua vez, já resultou no lançamento
de três livros interactivos69 que se encontram disponíveis na App Store da Apple. Os
títulos disponíveis são Incómodo, De Caras e Estrambólicos, aplicações que resultaram
da adaptação de livros publicados originalmente em versão impressa.
Na próxima secção analisaremos dados relativos à comercialização de e-books.
Procuraremos caracterizar as plataformas de venda de e-books e perceber quais as
preferências dos portugueses quando optam por livros em formato digital.

A venda de e-books em Portugal

O mercado editorial português tem tentado acompanhar as mudanças verificadas em


mercados internacionais. No entanto, independentemente da velocidade à qual está a
ocorrer essa adaptação, um dos factores mais relevantes para o seu sucesso diz
respeito aos hábitos de leitura dos portugueses. Num país onde a leitura não está
entre as actividades mais frequentes da sua população, o cenário de crise económica
actual parece estar a contribuir para a redução das vendas de livros, e
consequentemente para um decréscimo no número de exemplares lidos. De acordo
com o estudo ‘O Setor Cultural e Criativo em Portugal’, realizado pela empresa de
consultoria Augusto Mateus & Associados para o Ministério da Cultura, em 2010, os
hábitos de leitura dos portugueses revelam-se preocupantes. Em 2010, 50% dos
portugueses afirmaram ter lido pelo menos um livro nos últimos 12 meses, enquanto a
média europeia ronda os 71% (Mateus, 2010: 6).
Os estudos mais recentes sobre o sector editorial português não apresentam dados
sobre as vendas de livros em formatos alternativos ao impresso. Um dos motivos para
a ausência pode ser a pouca diversidade de títulos disponíveis até há pouco tempo. No
entanto, espera-se que os próximos estudos passem a contemplar pelo menos a
dimensão dos livros electrónicos, uma vez que as editoras e livrarias nacionais estão a
apostar neste formato. Exemplo desta aposta foi a mudança estratégica da livraria da
Porto Editora, Wook, que relançou a sua loja online em 2012, dando especial atenção
aos e-books. O lançamento foi precedido por um estudo de mercado conduzido pela
Direcção de e-commerce Porto Editora, com o objectivo de caracterizar o
comportamento dos clientes da livraria online face ao livro electrónico70.
Os dados apresentados no relatório do estudo de mercado foram recolhidos através
de um inquérito por questionário aplicado a uma amostra aleatória de clientes da
Wook online (N537). A amostra é constituída por 60% de elementos do sexo feminino,
a maioria dos respondentes têm idades compreendidas entre os 25 e os 45 anos e a
zona da grande Lisboa é a área de residência de 33% dos inquiridos. A maioria dos

69 A Biodroid, para além dos três títulos desenvolvidos com a Pato Lógico, tem ainda um outro livro
interactivo disponível na loja de aplicações da Apple – Ambiente nas Nossas Mãos, lançado em Fevereiro
de 2013.
70
http://www.portoeditora.pt/conteudos/noticias/pdfs/inqueritoebooks.pdf.

98
inquiridos afirma nunca ter comprado ou tido contacto com e-books. No entanto, é de
realçar que a diferença entre os que tiveram e não tiveram experiências com livros
digitais não é acentuada – 44% afirma já ter comprado ou ter-lhe sido oferecido um e-
book. Contudo, quando questionados sobre o hábito de compra de e-books, apenas
33% afirma ter adquirido, ou ter recebido, um e-book nos três meses anteriores ao
questionário. Entre as áreas temáticas dos livros adquiridos ou recebidos as que mais
se destacam são Literatura (42%) e Livro Técnico (29%). No que diz respeito à leitura
de e-books, apenas 10% dos inquiridos que afirma ter comprado ou recebido um livro
digital admite não ter lido nenhum e-book no mesmo período de tempo. A maior
percentagem de respostas é registada entre os inquiridos que afirmam ter lido mais do
que quatro títulos em formato digital nos últimos três meses. Entre o mesmo
segmento da amostra, os dispositivos de leitura digital mais utilizados são o
computador pessoal e o iPad, no entanto a diferença entre a utilização do iPad e de
outros dispositivos como outros tablets, e-readers ou smartphones não é significativa
(18% afirma utilizar o iPad, enquanto os outros dispositivos são todos referidos por
12% dos inquiridos). A motivação para a leitura de e-books passa principalmente pela
sua facilidade de utilização (31%) e pelo preço (22%) que tende a ser mais baixo
relativamente às edições impressas. De modo a perceber os factores que levam alguns
dos inquiridos a nunca ter experimentado ler livros em formato digital, é perguntado a
todos os que afirmam não ter experiência com livros digitais o motivo para não o
terem feito até ao momento. Entre os motivos mais apontados encontram-se a
preferência por livros em papel e o facto de os preços dos leitores dedicados e tablets
ser ainda pouco apelativo. O grau de satisfação dos inquiridos relativamente à sua
experiência com e-books é evidente nas variáveis preço dos livros, preço dos
dispositivos de leitura e qualidade oferecida por esses dispositivos. No entanto, a
oferta de títulos disponíveis neste formato parece não suprir as necessidades dos
leitores, uma vez que 44% dos inquiridos com hábitos de leitura de e-books afirmam
não estar ‘nada satisfeitos’ com a oferta de livros digitais. Quando desafiados a prever
as suas práticas futuras, os inquiridos com hábitos de leitura de livros em formato
digital prevêem que dentro de três anos é altamente provável que comprem e leiam
tanto edições impressas como digitais, considerando muito pouco provável lerem
livros exclusivamente num destes formatos. Os não-leitores de e-books, por outro
lado, consideram provável que dentro de três anos leiam e comprem livros em ambos
os formatos, mas a percentagem de inquiridos que considera a possibilidade de ler
apenas livros impressos é superior à dos que prevêem ler apenas e-books.
Devido à escassez de dados sobre os hábitos de compra de e-books por parte da
população portuguesa, consideramos que a análise das principais livrarias online será
uma forma de complementar os dados apresentados pelo estudo de mercado da Porto
Editora. Deste modo procurar-se-á analisar a forma como os livros em formato digital
são apresentados aos potenciais consumidores, como se processa o acto de compra e

99
os tops de vendas de livros digitais das seguintes plataformas de e-commerce:
Kobo/Fnac, Wook, Leya Online, Bertrand, Almedina.net e Marka/MyEbooks 71.
A parceria entre a Fnac Portugal e a Kobo é estabelecida em 2012 e segue o que já
havia sido posto em prática em França – a cadeia de lojas multi-produto é o
representante exclusivo da marca de e-readers canadiana e a loja virtual criada para a
venda dos e-books disponibiliza títulos em mais de 60 línguas72. O lançamento da
plataforma de venda de livros digitais é feito em Setembro de 2012 e a parceria
apresentada como o elemento central da aposta da Fnac neste formato editorial73. Na
loja portuguesa da Kobo a oferta é constituída por e-books, e-readers, aplicações de
leitura (gratuitas) e cartões-oferta (e-gifts). As aplicações de leitura disponibilizadas
permitem que todos os potenciais leitores consigam ler os e-books que comprarem,
independentemente do equipamento que possuam. As aplicações permitem a leitura
num computador (de secretária ou portátil), smartphone, ou tablet. Para além das
aplicações, estão disponíveis para compra três modelos de e-reader: Kobo Glo, Kobo
Mini e Kobo Touch.
No que diz respeito aos e-books, a oferta de títulos é apresentada através de conjuntos
de propostas organizadas em torno de um tema comum, lista de novidades (Novos
Lançamentos) ou pesquisa por categorias – arte e arquitectura, banda desenhada,
biografias e memórias, casa e jardim, ciências e natureza, comidas e bebidas,
computadores, crianças e adolescentes, desporto, e-books ilustrados, entretenimento,
estudos sociais e culturais, família e relações, ficção – jovens adultos, ficção científica e
fantasia, ficção e literatura, gestão e finanças, história, mistério e suspense, referências
e línguas, religião e espiritualidade, romance, saúde e bem-estar, viagens. Estas vinte e
quatro categorias estão organizadas em sub-categorias de modo a permitir uma
pesquisa temática mais eficaz. No entanto, a língua da edição não é um critério que
possamos usar enquanto filtro de pesquisa. O top de vendas da Kobo/Fnac no dia 21
de Março de 2013 era constituído maioritariamente por títulos em língua portuguesa.
O grupo Leya é o editor nacional com mais títulos neste top, entre os quais os títulos
que ocupavam os três primeiros lugares: Perfeito Nazi, de Martin Davidson (Texto), Um
Homem de Partes, de David Lodge (Asa) e Procura dentro de Ti, de Chade-Meng Tan
71
A Marka tem vindo a apostar na diversificação dos serviços prestados na área da edição digital. Para
além da plataforma de vendas Marka|MyEbooks, em 2012 foram lançados dois serviços dirigidos aos
editores: Viriato e Astrolábio. Os dois serviços resultam da parceria estabelecida entre a Marka e a
EUEBOOKS (European Ebook Distributor), o primeiro é apresentado como o serviço que “oferece aos
editores a possibilidade de disponibilizarem eficientemente e de uma forma integrada os seus ebooks
nos mais importantes pontos de venda mundiais” (https://www.euebooks.com/viriato.aspx). O segundo
“foi especialmente concebido para os editores que desejam comercializar autonomamente as suas
obras em formato digital com os direitos de autor protegidos mas que não pretendem investir na
aquisição e manutenção de servidores de DRM” (https://www.euebooks.com/astrolabio.aspx). Em
Novembro de 2013, lança, ainda, uma plataforma online para a gestão de livros, livrarias e bibliotecas
digitais http://ileio.pt/.
72
http://www.kobobooks.pt.
73
Informação complementar sobre a estratégia da Fnac no tocante ao livro digital disponível em
http://www.culturafnac.pt/fnac-revoluciona-venda-de-ebooks-em-portugal/ e na notícia do Público
‘Fnac.pt começou a vender ebooks com a Kobo’, da autoria de Isabel Coutinho.

100
(Lua de Papel). A segunda editora mais presente é a Harlequín Portugal. Apesar de o
género ficção ser o mais presente neste top dos 50 títulos mais vendidos, os títulos
que ocupam o primeiro lugar incluem outros géneros literários – o primeiro lugar é
ocupado por um livro de história, o segundo por um de ficção (romance) e o terceiro
por um título de auto-ajuda. Para além de títulos publicados por editoras tradicionais,
neste top encontramos também títulos resultantes de auto-publicação – individual ou
através de plataformas existentes para o efeito. No que diz respeito a preços, o preço
médio dos títulos que compunham o top da Kobo/Fnac neste dia era de €7,28, tendo o
mais caro um preço de capa de €19,99 e o mais barato de €0,76. A grande maioria dos
títulos encontra-se protegida por DRM, apenas alguns auto-publicados não recorrem a
este sistema de protecção dos direitos autorais. Todos os e-books do top 50 foram
editados em formato epub.
Adicionalmente à possibilidade de adquirir e ler e-books, a Kobo/Fnac oferecem aos
seus leitores a oportunidade de experimentarem um tipo diferente de leitura, uma
leitura social, uma leitura enriquecida pelas dinâmicas da comunicação em rede. As
aplicações de leitura Kobo têm integradas funcionalidades para partilha do que se lê
(Kobo Reading Life), essa partilha pode ocorrer entre membros da comunidade
Reading Life74 (comunidade virtual dos leitores Kobo) ou com os contactos do
Facebook e/ou Twitter.
A livraria online do grupo Porto Editora apostou em 2012 na sua própria aplicação de
leitura de e-books, e-Wook. A aplicação está integrada com a nova plataforma de e-
commerce deste grupo editorial e permite ler e-books a partir de um browser, apesar
de não necessitar de ligação à Internet para a leitura, apenas para a actualização da
biblioteca de cada utilizador. Os livros em formato digital são um dos tipos de produtos
vendidos na Wook, nesta livraria virtual encontramos também edições em papel,
software e filmes75. No âmbito deste capítulo, será apenas analisada a secção de livros
digitais. A oferta é constituída por títulos em português e inglês. Dentro de cada uma
das áreas encontramos os títulos organizados em categorias, que tal como no site da
Kobo/Fnac facilitam a pesquisa dos livros disponíveis. As vinte e três categorias
disponíveis são as seguintes: Arte, Auto-ajuda, Ciências Exactas e Naturais, Ciências
Sociais e Humanas, Desporto e Lazer, Dicionários e Enciclopédias, Direito, Economia,
Finanças e Contabilidade, Engenharia, Ensino e Educação, Erotismo e Sexualidade,
Gastronomia e Vinhos, Gestão, Guias e Roteiros, História, Infanto-juvenil, Informática,
Literatura, Medicina e Saúde, Plano Nacional de Leitura, Política, Religião e Moral, e
Vida Prática. O top 10 de vendas de e-books da Wook, no dia 22 de Março de 2013, era
composto por dez títulos pertencentes à categoria literatura. O grupo Porto Editora é o
mais presente, seis dos dez títulos são publicações de chancelas deste grupo: A Filha
do Papa (Porto Editora), Refletida (5 Sentidos), Rendida (5 Sentidos), Em Parte Incerta
(Bertrand), A Vidente (Porto Editora) e A Mentira Sagrada (Porto Editora). O grupo

74
http://pt.kobo.com/koboaura#readinglife.
75
http://www.wook.pt/#.

101
Leya e a Planeta são os editores dos restantes títulos: S.E.C.R.E.T. e Sedução – Planeta,
e De Olhos Fechados e Diário Secreto De Uma Mulher, das chancelas Quinta Essência e
Asa do grupo Leya. O preço médio dos e-books mais vendidos pela Wook é de €12,24,
tendo o mais caro o preço de €12,99 e o mais barato de €9,48. No que diz respeito ao
formato, estes títulos estão todos disponíveis em epub, e encontram-se protegidos por
DRM.
A livraria digital do grupo, a Leyaonline, oferece também aos seus visitantes a
possibilidade de adquirirem livros em formato impresso e digital76. Tal como no caso
da Wook, a nossa atenção será focada apenas na análise da secção de livros digitais.
Esta livraria digital tem apenas disponíveis títulos das chancelas editoriais do grupo
Leya. Estes encontram-se organizados em 25 categorias: Análise de Obras, Arte, Auto-
ajuda, Banda Desenhada, Biografias/Memórias, Ciências da Educação, Ciências Exactas,
Ciências Sociais e Humanas, Culinária e Gastronomia, Divulgação Científica, Esoterismo
e Espiritualidades, Família, Fantástico, Ficção Científica, História e Política,
História/Crítica Literária, Humor/Sátira, Infantil e Juvenil, Literatura, Nutricionismo,
Poesia, Religião, Romance, Saúde e Turismo e Lazer. O top de vendas de e-books
destaca os cinco títulos mais vendidos neste formato. No dia 2 de Abril de 2013, este
top era composto por quatro romances nos primeiros quatro lugares, e no quinto um
livro de auto-ajuda: Uma Casa de Família (Asa), A Voz da Terra (D. Quixote), A Guerra
dos Mascates (D. Quixote), O Desejo (Quinta Essência) e Como Aproveitar ao Máximo a
Era Digital (Lua de Papel). O preço médio dos títulos mais vendidos é de €11,99, sendo
que este é o preço de capa de todos eles. Para além do preço, estes partilham também
o formato de edição digital – epub e a protecção DRM.
Para além de e-books das chancelas Leya, a Leyonline disponibiliza também livros
gratuitos, na secção Gratuitos – edições de autor realizadas sob a chancela Escrytos e
alguns títulos da colecção de livros de bolso Leya BIS cujos direitos autorais se
encontram no domínio público. As edições de autor publicadas através da Escrytos são
também vendidas nesta livraria online – secção Escrytos|Ed. Autor, e têm preços de
capa que variam entre €0 e €29,9977.
A Bertrand Livreiros online é a segunda plataforma de e-commerce do grupo Porto
Editora78. Tal como na Wook, aqui é possível adquirir edições impressas e digitais de
várias editoras. No que diz respeito à oferta de e-books, esta encontra-se organizada
em edições em português e em inglês, e dentro de cada secção nas mesmas categorias
identificadas na Wook. O top de vendas de livros digitais em língua portuguesa, do dia
2 de Abril de 2013, era constituído por obras de diferentes áreas temáticas, sendo, no
entanto, a categoria literatura a mais presente. Os três primeiros lugares eram
ocupados por um título de cada uma das seguintes categorias, respectivamente:

76
http://www.leyaonline.com/.
77
É, ainda, de destacar a colecção ‘Short Stories Dom Quixote’, colecção de short-stories de autores
nacionais que conta com sete títulos publicados até ao momento. Esta colecção só se encontra
disponível em formato digital. Os preços variam entre €0,98 e €1,49.
78
http://www.bertrand.pt/.

102
ficção, ciências sociais e humanas e história79. A editora com o maior número de títulos
do top 10 nessa data era a Edições Vercial (4 títulos), seguida dos grupos Porto Editora
e Leya com três cada. O preço médio das obras mais vendidas é de €10,97, sendo que
os preços variam entre €2,10 e €29,99. Nove dos dez títulos estão publicados em epub,
havendo apenas um em formato pdf. O DRM encontra-se associado a todos os e-books
vendidos no site.
A livraria do grupo Almedina, a Almedina.net, por sua vez, é uma livraria direccionada
para o público universitário, apostando no livro técnico e científico, sem descurar a
oferta de outros géneros literários80. Tal como na Wook e Bertrand online, a oferta de
títulos não se encontra circunscrita às chancelas do grupo editorial. Estão igualmente
disponíveis edições em papel e em formato digital. A oferta de e-books encontra-se
organizada em edições em português e internacionais, ambas organizadas em nove
categorias: Arte, Ciências, Ciências Económicas, Ciências Sociais e Humanas, Direito,
Diversos, Infantil e Juvenil, Literatura, e Livros Práticos. A lista dos dez títulos mais
vendidos do dia 2 de Abril de 2013 é composta por oito títulos em português, a ocupar
os oito primeiros lugares, e por dois em inglês. O livro técnico e científico é o género
predominante, havendo apenas uma obra de outra categoria – auto-ajuda. Cinco
desses títulos são das edições Almedina. O preço médio dos mais vendidos é de
€12,32, com uma variação entre €1,83 e €23,36. Oito desses títulos encontram-se
editados em formato epub, e dois em pdf. Todas as obras disponíveis na Almedina.net
têm protecção DRM.
A última plataforma nacional de venda de livros digitais em análise é a MyEbooks, da
Marka81. Esta foi lançada na edição de 2011 da Feira do Livro de Lisboa. A Marka já
disponibilizava e-books técnicos e científicos no seu site82 mas o lançamento do
MyEbooks foi acompanhado pelo alargamento da oferta. No momento da análise da
plataforma a oferta era composta por 11.974 títulos. Estes podem ser pesquisados na
secção Catálogo, ou nas secções Ebooks Portugueses e Assuntos, a primeira apresenta
todos os e-books disponíveis em língua portuguesa e a segunda os títulos organizados
em 19 categorias: artes, bibliografias e histórias verídicas, ciências da terra, geografia,
ambiente e planeamento, computação e tecnologia da informação, desporto, estilo de
vida e lazer, direito, jurisprudência e advocacia, economia, negócios, finanças e gestão,
educação de infantes e adolescentes, ensino da língua inglesa, humanidades,
informações de referência e matérias interdisciplinares, itens de ficção e relacionados,
linguagem e idiomas, literatura e estudos literários, matemática e ciência, medicina e
enfermagem, saúde e desenvolvimento pessoal, sociedade e ciências sociais, e
tecnologia, engenharia e agricultura. Entre os 14 títulos em português, encontram-se

79
Os três títulos mais vendidos nessa semana foram: Rendida (5 Sentidos/Porto Editora), Por que me
Mentes? Ensaio sobre a Face da Mentira (Escrytos/Leya), e Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel (Edições
Vercial).
80
http://www.almedina.net/catalog/index.php.
81
http://www.myebooks.pt/.
82
www.marka.pt.

103
edições da Biblioteca Nacional de Portugal que podem ser adquiridas ou requisitadas a
título de empréstimo pelo valor de €1 por cada 5 dias.
A lista dos 12 títulos em formato digital mais vendidos a 2 de Abril de 2013 era
composta por seis títulos em português, os seis primeiros, e seis em língua inglesa. A
lista é liderada pela obra da BN CDU: Classificação Decimal Universal, o segundo lugar
é ocupado pelo primeiro capítulo do romance colectivo O Grande Inquisidor, uma obra
escrita a várias mãos, cada capítulo corresponde a um e-book de um autor nacional.
Entre as editoras nacionais a Biblioteca Nacional é a que conta com mais obras entre
os mais vendidos. Os preços dos livros que integram o top 12 nesta data varia entre €0
e €89,99, sendo o preço médio €23,11. A maioria destes livros encontra-se publicada
em formato pdf.
A análise das principais livrarias online e dos seus tops de vendas de livros electrónicos
permite identificar algumas tendências no que diz respeito à venda de e-books em
Portugal. O género literário em destaque nos tops de vendas destas livrarias é a ficção.
Apesar de se considerar que o formato digital pode ser particularmente interessante
para o livro técnico e científico, os portugueses parecem estar a adquirir hábitos de
leitura digital de títulos de ficção. O epub começa a afirmar-se como formato
preferencial para a edição digital, e os preços dos e-books tendem a ser mais baixos do
que os impressos, apesar de estarem sujeitos a uma taxa de IVA mais elevada. A
maioria dos títulos mais vendidos corresponde a edições publicadas sob chancelas dos
principais grupos editoriais nacionais. No entanto, apesar da prevalência destes
grupos, é de destacar a presença de alguns projectos alternativos nestes tops – auto-
publicação, edições resultantes de um projecto académico e um romance colectivo. Na
próxima secção a atenção será centrada nos hábitos de leitura destes livros digitais. De
forma a consolidar a análise, teremos como ponto de partida os dados de dois
estudos: Estudo de Satisfação a Leitores de E-books (DECO, 2011) e Sociedade em Rede
2012 (Obercom, 2012).

Hábitos de leitura de e-books

O primeiro estudo que tem como objectivo caracterizar o leitor digital português é
conduzido pela Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (DECO) e
publicado em Dezembro de 2011. A DECO realiza um estudo comparativo em cinco
países: Portugal, Espanha, Itália, Bélgica e Brasil. Os dados foram recolhidos através de
um inquérito por questionário online. O convite para participação foi enviado por e-
mail e via newsletter, tendo como alvo os utilizadores de media digitais. A amostra
total do estudo é de 823 inquiridos.
De acordo com os dados recolhidos, em Portugal o leitor digital tende a ser do sexo
masculino com idades compreendidas entre os 18 e os 44 anos. Entre o total da
amostra é verificada a tendência para preferir o leitor de e-books para ler livros ou

104
outros documentos em formato digital, em detrimento de outros aparelhos, como o
computador pessoal, portátil, smartphone ou tablet. A maioria dos inquiridos afirma
utilizar o seu dispositivo de leitura digital pelo menos uma vez por dia (70%), enquanto
41% afirma fazê-lo várias vezes ao dia. Os leitores nacionais estão entre os que mais
usam os seus leitores. No respeitante à compra do aparelho de leitura, a tendência
verificada entre os inquiridos portugueses, bem como entre os brasileiros e belgas, é
para adquirir os leitores de e-books online, ao contrário do verificado nos outros dois
países – Espanha e Itália, onde os leitores afirmam adquirir os seus aparelhos em lojas
físicas. O valor médio investido entre 2009 e 2011 nestes cinco países para a aquisição
de um e-reader é de €164.
Quando questionados sobre o motivo principal que conduziu à compra, a maioria dos
inquiridos (79,1%) afirma que a decisão foi tomada por razões de ordem prática. Os e-
readers permitem armazenar um número elevado de títulos, o que facilita o transporte
e acesso a esses livros. O propósito de oferta ao/à companheiro/a é o segundo mais
apontado (5,7%), seguido de dificuldades de leitura (3,8%) e motivos profissionais
(3,8). Para além destes motivos, outros que impulsionaram a compra são: divertimento
(1,9%), para estar a par das novas tecnologias (1,9%), para os meus filhos (1,9%) e
outra razão (1,9%). O modelo mais popular entre os inquiridos é, à data, o Kindle, e-
reader da Amazon, os modelos preferidos são o Kindle 2 e o Kindle. Os aparelhos da
Amazon (Kindle, Kindle 2 e Kindle 3) são apontados como os mais satisfatórios. As
características mais apreciadas são, por ordem crescente de importância, a legibilidade
oferecida pela tecnologia de ecrã usada pela Amazon, o modo de funcionamento, a
possibilidade de ler diferentes formatos de e-books, a visibilidade do ecrã, a solidez
dos aparelhos, as funcionalidades de interactividade com o texto, a capacidade de
memória, a versatilidade na leitura de outros tipos de ficheiros e o tamanho dos
equipamentos.
No que diz respeito a hábitos de compra de livros em formato digital, a maioria dos
inquiridos nacionais (75%) afirmam ter adquirido ou feito download de pelo menos um
e-book em português nos três meses anteriores ao questionário. No total dos livros,
adquiridos ou arquivados nesse período de tempo, a média entre os inquiridos
nacionais é de 16 obras, dizendo respeito a títulos em português e em inglês. A livraria
online que conta com a preferência dos participantes portugueses neste estudo é a
Amazon, registando 48% das respostas. Com taxas de preferência mais baixas (5,4%,
cada), surgem a iBooks da Apple, a Mediabooks83 do grupo Leya e a Wook, do grupo
Porto Editora. Adicionalmente ao recurso a livrarias digitais, um quarto dos inquiridos
afirma recorrer também a redes peer-to-peer para download de livros em formato
digital. O género literário preferido pelos portugueses é a ficção.
O estudo conduzido pelo Obercom, por sua vez, tem objectivos muito diferentes –
monitorizar o desenvolvimento da utilização da Internet em Portugal. No âmbito das
práticas de utilização desta tecnologia de informação e comunicação foram incluídas

83
Actualmente a livraria do grupo Leya chama-se Leyaonline (Mediabooks).

105
as práticas de leitura digital, pelo que o questionário aplicado inclui um conjunto de
perguntas que permite caracterizar de forma preliminar os hábitos de leitura digital
em Portugal.
A caracterização das práticas de leitura digital em Portugal não é uma tarefa simples se
tivermos em conta que, por um lado, a leitura não é uma actividade abraçada
regularmente por uma percentagem significativa de portugueses, apesar do
crescimento no número de leitores verificado nos últimos anos84 e, por outro, a taxa
de penetração de dispositivos como e-readers e tablets é, ainda, reduzida. Os dados
recolhidos através do questionário ‘Sociedade em Rede 2011’, um inquérito aplicado a
uma amostra representativa da população portuguesa, revelaram que 72,7% não tinha
o hábito de ler livros e que 80,5% tendia a ler o mesmo ou menos do que há cinco
anos. A leitura de jornais e revistas contava com mais adeptos, no entanto, verificava-
se a mesma tendência de lerem o mesmo ou menos do que anteriormente. Quando
questionados sobre as actividades de lazer que teriam mais dificuldade em deixar de
fazer, ler livros estava entre as que seriam abandonadas com maior rapidez. Apenas
1,3% dos inquiridos consideravam difícil deixar de ler livros. E quando foi pedido para
indicarem as actividades com as quais tendiam a envolver-se mais, praticamente todas
as actividades relacionadas com a leitura eram relegadas para segundo plano: ler
jornais em papel, online e móvel, e ler livros em papel, online e móvel.
Neste contexto seria expectável que as práticas de leitura digital, em particular de e-
books, fossem marginais. Os dados então recolhidos corroboravam esta pressuposição.
Em finais de 2011 o acesso a tablets e e-readers era marginal – 1,5% e 1% dos
utilizadores de Internet, respectivamente. O acesso à Internet a partir de um
dispositivo móvel, por outro lado, contava já com a preferência de 21,7% dos
inquiridos utilizadores desta tecnologia de comunicação. Uma vez que o ciberespaço
disponibiliza uma grande variedade de conteúdos escritos, disponíveis através de
diferentes tipos de plataformas, esta tendência pode indiciar que apesar da não
centralidade dos livros nas práticas de entretenimento e consumo de informação dos
portugueses, a leitura digital pode estar a adquirir importância e a ser potenciada pelo
uso de dispositivos de comunicação móvel e também pelo uso de media sociais
online85.
A leitura de e-books era, ainda, residual entre os utilizadores de Internet nacionais em
2011, sendo que 95,1% afirmava não recorrer a este tipo de edições, e 86,7% afirmava
não fazer downloads nem ler livros online86. Os poucos utilizadores de livros digitais

84
O Plano Nacional de Leitura tem desempenhado um papel muito importante na promoção dos
hábitos de leitura em Portugal, sendo notório o seu impacto na valorização da leitura (da Costa, Pegado,
Ávila e Coelho, 2011).
85
Os sites de redes sociais são utilizados pela maioria dos utilizadores de internet – 73,4%. São a
segunda actividade de comunicação mais popular entre os internautas.
86
É interessante comparar estes dados com os recolhidos num inquérito por questionário online em 16
países, dois anos mais tarde, em 2013 (Cardoso e Cameira, capítulo 7). De acordo com esse estudo, 54%
dos internautas portugueses inquiridos afirma já ter lido um livro em formato digital. A diferença nos
resultados pode dever-se a um aumento do número de leitores digitais entre 2011 e 2013, anos de

106
dizem fazê-lo essencialmente por motivos académicos, e recorrem maioritariamente a
livros técnicos e escolares (45,1%). Os motivos mais apontados para a não leitura de
livros em formato digital são a preferência pelas edições impressas (34,6%), o facto de
não se possuir dispositivos de leitura digital (21%) e não ter hábitos de leitura (20,3%).
Entre os que afirmam estar familiarizados com edições digitais, as características mais
apreciadas são a possibilidade de ler em ecrã (32,1%), a capacidade de gravar os
conteúdos (19,7%) e os preços mais baixos deste tipo de produto ou a probabilidade
de serem gratuitos (19,5%).
A leitura de livros em formato digital ainda não é uma actividade à qual os
portugueses, genericamente considerados, tendam a dedicar tempo. No entanto, o
tempo passado online está muitas vezes relacionado com práticas de leitura e escrita
em diferentes plataformas online. Devido à relevância atribuída à leitura digital
enquanto promotora dos hábitos de leitura tem sido feito um esforço por diferentes
intervenientes do sector do livro para incentivar a disseminação deste tipo de leitura.
A nível nacional tem havido uma aposta na aproximação dos mais jovens às novas
dinâmicas da leitura. A Fundação Calouste Gulbenkian e a Rede de Bibliotecas
Escolares têm desempenhado um papel preponderante ao apoiarem projectos de
promoção da leitura digital. As bibliotecas escolares têm sido os espaços preferenciais
para estudar o potencial dos conteúdos digitais na promoção dos hábitos de leitura
entre os mais novos. No que diz respeito ao incentivo da população adulta, as
bibliotecas públicas, municipais e especializadas têm procurado complementar a sua
oferta com conteúdos digitais. Paralelamente à vontade de disponibilizar conteúdos
em diferentes formatos, tem havido um investimento na formação dos bibliotecários
para poderem encaminhar e acompanhar os leitores na aproximação à leitura digital87.
Adicionalmente ao trabalho que tem vindo a ser desenvolvido pelas bibliotecas, a
relevância da leitura digital tem sido também tida em conta pelos meios de
comunicação de massa. O investimento em versões digitais dos seus conteúdos
impressos foi feito pela maioria das publicações periódicas nacionais, desde que o
acesso à Internet se começou a generalizar no nosso país. Com o aparecimento de
dispositivos móveis de acesso à Internet como os smartphones e os tablets, o enfoque
do investimento em conteúdos digitais é alargado, da presença online nos seus sites e
em media sociais online, as publicações nacionais procuram também estar disponíveis

recolha dos dados nos dois estudos. Contudo, apesar do aumento do número de leitores ser também,
certamente, um dos motivos, consideramos que o facto de no início do questionário mais recente se
clarificar o que se entende por um livro digital contribuiu para esclarecer que este não se cinge apenas
ao formato epub ou mobi, por exemplo (“quando falamos de ‘leitura digital’, referimo-nos a todos os
tipos de leitura que podem ser feitos utilizando dispositivos digitais - computador, telemóvel, e-Reader,
tablet…; quando falamos de ‘livro digital’, referimo-nos a livros em diversos formatos - pdf’s, html,
imagem; e-book – mobi, epub, xml, etc.).
87
A Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas e Documentalistas tem organizado diversas
acções de formação centradas nas tecnologias digitais, tendo como público-alvo profissionais da
informação – mais informação disponível no portal da associação,
http://www.apbad.pt/Formacao/Continua/formacao_calend.htm.

107
para os seus leitores através de aplicações. Este esforço tem sido, sem dúvida,
importante para aproximar os leitores de periódicos do ambiente digital
contemporâneo. De acordo com a edição de 2012 do Bareme Internet, da Marktest,
metade dos portugueses consome informação noticiosa online, e os jornais nacionais
são procurados pela maioria destes leitores digitais88.
A importância crescente da edição digital de diferentes conteúdos começa, também, a
influenciar as campanhas de venda e oferta de produtos especiais que têm vindo a ser
desenvolvidas pela maioria das publicações periódicas nacionais nos últimos anos. O
Diário de Notícias dedicou uma dessas campanhas à promoção dos livros digitais – DN
Biblioteca Digital. A colecção é constituída por 31 contos inéditos de autores nacionais,
sendo cada conto um e-book. Os títulos estão disponíveis de forma gratuita, o único
requisito para se poder fazer download é estar-se registado no site deste diário. Os
livros estão disponíveis em três formatos: epub, mobi, pdf. A oferta dos contos nestes
três formatos assegura a compatibilidade dos ficheiros com diferentes dispositivos de
leitura digital – computador, e-reader, tablet e smartphone, por exemplo89.
A iniciativa levada a cabo pelo Diário de Notícias indicia a relevância que começa a ser
atribuída aos livros em formato digital em Portugal. Independentemente do livro
digital ainda não desempenhar um papel tão importante para o sector editorial
nacional como já se verifica noutros países, nos últimos dois anos o investimento feito
neste formato revela a tomada de consciência para o seu potencial.

Algumas conclusões

O setor editorial nacional é caracterizado pelo predomínio de editoras independentes,


mas com uma tendência crescente para a concentração – nos últimos anos temos
assistido à integração de editoras diversas em grupos editoriais. A maioria dos
conteúdos publicados tem como suporte o papel e entre os géneros mais publicados
destacam-se títulos nas áreas das Ciências Sociais e Humanas, Literatura, Actualidades
e Ensaios e Infanto-juvenil (ver capítulo 1). O canal Internet é ainda pouco utilizado
para a compra de livros mas encarado por uma parte significativa das editoras como
um meio eficaz para estabelecer um contacto mais próximo com os leitores. Para além
destes aspectos, o mercado editorial é regulado pela Lei do Preço Fixo e existe uma
taxa reduzida de IVA para o produto livro, no entanto esta é apenas destinada a
edições impressas.
A edição de e-books apesar de ser ainda pouco representativa, começa a ganhar
importância. Nos últimos anos surgiram projectos editoriais alternativos centrados na
auto-edição, livros digitais e impressão a pedido. O recurso a meios de comunicação
88
A notícia sobre os hábitos de leitura de notícias pode ser lida no portal do Jornal de Notícias, em
http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Media/Interior.aspx?content_id=2892030.
89
Mais informação sobre esta colecção disponível em
http://www.dn.pt/Especiais/bibliotecadigital.aspx.

108
digital cresceu significativamente nos últimos anos (principalmente a presença em
sites de redes sociais). Entre as editoras que mais apostam no formato e-book
encontram-se chancelas dos grupos Leya, Porto Editora/Bertrand Círculo e Almedina,
Centro Atlântico, Princípia, Nova Delphi, INCM, Planeta e Edições Biblioteca Nacional
de Portugal. A maioria dos e-books encontra-se protegida por DRM e os formatos mais
usados na publicação digital são o pdf e o epub.
As principais plataformas de venda de e-books em Portugal são a Kobo/Fnac, Wook,
Leya Online, Bertrand.pt, Almedina.net e Marka/Myebooks. Entre os e-books mais
vendidos nestas lojas online, a maioria são títulos em português, do género ficção e
em formato epub. O preço dos e-books tende a ser mais baixo do que o das edições
impressas e a maioria dos títulos mais vendidos corresponde a edições publicadas sob
chancelas dos principais grupos editoriais nacionais.
O futuro do livro digital em Portugal parece passar pelas políticas de incentivo à leitura
num formato alternativo, bem como pela aproximação dos editores nacionais aos
novos formatos. A edição digital pode ser uma das soluções para a revitalização do
sector editorial nacional. As vendas do livro impresso estão longe de acompanhar o
número de exemplares produzidos. Por outro lado, o número de utilizadores de
Internet e de diversas plataformas de leitura-escrita online contínua em crescimento.
Os hábitos comunicacionais e de pesquisa de informação estão a mudar. Isto significa
que consequentemente as práticas de leitura também sofrem uma transformação.
Vivemos um momento de mudança e torna-se premente que os editores
compreendam a nova realidade e que tentem tirar o melhor partido possível das novas
formas de leitura e comunicação em rede.

109
Referências bibliográficas

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Avaliação do Plano Nacional de Leitura: Os Primeiros Cinco Anos, Lisboa, CIES/PNL,
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Tian, X. e B. Martin (2010), “Digital Technologies for Book Publishing”, in Publishing
Research Quarterly, vol. 26, nº 3, pp. 151-167.

110
PARTE II

GEOGRAFIAS SOCIAIS DA LEITURA E DA INTERNET

111
Resgatando-se à palavra geografia quer a sua acepção de configuração, no que isso
supõe de descrição de um determinado campo ou área (da leitura, para o que aqui
interessa, seja no formato papel seja no formato digital), quer um sentido mais literal
ou imediato que remete para a própria ideia de demarcação entre países, é possível,
então, reunir um conjunto de diversos enfoques que se esforçam em compreender
diferenças sociais sociologicamente observáveis a respeito das práticas de leitura e do
acesso e usos da Internet, condição sine qua non para que se possa hoje falar de
leitores digitais. Em boa verdade, o percurso pelos vários inquéritos que em Portugal,
ao longo dos anos, se dedicaram ao retrato da leitura realizada em suporte papel
(prestando atenção ao seu grau de evolução, àquilo que são os perfis sociais dos
leitores, os determinantes sociais da leitura, o que obriga portanto à ponderação de
alterações estruturais da sociedade portuguesa), desempenha essa função primordial
de nos pôr diante de uma série de antecedentes em matéria de estudos sobre esse
domínio das práticas culturais ou de lazer. Como é dito no capítulo que abre esta
parte, o facto de as análises levadas a cabo até 2007 - data dessa altura o último
inquérito em torno da leitura feito à população portuguesa - “não [reflectirem] ainda a
actual era digital”, isto é, não a problematizarem em termos analíticos, contrasta com
o que sucede no âmbito internacional, sobretudo nos anos mais recentes, em que
múltiplos são os objectivos e ângulos de abordagem, as realidades nacionais sob
escrutínio ou mesmo os segmentos sociais alvo de inquirição (das crianças e jovens aos
adultos, da população em geral aos estudantes universitários) mas pretendendo
caracterizar a leitura de textos que acontece digitalmente, por exemplo do ponto de
vista da sua proficiência, do tipo de dispositivos adoptados, dos géneros lidos online,
da frequência com que tais práticas ocorrem ou das motivações ou representações
que envolvem. O último texto da secção, além de proceder a uma caracterização
global da Internet (Portugal surge visto numa perspectiva comparada), das línguas que
aí têm maior presença no que aos conteúdos disponibilizados se refere e da utilização
dos chamados novos dispositivos digitais, avança a premissa de que a Internet,
revelando variações sociais na sua procura como fonte de informação, de comunicação
ou de entretenimento, constitui um espaço dos lugares, de áreas geo-linguísticas, “a
seguir alguns princípios organizativos assentes nas características contextuais de cada
sociedade”, vindo no fundo sobressair o facto de que para se pensar os tipos de
consumo de conteúdos ou de leituras digitais há que ter presente as camadas de
diferenciação que a Internet vem acrescentar, estruturando diferentes perfis de
utilizadores da rede, em virtude dos seus distintos modos de implementação e
desenvolvimento conforme o país em causa.

112
4

Práticas de leitura em Portugal

José Soares Neves

113
Introdução

A leitura é uma das práticas mais estudadas pelas ciências sociais. Os primeiros
estudos sociológicos foram realizados após a primeira Guerra Mundial. Em Portugal foi
uma das primeiras práticas culturais a ser estudada numa perspetiva sociológica. Em
vários países têm sido realizados com alguma regularidade inquéritos à população,
especificamente sobre práticas de leitura ou que a incluem entre outras práticas
culturais e de lazer. Isso permitiu acompanhar a evolução e a identificação das
principais tendências quanto aos níveis de leitura em suporte papel e, nos anos mais
recentes, as implicações das novas tecnologias da informação, a emergência das
práticas de leitura em suportes digitais, em écrans, e as relações entre a leitura num e
noutro suporte, os diferentes usos e as desigualdades sociais das práticas. Contudo,
são inúmeras as dimensões cujo conhecimento permanece na penumbra.
Em Portugal o último inquérito sobre hábitos e práticas de leitura da população
remonta a 2007. Apesar de não muito distante no tempo, por essa altura a oferta de
publicações eletrónicas, nas vertentes de conteúdos, designadamente e-books, e de
equipamentos específicos era ainda muito restrita. Embora o inquérito inclua questões
sobre acessos e usos a conteúdos eletrónicos situa-se ainda no paradigma da leitura
em impresso. Conquanto a informação até agora disponível não se esgote no referido
inquérito ele constitui a fonte mais detalhada e permite não só traçar o quadro geral
existente nessa altura como sobretudo estabelecer um ponto de comparação com
vista a esclarecer o percurso até então percorrido na sociedade portuguesa nesta
matéria.
Neste capítulo procura-se compreender de onde partimos à luz dos estudos
extensivos sobre práticas de leitura. Após situar historicamente os estudos sobre a
leitura, referir as principais tendências e abordar os determinantes sociais das práticas
de leitura e os perfis dos leitores, passa-se à análise da realidade portuguesa quanto às
práticas de leitura em várias dimensões. A principal base empírica desta análise é o
inquérito A Leitura em Portugal, o relatório publicado em 2007 (Santos, Neves, Lima e
Carvalho, 2007) e aprofundamentos posteriores dos dados (Neves, 2011).

114
Perspetiva histórica dos estudos

Com maior ou menor incidência numa ou noutra problemática consoante as tradições


nacionais e a época em causa, os primeiros estudos sobre a leitura estão ligados às
bibliotecas públicas, às políticas públicas e às editoras de livros. Nos EUA os estudos
tiveram nas bibliotecas públicas o principal foco, ao passo que na Europa foi a edição
de livros (Steinberg, 1972: 745).
A origem dos estudos que tomam a leitura e os leitores como objeto empírico
situa-se no primeiro terço do século XX, em particular no período que medeia entre as
duas grandes guerras, e tem por base abordagens da psicologia e da sociologia
(Steinberg, 1972: 745). São pioneiros os trabalhos de N. Roubakine, na URSS, de W.
Hoffman, na Alemanha, e D. Waples e B. Berelson, nos EUA (Donnat, Freitas e Frank,
2001: 7; Seibel, 1995).
Os inquéritos nacionais são motivados por problemas sociais e políticos e derivam
das necessidades de conhecimento sobre os utilizadores das bibliotecas públicas e os
leitores e compradores de livros. Os inquéritos dirigem-se especificamente à leitura ou
consideram-na como uma entre outras práticas culturais e de lazer. A temática da
democratização do acesso aos bens e serviços culturais é particularmente influente.
Em França vários inquéritos sobre práticas culturais e de leitura foram realizados após
a criação, em 1959, do Ministério da Cultura (Seibel, 1995; Hersent, 2000; Poulain,
2004). De acordo com Augustin Girard, a origem de tais inquéritos é mais institucional
do que universitária, mais económica do que cultural (Girard, 1997: 297-299), mas
outros autores destacam os estudos promovidos por empresas de sondagens, por
investigadores e por bibliotecários (Robine, 1980). Em 1960 foi realizado o primeiro
inquérito nacional sobre o livro e a leitura encomendado pelo Syndicat National de
L’Édition, em 1967 o INSEE integrou a leitura nas práticas de lazer e em 1973 o
Ministério da Cultura considerou-a uma prática cultural (Seibel, 1995: 15-27).
Na Holanda os estudos sobre a leitura assentam em grande parte nos inquéritos à
ocupação do tempo realizados primeiro pelo instituto de estatística (entre 1955 e
1962) e depois (entre 1975 e 1995) pelo Social and Cultural Planning Office (Knulst e
Kraaykamp, 1998). Nos Estados Unidos da América (EUA), nas décadas mais recentes,
os inquéritos sobre participação (Survey of Public Participation in the Arts, SPPA)
realizados pelo National Endowment for the Arts são uma fonte fundamental na
aferição dos níveis de leitura no país (Bradshaw e Nichols, 2004). Em Espanha, o
primeiro inquérito foi levado a cabo em 1974 pelo instituto de estatística (Encuesta de
hábitos de lectura), a que se seguiram outros realizados pelo Centro de Investigaciones
Sociológicas (1998 e 2003) e pela Federación de Gremios de Editores de España (Ariño,
2010: 14-15; CONECTA, 2012). Isto para além dos vários inquéritos sobre práticas
culturais que incluem a leitura, o último dos quais se reporta a 2011 (MC, 2011). E,
noutras latitudes, no espaço latino-americano o Chile foi o primeiro a realizar, em
1999, um inquérito quantitativo sobre a leitura, a que se seguiram vários outros países,

115
inquéritos em geral promovidos pelas tutelas da cultura e/ou pelas associações
profissionais do sector do livro (Schroeder, Cifuentes, Barrero e Steenkist, 2008: 250).

Estudos em Portugal

Em Portugal uma das primeiras incursões feitas na perspetiva da sociologia da leitura90


foi realizada por José Manuel Tengarrinha nos anos setenta do século passado. O
estudo, por inquérito extensivo aos leitores de “novelas”, teve por base uma amostra
de leitores das bibliotecas da Fundação Calouste Gulbenkian (Tengarrinha, 1973). Dez
anos depois o autor publicou outro estudo reportado ao fim do regime monárquico e
intitulado “Uma incursão histórica na psicossociologia da leitura” (Tengarrinha, 1983).
Entre 1983 e 2011 os estudos extensivos à população, com dados sobre práticas de
leitura, de âmbito nacional91, podem ser arrumados em quatro grandes grupos: (1)
específicos sobre práticas de leitura; (2) específicos sobre leitura mas direcionados
para determinados segmentos da população; (3) direcionados para outras temáticas,
mas que incluem a leitura de livros como prática cultural; (4) direcionados para outras
temáticas mas que incluem as práticas de leitura e Portugal numa perspetiva
comparativa internacional (Neves, 2011).
Avançam-se aqui alguns elementos relativamente aos grupos 1, 3 e 4. Os primeiros
estudos específicos foram inicialmente promovidos pelas associações profissionais do
sector da edição e, posteriormente, pela tutela da cultura. O Estudo Hábitos de Leitura
e Compra de Livros, promovido pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros
(APEL), remonta a 1983 e é o mais antigo. Foi realizado anualmente até 2004, com
exceção de 1984 e 1998, ou seja, foram realizados 20 inquéritos em 22 anos,
comparáveis entre si (APEL, 2004). Em 2005 a APEL realizou ainda um outro estudo,
Hábitos de Leitura, mas com um método diferente e portanto com fortes limitações
comparativas (APEL, 2005). Em 2003, a UEP (União de Editores Portugueses), a outra
associação de editores então existente92, realizou e divulgou também um estudo, O
Comportamento dos Consumidores do Livro em Portugal (UEP, 2003).
Todos os estudos foram encomendados diretamente a empresas de estudos de
mercado ou de sondagens e foram objeto de crítica logo nos primeiros anos (Moura,
Cabral, Guedes e Furtado, 1986: 14). Ao contrário de outros países, como por exemplo
França (Horellou-Lafarge e Segré, 1996: 50-56) ou Espanha (Ariño, Castelló, Hernandéz

90
Para uma perspetiva histórica de diversas abordagens sobre leitura e leitores no arco temporal que
vai de 1926 a 1987 ver Melo (2004: 207-279). Note-se, contudo, que este levantamento inclui
referências com diferentes enfoques disciplinares e, sobretudo, diferentes universos e níveis de
representatividade.
91
Tenha-se em conta que, com exceção dos inquéritos da responsabilidade do INE, “nacional” significa
por norma Portugal Continental.
92
A UEP foi criada em 1999 na sequência da cisão ocorrida na APEL. Viria a ser extinta em 2009 e os seus
associados integrados na APEL (Beja, 2011: 349-350).

116
e Llopis, 2006; Ariño, 2010), os inquéritos promovidos pelas associações profissionais
mantiveram-se, e foram mantidos, à margem pela comunidade científica.
Todavia, o método de inquirição, as dimensões inquiridas, a longevidade e a
comparabilidade justificam uma referência aos resultados dos estudos até 2004 em
quatro planos: perfis sociográficos dos leitores; taxas de leitura e tipos de leitores;
taxas de compra de livros e tipos de compradores de livros; tempo semanal dedicado à
leitura de livros.
Quanto aos perfis sociográficos dos leitores os estudos revelam, em síntese, quanto ao
livro, que: as mulheres se destacam, bem como os mais jovens, sendo que a
percentagem de leitura de livros é superior à média nacional nos indivíduos com
idades até aos 34 anos (e com a percentagem máxima situada no escalão 15-19); a
percentagem de compra de livros é mais elevada nos grupos etários até aos 40 anos,
embora a máxima se situe igualmente no grupo 15-19 anos; do ponto de vista da
escolaridade os inquiridos com nível médio/superior e superior apresentam taxas de
leitura e compra de livros muito acima da média; nas localidades urbanas com
densidade populacional superior a 1.000 hab/km2 as percentagens de leitores de livros
são superiores à média nacional, particularmente nas cidades de Lisboa e Porto; e a
percentagem de leitores de livros é superior à média nacional nos níveis
socioeconómicos mais elevados (os designados níveis AB e C1).
A taxa de leitores de livros tem uma amplitude assinalável93, varia entre 33% em 1988
e 54% em 1997. No conjunto dos 20 inquéritos em apreço a média dos que costumam
ler livros é 45%. A segmentação por década permite verificar que os valores dos anos
oitenta são em geral mais baixos do que os das seguintes: a média, naquela década, é
40%, na de noventa passa para 47% e nos primeiros cinco anos do século XXI é 45%. De
qualquer modo, portanto, os leitores de livros apenas episodicamente terão
ultrapassado os 50%.
No que se refere aos leitores por número de livros crescem os pequenos (1-5 livros
lidos anualmente, que passam de 16% para 18% no período em causa) e os médios (6-
20 livros, de 11% para 18%). Evolução inversa regista a categoria dos grandes leitores
(os que declaram ler mais de 20 livros por ano, de 8% para 2%) que acentua portanto o
seu caráter minoritário.
A taxa de compra de livros apresenta igualmente oscilações anuais assinaláveis. Em
1988 é de 27%, percentagem que sobe para 53% em 1992. Contudo, em 2004 é de
46%. No conjunto dos anos a média é de 42%. A análise dos compradores de livros
mostra uma evolução similar à dos leitores, embora com variações mais modestas:
crescem os pequenos (com 1-5 livros comprados anualmente, de 10% para 15%) e os

93
Estas oscilações, na ausência de análises interpretativas dos dados, suscitaram perplexidade em
agentes ligados à mediação do livro, potenciada pelas elevadas expectativas colocadas na existência
deste tipo de informação, considerada muito relevante (ver Nunes, 1998: 124-125).

117
médios (6-10 livros, de 12% para 15%) e diminuem os grandes (mais de 11 livros, 15%
para 10%).
Aqueles que estão a ler um livro no momento da inquirição oscilam entre 33% em
1991 e 58% em 2003, sensivelmente a mesma percentagem registada em 2004. O
tempo semanal dedicado à leitura de livros evoluiu no sentido da sua diminuição, ou
seja, tomando apenas como referência os dois escalões extremos considerados, e nos
anos limite, a percentagem relativa aos que lêem menos de 2 horas por semana passa
de 25% em 1983 para 33% em 2004 e a correspondente aos que lêem mais de 14
horas de 7% para 3%94.
No estudo de 2004, 44% declara-se leitor de livros e 72% de jornais ou revistas. Ainda
quanto aos leitores de livros, quase metade (48%) são leitores actuais (leram o último
há menos de 1 mês) e a grande maioria dos leitores lê por gosto (91%), livros não
escolares nem técnicos (90%).
Na sequência do já referido “Relatório da Comissão do Livro” (Moura, Cabral, Guedes e
Furtado, 1986), foi realizado em 1988 o primeiro inquérito sociológico, Hábitos de
Leitura em Portugal, (Freitas e Santos, 1992) que visava “clarificar as principais
características da população na sua relação com a leitura”, obter uma “resposta
genérica à questão do balizamento social da leitura”, no fundo determinar o “estado
das coisas” em matéria de leitura entre a população por via da resposta a questões tais
como: quem lê? O que lê? Com que frequência? Que e quantos livros se possuem?
Quem compra livros, e quantos? Onde se realiza o aprovisionamento de livros? Qual o
lugar da leitura entre as escolhas culturais? (Freitas e Santos, 1992: 13). Dois anos
depois, em 1990, foi realizado um outro inquérito por um centro de investigação no
âmbito do estudo O Mercado do Livro em Portugal (Gaspar, Cavaco, Fonseca, Duarte,
Ferreira, Seixas e Barroso, 1992: 93-141). O segundo inquérito sociológico, Hábitos de
Leitura: Um Inquérito à População Portuguesa decorreu em 1995 (Freitas, Casanova e
Alves, 1997). E em 2006/2007 foi realizado o terceiro inquérito sociológico, A Leitura
em Portugal (LP) (Santos, Neves, Lima e Carvalho, 2007). Importa ter em conta que,
embora o método utilizado nos inquéritos seja próximo (por exemplo quanto à
população, com 15 e mais anos, alfabetizada), as comparações são limitadas até
porque este último estudo contempla já evoluções entretanto ocorridas na esfera
cultural e na leitura: quanto aos contextos de leitura; quanto à frequência de
bibliotecas; quanto às novas tecnologias da informação e comunicação (TIC) (Santos,
Neves, Lima e Carvalho, 2007: 18).
No que se refere aos estudos do grupo 2, a leitura de livros como prática cultural,
por prazer, sem ser escolar ou profissional, e de jornais e/ou revistas estão
normalmente presentes em pesquisas com outras temáticas. São estudos sobre
práticas culturais da população (Gaspar, 1985-1988), ou que as incluem (Lopes,

94
O aumento das percentagens dos que lêem menos tempo é concomitante com a descida acentuada
das não respostas que caíram de 20% para 5% no período em causa.

118
Coelho, Neves, Gomes, Perista e Guerreiro, 2001)95, sobre práticas culturais dos jovens
entre os 15 e os 29 anos (Pais, Cabral, Ferreira, Ferreira e Gomes, 2003), sobre literacia
(Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996) ou sobre educação e formação de adultos (INE,
2009a; INE, 2009b: 37).
Relativamente aos estudos do grupo 3, embora mais raros, estão disponíveis alguns,
os quais têm igualmente em comum incluírem questões sobre leitura de livros como
prática cultural e de jornais e/ou revistas. Entre esses está o International Adult
Literacy Survey (IALS) que se reporta a 20 países (OECD e Statistics Canada, 2000); os
inquéritos sobre participação/práticas ou valores culturais promovidos na Comissão
Europeia (Eurobarómetro, 2001; 2003; 2007); e, ainda neste âmbito, o Adult Education
Survey do Eurostat (Beck-Domzalska, 2011: 176-183).

Evoluções nas práticas de leitura

Assiste-se, nas sociedades ocidentais, a diferentes evoluções da leitura e da leitura de


livros por prazer. Por um lado, constata-se a generalização da leitura na vida
quotidiana, por outro, evidencia-se o declínio dos leitores de livros como prática
cultural, designadamente dos “grandes” leitores. A partir de meados da década de
oitenta, vários estudos procuraram explicar o referido declínio, notório em países com
mais elevados níveis de leitura, explicação que incidiu primordialmente nos
concorrentes mais populares, a televisão em particular, mas também noutras
atividades de lazer. Philippe Coulangeon constata que o número dos não-leitores (os
que não leram nenhum livro nos últimos 12 meses) diminui ou estabiliza, mas o dos
grandes leitores (os que lêem mais de 12 livros por ano) também (Coulangeon, 2005:
37). Ou seja, a progressão global da leitura é concomitante com uma diminuição da
intensidade das práticas individuais, evolução também justificada com o contexto geral
de declínio das práticas culturais cultivadas, “legítimas” (Dumontier, Singly e Thélot,
1990: 63-64).
Laurent Fleury, por seu turno, adianta três interpretações para a diminuição dos níveis
de leitura. A primeira é que se assistiu a uma espetacular diversificação das atividades
de lazer. Da conjugação da diversificação de lazeres com a grande progressão dos
consumos audiovisuais resulta que a inscrição da leitura no tempo e espaço dos
lazeres se torna mais delicada. A segunda interpretação é que ela se deve às
transformações dos atos de leitura. Deste ponto de vista, a questão não será tanto ler
menos mas sim o desenvolvimento de novos usos do livro e do impresso. Dito de outro
modo, não se lê menos, lê-se diferentemente. A leitura técnico-científica,
fragmentada, utilitária, rentável, substituiu-se à leitura desinteressada. E a diminuição
entre os jovens é interpretada como um efeito perverso de uma concentração

95
Trata-se, em concreto, do módulo sobre "práticas de lazer/recreação" incluído no inquérito à
ocupação do tempo.

119
demasiado forte da pedagogia escolar no livro. Em terceiro e último lugar considera
que a diminuição da quantidade de livros lidos se explica também pela perda relativa
do valor simbólico da leitura e do poder distintivo no seio do universo adolescente, a
geração socializada com as novas tecnologias de informação (Fleury, 2006: 41-43).
Nos EUA, os quatro Survey of Public Participation in the Arts, realizados entre 1982 e
2002, mostraram um declínio percentual continuado da leitura, em especial de
literatura, declínio que se manifesta em todas as categorias sociais, mas mais
acentuadamente entre os jovens adultos (NEA, 2007). A leitura de literatura por parte
da população americana decresceu 10 pontos percentuais nesse período (de 57% para
47%), sendo que, de 1992 para 2002, a quebra foi de 7 pontos percentuais (de 54%
para 47%). Contudo, importa frisar que no SPPA de 2008 se inverte a tendência de
declínio da leitura de literatura (que sobe de 47% para 50%) até aí verificada – inversão
atribuída aos programas públicos de promoção da leitura postos em prática – mas este
último valor é ainda inferior ao apurado em 1992 (NEA, 2009)96.
Na Holanda, Knulst e Kraaykamp (1997) constatam duas tendências opostas: por um
lado, o tempo passado a ler parece aumentar à medida que as pessoas envelhecem, o
que poderia traduzir-se num aumento da média de tempo passado a ler já que a
população está a envelhecer. No entanto, isto não acontece porque há um segundo
fator que entra em jogo: o efeito geracional. O significado da leitura enquanto parte da
formação das pessoas tende a diminuir. Nas gerações mais recentes já não se verifica o
aumento do tempo dedicado à leitura à medida que avançam na idade. Este facto é
paradoxal já que estas são as gerações que tiveram mais oportunidades a nível
educativo. Mais concretamente, os autores consideram quatro possíveis explicações
para o declínio da leitura: (a) cada vez maior falta de tempo na vida quotidiana; (b)
aumento do número de alternativas de lazer; (c) aumento da oferta de produtos
ligados à leitura escolar e profissional na vida quotidiana; (d) cada vez maior rivalidade
com a televisão.
A diminuição da leitura parece ser a tendência geral. Contudo, vários estudos dão
conta de resultados contraditórios. Por exemplo, na Bélgica, mostram a erosão dos
leitores de jornais regulares (Bouillin-Dartevelle, Thoveron e Noël, 1991: 164), sendo
que outros reforçam a ideia de que o decréscimo da leitura de livros não significa a
quebra da leitura (Toivonen, 2006). Nos casos holandês e norte-americano, ao
contrário do caso francês, o declínio da leitura far-se-á sentir mais nos leitores
ocasionais do que nos grandes (avid) leitores (Griswold, 2007: 3-6). E em Espanha o
que se verificou foi o crescimento da taxa de leitura e das taxas de leitores frequentes,
quer de livros quer de jornais (Ariño, 2010: 77-78).
Mas também a contaminação do tempo dedicado ao lazer pelas leituras escolares e
profissionais deve ser referida, ou seja, o aumento dos estímulos, entre os adultos,
para as leituras formativas, por vezes escolares, e profissionais (a formação ao longo

96
Se se extrapolar os valores percentuais para a população, o número de leitores em 2008 é superior ao
registado em 1982 (95,6 e 112,8 milhões, respetivamente).

120
da vida) no contexto doméstico, o contexto por excelência da leitura de livros por
prazer. Ou seja, as práticas de leitura de lazer enfrentam não apenas a concorrência de
outras práticas e lazeres culturais, mas também das leituras realizadas noutros
contextos. Recorrendo de novo ao caso francês, a percentagem da população que lia
livros úteis do ponto de vista profissional passou de 20% em 1989 para 27% em 1997,
pelo que os usos utilitários do livro relacionados com a formação e a atividade
profissional poderão explicar o recuo da leitura de ficção que, excetuando os romances
policiais, se verificou depois de 1989 (Donnat, 1998: 174).
De um modo mais geral, Wendy Griswold, Terry McDonnell e Nathan Wright
consideram que, ao mesmo tempo que a leitura se vem generalizando nas sociedades
contemporâneas ocidentais, o grupo dos grandes leitores é (como, de resto, sempre
foi), um grupo minoritário, distinguindo, assim, cultura de leitura (as sociedades em
que a leitura é socialmente valorizada e tende a ser uma prática generalizada) de
classe de leitores (uma formação social específica que lê habitualmente livros por
prazer e por necessidades profissionais) (Griswold, McDonnell e Wright, 2005).

Determinantes sociais da leitura e perfis de leitores

Nas últimas décadas, as principais características do perfil geral dos leitores


permaneceram constantes. A escolaridade é a principal variável explicativa. As
mulheres leitoras são mais do que os homens. Os mais jovens, os que têm
rendimentos mais elevados, os residentes em áreas urbanas e suburbanas,
metropolitanas97 estão normalmente sobrerepresentados (Griswold, 2000: 95;
Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 129; Griswold, 2007: 2; Griswold, 2008: 46-47). O
sexo e o diploma são as variáveis destacadas por Baudelot, Cartier e Detrez (1999: 16),
e Ariño destaca o sexo, a idade e o estatuto ocupacional (os estudantes lêem mais do
que os ativos), para além da escolaridade (2010: 79-83). Outros autores acrescentam
ainda, entre as caraterísticas dos que mais lêem, o estado civil de divorciado, o regime
de trabalho a tempo parcial e a categoria “professionals and managers” (Hendon, Rees
e Verdaasdonk, 1987: 209-210).
O que determina níveis mais elevados de leitura, em particular de livros, é a
escolaridade. Uma ilustração baseada num estudo recente para o conjunto dos 27
países da União Europeia confirma que quanto maior o número de anos de
escolaridade, mais elevada a percentagem de leitores: com 15 anos de escolaridade,
51%; com 16 a 19 anos, 71%; com mais de 20 anos, 86%. Revela igualmente que o
valor mais elevado, 91%, se regista entre aqueles que ainda estão a estudar
(Eurobarómetro 278, 2007: 18).

97
De acordo com o Eurobarómetro 278 (2007), 65% dos habitantes em “rural village” lêem livros,
percentagem que sobe para 72% em “small/mid size town” e para 79% em “large town”.

121
Estes resultados confirmam a influência do sistema de ensino nos níveis de leitura
(Bourdieu e Chartier, 1993: 274) e mostram também que os referidos níveis tendem a
diminuir uma vez fora dele. De facto, “o abandono da escola coincide, não raro, com o
abandono da leitura: é um marco a partir do qual se condensam os fatores de
diferenciação quanto a oportunidades de vida e aspirações possíveis, influindo sobre o
desenrolar dos hábitos de leitura e sobre o sentido que lhe vai sendo atribuído"
(Santos, 1992: 24).
O sistema de ensino desempenha, portanto, um papel fulcral na explicação dos níveis
de leitura. Todos os inquéritos o mostram. Alguns autores consideram mesmo que a
escolaridade é a única variável estatisticamente significativa (Southerton, Warde,
Cheng e Olsen, 2007). Contudo, à semelhança do que se verifica com a literacia (Ávila,
2008: 87), pode também dizer-se que existe uma grande proximidade, mas não
sobreposição, entre níveis de escolaridade e níveis de leitura ou, dito de outra forma,
haverá que desmistificar uma suposta “relação causal entre capital escolar e práticas
de leitura” (Lopes, 2003: 63). A socialização escolar é determinante mas não explica
tudo uma vez que, apesar de entre os licenciados a percentagem de leitores ser
superior, nem todos são leitores e, pelo contrário, o facto de a percentagem de
leitores ser diminuta entre aqueles com mais baixos níveis de ensino, isso significa isso
mesmo, ou seja, que existem leitores, embora proporcionalmente (muito) menos.
Neste contexto importa ter em conta várias descoincidências (Santos, 1992: 19; 27-
28): (i) entre quem sabe ler e é leitor; (ii) entre quem é leitor e quem é leitor de livros;
(iii) entre prática de leitura enquanto receção "primária", de familiaridade de superfície
com o texto, emocional e identificatória (no sentido de Leenhardt, 1988, citado pela
autora) e enquanto receção "competente", capaz de operar a distanciação entre o
sujeito-leitor e o texto, ainda de acordo com Leenhardt.
Nos países ocidentais as mulheres predominam na leitura de livros e de revistas, os
homens na leitura de jornais98 (Donnat, Freitas e Frank, 2001: 82). Como nota Lyons, as
leitoras são, juntamente com as crianças e os operários, os novos leitores do século XIX
(Lyons, 2001). A oposição sexual exprime-se, na leitura de livros, com uma força sem
equivalente nas outras práticas culturais e inclui os conteúdos, preferindo as mulheres
determinados géneros, em particular o romance, os homens, outros, designadamente
o género técnicos e científicos (Donnat, 1994: 266).
Mas em meados do século XX os leitores ainda eram predominantemente homens. A
inversão em favor das mulheres remonta ao último quartel do século XX e vem-se
acentuando. Em França, em 1973 a percentagem correspondente aos homens era
ainda superior (72% contra 68% das mulheres), tal como em 1981 (75% contra 73%),
invertendo-se a partir de 1988 (73% contra 76%), num movimento em profundidade

98
Esta regularidade pode ser afetada pela idade justamente porque as mulheres têm, nas idades mais
avançadas, taxas mais elevadas de analfabetismo e menores de frequência do sistema de ensino, como
se verifica em Portugal.

122
que ainda se mantem (Donnat e Cogneau, 1990: 81; Donnat, 2005). Um estudo
comparativo em cinco países (Holanda, Noruega, França, Reino Unido e Estados
Unidos da América) mostra que a diferenciação se vem acentuando pelo menos desde
os anos setenta (Southerton, Warde, Cheng e Olsen, 2007). Em Portugal, em 1988,
também ainda era favorável aos homens (56% contra 51% das mulheres) (Freitas e
Santos, 1992: 31). E no inquérito às práticas culturais dos lisboetas, realizado em 1994,
a percentagem de leitores de livros entre os homens é de 64% ao passo que entre as
mulheres é de 61% (Pais, Nunes, Duarte e Mendes, 1994: 211). Também em Espanha
estudos realizados nos anos 60 e 70 mostraram que os homens ainda tinham valores
mais elevados do que as mulheres (em 1974, 59% contra 41%), sendo o sexo a única
variável que registou uma alteração profunda no perfil dos leitores (Ariño, 2010: 81-
84).
Esta mutação tem várias explicações. Uma reporta-se ao alargamento da escolaridade
feminina e ao recuo da leitura entre os jovens adultos, mais sensível entre os rapazes
do que entre as raparigas (Donnat, 1994: 266). Quando as raparigas estão em pé de
igualdade com os rapazes no acesso ao ensino, elas lêem mais e mais eficazmente do
que eles (Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 131). O que, dito de outro modo,
significa que quanto maior a percentagem da população leitora maior tende a ser a
discriminação em favor do sexo feminino.
Outros fatores são a já referida preponderância feminina entre os mediadores do livro
(professores e bibliotecários) (Robine, 2001: 67) e, mais recentemente, a emergência e
generalização dos computadores, cuja utilização é sobretudo masculina (Donnat, 1998:
174). Outra perspetiva destaca a socialização de género e o significado do livro na
construção da identidade feminina (Lopes e Aibéo, 2007: 42), ou seja, as raparigas são
educadas e incentivadas a ler, ao contrário dos rapazes. Para Steven Tepper o gender
gap na leitura de ficção é explicado pelo papel da mulher na socialização das crianças e
pelos estereótipos quanto às atividades de lazer e não pelas competências de leitura
ou pelo tempo livre (Tepper, 2000). Outra explicação reside nas diferentes
representações face à leitura de livros, de desvalorização por parte dos rapazes, e pelo
contrário, de valorização por parte das raparigas (Clark e Akerman, 2008; Clark,
Osborne e Akerman, 2008). Esta diferença deverá consolidar-se uma vez que para os
jovens ler não é mais um comportamento prestigiante nem um modelo de conduta a
imitar, tendo em conta o reforço do sexismo masculino que a juventude (espanhola)
atravessa (Calvo, 2001: 133).
Ao contrário da escolaridade e do sexo, variáveis que apresentam uma regularidade
notável do ponto de vista da leitura, a idade mostra algumas diferenças. Não existe um
padrão de comportamento nos países ocidentais. As principais regularidades são que
os jovens lêem mais e que as percentagens de leitores decrescem com o avanço da
idade, mas em alguns países o decréscimo não é linear invertendo-se nos escalões dos
mais idosos. A análise por suporte mostra que a situação mais comum é, quanto à
leitura de livros, que a percentagem diminua à medida que a idade avança. Em alguns

123
países regista-se uma inversão desta distribuição nos grupos de idade acima dos 65
anos (Donnat, Freitas e Frank, 2001: 79). Quanto aos leitores de jornais, as
distribuições percentuais caracterizam-se por serem normalmente mais elevadas, por
um lado, nos escalões correspondentes às idades ativas (25-64 anos) e, por outro lado,
entre os que têm idades superiores a 65 anos e os que têm menos de 24 anos (idem:
104).
Entre os fatores explicativos estão os efeitos do sistema de ensino pelo recuo do
analfabetismo (mais presente nos mais velhos, embora com variações consoante o
país) e a generalização e alargamento da escolaridade obrigatória. Por este motivo as
questões de geração são talvez mais visíveis. Para além dos níveis de analfabetismo e
de escolaridade, deve ser considerada a concorrência de outras atividades na
ocupação dos tempos livres, designadamente entre os jovens, de onde resulta o
envelhecimento dos leitores devido à diminuição do seu número entre os escalões
mais jovens (Donnat, 1994: 270; 1996: 127).
A relação inversa da idade com o nível de leitura de livros (quanto mais idosos, mais
baixos os níveis de leitura) verifica-se em sociedades, como a portuguesa, que
conjugam elevados níveis de analfabetismo com baixos níveis de escolaridade,
conjugação que incide sobretudo na população mais idosa. Recorrendo de novo ao
estudo de 2007 para o conjunto dos 27 países da União Europeia, quanto à leitura de
livros, no escalão 15-24 são 82%, no escalão 25-39 descem para 72%, no escalão 40-54
passam para 74% e, no escalão 55 e mais anos, registam uma acentuada descida, para
63% (Eurobarómetro 278, 2007).
Mas podem também observar-se efeitos dos ciclos de vida que determinam
largamente os percursos, as práticas e a intensidade da leitura, incluindo daqueles
considerados grandes leitores (Vogels, 2004; Guionnet, 2004: 249-250). Em França, em
1988, lê-se mais quando jovem (uma vez que há menos constrangimentos, de tempo e
outros, e estão presentes os incentivos dos professores), menos na idade ativa (devido
aos cuidados com os filhos e à atividade profissional) e de novo mais quando se
envelhece (saída de casa dos filhos, chegada da reforma) (Dumontier, Singly e Thélot,
1990: 66).
De um modo geral é entre os mais jovens que os níveis de leitura são mais elevados.
Isso deve-se em grande parte à frequência do sistema de ensino. Mas alguns autores
questionam a ação da escola na difusão do amor pelo livro – contribuirá a escola para
o cultivar, ou pelo contrário, para o conter? Ou, dito de outro modo, parece existir um
“curioso paradoxo: aparentemente, a escola mata a leitura” (Lopes, 2003: 73). Outros
constatam uma quebra significativa na transição para a vida ativa, o que significa que a
frequência do sistema de ensino será mais favorável à leitura de livros, pelo menos em
determinados contextos socioprofissionais menos qualificados (Gomes, 2003).
Ao contrário de outras características, no que toca especificamente aos grupos sociais
ativos as abordagens com incidência nas práticas de leitura são raras e fragmentadas.
O uso de diferentes perspetivas teóricas e de diferentes abordagens empíricas e

124
respetivos sistemas de classificação, nos planos nacional e internacional, não facilita as
comparações diretas. De todo o modo, embora sem cair no erro da “história
sociocultural à francesa” que, ao privilegiar “unicamente a classificação
socioprofissional, esqueceu que outros princípios de diferenciação, também eles
completamente sociais, podiam explicar, com mais pertinência, as causas das
diferenças culturais”, como as “pertenças a um sexo, ou a uma geração, das adesões
religiosas, das solidariedades comunitárias, das tradições educativas ou corporativas,
etc.” (Chartier, 1997: 19), importa reconhecer “a importância persistente e o carácter
nuclear dos indicadores socioprofissionais” (Costa, 1999: 224), também do ponto de
vista das práticas de leitura.
Trata-se de uma abordagem relevante uma vez que “as categorias de inserção
socioprofissional – mais ou menos estreitamente articuladas com os recursos
económicos e culturais detidos pelas pessoas ou por elas provavelmente alcançáveis,
com os círculos de relacionamento social, com os meios sociais de origem e com os
percursos de vida trilhados – constituem bons indicadores de quadros de
condicionamento e possibilidades socialmente vigentes que, em geral, exercem
bastante influência nas disposições, competências e práticas dos indivíduos e dos
grupos" (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996: 35, 40).
Olivier Donnat, embora saliente a importância da categoria socioprofissional na
hierarquização das práticas, alerta igualmente para os fatores que se “escondem”
atrás dessa variável “compósita”99 como a origem social, o habitat, o rendimento e,
sobretudo, a escolaridade. De facto, o autor nota que as disparidades em função desta
última são mais espetaculares do que as da categoria socioprofissional (Donnat, 1999:
115-116).
Uma outra abordagem destaca o significado da classe social e do sexo, quando
tomados conjuntamente, na leitura de livros de literatura. Os autores evidenciam as
diferenças relativamente aos géneros de livros, não apenas entre as classes mas
também entre os sexos nas diversas classes (Bennett, Emmison e Frow, 2001).
Wendy Griswold, com o conceito de classe de leitores, definido a partir das
características socioeconómicas e das práticas, designa aqueles que querem e têm de
ler quotidianamente por motivos de lazer e profissionais (Griswold, 2001), portanto
grandes leitores, ou pelo menos leitores regulares.
De todo o modo, pode dizer-se que, no seu conjunto, os estudos mostram que
operários e agricultores são os mais afastados das práticas de leitura e que, pelo
contrário, as profissões assalariadas do terciário, os quadros superiores, as profissões
intelectuais e científicas e, embora menos, os empregados, são as mais próximas
(Bradshaw e Nichols, 2004: 14; Coulangeon, 2005: 48-49; Donnat, 1999: 112).

99
Variável “compósita” uma vez que funciona como indicador indireto da qualificação e do nível escolar
(Coulangeon, 2005: 48-49).

125
Evolução dos determinantes sociais da leitura em Portugal

A sociedade portuguesa tem sido atravessada por processos de recomposição social


ainda em curso que a caraterizam como uma modernidade inacabada (Viegas e Costa,
1998). Entre as dimensões em que os processos se desdobram faz-se aqui referência à
demográfica, educativa e socioprofissional de modo a enquadrar os níveis de leitura
registados.
Do ponto de vista demográfico, a estrutura por sexo mantém a tendência de todo o
século XX que é de 52% para 48% (INE, 2012a). A estrutura etária acentua o
envelhecimento da população na “base” (perda de importância estatística nas idades
mais jovens) e no “topo” (aumento dessa importância nas idades mais avançadas)
verificado ao longo do século XX, em particular a partir dos anos 70 (Rosa e Vieira,
2003: 101-107). Na comparação com a média da UE (dados de 2006 em Beck-
Domzalska, 2007: 19), Portugal situa-se ligeiramente abaixo no grupo dos 0-24 anos
(27,8% contra 28,6% da UE) e ligeiramente acima no grupo 65 e mais anos (17,1%
contra 16,8% da UE).
Ao longo de todo o século XX a taxa de analfabetismo manteve-se relativamente alta e
claramente desfavorável às mulheres. Em 2001 era ainda de 9%, ou seja, equivalente à
de algumas regiões mais avançadas da Europa há um século atrás (Almeida, Capucha,
Costa, Machado e Torres, 2007: 46). Em França, por exemplo, cerca de 1925 a taxa de
analfabetismo era de 5% (Nóvoa, 2005: 69), portanto quatro pontos percentuais
inferior à registada em Portugal em 2001. Em 1945, quando o instituto francês de
estatística (INSEE) colocou pela última vez a questão “não sabe ler e escrever” num
inquérito, o resultado foi 3,6% (Dumazedier e Gisors, 1984). Em Espanha, em 2001, era
2,5% (Ariño, 2010: 68). Mais recentemente, em Portugal, os dados dos Censos 2011
mostram uma quebra acentuada do analfabetismo para 5,2%, mas mantêm-se as
diferenças por sexo em desfavor das mulheres cuja taxa é cerca do dobro da dos
homens, 6,8% contra 3,5% (INE, 2012a: 38).
Com a implantação do regime democrático em 1974 alargaram-se os níveis de
escolaridade obrigatória e investiu-se na melhoria das infraestruturas educativas
(Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005: 46-47). A escolaridade obrigatória passou
para nove anos em 1986 e desde 2010 é de doze anos. Mas ainda há cerca de uma
década e meia atrás fazia-se um balanço pouco positivo do processo caracterizado por
“um desfasamento temporal na difusão da escolaridade básica resultante de um
relativo fracasso na implementação das políticas de escolaridade obrigatória” (Viegas e
Costa, 1998: 314-315) ao mesmo tempo que se verificava uma atitude de resistência
da população face à ideia de prolongamento da escolarização, que não era
socialmente valorizada mas sim vista por muitos como uma imposição e não como
uma necessidade ou um desejo de progredir (Viegas e Costa, 1998: 316-317).
De todo o modo, as últimas décadas ficaram marcadas por um aumento global dos
níveis de escolaridade. De 2001 para 2011 a população com 15 e mais anos sem

126
qualquer nível de ensino desceu de 18% para 10%; com 15 e mais anos que completou
pelo menos o 3º ciclo do ensino básico passou de 38% para 50%; com 18 e mais anos e
com pelo menos o ensino secundário subiu de 23% para 32%; e a população com 23 ou
mais anos que completou o ensino superior de 9% para 15% (com maior incidência
entre as mulheres) (INE, 2012a: 40-46).
Contudo, a população portuguesa (ambos os sexos) com nível terciário de
escolaridade100 está abaixo da média da UE. Por exemplo, em 2006, nas idades
situadas entre os 25 e os 39 anos, são 23% as mulheres com esse nível em Portugal
contra 30% da média na UE; e 14% os homens quando a média na UE é 25% (Beck-
Domzalska, 2007: 22). Mas importa também notar que Portugal é o país da UE em que
o número de estudantes no ensino superior registou ultimamente um crescimento
mais elevado (Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 46-47).
Assim, se por um lado os vários indicadores – analfabetismo, escolaridade obrigatória
e qualificação escolar – mostram uma evolução positiva, por outro, quando
observados numa perspetiva comparativa internacional, estão ainda muito distantes
dos valores médios dos países da OCDE ou dos da UE.
Do ponto de vista da estrutura socioprofissional (Costa, Machado e Almeida, 2007), no
arco temporal 1991-2001, Portugal regista uma diminuição dos contingentes das
categorias ligadas à agricultura (Agricultores Independentes e Assalariados Agrícolas),
dos Operários Industriais (O) e dos Trabalhadores Independentes (TI). Por outro lado,
assiste-se a um incremento dos Empregados Executantes (EE) (de 27% em 1991 para
32% em 2001); dos Profissionais Técnicos de Enquadramento (PTE) (de 12% para 17%,
a categoria com taxas de crescimento mais elevadas, e uma das mais feminizadas), e
dos Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais (EDL) (de 9% para 12%) (Almeida,
Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 47).
Uma análise transnacional destaca a posição de Portugal quanto à estrutura de classes
e quanto aos perfis educativos das classes (Costa, Machado e Almeida, 2007).
Relativamente à primeira verificam-se baixas percentagens em Portugal de EDL e,
sobretudo, de PTE101, e elevadas de TI, EE e O face à média. Importa ainda referir a
diferença de 11 pontos percentuais nos PTE (14% em Portugal contra 25% em média),
quando nas restantes quatro categorias a diferença, neste caso positiva, não
ultrapassa os 6 pontos percentuais (nos O). Quanto aos perfis educativos das classes o
traço que importa destacar é que em todas as categorias os níveis em Portugal são
mais baixos do que a média, variando entre cerca de 6 pontos percentuais nos EDL e
0,5 pontos percentuais nos PTE, as duas categorias com os níveis de escolaridade mais
elevados. Ou seja, seja qual for o ponto de vista adotado, a composição

100
Nota da fonte: o terciário inclui os níveis 5 e 6 da International Standard Classification of Education
(ISCED) 1997 (Beck-Domzalska, 2007: 173).
101
PTE, categoria constituída por “assalariados com qualificações de nível médio ou superior e/ou com
posições de autoridade hierárquica nas organização também de nível médio ou superior, protagonistas
centrais das dinâmicas da sociedade do conhecimento” (Costa, Machado e Almeida, 2007: 11), as novas
classes médias assalariadas (Almeida, Capucha, Costa, Machado e Torres, 2007: 49).

127
socioprofissional em Portugal acentua as características mais distantes das práticas de
leitura.

Políticas culturais em Portugal: livro, leitura pública e promoção da leitura

As políticas educativas desempenham um papel fundamental na formação das


competências, nos processos de socialização para a leitura e na qualificação dos
adultos, na formação ao longo da vida. Esta última vertente é particularmente
relevante no contexto de uma sociedade como a portuguesa com baixos níveis de
qualificação escolar da população que já abandonou o sistema de ensino. Mas as
políticas culturais são, naturalmente, também muito relevantes, em particular as
políticas do livro e da leitura. São executadas por um organismo (a Direção-Geral do
Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas, DGLAB) e incluem vários programas. Entre estes
contam-se o apoio à edição de livros, a constituição de uma rede de bibliotecas
públicas municipais e a promoção da leitura. Neste, como noutros domínios das
políticas culturais, a fórmula dominante é a formação de “novos públicos”, um objetivo
prioritário presente nos Programas de Governo desde 1999 (XIV Governo), enunciado
no quadro das políticas públicas de democratização, objetivo que tem sido utilizado
com vários sentidos embora vise muito em particular os (mais) jovens (Gomes e
Lourenço, 2009).
As grandes orientações adotadas em Portugal não parecem distanciar-se
substancialmente das seguidas a nível internacional (Neves, Santos, Lima, Vaz e
Cameira, 2012). A este nível, e de um modo geral, abrangem a oferta e a procura e são
frequentemente designadas políticas do livro e da leitura. Excluem explicitamente o
livro escolar, matéria da responsabilidade da tutela da Educação. Incluem entre os
principais eixos de intervenção a leitura pública e a promoção da leitura (Neves, Lima e
Borges, 2008). Assentam pois na tríade livro, leitura não escolar e bibliotecas públicas.
Especificamente quanto à leitura pública, o programa Rede Nacional de Bibliotecas
Públicas (RNBP) foi lançado no X Governo Constitucional (Moura, Almeida, Portilheiro
e Calçada, 1986), assenta em parcerias da tutela da Cultura com os municípios e tem
por objetivo dotar cada um deles com uma biblioteca pública de acordo com requisitos
estabelecidos. Apesar do consenso político alargado em torno deste programa e da
intenção expressa por vários governos em alcançar aquele objetivo, ainda permanece
longe de conclusão. Em 2012 integram a Rede 194 municípios (DGLAB/DSB, 2012).
Outros, incluindo Lisboa, dispõem de bibliotecas públicas mas não integram a Rede
(Neves e Lima, 2009).
Sob a designação de fomento ou promoção da leitura (Ewers, 2007) referem-se
políticas públicas largamente disseminadas nos países ocidentais baseadas na defesa
da importância da leitura sob vários pontos de vista, cultural, (exclusão) social,

128
económica, na constatação das dificuldades/competências de leitura, dos seus baixos
índices e da diminuição dos níveis de leitura (Neves, Lima e Borges, 2008).
A este propósito haverá que destacar o Programa de Apoio à Promoção da
Leitura/Itinerâncias Culturais (PAPL) lançado em 1997 (XIII GC) e, mais recentemente,
em 2006, com XVII GC, o Plano Nacional de Leitura (PNL). Estas medidas espelham a
necessidade de articulação entre as tutelas da Cultura e da Educação tanto ao nível
dos equipamentos (bibliotecas públicas e biblioteca escolares), como dos públicos-alvo
(crianças e jovens em idade escolar, adultos), como ainda dos contextos da leitura
(escolar e de lazer).
Quanto ao PAPL, a tutela da Cultura promoveu no seu âmbito a realização de milhares
de ações de difusão do livro e de promoção da leitura em vários contextos, em
particular nas bibliotecas públicas municipais (Neves e Lima, 2009: 39-40). Entre 1997
e 2002, “foi concebido tendo como público-alvo o leitor no seu sentido mais lato (leitor
constituído ou potencial leitor). As ações da carteira de itinerâncias eram dirigidas a
este leitor sem perfil específico, sendo estas ações díspares, sem um fio condutor que
as integrasse numa política marcadamente dirigida à promoção da leitura”, mas a
partir de 2002, “consciente de que este Programa deveria ser preferencialmente um
instrumento para a criação de novos públicos leitores através de uma política ativa de
combate à literacia e aos baixos níveis de leitura, o IPLB elegeu como essenciais as
ações dirigidas ao público infanto-juvenil” (Alçada, Calçada, Martins, Madureira e
Lorena, 2006: 84-85). Em 2006 integrou o PNL, aumentou o número de ações
disponíveis e passou a contemplar bibliotecas municipais não integradas na RNBP
(Neves e Lima, 2009: 52).
Quanto ao PNL, a sua concretização passa por um vasto leque de medidas “destinadas
a promover o desenvolvimento de competências nos domínios da leitura e da escrita,
bem como o alargamento e aprofundamento dos hábitos de leitura, designadamente
entre a população escolar”. A resolução que o criou102 especifica ainda uma duração
alargada, de 10 anos, divididos em duas fases (2006-2011 e 2011-2016), a primeira
prioritariamente dirigida para as crianças e jovens, em particular os alunos do ensino
básico e secundário. A articulação com os municípios e o desenvolvimento da Rede de
Bibliotecas Escolares, com o envolvimento das bibliotecas públicas, são algumas das
linhas de atuação.
Embora as crianças e os jovens sejam os públicos-alvo prioritários, o PNL envolve a
população adulta de diversas formas (Neves, 2011: 102-103). Destacam-se aqui três: as
bibliotecas públicas, os projetos direcionadas para as famílias (PNL, 2007; 2008; 2009)
e, mais recentemente, um projeto específico para os adultos da Iniciativa Novas
Oportunidades (PNL, 2010). A implementação do Plano incluiu a realização de diversos
estudos e de uma avaliação externa que produziu vários relatórios ao longo dos

102
Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2006, de 12 de Julho. Esta resolução foi antecedida do
Despacho Conjunto nº 1081/2005, de 23 de Novembro, da Presidência do Conselho de Ministros e dos
ministérios da Educação e da Cultura.

129
primeiros cinco anos, o último dos quais com uma síntese dessa primeira fase (Costa,
Pegado, Ávila e Coelho, 2011).

Representações sobre a leitura

A promoção da leitura parece beneficiar de um contexto francamente favorável por


parte dos portugueses que “reconhecem, de forma consensual, a importância da
leitura nas sociedades atuais” (Costa, Pegado e Ávila, 2008: 54). De facto, face à
pergunta “na sua opinião, que importância tem a leitura, nos dias de hoje, para a vida
das pessoas?” do barómetro de opinião pública, para 95% dos inquiridos ela é, em
geral, importante ou muito importante. Nos oito domínios considerados sobre as
atitudes dos portugueses as percentagens situam-se entre 98% (“Ensino e formação”)
e 92% (“Usar a internet”), com a questão “Compreender a literatura e as artes” situada
nos 95%.
De 2007 para 2009 a opinião sobre a importância da leitura, em geral, manteve-se
(95%), mas baixou ligeiramente em todos os domínios. O decréscimo varia entre um
(“Ensino e formação”) e seis pontos percentuais (“A vida do dia-a-dia”). O domínio
“Compreender a literatura e as artes” baixou dos referidos 95% para 91% (Costa,
Pegado, Ávila, Coelho e Alves, 2009: 102).
De todo o modo, os níveis de reconhecimento da importância da leitura mantêm-se
muito elevados, conclusão que sai reforçada com os dados de 2011 do barómetro uma
vez que eles mostram uma evolução positiva generalizada para níveis próximos dos
registados em 2007, evolução a que não será alheia a existência e ação do PNL,
considerado em 2011 por 96% do barómetro como importante ou muito importante
(Costa, Pegado, Ávila e Coelho, 2011: 86-87).

Leitores, leitura e relações com o impresso em Portugal

Como se viu, entre as grandes tendências das últimas décadas estão o declínio da
leitura (em percentagem da população leitora) e dos grandes leitores (em número de
livros lidos). Quanto a Portugal, de 1995 para 2007 os principais traços são a
diminuição dos não-leitores e o crescimento dos leitores dos três suportes
considerados (conclusão que contrasta com a tendência verificada a nível
internacional), com destaque para o dos jornais, e ainda a diminuição dos grandes
leitores (conclusão que está em linha com a tendência geralmente verificada nos
países ocidentais).

130
Mais detalhadamente, de 1995 para 2007103 regista-se um forte acréscimo de 14
pontos percentuais nos leitores de jornais e de 3 pontos percentuais nas revistas e nos
de livros104 (quadro 1). Em 2007, os jornais são, destacadamente, o suporte com mais
leitores (83%), a que se seguem as revistas (73%) e, a alguma distância, os livros (57%).

Quadro 1
Leitores por Suporte e por Ano (1995 e 2007) (percentagem)
Ano
Suporte
1995 2007
Livros 53,4 56,9
Jornais 69,4 83,0
Revistas 69,2 73,0
Não-leitores 12,4 4,7
Bases 2.506 2.552
Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 47).

Esta evolução positiva dá-se num contexto favorável no tocante à recomposição social
da população portuguesa, em particular quanto aos avanços da qualificação escolar e
profissional verificada nas décadas mais recentes e que parecem compensar fatores de
sentido inverso, induzidos por outras formas de ocupação do tempo de lazer como o
audiovisual e, em particular, a televisão. Contudo, importa ter presente que os níveis
em Portugal eram (e continuam) baixos, seja qual for o indicador utilizado. Com
exceção dos jornais, os valores registados estão ainda muito abaixo, por exemplo, dos
registados noutros países anos atrás (Donnat, 1998: 169; Hendon, Rees e
Verdaasdonk, 1987; Southerton, Warde, Cheng e Olsen, 2007: 25).
Do ponto de vista do tipo de leitura, a maioria dos leitores corresponde ao tipo
parcelar (apenas um dos suportes). Este tipo e o de leitura cumulativa (os três
suportes) cresceram face a 1995 à custa da diminuição dos não-leitores. A leitura
cumulativa passa de 39% para 41% e, mais significativamente, a leitura parcelar cresce

103
Os dados, referenciados a 2007, que constituem a principal base empírica da análise sobre Portugal
que aqui se inicia provêm do inquérito A Leitura em Portugal, realizado no âmbito do PNL (Santos,
Neves, Lima e Carvalho, 2007). Este inquérito tem por base uma amostra de 2.552 indivíduos,
representativa da população adulta, convencionalmente definida como aquela com 15 e mais anos,
alfabetizada, residente no continente. O trabalho de terreno decorreu entre 15 de Novembro de 2006 e
22 de janeiro de 2007, com entrevista pessoal e direta realizada no domicílio.
104
Dados mais recentes de uma outra fonte que compara os anos de 2007 e 2011 mostram que os
leitores de livros como atividade de lazer diminuíram de 44% para 42% e que, pelo contrário, os de
jornais aumentaram de 87% para 94% (INE, 2012b: 37). Na abordagem a estes dados importa ter
presente, entre outros aspetos, que a fonte se restringe à população dos 25 aos 64 anos, ou seja, estão
subrepresentadas idades jovens em que os índices de leitura de livros são mais elevados.

131
de 49% para 55% devido sobretudo ao forte incremento dos leitores de jornais e
revistas.
Especificamente quanto à leitura de livros é visível a quebra acentuada dos não-
leitores (51% para 45%) e ligeira dos grandes leitores (de 2,7% para 2,3%) e, pelo
contrário, acréscimos dos pequenos (de 34% para 37%) e dos médios leitores (13%
para 15%) (Neves, 2011: 155). Esta evolução decorrerá de uma transferência dos não-
leitores para pequenos e médios leitores (Robine, 2001a) pelo que a amplificação de
uma leitura “fraca” em quantidade deve ser tomada como sinónimo de alargamento e
não de fragilização da leitura (Bahloul, 1990: 14; Poulain, 2004: 33).
Haverá também que situar os resultados de Portugal numa perspetiva internacional.
Quanto à leitura de livros a comparação com a média de 14 países105 mostra que, em
2001, Portugal está muito abaixo na taxa de leitores (33% contra 58%) e é mesmo o
país que mais se distancia (Eurobarómetro 56.0, 2001: 15). O indicador de leitura de
livros por motivo mostra que Portugal regista desvios negativos relativamente à média
nos quatro considerados mas, ao passo que no tocante à leitura educativa não
obrigatória o desvio é mínimo (-0,5%), quando se trata da leitura de lazer a diferença
sobe drasticamente para -29%. A posição de Portugal na leitura de livros mantém-se
no estudo de 2007, já com a UE a 27 países (Eurobarómetro 278, 2007). Portugal
regista 50%106 para uma média europeia de 71%. É um dos que mais se distancia da
média, logo a seguir a Malta. Quanto ao número de livros lidos Portugal apenas se
aproxima nos escalões intermédios (1-2 e 3-5) destacando-se tanto pelas elevadas
percentagens dos que não lêem como pelas baixas dos grandes leitores.
A deslocação do grupo de países de referência para a OCDE (20 países) não determina
alterações significativas na posição de Portugal quanto à leitura de livros uma vez que
regista o valor mais baixo, 23%, quando a Bélgica (Flandres) regista 44% e a média é de
63% (OECD e Statistics Canada, 2000: 159).
Em síntese, pode-se dizer que a cultura de leitura em Portugal registou nas últimas
décadas uma evolução positiva com o aumento dos níveis de leitura, em particular de
jornais e, especificamente quanto à leitura de livros, um crescimento dos pequenos
leitores. De acordo com Wendy Griswold, Elizabeth Lenaghan e Michelle Naffziger, os
(ainda) baixos patamares de qualificação de nível terciário e de níveis de leitura da
população, associados aos avanços registados e aos esforços de promoção de leitura (o
PNL) colocam Portugal como uma cultura de leitura emergente (Griswold, Lenaghan e
Naffziger, 2011: 31).

105
Os 14 países incluídos neste estudo são: Bélgica, Dinamarca, Alemanha (Ocidental e Oriental), Grécia,
Espanha, França, Irlanda, Luxemburgo, Holanda, Áustria, Portugal, Finlândia, Suécia e Reino Unido.
106
Neste estudo a questão é genérica sem qualquer restrição de contexto (de lazer ou outro).

132
Perfis de leitores por suporte

Em 2007 os perfis sociais dos leitores dos três suportes (livros, jornais e revistas)
apresentam diferenças sensíveis entre si (quadro 2). O dos leitores de livros é
acentuadamente feminizado, juvenilizado, escolarizado, com destaque para os
estudantes e, entre os que exerceram ou exercem uma profissão, a categoria PTE
regista o maior contingente. O dos leitores de jornais é, pelo contrário, vincadamente
masculino, sensivelmente mais idoso, com elevadas percentagens nos níveis de
escolarização básico e secundário e, do ponto de vista da categoria socioprofissional,
EDL e PTE registam os valores mais elevados, e próximos, mas a categoria O tem um
valor não muito distante. E relativamente às revistas, o perfil aproxima-se do dos
leitores de livros. É acentuadamente feminino, relativamente juvenilizado, com níveis
de escolaridade baixos e mais frequente entre os estudantes. Destaca-se de novo a
categoria PTE, ainda que a percentagem de EE esteja relativamente próxima.

Quadro 2
Perfis de leitores por Suporte (percentagem)
Suporte Número
Livros Jornais Revistas
Total 56,9 83,0 73,0 2.552
Sexo
Feminino 64,3 75,6 82,7 1.335
Masculino 48,8 91,2 62,4 1.217
Idade
15-24 73,8 79,1 84,9 465
25-34 67,2 86,0 80,6 500
35-54 54,0 86,7 74,6 902
Mais de 55 anos 41,8 78,7 57,2 685
Grau de escolaridade
Até 2º Ciclo do Ensino Básico 37,4 79,4 62,7 1.194
3º Ciclo do Ensino Básico 65,0 86,0 82,9 457
Ensino Secundário 74,0 86,6 81,9 626
Ensino Médio ou Superior 89,1 85,8 80,7 275
Condição perante o trabalho
Ativos 55,6 84,6 74,4 1.667
Estudantes 87,5 77,0 84,5 265
Outros não ativos 47,3 81,3 64,2 620
Categoria socioprofissional *
EDL 51,1 89,8 72,2 352
PTE 84,5 88,1 80,6 252
TI 41,0 82,0 65,6 61
O 34,4 84,9 57,8 588
EE 59,2 80,2 77,3 907
Nota: qui-quadrado estatisticamente significativo para todos os cruzamentos (p <
0,05); * Os dados relativos a este indicador dizem apenas respeito àqueles inquiridos

133
que exercem atualmente, ou já exerceram, uma atividade profissional (85% dos casos
em análise).
Legenda: EDL, Empresários, Dirigentes e Profissionais Liberais; PTE, Profissionais
Técnicos de Enquadramento; TI, Trabalhadores Independentes; O, Operários; EE,
Empregados Executantes.
Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 54).

Do ponto de vista dos tipos de leitores de livros (pequenos, médios e grandes) os


respetivos perfis sociais apresentam também algumas diferenças. Por sexo são muito
ténues, embora as mulheres registem valores ligeiramente mais elevados nos
pequenos e grandes leitores e os homens apresentem um valor sensivelmente mais
elevado do que as mulheres nos médios leitores. A análise segundo o grau de
escolaridade mostra claramente dois tipos de relações: inversa nos pequenos leitores
e direta nos médios e grandes. Relativamente à idade também os dois tipos de
relações se evidenciam, embora com sentidos diferentes: quanto mais idosos, mais
elevadas são as percentagens de pequenos leitores; quanto mais baixa a idade mais
elevadas as percentagens de médios e grandes leitores. No tocante à condição perante
o trabalho, entre os ativos e, em particular, entre os outros não ativos predominam os
pequenos leitores de livros, ao passo que os estudantes se destacam como médios e
grandes leitores. E quanto à categoria socioprofissional, os pequenos leitores
apresentam diferenças assinaláveis (entre 59% nos PTE e 84% nos TI). Os PTE estão
claramente sobrerepresentados tanto nos médios como nos grandes leitores de livros.
Estes resultados são, com pequenas diferenças, consistentes com os resultados
obtidos em anteriores inquéritos nacionais (Freitas, Casanova e Alves, 1997) (Lopes,
Coelho, Neves, Gomes, Perista e Guerreiro, 2001) e internacionais (Donnat, 1998;
Salgado, 2000; Griswold, McDonnell e Wright, 2005: 129).
A comparação de Portugal no contexto europeu, relativamente à leitura de livros e
especificamente quanto à segmentação por sexo, para além de confirmar a
dominância feminina, comum a todos os países observados, confirma igualmente as
baixas percentagens registadas em Portugal, e para ambos os sexos (Beck-Domzalska,
2011: 176-179)107. Por nível educacional, se é verdade que o país regista o valor médio
mais fraco (pouco mais que 40%) no conjunto dos países considerados, no nível mais
baixo Portugal tem uma percentagem apesar de tudo superior à de alguns outros
países (Bulgária, Grécia) e semelhante à da Itália, e nos níveis médio e alto situa-se
igualmente acima de vários outros países. É no indicador de intensidade (número
médio de livros lidos nos últimos 12 meses) que Portugal volta a apresentar resultados
esperados, ou seja, por um lado, é o país que regista a percentagem mais elevada de
pequenos leitores (1 e 3 livros) e, por outro, aquele em que a percentagem de grandes
leitores (mais de 12 livros) é a mais baixa (idem: 178).

107
Dados do Adult Education Survey, com referência a 2007 e à população com idades entre os 25 e os
64 anos. Abrange 20 países. Reporta-se à leitura de livros como atividade de lazer.

134
Género de livros

A desagregação por género de livros revela uma amplitude percentual relativamente


elevada que oscila entre 2% e 18%. Entre os mais referidos situam-se os romances de
amor (18%), os romances de grandes autores contemporâneos e os
policiais/espionagem/ficção científica (ambos representam 17%). Entre os géneros
menos referidos estão os livros de poesia (5%), os livros infantis/juvenis (3%) e os
livros de arte/fotografia (2%).
Os mais jovens preferem a banda desenhada, os mais velhos os ensaios políticos,
filosóficos ou religiosos. Nos livros infantis/juvenis, de
culinária/decoração/jardinagem/bricolage e nos romances de amor a dominância é
claramente feminina; na banda desenhada é claramente masculina e apenas no
género enciclopédias/dicionários a distribuição é equilibrada. Estas segmentações
estão de acordo com os resultados de outros estudos, realizados tanto em Portugal
(Pais, Nunes, Duarte e Mendes, 1994: 211) como em França (Donnat, 1994) ou em
Espanha (Ariño, 2010), em particular no que se refere aos géneros romances de amor
(predominantemente feminino) e policiais/espionagem/ficção (predominantemente
masculino). Segundo a categoria socioprofissional, na maioria dos géneros os valores
percentuais mais elevados recaem nos PTE. Apenas os livros de culinária/decoração e
os romances de amor registam preferências mais elevadas por parte dos EE.
A situação mais comum é a leitura não apenas de um mas de vários géneros de livros:
79% dos leitores declara ler dois ou mais. Mas antes de observar com maior detalhe a
cumulatividade importará analisar a especificidade. De acordo com o peso específico
(percentagem dos que mencionaram ler apenas um género, que nos livros é de 21%)
constata-se que é nos romances de amor que o valor é mais elevado, e mesmo assim
de apenas 4%. Seguem-se os livros científicos e técnicos e os
policiais/espionagem/ficção científica (ambos com 3%), os romances de grandes
autores contemporâneos, os ensaios políticos, filosóficos ou religiosos, os livros
escolares e os romances históricos (todos com 2%). Estes valores evidenciam portanto
baixos níveis de leitores especializados. Do ponto de vista da cumulatividade
evidencia-se normalmente um género entre vários. Uma análise multivariada dos
géneros de livros permitiu identificar cinco grupos ou perfis-tipo108 de leitores (Santos,
Neves, Lima e Carvalho, 2007: 103-104). O grupo romance (29%) evidencia-se pela
leitura de romances de amor; o grupo designado por ficção (22%) por uma forte
incidência na leitura de livros policiais/espionagem/ficção científica; o grupo escolares
e práticos (19%) caracteriza-se essencialmente pela leitura de romances históricos, de
livros escolares, de viagens/explorações/reportagens e de
culinária/decoração/jardinagem/bricolagem e diferencia-se dos demais pela leitura de
livros infantis/juvenis; o grupo técnicos (18%) demarca-se principalmente pela leitura
de livros científicos e técnicos; finalmente, o grupo designado por vária (13%)

108
Perfis-tipo identificados com base numa análise multivariada (K-means cluster).

135
caracteriza-se pela leitura de vários géneros com destaque para romances de grandes
autores contemporâneos e de ensaios políticos, filosóficos e religiosos, sendo que
marca ainda presença assinalável neste grupo a leitura de obras de consulta como
dicionários e enciclopédias.
A distinção, no inquérito A Leitura em Portugal, dos três contextos de leitura (lazer,
escolar e profissional) permite concluir que a leitura de lazer se destaca com clareza
(87%) face às demais – a profissional e a educativa (obrigatória) com 23%, e a
educativa (não obrigatória) com 33%. Mas importa procurar entender qual a relação
entre as razões profissionais e de lazer: serão cumulativas ou mutuamente exclusivas?
Para a maioria (69%) resume-se à leitura de lazer, confirmando-se assim, de novo, que
esta é a principal razão da leitura de livros. Contudo, um em cada cinco leitores lê por
prazer e por razões profissionais.

Género de jornais e de revistas

Entre os tipos/géneros de jornais mais referidos avultam os generalistas/informação –


diários (67%), ao passo que, pelo contrário, os culturais e os económicos são
claramente minoritários (4% e 2%, respetivamente). Saliente-se ainda o impacto dos
jornais de distribuição gratuita, lidos habitualmente por 23% dos inquiridos
O peso específico, que se refere àqueles que lêem apenas um género, representa 33%,
portanto significativamente superior ao dos livros (21%). É nos jornais
generalistas/informação – diários que se encontra o valor mais elevado (21%).
Seguem-se, a larga distância, os desportivos (4%) e os jornais de distribuição gratuita
(menos de 2%). O peso específico dos que lêem apenas jornais culturais é irrelevante e
os que lêem apenas jornais económicos é nulo. Contudo, também a leitura dos
géneros de jornais é frequentemente cumulativa, embora um deles seja dominante.
Relativamente a este suporte a análise multivariada109 permitiu identificar cinco perfis-
tipo: quotidianos gerais (44%); locais quotidianos (22%); desportivos quotidianos (14%);
cumulativos (10%); desportivos não quotidianos (10%) (ver Santos, Neves, Lima e
Carvalho, 2007: 89-91).
Relativamente à leitura de revistas, as mais lidas são as femininas (37%), as de
informação geral (21%) e as de vida social (20%). Entre as habitualmente menos lidas
estão as de informação económica/gestão e as de vídeo/cinema/fotografia (ambas
com 4%) e as eróticas (1%).
Também quanto a este suporte será útil referir o peso específico global e dos géneros.
São 32% os que lêem um único tipo de revista, percentagem que está próxima da dos
jornais (33%, recorde-se) e ambas algo distantes da dos livros (21%). Quanto aos
géneros o peso específico mais elevado situa-se nas revistas femininas (12%). Seguem-
se as revistas incluídas nos jornais (com 5%), as de informação geral (4%), as de vida

109
Perfis-tipo identificados com base numa análise multivariada (K-means cluster).

136
social e as de desporto, automóveis e motos (ambas com 3%). O peso dos que apenas
lêem revistas de banda desenhada ou de lazer/espetáculos (música, cinema) não
chega a representar 1%. Identificaram-se ainda três perfis110 de leitores de revistas:
feminino (46%); generalista (45%) e cumulativo (8%) (ver Santos, Neves, Lima e
Carvalho, 2007: 95-97).

Locais de leitura

Nas sociedades ocidentais são múltiplos os locais que reúnem condições para a prática
da leitura (Griswold, 2008: 53). Embora o espaço doméstico, privado, seja por norma o
que reúne mais e melhores condições, outros espaços públicos ou semipúblicos são
propícios (Horellou-Lafarge e Segré, 2003: 104). Em Portugal, como noutros países, é
comum ver pessoas a ler nos mais diversos locais – praças, jardins, praias, cafés,
restaurantes, transportes públicos e, claro, em bibliotecas. Qual o significado
percentual dos leitores nesses vários locais? E que suportes são lidos em que locais?
Os resultados obtidos confirmam que a casa é claramente o local privilegiado na
leitura de livros (96%) mas o mesmo não se passa com os outros dois suportes (quadro
3).

Quadro 3
Locais de leitura por Suporte (percentagem das bases)
Locais de leitura Suporte
Livros Jornais Revistas
Em casa 96,3 61,3 82,0
Na escola 9,5 1,5 2,9
No local de emprego/trabalho 8,4 22,7 20,8
Em bibliotecas, mediatecas ou 6,5 1,1 1,1
Nos transportes
arquivos públicos 5,3 8,4 8,1
No café ou restaurante 4,3 61,9 29,1
Em casa de familiares 2,3 4,7 6,1
Em casa de amigos/colegas 1,4 3,9 7,2
Bases 1.452 2.119 1.863
Nota: pergunta de resposta múltipla.
Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 116).

Já quanto à leitura de jornais o café ou restaurante (62%) supera ligeiramente a opção


em casa (61%) e, embora a grande distância, o local de emprego/trabalho tem, apesar
de tudo, um peso significativo (23%). Entre os locais de leitura de revistas volta a

110
Perfis-tipo identificados com base numa análise multivariada (K-means cluster).

137
evidenciar-se a casa (82%) seguida, a larga distância, do café ou restaurante (29%) e o
local de emprego/trabalho (21%). As bibliotecas, mediatecas ou arquivos, bem como a
escola, são os locais menos referidos tanto para a leitura de jornais como de revistas
registando ambos um valor residual de 1%.
Assim, do ponto de vista dos locais de leitura dos três suportes considerados, os livros
evidenciam-se pela elevada concentração num único, o doméstico, a leitura de jornais
é a mais desconcentrada, realizada em locais públicos e semipúblicos, ocupando a
leitura de revistas uma posição intermédia, ainda que mais próxima da dos livros.
Estas diferenças estão associadas a caraterísticas sociais dos leitores. De facto,
operários (e homens) destacam-se pela leitura de jornais em cafés e restaurantes, ao
passo que os empregados executantes (e mulheres) se destacam nas leituras em
transportes públicos, e os empresários, dirigentes e profissionais liberais (mulheres nos
livros e revistas, sem diferenças de relevo entre os sexos nos jornais) no local de
trabalho (Neves, 2011: 239).

Meios de acesso aos livros, bibliotecas domésticas e frequência de bibliotecas

São vários os meios de acesso aos livros, entre eles a aquisição (direta ou indireta, por
via de ofertas), o empréstimo por conhecidos e familiares, as bibliotecas domésticas e
a frequência de, entre outras, as bibliotecas públicas.
Em 2007 perto de metade dos inquiridos (47%) comprou pelo menos um livro, sem ser
escolar ou profissional, no último ano. Os compradores de livros são sobretudo
pequenos (1 a 5 livros, com 32%), sendo que apenas em pequena percentagem (5%)
são grandes (mais de 11 livros). Os que declaram não ter adquirido livros são
sobretudo homens (62%). Quanto mais elevada a formação escolar menor a
percentagem dos que não compram livros sem serem escolares ou profissionais. Está
presente uma relação direta com a idade, ou seja, quanto mais avançada maior a
percentagem dos que não compram livros.
As livrarias – situadas ou não em centros comerciais – são os principais e mais
frequentes locais de compra de livros. Os super/hipermercados, as feiras do livro e os
quiosques/tabacarias registam valores intermédios. Numa perspetiva diacrónica,
tendo em conta os dados de 1995 (Freitas, Casanova e Alves, 1997: 158) e de 2007, a
conclusão mais saliente é que as livrarias continuam a ser, destacadamente, o principal
local de aprovisionamento. Constata-se ainda uma evolução positiva das compras nas
feiras do livro e nos super/hipermercados.
Os valores relativos à compra de livros não escolares nem profissionais pela Internet
mostram que este canal (na transição de 2006 para 2007 ainda com uma oferta
reduzida em Portugal) através de sites portugueses (a resposta nunca significa 94%) ou
estrangeiros (a resposta nunca é 95%) é pouco utilizado. Estes valores estão em linha
com os da compra de livros, revistas ou material de aprendizagem, mas que têm vindo

138
a crescer: 7% e 9% em Portugal contra uma média de 18% nos países da UE em 2006 e
2009 (Beck-Domzalska, 2011: 191).
O livro é também um objeto de oferta. Dos que compraram livros para oferecer no
último ano (85%), mais de metade compraram com alguma ou mesmo muita
regularidade. A compra com este objetivo é mais frequente entre as mulheres e os
mais escolarizados. Em termos etários, as diferenças não são muito acentuadas,
embora se note que os indivíduos com idades compreendidas entre os 35 e os 54 anos
são os que mais frequentemente compram livros para oferecer (60% fazem-no muitas
ou algumas vezes), enquanto os que têm mais de 55 anos são os que menos
frequentemente o fazem (57% das respostas incidem em raramente e nunca). Do
ponto de vista da categoria socioprofissional, os profissionais técnicos de
enquadramento são os que mais frequentemente compram livros para oferecer (71%
muitas e algumas vezes), enquanto os operários são os que menos o fazem (34%). De
1995 para 2007 verifica-se um aumento significativo daqueles que com maior
regularidade compram livros para oferecer (muitas ou algumas vezes): de 37% para
55% (Freitas, Casanova e Alves, 1997: 167).
Outros meios de acesso aos livros são, naturalmente, utilizados: pedir livros
emprestados (42%), requisitar livros em bibliotecas e fotocopiar livros profissionais ou
escolares (15% e 16%, respetivamente), fotocopiar outros livros (11%) e fazer
download (8%).
Ou seja, a nova relação com os livros que Pronovost (1996: 33) identifica com base no
empréstimo domiciliário das bibliotecas – em que o livro é menos objeto de coleção e
de posse e mais de empréstimo – não parece ter grande reflexo em Portugal. Neste
mesmo sentido apontam Kovac e Sebart (2006) quando relacionam compra de livros e
empréstimo domiciliário das bibliotecas públicas nos países da UE, uma vez que
Portugal regista um dos mais baixos valores de empréstimos per capita por ano (0,3
contra 13,4 da Dinamarca, máximo, com a Grécia no valor mínimo, 0,2), o qual
contrasta vivamente com as vendas de livros per capita (4,7 contra 7,9 da Bélgica,
valor máximo, com a Holanda no valor mínimo 2,5).

Bibliotecas domésticas

Os livros são objetos muito presentes nos lares. Em maior ou menor quantidade, em
2007 a quase generalidade (92%) dos portugueses tem livros em casa. Esta
percentagem marca uma evolução positiva relativamente a 1995, ano em que era 85%
(Freitas, Casanova e Alves, 1997: 146-147).
A existência conjugada de livros de estudo ou profissionais e de lazer é a mais comum
(60%), ao passo que apenas 9% têm em casa sobretudo livros de estudo ou
profissionais e 31% apenas livros de lazer. Quanto ao géneros de livros, os três
principais são enciclopédias/dicionários, livros escolares e

139
culinária/decoração/jardinagem/bricolage. Em comparação com 1995 os géneros
apresentam algumas alterações quer em termos das respetivas percentagens quer em
termos de hierarquia: escolares e enciclopédias/dicionários (estes últimos registam em
2007 valores substancialmente mais altos: de 57% em 1995 passaram para 82%),
seguidos de perto por romances, e só depois surgem os de
culinária/decoração/jardinagem/bricolage. Esta alteração é parcialmente justificada
com o facto de o género “romances” ter sido desagregado em 2007 em três: romances
de amor, históricos e de grandes autores contemporâneos. Embora não tão evidente,
o referido aumento percentual ocorre em todos os outros géneros de livros
considerados nos dois estudos.
Uma outra abordagem refere-se ao número de livros existentes em casa, excluindo os
escolares. Entre aqueles que afirmam que têm livros (que são, recorde-se, 92%), a
maioria (54%) refere ter até 50 livros. Os dois escalões seguintes registam ainda
percentagens significativas – entre 51 e 100 livros com 22% e entre 101 e 500 com
16%111. Com mais de 500 livros apuram-se 2,5%. Deste modo, o número redondo de
500 livros configura o patamar a partir do qual as bibliotecas domésticas são muito
raras. Em comparação com o inquérito de 1995 a principal conclusão que se pode tirar
é que aumentaram de modo significativo as bibliotecas domésticas de média dimensão
(Freitas, Casanova e Alves, 1997: 150).

Frequência de bibliotecas

As bibliotecas, em particular as públicas, são infraestruturas centrais da cultura de


leitura pela importância atribuída à relação com os seus públicos, por definição todos
os públicos, e porque, como equipamento cultural, a sua função primordial é
proporcionar a leitura como prática cultural. São vários os usos das bibliotecas, a que
correspondem diferentes perfis de utilização (Rodrigues, 2007): como local de
aprovisionamento de livros, para além de suportes audiovisuais e de suportes de
música para ler, visionar ou ouvir noutros locais (principalmente em casa, na
modalidade empréstimo domiciliário), mas também como local de leitura,
visionamento e audição, e ainda, como vários estudos mostram, para usos não
culturais, designadamente como local de estudo, uma vez que os seus usuários mais
regulares são predominantemente estudantes (Lopes e Antunes, 2000; Rodrigues,
2007; Ariño, 2010: 75).

111
Note-se que neste indicador uma outra fonte revela valores substancialmente mais elevados em
2007: 28% da população com 25-64 anos tem mais de 100 livros em casa (Beck-Domzalska, 2011: 180).
Mas o principal interesse desta fonte é a perspetiva comparativa da posição de Portugal quanto ao
número de livros existentes em casa (escalões utilizados: 0-25, 26-100, mais de 100) relativamente a
outros países. Deste ponto de vista, refira-se apenas que Itália, Grécia e Croácia registam taxas mais
elevadas do que Portugal no escalão 0-25 livros.

140
Viu-se já que as bibliotecas ocupam um lugar modesto entre os locais de leitura,de
livros (7%) e residual no que toca aos jornais ou revistas (1%). Quanto à frequência de
bibliotecas, todos os tipos considerados, é referida por 17%. Observadas por tipo, as
municipais são as mais frequentadas (12%), seguidas das escolares (6%) e das
universitárias (3%).
Quanto às secções procuradas pelos utilizadores das bibliotecas públicas, o texto
impresso suplanta largamente as TIC. Tendo em conta os valores relativos à ausência
da prática (nunca), na procura da secção de leitura geral é de 16%, ao passo que no
acesso à Internet é de 48%, à música é de 56% e a procura de filmes é de 58%.
Em comparação com os países da União Europeia, a visita a bibliotecas públicas em
Portugal regista 24% para uma média de 35% (Eurobarómetro 278, 2007). Apesar
deste desnível de 11 pontos percentuais verifica-se que, ao contrário da leitura de
livros, são vários os países cujas percentagens são mais baixas do que a portuguesa.
Chipre (13%), Grécia (15%) e Bulgária (19%) são os casos mais evidentes, mas também
Luxemburgo e Roménia têm valores mais baixos. Malta e Áustria apresentam valores
similares ao português.
E quanto ao número de visitas, embora também aqui com desníveis menos
acentuados do que na leitura de livros, a realidade é que se repete,
comparativamente, a subrepresentação dos grandes frequentadores, constatação que
está em linha com a conclusão do estudo Promoção da Leitura nas Bibliotecas Públicas
no que se refere à fraca capacidade de atração dos grandes leitores por parte das
bibliotecas públicas em Portugal (Neves e Lima, 2009: 173-176).

A leitura no conjunto das práticas culturais e de lazer

Para além das atividades de consumo e de participação cultural ligadas à vida


intelectual e artística, que envolvem disposições estéticas, outras atividades de tempo
livre, realizadas sem finalidade produtiva e em que os indivíduos encontram
possibilidade de expressão, tendem a ser incluídas no campo das práticas culturais
(Coulangeon, 2005: 3-4), até porque os termos que compõem o “duo cultura e tempos
livres […] parecem, co-extensivos”, ainda que a cultura não se esgote nas “atividades
reservadas aos tempos livres” (Santos, 1994: 432). Adota-se aqui, portanto, uma
definição aberta, comum nos inquéritos sociológicos, que abrange atividades de “semi-
lazer”, uma vez que participam na definição dos estilos de vida e da identidade cultural
de certos grupos sociais (Coulangeon, 2005: 4) e ainda atividades ligadas às novas
tecnologias. Procura-se, ainda, identificar o lugar da leitura de lazer no conjunto mais
vasto de atividades associadas ao espaço doméstico ou indoor (Conde, 1996).
Uma primeira abordagem deixa claro que a leitura de livros, como prática quotidiana,
ocupa um lugar modesto relativamente a várias outras, nas quais se destacam desde

141
logo ver televisão e ouvir rádio, mas também a leitura de jornais e a utilização da
Internet (quadro 4).

Quadro 4
Frequência de realização de Práticas culturais (percentagem em linha)
n = 2.552
Frequência de realização
Pelo
menos
Práticas Diariamente Total
uma vez Raramente Nunca Ns/Nr
ou quase
por
semana
Ver televisão 97,5 1,3 1,1 0,1 – 100,0
Ouvir rádio 71,2 12,6 11,6 4,7 – 100,0
Ler jornais 64,9 16,8 4,7 13,4 0,2 100,0
Ler revistas 52,4 14,4 6,0 27,0 0,2 100,0
Ouvir música gravada em mp3, CDs, LPs ou
39,2 19,9 21,8 19,0 – 100,0
cassetes
Usar a Internet 30,6 7,6 5,0 56,6 0,2 100,0
Ler livros (excluindo escolares ou
17,3 21,2 21,4 39,8 0,4 100,0
profissionais)
Ver filmes em vídeo ou DVD 9,5 40,9 29,0 20,6 – 100,0
Jogar jogos eletrónicos (consolas,
8,9 9,9 16,2 64,8 0,2 100,0
telemóvel, computador)
Jogar outros jogos (cartas, xadrez) 4,6 13,6 31,5 50,2 0,2 100,0
Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 99, 150).

Mais detalhadamente, as práticas consideradas correspondem a diferentes volumes de


praticantes e a diferentes intensidades de realização, porém sempre em patamares
relativamente elevados. Como seria de esperar, a mais generalizada e frequente é o
visionamento de televisão. De facto, 98% vêem televisão Diariamente ou quase.
Aqueles que ouvem rádio diariamente ou quase chegam aos 71%. Pelo contrário,
noutras atividades os valores relativos à ausência de realização são superiores a 50%
dos inquiridos. Destas, a que mais se destaca é jogar jogos eletrónicos em que a opção
de resposta nunca chega aos 65%. Sobressaem também os 57% que nunca utilizam a
Internet e os 50% que nunca jogam (jogos de cartas, xadrez). Ainda quanto à utilização
da Internet fica patente a conhecida polarização entre o uso frequente (31%
diariamente ou quase) e a ausência de uso (os referidos 57% de nunca). A leitura de
jornais regista uma taxa de realização elevada (cerca de 87%) e sobretudo uma

142
frequência de realização diária assinalável (65%). Mais modesta é a leitura de revistas
tanto em termos de realização (73%) como de realização mais regular, embora ainda
assim assinalada pela maioria dos inquiridos (52%). Quanto à leitura de livros
(excluindo escolares ou profissionais) apresenta, como se esperaria, valores mais
baixos tanto em termos de realização (60%) como de frequência de realização, em que
as opções que mais se destacam são raramente e pelo menos uma vez por semana
(ambas com 21%).
Importa identificar o lugar do conjunto dos três suportes de leitura entre as demais
práticas culturais. Assim, a leitura de jornais é, embora com índices mais baixos, a mais
próxima das atividades mais generalizadas na vida quotidiana (ver televisão e ouvir
rádio) e até com um peso superior à audição de música gravada. A leitura de revistas
destaca-se também entre aquelas com mais elevada frequência, mas também quanto
à não realização. A leitura de livros regista o valor mais significativo na realização pelo
menos uma vez por semana, em que apenas é superada por ver filmes em vídeo ou
DVD (21% contra 41%).
Tendo em conta outros estudos que incluem as práticas aqui consideradas, parece
manter-se estável o grupo das mais regulares, com o audiovisual à cabeça, entre os
quais se situam, embora num patamar mais modesto, os três suportes de leitura,
sendo o dos jornais o menos modesto (Pais, Nunes, Duarte e Mendes, 1994: 86;
Freitas, Casanova e Alves, 1997, 53; Lopes, Coelho, Neves, Gomes, Perista e Guerreiro,
2001: 111-139; Santos, Gomes, Neves, Lima, Lourenço, Martinho e Santos, 2002: 205).
Note-se ainda que a leitura de livros e jornais é uma das características mais marcantes
dos públicos cultivados (Santos, Gomes, Neves, Lima, Lourenço, Martinho e Santos,
2002: 259) ou, numa outra perspetiva, do universo dos consumidores culturais
regulares (Silva, Luvumba, e Bandeira, 2002: 182).
A comparação do tempo gasto ao longo de um dia normal, excluindo o período de
férias, em quatro atividades, aquela em que os inquiridos gastam mais tempo é, como
se esperaria, o visionamento de televisão (quadro 5). São 86% os que vêem mais de
uma hora de televisão por dia. A audição de música, não sendo tão exigente em tempo
consumido como o televisionamento – até porque, frequentemente, é realizada como
atividade secundária – é, no entanto, considerável uma vez que 46% ouvem mais de
uma hora por dia. Por sua vez, 12% gastam mais de uma hora por dia a ler, enquanto
na utilização da Internet isso acontece a 21%.

143
Quadro 5
Tempo gasto ao longo de um dia normal (excluindo férias) a ver televisão, ouvir
música, ler e utilizar a internet (percentagem em linha)
n = 2.552
Tempo gasto ao longo de um dia normal
Entre Entre 1 Entre 2 Mais
Até ½
Actividades Nenhum ½e1 e2 e4 de 4 Total
hora Ns/Nr
tempo hora horas horas horas
por dia
por dia por dia por dia por dia
Ver televisão 0,4 2,9 9,8 39,9 30,9 14,8 1,3 100,0
Ouvir música 6,0 19,4 25,6 21,3 9,9 14,6 3,2 100,0
Ler 16,2 45,8 24,1 8,1 2,5 1,3 2,0 100,0
Utilizar a
internet 59,3 8,5 8,6 9,2 6,0 5,9 2,5 100,0
Fonte: Santos, Neves, Lima e Carvalho (2007: 166).

Práticas de leitura e novas tecnologias

A partir de meados da década de noventa do século passado, a utilização da Internet


difundiu-se pelo mundo a uma velocidade muito superior à de qualquer outro meio de
comunicação ao longo da história (Cardoso, Costa, Conceição e Gomes, 2005: 81).
Assim, o advento e rápida generalização das novas tecnologias da informação, em
particular da Internet, configuram o que alguns autores apelidam de terceira revolução
da leitura112 que se caracteriza pela leitura em suporte digital e pela transmissão
eletrónica de textos (Cavallo e Chartier, 2001: 51).
De acordo com o inquérito A Leitura em Portugal (Santos, Neves, Lima e Carvalho,
2007: 129), procurar informações úteis é o uso mais generalizado da Internet (92%)
seguido da comunicação com familiares, amigos ou conhecidos (programas de
conversação, correio eletrónico, etc.) (83%). A leitura de livros ocupa lugares mais
modestos: os de estudo/profissionais registam, ainda assim, 21% das preferências, ao
passo que a leitura de livros de ficção é substancialmente mais baixa, apenas 4%.
A informação mobilizada a propósito da utilização das novas tecnologias para aceder a
livros e a outros textos online mostra que os níveis113 eram ainda baixos. O valor mais

112
Os autores situam a primeira revolução no século XV, com a imprensa, e a segunda na última metade
do século XVIII, com a massificação da oferta de livros e a passagem da leitura intensiva à leitura
extensiva. Intensiva num contexto de baixa oferta de livros e leitura repetida de um mesmo livro, em
particular a Bíblia.
113
Não obstante, no uso da Internet para fins culturais, Portugal situa-se acima da média europeia no
indicador “reading/downloading online newspapers/news magazines”, 45% contra 35% (Beck-
Domzalska, 2007: 144-145). Em 2011, de acordo com o Inquérito Sociedade em Rede, com maior ou
menor frequência, 13% leram online ou fizeram download de livros e 35% consultaram sites/jornais

144
elevado, 11%, reporta-se aos jornais nacionais. Contudo, assinale-se que a leitura de
jornais estrangeiros online é ligeiramente mais alta do que em suporte papel. Por
outro lado, a leitura de revistas estrangeiras em papel regista valores mais elevados do
que os jornais (12% contra 1,6%) mas a leitura online é praticamente a mesma (cerca
de 2%).

A leitura de livros e o uso da Internet: uma relação cumulativa

Tendo presente que, com frequência, o advento de um desenvolvimento tecnológico


promove em vez de eliminar aquilo que era suposto substituir (como o livro em CD-
ROM) (Manguel, 1999: 144), mas também os impactos da televisão nas práticas de
leitura de livros, a Internet vem suscitando a interrogação sobre se os seus impactos
serão semelhantes. Wendy Griswold e Nathan Wright (2004) analisam a relação entre
leitura e Internet, com base no tempo a elas dedicado, de acordo com duas
perspetivas que apelidam de soma nula (“zero sum”) e cumulativa (“more-more”). A
primeira baseia-se na perceção de que o tempo gasto numa atividade significa menos
tempo ocupado na outra. Por seu turno, o ponto de vista que sustenta que as duas
atividades são cumulativas preconiza que as pessoas que passam mais tempo na
Internet passam também mais tempo a ler. Significa homogeneidade social entre os
utilizadores frequentes da Internet e os leitores regulares, ou seja, os perfis de uns e
de outros serão semelhantes (idem: 204).
Como se relaciona então a leitura de livros (excluindo escolares ou profissionais) com o
uso da Internet em Portugal no início do século XXI? A resposta é que quanto mais
elevada a frequência da leitura de livros, maior a percentagem dos que usam
regularmente a Internet; e inversamente, à medida que decresce a referida frequência,
mais elevadas são as percentagens daqueles que nunca usam a Internet (Neves, 2010;
2011).
O cruzamento dos dois indicadores deu lugar a uma tipologia com quatro tipos: nunca
as duas (32%); nunca a Internet mas sim leitura de livros (25%); nunca leitura de livros
mas sim Internet (8%); e sim as duas práticas (35%). Os perfis sociais predominantes
associados a cada tipo são, naturalmente, diferentes. Destaca-se aqui apenas o perfil
dos leitores de livros e utilizadores da internet (sim as duas práticas), o qual se
caracteriza por distribuições equilibradas pelos dois sexos (sendo, apesar de tudo, as
mulheres sensivelmente mais leitoras e os homens sensivelmente mais utilizadores da
Internet), juvenilizado, qualificado do ponto de vista da escolaridade, com um peso
muito significativo entre os estudantes e com destaque novamente para a categoria
socioprofissional mais qualificada, os PTE. Estes resultados permitem confirmar a
relação de cumulatividade (more-more) entre a leitura de livros e o uso da Internet e

online sobre desporto, 1,5% tem tablet e 1% leitor de e-books (Cardoso, Espanha, Mendonça, Paisana e
Lima, 2012: 21; 8).

145
também o perfil dos que nunca lêem livros (excluindo escolares ou profissionais) nem
usam a Internet, que corresponde à alternativa a que Griswold e Wright (2004) se
referem (less-less).

Conclusão

As práticas de leitura têm sido objeto de estudo em vários contextos nacionais,


incluindo o português. Os estudos, designadamente os sociológicos, têm uma
espessura temporal alargada o que permitiu acompanhar as evoluções entretanto
ocorridas. Contudo, os até agora realizados não refletiam ainda a atual era digital. De
facto, a crescente afirmação das publicações eletrónicas, associadas aos aparelhos de
leitura específicos, portáteis, constitui uma dimensão fundamental da leitura que
suscita inúmeras perguntas para as quais as respostas são ainda escassas. No caso de
Portugal isso é particularmente notório uma vez que o último inquérito à escala da
população remonta a 2007, altura em que as publicações eletrónicas, em particular o
e-book, eram ainda uma realidade pouco significativa.
O presente capítulo constitui, por isso, um certo regresso a um passado recente de
modo a melhor se entender, com a realização de novos estudos, as mudanças
entretanto ocorridas na sociedade portuguesa quanto à leitura em geral, ao impacto
da leitura digital em particular, em termos dos níveis de leitura da população, quanto
aos usos e tipos de práticas e quanto aos perfis sociais dos leitores.
Para tal tiveram-se em conta as instituições e as características da população
portuguesa no que toca aos determinantes sociais da leitura, tendo presentes os perfis
sociais dos leitores – tendencialmente mais jovens, qualificados em termos de
escolaridade e também em termos da atividade socioprofissional exercida quando
ativos. E com predominância feminina. Mas este perfil social apresenta especificidades
relevantes quando se consideram algumas variáveis, designadamente o suporte (a
leitura é uma prática feminizada nas revistas e livros, não nos jornais), o contexto de
leitura (de lazer, profissional) ou os géneros de livros, revistas e jornais. Por exemplo, a
segmentação por sexo mostra bem que determinados géneros, como os romances, são
de facto uma leitura feminina, e que os livros técnicos e científicos são
predominantemente masculinos, embora as diferenças de sexo se atenuem à medida
que sobem os níveis de qualificação.
A estrutura da sociedade portuguesa vem registando importantes transformações
quanto aos determinantes sociais da leitura, em particular nas qualificações escolar e
socioprofissional e, portanto, no sentido de melhorar as condições para as práticas de
leitura. Os resultados dos estudos mostram uma evolução positiva até 2007, embora
ainda com níveis relativamente baixos comparativamente com países cujos espaços
Portugal integra, desde logo a União Europeia.

146
Uma questão que os inquéritos deixam em aberto, e que apenas com novos estudos
pode ter resposta, é até que ponto a evolução da estrutura da sociedade portuguesa,
associada às medidas de políticas públicas nos domínios educativo e cultural
entretanto postas em marcha, como o Plano Nacional de Leitura, poderão ter
impulsionado os níveis das práticas de leitura da população portuguesa para
patamares mais próximos das médias europeias.
Outra questão a que só novos estudos poderão responder reporta-se ao impacto da
leitura digital, em absoluto, e na relação com a leitura em suportes impressos, na
dupla perspetiva dos tipos de práticas e dos perfis sociais dos leitores. Se os estudos
parecem afastar os receios quanto às eventuais implicações da Internet na diminuição
da leitura, durante algum tempo comparadas com a televisão, ou seja, atuando como
concorrente, dado que concluem por um reforço mútuo positivo, permanece contudo
– entre outras – a dúvida sobre se a leitura de publicações impressas e eletrónicas
contribuirão, em conjunto, para o alargamento da cultura de leitura, uma vez que
parece ser certo que contribuem para o reforço das práticas dos leitores regulares.

147
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154
5

A leitura digital no mundo. Incursão por alguns estudos internacionais

Emanuel Cameira

155
Tentando-se traçar o estado da arte da sociologia da leitura feita em Portugal, importa
notar que a relação entre as novas tecnologias e as práticas de leitura tende a ser
lateralizada enquanto objecto de estudo. Colocada a leitura no conjunto das práticas
culturais e de lazer, e apesar da recente tese da autoria de José Soares Neves (2011)
mobilizar já alguns dados relativos ora à leitura de jornais e revistas online ora ao nexo
estabelecido entre a leitura de livros e a utilização da Internet (os dados estatísticos de
suporte, esses, foram obtidos por via do inquérito A Leitura em Portugal, realizado em
2007 pelo Observatório das Actividades Culturais114), na verdade a própria natureza da
distinção entre “leitores de livros” e “utilizadores da Internet” deixa entrever algum
impasse analítico, não se chegando efectivamente a privilegiar “o que alguns autores
apelidam de terceira revolução da leitura, que se caracteriza pela leitura em suporte
digital e pela transmissão electrónica de textos” (Neves, 2011: 288), enquanto domínio
central de análise sociológica.
Porém, é nesse alinhamento que vários estudos ou inquéritos internacionais tendem
actualmente a posicionar-se, vários deles provenientes de fora do campo académico.
O que neste capítulo se dá a conhecer são fundamentalmente algumas das principais
interrogações e conclusões a que esses mesmos estudos ou inquéritos foram
chegando nos últimos anos.

Survey analysis: consumer digital reading preferences reveal the exaggerated death
of paper, Gartner, Inc., 2011

Em 2010 a norte-americana Gartner, empresa líder em termos mundiais no que se


refere à pesquisa e consultoria em matéria de tecnologias de informação, elaborou um
inquérito a uma amostra de 1569 indivíduos de seis países (Estados Unidos, Reino
Unido, China, Japão, Itália e Índia) visando recolher informação acerca das suas
experiências subjectivas de leitura tanto no suporte papel como digital. De acordo com
o coordenador do estudo, tratou-se pois de perceber em que medida os media digitais
estariam ou não a canibalizar os media impressos, uma vez que se tem vindo por
exemplo a assistir a um genérico declínio da venda de jornais. Todavia, no estudo
realizado pela Gartner, apesar de não se verificar a mera substituição de suportes por
parte dos sujeitos leitores, chega-se à conclusão de que o tempo que os indivíduos
ocupam lendo diante de um ecrã digital é hoje praticamente igual ao que destinam ao
consumo de textos em papel.
Introduzindo o factor geracional, é nos mais novos que se nota maior satisfação pelas
leituras feitas em ecrã, com os indivíduos compreendidos na faixa etária entre os 40 e
os 54 anos a serem aqueles que manifestam menor agrado relativamente a uma
experiência de leitura desse tipo. Quando a variável trazida para a análise se reporta

114
Encomendado no âmbito do Plano Nacional de Leitura.

156
ao género dos inquiridos, quer homens quer mulheres tendem genericamente a
considerar a actividade de leitura efectuada através de suportes digitais como sendo
de grau de dificuldade maior ou equivalente à leitura de material impresso. Ainda
assim, quando comparamos, são sobretudo os homens quem afirma ser mais fácil a
leitura sobre suporte digital. A inexistência de um padrão único para o que se designa
de leitura digital leva também a própria análise da Gartner a sublinhar que o acto de
ler uma mensagem de telemóvel possui características perceptivas distintas daquela
leitura levada por exemplo a cabo com um e-reader.
Tendo por referência o conjunto dos países abrangidos, destaque para os dados que
apontam 40% dos inquiridos sem experiência de utilização de e-readers (Amazon
Kindle, Nook, etc.), atingindo mesmo os valores de 75%, 56% e 57% nos casos da Índia,
Reino Unido e Estados Unidos respectivamente. São os indivíduos de nacionalidade
chinesa, nomeadamente residindo em áreas urbanas, os que revelam maior
familiaridade com os e-readers. Talvez também por isso, dos inquiridos dos seis países,
são eles os que entendem ser mais fácil a leitura com recurso a esses gadgets, algo
que não deixa de reflectir o elevado rendimento e nível de instrução da amostra
correspondente à realidade chinesa.
De realçar igualmente o facto de a maioria dos utilizadores de tablets e iPads (52%)
afirmar que a leitura em ecrã é mais fácil que a leitura em papel, ao passo que 42%
considera a existência de um nível de dificuldade equivalente. Da parte daqueles que
utilizam computadores portáteis, 47% acha a leitura feita através desse dispositivo
mais difícil do que se realizada em suporte papel, sendo 33% da opinião que não
existem grandes diferenças em termos de dificuldade.

PISA 2009 Students On Line: Digital Technologies and Performance, OCDE, 2011

A edição de 2009 do relatório PISA (Programme for International Student Assessment),


iniciativa lançada desde 1997 pela OCDE (Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Económico) e que, de três em três anos, procura monitorizar os
resultados dos sistemas educativos de vários países através da medição das
competências dos respectivos alunos ao nível da leitura, da matemática e das ciências,
dedica as páginas do seu volume VI a explorar a utilização que, em 19 países, os
estudantes de 15 anos fazem das tecnologias de informação para efeitos de
aprendizagem. Neste sentido, não só foram alvo de um teste em computador visando
analisar o tipo de habilidade demonstrada em termos de navegação e avaliação da
informação online, como também lhes foi aplicado um inquérito por questionário
destinado a captar alguma informação sobre o uso dos computadores nos contextos
escolar e domiciliar.

157
Ora, diversos aspectos enquadradores deste estudo merecem aqui particular
elucidação. Estima-se que, desde há três décadas a esta parte, a utilização do micro-
computador aumentou exponencialmente em todo o mundo. Bastará lembrar que
perto de dois biliões de pessoas, mais ou menos 29% da população mundial, utilizava a
Internet no ano de 2010, com percentagens que variavam dos 77%, para a América do
Norte, aos 11%, para o continente africano. O relatório PISA 2009 frisa também o facto
de, desde a última década, se vir assistindo à generalização das tecnologias móveis,
com os computadores portáteis, smartphones, tablets, etc., a serem adquiridos por um
número cada vez mais significativo de indivíduos. Se no que se refere à ligação
doméstica de banda-larga apenas 8% da população global se conecta à Internet dessa
forma, a percentagem atinge os 14% quando a ligação acontece por via móvel,
sinalizando-se assim, à luz do relatório em causa, a crescente importância do acesso
móvel à Internet nos países não pertencentes à OCDE.
Apesar de o recurso aos dispositivos de comunicação e informação ocorrer numa
variedade de contextos e movido segundo diferentes tipos de objectivos, “their most
important characteristic is that they all permit the display and perusal of text. (…) As a
result, whatever their purposes, tasks or goals, users of computers and networked
digital technologies are compelled to read digital texts” (p. 32). De resto, a
circunstância de as tecnologias digitais não só envolverem alterações na morfologia,
no conteúdo e no próprio tempo de existência dos textos mas sobretudo até na
natureza do acto da leitura, acaba por justificar o porquê de, pela primeira vez, um dos
principais domínios de interrogação do PISA (a literacia em leitura), ter, na versão de
2009, contemplado a sua componente digital. Nessa medida, perceber as mudanças
em questão alicerçando o enfoque mais na esfera das competências de literacia (da
proficiência da leitura) do que noutro pressuposto analítico qualquer constitui a
singularidade do contributo do PISA, sem nunca descurar a exploração das diferenças
e/ou da influência combinada entre a leitura em papel e a leitura digital.
Neste seguimento, considerações preliminares do relatório tratam de afirmar que as
tecnologias impressa e digital possuem características únicas que, por seu turno,
implicam diferenças no modo como determinado texto é produzido, visualmente
apresentado/organizado ou inclusive conectado a outros. No que concerne aos textos
digitais, o alargamento do acesso à Internet aliado à interactividade que os dispositivos
electrónicos possibilitam terá suscitado novas modalidades de comunicação que, por
conseguinte, esbatem as tradicionais fronteiras entre texto escrito e conversação oral.
De qualquer forma, parte-se do princípio de que “some types of reading are still mostly
done using printed materials, while others are specific to the electronic medium. (…)
However, a wide range of reading activities can be performed using both types of
texts” (p. 36). As diferenças que os textos assumem nas vertentes impressa e digital
fazem portanto entroncar noutra direcção a abordagem das competências de literacia.
Representando a navegação uma das propriedades da leitura digital mais visíveis, não
surpreende que uma das opções analíticas pelas quais o PISA enveredou trate de

158
analisar as sequências de páginas Web que os alunos visitam de maneira a realizarem
ou completarem uma particular tarefa. Mas mais do que procurar dissecar aqui qual o
tipo de relação existente entre a navegação, esse processo também ele cognitivo
repousando na selecção e ordenação de materiais (hiper)textuais como resposta
personalizada a necessidades de informação e conhecimento, e as performances dos
estudantes em matéria de leituras nos suportes papel e digital, importa mencionar as
interpretações facultadas pelo PISA 2009 relativamente ao gosto pela leitura dos
estudantes de um leque alargado de países. A este respeito, uma primeira conclusão
genérica pode ser retirada. Se se atender à grande maioria dos 65 países participantes
nos estudos do PISA, o gosto pela leitura surge intimamente vinculado à proficiência
da leitura em papel. Sob que moldes o gosto pela leitura se articula com a proficiência
da leitura digital é o que se tenta paralelamente esclarecer, desta feita já só no quadro
dos 19 países que optaram por avaliar os desempenhos neste formato. De acordo com
os dados apresentados, e tendo sido construído um índice para efeitos dessa aferição,
na maioria dos países é bastante assinalável a disparidade entre os estudantes mais e
menos entusiastas da leitura, traduzindo-se numa diferença média de 88 pontos na
escala referente à (performance da) leitura digital. Quer isto sugerir que, em termos
médios, é nos estudantes com menor gosto pela leitura, se os compararmos àqueles
mais entusiasmados por essa prática, que se acentua, em dobro, a probabilidade de
alcançar fracas performances na leitura online.
Contudo, o gosto pela leitura explica menos o grau de variação no plano da leitura
digital (14%) do que no da leitura em suporte papel (20%). Resultados esses também
exigindo um reparo metodológico, visto que da bateria de onze itens destinada a
medir o gosto pela leitura seis deles aludem ao artefacto livro ou, mais ou menos
explicitamente, a material impresso. Segundo o relatório PISA, o que fica claro acima
de tudo é que, independentemente do medium, o prazer da leitura e as competências
requeridas no exercício daquela funcionam dentro de um círculo virtuoso: “students
who enjoy reading engage more in reading activities and provide themselves with
more opportunities to become better readers. At the same time, the better they read,
the more they feel confident about their own reading abilities, the more they read and
choose to engage with challenging reading tasks or texts that will allow them to grow
as readers” (p. 132).
Reenviar a análise para a associação entre a multiplicidade de material impresso que
os estudantes lêem e a proficiência da leitura digital é algo a que a edição de 2009 do
PISA procede. O mesmo foi feito para a leitura em papel, tendo ficado demonstrado
que quem protagonizava práticas de leitura de diversificada índole (perguntava-se com
que frequência liam livros de ficção e não-ficção, revistas, jornais, banda desenhada,
etc., sempre por prazer e/ou voluntariamente e não por necessidades definidas pela
instituição escolar) obtinha melhores desempenhos na leitura desses mesmos textos.
De sobressair que os leitores online proficientes coincidem com os estudantes que
regularmente lêem uma diversidade de material impresso. Entre os países

159
considerados, apesar de ser inferior a percentagem de variação no desempenho da
leitura quando cruzada com a variável diversidade (valores médios de 7% e 6%
respectivamente, consoante se centre o foco na leitura levada a cabo em papel ou
online - o gosto pela leitura parece, em ambos os suportes, exercer na literacia uma
interferência mais determinante), os indivíduos envolvidos em práticas de leitura
menos diferenciadas são os que tendem a revelar piores desempenhos em termos da
leitura digital.
O PISA engloba também uma conclusão que o já referenciado estudo da Gartner vem
corroborar. O tempo que os estudantes despendem acedendo a material online vem
aumentando, reiterando-se mesmo que muitas das práticas de literacia que
previamente ocorriam por intermédio do impresso, tais como a leitura de livros, de
jornais ou demais géneros de documentos, abrangem crescentemente o uso de
dispositivos electrónicos. O volume III do PISA 2009 (Learning to Learn) divulga que,
em termos médios, através dos países da OCDE, a modalidade mais comum de leitura
digital indicada pelos estudantes consiste na conversação online, apontando três
quartos dos alunos um envolvimento nesse tipo de actividade pelo menos várias vezes
durante a semana. A leitura de e-mails (64%) e a pesquisa de informação na Internet
(51%) constituem as outras modalidades que os estudantes mais praticam. Ainda de
salientar que na maioria dos países é meramente residual a diferença entre rapazes e
raparigas relativamente ao modo como utilizam a Internet quando se trata de ler por
razões de prazer.
Examinando com maior detalhe as práticas de leitura online infere-se a sua divisão em
essencialmente duas categorias: a leitura ora enquanto pesquisa de informação ora
enquanto actividade social, reproduzindo-se assim a dupla valência que caracteriza
largamente a Internet. Se a pesquisa informativa abarca por exemplo a leitura de
notícias, o recurso a dicionários, a busca de informação prática ou sobre um tópico
específico que interessa aprofundar, o seu carácter de actividade social compreende,
entre outras coisas, a leitura de e-mails ou a conversação em rede (aliás duas das
principais actividades que os jovens, pelo menos uma vez por semana, realizam no
tempo de lazer, mais precisamente no computador de casa). Os dados saídos do PISA
esclarecem então que o tempo ocupado pelos estudantes na pesquisa de informação
varia conforme o país em questão. Polónia, Coreia, Hungria e Hong Kong-China seriam
aqueles onde mais frequentemente os alunos ocupam o seu tempo pesquisando
informação online. No pólo oposto contam-se países como a Irlanda, a Bélgica, o Japão
ou Macau-China. Distinta é a perspectiva caso se observe o padrão das actividades
sociais na Internet. Os estudantes que com maior frequência nelas se envolvem são
oriundos de países como a Islândia, a Hungria, a Dinamarca, a Bélgica, a Noruega e a
Áustria, atingindo valores mais elevados do que a média da OCDE. Colômbia, Irlanda,
Chile, Japão ou Nova Zelândia debatem-se, nesse domínio particular das actividades
sociais online, com uma frequência inferior à média da OCDE.

160
Todos os 19 países alvo da inquirição do PISA em torno da leitura digital evidenciaram
que a uma procura de informação online mais constante está associada uma melhor
performance ao nível da leitura digital (a percentagem de variação explicada situa-se
nos 7,5%). A relação, contudo, não é totalmente linear. Se por um lado as
competências de literacia digital dos estudantes que expressaram um frequente
envolvimento em actividades de pesquisa de informação online parecem divergir
substancialmente se comparadas com o grupo dos que raramente se dedicam a tais
actividades, por outro não se pode falar de uma relação desse tipo quando se
considera, em vez deste último grupo, o dos estudantes que moderadamente
empreendem essas práticas. Ao situarmo-nos do lado da Internet enquanto tecnologia
social, o PISA nota que o conjunto de actividades aí subentendidas se relacionam com
a proficiência da leitura digital de modo bastante menos acentuado (a percentagem de
variação explicada situa-se em 1,4%). Somente num número reduzido de países (Chile,
Colômbia – 8%; Polónia – 6%), tal percentagem de variação aparenta ser mais
consistente. Um dos aspectos decisivos a reter daqui será, sem dúvida, o facto de
muitas das tarefas orientadas para práticas sociais online, que podem ser incluídas nas
de leitura digital, requererem competências básicas com que os jovens de 15 anos já
estão familiarizados.
Antes de passar propriamente a apresentar os resultados a que o PISA chegou para os
diferentes países na tentativa de comparar as médias de desempenho dos estudantes
quer em termos da leitura digital quer no que se refere à leitura em papel, convém
sublinhar a presença de uma relação negativa entre o gosto pela leitura e as
actividades sociais online. Melhor dito: tendem a ser os estudantes mais envolvidos
nesse tipo de actividades os que revelam, em média, uma atitude menos positiva face
à leitura, lendo inclusivamente uma menor diversidade de material impresso se se
tentar a comparação com os que menos tempo dedicam a actividades similares. Ao
invés, os estudantes que frequentemente pesquisam informação online não só
tendem a ler uma maior diversidade de publicações impressas como a denotar um
maior gosto pela leitura.
De facto, para lá destas conclusões, o PISA 2009 apurou que só cerca de 5 países
(Japão, França, Bélgica, Noruega e Espanha) dos 19 participantes no estudo da leitura
digital (Portugal não participou) tiveram, em termos médios, resultados idênticos na
avaliação das competências no âmbito tanto da leitura digital como da leitura em
papel (quadro 1). Com diferenças significativas do ponto de vista estatístico, dos países
onde os estudantes obtiveram melhores pontuações ao nível do desempenho em
leitura digital fazem por exemplo parte a Coreia, a Austrália, a Nova Zelândia ou a
Irlanda. O inverso sucede nalguns países como a Polónia, a Hungria, o Chile ou a
Áustria. Mas importa principalmente destacar a tendência de ser nos países com
elevada proficiência em ambas as esferas da leitura (digital e impresso) que se
alcançam valores superiores no que diz respeito à leitura digital, com os países pior

161
classificados em ambos os domínios a assumirem para a leitura de meios impressos
valores mais elevados.

Tabela 1
Comparação da performance média na leitura digital e em papel

Diferença entre digital e


Leitura digital Leitura em papel
papel
Média de pontuação Média de pontuação Diferença média
Áustria 459 470 -11,70
Bélgica 507 506 1,45
Dinamarca 489 495 -5,99
França 494 496 -1,35
Hungria 468 494 -25,84
Irlanda 509 496 13,27
Polónia 464 500 -36,96
Espanha 475 480 -4,95
Suécia 510 497 12,90

Islândia 512 500 11,56


Noruega 500 503 -3,28

Austrália 537 515 21,70


Chile 435 449 -14,85
Japão 519 520 -0,63
Coreia 568 539 28,31
Nova Zelândia 537 521 16,48
Notas: Valores significativos do ponto de vista estatístico indicados a negrito.

Fonte: OCDE, Resultados PISA 2009: Students On Line - Volume VI, Paris, 2011, p. 77.

162
Children’s Reading Today, Christina Clark, National Literacy Trust, 2012

O National Literacy Trust, organismo independente que vem investigando, desde 2005,
tanto as atitudes face à leitura como as competências de literacia das crianças e jovens
do Reino Unido, levou a cabo em 2011 um inquérito por questionário online
(constituído por 43 perguntas) que abrangeu 20.950 alunos115 de 128 escolas
aderentes à iniciativa, questionário esse, à semelhança do PISA, vocacionado para
entender a proficiência que as crianças e jovens em foco têm ao nível da leitura, mas
também, entre outros objectivos, preocupado em captar que tipo de configurações
textuais lêem nos seus tempos livres, as atitudes reveladas quanto ao acto de ler ou
mesmo quais os suportes de leitura privilegiados.
Uma primeira conclusão que importa reter prende-se com o facto de, quando
comparando com dados relativos a 2005, e independentemente destas crianças e
jovens afirmarem um gosto pela leitura semelhante ao revelado naquele ano116, os
indivíduos agora inquiridos lerem menos no dia-a-dia (quadro 2). Se parece verdade
que o acto de leitura perde algum protagonismo para outras actividades de lazer,
interessa sobressair a circunstância de praticamente em todos os géneros e formatos a
leitura mostrar tendências decrescentes, com a excepção a verificar-se ao nível do que
se designa por ‘mensagens de texto’.

Gráfico 1
Tipo de materiais lidos fora da sala de aula em 2005 e 2011 (%)

115
Entre os 8 e os 16 anos de idade.
116
51% (2005) vs. 50% (2011) afirmaram gostar “muito” ou “bastante” de ler.

163
Note-se contudo a impossibilidade de encontrar explicação para essa perda percentual
numa diametral passagem de um padrão impresso para um padrão digital, isto em
virtude de também neste domínio (veja-se os dados relativos a leitura de textos de
websites e e-mails) os valores encontrados terem diminuído entre os anos de 2005 e
2011. De qualquer modo, quando se compara os anos de 2010 e 2011,
especificamente no que tem a ver com os tipos de materiais lidos fora da sala de aula,
ou seja, nos tempos livres, pelo menos uma vez por mês (quadro 3), somos levados a
concluir que, apesar de variações mais vincadas na leitura de determinados materiais
(a saber, mensagens de texto ou textos noutra língua que não o inglês materno, ambos
com um acréscimo considerável), não tendem a ser muito significativos em termos
percentuais quer o crescimento quer a diminuição da leitura nos vários géneros e
suportes. Ainda assim, é detectável uma ligeira subida na leitura de blogues, de livros
electrónicos, de mensagens instantâneas e de textos presentes nos sites das redes
sociais, dimensões estas não examinadas no primeiro estudo sobre literacia, realizado
em 2005.

Gráfico 2
Tipo de materiais lidos, pelo menos uma vez por mês, em 2010 e 2011 (%)

Se se observar o conjunto de materiais cuja leitura sucede através de um interface


electrónico ou digital, apenas as mensagens de correio electrónico sofrem uma
diminuição de percentagem entre 2010 e 2011. Algo que não contraria o facto de

164
serem os textos digitais (63,2% - mensagens de texto; 50,4% - websites; 49,9% - sites
de redes sociais) os mais recorrentemente lidos fora da sala de aula, e aqui atende-se
inclusive às leituras efectuadas no suporte papel. Já no que se refere ao material
impresso que as crianças e jovens do Reino Unido mais afirmam ler nos tempos livres
as revistas ganham predominância em ambos os anos (a ficção constitui a segunda
principal escolha), sendo os manuais escolares e os textos noutra língua que não o
inglês materno os tipos de textos que menos lêem.
No plano de uma análise de género, deste estudo coordenado por Christina Clark (que
também corrobora dados do PISA 2009 – aí, dos jovens de 15 anos, eram as raparigas
quem mais declarava ler por gosto (73%), perante 52% dos rapazes), convém salientar
que se descobrem diferenças entre os dois sexos não somente na duração da leitura
(as raparigas lêem por períodos mais prolongados de tempo) como na natureza dos
materiais lidos. Avança-se a ideia de que é no grupo das raparigas onde mais
frequentemente se dá conta de práticas de leitura não assentes exclusivamente em
textos de carácter mais ‘tradicional’ (ficção, poemas, revistas ou letras de músicas) mas
também em formatos digitais (e-mails, mensagens instantâneas, sites de redes
sociais). Por contraste, o estudo atesta que são sobretudo os rapazes quem declara ler
não-ficção, jornais, banda desenhada ou manuais escolares. Não se reconhecendo
diferenças senão residuais quanto à proporção de rapazes e raparigas que recorrem a
dispositivos de leitura como o Kindle ou o iPad, já quando se consideram outros
desses dispositivos electrónicos (o iPod ou as consolas de videojogos, nomeadamente)
são mais os rapazes quem a eles se refere. No entanto, em termos globais, a tendência
encontrada parece traduzir-se no facto de as raparigas lerem uma maior variedade de
materiais textuais por via do recurso a uma multiplicidade de media. Que, em
comparação com os rapazes, as raparigas revelam atitudes mais positivas face à leitura
é outra das conclusões a retirar do presente estudo. A preferência pelo visionamento
de TV, a leitura como actividade que se encara realizar apenas quando obrigatória ou a
ausência de temas de interesse que instiguem a sua prática surgem aqui enquanto
exemplos de afirmações merecedoras de concordância principalmente por parte dos
jovens do sexo masculino.
A possibilidade de conferir lugar analítico ao factor idade (quadro 4) foi algo a que o
inquérito do National Literacy Trust também se abalançou. Aludindo a três ciclos de
ensino (KS2 – dos 8 aos 11 anos; KS3 – dos 11 aos 14; KS4 – dos 14 aos 16) conseguiu-
se detectar que o gosto pela leitura prevalece nos alunos mais novos (KS2 - 73%),
diminuindo à medida que estes transitam para os ciclos de ensino subsequentes.

165
Gráfico 3
% de alunos de cada ciclo de ensino que afirmam gostar “muito” ou “bastante” de ler, em
2010 e 2011 (%)

Na realidade, apesar de entre 2010 e 2011 serem mais as crianças e jovens do Reino
Unido a afirmar um acentuado gosto pela actividade da leitura, e isto
transversalmente aos diferentes ciclos de ensino considerados, os inquiridos dos 14
aos 16 anos tendem seis vezes mais a declarar que não gostam de ler do que aqueles
com idades que vão dos 11 aos 14 (21% contra 3,8%). Mas as variações fazem-se
igualmente sentir na própria frequência com que a leitura é praticada. Assim, ao passo
que os alunos dos 8 aos 11 anos e dos 11 aos 14 apresentam percentagens mais
elevadas relativas a experiências diárias de leitura fora da sala de aula (43% e 29%
respectivamente), só cerca de 23% dos jovens dos 14 aos 16 têm esse hábito. Se por
um lado é neste último grupo que se lê por períodos mais prolongados de tempo, é
também nele que a percentagem dos que dizem nunca ler fora da sala de aula atinge
valores superiores (11% contra por exemplo 5% dos alunos integrados no segundo
ciclo de ensino).
Em todo o caso, é possível admitir diferenças ao nível da diversidade do tipo de
materiais lidos consoante a idade dos jovens e das crianças alvo do inquérito. Dito de
outro modo, enquanto os textos digitais (mensagens de telemóvel, textos publicados
nos sites das redes sociais, etc.) são lidos predominantemente pelos alunos mais
velhos, ou seja, dos ciclos 3 e 4, o consumo de leitura das crianças dos 8 aos 11 anos
(ciclo 2) repousa sobretudo em textos mais ‘tradicionais’ ou impressos, contando-se a
ficção, as revistas, a não-ficção e os poemas entre os materiais preferidos. De acordo
com o estudo Children’s Reading Today, é no acesso à tecnologia (quadro 5) que se
poderá encontrar alguma explicação para as diferenças identificadas.

166
Gráfico 4
Acesso à tecnologia por ciclo de ensino (%)

O facto de a posse de computador pessoal assumir variações assinaláveis quando


cruzada com a variável idade (é na faixa dos 14 aos 16 anos que se encontram mais
jovens que têm o seu próprio computador) não significa contudo que a percentagem
de acesso a um qualquer computador no espaço domiciliar assim como à Internet seja
baixa para as crianças e jovens dos ciclos de ensino precedentes (sempre acima dos
90% aliás). Neste sentido, a justificar a incursão dos alunos mais velhos (ciclos 3 e 4)
por práticas de leitura digital parece estar tanto o seu maior acesso aos telefones
móveis (adquirindo centralidade nesses dispositivos as mensagens de texto) como a
manifesta familiaridade em matéria de criação de perfis nos sites das redes sociais. A
fixação de uma idade mínima para aceder a sites de redes sociais (por exemplo, nos
casos do Facebook e do Bebo abaixo dos 13 anos não é permitido o registo) ajuda
também a elucidar os dados acima mostrados. Tendências recentes de determinados
sites de redes sociais apostados em conquistar faixas etárias mais novas pode por
exemplo ajudar a explicar como cerca de 45% dos alunos do ciclo 2 (dos 8 aos 11 anos)
têm já um perfil criado.
Ora, desta feita para a totalidade da amostra, resta um olhar final comparativo em
torno dos suportes e gadgets adoptados no âmbito das práticas de leitura. O quadro 6
é, a esse propósito, bastante esclarecedor: ascendente de leituras feitas em formato
papel, apesar de percentagens elevadas ao nível das leituras mediadas por
computador ou por telemóvel, qualquer uma delas realizada por mais de metade da
amostra.

167
Gráfico 5
Suportes e dispositivos adoptados para a leitura, em 2011 (%)

Se a maioria das crianças e jovens do Reino Unido (62%) declara ler materiais
impressos e também textos digitais através de pelo menos um dispositivo tecnológico
específico, 17,8% afirma apenas ler textos impressos, chegando mesmo 20% a admitir
a não-leitura de nenhum texto nesse formato.

Reading on the rise - A new chapter in american literacy, National Endowment for the
Arts, 2009

Já em 1998, num artigo intitulado “Práticas culturais: digressão pelo confronto


Portugal-Europa”117, Idalina Conde interrogava-se perante dados que enquadravam os
comportamentos de leitura da população portuguesa segundo duas coordenadas
primordiais: não só o aumento dos chamados pequenos-leitores (1 a 5 livros por ano)
acompanhava o recuo dos grandes leitores (lendo mais de 20) como, por outro lado,
notava-se um deslizamento geracional dentro do principal grupo de leitores, com a
percentagem de jovens dos 15 aos 19 anos e dos 20 aos 29 nele incluídos a sofrer um
decréscimo na ordem dos 6%. Se para a primeira tendência a autora levantava a
hipótese de “um eventual incremento no ecletismo de um leitorado menos “fixado”
exclusivamente na leitura de livros”, no segundo caso tratava-se de perceber “até
quando o livro vai “resistir”, ou que metamorfoses conhecerá junto de apetências
juvenis tão polarizadas na era da informática, do audiovisual e da música” (1998: 2).
Ora, o relatório publicado em 2009 pelo National Endowment for the Arts procura
fundamentalmente medir, no contexto da realidade norte-americana, em que medida
conclusões extraídas de estudos antecedentes (Reading at Risk, 2004; To Read or Not
to Read, 2007), demonstrando a perda de posição da leitura para uma multiplicidade
de actividades de entretenimento e de comunicação electrónica, ainda têm
correspondência com a realidade, isto quando, nos últimos seis anos, diversos tipos de
117
In OBS (publicação periódica do Observatório das Actividades Culturais), nº 4, Outubro de 1998, 7 p.,
disponível em
http://www.oac.pt/pdfs/OBS_4_Pr%C3%A1ticas%20Culturais_Digress%C3%A3o%20pelo%20Confronto
%20Portugal_Europa.PDF

168
programas, medidas de política pública e protagonistas sociais fizeram do incentivo às
práticas de leitura uma prioridade nacional. Partindo de uma amostra representativa
da população adulta norte-americana (e não deixando de atender aos
comportamentos de leitura daqueles jovens que haviam concluído recentemente o
ensino secundário), Reading on the rise começa desde logo por defender que “the
recent rise in reading is not a school-based trend but a broader, community-wide
phenomenon” (p. 2).
Debruçando-se exclusivamente sobre a leitura do género literário (romances, contos,
poemas, peças teatrais, nas vertentes impressa e online), na abertura do relatório em
questão enuncia-se o facto de só agora, pela primeira vez118, em 2008, se ter apurado
o crescimento da percentagem de adultos norte-americanos lendo alguma forma de
texto literário (quadro 7). Tal não significa contudo que o valor percentual relativo a
2008 (50,2%) seja o mais elevado em termos da série temporal fixada (nos anos de
1982 e 1992 as percentagens são efectivamente superiores). Após duas décadas de
quedas percentuais sucessivas, é pois de registar que face à anterior condução do
inquérito, que data de 2002, ocorreu um aumento de 7% ao nível dos indivíduos que
afirmam ter lido textos de teor literário nos últimos doze meses.

Gráfico 6
% de adultos norte-americanos que lêem literatura: 1982-2008

Também se pode pensar nestes resultados de um ponto de vista absoluto, ou seja,


apreendendo o número de leitores no âmbito da totalidade da população norte-
americana (quadro 8). Deste ângulo, os dados mostram que o crescimento do número
de leitores não consiste num efeito que acompanha linearmente o aumento da própria
população. O ano de 2008 é bem ilustrativo a esse respeito, uma população com mais
16,6 milhões de indivíduos embora integrando, se se confrontar com dados de 1982,
uma percentagem inferior dos que lêem literatura.

118
Desde 1982, o inquérito por questionário terá sido aplicado cinco vezes.

169
Tabela 2
Número total e % de adultos que lêem literatura

A atenção concedida à variável idade permite entender como a leitura do género


literário cresceu sobretudo entre os indivíduos mais jovens, importando destacar a
faixa dos 18 aos 24 anos pelo facto de ter sido precisamente aquela onde o acréscimo
do número de leitores, entre 2002 e 2008, se fez sentir de maneira mais rápida e
evidente (9%, correspondendo a cerca de 3,4 milhões de leitores adicionais). Aliás,
somente num grupo etário (dos 45 aos 54) a taxa de leitura apresentou uma tendência
decrescente, ainda que estatisticamente pouco expressiva.
Antes de passar especificamente aos contributos que o relatório fornece em termos
das práticas de leitura digital na sociedade norte-americana, interessa referir que, pela
primeira vez na história do inquérito, a leitura de textos literários conheceu uma
subida percentual tanto para os homens como para as mulheres, mas também,
conforme sociologicamente esperado, que os dados não escapam à lógica da estreita
relação existente entre a taxa de leitura e o grau de escolaridade dos inquiridos (em
2008 a taxa é de 68,1% para aqueles que concluíram o ensino universitário). Mesmo
assim, independentemente do nível de escolaridade completado ou frequentado, os
dados do relatório apontam para um incremento generalizado das taxas de leitura dos
adultos nos anos que medeiam de 2002 a 2008.
Direccionada a análise para a natureza daquilo que se lê, saliente-se o facto de a ficção
(nas modalidades do romance ou do conto) ser, em 2008, o subgénero literário mais
lido, por praticamente metade da população adulta norte-americana (perto de 47%). E
ainda a conclusão de que a leitura de poesia e de textos teatrais diminuiu entre 2002 e
2008, ou que a maioria dos leitores destes dois subgéneros literários (64,2%) tenha
também o hábito de ler ficção.
Frente, pois, a um cenário em que o número de adultos que lê livros aumentou em
termos absolutos mas sofreu um ligeiro declínio percentual se visto
proporcionalmente ao crescimento da população, isto no lapso temporal de 2002 a
2008 (justifica-se aqui explicitar que por leitura de livros se pressupõe a de qualquer
género, não apenas literário, e quando não realizada por exigências de carácter escolar
ou profissional), afigura-se interessante constatar como os jovens adultos, dos 18 aos
24 anos, têm associada uma taxa de leitura mais baixa que a dos adultos mais velhos,
invertendo-se os respectivos protagonismos desde que deslocado o enfoque para o

170
domínio digital (quadro 9), tanto no plano da literatura como no que respeita a textos
de outra índole.

Gráfico 7
% de adultos que lêem online, por idade

Reading on the rise permite assinalar que a grande maioria (84%) dos adultos que lêem
textos literários online (ou que descarregaram os ficheiros da Internet) possui o hábito
de ler livros, estejam eles reproduzidos num formato impresso ou digital. De resto, a
taxa de leitura de livros para os adultos que lêem blogues, ensaios ou artigos online
assume também um valor elevado (77%). Convém observar, por fim, que cerca de 15%
de todos os adultos norte-americanos leram em 2008 literatura aquando do seu
acesso à Internet, privilegiando géneros como a literatura de mistério (46%), os
thrillers (32%), os romances (23%), a ficção científica (29%) ou até o que se qualifica de
“outra ficção” (40%), a segunda categoria com maior popularidade.

Pilot Survey: Reading in Print and Onscreen, Naomi S. Baron, 2010

A americana Naomi Baron é uma das investigadoras que, na actualidade, mais se tem
dedicado à análise do impacto que o desenvolvimento das tecnologias exerce nas
relações que os indivíduos vêm historicamente mantendo com a palavra escrita,
chegando mesmo a deixar a seguinte interrogação no final de um texto seu de 2005:
“what does seem to be at issue is what roles reading and writing, books and paper will

171
assume in the cultural life of the coming decades”119. Estaremos a viver, segundo a
autora, num clima de transformação de paradigmas, já não o que caracterizava os
primórdios da cidadania europeia, isto é, competências mínimas de literacia e acesso
socialmente restrito às actividades de leitura e escrita, agora passando para um
modelo em que o grosso da população já denota níveis básicos de literacia, num
contexto não só de constante produção de novos livros como de disseminação de
computadores e demais dispositivos digitais. No sentido de compreender o modo
como os indivíduos actualmente lidam com a cultura escrita, do livro, implicados que
estão numa nova praxis cultural, Baron, por meio de um estudo piloto em que
participaram estudantes universitários, recolheu informação empírica apta a elucidar a
maneira como os interfaces tecnológicos configuram o modo como se lê, o que
significa ler nos dias que correm.
Metodologicamente falando, tratou-se de um inquérito por questionário online
administrado em 2010, tendo sido seleccionados, através de uma amostra por
conveniência, 82 alunos de uma universidade privada norte-americana, com idades
compreendidas entre os 18 e os 24 anos e, maioritariamente, do sexo feminino (68%).
As perguntas de partida da pesquisa abordavam aspectos tão diversos como a
durabilidade de um texto (em que medida a permanência do impresso e a
efemeridade associada ao digital é uma oposição com que os leitores se preocupam –
pense-se por exemplo nas eventuais dificuldades colocadas ao nível da releitura e/ou
anotação), as condições para a leitura (que plataforma favorece práticas de
multitasking?), o valor dos livros (remetendo também para a dimensão afectiva da sua
posse), as ferramentas de navegação (como vêem os alunos a usabilidade que os
suportes impresso ou digital supõem) ou, inclusivamente, o entendimento face a
questões cognitivas ou pedagógicas, procurando nomeadamente captar qual dos tipos
de leitura, se em papel se digital, os estudantes avaliam como sendo mais adequado à
aprendizagem.
Examinando os vários temas de incidência do inquérito, refira-se desde logo um
conjunto inaugural de perguntas apostado em compreender a relação que os
estudantes mantinham com os livros de textos de apoio. Se 51% dos alunos não
chegava a comprar os ditos livros em formato impresso, recorrendo aos sistemas de
aluguer do livro em papel estimulados pela universidade, 7% tinha optado por pagar a
subscrição electrónica temporária de pelo menos um dos livros de textos. Já uma outra
questão deste primeiro grupo permitiu concluir que cerca de 47% dos estudantes
considerados nunca (18%) ou apenas ocasionalmente (29%) anotava ou escrevia nos
livros. O facto de 61% declarar ser habitual vendê-los no final do semestre pode
provavelmente ajudar a explicar o facto de metade dos inquiridos não ter a prática de
os sublinhar ou anotar.
119
Baron, Naomi S. (2005), “The future of written culture: envisioning language in the new millennium”,
in Ibérica – Journal of the European Association of Languages for Specific Purposes, Santiago Posteguillo,
nº 9, p. 31, disponível em http://www.american.edu/cas/lfs/faculty-docs/upload/In-Press-Paper-Future-
of-Written-Culture.pdf

172
Ao pretender depois analisar a plataforma que os estudantes universitários preferem
no que à leitura por razões académicas concerne (englobando também ela diferentes
géneros – veja-se o quadro 10), só as revistas científicas e os jornais são
preferencialmente alvo de leituras mediadas por ecrãs.

Tabela 3
Plataforma preferida para a leitura académica (%)

Ainda que a leitura digital de jornais e revistas científicas reparta algum protagonismo
com a leitura das suas versões impressas, não se podendo portanto falar de uma
adesão expressiva semelhante à revelada para os outros géneros lidos em suporte
papel, a verdade é que Naomi Baron não se mostra surpreendida com os valores
indicados. O facto de a universidade onde efectuou o estudo ter, por objectivos de
gestão de espaço físico, transferido as revistas académicas impressas para um local
externo ajuda a compreender o valor percentual que a leitura digital atinge nesse
género de publicações. Quanto aos jornais, a tendência é nacional, com o acesso a
informação noticiosa a acontecer hoje sobretudo via online.
Ora, em termos da plataforma que os estudantes universitários preferem para as
leituras que realizam por prazer (quadro 11), os dados são claramente indicadores de
que a situação segue um padrão análogo ao da leitura de revistas académicas (por
imposição de natureza curricular), uma vez que só no caso dos jornais a leitura em ecrã
é perspectivada dominantemente segundo critérios de prazer.

173
Tabela 4
Plataforma preferida para a leitura por prazer (%)

Porém, não se pode negligenciar o facto de unicamente 35% dos indivíduos inquiridos
possuírem smartphones ou mesmo a baixa percentagem dos que têm um aparelho
dedicado à leitura de livros electrónicos, Kindle, Nook ou iPad (5%). Igualmente de
assinalar, para a actividade da procura de e-books na biblioteca da universidade, que
apenas 12% da amostra alguma vez teve esse tipo de prática, percentagem que é igual
à dos estudantes que apenas por uma vez ocupou o seu tempo pesquisando e-books
com vista a uma leitura por prazer. Baron menciona no entanto a circunstância de,
presentemente, várias bibliotecas universitárias norte-americanas apostarem na
implementação de serviços de empréstimo de e-readers (Kindle, iPad…), pese embora
certos relatórios sublinhem o uso mínimo que deles é feito ou a pouca satisfação com
os livros disponíveis para esses dispositivos digitais.
Quando se entra na análise do modo como os estudantes universitários olham para as
tarefas de leitura de textos académicos com que se debatem frequentemente, a
primeira questão colocada cinge-se ao formato de leitura que tendem a eleger nesse
âmbito. Se disponíveis online, 55% dos alunos declara ler os textos directamente no
ecrã, enquanto 39% afirma preferir imprimir primeiro os documentos em causa e só
depois passar à leitura. Práticas de leitura no ecrã seguidas de impressão dos textos
não ultrapassam o valor de 6%. A probabilidade de a efectiva leitura do texto indicado
estar dependente do suporte em que se encontra é outra das hipóteses levantadas,
apurando-se então que a maioria dos estudantes (56%) admite ser mais provável a
leitura quando lhes é entregue um texto em suporte papel. 6% adianta o facto de o
texto, estando disponível online, contribuir efectivamente para a sua leitura, mas
merece também especial realce o valor de 38% relativo aos que, a esse respeito, se
mostram indiferentes relativamente à questão da plataforma. Contra algum discurso
do senso comum que por vezes nestas discussões se instala, Naomi Baron avança a
ideia de que “these questions suggest that many of today’s undergraduates – who are
digital natives – still favor the printed world”120.

120
Baron, Naomi S. (2013), “Reading in Print or Onscreen: Better, Worse, or About the Same?”, in
Tannen, Deborah e Trester, Anna Marie (eds.), Discourse 2.0 – Language and New Media, Washington
DC, Georgetown University Press, p. 214.

174
Um conjunto final de perguntas do estudo piloto Reading in Print and Onscreen
pretendeu colher informação em torno de alguns aspectos de carácter cognitivo ou
pedagógico subjacentes às práticas de leitura (quadro 12). Antes de propriamente
referir o que afirmaram os estudantes universitários quando questionados quanto à
frequência com que relêem textos académicos, registe-se que 49% da amostra
declarou que tais práticas ocorriam ocasionalmente, tendo outros 10% confessado
nunca proceder a releituras.

Tabela 5
Questões cognitivas/pedagógicas

Ainda no caso da releitura julga a maior parte dos estudantes (66%) ser a mesma mais
provável se os textos forem disponibilizados em papel, descendo a percentagem para
24% no cenário inverso. A capacidade de memorizar aquilo que é lido acaba
igualmente por atingir diferenças percentuais acentuadas quando consideradas do
ponto de vista do suporte. Contudo, não obstante 51% da amostra julgar a leitura do
texto impresso como mais propícia à memorização dos conteúdos (só 2% defende o
contrário), quase metade (46%) crê que o suporte não é decisivo a esse nível.
Absolutamente contrastantes são as respostas acerca da possibilidade de multitasking,
com 90% a manifestar que a leitura online, realizada em ecrãs, lhes permite executar
mais do que uma tarefa simultaneamente (incluindo a procura e conjugação de vária
informação na Internet), algo que 9% dos alunos universitários não tende a associar a
qualquer tipo de plataforma.
No questionário que Naomi Baron construiu constava uma secção complementar onde
um grupo de questões abertas tentava explorar o que os indivíduos gostavam mais e
menos quer na leitura em ecrã quer na leitura em papel. Codificadas as perguntas em
quatro grandes categorias (fisicalidade/tangibilidade do texto a ler; dimensões
cognitivas/pedagógicas implicadas; acesso/comodidade; recursos), tornou-se possível
a identificação das principais vantagens e desvantagens que atravessam os diferentes
tipos e/ou suportes de leitura. Uma das primeiras conclusões a tirar do modelo

175
analítico da autora passa por conferir destaque à elevada percentagem de estudantes
universitários (78%) para quem os benefícios cognitivos e pedagógicos que a leitura
em papel carrega constituem uma das suas características mais prezadas, concepção
oposta à de 91% de alunos que, por não o reconhecerem em igual medida na leitura
online ou digital, tomam isso por um dos aspectos mais negativos desta. Do acto de ler
em ecrãs, por seu turno, ressaltam também atributos valorizáveis: por exemplo, a
maior comodidade (a portabilidade, o conforto do transporte do dispositivo
electrónico foi uma dimensão focada) ou a mais fácil e rápida acessibilidade aos
documentos121, isto, claro, quando visto comparativamente com a leitura de um texto
impresso, percepção discernível tanto em 48% dos alunos que responderam à
pergunta “Onscreen: Like Most” como em 50% das respostas a “Hard Copy: Like
Least”.
Pensando nos recursos (ecológicos e financeiros) que, na opinião dos inquiridos, os
diferentes tipos de leitura acabam por exigir, volta a leitura em ecrã a assumir-se
enquanto meio preferido. Assim, entre os estudantes que deram a conhecer aquilo
que mais apreciavam em termos de leitura digital, dois terços sublinharam questões
relacionadas com o que crêem ser alguma perspectiva de salvaguarda dos recursos
ecológicos, tendo 28% das respostas a “Hard Copy: Like Least” permitido constatar
que, ao invés da leitura online, essa é uma das premissas escolhidas para a caracterizar
negativamente. O quadro abaixo condensa precisamente os dados a que Baron chegou
nesta parte do estudo Reading in Print and Onscreen.

Tabela 6
Classificação das respostas “gosto mais/gosto menos”, consoante o tipo de leitura (%)

Na secção final do inquérito por questionário Naomi Baron procurou ainda recolher
comentários dos estudantes que lhe permitissem compreender com maior grau de
profundidade que entendimento tinham face aos tópicos entretanto elencados. Neste
sentido, parece interessante referir como certos alunos afirmavam eleger a leitura
digital tratando-se de artigos ou textos de menor dimensão, a maior aceitabilidade
social de, em determinados contextos profissionais, ler um artigo online em vez de um

121
Sem esquecer também como a possibilidade de pesquisar esta ou aquela palavra ou frase num dado
texto é uma tarefa substancialmente mais facilitada mediante uma experiência de leitura digital.

176
livro em papel, ou até o facto de, não obstante se mostrarem conscientes perante o
que a leitura em suporte papel pode acarretar em termos ambientais, “in nearly all
cases, these conflicts pitted individual preference against environmental issues: I
prefer hard copies, but think they’re bad for the environment. I know it’s a waste of
paper, but I really prefer reading a physical book or article to reading it online (…)” (p.
218).
Ora, o cerne das questões residia fundamentalmente para Baron em tentar apreender
não só em que medida o acto de ler em suporte digital é considerado melhor, pior ou
equivalente à leitura dita tradicional para os jovens universitários, mas sobretudo de
que forma as práticas de leitura mediadas pelas novas tecnologias estão a afectar o
modo como actualmente se lê ou até inclusive a alterar o próprio significado dessa
actividade. Que os atributos que os sujeitos menos gostam em dada plataforma de
leitura tendem a ser os que mais valorizam no outro suporte assume-se portanto como
uma evidência. Há, no entanto, uma especificidade que a autora realça: “first writing
and then the appearance of print – both made possible by the existence of durable
texts – encouraged a particular kind of analytical thought. The notion of reading
became deeply entwined with the ideas of contemplation, comparison, and reflection”
(p. 220). Por conseguinte, porque vários dos estudantes alugam e depois voltam a
entregar ou a vender os seus livros, além de que não chegam a desenvolver o hábito
de anotar e de reler esses mesmos materiais, depreende a investigadora norte-
americana que muitos deles “do not view textbooks (or at least some texts) as
continuing parts of their mental lives once a school term has ended” (p. 220). Os dados
examinados permitem ainda que se some a essa realidade a circunstância de as
práticas de multitasking serem especialmente notórias na leitura online e
residualmente reconhecidas quando está em causa a leitura de um texto impresso.
Socorrendo-se de estudos que se debruçam sobre os níveis de desempenho cognitivo
que as práticas de multitasking implicam, e partindo da assunção que aflui ao espaço
da Internet uma crescente diversidade de textos também de natureza académica,
haveria pois, segundo Baron, de reflectir acerca dos efeitos perniciosos que a
simultaneidade e rápida alternância de tarefas pode suscitar sendo suposto proceder-
se a uma leitura atenta ou em profundidade dos textos, algo que remete para o tal
conceito de close reading difundido pelas observações de Katherine Hayles122. Por fim,
mencione-se a própria alteração de concepção que a linearidade tendencialmente
associada à leitura em suporte impresso acaba por revelar com a mudança para o
domínio online. Uma leitura menos contínua, mais acidental, por vezes mesmo
limitada às partes do texto a que é possível aceder gratuitamente, não obstante
determinadas ferramentas ou funções de navegação possibilitarem à partida uma
atenção imediatamente dirigida a esta ou aquela ideia ou frase do texto que se está a
ler. Com um enfoque de menor pendor sociológico que outras pesquisas, o estudo
122
Hayles, N. Katherine (2010), “How we read: close, hyper, machine”, in ADE Bulletin, nº 150, pp. 62-
79.

177
piloto de Naomi Baron tem como preocupação dominante desvendar, do lado da
performance cognitiva dos indivíduos que protagonizam as práticas de leitura, em que
medida “the medium on which we encounter written words affect how we read” (p.
203).

The rise of e-reading, PEW Internet & American Life Project, 2012

Tendo como propósito global a monitorização e produção de conhecimentos sobre os


impactos sociais da Internet, o projecto PEW Internet, iniciativa da think tank PEW
Research Center, publicou no ano de 2012 o relatório The rise of e-reading, resultado
de uma pesquisa destinada a perceber os hábitos e preferências dos indivíduos norte-
americanos no que concerne ao fenómeno da leitura de formatos digitais. Através da
realização de inquirições telefónicas a uma amostra representativa da população
residente nos Estados Unidos (2986 indivíduos, com a idade mínima de 16 anos),
tentou-se então escalpelizar de que maneira se processam as práticas de leitura na era
digital, nomeadamente de livros electrónicos (vulgarmente designados como e-books).
Na verdade, conforme é destacado nas páginas introdutórias do relatório, há hoje uma
conjuntura apta a sinalizar alternativos caminhos de pesquisa para os estudos
orientados em redor das actividades de leitura: “the emergence of e-books has
disrupted industries and institutions that have enjoyed relatively stable practices,
policies and businesses for decades. Widespread consumer interest in e-books began
in late 2006 with the release of Sony Readers and accelerated after Amazon’s Kindle
was unveiled a year later. By the end of 2011, there were widespread reports about
the exploring demand for e-books, both for purchases and for borrowing from
libraries. (…) All this ferment is changing the way many people discover and read
books” (p. 13).
Sem esquecer que, no âmbito do que será aqui explicitado, os dados empíricos se
reportam à sociedade norte-americana, importa num primeiro momento dar conta da
variedade de dispositivos digitais que os indivíduos adquirem e onde potencialmente
vêm depois a ler (quadro 14). De facto, em Janeiro de 2012, 19% dos adultos
americanos com 18123 e mais anos possuíam um gadget cuja função essencial consiste
na leitura de e-books. Igual percentagem verificava-se entre os detentores de um
tablet, sendo de sobressair em ambos os casos um crescimento assinalável, na ordem
dos 10%, isto se comparando com o mês de Dezembro do ano anterior, com números
que não reflectiam ainda as compras do período natalício.

123
Refira-se que alguns dos valores apresentados no relatório em questão nem sempre respeitam o
critério etário mínimo dos 16 anos de idade.

178
Gráfico 8
% de adultos americanos que possuem estes dispositivos digitais

De qualquer forma, é também de destacar como a posse de dispositivos digitais se


revela particularmente saliente no caso do telemóvel (88% da amostra declara possuí-
lo), seguindo-se o computador de secretária ou portátil (as percentagens aí divergem
muito pouco, indo dos 55% aos 57% respectivamente), e ainda, à frente do e-reader e
do tablet, gadgets como o smartphone (46%) ou o leitor de mp3 (44%). Com efeito,
destes resultados percentuais depreende-se a forte probabilidade de os utilizadores de
tablets ou de e-readers serem detentores de outros dos dispositivos digitais elencados.
Ora, quando se trata de apreender os formatos de leitura que os indivíduos privilegiam
mediante introdução na análise do factor posse de tablet ou de e-reader (quadro 15)
fica claro que a leitura de livros em suporte impresso não deixa de constituir uma
prática para os sujeitos que utilizam aquelas tecnologias. Se por um lado, em termos
da leitura de e-books, a percentagem de indivíduos que declararam ter lido esse
formato no ano anterior é previsivelmente mais alta (cerca do triplo) entre os que
possuem tablet ou e-reader124 (a comparação é estabelecida com a generalidade da
população leitora com 16 ou mais anos), no caso dos livros em suporte impresso, a sua
leitura não parece sair desfavorecida pelo simples facto de tais gadgets terem sido
adquiridos (apenas 3% abaixo do valor apurado para o grosso dos indivíduos que leram
no último ano).

124
Os dados do PEW sustentam inclusivamente que, dentro da população leitora de e-books, os
indivíduos que possuem dispositivos especificamente vocacionados para esse efeito optam por recorrer
menos ao seu computador ou ao telemóvel para ler os livros digitais.

179
Gráfico 9
Formatos de livros lidos no último ano (2011)

Os motivos pelos quais se lê foram igualmente alvo de atenção no relatório em foco.


Pode-se desde logo começar por sublinhar como as razões apontadas variam não só de
acordo com as características sociográficas dos inquiridos como acabam por seguir um
padrão específico caso se entre em linha de conta com a posse ou a utilização das
tecnologias de informação e comunicação (quadro 16). Lá se chegará entretanto.
Importa antes destacar como o prazer que o acto de ler suscita constitui o principal
motivo invocado para justificar o envolvimento com a leitura por parte dos indivíduos
americanos (80% afirma ler por prazer pelo menos ocasionalmente). Logo depois,
entre as razões que levam à leitura, encontra-se a vontade de se permanecer
actualizado face aos acontecimentos do dia-a-dia ou a pesquisa de tópicos de interesse
(se no primeiro caso 78% dos inquiridos declararam ter esse tipo de prática pelo
menos ocasionalmente, no segundo a percentagem atinge os 74%). Há ainda no
entanto que aludir à leitura ocorrida por razões de natureza escolar ou profissional,
com 56% do total da amostra a admitir realizá-la com maior ou menor frequência.
Através do inquérito elaborado para a recolha destes dados conseguiu-se também
detectar como são diversos os perfis dos leitores que mais lêem à luz de cada uma das
razões identificadas. Assim, afigura-se mais provável que a leitura por prazer, tendo
lugar diariamente ou algumas vezes por semana, surja sobretudo da parte de
indivíduos sem menores a cargo, do sexo feminino ou com idades superiores a 50
anos. Por outro lado, no que se refere à leitura com vista ao acompanhamento da
realidade diária, os homens assumem um maior protagonismo, voltando a ser nas
idades mais avançadas que melhor se verifica uma incidência diária ou semanal dessa
prática específica (59% dos adultos com idade superior a 50 anos vs. 38% dos
indivíduos na faixa que vai dos 18 aos 29). De qualquer forma, quando o que está em
causa é uma leitura que se baseia na pesquisa de tópicos de interesse a tendência
manifesta um sentido inverso, tendo-se nesse caso constatado que 30% dos indivíduos

180
incluídos no escalão dos 18-29 anos lêem diariamente com esse intuito, ao passo que
por exemplo só 14% dos adultos seniores americanos, no mínimo com 65 anos, o
fazem nesses moldes. Face à leitura que sucede por motivos escolares ou profissionais
não será de espantar que a sua maior frequência esteja associada a indivíduos abaixo
dos 50 anos de idade, assim como a graus de escolarização e níveis de rendimento
mais elevados.

Gráfico 10
Razões para a leitura consoante a utilização/posse da tecnologia

Considere-se o quadro imediatamente acima. Nele se apresentam dados vindo


confirmar que os indivíduos que fazem uso da Internet e possuem dispositivos digitais
(a saber, telemóveis, tablets ou e-readers) se envolvem com maior frequência nas
actividades de leitura, e isto transversalmente aos diferentes propósitos que as
mesmas podem ter subjacentes. Se a maior posse de capitais escolares e económicos
consente que os sujeitos possam enveredar por práticas de leitura mais assíduas,
importa reconhecer que, sob tal condição, mas agora do ponto de vista das razões que
as animam, também a leitura adquire contornos mais variados, cumulativos.
No panorama de The rise of e-reading é na dimensão do livro, pese embora
contemplando a valência digital, que se continua analiticamente a centrar o retrato
dos padrões de leitura. Na tentativa de construir uma tipologia classificatória dos

181
públicos leitores através do número de livros lidos (englobam-se aqui audiobooks, e-
books e livros no formato papel) mostra-se por exemplo que é tanto no grupo dos
leitores médios (6 a 20 livros no último ano, 29% da população americana) como no
que se designou dos grandes leitores (mais de 20 livros, correspondendo a 17% da
população), que se encontram mais facilmente indivíduos que tenham adquirido e-
readers. Face aos que mais e menos livros lêem, tenderiam os leitores médios não só a
utilizar mais a Internet como a possuir telemóvel.
Quando o estudo dirigido por Lee Rainie se debruça estritamente sobre o acesso aos
conteúdos escritos electrónicos, algumas outras conclusões são merecedoras de
destaque. Em primeiro lugar, o facto de 50% dos norte-americanos que consomem
conteúdos electrónicos afirmar que quase sempre encontram disponível nesse formato
os materiais que tencionam ler. Uma maior predisposição para responder desta forma
verifica-se precisamente entre os indivíduos detentores de gadgets como os tablets ou
os e-readers. Quanto aos 20% que dizem deparar-se sempre com os conteúdos que
procuram ler nesse formato, tal resposta tende a ser especialmente dada por jovens e
jovens adultos, com idades compreendidas entre os 18 e os 29 anos, bem como pelos
que afirmam dedicar-se à leitura por razões de prazer. De salientar ainda o valor de
30% para os indivíduos que lêem conteúdos electrónicos e que declaram ocupar hoje
mais tempo com as actividades de leitura, tendência assinalada também para os
detentores de tablets e e-readers.
Que os hábitos de leitura (de livros) da população norte-americana foram
experimentando flutuações ao longo do tempo é algo que The rise of e-reading não
deixa de demonstrar (quadro 17).

Tabela 7
% de adultos que afirmaram ter lido este nº de livros nos últimos 12 meses

Em traços largos, notam-se desde logo diferenças expressivas se comparando os anos


de 1978 e 2011. Se à partida se pode constatar que em 1978 se estava perante uma
realidade com mais indivíduos que liam livros (repare-se que, comparativamente a
2011, a percentagem dos que então declararam não ter lido nenhum durante os

182
últimos doze meses é substancialmente inferior - 8%, como também ganha relevo o
valor apresentado para os que afirmaram ter lido mais de 50 livros nesse mesmo
período – 13%, superior ao dobro do relevado para 2011), é indispensável fazer aqui
um reparo metodológico em virtude de a pergunta através da qual os inquiridos
facultaram essa informação na recente pesquisa do PEW Internet não coincidir
exactamente com a formulada pela Gallup. No inquérito de The rise of e-reading a
questão tem já uma abrangência além do livro impresso, englobando e-books e livros
áudio125. Fixe-se pois sobretudo o enfoque no PEW 2012. O facto de 78% dos
americanos ter lido pelo menos um livro no último ano126 (e isto independentemente
do formato) é um dado a reter. Dentro desse segmento da população leitora, uma
grande maioria (72%) leu pelo menos um livro no suporte papel, ao passo que 16% o
leu ao limite uma vez no formato digital; 11% ouviu pelo menos um audiobook.
Interessante porém notar que, repetindo esta pergunta em Janeiro de 2012, desta
feita só captando respostas de indivíduos com a idade mínima de 18 anos, a
percentagem dos que afirmaram ter lido pelo menos um e-book no ano anterior indica
um incremento expressivo, subindo para os 21%. Outra variação digna de registo
relaciona-se com a típica questão da leitura de livros realizada ontem, num dia normal
(quadro 18): se em 2010, 95% dos leitores os estavam a ler em suporte papel e apenas
4% liam e-books, em 2011 as respectivas percentagens mudam para 84% e 15%.

Gráfico 11
% de adultos leitores de livros usando este formato de leitura num dia normal
(Junho 2010 / Dezembro 2011)

125
Ademais, a própria amostra integra jovens de 16 e 17 anos de idade, ao passo que os dados relativos
ao estudo de 1978 tinham como critério mínimo de inclusão os 18 anos.
126
Apesar de o número de leitores evidenciar uma tendência estatística decrescente à medida que a
idade dos indivíduos aumenta, é no segmento dos que têm no mínimo 65 anos que se podem encontrar
os que, em média, mais livros consomem.

183
Conforme defendido pelos autores do estudo, a transformação ao nível das práticas
que os dados empíricos deixam transparecer teria como principais protagonistas
indivíduos na faixa etária dos 30 aos 49, com formação universitária e pertencentes a
agregados familiares com rendimentos elevados.
Entrando num maior grau de detalhe do relatório PEW, que consumos de leitura têm
os americanos que lêem e-books? De um modo geral, esses indivíduos optam também
por ler outros tipos de conteúdos electrónicos (jornais – 65%; revistas e journals –
60%) nos seus dispositivos digitais, e-reader, tablet ou telemóvel. Se não se
circunscrever a leitura de formatos digitais ao e-book, alargando-a a uma diversidade
de configurações textuais primando por um carácter mais extenso (artigos de jornais,
de revistas…), o valor de 21% que correspondia aos sujeitos que haviam lido pelo
menos um livro digital no último ano duplica (43%). Sinalizar ainda que a percentagem
de indivíduos que para a prática de leitura de e-books recorre ao computador ou, em
alternativa, a dispositivos móveis de leitura dedicada (Kindle, Nook, etc.) é equivalente,
na ordem dos 40%. 29% lêem-nos no telemóvel, sendo todavia de referir que a
tendência para a leitura de e-books sai fortalecida no caso daqueles que não possuem
exclusivamente ou o computador pessoal ou o telemóvel.
O quadro 19 responde, por seu turno, à questão de saber que cenários se
perspectivam hoje na sociedade americana em termos das modalidades da compra ou
do acesso a suportes de leitura de diferentes formatos.

Gráfico 12
% de americanos que prefere obter livros desta forma consoante o formato (2011)

Ora, estando em causa a leitura de livros em formato impresso e digital, a maioria dos
respectivos leitores (com 16 e mais anos) revela em ambos os casos preferência pela
aquisição da sua própria cópia ou exemplar127. Relativamente aos audiobooks, a

127
Mas, na verdade, enveredar pela compra em detrimento do mero acesso constitui uma realidade
particularmente comprovável para os inquiridos cujos hábitos integram já experiências de leitura de

184
tendência segue o sentido oposto: 61% opta preferencialmente por recorrer ao
empréstimo em bibliotecas ou através de qualquer outra fonte (amigos, família, etc.).
Interessante também sublinhar como, de um modo geral, os indivíduos que possuem
dispositivos digitais como tablets ou e-readers se mostram mais orientados para
querer comprar livros em suporte papel (e digital), isto se se comparar com aqueles
que não são utilizadores de tais gadgets, principalmente voltados para o acesso por via
do empréstimo.
Justamente porque a decisão que leva à leitura ou compra de um determinado livro
resulta amiúde das filtragens ou recomendações que envolvem terceiros (quadro 20),
The rise of e-reading questiona pois o seu peso relativo com vista a melhor
compreender as práticas de leitura.

Gráfico 13
% de americanos que obtém sugestões de leitura das seguintes fontes (2011)

Se, em termos globais, o factor posse de tablet ou de e-reader não introduz alterações
na ordem por que são valorizadas as diferentes fontes em matéria de recomendações
para a leitura, o gráfico acima denota que, para os indivíduos que possuem aqueles
dispositivos digitais móveis, os sites das livrarias virtuais assim como outras
plataformas de e-comércio representam uma muito maior influência comparativa nas
escolhas do que ler (de 28% para 56%, com o primeiro valor a dever ser associado a
toda a amostra). Os dados do mesmo gráfico permitem ainda sustentar que as
opiniões mais levadas em linha de consideração por parte dos indivíduos quando se
trata de definir qual o próximo livro alvo de leitura provêm, primeiro que tudo e
destacamente, de pessoas pertencentes aos seus diversos círculos de sociabilidades
(64%), privilegiando-se então de seguida as livrarias virtuais. Só depois são prezadas as
indicações dos profissionais livreiros das livrarias físicas e, por fim, o contacto com

textos digitais, ao passo que entre os indivíduos que só lêem no registo tradicional, em papel, a compra
reveste-se de uma incidência estatística menos significativa.

185
bibliotecários ou com os sites de bibliotecas (19%). Conforme atesta o quadro 21, não
é às bibliotecas, ficando-se pelos 21%, que os indivíduos que lêem e-books primeiro se
dirigem quando se trata de procurar um determinado título. As livrarias online ocupam
claramente a dianteira nesse sentido (75%), tendo os sujeitos com formação superior
maior propensão para nelas pesquisarem desde logo.

Gráfico 14
% de americanos leitores de e-books que os procuram nos seguintes meios (2011)

Do relatório PEW, há ainda um aspecto substantivo final a explorar e que desloca a


atenção para as opiniões que os inquiridos têm quanto ao tipo de suporte que melhor
serve um conjunto de práticas de leitura específicas, ou mesmo de tarefas que se
correlacionam. Em Uma História da Leitura, Alberto Manguel advoga que “os formatos
essenciais – aqueles que permitem ao leitor sentir o peso físico do conhecimento, o
esplendor de vastas ilustrações ou o prazer de andar com um livro ou de o levar para a
cama – esses permanecem”128. Ideia que aliás ajuda à interrogação do quadro abaixo.

Gráfico 15
% de americanos leitores de livros em papel e e-books nos últimos 12 meses que afirmam
qual o formato mais desejável para os seguintes propósitos (2011)

128
Manguel, Alberto (1998), Uma História da Leitura, Lisboa, Editorial Presença, p. 157.

186
Se é verdade que a regular actividade de leitura em ecrãs não implicou o
desaparecimento do livro impresso, interessa acentuar como, entre os seis cenários
colocados, só para a leitura de livros a crianças (81%) e para a possibilidade de os
partilhar (69%) os indivíduos entendem que o formato em papel é preferível129. Ao
invés, a leitura de livros em viagem (73%), a possibilidade de os obter rapidamente
(83%), mediante um download por exemplo, ou o vasto leque de títulos disponíveis
para escolha (53%) constituem, segundo os inquiridos, vantagens fundamentalmente
percepcionadas por referência aos e-books. Ler na cama apresenta-se como o caso
excepcional, dividindo a opinião dos leitores: 45% prefere o livro digital nessa situação,
enquanto 43% julga mais propício o livro em papel.

129
A protecção por DRM (Digital Rights Management), visando controlar o acesso aos livros em ficheiro
digital, constituirá certamente uma razão para tornar menos evidente a relação entre a partilha e os e-
books.

187
6

A língua e a Internet no contexto global

Tiago Lapa

188
Introdução

À ideia otimista de que a Internet é uma grande oportunidade para melhorar o livre
fluxo de informações e ideias de todo o mundo, pode-se contrapor as barreiras
linguísticas e outras que se baseiam em processos tradicionais de exclusão social
presentes de forma desigual pelo mundo. Há ainda o contraponto que se refere à
Internet como um instrumento da globalização e, consequentemente, passível de
coadjuvar os processos de hegemonização cultural e a contínua afirmação do inglês
como língua franca a nível mundial. Enquanto os internautas anglófonos
correspondem a 27% do total, seguidos de perto pelos 25% de falantes de chinês (sem
discriminar variantes linguísticas), 55% dos conteúdos presentes na rede está em
inglês para apenas 4% de conteúdos em chinês e 2% de conteúdos em português. Daí
que se equacione a ideia de uma Internet inclusiva, plural e multilinguística (Pimienta,
Prado e Blanco, 2009). A Internet enquanto fenómeno multidimensional (Castells,
2002) tem tido impactos palpáveis no quotidiano, nos universos linguísticos e na
relação dos indivíduos com esses universos, embora se desconheça, em larga medida,
a dimensão e os sentidos desses impactos, visto ter sido uma linha de investigação
relativamente pouco desenvolvida, com algumas exceções.
Uma dessas exceções é o trabalho de David Crystal (2006; 2011), que aponta para
um conjunto de questões passíveis de ser operacionalizadas, centradas essencialmente
na perspetiva linguística. O autor argumenta que o correio eletrónico, as mensagens
instantâneas e os chats estão rapidamente a substituir as formas convencionais de
correspondência, acompanhando a crescente afirmação da rede como o primeiro
porto de escala, tanto para consulta de informação como para as atividades de lazer.
Ora, aqui surge a primeira dificuldade: a análise de Crystal centra-se no mundo anglo-
saxónico e na língua inglesa e, como veremos, não contempla a variabilidade social
presente no globo em termos, por exemplo, de utilização da Internet como fonte de
informação e comunicação. O seu eixo de análise linguístico foca-se no
questionamento central de como as redes informacionais afetam a língua. Neste
ponto, Crystal contraria a percepção generalizada de que a “tecnolíngua” (no original,
technospeak), ao tornar-se a regra, irá desmantelar as normas linguísticas. Cobrindo na
sua análise uma gama alargada de géneros comunicativos, incluindo o correio
eletrónico, as mensagens instantâneas, as trocas de mensagens e os conteúdos
disponibilizados na rede, defende que a Internet tem incentivado uma expansão
dramática em termos de variedade e criatividade da linguagem. Mais próximos de uma
perspetiva social, Bryden, Funk e Jansen (2013) interligam as funções da linguagem,
que transcendem a transmissão de informações e que variam consoante o contexto
social, com a estrutura de interligação entre os indivíduos no Twitter, um serviço de
mensagens online amplamente utilizado. Os autores mostram que a rede emergente
de comunicação de um utilizador pode ser estruturada numa hierarquia de
comunidades e que essas podem ser caracterizadas pelas palavras mais utilizadas. As

189
palavras usadas por um utilizador individual podem, por sua vez, ser usadas para
prever a comunidade da qual o utilizador é membro. Isto indica uma relação entre a
linguagem humana e as redes sociais e sugere que o estudo da comunicação online
oferece um vasto potencial para a compreensão da estrutura da sociedade humana.
Esta intersecção analítica entre Internet e língua poderá ser sistematizada noutros
eixos de análise. A título de sistematização ensaística e exploratória podemos
identificar: um eixo linguístico; um eixo político (que remete para as questões do
poder das línguas, das políticas da cultura e da língua e do seu ensino, etc.); um eixo
económico (os mercados de conteúdos digitais, a mercantilização da língua nas redes,
etc.); um eixo cultural (impacto dos universos linguísticos em termos, por exemplo, de
homogeneização ou heterogeneização cultural, no estudo das representações e
práticas de leitura e escrita digitais); um eixo social (relação da língua com a formação
de comunidades virtuais, peso da língua nas formas dos laços sociais nas redes, os
processos de construção social, normativização e negociação dos usos linguísticos na
rede, etc.); e um eixo territorial ou geográfico (as geografias linguísticas online).
Como argumentou Mark Stefik (1997), ao falarmos de Internet não nos devemos
apenas prender na metáfora limitativa de “autoestrada da informação”, mas também
noutras quatro metáforas para melhor percebermos a evolução daquela e,
acrescentamos nós, a forma como a Internet tem influenciado a importância e a praxis
dos universos linguísticos. Essas quatro metáforas, a que correspondem os arquétipos
em parêntesis, são a biblioteca digital (O Guardador de Conhecimento), o correio
eletrónico – a que podemos acrescentar, nos dias de hoje, outras formas, como as
redes sociais, etc. (O Comunicador), o mercado eletrónico (O Mercador) e o mundo
digital (O Aventureiro). São metáforas que transpõem para o ciberespaço atividades
humanas centrais, não admirando, portanto, que vários inquéritos apontem para a
noção alargada entre os respondentes de que o acesso à Internet deve ser considerado
um direito humano fundamental (Sociedade em Rede, 2011130; GlobeScan para a BBC,
2010131; Global Internet User Survey, 2012132). Ora, argumentamos nós que essas
metáforas, cujo valor heurístico pretendemos utilizar aqui, confluem na relevância e na
abertura das línguas nos espaços virtuais. Do questionamento geral sobre para onde a
Internet nos está a levar chegamos a outra interrogação sobre para onde o

130
No inquérito representativo da população portuguesa “Sociedade em Rede” de 2011 (CIES-ISCTE),
66,6% dos respondentes concordaram, parcialmente ou na totalidade, com a frase de que o acesso à
Internet deveria ser um direito fundamental dos cidadãos. Este valor, embora indicativo da opinião
dominante da maioria da população portuguesa, fica aquém das percentagens de respondentes que
demostraram a mesma opinião em inquéritos realizados noutros contextos societais.
131
Neste inquérito, quatro em cada cinco adultos (79%) consideram o acesso à Internet como um direito
fundamental, de acordo com a pesquisa global conduzida em 26 países para a BBC World Service, cujo
resumo pode ser consultado em
http://news.bbc.co.uk/2/shared/bsp/hi/pdfs/08_03_10_BBC_internet_poll.pdf.
132
Este inquérito transnacional, realizado pela organização internacional Internet Society, apurou que
83% dos respondentes concordam, em parte ou totalmente, com a noção de que o acesso à Internet
deve ser considerado um direito humano básico. Um resumo dos resultados pode ser consultado em
https://www.internetsociety.org/sites/default/files/GIUS2012-GlobalData-Table-20121120_0.pdf.

190
ciberespaço está a levar o espaço da lusofonia e o que vemos quando as redes
espelham as mudanças em Portugal e nas sociedades lusófonas.
Outras questões essenciais correlacionadas passam por saber quais das
metáforas são hoje mais representativas das práticas dos agentes sociais na Internet e
em que sociedades e línguas. Referindo-se a 2007, Cardoso e Araújo (2009: 23-24)
argumentavam que a Internet está a evoluir de um espaço de guardadores de
conhecimento para um espaço cuja força motora principal é composta pelas atividades
comunicativas que dominam os usos quotidianos da Internet e, portanto, mais
próximo do arquétipo do comunicador (Stefik, 1997). Contudo, será legítimo
considerar que a focalização nas práticas comunicativas compõe apenas uma parte da
história e provavelmente dará uma visão incompleta se passarmos da análise das
práticas dos utilizadores da Internet para o impacto desta nos universos linguísticos.
Além disso, a diferenciação e multidimensionalidade que Stefik propõe poderá servir
como guia ao estudo comparativo entre diferentes sociedades quanto às atividades
digitais.
Neste capítulo iremos fazer uma caracterização global das línguas importantes
presentes na Internet e contextualizar as modalidades de utilização ou apropriação dos
novos media em Portugal, comparando-as com as de outros países. Pode-se levantar a
hipótese, não só teórica mas também operativa do ponto de vista de uma política da
língua, de que a difusão da língua portuguesa entrou num novo patamar com o
florescimento das novas tecnologias da informação e comunicação (NTICs), sendo um
passaporte para um universo de cerca de 250 milhões de pessoas em todo o mundo,
80% das quais brasileiras. Alguns indicadores suportam esta afirmação: enquanto o
português compõe a sexta língua mais falada do globo, é a quinta mais usada na
Internet e a terceira nas redes sociais Facebook e Twitter. Ademais, segundo o
Observatório da Língua Portuguesa, o português é a língua mais falada no hemisfério
sul, com 217 milhões de falantes em Angola, Brasil, Moçambique, São Tomé e Príncipe
e Timor-Leste. É necessário ainda registar as diásporas que, juntas, remontam a quase
10 milhões de falantes de português, incluindo os 4,8 milhões de emigrantes
portugueses e três milhões de brasileiros, segundo dados de 2010. Macau, Goa e
Malaca também têm a pegada linguística deixada pela passagem dos portugueses ao
longo da História. Entre as línguas europeias, o português surge como a terceira mais
falada e um estudo da Bloomberg considera-a a sexta língua do mundo mais utilizada
nos negócios, em particular, de gás e petróleo, dada a relevância das economias
angolana e brasileira nestes setores.
Considerando a própria língua como elemento cultural agregador passível de
ser utilizado como fonte de negócio, a potencialidade de crescimento do espaço virtual
como espaço de mercado eletrónico torna a metáfora do Mercador bastante
relevante, embora, em certo sentido, se possa pensar as trocas económicas como
formas comunicativas, algo que as redes informáticas vieram sublinhar. É neste
sentido que apontam as análises de vários autores (Castells, 2002; Ortoleva, 2004;

191
Silverstone, 2005) que, à primeira vista, parecem contrariar a noção sociológica básica
de que as sociedades modernas são compostas por subsistemas sociais altamente
diferenciados face à organização das sociedades tradicionais (Giddens, 1995; Luhamnn,
2006). A rede e o mundo informacional (Castells, 2002) vieram permitir a confluência
de realidades e atividades sociais diversas, o que sedimentou a comunicação como
ponto nevrálgico nas nossas sociedades (Silverstone, 2006).
Este é um desenvolvimento relativamente recente que começou a desenvolver-
se nos finais do século XIX (Rantanen, 1997). No entanto, a própria noção de
comunicação surge de uma diferenciação, ganhando autonomia e independência face
ao conceito geral de transporte. O surgimento de novos meios de comunicação, agora
apelidados de tradicionais – o cinema, a rádio, o telefone, etc. – não eram vistos, entre
os finais do século XIX e o início do século XX, como fenómenos unitários que
pudessem ser agrupados num único conceito (Ortoleva, 2004; Silverstone, 2005).
Porém, noções centrais de comunicação e de informação impuseram-se na sua
especificidade e autonomia e afirmaram-se como uma ideias centrais da vida social,
antes de se tornarem nos finais do século XX objetivos em termos de desenvolvimento
económico (Cardoso, 2006). Ao longo do século XX, a comunicação de massa floresceu
como “produção institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos através
da transmissão e armazenamento da informação / comunicação” (Thompson, 1990:
219), diferenciando-se de outros modelos comunicativos, como a comunicação
interpessoal. Por sua vez, a crescente influência das redes informacionais e
comunicativas e a noção de que as sociedades são caracterizadas por modelos de
comunicação e não apenas por modelos informacionais (Wolton, 2000; Colombo,
1993; Castells, 2006; Cardoso, 2006), trouxe o reconhecimento de que se estava
perante uma nova diferenciação, reificada no modelo emergente apelidado de
comunicação em rede (Cardoso, 2006), que entrou num ciclo de afirmação social e
cujas forças caracterizadoras e indutoras de mudança se podem condensar em três
eixos essenciais: 1) a globalização comunicacional, que abrange as várias articulações
entre media de massa e media interpessoais; 2) a mediação em rede, com
manifestações na organização e nos tipos de usos; e 3) a ligação em rede, conexa aos
diferentes graus de interatividade possibilitados pelas tecnologias disponíveis.
Estas questões devem enquadrar uma reflexão sobre o impacto da Internet nos
universos linguísticos nos quais se movem modelos comunicacionais, que balizam o
que um determinado sistema dos media será, entendido como o conjunto de
interligações entre tecnologias e organizações que guiam as diversas formas de
comunicação (Ortoleva, 2004), e as possibilidades de desenvolvimento de
competências em termos de literacia mediática e, consequentemente, de práticas
informacionais e comunicativas. Podemos ainda acrescentar que uma política da língua
integrada e informada não poderá estar alheia às formas de organização do sistema
dos media e às modalidades de apropriação e domesticação dos media, para utilizar os
termos de Silverstone (2005), por parte dos utilizadores das NTICs. Ou seja, não pode

192
ser pensada como se existisse um vazio tecnológico, colocando-se à parte das formas
como os indivíduos se relacionam com diversos media, seja a televisão, a rádio, a
Internet ou dispositivos emergentes como os tablets ou os e-readers.
Perante estas questões, irá proceder-se a uma análise comparada, em primeiro
lugar, utilizando dados do World Internet Stats que contextualizam a situação
portuguesa e dos países da CPLP quanto ao acesso à Internet e que se reportam
também à importância da língua portuguesa nessa rede global. Desta forma, olha para
os espaços regionais e nacionais como espaços desiguais e que têm tido percursos de
desenvolvimento das práticas informacionais e comunicacionais diferenciados. Ainda
numa perspetiva de comparação transnacional serão analisados, num segundo
momento, dados do World Internet Project (WIP 2008, 2009, 2010), representativos
dos contextos nacionais, e que incluem dados obtidos pelos inquéritos “Sociedade em
Rede”. Neste âmbito, haverá uma focalização nas práticas comunicativas e
informativas digitais nos meios de comunicação tradicionais face aos meios digitais, e
será comparada a forma como se estruturam as práticas digitais caracterizadoras dos
internautas de cada sociedade, tendo em conta as especificidades contextuais e tendo
como padrão a multidimensionalidade das atividades digitais.
Uma terceira parte será mais focada nas tendências relativas à ecologia digital
em Portugal, escrutinando-se um conjunto de indicadores relativos às novas formas de
utilização da Internet (por exemplo, redes móveis) e à utilização de novos dispositivos
como tablets e e-readers. São dispositivos que articulam novas formas informação e
comunicação, ou o Guardador de Informação com o Comunicador, e que podem ser
entendidos como elementos que introduzem outros níveis de diferenciação com
“corporealidade” física. Por exemplo, o e-reader enquanto dispositivo especializado
para responder à ideia de biblioteca digital. Neste âmbito, será ainda comparada a
situação em Portugal com dados relativos aos EUA, antes de se proceder à discussão
relativa à emergência de novas tendências e diferenciações.

Os contextos da Internet: perspectiva comparada de Portugal no Mundo

Na obra Galáxia Internet, Castells (2004) tem uma visão do impacto da Internet na
atual sociedade que surge na sequência de outras galáxias que um dos mais
importantes comunicólogos do séc. XX, McLuhan (1962), já trouxera a público no
apogeu dos media de massa: a Galáxia Gutenberg e a Galáxia Marconi. Castells frisa
não só a dimensão exponencial que as redes digitais ganharam na ainda recente
história da Internet, como também os extraordinários atributos que fazem dela um dos
principais motores de mudança na cultura do séc. XXI. No entanto, não deixa de a
problematizar os desafios e problemas, do ponto de vista económico, social e cultural,
que dela podem resultar, trazendo para a dianteira uma perspectiva analítica que a
enquadra no contexto em que é utilizada e pensando na forma como é organizada.

193
Neste sentido, Castells reconhece que os impactos da Internet não são unívocos,
situando-se entre dois processos sociais que espelham uma espécie de “dualidade da
estrutura” – para usar o conceito de Giddens (1984) - da Internet: um processo mais
próximo da agência social, que potencia a inovação, a criatividade, a produtividade e a
riqueza; e outro mais próximo dos constrangimentos da estrutura social, marcado pela
volatilidade, insegurança, desigualdade e exclusão social.
No entanto, o autor foca-se na função transformativa que a conexão em rede
de diferentes tecnologias está a exercer nas estruturas macrossociais e isto baseado
em análises empíricas que mostram como as redes digitais têm vindo a alterar as
concepções de economia, mercado, trabalho e gestão empresarial e a própria noção
de comunidade, central no estudo das interações sociais, defendendo que há uma
nova sociabilidade baseada numa dimensão virtual ou num “espaço dos fluxos” que
transcende o tempo e o espaço e provoca alterações de paradigma.
Consequentemente, Castells defende que “a Internet tem uma geografia própria”
(2004: 245): por um lado, porque não é meramente sobreponível à geografia física,
amplamente estruturada pelos constrangimentos espacio-temporais; por outro lado,
porque produz efeitos dados os pontos nevrálgicos por onde passa e a partir dos quais
as redes digitais atuam na desconstrução e construção de novos panoramas sociais.
Desta forma é relevante olhar para a distribuição geográfica das transformações
correntes, reportando-nos ao crescimento mundial dos utilizadores da Internet e às
mudanças ao nível da penetração da mesma em percentagem da população, como
podemos observar na tabela 1.

Tabela 1. Utilização mundial da Internet e estatísticas populacionais (30 de Junho,


2012)
Regiões População Utilizadores Utilizadores Penetração Crescimento Utilizadores
do (Est. 2012) da Internet da Internet (% 2000-2012 % da
Mundo (31 Dez, (30 Jun., população) Tabela
2000) 2012)
África 1,073,380,925 4,514,400 167,335,676 15.6 % 3,606.7 % 7.0 %
Ásia 3,922,066,987 114,304,000 1,076,681,059 27.5 % 841.9 % 44.8 %
Europa 820,918,446 105,096,093 518,512,109 63.2 % 393.4 % 21.5 %
Médio 223,608,203 3,284,800 90,000,455 40.2 % 2,639.9 % 3.7 %
Oriente
América 348,280,154 108,096,800 273,785,413 78.6 % 153.3 % 11.4 %
do
Norte
América 593,688,638 18,068,919 254,915,745 42.9 % 1,310.8 % 10.6 %
Latina /
Caraíbas
Oceânia 35,903,569 7,620,480 24,287,919 67.6 % 218.7 % 1.0 %

194
/
Austrália
TOTAL 7,017,846,922 360,985,492 2,405,518,376 34.3 % 566.4 % 100.0 %
Mundial
Fonte: Internet World Stats – www.internetworldstats.com/stats.htm

Através da leitura da tabela 1 identificam-se claramente as regiões mais desenvolvidas,


quer em termos económicos quer em termos de desenvolvimento de Sociedades
Informacionais (Castells, 2002, Cardoso, 1999), compostas essencialmente pela
América do Norte, Oceania e Europa - havendo dentro do espaço europeu várias
desigualdades, como se pode verificar, mais adiante, na tabela 2. Sem surpresas, África
ocupa o último lugar com apenas 15,6% de penetração da utilização da Internet entre
a população, encontrando-se depois a Ásia com 27,5%, abaixo do Médio Oriente e da
América Latina e Caraíbas com penetrações de 40,2% e 42,9% respectivamente. Em
termos globais, a penetração mundial da Internet é de 34,3% e mesmo nas regiões
desenvolvidas a sua utilização ainda não é universal; mesmo na América do Norte há
mais de 20% de não utilizadores. Assim sendo, a Internet ainda não teve o sucesso de
penetração na sociedade como a utilização do telemóvel, uma tecnologia ainda mais
bem sucedida.
Estamos ainda longe da implementação global de uma Sociedade de
Informação, que tenha um significado inteligível para o quotidiano de muitos
indivíduos do planeta. O que não invalida a importância das redes informáticas a nível
global, cujo impacto se faz sentir na compressão e alcance espacio-temporal que
acompanha a globalização (Giddens, 1995). Neste sentido, alguém que nunca utilizou a
Internet poderá, contudo, mesmo sem se aperceber, ver a sua vida afetada pelas redes
globais de informação (Castells, 2002). E assumindo que nem todos os indivíduos
possuem os mesmos recursos, de poder ou outros, em qualquer sociedade, a utilização
das redes informáticas por uma elite ou por um dado grupo social poderá ter um
enorme impacto numa dado contexto, como parece ter sido o caso no Médio Oriente.
Em contraste com a noção de convergência na senda da Sociedade de Informação e
pós-industrial de Bell (1973), unificada e globalizada, que tem o Ocidente como
bússola e que teve eco nas noções de “fim da história” (Fukuyama, 1992) e de “fim da
geografia” (O’Brien, 1992), Qiu (2013) defende tendências diferenciadas, com
caminhos ramificados e historicamente contextualizados, em direção a “sociedades em
rede”. Daí as acusações legítimas de etnocentrismo, por parte de Qiu, a essas
perspectivas de cariz evolutivo e centradas numa visão ocidentalizada e linear do devir
histórico. O argumento de Qiu é que as redes podem ser globalizadas e que a
compressão espacio-temporal de que fala Giddens (1995) pode ter aproximado as
sociedades quanto às dinâmicas de interdependência, mas a geografia (a física) ainda
conta, noção que é secundada por Unwin (2013) quando discute as relações entre as
novas tecnologias e o desenvolvimento económico e social. As configurações

195
geograficamente estruturadas da Internet dão aso a manifestações plurais das
dinâmicas macrossociais, pelo que Qiu acrescenta à noção de “espaço dos fluxos” de
Castells (2002) a noção de “espaço dos lugares”, mesmo entre o território,
aparentemente descontextualizado, do ciberespaço.
Mas apesar das enormes diferenças entre as regiões do globo é de salientar o
enorme crescimento da utilização da Internet em África, no Médio Oriente e na
América Latina, regiões que apresentam ainda um enorme potencial de crescimento,
que poderá, porém, ser travado pelos processos de exclusão social e territorial que
assolam muitos indivíduos desses territórios. Poderá servir assim a utilização da
Internet como indicador do grau de desenvolvimento das sociedades, interligando-se
com outros fatores, como sejam os indicadores tradicionais de exclusão social, o grau
de desenvolvimento do serviço de educação e o papel do Estado e das políticas
públicas, a regulação e a estrutura do mercado de telecomunicações, etc. Estes
mesmos fatores poderão servir para diferenciar e explicar as diferenças existentes
entre as sociedades europeias, que podemos vislumbrar na tabela 2.

Tabela 2. Utilização da Internet e estatísticas populacionais no contexto europeu (27


membros da EU) (30 de Junho, 2012)
População Utilizadores Penetração Utilizadores Utilizadores
(2012 Est.) da Internet (% (% Total do Facebook
(30 Jun., População) Europa) (31 Dez.,
2012) 2012)
Alemanha 81,305,856 67,483,860 83.0 % 13.0 % 25,332,440
Áustria 8,219,743 6,559,355 79.8 % 1.3 % 2,915,240
Bélgica 10,438,353 8,489,901 81.3 % 1.6 % 4,922,260
Bulgária 7,037,935 3,589,347 51.0 % 0.7 % 2,522,120
Chipre 1,138,071 656,439 57.7% 0.1 % 582,6
Dinamarca 5,543,453 4,989,108 90.0 % 1.0 % 3,037,700
Eslováquia 5,483,088 4,337,868 79.1 % 0.8 % 2,032,200
Eslovénia 1,996,617 1,440,066 72.1 % 0.3 % 730,16
Espanha 47,042,984 31,606,233 67.2 % 6.1 % 17,590,500
Estónia 1,274,709 993,785 78.0 % 0.2 % 501,68
Finlândia 5,262,930 4,703,480 89.4 % 0.9 % 2,287,960
França 65,630,692 52,228,905 79.6 % 10.1 % 25,624,760
Grécia 10,767,827 5,706,948 53.0 % 1.1 % 3,845,820
Hungria 9,958,453 6,516,627 65.4 % 1.3 % 4,265,960
Irlanda 4,722,028 3,627,462 76.8 % 0.7 % 2,183,760
Itália 61,261,254 35,800,000 58.4 % 6.9 % 23,202,640
Letónia 2,191,580 1,570,925 71.7 % 0.3 % 414,52
Lituânia 3,525,761 2,293,508 65.1 % 0.4 % 1,118,500

196
Luxemburgo 509,074 462,697 90.9 % 0.1 % 227,52
Malta 409,836 282,648 69.0 % 0.1 % 217,04
Países- 16,730,632 15,549,787 92.9 % 3.0 % 7,554,940
Baixos
Polónia 38,415,284 24,940,902 64.9 % 4.8 % 9,863,380
Portugal 10,781,459 5,950,449 55.2 % 1.1 % 4,663,060
Reino Unido 63,047,162 52,731,209 83.6 % 10.2 % 32,950,400
República 10,177,300 7,426,376 73.0 % 1.4 % 3,834,620
Checa
Roménia 21,848,504 9,642,383 44.1 % 1.9 % 5,374,980
Suécia 9,103,788 8,441,718 92.7 % 1.6 % 4,950,160
TOTAL 820,918,446 518,512,109 63.2 % 100.0 % 250,934,000
EUROPA
(EU27 +
Restantes)
Fonte: Internet World Stats – Para a consulta da tabela completa para a Europa ver
www.internetworldstats.com/stats.htm

Podemos retirar do quadro acima algumas ilações. Em primeiro lugar, o espaço


europeu é desigual, com profundas diferenças face à penetração da Internet, apesar
de serem países que pertencem, hoje, ao bloco económico e político da União
Europeia, enquadrados em políticas comunitárias comuns, embora este seja um
indicador, entre outros, da falta de convergência no seio da Europa. Se assumíssemos
uma perspetiva de olhar os dados relativos à Internet como um indicador de uma
evolução mais ou menos linear a caminho de uma Sociedade de Informação, como o
fazem alguns autores inspirados por Bell (1973), diríamos que temos sociedades pouco
desenvolvidas, ou periféricas do ponto de vista informacional: veja-se o caso da
Roménia ou da Bulgária (próximas aliás de Portugal e da Grécia) e outras na vanguarda
desse desenvolvimento, ultrapassando mesmo a América do Norte (veja-se em
particular o caso dos países nórdicos).
Mesmo entre as sociedades ocidentais, a promessa de uma Internet como uma
força descentralizadora e niveladora não é sustentável face ao exame empírico. Como
o estudo de Zook (2005) sobre a geografia da Internet demonstra, a distribuição
espacial de domínios comerciais na rede nos EUA é muitíssimo desigual, tanto a nível
nacional, concentrando-se no nordeste e no sudoeste, como a nível das cidades,
centrando-se numas poucas áreas seletas de São Francisco e Nova Iorque. Embora o
registo de domínios nos dê apenas uma estimativa rudimentar das origens dos
conteúdos online, este padrão da geografia da Internet contradiz a perspetiva de que a
distância já não importa com a expansão global do “espaço dos fluxos”. A mudança
social é, em consonância com Qiu (2013), mais complexa e os caminhos históricos do
desenvolvimento das sociedades multidimensionais. Vários indicadores poderão

197
concorrer para explicar tais discrepâncias, contudo parece algo evidente pelos dados
que o passado dos países de leste marcado por um tipo de modelo económico e social
socialista pouco parece explicar, pois mesmo entre essas sociedades há evidentes
diferenças, as quais poderão ser melhor visualizadas na figura 1. Fatores como o
desenvolvimento económico, o PIB per capita, o tipo de Estado-Providência e as
políticas públicas, assim como o grau de desigualdade existente em cada sociedade,
poderão eventualmente explicar melhor tais diferenças.
Além disso, o peso populacional é importante, o que depois se vai refletir na
importância de línguas como o alemão, o francês ou o castelhano na Internet, como
analisaremos mais adiante. Ainda um dado interessante é que o número de
utilizadores da Internet não é um bom indicador do número ou percentagem de
utilizadores da rede social mais popular no mundo, o Facebook, a julgar pelas
discrepâncias evidentes dos números de utilizadores da Internet e do Facebook em
países como a Alemanha, a Áustria ou até mesmo a França, onde o número de
utilizadores dessa rede social não chega a metade do número total de utilizadores da
Internet.
Mas analisaremos mais uma vez as diferenças entre os países europeus com o
apoio visual da figura 1:

Figura 1. Dendograma da análise de clusters com o método do vizinho mais próximo,


usando a distância euclidiana quadrada como medida de dissemelhança.

198
Recorrendo à figura que se encontra acima, um dado que salta à vista é o isolamento
da Roménia face aos restantes países europeus, com a mais baixa taxa de penetração
da Internet, não chegando a metade da sua população. Podemos ainda identificar mais
quatro clusters ou agrupamentos que, curiosamente, agregam países com alguma
proximidade cultural, histórica e, em muitos casos, geográfica. Veja-se por exemplo o
agrupamento que agrega os países escandinavos, os países-baixos e o Luxemburgo,
com taxas de penetração da Internet que oscilam em torno dos 90% e que
compartilham níveis de desenvolvimento elevados, aliados a um tipo de Estado-
Providência desenvolvido ainda que não propriamente do mesmo tipo. Segundo a
tipologia de Esping-Andersen (1990) os países escandinavos têm um modelo de
Estado-Providência social-democrata enquanto os Países-Baixos e o Luxemburgo estão
entre esse modelo e o modelo continental que caracteriza países como a Alemanha e a
França. Estes dois países, juntamente com o Reino Unido, a Áustria, a Irlanda e a
Bélgica compõem o segundo agrupamento, acompanhados de dois países vindos do
199
antigo Bloco de Leste, a Eslováquia e a Estónia. Este, por seu turno, agrega sociedades
com taxas de penetração à volta dos 80%, algumas economicamente desenvolvidas,
outras com um grau de desenvolvimento económico mais intermédio, com modelos
de Estado-Providência de tipo continental, de tipo liberal, como é o caso dos países
anglófonos, e “modelos” de Providência pós-socialistas (Semetko, 2003), difíceis de
tipificar dadas as diferenças entre as próprias sociedades ex-socialistas.
Num terceiro agrupamento temos os restantes países de leste, à exceção da
Bulgária, juntamente com Espanha e Malta, com taxas de penetração próximas dos
65% e dos 70%. Dada a evidência das diferenças entre as sociedades de leste, o
passado socialista comum não poderá servir de ponto de partida, apesar de Castells
(2002), na sua análise das sociedades informacionais, apontar como um dos fatores
internos do falhanço económico do Bloco de Leste a falta de capacidade estrutural
para dar o salto evolutivo informacional, criando-se assim mais uma desvantagem
económica face ao Ocidente. Desvantagem esta que os países de leste têm procurado
colmatar, embora a ritmos diferentes consoante os contextos societais, sendo de
realçar que muitas dessas sociedades já ultrapassaram, neste âmbito, a maioria dos
países do Sul da Europa, facto a que não serão alheios os diferenciais em termos de
escolarização e nível médio de literacia133. Seria também interessante olhar para as
diferenças em termos de políticas públicas e da presença no discurso político da
importância das tecnologias da informação.
Os restantes países do Sul, Chipre, Itália, Grécia e Portugal, caracterizados por
um Estado-Providência desprivilegiado (Torres, 2006), acompanhados pela Bulgária,
compõem o último agrupamento com taxas de penetração entre os 50% e os 60%. O
menor desenvolvimento económico (embora Itália seja um caso diferente,
caracterizada por um desenvolvimento desigual entre Norte e Sul no próprio país),
uma herança histórica em termos de baixos níveis de escolaridade e de literacia, tendo
em conta o contexto europeu, as políticas públicas, e em particular, as relativas ao
sistema de ensino, entre outros fatores, poderão explicar este “atraso” face à maioria
dos restantes países da Europa.
Desde a explosão inicial do “espaço dos fluxos” depois da queda do muro de
Berlim e desde os anos da bolha dotcom, Qiu (2013) argumenta a favor da
reemergência do “espaço dos lugares”, que adicionou importantes nódulos funcionais
e culturais à sociedade em rede alargada. Neste âmbito, podemos mencionar a
centralidade de determinadas áreas urbanas na indústria global da Internet, como
identificado por Zook (2005), e que permite a Florida (2005) falar de “picos”
identificáveis nas indústrias culturais globais presentes nas redes. Ademais, para além
da importância da ação governamental na definição de ciberespaços nacionais, dadas
determinadas ações de censura e políticas de filtragem por parte dos Estados (Deibert
et al., 2008), fronteiras espaciais similares emergem devido a fatores culturais e

133
Aqui entendida no seu sentido mais tradicional. Sobre a discussão em torno do conceito de novas e
“velhas” literacias ver Livingstone (2004).

200
linguísticos. Estes processos analisados nos estudos globais da comunicação assinalam
a forma como os media, incluindo a Internet, contribuem para a moldagem de “regiões
geo-linguísticas” (Sinclair et al., 2002; Thussu, 2006). Para além de outros espaços que
se interligam com os espaços imateriais das redes, um outro tipo de “espaço dos
lugares” mencionado por Qiu (2013) refere-se às comunidades virtuais e aos locais de
co-presença imateriais como as redes sociais online, que surgem como novos tipos de
localidade onde os significados sociais e a memória coletiva podem ser criados. Isto é
ainda manifesto nos jogos online, onde jogadores graúdos e mais novos partilham
paisagens gráficas online que se tornaram estruturas concretas da experiência social
coletiva. Qiu sustenta que o crescimento do “espaço dos fluxos” necessita da criação
de novos lugares e do rejuvenescimento de alguns locais tradicionais, altamente
heterogéneos. Logo, esclarece que existem muitos “espaços dos lugares” que refletem
e reproduzem o mosaico de estruturas espaciais humanas on e offline.
Será, portanto, relevante olhar para a situação portuguesa no seio da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), apresentada na tabela 3. Este
olhar releva aquilo que alguns autores caracterizam como a situação semiperiférica da
sociedade portuguesa (Santos, 2013) no contexto mundial, dada a situação periférica
face a outros países europeus, mesmo quando tinha uma relação de colonizador com
alguns países africanos e algumas regiões na Ásia. Esta análise é assim útil para
compreender melhor a posição relativa dos países de expressão lusófona, que
partilham uma história e língua oficial comuns, embora se reconheça os contornos
culturais e linguísticos complexos e diversificados no seio da CPLP. Constitui, no
entanto, um indicador importante da taxa de penetração da Internet entre os falantes
de português no mundo.

Tabela 3. Utilização da Internet e estatísticas populacionais no contexto da


Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (30 de Junho, 2012)
População Utilizadores Penetração Utilizadores
(2012 Est.) da Internet (% do Facebook
(30 Jun., População) (31 Dez., 2012)
2012)
Angola 20,139,765 2,976,657 14.8 % 645,460
Brasil 193,946,886 88,494,756 45.6 % 58,565,700
Cabo Verde 523,568 167,542 32.0 % 107,340
Guiné-Bissau 1,628,603 43,484 2.7 % n/a
Moçambique 23,515,934 1,011,185 4.3 % 362,560
Portugal 10,781,459 5,950,449 55.2 % 4,663,060
São Tomé e 183,176 36,928 20.2 % 6,940
Príncipe
Timor-Leste 1,143,667 10,293 0.9 % n/a
Fonte: Internet World Stats – www.internetworldstats.com/stats.htm

201
Podemos verificar que o Brasil não está muito distante de Portugal quanto
àquele indicador mas o facto de ter uma população muito maior isso traduz-se, em
termos absolutos, num número de utilizadores também ele muito mais elevado. É
essencialmente por causa do Brasil que o português é uma das línguas mais utilizadas
na Internet, sendo que a ideia de constituição de um grande mercado lusófono tendo
por base a distribuição de conteúdos digitais tem por base vários milhões de
internautas e um grande potencial de crescimento, como se pode também apurar
através da tabela 4.
Vale ainda a pena localizar a língua portuguesa quanto à sua utilização nos
espaços virtuais numa comparação com outras línguas. Podemos argumentar que,
hoje em dia, a relevância cultural e até mesmo económica de uma língua passa, em
grande medida, pela sua importância nas redes. Neste âmbito, têm surgido alterações
quanto às línguas mais utilizadas na Internet, havendo uma progressiva equiparação
entre os mundos on e offline. Na tabela 4, podemos ver o top 10 das línguas na
Internet, com a língua portuguesa a aparecer em 5º lugar.

Tabela 4. Ranking das línguas utilizadas na Internet (Número de utilizadores da


Internet por língua)
Top 10 das Utilizadores Penetração Cresciment Utilizadores População
Línguas na da Internet da Internet o da da Internet Mundial
Internet por Língua por Língua Internet % do total para a
(2000-2011) Língua (2011
estimado)
Inglês 565,004,126 43.4 % 301.4 % 26.8 % 1,302,275,67
0
Chinês 509,965,013 37.2 % 1,478.7 % 24.2 % 1,372,226,04
2
Castelhano 164,968,742 39.0 % 807.4 % 7.8 % 423,085,806
Japonês 99,182,000 78.4 % 110.7 % 4.7 % 126,475,664
Português 82,586,600 32.5 % 990.1 % 3.9 % 253,947,594
Alemão 75,422,674 79.5 % 174.1 % 3.6 % 94,842,656
Árabe 65,365,400 18.8 % 2,501.2 % 3.3 % 347,002,991
Francês 59,779,525 17.2 % 398.2 % 3.0 % 347,932,305
Russo 59,700,000 42.8 % 1,825.8 % 3.0 % 139,390,205
Coreano 39,440,000 55.2 % 107.1 % 2.0 % 71,393,343
Línguas no 1,615,957,33 36.4 % 421.2 % 82.2 % 4,442,056,06
TOP 10 3 9
Outras 350,557,483 14.6 % 588.5 % 17.8 % 2,403,553,89
Línguas 1
Total 2,099,926,96 30.3 % 481.7 % 100.0 % 6,930,055,15
Mundial 5 4

202
Fonte: Internet World Stats – www.internetworldstats.com/stats7.htm

Segundo os dados apresentados, há mais de 82 milhões de internautas que


falam português, o que representa 3,9% de todos os utilizadores da Internet no
mundo, com perspetivas de crescimento face a outras línguas como o japonês ou o
alemão, visto ainda haver uma fraca penetração da Internet, que representa 32,5%
para a língua portuguesa face a 78,4% e 79,5% para o japonês e o alemão,
respetivamente. Seja como for, o número de utilizadores da Internet que fala
português cresceu 990,1% nos últimos 11 anos (2000-2011), um aumento
extraordinário, embora não seja tão espetacular como o de 1.825% para o número de
internautas que fala russo e de 2.501% para o número de utilizadores que fala
árabe134. Estes dados são extremamente relevantes se pensarmos que o futuro e a
relevância global das línguas poderão passar pelo seu peso no mundo online, para
além, de indiciar a possibilidade de criação de mercados digitais estruturados
consoante as afinidades linguísticas.

Os “espaços dos lugares”: contextos societais como espaços informativos, sociais ou


comunicacionais?

A forma como os indivíduos utilizam a Internet tem evoluído desde que esta tecnologia
foi introduzida no tecido social, com a afirmação crescente de um modelo de
comunicação em rede (Cardoso e Araújo, 2009). Podem-se adiantar seis fatores que
contribuem para esta evolução. Podemos ainda insistir na diversificação geográfica e
demográfica dos utilizadores da Internet. No começo, os “aderentes precoces” a esta
tecnologia pertenciam a um grupo sociodemográfico específico em regiões
desenvolvidas do globo, jovens adultos da órbita ocidental altamente interessados e
envolvidos na tecnologia. A gradual massificação da Internet trouxe novos tipos de
utilizadores, com outros interesses e objetivos particulares. Agindo como inovadores,
estes novos aderentes ampliaram os tipos de aplicações e a noção de utilidade
associada à Internet. Domesticaram e moldaram a tecnologia face aos seus interesses,
tornando a utilização mais variada e nuançada, despertando novas possibilidade e
serviços (Findahl, 2007). Acompanhando a variação de interesses no ciclo de vida dos
indivíduos surgiram novos serviços online que responderam a novas procuras, desde
os serviços de banca direcionados essencialmente aos adultos em idade ativa aos
serviços de compras ou de pagamento e gestão de serviços. Todavia, há que contar
com importantes e persistentes diferenças regionais. Em países anglófonos como os
EUA, o Reino Unido ou a Austrália, a Internet tornou-se um importante mercado digital
134
Refira-se que o registo do número de falantes de línguas no mundo é uma tarefa complexa, em
particular, dado o impulso, em muitos países, do ensino do inglês em escolas públicas. Não se sabe ao
certo quantas pessoas usam esta língua, que pode ser considerada global e em franco crescimento na
China e na Índia.

203
(WIP, 2010; OCDE, 2007; Dutton e Helsper, 2007; Ewing, 2011), atestado por exemplo
pelo acréscimo exponencial entre 2000-2006, no Reino Unido, das vendas de bilhetes,
mercadorias e serviços (OCDE, 2007). As transações online de bens e serviços deram
corpo ao arquétipo do mercador de Stefik (1997), com particular pujança nessas
sociedades. Quanto ao sucesso das compras online na Austrália este deve-se não só
como meio para fazer face a enormes distâncias e à existência de localidades isoladas
e longínquas dos centros urbanos como ao acesso facilitado às promoções e preços de
um mercado online globalizado e unido pela língua inglesa, face aos preços praticados
pelo comércio a retalho tradicional (Scott, 2011).
A análise das diferenças transnacionais quanto ao acesso e usos da internet é
estruturada por camadas, ou um jogo de bonecas russas, compondo as camadas mais
elementares: o acesso e o tipo de acesso à Internet, seguida da utilização/não
utilização da tecnologia135, a que podemos acrescentar diferenças de segunda ordem
(Hargittai, 2002; Hargittai e Hsieh, 2013), relativas às modalidades de utilização e aos
tipos de competências e experiência dos utilizadores (DiMaggio et al., 2004; Guillén e
Suárez, 2005; van Dijk, 2005), que ultrapassam uma análise binária destas questões.
Quanto à utilização da Internet por país os dados do World Internet Project (WIP)
permitem-nos vislumbrar a sua evolução em alguns países:

Tabela 5. Utilização da Internet por País (membros do WIP) (% inquiridos)


2008 2009 2010 2011
Austrália - 80,6 - -
Chile 59,3 - 55,1 -
Chipre 47,5 - 57,8 -
Colômbia 48,4 54,7 - -
EUA 80,0 81,7 82,2 -
Hungria - 46,6 - -
Ilha Formosa - 55,1 - -
Israel - - 72,2 -
Japão - - 84,2 -
Macau 66,0 - - -
México 36,6 42,7 - -
Nova Zelândia - 82,7 - -
Polónia - - 54,7 -
Portugal 40,7 - 42,9* 49,1*
Reino Unido - 68,2 - -
República Checa 55,7 - - -
Suécia - 82,7 84,6 -

135
Devemos assumir que o acesso e utilização são processos que estão correlacionados mas que são
distintos. Um indivíduo pode ter acesso em casa mas não ser um utilizador. Poderá ser o caso de um pai
com filhos em idade escolar, por exemplo.

204
(* É de frisar que os dados se referem ao uso efetivo da Internet e não ao seu acesso
nos agregados familiares. No caso português o acesso é maior que a utilização. No final
de 2011, a taxa de penetração da Internet nos agregados familiares era cerca de 57%,
segundo os dados do Inquérito Sociedade em Rede.)

Se por um lado há já um conjunto de dados e análises bastante vasto da


evolução do uso da Internet nos últimos 20 anos, por outro, alguns estudos começam
a identificar e a estudar mais a fundo a não-utilização da Internet e o que assinalam
poderá ser alvo de alguns equívocos (Dutton, Helsper e Gerber, 2009; Godoy-
Etcheverry e Helsper, 2010; Hargittai e Hsieh, 2013). Afinal o que se entende por não
utilização e que fatores poderão concorrer para essa não utilização? Se dissociarmos o
não acesso e a não utilização da Internet a fatores de exclusão tradicionais no mundo
offline (rendimento, níveis de escolaridade e literacia, etc.) então o termo “divisão
digital” torna-se problemático. Tampouco significa reduzir as questões da não-
utilização a fatores meramente decisionais, em particular nas sociedades
economicamente mais desenvolvidas, onde determinados processos de exclusão social
ligados à privação material são mais contidos. Godoy-Etcheverry e Helsper (2010)
assinalam que comparar dois países diferentes, mesmo usando as mesmas variáveis de
inclusão digital, não é uma tarefa linear, uma vez que existem diferentes níveis de
inclusão e interpretações diversas face ao que compõe o ideal de uma inclusão digital
plena. Para além disso, uma variável que poderíamos colocar apressadamente no
campo decisional, como por exemplo, “não ter interesse”, pode esconder processos
sociais mais complexos, como aqueles apontados por Bourdieu (1994), em que faz
parte dos processos de exclusão o ato de rejeição infraconsciente dos indivíduos
daquilo que lhes é objetivamente negado e que é verbalizado em apreciações em
torno do gosto (“não gosto”) ou da utilidade (“não é útil”).

Tabela 6. Razões para não usar a Internet, por País (WIP 2010) (% inquiridos)
Sem Não sabe Sem Demasiad Sem Outra
interesse/ usar/ computador o caro/ tempo/
utilidade Confundid / ligação à Não pode Demasiad
o com a Internet pagar o o ocupado
tecnologia acesso
Chile 22,5 36,7 12,7 5,8 14,9 3,4
Cipriotas 62,6 18,2 7,1 1,9 9,7 0,5
-gregos
Cipriotas 29,9 19,7 16,1 3,1 17,3 0,0
-turcos
EUA 24,8 13,3 36,5 7,3 2,2 15,7
Israel 36,2 19,6 15,1 0,0 16,8 10,8
Japão 43,4 27,7 7,2 4,8 8,4 8,4

205
Polónia 51,3 16,3 18,2 6,3 5,6 1,9
Portugal 45,4 26,1 10,2 9,3 5,0 0,7
Suécia 54,2 15,7 18,5 3,1 2,8 5,2

Um passo importante de clarificação consiste, portanto, em analisar as razões


adiantadas pelos respondentes para a não utilização da Internet, apresentadas na
tabela 6. Porém, é de assinalar que estes são dados de nível individual que, embora
proveitosos para perceber importantes diferenças entre países, não apresentam um
quadro completo, faltando variáveis de nível societal que podem contribuir para
explicar persistentes diferenças e desigualdades entre as nações, nomeadamente o
funcionamento do setor das telecomunicações, a sua regulação, as políticas públicas,
as infraestruturas e as disparidades em termos dos custos dos contratos, em
particular, face ao poder de compra médio.
A principal razão adiantada para a não utilização da Internet é a falta de
interesse/utilidade. Os dados acima expostos na tabela 6 apontam para uma realidade
complexa que, como argumentámos, não encaixa na divisão binária entre ter ou não
ter acesso: em todos os países analisados, as percentagens de indivíduos que apontam
dificuldades económicas e que não têm computador ou ligação à rede, são menores e,
nalguns casos, bem menores que a percentagem de inquiridos que demonstraram
falta de interesse ou que não vêm utilidade, pelo menos para si, na tecnologia. São
ainda apreciáveis as percentagens de inquiridos que apontam como razão a falta de
competências para usar a tecnologia, o que remete para as questões de literacia digital
e para a hipótese da divisão de conhecimento para explicar a desigualdade digital
(Hargittai e Hsieh, 2013). Neste campo, Bonfadelli (2002) e van Dijk (2005)
argumentaram que as divisões de conhecimento (ou competências) no domínio dos
usos dos media digitais podem ser mais severas que as divisões existentes quanto aos
usos dos media tradicionais, uma vez que os usos da Internet requerem novos
conjuntos de competências, como as estratégias de procura da informação ou as
avaliações críticas da credibilidade dos conteúdos (Hargittai e Hsieh, 2013). Outros
dados apontam, porém, para uma realidade diferente, se olharmos apenas para os
utilizadores mais novos. O estudo de Cardoso, Espanha e Lapa (2009), demonstra que
as razões económicas assumem uma importância bem maior entre as gerações mais
novas. Apenas uma pequena minoria de jovens não-utilizadores declararam que os
motivos se prendem com a falta interesse na sua utilização ou porque não lhe
reconhecem utilidade. Eram igualmente bastante minoritários os jovens com a opinião
de que não iriam utilizar a Internet no futuro. De qualquer maneira, a tabela 6 permite
vislumbrar a diversidade de dinâmicas que podem estar em jogo na não-utilização e na
explicação das desigualdades digitais.
DiMaggio et al. (2004) estão entre os primeiros a oferecer um enquadramento
teórico que leva em linha de conta fatores e consequências da desigualdade digital. A
sua abordagem evidencia cinco aspetos da desigualdade relacionada com as

206
tecnologias da informação e comunicação, que também podem ser entendidos como
patamares de desigualdade que, por sua vez, podem ser desagregados noutros
subpatamares: 1) a qualidade do hardware, do software e da ligação à Internet; 2) a
autonomia no uso; 3) competências; 4) a disponibilidade de apoio social; e 5) a
extensão e qualidade do uso. Referindo-nos ao primeiro patamar de desigualdade
referido por DiMaggio et al. (2004), outro fator que contribuiu para a diversificação da
utilização da Internet foi o crescimento exponencial de usos, oportunidades e serviços
que advieram da utilização massificada, no Ocidente, da banda larga, o que
corresponde a outra camada de diferenciação das sociedades, nos caminhos
multifacetados de transformação informacional. O impacto da banda larga verifica-se
na frequência e tempo de uso da Internet, mas também na variedade e diversidade de
uso (OCDE, 2007), como também observaremos mais adiante. Na verdade, a banda
larga desempenha um papel de acelerador para diversas atividades online, como
demonstrado por pesquisas em diversos contextos: na Austrália, no estudo de Ewing e
Thomas (2009), ou na Suécia, na análise de Findahl (2009). Além disso, a mudança de
direção para as conexões de banda larga não só tem atraído um grande leque de
políticas sociais e de diversificação de novos serviços disponibilizados no mercado
como também possibilitou a convergência mediática (Jenkins, 2006) de formas
tradicionais de informação e entretenimento, tornando-as acessíveis online - desde
ouvir e descarregar músicas até ao acesso a uma ampla gama de programas de rádio e
televisão. Acrescente-se que os indivíduos com acesso à banda larga em casa estão
muito mais inclinados para realizar um amplo conjunto de atividades online em
comparação com aqueles sem esse tipo de ligação. Aqui as diferenças são altamente
notáveis: já em 2006, em comparação com os utilizadores de banda estreita, verificou-
se, na Noruega, que a probabilidade de um utilizador com banda larga ouvir rádio ou
assistir a programas de TV através do computador pessoal era 30% maior; nos EUA, a
probabilidade de ler ou descarregar jornais online era 20% superior; e, em Espanha e
nos EUA, a probabilidade de um internauta com banda larga adquirir bens ou serviços
encomendados era igualmente 20% mais elevada (OECD, 2007; Cardoso e Araújo,
2009).

Tabela 7. Número de minutos, por semana, que utiliza a Internet com ligação com fio
(WIP 2010) (Média)
Casa Local de Escola Outro local
trabalho
Chile 703,4 265,6 133,9 279,7
Cipriotas- 677,3 403,7 27,7 42,4
gregos
Cipriotas- 751,7 618,4 278,3 216,9
turcos
EUA 764,2 556,5 263,6 40,4

207
Israel 386,4 206,9 33,3 56,8
Japão 659,7 533,3 711,7 39,2
Polónia 369,8 178,9 24,7 27,0
Portugal 1067,6 343,1 98,6 61,9
Suécia 721,0 560,7 340,9 66,1

Ainda um outro fator de diferenciação é o próprio local de acesso à Internet


com ligação com fio e a extensão do seu uso, como podemos observar na tabela 7. Na
generalidade dos países, com a exceção do Japão, é em casa que se despende mais
tempo, em termos médios, na Internet, com Portugal a assumir a dianteira. A exceção
do Japão poderá ter a ver com a enorme importância da utilização da rede em
dispositivos móveis (Mikami, 2009), que não está obviamente confinada a um local
específico. Quanto à extensão da utilização no local de trabalho, são os internautas
cipriotas-turcos, suecos, estado-unidenses e japoneses aqueles que mais tempo
despendem ligados à rede. Existem também diferenças marcantes quanto ao tempo
despendido na rede no meio escolar, que pode ser entendido como um local com uma
importância estratégica quanto ao desenvolvimento e promoção da info-literacia de
sectores da população juvenil (Cardoso, Espanha e Lapa, 2009). Neste campo, a Suécia
e, particularmente, o Japão assumem a dianteira. É entre os internautas chilenos e os
cipriotas-turcos que se dispensa mais tempo na Internet noutros locais, o que pode ser
um indicador da importância de locais alternativos nesses contextos, mas
originalmente populares, como cibercafés ou bibliotecas públicas.
Em termos genéricos, DiMaggio et al. (2004) afirmam que o aumento do tempo
de uso tem um impacto sobre a melhoria das competências digitais dos povos,
remetendo-nos ao terceiro fator apontando pelos autores, o que, por sua vez,
contribui para o alargamento dos usos da Internet e para o aumento das literacias
digitais. A extensão do uso interliga-se igualmente com o quinto patamar assinalado
atrás uma vez que os utilizadores vão adquirindo mais experiência com as ferramentas
da Internet, o que se poderá refletir não só na confiança quanto às próprias
competências como na confiança face à própria tecnologia, que é de importância
central nos usos utilitários da Internet como a aquisição online de bens e serviços ou a
utilização da banca eletrónica. A acompanhar este movimento as próprias ferramentas
estão a tornar-se cada vez mais amigáveis para os utilizadores, permitindo que estes
melhorem continuamente as suas competências digitais, em paralelo ao aumento da
educação formal e das iniciativas relacionadas com a alfabetização digital.
Um fator adicional, a par do desenvolvimento da banda larga, prende-se com o
surgimento de inovações ao nível do software, nomeadamente, o aparecimento das
aplicações que têm sido rotuladas por aplicações Web 2.0 e que edificam a ecologia
dos media sociais (Dutton e Helsper, 2007; Ellison e Boyd, 2013). A Web 2.0 abriu
portas para a inovação nos modos de uso e apropriação das aplicações pelos
internautas, sendo de referir a maior facilidade de produzir e difundir conteúdos

208
gerados pelo utilizador. Com as aplicações da Web 2.0 tornou-se exequível para os
utilizadores comuns criarem redes virtuais em torno de conteúdos recém-criados e
trocar comentários sobre esses conteúdos, recriando assim o papel comunicativo das
redes. A Web 2.0 fornece uma forma de consolidar as redes sociais, ampliando as
oportunidades de comunicação online existentes, seja através da interação
instantânea ou da partilha e do manuseamento em rede dos conteúdos online. As
mesmas tecnologias facilitam, ao mesmo tempo, a produção de materiais audiovisuais
para uso privado, bem como a articulação do armazenamento e da transmissão de
conteúdos com audiências de massa (Dutton e Helsper, 2007). De facto, uma das
grandes mudanças na forma como as pessoas usam a Internet desde 2005 tem sido o
aumento de popularidade dos sites de redes sociais que se reverteu na expansão das
possibilidades existentes para os indivíduos comunicarem e interagirem uns com os
outros, tais como o correio eletrónico, chats e blogues, que, segundo Cardoso e Araújo
(2009) constituiu mais uma contribuição para o aumento do papel central da
comunicação nas redes.
Ainda outra camada de diferenciação que tem merecido especial interesse nas
investigações dos últimos anos prende-se com a generalização das redes móveis e sem
fios presentes em diversos dispositivos (Dutton e Blank, 2011; Blank e Dutton, 2012;
Cardoso, Liang e Lapa, 2013). Este compõe um fator complementar na explicação das
diferenças societais que contribui para a ampliação de usos e a multiplicação dos
próprios contextos de utilização da Internet. Nos anos iniciais do século XXI, a Internet
entrou em casa, escapando a outros lugares de uso - ou seja, cibercafés, escolas e
universidades. Mais recentemente, com a proliferação de computadores e dispositivos
portáteis e com a expansão da utilização da Internet em telemóveis, a que não são
alheias a competição no mercado das telecomunicações e a oferta de pacotes
atrativos, os contextos de uso da Internet têm vindo a expandir-se novamente,
proporcionando uma oportunidade para o desenvolvimento de usos inovadores da
tecnologia e, simultaneamente, aumentando o tempo disponível para ser gasto online.
Neste âmbito, cresce o interesse em analisar as características dos utilizadores da
“próxima geração” (Dutton e Blank, 2011; Blank e Dutton, 2012) que acedem à
Internet em movimento e em vários dispositivos, realidade que tem sugerido novas
distinções quanto às modalidades de uso, nomeadamente entre utilizadores
constantes, que estão sempre conectados à Internet, e utilizadores frequentes e
móveis. É igualmente relevante a distinção entre utilizadores ativos e produtores
ativos, e entre os usos informativos e as atividades comunicacionais e relacionais, em
particular nas redes sociais (Cardoso, Liang e Lapa, 2013).
No que concerne à utilização da Internet através de dispositivos sem fios,
verificam-se enormes diferenças entre as sociedades, com o Japão e os EUA a
assumirem a dianteira. O Japão é um exemplo de como as políticas governamentais e
uma intensa competição no mercado desde os anos 90 acelerou a disseminação dos
novos media como a Internet e os telemóveis, o que se refletiu na utilização da rede

209
em dispositivos móveis (Mikami, 2009). Baseado nos inquéritos do WIP aos
utilizadores japoneses, Mikami apurou que a Internet não é apenas percecionada
como uma fonte de informação ou entretenimento, comparado com os media
tradicionais como a televisão e os jornais, é um portal de entrada em movimento.
Nesse país os utilizadores com Internet móvel superam em larga medida os
utilizadores apenas com ligações fixas – apesar da utilização dos media sociais ser
maior na computadores pessoais utilizados em casa, talvez por questões de velocidade
e de largura de banda. Seja como for, é um exemplo de um país com uma ecologia dos
media distintiva: dada a apropriação generalizada e intensa de telemóveis, o caso
japonês demonstra que a ecologia dos media pode influenciar as escolhas e as opções
dos utilizadores e vice-versa.

Tabela 8. Utilização da Internet através de dispositivos sem fios, por País (membros do
WIP) (% inquiridos)
2008 2009 2010 2011
Austrália - 51,4 - -
Chile 25,3 - 23,9 -
Chipre 36,6 - 24,7* -
Colômbia 19,2 21,6 - -
EUA 41,9 52,4 33,0 -
Hungria - 8,0 - -
Israel - - 22,8 -
Japão - - 34,9 -
Macau 28,7 - - -
México 59,8 - - -
Nova Zelândia - 49,7 - -
Polónia - - 8,2 -
Portugal - - 8,9 12,0
Reino Unido - 17,5 - -
República 14,9 - - -
Checa
Suécia - 36,3 24,2 -
* Média entre cipriotas gregos e turcos

Quanto ao acesso à Internet, Taplin (2013) fala de um atraso tecnológico em


termos de velocidades e difusão da banda larga que persiste fora do Japão e da Coreia
do Sul. O autor chama a atenção para a importância dos contextos nacionais e para a
forma como estão estruturados os mercados de telecomunicações, visto que as
diferenças tecnológicas entre países não podem ser atribuídas a insuficiências na
espinha dorsal da Internet. Pelo contrário, a capacidade “excessiva” das redes de longa
distância tem conduzido antes a reduções drásticas de preços. Os EUA e países

210
europeus como Portugal estão agora a seguir os passos do Japão e da Coreia do Sul
com a introdução das redes de quarta geração (4G), o que poderá alterar e diversificar
ainda mais os usos da Internet e acelerar o movimento de uma utilização sem lugar
fixo. De acordo com Taplin, os desenvolvimentos no futuro próximo passam, portanto,
pela vinda da Banda Muito Larga e daquilo que tem sido apelidado de Rede Visual, um
termo que pretende dar conta da enorme relevância das várias formas de vídeo no
tráfego global dos consumidores, inclusive dos consumidores móveis.
Tem também sido registada a tendência de crescimento acelerado do tráfego
móvel de dados. Porém, perante os dados do WIP, a utilização mais generalizada das
redes móveis não serve como indicador das intensidades do uso dessas redes como é
indicado na tabela 9. Neste caso, curiosamente, os inquiridos portugueses que usam
dispositivos móveis estão na dianteira, a par dos inquiridos dos EUA, o que indicia que,
apesar da menor percentagem de utilizadores de Internet móvel no nosso país, esta é
composta, em geral, de utilizadores intensivos.

Tabela 9. Número de minutos, por semana, que utiliza a Internet em dispositivos sem
fio (Média)
2008 2008 2009 2009 2010
(Telemóvel (PC (Telemóve (PC (Dispositivos
) portátil) l) portátil) Móveis:
Smartphones,
tablets, etc.)
Austrália - - 37,5 710,0 -
Chile 73,4 441,0 - - -
Chipre 152,2 697,5 - - -
Colômbia 42,2 168,9 16,3 328,2 -
EUA 109,9 611,9 168,2 639,5 285,1
Hungria - - 314,3 330,3 -
Ilha Formosa - - 65,4 228,7 -
Israel - - - - 45,6
Japão - - - - 201,7
Macau 94,7 419,4 - - -
México - - 26,2 - -
Nova - - 113,0 678,7 -
Zelândia
Polónia - - - - -
Portugal - - - - 282,8
Reino Unido - - - - -
República 79,7 331,4 - - -
Checa
Suécia - - 62,4 507,7 99,6

211
A Internet é agora mais proficiente devido ao aumento de desempenho e,
consequentemente, de precisão, com atualizações bem mais frequentes. Nos
primeiros dias desta tecnologia, as páginas da Web não eram atualizadas tantas vezes
como hoje e as informações tendiam a ser datadas. Por conseguinte, além de
constituir o tradicional portal de informação, a Internet tornou-se "uma enciclopédia -
uma ajuda para encontrar datas, horários e endereços, um dicionário e um recurso de
linguagem, um lugar de mercado, e um lugar para encontrar notícias e ler revistas"
(WIP, 2008: 51). A conjunção destes vários fatores conduziu à expansão dos usos da
Internet, embora em escalas diferentes para os vários grupos sociodemográficos. Por
exemplo, como foi mostrado na Finlândia (Sirkiä et al., 2005), o alcance e a variedade
de usos da Internet são diferenciados de acordo com a idade. Segundo a OCDE (2008),
jovens usam a Internet de formas consideravelmente mais variadas do que as pessoas
mais velhas. De modo similar, nos Países-Baixos foi apurado que a frequência do uso
da Internet é muito maior entre os internautas mais jovens do que entre os
utilizadores mais velhos, verificando-se o mesmo em termos de variedade de usos. A
média etária apurada dos utilizadores com 10 atividades na Internet foi de 32 anos, em
comparação com uma média de 49 anos de idade para internautas que se cingiam
essencialmente a uma atividade (OCDE, 2008). Tendências semelhantes foram
encontradas na Itália e em Portugal em estudos geracionais da Internet e uso da
televisão (Cardoso, 2006; Aroldi e Colombo, 2003). Ademais, estudos apontam que a
idade tem um impacto nos tipos de utilização. Ewing e Thomas (2009) assinalam que,
no contexto australiano, os usos relativos ao entretenimento – em particular, jogar
online e descarregar música – são especialmente relevantes para os mais novos. Na
França, foi apurado que os internautas mais novos estavam mais associados a práticas
relativas à partilha de ficheiros com conteúdos mediáticos. No entanto, os utilizadores
franceses em idade ativa dos 25 aos 45 anos apresentavam probabilidades maiores de
utilização de serviços de banca eletrónica e de comércio eletrónico.
Não é, porém, analiticamente produtivo afunilar o estudo das práticas num
eixo composto pela variável idade, pela potencial opacidade que confere ao estudo
dos usos da Internet, em particular no interior dos escalões etários (Paisana e Cardoso,
2013; Cardoso, Espanha e Lapa, 2013). Não só estão outras variáveis de nível individual
em jogo (género, etnia, escolaridade, níveis de literacia, experiência, confiança na
tecnologia, etc.) como variáveis de nível societal ou agregadas, que enquadram os usos
individuais das tecnologias digitais. Por exemplo, os níveis educacionais constituem
uma variável importante uma vez que os mais escolarizados apresentam uma maior
propensão para realizar um leque mais variado de atividades online, mesmo em países
com desigualdades menores como a Suécia (OCDE, 2007; Cardoso e Araújo, 2009).
Ademais, enquanto a análise dos utilizadores da Internet em alguns países pode ser
adequadamente descrita como a análise de elites digitais ou de aderentes precoces,
noutros, onde a utilização está mais democratizada, as modalidades de utilização
podem distinguir-se essencialmente pelos diferentes interesses e finalidades de

212
utilização da tecnologia e, consequentemente, pelas atividades na Internet
diferenciadas ao longo de diversos grupos socioeconómicos.
Tal cenário levou à identificação de uma nova divisão: a divisão de usos digitais
(Sciadas, 2003). Acrescente-se que algumas atividades online que apresentam pouca
expressividade global são importantes para grupos sociais específicos em alguns países
(ou, pelo menos, não de uma forma homogeneizada). São ainda de prever diversos
perfis de utilização (assim como de não-utilização) que foram evoluindo com o tempo
e a evolução no ciclo de vida e nos interesses e motivações dos indivíduos. Existem,
portanto, variáveis contextuais (culturais, históricas e relativas à estrutura
sociodemográfica) que devem ser consideradas quando se olha para os resultados
comparativos entre indivíduos e países. Se por um lado, a nível global, as divisões
digitais relativas ao acesso parecem estar em decréscimo, por outro, uma outra divisão
digital centrada no uso, que coincide com o quinto patamar referido por Dimaggio et
al. (2004), pode ser escrutinada, tendo por base o efeito de sistemas dos media
específicos, das culturas nacionais e regionais e dos fatores socioeconómicos nas
desigualdades na utilização das novas tecnologias. Tal divisão digital dos usos pode ser
indiretamente observada através da variedade de usos e das competências
diferenciados dos indivíduos para encontrarem informação online de modo eficiente e
crítico (Hargittai, 2002; Pénard e Suire, 2006).
Com o alargamento do leque de atividades possíveis na Internet e com a
convergência dos media que proporciona (Jenkins, 2006) uma dinâmica central da
comunicação em rede (Cardoso, 2006), será expetável a crescente importância da
Internet como meio não só de informação mas também de entretenimento. As figuras
seguintes, 2 e 3, demonstram a importância relativa de cada meio de comunicação
como fonte de informação e entretenimento, respetivamente. Como se pode
constatar a importância da Internet como fonte de informação já ultrapassou (em
2010) os media tradicionais nos EUA, Israel e entre os cipriotas-turcos. Contudo, nos
restantes países e entre os cipriotas-gregos a televisão ainda constituía a principal
fonte de informação. Além disso, na figura 3 a televisão aparece como a fonte mais
importante de entretenimento para os respondentes, seguida de perto pela Internet
nos EUA, Israel e entre os cipriotas-turcos. Todavia, para os respondentes portugueses
e polacos a Internet é a fonte de informação e de entretenimento menos importante.

213
Figura 2. Importância do meio de comunicação como fonte de Informação, por país
(WIP 2010)
5,0
Muito Importante
4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0 Nada Importante

Internet Televisão Jornais Rádio

Figura 3. Importância do meio de comunicação como fonte de Entretenimento, por


país (WIP 2010)
5,0
Muito Importante
4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

1,5

1,0 Nada Importante

Internet Televisão Jornais Rádio

No entanto, estas comparações complexificaram-se devido à convergência dos


media, entendida como um fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes

214
mediáticos, à cooperação entre múltiplos mercados mediáticos e ao comportamento
migratório dos públicos nos media, que vão à caça da informação e do entretenimento
que desejam, independentemente do suporte tecnológico (Jenkins, 2006). Daí que o
interesse em ouvir o relato de futebol na rádio não possa ser simplesmente medido
pela utilização de um aparelho dedicado para esse efeito. Existem evoluções bastante
significativas no que respeita, por exemplo, às redes sociais online, em especial no
tocante à propagação da informação e à sua fiabilidade: a título de exemplo, a CNN já
afirmou temer mais a concorrência de redes como o Facebook ou o Twitter que a das
demais cadeias televisivas. A confiança neste tipo de fontes parece ter vindo a
incentivar a sua utilização, suplantando, em alguns casos, a procura de informação
noutros media. Não podemos esquecer, no entanto, que estamos a analisar o mundo
ciberespacial e não a realidade no seu todo – em termos genéricos, a televisão e os
seus conteúdos continuam a ser aqueles aos quais os cidadãos dão primazia,
nomeadamente pelo acesso facilitado que têm à tecnologia utilizada e pela
dispensabilidade imediata de literacias específicas.
É ainda de acrescentar que os novos media não têm sido automaticamente
responsáveis pelo declínio da importância dos jornais ou da televisão como fonte de
informação e, consequentemente, da venda de jornais em papel. Os impactos da
Internet nos media tradicionais não são os mesmos em todos os países. Nos países
nórdicos e no Japão a venda de jornais em papel manteve-se alta e o visionamento de
televisão não tem mudado (Findahl, 2009). Nos EUA, o declínio da leitura de jornais
começou já na década de 1960, quando a televisão foi introduzida. Lunn e Suman
(2009) sustentam que o processo de difusão de uma tecnologia é complexo,
envolvendo populações heterogéneas, não se podendo resumir à leitura de
percentagens de utilização. Por um lado, os autores reconhecem que o
desenvolvimento de determinados tipos de adoção da Internet pode ter contribuído
para a queda da importância dos jornais como fonte de informação nos EUA; por
outro, há o perigo de se proceder a uma análise baseada num mediacentrismo
tautológico que explica a evolução de um dado medium através do desenvolvimento
de um outro meio. Existem outros fatores explicativos para além da expansão da
Internet e da concorrência entre media, tais como o clima económico, que têm
impacto sobre o declínio ou a ascensão de um determinado meio de comunicação. A
confiança dos utilizadores e a perceção da qualidade dos conteúdos disponibilizados
constituem fatores adicionais, entre outros, que impactam potencialmente o êxito de
um meio de comunicação.
Chegamos a uma camada de diferenciação entre sociedades que remete, por
um lado, como vimos antes, para as representações face à Internet vis-à-vis outros
media mais tradicionais no que respeita à sua importância relativa enquanto fonte de
informação e entretenimento; por outro, para os tipos de atividades online que são
desenvolvidas pelos internautas

215
A figura 4 apresenta perfis de utilização obtidos por uma análise fatorial, cujos
“scores” foram projetados num plano bidimensional de modo a visualizar a
proximidade relativa de cada país e escalão etário aos diferentes perfis de utilização da
Internet.

Figura 4. CatPCA - Perfis comparados de utilização, por país (WIP 2010), por escalão
etário

Em linha com os estudos citados atrás, os adolescentes dos 15 aos 18 anos


aparecem mais associados a um perfil de utilização pautado pela procura de
entretenimento e pela apropriação dos media sociais. Por outro lado, os internautas
mais velhos, com mais de 55 anos, aparecem mais próximos de modalidades de
utilização que privilegiam práticas de comunicação. Já os indivíduos em plena idade
“ativa” (dos 19 aos 35 anos e dos 36 aos 55 anos) estão mais próximos de perfis de
utilização guiados por interesses, pela procura de informação e por usos mais
utilitários da Internet. É neste âmbito também que podemos situar os internautas
israelitas, americanos, suecos e japoneses. Já os internautas portugueses estão mais

216
próximos do perfil de utilização do comunicador e os polacos do perfil do utilizador
que privilegia os media sociais e a procura de entretenimento.
Em suma, os países do World Internet Project podem ser divididos em quatro
eixos principais com base nas atividades mais frequentes na Internet. Um primeiro
eixo, do qual Portugal se aproxima, é caracterizado por um centramento nas atividades
relacionadas com a comunicação, como a consulta do correio eletrónico, a utilização
de serviços de mensagens instantâneas. Um segundo eixo, ao qual os respondentes
polacos aparecem mais associados, tem como elemento diferenciador o foco em
atividades relacionadas com o entretenimento e com a utilização dos media sociais.
Um terceiro eixo, mais associado às práticas dos utilizadores suecos, pode ser
caracterizado pelo uso mais frequente de aplicações relacionadas com serviços (banca
eletrónica, etc.) ou com outros usos mais utilitários. Finalmente, um quarto eixo, do
qual se aproximam os utilizadores japoneses, onde as atividades relacionadas com a
informação tomam a dianteira. Este é um mapeamento que indicia as modalidades
próprias de apropriação e de imbricação das atividades online na vida quotidiana. A
variabilidade transnacional demonstra que não existem características tecnológicas na
Internet que imponham determinados tipos de uso. Pelo contrário, levam a assumir
que os utilizadores apropriam e tendem a domesticar a tecnologia de modos não
intencionados e não antecipados por aqueles que conceberam a tecnologia, o que
pode trazer consequências societais de monta (Haddon, 2006). Ao invés dos estudos
sobre a apropriação dos media de massa, o estudo das atividades na Internet, nos seus
diversos contextos nacionais, institucionais, legais, fiscais, culturais e linguísticos,
considera os utilizadores não como meros consumidores mas também produtores. As
potencialidades para os utilizadores reconfigurarem estrategicamente as formas de
acesso à informação, às pessoas, aos serviços e às tecnologias, e para produzirem e
consumirem conteúdos, são os aspetos centrais da Internet e das tecnologias
associadas (Dutton, 1999; 2005).
A segmentação por país é útil para destacar algumas das diferenças entre os
países e para servir de base para a construção do modelo de tendências de uso. No
entanto, é uma segmentação exploratória e necessita de maior contextualização e
generalização. Além disso, as estatísticas devem ser complementadas com análise
qualitativas do uso, especialmente quando se avalia algo como a utilização diária das
tecnologias da informação e comunicação. A tabela 10 resume os perfis de utilização
por país:

217
Tabela 10. Perfis de utilização, por país (inclui análise fatorial das práticas na Internet
mais frequentes)
(WIP 2008, 2009, 2010)
Austrália Os internautas australianos destacam-se, em média, pelo uso frequente
da Internet para efetuar compras e/ou utilizar serviços financeiros. A
consulta e uso do email também são práticas frequentes assim como a
utilização para fins educativos. Neste país, a Internet aparece, em média,
como a fonte de informação mais importante, ficando a rádio em
segundo lugar. Contudo, a Internet como fonte de entretenimento é
relegada para a terceira posição, apenas à frente dos jornais. Neste
âmbito, a televisão aparece como o meio mais importante.
Chile Os chilenos preferem utilizar a Internet para entretenimento e fins
educativos. É atribuída à televisão a maior importância como fonte de
informação e entretenimento. A Internet aparece como uma fonte de
entretenimento mais importante que os jornais, mas como o meio
menos importante como fonte de informação. Porém, não há uma
grande dispersão quanto à importância média atribuída a cada um dos
meios como fonte de informação.
Chipre Os dados de 2008 mostram que os cipriotas usam a Internet
principalmente para fins de entretenimento. Em segundo lugar aparecem
as práticas relacionadas com a comunicação.
Quanto aos dados de 2010, entre os cipriotas-gregos, a televisão é
assumida, em média, como a principal fonte de informação e
entretenimento, aparecendo a Internet destacadamente como uma
fonte de informação e entretenimento mais importante que a rádio e,
em particular, que os jornais.
Entre os cipriotas-turcos, os jornais continuam a ser bastante relevantes
quanto ao grau de importância que lhes é atribuído como fonte de
informação, ocupando a segunda posição atrás da Internet. Tanto a
Internet como a televisão ocupam os lugares cimeiros como fontes de
entretenimento.
Colômbia Neste país, são mais frequentes, em média, as práticas na Internet
relacionadas com a comunicação e, entre elas, com a utilização de
blogues. A Internet aparece como o meio ao qual é atribuída a maior
importância como fonte de informação e entretenimento. A importância
atribuída aos jornais como fonte de informação está a par da atribuída à
televisão e à rádio, mas aparece como a fonte menos importante de
entretenimento.
EUA Os utilizadores norte-americanos destacam-se, em média, por ter um uso
da Internet menos assente em práticas de comunicação. Antes
privilegiam o entretenimento e fins utilitários como a concretização de

218
compras e/ou o uso de serviços financeiros, a procura de informação ou
práticas com fins educativos. O uso dos media sociais também é
frequente. A Internet aparece como o meio ao qual é atribuída, em
média, a maior importância como fonte de informação, sendo relegada
para a segunda posição como fonte de entretenimento, atrás da
televisão, mas por uma pequena margem.
Hungria Os internautas húngaros privilegiam os usos relacionados com o
entretenimento e a comunicação. A Internet é a fonte de informação e
entretenimento menos importante, sendo a televisão a mais importante.
Ilha Formosa As práticas relacionadas com a procura de informação assumem
particular destaque. As práticas de comunicação também são relevantes.
A televisão é o principal meio de informação e entretenimento, sendo
que a Internet aparece em segundo lugar e a rádio em último.
Israel Entre os israelitas, são privilegiadas práticas relacionadas com a
comunicação e a educação. As práticas na Internet com fins religiosos
também assumem importância. A Internet é a mais importante fonte de
informação e a segunda mais importante fonte de entretenimento, atrás
da televisão.
Japão Os internautas japoneses aparecem mais associados a práticas na
Internet relacionadas com a procura de informação.
Macau Para residentes em Macau, o meio mais relevante em termos de
importância como fonte de informação e entretenimento é a televisão. A
Internet aparece como a segunda menos importante em termos de
informação, estando apenas acima da rádio, e a menos importante como
fonte de entretenimento.
México No México, em média, é atribuída à Internet a maior importância como
fonte de informação e entretenimento, em detrimento dos media
tradicionais, em particular, da rádio e dos jornais.
Nova Zelândia Os internautas deste país aparecem mais associados com práticas
relacionadas com a concretização de compras e/ou o uso de serviços
financeiros. As práticas relacionadas com a busca de informação também
estão entre o rol das mais frequentes. Em consonância, a Internet
aparece como a fonte mais importante de informação mas como a
menos importante de entretenimento. Neste âmbito, a televisão assume-
se como o meio mais importante.
Polónia Os utilizadores polacos são caracterizados por práticas de comunicação e
entretenimento. Porém, na população em geral, as principais fontes de
informação e entretenimento continuam a ser os meios tradicionais, com
a televisão em destaque.
Portugal Entre os internautas portugueses, as práticas de comunicação são as
realizadas, em média, com maior frequência, estando em segundo lugar

219
as práticas relacionadas com o uso dos media sociais. Práticas
relacionadas com a procura de informação e, em particular, com a
utilização de serviços financeiros são as menos frequentes. Em geral, os
meios de comunicação tradicionais são as principais fontes de
entretenimento e informação, com destaque para a televisão.
República Os utilizadores checos usam a Internet para fins de informação e
Checa comunicação com maior frequência. Também estão entre os usos mais
frequentes a busca de entretenimento. A televisão é o meio com maior
importância como fonte de informação e entretenimento. Inversamente,
a Internet é o meio ao qual é atribuída a menor importância.
Suécia Os suecos são mais caracterizados por usos utilitários da Internet como a
efetuação de compras e/ou a utilização de serviços financeiros. Em
segundo lugar, em termos de relevância, aparecem as práticas
relacionadas com a comunicação e a procura de informação. O principal
meio de entretenimento continua ser a televisão, mas em segundo lugar
aparece a Internet, tida como uma fonte de entretenimento mais
importante que a rádio e os jornais. Contudo, aparece em último lugar
quanto à sua importância como fonte de informação.

Tendências relativas à evolução da ecologia digital em Portugal

Os dados do inquérito Sociedade em Rede (2003-2013), representativo da realidade


nacional, permitem-nos enquadrar contextualmente as recentes tendências relativas à
evolução da ecologia digital em Portugal, escrutinando-se um conjunto de indicadores
relativos às novas formas de utilização da Internet (por exemplo, redes móveis) e à
utilização de novos dispositivos como tablets e e-readers que adicionam novos
patamares de diferenciação dos usos e apropriações da Internet. Na figura 5 podemos
observar como tem evoluído a posse de um conjunto de dispositivos entre os
portugueses.

220
Figura 5. Posse de dispositivos eletrónicos em Portugal, Inquérito Sociedade em Rede
(2003-2013) (%)

34,4%
COMPUTADOR PESSOAL FIXO 44,5%
35,3%
36,2%

8,4%
COMPUTADOR PESSOAL PORTÁTIL 25,7%
50,5%
57,5%

TABLET
1,5%
11,9%

71,9%
74,4%
TELEMÓVEL 89,7%
88,5%
94,7%

PLACA/USB 3G PARA ACESSO À INTERNET MÓVEL 16,5%


21,8%
25,1%

19,6%
21,2%
ACESSO À INTERNET EM CASA 42,2%
57,3%
57,2%

LEITOR DE EBOOKS (AMAZON KINDLE, SONY READER,


ETC) 1,0%
2,0%

LEITOR DE MP3 34,8%


29,3%
33,1%

0,0% 20,0% 40,0% 60,0% 80,0% 100,0%

2003 2006 2008 2011 2013

Pese embora o crescimento continuado da taxa de acesso à Internet em casa


no contexto português, é visível o crescimento da posse de dispositivos que permitem
um acesso em movimento à Internet. Desde 2006 que há um crescimento notável
quanto à posse de computadores pessoais portáveis, que era circunscrita à data a 8,4%
dos portugueses, enquanto que em 2013, 57,5% dos portugueses possuíam um
computador portátil. Esta clara tendência foi acompanhada de um decréscimo da
posse de computadores pessoais fixos, verificado desde 2008. Daí que se possa
suspeitar que no ato da compra de um computador, seja o primeiro ou um aparelho
que visa substituir ou complementar outro, a questão da mobilidade é um fator de
peso na decisão da compra. Contudo, esta predominância do computador portátil
apenas se reflete algo timidamente no aumento do acesso à Internet móvel com
recurso a uma placa dedicada para o efeito. A posse de leitores dedicados de música
digital não tem aumentado nos últimos anos o que pode ser sintomático da tendência

221
de convergência dos media centrada nos telemóveis recentes, capazes de um conjunto
de funcionalidades multimédia, entre elas a leitura de música.
A geografia dos novos media em Portugal acompanha a noção de “espaço dos
lugares” de Qiu (2013). As maiores taxas de acesso à Internet com ou sem fios e de
posse de novos dispositivos como os tablets e os e-readers concentram-se no litoral e,
em particular, nos grandes centros urbanos (Sociedade em Rede 2011-2013). Os dados
do inquérito nacional para o ano 2011 demostram um uso muito pouco expressivo
desses novos dispositivos e contrastam, à data, com a realidade norte-americana,
onde, de acordo com os dados do estudo da Pew Internet (2012), 21% dos
respondentes norte-americanos relataram que leram um ebook (livro digital) no ano
anterior (2011). No último par de anos é, todavia, visível um aumento considerável na
posse de tablets em Portugal, que passou de 1,5% em 2011 para 11,9% em 2013. Mas
tal aumento não foi acompanhado pela expressividade da posse de leitores de ebooks
que pouco aumentou de 2011 para 2013, como se pode verificar na Figura 5.
Reportando-nos apenas aos dados de 2013 para a sociedade portuguesa, verificam-se
as diferenças de género quanto ao acesso à Internet em casa, apurando-se 60,1% de
homens com acesso em casa face a 54,7% das mulheres. Contudo, é de ressalvar que
as eventuais diferenças de género não se reportaram apenas ao acesso, mas ao tipo de
acesso, ao uso concreto e às próprias modalidades de utilização. Quanto à utilização
concreta continuam a verificar-se diferenças, com os homens a serem
tendencialmente os maiores utilizadores, contudo, quanto à utilização móvel da
Internet, não foram observadas diferenças. Não foram igualmente observadas
diferenciações de género consideráveis quanto à posse de tablets; porém, o mesmo
não pode ser dito quanto aos e-readers, sendo detetada a tendência, nos dados para
2013, para haver mais detentores de leitores de ebooks entre o sexo masculino.
As diferenças entre escalões etários são ainda mais estruturantes na sociedade
portuguesa: verifica-se que quantos mais velhos são os respondentes menor a
probabilidade de terem acesso doméstico ou móvel à Internet, sendo que entre os
mais novos (dos 15 aos 18 anos), 96,8% tem acesso em casa e 50,8% acesso móvel face
a apenas 26,6% e 8,8%, respetivamente, dos indivíduos com mais de 55 anos. Quanto à
posse de dispositivos emergentes, apesar de a distribuição etária entre os detentores
de leitores de ebooks pender claramente para indivíduos adultos em idade ativa
(destacam-se 43,9% de indivíduos entre 19 e 35 anos de idade possuidores de leitores
de ebooks), se olharmos para a realidade dentro de cada escalão etário verificamos
que a percentagem de detentores de leitores de ebooks é relativamente maior entre
os mais novos e vai decrescendo com o aumento da idade. Estes dados vão de
encontro às posições de Hayles (2010: 62) para quem os jovens estão a ler, como
nunca antes, conteúdos digitais nos ecrãs. Mas o mesmo não se verifica de forma tão
linear quanto à posse de tablets em 2013. Neste âmbito, não há diferenças muito
marcadas entre os respondentes mais novos (dos 15 aos 18 anos) e os indivíduos até
aos 55 anos de idade, sendo que até esta idade a posse de tablets oscila, grosso modo,

222
entre os 15% e os 18%. É a partir dos 55 anos de idade que a posse de tablets cai para
valores em torno dos 3%. Olhando para a distribuição etária no seio dos utilizadores de
tablets apurou-se, no entanto, que 43,8% tinham entre 36 e 55 anos, e 43,1% entre 19
e 35 anos, estando entre estes escalões etários, apesar de tudo, o utilizador tipo.
Quanto às diferenças segundo a escolaridade, elas são claramente visíveis no
que respeita ao acesso à Internet em casa e na vertente móvel, mas começam a
esbater-se a partir do 9º ano de escolaridade em comparação com os graus de
escolaridade que lhes estão acima. Além disso, os dados de 2013 já permitem
vislumbrar uma estruturação segundo o nível de escolaridade quanto à posse de
tablets e ebooks, pelo que, como seria de esperar, quanto maior a escolaridade maior
a probabilidade de se ser um detentor deste tipo de dispositivos. Quanto à utilização
dos novos dispositivos ainda muito falta saber quanto às suas modalidades de uso. No
que diz respeito aos ebooks, no estudo de mercado exploratório efetuado pela Wook
(2012), a livraria digital do Grupo Porto Editora, aos seus clientes é de destacar que
43% dos respondentes preferem ler livros no computador, 18% escolhe o iPad e 12% é
o valor repetido em tablets Android, smartphones e leitores de livros eletrónicos. Um
outro dado interessante reporta-se à proporção de aquisição de livros técnicos digitais
(29%), que é consideravelmente superior quando comparado com o peso deste tipo de
livros no total das vendas de livros em papel (mas ainda assim têm um peso menor nas
vendas digitais que a literatura), o que é indicativo do tipo de público dos livros
digitais. Uma maioria significativa dos inquiridos (leitores de ebooks) manifestaram-se
satisfeitos ou muito satisfeitos com o preço. Todavia, o nível de satisfação diminui
quando questionados sobre oferta de ebooks disponíveis no mercado. Seria ainda
importante perceber se tal insatisfação se prende, pelo menos em parte, com a falta
de títulos disponíveis em português. Os leitores de ebooks inquiridos referiram a
facilidade de utilização e o preço como os principais fatores para aquisição de livros
digitais.
Os números relativos à ascensão de ebooks na cultura americana (Pew Internet,
2012) fazem parte de uma história maior sobre a mudança do impresso para o digital.
Utilizando uma definição mais ampla de conteúdos eletrónicos no ano de 2011, cerca
de 43% dos norte-americanos com idades a partir dos 16 anos declararam ter lido um
ebook no ano anterior, ou ter lido outro conteúdo de formato longo, como revistas ou
artigos de notícias em formato digital num leitor dedicado, tablet, computador
pessoal, ou telemóvel. Do lado oposto, e voltando à realidade portuguesa, a
preferência pelos livros em papel foi o fator mais referido pelos inquiridos que ainda
não tinham adquirido ou lido ebooks. Mesmo entre os leitores de ebooks, quando
questionados sobre compras futuras, declararam que a médio prazo (3 anos) iriam
adquirir livros em papel e ebooks. Tal lógica de complementaridade é corroborada
pelos indicadores vindos dos EUA: aqueles que mergulharam na leitura de ebooks
destacam-se como “leitores totais”. Acima de tudo, eles são, em termos relativos,
leitores ávidos de livros em todos os formatos: 88 % dos respondentes norte-

223
americanos leitores de ebooks também leram livros impressos no ano anterior ao
inquérito. Comparando com outros leitores mais “tradicionais”, o grosso dos leitores
de ebooks lê mais livros, no geral, e com maior frequência. Além disso, adiantam uma
série de razões para a leitura: por prazer, para pesquisa, para estar a par de eventos
atuais, para o trabalho ou escola. Têm também maior propensão do que outros para
comprar cópias originais em vez de pedir emprestado e de encetar compras de livros
originadas em pesquisas online. Estes dados desmentem, portanto, um cenário
próximo de substituição do livro em papel, sendo, para já, mais correto olhar para os
conteúdos textuais digitais numa lógica de complementaridade com o texto impresso.
No processo de incorporação das tecnologias digitais no quotidiano há que ter em
consideração as lógicas próprias de uma dada tecnologia. Olhando para o livro
impresso como tecnologia, importa perceber a lógica de circulação do livro na família
ou na escola, entre o círculo de amigos ou num clube de leitores: como é manuseado,
como passa de mão em mão, como é utilizado por um indivíduo ou por dois ou mais
indivíduos em interação (por exemplo, no ato de ler uma história a uma criança). São
processos de apropriação social do livro difíceis de transportar para os suportes
digitais e que poderão ser entendidos como elementos de inércia na passagem para o
digital.
Mas, independentemente destes processos, são de assinalar duas tendências
centrais: o surgimento de novas divisões e subpatamares de diferenciação que
conferem novas experiências, desigualmente distribuídas, quanto ao contato com
conteúdos digitais, textuais ou outros; e a consequente multiplicação de plataformas
de acesso aos conteúdos que convergem e reforçam a interligação do texto e do livro
no modelo de comunicação em rede. Um exemplo desta última tendência são as
formas de interligação entre o texto e a lógica da partilha presente nas redes sociais
online. Os próprios dispositivos dedicados à leitura de textos digitais incorporam
funcionalidades que encontramos nas redes sociais permitindo a interligação com
estas, como colocar de modo direto uma citação ou passagem de um livro ou partilhar
métricas relativas aos hábitos de leitura no mural da rede social favorita136. Para além
das potencialidades do hipertexto, é este tipo de funcionalidades que poderá conferir
ao livro digital um valor diferenciado face à versão impressa. As formas de apropriação
dos conteúdos digitais textuais, as lógicas do mercado e as políticas culturais e fiscais,
assim como a aposta na digitalização de obras e da presença de autores portugueses
ou lusófonos no mercado ou nas bibliotecas e portais digitais, promovendo a maior

136
Uma outra questão prende-se com o aproveitamento das funcionalidades dos dispositivos móveis, e-
readers e tablets como ferramentas de pesquisa, para além da sua utilização como objetos de estudo.
Colocando à parte considerações sobre a privacidade dos dados, aparelhos como tablets ou o Kindle, o
Kobo e outros leitores digitais dedicados, em que a leitura digital aparece articulada com
funcionalidades dos media sociais, captam todo um conjunto de dados relativos às proezas e métricas
que ficam guardados nos logs dos aparelhos, o que permite seguir as horas e os padrões de leitura entre
outras rotinas associadas. Tais dados podem constituir elementos preciosos para a pesquisa social (e
passíveis de serem instrumentalizados pelo marketing), elevando para outro patamar a sociologia da
leitura de modo a entender de forma mais aprofundada a relação dos indivíduos com as letras.

224
presença destes autores na Internet, terão um papel adicional na relevância do
português no mundo digital.

Novas tendências e diferenciações?

As análises aqui apresentadas permitem-nos destacar duas importantes linhas de


reflexão. Em primeiro lugar, o acesso e os usos da Internet têm vindo a evoluir
consideravelmente ao longo dos anos, seja em Portugal ou nos países de língua oficial
portuguesa, orientados muitas vezes para as atividades de comunicação,
nomeadamente através da utilização das redes sociais, que servem como mais um
elemento que contribui para a sedimentação crescente do modelo comunicacional em
rede (Cardoso, 2006). Podemos argumentar que a difusão da língua portuguesa segue
novos desafios e novos patamares com a incorporação cada vez mais intensa das
atividades na Internet no tecido social e a crescente importância de tais usos na vida
quotidiana das pessoas. A relevância da lusofonia no mundo digital poderá jogar-se,
pelo menos em parte, na capacidade de seguir tendências em termos de modalidades
de usos e de se adaptar a um “espaço dos fluxos” que tanto pode constituir um lugar
de Guardadores de Conhecimento como um lugar construído em torno de atividades
comunicativas que configuram o arquétipo do Comunicador (Stefik, 1997) e que tem
vindo a introduzir um novo arquétipo com base nas aplicações de entretenimento, a
do Criador (Cardoso e Araújo, 2009). Pode-se assumir uma política mais defensiva e
conservadora do idioma e da leitura, que vê nas NTICs, e em particular na forma como
flui a linguagem nessas tecnologias, uma ameaça e um ambiente propício a alterações
e a mutilações das palavras e da língua e à incorporação de estrangeirismos. Ou, em
vez disso, tentar desenhar uma política que influencie e promova formas de
experimentação e de utilização criativa da linguagem, articulando literacias
tradicionais e conhecimentos formais com as novas literacias que emergem da
socialização no ambiente mediático contemporâneo. Quanto mais a Internet é usada
para práticas diárias como comunicar, mais irá incorporar algumas das características
inerentes à comunicação interpessoal aliada às inovações ocorridas nos meios de
comunicação de massa e à própria experimentação conduzida pelos utilizadores.
Quando um determinado modelo comunicacional é alimentado tanto pela
experimentação e inovação individual como organizacional, será capaz de promover a
sua própria evolução e passar para uma fase embrionária de institucionalização, o que
pode ser o caso com a comunicação em rede. E porque os idiomas são inerentes à
comunicação, é no seio deste processo de institucionalização de um novo modelo
comunicacional que poderão ocorrer mudanças nos universos linguísticos, cuja
dimensão ainda se revela difícil de descortinar. É também neste âmbito que se poderá
discutir, por exemplo, a relevância e o significado do novo Acordo Ortográfico no atual
tempo histórico.

225
Em segundo lugar, embora o aumento da utilização da Internet seja um
fenómeno global, os países apresentam especificidades, o que parece dar corpo à
expressão de “espaços dos lugares” (Qiu, 2013). Em alguns países as atividades
concentram-se mais no entretenimento, noutros nas práticas comunicativas e outros
ainda apresentam níveis mais elevados de atividades relacionadas com a informação e
os serviços web. A utilização da Internet parece seguir alguns princípios organizativos
assentes nas características contextuais de cada sociedade, que podem ser
identificados através de um conjunto de atividades comuns. Esses princípios
organizativos das atividades poderão advir: por um lado, do patamar de
implementação e desenvolvimento da Internet em cada sociedade e das modalidades
de instilação das redes no quotidiano de um leque mais ou menos alargado de grupos
sociais; por outro lado, da forma como a Internet tem vindo a acompanhar o ciclo de
vida dos utilizadores e os interesses específicos dos adotantes da Internet, quer nas
gerações mais novas, quer nos internautas mais idosos. É em sociedades como a
Austrália, os EUA e a Suécia, onde o desenvolvimento das infraestruturas foi mais
precoce e onde as taxas de penetração das NTICs são elevadas, que se denota uma
utilização da Internet mais variada e onde comércio eletrónico e outras utilizações
utilitárias assumem maior importância, o que evidencia uma maior articulação da
utilização das redes com as atividades quotidianas. São por isso sociedades onde é
mais expetável o desenvolvimento pioneiro e a adoção mais precoce de novos serviços
e de inovações tecnológicas como a venda de livros ou outros conteúdos digitais. Tal
tendência reforça a grande presença dos conteúdos em inglês nos serviços e bens
oferecidos pela rede. A rede é igualmente uma forma de estreitar mercados: parte do
grande sucesso do comércio eletrónico na Austrália advém da possibilidade de
comprar bens mais baratos em mercados ultramarinos face aos preços praticados pelo
comércio a retalho autóctone (Ewing, 2011). De forma similar, a utilização do
português na Internet poderá ser o substrato da constituição de uma “região geo-
linguística” (Sinclair et al., 2002; Thussu, 2006) na rede, onde o desenvolvimento do
comércio eletrónico e o alargamento da oferta de serviços e conteúdos poderá andar a
par da afirmação da lusofonia, ao mesmo tempo que serve de potencial fator de
aproximação comercial e cultural entre os países de língua oficial portuguesa. Seja
como for, Portugal, a par de outros países da América Latina e do Sul da Europa, é
caracterizado (pelo menos, ainda) por utilizações mais assentes em práticas
comunicativas (Cardoso e Araújo, 2009). Regra geral, os países onde o acesso à
Internet está menos democratizado e/ou onde o desenvolvimento das infraestruturas
foi mais tardio apresentam tipologias de utilização mais estreitas, que espelham os
interesses de um grupo restrito de internautas e mais centradas em usos
comunicativos e/ou orientados pelo entretenimento.
Como o relatório geral do WIP 2010 aponta, a mudança mais importante que
temos vindo a assistir será, porventura, “uma mudança para o uso da Internet como o
primeiro porto de ligação com a comunicação, bem como com a informação. Isto é

226
suscetível de ser amparado por um crescimento das redes sociais e da Web 2.0, e da
Web semântica ou "Web 3.0" e com o aumento das aplicações de co-criação (WIP
2008) e, acrescentamos nós, de ferramentas de autopublicação (self-publishing) de
conteúdos. Porém, esta tendência central é acompanhada de novas diferenciações
entre países ou inter-societais, mas também intra-societais, visto que, num mesmo
país, existem segmentações entre utilizadores quanto ao tipo de dispositivos usados,
às modalidades de utilização das redes e ao tipo de conteúdos que se consomem e se
produzem. São estas segmentações que permitem identificar nas pesquisas os
internautas da “próxima geração” (Dutton e Blank, 2011; Blank e Dutton, 2012),
agnósticos quanto aos locais de acesso e ao tipo de dispositivos que utilizam, e
destacar tanto os utilizadores constantes, para quem o contato com a Internet consiste
num fluxo contínuo, como os utilizadores frequentes e móveis. O próprio aumento de
aplicações e ferramentas de criação de conteúdos veio potenciar a demarcação dos
utilizadores ativos e produtores ativos, e entre os usos informativos e as atividades
comunicacionais e relacionais. A inovação tecnológica, como o recente advento de
dispositivos portáteis como os e-readers e os tablets com o seu potencial
transformativo em termos dos usos quotidianos da Internet e dos conteúdos digitais
(Cardoso, Liang e Lapa, 2013), contém em si o gérmen de novas tendências e de novas
diferenciações socialmente contextualizadas. As diferenças entre países são também
um testemunho de que não existem manifestações unívocas da sociedade
informacional e do modelo de comunicação em rede; antes, compõem processos com
impactos tecno-sociais que têm manifestações diversificadas e ramificadas e que
dependem das dinâmicas e dos contextos sociais, económicos, políticos e culturais de
cada região ou país.

227
Referências bibliográficas

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233
PARTE III

A DIGITALIZAÇÃO DA LEITURA

234
Querendo-se pensar o fenómeno da leitura, e tendo já sido sublinhado em páginas
anteriores que a(s) leitura(s) que ocorre(m) digitalmente vinham sendo deixadas na
sombra pela produção sociológica portuguesa, importa desde logo anunciar que os
textos que dão forma a esta parte seguem um caminho que visa preencher essa lacuna
de conhecimento, considerando o advento do tal ambiente criado pelas novas
tecnologias de informação e comunicação e fornecendo, por conseguinte, evidência
empírica a propósito da natureza multidimensional das práticas de leitura
contemporâneas. Neste particular, dizer que o caso de Portugal é, em muitos aspectos,
apresentado de maneira comparativa, ou que a abrangência do inquérito global que
serviu de suporte a vários dos dados discutidos teve justamente por objectivo
perceber diferentes cenários consoante o país ou bloco de países.
Ora, desse primeiro capítulo da secção, culminando com uma tentativa de tipificação
de leitores digitais, não sem antes analisar as práticas de leitura à luz de algumas das
variáveis sociográficas clássicas (idade, nível de escolaridade…), as modalidades ou a
regularidade com que se lê determinados materiais escritos em formato digital (livros,
páginas web, posts das redes sociais, etc.), a articulação dessas actividades com a
leitura feita em papel ou inclusive as percepções associadas ao acto de ler conforme os
tipos de suporte, antecipa-se uma das principais conclusões a que se chegou, de que é
entre os internautas pertencentes aos países que conheceram um rápido crescimento
económico fundamentalmente no decurso dos últimos vinte anos (os chamados BRICS,
tomados por vezes enquanto conjunto ou unidade de análise) que, grosso modo, se
assiste a uma maior familiaridade com as práticas de leitura digital. Se no segundo
texto se desenvolve toda uma argumentação teórica em redor do papel que o(s)
ecrã(s) desempenha(m) quotidianamente nas escolhas de consumo dos indivíduos,
essencial para reflectir acerca do modo como quer os hábitos de leitura de jornais ou
notícias quer as próprias formas de produção e promoção da imprensa escrita podem
estar a reconfigurar-se em função das possibilidades abertas pelos meios digitais, o
terceiro foca-se especificamente nas práticas de leitura e escrita nas redes sociais
online, no modo como a sua utilização está socialmente estruturada por país,
examinando assim uma realidade definida pela multiplicação dos formatos de textos
que são lidos e partilhados por uma série de gente, num contexto de convergência dos
media e de comunicação em rede que requer novas literacias. Pelo que fica dito,
torna-se claro que olhar para esse amplo processo de digitalização da leitura suscitado
pela Internet e pelos media sociais privilegiou aqui uma abordagem ora tocando no
campo dos Internet Studies ora adaptando certas démarches de uma sociologia da
leitura de feição mais tradicional.

235
7

A leitura digital no contexto global e nacional: resultados de um inquérito aos


leitores digitais em 16 países

Gustavo Cardoso e Emanuel Cameira

236
La conscience numérique des lecteurs est plus avancée qu’on ne le croit; de plus en plus de
gens lisent leurs journaux sur une tablette; or la «prière du matin», selon Hegel, est plus
naturellement chevillée aux moeurs et rituels du lecteur contemporain que le livre. Le lecteur
a conscience que le numérique est d’ores et dejá une civilisation.

Pierre Assouline, La métamorphose du lecteur137

(…) approchons au plus près cette myriade d’élèments qui scintillent, et que chaque texte,
dans ce pacte que lire chaque fois renouvelle, appelle comme siens.

François Bon, Après le livre138

Poder-se-á dizer que a principal questão a guiar a apresentação dos dados139 e das
conclusões deste capítulo está genericamente posta nos seguintes termos: que leitores
temos quando introduzimos a variável do digital? Partindo da assunção de que
“l’apparition du livre numérique et le développement de son marché s’inscrivent dans
un ample mouvement qui combine une révolution industrielle et une révolution
cognitive. La première renvoie à la technologie et au bouleversement radical des
processus de production qu’elle induit; la seconde relève des pratiques, des usages,
des modes de création et d’appropriation des textes et des oeuvres” (Benhamou,
2012: 90), o que interessa aqui é situar a discussão nesse segundo plano, dos sujeitos
leitores, das suas práticas e percepções relativamente à leitura num contexto marcado
pela Internet - “acontecimento (…) tão incorporado no quotidiano que se
«naturalizou» tanto ou mais como qualquer outro fenómeno cultural, ou «tecno-
facto» da vida pré-digital” (Martins e Garcia, 2013: 285) - e pela omnipresença e
massificação das (novas) tecnologias digitais e dos seus ecrãs.
Observar uma realidade que é a da transformação da leitura é então o que se propõe
ao longo das próximas páginas, não sem antes ficar sublinhado que a análise extravasa
o contexto português e acaba por abranger uma dimensão geográfica mais global.
Conforme ficou exposto na abertura do livro, tentar mapear grandes linhas em torno

137
Texto incluído em Le livre, le numérique, le débat, nº 170, Paris, Gallimard, 2012, p. 89.
138
Paris, Seuil, 2011, p. 14.
139
Obtidos no primeiro semestre de 2013 através da realização de um inquérito por questionário online
a indivíduos de 16 países de vários continentes (Inglaterra, Brasil, Espanha, Alemanha, França, Índia,
Canadá, China, África do Sul, Rússia, Estados Unidos da América, Itália, Turquia, México, Austrália e
Portugal). No total, foram inquiridos 5582 internautas, com a idade mínima de 15 anos. De molde a
garantir a maior fiabilidade possível dos dados empíricos recolhidos, houve a necessidade de calcular
um ponderador que, considerando no vertente caso as variáveis género e idade (esta última é,
juntamente com a escolaridade, das de maior pendor explicativo no que concerne às práticas de
utilização da Internet), permitisse reflectir no grupo de inquiridos de cada país da amostra a distribuição
que, em cada contexto nacional, a população de utilizadores da Internet tem em termos das duas
variáveis indicadas. O dito ponderador foi então construído com base em resultados de inquéritos
representativos levados a cabo nos respectivos países.

237
do fenómeno da leitura digital, e isso portanto sem descurar como algumas das suas
facetas se manifestam na realidade nacional ou inclusivamente variam ou são
específicas consoante o conjunto de países tido em consideração, implica que se vá
além da leitura digital de livros, pretendendo-se assim descortinar a maneira como os
indivíduos hoje lêem e, no fim de contas, procurando encontrar respostas para as
seguintes perguntas: o que significa ler nos dias que correm? Estamos actualmente
perante novas formas de leitura ou perante novos leitores? Ontem lia-se apenas no
papel, hoje no papel e no digital? Como é que a utilização da Internet e a multiplicação
de ecrãs está a mudar a nossa relação com a leitura, quer do ponto de vista dos
conteúdos lidos, quer relativamente ao modo como se lê?
Ora, que a leitura digital assume contornos de um conceito elástico ou
pluridimensional (ler digitalmente pode efectivamente reportar-se a «tweets», a «e-
mails», a «posts» do Facebook, a e-books para o Kindle ou para outros e-readers, a
livros de Manga em formato CBZ ou CBR, a jornais, revistas e blogues em páginas na
Web, etc.) constitui um traço caracterizador que pede algum destaque. Na realidade,
se a leitura se define em função da relevância social e individual – “não é recusada
aqui a ideia, obviamente confirmável, de que o recesso mudo e discreto de muitas
leituras, porque são frequentemente solitárias, se opera excluído em termos imediatos
das possibilidades conscientes aos sujeitos de uma utilização que rompa os limites
estritamente individuais do seu universo. Esta asserção, na simplicidade e verdade que
encerra, não pode suprimir o facto de que o acto solitário de ler possui utilizações
sociais e não deve, portanto, ser concebido como um acto neutro. Nas relações que
entabula com os outros, aquele que lê usa as leituras que faz. Este uso é socialmente
revestido de sentido e de valor. Não se lê só para ler, por fruição pessoal ou
necessidade escolar e profissional; lê-se (…) para ter lido” (Medeiros, 2006: 368) - não
haverá pois que (re)equacionar um entendimento que não a circunscreva somente a
livros e e-books? E será que abordar a leitura em formato digital pressupõe a
identificação de um novo tipo de leitor?
É no quadro de uma contemporaneidade marcada pelo alargamento a cada vez mais
indivíduos da Internet, da comunicação em rede, da prática do “Read-Write-Post”
(RWP), mas também pela progressiva entrada das indústrias de bens impressos na
sociedade em rede, que importa questionar como se traduz do lado do público-leitor a
suposta terceira revolução da leitura (Cavallo e Chartier, 1997) que a transmissão
electrónica de textos terá provocado.

Folhear entre o digital e o papel

Citado poucos anos depois por Walter Benjamin, Aldous Huxley escreve em 1933 que
“a reprodutibilidade técnica e a rotativa possibilitaram uma policópia imprevisível de
escritos e imagens. A escolarização, em geral, e os ordenados relativamente altos,

238
criaram um grande público que sabe ler e pode adquirir material escrito ou ilustrado.
Para o disponibilizar, estabeleceu-se uma indústria significativa” (Benjamin, 1992: 97).
Noutro âmbito e em tempos bem mais recentes, concretamente em 1992, Maria de
Lourdes Lima dos Santos discutia num artigo de sua autoria algumas conclusões a que
outra investigadora com trabalho na área dos estudos sobre a leitura, a francesa
Martine Poulain, havia chegado a respeito da “clássica associação da imagem do leitor
com a leitura de livros” (Santos, 1992: 21). Se o que “parece ressaltar do corpus
fotográfico analisado pela autora é uma representação da leitura como prática cada
vez mais alargada e diversificada no que respeita quer às modalidades do escrito
(livros, jornais, guias, placards, écrans de computador, etc.), quer aos géneros
representados (culturais e artísticos, recreativos, informativos e profissionais), quer
aos lugares e posturas que se adoptam para ler (já não confinados ao isolamento
espacial do foro privado nem às posições corporais de recolhimento), quer, ainda, às
categorias dos leitores (homens e mulheres, novos e velhos, letrados e operários)”
(Santos, idem: 21), Maria de Lourdes Lima dos Santos aconselhava contudo alguma
cautela analítica uma vez que, à data, não se dispunha para o caso português de dados
indicadores tanto de “uma ampla familiaridade com a leitura de livros” como de “uma
quebra da importância desta enquanto modelo de leitura legítima” (Santos, ibidem:
23). Sucede que ambas as reflexões, quer a de Huxley quer a de Poulain, são
significativas dessa preocupação em detectar alterações sociais, culturais e
tecnológicas mais abrangentes e com impacto ao nível das práticas, dos actos de ler
dos indivíduos e grupos. Por conseguinte, a ponte para o estudo que serviu de base ao
presente capítulo funda os seus alicerces aí, visando um conhecimento
sociologicamente orientado da leitura e do leitor no contexto contemporâneo.
Optar por não reduzir meramente a análise àquilo que é o objecto livro, propondo-se
um equacionamento da leitura enquanto prática informadora de conceito, equivale no
fundo a questionar várias dimensões institucionais das sociedades em que hoje se vive.
A discussão contemporânea acerca da leitura exige obrigatoriamente uma alusão à
multiplicação de ecrãs e não apenas de formatos de leitura em papel. Mas antes de
entroncar na questão dos formatos de leitura, convém relembrar como em termos
históricos as percepções socialmente partilhadas face ao acto de ler foram elas
próprias sendo reconfiguradas140. De facto, o nosso imaginário social está povoado por
imagens que associamos mais à leitura do que outras. Porventura certas mais
tradicionais ou intemporais, outras menos, não porque não sejam parte integrante do
nosso dia-a-dia mas porque de mais recente convívio entre nós, ou porque
socialmente não as valorizamos tanto, justamente porque escapam à norma do que

140
Segundo as palavras de Christian Vandendorpe (2010), “si l’histoire de la lecture ne s’était pas
constituée comme discipline depuis moins d’un demi-siècle, nous pourrions encore penser que cette
activité n’a guère varié au fil des âges. Or, on sait maintenant, entre autres choses, que les Romains
lisaient à haute voix, que la lecture silencieuse ne s’est répandue en Europe que vers le XIIe siècle et que
la passion pour la lecture de romans ne date que de quelques siècles”, in “Bouleversements sur le front
de la lecture”, le débat, nº 160, Paris, Gallimard, p. 151.

239
institucionalmente se convencionou rotular de “leitura”. Qualquer indivíduo lerá muito
mais textos do que aqueles que toma por alvo dessa prática, pelo que é plausível que
se fale de uma leitura enquanto prática nem sempre acompanhada da vertente de
representação. Esse apagar da categorização de “leitura” de muito do que se lê
diariamente acaba aliás por surgir secundado por diversas instituições, escolas,
bibliotecas, restantes instituições públicas e privadas das tradicionais cadeias de valor
do livro, jornais ou revistas.
O forjar-se as designações de leitura “formal” e “informal” pode conter, faute de
mieux, alguma dose de operatividade caso delas nos queiramos servir para sinalizar a
leitura socialmente entendida enquanto tal, no primeiro caso (isto é, quando se lê um
livro ou um jornal), ou, por outro lado, aquela que não é objecto desse entendimento
(a leitura de «posts» no Facebook, de «tweets» ou de um blogue). No entanto, deverá
igualmente afirmar-se que, ao limite, a formalização do que é leitura não decorre do
suporte onde a escrita assenta, ou seja, não depende de se tratar de um ecrã digital ou
de papel analógico. Bastará pensar como a nossa representação da leitura de um livro
num e-reader caberá dentro desse tal conceito de leitura formal, mesmo quando
acompanhada da declaração de que ler num ecrã não é a mesma coisa que ler em
papel. Se não se “estranha” tanto a leitura de um livro num ecrã, considerar que
leitura é também ler o news feed do Facebook talvez pareça já menos plausível.
De acordo com o sociólogo John B. Thompson, a institucionalização da leitura de livros
em formatos digitais está intimamente ligada a novas lógicas empresariais (Thompson,
2010) e, consequentemente, a diferentes modos de conceber o objecto que suporta a
leitura, designadamente a tecnologia Kindle da Amazon141. Mas na realidade não é de
leitura que também se deverá falar quando se pensa nos ícones do Facebook, do
Twitter ou do Google+? Nessas plataformas das redes sociais a leitura é aliás a
actividade mais realizada.
Se mais justificações fossem necessárias para a importância de avançar no debate
acerca do que é hoje a leitura, seria por exemplo suficiente recordar o protesto contra
a descontinuidade do Google Reader142, cujo argumentário desenvolvido pelos seus
utilizadores frisou o facto de dependerem dessa tecnologia ou serviço de RSS para
continuarem a ler os textos da sua preferência.

Nós, os leitores digitais

Será o leitor um leitor digital porque está a ler este texto num ecrã depois de o ter
retirado da Internet? Ou porque o comprou numa loja online e o recebeu em papel em
sua casa?

141
http://www.amazon.com/gp/help/customer/display.html?nodeId=200127470
142
http://googleblog.blogspot.com.au/2013/03/a-second-spring-of-cleaning.html

240
Ficou já dito atrás que antes de tentar responder a tais questões é fundamental que se
perceba o que significa ler para um dado individuo.
Ler pode ser pensado em função do que se faz, ou seja, do que se lê individualmente,
mas também em função daquilo que se pensa que a leitura é para os outros. Seguindo
este pressuposto, terá pois de ser reconhecido que ler é também poder fazê-lo
mediante diferentes formatos. Com efeito, poderá dizer-se que tal como se pode optar
entre livros de bolso e livros maiores143, a opção é também susceptível de ser colocada
entre ecrãs maiores ou mais pequenos.
Quando se introduz então no contexto da leitura o(s) ecrã(s) enquanto suporte, é fácil
dar o passo seguinte e falar da leitura enquanto produto do formato digital e,
naturalmente, indagar a existência de um novo tipo de leitor?
Ora, primeiro que tudo, aquilo de que é imperioso dar conta no quadro de qualquer
estudo incidindo sobre a leitura e o leitor tem precisamente a ver com as razões
invocadas para a prática da leitura. Nesse aspecto específico, e partindo dos dados
relativos à amostra global de utilizadores de Internet inquirida nos dezasseis países
supra referidos, é evidente que se lê sobretudo por prazer, motivo que atinge o valor
percentual mais elevado (47%).

Gráfico 1
Com que propósito lê mais frequentemente?
n = 5582

47%
50%
45%
40%
35%
30% 20%
25%
20% 12% 10%
15% 9%
10%
5%
0%
Prazer Acompanhar os Necessidades Pesquisar sobre Necessidades
acontecimentos escolares / tópicos profissionais
actuais académicas específicos de
interesse

Se é verdade que o proustiano prazer traduzirá diferentes coisas para diferentes tipos
de indivíduos, não deixa também de merecer um sublinhado especial o facto de essa
ser a resposta de eleição tanto na Europa144 como nos EUA ou mesmo no grupo

143
“En fonction de l’occasion, en fonction de l’endroit où j’ai décidé de lire, je préférerais quelque chose
de petit et intime, ou d’ample et substanciel. (…) En fonction des époques et des lieux, j’ai appris à
attendre des livres des apparences diverses et, comme dans toutes les modes, ces traits changeants
attachent un caractère précis à la définition d’un livre. Je juge un livre à sa couverture; je juge un livre à
sa forme” (Manguel, 1998).
144
Exige-se o seguinte reparo metodológico: a categoria “Europa” refere-se aqui exclusivamente à
realidade de seis países, Alemanha, França, Reino Unido, Espanha, Itália e Portugal.

241
identificado pelo acrónimo BRICS145 (já vendo a China isoladamente constata-se uma
diferença percentual muito curta entre quem afirma ler mais frequentemente por
prazer ou com o objectivo de pesquisar sobre tópicos específicos de interesse – cf.
gráfico 2), parecendo assim estabelecer-se um padrão para quase todos os países
estudados.

Gráfico 2
Com que propósito lê mais frequentemente?
(por país/bloco de países)
n = 4147

50%
45%
40%
35% Europa
30%
25% EUA
20% China
15%
10% BRICS
5%
0%
Prazer Acompanhar os Necessidades Pesquisar sobre Necessidades
acontecimentos escolares / tópicos profissionais
actuais académicas específicos de
interesse

Comparativamente a outras razões que justificam a leitura, é certo que a que ocorre
motivada por exigências de natureza profissional é aquela onde, para a amostra global,
se encontram menos indivíduos realizando-a com maior regularidade face às demais
razões desencadeadoras dessa prática. Todavia, se se olhar com atenção para o caso
dos BRICS verifica-se uma particularidade adicional no que concerne às motivações da
leitura. Se por um lado o prazer continua a ser a principal razão associada a esta, é
também nesse conjunto de países que a leitura a que se está obrigado por
necessidades profissionais é mais vezes referida como a que se põe em prática com
maior frequência (18% dos inquiridos pertencentes ao bloco BRICS afirmam isso, ao
passo que o valor para a Europa e para os EUA corresponde a 8%).

145
Integrando o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África do Sul, países que vêm conhecendo um rápido
crescimento económico ao longo essencialmente das duas últimas décadas, distinguindo-se por essa via
na cena internacional – “for books and reading, several facts coincide: in a significantly growing number
of emerging economies (…), a significant part of the population can afford and is in fact using mobile
networks of digital content, have growing educational aspirations as well as an interest in both local and
global entertainment, and have access to all this via the Internet and their mobile devices”(Wischenbart
et al., 2013: 9).

242
Gráfico 3
Agora que livros, revistas, jornais e outros materiais estão disponíveis em
formato electrónico, acha que ocupa mais, menos ou o mesmo tempo a ler?
n = 5582

7%

14% 29%
Mais

O mesmo

Menos

Não sabe
50%

Conforme explicitado no gráfico anterior, é possível dizer que hoje, fruto da cada vez
maior disponibilização electrónica de múltiplos materiais escritos, há efectivamente
quem passe mais tempo a ler (29% dos inquiridos declaram-no, pese embora metade
da amostra admita que lê essencialmente o mesmo). Que isso é feito através da
agregação do fluxo do digital e da fixidez do papel (Vandendorpe, 2010: 159) é algo
que, mais adiante, se dissecará.
O que agora sobretudo interessa é realçar que a aquisição dos dispositivos digitais em
que se lê (gráfico 4), com acesso à Internet, tende a ser ponderada pela maioria dos
indivíduos dos 16 países (61%) também em função da possibilidade de através deles
poderem vir a ler jornais, revistas ou livros.

Gráfico 4
A compra do dispositivo com acesso à Internet teve em conta a
hipótese de aí poder ler jornais, revistas ou livros?
n = 5582

39%

61%

Sim Não

243
Pergunta-se depois: o facto de a compra de um dispositivo digital ser perspectivada
pela maior parte das pessoas como futura plataforma de leitura sofre variações
notórias dependendo do país ou conjunto de países sob foco? Examinando os dois
gráficos seguintes, constata-se que a esmagadora maioria dos indivíduos do bloco
BRICS (81%) valoriza essa função aquando da aquisição dos gadgets, mostrando-se a
amostra dividida quer no caso dos EUA quer no da Europa, sendo inclusivamente
superior neste grupo de países a percentagem de indivíduos que afirmam não ter em
consideração para efeitos da compra do dispositivo digital a hipótese de aí poderem
vir a ler jornais, revistas ou livros (51%). Atendendo aos dados que o gráfico 6
apresenta a respeito de Portugal, se por um lado face a países europeus como a
Alemanha ou a França, são mais os indivíduos que valorizam o aspecto em causa
(56%), quando a comparação é por exemplo estabelecida com o Brasil ou com a Índia,
é aí bastante maior (respectivamente 74% e 91%) a percentagem dos que compram
dispositivos digitais com acesso à Internet com o objectivo de os utilizarem
futuramente para a leitura.

Gráfico 5
A compra do dispositivo com acesso à Internet teve em conta a
hipótese de aí poder ler jornais, revistas ou livros?
(por país/bloco de países)
n = 4147

100% 87%
81%
80%
49% 51% 50% 50%
60%
40% 19%
13%
20%
0%
Europa EUA China BRICS

Sim Não

244
Gráfico 6
A compra do dispositivo com acesso à Internet teve em conta a hipótese de aí
poder ler jornais, revistas ou livros?
(por país)
n = 1628

91%
100%
74%
80% 67%
56% 52%
60% 44% 46%
33%
40% 26%

20% 9%

0%
Portugal Alemanha França Brasil Índia

Sim Não

Nesta análise sobre o que é a leitura digital tenciona-se compreender a leitura do livro
e a sua omnipresença tanto no papel como no digital, mas quer-se igualmente
questionar se a leitura pode, ou deve, continuar a ser centrada num anterior consenso
ou se, em alternativa, é preciso um novo. Mas que consenso é esse ao qual se faz aqui
referência?

Gráfico 7
Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em
formato impresso?
n = 5237
30% 28%
25%
25%
21%
20%
17%

15%

10%

5%
5%

0%
1_3 4_7 8_12 13+ Nenhum

É aquele de que somos herdeiros, e que reside na ideia de que a leitura está
essencialmente ligada a livros, jornais e revistas. Trata-se de um consenso que foi

245
construído para a publicação em papel (implicando um determinado contrato de
leitura “qui s’articule aux attentes, aux motivations, aux intérêts et aux contenus de
l’imaginaire du public visé” - Bélisle, 2003: 76) mas que terá de ser reequacionado
tomando em consideração também aquilo que, por nós, é hoje lido. Mas já lá iremos.
Quando questionados sobre quantos livros em papel leram nos últimos 12 meses
(gráfico 7), mais de 50% do total de inquiridos leu no máximo 7 livros, 25% entre 1 e 3
e 28% entre 4 e 7.

Gráfico 8
Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em
formato impresso?
(por país/bloco de países)
n = 3842

35%
30%
1_3
25%
4_7
20%
8_12
15%
10% 13+

5% Nenhum
0%
Europa EUA China BRICS

Por sua vez, verifica-se que em termos do maior número de livros em papel lidos por
individuo no último ano (13 ou mais) a percentagem é mais elevada não na Europa
(17%) ou sequer nos EUA (21%) mas sim nos BRICS (23%) e, em particular, na China
(25%). Os dados empíricos permitem também concluir que é na realidade chinesa que
os utilizadores de Internet que leram menos livros em papel no ano transacto (de 1 a
3) adquirem, comparativamente aos contextos europeu e norte-americano, menor
peso percentual. Ora no caso de Portugal, vê-se sem dificuldade pelo gráfico 9 que são
aí menos os internautas que no último ano leram pelo menos 8 livros em formato
impresso, valor praticamente equivalente ao de Espanha, sendo estes os dois países
europeus onde é menor a percentagem de indivíduos com essa prática específica, e
mais regular, de leitura (com o valor a ser cerca de metade do que foi apurado para a
China).

246
Gráfico 9
% de indivíduos que afirmou ter lido pelo menos 8 livros em formato impresso
no último ano
(por país)
n = 1044

China 51%
EUA 34%
Reino Unido 39%
França 39%
Alemanha 42%
Itália 31%
Espanha 24%
Portugal 25%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

É exactamente nesta sequência de raciocínio que convém dar a conhecer que 58% do
total de utilizadores de Internet dos 16 países alvo do estudo já experimentou ler livros
em formato digital.

Gráfico 10
Alguma vez leu um livro em formato digital?
n = 5582

42%

58%

Sim Não

E qual então a geografia da leitura digital de livros? A resposta remete novamente para
geografias mais distantes do que a europeia (gráfico 11). Dito de outro modo, quando
se é utilizador de Internet é mais provável ler livros digitais quer na China quer no
grupo dos BRICS.

247
Gráfico 11
Alguma vez leu um livro em formato digital?
(por país/bloco de países)
n = 4147

100% 88%
79%
80%
57% 53%
60% 43% 47%

40% 21%
12%
20%

0%
Europa EUA China BRICS

Sim Não

Existem, assim, menos internautas que já leram livros em formato digital na Europa do
que, por exemplo, nos EUA. Não obstante, e apesar de a diferença ser ainda mais
flagrante para a Europa, é particularmente acentuada entre os EUA e a China ou os
BRICS, com cerca de mais 30% de indivíduos que já leu livros em formato digital. No
tocante a Portugal, a Espanha ou a Itália, é interessante sobressair como são estes três
países do (sul) da Europa, e com percentagens muito idênticas, os únicos cuja maioria
de inquiridos afirma já ter lido livros em formato digital. Ao invés, nos outros três
países europeus passa-se rigorosamente o inverso, com a Alemanha e a França a
revelarem uma diferença percentual entre quem já leu livros em formato digital e
quem declara que nunca o fez extremamente cavada.

Gráfico 12
Alguma vez leu um livro em formato digital?
(por país)
n = 2146
79%
80% 67%
54% 56% 52%48%
60% 46% 44% 48%52%
33%
40% 21%
20%
0%
Portugal Espanha Itália Alemanha França Reino
Unido

Sim Não

248
Várias questões podem ser trazidas para o campo da discussão sobre as características
sociodemográficas dos leitores de livros digitais. Uma delas é a de saber se há uma
idade mais comum para se lerem livros em formato digital (gráfico 13) ou se, pelo
contrário, se trata de uma leitura transversal às diferentes faixas etárias.

Gráfico 13
Alguma vez leu um livro em formato digital?
(por idade)
n = 5582

80% 66% 65%


57% 58%
60% 43% 48% 52%
42%
34% 35%
40%
20%
0%
15-24 25-34 35-44 45-54 55+

Sim Não

Não só os dados indicam que são mais os indivíduos que leram livros digitalmente
entre os 15 e os 34 anos, como fazem notar que, ultrapassados os 44 anos de idade, o
número de utilizadores de Internet que o fez diminui de forma gradual. Também o
nível de escolaridade (gráfico 14) exerce influência nas práticas de leitura dos leitores
digitais de livros uma vez que somente entre os conjuntos de indivíduos que têm pelo
menos frequência universitária ou um grau de ensino superior já concluído a grande
maioria já leu livros em formato digital.

249
Gráfico 14
Alguma vez leu um livro em formato digital?
(por nível de escolaridade)
n = 5582

68% 64% 65% 68%


70%
60% 49% 51%
50% 32% 36% 35% 32%
40%
30%
20%
10%
0%
Escola Ensino básico Ensino Frequência Licenciatura
primária ou ou secundário / universidade ou outro
inferior secundário profissional / instituto grau superior
incompleto completo superior

Sim Não

Salientando que esta análise se centra nos utilizadores de Internet e que o nível de
escolaridade é um forte indicador do uso desta tecnologia, a leitura digital de livros
parece pois estar fortemente correlacionada com a frequência universitária. Dito de
outro modo, frequentar ou ter já concluído o ensino superior está associado a uma
maior probabilidade de leitura de livros em formato digital assim como quanto maior a
escolaridade de um indivíduo maior a probabilidade de ser utilizador de Internet.

Gráfico 15
De que forma leu o livro em formato digital?
n = 3220
50%
39%
40%
31%
30%
20%
20%
10%
10%
0%
Download de um Leitura online em Compra através de Partilha do livro
ficheiro através de formato de imagem uma livraria online digital por parte de
um repositório um amigo

Cabe entretanto perguntar como se lê digitalmente livros? Ou, se se preferir, como se


chega até aos livros que se lê digitalmente (gráfico 15)? Qual é o papel da compra de
livros digitais na leitura digital?

250
A nível global, eis que ler digitalmente porque se comprou um livro surge como a
terceira forma mais comum de se chegar até à leitura. A maneira mais usual de
contacto com o livro digital é, porém, o download disponibilizado por terceiros,
através de repositórios, na grande abrangência que o termo supõe. Ou seja,
“repositório” deve pois ser entendido enquanto espaço organizado quer por entidades
académicas quer por determinados indivíduos e onde justamente se podem partilhar
obras em formato digital. É, no entanto, importante acentuar que não se está aqui a
discutir se esses repositórios funcionam ou não à margem da lei. Pese embora se
saiba, por amostragens realizadas, que grande parte da partilha de livros que aí ocorre
é feita à margem do circuito legal de venda, aluguer ou empréstimo, disponibilizando-
se gratuitamente cópias digitais pelas quais se pagaria noutros espaços online de
disponibilização de obras de ficção ou académicas.
Ainda relativamente a esta dimensão de caracterização, é Igualmente de destacar que
esse primeiro lugar, ocupado pelos repositórios, assume à escala global (nos países
analisados) um valor percentual praticamente duas vezes superior (39%) à compra de
livros digitais numa livraria online (20%). Ou ainda que o segundo lugar no acesso a
obras em formato digital não é a compra mas sim a sua consulta através do formato de
imagem. Por exemplo, no Googlebooks ou no Scribd ou em qualquer outro tipo de
plataforma onde se possa aceder a livros por essa via. Por fim, em quarto lugar no
acesso às obras, e com valores relativamente reduzidos (10%), encontra-se a partilha
por parte de um amigo.

Gráfico 16
De que forma leu o livro em formato digital?
(por país/bloco de países)
n = 1164

60% Download de um ficheiro


50% através de um repositório
40% Leitura online em formato de
imagem
30%
20% Compra através de uma
livraria online
10%
Partilha do livro digital por
0%
parte de um amigo
Europa EUA China BRICS

251
Gráfico 17
De que forma leu o livro em formato digital?
(por país)
n = 974

50%
45%
40% Download de um ficheiro
através de um repositório
35%
Leitura online em formato de
30%
imagem
25%
Compra através de uma livraria
20% online
15% Partilha do livro digital por parte
10% de um amigo
5%
0%
Portugal Espanha Reino Brasil Índia
Unido

Considere-se agora o modo como se lê digitalmente livros por país ou grupo de países.
Olhando para os gráficos 16 e 17, descobre-se que na China, nos BRICS ou na Europa,
predomina a via do download através de repositórios. No entanto, nos EUA é o acesso
por formato de imagem que aparece em primeiro plano, só depois surgindo a compra
através de uma livraria online. No cenário europeu, e no que respeita à compra de
livros digitais, o Reino Unido é um caso ímpar (tal como a Índia o é para o grupo dos
BRICS), pois é o único país onde a compra é o modo mais frequente de acesso a livros
em formato digital (em Portugal e Espanha adquire inclusivamente menor
protagonismo que a partilha por parte de um amigo). A ilação que se pode tirar do
conjunto de dados apresentados é que os EUA e o Reino Unido, porventura devido à
profusão da presença da Amazon e do seu leitor Kindle, constituem as excepções que
confirmam a regra, isto é, que a compra não se afigura como a forma mais vulgar de
contacto com o livro digital. Ora se assim é, levanta-se uma outra questão inevitável:
como poderia a leitura digital ser tão difundida caso não houvesse publicação por
parte dos editores ingleses e norte-americanos, os quais são posteriormente copiados?
Esta pergunta tem razão de ser já que aparentemente se deve a esses editores anglo-
saxónicos a maioria da oferta de publicações digitais para consumo à escala global. Ou
seja, se não fosse possível fazer cópias dos livros digitais publicados nos EUA e no
Reino Unido, seria provavelmente muito difícil que os valores de leitura digital de livros
no resto do mundo fossem tão elevados como aqueles que o presente estudo aponta.
Estamos portanto perante um dos paradoxos da mudança de práticas de leitura
suscitado pelo digital.

252
Se sabemos quantos lêem livros digitais, quantos são os livros que se lê? O gráfico que
se mostra de seguida facilita o estabelecimento de uma comparação entre a leitura de
livros em formato impresso e a leitura de livros em formato digital.

Gráfico 18
Durante o último ano, aproximadamente quantos
livros leu em formato impresso?
n = 5237
28%
30% 25%
21%
20% 17%

10% 5%

0%
1_3 4_7 8_12 13+ Nenhum

Durante o último ano, aproximadamente quantos


livros leu em formato digital?
n = 3220
50%
40%
40%
30% 23%
18%
20% 12%
10% 4%
0%
1_3 4_7 8_12 13+ Nenhum

Em média 40% dos leitores de livros digitais leram entre 1 a 3 livros nesse formato no
último ano, enquanto 25% dos leitores de livros impressos leram entre 1 a 3 obras em
papel no mesmo período. A observação dos dados sugere claramente a existência de
um universo de leitores onde há maior probabilidade de se ler em maior número livros
em papel do que em suporte digital. Mas a distribuição da leitura, em termos da
quantidade do que se lê, não é idêntica independentemente do(s) país(es) em causa
(gráfico 19). Por exemplo, na Europa e nos EUA lê-se menos livros digitais por
individuo. Já na China e nos BRICS é mais comum encontrar maiores leitores de livros
em formato digital. Enquanto na Europa e nos EUA os que leram mais de treze livros
digitais no último ano não ultrapassam os 10% do total de leitores de livros digitais, já
na China representam mais de 30% (nos BRICS o valor desce para os 25%) dos leitores
de livros nesse formato.

253
Gráfico 19
Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em
formato digital?
(por país/bloco de países)
n = 2370

50%
45%
40% 1_3
35% 4_7
30%
8_12
25%
20% 13+
15% Nenhum
10%
5%
0%
Europa EUA China BRICS

Gráfico 20
Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato
digital?
(por país)
n = 1164

60%

50%
1_3
40%
4_7
30% 8_12
20% 13+
Nenhum
10%

0%
Brasil Rússia Índia China África do Sul

Uma análise mais fina permite verificar que mesmo dentro do grupo de países
designado por BRICS o número de livros digitais lidos assume variações conforme o
país de que se fale (gráfico 20). Quer isto dizer que se por um lado é na Rússia, na
China e na Índia que é mais elevada a percentagem de indivíduos que afirma ter lido
no último ano 13 ou mais livros em formato digital, o Brasil e a África do Sul são, por
outro lado, os dois países em que a percentagem de indivíduos que menos livros
digitais leram nos últimos 12 meses (entre 1 e 3) é não só superior como mais
desfasada por relação às que se referem a mais livros lidos.

254
Gráfico 21
Durante o último ano, aproximadamente quantos livros leu em formato
digital?
(por bloco linguístico)
n = 2163

60%
50%
40% 1_3
30% 4_7
20% 8_12
10%
13+
0%
Portugal / Brasil Espanha / EUA / Reino China Nenhum
México Unido /
Austrália /
Canadá

Gráfico 22
% de indivíduos que afirmou não ter lido nenhum livro em formato digital no
último ano
(por país)
n = 94

China
EUA
Reino Unido
França
Alemanha
Itália
Espanha
Portugal
0% 2% 4% 6% 8% 10% 12%

Digamos que uma leitura dos dados por bloco linguístico vem confirmar a ideia de que,
independentemente de se ter por critério aferidor do número de livros digitais lidos a
língua portuguesa, espanhola ou inglesa, é sempre proporcionalmente superior, no
quadro do grupo de países por que é composto cada bloco, a percentagem dos que
menos livros leram nesse formato no último ano. Certo é que essa interpretação não
pode por exemplo ser corroborada a propósito da realidade chinesa.
Complementarmente, o gráfico 22 serve tão só para assinalar que se na China é nula a
percentagem de utilizadores de Internet que afirma não ter lido no último ano
nenhum livro em formato digital, Portugal é o país onde esse valor é mais expressivo,
alcançando os 11%.

255
É pertinente procurar descobrir diferenças na leitura não apenas em função da
quantidade lida, mas também do(s) género(s) de livro(s) que se lê (gráfico 23), isto
embora haja um padrão bem definido globalmente. São os romances e os livros de
crime, thriller ou mistério os que mais se lêem no conjunto dos países debaixo de
análise, quer no formato impresso quer no formato digital (em contrapartida, o
infanto-juvenil, a poesia e o teatro são os géneros menos lidos em ambos os suportes).
Os livros técnicos e académicos surgem em terceiro lugar em termos do suporte papel,
mas atingem o segundo quando se trata de livros digitais. No entanto, não deixam de
ser detectáveis singularidades (gráfico 24): por exemplo, Portugal, Brasil e China têm
valores mais elevados do que os restantes países analisados para a leitura de livros
técnicos e académicos em formato digital, demonstrando portanto uma
particularidade desses contextos de leitura de livros digitais.

Gráfico 23
Géneros de livros mais lidos
(por formato)
impresso n = 5237
digital n = 3220
60%
50%
40%
30%
20%
10% Impresso
0%
Digital

256
Gráfico 24
Géneros de livros mais lidos em formato digital
(por país)
n = 1455

70%

60%

50%

40%
Romances
30%
Crime, thrillers, mistério
20% Técnicos, académicos
10%

0%

Daqui se parte para dois tipos de relação entre aquilo que é o consumo de livros em
papel e em formato digital. Primeiramente, é importante realçar que quanto mais
livros em papel se possui em casa, maior a probabilidade de se ler mais em digital. No
entanto, esta não é uma verdade absoluta em virtude de se poder ter acesso a uma
vasta biblioteca doméstica de livros impressos, utilizar-se a Internet e não se ler livros
em formato digital (repare-se por exemplo no gráfico 25 – entre quem afirma ter em
sua casa mais de 200 livros em formato impresso, cerca de um terço, 32%, declara não
ter lido nenhum livro em formato digital no último ano).

Gráfico 25
% de indivíduos que têm em casa livros impressos segundo o número de
livros lidos em formato digital (no último ano)
n = 3219

50%

40% 1_3

30% 4_7
8_12
20%
13+
10% Nenhum
0%
0_25 26_100 101_200 201+

257
Viu-se então que ter acesso a muitos livros em formato papel não implica
directamente ler muito em digital. Haverá “grandes” leitores de livros em papel que
lêem muito em formato digital e outros que, embora leiam muito em papel, lêem
muito poucos livros digitais (gráfico 26). Não há assim uma relação directa entre ler-se
muitos livros (ser um "grande" leitor) em formato papel e fazê-lo em formato digital.
De qualquer forma, quando se afirma que não se leu nenhum livro em formato
impresso no último ano também é mais provável que não se tenha lido nenhum livro
em formato digital no mesmo período. Será também oportuno sobressair que, ao
contrário de um receio expresso amiúde na opinião pública, os dados indicam que a
leitura de livros em formato digital não substituiu a leitura de livros em formato papel.
Constata-se que quem mais livros lê em digital é também quem o faz mais em suporte
impresso (simetricamente, o contrário sucede entre os que afirmam ter lido apenas
entre 1 e 3 livros em formato digital).

Gráfico 26
Leitura de livros em formato impresso e digital (no último ano)
n = 3131

50%
45%
40%
35%
% de indivíduos 1_3
que leram livros 30%
em formato 25% 4_7
impresso no 20% 8_12
último ano
15% 13+
10% Nenhum
5%
0%
1_3 4_7 8_12 13+ Nenhum
Nº de livros em formato digital lidos no último ano

Aprecie-se adicionalmente que enquanto no caso dos internautas portugueses o


conjunto composto pelos que declararam ter lido no último ano ora entre 8 e 12 livros
em formato digital ora pelo menos 13 atinge os 10% (a percentagem sobe para os 19%
se se vir Portugal juntamente com o Brasil, ou 20% para a Espanha), já tomando por
base a amostra global, os indivíduos com esse tipo de prática assumem uma
percentagem que se traduz no triplo, ou seja, 30%. Se nos EUA o valor é de 24%, na
China é superior em dobro, 55%. Quando comparando portanto com a maioria dos
restantes quinze países analisados, Portugal parece ainda contar com um segmento de
“grandes” leitores de livros em formato digital incipiente.

258
Começando o texto e a análise em questão a ser orientados para além dos livros, ou
melhor, devendo passar à necessidade que cada indivíduo tem de se informar (ou de
comunicar), não se pode negligenciar como uma tendência análoga à que foi
entretanto exposta para a leitura de livros (a saber, a relação entre os que se lê nos
suportes papel e digital) se vislumbra também nitidamente no consumo de jornais.

Gráfico 27
Leitura de jornais na Web e de jornais impressos
% de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia o jornal
online consoante a frequência com que lêem o jornal impresso
n = 2470

50%
50%
40%
26%
30% 23%

20%
10%
0%
diariamente ou semanalmente raramente ou nunca
várias vezes ao dia

Gráfico 28
Leitura de jornais na Web e de jornais impressos
% de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia o jornal online
consoante a frequência com que lêem o jornal impresso, por país/bloco de países
n = 1825

80% 74%

70% 65%

60%
diariamente ou várias vezes ao
47%
50% 44% 43% dia

40% semanalmente

30%
raramente ou nunca
20%
10%
0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Metade dos leitores diários de jornais digitais acumula essa leitura com a que realiza
em papel. Na amostra global de dezasseis países, 50% dos indivíduos que afirmam ler
diariamente ou várias vezes ao dia um jornal em formato digital são ao mesmo tempo
259
leitores diários de jornais em formato impresso146. Vê-se, novamente, que é nos BRICS
(e ainda de forma mais evidente no caso da China – gráfico 28) que o uso regular de
ambos os suportes no que concerne à leitura de jornais é uma prática mais
generalizada entre quem aí utiliza a Internet, mais do que por exemplo no contexto
dos EUA ou no leque dos países europeus examinados. Refira-se, ainda assim, que
apesar de Portugal ter associada uma percentagem inferior (47%) à da amostra global
(50%) no que respeita aos utilizadores de Internet envolvidos com a leitura frequente
(e cumulativa) de jornais em ambos os suportes, a mesma acaba por ser superior à dos
EUA (43%) ou dos países europeus tomados em bloco (44%).
Interessa agora ressaltar que embora a leitura possa ocorrer por intermédio do
formato digital tal não revoluciona necessariamente o entendimento do que se
valoriza nesse acto. De certa forma, pode dizer-se que ler livros e jornais digitalmente
continua a ser uma actividade concebida enquanto algo individual. De facto, não
obstante serem prezadas quer a possibilidade de arquivar/gravar digitalmente o
conteúdo do texto que se está a ler, quer a imediata pesquisa de informação (num
motor de busca) sobre o seu tema ou autor, quer ainda o simples acesso a outros
textos ou links associados, aspectos como a partilha, a associação de comentários ao
texto ou o facto de se poder saber quem já o leu tendem a ser dos menos valorizados
pelos leitores no contexto digital de leitura de livros ou jornais, no contexto de
comunicação da Internet. Que as dimensões mais e menos valorizadas no âmbito da
amostra global são exactamente as mesmas que em Portugal merece igualmente um
sublinhado especial.
Na intenção de um estudo que, grosso modo, procurasse também entrar no domínio
das percepções acerca da(s) leitura(s), das suas vertentes impressa e digital (gráfico
29), pode desde logo destacar-se o facto de a leitura entendida como fonte de prazer
ser um traço que os utilizadores de Internet conotam mais com a que é realizada em
papel (80% dos inquiridos concorda ou concorda bastante com isso) do que
propriamente em ecrã(s) (a percentagem desce para os 57%).

146
Exclusivamente 30% dos indivíduos (dos 16 países) que declararam raramente ou nunca ler jornais
em formato impresso lêem diariamente ou várias vezes ao dia jornais em formato digital. 54%
raramente ou nunca o faz, ao passo que 16% admite fazê-lo com uma periodicidade semanal.

260
Gráfico 29
Percepções sobre a leitura
% de indivíduos que afirmam concordar ou concordar bastante com os seguintes
tópicos acerca da leitura segundo o seu suporte
n = 5582

Actividade aborrecida 16%


11%

Competência essencial 57%


71%

Requisito escolar/académico 47%


53%
Digital

Requisito profissional 52% Impresso


52%

Fonte de prazer 57%


80%

Forma de nos envolvermos com o mundo que nos 59%


rodeia 68%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90%

Salientar que são menos os que julgam aborrecida a leitura em papel por comparação
com a que é mediada por ecrãs/dispositivos digitais. De igual modo, face à leitura em
ecrã(s) ou digital, é mais elevada a percentagem de indivíduos que reconhecem na
leitura em papel uma forma de envolvimento com o mundo que os rodeia.
Enquanto competência essencial, a percentagem de inquiridos que liga essa ideia à
leitura em papel (71%) é também significativamente superior à dos que a associam à
leitura em ecrã(s) (57%).

261
Gráfico 30
Percepções sobre a leitura em dispositivos digitais
% de indivíduos que assumem o seguinte grau de concordância a propósito da leitura realizada
em dispositivos digitais
n = 5582

60% 53%
50% 41% 40%
37%
40% 33% 33%
30%
27%29%
30%
17% 19%
20%
9% Concorda ou concorda bastante
10%
Não concorda nem discorda
0% Discorda ou discorda bastante
Uma forma de Mais Apenas um De igual valor à
as pessoas apropriada para complemento à que se realiza
estarem mais fazer várias "verdadeira" em suporte
facilmente coisas ao leitura (em papel
actualizadas mesmo tempo papel)
com os (multitasking)
acontecimentos
actuais

Gráfico 31
Percepções sobre a leitura em dispositivos digitais
% de indivíduos que assumem o seguinte grau de concordância a propósito da leitura realizada
em dispositivos digitais
n = 5582

36% 34%36%
40%
32%32% 33%35%
35% 28%
27%26%
30%
25% 21%
18%
20%
15% Concordo ou bastante bastante
10% Não concordo nem discordo
5%
0% Discordo ou discordo bastante
A leitura digital Um tipo de Uma leitura Não adequada
substituirá a leitura em que superficial/de para textos
leitura em o leitor pouca atenção literários
papel num também
futuro próximo escreve

Não é demais frisar que os dados plasmados nos gráficos 30 e 31, atinentes à amostra
global e circunscrevendo-se a percepções sobre a leitura em dispositivos digitais,
manifestam variações conforme o país ou bloco de países em causa. Por exemplo, o
item “um tipo de leitura em que o leitor também escreve” colhe maior grau de

262
concordância entre os utilizadores de Internet dos BRICS (51%) do que entre os
internautas pertencentes ao bloco dos 6 países europeus (21%). A Portugal, por seu
turno, corresponde o valor de 29% para os inquiridos que concordam ou concordam
bastante com esse tópico. Relativamente a outro item, “a leitura digital substituirá a
leitura em papel num futuro próximo”, é também superior nos BRICS a percentagem
de indivíduos que concorda ou concorda bastante com tal ideia (45%), ao passo que o
valor percentual para o grupo de países europeus fica pelos 31%.
Quanto à leitura em ecrã(s) ser “de igual valor à que se realiza em suporte papel”, é
novamente nos BRICS que é (substancialmente) mais elevada a percentagem de
indivíduos que concorda com essa afirmação, 48% (no bloco europeu a percentagem
cai para os 29%). Se entre os inquiridos portugueses 36% discordam que a leitura em
dispositivos digitais seja “de igual valor à que se realiza em suporte papel”, acabam por
ser menos, 28%, os que partilham da ideia de que esse tipo de leitura “não é adequado
para textos literários”.

O início de um outro consenso para a leitura?

Iniciou-se a análise questionando se a leitura se confina apenas ao acto de ler livros,


jornais e revistas, mesmo quando o suporte muda do papel para o ecrã. E essa
continua a ser uma questão primordial. Demonstrou-se que a leitura de livros é
comandada pelo prazer que dela se espera ou deseja extrair, estejam aqueles em
formato impresso ou num determinado gadget. Mas há outras formas de leitura em
que é também o prazer do acto de ler que comanda a razão de fazerem parte do nosso
dia-a-dia. O argumento central é, assim, o de que a leitura, e o prazer que a comanda,
têm existência para além dos livros.
Daí que a atenção passe agora a centrar-se sobre outras formas de leitura que não o
livro, e como elas se redefinem ou emergem intimamente vinculadas aos ecrãs.
Sabemos por exemplo que sendo as pessoas também inquiridas acerca do modo como
se informam, o recurso ao texto acaba sempre por adquirir centralidade, chegando-se
a ele através dos motores de pesquisa, dos websites noticiosos (gráfico 32), ou mesmo
das páginas dos jornais em papel, e isto vale tanto para Portugal como para os
restantes países que foram objecto de inquirição.

263
Gráfico 32
Leitura de websites noticiosos
% de indivíduos que utilizam a Internet com o objectivo de ler websites
noticiosos segundo a frequência com que o fazem
n = 4147
87%
90%
80% 82%
80%
66%
70% diariamente ou várias vezes
55% ao dia
60%
50%
semanalmente
40%
30%
raramente ou nunca
20%
10%
0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Embora para se informarem, as pessoas continuem, mesmo no caso dos utilizadores


de Internet, a preferir os telejornais televisivos e a “imagem”, o recurso diário à leitura
de websites noticiosos representa, em todos os países analisados, mais de 50% das
escolhas. Entre os utilizadores de Internet portugueses, 80% afirmam ler websites de
notícias diariamente ou várias vezes ao dia com o objectivo de se informar, valor aliás
bastante próximo do que foi apurado para os BRICS.

Gráfico 33
Leitura(s) na Internet
% de indivíduos que utilizam a Internet com o objectivo de ler os seguintes tipos de
texto segundo a frequência com que o fazem
n = 5582

Críticas/avaliações feitas por


outros internautas 22%
raramente ou nunca
Blogues
31%
semanalmente
Enciclopédias online (ex:
Wikipedia) 35% diariamente ou várias vezes ao
dia
Websites noticiosos
69%

0% 20% 40% 60% 80%

264
O gráfico 33 regista bem outras configurações de texto que, na Internet, os indivíduos
lêem com maior ou menor frequência. Se por exemplo a leitura de blogues é para
cerca de um terço da amostra global uma actividade realizada diariamente ou várias
vezes ao dia, é contudo superior em quatro pontos percentuais o valor relativo a quem
lê/consulta com essa regularidade páginas de enciclopédias do género Wikipedia (essa
percentagem acaba por ser o dobro da revelada para a leitura de livros online, por
exemplo via Googlebooks - 17%).

Gráfico 34
Actividades de leitura e escrita na Internet
n = 5582

95%
100%
90%
80% 65%
70%
60% 52% 53%
47%
50%
40%
30%
20%
10% diariamente ou várias vezes ao dia
0% semanalmente
raramente ou nunca

Nunca deixando de se falar de leitura, assinale-se também que ler e-mails é uma
actividade que a quase totalidade (95%) dos utilizadores de Internet dos 16 países leva
a cabo diariamente ou várias vezes ao dia (já a sua escrita é algo a que, de modo diário,
menos indivíduos se dedicam, 65%; correspondendo a um espaço de comunicação de
um para um, lê-se aí mais do que se escreve147). Note-se ainda que a maioria dos
indivíduos da amostra global (52%) recorre igualmente à comunicação simultânea em
diferentes chats, acção que confere ao conceito de leitura uma outra latitude.
Pela observação dos próximos gráficos pode compreender-se mais facilmente o peso
da leitura nas redes sociais. Lançar o olhar para a leitura que acontece nesse âmbito
justifica-se desde logo pelo seguinte: se a partilha do que se escrevia, normalmente
fora do contexto individual de comunicação de um para um, estava adstrita à

147
A mesma tendência comprova-se quando se analisa a leitura de posts ou tweets nas redes sociais.
Também aí se lê mais do que se escreve (53% vs. 47%).

265
dimensão organizacional das editoras, jornais, etc., com o surgimento da World Wide
Web e das suas páginas parte desse papel de partilha da escrita dos indivíduos é
reconduzido para a esfera individual (Lawrence Lessig dissertou mesmo sobre uma
cultura de R/W, ou seja, Read/Write148), tendo com os blogues sido dado outro passo
nessa direcção. Na realidade, a tecnologia não facilitava o acesso à distribuição da
escrita sem o recurso a outros mediadores, pelo que o número de blogues e de
páginas sempre foi muito inferior ao número total de utilizadores de Internet149.

Gráfico 35
Leitura e escrita/publicação nas redes sociais
% de indivíduos que afirmam realizar esse tipo de actividades diariamente ou
várias vezes ao dia
n = 4147

64% 66%
70% 57%
57%
60% 48%
46% 41% 44% 43% Leitura de posts/tweets nas redes
50%
sociais
40% 34%
Postagem/escrita nas redes sociais
30%
20%
10%
0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Gráfico 36
Presença nas redes sociais
% de indivíduos com perfil criado nas redes sociais
n = 5582

10%

Sim
Não
90%

Apenas com a chegada das redes sociais e com a propagação da sua utilização,
atingindo, como foi possível aferir neste estudo, 90% dos utilizadores de Internet, é

148
Ver Lessig, Lawrence (2008), Remix: making art and commerce thrive in the hybrid economy, New
York, Penguin.
149
Para mais informação consulte-se http://www.obercom.pt.

266
que uma cultura de Read/Write/Post (R/W/P) se pôde difundir por uma extensa parte
da população, fornecendo assim as bases para um questionamento do consenso sobre
o que é ler, isto quando as pessoas passaram a ler mais, e com maior regularidade,
noutros suportes que não meramente o livro, o jornal ou a revista. No gráfico 35
consegue-se ver que a leitura de posts/tweets nas redes sociais, diariamente ou várias
vezes ao dia, assume nos BRICS (66%) um valor superior ao da Europa (46%) ou dos
EUA (44%); dos 16 países, a China é aquele onde mais se lê nesse contexto. Com um
valor mais elevado que o da média europeia, de Portugal pode, não obstante, dizer-se
que conta com uma maioria de utilizadores de Internet (57%) lendo diariamente ou
várias vezes ao dia nessas plataformas. De resto, a própria percentagem de indivíduos
que não tem perfil criado nas redes sociais sofre também ela variações dependendo do
país em causa: se em nenhum dos países dos BRICS esse valor transpõe os 10%
(oscilando entre 1% para a China e 9% para a África do Sul), já por exemplo dentro do
bloco europeu os países do Sul (Portugal, Espanha e Itália) revelam um valor abaixo
dos 10%, distanciado-se de Alemanha (25%), França (17%) e Reino Unido (18%); nos
EUA, o valor é de 12%.
Chegados aqui, e justamente porque “la lecture en tant qu’activité (…) subit (…) une
concurrence accrue du fait de l’émergence de nouveaux usages du temps libre et de la
montée en puissance de la culture d’écran” - “(…) elle véhicule aussi quantité de textes
et favorise d’une certaine manière un retour à l’écrit (on envoie des SMS et on utilise
les services des messageries instantanées et des réseaux sociaux plutôt que de
téléphoner), ainsi que l’émergence de nouvelles façons de lire” (Donnat, 2011: 39),
interessa por exemplo explorar que relações existem entre as redes sociais e a leitura
de livros, mantendo-se assim em aberto a análise que vem sendo feita das duas
realidades de leitura (gráfico 37).

Gráfico 37
Leitura nas redes sociais e de livros em formato digital
% de indivíduos que afirmam já ter lido livros em formato digital
segundo a frequência com que lêem nas redes sociais
n = 5494

68%
70% 58%
60% 53%
47%
50% 42%
Sim
40% 32%
Não
30%
20%
10%
0%
diariamente ou várias pelo menos raramente ou nunca
vezes ao dia semanalmente

267
No fundo, quem mais lê nas redes sociais tem também maior probabilidade de ler
livros em formato digital (o que os dados simultaneamente mostram é que tanto a
maioria dos indivíduos que lêem nas redes sociais pelo menos semanalmente como
dos que afirmam que raramente ou nunca o fazem nunca leu livros dessa maneira). Se
é também nos países incluídos nos BRICS que essa probabilidade é mais forte (de se ter
lido livros em formato digital, sendo leitor regular nas redes sociais), entre os países
europeus considerados, Portugal e Espanha são aqueles onde é mais elevada essa
percentagem (respectivamente 64% e 65%, contra por exemplo os 41% e 24% de
Alemanha e França). Por sua vez, é mais comum ler-se frequentemente nas redes
sociais quanto mais novo se for e quanto maior for o nível de escolaridade (gráficos 38
e 39).

Gráfico 38
% de indivíduos que lêem nas redes sociais diariamente/várias
vezes ao dia e nunca segundo a idade
n = 5582
80%
69%
70% 65%
60%
49%
50% 41% 40% diariamente ou várias
40% vezes ao dia
30% 25% 25% nunca
19%
20% 10%
9%
10%
0%
15-24 25-34 35-44 45-54 55+

268
Gráfico 39
% de indivíduos que lêem nas redes sociais diariamente/várias vezes ao dia e nunca
segundo o nível de escolaridade
n = 5582

licenciatura ou outro grau 15%


superior 56%

frequência 13%
universidade/instituto superior 60%

ensino secundário/profissional 22% nunca


completo 49%
diariamente ou várias vezes ao dia
ensino básico ou secundário 30%
incompleto 44%

escola primária ou inferior 25%


39%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70%

Há então, no que respeita às redes sociais, a possibilidade de argumentar que o seu


uso mais recorrente proporciona uma mais fácil “domesticação”150 do ecrã como
espaço de leitura – “domestication is practice. It involves human agency. It requires
effort and culture, and it leaves nothing at it is” (Silverstone, 2006: 231) -,
aproximando essa apropriação daquela que temos do suporte papel. Uma das
interrogações que se levanta reside em saber se o facto de hoje se ler de tantas formas
diferentes na Internet pode ter algum contributo para a transformação da leitura.
Mesmo do livro. E porquê? A razão para levantar esta hipótese é aparentemente
simples; quanto mais se usa a Internet para ler, através de diferentes dispositivos
digitais, mais se torna o ecrã similar àquilo que são as nossas concepções de partida
em termos da leitura.
E lê-se de formas muito diferentes na Internet. Relembre-se que por exemplo 69% da
amostra global afirma ler diariamente notícias, 53% afirma fazê-lo para os
posts/tweets nas redes sociais, 35% para os textos da Wikipedia ou de outras
enciclopédias online, 31% para os blogues, etc. E se se estiver na China a percentagem
dos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia blogues é de 60%, ao passo que no
conjunto dos BRICS desce para os 45% e na Europa e nos EUA é mesmo menor a

150
“At a metaphorical level we can observe a domestication process when users, in a variety of
environments, are confronted with new technologies. These ‘strange’ and ‘wild’ technologies (…) have
to be integrated into the structures, daily routines and values of users and their environments”, Berker
et al., in Berker, Thomas, Hartmann, Maren, Punie, Yes e Ward, Katie J. (ed.) (2006), Domestication of
media and technology, London, Open University Press, p. 2.

269
percentagem de leitores regulares desse contexto (respectivamente 23% e 20%
declaram fazê-lo diariamente ou várias vezes ao dia).
Embora esta seja uma abordagem, entre as muitas possíveis, sobre o que configura
hodiernamente a leitura, a análise aqui desenvolvida serve sobretudo para mostrar a
complexidade do que é mapear esse fenómeno quando se traz para a discussão o
digital e a, provável, impossibilidade de manter um consenso herdado de uma época
anterior à disseminação da Internet e dos ecrãs “des machines à lire”151.

É o leitor que comanda

Depois de escalpelizado um conjunto de práticas e percepções em torno da leitura


numa era de ecrãs digitais, é altura de mobilizar o conceito de “leitor cumulativo”152 ou
total, dispositivo analítico fundamental para o desenvolvimento do estudo da leitura e
do leitor.
Falar de um leitor cumulativo ou total implica propor a atualização de um conceito já
experimentado na sociologia da leitura para tipificar uma determinada espécie de
leitor de formatos em papel, “com um acesso recorrente e plural aos três conjuntos de
publicações” (Freitas e Santos, 1991: 68), a saber, livros, jornais e revistas. Empregue
originalmente num outro contexto, em que não se lia em digital, importa agora discutir
quais os seus novos contornos substantivos. Mas antes dessa reapropriação
conceptual, convém também relembrar que não existem leitores totais sem leitores
parcelares.
Ora, a introdução deste conceito de “leitor total” remete para as práticas de leitura de
cerca de 17% da população inquirida e utilizadora de Internet153. E o que é hoje um
leitor total? São todos os indivíduos que, lendo em papel, efectivamente lêem ou já
leram livros em suporte digital (independentemente da forma como o fizeram, via
download, em formato imagem, etc.), que diariamente lêem nas redes sociais e
utilizam um motor de busca do tipo Google para se manterem informados, que todos
os dias lêem e-mails, que frequentemente se dedicam à leitura de jornais digitais, e
que fazem tudo isso quer no computador (seja ele de secretária ou portátil) quer
noutro dispositivo digital móvel, do tablet ao smartphone.
No que concerne à geografia dos leitores totais, valerá a pena prestar atenção ao
gráfico 40.

151
Expressão retirada ao título de um artigo de Thierry Grillet publicado, a 25 de Maio de 2012, no jornal
Le Monde («L’ère des “machines à lire”»).
152
Avançado em Freitas, Eduardo de e Santos, Maria de Lourdes Lima dos (1991), “Inquérito aos hábitos
de leitura”, in Sociologia, Problemas e Práticas, nº 10, pp. 67-89.
153
Sobretudo do sexo masculino (55%), com idade entre os 15 e os 34 anos (68%), frequentando ou
tendo já concluído um grau de ensino superior (79%), vivendo numa grande cidade (61%).

270
Gráfico 40
Leitores totais
% de indivíduos que correspondem ao perfil do "leitor total" por
país/bloco de países
n = 4147

36%
40%
30%
30%
17%
20% 12% 10%
10%

0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Imediatamente se percebe ser mais elevada nos BRICS a percentagem de indivíduos


que, sendo utilizadora de Internet, corresponde ao perfil do leitor total (30%), valor
aliás bastante distanciado daquele revelado para Europa ou EUA. Dois aspectos não
devem, todavia, ser descurados. Por um lado a necessidade de ponderar a relação
entre as realidades culturais e as práticas (de leitura), uma vez que tanto dentro do
bloco dos BRICS como no europeu existem diferenças percentuais significativas entre
os diferentes países (gráficos 41 e 42) face a este tipo específico de leitor.

Gráfico 41
Leitores totais
% de indivíduos que correspondem ao perfil do "leitor total" por país
(BRICS)
n = 1478

36% 37%
40% 31%
30% 23%
17%
20%

10%

0%
China Rússia Brasil Índia África do
Sul

271
Gráfico 42
Leitores totais
% de indivíduos que correspondem ao perfil do "leitor total" por país
(Europa)
n = 2144

20% 17% 17% 17%


13%
15%

10%
4% 3%
5%

0%
Portugal Espanha Itália Alemanha França Reino
Unido

Se no caso dos BRICS, China e Índia têm percentagens similares de leitores totais, já a
Rússia, o Brasil e a África do Sul revelam ser a esse respeito realidades muito
diferenciadas. O mesmo se passa na Europa. Se o valor é de 14% para os países da
zona Sul, inclusivamente superior ao do Reino Unido, na França e na Alemanha é
praticamente residual a percentagem de indivíduos que utiliza a Internet e pertence ao
segmento dos chamados leitores totais.
Por outro lado, não se pode deixar de procurar uma justificação para o facto de os
utilizadores de Internet dos BRICS terem, como se tem vindo a comprovar ao longo
deste capítulo, maior familiaridade com as práticas de leitura digital, consideradas nas
suas diversas dimensões. Em boa verdade, o nível de escolaridade é uma boa variável
explicativa para essas diferenças de valor. Que, na Internet, “for communication and
information search purposes heaviest users are found in the countries with the lowest
Internet diffusion” (World Economic Forum, 2011: 26) tem a sua tradução na
composição da amostra de internautas desses países, menos heterogéna em matéria
de qualificações escolares (à excepção do Brasil, uma larga maioria, entre 67% e 89%,
nos restantes quatro países desse bloco, frequenta o ensino superior ou já o concluiu).
Paralelamente, será talvez pertinente adiantar que “users in older online countries
have access to multiple sources of information. Users in India, South Africa, Mexico,
China, and Brazil may use the Internet more for these purposes because they feel that
information is more controlled or limited offline than online” (World Economic Forum,
idem).
Falou-se atrás de leitores parcelares, produto de múltiplas combinações de práticas de
leitura, mas sem atingir a plenitude característica do leitor total. Por exemplo, o leitor
parcelar lê muitos e-mails, lê nas redes sociais, mas não lê livros em formato digital,
ou em papel, como se queira. Ou então, outra combinação possível, definidora de um
determinado perfil de leitor parcelar, lê livros em formato digital mas não lê nas redes
sociais.

272
Gráfico 43
Leitores parcelares
% de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia
posts/tweets nas redes sociais e que nunca leram livros em formato
digital, por país/bloco de países
n = 4147

25% 21% 20%


20% 15%
15% 11%
10% 5%
5%
0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Interessante verificar que este tipo específico de leitor154, indivíduos que lêem
diariamente ou várias vezes ao dia nas redes sociais mas que afirmam nunca ter lido
livros em formato digital, se encontra muito mais na Europa (21%) do que por exemplo
nos BRICS (11%). Ou que o valor para os EUA é três vezes superior ao da China. Ou
ainda que a França, com a percentagem mais baixa de leitores totais (3%) entre os seis
países europeus considerados, é agora o país onde estes leitores parcelares têm,
proporcionalmente, maior presença. Na mesma linha de raciocínio, Brasil e África do
Sul, os países dos BRICS com menores percentagens de leitores totais, são os que
evidenciam valores mais elevados para estes leitores parcelares (respectivamente 19%
e 17%).

154
Diferentemente dos leitores totais, são sobretudo do sexo feminino (52%). Apesar de a maioria ter a
idade compreendida entre os 15 e os 34 anos (58%) e de frequentar ou já ter concluído um grau de
ensino superior (51%), esses valores são mais baixos face aos que foram apurados para caracterizar os
leitores totais.

273
Gráfico 44
Leitores parcelares
% de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia posts/tweets nas
redes sociais e que nunca leram livros em formato digital, por país (Europa)
n = 2144

30% 26%
25% 20% 20% 21% 20%
20% 14%
15%
10%
5%
0%
Portugal Espanha Itália Alemanha França Reino
Unido

Gráfico 45
Leitores parcelares
(por país/bloco de países)
n = 4147
25%

20%
nunca ou raramente lêem
nas redes sociais/já leram
15% livros em formato digital

10% lêem diariamente ou várias


vezes ao dia nas redes
sociais/nunca leram livros
5%
em formato digital

0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Procedendo-se a um exercício comparativo entre dois tipos de leitores parcelares,


repare-se que apesar de no quadro da amostra global serem mais os indivíduos que
lêem regularmente nas redes sociais mas que nunca leram livros em formato digital
(17%) do que aqueles que já o fizeram mas que nunca ou raramente lêem nas redes
sociais155 (13%), no caso da Europa torna-se ainda mais vincado o peso de cada um
desses tipos de leitores, por oposição ao que sucede quer nos EUA quer nos BRICS
(especificamente na China, apenas 5% dos utilizadores de Internet são leitores
regulares nas redes sociais sem nunca terem lido livros digitalmente). Se no grupo dos

155
Sobretudo do sexo masculino (54%) e apenas 43% tem idade entre os 15 e os 34 anos. Ainda assim a
maioria, 65%, frequenta ou já concluiu um grau de ensino superior.

274
países europeus, só na Alemanha são mais os internautas que nunca ou raramente
lêem nas redes sociais mas que já leram livros em formato digital, internamente aos
BRICS, tal só ocorre na China e na Índia, caracterizando-se o Brasil por ser o país onde a
tendência contrária é particularmente flagrante (mais indivíduos a ler regularmente
nas redes sociais nunca tendo lido um livro em suporte digital).

Gráfico 46
Leitores parcelares
% de indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia e-mails,
nunca leram livros em formato digital e nunca ou raramente lêem
posts/tweets nas redes sociais, por país/bloco de países
n = 4147

30% 26%
23%
25%
20% 14%
15%
10% 4% 5%
5%
0%
Europa Portugal EUA China BRICS

Um último tipo de leitor parcelar a que se fará alusão carrega, por definição, um outro
leque de práticas de leitura digital ou ausência delas. O que do gráfico 46 se retira é
que se vislumbram principalmente na Europa e nos EUA (com valores superiores aos
17% da amostra global) indivíduos lendo frequentemente e-mails sem nunca terem
tido a experiência de ler livros em formato digital e que nunca ou raramente lêem nas
redes sociais156. Se para o contexto europeu, é na Alemanha e na França que este
perfil de leitor digital atinge valores percentuais mais acentuados (respectivamente
42% e 40% dos inquiridos), em qualquer dos cinco países do bloco BRICS a
percentagem é inferior a 10%.
A figura que a seguir se apresenta, derivada de uma análise de correspondências
múltiplas, permite ainda perspectivar sob outro ângulo, isto é, numa lógica relacional,
a(s) leitura(s) e os seus leitores.

156
Sobretudo do sexo feminino (51%). 54% tem 45 ou mais anos de idade. Em termos de escolaridade,
30% tem o ensino secundário ou profissional concluído e 42% frequenta ou já completou um grau de
ensino superior.

275
Figura 1
157
Análise de Correspondências Múltiplas

Utilizadores ou consumidores - Escolaridade / + Idade


compulsivos (outliers)

Desinteressados
da leitura
Ávidos da informação
e comunicação

+ Leitura / - Leitura /
Consumo Consumo

Grandes Leitores
Leitores de informação e
comunicadores frequentes na rede

Estudiosos
+ Escolaridade / - Idade

É desde logo digno de registo um primeiro grupo de indivíduos que se apelida aqui de
“grandes leitores”. Olhando paras as suas características, pode-se afirmar não existir
uma separação cabal entre leitores “tradicionais” e leitores digitais. Percebe-se, no
fundo, que existem determinados sujeitos que transportam o seu habitus de leitores
tradicionais (de livros) para as práticas de leitura digital. Trabalhando muitas das
pesquisas da sociologia da leitura mais convencional com categorias de leitores
baseadas numa quantificação específica (pequenos leitores, 1 a 5 livros em papel lidos
no último ano; leitores médios, 6 a 20; grandes leitores, mais de 20), no grupo dos
“grandes leitores” representado na figura, composto essencialmente por quem
frequenta ou já concluiu um grau de ensino superior, e com idades entre os 15 e os 34
anos, está-se a falar de indivíduos podendo estar integrados tanto na categoria dos
leitores médios como também na dos grandes leitores, tal como formuladas no âmbito
de uma sociologia da leitura pré-Internet. Justamente porque no último ano leram
pelo menos 8 livros nos formatos papel e digital.

157
Os valores do teste de Alfa de Cronbach, para aferir a consistência das dimensões de análise, foram
os seguintes: quanto à dimensão 1, o valor do teste foi de 0,858; quanto à dimensão 2, o valor obtido foi
de 0,638. A média do teste para as duas dimensões foi de 0,782. Os resultados permitem aferir uma
consistência interna das dimensões razoável e, portanto, uma fiabilidade aceitável.

276
Acrescente-se que no caso dos indivíduos que designamos por “estudiosos”,
fundamentalmente têm como atributos uma compra mais intensa de livros ou revistas
digitais em formato pdf ou para ler no leitor digital (e-reader); utilizam também mais a
Internet para descarregar livros ou revistas grátis ou mesmo para ler em plataformas
como o Google Books; sem esquecer um uso igualmente mais frequente da Internet
quer para a compra online de livros impressos (Amazon, Fnac, etc.) quer para ver,
descarregar ou partilhar músicas, filmes ou séries de TV158. Em termos da sua
caracterização sociográfica, assumem proximidade com o grupo dos “grandes
leitores”, ou seja, incluem sobretudo quem frequenta ou já concluiu um grau de
ensino superior e indivíduos mais jovens, logo com mais acesso à tecnologia. O que
talvez não esteja desligado das características deste grupo de indivíduos são os efeitos
que as práticas ou actividades relacionadas com a leitura sofrem, eventualmente, por
via de determinados ciclos de vida – os mais jovens que estudam, indivíduos que
provavelmente estão a realizar mestrados, doutoramentos, e que portanto se
envolvem naquele conjunto de práticas ou actividades que se elencou de maneira mais
intensiva. Daí o facto da China ou da Índia estarem mais associados quer aos “grandes
leitores” quer aos “estudiosos”: a menor democratização da Internet nestes países,
reflectida em amostras compostas por indivíduos mais escolarizados, constitui um
factor determinante nesse sentido.
Igualmente a associar a indivíduos jovens, os “ávidos da informação e comunicação”:
na proximidade dos “grandes leitores”, caracterizam-se pela sua maior ligação a
hábitos de informação e comunicação (utilizam mais a Internet para ler e-mails, usar
serviços de conversação instantânea, escrever no blogue, postar e ler nas redes sociais,
mas também para ler websites noticiosos, a Wikipedia, etc.). Provavelmente não será
aqui alheia a questão dos dispositivos digitais móveis, cujo advento permite hoje aos
indivíduos estarem permanentemente a ler, a publicar posts, a enviar e-mails. Já os
“leitores de informação e comunicadores frequentes na rede”, denotam um tipo de
práticas bastante similares às dos “ávidos da informação e comunicação”, mas
encontram-se mais próximos dos escalões etários 35-44 e 45-54 anos. Parecem situar-
se entre práticas de leitura mais frequentes e menos frequentes, entre os que mais
lêem livros (“grandes leitores”) e os que usam pouco a Internet, por exemplo para ler
apenas e-mails (“desinteressados da leitura”). Quanto a este último grupo, refere-se
grosso modo a indivíduos menos escolarizados (até 1º ciclo, 2º ciclo, ensino
secundário) e mais velhos (55 ou mais anos). São os que recorrem menos à Internet
para ler websites noticiosos, a Wikipedia, blogues. Lêem também poucos e-mails e
muito pouco nas redes sociais. Não compram online livros impressos, até porque as
próprias práticas de leitura de livros em papel (e, por arrasto, em digital) são
inexistentes ou bastante esporádicas.

158
A análise de correspondências múltiplas a que se chegou identificou valores desviantes ou outliers
nomeadamente no que se reporta a esse tipo de práticas ou actividades relacionadas com a leitura.

277
Ao falar de leitura digital está-se a falar de um outro modo, de uma nova forma, de
difusão da leitura, desta vez utilizando a Internet e os ecrãs. No fim de contas, estamos
a situar-nos numa nova etapa desse continuum que foi a longa evolução da lógica
gutembergiana do livro.
Embora se saiba que o vídeo, quando medido em Tera-bytes, ocupa muito espaço de
dados na Internet, na realidade o que as pessoas mais fazem aí não é ver vídeos ou
produzi-los, mas sim ler e escrever. A Internet é ainda hoje o domínio da escrita e da
leitura. Mas como serão os futuros usos da Internet? Iremos ler mais aí?

Gráfico 47
Nos meses e anos vindouros, acha que lerá mais, menos ou
o mesmo através de um meio digital?
n = 5582

18%

Mais
44%
8% O mesmo
Menos
Não sabe
30%

A acreditar nos dados obtidos, a percentagem mais significativa da amostra global


(44%) acha que, no futuro, passará a ler mais textos em suporte digital.
Quando se cruza isso com o nível de escolaridade, é nos indivíduos que frequentam ou
já concluíram um grau de ensino superior que são mais elevadas as percentagens dos
que acham que lerão mais em suporte digital num futuro próximo (em ambos os casos,
50% dos indivíduos concordam com esse futuro aumento de leitura). É também
superior em todos os escalões etários a percentagem dos que futuramente admitem
vir a ler mais digitalmente. No entanto, ela acaba por ter maior peso no escalão dos 25
aos 34 anos (49%) e menor no escalão dos 55 ou mais anos (37%). Parece ficar assim
indicada uma forte probabilidade do desenvolvimento de uma tendência de
incremento da leitura em formato digital. Todavia, tais perspectivas de futuro não se
manifestam de igual modo em todos os países ou blocos de países. Se por exemplo na
Europa as percentagens quer dos que afirmam que lerão no futuro mais textos digitais
quer dos que apontam que lerão a mesma quantidade são praticamente iguais
(respectivamente 34% e 33%), nos BRICS a diferença cava-se bastante em favor dos
que se vêem, no futuro, a ler mais digitalmente (59% vs. 22%). No caso dos dois países
da América Latina considerados, Brasil e México, também os dados surgem orientados
278
nessa direcção. Em Portugal, ao invés, é superior a percentagem de indivíduos que
acham que num futuro próximo lerão a mesma quantidade de textos em suporte
digital (38%) face à dos que julgam que lerão mais nesse formato (34%). Comparando,
por fim, China e EUA, saliente-se que na China é muito mais elevado, mais do dobro, o
valor dos que acham que, futuramente, lerão mais em formato digital (68% versus
33%). Noutra vertente, frise-se que a relação afectiva com o livro em papel, essa
sobrevive (gráficos 48 e 49).

Gráfico 48
Em sua casa, como prefere manter os livros?
n = 5582

68%
70%
60%
50%
40%
30% 19%
20% 9%
10%
0%
Arrumados em Arquivados Depende do seu
estantes digitalmente conteúdo/design

Gráfico 49
Imagine que quer oferecer um livro a alguém.
Nessa situação, o que prefere oferecer?
n = 5582

77%
80%
60%
40%
14%
20% 5%

0%
Um livro impresso Um voucher para Depende do seu
download de um e- conteúdo/design
book

Podendo a posse (de um grande número) de livros em papel ser encarada como marca
de estatuto social159, o que é certo é que a larga maioria dos indivíduos dos 16 países

159
“(…) parmi l’énorme quantité de livres figurant sur les rayons des bibliothèques particulières, la
presque totalité ne servent plus et ne serviront plus jamais à être lus. La question se pose donc de savoir
à quoi ils servent (…), quelle est leur utilité et quelles motivations poussent leurs acquéreurs à se les

279
abrangidos pelo estudo preferem tê-los arrumados em estantes (68%) ou, tratando-se
de oferecer um livro a alguém, optam preferencialmente pelo formato impresso (77%).
Em ambos os casos, contudo, assinale-se que uma percentagem assinalável (entre os
14% e os 19%) faz depender a sua resposta do conteúdo ou design do livro em
questão.
Se a leitura deve continuar a ser definida a partir do que se valoriza, e se essa
valorização é tanto social, ou seja dada pelo conjunto da sociedade sobre o que é
importante ler, como é fruída individualmente, ou seja, em função daquilo que nos dá
prazer, então é necessário que nos questionemos sobre, efectivamente, que tipo de
leitura é aquela que valorizamos hoje em dia. Este é, porventura, um exercício que os
indivíduos e as instituições das sociedades ganhariam em realizar com alguma
regularidade ou, pelo menos, sempre que a dúvida se instala sobre se as
condicionantes e o contexto sobre o qual a leitura assentava continuam inalterados ou
em mutação.
Parece ser um dado da equação analítica aqui proposta que, por uma alteração da
disponibilidade tecnológica, há actualmente indivíduos a procurar novas formas de
leitura. Mas também parece ser verificável que se domesticaram essas
disponibilidades tecnológicas de uma maneira diferente daquela que poderia ser
previsível para os fornecedores das tecnologias de ecrãs. Daí que se possa arriscar
avançar o seguinte corolário: não é o livro que comanda, é o leitor que comanda.
Portanto é o leitor que define a leitura.
Ou seja, a leitura digital não existe porque há livros em formato digital, mas sim
porque, havendo livros em formato digital, tecnologia de ecrãs portáteis, em conjunto
com a imaginação de todos aqueles que criam novas formas e espaços na Internet, se
criam as condições para a proliferação de novas práticas de ler. Por sua vez, essas
novas práticas, transformam-se em novas formas de leitura quando os leitores formam
representações positivas de associação de prazer a esses actos, antecipando assim a
institucionalização do valor cultural partilhado dessas leituras na sociedade.
O que significa então ler? Significa ler em papel e no digital (para quem utiliza a
Internet), e ler só no papel para quem não a utiliza. E portanto esta é uma dualidade
que tem de ser introduzida. Não quer dizer que ela seja benéfica mas existe e é aquilo
que o mapeamento da leitura mostra.
Pode-se hoje ao falar de leitura falar só de livros e e-books, e-books no sentido daquilo
que é oferecido pela Amazon ou pelo iTunes? Se a leitura se define em função da
relevância social e individual, então a resposta é não.
Conforme se argumentou, deve-se manter uma abertura analítica para além dessa
visão condicionante. Porque senão estaríamos a limitar-nos à ideia de que o que é

procurer? D’une manière générale, le livre-objet peut avoir trois usages qui ne se rencontrent d’ailleurs
jamais isolément, mais se recoupent et se combinent à l’infini. Il peut être un placement, un élément de
décoration ou ce qu’on appelle un status symbol, c’est-à-dire le signe d’appartenance à une certaine
catégorie sociale. Même la bibliothèque fonctionnelle de l’universitaire ou du membre de la profession
libérale est influenciée par ces motivations extra-littéraires” (Escarpit, 1969: 35).

280
relevante hoje, para nós todos e individualmente, tem de ser igual àquilo que foi no
passado e que portanto não há possibilidade de mudança. E a leitura não é feita de
imobilidade, é feita de mudança.
O que é a leitura digital? Tal como foi referido no primeiro capítulo e início deste, é um
conceito de natureza multidimensional, podendo ser dadas inúmeras definições
consoante o que se lê ou o momento histórico a que se faça referência, seja ele pós-
2000, anterior a 2000, nos últimos 6 meses ou no ano que se seguirá. Mas a leitura
digital é aquilo que os leitores totais e parcelares hoje fazem, essa é uma definição
pela prática. Se bem que também seja leitor aquele que, não sendo utilizador da
Internet, e não acedendo nem à leitura de livros digitais nem a outras formas de
leitura que a Internet possibilita, lê exclusivamente em papel.
O que é que nos trouxe então até este momento histórico de redefinição da leitura?
Por um lado, o alargamento a cada vez mais indivíduos da utilização da Internet, por
outro a disseminação das práticas de comunicação em rede em vez da comunicação de
massas e, por último, a prática massificada já não apenas do ler e escrever, mas sim do
ler, escrever e distribuir ou partilhar (Read/Write/Post). No entanto, não é possível
desprezar também a progressiva entrada das indústrias produtoras de bens impressos
na sociedade em rede, sem as quais, obviamente, toda esta discussão não seria viável.
Está-se então perante novas formas de leitura ou perante novos leitores? Ambos os
cenários, essa é a resposta. Novos leitores de livros e jornais, agora num formato
digital – “novos” porque alguns que liam em papel passaram a ler também em digital
mas também porque certos não leriam em papel e passaram a fazê-lo – bem como
novas formas de leitura, que criam “novos leitores”, os quais, embora não lendo
necessariamente livros ou jornais, se relacionam com outros formatos tais como
blogues, “tweets”, “e-mails”, “posts” do Facebook.
A análise dos dados deste inquérito global sugere que falar da leitura, no final da
primeira década do século XXI, pressupõe que se olhe para o que é lido em formato
digital mas implica que se continue igualmente a considerar a leitura em papel.
Pressupõe também aceitar a possibilidade de identificação de um novo tipo de leitor e
de novas leituras, que moldarão tanto as políticas públicas de apoio à leitura como a
valorização social e individual sobre o que pode ser entendido como leitura hoje.

281
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283
8

A leitura digital e o jornalismo: transformação de hábitos de leitura e transformação


do jornalismo?

Tiago Lima Quintanilha e Gustavo Cardoso

284
Para onde caminha o jornalismo? Que principais transformações ocorrem hoje ao nível
dos hábitos de leitura e práticas de consumo? Quão relevante é o ecrã, conceito
central na interpretação dos múltiplos dispositivos electrónicos, nas reconfigurações
das formas de fazer, divulgar e pensar o jornalismo? Que relevância podemos atribuir
ao ecrã nas dinâmicas de confronto entre formatos e plataformas digitais e
tradicionais?
Um exercício de enquadramento da importância conferida aos ecrãs, na vida das
pessoas, poderá ser feito à luz dos resultados obtidos em inquéritos produzidos pelo
OberCom e pelas instituições CIES-ISCTE e Fundação Calouste Gulbenkian. Destes
resultados destacam-se uma série de questões que abordam a problemática da leitura
digital e a forma como alguns media tradicionais podem também estar a passar para o
formato digital, no que ao seu consumo diz respeito. O caso mais óbvio, associado a
uma cada vez maior aposta em dispositivos de ecrã, é a cada vez mais frequente
consulta de notícias e sites de jornais na Internet, reforçando a ideia de que até o meio
de comunicação historicamente associado ao papel e à dimensão da impressão pode
estar a ver o seu consumo ser reforçado, cada vez mais, em dispositivos e plataformas
centrados no ecrã, como é o caso dos computadores, dos smartphones, etc.
No fundo, como se alteram ou não padrões de consumo e recepção e como se alteram
os papéis de consumidor e produtor numa sociedade onde as visões da idade de ouro
do ecrã televisivo de McLuhan deram lugar ao mundo de ecrãs em rede proporcionado
pela adopção e transformação social do que se acordou designar por Internet?
A proposta de Silverstone sobre a necessidade de uma “sociologia dos ecrãs” (1992: 2)
decorria da observação do papel central da televisão nos processos comunicativos nas
nossas sociedades, mas também daquilo que parecia ser o início da presença de outro
ecrã nas nossas casas, o computador. Essa percepção da necessidade de uma
sociologia que se centrasse na análise dos processos comunicativos através do
elemento comum à comunicação mediada, o ecrã, deu lugar mais tarde, na análise de
Silverstone (2006), à proposta de uma sociologia da mediação, pois no seu entender
era esse o seu elemento comum no processo de mediação.
De algum modo, a proposta que aqui se coloca é a de questionar até que ponto,
partindo da definição de sociologia da mediação, não nos será necessário revisitar a
ideia de “sociologia dos ecrãs”, na tentativa de actualizar o objecto de análise
sociológica às transformações comunicativas e de perceber de que forma podem
também o jornalismo e a imprensa ser influenciados pela existência de um ecrã
disseminado na crescente oferta de dispositivos electrónicos.
A sociologia dos ecrãs, segundo Silverstone (1992: 2), “requer o compromisso de
pensar no ecrã não apenas como um objecto material, um produto da tecnologia, mas
também como um objecto social e simbólico, como o foco não apenas de uma série de
práticas de comunicação, mas também como parte da cultura da habitação, privada e
doméstica”. No seu artigo “De la sociología de la televisión a la sociología de la
pantalla: bases para una reflexión global”, Silverstone refere que “a televisão estava a

285
mudar, estava a converter-se no centro do entretenimento doméstico e dos sistemas
de informação” (1992: 1). Num momento caracterizado pela passagem de um sistema
de comunicação em massa para um modelo baseado na comunicação em rede, focado
nas redes de mediação onde coexistem diferentes graus de interactividade, a
audiência enquanto interveniente passivo, na forma como a víamos em grupo, sentada
no sofá, de frente para a televisão, deu lugar a um participante potencial, pronto a
escolher entre uma enorme variedade de conteúdos e suportes de mediação. A
verdade é que, com o crescimento da Internet e da lógica dos sistemas de mediação
multiusos, o ecrã do televisor passou a ser partilhado com outros ecrãs. Assim sendo, a
sociologia do ecrã descrita por Silverstone (1992: 3) como “uma sociologia que teria o
seu contexto de análise na família e na televisão”, passa a ser uma sociologia do ecrã
que, para se fazer útil, deve abordar o avanço e centralidade do ecrã mas nos seus
formatos múltiplos, tal como hoje os conhecemos, baseados no “eu” com escolha de
ser activo, participativo, interactivo e em rede, e já não no suporte universal conferido
ao televisor e à centralidade atribuída à audiência mais passiva, por menores escolhas
permitidas pelo ecrã – basta lembrar que à altura da análise inicial de Silverstone, os
computadores raramente estavam ligados em rede. O predomínio do ecrã com base
quer na prioridade que a inovação tecnológica lhe confere, quer na sua centralidade
na vida do dia-a-dia, produto das escolhas das pessoas e dos processos de mediação,
conduz-nos a uma análise do ecrã como síntese do objecto de estudo da sociologia da
mediação na sua componente de articulação comunicativa em rede de múltiplos
objectos de visionamento.
A importância do ecrã como objecto da análise sociológica deve então ser pensada
numa dupla vertente. Em primeiro lugar (e talvez a razão mais óbvia) surge uma certa
envolvência associada à aposta cada vez maior nas tecnologias centradas no ecrã. Em
segundo lugar, poder-se-á falar de uma certa tendência de ecranização, se assim
podemos dizer, dos processos e ferramentas de mediação, em resultado do
crescimento sustentado do modelo Web e daquilo que é hoje o caminhar da
comunicação nos formatos tradicionais para a comunicação em rede, nos formatos
online e digital. Comecemos então pelo primeiro ponto para dizer que hoje, mais do
que nunca, as tecnologias representam-se e dependem do ecrã para ser adaptadas
não apenas à casa, mas também ao lugar onde nos encontramos fora das horas
passadas no contexto do agregado familiar. Estas tecnologias, dispostas numa
multiplicidade de gadgets (iPads, iPods, telemóveis, GPS...), realçam uma espécie de
cultura baseada nos ecrãs, onde a essência do produto tecnológico assume não apenas
uma função de intermediário na construção dos rituais diários, como também todo um
imperativo de consumo baseado nos lados estético e actual de novas ofertas e
produtos. Algumas inovações decorrentes da introdução do telecomando, do
videogravador, do zapping e da escolha de conteúdos, da diminuição dos preços e
tamanho dos aparelhos, são claros exemplos de mudanças que se situam, em certo
sentido, no paradigma do predomínio do ecrã enquanto ponto de partida não para

286
uma certa “convergência tecnológica” (Silverstone, 1992) entre dispositivos de
comunicação mas sim para uma cultura de convergência (Jenkins, 2006: 2). Uma
cultura de convergência em que diferentes caixas pretas, brancas e cinza, todas
dispondo de ecrãs, se interligam em rede e onde, muitas vezes, são os conteúdos e
não as tecnologias a convergir. Silverstone referia em 1992 que “nunca estivemos
rodeados de tantos ecrãs como actualmente”. Assistimos a uma explosão de ecrãs: dos
ecrãs dos televisores tradicionais, aos ecrãs dos computadores e ecrãs móveis de
telemóveis e leitores de media portáteis. Silverstone fala por isso de ecrãs enquanto
interfaces multi-uso e multi-contexto, mas numa época onde a interligação em rede
entre elas era apenas imaginada e não experimentada e apropriada por milhões de
pessoas no seu dia-a-dia. O nosso objecto de estudo contemporâneo é assim o da
mediação, centrada em ecrãs e articulada entre estes através de redes comuns, onde o
consumidor pode escolher assistir alternada ou sequencialmente aos mesmos
conteúdos, adaptando diferentes suportes tecnológicos, cada vez mais, todos eles,
ancorados no suporte ecrã como uma mesma infra-estrutura comunicacional de
intermediação.
A sociologia da mediação e dos ecrãs centra a sua atenção nos processos de mediação
e na pluralidade dos ecrãs articulados por redes comunicativas, como a Internet, como
elemento central da escolha dos indivíduos e como objecto onde se centram as nossas
aspirações em termos de definição social da tecnologia, instituições, recepção,
consumo e cultura. Os ecrãs dão-nos as rotinas que organizam o nosso quotidiano em
casa, no trabalho e nos espaços e tempos de lazer.
Esta abordagem ao peso que o ecrã assume, nomeadamente na questão da imprensa
escrita, é para nós fundamental, no sentido de melhor compreendermos o peso que os
ecrãs assumem nas nossas vidas e a sua centralidade nos períodos em que queremos
ver televisão, ouvir rádio no carro, escolher uma música no telemóvel, consultar o site
de um jornal na Internet e no telemóvel, ler um livro no Google Books, consultar um
artigo no nosso Kindle, escolher um álbum no iPod, consultar o correio electrónico no
iPad, entre inúmeras outras potencialidades que os dispositivos electrónicos garantem
hoje, com base nas faculdades que o ecrã encerra.
A relação imprensa e novos formatos de consumo, baseados no ecrã, é para nós
crucial, porque é a vertente que melhor ilustra o poder do ecrã nesta dialéctica, uma
vez que, ao contrário da televisão, que sempre tirou partido de um ecrã para potenciar
escolhas e garantir a própria exequibilidade da mensagem, a imprensa escrita é,
historicamente, uma realidade que cresceu fora desse âmbito, uma vez que
encontrava no papel e na impressão a razão para poder existir.
Para começar, importa introduzir alguns dados tirados do inquérito Sociedade em
Rede em Portugal, promovido pelo Observatório da Comunicação, e que ilustram bem
o peso que o ecrã assume na compra de dispositivos electrónicos em Portugal, por
parte dos inquiridos, numa parafernália cada vez maior de escolhas. A tabela seguinte

287
mostra a evolução do número de dispositivos electrónicos numa amostra
representativa da população portuguesa.

Tabela 1: Quais os dispositivos electrónicos de que dispõe?

SR SR2008 (n=1039) SR2010 (n=1255) SR2011 (n=1250) SR2013 (n=1542)


Computador pessoal fixo 44,5% 32,8% 35,2% 36,2%
Computador pessoal portátil 25,7% 43,0% 50,5% 57,5%
Leitor MP3/MP4/IPOD 34,4% 30,1% 29,2% 33,1%
Telemóvel 89,7% 88,7% 88,5% 94,7%
Televisão 99,9% 99,0% 99,9% 98,6%
Televisão com ecrã de plasma/LED/Flat Screen 29,4% 39,1% 59,1%
Tablet 1,5% 11,9%
Leitor ebooks 1,0% 2,0%

Fonte: Inquérito Sociedade em Rede, OberCom

Como podemos observar, o número de inquiridos que dispõem de um computador


pessoal fixo decresceu ao longo dos últimos 5 anos, sendo que este número poderá
estar relacionado com o crescimento do número de inquiridos que dispõem de
computador pessoal portátil. Ou seja, mais do que flutuações neste caso, o que
podemos estar a assistir é à passagem do computador fixo para o computador portátil,
por uma grande percentagem de inquiridos que terão deixado o computador fixo para
passar a apostar no computador portátil, que oferece maior mobilidade. Com efeito,
44,5% dos inquiridos, em 2008, dispunham de computador pessoal fixo, tendo esse
número baixado para 36,2% em 2013. Por contraponto, em 2008, apenas 25,7% dos
inquiridos dispunham de computador pessoal portátil, sendo que esse valor subiu para
57,5% em 2013.
Interessa destacar particularmente o aumento do número de inquiridos que, em 2013,
dispõem de telemóvel, televisão com ecrã de plasma/LED/Flat Screen, tablet e leitor
de ebooks, reforçando a ideia de que, nos dias de hoje, cada vez mais inquiridos
dispõem de uma multiplicidade de dispositivos que permitem tirar partido do ecrã
para leitura de livros, jornais, etc. Esta é a leitura que dá início à análise seguinte que
passa por compreender a forma como a centralidade e relevância dos ecrãs na vida
das pessoas pode ser explicada pela perspectiva da leitura digital, isto é, a forma como
os indivíduos podem estar a utilizar dispositivos digitais para consulta de artigos, livros,
jornais, entre outros, que antes só conseguiam consultar no formato tradicional, em
papel.
A informação que reforça esta análise resulta do projecto A leitura digital –
Transformação do incentivo à leitura e das instituições do livro, fruto do protocolo
estabelecido entre o CIES-IUL e a Fundação Calouste Gulbenkian, e teve como principal
objectivo compreender o fenómeno da leitura digital (consultar notas metodológicas
do inquérito levado a cabo, no capítulo 7).

288
Importa recordar que os dados foram obtidos através de um inquérito online
internacional às práticas de leitura digital, tendo sido validados 5582 questionários,
distribuídos pelos seguintes países visados no estudo:

- Austrália - 389
- Brasil - 361
- Canadá - 468
- China - 454
- França - 420
- Alemanha - 317
- Índia - 235
- Itália- 350
- México - 280
- Portugal - 295
- Rússia - 287
- África do Sul - 141
- Espanha - 343
- Turquia - 299
- Reino Unido - 419
- EUA - 525

Feita a introdução, passemos então à análise de alguns resultados obtidos.

289
Tabela 2: Quando compra uma nova tecnologia com acesso à Internet, dá especial
relevância à capacidade que esta tem de ler livros, textos, revistas, ou jornais?

Não Sim
Alemanha (n=317) 52,5% 47,5%
EUA (n=525) 49,6% 50,4%
França (n=420) 67,0% 33,0%
Itália (n=350) 40,9% 59,1%
Espanha (n=343) 45,4% 54,6%
Reino Unido (n=419) 50,4% 49,6%
México (n=280) 28,4% 71,6%
China (n=454) 13,4% 86,6%
Portugal (n=295) 44,0% 56,0%
Rússia (n=287) 23,7% 76,3%
Turquia (n=299) 28,4% 71,6%
Brasil (n=361) 26,0% 74,0%
Índia (n=235) 9,4% 90,6%
Austrália (n=389) 49,3% 50,7%
Canadá (n=468) 46,3% 53,7%
África do Sul (n=141) 28,0% 72,0%

Começando pela relação directa entre escolha do dispositivo e a possibilidade que o


mesmo oferece na leitura de livros, textos, revistas e jornais, poder-se-á dizer que a
grande maioria de países representados no estudo reforçam a ideia clara de que os
inquiridos têm uma grande apetência por dispositivos centrados no ecrã e pela
possibilidade que estes conferem na leitura e consulta de documentos escritos.
Com efeito, dos 16 países inseridos no estudo, 13 apresentam uma maioria clara de
inquiridos que optam por comprar dispositivos electrónicos em função da capacidade
que estes oferecem na leitura de textos escritos. Apenas a Alemanha, a França e o
Reino Unido (onde não há uma tendência clara de resposta), apresentam resultados
contrários.

290
Tabela 3: Com que frequência utiliza a Internet para ler sites de notícias?
Não sei Nunca Com pouca frequência Mensalmente Semanalmente Diariamente Várias vezes ao di
Alemanha (n=317) 1,0% 5,9% 5,5% 2,6% 21,4% 38,1% 25,6%
EUA (n=525) 0,7% 9,8% 13,4% 4,5% 16,4% 34,0% 21,2%
França (n=420) 0,0% 19,9% 15,6% 5,5% 16,0% 26,9% 16,2%
Itália (n=350) 0,0% 0,9% 2,5% 2,6% 10,3% 40,9% 42,8%
Espanha (n=343) 0,0% 2,3% 4,5% 5,7% 14,4% 39,9% 33,2%
Reino Unido (n=419) 0,5% 11,2% 7,8% 2,6% 17,6% 39,2% 21,1%
México (n=280) 0,0% 2,0% 7,4% 5,8% 16,7% 42,7% 25,3%
China (n=454) 0,4% 1,5% 1,6% 2,3% 7,3% 36,8% 50,2%
Portugal (n=295) 0,0% 0,6% 3,8% 1,0% 14,4% 41,5% 38,7%
Rússia (n=287) 0,7% 0,0% 3,5% 1,7% 16,8% 41,6% 35,7%
Turquia (n=299) 1,4% 1,4% 2,9% 1,6% 7,7% 39,8% 45,2%
Brasil (n=361) 0,7% 0,7% 4,1% 0,8% 5,7% 41,1% 46,8%
Índia (n=235) 0,0% 1,4% 6,2% 0,8% 12,5% 42,6% 36,5%
Austrália (n=389) 0,3% 6,8% 10,8% 2,5% 17,2% 41,9% 20,5%
Canadá (n=468) 0,2% 7,1% 8,5% 4,4% 22,0% 36,5% 21,3%
África do Sul (n=141) 0,0% 3,2% 10,0% 4,2% 19,6% 32,9% 30,2%

Analisando a frequência de consulta de sites de notícias online, podemos constatar


que a grande maioria dos países envolvidos no estudo apresenta uma maioria de
respostas que sugerem que os inquiridos tendem a consultar a Internet para ler sites
de notícias, no mínimo uma vez por dia. A única excepção diz respeito aos resultados
obtidos nos inquéritos realizados em França.

Tabela 4: Costuma utilizar a versão online de um jornal para se informar?


Não sei Nunca Com pouca frequência Mensalmente Semanalmente Diariamente Várias vezes ao dia
Alemanha (n=317) 3,2% 18,6% 22,9% 6,8% 19,5% 22,0% 7,0%
EUA (n=525) 2,2% 26,4% 21,8% 7,0% 13,4% 23,5% 5,7%
França (n=420) 0,5% 14,0% 22,1% 8,1% 16,3% 29,9% 9,0%
Itália (n=350) 0,2% 8,2% 9,3% 5,2% 19,9% 41,2% 16,0%
Espanha (n=343) 1,3% 9,0% 11,4% 9,3% 17,0% 36,9% 15,1%
Reino Unido (n=419) 1,6% 19,7% 17,8% 8,2% 17,4% 28,2% 7,2%
México (n=280) 1,1% 12,4% 7,8% 12,8% 21,3% 33,0% 11,5%
China (n=454) 0,4% 9,4% 15,5% 5,8% 21,8% 33,6% 13,3%
Portugal (n=295) 1,3% 2,1% 11,2% 5,5% 22,5% 36,9% 20,6%
Rússia (n=287) 2,0% 11,7% 21,1% 12,4% 24,4% 22,8% 5,7%
Turquia (n=299) 0,7% 4,2% 4,2% 4,6% 12,0% 49,9% 24,5%
Brasil (n=361) 0,4% 4,6% 14,0% 5,6% 15,8% 40,0% 19,5%
Índia (n=235) 1,2% 2,4% 13,9% 6,0% 17,7% 41,2% 17,6%
Austrália (n=389) 2,3% 18,5% 20,0% 6,7% 13,9% 24,0% 14,7%
Canadá (n=468) 0,4% 16,4% 22,6% 10,4% 18,9% 23,3% 8,1%
África do Sul (n=141) 0,0% 8,3% 20,2% 5,6% 14,6% 40,6% 10,6%

291
Importa reparar também que a grande maioria dos países envolvidos apresenta um
grande número de respostas que apontam para uma considerável frequência de
utilização da Internet para consulta da versão online de um jornal. Em Itália, por
exemplo, 57,2% dos inquiridos que participaram no estudo referem que utilizam a
versão online de um jornal para se informar no mínimo uma vez por dia. Este resultado
é ainda mais significativo na Turquia (74,4%). No pólo contrário, ainda que os
resultados obtidos sejam muito significativos, encontramos a Alemanha (29%), EUA
(29,2%), França (38,9%), Reino Unido (35,4%), Rússia (28,5%) e Canadá (31,4%). Ou
seja, mesmo nos países onde os resultados são menos avassaladores, a ideia é a de
que existe uma grande percentagem de pessoas a consultar sites de jornais no formato
online pelo menos uma vez por dia.

Tabela 5: Costuma utilizar a versão impressa de um jornal para se manter informado?

Não sei Várias vezes ao dia Diariamente Semanalmente Mensalmente Com pouca frequência Nunca
Alemanha (n=317) 3,4% 4,8% 36,1% 22,4% 5,9% 15,6% 11,9%
EUA (n=525) 1,7% 5,2% 19,1% 24,2% 5,6% 18,7% 25,5%
França (n=420) 0,7% 3,5% 20,8% 25,1% 9,9% 24,6% 15,6%
Itália (n=350) 0,8% 8,0% 28,9% 26,8% 10,3% 15,4% 9,8%
Espanha (n=343) 0,7% 6,6% 22,1% 22,9% 7,3% 22,5% 17,9%
Reino Unido (n=419) 1,8% 7,7% 28,2% 20,3% 3,9% 22,8% 15,2%
México (n=280) 1,1% 11,4% 25,1% 26,6% 8,9% 15,7% 11,2%
China (n=454) 0,5% 10,0% 39,4% 20,4% 7,7% 15,7% 6,4%
Portugal (n=295) 0,6% 9,0% 30,0% 27,0% 5,1% 21,7% 6,7%
Rússia (n=287) 2,2% 5,0% 13,7% 24,9% 15,1% 26,2% 13,0%
Turquia (n=299) 0,0% 10,9% 39,9% 27,6% 4,4% 11,8% 5,5%
Brasil (n=361) 0,9% 12,5% 25,3% 19,9% 4,6% 28,1% 8,7%
Índia (n=235) 0,7% 19,9% 63,6% 7,1% 1,3% 5,1% 2,2%
Austrália (n=389) 1,2% 3,2% 27,9% 34,5% 3,8% 18,1% 11,4%
Canadá (n=468) 0,3% 1,9% 21,3% 32,0% 8,2% 19,1% 17,2%
África do Sul 0,4% 7,0% 20,6% 32,9% 11,4% 18,1% 9,5%

Por contraponto, e se nos centrarmos na utilização diária (tabelas 4 e 5), que é aquela
que importa mais destacar, verificamos que podemos estar perante um quadro onde
já há mais inquiridos que dão prioridade à procura de informação online, em sites de
publicações referenciadas, do que inquiridos que ainda preferem o formato impresso
das respectivas publicações, sendo que a tendência será naturalmente para ver crescer
o peso da vertente online (centrada nos ecrãs), nesta relação entre formatos online e
tradicional. Na maioria dos países considerados no estudo, podemos reparar que os
valores obtidos para a consulta online, em termos de frequência diária de utilização, é
superior à obtida para a consulta da versão impressa, como é o caso dos EUA, França,
Itália, Espanha e, de uma certa forma, em todos os restantes países (com excepção da
Índia, China e Reino Unido).

292
Tabela 6: Com que frequência lê jornais no formato papel?

Não sei Nunca, ou quase nunca Menos de uma vez por mês Pelo menos uma vez por mês Diariamen
Alemanha (n=317) 2,5% 13,7% 14,3% 26,5% 43,1%
EUA (n=525) 1,3% 29,7% 19,4% 27,2% 22,3%
França (n=420) 1,7% 24,7% 19,7% 30,0% 23,9%
Itália (n=350) 0,3% 15,8% 20,0% 31,1% 32,8%
Espanha (n=343) 1,5% 28,3% 18,4% 26,5% 25,4%
Reino Unido (n=419) 2,6% 21,7% 17,1% 25,3% 33,3%
México (n=280) 2,3% 21,8% 19,9% 25,0% 31,0%
China (n=454) 0,6% 6,7% 15,9% 34,7% 42,1%
Portugal (n=295) 1,9% 15,4% 19,2% 28,4% 35,1%
Rússia (n=287) 1,1% 23,7% 28,8% 29,9% 16,4%
Turquia (n=299) 3,4% 6,3% 9,5% 31,4% 49,3%
Brasil (n=361) 1,3% 18,9% 16,3% 29,9% 33,7%
Índia (n=235) 1,2% 1,2% 5,5% 11,7% 80,3%
Austrália (n=389) 1,0% 16,0% 14,8% 38,3% 30,0%
Canadá (n=468) 0,7% 19,6% 22,6% 32,2% 24,9%
África do Sul 0,1% 11,0% 22,2% 39,3% 27,3%

Voltando um pouco atrás, e ao peso que o formato impresso de publicações,


nomeadamente os jornais, ainda tem na vida das pessoas, podemos observar que, de
acordo com os países inseridos no estudo, não há uma grande orientação para a
leitura diária de jornais no formato papel. Ao contrário dos inquiridos que utilizam a
Internet para ler sites de notícias, e que na sua grande maioria, de acordo com os
resultados obtidos, tendem a fazê-lo pelo menos uma vez por dia, não há uma grande
percentagem de inquiridos que tenham por hábito ler jornais em formato papel
diariamente. O único país que se destaca desta lógica argumentativa é claramente a
Índia, onde mais de 80% dos inquiridos envolvidos no estudo têm por hábito ler
diariamente jornais no formato papel. Os outros países que, ainda assim, também
apresentam resultados satisfatórios de leitura diária de jornais impressos são a
Alemanha (43,1%), a China (42,1%) e a Turquia (49,3%), sendo que todos os outros
países atingem percentagens inferiores.

293
Tabela 7: A leitura no formato digital irá substituir a leitura no formato impresso num
futuro próximo?
Não sei Discordo fortemente Discordo Não discordo, nem concordo Concordo Concordo fortemente
Alemanha (n=317) 16,7% 18,3% 16,8% 21,0% 18,0% 9,2%
EUA (n=525) 13,0% 9,3% 14,8% 30,8% 20,3% 11,7%
França (n=420) 19,2% 19,4% 19,9% 18,1% 18,0% 5,4%
Itália (n=350) 7,8% 12,9% 13,6% 31,2% 25,2% 9,2%
Espanha (n=343) 7,7% 7,1% 13,3% 31,4% 26,8% 13,7%
Reino Unido (n=419) 14,9% 9,4% 15,4% 28,8% 23,0% 8,5%
México (n=280) 4,5% 8,7% 14,4% 32,1% 28,1% 12,1%
China (n=454) 1,8% 7,6% 21,5% 29,8% 29,2% 10,1%
Portugal (n=295) 5,9% 16,0% 16,4% 28,5% 25,0% 8,2%
Rússia (n=287) 8,5% 13,2% 17,0% 23,5% 31,2% 6,6%
Turquia (n=299) 7,8% 9,0% 15,4% 23,7% 30,4% 13,7%
Brasil (n=361) 7,3% 9,1% 13,8% 29,7% 23,1% 17,0%
Índia (n=235) 4,6% 3,9% 8,0% 21,6% 39,2% 22,6%
Austrália (n=389) 10,8% 12,4% 20,7% 29,2% 19,9% 7,0%
Canadá (n=468) 8,8% 11,0% 14,8% 27,7% 28,4% 9,2%
África do Sul (n=141) 3,0% 5,3% 14,9% 20,9% 41,8% 14,1%

Se atendermos aos resultados evidenciados na tabela 7, facilmente chegamos à


conclusão de que, para uma grande percentagem de inquiridos, nos mais variados
países envolvidos no estudo, há uma opinião muito observada que passa por
considerar que a leitura no formato digital irá substituir a leitura no formato impresso
num futuro próximo. Ora este é basicamente um sintoma do peso dos ecrãs em áreas
que, anteriormente, seriam difíceis de imaginar, e que reforça a ideia de que os ecrãs
vieram e estão para ficar, em grande parte das dimensões da vida das pessoas, seja em
tempos de organização, trabalho, lazer, interacção, etc.
Alemanha, França e Austrália são os únicos países que se caracterizam por níveis de
concordância aquém dos 30%. Todos os outros superam esse valor, sendo que depois
há também uma qualidade muito assinalável de inquiridos que ou não respondem ou
não têm uma opinião formada sobre este assunto. Na mesma exacta medida, os únicos
países que apresentam valores de discordância com a afirmação, superiores aos
valores de concordância, são também a Austrália, a Alemanha e a França.
Importa reparar ainda que até mesmo no inquérito realizado na Índia, e tendo em
conta que este é o país onde mais inquiridos tendem a ler diariamente jornais em
papel, cerca de 62% dos inquiridos acreditam que o formato digital irá definitivamente
impor-se ao formato papel num futuro próximo.
Fazendo um ponto de situação, importa lembrar que, de uma abordagem inicial, que
partiu de uma ideia antiga de sociologia dos ecrãs de Silverstone, decorrente da
observação do papel central da televisão nos processos comunicativos e do início da
presença de outro ecrã nas nossas casas, neste caso o computador, tentámos chegar a
uma análise que permitisse compreender a perspectiva de transversalidade do ecrã

294
nas várias dimensões das nossas vidas. Por outras palavras, tentámos abordar a
evolução de um ecrã que, noutros tempos, era percebido num contexto da análise da
televisão em família, para um ecrã que é hoje o garante dos múltiplos formatos e um
elemento definidor da mediação comunicativa, participando muitas vezes no próprio
processo de alteração e transformação de hábitos e formas de consumo. Depois, numa
segunda fase, optámos por explicar a forma como o crescimento e poder do ecrã
começam a ter um impacto considerável em áreas à partida menos óbvias, como a
imprensa escrita. Para o justificarmos, optámos por tirar partido de um conjunto de
informações que avaliam o percurso de apropriação do ecrã como elemento que é,
cada vez mais, tido também como um suporte e uma plataforma de apoio aos media
mais tradicionais, que anteriormente nada tinham que ver com o ecrã e que existiam
unicamente no formato impresso. Esta foi uma análise feita com o propósito de
demonstrar a importância e a transversalidade do ecrã em todas as áreas de
mediação, revelando que, por exemplo, é tido como profundamente provável a
substituição, num futuro próximo, dos formatos tradicionais (inclusive no caso da
imprensa escrita), pelos formatos digitais, todos eles baseados no ecrã, o que, em
última análise, acaba por surtir efeito na transformação de hábitos de leitura e, por
acréscimo, na transformação do próprio jornalismo. Para suportar ainda mais esta
ideia, interessa focar agora a análise naquilo que pode ser descrito como um sinal dos
tempos, através da interpretação de um conjunto de dados que reforçam a ideia de
que a imprensa escrita, como a conhecemos, no papel e na circulação em bancas, sofre
um progressivo e continuado desgaste em termos de tiragens e circulação. No entanto,
a análise debruçar-se-á também na interpretação da possível, e já falada
anteriormente, migração da consulta e leitura no formato tradicional para o formato
digital, focado no ecrã, segundo o pressuposto de que podemos estar a ler tantos
jornais como no passado, mas tirando partido de suportes e plataformas distintos.
Nesta análise, focada exclusivamente no caso português, a partir da recolha de dados
de audiência facultados pela Marktest e dados de circulação e tiragem reunidos
através dos boletins informativos da APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de
Tiragem e Circulação), tentámos analisar a queda do volume de exemplares em banca,
resultante de uma circulação paga menor, e o aumento, em contraciclo, do volume de
audiências das publicações, num dualismo que sugere então estarem criadas as
condições para começarmos a considerar a dita transformação dos hábitos de leitura e
do jornalismo como uma realidade.
Numa época em que a palavra crise é parte das nossas vidas, nas suas várias
dimensões, ao nível sectorial e ao nível regional, também a imprensa escrita sofre os
efeitos de uma conjuntura global severa. Interessa, por isso, perceber de que forma
têm evoluído a estrutura e a dinâmica do mercado da imprensa escrita em Portugal.
O objectivo geral passa agora por criar novos elementos de leitura daquilo que são, na
essência, dificuldades intrínsecas na geração de valor na imprensa no contexto de uma
transição digital em pleno curso. Embora os principais traços deste processo sejam já

295
familiares aos operadores e analistas do negócio, dentro e fora de Portugal, interessa
compreender os contornos empíricos da situação de mercado no nosso país. Esta
sistematização permitirá informar a estratégia de cada grupo de media e de cada
publicação, nomeadamente no que ao posicionamento diz respeito, ou seja, o
desempenho relativo quanto ao número de tiragens, o volume de circulação impressa
paga, e também o peso que cada publicação e grupo de media têm na população, na
forma de audiências. De um ponto de vista analítico, o que se pretende é estudar três
ordens de grandeza (tiragem, circulação impressa paga, audiência média), por forma a
compreendermos qual é a real situação dos jornais e newsmagazines em termos do
seu posicionamento e peso neste mercado particular, jogando com estes dados na
construção de dois índices específicos. Os índices criados visam perceber duas
questões distintas:

1) a questão do consumo pela procura, que é obtido com base na circulação paga de
cada publicação, por relação com a audiência média associada também a cada título
(Índice de Procura e Consumo de Publicações, IPCP);

2) a questão da eficiência, ou força, que pode ser calculada a partir da circulação


impressa paga, pelo volume de tiragens de cada publicação (Índice de Eficiência de
Publicações, IEPU).

Esta análise reveste-se de particular interesse para o estudo da imprensa em Portugal,


na medida em que pretende ir além da simples descrição que habitualmente é levada
a cabo em anuários estatísticos, onde observações relativas ao volume de exemplares
em tiragem ou em circulação impressa paga, bem como a estimativa e cálculo de
audiências, são feitas sem uma leitura mais exaustiva dos resultados, com eventuais
relações entre si e com o meio e conjuntura característicos. Assim, apesar destes
dados serem conhecidos e estarem disponíveis para muitos especialistas, o nível de
sistematização que lhes é aqui conferido é inovador, bem como o seu tratamento
analítico.

296
Resultados APCT e Marktest relativos a tiragens, circulação impressa paga e
audiências de jornais e newsmagazines, em Portugal

A tabela 8 refere-se às tiragens sumariadas pela APCT, sendo posteriormente


exploradas diferentes visualizações dessa evolução.

Tabela 8: Tiragens
2008 2009 2010 2011 2012
Correio da Manhã 156901 157616 164658 166673 161581
Jornal de Notícias 129850 116435 112774 111316 99557
Diário de Notícias 60420 50882 47384 51375 44744
Público 61924 54151 50190 48399 44279
i 40214 25519 20445 17009
Expresso 148815 140006 134677 130600 114929
Sol 72276 67139 75056 61449 54109
Visão 123577 128276 122285 116494 110725
Sábado 99233 109657 108396 107151 100611
Diário Económico 21972 24333 23243 19392 18595
Jornal de Negócios 16642 18073 16964 17351 16323
Record 115568 113177 113036 105322 97814
O Jogo 57825 50538 49658 48156 42550
Açoriano Oriental 5034 5032 5024 5021 5025
Diário de Notícias da Madeira 15471 14856 14395 13741 12455
Jornal do Fundão 15498 14619 14034 13150 12584
Courrier Internacional 29336 25200 24842 23492 21617
Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e
Circulação)

297
Figura 1: Tiragens
180000
Correio da Manhã

Jornal de Notícias
160000
Diário de Notícias

140000 Púb lico

i
120000 Exp ress o

Sol
100000 Vis ão

Sábado
80000
Diário Económico

Jornal de Negócios
60000
Record

40000 O Jogo

Açoriano Oriental
20000 Diário de Notícias da Madeira

Jornal do Fun dão


0
Cou rrier Intern acional
2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem


e Circulação)

Tabela 9: Tiragens - Evolução anual


2008 2009 2010 2011 2012
Correio da Manhã ↑ ↑ ↑ ↓
Jornal de Notícias ↓ ↓ ↓ ↓
Diário de Notícias ↓ ↓ ↑ ↓
Público ↓ ↓ ↓ ↓
i ↓ ↓ ↓
Expresso ↓ ↓ ↓ ↓
Sol ↓ ↑ ↓ ↓
Visão ↑ ↓ ↓ ↓
Sábado ↑ ↓ ↓ ↓
Diário Económico ↑ ↓ ↓ ↓
Jornal de Negócios ↑ ↓ ↑ ↓
Record ↓ ↓ ↓ ↓
O Jogo ↓ ↓ ↓ ↓
Açoriano Oriental ↓ ↓ ↓ ↑
Diário de Notícias da Madeira ↓ ↓ ↓ ↓
Jornal do Fundão ↓ ↓ ↓ ↓
Courrier Internacional ↓ ↓ ↓ ↓
Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT
(Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

No período em análise registaram-se 11 subidas e 56 descidas em 67 movimentos


possíveis. Ou seja, a probabilidade média de um jornal aumentar a tiragem durante o

298
período como um todo foi de apenas 16,4%. Contudo, em termos cronológicos, essa
probabilidade desceu ao longo do período considerado na análise, como fica patente
na figura seguinte.

Figura 2: Aumento/diminuição no número global de tiragens

100%

80%

60%

40%

20%

0%
2009 2010 2011 2012

Sobem Descem

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT


(Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

Se tivermos em conta as publicações que constam nas tabelas e gráficos acima


apresentados, verificamos que apenas o jornal Correio da Manhã e a revista semanal
Sábado (ambos do grupo Cofina) seguiram uma estratégia de reforço do número
médio de exemplares em banca. Esta tendência é bastante evidente para o caso do
Correio da Manhã, uma vez que o crescimento no número de tiragens registado de
2008 para 2012, anda na ordem dos 3%, tendo este valor registado o seu máximo no
ano de 2011, com um crescimento na ordem dos 6% face ao ano de 2008.
Por contraponto, a grande maioria das publicações registam uma queda muito
acentuada no número médio diário de exemplares impressos ao longo deste período
de 4 anos (2008-2012). O Público, por exemplo, sofre um decréscimo do número de
tiragens na ordem dos 28%. O jornal i, por sua vez, sofre uma diminuição superior a
57% face ao registado para 2009, data de fundação do jornal. Jornal de Notícias e
Diário de Notícias registam também forte queda no número de exemplares impressos,
para o mesmo período compreendido (23% e 26%, respectivamente). O jornal
Expresso, que era líder incontestado das publicações semanais, sofre uma diminuição
do número de tiragens na ordem dos 23%, acompanhado pelo jornal Sol, com uma
queda de cerca de 25%. Também a revista Visão vê o número médio de exemplares
diários diminuir em cerca de 10%.
Para concluir este ponto, importa destacar que uma análise mais profunda das tiragens
das várias publicações analisadas não deve ser feita sem que, primeiro, olhemos
também para o que se passa ao nível da circulação impressa paga, na medida em que é

299
esta última grandeza que, em princípio, define a estratégia do número impresso de
exemplares para cada publicação.

Tabela 10: Circulação impressa paga (soma das assinaturas + vendas + vendas em
bloco)

2008 2009 2010 2011 2012


Correio da Manhã 118353 118399 125417 125342 120330
Jornal de Notícias 101205 89007 84670 85325 72791
Diário de Notícias 39992 32771 29374 34119 27748
Público 42345 37276 34062 33159 27310
i 12828 9467 8211 5510
Expresso 119875 111669 108923 103652 90794
Sol 46759 44373 41970 33089 27982
Visão 100201 100904 101635 96699 87249
Sábado 74194 77715 74846 72425 64833
Diário Económico 13686 14623 15605 14772 13251
Jornal de Negócios 8574 9694 9521 9533 8650
Record 71889 70903 69554 62245 54942
O Jogo 31643 29021 28953 27457 22709
Açoriano Oriental 3944 3749 3492 3398 3026
Diário de Notícias da Madeira 13267 12763 12113 11937 10692
Jornal do Fundão 13160 12378 11751 11039 10357
Courrier Internacional 18766 18077 18706 17296 15773
Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e
Circulação)

300
Figura 3: Circulação impressa paga

140000
Correio da Manhã

Jornal de Notícias
120000
Diário de Notícias

Público
100000 i

Express o

Sol
80000
Vis ão

Sábado
60000 Diário Económico

Jornal de Negócios

Record
40000
O Jogo

Açoriano Oriental
20000 Diário de Notícias da Madeira

Jornal do Fundão

0 Courrier Internacional

2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e


Circulação)

Tabela 11: Circulação impressa paga – Evolução anual


2008 2009 2010 2011 2012
Correio da Manhã ↑ ↑ ↓ ↓
Jornal de Notícias ↓ ↓ ↑ ↓
Diário de Notícias ↓ ↓ ↑ ↓
Público ↓ ↓ ↓ ↓
i ↓ ↓ ↓
Expresso ↓ ↓ ↓ ↓
Sol ↓ ↓ ↓ ↓
Visão ↑ ↑ ↓ ↓
Sábado ↑ ↓ ↓ ↓
Diário Económico ↑ ↑ ↓ ↓
Jornal de Negócios ↑ ↓ ↑ ↓
Record ↓ ↓ ↓ ↓
O Jogo ↓ ↓ ↓ ↓
Açoriano Oriental ↓ ↓ ↓ ↓
Diário de Notícias da Madeira ↓ ↓ ↓ ↓
Jornal do Fundão ↓ ↓ ↓ ↓
Courrier Internacional ↓ ↑ ↓ ↓
Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT
(Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

Os dados da circulação paga mostram que, ao todo, durante estes últimos anos,
verificaram-se 12 subidas e 55 descidas em 67 movimentos possíveis, ou seja, apenas
17,9% dos movimentos possíveis correspondem a aumentos do número de exemplares

301
pagos, em circulação. Contudo, a queda ao longo do tempo foi mais abrupta do que
nos dados de tiragem. No último ano disponível nenhum título conseguiu aumentar as
vendas.

Figura 4: Aumento/diminuição no número global referente à circulação impressa


paga
100%

80%

60%

40%

20%

0%
2009 2010 2011 2012

Sobem Descem

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Boletim Informativo APCT


(Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

Como vimos anteriormente, os dados registados pela APCT apontam para uma clara
tendência de diminuição do número médio de tiragens, pela grande maioria das
publicações, com excepção para as duas publicações fortes da Cofina (Sábado e
Correio da Manhã). A principal explicação para esta tendência poderá estar associada à
também diminuição do número médio de exemplares impressos em circulação, que
são pagos, uma vez que a grande maioria das publicações analisadas registam uma
forte e progressiva queda ao longo dos anos, com excepção para o jornal Correio da
Manhã, cuja circulação impressa paga regista uma subida de cerca de 1%, de 2008
para 2012. As quedas deste grande número de publicações variam consideravelmente,
com o Público a registar uma queda de 36% face a 2008; o jornal i a registar uma
queda na circulação paga em cerca de 57%, desde a sua fundação; o jornal Expresso a
ficar-se pelos 24% de queda, superado pelos valores obtidos pelo também semanário
Sol, onde se observa uma queda de 40%. O Diário de Notícias, por outro lado, fica-se
por uma queda na ordem dos 31%.
Ora, analisando os resultados obtidos para as tiragens, podemos então dizer que a
diminuição do número de exemplares impressos por cada publicação é então
acompanhada e suportada, por assim dizer, pela também queda do número médio de
exemplares impressos pagos, o que se traduz numa estratégia generalizada, por parte
das empresas, em diminuir a quantidade de exemplares em circulação, num ajuste que
visa equilibrar o menor número de exemplares vendidos. Por outras palavras, se o

302
panorama actual indica menos exemplares vendidos, então importa reduzir também o
número de exemplares em circulação para equilibrar os custos de produção.

Tabela 12: Audiência média (%)


2008 2009 2010 2011 2012
Correio da Manhã 11,4% 12,4% 13,2% 14,2% 14,0%
Jornal de Notícias 11,0% 12,1% 11,6% 11,4% 11,7%
Diário de Notícias 3,6% 4,1% 3,7% 4,1% 4,2%
Público 4,4% 4,5% 4,4% 5,1% 5,1%
i 1,2% 1,3% 1,6%
Expresso 8,1% 7,7% 7,6% 7,4% 7,2%
Sol 2,6% 3,0% 3,2% 2,5% 2,3%
Visão 7,5% 7,3% 6,9% 6,7% 6,7%
Sábado 3,7% 4,0% 4,1% 4,2% 4,1%
Diário Económico 2,1% 2,6% 2,4% 2,7% 3,1%
Jornal de Negócios 1,7% 2,0% 2,0% 2,5% 2,7%
Record 8,4% 10,1% 10,0% 10,3% 10,4%
O Jogo 5,4% 6,3% 6,7% 6,5% 6,6%
Courrier Internacional 1,2% 1,0% 1,0% 1,0% 0,9%
Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest

Figura 5: Audiência média (%)


16%
Correio da Manhã
14% Jornal de Notícias

Diário de Notícias
12%
Público

i
10%
Express o

8% Sol

Vis ão
6% Sábado

Diário Económico
4%
Jornal de Negócios

2% Record

O Jogo

0% Courrier Internacional
2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest

Outra grandeza que assume especial importância nesta análise está relacionada com a
questão das audiências. É através dos valores de audiência calculados pela Marktest
que poderemos, de seguida, procurar uma explicação para a relação entre a audiência
média e a circulação impressa paga, isto é, o Índice de Procura e Consumo de
Publicações (IPCP).

303
O que importa aqui destacar em primeira instância é que os dados da Marktest, em
especial aqueles que se reportam ao Anuário de Media e Publicidade, são obtidos com
base nos dados definitivos do Recenseamento Geral da População (Censos) do INE de
2001. “Com base nestes dados, o universo de indivíduos residentes em Portugal
Continental com 15 e mais anos, está quantificado em 8 311 409 indivíduos”
(Marktest, Anuário Estatístico de 2012).
Ora, tendo nós acesso, a partir do relatório Marktest, às audiências calculadas em
percentagem, aquilo que fizemos foi transpor os resultados do Anuário de Media e
Publicidade para milhares de indivíduos, a partir do universo quantificado em 8 311
409 indivíduos, obtendo então, ainda que de forma exploratória, dados numa
grandeza que nos permita depois comparar directamente com os resultados da APCT
para a circulação impressa paga.
De referir ainda que desta análise das audiências, e ao contrário do que será depois
utilizado no cálculo do Índice de Eficiência das Publicações (IEPU), não farão parte os
dados para as publicações regionais afectas aos grupos de Media que queremos
analisar, uma vez que estes dados não estão disponíveis no relatório Marktest na
forma de audiências médias.

Tabela 13: Audiência média (milhares)

2008 2009 2010 2011 2012


Correio da Manhã 947500 1030614 1097105 1180220 1163597
Jornal de Notícias 914254 1005680 964123 947500 972434
Diário de Notícias 299210 340767 307522 340767 349079
Público 365701 374013 365701 423881 423881
i 99736 108048 132982
Expresso 673224 639978 631667 615044 598421
Sol 216096 249342 265965 207785 191162
Visão 623355 606732 573487 556864 556864
Sábado 307522 332456 340767 349079 340767
Diário Económico 174539 216096 199473 224408 257653
Jornal de Negócios 141293 166228 166228 207785 224408
Record 698158 839452 831140 856075 864386
O Jogo 448816 523618 556864 540241 548552
Courrier Internacional 99736 83114 83114 83114 74802
Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest

304
Figura 6: Audiência média (milhares)
1400000
Correio da Manhã

1200000 Jornal de Notícias

Diário de Notícias

1000000 Público

800000 Express o

Sol

600000 Vis ão

Sábado

400000 Diário Económico

Jornal de Negócios

200000 Record

O Jogo

0 Courrier Internacional

2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest

Tabela 14: Audiência média – Evolução anual


2008 2009 2010 2011 2012
Correio da Manhã ↑ ↑ ↑ ↓
Jornal de Notícias ↑ ↓ ↓ ↑
Diário de Notícias ↑ ↓ ↑ ↑
Público ↑ ↓ ↑ igual a 2011

i ↑ ↑
Expresso ↓ ↓ ↓ ↓
Sol ↑ ↑ ↓ ↓
Visão ↓ ↓ ↓ igual a 2011
Sábado ↑ ↑ ↑ igual a 2010

Diário Económico ↑ ↓ ↑ ↑
Jornal de Negócios ↑ igual a 2009 ↑ ↑
Record ↑ ↓ ↑ ↑
O Jogo ↑ ↑ ↓ ↑
Courrier Internacional ↓ igual a 2009 igual a 2010 ↓
Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Anuário de Media e
Publicidade Marktest

Os dados relativos às audiências estimadas demonstram que, qualquer que seja o ano
na análise, as audiências médias tendem a crescer no conjunto das publicações
analisadas. A única excepção ocorre no ano de 2010, ano esse que regista 7 descidas e
4 subidas face a 2009. Em todo o caso, em 54 observações possíveis, 29 registam
subidas e 19 registam descidas.

305
Figura 6: Aumento/diminuição no número global de audiências médias

100%

80%

60%

40%

20%

0%
2009 2010 2011 2012

Descem Sobem Mantêm-se

Fonte: Elaboração própria a partir de dados recolhidos do Anuário de Media e


Publicidade Marktest

Feitos os cálculos das audiências médias, para milhares, segundo os parâmetros


Marktest, observamos que a tendência geral dos dados poderá levar-nos a argumentar
que as audiências médias dos jornais analisados têm vindo a aumentar com o tempo,
principalmente depois do ano 2010.
O Correio da Manhã, jornal que tem vindo a registar um aumento do número de
tiragens e circulação impressa paga, regista um crescimento de audiência média na
ordem dos 22,8%, face a 2008. Ainda assim, mesmo as publicações que nos gráficos
anteriores mostraram uma tendência de queda no número de tiragens e circulação
paga, tendem a ver as audiências médias associadas crescer, o que poderá apontar
para formas alternativas de consulta destas publicações, em moldes que não passem
pela compra do exemplar impresso. Até mesmo o jornal i, que tem registado as
maiores quedas desde a sua fundação (2009), apresenta uma perspectiva mais
favorável quando analisado o valor da audiência média.
Aqui, a maior excepção vai para as publicações de carácter semanal, publicações essas
que registam uma queda desde 2008. Apenas a revista Sábado teve um crescimento
assinalável, na ordem dos 11% face a 2008. Os resultados obtidos para as publicações
semanais podem dever-se a uma questão meramente de calendário, ou seja, algo que
tenha a ver com a menor frequência de publicação, face aos jornais diários, causando
assim rotinas de utilização e consumo aquém das promovidas pelos jornais diários,
sempre presentes. Por outras palavras, podemos estar a falar de um tipo de publicação
mais de nicho, onde a procura e o consumo poderão aproximar-se mais em resultados
absolutos do que nas publicações diárias, isto é, uma maior probabilidade de que o
leitor de uma publicação semanal acabe por comprar um exemplar impresso semanal.

306
O Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP) procura analisar a relação estabelecida entre a audiência absoluta em milhares (i.e.
quantos lêem) e a circulação impressa paga (i.e soma das assinaturas + vendas + vendas em bloco).
O objectivo é assim estabelecer o tipo de relação entre o que é lido e o peso de cada publicação no mercado de títulos com circulação
impressa.

Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP):


AM/CIP= Audiência média (Marktest)/Circulação impressa paga (APCT) = Procura/Consumo

a) Tabela 15: Resultados gerais

2008 2009 2010 2011 2012

Audiência absolut a Circulação Impressa Paga Audiência absolut a Circulação Imprensa Paga Audiência absolut a Circulação Imprensa Paga Audiência absolut a Circulação Imprensa Paga Audiência absolut a Circulação Imprensa Paga

Correio da M anhã 947500 118353 1030614 118399 1097105 125417 1180220 125342 1163597 120330

Jornal de Not í cias 914254 101205 1005680 89007 964123 84670 947500 85325 972434 72791

Diário de Not í cias 299210 39992 340767 32771 307522 29374 340767 34119 349079 27748

Público 365701 42345 374013 37276 365701 34062 423881 33159 423881 27310

i 12828 99736 9467 108048 8211 132982 5510

Expresso 673224 119875 639978 111669 631667 108923 615044 103652 598421 90794

Sol 216096 46759 249342 44373 265965 41970 207785 33089 191162 27982

Visão 623355 100201 606732 100904 573487 101635 556864 96699 556864 87249

Sábado 307522 74194 332456 77715 340767 74846 349079 72425 340767 64833

Diário Económico 174539 13686 216096 14623 199473 15605 224408 14772 257653 13251

Jornal de Negócios 141293 8574 166228 9694 166228 9521 207785 9533 224408 8650

Record 698158 71889 839452 70903 831140 69554 856075 62245 864386 54942

O Jogo 448816 31643 523618 29021 556864 28953 540241 27457 548552 22709

Courrier Int ernacional 99736 18766 83114 18077 83114 18706 83114 17296 74802 15773

307
Para facilitar o cálculo do índice procura pelo consumo, importa dispor todos os resultados obtidos, já com o cálculo das audiências médias da
Marktest calculadas para milhares de indivíduos, segundo a lógica atrás referida que toma como base os dados definitivos do Recenseamento
Geral da População (Censos) do INE de 2001.

b) Tabela 16: Rácio de procura e consumo de publicações (IPCP)


2008 2009 2010 2011 2012

Correio da M anhã 8,0 8,7 8,7 9,4 9,7

Jornal de Not í cias 9,0 11,3 11,4 11,1 13,3

Diário de Not í cias 7,5 10,4 10,4 10,0 12,6

Público 8,6 10,0 10,7 12,8 15,5

i 10,5 13,2 24,1

Expresso 6,7 5,7 5,8 5,9 6,5

Sol 4,6 5,6 6,3 6,3 6,8

Visão 6,2 6,0 5,6 5,8 6,4

Sábado 4,1 4,3 4,6 4,8 5,2

Diário Económico 12,7 14,8 12,8 15,2 19,4

Jornal de Negócios 16,5 17,1 17,4 21,8 26,0

Record 9,7 11,8 11,9 13,8 15,7

O Jogo 14,2 18,0 19,2 19,7 24,2

Courrier Int ernacional 5,3 4,6 4,4 4,8 4,7

Nota: Quanto maior o valor do rácio, maior o número estimado/esperado de leituras/consultas por exemplar impresso pago

Os resultados calculados mostram que cada exemplar impresso pressupõe a existência de vários leitores. Cada publicação do Correio da
Manhã, por exemplo, jornal que tem registado um aumento do número de tiragens em função de um aumento de exemplares pagos, tenderá a
ser lida por mais de 9 pessoas por cada exemplar, em 2012, numa relação obtida através do cálculo médio de audiências, pela Marktest, que
nos dá uma perspectiva da procura de cada publicação, por parte da população.

308
Importa reparar também que aqueles jornais que têm evidenciado maior queda (desde 2008) do número de exemplares pagos e
consequentemente do número de tiragens, são também as publicações que registam maior valor de procura pelo consumo, ou seja, mais
leituras por parte da população, por cada exemplar impresso pago. Isto poderá significar que, apesar da circulação destes jornais ter
enfraquecido, o seu peso e impacto na população, sob a forma de procura, poderão manter-se mais ou menos idênticos. Este constitui um
indicador de elevada importância para a obtenção de receitas de publicidade, visto que, para quem anuncia, o fundamental é a visibilidade
atingida pelo meio.
De reparar também que as publicações de periodicidade semanal são aquelas que registam menor valor na relação procura/consumo,
exactamente pelas razões atrás evidenciadas que podem ficar a dever-se a uma questão meramente de calendário, ou algo que tenha a ver
com a menor frequência de publicação, face aos jornais diários, levando a menores rotinas de utilização e consumo entre todos aqueles que
não são habituais consumidores deste tipo de publicações.
De referir ainda que os jornais económicos apresentam valores também grandes de procura pelo consumo, facto que pode ser muitas vezes
explicado pela distribuição gratuita que é feita, por exemplo, em escolas e faculdades. O Jornal de Negócios surge mesmo como a publicação
que apresenta o maior valor, com cerca de 26 consultas perspectivadas para cada exemplar impresso pago, superando ligeiramente os valores
obtidos para o jornal i (24,1) e o jornal O Jogo (24,2).

309
Índice de Eficiência de Publicação (IEPU):
CIP/T= Circulação impressa paga (APCT)/Tiragem (APCT)

a) Tabela 17: Resultados gerais


2008 2009 2010 2011 2012

Circulação Impressa Paga Tiragem Circulação Impressa Paga Tiragem Circulação Impressa Paga Tiragem Circulação Impressa Paga Tiragem Circulação Impressa Paga Tiragem

Correio da M anhã 118353 156901 118399 157616 125417 164658 125342 166673 120330 161581

Jornal de Not í cias 101205 129850 89007 116435 84670 112774 85325 111316 72791 99557

Diário de Not í cias 39992 60420 32771 50882 29374 47384 34119 51375 27748 44744

Público 42345 61924 37276 54151 34062 50190 33159 48399 27310 44279

i 12828 40214 9467 25519 8211 20445 5510 17009

Expresso 119875 148815 111669 140006 108923 134677 103652 130600 90794 114929

Sol 46759 72276 44373 67139 41970 75056 33089 61449 27982 54109

Visão 100201 123577 100904 128276 101635 122285 96699 116494 87249 110725

Sábado 74194 99233 77715 109657 74846 108396 72425 107151 64833 100611

Diário Económico 13686 21972 14623 24333 15605 23243 14772 19392 13251 18595

Jornal de Negócios 8574 16642 9694 18073 9521 16964 9533 17351 8650 16323

Record 71889 115568 70903 113177 69554 113036 62245 105322 54942 97814

O Jogo 31643 57825 29021 50538 28953 49658 27457 48156 22709 42550

Açoriano Orient al 3944 5034 3749 5032 3492 5024 3398 5021 3026 5025

Diário de Not í cias da M adeira 13267 15471 12763 14856 12113 14395 11937 13741 10692 12455

Jornal do Fundão 13160 15498 12378 14619 11751 14034 11039 13150 10357 12584

Courrier Int ernacional 18766 29336 18077 25200 18706 24842 17296 23492 15773 21617

Para o cálculo do índice de eficiência voltamos a utilizar também os valores afectos às publicações regionais, valores esses divulgados pela
APCT.

a) Tabela 18: Rácio de Eficiência de Publicação (IEPU)

310
2008 2009 2010 2011 2012
Correio da Manhã 0,75 0,75 0,76 0,75 0,74
Jornal de Notícias 0,78 0,76 0,75 0,77 0,73
Diário de Notícias 0,66 0,64 0,61 0,66 0,62
Público 0,68 0,69 0,68 0,69 0,61
i 0,31 0,37 0,4 0,32
Expresso 0,81 0,8 0,81 0,79 0,79
Sol 0,65 0,66 0,56 0,54 0,52
Visão 0,81 0,79 0,83 0,83 0,79
Sábado 0,75 0,71 0,69 0,66 0,64
Diário Económico 0,62 0,6 0,67 0,76 0,71
Jornal de Negócios 0,51 0,54 0,56 0,55 0,53
Record 0,62 0,63 0,61 0,59 0,56
O Jogo 0,55 0,57 0,58 0,57 0,53
Açoriano Oriental 0,78 0,75 0,70 0,68 0,60
Diário de Notícias da Madeira 0,86 0,86 0,84 0,87 0,86
Jornal do Fundão 0,85 0,85 0,84 0,84 0,82
Courrier Internacional 0,64 0,72 0,75 0,74 0,73

Nota: Quanto maior a taxa de eficiência, menor o excedente que resulta do número de exemplares impressos face ao número de exemplares
em circulação que são pagos

Em primeiro lugar, importa questionar o que significa este índice de eficiência. Este índice de eficiência é um cálculo que visa perceber o
excedente que possa existir, para as várias publicações, entre o volume de material impresso e aquele que consegue entrar na cadeia efectiva
de consumo, isto é, ser vendido. Este é o índice que nos permite perceber basicamente se a quantidade em circulação corresponde à procura
(e aqui procura significa compra) por parte da população.
Os dados mostram-nos que este ajuste (falar de um índice de eficiência/força não é mais do que falar de um ajuste entre tiragem e circulação
paga) é mais conseguido numas publicações do que noutras, sendo possível, até por razões que desconhecemos, que algum grau de eficiência

311
menor seja premeditado e estrategicamente controlado. Em todo o caso, e tendo em conta o decréscimo do número de tiragens em
consequência de uma queda do número médio de exemplares em circulação pagos, importa perceber se essa queda de vendas é
salvaguardada e controlada por um volume de tiragens também menor. À primeira vista, os resultados parecem apontar nesse sentido, uma
vez que o rácio calculado para os vários anos, mesmo tendo em conta o decréscimo duplo que já mencionámos recorrentemente (tiragens e
circulação impressa paga) mantém-se mais ou menos constante, para as várias publicações, ao longo dos anos, o que significa que um menor
número de vendas do ano anterior leva ao ajuste no número de exemplares em circulação no ano subsequente.
Em todo o caso, mesmo que esse ajuste esteja a ser feito todos os anos, pelas várias publicações, algumas continuam a apresentar valores que
permitem perceber que o número de exemplares em circulação que são pagos se aproxima menos do número total de exemplares impressos
em tiragem. Um caso muito elucidativo é o que se passa com o jornal i. Este jornal, fundado em 2009, sofre anualmente uma queda muito
assinalável no número médio de exemplares em circulação pagos. No ano seguinte, como podemos comprovar nos resultados gerais, o volume
de tiragem diminui consideravelmente, sendo que mesmo assim a taxa de eficiência do ano seguinte não melhora, o que significa que o ajuste
feito não consegue prever com exactidão o que se passa no ano subsequente. Mesmo com uma redução brutal do volume de tiragens, em
função da queda do número de exemplares vendidos, a taxa de eficiência calculada para este jornal não chega aos 35%, tendo atingido o seu
máximo no ano de 2011, com 40% (apenas 4 jornais vendidos em cada 10 que são impressos).
Acima de 70% de eficiência (7 jornais vendidos em cada 10 exemplares impressos), apenas aparecem o Correio da Manhã, o Jornal de Notícias,
os títulos da Impresa (Expresso, Visão e Courrier Internacional), o Diário Económico e os regionais Diário de Notícias da Madeira e Jornal do
Fundão, ambos da Controlinveste. Como já vimos também, o jornal i tem os piores resultados, sendo seguido pelas publicações Sol, Jornal de
Negócios e os desportivos Record e O Jogo. Numa posição intermédia (com cerca de 6 jornais vendidos por cada 10 impressos) aparecem os
jornais Público e Diário de Notícias.

312
Índice de Procura e Consumo e Índice de Eficiência de Publicação, segundo o total de publicações analisadas

Para terminar a análise, interessa observar os totais das publicações agregadas, para percebermos, de uma forma mais geral, aquilo que se
passa no sector no que à estratégia de circulação e tiragens diz respeito.

Figura 7: Tiragens totais


1150000
1130204
1130342
1100000 1102135

1059527
1050000

1000000
974507
950000

900000

850000
2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

313
Analisando os valores obtidos, podemos concluir que estamos em presença de uma queda progressiva do número médio total de tiragens
resultante do número total de publicações agregadas. Com efeito, em 2008, contam-se 1130304 de tiragens médias diárias, sendo que este
valor sofre uma diminuição muito assinalável em 2012 (cerca de 13,8% face a 2008).

Figura 8: Circulação impressa paga total

900000
817853 796150
800000 749698
700000 780059
663947
600000
500000
400000
300000
200000
100000
0
2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Boletim Informativo APCT (Associação Portuguesa para o Controlo de Tiragem e Circulação)

O decréscimo do número médio de tiragens resultante da agregação do total de publicações analisadas pode, como já vimos antes, ficar a
dever-se ao ajuste que obrigatoriamente cada publicação fará para fazer face ao decréscimo do número de exemplares impressos pagos em
anos anteriores. Como podemos observar, o total da circulação impressa paga sofre uma diminuição progressiva desde 2008, acentuando a
queda na passagem do ano 2011 para o ano 2012. Com efeito, e se compararmos os resultados obtidos em 2008 e 2012, verificamos que a

314
redução do número médio de exemplares impressos pagos, em circulação, se situa na ordem dos 19%. Quer isto dizer que, em valores
aproximados, por cada 5 exemplares impressos pagos em 2008, temos 4 exemplares impressos pagos em 2012, isto é, menos um exemplar por
cada cinco obtidos para 2008.

Figura 9: Audiência média (milhares) total

6800000
6640811 6698988
6600000
6408090
6400000
6399778
6200000

6000000
5909404
5800000

5600000

5400000
2008 2009 2010 2011 2012

Fonte: Anuário de Media e Publicidade Marktest

Contrariamente à queda registada para o número médio de tiragens e circulação impressa paga, os dados Marktest para audiências permitem-
nos estimar que o volume médio de audiências está em contraciclo e a crescer, registando apenas uma diminuição mínima na passagem do ano
2009 para o ano 2010.

315
Em números absolutos, podemos concluir que a audiência média em milhares estimada para 2012 cresce cerca de 13,4% face a 2008.

Índice de Procura e Consumo de Publicações (IPCP) – total:


AM/CIP= Audiência média (Marktest)/Circulação impressa paga (APCT)= Procura/Consumo
a) Tabela 19: Resultado global
2008 2009 2010 2011 2012
Audiência Média (milhares) 5909404 6408090 6399778 6640811 6698988
Circulação Impressa Paga 817853 796150 780059 749698 663947

Figura 10: Rácio Procura e Consumo de Publicações (IPCP) – total:

10,1
8,9
8,2
8,0
7,2

2008 2009 2010 2011 2012

Nota: Quanto maior o valor do rácio, maior o número estimado/esperado de leituras/consultas por exemplar impresso pago

Em resultado do aumento estimado para o volume de audiências médias em milhares e da diminuição do número médio de exemplares em
circulação que são pagos, observamos um aumento dos valores obtidos para a relação entre estas duas grandezas, significando esta tendência

316
que, em termos gerais e para a totalidade das publicações analisadas, temos hoje mais leituras/consultas por cada exemplar impresso vendido
(aumento de 40% face a 2008).

Índice de Eficiência de Publicação (IEPU) - total:


CIP/T= Circulação impressa paga (APCT)/Tiragem (APCT)
a) Tabela 20: Resultado global
2008 2009 2010 2011 2012
Tiragens 1130342 1130204 1102135 1059527 974507
Circulação Impressa Paga 817853 796150 780059 749698 663947

Figura 11: Rácio Eficiência de Publicação (IEPU) - total:

72,4

70,8 70,8
70,4

68,1

2008 2009 2010 2011 2012

Nota: Quanto maior a taxa de eficiência, menor o excedente que resulta do número de exemplares impressos face ao número de exemplares
em circulação que são pagos

317
No que respeita à taxa de eficiência/força, podemos observar que a mesma assume dois momentos de forte queda, um primeiro que acontece
mais ou menos numa fase que coincide com o início da crise e um segundo período, ainda mais acentuado, que acontece na passagem do ano
2011 para o ano 2012.
Significa isto, portanto, que é nestes dois períodos que o ajuste feito pelos grupos de Media ao número de tiragens para anos subsequentes
(como resultado do número obtido para a circulação impressa paga em anos anteriores) não consegue prever com maior precisão o
comportamento do mercado, sendo que estamos a falar de dois momentos de imensa volatilidade, um primeiro associado ao início da crise
que vivemos hoje e um segundo associado ao início do programa de ajustamento e reforço das medidas de austeridade. Podemos até estar a
falar de duas relações espúrias, mas o que é facto é que são dois momentos que poderão ter tido influência no ecossistema da oferta e
consumo de publicações impressas em Portugal, na medida em que, em última análise, têm também influência na racionalização dos recursos
pelas pessoas e na maior ou menor disponibilidade que estas assumem em consumir jornais e revistas, entre outras coisas.

318
Não há forma de podermos garantir que determinado valor de índice é melhor ou pior,
até porque dependerá da análise e lógica que cada um queira atribuir. No entanto,
podemos facilmente concluir que há leituras e resultados mais positivos do que outros.
Desde logo, temos o caso do Correio da Manhã, que é nitidamente aquele que
apresenta resultados mais sólidos no sentido positivo do termo, uma vez que não só
apresenta, face a 2008, um aumento do número médio de exemplares impressos
pagos e do número de tiragens, como apresenta igualmente um aumento estimado
para as audiências, que acaba mesmo por superar o aumento do volume de
exemplares pagos, o que significa que não só o número de exemplares vendidos tem
crescido face a 2008, como esse crescimento é depois reforçado por uma procura
também maior ao longo dos anos, ainda que este rácio procura pelo consumo seja
menor do que noutras publicações que apresentam queda do número de tiragens e
jornais vendidos. Por outras palavras, estamos perante um caso em que existe um
aumento do consumo pago propriamente dito, acompanhado por um aumento da
procura global (consumo efectivamente pago + procura alternativa que não envolva
pagamento por utilização). A somar a tudo isto, estamos a falar de uma publicação
cujo aumento do número de tiragens consegue prever com uma precisão considerável
o aumento do volume de exemplares pagos para o ano referente, traduzindo-se em
taxas de eficiência não só constantes, como bem superiores a 70% (mais de 7
exemplares vendidos por cada 10 que são impressos).
Dois outros casos singulares na análise são também o jornal i e o jornal Sol. No
primeiro caso, a análise da componente económica propriamente dita aponta para
uma perspectiva muito pouco favorável, na medida em que o jornal i, desde a sua
fundação em 2009, tem sofrido quedas progressivas no número de exemplares pagos
e, consequentemente, no número de tiragens definidas para cada ano. No entanto,
esta tendência de queda dos valores associados à impressão da publicação acaba por
ser contrária à perspectiva de aumento dos valores de audiência, o que significa que
menos pessoas estão a adquirir o jornal, mas mais pessoas estão a consultá-lo por vias
alternativas. Dizendo de outra forma, estamos em presença de uma publicação cuja
diminuição do número de tiragens e circulação impressa paga não equivale
exactamente ao impacto que esta publicação assume no mercado, uma vez que o
elevado rácio obtido para a procura pelo consumo deixa adivinhar que há cada vez
mais pessoas que, de alguma forma, consultam este jornal.
Depois temos o jornal Sol, que, quanto a nós, apresenta os resultados mais negativos
numa perspectiva de potencial da publicação. Isto porquê? Em primeiro lugar porque,
tal como a grande maioria das publicações, apresenta uma queda considerável no
número de exemplares impressos pagos e tiragens ao longo dos anos. Em segundo
lugar, porque essa queda verificada nas tiragens e circulação paga é acompanhada por
um rácio menor de procura pelo consumo, o que significa que, para além de haver
menos exemplares em circulação que são pagos, a relação entre o número de

319
consultas por exemplar pago é também menor, estando aqui a principal diferença
obtida para o jornal i.
Em última análise, se quisermos apontar o caminho para um ponto ideal no potencial
das publicações, podemos adiantar que esse caminho será tão mais efectivo quanto
mais o rácio procura pelo consumo tender para 1 e seja o resultado do aumento
progressivo da circulação

320
impressa paga, acompanhada do respectivo aumento das audiências médias, sem
esquecer, obviamente, a lógica da taxa de eficiência a aproximar-se dos 100%.
Por outras palavras, se o número de exemplares pagos e o número de tiragens tender
para mais infinito, significa que crescem. Se o número de exemplares pagos tende para
mais infinito e o volume de audiências acompanha esse crescimento na mesma exacta
medida, então tendemos para um rácio procura pelo consumo igual a 1. Se, para além
disto, não houver excedente entre o número de tiragens e o número de exemplares
vendidos (taxa de eficiência a tender para 100%), então significa que atingimos
também o ponto pleno de força no mercado.

Notas conclusivas

Começámos este capítulo pela base, isto é, pela assunção de que o ecrã é hoje o
garante e o conceito máximo por detrás dos processos de mediação, tendo o mesmo
um efeito ao nível de alterações nas práticas de leitura, onde o consumo e procura de
jornais e notícias surge como um dos casos mais evidentes, até por estar
historicamente associado a outros suportes, como o papel. Depois, e para
corroborarmos o verdadeiro peso que o ecrã assume em todo este processo, como se
de um interlocutor se tratasse, observámos que utilizadores de Internet tendem hoje a
optar por dispositivos electrónicos que permitam ler artigos, livros, jornais e outros
conteúdos escritos. Aqueles e aquelas que mais seguem este critério de escolha de
dispositivos electrónicos, mediante a possibilidade que estes oferecem na leitura de
conteúdos escritos, são os mesmos que mais tendem a consultar notícias online.
Os resultados mostraram ainda que, entre os utilizadores de Internet (característica
base na escolha dos nossos inquiridos), há uma tendência muito clara de consulta de
notícias online e de jornais nesse formato, com uma frequência diária. Esta frequência
de utilização e consumo de jornais e notícias online é já consideravelmente superior à
obtida para a consulta de notícias e jornais no formato tradicional. Depois, é-nos
transmitida a ideia de que uma grande percentagem de inquiridos (no mesmo estudo
sobre a leitura digital) consideram que a leitura no formato digital irá substituir a
leitura no formato impresso num futuro próximo.
Por último, e já depois de considerado o pressuposto de que a migração para o digital
é um facto que vem ganhando peso também nos formatos tradicionais associados à
imprensa, optámos por demonstrar que, de facto, o suporte tradicional vem perdendo
o seu peso nas bancas, reflectido em menores tiragens e numa circulação impressa
paga também menor. Vimos que estamos perante um quadro de queda do número
médio de tiragens e circulação impressa paga, sendo que a queda ao nível do número
de exemplares pagos vendidos se superioriza ao chamado ajuste, pelos grupos de
media, do volume de tiragens. Ora, isto reflecte-se em taxas de eficiência menores ao
longo dos anos, o que significa que o excedente que resulta do número de exemplares
impressos pelo número de exemplares vendidos é cada vez maior.
Por outro lado, o facto do número médio de exemplares impressos pagos diminuir
(circulação impressa paga) e de se estimar que as audiências médias em milhares
possam estar a aumentar, leva-nos a pensar que o valor que resulta da relação entre a
procura e o consumo é cada vez maior, ou seja, o número de consultas/leituras por
cada exemplar impresso pago tem vindo a aumentar.
Dito de outra forma, estas notas levam-nos então a uma hipótese explicativa daquilo
que analisámos. Com efeito, foi possível concluir que as audiências médias globais
estão a aumentar, sobrepondo-se à diminuição da circulação impressa paga e tiragens,
o que pode levar-nos a pensar que as pessoas possam estar a ler tantos jornais como
no

passado, mas recorrendo a estratégias diferentes, contribuindo para uma diminuição


progressiva do número de exemplares impressos pagos e concomitantemente do
volume de tiragens. Ora, se analisarmos alguns dados obtidos a partir do inquérito
Sociedade em Rede em Portugal (edições SR2008, SR2010, SR2011), verificamos que as
pessoas não estão a ler menos jornais. Com efeito, não se regista uma diminuição do
número de pessoas que lêem jornais em papel e também não há um número maior de
inquiridos que respondem ler hoje menos jornais do que há cinco anos, o que, dada a
diminuição em termos de circulação, pode apontar para idênticos hábitos de leitura
mas recorrendo a estratégias que não passem pela compra do exemplar impresso. O
que poderá estar a acontecer, isso sim, é a disputa cada vez mais óbvia dos formatos
tradicionais pelos digitais, onde o ecrã é ponto-chave na compreensão da oferta e
procura de um cada vez maior número de dispositivos electrónicos, que acabam por
promover a própria alteração de hábitos de leitura. Ora, em última análise, o que aqui
se sugere é a ideia de que é esta dialéctica entre novos formatos e dispositivos
centrados no ecrã, que promovem o aumento da consulta de notícias e de jornais
online, em contraciclo com o menor volume de exemplares em banca resultante de
uma circulação impressa paga diminuída, que poderá estar a desencadear um ciclo de
transformação nas formas de produzir, consumir e promover a imprensa escrita,
levando, ao limite, à transformação das próprias formas de fazer jornalismo.

322
Referências bibliográficas

Anuários Estatísticos Marktest (2008-2012).

Boletins Informativos APCT (2008-2012).

Inquéritos Sociedade em Rede (2008, 2010, 2011, 2013), OberCom.

Jenkins, Henry (2006), Convergence Culture: Where Old and New Media Collide, New
York, New York University Press.

McLuhan, Marshall (1967), The Medium is the Message: An Inventory of Effects,


Harmondsworh, Penguin.

Silverstone, Roger (1992), “De la sociología de la televisión a la sociologia de la


pantalla: bases para una reflexión global”, disponível em
http://www.infoamerica.org/documentos_pdf/silverstone03.pdf

Silverstone, Roger (2006), Media and Morality: on the Rise of Mediapolis, Oxford,
Polity Press.

323
9

Leitura digital, Internet e media sociais: uma análise comparativa

Tiago Lapa e Gustavo Cardoso

324
Introdução

A autora norte-americana Katherine Hayles afirma que “a evidência é crescente: as


pessoas, em geral, e os jovens, em particular, estão a ler, mais do que nunca, materiais
digitais nos ecrãs” (2010: 62). Têm sido aliás vários os estudos que se debruçam sobre
a transformação do quotidiano pela Internet e as tecnologias digitais, ao contrário do
que aconteceu com a introdução do cinema e da televisão, onde é possível
acompanhar de forma mais pungente os impactos das tecnologias emergentes
(Cardoso, Cheong e Cole, 2009). Contudo, uma linha de investigação ainda pouco
explorada é a forma como a Internet e os novos media poderão estar a reconfigurar o
espaço da leitura e da cultura da escrita, em particular, dentro do contexto informativo
e de entretenimento. São de assinalar, contudo, entre outros, os textos de Baron
(2000; 2002), Crystal (2006; 2010), Mitchell (1995) e Nunberg (1996): os dois primeiros
focados nos impactos linguísticos e os dois últimos mais centrados nos impactos no
livro, no texto e na escrita enquanto tecnologia.
Daí que o objetivo deste texto seja interligar as transformações globais
coproduzidas pela difusão tecnológica, seja em termos de dispositivos, seja em termos
de plataformas digitais e da emergência da Web 2.0, vulgo media sociais, com
transformações culturais que poderão estar a ter repercussões nas práticas. Iremos
analisar a relação entre a emergência de plataformas digitais como os sítios de redes
sociais (SRS) e a reconfiguração dos espaços da leitura, tentando identificar tendências
e traçar perfis. É certo que começam a surgir vários projetos que se focam na
investigação sobre a leitura em suporte digital, em e-readers e em tablets, como o
patrocinado pela Fundación Germán Sanchéz Ruipérez em bibliotecas de Salamanca,
tendo por alvo pessoas de várias faixas etárias. Se por um lado estes projetos são
preciosos para se tentar perceber, a partir do contacto com as novas tecnologias da
leitura, como é que as pessoas lêem e o que muda, por outro, não se consagram tanto
a entender as modalidades de mudança da praxis dos indivíduos que não têm tanto a
ver com os dispositivos da leitura, mas mais com o software disponibilizado e com as
formas de apropriação desse software, como é o caso das redes sociais online.
Com o suporte dos dados obtidos online (2013) no âmbito do projeto “Leitura
Digital”, patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian, o foco deste capítulo é,
portanto, o entendimento de como se estruturam as práticas de leitura e escrita digital
nas redes sociais online, tentando encontrar uma maior diversidade de práticas que
não apenas as que se supõem ser enquadradas pelos dispositivos tecnológicos. A
leitura e escrita digitais podem, de facto, ser aquelas feitas num computador de
secretária ou num telemóvel, não apenas num tablet ou num e-reader. O enfoque são
as pessoas e as suas práticas e não tanto a tecnologia e a forma como a tecnologia é
apropriada nos vários contextos. Este vertente de olhar as questões da leitura e escrita
no mundo digital é um dos elementos que permite a distinção operada por Levinson
(2012), quanto à ecologia mediática da segunda década do século XXI, entre os

325
“velhos” novos media e os “novos” novos media, e argumentar a favor da crescente
afirmação social e cultural destes últimos e dos seus potenciais impactos nas
instituições e atitudes.
A par de outras análises sobre a comunicação em rede (Cardoso, 2006),
Levinson sugere que as características da atual ecologia mediática, composta por
blogues e media sociais, são compreensíveis à luz das caraterísticas de outras
modalidades comunicacionais assentes na oralidade e na comunicação interpessoal,
ou na comunicação de massa e do impacto que as diferentes fases de
desenvolvimento da comunicação tiveram sobre os costumes sociais e movimentos
culturais e políticos. O que distingue os "novos" meios de comunicação de
modalidades de comunicação anteriores (incluindo os "velhos" meios de comunicação)
é a relativa facilidade com que não-profissionais produzem conteúdos e a menor
presença de porteiros (gatekeepers), o que se relaciona com as noções de prosumer
(Toffler, 1980) e de personalização de massa ou de auto-comunicação de massa
(Castells, 2011). Nas sociedades de informação, onde a rede é um elemento central da
organização, um novo modelo comunicacional tem vindo a tomar forma: um modelo
caracterizado por uma nova rede interpessoal, de um para muitos e de massa, que
conecta públicos, participantes, utilizadores, empresas de difusão e editoras sob uma
só matriz de rede mediática. Num ambiente de comunicação em rede, a mediação
(Silverstone, 2006), as dietas mediáticas (Aroldi e Colombo, 2003), as matrizes de
media (Meyrovitz, 1985) e o sistema de comunicação em si (Ortoleva, 2004) têm sido
transformados. Essas transformações nas relações entre os diferentes meios de
comunicação, que atualmente experienciam mais uma interligação em rede do que
uma verdadeira convergência - seja em termos de hardware, serviços ou redes -,
fazem da mediação uma experiência integrada, combinando o uso de diferentes
meios: do telefone à televisão, do jornal ao jogo de vídeo, da Internet à rádio, do
cinema ao telemóvel, colocando os utilizadores, as suas práticas e as necessárias
literacias, uma vez mais, no centro da análise (Livingstone, 1999; Cardoso, 2007; 2008).
É neste contexto que o uso das redes sociais online se desenvolve ora como auto-
comunicação de massa, como no caso do Twitter, ora de comunicação mediada de um
para muitos, como acontece com o Facebook.
A linha de pensamento de Levinson, que advoga o empowerment do utilizador,
já que qualquer um com uma ligação à Internet pode tornar-se num comentarista
político, num jornalista investigativo, ou num escritor muito lido, esbarra no entanto
com um certa forma de determinismo tecnológico que muitas vezes desencarna a
análise destas questões dos contextos sociais concretos, e das domesticações
diferenciadas de uma mesma tecnologia que podem surgir, daí a necessidade de as
enquadrar numa análise transnacional. O que não significa que a tecnologia e o evento
dos media sociais não tenham efeitos nas práticas e representações, em particular, nas
noções partilhadas de profissionalismo, consumo, arte e performance. Esses efeitos
estendem-se à evolução das profissões e atividades ligadas à escrita, em particular o

326
maior recurso à escrita digital. Das mudanças actuais podemos destacar: a
monetização de conteúdo de blogues e de outros media sociais, a facilidade da auto-
publicação, patrocinada e enquadrada por sites e serviços especiais ou a simples
presença crescente e até mesmo necessária para o exercício das atividades dos
“tradicionais” profissionais da escrita, sejam eles escritores, jornalistas ou académicos.
Há também que ter algum cuidado com o enfoque em indivíduos com vinte e
poucos anos ou mais jovens ainda, putativos “nativos digitais” (Prensky, 2001)
membros da "geração do milénio", que habitam, crescem e se socializam no mundo
dos “novos” novos media, onde as mensagens de texto, “twittar”, “blogar”, e “postar”
no Facebook, entre uma miríade de outras atividades mediáticas, são naturalizadas no
quotidiano como as ferramentas utilizadas nas interações com os pares e com o
mundo exterior. Mas Levinson, a par de outros autores e profissionais ou semi-
profissionais da leitura e da escrita não fazem parte dessa geração e, guiados pelos
seus próprios interesses, não deixam de usar um conjunto de ferramentas digitais que
suportam e divulgam a sua atividade nos blogues, tweets ou podcasts. Há assim um
conjunto de outras variáveis sociais de nível individual (género, escolaridade, etnia,
classe social, níveis de literacia e experiência, etc.) e de nível societal (desenvolvimento
económico, PIB per capita, sistema de ensino, mercado e regulação das
telecomunicações, políticas públicas, etc.) que devem suportar uma análise mais
aprofundada e multidimensional das práticas e das modalidades de leitura e escrita ou
de produção e publicação de conteúdos nesses mundos digitais.
Salvo disputas simbólicas em torno das novas literacias e sobre o valor social da
interação dos indivíduos com uma dada tecnologia, seja ela o livro ou um tablet, ou
media sociais como os blogues ou as redes sociais, a leitura de textos digitais progride
no terreno, seja no leitor dedicado, no ecrã de um PC ou de um telemóvel, seja um
texto literário de uma obra completa ou um texto informativo ou lúdico partilhado no
Facebook ou no Twitter. Há aqueles que apontam para a dimensão conceptual da
literacia - que apontam para as literacias tradicionais e formalmente ensinadas na
escola – e que se lamentam com a putativa menor relevância do livro e da literatura.
Porém, Hayles (2010) assinala que é precisamente num período de emergência e
afirmação da leitura digital que se verifica, em mais de duas décadas, o aumento da
leitura de romances (mas não de poesia ou peças de teatro), incluindo entre os
maiores alvos das disputas simbólicas sobre as literacias, isto é, os ditos “nativos
digitais” entre os 18 e os 24 anos.
O estudo da leitura digital, num sentido amplo, ao iluminar a forma como é
partilhada e difundida a informação na Internet, promete lançar alguma luz sobre os
desafios que a indústria assente na reprodução do texto ou imagem em papel - dos
jornais à literatura, passando igualmente pela banda desenhada, etc. – enfrenta. Para
já, a “anunciada” morte a termo do papel – sendo um dos seus proponentes Mitchell
(1995), para quem os livros são “flocos de árvores revestidos numa vaca morta” –
mostra-se exagerada, embora a leitura digital possa já estar a fazer sentir os seus

327
efeitos de forma concorrencial, apresentando as suas vantagens mais ou menos
óbvias. É a leitura, o livro, a escrita, a linguagem que também hoje passam por
momentos de perplexidade ou de crise identitária. Mas o que é o livro e o texto? E que
tipo de critérios podemos definir para considerar uma leitura válida ou útil? A língua
parece estar a ser minada por ataques ao seu formalismo na forma como é escrita,
produzida ou reinventada (ou será apenas mal escrita?) nos telemóveis ou nas
mensagens na Internet. Todavia, onde alguns vêem uma ameaça à língua, Crystal
(2006; 2011) assinala o potencial de usos variados e criativos daquela. É ainda possível
argumentar que nunca se leu tanto, que os jovens nunca leram tanto, e que nunca a
escrita e a leitura foi tão “social” e partilhada como nos dias presentes.
Perante estas questões iremos analisar os dados referentes à utilização dos
media sociais utilizando uma perspetiva comparada entre os países englobados na
aplicação do inquérito online sobre a leitura digital, dando conta de especificidades
societais, não deixando de incluir na análise outros patamares de comparação com
recurso a dados sociodemográficos. Será dada especial atenção às modalidades de
leitura, comentário e escrita, diferenciando atividades diversas, tendo em conta a
natureza das práticas, isto é, se são de cariz informativo ou de cariz comunicativo, e
que tipo de interesses e objetivos as motivam e orientam.
A sociedade de informação ou em rede não deve ser entendida como um
patamar de desenvolvimento societal e gradual segundo o qual as sociedades se vão
aproximando ou afastando. Castells (2002), ao referir-se à sociedade informacional e
em rede, está a antes a sublinhar processos sociais globais cujas manifestações se
diferenciam consoante os contextos sociais e geográficos. Daí que uma análise
comparada possa iluminar efeitos contextuais ou singularidades a par de tendências
mais gerais (Cardoso, Liang e Lapa, 2013) quanto à relação entre leitura e escrita
digitais e media sociais. Na análise transnacional da diversidade das práticas nas redes
sociais teremos como guia analítico as evoluções recentes no seio do modelo de
comunicação em rede quanto às formas estruturantes das atividades online (Cardoso e
Araújo, 2009). Neste âmbito, Cardoso e Araújo assinalam a crescente preponderância
em termos hierárquicos das atividades comunicativas face às atividades relacionadas
com a busca de informação. Claro que ler e escrever fazem parte do processo
comunicativo, mas quais são os principais princípios motivadores da ação nas redes
sociais e como se manifestam em termos de conteúdos? Estaremos a falar de
conteúdos essencialmente movidos pela comunicação com os outros ou da partilha de
informação com os outros? Que tipo de motivações sociais e políticas estarão por trás?
E que diferenças entre país poderão ser identificadas quanto a estas questões, e onde
se insere a sociedade portuguesa, tendo em conta, tanto quanto possível, as dinâmicas
próprias dos contextos societais?
Dada a potencialidade de as redes sociais virtuais oferecerem um debate
aberto e plural, onde todos os que detenham a necessária literacia e meios podem
participar na criação e difusão de informação, tem-se assistido à emergência de

328
atividades cívicas e políticas e de movimentos sociais ou de eventos mais ou menos
fugazes, como manifestos ou campanhas virtuais (Cardoso e Lamy, 2011). Para
aprofundar a compreensão do papel das redes sociais virtuais e as motivações da
leitura, do comentário e da escrita nesses espaços, são ainda incluídas no eixo analítico
práticas específicas de partilha de informação e formas de comunicação que se
aproximam daquilo que podemos designar de ativismo político e intervenção social
nas redes.

Entre laços fortes e fracos: a ecologia global das redes sociais online

Desde a sua introdução, os sites de redes sociais (SRSs), como MySpace, Facebook,
Cyworld e Bebo têm atraído milhões de utilizadores, muitos dos quais integrando-os
nas suas práticas diárias. Há centenas de SRSs, com várias capacidades tecnológicas,
suportando uma ampla gama de interesses e práticas. Apesar das suas características
tecnológicas fundamentais serem bastante consistentes, as culturas que emergem em
torno dos SRSs são variadas. A maioria dos sites apoiam a manutenção de redes sociais
pré-existentes, mas outros ajudam estranhos a conectarem-se com base em interesses
comuns, opiniões políticas ou atividades (Ellison e Boyd, 2013; Cardoso e Lamy, 2011).
Alguns sites atendem a diversos públicos, enquanto outros atraem as pessoas com
base na linguagem comum ou na partilha identitária em termos raciais, sexuais,
religiosos ou baseada nas identidades nacionais (Ellison e Boyd, 2013). Os SRSs
também variam na medida em que incorporam novas informações e ferramentas de
comunicação, tais como a conectividade móvel, blogues e a partilha de fotos e vídeos.
O estudo social das redes sociais online visa compreender as práticas, as
implicações, cultura e significado dessas redes, bem como o envolvimento dos
utilizadores com elas. Segundo Ellison e Boyd, os sites de redes sociais são
“plataformas de comunicação em rede em que os participantes 1) têm perfis únicos
identificáveis que consistem em conteúdos disponibilizados pelo próprio utilizador ou
provisionados por outros e /ou dados ao nível do sistema (2) podem articular
publicamente conexões que podem ser vistas e atravessadas por outros e (3) podem
consumir, produzir e/ou interagir com as transmissões de conteúdos gerados pelos
utilizadores disponibilizados pelas suas conexões no site” (2013: 158). A natureza e a
nomenclatura dessas conexões podem variar de site para site. Wellman (2001)
sustenta que as redes de computadores são inerentemente redes sociais, que ligam
pessoas, organizações e conhecimentos. Constituem instituições sociais que não
devem ser estudadas isoladamente, mas integradas no quotidiano. Para Wellman, a
proliferação das redes de computadores tem facilitado o recentramento das
solidariedades de grupo no trabalho e nas comunidades nas redes virtuais e
proporcionado uma viragem para as sociedades em rede que são vagamente
delimitadas e pouco unidas.

329
Esta é uma visão mais otimista que a de Bauman e Lyon (2012), para quem as
SRSs compõem uma espécie de epítome dos laços sociais numa modernidade tardia
cujo traço central é resumido na sua “liquicidade” (Bauman, 2000), isto é, laços fracos,
líquidos, que evitam o compromisso a longo prazo, fáceis de conectar e desconectar.
Para Bauman e Lyon as pessoas são rastreadas mais e mais através das novas
tecnologias, e como os dados se acumulam em níveis sem precedentes a vigilância
decompõe-se para um estado líquido (2012: vi), caraterizada por uma forma mais
suave de vigilância, especialmente encontrada no domínio do consumo e que se
espalha e derrama de maneiras inimagináveis para todo o lado. Bauman e Lyon não
teriam dificuldade em concordar com Putnam (2000) que aponta para o declínio do
capital social dos indivíduos – relativo aos laços sociais reforçados de uma dada
comunidade, tendo em vista benefícios mútuos - nas sociedades contemporâneas.
Com uma nuance, enquanto Putnam parece apontar para o impacto negativo das
redes no capital social dos indivíduos e nas comunidades formadas no mundo offline,
Bauman afirma que essas redes simplesmente espelham processos sociais mais vastos,
como o processo de individualização, presentes na sociedade como um todo. Já
Wellman (2001) argumenta que a Internet, pelo contrário, tem a capacidade de
aumentar o capital social das pessoas, ampliando o contato com amigos e parentes
que moram perto e longe e de desenvolver novas ferramentas capazes de ajudar as
pessoas a navegar e encontrar conhecimentos fragmentados nas sociedades
complexas e em rede. Neste âmbito, os resultados da pesquisa de Ellison, Steinfield e
Lampe (2007), centrados no uso do Facebook de uma população estudantil,
contrastam com as perspetivas de Putnam e, em certa medida, de Bauman e Lyon.
Embora haja claramente alguns problemas de gestão de imagem vivenciadas pelos
estudantes, havendo um potencial para abusos de privacidade, os resultados apontam
para uma ligação forte entre o uso do Facebook e os indicadores de capital social. Para
os autores, o uso da Internet por si só não ajuda a prever a acumulação de capital
social, ao passo que o uso intensivo de Facebook sim.
Numa lógica funcionalista e utilizando as ferramentas analíticas do estudo de
Durkheim sobre as formas elementares da vida religiosa (2002), podemos ainda
considerar que as unidades básicas de análise, no que concerne ao estudo dos media,
englobarão não só o símbolo partilhado – seja ele um anúncio publicitário, uma forma
de arte, etc. - mas igualmente o rito impregnado de significado como o ritual de troca
de mensagens de telemóvel ou formas rituais mediadas numa sociedade
contemporânea cada vez mais saturada mediaticamente. Partindo de uma abordagem
durkheimiana, consideremos a utilização da Internet e dos media sociais pelos
indivíduos. As mensagens na Internet eram e são, desde a sua popularização, um
espaço onde se brinca com a linguagem textual, incorporando anglicismos e inovações
ortográficas, à margem dos formalismos da língua portuguesa, o que poderá ser
entendido como uma afronta a códigos culturais estabelecidos. Mas para os indivíduos
e, em particular para os jovens, os usos personalizados, distintivos e originais da

330
linguagem via Internet constituem uma forma partilhada entre os pares, um meio de
separar o “nós” dos outros, reforçando a coesão de um grupo que partilha os mesmos
símbolos e a mesma cultura móvel ou eletrónica. Podemos assinalar a importância da
dimensão simbólica das mensagens virtuais, cuja oferta representa o
comprometimento numa rede de relações. A troca de mensagens, de toques, logótipos
imbuídos numa carga afetiva, detém um significado partilhado. Forma um sistema
ritual de trocas recíprocas que fortalece os laços sociais entre os jovens. Nesta
abordagem não há uma diferenciação fundamental entre o calão, seja ela juvenil ou
outra, e a transmissão de mensagens via eletrónica, assim como não há uma
diferenciação fundamental entre comunicação mediada e não mediada.
De facto, poderíamos ver aqui Durkheim a reclamar a universalidade das
formas elementares da vida social, as sociedades totémicas transfiguradas na era do
digital. No entanto, podemos obviamente colocar em causa, como fazem Bauman,
Lyon (2012) e Putnam (2000), a força ou a intensidade das formas de coesão social
baseadas na comunicação mediada. Mas o modelo cultural de inspiração durkheimiana
assume que a organização social, seja ela online ou offline, é criadora de símbolos, mas
o que os indivíduos procuram é, antes de mais, um conjunto de significados que
possam ser partilhados com outros para formar laços sociais. Os símbolos, a língua e as
formas da sua utilização servem assim um papel na intensidade dos vínculos e que a
comunicação entre pares revela. Este processo aproxima-se do que o antropólogo
Malinowski apelidou de "comunhão fática", em que o valor social da comunicação não
está no conteúdo em si (informação, ideias ou valores) mas na forma ritualista que traz
a satisfação de falar em conjunto com os outros, de usar a fala para o estabelecimento
de um vínculo social entre o emissor e o recetor (Burke, 1950). Tal noção inspirou o
campo da sociolinguística, aplicável na compreensão da comunicação no dia-a-dia e,
consequentemente, nas redes sociais online onde a linguagem fática refere-se ao
trivial e às trocas simbólicas óbvias e expectáveis sobre o quotidiano, compostas por
frases feitas e afirmações expectáveis. Em suma, a conversa fiada é um importante
lubrificante dos laços sociais (Boxer, 2002; Casalegno e McWilliam, 2004). Nas palavras
de Goffman, “os gestos que às vezes chamamos de vazios são, talvez, na verdade, os
elementos mais completos de todos" (1967: 90-91). Desta forma, podemos não só
diferenciar, dentro de uma dada rede social, conteúdos fáticos (mais guiados por
relações de amizade/pessoais) dos não-fáticos (mais guiados por interesses
particulares) como distinguir SRSs consoante o pendor mais ou menos fático dos seus
conteúdos e dos propósitos que promovem.
A afirmação social de dadas redes sociais em determinados contextos está,
portanto, ligada a estratégias individuais e de grupo, com o objetivo de reforço de
redes sociais pré-existentes interligadas aos grupos de pertença como a família, o
grupo de amigos ou o trabalho e a escola, aos grupos de referência como agentes
socializadores, o clube desportivo, a comunidade geográfica e/ou linguística, etc., ou
de inserção em comunidades de interesses geograficamente dispersas que encontram

331
nas redes sociais formas facilitadas de conexão entre os indivíduos. Neste âmbito, será
interessante olhar para os dados apresentados na tabela 1 que reportam as
percentagens de utilizadores inquiridos em termos da utilização de um conjunto de
redes sociais populares.

Tabela 1. Percentagens de utilizadores nas redes sociais mais populares:


Outros países
Portugal EUA (Média)
Hi5 32,9 3,2 7,1
Google + 35,9 23,0 37,6
Myspace 13,4 21,6 13,7
Orkut 6,8 1,4 10,0
Facebook 89,2 82,4 78,2
Twitter 20,8 30,0 40,4
LinkedIn 31,9 18,1 19,8
Goodreads 4,5 3,8 2,2
Youtube 43,3 33,6 39,7
Outras 9,6 11,7 45,2
Não utiliza 5,1 11,6 9,0

Como podemos verificar o Facebook é a rede mais popular em Portugal, assim como
nos EUA e nos outros países incluídos no inquérito online realizado. Todavia, há
algumas diferenças assinaláveis que remetem para dinâmicas próprias na utilização
das redes sociais em contextos diferentes. Portugal ainda apresenta percentagens
significativamente mais elevadas de utilizadores do Hi5 e do LinkedIn. A percentagem
de utilização do Hi5 evidencia que esta rede social, outrora a mais utilizada em
Portugal, ainda tem um conjunto apreciável de utilizadores no nosso país. A afirmação
social do Hi5 deu-se com a adoção desta rede pelos internautas mais novos e numa
altura onde se equacionava a utilização de redes sociais com os interesses guiados
pelas amizades dos mais novos. A expansão do Facebook no nosso país, assim como
noutros contextos, deu-se quando, por um lado, houve uma especialização das redes
sociais segundo os interesses específicos dos utilizadores com a concomitante
explosão da ecologia dos media sociais na rede, que veio corresponder à demanda em
torno desses interesses e, por outro, se dissociou a utilização das redes sociais dos
interesses característicos das gerações mais novas. Isto correspondeu a um declínio e
desvalorização simbólica de redes como o Hi5, mais circunscritas a um público juvenil e
às crianças que, sem adulterarem a sua informação pessoal quanto à idade, não
podem se registar no Facebook. A juntar aos interesses guiados pelas amizades e pelos
grupos de pertença surgiram redes que vieram responder às utilizações mais utilitárias
e guiadas por interesses como a rede profissional LinkedIn ou a rede Goodreads,
direcionada especificamente para quem tem interesses literários.

332
Dado o crescimento exponencial das redes promovidas pelo Facebook e
Twitter, necessitamos compreender melhor a sua oferta. Tal como outras redes
sociais, o Facebook permite a criação de um perfil, nele sendo inserida informação
pelo utilizador, desde dados como nome, idade ou estado civil, a informação como
opções ideológicas, políticas ou causas abraçadas. Os utilizadores podem apoiar
causas, instituições ou pessoas, tendo igualmente a oportunidade de se juntarem a
fóruns de discussão e debate. Podem ainda comunicar através de mensagens
assíncronas, de um chat, e mediante posts públicos, acessíveis a todos os seus
contactos. Nestes, os contactos diretos do utilizador (ou indiretos, se assim
determinado) poderão comentar o seu conteúdo, tendo ainda a possibilidade de
partilhá-lo. Atualmente, o Facebook é a rede social na Internet que reúne um maior
número de adeptos. Fruto deste sucesso, as suas receitas publicitárias têm vindo a
aumentar de forma exponencial, ultrapassando as melhores expectativas: em 2009,
atingiram 800 milhões de dólares, com um lucro líquido de dezenas de milhões. O
Facebook assume-se assim como “comunicação mediada de um para muitos”, pois
cada utilizador sabe quem são os seus “amigos”, pois autoriza a sua “amizade”. Só
após a aceitação do próprio pode ele começar a ser “amigo” de quem o convida.
Seja, como for, independentemente da distribuição relativa das percentagens
de utilização das redes sociais em cada país, o Facebook afirmou-se como a rede social
mais utilizada a nível global como podemos ver na tabela 2.

Tabela 2. Redes sociais mais populares, por país:


País Rede social mais popular % de utilizadores
Alemanha Facebook 57,3
EUA Facebook 82,4
França Facebook 75,1
Itália Facebook 85
Espanha Facebook 88,3
Reino Unido Facebook 77,3
México Facebook 94,4
China Qzone 86,4
Portugal Facebook 89,2
Rússia V Kontakte 75,8
Turquia Facebook 94,6
Brasil Facebook 91,6
Índia Facebook 94,3
Austrália Facebook 73,1
Canadá Facebook 80,3
África do Sul Facebook 94

333
A este respeito, China e Rússia, destacam-se com a utilização de redes sociais que têm
uma enorme importância regional. Na China, a rede social Qzone, que foi criada pela
Tencent em 2005, apresenta um conjunto alargado de funcionalidades e de
modalidades de personalização, permitindo aos utilizadores escrever blogues, manter
diários, enviar fotos e ouvir música, definir o papel de parede ou escolher acessórios
com base nas preferências individuais. Em novembro de 2013 a Qzone contava com
623,3 milhões de utilizadores, de acordo com um relatório publicado pela Tencent160, o
que faz com que a Qzone constitua uma das comunidades mais ativas em toda a
indústria.
Quanto à rede social mais utilizada na Rússia, a VKontakte (VK), foi lançada em
Setembro de 2006, apresenta três línguas oficiais - inglês, russo e ucraniano - e no final
de 2008 ultrapassou a rede Odnoklassniki, rival como serviço de rede social não só na
Rússia mas noutros países que compunham a União Soviética. Apresenta uma história
similar à do Facebook visto que emergiu no meio universitário, nomeadamente na
Universidade Estadual de São Petersburgo, e que o registo do utilizador foi
inicialmente limitado dentro dos círculos universitários e feito exclusivamente por
convite. Tal como acontece com a maioria das redes sociais, as principais
funcionalidades do site são baseadas no envio de mensagens privadas, no
compartilhamento de fotos e links com os amigos, e nas atualizações de status. Possui
ainda ferramentas para gerenciar comunidades online e páginas de celebridades e
dispõe de um motor de pesquisa avançada que permite consultas complexas para
encontrar os amigos, bem como a pesquisa de notícias em tempo real. Em outubro de
2012, o VK incluiu traduções não oficiais geradas por utilizadores em mais de 70
idiomas, o que é sintomático da lógica de apropriação dos media na comunicação em
rede - dotar os utilizadores de ferramentas de produção de conteúdos. Curiosamente,
os utilizadores de língua russa podem escolher entre a versão em russo padrão e duas
versões extra: a versão soviética e uma versão pré-revolucionária. Além de ajustes de
linguagem, estas versões contêm algumas surpresas: por exemplo, todas as
mensagens privadas na versão soviética têm um “selo de aprovação” da censura. Já a
versão pré-revolucionária usa um velho estilo de ortografia russa.
Já o Twitter evidencia outras características das redes acima mencionadas,
constituindo uma forma de microblogging baseada na publicação instantânea de
textos até 140 caracteres, essencialmente para partilha de experiências e opiniões
entre comunidades de cidadãos e a difusão de informação diária constantemente
atualizada (Java et al., 2009: 2; Miard, 2009: 2). Nem todos utilizam o Twitter de forma
idêntica: se uns surgem como fontes constantes de informação e comentário, outros
apenas assistem à difusão de opiniões, sem uma participação ativa. De acordo com um
estudo realizado no Twitter, os comentários mais comuns centram-se na rotina diária,

160
Relatório Tencent Q3 2013, disponível em http://www.tencent.com/en-
us/content/ir/news/2013/attachments/20131113.pdf.

334
no que o utilizador se encontra a fazer no momento, e qual o seu estado de humor
(Java et al., 2009: 6-7).
A penetração do Facebook parece ter sido facilitada em países próximos da
cultura ocidental ou em países onde provavelmente existia um vazio quanto à sua
utilização. As redes Qzone e VKontakte são exemplos de redes sociais que vingaram
nos respetivos contextos devido à formação de conexões baseadas em comunidades
culturais, linguísticas e geográficas e de funcionalidades e referências culturais,
simbólicas e linguísticas mais adaptadas aos contextos sociais concretos, como
também assinalado por Qiu (2013). Em conjunto, Facebook, Qzone e VKontakte,
cobrem grande parte do globo quanto às redes sociais com maior utilização, como
podemos ver na figura 1. Mas a manutenção da quase hegemonia que o Facebook
ganhou nos últimos anos, destronando a utilização já estabelecida de redes sociais
como o Orkut no Brasil ou o Hi5 em Portugal, dependerá da capacidade de se manter
relevante tendo em conta as motivações, interesses e objetivos específicos dos
utilizadores e, provavelmente, de se localizar e se adaptar aos contextos sociais
concretos. A ecologia dos media sociais é muito vasta e pulverizada o que contrasta
com esta imagem de hegemonia do Facebook. De facto, segundo dados do nosso
inquérito, para a totalidade da amostra, uma pequena minoria, 9,8% declarou não ter
qualquer conta, 22,1% dos respondentes declararam ter apenas uma conta numa rede
social, enquanto que 68,1% declararam ter duas ou mais contas. Considerando apenas
Portugal, somente 5,1% anunciou não ter qualquer conta, 21,7% afirmou ter apenas
uma conta registada numa rede social e a grande maioria (73,2%) mais do que uma
conta. Ora isto indicia a necessidade de procurar outras redes sociais tendo em conta
motivações e objetivos específicos, sejam eles profissionais, amorosos, relacionadas
com atividades de lazer, etc.
Dentro das estratégias de exposição online dos indivíduos podemos distinguir
entre redes sociais primárias e redes sociais secundárias. As redes sociais primárias são
aquelas onde os indivíduos apostam mais no aprofundamento e na manutenção dos
laços sociais, onde investem seja em termos identitários, em termos de interação, de
leitura ou de publicação de conteúdos e muito presentes no quotidiano individual. Já
as redes socias secundárias são tidas como relevantes tendo em conta interesses
específicos, mas são alvo de menor investimento. Neste âmbito, podemos imaginar
quatro cenários: 1) o Facebook mantém-se relevante e reforça a sua hegemonia como
rede social primária; 2) o Facebook mantém-se relevante como a rede social
secundária mais utilizada no globo (é onde está toda a gente, mas os indivíduos
investem mais noutras redes); 3) surge(m) outra(s) rede(s) social(is) que destrona(m) a
hegemonia do Facebook a nível regional ou mundial; e 4) o Facebook cede à
pulverização de redes sociais, tornando-se uma entre outras redes, sem ser possível
falar em hegemonia a nível global.

335
Figura 1. Mapa mundial das redes sociais mais utilizadas por país (Junho de 2012):

Fonte: Google Trends; Alexa; Vicenzo Cosenza (vincos.it)

Uma das questões colocadas por Cardoso e Lamy (2011), ao mesmo tempo
teórica e metodológica, é até que ponto a análise de redes enquanto método de
pesquisa se adequa ao estudo das redes sociais online. Neste contexto os autores
distinguem alguns modelos. O modelo de redes aleatórias, de Erdös e Rényi, que
explana o funcionamento de uma rede social através da metáfora da festa: bastaria
uma conexão entre cada um dos convidados de uma festa para que todos estivessem
conectados no final dela (Recuero, 2004: 4). Assim, a partir de um indivíduo comum a
todos, desenvolve-se um cluster ou agrupamento, conjunto de pessoas interligadas,
ligação esta que permite uma relação futura entre vários clusters. O modelo das redes
de mundos-pequenos, onde clusters ou agrupamentos se conectam através de poucas
ligações comuns e que, segundo Buchanan, “aparece na arquitetura de tudo, desde o
cérebro humano até à rede de relações que nos ligam às sociedades, bem como as
linguagens que usamos para falar e pensar” (2002: 208). As redes e as suas
interligações internas podem ainda distinguir-se segundo níveis de intensidade, como
o faz Granovetter (1973; 1983) que caracteriza tipos diferentes de laços sociais,
separando laços fortes (entre familiares ou amigos próximos) e fracos (entre meros
conhecidos): se os primeiros unem pessoas que já partilham interesses, criando
clusters ou comunidades, os segundos permitem não apenas a interação entre
indivíduos pertencentes a clusters distintos mas também entre as comunidades a que
pertencem, criando desse modo uma rede social que permite, inclusive, uma maior
circulação de informação. Cardoso e Lamy (2011), a par de Recuero (2004), sugerem
que uma simples transposição da análise de redes na realidade social offline para o
mundo online pode ofuscar características e dinâmicas particulares e novas
introduzidas pelas redes sociais online. Neste âmbito, Barabási (2003) aponta leis
336
específicas, como a da conexão preferencial ("rich get richer”). Nesta perspetiva,
assume-se que as redes não são igualitárias e os mundos não são pequenos, em
virtude da existência de elementos altamente conectados (hubs), isto é, indivíduos
com um elevado número de ligações. Os hubs serão os “ricos que mais enriquecem”
uma vez que, possuidores de uma panóplia imensa de contactos, serão também os
mais procurados por aqueles que os rodeiam (Recuero, 2004: 6).
No entanto, pode-se argumentar, em primeiro lugar, que a análise de redes
clássica com a sua perspetiva sistémica veio introduzir um conjunto de conceitos,
quanto às tipologias de laços e às suas geografias (que caraterizam relações de
proximidade/afastamento), à sua intensidade e ocorrência, que servem como
ferramentas heurísticas no estudo das redes sociais, sejam elas mantidas e formadas
na realidade offline, seja no mundo online. Ademais, é um método de pesquisa e de
pensar a realidade eminentemente relacional, que procura a essência dos factos
sociais nas relações entre eventos, organizações, símbolos ou indivíduos e não nas
características internas dos agentes sociais. Em segundo lugar, as redes sociais online
são elas próprias diferenciadas, podendo apresentar algumas dinâmicas e processos
distintos entre si, e podendo ser mais caracterizadas, por exemplo, por laços fortes ou
fracos, por uma geografia mais compacta ou mais dispersa ou por relações entre
agentes mais ou menos anónimos, enquadradas por políticas de identidade e
privacidade. Se há uma coisa que caracteriza a Internet são as suas particularidades
cambiantes a par das suas consequências imprevistas e não intencionadas (Cardoso e
Lapa, 2013).
Nos últimos anos temos vindo a observar algumas alterações nos espaços de
comunicação e interação online. As redes sociais, em particular o Facebook, vieram
alterar ainda mais as formas de interação na Internet. As formas de comunicação
mediada por computador (CMC), baseadas em ferramentas como o correio eletrónico,
as mensagens instantâneas, os chats e até mesmo os blogues, eram mais baseados na
proteção da identidade, no uso de pseudónimos e na possibilidade de agir sob a capa
do anonimato. Embora existam mecanismos de manutenção de privacidade no
Facebook, quando não mesmo o anonimato - a utilização de nicknames, a não
colocação de fotos ou elementos pessoais -, não são promovidos. Pelo contrário, o
Facebook veio introduzir uma exceção notória e consciente àquilo que era uma das
“regras” da CMC. Mark Zuckerberg chegou, famosamente, a afirmar que "o anonimato
é covardia", o que, diga-se de passagem, é o mesmo que dizer que o anonimato não
tem o mesmo retorno financeiro que a utilização de nomes reais. Embora sites de
redes sociais passíveis de serem utilizados quotidianamente, sejam eles jogos online
ou bancos de dados de conhecimento ou fóruns de discussão ou salas de chat ou
agregadores de notícias ou sites amadores, possam constituir um enorme e
inexplorado mercado global a montante do Facebook e das suas políticas de
identidade, de nomeação e de privacidade.

337
Seja como for, foi desde o início que a CMC, dada a possibilidade de anonimato,
colocou desafios a uma aplicação direta das ferramentas de análise do mundo offline,
podendo ser argumentado que, em determinados aspetos, redes sociais como o
Facebook ou o VKontakte vieram aproximar, em vez de afastar, a realidade virtual da
realidade social offline. Neste sentido, podemos pensar a dinâmica das redes sociais
online como semelhante à vida política e social de uma aldeia onde se destacam os
processos de formação de identidades, de demonstração de estatuto social e de
capital simbólico e modalidades de reforço dos laços sociais. Nestes processos pode-se
identificar ainda os recursos simbólicos, as linguagens e as formas de comunicação
usadas, as regras e normas sociais que se mobilizam e os valores, interesses,
motivações ou disposições que guiam a interação e a troca de informação e dos mais
variados conteúdos nas redes sociais.
Os propósitos promovidos por redes para profissionais como o LinkedIn
espelham ainda os processos sociais estudados por Granovetter (1973) quanto à
importância (ou força) dos laços fracos na circulação de informação relativa ao
mercado de trabalho. Os laços fracos permitem atingir informações e populações que
não são acessíveis através de laços fortes. A par do mundo offline, existem igualmente
relações de poder e recursos desigualmente distribuídos quer em termos de
competências cognitivas, sociais, tecnológicas e performativas e de avaliação crítica
dos conteúdos, o que, segundo Livingstone (2004), compõe as várias dimensões para
aferir as literacias mediáticas dos indivíduos. Claro que as plataformas online não
deixam de ser uma realidade particular que coloca os seus desafios próprios quanto,
por exemplo, à gestão da identidade e da apresentação do ‘Eu’ nos media textuais e
visuais ou ao esbatimento de fronteiras entre os domínios privado e público.
Falar de formas de interligação social na Internet é discutir como os indivíduos
apropriam as novas possibilidades de comunicação, como se posicionam face às suas
vantagens e dificuldades. Ou, como afirma Bennett, é a interação entre a Internet e os
seus utilizadores – e, por seu turno, as suas interações em contextos sociais materiais -
que constitui a matriz dentro da qual podemos localizar o poder dos novos media na
criação de diferentes espaços de discurso e de coordenação de ações (2003: 18). No
debate sobre a territorialidade das comunidades na Internet é ainda sugerida uma
distinção entre comunidades online e comunidades virtuais (Cardoso, 1999). Associada
à ideia de comunidades online encontra-se a recriação no ciberespaço – espaço sem a
dimensão e características do espaço físico – de locais aos quais já se encontravam
associadas comunidades offline. Já associada à ideia de comunidades virtuais
encontra-se a formação de comunidades no ciberespaço sem qualquer
correspondência com um espaço físico pré-existente, ou seja, pontos de encontro para
todos quantos partilhem um mesmo conjunto de interesses, mas cuja reunião numa
mesma localização cibernética não é possível dada a distância geográfica ou outros
constrangimentos (Cardoso, 1999).

338
Tabela 3. País onde cada rede social é mais utilizada:
Rede Social País onde é mais utilizada % de utilizadores
Hi5 Portugal 32,9
Google+ Índia 66,5
MySpace México 27,4
Orkut Brasil 64,5
Facebook Turquia 94,6
Twitter México 69,9
LinkedIn Índia 56,4
Goodreads Índia 5,3
Youtube México 63,6
Tencent Weibo China 76
Bebo Reino Unido / Índia 5,2
StudiVZ Alemanha 10,3
Sina Weibo China 83,3
Qzone China 86,4
V Kontakte Rússia 75,8
Odnoklassniki Rússia 61,1
Fubar África do Sul 2,5
Outra Alemanha 19,4
Nenhuma Alemanha 25

Olhando para a distribuição geográfica das redes socias online, os dados da


tabela 3 revelam em que país cada rede social é mais utilizada e antevêem uma
realidade mais diversificada que a apresentada na tabela 2 e na figura 1. Existe um
conjunto variado de redes sociais, com funcionalidades singulares e a ecologia
mediática em seu torno cresce de dia para dia. Há redes sociais que, embora
desconhecidas de outros públicos, têm uma grande influência em contextos sociais e
geográficos particulares, algumas porque germinaram nesses mesmos contextos e
estarão portanto mais adaptadas ao tipo de espectativas e motivações dos utilizadores
concretos de uma dada região ou grupo social.
Os dados da tabela 3 demonstram que há uma utilização em determinados
contextos de relevantes redes sociais regionais nas quais é mais provável a
constituição de comunidades online, no sentido apontado por Cardoso (1999). Apesar
de o Hi5 ser uma rede em declínio de utilização no nosso país, ainda mantém alguma
influência regional em alguns países da América Latina e, como os nossos dados
demonstram, no México, na Índia e, em menor escala, na Turquia. Mas entre os países
abrangidos pelo inquérito online, é em Portugal que a sua utilização é maior em
termos percentuais. Além disso, é de apontar a importância regional de redes como a
Tencent Weibo, Bebo, Sina Weibo e Qzone na China e das redes VKontakte e
Odnoklassniki na Rússia e em países próximos. A rede social Orkut ainda é bastante
339
importante no Brasil e, em menor grau, na Índia, embora tenha perdido alguma
relevância para o Facebook. O LinkedIn, uma rede social vocacionada para
profissionais, é muito pouco utilizado na Alemanha pois nesse país há uma rede
profissional própria, concebida nesse contexto – a plataforma Xing. É aliás de apontar
que é precisamente na Alemanha que há a maior percentagem de respondentes
(19,4%) que declararam usar outra rede social não indicada no inquérito ou que
declararam que não usam nenhuma rede social (25%). Estes dados confluem com o
que nota Qiu (2013): várias esferas notáveis de redes sociais existem em importantes
mercados nacionais ou regionais, apelando para as características linguísticas e
culturais dos utilizadores - para além das já apontadas, QQ, Weibo e Baidu Space na
China, MIXI no Japão, MXit na África do Sul, Wer-Kennt-Wen e StudiVZ na Alemanha.
Como sublinham Ellison e Boyd (2013), definir o que constitui um site de redes
sociais tornou-se cada vez mais difícil, dada a natureza cambiante das características
dos media sociais e a sua diversidade. Deste modo, não há um único modo de analisar
as redes sociais nem uma transposição simples da análise de redes (aplicada e
desenvolvida no estudo das redes sociais offline) para o estudo das SRSs, visto
apresentarem dinâmicas próprias, se diferenciarem quanto às funcionalidades e às
motivações e interesses dos seus utilizadores. Para além de diferenças face à sua
difusão geográfica são expectáveis diferenciações quanto aos grupos sociais a que se
destinam. Por exemplo, a redes sociais Goodreads e LinkedIn foram criadas tendo em
mente públicos mais específicos, provavelmente apresentam menor variabilidade
social quanto ao tipo de utilizadores e cumprem funções mais próximas da expansão
de contatos, ou seja, rementem para a expansão de laços fracos, unidos por interesses
particulares comuns e pela vontade de adquirir e fazer circular informações novas. De
facto, a grande maioria dos respondentes que utilizam a rede social Goodreads tem
uma licenciatura ou mais (67,7%), é do sexo feminino (71,5%) e tem entre 15 e 34 anos
(84,4%). Quanto ao perfil de utilizador do LinkedIn, é tendencialmente bastante
escolarizado, com um grau de licenciatura ou mais (61,8%) e está em idade ativa,
tendo entre 25 a 44 anos (a que corresponde um total de 62,6% de entrevistados que
utilizam o LinkedIn), não havendo uma diferenciação quanto ao género. Se o Facebook
se expandiu para estratos sociais diversificados e é, provavelmente, a rede social mais
democratizada, já o Youtube apela preferentemente a um público masculino e mais
jovem e o Twitter a um público mais escolarizado. Ao invés, verifica-se um público
menos escolarizado e relativamente mais jovem no Hi5.
Há, portanto, redes com o objetivo de aprofundar os laços fortes e a
manutenção de comunidades online recriadas do mundo offline, onde se poderá
denotar uma maior presença da comunicação fática, como o Facebook ou o
VKontakte, enquanto noutras, como o Twitter ou o LinkedIn, a utilização é motivada
por interesses particulares, visa essencialmente o estabelecimento de laços fracos,
potenciando a circulação de informação, ideias e valores, e a constituição de
comunidade virtuais, ou a exploração, mais ou menos consciente, das redes de

340
mundos-pequenos (por exemplo, ter contato com as observações quotidianas de uma
celebridade no Twitter ou as apreciações de um autor na rede Goodreads, ou
estabelecer uma conexão com um quadro de dada multinacional ou o académico de
uma determinada instituição no LinkedIn). Não há uma escala unidimensional para
caraterizar o uso das redes sociais, sendo antes útil utilizar uma configuração de
diferentes níveis de modo a apoiar o entendimento do uso dos media sociais e os
diferentes tipos de laços que daí possam surgir. A juntar à equação há que perceber de
que tipo de utilizadores estamos a falar, em que universos sociais e linguísticos se
inserem, e que tipo de literacias mobilizam no uso de uma dada rede social e que tipos
de meios cognitivos, sociais e técnicos são utilizados para ativar ou interromper redes
de laços fracos e também para alterar o próprio meio digital. Como assinala
Haythornthwaite (2011), diferentes tipos de media sociais suportam diferentes tipos
de fluxo de informações e apresentam guias do que se deve prover e promover. Desta
forma, poderemos perceber o uso das redes sociais, a sua articulação com a
identidade dos sujeitos, com comunidades linguísticas, regionais, entre outras, e os
processos que levaram à afirmação social e às modalidades de apropriação de uma
dada rede social num dado contexto.

Diz-me o que lês e publicas e dir-te-ei quem és? As práticas sociais de leitura,
comentário e publicação nas redes sociais online

Entre as possibilidades tecnológicas e os reais usos há todo um processo de


domesticação (Silverstone, 1994) que marca para onde a tecnologia evoluíra nos seus
usos. A figura seguinte mostra-nos o tipo diversificado de usos, no contexto dos SRSs,
que podemos encontrar em Portugal, em comparação com os EUA e a média de todos
os países incluídos no inquérito online. A análise das respostas demostra a
estruturação das atividades nas redes sociais que se realiza em número limitado para o
grosso dos respondentes.

341
Figura 2. Que tipo de funcionalidades os respondentes utilizam quando usam redes
sociais online (%):
0 10 20 30 40 50 60 70 80

47,6
Serviço de Chat 30,9
53,3
60,5
Publicar comentários 62,8
60,5
69,4
Mandar mensagens 68
59,9
26,5
Jogar 30,7
25,4
14,5
Apoiar ou aderir a causas 10,1
23,5
31
Criar álbuns de fotos 25,3
25
5,3
Mandar presentes virtuais 4,7
1,4
2,7
Consultar videntes 0,9
0,8
16
Criar/aderir a um grupo 11
10,5
6
Publicitar eventos 4,8
7,6
22,5
Procurar ou sugerir amigos 19,9
27,1
5,7
Testes de questionário 3,4
2,1
13,1
Partilhar vídeoclipes 7,8
17
9,6
Partilhar notícias dos órgãos de comunicação 5,9
17,3
1,2
Criar aplicações 1,7
0
35,2
Escrever comentários nos murais dos amigos 42,9
39,5
39,8
Atribuir um "gosto" 39,4
52,5
17,1
Alertas de aniversários 18,3
22,7

Todos os países EUA Portugal

Desse contexto de usos ressalta uma divisão possível em atividades fáticas de


fortalecimento de laços sociais para com amigos e conhecidos (mensagens, serviço de
chat, alertas de aniversários, escrita no mural, atribuição de um “gosto”) e que são,
claramente, as mais expressivas em termos percentuais, de gestão de capital social
(procura de amigos, envio de presentes, jogos, criação de grupos), entretenimento
(quizzes e testes), expressão identitária (colocação de vídeos) e intervenção social
(apoio ou adesão a causas). Porém, verificam-se algumas diferenças interessantes na
comparação entre países. A utilização de serviços de chat e a atribuição de um “gosto”
é mais expressiva entre os respondentes portugueses em comparação com os
utilizadores inquiridos norte-americanos que, em termos comparativos, privilegiam
mais a publicação de comentários e a escrita de comentários nos murais dos amigos, e
com os valores médios para a totalidade dos países. Outra divisão poderá remeter para

342
o carácter mais passivo de, por exemplo, atribuir um “gosto”, receber alertas,
encaminhar informação, para outras atividades mais ativas como publicar e enviar
mensagens, assim como escrever nos murais dos amigos. Neste campo, os internautas
portugueses parecem adotar o tipo de atividades mais passivas em comparação com a
média dos países da amostra. É ainda de sublinhar que as frequências relativas à
partilha de notícias dos órgãos de comunicação social por parte dos utilizadores
inquiridos nacionais são claramente superiores à frequência média de todos os países
e da registada nos EUA. A tabela seguinte mostra-nos ainda como se estruturam
algumas atividades mais ativas e que envolvem a escrita por género e idade.

Tabela 4. Funcionalidades mais utilizadas, por sexo, por escalão etário (%):
Portugal Todos os países (média)
Escrever Escrever
comentários comentários
Publicar Enviar nos murais Publicar Enviar nos murais
comentários Mensagens dos amigos comentários Mensagens dos amigos
Sexo
Feminino 57,3 62,1 41,4 62,7 73,3 38,9
Masculino 63,3 57,9 37,8 58,0 68,0 30,7
Escalão Etárie
15-24
anos 69,0 54,9 31,0 66,1 75,3 33,2
25-34
anos 63,3 64,0 40,2 63,5 72,9 33,3
35-44
anos 58,2 58,7 45,6 60,6 69,2 36,6
45-54
anos 55,7 61,1 46,1 53,5 68,2 36,3
55 ou
mais anos 28,9 64,4 42,8 46,3 65,1 35,6

Pela análise dos dados podemos ver algumas diferenças interessantes por género e
idade. Em Portugal, enquanto os indivíduos entrevistados do sexo masculino tendem a
privilegiar a publicação de comentários, já as frequências relativas das restantes
atividades pendem para o sexo feminino, pelo que, de uma maneira geral, são as
mulheres inquiridas as que mais escrevem comentários e enviam mensagens.
Considerando todos os países, em termos médios, reforça-se a tendência de serem as
mulheres quem mais escreve e publica nas redes sociais. Quanto à estruturação das
atividades por escalão etário, também se verificam diferenças interessantes e algumas
até algo inesperadas. A acreditar pelas perspetivas de Tapscott (1998) ou Prensky
(2001), este último apelidando os utilizadores mais velhos de “imigrantes digitais”,

343
seria de esperar uma estruturação que seguisse de perto a evolução da idade, com os
mais novos a liderarem a escrita de mensagens e a publicação de comentários. Ora os
dados não nos permitem fazer uma leitura tão simples. Em Portugal, os utilizadores
inquiridos com 55 ou mais anos lideram em termos de envio de mensagens e é
também entre as gerações mais velhas que se escreve mais comentários nos murais
dos amigos. Onde os internautas mais novos se ocupam mais é na publicação de
comentários. Já considerando todos os países do inquérito, as frequências relativas
médias quanto à publicação de comentários e ao envio de mensagens seguem aquilo
que seria expectável: são atividades mais frequentes entre os mais novos e vão
decrescendo à medida que aumenta a idade. Porém, no que respeita à escrita de
comentários nos murais dos amigos não há diferenças significativas, nem um sentido
claro da sua evolução entre os escalões etários.
Outra variável importante é a escolaridade. Neste âmbito, considerando apenas
a realidade portuguesa, é também curioso verificar que parece não haver uma
associação cabal entre a utilização de chats e a escolaridade. O uso de chats é,
inclusive, maior entre os internautas com até o 1º ciclo de escolaridade, em que 78%
utiliza esses serviços, face a 50,8% dos entrevistados com o grau de licenciatura ou
mais. Já quanto ao envio de mensagens verifica-se que as frequências relativas
acompanham, em certa medida, a escolaridade, mas é entre os respondentes com
menos escolaridade que se verificam as maiores percentagens de internautas que
enviam mensagens nas rede sociais: 78% dos respondentes com até o 1º ciclo e 85,7%
com o ensino secundário face a 54% que frequentaram ou frequentam o ensino
superior e 56% com o grau de licenciatura ou mais. Quanto à publicação de
comentários verifica-se o inverso, sendo os que frequentam ou frequentaram mas não
acabaram o ensino superior os que mais publicam comentários, correspondendo a
48,9% desses internautas, face a 22% dos que têm apenas até ao 1º ciclo. A mesma
tendência verifica-se ainda no que respeita à escrita de comentários nos murais dos
amigos, embora as frequências oscilem consoante os escalões etários. No que
concerne à totalidade dos países do inquérito, quanto à utilização dos chats, ao envio
de mensagens e à escrita de comentários nos murais não se pode fazer uma
associação entre o uso desses serviços e o grau de escolaridade. Apenas a publicação
de comentários parece aumentar com o grau de escolaridade. Em suma, várias
atividades nas redes sociais parecem ter penetrado amplos estratos da população,
pelo que podemos falar na sua relativa democratização, descontando as variáveis
binárias de infoexclusão que remetem para o acesso/não acesso, embora outras
atividades estejam mais associadas a indivíduos mais novos e com graus de literacia
expectavelmente maiores.
De modo a sintetizar a informação relativa à leitura e comentário nas SRSs
recorreu-se a uma análise fatorial161, a partir da qual foi possível traçar perfis de

161
Na análise factorial foram obtidos os resultados do teste KMO cujo valor foi de 0,94 para um nível de
significância de p<0,001. O que significa que o agrupamento de variáveis efetuado pela análise tem

344
práticas de leitura e comentário nos SRSs, perfis de “leitores digitais” nas redes sociais.
Podemos identificar três dimensões latentes:
1 – Práticas de leitura/comentário guiadas por interesses mais “intelectuais” e de
procura do conhecimento, isto é, procura de conhecimento e elementos culturais e
literários. Mais especificamente, leitura ou comentário de artigos científicos, de
anúncios culturais (livros, concertos, filmes, exibições, etc), resenhas culturais (livros,
concertos, filmes, etc.), passagens de livros, poemas, citações de autores famosos,
opiniões de figuras públicas e notícias dos media.
2 – Práticas de leitura/comentário guiadas por interesses políticos, relacionados com
comentário social e político, lúdicos ou outros. Concretamente, leitura e comentário a
motes e “memes”, conteúdos relativos a letras e vídeos de músicas, banda desenhada
ou cartoons, programas de conferências, petições e manifestos, críticas políticas,
publicidade de produtos e serviços e convites para eventos.
3 – Práticas de leitura/comentário guiadas por amizades/relações pessoais e por um
tipo de comunicação mais fática, isto é, práticas focadas na leitura e comentário de
pensamentos, estórias e experiências pessoais, mensagens de parabéns ou de tributo,
opiniões e mensagens de amigos online ou comentários escritos por outros
utilizadores.
As variáveis assim agrupadas em dimensões latentes permitem, por um lado,
ajudar na definição de tipologias de utilizadores das redes sociais quanto às suas
práticas de leitura e comentário e, por outro, auxiliar a visualização de interessantes
diferenças entre Portugal, os EUA e a média de todos os países da amostra como se
pode ver na figura 3.

bastante consistência. Foram incluídos todos os países da amostra e aceitou-se apenas a solução
estatística que considera dimensões com valores próprios superiores a 1.

345
Figura 3. Que conteúdos os respondentes costumam ler ou comentar quando usam
sites de redes sociais (Facebook, Twitter, etc.) (%):
80

74,7

70
67,3

60 58,6
57,6

51,2
50 48,8
47,9
46 46 45,4
44,6
43,3 43,1
41,5
40

32,3
29,7
30
25,9

20
16,5

12,8 12,4

10 8,8 8,8 9,1 8,7


6,8 7,3
5,2

0
Todos os países EUA Portugal Todos os países EUA Portugal Todos os países EUA Portugal
Conteúdos literários, anúncios e resenhas culturais, Petições e manifestos, críticas políticas, motes ou "memes", Pensamentos, estórias e experiências pessoais, mensagens
informação científica ou noticiosa e opiniões de figuras banda desenha ou cartoons, convites para eventos e de parabéns ou de tributo, opiniões e mensagens de amigos
públicas programas de conferências, letras e vídeos de música, online ou comentários escritos por outros utilizadores
publicidade de produtos e serviços

Sem hábito de ler ou comentar Essencialmente ler Ler e comentar

Em termos gerais, são poucos os internautas entrevistados que lêem e comentam


conteúdos mais relacionados com interesses literários e de procura do conhecimento.
Todavia, verifica-se uma percentagem maior entre os internautas portugueses,
superior à média dos países, de indivíduos que afirmam apenas ler este tipo de
conteúdos. Entre os respondentes dos EUA é significativa a percentagem de indivíduos
que demonstram desinteresse na leitura ou comentário de tais conteúdos. Quanto a
conteúdos relativos a interesses específicos, sejam políticos ou lúdicos, claramente a
prática mais comum é somente a leitura. Mais uma vez, entre os inquiridos dos EUA,
verifica-se uma percentagem muito significativa de indivíduos que não lêem nem
comentam este tipo de conteúdos e é entre os respondentes portugueses que se
verificam práticas mais frequentes só de leitura desses conteúdos, superiores à média.
Estes dados relativizam um pouco a ideia de uma ecologia dos media sociais,
designada de Web 2.0, povoada de prosumers ou de utilizadores que também são
produtores. Por um lado, é verdade que as ferramentas podem estar nas redes mas os
utilizadores que também são produtores parecem ser uma minoria. Claro que se pode
questionar o que significa produzir conteúdos e se podemos diferenciar os utilizadores
quanto a graus de interatividade, de participação e de produção. Claramente, são os

346
conteúdos mais fáticos, relacionados com o fortalecimento dos laços sociais e guiados
por relações pessoais e de amizade, que apresentam as maiores percentagens de
utilizadores, quer em Portugal quer na globalidade dos países do inquérito, que lêem e
comentam esses conteúdos. A seguinte figura apresenta uma projeção no espaço
social dessas dimensões de leitura e comentário tendo em conta a sua relação de
maior ou menor proximidade com um conjunto de variáveis sociodemográficas e com
os países.

Figura 4. Análise de correspondências múltiplas162:

- Idade/ + Escolaridade Desinteressados da


leitura nas redes sociais

Guiados pelas amizades

Guiados por interesses

+ Leitura/ - Leitura/
comentário comentário

Leitores/comentadores avançados
e “Ativistas” nas redes

+ Idade/ - Escolaridade

É de ressalvar que não se pode ter uma leitura imediatista dos dados apresentados no
plano e que estes se referem essencialmente a utilizadores da Internet dos países onde
o inquérito online foi aplicado. Isto significa que países onde o acesso e a utilização da
Internet ainda seguem de perto variáveis tradicionais de exclusão social apresentam
modalidades de uso que se aproximam das práticas das elites económicas e culturais
desses países e espelham as percentagens relativas de leitores/consumidores digitais.
Ou seja, se num determinado país a utilização da Internet é diminuta, menos

162
Previamente foi efetuado o teste de Alfa de Cronbach para aferir a consistência das dimensões de
análise apresentadas no plano. Assim, quanto à dimensão 1, o valor do teste foi de 0,785 e, quanto à
dimensão 2, o valor obtido foi de 0,648. A média do teste Alfa de Cronbach para as duas dimensões foi
de 0,727, o que revela uma consistência razoável.

347
democratizada e confinada a uma elite, as práticas serão desviantes face às
modalidades de utilização em regiões (América do Norte, Austrália e Europa) onde a
utilização da Internet está mais democratizada.
Em primeiro lugar, podemos identificar na figura 4 duas dimensões no plano:
uma (no eixo do X) referente às práticas de leitura e comentário nos SRSs e outra (no
eixo Y) correspondente às características sociodemográficas dos respondentes. Da
leitura destas dimensões podemos visualizar que graus de escolaridade mais elevados
e escalões etários mais jovens estão mais associados a práticas de leitura e
comentário. Em segundo lugar, podemos organizar no plano uma tipologia de
utilizadores quanto às suas práticas de leitura e comentário. Deste modo, podemos
visualizar que os respondentes com graus de escolaridade mais elevados e/ou em
escalões etários mais jovens aparecem mais associados a leitores e comentadores
avançados e a “ativistas” nas redes (utilizadores com práticas fortes de leitura,
comentário e escrita de conteúdos relacionados com a intervenção social ou política).
São também os internautas mais escolarizados e mais novos, os estudantes e os
trabalhadores a tempo inteiro que estão mais associados a tipos de práticas somente
de leitura guiadas pelos interesses. Já os inquiridos tendencialmente mais velhos e
com menos escolaridade aparecem mais próximos, em termos relativos, das práticas
somente de leitura de conteúdos guiados pelas amizades, de cariz mais fático, e pelo
fortalecimento dos laços sociais e do desinteresse pela leitura nas redes sociais.
Quanto ao género não se vislumbram tendências de associação. Quanto à proximidade
relativa dos países aos perfis de práticas de leitura e comentário, espelham as
realidades sociais no seu interior. Assim vemos países emergentes como os que
compõem o grupo BRICS, ou de desenvolvimento intermédio como Portugal, mais
próximos de práticas de leitura e comentário, o que, dadas as ressalvas acima
apontadas, reflete a penetração desigual e, portanto, menos democratizada, no seu
interior, da utilização da Internet.
A figura 5 mostra-nos uma comparação quanto às práticas de escrita e
publicação nos SRSs entre Portugal, os EUA e a média de todos os países da amostra.

348
Figura 5. Que tipo de conteúdo os inquiridos mais publicam/escrevem no seu mural
nas redes sociais (%):
0 10 20 30 40 50 60 70
54,6
Pensamentos, estórias ou experiências pessoais 63,2
40
44,7
Mensagens de parabéns ou tributo 41,6
55,1
19,2
Citações de autores famosos 11,5
17,2
9,9
Opiniões de figuras públicas 7
12,1
23
Opiniões de amigos 18
18
9,7
Artigos científicos 7,2
8,8
10,6
Anúncios culturais 5,4
20,1
7,5
Resenhas culturais 5,2
8,7
18,1
Notícias dos órgãos de comunicação 12,6
29,7
8,3
Passagens de livros 5,9
8,7
7,8
Poemas 4,8
6,6
8,1
Banda desenhada ou cartoons 7,1
5,9
20,4
Anedotas ou piadas 12,6
21,5
2,6
Programas de conferências 2,2
1,8
10,3
Críticas políticas 8,1
15,6
5,9
Petições e manifestos 3,3
14,9
7,6
Publicidade a produtos ou serviços 7,6
6,1
10,7
Convites para eventos 10,6
12
22,8
Vídeoclipes 20,4
30,9
10
Letras de músicas 9
7,6
6,1
Motes, "slogas" e "memes" 8,4
6,4
2,2
Elementos artísticos 1,2
2

Todos os países EUA Portugal

Os dados relativos à publicação e escrita de conteúdos refletem, em certa medida, a


tendência de privilegiar conteúdos mais fáticos e pessoais e relacionados com o
estreitamento dos laços sociais fortes, dada a importância da publicação e escrita de
pensamentos, estórias ou experiências pessoais e do envio de mensagens de parabéns
ou de tributo. No âmbito da amostra, verificamos ainda que há uma maior tendência
de os internautas portugueses enviarem mensagens de parabéns ou de tributo, de
publicarem anúncios culturais, notícias dos órgãos de comunicação, petições e
manifestos e videoclipes em comparação com a média total dos países do inquérito.
Por sua vez, são os internautas inquiridos estado-unidenses quem mais publica e

349
escreve pensamentos, estórias ou experiências pessoais, o que pode revelar interesses
e motivações mais introspetivos e autocentrados.
Tendo em conta as análises fatoriais anteriores foram traçadas dimensões
teóricas de práticas de publicação e escrita nos SRSs que podemos associar a perfis de
“produtores ou escritores digitais”. As dimensões de publicação ou escrita entre os
internautas leitores foram definidas da seguinte forma: 1) práticas guiadas por
interesses lúdicos e artísticos (anedotas e piadas, banda desenhada ou cartoons,
vídeos e letras de músicas, motes e “memes” e elementos artísticos); 2) práticas
guiadas por relações pessoais e de amizade e pela comunicação de cariz mais fático
(pensamentos, estórias e experiências pessoais, mensagens de parabéns ou de tributo,
opiniões de amigos e convites para eventos); 3) práticas que remetem para interesses
literários e em torno da busca de conhecimento e informação (publicação e escrita de
citações de autores famosos, opiniões de figuras públicas, artigos científicos, notícias
dos media, anúncios e resenhas culturais, poemas e passagens de livros); 4) práticas
motivadas por interesses em torno da intervenção social, crítica política e de partilha
de conteúdos publicitários.
De seguida essas dimensões foram projetadas num plano a par de um conjunto
de variáveis sociodemográficas, tendo em vista a procura de relações de
proximidade/afastamento entre essas dimensões e variáveis. A seguinte análise de
correspondências múltiplas, na figura 6, ilustra essa projeção num plano ou espaço
social:

350
Figura 6. Análise de correspondências múltiplas163:

+ Escolaridade/ - Idade

Desinteressados da
publicação/escrita nas redes sociais

- Escrita/ + Escrita/
publicação publicação

Publicação/escrita guiada por


amizades/relações pessoais
Publicação/escrita guiada por
interesses

- Escolaridade/ + Idade

No plano da figura 6, que representa um espaço social, são identificadas duas


dimensões: uma (no eixo do X) referente às práticas de publicação e escrita nos SRSs e
outra (no eixo Y) correspondente às características sociodemográficas dos
entrevistados. Mais uma vez podemos visualizar que, tendencialmente, graus de
escolaridade mais elevados e escalões etários mais jovens estão mais associados a
práticas de publicação e escrita. É também a condição de estudante que está mais
associada a essas práticas enquanto que, em termos relativos, os inquiridos
desempregados e a trabalhar a tempo parcial, assim como os menos escolarizados e
mais velhos, estão mais próximos daqueles desinteressados da publicação e escrita nas
redes sociais. Podemos ainda identificar perfis de utilização onde se diferenciam
práticas guiadas por interesses específicos (lúdicos, relacionados com a busca de
conhecimento ou de informação, intervenção social e política) que podem estar na
base de conexões ou laços fracos, e práticas guiadas pelas relações pessoais e de
amizade (escrita e publicação de pensamentos, estórias ou experiências pessoais e do
163
Os valores do teste de Alfa de Cronbach, para aferir a consistência das dimensões de análise, foram
os seguintes: quanto à dimensão 1, o valor do teste foi de 0,61 e, quanto à dimensão 2, o valor obtido
foi de 0,457. A média do teste Alfa de Cronbach das duas dimensões foi de 0,543. Embora os resultados
do teste não permitam aferir uma consistência elevada julgamos que, em termos substantivos, os dados
apresentados no plano fazem sentido analítico.

351
envio de mensagens de parabéns ou de tributo, de opiniões de amigos ou de convites
para eventos), próximas da função de manutenção dos laços fortes e que, como vimos,
compõem as práticas mais frequentes. Quanto às relações de proximidade ou
afastamento dos diferentes países face aos perfis de publicação e escrita iremos tecer
considerações globais mais adiante.
Quanto aos interesses motivados pela intervenção social e política, Cardoso e
Lamy (2011) assinalam que as redes sociais na Internet vieram obrigar-nos a repensar
o social e o político nas sociedades contemporâneas. A ideia de uma plataforma em
que todos os cidadãos têm acesso a ferramentas de debate racional em torno das
questões da sociedade onde se inserem, favorecendo o fluxo da informação e
conhecimento, constitui o ideal dos media enquanto quarto poder, onde as vozes
populares, e não apenas um conjunto de profissionais da comunicação social,
alcançavam os poderes decisores (Hartley, 1992), o que significaria a materialização da
visão habermasiana de esfera pública, da ágora ateniense ou do townhall da Nova
Inglaterra (Cardoso, 2003). Neste sentido, há duas perspetivas divergentes (Vedel,
2009), uma, a tese da mobilização, vê a promessa nos novos media uma forma não
apenas de atingir o debate não conseguido nos media tradicionais, mas um modo de
realização da participação cívica, onde interesses comuns permitem a angariação de
opiniões, decisões e intervenções em matérias específicas (Morris, 2000). Outra, a tese
da normalização, sustenta que a Internet reforça poderes estabelecidos e níveis de
participação política existentes (Norris, 2000; 2003; Margolis e Resnick, 2000).
Neste campo, Castells parece favorecer a primeira perspetiva devido à
globalização: “na arena internacional, estão a crescer novos movimentos sociais
transfronteiriços na defesa das causas das mulheres, dos direitos humanos, da
preservação do ambiente e da Democracia política, fazendo da Internet uma
ferramenta essencial para disseminar informação, organizar e mobilizar” (2002: 475).
Castells adianta ainda que o estudo da transformação das relações de poder no novo
espaço comunicacional deve considerar a interação entre os atores políticos, agentes
sociais e o negócio dos media (2007: 254). A utilização das redes sociais e da CMC pode
constituir uma hábil forma de comunicar sem deixar rasto, útil em países em que a
comunicação ainda é alvo de censura explícita (Ekman, 2007: 39). A Internet desafia a
censura ou manipulação de informações por parte de grupos políticos ou lobbies: o
fluxo de informação horizontal, muitas das vezes em direto, pelos cidadãos cria uma
aura de veracidade distinta da que, atualmente, povoa a arena política (Castells, 2007:
251). Como assinalam Cardoso e Lamy (2011), estas modalidades de “jornalismo
comunitário” são ainda facilitadas pela atual convergência de plataformas: a
possibilidade de colocar uma qualquer informação no mundo web através do
telemóvel ou fazendo a convergência de conteúdos através de redes online,
permitindo a divulgação dos mais variados conteúdos a partir de qualquer local,
presta-se não somente a uma maior globalização da interação social através das redes
virtuais, como permite a circulação quase simultânea de qualquer facto que mereça a

352
atenção do seu emissor. Esta facilidade de acesso e não restrição de conteúdos detém,
porém, implicações menos positivas: o perigo da desinformação, em especial se
propagada pelos hubs mais fortes; rumores são rapidamente repetidos e amplificados,
em especial se gerados ou partilhados pelos membros com mais contactos.
A par de instrumentos institucionais, como o trabalho militante em partidos
políticos ou a participação em reuniões politizadas, surgem novos meios de realização
da política como assinatura de petições, boicotes, ocupações, manifestações, cortes de
trânsito e greves não sindicalizadas (Della Porta e Diani, 2006: 166), alguns dos quais
divulgados, quando não iniciados, através das redes sociais. As redes sociais online são
também palco de protesto, entendido como uma das formas de ação coletiva
heterodoxa, não necessariamente com um intuito radical ou conflituoso, que visa a
mobilização da opinião pública para o exercício de pressão sobre os decisores políticos
(Della Porta e Diani, 2006: 165). Causas ambientais, defesa de direitos humanos ou
reação ante declarações ou factos políticos são alvo de frequente atenção por parte de
um conjunto de utilizadores das redes sociais. E com as práticas de intervenção social e
política emergiram ferramentas de intervenção como campanhas virtuais, grupos de
discussão, manifestos online e murais de links, criando uma arena complementar de
mobilização.
A possibilidade de uma abrangência sem limitações impostas por gatekeepers
(como acontece na televisão ou na imprensa tradicional) torna a Comunicação
Mediada por Computador (CMC) relevante para todos os agentes sociais (cidadãos e
ONGs) que tenham como objetivos a denúncia, a pressão e a consciencialização
política (Moraes, 2001: 3; Bennett, 2003: 3). As ONGs e os movimentos virtuais
começaram a potenciar a sua interligação como objetivo de repartirem competências,
recursos, custos e espaços, sendo que cada nó incorpora novos utilizadores, os quais
se convertem, potencialmente, em produtores e emissores de informações (Moraes,
2001: 3). Se, por um lado, o processo de globalização engloba o risco de
hegemonização de um tipo de pensamento, por outro, é este fenómeno que permite
que regiões outrora distantes se tornem visíveis: os seus problemas, os seus
movimentos sociais poderão ser mais facilmente difundidos como podem encontrar
simpatizantes em locais distantes do globo. Desta forma, conjugam-se questões
singulares, pensadas a título local, com o mundo global: ou seja, os cidadãos pensam
no contexto das suas realidades próprias mas podem recorrer a meios virtuais para a
sua difusão, agindo de modo global (Castells, 2007: 249). Assim, a Internet e as demais
tecnologias, tais como os telemóveis e o vídeo digital, detêm a capacidade de habilitar
as pessoas para a organização cívica e política de uma forma que supera os limites de
tempo, espaço, identidade e ideologia, resultando na expansão e coordenação de
atividades que, possivelmente, não ocorreriam através de outros meios (Bennett,
2003: 6).
Bennett (2003) propõe a abordagem de Gerlach e Hines denominada SPIN para
a compreensão do ativismo na Internet. Esta perspetiva fala de redes segmentadas,

353
policêntricas e integradas: segmentadas, dada a fluidez das suas fronteiras em relação
a organizações formais, grupos não institucionalizados e ativistas singulares, onde a
cooperação é uma constante; policêntricas, uma vez não existirem líderes mas sim
centros de coordenação das atividades das redes; integradas, dada a sua estrutura
horizontal, pressupondo o ativismo por parte de quem queira participar. Neste campo,
a figura seguinte apresenta um conjunto de práticas de comentário e publicação
relacionadas com as atividades políticas e cívicas nas redes sociais.

Figura 7: Durante o último ano as redes sociais foram utilizadas para… (%):
0 10 20 30 40 50 60 70 80

48,5
Comentar positiva ou negativamente as políticas do Governo 40,7
62,6
41,1
Comentar positiva ou negativamente uma figura política 37,7
53,1
34,1
Criticar as práticas ou decisões económicas de empresas ou bancos
27
privados
39,2
33,8
Publicar um comentário ou atribuir um "gosto" apoiando o
30,6
desempenho de empresas ou bancos privados
31,2
59,9
Apoiar uma causa nacional através de um "gosto" ou comentário 58,3
75,9
53,3
Apoiar uma causa internacional através de um "gosto" ou
39,9
comentário
70,8
34,1
Sugerir o apoio a uma posição política ofical através de um "gosto"
36,2
ou comentário
40,2
20,5
Mobilizar a participação em manifestações de rua 8,9
30,3
33,2
Mobilizar a participação em eventos culturais 15,2
58
25,2
Criar um grupo de apoio a uma questão social, ambiental ou
14,4
civilizacional
23

Todos os países EUA Portugal

Tendencialmente, em comparação com a totalidade dos países, os respondentes


portugueses destacam-se em termos da escrita e comentário de conteúdos que se
prendem com o que podemos chamar de intervenção social ou política. São dos que
mais declararam comentar positiva ou negativamente as políticas do governo ou uma
figura política, ou apoiar uma causa nacional ou internacional através de um “gosto”
ou comentário, e dos que mais utilizam as redes sociais para mobilizar a participação
em manifestações de rua ou mesmo em eventos culturais. Estes dados confluem para
a situação atual da sociedade portuguesa, que se reflete numa consciência politizada
que emerge da vivência das políticas de austeridade no quotidiano e que tem reflexos
sobre o que se escreve e comenta nas redes sociais.

354
As variáveis apresentadas na figura 7 foram unidas num só índice que foi
apelidado de grau de ativismo onde se distinguiu um ativismo forte, mediano, fraco e
inexistente. Por sua vez, este índice foi utilizado para comparar os países e inserido nas
análises de correspondências múltiplas, representadas atrás nas figuras 4 e 6. Em
termos genéricos, os respondentes portugueses têm um índice de ativismo superior à
média de todos os países, enquanto os inquiridos estado-unidenses apresentam um
índice inferior à média.
Tendo em conta o conjunto das práticas de leitura, escrita e publicação dos
SRSs, procedeu-se finalmente a uma análise de agrupamentos ou de clusters, uma
técnica exploratória de análise multivariada que permitiu agrupar os países em grupos
homogéneos relativamente à leitura e à escrita nas redes sociais online. Considerando
um coeficiente (distância) de 5 na análise, identificaram-se 4 agrupamentos distintos
de países como se pode ver no dendrograma representado na figura 8. Um desses
agrupamentos é composto por apenas um país, a Rússia, que aparece como um outlier
multivariado, embora, se fosse considerado um coeficiente maior, pudesse ser incluída
no agrupamento que agrega os países anglo-saxónicos, a Alemanha e a França. Dadas
as variáveis em análise, o dendrograma sugere relações estruturais entre os países
quanto às práticas de leitura e escrita na Internet. Pela análise do dendrograma é
interessante verificar que utilizando apenas variáveis referentes à leitura e escrita nos
SRSs, e sem incluir qualquer outro tipo de variáveis caracterizadoras das sociedades
em estudo, se chegou a quatro agrupamentos onde se vislumbram afinidades
culturais, geográficas e em termos de desenvolvimento económico.

Figura 8. Dendrograma da análise de clusters com o método do vizinho mais afastado,


usando a distância euclidiana quadrada como medida de dissemelhança:

355
No Agrupamento 1 temos aglomerados os países anglo-saxónicos e da Europa central,
no Agrupamento 2 a Rússia, no Agrupamento 3 os restantes países do grupo BRICS,
juntamente com a Turquia e o México e no Agrupamento 4 os países do Sul da Europa
acompanhados da África do Sul. Podemos, portanto, diferenciar os agrupamentos
quanto a graus de desenvolvimento económico, o PIB per capita, a organização política
do país, o tipo de políticas públicas, e variáveis tradicionais de exclusão social. Daqui se
lança a hipótese de este tipo de variáveis estarem relacionadas com a estruturação das
práticas de leitura e escrita nas redes, mas não no sentido simplista de assumir que um
maior desenvolvimento económico significa um conjunto de práticas de leitura e
escrita mais intenso ou frequente entre os internautas. Convém mais uma vez
relembrar que estamos a analisar apenas utilizadores da Internet e que, apesar do
enorme crescimento da utilização da Internet em África, no Médio Oriente e na
América Latina, são regiões tradicionalmente marcadas pela exclusão social e por
enormes desigualdades, o que se reflete nos perfis de utilizadores da Internet nesses
países, que poderão corresponder a perfis específicos de utilizadores e a elites
culturais ou económicas.

356
Tabela 5. Distribuição da amostra por escalão etário, grau de escolaridade e situação
laboral nos agrupamentos de países (%):
Agrupamentos de países
3. México,
1. EUA, Canadá, Brasil, 4. Itália,
Reino Unido, Turquia, Portugal,
Austrália, 2. Índia e Espanha e
Alemanha e França Rússia China África do Sul
15-24 21,2 35,3 34,3 22,3
25-34 21,8 23,9 30,3 25,3
Idade 35-44 20,2 17,8 20,3 19,5
45-54 16,8 13,3 10,1 15,7
>= 55 20,1 9,7 5 17,3
Até 1º Ciclo 2,9 1 1,3 2,5
2º Ciclo 17,7 1,2 10,7 17,3
Secundário 26 12,4 17,7 29,7
Grau de Frequência
escolaridade Superior 16,6 23,4 26,4 16
Licenciatura
ou mais 36,8 62 43,9 34,5
Tempo
Inteiro 45,8 64 57 41,1
Situação Part-time 12,9 11,8 10,3 12
laboral Desemp. 15,1 5,8 9,3 19,1
Estudante 10,3 14,5 19,8 15,9
Pensionista 15,8 3,9 3,6 11,9

De facto, como se pode verificar na tabela 5, os entrevistados dos Agrupamentos 2 e 3,


isto é, dos países que compõem os chamados países BRICS são tendencialmente mais
novos que os respondentes dos Agrupamentos 1 e 4 e mais escolarizados. Já nos
países que compõem os Agrupamentos 1 e 4, a distribuição de utilizadores da Internet
por escalões etários é mais equilibrada, embora ainda seja visível o maior peso dos
indivíduos com graus de escolaridade mais elevados, mas não de forma tão marcada.
Na Rússia, a percentagem de inquiridos com um grau de licenciatura ou mais é de 62%
e, no Agrupamento 3, a média percentual é de 43,9%. Ademais, verifica-se nestes
agrupamentos maiores percentagens de respondentes que trabalham a tempo inteiro
e menores percentagens de entrevistados desempregados. Daí que se possa inferir
que a utilização da Internet esteja mais democratizada nos Agrupamentos 1 e 4, o que
se poderá refletir em perfis de utilização da Internet e de leitura e escrita nas redes
sociais mais diferenciados dada a multiplicidade de interesses mobilizados pelos
utilizadores de diferentes grupos sociais.

357
Na figura 9 podemos observar o tipo de perfil médio de leitura e escrita nas
redes sociais nos agrupamentos atrás identificados.

Figura 9. Gráfico de radar sobre as práticas de leitura e escrita nas redes sociais online,
por agrupamentos de países (%):

Agrupamento 1 (EUA, Canadá, Reino Unido, Austrália, Alemanha e França) Agrupamento 2 (Rússia)

Agrupamento 3 (México, Brasil, Turquia, Índia, China) Agrupamento 4 (Itália, Portugal, Espanha, África do Sul)

Essencialmente ler: Conteúdos literários,


anúncios e resenhas culturais, informação
científica ou noticiosa e opiniões de figuras
públicas
90
Ler e comentar: Conteúdos literários, anúncios e
Ativismo mediano ou forte 80 resenhas culturais, informação científica ou
noticiosa e opiniões de figuras públicas
70

60

50 Essencialmente ler: Petições e manifestos,


Publica/escreve: Pensamentos, estórias e
críticas políticas, motes ou "memes", banda
experiências pessoais, mensagens de parabéns 40 desenha ou cartoons, convites para eventos e
ou de tributo, opinião de amigos, convites para
programas de conferências, letras e vídeos de
eventos 30 música, publicidade de produtos e serviços
20

10

0
Ler e comentar: Petições e manifestos, críticas
Publica/escreve: Anedotas e piadas, banda políticas, motes ou "memes", banda desenha ou
desenhada ou cartoons, vídeos e letras de cartoons, convites para eventos e programas de
músicas, motes e "memes", elementos artísiticos conferências, letras e vídeos de música,
publicidade de produtos e serviços

Essencialmente ler: Pensamentos, estórias e


Publica/escreve: Críticas políticas, petições e experiências pessoais, mensagens de parabéns
manifestos, programas de conferências, ou de tributo, opiniões e mensagens de amigos
publicidade a produtos e serviços online ou comentários escritos por outros
utilizadores
Ler e comentar: Pensamentos, estórias e
Publica/escreve: Citações de autores famosos,
experiências pessoais, mensagens de parabéns
opiniões de figuras públicas, artigos científicos,
ou de tributo, opiniões e mensagens de amigos
notícias dos media, anúncios e resenhas
online ou comentários escritos por outros
culturais, poemas e passagens de livros
utilizadores

Dadas as tendências globais já identificadas atrás podemos vislumbrar, contudo,


diferenças entre o agrupamento de países. No agrupamento 1, isto é, entre os
inquiridos dos países anglo-saxónicos, da Alemanha e da França, a par dos outros
respondentes, essencialmente ler ou ler e comentar conteúdos guiados por relações
de amizade e pessoais constituem das principais atividades, que são atividades de cariz
mais fático e mais direcionadas para a manutenção dos laços fortes. Já as práticas de
leitura e comentário mais dirigidas para interesses específicos (políticos, lúdicos e de
consumo), mais próximas da expansão dos laços fracos, são das práticas menos
frequentes a par da leitura e comentário de conteúdos literários e de busca do
conhecimento. Quanto a estas práticas os respondentes do agrupamento 1 assumem
um interesse mais distanciado, visto que preferem, grosso modo, ter uma prática mais
passiva de somente leitura em vez de ler e comentar. Quanto à publicação e escrita de
matérias é dada clara ênfase, para cerca de 80% dos respondentes deste

358
agrupamento, às de cariz fático, pessoal e direcionado para o fortalecimento dos
vínculos sociais, embora um pouco menos que no agrupamento 3. Os respondentes do
agrupamento 1 são ainda dos que demonstram menor motivação para a partilha e
escrita de conteúdos, lúdicos ou “intelectuais”. A par dos inquiridos russos, são dos
que menos partilham e escrevem materiais politizados nas redes sociais online, o que
se reflete nas percentagens menores de respondentes com um ativismo mediano ou
forte face às frequências relativas neste campo verificados no agrupamento 4 e, em
especial, no 3.
Estas tendências parecem ir ao encontro dos postulados de Cardoso e Araújo
(2009), para quem a Internet evoluiu de um espaço de guardadores de conhecimento
para um espaço fundamentalmente construído em torno de atividades de
comunicação que configuram o arquétipo do comunicador. No que se refere à
Austrália, Ewing e Thomas (2009) indicam que o papel da Internet como fonte de
entretenimento é muito mais forte entre os jovens e que a sua utilização criativa tem
algumas características sociais distintivas: uma base de utilizadores em expansão,
atraindo, por exemplo, cada vez mais mulheres, embora haja uma maior probabilidade
de encontrar um internauta criativo entre os jovens, a proceder ao carregamento e ao
desenvolvimento de conteúdos online. Caron e Caronia (2009), partindo da sua
pesquisa no Canadá, declaram que os seus dados são mais coincidentes com a noção
de que os jovens internautas são geralmente utilizadores ativos, capazes de
interpretar, julgar e escolher e, consequentemente, capazes de utilizar conhecimentos
e competências em ambientes online, mas também no que concerne à avaliação dos
conteúdos dos media tradicionais.
Quanto à leitura e escrita de conteúdos politizados e a sua relação com práticas
ativistas, paradoxalmente um alargamento e democratização da utilização da Internet
nas sociedades ocidentais não significa uma atividade mais democrática no sentido da
participação política nas redes sociais online. Daí que, neste contexto, os resultados
pareçam aproximar-se da tese da normalização que aponta que as atividades
politizadas online aparecem tendencialmente associadas a indivíduos com níveis de
escolaridade e de status socioeconómico elevados e àqueles que são também os mais
interessados e os mais ativos na atividade política offline (Johnson e Kaye, 2003).
Hindman (2009) sugere que pode haver uma divisão política entre os internautas e
disparidades no uso da Internet dependendo das atitudes políticas. Todavia, Vedel
(2009), baseado no seu estudo no contexto francês, assinala que as questões não são
tão lineares assim, visto que detetou públicos variados com contacto com materiais
politizados e novas formas de campanha e atividade política que misturam
entretenimento com política – o que também parece ir de encontro ao demonstrado
na nossa análise fatorial sobre as práticas de leitura e comentário onde conteúdos
politizados aparecem adunados com materiais lúdicos na mesma dimensão.
Os respondentes russos assumem uma posição entreposta, daí que
componham um agrupamento à parte, visto que nalguns aspetos estão mais próximos

359
dos inquiridos do agrupamento 1 e noutros perto dos indivíduos dos países que
formam os agrupamentos 3 e 4. Assim, partilham com os respondentes do
agrupamento 1 a menor apetência para publicar e escrever conteúdos politizados ou
relacionados com o consumo e, consequentemente, percentagens mais baixas de
indivíduos entrevistados com práticas de leitura e escrita relacionadas com um
ativismo nas redes sociais online, mediano ou forte. Tal parece consistente com a
pesquisa de Semetko (2003) que apurou que os sites de jornais somente online são os
mais populares, que as versões online dos meios de comunicação offline são de
importância secundária, em contraste com o que foi encontrado em democracias
estabelecidas, e que os sites politizados ou partidários são de menor importância para
os utilizadores, com base no número de acessos a esses sites.
Por outro lado, a seguir aos inquiridos do agrupamento 3, que engloba os
restantes países emergentes BRICS, os entrevistados russos são dos que mais lêem ou
lêem e comentam conteúdos intelectualizados, dos que mais publicam e escrevem
este tipo de materiais e dos que mais lêem e comentam conteúdos de cariz fático,
pessoal e relacional, embora aqui as diferenças entre agrupamentos sejam pequenas.
Rose (2006) assinalou que em termos percentuais a população russa online é ainda
pouco significativa em comparação com os seus vizinhos nórdicos. No entanto, é de
registar um aumento fortíssimo da utilização da Internet na Rússia que, no final de
2011, apresentava uma taxa de penetração de 44,3% e um número total de
utilizadores de cerca de 61 milhões. Parecem assim confirmar-se as tendências
identificadas por Rose (2006) de um uso da Internet claramente ascendente na Rússia
e na identificação de aderentes precoces, um termo que, para o autor, é mais
apropriado para caracterizar a difusão do uso das tecnologias digitais do que o rótulo
estático de exclusão digital. Rose defende ainda que a difusão da Internet na Rússia vai
aumentar os seus recursos internos em russo, dado o limitado conhecimento de
línguas estrangeiras, incluindo o inglês. Esta delimitação geo-linguística do ciberespaço
russo torna a Internet um meio "introvertido" para os russos se comunicarem uns com
os outros, tal como é para os norte-americanos, ao invés de uma janela para o mundo.
Quanto agrupamento 3 que reúne os restantes países emergentes do bloco
BRICS, acompanhados do México e da Turquia, há a destacar a tendência para
comporem o conjunto de respondentes com práticas mais generalizadas de leitura
e/ou comentário dos mais diversos conteúdos, assim como de publicação e escrita na
generalidade dos conteúdos, sejam guiados por interesses relacionados com a vida
pessoal e as relações de amizade, por interesses lúdicos, políticos ou de consumo ou
interesses literários. Neste agrupamento, aqueles que usam as redes sociais online,
utilizam-nas intensamente e apresentam igualmente nesse domínio um ativismo
mediano ou forte mais elevado. Estamos, portanto, a falar de perfis de uso mais
específicos no âmbito destes países, que têm sido palco de um conjunto de
transformações rápidas nos últimos anos no plano económico e social. Apesar de
serem países que têm demonstrado taxas de crescimento económico pujantes nos

360
últimos tempos, são ainda marcados por níveis elevados de desigualdade
socioeconómica, o que, segundo Helsper e Galácz (2009), se reflete na maior
probabilidade de haver relações mais fortes entre as exclusões social e digital. Será útil
relatar determinadas dinâmicas nalguns países deste agrupamento para perceber um
pouco melhor as suas mudanças internas quanto à ecologia dos media.
Segundo dados da Booz & Company (2009), a penetração de banda larga no
mercado brasileiro vem crescendo desde 2001, e em Dezembro de 2008 alcançou 5,2%
para cada 100 habitantes. Apesar do crescimento, o Brasil ainda tem um longo
caminho a percorrer a fim de tornar a banda larga um dos motores da economia
brasileira, considerando que a penetração ainda é muito baixa quando comparada com
taxas noutros países emergentes e da América Latina, como Chile e Argentina. No que
concerne ao México, Gutiérrez e Islas (2009) identificaram uma ecologia mediática
nova com características particulares: com números crescentes de utilizadores, a
Internet é mais usada para propósitos informacionais e a televisão um meio para
entretenimento e relaxamento. O mercado de telecomunicações no México é
caracterizado, na prática, por um monopólio quanto aos serviços de Internet. O seu
uso é claramente estruturado por classe social ou nível socioeconómico e fortemente
estruturado por idade, com um predomínio de uma população de utilizadores mais
juvenil, o que acompanha a estrutura da utilização dos restantes países do mesmo
agrupamento. Portanto, o contexto institucional e a ecologia e a cultura mediáticas são
fatores importantes que moldam o resultado do uso da Internet num dado país
(Cardoso, Liang e Lapa, 2013).
No que diz respeito à China, o processo de modernização tem afrouxado os
laços tradicionais da família chinesa e estimulado processos de migração interna de
muitos jovens que se dirigem para as cidades, o que tem tido reflexos nas formas de
comunicação online (Cardoso, Liang e Lapa, 2013). Estes processos tornaram o envio
de mensagens instantâneas popular na China, tornando-se num instrumento central
para o reforço dos laços fortes. Quanto a atividades de leitura e comentário politizadas
os nossos dados convergem com o relatório do World Internet Project (WIP) de 2008,
onde os inquiridos das áreas urbanas da China (46%) exibiram níveis elevados de
concordância (WIP 2008: 186) com a afirmação de que a Internet «dará aos
utilizadores uma palavra a dizer nas ações do governo» face à maioria dos
remanescentes países ou regiões participantes no estudo, com percentagens globais
relativamente baixas de utilizadores (entre os 20 a 25 por cento) que concordaram
com essa afirmação. Isto sugere que os internautas chineses percecionam a Internet
como algo que pode contribuir para algumas mudanças estruturais básicas na política
e na sociedade chinesa, o que é suportado por pesquisas relacionadas com os valores e
as atitudes a nível global sobre a Internet (Dutton et al., 2007).
No que concerne ao agrupamento 4, composto pelos países do Sul da Europa
acompanhados da África do Sul, um país emergente e com dinâmicas de
desenvolvimento no contexto africano, nas práticas de leitura estão próximos da

361
Rússia e dos países do agrupamento 3. Aproximam-se ainda dos internautas russos
quanto às dinâmicas de publicação e escrita de conteúdos nas redes sociais online,
exceto no que diz respeito aos materiais politizados e relacionados com o consumo,
onde as práticas dos seus utilizadores se aproximam das práticas dos inquiridos do
agrupamento 3, o que condiz com um grau de ativismo mediano ou forte claramente
mais elevado que o registado no agrupamento 1 e na Rússia, mas ainda assim menos
elevado que o do agrupamento 3. Neste contexto, são de assinalar os problemas
financeiros, económicos e sociais dos países do sul da Europa que se refletem, por
exemplo, nas taxas de desemprego altas, em particular entre os jovens, e os cortes no
rendimento, que podem constituir em si mesmos elementos motivadores da leitura,
escrita e comentário de conteúdos mais politizados. São ainda de assinalar algumas
dinâmicas apontadas por Tabernero et al. (2009), como a explosão generalizada da
comunicação móvel, que abriram a porta à participação direta e ao surgimento de
culturas participativas e colaborativas entre os utilizadores espanhóis, em particular os
mais novos, que demonstram formas de consumo cultural multimodal e novas práticas
mediáticas que guiam a formação da identidade, a negociação de status e a
sociabilidade entre pares.

Networking: procura, síntese e disseminação da informação

Como vimos, podemos diferenciar as práticas de leitura e escrita nas redes sociais
online consoante dinâmicas motivacionais. São os conteúdos de cariz mais fático
guiados pelo interesse em partilhar conteúdos passíveis de reforçar vínculos sociais
(laços fortes) que compõem as práticas mais frequentes de leitura e escrita nos sites
de redes sociais. A utilização de sites e a partilha e criação de conteúdos e de
informações que têm por base interesses mais utilitários ou lúdicos, relacionados com
a expansão de laços fracos, apelam a conjuntos de utilizadores mais circunscritos
socialmente. De qualquer maneira, Ellison e Boyd (2013) sublinham a crescente
importância que as redes sociais online têm tido na cultura popular. As autoras,
acompanhando a evolução dos media sociais, assinalam que os sites de redes sociais
têm-se tornado mais media-centrados e menos centrados em utilizações em torno dos
perfis. A maior parte desses sites são hoje organizados em torno de um fluxo constante
de conteúdos recentemente atualizados, seja na forma da alimentação (feeds) de
notícias do Facebook ou como a organização da informação na página do Twitter.
Naaman, Boase e Lai (2010) referem-se a essas transmissões como “fluxo de perceção
social”. Na maior das redes sociais o fluxo de conteúdo de cada pessoa está povoado
com materiais provisionados por aqueles que foram escolhidos como “amigos” ou por
conexões que se decidiram seguir. Estes espaços de partilha de texto, vídeo ou fotos
são praticamente universais, e o anúncio da sua disponibilidade é frequentemente
anunciada no fluxo de atualizações. A coleção agregada dos conteúdos de uma rede de

362
contatos serve como ponto de partida para outras atividades, substituindo, em larga
medida, o ato de navegar de perfil em perfil, ou de página em página, para descobrir
informações ou materiais atualizados.
Estas noções remetem para uma função básica de estar em rede: fazer
networking, enquanto processo, é nunca estar parado e, constantemente, procurar,
agregar, sintetizar e disseminar informação e os mais variados conteúdos. Neste
sentido, as fronteiras entre o que constitui uma rede social como o Facebook ou o
Twitter e um meio noticioso esbatem-se. Isto remete para o conceito de Jenkins (2006:
27) para definir a convergência dos media, uma dinâmica central no contexto da
comunicação em rede (Cardoso, 2006), como um fluxo de conteúdos através de
múltiplos suportes mediáticos, a cooperação entre múltiplos mercados mediáticos e o
comportamento migratório dos públicos nos media, que vão a quase qualquer parte à
procura das experiências de entretenimento que desejam. Neste contexto de
convergência dos media, o utilizador tem maior autonomia para definir quais as
estórias importantes, devendo ser contadas a partir de uma ou mais perspetivas. Isso
contribui para o aumento da geração de conteúdo e, consequentemente, para a
disseminação do mesmo. Deste modo a convergência é uma palavra que define
transformações tecnológicas, mercantis, culturais e sociais, dependendo de quem está
a transmitir informação e do que imaginam estar a transmitir (Jenkins, 2006: 27).
Usualmente, encontramos em redes sociais como o Facebook ou o Twitter temas que
estão a ser expostos noutros meios de informação como a televisão, a rádio, os meios
impressos e até outros sites da Internet. Essa capacidade de gerar conteúdo para os
meios tradicionais e também fazer uso do que é apresentado nesses meios, mostra-
nos, na prática, como o conceito de convergência envolve cada vez mais a produção e
disseminação de conteúdos nos mais diversos media, sejam eles ditos tradicionais,
virtuais ou sociais.
Alguns membros das gerações anteriores, onde se incluem pais e educadores,
socializados num sistema e num contexto mediático diferente, com biografias
mediáticas diferenciadas, assinalam preocupações quanto ao ambiente mediático
contemporâneo, que alguns apontam como sendo mais baseado no consumo imediato
e na satisfação imediata das emoções (Cardoso, Espanha e Lapa, 2009). Segundo esta
visão, a leitura, enquanto prática habitual entre as crianças e os jovens, atividade que
requer paciência, concentração e persistência, poderá estar a ser desafiada por uma
cultura dos media contemporâneos que celebra a mobilidade, o curto-prazo, a
realização de tarefas em paralelo. Em convergência com que foi dito por Hayles (2010)
a propósito dos internautas norte-americanos, os dados de estudos anteriores
efetuados em Portugal (Cardoso, Espanha e Lapa, 2009) mostram que, mesmos nas
gerações mais novas de utilizadores, socializadas no seio de uma paisagem mediática
em mudança, cerca de 60% afirma ter hábitos de leitura. Quanto ao perfil dos leitores,
verificou-se que há a tendência para serem as raparigas as maiores consumidoras de
livros e que há uma maior percentagem de leitores entre os inquiridos mais novos (dos

363
8 aos 12 anos). Apurou-se ainda que 31,4% dos adolescentes costumam ler jornais,
hábito que tende a aumentar entre os jovens que se encontram à entrada da vida
adulta. Estes dados sugerem a ideia de que crescer, tornar-se adulto, significa também
estar mais atento ou atenta ao que se passa no mundo social em volta. De um modo
geral, os dados do estudo de Cardoso, Espanha e Lapa demonstram indicadores de
literacia nas gerações mais novas segundo os moldes tradicionais. Acrescentando a
consulta de páginas na Internet, a utilização de chats e de programas de mensagens
instantâneas e a exposição constante a mensagens de telemóvel, não será arriscado
dizer que a população portuguesa em geral, incluindo as crianças e os adolescentes, lê
porventura mais que antigamente. Embora alguns possam argumentar que essa leitura
se refere a informação efémera e, em grande parte, vazia de conteúdo. No entanto,
podemos dizer que assistimos ao desenvolvimento, em paralelo, de diferentes tipos de
literacia e de competências mediáticas ligados à utilização das novas tecnologias da
informação e comunicação.
Claro que se pode avançar a hipótese que os jovens importam, quando lêem a
imprensa escrita, formas de leitura específicas, fruto de alterações ao nível cognitivo
trazidas pela socialização nos jogos, na Internet e nos novos media. Num mundo onde
se celebra o blogue, as redes sociais e a escrita curta e menos cuidada, ler um livro na
diagonal ou saltar partes de um livro à busca de uma gratificação mais imediata na
leitura pode ser uma possibilidade. Deste modo, novos tipos de literacia ou novas
práticas mediáticas poderão estar a sobrepor-se a competências mais tradicionais
como a leitura. Esta hipótese tem eco na literatura com Nicholas Carr (2010) a
perguntar se, no fundo, estão os motores de busca como o Google e outras
ferramentas da Internet a tornar-nos estúpidos?, debruçando-se, assim, sobre a
influência da Internet na forma como lemos e processamos a informação. De facto,
motores de pesquisa como o Google e, mais recentemente as redes sociais,
revolucionaram o acesso e o processamento da informação. Muitos cidadãos e até
profissionais como jornalistas ou cientistas poderão ter a sensação que já não
poderiam viver sem os motores de pesquisa e sem os media sociais. Contudo, Carr
discute os riscos de tal utilização e adianta a hipótese de que quanto mais tempo
passamos na Internet, menor a capacidade de concentração numa leitura mais vasta e
profunda, como ler um livro.
Há, no entanto, que contextualizar estas preocupações, que não cabe aqui
discutir no plano cognitivo. Sempre que se introduziram novos media e estes se
popularizaram, houve sempre reações à sua massificação e preocupações quanto aos
possíveis efeitos da sua utilização intensiva. O advento da televisão e, mais tarde, a
popularização dos jogos multimédia nos anos 80 e 90, provocaram reações idênticas, e
assim se espera que venha a acontecer sempre que sejam introduzidas inovações
tecnológicas no campo dos media. Muitas preocupações remetem para um passado
idílico na relação dos indivíduos e, em particular dos mais jovens, com a leitura, que
nunca se chegou a verificar ou se verificava apenas numa pequena parte da sociedade

364
portuguesa. Mais ainda num país como o nosso, que tem, historicamente, elevados
níveis de iliteracia em comparação com o restante contexto europeu.
Ademais, estas questões não têm de ser discutidas de um modo maniqueísta:
Internet ou redes sociais online versus competências linguísticas e práticas de leitura.
Existem projetos que tentam ligar a aprendizagem e a prática das línguas com as
características e os canais interativos dos SRSs. Neste campo, são de salientar os
projetos em torno dos media sociais para a aprendizagem de línguas (Social Media
Language Learning ou SMLL) que permitem que os utilizadores desenvolvam
competências de comunicação e linguagem e a possibilidade de participar em tempo
real, em conversações relevantes levadas a cabo online, e praticar a língua-alvo, com
ou sem a ajuda de um professor experiente. Isto surge do reconhecimento que
aprender uma língua diferente envolve aspetos sociais que influenciam a maneira pela
qual os indivíduos aprendem uma língua. Plataformas como a Live Mocha, Bussuu,
Palabea ou Italki podem constituir redes sociais completas no seu núcleo, onde os
utilizadores constroem o seu próprio perfil e indicam os idiomas que já dominam e os
que gostariam de aprender. Nessas plataformas são oferecidos serviços de chat ou de
mensagens instantâneas, jogos interativos, aulas gratuitas ou pagas, exercícios, texto e
vídeo, entre outras funcionalidades.
As questões da leitura digital relacionadas com o grande aumento do uso das
redes sociais online prendem-se não só com o surgimento de novas literacias, com a
evolução de práticas e de consumos, mas também com considerações vastas como o
futuro da língua portuguesa e a sua relevância no mundo. Esquecer o contributo e a
importância crescente da leitura e escrita digitais na Internet e nas redes sociais online
é decepar a compreensão do uso destas e a conceção de políticas públicas para a
promoção das literacias, da leitura e da relevância da nossa língua na sociedade em
rede. Neste campo, faria, por exemplo, sentido a criação e promoção de uma rede
social online vocacionada para a “cultura” lusófona ou plataformas de media sociais
vocacionadas para a aprendizagem e prática do português ou para a promoção da
leitura e da escrita, enquadradas, porventura, por instituições públicas e sob o chapéu
de uma política da língua que aproveite as novas possibilidades tecnológicas.

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371
PARTE IV

NOVAS INSTITUIÇÕES DA LEITURA E DO LIVRO

372
O principal pressuposto sob o qual se encontram organizados os capítulos que dão
corpo a esta secção é o de que o desenvolvimento tecnológico está a afectar as várias
instituições relacionadas com a leitura. Se o primeiro texto funciona enquanto roteiro
por um leque muito diversificado de tópicos ou análises – elencam-se aí diferentes
case studies de apropriação da leitura digital em múltiplos pontos do globo, procede-
se a uma revisão das políticas públicas que têm vindo a ser adoptadas nesse âmbito,
observa-se com particular atenção a realidade do mercado académico, quer pelo seu
pioneirismo quer por permitir reconhecer tendências que são depois mimetizadas
noutros sectores, assinala-se como as bibliotecas escolares e públicas têm sido
confrontadas com diversos desafios neste processo, bem como as próprias editoras,
livrarias e os respectivos modelos de negócio, identificam-se alguns dos players mais
importantes em certas dimensões, mostra-se, em suma, como a transição para o
digital vem provocando transformações em toda a cadeira do livro, desde a concepção
do objecto à sua produção, finalidade, distribuição e mesmo cultura associada -, tem-
se em vista nos outros dois um exame mais fundo em torno do universo das
bibliotecas que, lembrou-o Christophe Evans num artigo recente164, experimentam
hoje os desafios colocados pelas novas maneiras de, digitalmente, se aceder aos
conteúdos escritos. Do panorama traçado sobre as práticas de leitura em contexto de
biblioteca em 16 países, cingindo-se aos indivíduos que utilizam a Internet, saliente-se
por exemplo que, face aos EUA ou ao conjunto de países europeus considerados, é nos
BRICS que se verifica uma frequência mais assídua das bibliotecas (e da requisição de
livros em formato digital), ou que, não obstante, apenas uma minoria da amostra
global de inquiridos (18%) já alguma vez recorreu a uma biblioteca para requisitar
livros digitais. Comprovando-se que o acesso a materiais impressos (livros, jornais,
revistas) continua a constituir uma das principais actividades para que se procuram as
bibliotecas, são também indicadas quais as razões da não requisição de livros em
suporte digital nessas instituições: destacam-se o desconhecimento de que
determinadas bibliotecas disponibilizam e-books (no caso português, essa oferta é
praticamente residual quando comparada com a realidade americana) ou o achar-se
mais fácil fazer download. O facto de muitos indivíduos terem a expectativa de vir a ler
mais em suporte digital no futuro acaba por ser outro aspecto a reter no quadro de
uma nova política a ser pensada para as bibliotecas que, superando obstáculos vários e
redefinindo prioridades, “podem ter um papel crucial na aproximação à leitura digital e
na construção da cidadania”. No último capítulo, dedicado a analisar os recursos e
serviços que um grupo de bibliotecas escolares e municipais em Portugal disponibiliza
aos seus frequentadores, dá-se aí também conta das perspectivas dos seus
responsáveis e aborda-se os diferentes tipos de relação mantidos com os conteúdos e
ferramentas digitais no quadro da oferta global desses espaços. Põe-se assim a nu
como as bibliotecas acabam por participar na(s) leitura(s) que os indivíduos levam a

164 e
Evans, Christophe (2012), “Actualité et inactualité des bibliothèques au XXI siècle”, in Le livre, le
numérique, le débat, nº 170, Paris, Gallimard, pp. 63-69.

373
cabo, sejam elas de cunho mais lúdico, informal ou “sério”, em resultado das suas
dinâmicas de adaptação ao paradigma digital.

374
10

Tendências internacionais sobre as instituições da leitura e leitores na era da


Internet165

Liliana Pacheco

165
Este capítulo contou com a colaboração de José Afonso Furtado através da selecção de um conjunto
de estudos, textos e análises sobre o livro e a biblioteca no contexto digital. Essa selecção foi partilhada
na lista de discussão do projecto ao longo da duração do mesmo, tendo sido escolhida para este âmbito
uma parte significativa dessas contribuições. Sem a colaboração inestimável de José Afonso Furtado não
poderia o presente capítulo ter sido produzido.

375
Os desenvolvimentos espectaculares das novas tecnologias e da comunicação na
última década e meia trouxeram alterações profundas no relacionamento dos leitores
com as várias instituições relacionadas com o livro: escolas, bibliotecas, editoras e
livrarias. Pegando nestes dois últimos exemplos, pode-se afirmar que é preciso
encontrar novos modos de produção e de distribuição dos livros, já que o modelo de
negócio como existia não é viável com o livro digital. São muitos os desafios que se
colocam à indústria e às instituições, algo que se tentará descrever em maior
pormenor seguidamente. Tentar-se-á exemplificar e reflectir sobre algumas políticas
públicas que têm sido levadas a cabo por vários governos na tentiva de implementação
do livro digital.
A própria noção de “livro digital” não é pacífica. José Afonso Furtado afirma que
“muitas das categorias com que temos lidado, captado, entendido e apropriado a
cultura escrita estão a alterar-se: «assistimos a mudanças nas técnicas de reprodução
do texto, na forma ou veículo do texto e ainda nas práticas de leitura. (…) Hoje estas
três revoluções – técnica, morfológica e material – estão perfeitamente interligadas»
(Chartier, 2002). Assim, nestes últimos anos temos vindo a assistir ao aparecimento de
livros em versão digital, de editores electrónicos, de livrarias virtuais, de obras de
referência e bases de dados textuais online, de obras hipertextuais e de dispositivos de
leitura electrónicos” (Furtado, 2003: 1).
As caracterizações mais elementares da edição electrónica tendem a concentrar-se na
distribuição electrónica de conteúdos e, nos anos mais recentes, o termo livro
electrónico ou ebook viu-se apropriado pelas empresas que vendem dispositivos
electrónicos para apresentação de textos digitais (Furtado, 2003).
Bazin (1996, apud Furtado, 2003: 17) refere que a “ordem do livro” - um campo
simultaneamente cognitivo, cultural e político, em torno do qual “o objecto livro
ocupava a posição central” - se encontra já em plena reconfiguração e que essa
“cultura do livro” (ou seja, uma certa maneira de produzir saber, sentido e
sociabilidade) está, pouco a pouco, a desaparecer.
No fundo, são dois clusters conceptuais em jogo: por um lado, o da “cultura do livro”,
com a sua família de conotações associadas a expressões como livro impresso,
tradição tipográfica ou gutenberguiana, textualidade, linearidade, abstracção,
raciocínio dedutivo, monomedialidade e contexto fechado. Do outro lado, do lado da
“nova cultura” multimédia, encontramos expressões como multimedialidade,
hipertextualidade, hipermedia, multilinearidade, imersão, raciocínio analógico ou
contexto aberto (Roncaglia, 2001).
O projecto Gutenberg, criado por Michael Hart em 1971, pode ser considerado o
primeiro empurrão para a criação dos ebooks. Este projecto foi o mais antigo produtor
de livros electrónicos do mundo e teve como objectivo principal a criação de uma
biblioteca de versões electrónicas livres (também conhecidas como e-textos); esta
biblioteca integrava livros fisicamente já existentes que pertenciam ao domínio público
e que, desta forma, surgiram pela primeira vez em formato digital, como a Declaração

376
de Independência dos Estados Unidos da América, a Bíblia, bem como obras de
Homero, Shakespeare e Mark Twain. O livro Lendas do Sul, de João Simões Lopes Neto,
foi a primeira obra literária em português publicada pelo projecto Gutenberg, em 2001
(Junior et al., 2007).
Os ebooks ou livros electrónicos têm atravessado vários desenvolvimentos
tecnológicos. Fazendo uma cronologia para melhor nos situarmos, a primeira aplicação
comercial de e-paper foi lançada no Japão em 2004. Os audio-livros começaram a ser
desenvolvidos e distribuídos pelos vendedores no final dos anos 1980, embora álbuns
falados já existissem antes da era das cassetes de vídeo, dos DVD e dos CD. Em
Outubro de 2004, na Feira do Livro de Frankfurt, a Google lançou o seu projecto
“Google Print”, que mais tarde se veio a tornar no Google Books. Em Setembro de
2006, a Sony disponibilizou um e-reader nos Estados Unidos. A Amazon lançou o
Kindle, o seu e-reader, em 2007. Mas a chegada do iPad da Apple em 2010 (tal como o
lançamento do iPhone, alguns anos antes) veio alterar o panorama, já que a empresa
de tecnologia configurou a sua própria plataforma de venda de iBooks (seguindo o
modelo da sua loja de iTunes) e propôs um modelo de negócio diferente às editoras.
Para a consultora PWC, o ano de 2010 foi o ponto de viragem no que se refere à
penetração dos e-readers nos mercados globalizados: o preço dos e-readers caíram e
os gastos aumentaram em 51%166.
Outras empresas de tecnologia, como a Samsung e a HTC (que utilizam o software
Android, da Google), tentaram incursões no sector, oferecendo modelos de
distribuição centrados nos seus dispositivos.

Políticas públicas e programas governamentais de apoio à transição para o livro


digital

A propagação crescente das novas tecnologias na generalidade dos sectores da


sociedade tem conduzido a uma necessidade, cada vez maior, por parte dos países de
todo o mundo, em adoptar políticas de disseminação e massificação de acesso às
novas tecnologias digitais, com vista à educação e formação dos cidadãos. Essas
políticas baseiam-se na ideia de que é prioritário, em pleno século XXI e na chamada
Sociedade da Informação ou do Conhecimento, que os cidadãos adquiram
determinadas competências ao nível dos usos das tecnologias, contribuindo, assim, a
um nível macro, para o fortalecimento de uma economia competitiva e dinâmica com
base no conhecimento (Melro e Pereira, 2011).
De forma a enfrentar as dificuldades de entrada no mercado de trabalho, resultantes
de uma acentuada crise económica e aumento do desemprego e pobreza mundiais, a
capacidade para rapidamente adquirir e aplicar novos conhecimentos e competências
associados ao uso dos meios digitais, por parte dos indivíduos, é considerada uma

166
Turning the Page. The Future of Ebooks, disponível em
http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf

377
condição essencial no mundo em que vivemos (Trilling e Fadel, 2009). Neste sentido,
torna-se necessário desenvolver um sistema educativo que evolua no sentido de
capacitar os cidadãos para saber usar, de modo crítico, os meios e tecnologias digitais.
A educação é concebida, portanto, como a “chave para a sobrevivência económica no
século XXI” (ibidem) e a literacia digital como forma de integrar os cidadãos na
Sociedade da Informação.
A implementação das tecnologias digitais em contexto escolar tornou-se, deste modo,
uma das características mais proeminentes das políticas públicas para a educação nas
últimas duas décadas (Selwyn, 2011).
Embora com agendas distintas, consoante os governos que as concebem e
implementam, estas políticas têm, no entanto, princípios comuns, muita vezes
orientados mais por estratégias político-partidárias do que pedagógicas e educativas. A
deriva tecnológica destas políticas, as suas pretensões de natureza económica e o seu
desfasamento face à realidade dos sistemas escolares são, com frequência, algumas
das críticas erigidas por diferentes sectores da sociedade, nomeadamente por
especialistas destas matérias (Melro e Pereira, 2011).
Ainda segundo Selwyn, o possível fosso entre as políticas e as práticas, não representa,
necessariamente, uma falha dos decisores políticos em compreender a realidade
escolar e a tecnologia digital. Em vez disso, “os decisores políticos podem não estar a
desenvolver essas políticas e iniciativas com intenções puramente educativas. Como
tal, as medidas políticas podem ser vistas como conceitos ideológicos cujas
contradições internas e imprecisões servem para mascarar as agendas sociais, políticas
e económicas que são usadas para propagar” (Selwyn, 2011: 59).
Em questões tecnológicas, os Estados Unidos são ainda considerados o país de
referência e é também o país no qual têm sido realizados mais estudos sobre este
tema. Vejamos por isso alguns casos de estudo ao nível das políticas públicas em curso
nesse país. O San Diego Unified School District anunciou a compra de 27 000 iPads
para os estudantes utilizarem. Os iPads destinam-se a alunos do 5.º e 7.º anos e
destinam-se a ser usados enquanto eles estiverem na escola. O distrito vai gastar 370
dólares americanos por iPad – um pouco menos do que o computador que está a
substituir (389 dólares).
O projecto faz parte da iniciativa i21 e é financiado por uma medida que os eleitores
aprovaram em 2008. O distrito de San Diego está no terceiro ano de um plano a cinco
anos para renovar e equipar 7000 salas de aula com novas ferramentas tecnológicas,
com o objectivo de melhorar a experiência de aprendizagem de todos os estudantes.
Nos dois primeiros anos do plano, o distrito escolar distribuiu 75000 computadores
para as salas de aula. Depois, os computadores foram deixados de lado em favor de
iPads, embora não seja claro se os iPads serão entregues aos alunos como os
computadores deveriam ser. A iniciativa i21 inclui mais do que apenas entregar
computadores e iPads aos estudantes. Também há financiamento para equipar os
professores com tablets novos e impressoras a laser, quadros interactivos e outras

378
tecnologias úteis para cada sala de aula. Também inclui formação para os professores
no uso do iPad, com informações e dicas sobre como selecionar aplicações educativas.
Há outros programas menos expressivos de atribuição de iPads na área de San Diego.
Por exemplo, uma escola privada, a Cathedral Catholic High School, vai entregar iPads
a 1700 alunos e pedir o reembolso aos pais.
Enquanto a Apple anunciava como os iBooks iriam revolucionar a educação, o
especialista Nate Hoffellder167 questiona se o objectivo não seria o programa acima
descrito. Provavelmente a Apple irá vender um número considerável de livros digitais
para este distrito escolar, mas este número será pequeno quando comparado com os
10 milhões de dólares que o distrito escolar San Diego já gastou em hardware.
A Apple nunca tinha sido um caso tão sério no que diz respeito a vender conteúdos e
isto faz-nos recuar até ao lançamento do iTunes. O conteúdo sempre tinha sido um
meio para as vendas de hardware. É por isso que, no primeiro trimestre de 2012, a
Apple facturou mais de 10 milhões de dólares em iPads e iPods e apenas 1,7 milhões
em conteúdos via iTunes. Nate Hoffellder questiona ainda se a grande revolução que o
iBook trouxe não será encher ainda mais os cofres da Apple.
O Secretário para Educação americano Arne Duncan e o Presidente da Comissão
Federal para as Comunicações Julius Genachowski desafiaram as escolas e as editoras
a fazerem a conversão para o livro digital no prazo de cinco anos. A maior parte das
editoras escolares já está a fazer a transição, mas a questão aqui é o que se entende
por “livro digital”. Claramente não será um PDF ou um EPUB: “Não estamos a falar de
um livro de texto impresso passado a digital. Estamos a falar de ambiente de apoio à
aprendizagem muito mais robusto, interactivo e envolvente”, afirmou Karen Cator,
director do gabinete para a educação tecnológica do Departamento de Educação. A
ideia da interactividade está sempre presente, conforme Genachowski sustenta:
“Quando um estudante se depara com alguma coisa que não compreende num livro
impresso, ele fica encravado. Trabalhando com o mesmo material num livro digital, ao
deparar-se com alguma coisa que não compreende, o aluno pode explorar, seja o
significado de uma palavra, seja a resolução de um problema de matemática” 168.
Este empurrão da administração Obama chegou duas semanas depois de a Apple Inc.
anunciar que iria começar a vender versões electrónicas de alguns livros padrão do
ensino secundário para serem lidos no seu tablet, o iPad.
A transição para o digital é, por si só, uma tarefa hercúlea, mas os governantes têm
outra exigência: poupar dinheiro ao mesmo tempo. São dois objectivos difíceis de
conciliar: ao mesmo tempo que pretendem materiais de aprendizagem com grandes
potencialidades para a interacção e exploração, também querem gastar menos
dinheiro a adquirir esses recursos.

167
San Diego to Distribute 27 Thousand iPads to Middle Schools, disponível em http://www.the-digital-
reader.com/2012/05/20/san-diego-to-distribute-27-thousand-ipads-to-middle-schools/
168
Digital textbooks challenge from US government, disponível em
http://www.futurebook.net/content/digital-textbooks-challenge-us-government

379
Os livros digitais são encarados como uma forma de promover a aprendizagem
interactiva, economizar dinheiro e actualizar materiais mais rapidamente para os
estudantes. No entanto, muitas escolas não reúnem as condições tecnológicas
necessárias e encontrar o dinheiro para fazer a transição para o digital em tempos
económicos conturbados afigura-se difícil169.
Segundo Jay Diskey, director executivo da divisão escolar da Association of American
Publishers, cerca de 8 milhões de dólares são gastos anualmente nos Estados Unidos
em livros escolares, entre o infantário e o fim do ensino secundário. Diskey sustenta
que as empresas livreiras têm estado a trabalhar na tecnologia nos últimos cinco a oito
anos para transformar a indústria, mas em muitos casos as escolas simplesmente não
estão preparadas. “A indústria abraçou a causa, mas a dificuldade está no facto de as
escolas ainda não estarem completamente equipadas com o hardware. Nós esperamos
que elas fiquem em breve”, afirmou Diskey.
Como já se aludiu, alguns autores consideram que os interesses da poderosa indústria
tecnológica (Apple, Samsung, Amazon, etc.) estão por detrás de determinadas políticas
públicas, ao invés de objectivos pedagógicos ou até sociais. A pressão para trazer a
tecnologia para dentro da sala de aula sem provas das suas mais-valias já não é
recente.
Vejamos: em 1997, um comité para a ciência e tecnologia designado pelo Presidente
Clinton emitiu um apelo urgente sobre a necessidade de equipar as escolas com
tecnologia. Se tal investimento não fosse suportado por milhares de milhões de
dólares, a competitividade americana poderia sofrer, de acordo com um comité cujos
membros incluíam especialistas como Charles M. Vest, então presidente do Instituto
de Tecnologia de Massachusetts, e executivos como John A. Young, ex-diretor
executivo da Hewlett-Packard.
Para apoiar a sua conclusão, o relatório do comité citou os sucessos de escolas
individuais que adquiriram computadores e viram as taxas de abandono escolar
diminuir. Mas apesar de reconhecer que a investigação sobre o impacto da tecnologia
era inadequado, o comité pediu às escolas para se equiparem de qualquer maneira. A
sentença final do relatório: "o painel, no entanto, não recomenda que a implantação
da tecnologia nas escolas da América seja adiada enquanto se aguarda a conclusão da
investigação"170.
Um outro estudo do Departamento de Educação, em 2009, sobre cursos online,
descobriu que poucos estudos rigorosos foram feitos e que os decisores de políticas
públicas têm “falta de evidência científica” da sua eficácia. Uma secção do
Departamento de Educação que classifica os programas escolares descobriu que

169
Obama Administration's Challenge To Schools: Embrace Digital Textbooks Within 5 Years, disponível
em http://www.huffingtonpost.com/2012/02/01/challenge-to-schools-embr_n_1248196.html e
consultado a 15 de Fevereiro de 2013.
170
In Classroom of Future, Stagnant Scores, disponível em
http://www.nytimes.com/2011/09/04/technology/technology-in-schools-faces-questions-on-
value.html?_r=3&emc=eta1&pagewanted=all&

380
grande parte software educacional não corresponde propriamente a uma melhoria
sobre os livros de texto.
Noutros estudos conduzidos, nomeadamente no estado do Maine, os iPads
contribuíram para aumentar os níveis de literacia dos alunos. Mas um dos
investigadores que os conduziu, Damian Bebell, afirma que os iPads são apenas uma
ferramenta, já que a literacia tem tudo a ver com a pedagogia e o ensino; é o resultado
de uma série de esforços para aumentar a motivação dos alunos171.
A possibilidade de as escolas criarem conteúdos próprios não parece ser uma
possibilidade real, pelo menos nos tempos mais próximos. Criar recursos extra (e
especialmente interactivos e adaptáveis) é um trabalho intensivo e bastante
dispendioso. Esta é a razão para esse tipo de recursos serem escassos de momento –
as escolas não têm dinheiro para os pagar (e nem sempre têm interesse).
“Numa altura em que a tecnologia transformou o modo como as pessoas interagem e
contribuiu até para os levantamentos árabes no Médio Oriente e outros movimentos
sociais, a educação está frequentemente desfasada”, afirmou Duncan. E acrescentou:
“Queremos miúdos a andarem com mochilas pesadíssimas e livros a custarem 50, 60
ou 70 dólares e muitos deles desactualizados? Ou queremos estudantes com um
dispositivo móvel que tem muito mais conteúdo do que era imaginável há um par de
anos atrás e que possa ser constantemente actualizado? Eu julgo que é uma escolha
muito simples”. A administração americana espera que os dólares gastos nos livros de
texto tradicionais possam passar a contribuir para fazer o ensino digital mais acessível.
“Entrar no digital exponencia o processo de aprendizagem, e está a acontecer num
ritmo mais rápido noutros países, como a Coreia do Sul”, disse Genachowski numa
entrevista. Acrescentou ainda que tem esperança que, no longo prazo, o digital seja
mais rentável, sobretudo quando o preço dos tablets cair.
Após o tornado de Maio de 2011 ter destruído várias escolas em Joplin, no Missouri, a
decisão tomada foi essencialmente migrar para o digital. Os Emiratos Árabes Unidos
doaram dinheiro para comprar um computador a cada estudante. A resposta dos
estudantes foi mista, afirmou a superintendente assistente, Angie Besendorfer. Esta
admitiu que a transição se mostrou difícil para alguns alunos, habituados a uma rotina
de responder a questões no final de um capítulo, mas os administradores estão
satisfeitos com o ensino online e esperam que os alunos do 8.º ano também passem
para o digital. “É um pouco mais de trabalho do lado dos estudantes, terem de pensar
e resolver problemas de maneira diferente, e alguns dos nossos miúdos não estão
assim tão entusiasmados, enquanto outros estão muito”, manteve Besendorfer.
As Escolas Charlotte-Mecklenburg, no estado da Carolina do Norte, alocaram, em
2012, 10 milhões de dólares num programa de concessão que visou colocar iPads em

171
iPads in Auburn, Maine's Kindergartens: A First Look at Their Effect on Learning, disponível em
http://www.hackeducation.com/2012/02/16/iPads-in-auburn-maine-kindergartens-literacy-
learning/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+HackEducation+%28
Hack+Education%29&utm_content=Google+Reader

381
salas de aula seleccionadas e fazer a formação necessária para ensinar como usá-los172.
Por outro lado, o Departamento de Estado fez, também em 2012, um contrato com a
Amazon no valor de 16,5 milhões de dólares americanos para equipar as bibliotecas
designadas e os centros educacionais pelo mundo relacionados com os Estados Unidos
com 2500 Kindles. Os Kindles foram vistos como os únicos dispositivos apropriados
para este contrato, que não foi sujeito a concurso. A ideia é que os dispositivos devem
ajudar aqueles que querem estudar inglês e aprender sobre a América173.
A Coreia do Sul, por sua vez, pretende digitalizar todos os livros escolares até 2015,
numa tentativa de ajudar os alunos a criar os seus próprios padrões de estudo e aliviar
suas mochilas174. Segundo o plano, que requer cerca de 2 milhões de dólares
americanos do orçamento do Estado, todas as escolas serão equipadas com um
sistema de computação baseado na Internet conhecido como computação em nuvem.
A ideia é introduzir livros digitalizados em escolas de ensino básico em 2014 e expandir
o seu uso para o ensino secundário no ano seguinte, segundo o governo sul-coreano.
Este anúncio seguiu-se a um outro, no qual o governo em causa afirmou que pretende
tornar-se um líder global na computação em nuvem já em 2015.
Outro exemplo na Ásia: em 2011, foi anunciado um projecto-piloto de adopção de e-
readers em Taiwan, com a participação de três universidades e três bibliotecas
públicas175.
No que diz respeito ao Brasil, o uso de tablets na educação também já foi alvo de
debates entre vários ministros. O caso da Coreia do Sul é referido como exemplo, mas
no Brasil a ideia não passa por deixar completamente o livro didáctico impresso. No
entanto, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, afirma que “haverá estudantes
que terão seu primeiro contacto com o livro didático já em meio digital”176.
Uma questão importante que se levanta: se o acesso (ou compra) dos dispositivos de
leitura e dos conteúdos ficar a cargo dos estudantes ou dos seus encarregados de
educação, as desigualdades sociais vão ser mais notórias e tenderão a reproduzir-se, já
que os menos abastados não terão acesso à tecnologia para desenvolver as mesmas
competências, as tais que se dizem essenciais numa sociedade de informação.
Há um abismo entre o uso progressivo de media digitais fora da sala de aula e as
ofertas pouco diversificadas da maioria das escolas públicas, que educam as
populações mais vulneráveis. Este abismo contribui para aumentar as desigualdades

172
School system allocates $10 million to put iPads in classrooms, disponível em
http://www.zdnet.com/blog/btl/school-system-allocates-10-million-to-put-iPads-in-classrooms/71315
173
U.S. State Department Buys 2500 Kindles ($16.5 Million No-Bid Contract) For Libraries and Ed Centers,
disponível em http://www.infodocket.com/2012/06/11/u-s-state-department-buys-2500-kindles-16-5-
million-no-bid-contract-for-libraries-and-ed-centers/.
174
S. Korea to digitize all school textbooks by 2015, disponível em
http://english.yonhapnews.co.kr/national/2011/06/29/79/0302000000AEN20110629008300315F.HTML
175
New e-reader Pilot Program Launching Soon in Taiwan, disponível em
http://www.mediabistro.com/appnewser/new-e-reader-pilot-program-launching-soon-in-
taiwan_b12505?red=en
176
Ministros vão discutir uso de tablets na educação, disponível em
http://ebookpress.wordpress.com/2011/06/07/ministros-vao-discutir-uso-de-tablets-na-educacao/

382
entre a(s) juventude(s). Sem uma agenda de reformas educativas pró-activas que
comece com as questões da igualdade e tente alargar as oportunidades que os novos
media oferecem, corre-se o risco de aumentar o fosso para as populações mais
vulneráveis… É necessário lembrar que os utilizadores de novos media são ainda uma
minoria privilegiada.
Este processo poderá criar uma subclasse permanente, pessoas que ficam nas
margens, que privadas da tecnologia não conseguem desenvolver capacidades para o
mercado de trabalho.
As políticas públicas e os programas governamentais devem ter esta questão sempre
presente, sob pena de os grupos marginalizados e as pessoas socialmente
desfavorecidas poderem permanecer na periferia do conhecimento, a não ser que as
barreiras ao acesso, incluindo a iliteracia digital, sejam reduzidas177. Os cortes de
orçamento são frequentemente apontados como justificação para o não-investimento
em competências tecnológicas, sendo que o problema era já anterior à crise
económica.
No Brasil, por exemplo, onde estão em curso programas estatais para distribuir tablets
e e-readers pelos alunos e professores, têm surgido contratempos: os professores e os
alunos não têm literacia suficiente para a utilização dos equipamentos e não há
conteúdos escolares com qualidade e variedade para eles consumirem178.
Não é surpreendente que educadores que trabalham em distritos escolares mais
favorecidos tenham mais apoios dos pais e das direcções das escolas para as
equiparem com ferramentas tecnológicas, do que aqueles que trabalham em bairros
mais desfavorecidos179.
A questão do desenvolvimento sustentável é um outro argumento invocado amiúde
pelas entidades responsáveis por programas de transição para o digital. Ao tentar
diminuir o consumo de papel, é muitas vezes esquecido nestes discursos todo o lixo
tecnológico que se vai amontando com a construção e a constante actualização de
hardwares onde se possam consumir os conteúdos digitais.

As políticas de aplicação de tecnologia na educação na União Europeia

O ideal da literacia enquanto via para a empregabilidade e coesão social, nasceu


depois da Segunda Guerra Mundial, com a UNESCO a desempenhar um papel central
no debate sobre a importância da literacia mediática (Rantala e Suoranta, 2008).

177
UNESCO endorses the IFLA Manifesto for Digital Libraries, disponível em
http://www.ifla.org/news/unesco-endorses-the-ifla-manifesto-for-digital-libraries
178
Projeto de Tablets do Governo Está Uma Bagunça, disponível em
http://revolucaoebook.com.br/projeto-de-tablets-do-governo-est%C3%A1-uma-bagun%C3%A7a/
179
Lack of Funding Creates Barrier to Using Tech in Class, disponível em
http://blogs.kqed.org/mindshift/2012/01/lack-of-funding-creates-barrier-to-using-tech-in-class/

383
A União Europeia tem vindo a estabelecer metas e diretrizes a partir do que ficou
definido na Estratégia de Lisboa, cuja premissa passava por adaptar todos os sistemas
sociais dos países membros, incluindo o sector da educação, para uma sociedade e
economia baseadas na informação e no conhecimento.
Neste sentido, a capacitação dos indivíduos para o uso das tecnologias digitais é
interpretada como uma força com impactos económicos e sociais no desenvolvimento
da Sociedade da Informação.
A Estratégia ou Agenda de Lisboa tinha no horizonte fazer da Europa, entre 2000 e
2010, “a economia do conhecimento mais competitiva e dinâmica do mundo, capaz de
um crescimento económico sustentável, acompanhado da melhoria quantitativa e
qualitativa do emprego e de maior coesão social” (Comissão Europeia, 2010: 2).
Embora alguns objetivos tenham sido adiados para a nova Agenda 2020, devido ao não
cumprimento das metas traçadas, o relatório de avaliação, de 2008, garante ter havido
uma evolução, embora reconheça que existe ainda um longo caminho pela frente. No
documento é referido que a elevada taxa de desemprego nos jovens “está
intrinsecamente relacionada com a falta de políticas para a literacia digital” e que,
“apesar de ter havido algum enfoque nesta questão, decorrente da Estratégia de
Lisboa, o progresso tem sido insuficiente” (ibidem).
Note-se que a Estratégia havia definido que “o sucesso da sociedade do conhecimento
depende dos elevados níveis de literacia digital” (Conselho Europeu, apud Pereira e
Melro, 2012: 298) e que, portanto, seria preciso não apenas criar condições para a
generalização do acesso à Internet e ao computador, mas também capacitar os
cidadãos para o uso destas tecnologias, promovendo a sua inclusão na Sociedade da
Informação. Assim, nas Conclusões do Conselho da União Europeia sobre o papel do
ensino e da formação na implementação da Estratégia Europa 2020, é reforçada a
urgência em investir eficazmente na qualidade, na modernização e na reforma do
ensino e da formação (Conselho da União Europeia, apud Pereira e Melro, 2012: 299).
A literacia digital surge como uma das competências essenciais para a aprendizagem
ao longo da vida, necessária à realização pessoal, à cidadania activa, à inclusão social e
à empregabilidade na sociedade do conhecimento (Conselho da União Europeia e
Comissão Europeia, 2010).
Embora, numa primeira fase, as políticas europeias tenham dado prioridade à questão
do acesso, actualmente há uma preocupação em abordar questões mais relacionadas
com a qualidade dos conteúdos e com a integração da tecnologia nas salas de aula
(Rantala e Suoranta, 2008: 100).
A preocupação com o acesso e a ligação à rede terá sido (e ainda é, em países como
Portugal) a face mais visível das primeiras iniciativas da União Europeia, manifestando
um certo “determinismo tecnológico e crença na ideia de que as novas tecnologias por
si só têm poder para mudar a educação e a aprendizagem para benefício da economia
europeia e qualidade de vida” (Maruja Díaz cit. in Rantala e Suoranta, 2008: 109).

384
Neil Selwyn, numa dura crítica ao modo como estas políticas são postas em prática, do
topo para a base, refere que “não seria uma grande surpresa que o ensino baseado na
tecnologia acabasse por ser construído em termos de depósito em vez de descoberta,
e que os estudantes acabassem na posição de receptores de currículos pré-embalados
(Selwyn, 2011: 62). Na mesma linha, Collins & Halverson (2009: 145) consideram que
"os líderes estatais terão de trabalhar junto com os educadores, não como
missionários que carregam presentes mágicos, mas como colaboradores na criação de
novas oportunidades para aprender".
Estas críticas ao modelo centrado na tecnologia fundamentam-se sobretudo na ideia
de que os “computadores não são a solução mágica para os desafios da educação”,
como aponta Mark Warschauer (2009: 153).
Com efeito, a acentuada tónica na necessidade de promover na sociedade o acesso
massificado às tecnologias digitais, tendo em vista o mercado de trabalho e a
empregabilidade, retira atenção a objetivos relacionados com a necessária preparação
e capacitação dos cidadãos, neste caso, crianças e jovens, para o uso e compreensão
crítica dos meios digitais (Melro & Pereira, 2011).
Em 2008, a então responsável da Unidade para Inovação e Criatividade na Educação da
Comissão Europeia, Maruja Díaz, considerava que as políticas tecnológicas para a
educação, na UE, tenderiam a tomar outro tipo de abordagem: “haverá uma mudança
das questões tecnológicas para as questões culturais. Isso inclui o objetivo de
compreender a aprendizagem ao longo da vida como uma cultura e não como uma
questão de formação instrumental” (cit. in Rantala e Suoranta, 2008: 102). É também
para este caminho que apontam Rantala e Suoranta quando argumentam que “as
relações das pessoas com os media na era digital estão necessariamente ligadas a
contextos sociais e culturais” (ibidem: 96), sendo fundamental, por isso, ir além da
vertente individual (aquisição individual de capacidades) e trabalhar as tecnologias
como um fenómeno social e cultural, numa perspetiva de literacia digital.
Embora no quotidiano das escolas a questão macro-económica e a empregabilidade
possam não aparecer como prioridades imediatas, não há dúvida que estes aspectos
têm sido decisivos nas políticas públicas (europeias e nacionais) para o uso das
tecnologias na educação. Como observam Holloway e Valentine (2003: 30), até as
escolas primárias são vistas como “locais onde as crianças são educadas como
trabalhadores do futuro”.

O caso português

Verificamos assim que foram elaboradas directivas europeias no sentido de aplicar a


tecnologia à educação, à semelhança do que tem acontecido em muitas outras zonas
do globo.

385
Nos últimos anos, os dispositivos informáticos de baixo custo têm sido alvo de avanços
espetaculares, passando a fazer parte da nossa vida quotidiana. Em consequência
disso, vários países, tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, têm começado a
realizar um grande investimento, quer por via de fundos públicos quer privados, em
iniciativas 1: 1 na educação. Como principais objectivos desses programas estão o
fomento das competências e literacias dos alunos nas tecnologias de informação e
comunicação (TIC), a redução da exclusão digital entre indivíduos e grupos sociais e a
melhoria das práticas educativas e dos resultados académicos.
Em Portugal, numa análise muito superficial, deverá ser referido o recente caso dos
computadores “Magalhães”, um projecto cujo objectivo passava por familiarizar as
crianças do primeiro ciclo com computadores adaptados às suas necessidades
educativas. Além de terem um preço controlado, houve ainda um programa de
distribuição de equipamentos para as crianças de famílias mais carenciadas.
Com a distribuição e integração de um computador adaptado às necessidades
pedagógicas das crianças do 1º ciclo do ensino básico, nomeadamente através da ideia
de se adoptar o computador como manual escolar com conteúdos educativos
atractivos, pretendia-se promover o desenvolvimento de competências TIC por parte
dos alunos, ajudando a melhorar os resultados escolares e o domínio do Inglês,
Português e Matemática, como estratégia de combate ao insucesso escolar e de
preparação para um mercado de trabalho qualificado.
Existiu também o programa “e-escola”, para os estudantes de outros graus de ensino,
que consistiu numa parceria entre o governo e as operadoras de serviços de
telecomunicações e Internet, em que a troco de uma fidelização a esses serviços, a um
preço controlado, podiam ser adquiridos computadores portáteis a preços mais baixos.
Ainda é cedo para tirar conclusões definitivas sobre os resultados destes programas,
mas alguns estudos noutros países com programas semelhantes não mostram
resultados muito animadores no aumento das capacidades a matemática ou em
línguas180.

O ensino em mudança: o novo posicionamento do professor e do aluno face às


tecnologias

A tecnologia veio reconfigurar o papel do professor e do aluno na sala de aula - e


também fora dela, uma vez que o ensino não presencial se tornou uma hipótese com
muitos entusiastas.
É preciso ter em mente que se levantam questões sobre o valor educacional de uma
abordagem ao ensino tão profundamente dependente de novos dispositivos

180
One Laptop per Child program not improving math or language test scores, according to study,
disponível em http://www.theverge.com/2012/4/7/2932925/olpc-results-language-math-test-scores-
idb

386
tecnológicos. Se os mais cépticos chamam ao iPad um instrumento de marketing ou
um brinquedo, outros, no entanto, não têm dúvidas de que as tecnologias móveis
estão a conduzir a mudanças fundamentais no ensino e na aprendizagem. Os mais
optimistas acreditam mesmo que a adopção de ebooks pode ainda aumentar a
productividade na sala de aula181.
No que diz respeito ao tipo de projectos-piloto que se descreveu acima, o testemunho
de professores que participaram em programas onde se emprestam iPads aos alunos
demonstram que estes não investem muito na exploração do dispositivo, uma vez que
sabem que será um relacionamento de curto prazo: não perdem muito tempo a
personalizá-lo, a instalar apps, entre outras potencialidades, porque sabem que no
final do semestre terão de o devolver à procedência182.
Alguns estudantes consideram o portátil mais útil para investigar e estudar e usam o
telefone para comunicar, pelo que o iPad se torna apenas em mais um gadget
tecnológico para carregar. O iPad não substitui o completamente o computador
portátil: os estudantes sentem a falta do rato, de entradas USB e do teclado físico.
Onde o iPad se mostrou muito útil foi enquanto dispositivo de leitura, embora alguns
alunos preferissem o Kindle: cansa menos os olhos, tem menos distracções e o facto
de ser mais barato foram alguns dos argumentos invocados.
Demasiadas vezes os professores assumem que os alunos sabem como utilizar a
tecnologia, o que nem sempre acontece. Será preciso que o professor lhes mostre
quais as aplicações mais úteis para a sua disciplina, como elas funcionam e quais são os
usos que eles lhes podem dar para completar as suas tarefas. O tempo dispendido
nessa formação irá evitar frustrações futuras.
Já o argumento da poupança (ao não se comprar livros em papel) cai por terra, isto se
se pensar que muitas das aplicações necessárias para uma utilização plena de um iPad
são pagas. Quem é que as pagaria no caso de empréstimos: os alunos ou a escola?
Outra questão relaciona-se com a formação técnica: deve ser dada pelos professores,
com o tempo e energia gastos nessa tarefa, em detrimento de estarem a formar
noutras áreas da sua especialidade?
Mas a questão fulcral é: qual a exacta função ou mais-valia do iPad na sala de aula?
Ensinar assenta na relação dos professores com os alunos, em explorar ideias e
compreender melhor o mundo. A tecnologia é uma parte disto, mas apenas uma
parte. A inserção de tecnologia na aprendizagem não é pacífica e tanto existem
estudos que mostram os seus benefícios como outros que levantam mais
interrogações.

181
Digital, Print Textbooks to Compete for College Audience, disponível em
http://www.usnews.com/education/best-colleges/articles/2012/02/07/digital-print-textbooks-to-
compete-for-college-audience
182
What I’ve Learned from Teaching with iPads, disponível em
http://chronicle.com/blogs/profhacker/what-ive-learned-from-teaching-with
iPads/37877?sid=at&utm_source=at&utm_medium=en

387
Philip Schiller, vice-presidente senior da Apple para o marketing, afirmou que a
educação está no DNA da empresa e o iPad pode ser um dos mais excitantes produtos
para a educação da companhia. Com a aplicação dos iBooks 2, os estudantes e
professores terão uma experiência muito mais interactiva e dinâmica na leitura. Neste
lançamento, a Apple contou com parcerias com gigantes como a Pearson, a McGraw-
Hill e a Houghton Mifflin Harcourt, e lançou múltiplos ebooks destinados a um público
liceal. Com aproximadamente 1,5 milhões de iPads já em uso em instituições de
ensino, de acordo com a própria Apple, oferecer a possibilidade de descarregar livros
de texto era um avanço natural para a empresa se estabelecer dentro do mercado da
educação183. Neste mercado, o preço pode realmente ser um factor diferenciador na
adopção dos ebooks. Além disso, a possibilidade de carregar centenas de obras apenas
num dispositivo, que se pode levar para qualquer sítio, é também uma mais-valia.
A Apple também criou o iBooks Author, que permite aos professores criarem livros de
texto com vídeo e importar conteúdos, o que abre “todo um lado criativo na sala de
aula”, afirmou Gene Kritsky, professor no College of Mount St.Joseph, em Cincinnati.
Por exemplo, as faculdades que tenham interesse em criar o seu próprio conteúdo
multimédia vão ser capazes de o fazer muito rapidamente, sustentou ainda Kritsky.
Mas outros professores afirmam que o iPad vem responder a um problema que ainda
não existe.
No caso das crianças, dada a hipótese de lerem ebooks ou livros ilustrados em papel,
estas preferem ebooks, dados de um novo estudo exploratório neste campo. As
crianças que lêm ebooks também retêm e compreendem tanto como quando lêem
livros ilustrados mas impressos.
“Se pudermos encorajar as crianças a engajarem-se com os livros através do iPad é já
uma vitória”, afirmou Carly Shuler, consultor sénior para os estudos da indústria no
Joan Ganz Cooney Center, onde o estudo foi levado a cabo.
No entanto, os ebooks muito aprimorados, com muitas distracções, fazem com que as
crianças memorizem menos detalhes. Mais estudos nesta área estão a ser produzidos,
para compreender como se escolhem uns ebooks em detrimento de outros e como é
que os pais e as crianças lêem ebooks juntos.
De acordo com um relatório recente do NY Times, muitos pais são reticentes em ler
histórias para adormecer aos filhos em iPads ou noutros dispositivos, mas não há ainda
estudos conclusivos que permitam afirmar que esta opção é melhor ou pior para as
crianças do que ler-lhes livros em formato impresso184.
Algumas investigações mostram que programas informáticos como aplicações de
smartphones ajudam a potenciar o vocabulário das crianças e a matemática. Crianças

183
Digital, Print Textbooks to Compete for College Audience, disponível em
http://www.usnews.com/education/best-colleges/articles/2012/02/07/digital-print-textbooks-to-
compete-for-college-audience
184
For Reading and Learning, Kids Prefer E-Books to Print Books, disponível em
http://www.digitalbookworld.com/2012/parents-and-children-prefer-reading-print-books-together-
rather-than-e-books-study-finds/

388
entre os 3 e os 7 anos que usam uma aplicação chamada Martha Speaks, aumentam o
seu vocabulário cerca de 31% em duas semanas, de acordo com um estudo de 2010
realizado pelo PBS185.
Há educadores que sustentam que a tecnologia permite personalizar os planos de
ensino e oferecer tutoria online gratuita, forma de superar as lições generalizadas que
não resultam com todos os alunos. Por outro lado, os especialistas em
desenvolvimento infantil dizem que as crianças estão a desenvolver menor capacidade
de concentração e multi-tasking demais online - hábitos que se vão tornar mais
arraigados ao longo do tempo. A tecnologia está a mudar igualmente a forma como os
miúdos aprendem; as ideias não são tão originais quando reunidas através de
pesquisas no Google e recicladas de blogues de opinião. E os alunos, muitas vezes,
negligenciam competências consideradas básicas como soletrar e escrever à mão –
práticas que diminuíram em importância nos locais de trabalho, mas ainda são
competências-chave para treinar o cérebro, afirmam alguns especialistas em
desenvolvimento infantil186.
Vários inquéritos entre estudantes mostram que a percentagem dos que acreditam
que num futuro próximo o conteúdo dos ebooks será uma importante fonte de
recursos para a educação e de que os e-readers serão uma plataforma usada no ensino
tem vindo sempre a aumentar187.
Os estudantes estão a interessar-se por livros digitais, mas também estão mais
exigentes. É um mercado tremendamente dinâmico e que muda rapidamente, por isso
é importante observá-lo de perto.
Outro aspecto a considerar tem a ver com a utilização dos diapositivos de leitura
digital dever variar consoante o grau escolar em que os alunos se encontram: ensino
básico, secundário ou superior.
Estes dispositivos não são usados apenas para ler livros. Os estudantes usam o
dicionário, a enciclopédia, a tabela periódica, um planeador académico e outros
materiais de referência.
Alguns dos objectivos por detrás da adopção de ebooks e de e-readers na escola são:

- aumentar o envolvimento dos estudantes com a aprendizagem;


- promover a disseminação e o uso da tecnologia móvel, proporcionando acesso
imediato à informação;

185
Consultar PBS Kids IPod App Study, disponível em iPod_Report_ExecSum.pdf
186
High-tech vs. no-tech: D.C. area schools take opposite approaches to education, disponível em
http://www.washingtonpost.com/business/technology/high-tech-vs-no-tech-dc-area-schools-take-
opposite-approaches-to-education/2012/05/12/gIQAv6YFLU_story_1.html
187
Campus Computing 2011: Big Gains in Going Mobile, disponível em
http://www.campuscomputing.net/item/campus-computing-2011-big-gains-going-mobile

389
- criação de um ambiente de ensino e aprendizagem que vá além da sala de aula
tradicional188;
- melhorar o pensamento crítico e criativo, através do desenvolvimento e utilização de
estratégias de ensino interactivas;
- deslocar alguns custos de livros didácticos, passando para livros eletrónicos mais
económicos.

Vejamos com mais detalhe três tendências identificadas para o futuro do ensino e da
aprendizagem:

- Colaboração: a web 2.0/as redes sociais podem ser usadas para partilhar informação,
tirar dúvidas, anunciar eventos científicos, etc. A partilha é útil para os alunos, mas
também para os professores;
- Poder da tecnologia: criar novos conteúdos mediáticos, utilizar uma panóplia de
recursos para ensinar de forma criativa (como usar as redes sociais, por exemplo, para
ensinar literatura ou integrar os jogos de consolas no ensino da geografia, etc.);
- Misturar: isto é, sobretudo misturar novas técnicas e potencialidades com as técnicas
do ensino tradicional.

Podemos concluir que o relacionamento dos alunos e dos professores não é estático,
que eles aprendem uns com os outros.
O papel dos professores está a transitar de detentores de informação para guias da
aprendizagem e estes poderão encontrar maneiras diferentes de usar o tempo da aula,
conjugando diversas estratégias de ensino.
No entanto, apesar das suas potencialidades, muitos pais, educadores e decisores de
políticas públicas entendem ainda os novos media como uma distracção da
aprendizagem escolar.

O case-study do mercado académico

A transição para o digital do mercado académico é, na verdade, marcada por grandes


expectativas.
Uma das causas prende-se com o facto de que a maior parte dos alunos que entram
nas salas de aula nasceram entre 1978 e 1995. São muitas vezes designados como
Millenials, Boomlets ou Geração Net. São descritos como já tendo nascido digitais,
sempre ligados, consumidores, colaborativos, multi-tarefa, impacientes, focados no
estilo de vida, desejando acesso aberto a tudo e com vidas muito preenchidas.

188
Neste ponto, é de referir que alunos mais tímidos podem descobrir novas formas de participar na
aula através de fóruns online, por exemplo.

390
Independentemente do seu estatuto económico, eles conhecem a World Wide Web,
os media sociais e as tecnologias de entretenimento - os filmes, a música, os jogos -
como componentes consistentes e constantes da sua experiência quotidiana.
Partilham electronicamente pensamentos, sentimentos e ideias com a família e os
amigos, e estão familiarizados com a troca de informação instantânea e a
comunicação. Estes estudantes interagem com o mundo de formas radicalmente
diferentes das gerações antes deles.
Neste seguimento, a acompanhar as expectativas para a digitalização iminente de
materiais curriculares (livros e outros recursos), estão os pressupostos que: (a) os
estudantes universitários, enquanto “nativos digitais”, vão aceitar e adoptar materiais
didáticos digitais e (b) os conteúdos digitais (textos electrónicos) vão custar menos do
que os tradicionais (impressos).
Chegou a hora de reavaliar essas expectativas, com base em dados actuais sobre
ambos: aceitação e preços.
Comece-se com a aceitação. Uma pesquisa da Student Monitor189 feita no Outono de
2011 a estudantes de licenciatura norte-americanos mostra que o interesse dos alunos
e a aceitação de textos electrónicos é morna, na melhor das hipóteses:
- menos de um quinto dos alunos de licenciatura em tempo integral tinha comprado
um eText;
- menos de um terço dos alunos de licenciatura em tempo integral relatou estar
"muito interessado" na compra de livros digitais para leitura pessoal (em oposição a
leitura obrigatória para os seus cursos universitários);
- apenas 1% dos livros didácticos utilizados por alunos de licenciatura no Outono de
2011 eram em formato digital (textos electrónicos);
- entre os alunos que tiveram experiência com textos electrónicos, os principais
motivos avançados para o uso de eText foram: "o meu professor pediu" que o fizesse
(35%), seguido de "menos caro do que um livro tradicional" (30%);
- entre os alunos que não tiveram experiência directa com textos electrónicos, dois
quintos afirmaram que "não gostam de ler num ecrã por um longo período de tempo",
enquanto um terço reiterou que "prefere livros impressos, tradicionais" aos textos
electrónicos.
Dados relevantes do inquérito nacional do Student Monitor aos licenciados na
Primavera de 2011190 são as respostas às questões sobre a sua preferência, se o preço
não estivesse em causa - isto é, se os livros novos, usados, alugados e digitais
custassem o mesmo. Dois terços dos participantes afirmam que comprariam um livro
novo, apenas 4% diz que descarregaria um livro digital e um sexto expressa uma
preferência por um livro usado, o que sugere que os estudantes de licenciatura
reconhecem algum valor nas notas e sublinhados feitos por outros estudantes. Em

189
http://studentmonitor.com
190
Recalibrating Expectations for eTexts, disponível em
http://www.insidehighered.com/blogs/recalibrating-expectations-etexts

391
suma, estes dados mostram que apesar do seu estatuto de “nativos digitais”, os
estudantes de licenciatura (ainda) não adoptaram os textos digitais. Uma explicação
possível pode ter a ver com o preço: muitos livros digitais não são tão baratos quanto
se esperaria.
Outros estudos sobre os usos que esses estudantes fazem da web 2.0 (e aqui é
relevante dizer que quase todos a usam, apenas 8% dos respondentes afirmaram o
contrário), apontam que se trata de um uso mais passivo do que activo: lêem wikis
mas não editam ou criam novos conteúdos, seguem blogues, mas não são bloguers
activos, etc.
Do ponto de vista académico, também usam muitos recursos oferecidos pela Internet
mas não a usam tanto para partilhar a sua pesquisa191.
Um outro estudo ainda sobre como os estudantes da Universidade de Washington
integraram o Kindle nos seus hábitos de leitura oferece a primeira investigação
longitudinal sobre e-readers no ensino superior. Enquanto algumas das conclusões do
estudo eram já esperadas – os estudantes querem um suporte melhorado para tirar
notas, verificar referências e ver figuras –, os autores também descobriram que
permitir que as pessoas alternem entre estilos de leitura é um desafio que se coloca192.
Poderá o uso de simulação aumentar a compreensão e o entendimento por parte dos
estudantes? Irá um novo ebook oferecer a mesma ou uma melhor apresentação do
material da aula? E se os professores colocarem tempo e esforço na criação dos seus
próprios materiais, será o esforço respeitado e recompensado pela sua instituição,
considerado como investigação, por exemplo? A adopção da tecnologia continuará a
ser lenta se as universidades não conseguirem um forte argumento para a mudança e
se não oferecerem incentivos para os professores que inovarem.
Um estudo recente da Online Colleges193 mostra que a maioria dos estudantes
universitários americanos preferem um híbrido entre a formação online e offline do
que propriamente uma experiência apenas numa destas dimensões.
Enquanto a maioria dos estudantes de licenciatura do Reino Unido já usa ebooks, não
contam com eles enquanto fonte primária de informação. Os livros tradicionais
continuam a ser o recurso-chave, pelo menos para dois terços dos estudantes. É uma
das conclusões de um outro estudo que explora as fontes de informação dos
estudantes no mundo digital, dos especialistas na investigação em livros da BML, da
Bowker194.
O estudo foi conduzido em Dezembro de 2011 e mostra diferenças significativas em
relação aos dados de 2003, quando se realizou um estudo semelhante. Na verdade,
191
Researchers of Tomorrow: latest report, disponível em http://information-
literacy.blogspot.pt/2011/06/researchers-of-tomorrow-latest-report.html
192
College students use of Kindle DX points to e-readers role in academia, disponível em
http://www.washington.edu/news/2011/05/02/college-students-use-of-kindle-dx-points-to-e-readers-
role-in-academia/
193
http://www.onlinecolleges.net
194
British University Students Still Crave Print, Says New BML Study, disponível em
http://www.bowker.com/en-US/aboutus/press_room/2012/pr_03152012.shtml

392
dá-se conta de uma variedade de alterações assim como do ritmo a que elas sucedem.
Por exemplo, 88% dos alunos de licenciatura ainda usam livros impressos e manuais
dos professores, uma diminuição comparando com os 95% de 2003. Mais: as revistas
científicas online estão a crescer em popularidade, com cerca de 80% dos estudantes a
utilizá-las, contra 66% em 2003. Explorou-se igualmente como os estudantes acedem
aos materiais: 48% dos estudantes que usam livros impressos obtêm-nos sobretudo
através da biblioteca. Aproximadamente metade dos que usam ebooks descarregam-
nos gratuitamente, com 38% a fazerem empréstimos na biblioteca. Apenas 9% os
compram efectivamente.
De forma algo surpreendente, num estudo da Educause195 apenas 78% dos estudantes
sentem que o wifi é extremamente valioso para o seu sucesso académico, enquanto
60% dos estudantes dizem que não frequentariam uma universidade se esta não
oferecesse wifi grátis. O estudo também conclui que 47% dos estudantes acreditam
que a tecnologia torna os professores melhores no seu trabalho, embora 30% julge os
seus docentes incapazes de colocar a tecnologia a funcionar sem a ajuda dos
estudantes.
No caso das revistas científicas, a digitalização tem diversas vantagens, como apoiar os
processos de verificação, preparação e distribuição de conteúdos; reduzir os custos de
distribuição do material publicado e apresentando os conteúdos numa larga gama de
formatos. Permite ao utilizador percorrer vários elementos textuais, imagens, notas de
rodapé e até, através de um hiperlink, aceder a materiais primários, tal como o autor
acedeu (Furtado, 2004). Os leitores de revistas científicas têm, regra geral, fácil acesso
à Internet e as literacias necessárias para aceder aos conteúdos online.
A incorporação do livro electrónico nas faculdades favorece a investigação, o estudo e
a aprendizagem. É um instrumento que proporciona flexibilidade, acessibilidade e
imediatez; mobilidade e busca rápida de conteúdos; capacidade de redução do espaço
físico das bibliotecas… Mas qual será o primeiro campus a banir completamente o
livro em papel? Marc Prensky acredita que o primeiro a fazê-lo irá ficar famoso. Este
autor defende também que as universidades de ciências sociais e humanidades estão
mais apegadas aos livros em papel que as universidades com cursos mais
tecnológicos196.
Prensky aponta muitas vantagens num campus exclusivamente digital e sustenta que
isso iria conduzir ao desenvolvimento tecnológico de ferramentas open-source que
viriam potenciar todas as funcionalidades abertas por esta opção.
No entanto, vários estudos mostram que obrigar a comunidade académica a passar
definitivamente para os ebooks não é a melhor estratégia.

195
Disponível em https://net.educause.edu/ir/library/pdf/ERS1208/ERS1208.pdf
196
In the 21st-Century University, Let's Ban (Paper) Books, disponível em http://chronicle.com/article/In-
the-21st-Century/129744/?sid=cr&utm_source=cr&utm_medium=en

393
Se é relativamente simples converter um livro de ficção para o formato electrónico,
com os livros académicos a tarefa pode tornar-se mais complicada. Porquê? As
respostas recaem sobretudo em três áreas: tecnologia, direitos e dinheiro.

- Tecnologia: enquanto os romances normalmente consistem em prosa escorrida, que


é relativamente fácil de transformar para os formatos requeridos para os diferentes e-
readers, os livros académicos podem conter elementos mais complexos. Mapas,
tabelas, gráficos e apêndices são ainda um desafio para os dispositivos, que devem ser
capazes de reconverter os textos em várias fontes e tamanhos de letra, consoante a
preferência dos utilizadores.
Como toda a tecnologia, os e-readers também esbarram em desafios, como o
desenvolvimento de uma bateria durável, um ecrã menos cansativo para os olhos, uma
escala de cores variada e preços mais acessíveis.

- Direitos: as imagens funcionam bem em e-readers, mas isso leva ao próximo


problema - os autores que usam fotografias cedidas por arquivos ou museus para
ilustrar o seu trabalho devem adquirir permissão para reproduzir as imagens, e os
direitos electrónicos não estão automaticamente incluídos nos acordos de cedência
convencionais. Académicos que tenham passado meses ou anos e gasto centenas ou
milhares de dólares a obter permissões podem hesitar em pagar mais para os direitos
digitais em avanço da publicação, sem saber se eles irão ou não ser usados. Mesmo
quando se torna claro que uma editora quer publicar num formato electrónico, um
autor pode estar relutante em gastar mais tempo e dinheiro para obter direitos
adicionais.

- Dinheiro: as editoras também enfrentam despesas adicionais quando decidem


adicionar uma edição electrónica. Os técnicos devem converter o texto em formatos
digitais – normalmente vários diferentes - e alguém deve verificar a qualidade dos
resultados, muitas vezes confusos. As editoras convencionais que decidem expandir-se
para os formatos digitais devem renovar os orçamentos e as atribuições de trabalho
em conformidade.
Embora as editoras universitárias estejam ansiosas por publicar versões digitais
sempre que possível, alguns livros técnicos não são propriamente fáceis de adaptar,
com muitas notas de rodapé e muitas referências bibliográficas. Mas ninguém gosta de
perder uma edição por questões técnicas ou de permissões.

As questões financeiras do ensino superior

Em tempos de crise, as sociedades são confrontadas com questões mais imediatas do


que o custo do ensino superior, mas este não deixa de ser um aspecto a ter em conta,

394
por todas as consequências que implica. Para milhares de famílias e de estudantes este
é um assunto que nunca se afasta muito do pensamento.
Nos Estados Unidos, um inquérito levado a cabo em 2011 pelo U.S. Public Interest
Research Group (USPIRG), a 1905 alunos de licenciatura de 13 campus, mostrou que
70% dos respondentes não comprou um livro no último ano porque considerou o
preço era demasiado elevado.
Nicole Allen, defensora do livro da SPIRG e diretora do Make Textbooks Affordable
Project197 explica que parte do problema em tentar reduzir o custo dos livros é da
natureza do mercado dos livros do ensino superior: “não é como um mercado normal,
onde se algo é demasido caro, se pode ir a outro lado; aos estudantes é exigido que
comprem o que o professor escolhe.” Allen afirma que as universidades dão aos
professores a liberdade de escolher quais os livros a adoptar, na tentativa de fazer
uma mudança sistémica para reduzir os custos. “A mudança realmente tem que
acontecer ao nível da base, não há meios reais para forçar a mudança de cima para
baixo", disse Allen.
Os livros de acesso aberto é um modelo de publicação que alguns acreditam ser a
salvação para a baixa de preços dos livros. Enquanto as raízes do movimento do livre
acesso aos livros podem ser encontradas nas revistas científicas online e nos artigos
com revisão de pares, a ética que corporiza a ideia de permitir que os estudantes
tenham acesso legal aos textos sem terem de pagar centenas de dólares remete para
os primeiros dias da Internet e do movimento de software open source. Mas ao
contrário do software open source, que permite aos utilizadores fazerem alterações, o
livros e revistas em acesso livre permitem apenas o acesso.
Desde a sua emergência no final da primeira década do séc. XXI, os livros de acesso
livre têm vindo a ganhar terreno na academia. Allen acrescenta que a SPIRG lançou
uma campanha, em 2008, para que os membros da faculdade assinassem uma carta
de intenções, comprometendo-se a usar textos de acesso livre nos seus cursos,
quando, e se, estivessem disponíveis. A organização recebeu 3000 assinaturas de
professores por todo o país. Allen afirma que a adopção de um livro de acesso livre por
professor é capaz de poupar aos estudantes cerca de 80% do custo de um livro
tradicional.
Os estudantes são um mercado cativo, a sua procura por livros é uma constante e o
preço dos livros não é elástico. Uma investigação de James Koch198 mostrou que um
aumento de 10% no preço dos livros só conduz a um declínio de 2% no número de
livros comprados. As dinâmicas de poder desequilibradas da indústria livro levaram
Koch a referir-se a ela como um "mercado quebrado."
Parte do que quebrou o mercado foi a consolidação. Nos Estados Unidos, no início dos
anos 80, a indústria do livro era dominada por cerca de 30 editoras, sendo que no final
197
Make textbooks affordable, disponível em http://www.studentpirgs.org/campaigns/sp/make-
textbooks-affordable
198
Koch, James (2006) An Economic Analysis of Textbook pricing and Textbook Markets, disponível em
https://www2.ed.gov/about/bdscomm/list/acsfa/txtbkpres/kochpresent.pdf

395
da década esse número desceu para menos de 10. Hoje há apenas quatro grandes
editoras e elas detêm 80% do mercado. Para Alex Wukman, a distribuição dos livros
não é mais competitiva do que a produção – 50% de todas as instituições de ensino
superior têm as suas próprias livrarias. Outras, cerca de 40%, contrataram com uma de
quatro empresas - Follett, Barnes and Noble, Nebraska e College Bookstores of
America – para gerirem a livraria do campus199.
O que acontece com determinadas bases de dados (como a Sage200) é que o leitor ou a
biblioteca paga apenas pelo artigo que interessa e não se compra um número inteiro,
por exemplo. Por outro lado, se o livro, periódico, ou artigo científico for acedido
muitas vezes, o recebimento para a editora acontece várias vezes também.
A 30 de Maio de 2012, foram apresentados no estado da Califórnia, nos Estados
Unidos, dois projectos de lei que pretendem baixar o custo dos livros com vista a
tornar o ensino superior mais acessível aos estudantes: o primeiro consiste em
permitir o acesso livre aos livros digitais dos 50 cursos universitários de top e às cópias
impressas por 20 dólares americanos; o segundo supõe a criação de uma biblioteca
digital de acesso livre na Califórnia. Segundo o Presidente do Senado, Darrel Steinberg,
estas duas medidas são urgentes porque, em média, um estudante gasta cerca de
1000 dólares americanos por ano em livros201. A ideia parece ser acolhida com
entusiasmo pelos estudantes e os projectos de lei transitaram para a Assembleia do
Estado para votação final.
É possível pensar numa grande variedade de modelos para resolver o problema da
propriedade do ebook e do acesso: plataformas universitárias podem ser construídas
dentro da comunidade para que todos tenham acesso aos ebooks adquiridos, à
semelhança do que acontece com os artigos científicos. É possível ainda que as
universidades tenham tamanho suficiente para fazerem consórcios na compra de
ebooks de outras editoras e os possam disponibilizar em acesso livre à sua
comunidade.
Quando se adopta um livro escolar, ele é implementado por todo o sistema e durante
um longo período de tempo. O custo de substituir livros estragados, roubados ou
danificados é alto. Deste ponto de vista, o custo de um e-reader básico e textos digitais
que não possam ser estragados ou perdidos pode fazer mais sentido.
Se os fabricantes de e-readers não uniformizarem os seus formatos, será que no futuro
veremos empresas de hardware a cortejar o sistema escolar com parcerias de livros
oferecidos apenas para o seu dispositivo202?

199
Wukman, Alex (2012) The cost of College: Open Access Textbooks cutting the Bookstore bill by 80%,
disponível em http://www.onlinecolleges.net/2012/06/20/the-cost-of-college-open-access-textbooks-
cutting-the-bookstore-bill-by-80/
200
http://online.sagepub.com/
201
California Senate passes digital textbook legislation, disponível em
http://www.daily49er.com/news/california-senate-passes-digital-textbook-legislation-
1.2744418#.URpeix3ol3W
202
Lightening The Backpack Of Education: E-Readers And E-Textbooks, disponível em

396
As editoras provavelmente vão delinear estratégias de modo a estabelecerem
parcerias com um e-reader exclusivamente, se conseguirem alguma vantagem com
isso, ou então disponibilizarem o seu conteúdo para ser descarregado por uma série de
e-readers.
Várias instituições de ensino nos Estados Unidos fizeram contratos com empresas
como a Flat World Knowledge ou a Courseload, duas empresas fornecedoras de livros
digitais, que oferecem descontos por volume, isto é, a universidade negoceia um preço
mais baixo por um dado livro, garantindo que um determinado número será vendido.
O preço do livro é então junto à taxa de matrícula ou à propina que os estudantes são
obrigados a pagar para frequentar o curso203.
Além dos ebooks, há cursos, inclusive superiores, feitos integralmente online.
Os campus físicos e o seu prestígio estarão no top do mercado da educação superior,
pelo que as instituições tradicionais mais elitistas devem sobreviver à competição
disruptiva. Muitas delas estão a desenvolver os seus próprios sistemas sofisticados de
educação online. O MIT, Harvard, Stanford e outras instituições de elite estão a investir
milhões nas suas tecnologias de aprendizagem online há anos.
As principais universidades e faculdades têm visto o potencial da conjugação entre a
aprendizagem online e a presencial e estão a investir no seu desenvolvimento.
Enquanto a tecnologia amadurece e o equilíbrio e a integração com a experiência de
sala de aula emerge, Harvard e os seus pares provavelmente serão líderes em
educação online, assim como são em instrução tradicional e bolsas de estudos. Para
eles, a aprendizagem online será uma inovação de sustentação em vez de uma
ruptura. Não obstante as condições económicas difíceis, acreditam que agora é o
tempo de investir em inovação na aprendizagem online. Será que a maioria das
universidades e faculdades tradicionais estará pronta quando a "educação online" for
sinónimo de "aprendizagem de alta qualidade"204?

As editoras e os novos modelos de negócio

O sector editorial tem atravessado tempos de turbulência. Para integrar a economia do


conhecimento, a indústria da edição tem de enfrentar três desafios: um crescimento
sustentado (articulando o reforço das posições locais com o desenvolvimento do

http://seekingalpha.com/article/469151-lightening-the-backpack-of-education-e-readers-and-e-
textbooks
203
Fewer Students Buying Textbooks Does Not Make a Bright Future for Publishers, disponível em
http://www.the-digital-reader.com/2011/12/29/fewer-students-buying-textbooks-does-not-make-a-
bright-future-for-
publishers/?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+TheDigitalReader
+%28The+Digital+Reader%29&utm_content=Google+Reader#.UcgXy9i2Y1I
204
Why You Should Root for College to Go Online, disponível em
http://www.theatlantic.com/business/archive/2011/09/why-you-should-root-for-college-to-go-
online/244834/

397
negócio a uma escala global), o desafio dos media digitais e as mudanças no
comportamento do consumidor (Pira, 2002).
A tendência em relação ao ebook parece ser definitiva e isso explica-se por três razões:
o desenvolvimento tecnológico dos dispositivos faz com que ofereçam uma
experiência quase semelhante à de ler um livro físico; a penetração crescente da
Internet em várias dimensões das nossas vidas está a mudar padrões de leitura e de
comportamento; finalmente, os consumidores mostram-se atraídos por novos
dispositivos tecnológicos, como smartphones, tablets, etc…205
A própria ideia que temos do que será um livro pode mudar drasticamente com as
potencialidades que advêm do ebook: “quando tivermos um romance decomponível e
interactivo, cuja fruição advirá da leitura do texto, da audição da banda sonora e da
observação de imagens, não sei se poderemos ainda falar de «livros», mesmo que
electrónicos. Encontramo-nos perante uma realidade completamente nova na sua
concepção, na sua realização e na sua fruição. E que nessa medida implica autores e
editores com capacidades inéditas, entre a edição de livros, a realização televisiva ou
cinematográfica e a produção musical” (Laterza, 2001).
Os editores podem deixar de ser apenas os “fornecedores de livros físicos”, devem
afirmar-se como produtores de conteúdos multimédia, que podem passar por jogos,
vídeos, áudio, ou seja, ir ao encontro de múltiplos formatos e múltiplas plataformas.
“Eu penso que, eventualmente, as grandes editoras vão ter de mudar a forma como
fazem negócio. E os livros de acesso livre podem ser uma das ferramentas para o fazer.
Pode levar à morte de uma dessas editoras, mas vai ter de mudar”, afirmou Thomas
Buus Madsen, diretor de operações da BookBoon em Londres, uma editora de livros
didáticos de acesso aberto.
No mundo dos livros de acesso aberto, a BookBoon é uma raridade. A empresa é uma
entidade comercial num campo dominado por entidades não-lucrativas, e mesmo
entre as comerciais lucrativas, o seu modelo de negócio - anúncios gratuitos em livros
didácticos – constitui uma novidade. Para alguns, a frase “livros pagos por anúncios” -
faz pensar em anúncios da Coca-Cola em livros de cálculo – o que seria uma afronta
para séculos de tradição académica.
Hoje em dia, os textos da BookBoon foram adoptados por professores em 500
universidades nos Estados Unidos e Canadá – incluindo a UC Berkeley, a Universidade
de Georgetown, a Universidade de Nova Iorque, a Universidade de Columbia e a
Universidade de Cornell – e mais de 1500 universidades no norte da Europa.
De qualquer forma, o maior interesse nos textos grátis para download da BookBoon
vem dos países em desenvolvimento. Buss Madsen explicou que mais de 50% dos 10
milhões de downloads acontece em países como a Índia ou a África do Sul, o que pode
colocar problemas no que diz respeito a vender publicidade. Ele explicitou que,
enquanto a empresa faz vendas de publicidade limitadas em mercados emergentes, o

205
Turning the Page The Future of Ebooks, disponível em
http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf

398
foco primário da BookBoon são os mercados desenvolvidos da América do Norte e do
norte da Europa.
Como outros editores em acesso aberto, Buss Madsen não tem ilusões que alguns
membros do corpo docente e administradores de escolas se opõem à ideia de acesso
aberto. “Nós não esperamos que todos gostem de nós de um dia para o outro. Temos
esperança que os estudantes gostem do que nós fazemos e o melhorem”, afirmou
Buss Madsen. “E nós seremos capazes de aumentar a nossa taxa de penetração”.
Enquanto a taxa de penetração da BookBoon é impressionante para uma empresa que
só está no mercado desde 2005, ainda fica atrás da líder nesta área, a Flat World
Knowledge. De acordo com o CEO da Flat World, Jeff Shelstad, os livros em acesso
aberto da empresa iriam ser usados em 3500 salas de aula em 44 países no Outono de
2012.
Parte do sucesso da Flat World vem do facto de oferecer uma abordagem única ao
texto. Os livros disponibilizados por esta empresa são comparáveis em qualidade aos
livros oferecidos pelas editoras tradicionais. E os professores que adoptam livros da
Flat World têm a possibilidade de interagir com o texto de forma completamente
diferente. Como os textos da Flat World vêm com a licença aberta, os professores
podem fazer alterações após o descarregarem. “Eles podem acrescentar conteúdo de
que eles possuam os direitos e podem reordenar as secções do livro”, afirma Shelstad.
Parte da licença aberta obriga a que os professores que façam alterações ao texto (o
que dá origem àquilo que a Flat World gosta de chamar um “derivativo”) carreguem
esse novo texto para o catálogo da editora. O novo texto derivativo é depois oferecido
junto com o texto original.
Por aceitar a interactividade, oferecendo a atribuição e protegendo a autoria do texto
original, a Flat World encontrou uma maneira de ir para além do modelo wiki de
criação de conteúdos. Como a BookBoon, a Flat World também oferece textos grátis
aos estudantes. No entanto, a Flat World gera lucros tanto por vender livros digitais
como impressos, além de facultar um código de acesso que permite aos estudantes
interagir com o texto.
Enquanto os códigos de acesso digitais são muito comuns na academia, o preço de
34.95 dólares americanos e a falta de gerenciamento de direitos digitais (os DRM) não
são. A palavra-passe de acesso livre da Flat World equipa os alunos com um leitor de
livros online, a possibilidade de descarregar um livro para um terceiro dispositivo
móvel, como um Kindle ou um Nook, ou uma versão em PDF imprimível do livro.
Apesar de a Flat World não usar gerenciamento de direitos digitais, Shelstad
compreende porque é que há quem use: “a noção de que eu, um estudante, seja capaz
de comprar um ficheiro e partilhar com 100 dos meus amigos aterroriza os editores
tradicionais. Nós dizemos que a partilha de ficheiros é parte do que fazemos”, afirma
Shelstad.

399
Buus Madsen mantém que a BookBoon, que também não tem DRM, não foi afectada
por isso: “há apenas alguns dos nossos títulos que foram partilhados online e isso,
provavelmente, porque é muito fácil descarregá-los”.
A necessidade de salvaguardar os direitos de autor num ambiente tão aberto como o
digital levou a que, no final dos anos 90, se desenvolvessem sistemas de protecção de
conteúdos, entre os quais se encontram os DRM, concebidos para evitar o acesso de
utilizadores não autorizados à obra literária protegida.

Algumas das características dos DRM:

- aplicam-se a conteúdos intelectuais ou criativos em formato digital;


- estabelecem quem acede às obras e sob que condições;
- autorizam ou negam o acesso à obra ou a algumas das suas funções;
- o servidor estabelece as condições de acesso;
- reduzem as possibilidades de proliferação de cópias ilegais.

Apesar desse controlo sobre a obra, os DRM têm gerado problemas como:

- os seus mecanismos dispõem de uma codificação distinta consoante a empresa que


os concebe, dos quais resulta uma incompatibilidade entre formatos;
- as condições estabelecidas pelos DRM podem estar a ultrapassar a legalidade, já que
restringem alguns usos legais e razoáveis que são possíveis com os livros em formato
físico, como o empréstimo entre amigos;
- não são sistemas 100% seguros e podem ser quebrados através da pirataria
informática.

Os DRM podem variar. Desde limitar o tempo a que os estudantes têm acesso a um
ficheiro de texto – tipicamente por cerca de 180 dias –, a exigir que os estudantes
acedam ao conteúdo através de aplicação encriptada no motor de busca ou permitir
apenas que imprimam um certo número de páginas de cada vez. Há quem acredite
que os esforços anti-pirataria acabam por frustrar os alunos: “o problema é que, na
tentativa de evitar que o conteúdo seja partilhado ou pirateado, os editores estão a
fazer com que algumas funcionalidades não estejam disponíveis e que o conteúdo se
torne menos útil para os estudantes”206.
Contudo, o aspecto mais controverso no uso dos DRM é a salvaguarda da intimidade
do utilizador, já que implicam a necessidade de identificação para se poder rastrear os
usos que se fazem da cópia. Além disso, choca com as condições estabelecidas pelos
editores que excluem, através de licenças ou dos DRM, que o livro possa ser objecto de

206
The Cost of Collge: Open access textbooks cutting the bookstore bill by 80%, disponível em
http://www.onlinecolleges.net/2012/06/20/the-cost-of-college-open-access-textbooks-cutting-the-
bookstore-bill-by-80/

400
serviço de empréstimo interbibliotecário. Neste sentido, é necessário articular um
sistema que permita um uso pleno em todas as bibliotecas, bem como a livre
circulação de empréstimos entre elas207.
Apesar de nos últimos anos se terem produzido grandes avanços, encontramo-nos
perante um panorama técnico e legal complicado, onde o livro electrónico representa
um sector incipiente, cujo futuro levanta algumas incertezas, com vários problemas
por resolver e que podem ser resumidos da seguinte forma: em primeiro lugar, quanto
à incompatibilidade entre formatos - na realidade, são muitos os que vivem a dificultar
a migração e o intercâmbio de informação entre os dispositivos e os utilizadores. É
necessário encontrar um modelo que satisfaça todas as partes, no qual as bibliotecas
possam estabelecer acordos justos com as editoras, para que possam oferecer
conteúdo de forma rápida, fácil e sem restrições de uso ou consulta para o utilizador;
em segundo lugar, o desenvolvimento dos DRM, nos quais não fica claro quais são os
direitos dos utilizadores sobre as obras e onde podem ser violados tanto o direito a ler
e o livre acesso à cultura, como o seu direito à intimidade, na medida em que os DRM
permitem que um terceiro conheça tudo o que lemos, podendo controlar e
inclusivamente impedir que o façamos.
A solução pode estar nos chamados DRM sociais ou Fingerprinting, no qual se
estabelece uma chave numérica associada ao nome e ao cartão de crédito do
comprador, que permitirá, a qualquer momento, o acesso aos conteúdos desde
suportes distintos, o empréstimo dos livros e assegurar uma continuidade no tempo,
ainda que se mude de formato ou que a tecnologia dos e-readers evolua208.
Na transição para o digital, vejamos o que foi entendido pela indústria como um ponto
de viragem: “desde 1 de Abril, a Amazon vendeu 105 livros para o seu e-reader, o
Kindle, por cada 100 livros impressos, incluindo livros sem versão para o Kindle e
excluindo ebooks grátis. Nós tinhamos grandes expectativas que isto acontecesse
eventualmente, mas nunca imaginámos que pudesse acontecer tão rapidamente”
disse Jeff Bezos, chefe executivo da Amazon num comunicado. E acrescentou: “nós
estamos a vender livros impressos há 15 anos e livros para o Kindle há menos de
quatro anos”.
A empresa afirma que, em Julho de 2010, as vendas de ebooks ultrapassaram os livros
de capa dura e em Janeiro de 2011 o mesmo era verdade no que diz respeito os livros

207
Um exemplo claro de uma ligeira, se bem que francamente pouco prática, abertura a esse tipo de
empréstimo teve lugar quando a editora Harper Collins estabeleceu um máximo de 26 empréstimos
para os seus livros presentes nas bibliotecas. Uma vez alcançado esse número, a licença caduca e as
bibliotecas devem adquirir outro exemplar, o que pode elevar os custos das aquisições documentais, já
que algumas bibliotecas alegam que com esta limitação o empréstimo vai durar um ano ou um ano e
meio para os títulos mais populares, uma vez que os períodos de empréstimo comuns são de duas a três
semanas.
208
El e-book. Implicaciones jurídicas para las Universidades de un nuevo modelo de aprendizaje,
disponível em
http://www.bcongresos.com/congresos/gestor/ckfinder/userfiles/files/SAJGU/Bloque%20IV/El%20eboo
k%20en%20las%20Universidades.pdf

401
de bolso. Para a Amazon, esta marca é a prova de que saltou com sucesso de um
negócio de impressão para um digital, uma transição que tem desafiado a maioria das
empresas que vendem media.
O número da Amazon não foi surpreendente para os observadores da indústria. A
Amazon dá o crédito pelo aumento das vendas de ebooks, em parte, ao seu novo
Kindle, mais barato, que se tornou no Kindle mais vendido da loja. Mesmo se, no
panorama geral, os ebooks não venderem mais que os livros impressos fora da
Amazon, a loja online é certamente um indicador de uma tendência.
As vendas de ebooks em Março de 2011 foram de 69 milhões de dólares, um aumento
de 146% em relação ao ano anterior, disse a Association of American Publishers. As
vendas de livros de capa dura para adultos cresceram 6%, enquanto as vendas de
livros de bolso diminuiram quase 8%.
Os ebooks tornaram-se muito mais acessíveis para os consumidores a partir de 2010.
Muitos editores estão rapidamente a digitalizar os seus catálogos, tornando títulos
antigos disponíveis em ebooks pela primeira vez. Mesmo pequenas editoras
independentes que estavam a resistir à venda de ebooks mudaram a sua posição e
decobriram uma nova maneira de vender os seus antigos livros – tradicionalmente,
uma larga fatia dos lucros de muitos editores.
Ainda assim, David Shanks, o chefe executivo do grupo Penguin USA, advertiu que o
anúncio da Amazon pode ser enganador: “há muitos, muitos lugares no país que
vendem apenas livros físicos e não ebooks”, afirmou, acrescentando que ainda há uma
grande procura de livros impressos nas livrarias, e no Wal-Mart, Target, lojas de
aeroporto e supermercados, entre outros espaços de retalho.
Internacionalmente, há diferenças consideráveis no que diz respeito aos ebooks que
estão disponíveis. Os Estados Unidos são os pioneiros neste campo: quando lançaram
o Kindle, a Amazon oferecia 90000 ebooks para venda, incluindo 102 dos 112
bestsellers do The New York Times. De acordo com a própria informação da Amazon,
em 2011 a empresa dispunha de mais de 725000 títulos. E há mais de 1,8 milhões de
ebooks livres no domínio público que podem ser descarregados da Amazon. Além
disso, a Amazon oferecia, à data, 132 jornais e 40 periódicos para subscrever ou
comprar edições individuais.
A maior livraria do mundo, a Barnes & Noble, tem mais de 1,2 milhões de ebooks. Por
outro lado, os editores europeus têm sido mais conservadores na sua abordagem ao
digital. Mas os editores não são necessariamente os responsáveis pela confusa
passagem para o digital em alguns países. Em muitos casos, os editores só têm os
direitos para o conteúdo impresso ou áudio. Para possibilitar a distribuição de ebooks,
mais negociações têm de ser levadas a cabo com os autores. Este é um processo
muitas vezes caro e que consome tempo.
O preço dos ebooks varia muito conforme os países, devido aos impostos e aos
acordos de fixação de preços. Muitos países da União Europeia, como é o caso de

402
Portugal209, têm acordos de fixação de preço e nesses países as livrarias têm de seguir
as políticas de preço das editoras. Há casos em que essas políticas se aplicam apenas
durante o primeiro ano após a publicação, no caso dos livros impressos. No Reino
Unido as recomendações de preços no retalho foram abolidas em 1995 e nos Estados
Unidos tal não existe porque contraria a lei da concorrência.
A introdução do Kindle, no final de 2007, com a maioria dos títulos a 9.99 dólares
americanos gerou um rápido reconhecimento por parte dos clientes da Amazon de
que os ebooks eram vendidos com um desconto significativo em relação à capa dura
ou aos livros de bolso. Ao estabelecer esse preço, a Amazon inicialmente tinha prejuízo
e gerou instabilidade entre os editores. E estes, ao invés de investirem em novos livros,
optaram por canibalizar as obras que tinham em formato tradicional210.
Em 2009, o iPad representou uma oportunidade para os editores estabelecerem uma
nova estratégia de preços, uma que mudasse o poder de decisão do retalhista para o
editor. Muitas grandes editoras trabalharam com a Apple para encontrarem um
modelo para a loja de iBooks. O novo modelo não estava preso a nenhuma política
específica, os editores decidiam os seus preços individualmente, e a Apple ficava com
uma margem de 30%.
Com os editores a ganharem maior poder, os leitores rapidamente viram preços mais
altos em muitos títulos. Consequentemente, os preços dos ebooks despoletaram o
escrutínio no mercado americano e o Departamento de Justiça também mostrou um
interesse prioritário no sector emergente dos ebooks, com principal enfoque nas
grandes empresas de tecnologia. Este caso gerou mesmo um processo211, em que a
Apple foi acusada de ter combinado com cinco das maiores editoras americanas subir
os preços dos livros electrónicos, como forma de contrariar os baixos preços da
Amazon. As editoras envolvidas no caso (a Macmillan, a Penguin, a Hachette Book
Group, a Simon & Schuster e a HarperCollins) terão participado no arranjo, mas não
chegaram a ser julgadas, tendo conseguido um acordo com o governo americano que,
no conjunto, atingiu os 164 milhões de dólares.
A transformação digital cria novas oportunidades e novas responsabilidades para os
editores. Como resultado das barreiras para entrar no mercado digital serem
comparativamente baixas, todos os players na cadeia de valor vão continuar a
expandir as suas operações em direcção à Internet – começando pelos autores
(marketing pessoal), as editoras (distribuição própria), os intermediários
(directamente, via plataformas próprias, ou indirectamente, através de plataformas
para livrarias) e as próprias livrarias (que criarão lojas online). Além disso, o mercado

209
Legislação Preço Fixo do Livro – Portugal, disponível em
http://www.apel.pt/pageview.aspx?pageid=79
210
Turning the Page The Future of Ebooks, disponível em
http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf
211
Apple e editoras acusadas nos EUA por combinarem preços de livros electrónicos, disponível em
http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/apple-e-editoras-acusadas-nos-eua-por-combinarem-precos-
de-livros-electronicos-1541713

403
tornar-se-á ainda mais aguerrido com a entrada de empresas como a Amazon, a Apple
e a Google, que também o impulsionam com os seus próprios dispositivos.
Além do normal desenvolvimento dos preços nos ciclos tecnológicos, a competição
imposta pelos tablets contribuiu para baixar ainda mais os preços dos e-readers. Os
efeitos deste desenvolvimento são evidentes nos Estados Unidos: a Barnes & Noble
investiu tanto em vendas de hardware como de ebooks com o Nook. Entretanto, o
Kindle transformou a Amazon de uma loja online para um criador de hardware e
software e um fornecedor de conteúdo online. A Sony, que anteriormente se focou
apenas em vender e-readers, já criou uma loja electrónica de livros. Estes três
exemplos mostram como estas empresas estão a ir além das suas linhas tradicionais de
negócio e se estão a redefinir no ambiente dos e-readers e ebooks.
Funções de intermediação, como as do transporte ou do armazenamento, tendem a
tornar-se cada vez menos relevantes no ambiente digital, mas outras funções
emergem, com novos serviços que podem ser oferecidos por intermediários, como a
criação de uma plataforma de venda directa, gestão de pagamentos, alojamento de
documentos ou apoio à conversão para o sistema digital.
O desenvolvimento da cadeia de valor digital está a ser conduzido primariamente pela
mudança no sentido do negócio com o consumidor final e vendas directas.
A impressão de muitas cópias e o seu armazenamento tem custos. É muito provável
que o futuro passe mais por produção e armazenamento digital, actualizações
constantes e impressões a pedido. A Internet e as livrarias online vão tornar-se canais
de distribuição-chave e é provável que agreguem mais tarefas. Além de terem os
conteúdos dos editores, as livrarias online também vão ter o papel tradicional das
livrarias físicas, como oferecer aconselhamento e serviço ao cliente. Estes vão ganhar
importância com as reviews online.
Uma possibilidade de negócio pode ser vender capítulos individualmente ou conteúdo
adicional num ebook, à semelhança do que acontece como os extras nos dvds. Além
disso, autores conhecidos podem assumir a distribuição dos seus livros, como fez
Paulo Coelho ou Stephen King. A vantagem é óbvia: além dos direitos de autor,
recebem o lucro directo da venda. Um obstáculo é que não podem aceder aos serviços
de edição, marketing e distribuição, mas podem licenciar directamente os seus livros
às livrarias online. Este modelo de marketing pessoal só conseguirá vendas
significativas com autores que já sejam bem conhecidos do público, e para os autores
se tornarem conhecidos normalmente precisam dos serviços de uma editora.
Apesar de a Amazon dominar as vendas de ebooks até ao momento, o mercado ainda
está a evoluir. A Amazon não desvendeu os números de livros vendidos e quanto dos
seus lucros se deve a livros impressos ou ebooks, mas há editores que acreditam que a
parcela de mercado da Amazon tem decaído nos últimos dois anos, enquanto a Barnes
& Noble conseguiu ganhos com o seu dispositivo Nook e com as empresas de
tecnologia, como a Apple e a Google, também a apostar neste mercado212.

212
E-Books Outsell Print Books at Amazon, disponível em

404
À semelhança de outros bens informacionais, a produção de um livro original é cara,
mas a sua reprodução nem tanto, ou seja, a preparação de um bem informativo
envolve elevados custos fixos, mas baixos custos marginais. No caso do digital, estes
custos marginais são ainda mais diminutos.
A Overdrive lançou o seu primeiro relatório com grandes dados na Feira do Livro de
Londres de 2012, com um apanhado do tráfego de Março da plataforma de ebooks.
Apenas nesse mês, mais de 5 milhões de visitantes visualizaram 146 milhões de
páginas. Os visitantes do catálogo da OverDrive geraram mais de 630 milhões de
descarregamentos de ebooks, dos quais os 30 títulos no top receberam mais de 21
milhões de visualizações. Os ebooks que tiveram mais de um milhão de visualizações
cada são Explosive Eighteen, The Help, The Litigators, e não surpreendentemente The
Hunger Games. As colecções The Girl with the Dragon Tattoo, Game of Thrones e Harry
Potter também aparecem entre os mais vistos. O top dos audiobooks inclui The Hunger
Games, Catching Fire e Mockingjay.
Os comics são um género com características particulares: os livros tradicionais, por
serem impressos na totalidade a cores, terem muitas vezes capa dura e devido ao tipo
de papel que necessitam, fazem com que o preço final do livro físico seja bastante
elevado. Aqui encontramos algumas semelhanças com os livros infantis, se bem que as
novelas gráficas são, habitualmente, volumes maiores.
Ao mesmo tempo, os comics têm também leitores que frequentemente revelam um
relacionamento de coleccionador com os álbuns, mas onde o preço pode ser uma
variável decisiva. Se ao invés de ter uma colecção física limitada, o leitor puder ter uma
grande colecção de álbuns digitais no seu e-reader, onde recairá a escolha?
A este propóstio, a DC Comics deixou recentemente de ter as suas novelas gráficas
digitais exclusivamente na Amazon. Também começou a oferecer cópias digitais dos
seus comics mensais para o Kindle, o Nook e para a loja iBook. A Marvel expandiu o
foco do seu programa para incluir o Kindle e a loja iBook. Mas enquanto a
disponibilidade cresce, há inconsistência sobre que títulos estão disponíveis e para que
plataforma213.
Para os editores, é importante estabelecer uma presença com conteúdo em várias
plataformas: em livrarias físicas, online e em aplicações. Livros particulares, como os
de culinária ou os guias de viagem, podem ser disponibilizados como aplicações ou
ebooks com características interactivas, actualizações online ou subscrições.
Uma atitude mais aberta por parte dos editores pode ser o impulso necessário para
salvar o negócio, que pode passar por pacotes de produtos, com a obra impressa e em
ebook, por exemplo – se bem que para um grupo relativamente pequeno de leitores,
que já leia no e-reader mas queira continuar a possuir o objecto livro.

http://www.nytimes.com/2011/05/20/technology/20amazon.html, consultado a 7 de Março de 2013.


213
Digital Comics Are Getting Cheaper, disponível em http://www.publishersweekly.com/pw/by-
topic/industry-news/comics/article/55738-digital-comics-are-getting-
cheaper.html?et_mid=601517&rid=234933236

405
As editoras podem optar por ser elas próprias a distribuir os seus conteúdos através de
plataformas próprias (o grupo Bertelsmann e o grupo de editores Holtzbrinck fizeram
uma joint-venture para distribuirem ebooks na Alemanha).
O que é que as lojas internacionais oferecem aos clientes? Vejamos o caso da Amazon.
Os ebooks estão disponíveis não apenas para o Kindle mas também para quase
qualquer tipo de gadget (computador, smartphone, tablet…). Estas aplicações podem
sincronizar-se com a conta do Kindle e assim, quando o leitor abre o livro noutro
aparelho, poderá continuar exactamente onde tinha parado, com as suas notas,
sublinhados, etc., a manterem-se em todos os dispositivos.
A Barnes & Noble teve sucesso a aumentar a sua cota de mercado de ebooks enquanto
a sua cota de mercado tradicional encolhia. Como possui uma rede de livrarias, tem
uma vantagem sobre a Amazon: os clientes nos Estados Unidos podem visitar as suas
lojas e experimentar o Nook. Quem tiver um Nook poderá aceder em qualquer Barnes
& Noble a wi-fi grátis, descarregar conteúdos gratuitos ou receber outras promoções
na loja.
A Amazon não tem lojas físicas e só recentemente começou a vender o Kindle através
de outros retalhistas, à semelhança do que já fazia a Barnes & Noble com o Nook. Os
lucros das vendas digitais da Barnes & Noble têm aumentado consideravelmente e
pode ser considerada um estudo de caso para estratégias de outras empresas com
ebooks e e-readers.
Em Portugal, a Fnac vende ebooks online, bem como a Wook (livraria online do grupo
Porto Editora) e a livraria online do grupo Leya. O Google começou também
recentemente a vender livros em Portugal, através da sua loja Google Books214.
As lojas online nacionais precisam de convencer os clientes do valor do seu serviço,
oferecendo uma grande variedade de produtos, serviços intuitivos e características
como reviews e social networking. Tal como acontece com as lojas de livros físicas, as
lojas online devem explorar todas as potencialidades de produtos integrados com o
leitor que adoptarem. E não têm de entrar no mercado do hardware para o fazerem,
podem recorrer a parcerias com outros fabricantes. Também poderão desenvolver
aplicações para que os clientes possam comprar a partir dos seus smartphones ou
tablets. Estes esforços contribuem para aumentar a fidelização de clientes, a
interacção e o potencial lucro.
A população de leitores de ebooks está a crescer. No ano passado, o número dos que
lêem ebooks aumentou de 16% dos americanos com mais de 16 anos para 23%. Ao
mesmo tempo, o número dos que leram livros impressos nos 12 meses anteriores caiu
de 72% para 67%215.

214
Google começou a vender livros em Portugal, disponível em
http://p3.publico.pt/cultura/livros/8436/google-comecou-vender-livros-em-portugal
215
E-book Reading Jumps; Print Book Reading Declines, disponível em
http://libraries.pewinternet.org/2012/12/27/e-book-reading-jumps-print-book-reading-declines/

406
No geral, o número de leitores no final de 2012 era de 75% da população americana
com idade igual ou superior a 16 anos, um pequeno decréscimo em relação aos 78%
do final de 2011.
O movimento em direcção à leitura de ebooks coincide com um aumento na
propriedade de dispositivos de leitura.
Veja-se a evolução: a percentagem de adultos, nos Estados Unidos, que possuem um
leitor de ebook dobrou para 12% em maio de 2011, em relação aos 6% em novembro
de 2010. Esta foi a primeira vez, desde que o Pew Internet Project começou a medir o
uso de e-readers (em Abril de 2009), em que a propriedade deste dispositivo atingiu os
dois dígitos entre os adultos norte-americanos216.
Dados de 2012 mostravam que 18% da população americana já possuía um e-reader,
sendo a mesma percentagem da que possuía tablets217.
Há ainda uma percentagem significativa de possuidores de ambos os dispositivos. Ao
desagregar pelos níveis de escolaridade, verifica-se que tanto num caso como noutro,
a frequência mais comum é entre pessoas com licenciatura ou grau superior, e o
intervalo etário com maior número de ocorrências é entre os 30-39 (estamos a falar de
população adulta, com mais de 18 anos).
De acordo com os dados de 2013 do Pew Research Center, já 31% da população adulta
americana tem um tablet e 26% um e-reader.

216
e-Reader ownership surges since last November; tablet ownership grows more slowly, disponível em
http://pewinternet.org/Reports/2011/E-readers-and-tablets/Report.aspx e consultado a 8 de Maio de
2013.
217
A Closer Look at Gadget Ownership, em
http://pewinternet.org/Infographics/2012/A-Closer-Look-at-Gadget-Ownership.aspx

407
De acordo com estudos da PWC e da Internacional Publishers Association, a maioria
dos países tem IVA reduzido nos livros impressos. Por outro lado, nos livros
electrónicos são muitos os países onde não é aplicado o imposto reduzido, incluindo
na Europa. Em Maio de 2009, a Comissão Europeia alterou a directiva 2006/112/EU,
para produtos com IVA reduzido, o que permite aos estados membros aplicar a
redução a livos electrónicos, jornais e periódicos. No entanto, a iniciativa falhou o alvo,
limitando esta redução a suportes físicos, como os audiobooks ou livros digitais no
formato de CD ou CD-ROM.
Mais recentemente, a Comissão Europeia sublinhou que em 2015 vão entrar em vigor
novas regras a nível da aplicação do IVA na União Europeia e aí deverá acabar a
discrepância de impostos entre os livros impressos e os ebooks.
Em Portugal, a taxa normal de IVA é de 23% (esta é aplicada nos livros digitais) e a taxa
reduzida é de 6% - que é aplicada nos livros em papel. A razão para a diferença na
taxação é que o ebook é considerado tecnologia e não um bem cultural.
Muitas vozes críticas se levantam, dizendo que o livro é mais do que um bem e que o
seu valor cultural é o mesmo, independentemente do formato, pelo que esta
discriminação não é justificável.

408
Bibliotecas públicas e escolares: desafios e mais desafios

A Internet já teve um grande impacto na forma como as pessoas encontram e acedem


à informação, e agora a popularidade crescente dos ebooks está a ajudar a
transformar os hábitos de leitura. Neste horizonte de mudança, as bibliotecas públicas
estão a tentar ajustar os seus serviços às novas realidades, enquanto continuam a
servir as necessidades dos clientes que confiam em recursos mais tradicionais.
Tem havido muita controvérsia sobre o empréstimo de ebooks nas bibliotecas. O
preço, as políticas de empréstimo, a gestão dos direitos digitais e o relacionamento
entre distribuidores e vendedores são tudo questões em cima da mesa. No entanto, os
gastos das bibliotecas com ebooks tendem a aumentar, o que já tem vindo a acontecer
nos últimos anos.
Os editores ainda não desenvolveram um modelo de negócio apropriado para definir
preços e distribuir ebooks que englobe satisfatoriamente as bibliotecas. Enquanto as
editoras e os livreiros vêm os livros como um bem, os bibliotecários vêem-nos como
um serviço.
Antes de uma escola ou uma biblioteca tomar uma decisão em relação aos ebooks
deve auscultar a comunidade sobre as suas necessidades: os seus utilizadores estão a
perguntar por ebooks? Se estão, qual é o tipo de conteúdo que eles procuram: best-
sellers, ficção, livros infantis, livros técnicos ou, quem sabe, literatura clássica? E qual o
tipo de dispositivos que eles usam – Kindles, Nooks, iPads, smartphones ou
computadores pessoais? Estas informações devem guiar as decisões sobre os
conteúdos e os formatos a escolher, assim como mantém a comunidade envolvida na
formação da colecção digital.
Os e-readers não apenas têm recursos diferentes (preto e branco versus cores, ecrãs
tácteis versus teclados) mas as suas lojas oferecem selecções diferentes. Esta escolha é
para já uma questão decisiva no tipo de catálogo que se pretende construir218.
Para as bibliotecas com orçamentos limitados (não o serão todas?) encontrar
conteúdos grátis é essencial. As más notícias é que não são os títulos na lista de best-
sellers do New York Times. Apesar disso, há centenas de fontes de ebooks grátis
disponíveis online. As bibliotecas têm de verificar se não estarão a descarregar
conteúdo pirateado, que é frequentemente encontrado nos grandes sites de partilha
peer-to-peer.
Mas, ainda assim, o principal problema das bibliotecas são mesmo os DRM, segundo o
bibliotecário Buffy Hamilton, autor do blogue Unquiet Librarian219. São eles que não
permitem que o conteúdo seja partilhado entre dispositivos. Frequentemente, isso

218
School Libraries Struggle with E-Book Loans, disponível em
http://www.pbs.org/mediashift/2011/09/school-libraries-struggle-with-e-book-
loans269?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%253A+pbs%252Fmedias
hift-blog+%2528mediashift-blog%2529&utm_content=Google+Reader
219
http://theunquietlibrarian.wordpress.com/

409
significa que crianças e jovens não podem trazer os seus próprios dispositivos de casa
para as requisições na biblioteca.
Mais do que pensar-se em novas regras de propriedade, pode pensar-se mais
profundamente no modelo de subscrições e os bibliotecários já estão familiarizados
com este modelo no que diz respeito ao acesso a revistas, jornais ou bases de dados.
O foco do problema aqui será que os e-readers e os ebooks foram concebidos com a
tecnologia do consumidor em mente. Um e-reader próprio onde cada um compra os
ebooks que quer ler no seu dispositivo. Não pode partilhar os dispositivos e os
livros220. Não é um sistema desenhado para bibliotecas. E não é de certeza um sistema
desenhado para bibliotecas escolares.
Mesmo assim, os bibliotecários continuam a tentar que estes dispositivos funcionem
nas suas bibliotecas. E eles fazem-no porque as crianças e os jovens gostam deles. Os
seus utilizadores procuram ebooks e os livreiros querem satisfazer esses pedidos.
É possível colocar algumas questões práticas que hoje já são uma realidade para
editoras de publicações digitais no seu relacionamento com as bibliotecas.
A primeira delas é a solicitação do acervo perpétuo. Para as bibliotecas trata-se de
uma premissa simples, já que o exemplar físico de uma publicação fará sempre parte
do seu acervo, salvo a normal deterioração pelo tempo. No entanto, é necessário
observar que no caso de uma plataforma própria de uma editora, a “manutenção”
daquele acervo é responsabilidade da empresa, não da biblioteca. Então como garantir
essa manutenção sem um prazo para terminar?
Um exemplo para clarificar a situação: uma biblioteca assina uma revista por 12 meses
e recebe mensalmente 12 edições. No ano seguinte não renova mais aquela assinatura
e, portanto, não receberá mais novas edições. Porém, ela quer continuar a aceder às
12 edições do ano anterior. Para oferecer isso, a editora deve manter uma equipa
responsável pela plataforma, investimento em servidores, etc. É diferente de um livro
ou volume físico em que a manutenção é responsabilidade da biblioteca. Se ele se
rasgar, se for roubado, a editora não tem que fornecer outro. É uma situação que
precisa pois de ser bem estudada pelo mercado e requer atenção por parte das
editoras.
Na maioria das bibliotecas norte-americanas, a par dos livros tradicionais os
utilizadores também podem descarregar livros electrónicos.
Com a migração da leitura para as plataformas digitais, os livros em papel tendem a
perder cada vez mais adeptos, o que não significa que as pessoas deixem de
frequentar bibliotecas. Com esta ideia em mente, um americano criou a BiblioTech, a
primeira biblioteca pública dos Estados Unidos sem um único livro em papel.
Foi na leitura de um livro em papel – a biografia de Steve Jobs – que Nelson Wolff, um
juiz do condado de Bexar, na cidade de San Antonio, no Texas, encontrou inspiração
para um projecto inovador: a BiblioTech. Mas Wolff, que é um amante assumido de

220
O Nook e o Kindle permitem emprestar um livro, mas apenas uma vez, por um período de duas
semanas.

410
livros e tem uma colecção invejável de primeiras edições, ainda assim, não quis passar
à margem da nova tendência de leitura, os livros digitais221.
Um relatório de Dezembro de 2012 do Pew Research Center mostra que os
utilizadores não sabem como usar plenamente os serviços de ebook das bibliotecas
públicas.
Algumas das outras conclusões desse relatório mostram que as bibliotecas
universitárias são o tipo de biblioteca que mais renova os seus contratos para ebooks,
somente cerca de 7% das bibliotecas da amostra fizeram vídeos para explicar às
pessoas as potencialidades dos ebooks e apenas cerca de 30% tomaram medidas para
integrar os ebooks nas pesquisas222.
Entre as principais vantagens encontradas no digital podemos citar aquelas próprias da
natureza das bibliotecas, como as advindas das próprias tecnologias da comunicação e
da informação. Entre elas:

a) A preservação dos conteúdos: os conteúdos digitais possuem a propriedade da


durabilidade, isto é, não havendo falha de sistema ou factores externos (formatação,
apagamento inoportuno, ataque hacker), os dados armazenados não deverão ser
perdidos. Daí a grande vantagem dos livros e documentos digitalizados não serem
corroídos por traças. A digitalização possibilita o armazenamento de centenas,
milhares de textos, evitando a perda de informação e a preservação aqueles
documentos que, mesmo com a acção humana, não podem ser conservados ou
recuperados;

b) A facilidade de pesquisa: com a digitalização dos documentos, actualmente é


possível pesquisar através de diversos mecanismos de busca de texto ou através de
palavras-chave. Um bom exemplo disso são os motores de busca.
E ainda segundo Singh (2003), a pesquisa, sobretudo aquela com filtros, resolve o
problema da abundância de dados até nas próprias bibliotecas digitais;

c) Os custos baixos para disponibilização: quais os custos para a montagem e


manutenção de uma biblioteca digital? E quais os custos de uma tradicional? As
bibliotecas digitais, devido à sua especificidade, podem ser constituídas somente por
documentos digitais, sem que necessariamente se possua um acervo físico, o que já
reduz em grande parte os custos.
Além disso, se se pensar em instituições públicas como universidades, na sua grande
maioria já possuem laboratórios de informática e servidores que podem alojar a

221
Nos EUA haverá uma biblioteca sem um único livro em papel, disponível em
http://www.publico.pt/tecnologia/noticia/nova-biblioteca-abre-no-outono-sem-um-unico-livro-
1580784 e acedido em 18/03/2013
222
Library Use of eBooks, 2012 Edition, disponível em
http://www.researchandmarkets.com/reports/1949496/library_use_of_ebooks_2012_edition

411
biblioteca. Somado a isso, há os custos com pessoal, que numa biblioteca digital, se
tornam bem mais reduzidos.

d) Os custos baixos para uso: fora os custos de construção de uma biblioteca, tem-se
os custos baixos na manutenção e utilização do material;

e) O fortalecimento de pesquisas pela centralização inclusiva de conteúdos: com a


ampliação da digitalização de diversos documentos em vários formatos
disponibilizados na rede, os investigadores, por exemplo, têm acesso a trabalhos e a
autores, relatórios de pesquisa, artigos, comunicações, com muito mais facilidade do
que há alguns anos atrás;

f) Os materiais multimédia: numa biblioteca digital pode-se ter arquivos em vários


formatos, não apenas livros de texto, mas registos áudio, filmes, fotos, etc…

g) A omnipresença: com excepção de limitações tecnológicas, as bibliotecas digitais


podem ser acedidas a partir de qualquer parte do mundo e a qualquer hora;

h) A facilidade de actualização da informação: os documentos disponíveis, nessas


bibliotecas, por serem digitais, possuem a virtude de ser facilmente editados,
transformados, remodelados para atender às necessidades da própria biblioteca e dos
utilizadores;

i) O uso simultâneo dos materiais: o suporte digital permite que diversos utilizadores
tenham acesso a documentos para uso ou cópia ao mesmo tempo, sem precisar
esperar, como se espera na biblioteca tradicional, que o livro seja devolvido,
minimizando, assim, o problema da quantidade de obras disponíveis;

j) A salvaguarda de conteúdos em muitas línguas: o hipertexto possibilita a


disponibilização de textos e páginas que podem ser visualizadas, em diversas línguas,
com a ajuda da tradução dos mecanismos de busca, e ainda possibilita disponibilização
de textos e até do próprio site em línguas diferentes;

k) A ausência de pessoas intermediárias: Singh (2003) sustenta que o facto de se lidar


com sistemas e máquinas e não com pessoas é uma vantagem, mas aqui esta é
bastante discutível.

É importante ressaltar o valor social que as bibliotecas digitais possuem no que


concerne à democratização da informação. Como sustenta Alencar (2004: 216) “num
mundo em que o poder aquisitivo de uma maioria diminui, a informação em si mesma
é capital, representa valor, dinheiro, poder. Lutar por esses excluídos deve ser uma

412
bandeira de guerra daqueles empenhados num real processo de democratização e de
inclusão digital que vise a sua humanização e sua emancipação”.
Num inquérito do Pew Research Center223, uma boa parte de americanos afirma que
utilizaria ainda mais recursos tecnológicos nas bibliotecas como:

- serviços de pesquisa online, que permitissem aos clientes fazer perguntas e obter
respostas de bibliotecários;
- utilizar aplicações baseadas em materiais de bibliotecas e programas;
- utilizar aplicações de navegação GPS para ajudar os utilizadores a localizar o material
no interior de edifícios de biblioteca;
- utilizar máquinas de crédito ou quiosques localizados em toda a comunidade, onde as
pessoas possam requisitar livros, filmes ou música, sem terem de ir à biblioteca
propriamente dita;
- sistema de recomendações personalizado ao estilo da Amazon para
livros/áudio/vídeo, baseadas no comportamento prévio dos utilizadores da biblioteca.

Quando perguntado aos trabalhadores das bibliotecas sobre formação, os três


aspectos mais populares foram aulas de e-empréstimo, aulas para aprender a usar
dispositivos móveis e o serviço online de “pergunte a um bibliotecário”. Muitos
bibliotecários disseram que as suas bibliotecas já estavam a oferecer aqueles recursos
de várias formas devido às exigências dos seus utilizadores.
Quando questionados sobre que serviços as bibliotecas deveriam oferecer ao público,
a maioria dos americanos é fortemente favorável a uma coordenação mais próxima
com as escolas locais; a que elas ofereçam programas de literacia grátis para crianças;
tenham espaços mais confortáveis para ler, trabalhar e relaxar; ofereçam uma maior
selecção de ebooks.
Os americanos dizem que as bibliotecas são importantes para as suas famílias e para as
suas comunidades mas é frequente não conhecerem todos os serviços que elas
oferecem.
Nos últimos 12 meses, 53% dos americanos com mais de 16 anos visitaram uma
biblioteca; 25% visitaram o site de uma biblioteca; e 13% usaram um dispositivo como
um smartphone ou um tablet para aceder ao site. No cômputo geral, 59% dos
americanos com mais de 16 anos tiveram algum tipo de interacção com a sua
biblioteca pública nos últimos 12 meses. No geral, 52% destes utilizadores da
biblioteca afirmam que a utilização que fazem da mesma não mudou
consideravelmente nos últimos cinco anos.
Outra conclusão interessante deste estudo é que os afro-americanos e os hispânicos
são especialmente ligados às suas bibliotecas e os que estão mais ansiosos por

223
Library Services in the Digital Age, disponível em http://libraries.pewinternet.org/2013/01/22/library-
services/

413
conhecerem novos serviços. Esta conclusão pode indicar a importância que as
bibliotecas assumem para comunidades com menor poder financeiro.
Independentemente do que acontece com o acesso e a circulação do ebook, as
bibliotecas públicas físicas são fundamentais para o bem-estar social das comunidades
que as utilizam, e estão bem posicionadas para fornecer serviços como o acesso ao
computador, formação para trabalhos, apoio depois da escola, formação e acesso aos
media digitais e muito mais.

As editoras e o empréstimo

De acordo com a American Library Association (ALA), há mais de 120000 bibliotecas


nos Estados Unidos, incluindo as públicas, as académicas, as escolares e as das forças
armadas. Quase 100% das bibliotecas estão ligadas à Internet, quer para uso do
pessoal quer para uso público.
Dados acerca de quem são os leitores e que quantifiquem o seu uso de ebooks são
difíceis de encontrar, por causa da dedicação dos bibliotecários em proteger o
anonimato dos leitores.
Um inquérito de 2011 com 1029 bibliotecários mostra que estes, em geral, gostariam
de oferecer um acesso maior e mais fácil aos ebooks aos seus utilizadores. De facto,
empréstimos de ebooks tornaram-se tão populares na Biblioteca Pública de Nova
Iorque que os bibliotecários lançaram um recurso de informação sobre ebooks,
denominado de ebook Central. As empresas privadas também estão a emprestar
livros. A Amazon lançou uma biblioteca de empréstimos para utilizadores de Kindle
que tivessem subscrito a Amazon Prime, um programa de streaming de conteúdos e
descontos. A empresa tem 50 000 títulos disponíveis para empréstimo – cada
utilizador pode requisitar um por mês.
Os líderes da ALA encontraram-se com representantes de algumas das maiores
editoras americanas, como a Penguin, a Macmillan, a Random House, Simon &
Schuster e o Grupo Perseus. Na altura do encontro, duas das cinco – Random House e
Perseus – estavam a permitir que as bibliotecas comprassem e emprestassem
qualquer um dos seus livros. Já a Penguin ofereceu apenas o seu fundo de catálogo
para as bibliotecas; a Macmillan e a Simon & Schuster não venderam nenhum ebook
para as bibliotecas. Como resultado da reunião, a Random House alegadamente subiu
o preço que cobra aos distribuidores de ebooks. Esses grossistas determinarão o preço
cobrado às bibliotecas.
Para o artigo que se cita224, foram contactadas várias grandes editoras mas nenhuma
(inclusive nenhuma das seis maiores) quis discutir publicamente o seu relacionamento
com as bibliotecas, com o sistema Overdrive ou os empréstimos.

224
http://www.digitalbookworld.com/2012/e-book-library-lending-rises-publishing-industry-grapples-
with-change/

414
As bibliotecas não têm grande poder de negociação com as editoras. Por esse motivo,
alguns bibliotecários americanos propõem colocar nos sites das bibliotecas o seguinte
anúncio: “gostaria de requisitar este livro como um ebook? Então contacte estes
editores e queixa-se das suas políticas anti-empréstimos bibliotecários”, com uma lista
das editoras não aderentes.
“Os bibliotecários tímidos, subservientes, têm sido parte do problema. Os
bibliotecários tendem a reclamar sobre o quanto eles trabalham para obter ebooks
para os clientes, quando na verdade eles não fazem nada além de assinar um contrato
com o Overdrive. Tentar envolver o público pode levar a algum esforço, mas seria mais
eficaz do que apenas esperar que tudo corra pelo melhor”, afirma um livreiro num
artigo de opinião225.
Enquanto as bibliotecas e as editoras não acertam uma posição, há todo um
ecossistema de empresas que cresce em torno do empréstimo de ebooks.
O Overdrive é actualmente o maior distribuidor de ebooks para as bibliotecas,
servindo tanto o mercado comercial como o académico. A empresa tem cerca de 650
000 títulos e distribui-os para mais de um milhão de usuários finais. Os distribuidores
de ebooks 3M e Ingram também trabalham com bibliotecas e prestam serviços
académicos. Aos distribuidores tradicionais estão a juntar-se outros que facilitam
métodos diferentes de empréstimos de ebooks, incluindo através das redes sociais.
Copia, uma start-up lançada em 2010 pela cadeia de suplementos de gestão da
empresas DMC Worldwide, oferece uma plataforma que visa vincular o conteúdo
gerado pelo editor na forma de ebooks com "as redes sociais, a colaboração e o e-
commerce com uma série de leitores eletrónicos sem fios para proporcionar uma
experiência em torno da descoberta compartilhada", segundo a empresa.
Our Bookshelf, uma start-up sedeada em Nova Iorque, anuncia-se como “uma rede
social de empréstimo de ebooks sem DRM”, visando simultaneamente torná-lo mais
"conveniente" para sugerir e compartilhar ebooks enquanto protege os detentores de
direitos autorais, limitando estritamente o acesso e os check-outs.
A start-up LendInk, com sede em Garden Grove, Califórnia, permite aos utilizadores do
Kindle, Nook e Kobo partilhar ebooks uns com os outros, uma vez por um período de
duas semanas. Esta partilha é sujeita às políticas das editoras.
Sedeada em Montclair, a Gluejar Inc., também uma start-up, permite a um detentor de
direitos autorais libertar um título seu por um preço determinado pelo autor, de forma
a ficar disponível sob uma licença Creative Commons, livre de DRMs e, portanto,
partilhável por um número ilimitado de leitores e acessível em qualquer tipo de
dispositivo.
A própria OverDrive integrou redes sociais no seu sistema, como uma forma de
compartilhar com os amigos excertos de livros e incentivar a descoberta do livro no

225
Ebooks and Libraries Don’t Mix, disponível em
http://lj.libraryjournal.com/blogs/annoyedlibrarian/2012/02/15/ebooks-and-libraries-dont-mix/,
consultado a 22 de Março de 2013.

415
site de uma biblioteca, no Twitter e no Facebook. A distribuidora também lançou um
programa que permite aos utlizadores comprar livros diretamente da Amazon, se eles
não estiverem disponíveis para serem emprestados. O Want It Now, como é chamado,
facilita as vendas de livros pelos quais a biblioteca referida recebe uma comissão, de
acordo com o diretor de marketing da Overdrive, David Burleigh.
A Biblioteca de Inovação de Harvard, na Harvard Law School, também está a tentar
responder ao que poderá ser o empréstimo bibliotecário no futuro. O laboratório
estará a trabalhar para desenhar ferramentas altamente tecnológicas que irão facilitar
a partilha entre as editoras, bibliotecas e leitores.
O gigante Google, através de convénios com as principais bibliotecas norte-
americanas, já digitalizou os textos de mais de sete milhões de livros para o seu serviço
de busca de livros (Google Book Search), e processou as cópias digitalizadas para
indexar os seus conteúdos, permitindo a pesquisa online à totalidade do teor das obras
(Bernardes e Pesserl: 2009).
A versão inicial do serviço permite que os seus utilizadores façam o download da
totalidade dos livros que estejam no domínio público (aproximadamente um milhão,
em 2009) e torna disponíveis apenas pequenos excertos quando tais livros ainda estão
sujeitos aos direitos autorais, a não ser que o seu titular tenha permitido a exibição de
excertos maiores. O acervo total a ser digitalizado é da ordem de 32 milhões de livros.
O acordo traz dois pontos principais, um para a disponibilização de obras órfãs e fora
de catálogo e outro relativo aos titulares de direitos e aqueles que querem licenciar as
obras que controlam.
Isto daria ao Google a capacidade de fornecer tais obras ao público com segurança,
tanto na forma “pesquisável” como em cópias completas, adquiríveis (fisicamente ou
em ebooks, ou ainda mediante assinaturas).
Esta é uma vitória para o público, que pode não apenas encontrar obras cuja existência
desconhecia, mas descobrir em quais bibliotecas a obra está disponível ou aceder a ela
directamente de forma remota. Também é uma vitória para o Google, que já estava a
oferecer este acesso, mas sujeito a uma potencial acção judicial por infracção a
direitos de autor.
Nestes termos, 20% de qualquer trabalho cujo titular não eleja estar fora do acordo
(opt-out) estará disponível gratuitamente; o acesso completo poderá ser adquirido.
Isto garante mais acesso aos materiais fora de catálogo do que a proposta inicial do
próprio Google. Na medida em que esta categoria constitui até 75% dos livros das
bibliotecas a serem digitalizadas, esta iniciativa é muito importante para começar a
resolver o problema do “buraco negro do século XX”.
Como é natural num negócio desta magnitude, e com tantas implicações, o acordo
sofreu diversas críticas (já está inclusive sob escrutínio do órgão americano de defesa
da concorrência). Por meio deste acordo, o Google terá o mercado de pesquisas em
livros e de download de obras órfãs/fora de catálogo praticamente para si. É preciso
lembrar, porém, que tal mercado hoje é irrelevante; por definição, são obras cujo

416
potencial económico está disperso. Mas nenhum autor ou editor poderia competir
com tais termos, e provavelmente nenhum outro serviço de busca teria a imunidade
dada ao Google pelo acordo.
Além das acusações de criação de monopólio, é fundamental a preocupação com a
protecção do consumidor, especialmente do ponto de vista da formação de preços e
da privacidade. Os termos do acordo possibilitam um comportamento opressivo por
parte do Google já que, segundo James Boyle, académico americano que se debruça
sobre as questões da propriedade intelectual, a empresa terá a chave das bibliotecas
pessoais e pode monitorar as leituras, uma vez que, em princípio, não será possível
descarregar os livros digitais226.

Algumas conclusões, muitas interrogações

Numa análise pelas tendências sobre o mercado a nível internacional, pode-se afirmar
que, nos anos vindouros, os livros impressos ainda vão constituir a maior percentagem
das vendas na indústria do livro. A tecnologia muda rapidamente, mas os hábitos das
pessoas nem tanto. Estas vão continuar a procurar os livros para encher as prateleiras
das suas casas e escritórios, para oferecê-los como presente e para tê-los na mesinha-
de-cabeceira.
Mas não sejamos ingénuos: dispositivos como o Kindle ou o iPad vieram para ficar e
marcam a conversão para o digital; o mercado livreiro já está em mudança.
A opinião é praticamente unânime: no futuro, os ebooks e os livros impressos vão co-
existir. Em alguns casos, as edições impressas serão substituídas pelas digitais, mas
noutros casos irão complementar a oferta. Muitos especialistas227 acreditam que os
ebooks irão substituir os livros de bolso. Talvez seja mais provável isso acontecer no
caso de livros em que só algumas secções do livro são lidas.
O maior desafio para as editoras é evitar cometer os mesmos erros que a indústria da
música, o que requer novos modelos de negócio, um leque mais largo de conteúdos e
clarificações em relação aos direitos de autor. De maneira a irem ao encontro destes
desafios, os editores têm de se familiarizar com as características especiais dos ebooks.
Têm de se focar num conceito mais alargado do que são fornecedores de conteúdo. Os
seus departamentos legais necessitam de desenhar contratos de acordo com as novas
circunstâncias.
Será necessário que as pessoas que trabalham no sector da edição incorporem os
aspectos tecnológicos e se actualizem em relação aos ebooks.
Com a diminuição do preço dos tablets e e-readers e com o desenvolvimento
tecnológico, é provável que os ebooks atinjam uma quota significativa do mercado nos
226
Google Books and the Escape from the Black Hole, disponível em
http://www.thepublicdomain.org/2009/09/06/googlebooks-and-the-escape-from-the-black-hole/
227
Turning the Page The Future of Ebooks, disponível em
http://www.pwc.com/en_GX/gx/entertainment-media/pdf/eBooks-Trends-Developments.pdf

417
próximos anos. O comportamento do consumidor tem-se alterado, com a Internet a
impôr a sua presença em várias dimensões da vida quotidiana e os dispositivos
electrónicos a tornarem-se companhias quase constantes. As pessoas estão mais
familiarizadas com a tecnologia e habituadas a ler em ecrãs. E, a cada dia, mais e mais
conteúdos ficam disponíveis. Os padrões de consumo mudam, algumas pessoas já se
habituaram a comprar música e vídeo digitais. Com o preço dos e-readers a decrescer
e o conhecimento sobre o mercado a aumentar, mais consumidores serão atraídos
pela leitura digital, o que poderá aumentar as vendas.
Muitos especialistas consideram os avanços digitais uma oportunidade. Mas vozes
mais distópicas afirmam que novos dispositivos de leitura não vão transformar não-
leitores em leitores vorazes. O mais provável é que as pessoas que compram e lêem
muitos livros hoje, continuem a ler e a comprar ebooks amanhã. Como resultado, os
editores podem ser confrontados com um aumento nas vendas digitais, mas um
decréscimo nas vendas de livros impressos.
Os críticos dizem que os ebooks representam um aumento nos custos mas não nas
vendas. Eles pensam que os investimentos não vão ser, a curto prazo, cobertos pelas
vendas. Por outro lado, os livros impressos vão continuar a ser produzidos,
provavelmente com tiragens mais pequenas, o que vai aumentar os seus custos
unitários de produção. É por exemplo possível que deixem de ser feitas reedições
completas e que estas passem a fazer-se num sistema de print-on-demand.
Mas há mais entraves aos ebooks: o efeito do livro na prateleira e do livro como um
presente. Os livros são um objeto de prestígio, frequentemente utilizado para
demonstrar a autoridade do proprietário, o seu gosto e educação. Eles também são
um presente popular para aniversários, outras ocasiões festivas ou especiais.
Como as barreiras para entrar no digital são comparativamente mais baixas, todos os
players envolvidos na cadeia de valor tradicional vão continuar a expandir as suas
operações na Internet – a começar pelos autores, os intermediários, passando pelas
próprias livrarias (que investirão mais em lojas online). Novos tipos de negócios digitais
podem ser pensados, mais apelativos para os consumidores, os anunciantes e as
editoras.
À medida que mais players se envolvem no mercado, os papéis tradicionais das
editoras, distribuidoras, livreiros e bibliotecários estão a esbater-se.
A acrescentar a isto, há o alargamento dos serviços oferecidos pela Amazon, pela
Barnes & Noble e pela Apple, que dominam o mercado com os seus dispositivos. Qual
será o papel da Google em todo este processo é outra questão que merece atenção.
Os ebooks requerem um nível de investimento que é particularmente difícil para
editoras pequenas, o que pode favorecer ainda mais os monopólios.
Os editores continuarão a ter tarefas como a selecção, edição e marketing no
ambiente digital. No entanto, será essencial concentrarem-se no papel de
fornecedores de conteúdo; vão ter de adaptar o conteúdo às mudanças de hábitos de

418
leitura e de compra dos consumidores. É muito possível que das equipas das editoras
passem a fazer parte profissionais com grandes competências técnicas.
Uma necessidade será a de rever os contratos de edição com os autores e os outros
envolvidos no processo, tendo em vista os novos desafios do digital.
Que factores poderão favorecer o desenvolvimento deste mercado em direcção a um
mercado massificado? Dois aspectos são relevantes: dispositivos atraentes e
disponibilidade de conteúdos.
Os conteúdos livres não são suficientemente estimulantes por si só para encorajar os
consumidores a entrar neste mercado, mas podem ser um incentivo adicional.
Se o preço dos e-readers continuar a descer, é provável que se massifiquem mais
rapidamente e as empresas que os vendem possam ir buscar o restante lucro ao
aumento da venda de ebooks. O preço dos e-readers ainda é um obstáculo ao
crescimento deste mercado, bem como a falta de compatibilidade entre os
dispositivos e os vários formatos e as restrições levantadas pelos DRM.
Especialistas apontam alguma complexidade técnica como outro possível entrave,
sendo que o caminho seria construir os e-readers e arquitectar todo o processo de
compra de ebooks da forma mais intuitiva possível.
No longo prazo, muitos especialistas apontam para que os DRM tal como estão agora
formulados tendam a desaparecer, à semelhança do que aconteceu na indústria da
música, na Primavera de 2009. O conteúdo ilegal estará disponível de qualquer forma
e os DRM como existem agora condicionam muitas vezes a experiência do leitor.
Espera-se que surjam de outras formas, menos ostensivas.
Em relação à inclusão de elementos multimédia nos ebooks, a conclusão é a de que
deve imperar o bom-senso. Por exemplo, faz sentido incluir uma animação sobre a
circulação sanguínea num livro técnico de anatomia, mas inserir uma animação num
romance, por exemplo, pode parecer disparatado.
O enriquecimento multimédia pode justificar preços mais altos ou atrair consumidores
que não estivessem interessados num documento sem som ou vídeo. Com o conteúdo
adicional, os editores podem customizar os ebooks de uma forma que não era possível
com os livros impressos, fidelizando os clientes que poderão voltar para comprar
edições revistas e volumes relacionados com os títulos existentes. O conteúdo
adicional pode gerar novas oportunidades de lucro, se os editores forem capazes de
oferecer informação suplementar ou actualizada, música, ou vídeo por uma taxa
adicional.
Em vez de deixarem o negócio para outros, os editores podem fazer parcerias com
empresas de software inovadoras que podem desenvolver essas aplicações. Há
previsões que apontam para que os tablets e os e-readers cada vez mais se possam
fundir. A tendência aponta para cores, ligação às redes móveis e mais usabilidade.
Para convencer os consumidores dos benefícios de comprar ebooks legalmente, os
editores vão precisar de uma política de preços bem pensada e uma oferta de
produtos variados e atractivos.

419
Os desenvolvimentos na imprensa mostram como é difícil afastar a mentalidade grátis
da Internet.
A crise financeira que grassa nos Estados Unidos e em muitos países da Europa pode
atrasar a transição para o digital, tanto ao nível do investimento dos governos como ao
nível do poder de compra dos indivíduos e das famílias. E este investimento não é
apenas necessário para a aquisição de equipamentos (e-readers, tablets) e dos
próprios conteúdos como para a massificação da disponibilização de Internet por todo
o território. Mas cabe à indústria livreira fazer com que o processo do digital não lhe
passe ao lado. Deve aproveitar a oportunidade para abastecer o mercado com novos
produtos e serviços antes que outros o façam.
Alguns especialistas consideram que um desconto de 20 a 30% é necessário para
alavancar o mercado dos ebooks. Os consumidores estão menos disponíveis para
pagar pelos ebooks porque não lhes parece que estão a comprar um bem tangível.
Para preparar o caminho para os ebooks a preços baixos, a Comissão Europeia deve
encorajar os estados-membro a eliminarem o imposto desigual entre os livros
impressos e digitais.
Tal como os ebooks não podem substituir os livros impressos, as livrarias online
também não podem substituir as livrarias físicas no que toca a serem espaços
privilegiados para encontros literários, sessões de autógrafos, apresentações de livros
e locais onde os clientes podem relaxar e procurar livros à sua vontade.

420
Referências bibliográficas

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422
11

A leitura digital em contexto de biblioteca: um enquadramento analítico e


prospectivo

Carla Ganito

423
Mas allá del e-book, lo importante es que haya lectores.
Fernando Savater228

Introdução

Que papéis desempenham as bibliotecas nos nossos dias? Apesar de muitos terem já
ditado o seu fim, as bibliotecas resistem e ganham uma nova vida e novos leitores.
Esta nova vida ganha-se na luta diária com os desafios da era digital, desde as opções
quanto a suportes, passando pela adaptação de recursos materiais e humanos e indo
até às grandes lutas jurídicas em questões como os direitos de autor.
A leitura digital é profundamente marcada por uma componente social e participativa.
Existe também uma dimensão aumentada de mobilidade; já não é apenas a leitura em
qualquer lugar que desde sempre foi possibilitada pelo livro ou pelos jornais, hoje
temos uma mobilidade em rede, colaborativa, que pressupõe o acesso imediato a
outros recursos e ligações, em qualquer lugar e em qualquer momento. Ora como
estão as bibliotecas a responder a este desafio?
Com base no trabalho desenvolvido no âmbito do estudo “A Leitura Digital e a
Transformação do Incentivo à Leitura e das Instituições do Livro” procurar-se-á
debater os novos papéis das bibliotecas apresentando as tendências internacionais e
nacionais bem como as práticas de leitura em contexto de biblioteca em 16 países. A
questão de partida prende-se com aqueles que são hoje os desafios que se colocam às
bibliotecas. No fundo, queremos aqui elencar as interrogações que ocupam
atualmente a mente dos bibliotecários, dos agentes da edição, das fundações, das
escolas, etc. Quais os papéis que estes agentes podem desempenhar nos dias de hoje,
perante um contexto de leitura digital? Ainda haverá lugar para as bibliotecas? Esta é
uma pergunta que muitos colocam e, no caso de a resposta ser afirmativa, interessa
perceber também qual é que é de facto esse lugar. Como é que estão, podem ou
devem estar as bibliotecas, e como devem responder ao novo contexto de leitura
digital, aos novos leitores e às novas necessidades por eles trazidas? No fundo, quais é
que são afinal os grandes desafios que as bibliotecas enfrentam nos dias de hoje?
Os desafios da era digital são acima de tudo desafios de acesso que se agudizaram
num tempo de forte contração económica. Podem as bibliotecas continuar a ser um
pilar de democratização e de inclusão? E poderão fazê-lo não só no acesso aos
suportes e aos conteúdos mas também na criação de competências de leitura digital
que permitam a estes novos leitores passar da informação acessível ao conhecimento
utilizável?
O tema do acesso que, até há algum tempo, parecia constituir-se como um dado
adquirido, pelo menos em alguns agregados geográficos, deixou de o ser; na verdade,
o acesso básico voltou a constituir-se como uma questão premente devido à contração
económica e financeira que se verifica no contexto atual. Por outro lado, há ainda o

228
Comentário proferido à CNN México no âmbito da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (2012).

424
desafio de minimizar o acesso diferencial, ou seja, a partir do momento em que o
acesso básico, a velocidade básica, estão garantidos, importa perceber o que acontece
com o acesso à tecnologia de ponta, ao high end, aos novos dispositivos e suportes de
leitura, aos “círculos superiores do ciberespaço” (Castells, 2004: 297) – como é que
esse acesso pode ser garantido? Tal como defende Manuel Castells, “o acesso não
constitui uma solução em si mesma, embora seja um requisito prévio para superar a
desigualdade numa sociedade cujas funções principais e cujos grupos sociais
dominantes estão cada vez mais organizados em torno da Internet” (idem: 288).
As bibliotecas têm vindo a assumir um papel crucial no cumprimento deste requisito
prévio. Elas são um garante (muitas vezes o único) do acesso aos suportes, aos
conteúdos, às redes e à criação de competências de leitura digital que permitam aos
velhos e novos leitores passar da informação acessível ao conhecimento utilizável: “já
que a maior parte da informação se encontra online, e do que realmente se necessita é
de habilidade para decidir o que queremos procurar, como obtê-lo, como processá-lo
e como utilizá-lo para a tarefa que despoletou a procura dessa informação” (idem:
300). O processo de aprender a aprender assume particular relevância no novo
contexto digital. No âmbito das políticas públicas tem-se muitas vezes partido do falso
pressuposto que por se nascer num contexto digital se sabe automaticamente como
utilizar determinadas tecnologias e novos processos de aprendizagem, quando na
verdade isso não acontece. Neste sentido, os bibliotecários são confrontados com a
necessidade de ensinar como é que se aprende, como é que se usa uma determinada
tecnologia, seja ela um dispositivo de leitura ou um motor de busca. São também um
recurso valioso na construção da cidadania, apoiando os utilizadores da biblioteca no
cumprimento dos seus deveres e obrigações de cidadãos.
O convite que é feito aqui, a partir de uma observação atenta dos dados que
resultaram do inquérito “Leitura Digital: Utilização, Atitudes e Práticas (2013)”229, é o
de se olhar para algumas tendências internacionais e nacionais que podem auxiliar
uma compreensão mais apurada do que podem ser estes desafios na prática, o modo
como eles são vividos e quais é que poderão ser algumas das respostas possíveis.

229
Trata-se do mesmo inquérito a partir do qual foram obtidos os dados analisados no capítulo 7.

425
Os usos: as bibliotecas vivem ou sobrevivem?

No contexto global dos 16 países os usos pendem ligeiramente para a não frequência
(ver gráfico 1), com 21.6% dos inquiridos a afirmar que nunca vão à biblioteca e 29.9%
a afirmar que raramente a frequenta.

Gráfico 1
Com que frequência vai à biblioteca?
n = 5582
35,0
29.9%
30,0
26.8%

25,0
21.6% 20.2%
20,0

15,0

10,0

5,0
1.5%
,0
Nunca Raramente Menos de 1 vez Pelo menos 1 vez Não sei
por mês por mês

Se segmentarmos a amostra global por blocos de países (gráfico 2) obtemos realidades


bastante distintas. A China é o país onde as pessoas mais frequentemente visitam as
bibliotecas, com 48.8% dos utilizadores de Internet a responder que o faz pelo menos
uma vez por mês, logo seguida dos BRICS, com 35.1%, dos EUA, com 24%, e, por fim,
da Europa, com 20.3%. Portugal fica ainda abaixo dos indicadores europeus com
apenas 18.8% dos internautas portugueses a afirmarem que visitam a biblioteca pelo
menos uma vez por mês.

426
Gráfico 2
Com que frequência vai à biblioteca?
(por país/bloco de países)
n = 5582

Em resposta à pergunta inicial, se alguma vez requisitou um livro digital de uma


biblioteca, no pressuposto de que o acesso ao livro digital seria um acesso dificultado e
portanto a biblioteca poderia afirmar-se como recurso para o fornecer, percebe-se
claramente, neste estudo global, que a percentagem que responde afirmativamente e
que se socorre de facto da biblioteca para requisitar livros digitais é ainda muito
diminuta e, no cômputo geral, muito pouco expressiva, já que apenas 18% dos
inquiridos responderam positivamente à pergunta em causa (gráfico 3).

Gráfico 3
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca?
n = 5582

Sim
18%

Não
82%

427
A razão para esta pouca expressividade – e aqui há um papel que as bibliotecas podem
desempenhar, o que demonstra que há ainda muito caminho que se pode fazer no
sentido de aproximar os leitores do livro digital – é que talvez, para estas pessoas que
respondem não, as bibliotecas não sejam de facto o sítio mais fácil ou acessível para
encontrar os livros digitais. A verdade é que é ainda muito mais fácil procurá-los num
cenário de leitura contextual, porque ‘tropeçamos’ num autor ou em qualquer outro
tipo de referência que nos interessa – referimo-nos naturalmente à prática de navegar
na Internet e seguir uma ligação, uma referência nos sites de redes sociais, em
blogues, etc. Muita da leitura digital continua a ser ainda esta leitura contextual, que
acontece por impulso. A prática comum é encontrar um link, esse link despertar
curiosidade, conduzir a outro ponto e aí, eventualmente, descarrega-se de imediato
um livro, já não havendo portanto necessidade de recorrer à biblioteca para o fazer.
Além disso, muita desta leitura acontece também nos motores de busca genéricos,
que são espaços muito mais amigáveis do ponto de vista da utilização do que aqueles
que encontramos muitas vezes em contexto de biblioteca.
Relativamente à relação da idade com a requisição de livros digitais em bibliotecas,
verificamos que esta tem alguma influência (ver gráfico 4): a classe etária com uma
resposta positiva mais elevada à pergunta “alguma vez requisitou um livro digital de
uma biblioteca?” é a dos 25 aos 34 anos, com 39.1%, logo seguida pela dos 18-24, com
28%. Os jovens adultos pesam significativamente neste fator, sendo que para as idades
abaixo o número obtido é residual, havendo nas idades posteriores um decréscimo
acentuado conforme se acentua também a curva da idade.

Gráfico 4
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca?
(por idade)
n = 5582

428
Mas o elemento que é realmente muito significativo é sem dúvida o nível de
escolaridade (gráfico 5). Tal como foi revelado para a análise global da leitura digital, o
mesmo acontece para a leitura digital em contexto de biblioteca. A detenção de uma
licenciatura ou de outro grau de superior é determinante no que toca ao uso das
bibliotecas para requisição de livros digitais, com mais de 50% desses inquiridos a
afirmarem que já requisitaram um livro digital de uma biblioteca. Essa percentagem
desce para metade nos que apenas têm frequência universitária e para pouco mais de
10% nos que revelam possuir o ensino secundário completo.

Gráfico 5
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca?
(por nível de escolaridade)
n = 5582

A análise por blocos de países (ver gráfico 6) revela que as práticas de leitura digital em
contexto de biblioteca são particularmente relevantes na China e nos BRICS230. Para a
Europa não é muito significativo o recurso à requisição digital de livros em contexto de
biblioteca, apenas 10.3%, ou seja, lê-se menos em digital mas ainda se requisita menos
do que se lê, em comparação com outros países.

230
Relembre-se que o bloco BRICS agrega cinco países: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Dado
que a China tem um peso muito significativo nesta realidade, os valores para a China são apresentados
também de forma isolada.

429
Gráfico 6
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca?
(por país/bloco de países)
n = 4147

Importa agora olhar para questões de perceção. O estudo procurou perceber o que se
passa na cabeça das pessoas quando nos referimos a este tipo de práticas. Quisemos
saber quais eram as barreiras relativas à procura (ou não) das bibliotecas para a
requisição de livros digitais. Em resposta à pergunta “porque nunca requisitou um livro
digital de uma biblioteca?” (gráfico 7), as principais razões apontadas foram, em
primeiro lugar, porque não sabia que se podia requisitar livros digitais nesses espaços,
com 30% das respostas e, em segundo, porque é inconveniente (mais fácil fazer
download), com 15% das respostas.

430
Gráfico 7
Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca?
n = 5582

Esta questão do desconhecimento relativamente ao facto de se poderem requisitar


livros digitais é também documentada num estudo recente do Pew Internet &
American Life Project (2012), conduzido nos Estados Unidos, e onde apenas 12% dos
inquiridos tinham requisitado um livro digital de uma biblioteca. Neste estudo, embora
os utilizadores das bibliotecas sejam utilizadores intensivos, a grande maioria não tinha
conhecimento de que podia requisitar livros digitais. Os investigadores responsáveis
pelo estudo apontam para um problema de relações públicas. As bibliotecas não
conseguem fazer passar para o exterior os próprios recursos que têm, não conseguem
publicitar devidamente os serviços de que dispõem, e as razões para isso são múltiplas,
desde a falta de recursos propriamente ditos, à falta de uma prática, de uma cultura de
maior publicitação. Aqui trata-se no fundo de uma alteração de paradigma, no sentido
em que se torna necessário abandonar o pressuposto de que as pessoas vão ao
encontro da biblioteca. Tem de ser a biblioteca a ir ao encontro das pessoas e isso
muda radicalmente as práticas. Muitas vezes ouvimos este discurso da parte dos
bibliotecários nacionais, mas como se percebe claramente este não é um problema
exclusivamente nacional, mas antes uma questão global. Se no caso de Portugal o
número de livros digitais disponíveis é de facto reduzido, nos EUA mais de três quartos
das bibliotecas públicas têm serviço de empréstimo de livros digitais (ALA, 2012). De
facto, os dados apontam para uma grande dificuldade de mostrar aquilo que as
bibliotecas têm para oferecer e isso reflete-se no facto de os leitores, mesmo os de
livros digitais e os mais envolvidos com a biblioteca, nem sequer se aperceberem da
valência da biblioteca como centro de recursos nesta área. Entre aqueles que já
requisitam livros digitais na sua biblioteca as barreiras parecem ser ainda muito

431
importantes. O mesmo estudo da Pew refere que 56% dos que requisitam livros
digitais não encontram o livro que querem, 52% tinham uma lista de espera para o
livro que queriam requisitar e 18% descobriram que o livro requisitado não era
compatível com o dispositivo de leitura que usavam.
O livro em papel continua assim a ter uma importância inegável, pelo que todas as
questões que se levantam quando se fala da multiplicação de ecrãs, nomeadamente a
hibridez de práticas, mantêm-se nas bibliotecas (ver gráfico 8). Cerca de 47% dos
inquiridos afirmam utilizar as bibliotecas para pesquisar no catálogo e requisitar
materiais impressos e cerca de 40% para aí ler esses mesmos materiais.

Gráfico 8
Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
n = 5582

Quando nos referimos à questão de como servir os velhos leitores, não estamos a falar
de diferenciação etária, mas sim de todas as pessoas que continuam a manter uma
prática de leitura do livro em papel. E isso implica, por exemplo, as crianças e os
adolescentes, para quem o livro em papel é ainda extremamente importante em
termos de socialização, de aprendizagem e de desenvolvimento cognitivo. No estudo
sobre as práticas e expectativas em contexto de biblioteca dos jovens americanos
entre os 16 e os 29 anos (Zickuhr, Rainie & Purcell, 2013) é igualmente identificada
esta forte ligação ao papel, sendo que 75% dos inquiridos afirmam ter lido 1 livro
impresso em comparação com apenas 64% dos adultos acima dos 30 anos: “o grupo
abaixo dos 30 anos continua fortemente ancorado na era digital mas mantém uma
forte ligação aos suportes impressos e uma afinidade com as bibliotecas. Os

432
americanos mais jovens têm um entendimento lato do que a biblioteca é ou pode ser –
um local para aceder a livros impressos bem como a recursos digitais mas que
permanece como um espaço físico” (idem).
Todos estes elementos de combinação entre o digital e o papel continuam a ser
cruciais, o que só aumenta a dimensão deste desafio, dado que não só temos que fazer
as alterações necessárias para nos adaptarmos a um contexto radicalmente diferente,
como temos que manter também todos os serviços de que dispúnhamos no contexto e
no paradigma anterior. Nesse sentido, temos que encontrar um novo ponto de
equilíbrio para o qual ainda não existem respostas afinadas. Não existe certamente
uma solução única. Num estudo recente sobre o futuro das bibliotecas públicas
(Levien, 2011) são apresentadas quatro dimensões estratégicas perante as quais as
bibliotecas deveriam ponderar o seu posicionamento. Essas dimensões estratégicas
são:

 optar entre o totalmente físico ou o totalmente virtual;


 optar pelo foco no individuo ou na comunidade;
 optar pelo paradigma da coleção ou da criação;
 optar por ser um portal ou um arquivo.

Muitas vezes, nestes momentos de mudança, existe uma tendência para se olhar para
os estudos, como este que apresentamos, em busca de uma solução única, de uma
receita de sucesso. Mas essa opção dependerá muito do posicionamento individual de
cada instituição e também do tipo de comunidade que essa instituição serve, do tipo
de leitores que tem, da comunidade em que está inserida, devendo corresponder à
sua visão e à sua missão.
A escolha não se centra apenas num pólo de cada uma destas dimensões mas antes
num posicionamento específico e único ao longo de um contínuo estratégico, à
medida da especificidade de cada instituição. A verdade é que não existe uma solução
única mas antes um conjunto de soluções multifacetadas.

O desafio português

Para Portugal, o inquérito não traz alterações significativas relativamente àquilo que
são as tendências globais (ver gráfico 9); o que temos é apenas uma prevalência ainda
menor no caso de certas práticas, ou seja, a sua expressão tende a ser mais reduzida.
Verificamos, por exemplo, que o recurso à biblioteca para ler um livro digital é ainda
menos expressivo no contexto nacional, mas as razões que identificámos são as
mesmas, ou seja, é menos cómodo, é mais complicado, é menos intuitivo, implica uma
deslocação, os horários não são compatíveis, quando lá se chega não há computadores
disponíveis para fazer a pesquisa que, em si mesma, é complicada. Todos estes fatores

433
acabam por inibir o uso da biblioteca para a requisição de livros digitais. Em Portugal
apenas 6.8% dos internautas inquiridos dizem ter requisitado um livro digital de uma
biblioteca. De referir que, ao contrário da realidade global ou da americana, a oferta
de livros digitais é ainda diminuta, especialmente nas bibliotecas públicas. No mais
recente relatório estatístico da Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (2012) existiam
apenas 158 livros digitais, sendo que 82 estavam concentrados numa única biblioteca,
o que correspondia a uma média de 0.86 livros digitais por biblioteca. As aquisições
foram também muito reduzidas, 43 aquisições de livros digitais, tendo 13 ocorrido
numa única biblioteca, o que corresponde a uma média de 0.25 livros digitais por
biblioteca.

Gráfico 9
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca?
(Portugal)
n = 295

Quando comparamos as tendências nacionais com as tendências globais,


relativamente à questão se “alguma vez utilizou a biblioteca para a requisição de um
livro digital?”, verificamos que, na diferenciação por idade, a tendência é a mesma,
apenas um pouco mais reduzida a nível nacional, tal como acontece na mesma
questão mas por nível de escolaridade. Em Portugal temos um prolongamento da
requisição de livros digitais para a faixa dos 45-54, ao contrário do que sucede nos
dados globais, onde existe uma maior concentração nos jovens adultos (ver gráfico
10).

434
Gráfico 10
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca? (Portugal - por idade)
n = 295

A escolaridade é particularmente explicativa (gráfico 11), com mais de 50% das


respostas positivas à requisição de livros digitais concentrada nos inquiridos com
licenciatura ou outro grau superior.

Gráfico 11
Alguma vez requisitou um livro digital de uma biblioteca
(Portugal – por nível escolaridade)
n = 295

435
Quanto às razões que as pessoas apontam para não fazerem uso da biblioteca para
esta prática (gráfico 12), a tendência também se repete, com 34.4% dos inquiridos
portugueses a afirmarem que não sabiam que as bibliotecas tinham e-books.

Gráfico 12
Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca?
(Portugal)
n =295

No que toca às atividades para as quais os inquiridos costumam fazer uso da biblioteca
(gráfico 13), a pesquisa no papel, através do catálogo tradicional (40.6%), continua a
ser a atividade mais referida. Na realidade nacional o que é mais preocupante é que a
prática mais comum é o não recurso às bibliotecas, 41.2% dos inquiridos afirmam-no.

436
Gráfico 13
Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
(Portugal)
n = 295

Diferentes segmentos, práticas distintas em contexto de biblioteca

Portugal segue, assim, o mesmo padrão global, embora se verifique que há um maior
desconhecimento das valências digitais e que as práticas não digitais em contexto de
biblioteca são mais marcantes. Para Portugal o desafio torna-se crítico na dimensão do
impacto da produção em língua portuguesa e divulgação do acervo de obras que se
encontram nas bibliotecas nacionais. Tal como refere Castells, a forma como as vagas
de inovação se iniciam pode ter “consequências duradouras na estrutura e conteúdo
do meio, de um modo que não podemos compreender totalmente” (2004: 296). Os
primeiros utilizadores e os pioneiros modelam e configuram, condicionando desta
forma as opções futuras. Face ao nível reduzido de uso e de oferta podemos estar a
hipotecar irremediavelmente o futuro. Quisemos dessa forma olhar para a proposta de
segmentação dos leitores e analisar o comportamento de cada segmento face à leitura
digital em contexto de biblioteca. Os resultados do inquérito apontam para quatro
segmentos: o leitor total231 e parcelares 1232, 2233 e 3234.

231
Os leitores totais correspondem a 17% da população inquirida e utilizadora da Internet. São todos
aqueles “que, lendo em papel, efectivamente lêem ou já leram livros em suporte digital
(independentemente da forma como o fizeram, via download, em formato imagem, etc.), que
diariamente lêem nas redes sociais e utilizam um motor de busca do tipo Google para se manterem
informados, que todos os dias lêem e-mails, que frequentemente se dedicam à leitura de jornais
digitais, e que fazem tudo isso quer no computador (seja ele de secretária ou portátil) quer noutro
dispositivo digital móvel, do tablet ao smartphone” (veja-se capítulo 7).
232
São os indivíduos que lêem diariamente ou várias vezes ao dia nas redes sociais mas que nunca leram
um livro em formato digital. Os leitores parcelares 1 têm o mesmo peso que os leitores totais na
amostra global, 17%.

437
Dos leitores totais, 29.6% afirmaram já ter requisitado um livro digital numa biblioteca
(ver gráfico 14).

Gráfico 14
Leitores totais: Já requisitou um livro digital numa biblioteca?
n = 971

Sim
29.6%

Não
70.4%

É na China que o recurso à biblioteca tem mais expressão (gráfico 15), com 47.9% dos
inquiridos a responder afirmativamente, seguida dos BRICS com 37.2%, dos EUA com
31.8% e finalmente da Europa, com 18.4%. Portugal tem apenas 10.2% dos seus
leitores totais a afirmar que requisitam livros digitais na biblioteca.

233
Os leitores parcelares 2 são os indivíduos que nunca ou raramente lêem posts/tweets nos sites de
redes sociais e que já leram livros em formato digital. Correspondem a 13% da amostra global.
234
São os indivíduos que cumprem três critérios: nunca ou raramente lêem posts/tweets nos sites de
redes sociais, nunca leram um livro em formato digital mas lêem diariamente ou várias vezes aos dia e-
mails. Este tipo de leitor também corresponde a 17% da amostra global.

438
Gráfico 15
Leitores totais: Já requisitou um livro digital numa biblioteca?
(por país/bloco de países)
n = 971

Mesmo entre os leitores totais, 35.83% afirmam nunca ter requisitado um livro digital
de uma biblioteca porque não sabiam que as bibliotecas tinham e-books (ver gráfico
16).

Gráfico 16
Leitores totais: Porque nunca requisitou um livro digital numa biblioteca?
n = 971

As práticas baseadas no papel também são as mais comuns entre os leitores totais (ver
gráfico 17), com 58.7% a usarem a biblioteca para pesquisar no catálogo e requisitar
materiais impressos e 53.9% para aí ler esses mesmos materiais.

439
Gráfico 17
Leitores totais: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
n = 971

Para os leitores totais portugueses (ver gráfico 18) as razões para nunca terem
requisitado um livro digital numa biblioteca são similares às da amostra global. 34.6%
dos inquiridos portugueses afirmam que não sabiam que as bibliotecas tinham livros
digitais.

Gráfico 18
Leitores totais: Porque nunca requisitou um livro digital numa biblioteca?
(Portugal)
n = 51

Quanto às atividades para as quais costumam utilizar as bibliotecas há a destacar uma


percentagem significativa de leitores totais portugueses que não as costumam utilizar,
38.4% (gráfico 19). As práticas baseadas no papel, como pesquisar no catálogo e ler
materiais impressos, são tão relevantes como na amostra global, apesar de ser a não
utilização que mais pesa nas práticas.

440
Gráfico 19
Leitores totais: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
(Portugal)
n = 51

Relativamente aos leitores parcelares de tipo 1 (ver gráfico 20) a divergência em


relação ao padrão dos leitores totais é muito mais significativa na amostra global do
que em Portugal.

Gráfico 20
Leitores parcelares 1: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
n = 961 (amostra global)
n = 60 (Portugal)

No que diz respeito aos leitores parcelares de tipo 2 a requisição de livros digitais na
biblioteca reduz-se em relação aos leitores totais (ver gráfico 21).

441
Gráfico 21
Leitores parcelares 2: Já requisitou um livro digital numa biblioteca?
n = 734

Nas razões para nunca requisitar um livro digital de uma biblioteca (ver gráfico 22) o
único motivo que se destaca é não saber que a biblioteca tinha e-books (24.6%).

Gráfico 22
Leitores parcelares 2: Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca?
n = 734

442
Mais uma vez o desconhecimento da possibilidade de requisitar livros digitais numa
biblioteca é ainda mais elevado entre os leitores parcelares portugueses de tipo 2 (ver
gráfico 23) que, na sua totalidade, afirmam nunca ter requisitado um livro digital de
uma biblioteca.

Gráfico 23
Leitores parcelares 2: Porque nunca requisitou um livro digital de uma biblioteca?
(Portugal)
n = 34

A não utilização da biblioteca é também bastante elevada entre os leitores parcelares


de tipo 2 em Portugal, 37.6% (ver gráfico 24).

Gráfico 24
Leitores parcelares 2: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
(Portugal)
n = 34

443
Finalmente, os leitores parcelares de tipo 3 (ver gráfico 25) são a tipologia de leitores
onde a não utilização das bibliotecas é mais elevada, mantendo-se as práticas
centradas no papel.

Gráfico 25
Leitores parcelares 3: Para que atividades costuma utilizar a biblioteca?
n = 956 (amostra global)
n = 24 (Portugal)

Este cenário pouco otimista para as bibliotecas leva-nos a uma outra questão, a de
pensar o que está então reservado para a nova vida das bibliotecas, ou seja, como é
que elas podem sobreviver neste novo contexto digital e que caminhos têm à sua
frente. O peso esmagador de conteúdos em língua inglesa e a falta de recursos e de
conteúdos em língua portuguesa para alimentar as nossas bibliotecas é, de facto, um
cenário dramático. Isso significa que todos nós, enquanto agentes culturais, temos o
dever de modificar esta situação, e temos que encontrar formas criativas de, num
contexto de forte contração económica, conseguir fazer com que a herança cultural e a
língua portuguesas possam ter um impacto significativo num contexto digital.

A nova vida das bibliotecas

The reports of my death have been greatly exaggerated.


Mark Twain

No seio desta realidade tão diversa temos que afirmar convictamente (como Mark
Twain) que seremos capazes de sobreviver a este contexto, e isso significa, sobretudo,
que temos que encontrar novas soluções, soluções que sejam criativas e que vão de
encontro àquilo que os leitores esperam.

444
Uma opção é a de requacionar a biblioteca como espaço, no sentido de manter a
noção de espaço físico, e assim olhar para ela ou como um repositório ou como um
centro agregador e criativo, com o efeito de criar uma comunidade em torno dessa
biblioteca e das pessoas que a frequentam. Há inúmeras boas práticas a serem
desenvolvidas nesse domínio quer a nível global quer a nível nacional, e que podem
ser objeto de estudo e de replicação.
Outra opção é pensar a biblioteca não apenas como um espaço mas como um serviço,
e nesse sentido reconsiderar a noção de que as pessoas vão à biblioteca por oposição à
ideia de que é a biblioteca que vai às pessoas. Neste aspeto em particular, a herança
da biblioteca itinerante é muito interessante, justamente porque se trata de uma
metáfora que nos permite pensar a necessidade de encontrar novas formas de ser
itinerante, tendo nós agora um contexto propício que oferece essa possibilidade, o
contexto digital. As bibliotecas têm, assim, que encontrar novas formas de serem
itinerantes digitalmente.
Quanto à leitura participativa, e ao papel do leitor como produtor e das bibliotecas
como espaços de produção e de acesso a tecnologias e competências de produção, em
Portugal temos um indicador muito significativo e muito positivo, já que somos, entre
os blocos de países analisados, aquele onde a diferença entre as atividades de escrita e
de leitura nas redes sociais é menor, o que aponta para uma propensão para a
produção, para a vontade de criar. A produção é de facto o nível mais elevado de
participação, o que implica uma maior integração e uma maior democratização. Isso
significa que temos uma oportunidade única de transformar esta vontade das pessoas
em produzir, em participar, em estar envolvidas, em algo que pode ser capitalizado no
contexto das bibliotecas. Para isso, no entanto, a biblioteca tem que ser uma fonte de
recursos: tecnológicos e de competências.
As barreiras são, no entanto, várias. Há, desde logo, dificuldades operacionais a que
não se pode estar alheio, incluindo fatores tão simples como não haver espaço para os
computadores ou os bibliotecários não disporem de um cartão de crédito para
comprar livros digitalmente. Além disso, também os recursos financeiros e humanos
são reduzidos; há conflitos de interesses com as editoras; a instabilidade dos formatos
é problemática; a preservação dos dados e a persistência do acesso é uma questão que
não está resolvida; e há, claro, uma quantidade muito reduzida de conteúdos em
língua portuguesa. Estas foram as principais dificuldades elencadas pelas bibliotecas
nacionais nas reuniões realizadas ao longo do projeto (ver capítulo 15 para uma
descrição mais detalhada).
Face a estas dificuldades as políticas de incentivo às bibliotecas precisam de ser
desenvolvidas em torno de três grandes eixos:

- a formação de recursos humanos, garantindo a formação de e-bibliotecários


que sejam capazes de apoiar o desenvolvimento de competências de leitura
digital junto dos seus públicos;

445
- o desenvolvimento de novas métricas que traduzam a criação de valor para os
novos e velhos segmentos de leitores;
- o desenvolvimento de uma estratégia integrada, promovendo o diálogo entre
os vários agentes da cadeia de valor do livro e da leitura, de forma a que a
biblioteca se possa assumir como um palco para os autores e um veículo de
sustentabilidade para as editoras. Esse diálogo deve conduzir à criação de
novos modelos de negócio e de atuação.

A(s) biblioteca(s) – uma realidade multifacetada

Há que ter em conta que há realidades muito distintas no âmbito das bibliotecas – por
um lado, temos as bibliotecas escolares, que vivem atualmente um novo ecossistema
de aprendizagem caracterizado pelo volume, velocidade e relevância.
Assiste-se também à penetração crescente dos Moocs (massive online open classes)
que trazem grandes desafios nomeadamente na transformação do papel do professor
que passa a ser um produtor ativo de conteúdos. Esta produção de conteúdos torna-se
colaborativa e vão surgindo iniciativas alargadas de desmaterialização do manual
escolar de que é exemplo o projeto “Manuais Escolares Eletrónicos: Um tablet por
aluno”, em fase piloto na Escola Secundária de Vila Viçosa e na Escola Básica Integrada
de Cuba. Estas transformações são abraçadas com maior ou menor resistência quer de
alunos quer de professores. O papel das bibliotecas, principalmente das escolares,
passa assim pela promoção da leitura em outros suportes que não o impresso e em
outros formatos que não o livro (ver o estudo de caso “Sintra E-conteúdos”).

ESTUDO DE CASO: PROJETO SINTRA E-CONTEÚDOS235

Desde o surgimento do Plano Nacional de Leitura (PNL), em 2006, o governo português,


através do Ministério da Educação (atualmente Ministério da Educação e Ciência) juntamente
com o Gabinete do Ministro dos Assuntos Parlamentares e o Ministério da Cultura (atualmente
Secretaria de Estado da Cultura), tem vindo a implementar um conjunto de estratégias
pedagógicas no sentido de desenvolver as competências nas áreas da escrita e da leitura dos
jovens em idade escolar, com particular ênfase sobre o encorajamento dos hábitos de leitura.

235
O estudo de caso resulta da investigação desenvolvida por Tiago Chaves, antropólogo e colaborador
do CIES-IUL, em duas escolas do concelho de Sintra envolvidas no projeto “Sintra E-Conteúdos”,
financiado pela Rede de Bibliotecas Escolares (RBE). Para suportar os objetivos desta pesquisa, recorreu-
se a uma metodologia qualitativa que incidiu em pesquisa bibliográfica, na observação participante, em
entrevistas semiestruturadas e análise de documentos (p.e. apresentações de conferências, trabalhos
de alunos) enviados pelos coordenadores das duas escolas básicas do concelho de Sintra em estudo. O
trabalho de campo foi realizado durante os meses de Abril a Junho de 2013.

446
A leitura constitui, de facto, um instrumento essencial na aquisição e divulgação de saberes e,
por esse motivo, tem sido defendida por instituições internacionais como a UNESCO ou a
OCDE enquanto suporte primordial do conhecimento e do progresso sustentado. Nesse
sentido, Mário Lages sublinha a importância da leitura como «fonte de conhecimento» ao
permitir criar «imagens do mundo com implicações directas no que somos e na imagem que
de nós damos aos outros e que para nós próprios fazemos», acrescentando que «o nível de
literacia atingido por uma população pode ser tomado como barómetro do seu
desenvolvimento científico, técnico e artístico, não porque tudo a ela se reduza, mas porque
nela se manifesta de forma objectiva o progresso individual e social» (2007: 9).
O aparecimento de novos meios tecnológicos que permitem potenciar o investimento num
conhecimento mais democrático e global, nomeadamente através das práticas de leitura
digital, tem vindo a incentivar a implementação de diferentes iniciativas que possibilitam a
transformação dos hábitos de leitura, reconfigurando-os à luz de um contexto no qual os
dispositivos tecnológicos – como os computadores, as consolas de jogos, os leitores de mp3,
os telemóveis ou os tablets – assumem cada vez maior protagonismo. Neste domínio, os
recursos informáticos e tecnológicos assumem-se também como vias fundamentais para a
modernização das escolas, podendo inclusivamente contribuir para as tornar mais igualitárias
nas oportunidades – académicas, sociais e profissionais – que oferecem aos seus alunos.
É precisamente neste contexto que surge o projeto Sintra E-Conteúdos, uma iniciativa
conjunta das Escolas Professor Galopim de Carvalho, de Queluz, e Padre Alberto Neto, de Rio
de Mouro, com o apoio da Rede de Bibliotecas Escolares, e que assenta na implementação do
uso de iPads por parte de alunos e professores em contexto escolar, tendo em vista não
apenas a promoção das competências de leitura digital, mas igualmente a produção e
disseminação de recursos educativos digitais.
No projeto participam um total de 12 professores, três turmas de alunos, uma funcionária da
biblioteca e 42 monitores da biblioteca escolar, envolvendo a lecionação de diferentes
disciplinas, nomeadamente a língua portuguesa, a matemática, as ciências da natureza, a
educação visual e tecnológica (EVT), as ciências naturais e a físico-química. Em termos de
recursos materiais, a iniciativa implica a disponibilização de 15 iPads, aplicações para produção
e manipulação de texto, imagem e som, e acesso à Internet. As atividades desenvolvidas com o
recurso à utilização do iPad têm lugar no contexto da sala de aula para leitura e exploração de
obras incluídas no Plano Nacional de Leitura, sob a orientação do docente, e na biblioteca
escolar, onde o iPad pode ser utilizado livremente pelos alunos para leitura de e-books,
revistas ou jornais, e consulta de aplicações educativas, contando com a mediação e o apoio
da equipa da própria biblioteca.
A pesquisa levada a cabo, em torno deste projeto, procurou avaliar se os novos dispositivos
tecnológicos, e neste caso em particular os iPads, estão ou não a contribuir de forma
consistente para a promoção da literacia digital, incentivando hábitos de leitura junto de novos
públicos e socorrendo-se de novos suportes em contexto escolar.
De acordo com os dados recolhidos, as Escolas EB 2.3 Professor Galopim de Carvalho e Padre
Alberto Neto abrigam uma população escolar marcadamente multicultural, com uma maioria
de alunos provenientes de famílias com acentuadas carências socioeconómicas e
apresentando elevadas taxas de abandono escolar prematuro. Ambos os estabelecimentos
integram, de acordo com o Projeto Educativo 2013-2017, o Agrupamento de Escolas Belas-
Queluz (o segundo maior do país), constituído por 4281 alunos, distribuídos por múltiplos

447
ciclos de ensino que vão desde o Pré-Escolar ao Secundário, passando pelos Cursos de
Formação e Educação de Adultos. Em termos de nacionalidades, importa assinalar a presença
de uma percentagem significativa de comunidades estrangeiras, em particular de alunos
oriundos do Brasil e dos PALOP.
Os resultados obtidos a partir deste estudo de caso indicam que semelhante tipo de iniciativas
estimula e desenvolve as competências de leitura digital, permitindo em simultâneo um maior
envolvimento no trabalho de equipa, nomeadamente na interação aluno-aluno, aluno-
professor e professor-aluno, e um dinamismo acrescentado que é produzido pela relação
aluno/iPad. De facto, parece haver uma rápida apropriação por parte dos jovens alunos das
múltiplas funções permitidas pela tecnologia intuitiva e de fácil manuseamento dos iPads, o
que por seu turno possibilita uma melhoria das próprias práticas pedagógicas e o
desenvolvimento das competências de literacia digital. Quando questionados (Pinheiro, 2013),
75% dos alunos afirmaram que relativamente ao livro em papel a leitura digital é mais fácil e
essa percentagem é ainda mais elevada, 89%, para os alunos que tinham afirmado gostar
pouco ou muito pouco de ler. Para estes alunos as principais vantagens dos livros digitais são
“encontrar mais facilmente o que procuram”, 53%, e a possibilidade de incluir som ou vídeo
nos livros, 16%. Mais uma vez, a possibilidade multimédia é particularmente relevante para os
alunos que gostam pouco ou muito pouco de ler, 26%.
Coleman (1966) e Plowden (1967) afirmam que as diferenças nos resultados escolares estão
mais interligadas com a condição social de cada família em particular do que com os recursos
escolares disponíveis. O insucesso escolar advém resumidamente de fatores que, combinados
entre si, provocam ruturas e discordâncias que têm que ser examinadas numa leitura
longitudinal. Só assim se poderá compreender muitas das descontinuidades culturais entre o
ambiente que alguns alunos têm em casa e aquele que encontram nas escolas que
frequentam. Uma das principais dificuldades identificadas neste estudo de caso prende-se com
a desarticulação entre a realidade do contexto escolar e a realidade doméstica da maioria dos
alunos, que não dispõem em casa dos mesmos equipamentos que podem utilizar na escola.
Além disso, os iPads não estão disponíveis para toda a população escolar e não existe uma
política integradora a longo prazo que permita fazer a ponte entre as diferentes realidades
escolar e doméstica.

Referências bibliográficas

Coleman, James S. (org) (1966), Equality of Educational Opportunity, Washington DC,


Government Printing Office.
Lages, Mário (coord.) (2007), Os Estudantes e a Leitura, Lisboa, Gabinete de Estatística e
Planeamento da Educação (GEPE).
Pinheiro, C. (2013), “Leitura Digital e Formação de Leitores”, in ABC da Edição Digital:
Conferencia sobre Edição Digital de Livros para Crianças, Lisboa, Fundação Calouste de
Gulbenkian, 28 de Janeiro de 2013.
Plowden (1967), Children and their Primary Schools (Report of the Central Advisory Council for
Education), Londres, HMSO.

448
As bibliotecas públicas, por seu lado, são confrontadas diariamente com a necessidade
de alargamento do seu espaço comunitário - “as technologies advance, people in our
communities rely on digital information to find opportunities to improve their lives.
We must make sure public libraries, which are critical community hubs, keep pace with
that change and give patrons access to the resources they need”236. Aquilo que os
leitores desejam é, essencialmente, o acesso facilitado, a partir de qualquer lugar, de
forma contextual e democrática, e o acesso imediato e alargado, vinte e quatro horas
por dia, todos os dias da semana. Este é, de facto, um desafio radicalmente diferente
do paradigma segundo o qual as bibliotecas funcionavam e isso implica também novas
métricas: “não é correto que continuemos a medir o desempenho das nossas
bibliotecas pelas estatísticas convencionais, mas sim pelo contributo que elas dão para
a mudança social, para a resolução de problemas nas comunidades, e isso tem de se
medir de outra forma”237 (bibliotecário, 2011).

Conclusões: a biblioteca como pilar de democratização

Em Portugal a leitura de livros digitais em contexto de biblioteca apresenta-se ainda


com um carácter embrionário e Portugal é também o país com uma das taxas mais
baixas de frequência de bibliotecas. No entanto, tal como referido no capítulo 7 sobre
as novas formas de leitura e de leitores, quando se perguntou, no âmbito do inquérito,
se esperavam ler mais ou menos através de um meio digital, a expectativa para 44%
das pessoas é ler mais. Esta não pode ser uma oportunidade perdida para as
bibliotecas. As bibliotecas podem ter um papel crucial na aproximação dos leitores à
leitura digital e na construção de uma cidadania digital, especialmente as universitárias
dado que o seu público-alvo é exatamente aquele que mais lê livros digitais.
As bibliotecas estão posicionadas para ser a nova montra da oferta digital mas o
desconhecimento dos recursos digitais ou a sua ausência são um entrave a este papel.
Os novos desafios e oportundiades são enfrentados num contexto de enorme
fragilidade e de instabilidade. Para que possam assumir em pleno o papel de pilar de
democratização as bibliotecas precisam de novas estratégias e investimentos que
sejam centrados em novas prioridades, mas assegurando a inclusão dos leitores não
digitais dado que o formato impresso continua a ser muito importante, especialmente
para os mais jovens e as suas famílias; necessitam de novos modelos de avaliação, de
novas métricas, já que o digital não pode ser avaliado apenas pelo paradigma do livro,
e precisam de encontrar um novo equilíbrio com os restantes agentes da rede de valor

236
Jill Nishi, diretora da iniciativa bibliotecas na Fundação Bill & Melinda Gates - palavras proferidas no
anúncio do lançamento do projeto de investigação do Pew Research Center para estudar as mudanças
de papéis das bibliotecas públicas e os seus usos na era digital, com o apoio da Fundação Bill & Melinda
Gates: http://libraries.pewinternet.org/2011/10/17/press-release/
237
Comentário de um bibliotecário na reunião com bibliotecas públicas no âmbito do projeto de
investigação “A Leitura Digital e a Transformação do Incentivo à Leitura e das Instituições do Livro”.

449
da leitura, nomeadamente editores e escolas. Têm igualmente de fazer um esforço de
ajuste às novas expectativas dos seus leitores que esperam acesso facilitado (de
qualquer lugar, contextual e democrático), imediato e alargado. A solução, que não é
única, deve ser encontrada nas necessidades, práticas e expectativas da comunidade
específica de cada biblioteca.

450
Referências bibliográficas

American Library Association and the Information Policy & Access Center (2012),
Libraries Connect Communities: Public Library Funding & Technology Access Study
2011-2012, Universidade de Maryland.
Castells, Manuel (2004), A Galáxia Internet: Reflexões sobre Internet, Negócios e
Sociedade, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian.
Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (2012), Relatório Estatístico
2012 relativo à Rede Nacional de Bibliotecas Públicas (RNBP).
Levien, R.E. (2011), Confronting the Future. Strategic Visions for the 21st Century Public
Library, American Library Association and the Information Policy & Access Center,
Policy Brief nº 4, Junho.
Zickuhr, K., Rainie, L. e Purcell, K. (2013), Younger American’s Library Habits and
Expectations, Washington, Pew Research Center’s Internet & American Life Project.
Zickuhr, K., Rainie, L., Purcell, K., Madden, M. e Brenner, J. (2012), Libraries, patrons,
and e-books, Washington, Pew Research Center’s Internet & American Life Project.

451
12

Os contextos das bibliotecas escolares e municipais: procura e oferta de recursos e


serviços na era do digital

Marta Neves

452
Qual o rosto das bibliotecas nos nossos dias? Que papel desempenham no âmbito das
comunidades de que fazem parte? Como irá evoluir a sua acção na próxima década e em
que áreas? Em que termos a leitura digital é hoje integrada e dinamizada no cômputo geral
da oferta de recursos e serviços ao dispor dos públicos, em particular das crianças e jovens?
Estas são algumas das linhas gerais de pesquisa que orientaram um questionário dirigido a
responsáveis de bibliotecas municipais e escolares, apoiadas pela Fundação Calouste
Gulbenkian no apetrechamento de dispositivos de leitura digital. Daí que o principal
enfoque tenha recaído sobre as questões da leitura em ecrãs digitais.

Enquadramento teórico

As bibliotecas representam hoje espaços especialmente amplos, com estruturas


susceptíveis de propor uma variedade de recursos e serviços aos seus públicos, ganhando
assim um particular relevo. A este propósito, e em relação a públicos infantis, Kirsten
Drotner refere-se às bibliotecas públicas como a arenas galvanizadoras das futuras
expressões e expectativas socioculturais das crianças. Ou seja, as bibliotecas, sejam elas
físicas ou virtuais, tendem a demonstrar capacidade de oferta aos seus utilizadores mais
jovens, associada a uma diversidade de suportes para texto, imagens e som:

(…) public libraries of the 21st century must offer young users a wide range of new,
multimodal forms of expression in order to fulfill their time-honoured aims and objectives.
(Drotner, 2009: 1)

Drotner defende que as bibliotecas devam passar a definir-se em função da relação que
estabelecem com os utilizadores e a oferta que lhes destinam, pressupondo uma aposta na
qualidade do conhecimento obtido via informação, entretenimento e comunicação.
Partindo da noção de liberdade de expressão das crianças, a autora confere-lhe um
entendimento amplo: “liberdade de expressão das crianças” congregaria em si movimentos
de recepção, ou seja, de pesquisa e acolhimento. Em simultâneo envolveria também
produção e troca; informação e entretenimento e ainda o uso de todos os tipos de media.
Se numa perspectiva tradicional as bibliotecas públicas centravam a sua acção
especificamente nos modos de recepção das crianças (o que justificava a valorização dos
media impressos), as tendências actuais em torno de tecnologias digitais e cultura dos
media estão a disponibilizar novos meios capazes de envolver outros aspectos da liberdade
de expressão das crianças, permitindo-lhes modelar e partilhar informação e
entretenimento através do que a autora designa de novos repertórios de texto, imagens e
som. Na prática, as alterações na acção (no output) das bibliotecas verifica-se ao nível dos
novos materiais e novos usos que lhes são assignados. Ou seja, a forma como as bibliotecas
públicas tenderão a operar resultará em parte do impacto trazido pelas mudanças nos usos
que os mais novos fazem dos media em geral.

453
Face à mudança das condições em curso, Kirsten Drotner aponta como um dos maiores
desafios das bibliotecas públicas a capacidade de desenvolverem estratégias holísticas de
comunicação com os seus utilizadores e que devem ser sensíveis ao quotidiano das crianças
e aos seus múltiplos contextos de apropriação cultural.
No cômputo geral de oferta actual das bibliotecas, tal como anteriormente se sublinhou, é
notória a preponderância das interacções digitais desenvolvidas por públicos mais jovens,
conjugada com a persistência de hábitos associados a recursos tradicionais proporcionados
por estas instituições. Ao estudar as relações de jovens norte-americanos entre os 16 e os
29 anos com bibliotecas, a Pew Internet Research (2013), chegou a conclusões que vêm
confirmar tal tendência. Segundo Kathryn Zickuhr, Lee Rainie e Kristen Purcell, os usos dos
jovens americanos nas bibliotecas reflectem uma mistura composta por serviços
tradicionais e tecnológicos:

- por um lado mantêm um relacionamento forte com os media impressos, ou seja, fazem
requisições de livros em papel, pesquisam o que existe nas prateleiras e ainda cultivam
uma ligação intensa com as bibliotecas em si, visitando estes espaços e valorizando-os
como locais que oferecem condições para estudar, para além de representarem fóruns de
convívio informal;
- ao mesmo tempo mantêm uma interacção bastante elaborada com os computadores e o
online nas bibliotecas. Esta relação com a tecnologia tanto ocorre no contexto físico da
biblioteca como virtualmente, através do acesso a websites e serviços de que esta disponha
remotamente. Em suma, a oferta variada tanto de recursos tradicionais como de recursos
tecnologicamente mais elaborados parece ser uma preocupação inscrita na missão actual
das bibliotecas.

Ainda em relação aos recursos de natureza digital, cada vez mais solicitados pelos públicos,
sobretudo os comummente designados como geração digital, implicando um maior
investimento por parte das bibliotecas, levanta-se uma questão: bastará a estas entidades
assegurarem o seu apetrechamento consistentemente? Caber-lhes-á uma percentagem de
responsabilidade pela natureza dos usos digitais desenvolvidos no seu contexto? Até que
ponto a dinamização proactiva da literacia digital se está a converter num dos principais
eixos de intervenção das bibliotecas no século XXI?
Recorde-se a este propósito como David Buckingham fala da diferenciação nas
competências digitais com que as crianças se envolvem em função dos espaços que
frequentem, tomando como termos comparativos o que se passa no contexto escolar,
formal e o que ocorre para lá dele, noutros âmbitos. Sugere o autor que o uso dado pelos
mais novos ao online para lá da escola está imbuído na cultura quotidiana de pares, em
ligação directa à cultura dos media dos filmes, televisão, música e videojogos. Tudo isto
encontra as suas motivações na vontade de comunicar e na procura do entretenimento,
áreas de interesse que não são abordadas na escola e onde a utilização da Internet é
extremamente limitada (Buckingham, 2007: 93). No mesmo sentido Mizuko Ito e a sua

454
equipa dedicada ao estudo das interacções de crianças e jovens com a tecnologia, chamam
a atenção para as aprendizagens das crianças e jovens, associadas ao novos media em
regime autodidacta e também muito por influência dos seus pares, demitindo adultos e
professores deste papel. O envolvimento informal com os media digitais e a aquisição de
competências técnicas consentâneas como que decorre sem que este processo seja
oficialmente pressentido:

(...) young people acquire various forms of technical and media literacy by exploring new
interests, tinkering, and “messing around” with new forms of media. They may start with a
Google search or “lurk” in chat rooms to learn more about their burgeoning interest.
Through trial and error, youth add new media skills to their repertoire, such as how to
create a video or customize games or their MySpace page. Teens then share their creations
and receive feedback from others online. By its immediacy and breadth of information, the
digital world lowers barriers to self-directed learning. (Ito et al., 2008: 1-2)

Perante este cenário acrescenta-se nova questão: que papel poderão desempenhar as
bibliotecas neste processo de aquisição de competências digitais pelos mais novos nos
termos de uma abordagem informal? Atente-se nas pistas que a reflexão subsequente
poderá vir a fornecer.

Caracterização da amostra e orientações metodológicas

Reflectir acerca da leitura digital no âmbito da acção mais ampla das bibliotecas constitui o
ponto de partida desta análise que elegeu bibliotecas municipais e escolares como objecto
de estudo. A amostra seleccionada para o efeito é composta pelo conjunto de bibliotecas
que se candidataram a apoios lançados pela Fundação Calouste Gulbenkian (em 2011 e
2012) para a dinamização de projectos na área das aprendizagens digitais, dirigidos a
adolescentes e jovens. Em concreto estas instituições beneficiaram do apetrechamento
com dispositivos de leitura digital. Ao todo foram auscultadas 31 bibliotecas, 27 escolares e
4 municipais, na sua maioria dirigidas por professoras e bibliotecárias (com efeito, a
presença masculina confirma-se como sendo pontual neste universo). Deste grupo fazem
parte as seguintes bibliotecas:

- Agrupamento de Escolas de Melgaço (Viana do Castelo);


- Biblioteca da Escola Secundária de Caldas de Taipas (Guimarães);
- Biblioteca da Escola Secundária Martins Sarmento (Guimarães);
- Biblioteca da Escola Secundária de Amares (Braga);
- Biblioteca da Escola Secundária de Arouca (Porto);
- Biblioteca da Escola Secundária Soares de Basto (Porto);
- Biblioteca Municipal de Felgueiras (Porto);

455
- Biblioteca da Escola Secundária Inês de Castro (Porto);
- Biblioteca da Escola Secundária José Régio (Porto);
- Biblioteca da Escola Secundária D. Afonso Sanches (Porto);
- Biblioteca da Escola Secundária de Amarante (Porto);
- Bibliotecas do Agrupamento de Escolas de Mangualde (Viseu) e em que se incluem a
Escola Secundária de Nelas, a Escola Secundária de Penalva, a Escola Secundária de Vila
Nova de Paiva, a Escola Secundária de Canas de Senhorim e a Escola Secundária de
Mangualde;
- Biblioteca da Escola Secundária Frei Rosa Viterbo (Viseu);
- Biblioteca da Escola Secundária das Palmeiras (Castelo Branco;)
- Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior (Portalegre);
- Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada (Aveiro);
- Biblioteca Municipal de Penacova (Coimbra);
- Biblioteca da Escola Secundária de Maria Lamas (Santarém);
- Biblioteca Municipal da Batalha (Leiria).
- Biblioteca da Escola Secundária Domingos Sequeira (Leiria);
- Biblioteca da Escola Secundária Luís de Camões (Lisboa);
- Biblioteca da Escola Secundária Santa Maria (Lisboa);
- Biblioteca da Escola Secundária de Caneças (Lisboa);
- Biblioteca da Escola Secundária Bocage (Setúbal);
- Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia (Évora);
- Biblioteca da Escola Secundária de Castro Verde (Beja);
- Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos (Região Autónoma da Madeira);

Numa perspectiva geográfica é evidente a sua concentração nas regiões norte, sobretudo
junto ao litoral, tornando-se pulverizadas no centro até ao distrito de Beja. Um número
considerável (8) localiza-se no distrito do Porto.
Em relação às opções metodológicas, optou-se por desenvolver uma pesquisa qualitativa,
suportada numa amostra intencionalmente não representativa e que foi auscultada através
de um inquérito por questionário, elaborado de raíz para este efeito. Desenharam-se dois
guiões de forma a inquirir as particularidades de bibliotecas municipais e escolares. Não
obstante, cada um deles integrava um conjunto de perguntas comuns a ambos os tipos de
instituições. Além disso, e porque a tónica desta pesquisa recai em grande parte sobre as
interacções de adolescentes e jovens com as bibliotecas e o mundo digital da leitura, foram
criadas questões comuns sobre este tema central na pesquisa.
A partir da análise dos discursos dos professores e outros responsáveis pelas bibliotecas,
traça-se aqui um perfil das suas singularidades quanto ao modo como articulam a
tecnologia e a aquisição de literacias, mediante a gestão de recursos digitais de que
dispõem. De acordo com este enquadramento averiguou-se o que distingue as bibliotecas
municipais das escolares; que serviços e recursos compõem a sua oferta aos públicos; como
tem evoluído a afluência a estas instituições e quem mais as frequenta. Identificam-se as

456
motivações para frequentar bibliotecas, dando especial atenção aos usos digitais. Deixa-se
ainda uma reflexão sobre qual a missão futura das bibliotecas e como evoluirão consumos
e públicos respectivos. No centro de tudo isto estão os públicos jovens protagonistas deste
apelo pelo digital.

BIBLIOTECAS MUNICIPAIS

Todas iguais, todas diferentes

Do conjunto de bibliotecas municipais auscultadas fazem parte a Biblioteca Municipal de


Câmara de Lobos, pertencente ao Município da Madeira; a Biblioteca Municipal de
Felgueiras e a Biblioteca Municipal da Maia, ambas do distrito do Porto; a Biblioteca
Municipal de Penacova, do distrito de Coimbra, e a Biblioteca da Batalha, situada no distrito
de Leiria.
Para lá de um conjunto amplo de serviços e programas comuns dinamizados em todas elas,
identificam-se especificidades em função das quais são orientadas as respectivas
intervenções: por exemplo a localização geográfica ou o nível de desenvolvimento
socioeconómico e cultural da comunidade em que cada uma destas bibliotecas se integra.
Nesta linha, em Câmara de Lobos, a sua responsável chama a atenção para a persistência
do fenómeno do analfabetismo, associado a um baixo índice cultural da população. Esta
particularidade leva a que a promoção da leitura ganhe por isso prioridade absoluta.
Outro exemplo provém da Biblioteca Municipal de Felgueiras: a propósito dos pontos
essenciais do seu perfil actual e da missão que deverá desempenhar nos próximos anos, a
sua responsável enfatiza a necessidade de a intervenção da biblioteca levar em
consideração e se moldar à conjuntura de crise económica, marcada pelos índices
crescentes de desemprego na comunidade, respondendo às novas necessidades daquela.
De resto, o cenário marcado pelas dificuldades agudas da crise é recorrente e transversal
nos discursos dos questionados, indo reflectir-se na vida nas bibliotecas, seja ao nível dos
recursos disponíveis mas também dos serviços que tendem e tenderão a ser mais
solicitados.
A essência das bibliotecas municipais pressupõe um “estar de portas abertas a todos”,
enquanto extensões da comunidade; como espaços onde se pode conviver, pesquisar, ler,
consultar, usar dispositivos digitais, fazer requisições, fruir de actividades, tudo com a
marca da gratuitidade. Aqui reside o “core” estratégico para atrair e envolver a
comunidade. Atente-se ao caso da Biblioteca Municipal de Penacova: para além de haver a
preocupação de atingirem o máximo de públicos possíveis com acções que lhes sejam
adequadas (promovendo actividades específicas em função dos momentos de férias
escolares, datas especiais ao longo do ano...), os seus responsáveis põem uma tónica
especial na promoção proactiva do património e da história do concelho. O levantamento

457
do património imaterial de Penacova, a promoção de conversas e memórias com os
utentes séniores, passando pela criação de um arquivo digital fotográfico do concelho,
envolvendo e dando a conhecer este manancial aos mais novos por via de programação
pedagógica, são reveladores desta preocupação. Sublinhe-se que este tipo de acções
dinamizadoras é, em geral, explorado em todas as bibliotecas questionadas, com maior ou
menos ênfase sobre determinados temas.
Em relação à Biblioteca Municipal da Batalha, da sua intervenção destaca-se o trabalho
desenvolvido ao nível da biblioteca itinerante e soma-se ainda a aposta no domínio das
acessibilidades, contando esta biblioteca com uma oferta de 200 títulos em braille e
suporte áudio.
Destes breves retratos é possível depreender o relevo crescente das bibliotecas municipais
enquanto fóruns com vida própria, capazes de dinamizarem um leque de actividades
apelativas, o que poderá explicar o aumento significativo da afluência de públicos nos
últimos quatro anos. Tome-se o caso da Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos:

(…) assiste-se a um aumento significativo desde a inauguração do novo edifício em 2009, e


já em 2010 também, com a duplicação das entradas (7.088 em 2009 para 14.789 em 2010)
e em 2012, com um aumento de mais de 25% de entradas relativamente ao ano anterior
(20.121 entradas em 2012).

Na Biblioteca Municipal de Penacova, a um crescimento continuado da procura segue-se


um momento de explosão desde meio de 2010 em diante, coincidindo com a
disponibilização de serviços digitais ao público. Na Biblioteca Municipal da Batalha o seu
responsável confirma um significativo aumento das visitas e relaciona-o com a perda de
poder de compra por parte da grande maioria de agregados familiares:

cada vez mais, registamos o aumento de solicitações ao nível do empréstimo de livros de


estudo obrigatório em regime de componente lectiva.

Bibliotecas municipais: quem as visita?

A partir dos discursos dos inquiridos foi possível reunir pistas para desenhar um retrato, tão
aproximado quanto possível, de quem frequenta as bibliotecas municipais: os seus públicos
caracterizam-se pela heterogeneidade demográfica (abarcando crianças, jovens, adultos,
séniores) e a outros níveis também, evidenciando-se a especial procura por parte de
desempregados e cidadãos estrangeiros (muitos deles provenientes de países de Leste e do
Brasil). Nessa perspectiva, as bibliotecas municipais tendem a assumir-se como espaço de
apoio e envolvimento na comunidade, funcionando como agentes integradores.
É ainda referido o hábito de fruição por parte de famílias (pais e filhos) de programas
propostos pelas bibliotecas:

458
o público da Biblioteca da Batalha abrange várias faixas etárias. No período semanal,
compreendido entre as 13h00 e as 18h00, de Segunda a Sexta-feira, o público é
essencialmente jovem, com idades compreendidas entre os 10 e os 17 anos de idade,
registando-se a presença de várias nacionalidades. Verifica-se um número considerável de
cidadãos estrangeiros, oriundos essencialmente dos países de Leste e do Brasil. Temos
também registado um aumento de público no que concerne a cidadãos desempregados,
que usufruem principalmente do serviço de Internet e da consulta de periódicos.
Aos sábados, com o horário das 14h30 às 18h00, recebemos os utilizadores que, por
incompatibilidade de horário, não lhes é permitida a frequência da biblioteca em horário
semanal, bem como de pais e encarregados de educação que acompanham os filhos, tanto
para a requisição domiciliária como para usufruto das componentes lúdicas do espaço
infanto-juvenil. Mensalmente, a Biblioteca dinamiza a Hora do Conto, dia em que a
afluência de público aumenta significativamente.

A análise realizada permite construir um perfil das bibliotecas municipais como espaços
públicos que vêm suprir necessidades a que as famílias, e as pessoas em geral, não
conseguem dar resposta. Assim, a disponibilização de livros e outros títulos, para consulta e
requisição, o envolvimento gratuito em programas educativos e lúdicos, o acesso a
computadores, Internet e outros dispositivos digitais para os quais se sente a ausência de
poder de compra, ganham cada vez maior relevo neste contexto.

Bibliotecas municipais: serviços e programas mais procurados pelo público

O olhar geral sobre o que mais procuram os públicos nas bibliotecas municipais permite
sublinhar o protagonismo destas na dinamização da leitura e o chamariz que constituem
para as audiências mais novas, aliciadas pelo acesso a recursos áudio, vídeo e digitais.
Em Câmara de Lobos, destaca-se em primeiro lugar a requisição de cd’s e dvd’s, seguida
pela requisição de livros e a participação em programas dirigidos a crianças e jovens. Segue-
se a leitura de jornais e revistas, vindo depois o simples estar na biblioteca, fruindo do que
ela disponibiliza. Já outros usos que impliquem competências e literacias um pouco mais
elaboradas, quer para adultos quer para crianças, não recebem grande atenção, tais como
a pesquisa em bases de dados, e-books e audiolivros. Os programas e aulas destinados a
adultos são os serviços menos procurados. Tal poderá relacionar-se (e ser explicado) pelo
baixo índice de alfabetismo e de cultura geral apresentado pela população. Por seu lado, a
utilização de recursos disponíveis na biblioteca para pesquisa de ofertas no mercado de
trabalho é também pouco expressiva.
Na Biblioteca Municipal de Penacova, entre os usos mais procurados contam-se os
programas e aulas para crianças e jovens e para adultos, a requisição de revistas e jornais, o
uso de recursos para procura de emprego, o uso de e-books. Segue-se a leitura de livros, a
pesquisa das estantes da biblioteca. A leitura de revistas e a pesquisa de bases de dados.

459
Em Felgueiras os usos tradicionalmente associados à biblioteca são os mais comuns:
interessa sobretudo a requisição de livros, estar na biblioteca lendo, estudando, utilizando
(vendo ou ouvindo) algum media, a leitura de revistas, jornais e a pesquisa do que exista
nas estantes da biblioteca. Associa-se ainda a frequência de aulas ou programas específicos
para adultos e crianças e jovens, lado a lado com a utilização de recursos para pesquisar
emprego. Não é feita menção alguma aos usos digitais mais elaborados, relacionados com
audiolivros e e-books ou Kindle.
Na Biblioteca Municipal da Batalha ganham destaque os programas específicos para
crianças ou jovens, e os recursos para pesquisa de emprego. Segue-se a requisição de
livros, estar na biblioteca lendo, estudando, utilizando (vendo ou ouvindo) algum media; a
requisição de cd’s, vídeos, dvd’s e a leitura de revistas, jornais e a sua requisição. Merecem
muito pouco relevo as interacções com audiolivros e bases de dados; e também não se
fazem quaisquer referências aos e-books.
Em suma, a pesquisa de emprego através dos recursos disponibilizados pelas bibliotecas é
uma constante, mas que pressupõe algumas competências e literacias para que seja eficaz;
entre os usos mais habituais estão as actividades ligadas à leitura e aos livros. Já os
programas para crianças e jovens, mas também para adultos, assumem especial
importância.
Usar a biblioteca como espaço de convívio é outra função que se agrega cada vez mais às
bibliotecas municipais.

A preponderância dos usos digitais

Ao analisar a amplitude dos usos digitais (a sua procura) no cômputo geral dos serviços
oferecidos pelas bibliotecas, surgem indícios de que estes têm vindo a adquirir especial
significado. Por um lado, as bibliotecas parecem marcar pontos ao procurarem assegurar o
acesso facilitado a estes recursos, sobretudo através da implementação de programas e
projectos especificamente dirigidos à população mais jovem. Por seu turno, a adesão por
parte deste público em concreto tende a ser mais intensa do que noutras faixas etárias.
Fica por saber, em termos substanciais, em que se traduz esta utilização de recursos
digitais: que dispositivos são mobilizados para além da Internet? Com que finalidades? A
Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos é a única a indicar taxativamente que o uso por
motivos de diversão e lazer é o mais comum, apesar dos esforços para tornar a interacção
mais elaborada:

actualmente, estamos a sensibilizar o público para o acesso à secção da Biblioteca na


página oficial da Câmara através de login pessoal, onde podem aceder ao catálogo e ter
informações mais personalizadas sobre os documentos.

460
Ainda no sentido da promoção dirigida aos públicos mais jovens, assinale-se como na
Biblioteca Municipal de Penacova a oferta de serviços digitais provocou o aumento em
flecha da frequência da biblioteca:

a partir do momento que tivemos mais serviços digitais, o número de utilizadores


aumentou muito. Em termos de utilizadores este ano, estamos ainda no primeiro semestre e
já tivemos praticamente os mesmo número de utilizadores do ano anterior. É o chamado
Espaço jovem, e que está apetrechado com computadores, iPads e consolas.

A Biblioteca Municipal de Felgueiras reitera a mesma ideia, evidenciando que o Espaço


Internet (integrado na denominada Rede de Espaços Internet) é o mais valorizado pelo
público em geral. O mesmo fenómeno verifica-se na Biblioteca Municipal da Batalha onde
os usos online são uma tendência inquestionável (…) ainda muito alocada ao público juvenil
mas que acreditamos se vai generalizar nos próximos anos.
A conjugação entre digital e públicos mais jovens é inevitável, na opinião da responsável
pela Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos:

com o projecto financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian, “Espaço jovem, espaço de
irreverência: lugar de leituras radicais”, estamos a tentar promover a leitura digital numa
faixa etária de transição. (…) Criou-se uma actividade de promoção da leitura digital
denominada “Aprendo com o iPad” que tem chamado a atenção de alguns adolescentes
frequentadores da Biblioteca.

A esse propósito, a bibliotecária da Biblioteca Municipal de Penacova refere que se vive


neste contexto um momento híbrido:

(...) a leitura tradicional do livro ou de outro material impresso convive com a leitura em
suportes e formatos diferentes: as atividades de promoção da leitura nas bibliotecas devem
ser pensadas para os “nativos digitais”, para os jovens, uma vez que consideram os
computadores e outras ferramentas tecnológicas (jogos, leitores de musica digital, câmaras
Web) como dispositivos que fazem parte das suas vidas, desde que nasceram, para
realizarem várias atividades, nomeadamente a leitura recreativa. O conceito de promoção
da leitura é um conceito amplo, relacionado com as políticas culturais, e que pode incluir
diversas estratégias e técnicas que permitem fazer leitores, fidelizando-os à biblioteca. Para
isso vamos recorrer às novas tecnologias para as actividades de animação da leitura. Não
podemos menosprezar que a leitura recreativa, aquela que é feita de forma voluntária e
que contribui para a criação de verdadeiros leitores não se restringe só ao suporte livro. O
leitor do séc. XXI, “o nativo digital” inclui nas suas estratégias de leitura, ferramentas
digitais que fazem parte do seu dia-a-dia. Assim o jovem precisa de desenvolver
competências que lhe permitam aprender a ler o mundo em que vive, isto é, aprender a agir
com consciência crítica para poder assumir a sua autonomia e cidadania em plenitude.

461
Em relação a este mesmo aspecto, na Biblioteca Municipal da Batalha é mencionada a
importância do apoio à digitalização de recursos através da Fundação Calouste Gulbenkian:

a Biblioteca da Batalha vai dar início no próximo mês de Julho ao projecto “E-leituras”,
apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. Na prática, o serviço consiste na
disponibilização de 10 tablets (na Biblioteca Municipal e no Pólo da Biblioteca na Freguesia
de São Mamede), com a disponibilização de diversos livros digitais (portugueses e
estrangeiros), diversos periódicos e revistas e algum acervo do fundo local. O que se
pretende é que a “viagem” para a leitura digital, que estamos em crer que vai iniciar-se com
alguma força nos próximos dois anos, essencialmente nas faixas etárias mais jovens, se
inicie.

Focando o olhar de forma particular sobre os usos digitais mais procurados por crianças e
jovens, verifica-se como o recurso a computadores, impressoras e Internet é uma prática
unânime em todas as bibliotecas e a mais intensa em três delas. Em relação a interacções
com dispositivos electrónicos como leitores de e-books (ex.: Kindle), ou Tablet (ex.: iPad ou
Samsung Galaxy) ou audiolivros ou até mesmo a pesquisa em bases de dados, os usos são
muito mais rarefeitos e pontuais. Questiona-se a razão de ser deste resultado: ausência de
dispositivos nas bibliotecas? Ausência de motivação para os procurar? Ausência de
literacias que permitam a sua utilização? Mero desinteresse? Uso vedado pelas bibliotecas?

Missão, públicos e consumos: quando o futuro se deixa adivinhar

Ao referirem-se à evolução do público na próxima década, grande parte das bibliotecas


como a de Câmara de Lobos, Penacova e Felgueiras defendem que os projectos que já têm
implementados irão produzir uma fidelização e aumento da sua afluência. A responsável
pela Biblioteca de Câmara de Lobos tem consciência da dificuldade em cativar públicos,
devido ao enquadramento socioeconómico e cultural muito débil da população em seu
redor. Mesmo assim, defende que os jovens já se envolvem mais com a biblioteca e lidam
com os seus recursos evidenciando maior destreza:

(...) visto estarmos a trabalhar em prol da criação de pilares para que o público ganhe
interesse na obtenção de conhecimento, na leitura e na cultura no geral, ainda teremos que
percorrer um longo caminho até verificarmos alterações comportamentais significativas.
Obviamente que os mais jovens já têm outra forma de se relacionar com os diversos
recursos proporcionados pela biblioteca, contudo ainda há muita ingenuidade e
despreocupação com tudo o que os rodeia, pelo que, acredito, ser fundamental para a
Biblioteca pensar na sua conduta em torno destas questões.

462
A bibliotecária da Biblioteca Municipal de Felgueiras, que também antecipa um aumento do
público, justifica-o (mais uma vez) como estratégia para contornar tempos de crise
económica e de desemprego intenso:

(...) jovens e adultos ativos que apostarão na autoformação e na aprendizagem para fazer
face ao desemprego e à exigência de uma formação mais geral face ao evoluir das
exigências e evoluir das profissões existentes e das que surgirão.

Todas as bibliotecas consideram que os usos digitais serão centrais na oferta das bibliotecas
na próxima década, pressupondo a disponibilização de iPad’s, e-books, cursos de literacia
digital, mais serviços online, acesso a bases de dados, tutoriais, repositórios e fundos
documentais digitais, acesso wireless à Internet, com banda larga, disponibilização de
tablets e outros suportes tecnológicos, livros e conteúdos electrónicos. De resto, algumas
dão mesmo exemplos de projectos já em curso nesta área específica, enquadrados no
contexto geral em que cada biblioteca opera:

o projecto “Espaço jovem, espaço de irreverência” tem sido uma mais-valia para a
Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos, pois percepcionaram-se outras questões para
além da literacia digital: detectou-se, por exemplo, jovens que nem ler sabiam. (Biblioteca
Municipal de Câmara de Lobos)

Sendo a aquisição de literacias básicas e a promoção da leitura e do uso do livro o objectivo


central das bibliotecas, neste contexto em particular, para bibliotecas como a de Câmara de
Lobos e Penacova, a partícula “digital” ganha importância enquanto instrumento promotor
da leitura, essa sim, encarada como a essência do trabalho em causa:

quando o interesse pela leitura é reduzido, utilizar-se recursos como o acesso ao iPad será
facilitador desta tarefa. Portanto, os usos digitais serão o meio para atingir outros fins,
esses sim, centrais. (Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos)

pretendemos promover e estimular o gosto e o interesse pela leitura a partir das novas
tecnologias. (Biblioteca Municipal de Penacova)

Em relação à missão que se lhes apresenta para os próximos 10 anos, de um modo geral as
bibliotecas municipais apoiam-se nos grandes princípios orientadores deixados pela
UNESCO, fazendo uma leitura adaptada às especificidades e carências das comunidades a
que pertencem:

(...) a informação (atualizada); alfabetização (através de vários suportes, analógicos e


digitais); educação (tendo sempre em consideração os interesses dos utilizadores e o

463
solicitado pela escola e pela sociedade); cultura (promover várias manifestações culturais
que abarquem várias áreas para trazer mais público) (...)

Estes são aspectos norteadores para a Biblioteca Municipal de Penacova, também


partilhados pela Biblioteca Municipal de Câmara de Lobos. Por seu lado, esta prevê a
necessidade de manter tal orientação a médio/longo prazo devido aos problemas de
analfabetismo e desinteresse geral pela cultura, pelo que a mudança de mentalidades se
fará muito lentamente. E sublinha ainda a importância de providenciar meios para que haja
acesso à recreação e lazer.
Saber como aceder e pesquisar informação é outro aspecto sublinhado pela Biblioteca de
Felgueiras:

(…) a orientação no acesso à informação através do melhoramento dos serviços de


referência e a aposta na formação na utilização das redes sociais e recursos digitais.

Na perspectiva da Biblioteca Municipal da Batalha, além do trabalho a realizar na


componente tecnológica, a sua intervenção em força implicará o serviço de proximidade, o
trabalho com grupos específicos, as minorias e a interculturalidade.
A Biblioteca de Felgueiras, ao colocar a promoção do livro e da leitura como elementos
centrais da sua missão, relaciona o alcance destes objetivos com a situação económica
adversa do país, exigindo que as bibliotecas ampliem o seu papel, assegurando recursos:

(…) face à presente crise económica, será de grande importância a disponibilização de


acesso gratuito à Internet e a equipamentos tecnológicos de nova geração.

Pistas a seguir

Este olhar, lançado sobre a organização e vivências de cinco bibliotecas municipais, sem
pretensões de representatividade, permitiu que emergissem e se identificassem indícios
relacionados com o papel futuro destas entidades. O impacto da acção das bibliotecas
municipais num contexto de depressão socioeconómica em que o país está mergulhado,
afigura-se como tema central. Nessa lógica, será decisivo acompanhar os termos em que
estas irão adaptar/modelar a sua oferta em função dos fluxos de procura dos públicos
(também eles em mudança na sua composição e nas motivações para frequentarem as
bibliotecas). Será interessante ainda avaliar o nível de protagonismo das bibliotecas
municipais na promoção da literacia digital, associada à disponibilização crescente de
recursos digitais à população.

464
BIBLIOTECAS ESCOLARES

Um perfil

Ao desenhar um perfil geral das bibliotecas escolares questionadas, evidencia-se a


amplitude e variedade de uma oferta que combina recursos e funções tradicionais destes
contextos com outros ligados sobretudo à componente tecnológica. O conjunto destes
recursos e serviços confere uma nova face e razão de ser às bibliotecas escolares nos dias
de hoje.
Nestes contextos misturam-se livros em papel (sobretudo) mas também em suportes
digitais; revistas e jornais impressos lado a lado com a possibilidade de se aceder às
mesmas publicações online, na área dos computadores, por vezes com a Internet
disponível via wireless. Da leitura informal, nestes diferentes suportes, à leitura necessária,
que acompanha as actividades curriculares, tudo isso convive no espaço da biblioteca
escolar.
Ao sistematizar a oferta por áreas (sem qualquer intuito de a hierarquizar), percebe-se
como as bibliotecas escolares apostam fortemente na promoção da leitura. E fazem-no
assegurando um acervo diversificado, composto por títulos que interessem a todas as
faixas etárias. Na mesma lógica disponibilizam manuais escolares e outros livros que
integrem os planos curriculares vigentes; promovem clubes de leitura, comunidades de
leitores, dinamizam encontros com escritores; disponibilizam revistas e jornais.
A oferta de recursos digitais é outra área decisiva e em permanente crescendo na vida das
bibliotecas escolares. Aos computadores com acesso online, às impressoras e
digitalizadoras, já democratizados nestes cenários, tem vindo a juntar-se, mais
recentemente, o investimento em e-books e tablets. Nesta acção de apetrechamento
percebe-se o esforço de resposta das bibliotecas à procura dos alunos, especialmente
motivados para utilizações digitais em novos suportes.
Na perspectiva de alguns responsáveis pelas bibliotecas, os novos ecrãs não só funcionam
como aliciantes para a frequência de bibliotecas mas também como promotores da leitura
em moldes diferentes dos tradicionalmente concebidos, jogando com outros suportes.
Contudo, é notório o desfasamento da oferta disponível de dispositivos em causa face ao
volume de solicitações. Em articulação, verifica-se que a promoção da literacia
informacional, centrada na formação de utilizadores, é outra vertente bastante dinamizada
pelas bibliotecas.
Soma-se ainda a oferta de suportes audiovisuais, para visionamento de filmes e para escuta
de música e em que se incluem cd’s, dvd’s, vhs’s e blu-ray. A sua utilização parece ocorrer
na própria biblioteca e fora dela; neste caso através de requisição pelo corpo docente, em
situação de aula, mas também através de requisição domiciliária, sobretudo por alunos.
Outro aspecto a assinalar prende-se com a função de apoio logístico das bibliotecas
escolares, enquanto fornecedoras de recursos necessários no âmbito das actividades

465
curriculares; por exemplo, através do empréstimo de calculadoras e material de desenho
(Biblioteca da Escola Secundária Soares de Basto e Biblioteca da Escola Secundária de
Campo Maior) ou até mesmo de manuais escolares, estendendo-se aos recursos
audiovisuais, informáticos e digitais. Na verdade, a preocupação em apoiar activamente
actividades lectivas é primordial, daí que algumas bibliotecas disponham de blogues com
materiais e conteúdos variados, empregues nas diferentes disciplinas do currículo
(Biblioteca da Escola Secundária de Nelas e Biblioteca da Escola Secundária de Mangualde).
A intervenção das bibliotecas escolares estende-se ainda à dinamização de actividades
pedagógicas e culturais e à disponibilização de espaços para exposições ou outros eventos.
Verifica-se ainda como a oferta de jogos didácticos é essencial para as faixas de alunos mais
jovens. Refira-se ainda como as bibliotecas constituem hoje um espaço onde se pode estar
e conviver com os pares, para além das condições favoráveis ao estudo e pesquisa de forma
acompanhada que propiciam.
O dinamismo destas entidades é notório por via da relação estabelecida com os
estabelecimentos de ensino em que se integram; o mesmo é aferível através das
interacções com a comunidade em geral, outras bibliotecas instituições. Acentue-se ainda a
extensão das bibliotecas, de natureza social face às dificuldades da conjuntura de crise,
vindo suprir algumas carências ao nível de recursos pedagógicos e de materiais de alunos
cujas famílias não têm condições para os adquirir.

Quem frequenta as bibliotecas escolares?

Abertas à comunidade escolar, as bibliotecas visam servir em primeira linha o seu corpo
discente. Em regra este é composto por um grupo amplo e heterogéneo de alunos, do 3º
ciclo do ensino básico ao ensino secundário. No âmbito do ensino secundário,
compreendem-se ainda os alunos do ensino regular e de cursos profissionais, incluindo-se
ainda alunos do ensino diurno e nocturno. Esta variedade de graus de ensino determina
uma apreciável heterogeneidade em termos etários, abarcando uma faixa que se inicia nos
11, 12 anos e vai até aos 18, 19 anos. A quase totalidade dos alunos é portuguesa. Para os
poucos alunos estrangeiros identificados é sublinhada a importância das bibliotecas na
aprendizagem da língua portuguesa e de outras valências com vista à integração. Assinale-
se um caso, diferente, de alunos ciganos que procuravam na biblioteca referências da sua
própria cultura:

em relação à etnia não temos dados já que na escola não há etnias diferenciadas. (tivemos
apenas 3 miúdos de etnia cigana por um período de 2 meses e não houve comportamentos
diferenciados, apenas detetámos que em relação aos vídeos do Youtube gostavam de ver os
de etnia cigana). (Biblioteca da Escola Secundária de Canas de Senhorim)

466
de realçar também a presença constante de alunos de outras nacionalidades que superam
muitas das suas dificuldades linguísticas, recorrendo à biblioteca. (Biblioteca da Escola
Secundária Pública Hortênsia Castro)

temos já uma certa comunidade de alunos chineses: todos procuram e usam muito a
biblioteca. (Biblioteca da Escola Secundária José Régio)

de diferente etnia, temos um grupo de alunos que são de S. Tomé que frequenta e utiliza
bastante a biblioteca também. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca)

(...) público do ensino diurno – alguns alunos são oriundos do Brasil, de países do leste e dos
PALOP. (...) Público do ensino noturno –os alunos oriundos dos PALOP frequentam amiúde a
biblioteca – neste turno o número de alunos de diferentes nacionalidades é superior ao no
ensino diurno devido ao curso de Português Para Todos. (Biblioteca da Escola Secundária
Luís de Camões)

Neste conceito de público incluem-se ainda o corpo docente e os assistentes operacionais e


técnicos da escola, apesar de formarem um grupo menos expressivo:

temos uma percentagem razoável de professores (homens e mulheres) que frequenta a


biblioteca mas não tanto como gostaríamos. Há também dois ou três assistentes
operacionais que são assíduos. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca)

Se bem que pontuais, existem referências à procura destas bibliotecas por público exterior
à comunidade escolar e em que se incluem antigos estudantes, encarregados de educação,
sendo também mencionada a parceria com uma universidade sénior:

(…) mas o fundo documental e os serviços estão também acessíveis a elementos externos,
encontrando-se mesmo em implementação um projeto de leitura em parceria com a
Universidade Sénior de Alcobaça. (Biblioteca da Escola Secundária Inês de Castro)

(…) e, este ano, uma Encarregada de Educação que trabalha perto da escola e vem à
biblioteca ler o jornal. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca)

temos algum público exterior à comunidade escolar e que usufrui de alguns dos serviços.
Esse número tem vindo a crescer mas ainda é relativamente residual. (Biblioteca da Escola
Secundária da Mealhada)

(...) o acesso aos documentos é livre e sem reservas. Para além da Comunidade Escolar,
também servimos a comunidade local, uma vez que a biblioteca possui documentos que

467
poucas bibliotecas têm, uma vez que recebeu uma biblioteca de um centro de formação de
professores. (Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada)

no entanto, a Biblioteca está aberta a toda a comunidade, sendo utilizada por antigos
estudantes, nomeadamente universitários, que residem no concelho, encarregados de
educação, entre outros. (Biblioteca da Escola Secundária de Amares)

Motivações

Ao inquirir o que justifica a frequência das bibliotecas escolares, desde logo destaca-se a
procura de serviços que envolvam os suportes digital e papel. Em torno deles, pela ordem
por que são enunciados, elaboram-se as grandes motivações para se ir à biblioteca da
escola e delineiam-se os usos essenciais dos seus frequentadores. Através deste binómio
descobrem-se significados que remetem para o campo da aquisição de literacias várias no
contexto das bibliotecas escolares.

O digital avant la lettre

No contexto das bibliotecas escolares é evidente o peso e preponderância da procura dos


serviços e recursos digitais sobre os demais usos:

a tecnologia desempenha um papel crescente na procura e percebe-se que no futuro poderá


ditar a tendência de utilização. (Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior)

conclui-se que a biblioteca é cada vez menos usada para leitura presencial e cada vez mais
procurada pelos meios tecnológicos/digitais que disponibiliza. (Biblioteca da Escola
Secundária de Amarante)

cada vez mais, os utilizadores da biblioteca recorrem a este espaço para aceder às novas
tecnologias. (Biblioteca da Escola Secundária das Palmeiras)

os usos e serviços digitais constituem o centro da acção do utilizador da biblioteca (...).


(Biblioteca da Escola Secundária Martins Sarmento)

Quem protagoniza este fluxo tornado quotidiano é sobretudo o corpo discente (somam-se
ainda os professores mas de forma bastante menos expressiva), sendo esta busca
ligeiramente mais intensa por parte do sexo masculino, indicam os responsáveis pelas
bibliotecas. Com a mudança de hábitos em curso, é natural que ocorram modificações na

468
relação dos alunos com as bibliotecas e ao nível dos processos pelos quais ocorrem as
aprendizagens em geral.

Acessos e usos

Na prática, a busca de novas tecnologias envolve questões ligadas aos acessos e usos.
Analisando as motivações dos alunos segundo estes dois eixos, percepciona-se que o
acesso a computadores consubstancia uma utilização já bastante democratizada no âmbito
das bibliotecas. O computador representa assim o denominador comum na utilização de
dispositivos digitais, sendo especialmente aliciante se conjugado com acesso ao online, ou
se existir serviço wireless (Biblioteca da Escola Secundária de Amarante), o que permite aos
alunos usarem os seus portáteis. Recentemente, os tablets começaram a despertar
interesse, reflectindo-se numa procura em flecha:

há uma enorme procura dos computadores (que tem ligação à Internet) por parte dos
alunos. A Biblioteca disponibiliza 14 postos de computador com uma ocupação muito
intensa. A partir deste ano letivo, a Biblioteca passou a disponibilizar tablets (iPads) para
leitura ou outras utilizações no seu espaço: refira-se que os iPads têm uma utilização muito
intensa, provocando uma procura muito intensa, regulada por um regulamento próprio.
(Biblioteca da Escola Secundária de Amares)

sim, tem havido um crescendo na procura de tablets e computadores. Estes nunca chegam.
Nota-se, cada vez mais, uma procura de novos dispositivos. Tudo o que for digital, tenha
botões, som e afins são bem-vindos para os alunos. Quando têm que ler um livro já
perguntam se há em e-book. (Biblioteca da Escola Secundária de Arouca)

temos verificado que os serviços mais requisitados são o acesso e uso dos computadores, da
Internet, dos iPads e dos documentos digitais de que dispomos. (Escola Secundária Caldas
de Taipas)

a maioria dos utilizadores procura os serviços digitais, nomeadamente através dos


computadores ou tablets (embora a biblioteca somente disponha de 2). (Biblioteca da
Escola Secundária de Penalva)

os alunos do segundo e terceiro período deslocavam-se à biblioteca sempre na expectativa


de encontrar um iPad ou computador livres para consultar as redes sociais ou jogar, sendo
os primeiros os mais requisitados. (Biblioteca da Escola Secundária Soares de Basto)

(…) os computadores e os iPads disponibilizados na biblioteca têm uma utilização muito


intensa. Os computadores têm mais de 9000 utilizações registadas (e muitas outras são

469
feitas sem registos – impressões, por ex.), o que dá uma média diária de 60 utilizadores. Os
iPads registam uma média de 350 utilizações mensais, e verifica-se que o tempo médio de
utilização por cada utente é superior ao dos computadores. Estes serviços disponibilizados à
comunidade têm enorme procura e são fundamentais no acesso da comunidade à web, à
informação e ao conhecimento. Na Biblioteca são disponibilizados 3 iPads que, em
determinados momentos, são utilizados em sala de aula num conjunto de 12. (Biblioteca da
Escola Secundária de Amares)

Há mesmo quem refira como as bibliotecas funcionam como complemento à oferta das
salas de TIC das escolas:

os recursos e equipamentos digitais são muito importantes na BE uma vez que com a
sobrelotação das salas de TIC, estes são os únicos disponíveis e passíveis de serem
requisitados. (Biblioteca da Escola Secundária de Castro Verde)

É pois perceptível o esforço de resposta das bibliotecas face à elevada procura destes
recursos digitais. Contudo, também é notório como na maior parte dos casos há um
desfasamento entre a oferta efectivamente disponível e as solicitações recebidas.
Em relação ao eixo dos usos, ou o que fazem os alunos na posse dos dispositivos digitais,
identifica-se alguma polaridade entre os designados usos sérios por um lado, e os lúdicos,
de estrito lazer, por outro. Em regra a maior parte dos alunos procura computadores tanto
para fins de trabalho como recreativos, coexistindo por isso ambas as utilizações. Já em
momentos chave, ligados à avaliação de conhecimentos ao longo do ano lectivo, ganham
bem mais espaço as pesquisas online (feitas sobretudo com apoio do motor de busca
Google), e também a produção de trabalhos individuais e de grupo. O PowerPoint e outros
programas como o Prezi, fazem aqui as suas aparições, juntamente com a consulta do
Moodle de determinadas disciplinas.

Os alunos procuram essencialmente os computadores para realizar pesquisas e trabalhos


propostos pelos professores de diversas disciplinas. Também os utilizam para aceder às
redes sociais, email ou ao Moodle de algumas disciplinas, quando não existem requisições
para trabalho.
Excetuam-se os momentos de realização de trabalhos, em que o Google é motor de busca
único e o Powerpoint a forma de apresentação mais utilizada, observando-se, no entanto,
alguma utilização do Prezi.
Muita da pesquisa para trabalhos escolares é efectuada através desse meio (online).
(Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada).

Os alunos utilizam os motores de busca para a pesquisa necessária à elaboração de


trabalhos. Utilizam o Moodle de diversas disciplinas. (Biblioteca da Escola Secundária de
Penalva)

470
Para lá dos picos de trabalho, a componente lúdica ganha espaço em toda a linha: os jogos,
as interacções via redes sociais (especialmente o Facebook), pesquisas no YouTube e a
consulta de email pessoal tornam-se essenciais. Resultados das novas dinâmicas de
utilização do digital são assim pressentidos, revelando como o online concentra e assegura
consumos de vária ordem antes dispersos por outras sedes.

Tablet, relação não consolidada

A grande novidade no ambiente digital das bibliotecas chama-se tablet. O que pensam os
bibliotecários deste novo recurso?

(…) tudo o que for digital é cada vez mais procurado. Computadores servem, mas o que está
na moda é trabalhar com um tablet. Ligado à Internet, redes sociais, jogos e afins.
(Biblioteca da Escola Secundária de Arouca)

A sua introdução é relativamente recente. Tem-se desencadeado ao longo dos últimos dois
anos no âmbito destas bibliotecas escolares, sendo o número de dispositivos disponíveis
ainda bastante limitado: em bastantes casos existem 2, 3 aparelhos por biblioteca e que
não podem responder cabalmente a uma procura fortíssima (Biblioteca da Escola
Secundária de Penalva, Biblioteca da Escola Secundária de Vila Nova de Paiva, Biblioteca da
Escola Secundária das Palmeiras).
Percebe-se como neste momento em cada biblioteca de cada escola se vive a preocupação
em definir as melhores soluções de aproveitamento dos tablets no contexto mais vasto das
actividades pedagógicas. Seja qual for o emprego que venha a prevalecer, para já os novos
recursos digitais são perspectivados como veículo promotor de maior envolvimento dos
alunos nas actividades curriculares; isto para além de contribuírem para a promoção da
leitura e potencial aproximação ao espaço da biblioteca.

Nas salas de aula, por vezes, são utilizados os e-books sobre conteúdos do currículo para
realizar trabalhos de pesquisa. Os professores consideram que o uso dos iPads tem
motivado os alunos na realização das tarefas. (Bibliotecas do Agrupamento de escolas de
Melgaço)

Os usos dos serviços digitais são muito importantes pois aproximam os jovens da leitura e
do espaço biblioteca que é simultaneamente um espaço de estudo, leitura e de
aprendizagem. (Biblioteca da Biblioteca da Escola Secundária Bocage)

Em relação aos usos efectivos explorados até agora, percebe-se alguma indefinição natural,
provocada pela preocupação de integrar os tablets exclusivamente nas actividades
curriculares e nos trabalhos em sala de aula - dado serem novidade e em número reduzido,

471
e por esses motivos de gestão mais difícil -, isto na perspectiva de professores e professores
bibliotecários. Em contraponto, os alunos apressam-se a tirar partido de características
como a portabilidade e a qualidade da imagem mas em usos preferencialmente informais:

adquirimos no ano letivo anterior dois tablets e uma série de e-books que integraram o
projeto “Leituras em Linha” dinamizado numa turma do 10º ano e do qual fazemos uma
avaliação positiva; neste ano letivo, os dispositivos eletrónicos foram utilizados apenas no
contexto da biblioteca e apesar da procura diária, os tablets foram maioritariamente
utilizados para pesquisas na Internet e pouco usados em situações de leitura informal.
(Biblioteca da Escola Secundária de Mangualde)

com o projeto “Leitura e literacia na biblioteca do futuro” foram adquiridos 4 iPads que já
vão sendo procurados (embora a maior parte das vezes não seja para leitura, mas para
aceder à Internet e para diversão). (Biblioteca da Escola Secundária Frei Rosa Viterbo)

os iPads têm uma elevadíssima taxa de utilização e são muito apreciados pelas suas
qualidades gráficas, desempenho soberbo e grande portabilidade. Mas são usados
essencialmente para acesso à Internet e para outras atividades de ocupação de tempos
livres (tirar fotografias, fazer pequenos filmes, etc.). A utilização em ambiente de sala de
aula ainda não foi muito explorada, excepto pelo PB que, nas suas turmas, pode apreciar a
excelente capacidade destas máquinas para auxiliar em trabalhos de pesquisa. (Biblioteca
da Escola Secundária da Mealhada)

Admirável mundo da leitura ainda em papel

O suporte “papel” continua a levar a melhor no terreno dos livros e da leitura, apesar de a
disputa com os ecrãs e o digital estar a acontecer no território das bibliotecas:
- na actualidade estes espaços representam fortíssimos centros de promoção do livro e da
leitura, desempenham o papel de aliados estratégicos na oferta de conteúdos e recursos,
na sua maioria em suportes ditos tradicionais. Ao mesmo tempo tendem também a
integrar e a moldar-se a hábitos de leitura no digital, desde os mais formais àqueles que
vão ocorrendo sem que disso se dê conta, informalmente.
A leitura é uma actividade imanente à vida das bibliotecas e que surge nos discursos dos
bibliotecários conjugada sobretudo no âmbito de trabalhos curriculares, enquanto
requisição presencial e domiciliária. Os principais fluxos de consulta de obras relacionam-se
com o apoio ao estudo e à realização de trabalhos obrigatórios. A procura de literatura
também é mencionada neste contexto, em ligação com os chamados contratos de leitura,
existentes ao nível do ensino secundário.
Os dicionários, enciclopédias e outros recursos audiovisuais e digitais são muito empregues
pelos professores, como materiais de apoio, em ambiente de sala de aula, sendo que, por

472
vezes, os professores optam por transferir as aulas para as próprias instalações das
bibliotecas, por uma questão de facilidade de acesso a estes meios:

existe um grande apoio dados pela biblioteca, à cedência de recursos para utilizar em
situação de sala de aula (exemplos: dicionários, enciclopédias, manuais, obras literárias,
CD’s, DVD’s..). Os alunos do ensino secundário, onde se inclui o ensino profissional,
consultam obras de apoio ao estudo e para a realização de trabalhos escolares e das provas
de aptidão profissional. As obras literárias são muito requisitadas pelos alunos do ensino
secundário, essencialmente contos, devido aos contratos de leitura. Também no ensino
básico os alunos procuram literatura juvenil e a leitura em língua portuguesa e em línguas
estrangeiras, principalmente Inglês. (Biblioteca da Escola Secundária de Caneças)

os alunos do 3º ciclo e secundário procuram sobretudo livros de literatura para cumprirem


os contratos de leitura da disciplina de Português e para leitura domiciliária. (Biblioteca da
Escola Secundária Frei Rosa Viterbo)

em termos de empréstimos para sala de aula, são muitos os dicionários e manuais entre os
recursos mais solicitados (...). (Biblioteca da Escola Secundária de Castro Verde)

(...) muito poucos preferem literatura não ficcional ou livros técnicos, a não ser quando a
isso sejam obrigados para efectuar trabalhos escolares. (Biblioteca da Escola Secundária da
Mealhada)

A leitura puramente voluntária consegue abarcar as temáticas mais variadas e há indícios


de ser uma actividade mais habitual entre as raparigas:

há uma procura muito interessante de livros/álbuns de divulgação científica, curiosidades,


mesmo por alunos que, não tendo hábitos de leitura regulares, gostam de ver essas obras
(Ex: Livro Guiness de Records; livros sobre cães e gatos, livros de truques de bricolagem,
música.). (Biblioteca da Escola Secundária de Amares)

(...) exceptua-se claramente os livros de “educação sexual”, muito procurados quer para
leitura presencial, quer para leitura domiciliária. (Biblioteca da Escola Secundária da
Mealhada)

Por seu lado, a leitura de publicações de imprensa desportiva na biblioteca parece ganhar
ênfase, numa base diária, tanto por parte de alunos rapazes como por funcionários da
escola:

os rapazes utilizam mais a Biblioteca para leitura de jornais, particularmente os desportivos.


(Biblioteca da Escola Secundária de Amares)

473
os nossos utilizadores, nos tempos livres, procuram muito os jornais e as revistas com
especial relevância para as temáticas desportivas e musicais, dentro do que é a oferta
disponível. (Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia Castro)

há frequentadores diários para ler jornais entre alunos, funcionários e alguns professores.
(Biblioteca da Escola Secundária de Penalva)

a leitura presencial prende-se sobretudo com a leitura de jornais e periódicos, sendo, neste
caso, mais clara a predominância dos alunos do ensino secundário. (Biblioteca da Escola
Secundária de Amarante)

rapazes (faixa etária dos 17-19 anos): visualização de filmes; pesquisa livre na Internet
(consulta do e-mail, acesso ao Facebook, leitura online de jornais desportivos. (Biblioteca da
Escola Secundária Martins Sarmento)

Ler no ecrã, hábito não estabilizado

As bibliotecas escolares estão a iniciar um processo de descoberta dos recursos de leitura


em suportes digitais enquanto potenciais aliados na promoção do livro e na ampliação do
conhecimento em geral. Integra-se neste âmbito o apoio decisivo da Fundação Calouste
Gulbenkian no apetrechamento digital das bibliotecas auscultadas.
Neste contexto de difusão da leitura digital, na perspectiva de alguns dos bibliotecários, os
professores irão desempenhar um papel determinante, incutindo novos hábitos aos alunos
através do seu próprio exemplo, se bem que esse processo possa não ser linear:

a tecnologia desempenha um papel crescente na procura e percebe-se que no futuro poderá


ditar a tendência de utilização. Mas as leituras digitais só serão uma tendência para todos
quando os professores também fizerem uma utilização muito generalizada. A leitura
recreativa ainda é vinculada ao livro impresso e têm algumas resistências. (Biblioteca da
Escola Secundária de Campo Maior)

os docentes mostram um grande conservadorismo na forma de encarar os novos suportes


de leitura e de acesso à informação e frequentam muito pouco a BE. (Biblioteca da Escola
Secundária da Mealhada)

Em concreto, pelas observações deixadas, percebe-se que a leitura em suportes digitais


constitui um processo em descoberta recente, ainda longe da fase de estabilização:

474
temos um público de alunos leitor de livros, minoritário, que procura sobretudo literatura de
ficção nos suportes convencionais e que não parece ser muito entusiasta dos e-books.
(Biblioteca da Escola Secundária da Mealhada)

quando têm que ler um livro já perguntam se há em e-book. (Biblioteca da Escola


Secundária de Arouca)

relativamente aos e-books, já que a escola tem dois tablets e vários livros digitais, não
temos verificado grande interesse por parte dos alunos. (Biblioteca da Escola Secundária de
Canas de Senhorim)

a leitura recreativa ainda é vinculada ao livro impresso e têm algumas resistências.


(Biblioteca da Escola Secundária de Campo Maior)

frequentemente, os utilizadores preferem a leitura em papel à leitura em suporte digital.


(Biblioteca da Escola Secundária Inês de Castro)

Missão, públicos e consumos digitais futuros

Ao reflectirem acerca da missão das bibliotecas na próxima década, alguns dos seus
responsáveis acreditam que se irá operar uma mudança nos termos em que estas irão
disponibilizar recursos e serviços em virtude das tecnologias digitais, com uma presença
cada vez mais marcante destas últimas. Contudo, a sua missão manter-se-á incólume. É por
isso comummente aceite que as bibliotecas continuarão a desempenhar um papel
preponderante como estrutura de âmbito pedagógico, articulada com outras estruturas
educativas no contexto de cada escola.

Penso que a missão da biblioteca escolar não sofrerá alterações na próxima década (...). A
forma como disponibilizará os seus recursos e serviços é que passará a ser diferente, não
apenas confinada ao espaço físico que ocupa na escola, mas muito mais abrangente, com a
disponibilização online de recursos e de novos serviços. (Biblioteca da Escola Secundária de
Canas de Mangualde)

Acredito que poderá ser de grande relevo o papel da BE como um centro de aprendizagem,
numa perspetiva de trabalho de parceria com os docentes que poderá, de forma bem
gerida, planificada e com outra cultura de escola, contribuir muito para o sucesso educativo
a vários níveis. (Biblioteca da Escola Secundária Pública Hortênsia Castro)

Na opinião de quem dirige bibliotecas escolares caber-lhes-á investir nas competências de


aprendizagem dos alunos, transformar a informação em conhecimento dando especial

475
atenção aos domínios da leitura, da escrita e das literacias em sentido lato. Sem que se
desvirtue o núcleo essencial da missão das bibliotecas assim traçado, os seus responsáveis
estão cientes de que estas irão integrar e adaptar-se ao processo de digitalização. Esta
trajectória, de resto já em curso, vai ao encontro das apetências do seu público chave, ou
seja, crianças e jovens, envoltos desde cedo em experiências informais com o digital.

O séc. XXI coloca às escolas em geral, e às bibliotecas escolares em particular, um novo


desafio que resulta essencialmente de dois fatores: o perfil do aluno atual, “nativo digital”
que constrói o seu conhecimento através da mediação da tecnologia, que não compreende
o mundo sem recurso a ela, à informação do momento, a uma socialização virtual que ele
alimenta, que o alimenta e o acompanha, e o desenvolvimento emergente e exponencial da
Web 2.0. Esta Web é potenciadora da aprendizagem com os outros, do c-learning,
(comunicação, colaboração, comunidade), da partilha de ideias, de questões, de trabalhos,
de recursos, da expressão criativa, da interação, da conetividade. (Escola Secundária Caldas
de Taipas)

A única maneira de responder aos desafios que nos forem lançando será: acompanhar a
natureza das mudanças, adquirir competências nos novos domínios, transformar a oferta
do serviço conforme a necessidade dos utilizadores e as exigências tecnológicas. (Biblioteca
da Escola Secundária da Mealhada)

Consumos futuros: digitalização de recursos e o poder dos ecrãs

A centralidade dos consumos digitais e a multiplicação de ecrãs resumem a visão futura das
bibliotecas, tal como é projectada pelos seus responsáveis. Segundo eles, é no apelo
tecnológico que se irá fundar a principal motivação para um envolvimento mais intenso dos
alunos com as bibliotecas e os seus recursos.
Há quem defenda até que este entusiasmo é susceptível de se converter numa nova
estratégia capaz de promover a leitura e o acesso ao conhecimento em sentido amplo; uma
mais-valia no que respeita às práticas de estudo dos alunos e de ensino dos docentes em
contexto de aula. Em suma, parece ser claro o poder dos ecrãs no contexto de hábitos de
leitura:

com condições físicas e materiais e apoio de recursos humanos, as bibliotecas são um pólo
de atração dos alunos no seu processo de aprendizagem, quer em termos individuais quer
em grupo. Para isso, é necessário não deixar morrer o interesse dos alunos pela biblioteca e
canalizar esse interesse em prol do sucesso dos mesmos, que na sua maioria são os que
mais precisam desse apoio e que não têm as mesmas condições fora da escola. A Biblioteca
tem que acompanhar os progressos tecnológicos integrando-os nos seus serviços, ao

476
encontro dos interesses dos alunos de forma integradora e educativa. (Biblioteca da Escola
Secundária Pública Hortênsia Castro)

julgo que terá de ser através do ecrã que as bibliotecas devem continuar a divulgar os seus
conteúdos e a desenvolver produtos porque é aí que os alunos estão. As redes em
computadores e telemóveis devem continuar a ser potenciadas para atrair os alunos para a
leitura e acesso à informação. Por muito complicado que se revele muitas vezes gerir o
comportamento e os usos dos alunos nos computadores, é inevitável e necessário
desenvolver produtos e serviços no ambiente digital. (Biblioteca da Escola Secundária
Domingos Sequeira)

O fascínio pela tecnologia é aqui encarado como oportunidade para que os estudantes
consolidem competências digitais e as articulem com a aquisição de hábitos autónomos de
aprendizagem e espírito crítico, sendo que nalgumas bibliotecas essa mudança já está a
dar-se. Nesta linha de pensamento integra-se a necessidade de disponibilizar alguns
recursos, como sejam plataformas educativas (online), ligadas às áreas curriculares
leccionadas, lado a lado com websites de editoras que forneçam conteúdos associados aos
mesmos programas.
A disponibilização de bases de dados, catálogos e até mesmo documentos digitalizados na
íntegra e acessíveis online constituem outra forma de estabelecer e consolidar uma ligação
mais sólida com as bibliotecas, ultrapassando ao mesmo tempo eventuais constrições
físicas ao nível dos acessos. A extensão virtual da existência das bibliotecas surge assim
como outro modo de ampliar a sua influência fora de portas (físicas). Na mesma linha
integra-se a promoção de um acesso mais abrangente ao acervo da biblioteca, através de
quiosques electrónicos, estrategicamente localizados, e que mais uma vez dispensem a
deslocação ao espaço físico da biblioteca, reiterada a propósito de formas futuras de
funcionamento e atendimento das bibliotecas ao seu público:

penso que, num futuro próximo, a biblioteca deverá valorizar a cooperação e um acesso
mais abrangente, residindo o valor da coleção na sua acessibilidade e não no número de
exemplares. (Bibliotecas do Agrupamento de escolas de Melgaço)

a aquisição (em processo) de um quiosque electrónico para o espaço da biblioteca insere-se


nessa preocupação de alargar ofertas de consumos digitais e orientá-las. (Biblioteca da
Escola Secundária Domingos Sequeira)

há uma mudança significativa no conceito de biblioteca e esta tem que se adaptar: (...)
disponibilização online de o máximo de serviços da biblioteca, para que os utilizadores
possam tirar o máximo partido sem aí terem de se deslocar… (Biblioteca da Escola
Secundária de Arouca)

477
Por fim, neste quadro de acesso ampliado a recursos das bibliotecas escolares, defende-se
a criação de serviços mais personalizados de acordo com as necessidades específicas de
pesquisa de cada um. Ou seja, é de um processo de trabalho mais autónomo que aqui se
trata, e no entanto apoiado, se se desejar:

tratando-se de uma biblioteca escolar, considero que a sua missão se prende com a
melhoria da qualidade do acesso à informação, através da (1) formação dos utilizadores na
sua consulta e da (2) organização/disponibilização de informação com qualidade e
pertinência face ao contexto a que se destina, tendo também em atenção a articulação com
outros ciclos de ensino e os objetivos do Catálogo Interconcelhio. (Biblioteca da Escola
Secundária de Maria Lamas)

perspetivo, que na próxima década, se acentue a missão de desenvolvimento do domínio da


formação e apoio ao utilizador, e à leitura, com um atendimento cada vez mais
personalizado e de acordo com as necessidades individuais. Com elevada interação entre a
biblioteca e o utilizador (aluno ou professor, no caso da biblioteca escolar). Neste contexto,
as novas tecnologias têm, e irão ter, um papel fundamental porque potenciam a
aproximação e permitem a informação, interação... com o utilizador. Assim, a biblioteca
escolar tem que fazer parte, cada vez mais, da escola (um recurso de todos), estar equipada
e dotada de recursos humanos, que trabalhando em rede com outras bibliotecas, procuram
não só responder às solicitações da comunidade mas, também, perspetivar o futuro,
preparando-se para ele. (Biblioteca da Escola Secundária de Caneças)

Em suma, a missão, os públicos e consumos digitais futuros das bibliotecas escolares


podem ser mapeados a partir de um conjunto de ideias-chave como a virtualização das
bibliotecas, a digitalização de recursos e conteúdos informativos e de qualidade, a
promoção do acesso online, o emprego da tecnologia tirando partido das suas partículas de
portabilidade e interactividade, a literacia digital, os usos personalizados, autónomos e
críticos, a ampliação do conhecimento em última instância.

Tecnologias e literacias

Para que os processos acima prospectivados ganhem lastro, para além da necessidade de
coincidência entre oferta e procura de recursos, importará observar os usos efectivos, ou
seja os níveis de competência e literacia digital envolvidos. Eis porque muitos dos
responsáveis das bibliotecas referem como imperativa a aposta na formação dos principais
utilizadores destes recursos, os alunos. Contudo esta é uma preocupação extensiva aos
responsáveis das bibliotecas e aos professores, tanto mais que numa perspectiva
tradicional seriam eles os transmissores destas literacias; para que desempenhem esse
papel crucial, estes formadores terão de ser previamente formados:

478
contudo, uma BE com recursos analógicos como digitais atualizados e com uma equipa
multidisciplinar, organizada e ativa, será sempre uma motivação para levar os alunos à BE.
(Biblioteca da Escola Secundária Luís de Camões)

organização de equipas BE que contenham obrigatoriamente, pelo menos, um técnico


informático, capaz de atualizar constantemente o software, os recursos digitais criados ou a
criar e que esteja atualizado quanto às mais recentes inovações educativas digitais (…).
(Biblioteca da Escola Secundária de Nelas)

criação de equipas BE tecnologicamente preparadas para criarem e apoiarem os nossos


alunos, estando disponíveis à constante formação nesta área. (Biblioteca da Escola
Secundária de Nelas)

O discurso dos bibliotecários ao mesmo tempo que sugere o reconhecimento do peso


decisivo dos ecrãs no contexto futuro das bibliotecas, deixa transparecer a preocupação em
que se reoriente esta aliciante tecnológica para estritos objectivos de natureza pedagógica.
Este entendimento assim condicionado não deixa margem de manobra para um
manuseamento e descoberta livres dos recursos tecnológicos e das suas potencialidades
para lá das temáticas curriculares.

Com o intuito de integrar o uso dos iPads nas finalidades do projeto de desenvolvimento
das literacias, optámos, numa primeira fase, por formar os professores antes de
disponibilizar os equipamentos, na biblioteca, aos alunos. Tal opção prende-se com o
facto de não acreditarmos que o mero contacto dos jovens com as tecnologias melhore
as suas competências de informação, na perspetiva preconizada pelo currículo. A
orientação/acompanhamento dos alunos exigirá a preparação prévia dos docentes,
colocando-os a par dos rudimentos do funcionamento dos tablets e das potencialidades
pedagógicas destes dispositivos, tendo em atenção os modos pelos quais os alunos
aprendem. Assim, restringimos o empréstimo dos tablets aos professores, no âmbito da
formação em curso, e à Comunidade de Leitores, pelo que ainda não temos experiência
relativamente à utilização destes equipamentos pela generalidade dos alunos.
(Biblioteca da Escola Secundária de Maria Lamas)

Por outro lado, sem se darem conta, alguns bibliotecários ainda associam o perfil do aluno
aplicado e estudioso àquele que recorre preferencialmente a recursos ditos tradicionais,
em papel. “Trabalhar” parece conjugar-se com papel e livros enquanto o lazer chama e
alinha-se com o online.
E assim, como que se distinguem dois modos de estar nas bibliotecas escolares, não
comunicantes entre si: por um lado a preocupação com o desempenho escolar, em
obediência ao currículo, e os usos obrigatórios de recursos, mais formais, ligados sobretudo

479
ao papel; por outro, a acessibilidade, que é voluntária, a recursos digitais, orientada para a
vertente criativa e informal dos usos.
Com a tendência identificada de as bibliotecas se tornarem em centros de utilizações
digitais, contando com um apetrechamento mais completo de recursos, para que todos os
elementos se conciliem, é essencial que os responsáveis daquelas prestem atenção aos
usos livres com os ecrãs na medida em que estes representam formas de aquisição e
consolidação de competências digitais que se podem revelar importantes no contexto dos
usos sérios, pedagógicos, podendo reverter numa experiência digital mais envolvente e
enriquecedora. Este enquadramento futuro ainda está por considerar pelas bibliotecas,
talvez na medida em que exija uma alteração na mentalidade.

Principais linhas caracterizadoras das bibliotecas escolares

A análise dos discursos dos responsáveis pelas bibliotecas escolares permite traçar um
conjunto de linhas caracterizadoras destas instituições. Antes de mais configuram-se como
espaços dinâmicos e com capacidade e vontade de adaptação às necessidades das
comunidades em que se integram. Deste modo vão ampliando as áreas de intervenção e
tornando mais elaborados aspectos que já anteriormente integravam o seu core de
actuação;
Para além de servirem as comunidades escolares em primeiro lugar, também são acessíveis
a públicos externos às instituições de ensino a que pertencem.
Assinale-se a importância das bibliotecas nos hábitos quotidianos da população escolar,
enquanto centros privilegiados de estudo e pesquisa, apoiados por recursos necessários
mas também na qualidade de espaços sociais de convívio informal entre pares e de
promoção de actividades didácticas, culturais ou puramente lúdicas.
Atesta-se também o relevo da procura do livro e o papel decisivo das bibliotecas escolares
na promoção da leitura através de uma oferta variada e actualizada de títulos, articulada
com as necessidades curriculares e com os gostos dos seus públicos.
Ainda integrado no ponto anterior interessa destacar o cariz pioneiro da exploração da
leitura digital no contexto destas bibliotecas.
O aspecto acima mencionado compreende-se também à luz da preponderância que a
procura de recursos digitais representa no cômputo geral da oferta das bibliotecas,
sobretudo por parte do corpo discente. Hoje em dia, “ir à biblioteca” encontra no digital a
sua motivação mais intensa e recorrente.

Notas finais. Dos usos digitais – entre os legitimados e os ignorados

A propósito dos usos digitais e da leitura em novos suportes deixa-se um apontamento


final, em jeito de alerta: em regra, tanto nas bibliotecas municipais como nas escolares

480
pressente-se uma tensão entre o emprego, por crianças e jovens, de recursos digitais para
finalidades do estrito campo pedagógico e as restantes. Por “restantes” entende-se aqui
todas aquelas actividades que se desenvolvam num registo informal, associadas ao
entretenimento, comunicação, pesquisa voluntária em função de gostos e apetências de
cada qual. Aos olhos dos responsáveis pelas bibliotecas, as utilizações online que
extravasem a aprendizagem e o conhecimento em moldes formais são em regra
desvalorizadas. E no entanto tarefas como pesquisas online, jogos ou mesmo as interacções
que privilegiam a comunicação em redes sociais, implicam a leitura, a escrita, o apurar do
domínio de competências na área informática/tecnológica, muitas vezes numa base de
tentativa e erro, mas também de espírito crítico. Na prática, o trabalho de descoberta pura,
o querer saber como funciona um tablet com que nunca antes se trabalhou, as interacções
com os pares em redes sociais, os jogos online, o uso do email serão sempre as utilizações
mais procuradas pelos alunos e será também através delas que muitas competências
digitais irão emergir e concorrer para a consolidação da literacia digital dos mais novos.
O grande desafio para cuidadores reside em ser-se capaz de tomar consciência da
importância destes “usos pressentidos” mas quase sempre ignorados por quem dirige
bibliotecas, reconhecendo que os mais novos ganham um domínio sobre o digital através
destes processos autodidactas de descoberta. Mas, para além disso, implica ainda ser-se
capaz de tirar partido destas diferentes estratégias de envolvimento com o digital
integrando-as nas aprendizagens, tanto dos mais novos como dos adultos também.

481
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482
PARTE V

TECNOLOGIA, CIÊNCIA E O DESENVOLVIMENTO DIGITAL DO LIVRO

483
Os capítulos desta secção, consistindo em contributos de cariz muito distinto mas
todos eles, de uma ou de outra forma, entroncando na problemática da leitura digital,
consagram-se à análise das dimensões puramente tecnológicas da edição de livros
nesse suporte, ao modo como as tecnologias de informação e comunicação mudaram
a produção, circulação e consumo de artigos dentro da comunidade científica ou, por
fim, às perspectivas dos diferentes actores do sector nacional do livro no que diz
respeito à evolução para o formato e-book. Sumariamente, interessa reter que “o
mercado da edição digital de livros (…) tem vindo a percorrer um caminho muito
marcado por ciclos de desenvolvimento tecnológico que têm ditado o ritmo das
inovações, quer ao nível do campo da emissão como também ao nível da recepção dos
conteúdos”. Ou que a desmaterialização trazida pelo digital transforma as
modalidades de apropriação do livro, quer consoante as plataformas ou aplicações de
leitura quer segundo o gadget ou dispositivo de que se dispõe.
É porque esse processo a que, duas secções atrás, se chamou de digitalização da
leitura assume contornos de uma enorme abrangência social que vale a pena
compreender a dinâmica da relação entre as tecnologias digitais, as experiências de
acesso e as estratégias de produção de texto dos cientistas. Em traços grossos, e
salientado como “o crescente stock de conhecimentos disponível online, o
desenvolvimento de hardware e software científico, bem como a proliferação de
plataformas de colaboração, estruturam um novo contexto para o trabalho científico”
(a que os periódicos académicos se foram adaptando), acentua-se por exemplo a
existência de diferenças entre domínios científicos quanto à preferência demonstrada
pelos investigadores pela publicação em formato digital ou papel. Ademais, constata-
se que “os investigadores com menor acesso a publicações tendem a valorizar a
dimensão do acesso às publicações que escolhem para publicar o seu trabalho, bem
como a atribuir uma valorização positiva ao modelo Open Access”.
Já mediante o texto que fecha esta parte, com outro tipo de enfoque, é-se levado a
partir do que hoje caracteriza a paisagem editorial global em termos digitais para, de
seguida, perceber quais as expectativas, preocupações e desafios de vários actores
nacionais que participam na construção do fenómeno da leitura, a propósito das
transformações que tanto esta como o livro vêm sofrendo.

484
13

A tecnologia na edição digital

Ricardo Rodrigues

485
Tecnologias emergentes, sistemas operativos, ferramentas e formatos para o
desenvolvimento de livros digitais

Falar sobre tecnologia quando o momento da escrita difere do momento da


publicação, mesmo quando estes dois momentos ocorrem com um intervalo de tempo
muito curto, implica assumir o risco de que o capítulo que aqui se inicia possa
eventualmente necessitar de ser revisto numa próxima edição da presente obra. O
risco encontra fundamento por se tratar de um capítulo que pretende mapear um
conjunto de abordagens e escolhas tecnológicas no mercado da edição digital, uma
indústria marcada pela dinâmica circular de tentativa, erro e aprendizagem.
Na produção de um ebook, para consulta em dispositivos electrónicos
(computador pessoal, telemóvel, tablets, leitores de ebooks, consolas de videojogos
portáteis, etc.) as equipas de desenvolvimento criativo (editor, guionista, escritor,
revisor, etc.) e tecnológico (designer gráfico, ilustrador, animador, programador, editor
de áudio, editor de vídeo, etc.) percorrem um longo caminho feito de escolhas e
decisões, que orientam, modelam e definem o produto final. Este percurso, na maioria
das vezes, não é linear e pode assumir diferentes trajetos consoante as características
do produto que irá ser produzido, existindo na origem duas abordagens elementares
que definirão as escolhas seguintes e que podem ser designadas como uma
abordagem por conversão ou uma abordagem por produção de raiz.
Na abordagem por conversão existe um reaproveitamento do ficheiro digital,
criado inicialmente para servir de arte-final238 para a impressão e reprodução do livro
em suporte papel. Esta abordagem apresenta à partida um problema, reflexo de existir
um aproveitamento de um ficheiro que originalmente não foi criado e pensado para
apresentação do conteúdo do livro noutro suporte que não seja um meio impresso e
que só por si já apresenta um número grande de possibilidades e constrangimentos
(gramagem do papel, técnica de impressão, dimensão física do material a imprimir,
etc.) que são inerentes às características do suporte físico e à própria leitura e
manuseamento para este contexto de fruição do conteúdo.
Numa abordagem por produção de raiz a capacidade de controlar e
acompanhar o desenvolvimento do ebook é muito maior, porque o objecto livro passa
a ser pensado à luz das características materiais e imateriais das plataformas de
distribuição e de fruição do conteúdo deste livro em território digital. Assim, existe
uma maior propensão para a criação de livros de maior qualidade e uma oportunidade
maior para diferenciar e inovar, garantido que o conteúdo fica preparado para ciclos,
cada vez mais pequenos, de inovação tecnológica, em especial no que diz respeito ao
aparecimento de novos formatos, plataformas e dispositivos de leitura.
O mercado da edição digital de livros, à semelhança do que se verificou noutros
mercados que também cruzaram as fronteiras das chamadas novas tecnologias

238
Acabamento de um trabalho gráfico antes de seguir para publicação, impressão ou reprodução.

486
digitais, tem vindo a percorrer um caminho muito marcado por ciclos de
desenvolvimento tecnológico que têm ditado o ritmo das inovações, quer ao nível do
campo da emissão como também ao nível da recepção dos conteúdos. No campo das
tecnologias emergentes podemos destacar o ePaper (ou E-Ink) e a sua capacidade para
exibir o conteúdo de um livro eletrónico num ecrã com 16 níveis de cinzentos e/ou até
4096 cores; a intensificação do uso das últimas revisões das linguagens Web
Standards239, presentes no código fonte de qualquer página da World Wide Web e das
quais podemos destacar o HTML5 (HyperText Markup Language para marcação e
estruturação do conteúdo), as CSS3 (Cascading Style Sheets que definem os estilos de
apresentação do conteúdo) e o JavaScript (que define a interacção com esse mesmo
conteúdo). Estas linguagens são hoje assumidas como padrões estáveis e robustos no
desenvolvimento de páginas web. Neste contexto, pelas possibilidades que apresenta,
o HTML5 poderá estar prestes a ganhar o estatuto de padrão no futuro do
desenvolvimento de ebooks, na medida em que permite a escrita e o desenvolvimento
de um produto único para consulta a partir de um qualquer dispositivo,
contrariamente ao que acontece quando a abordagem passa pelo desenvolvimento de
múltiplas versões desse produto para distribuição em multiplataforma (Kindle, iOS,
Android, etc.), permitindo desta forma que as editoras possam cortar nos custos de
desenvolvimento.
No território da distribuição e armazenamento podemos destacar a chamada
computação na nuvem (Cloud Computing), que permite que sejam deslocados, dos
dispositivos usados pelos leitores, os processos de memória, capacidade de
armazenamento e outras funções associadas ao processamento de dados, movendo a
localização destes serviços para o lado dos servidores. Nesta desmaterialização física
dos ficheiros o leitor passa a ter acesso aos seus livros a partir de um qualquer
dispositivo, independentemente da plataforma que esteja a usar, do lugar no mundo
onde se encontra e da própria hora a que acede ou compra os seus livros, tendo como
único requisito a possibilidade de ligar-se à Internet para aceder ou descarregar os
seus ficheiros.
No desenvolvimento de hardware, destaque para os ecrãs de pequenos
formatos, que equipam os dispositivos de leitura (leitores de ebooks, tablets,
telemóveis de última geração e consolas de videojogos portáteis) e que registam uma
evolução a caminho da alta definição (exemplo da empresa Apple e os seus ecrãs
Retina Display), alcançada através do uso de sistemas com uma maior densidade de
píxeis (um número maior de píxeis) e em que, dada a proximidade entre cada píxel, o
olho humano tem dificuldade em distinguir ou não distingue individualmente cada um
a uma distância normal de visualização, o que melhora substancialmente o conforto da
leitura em ecrã.

239
São consideradas tecnologias Web Standards todos os standards e especificações técnicas, não
proprietários, que definem e descrevem aspectos relacionados com a World Wide Web.

487
Os dispositivos de leitura, na sua maioria, são vendidos equipados pelos
sistemas operativos de duas grandes empresas: a Google e o seu sistema Android,
actualmente na versão 4.4 (comercialmente designada por KitKat) e a Apple com o seu
sistema iOS que integra todos os seus dispositivos móveis (iPhone, iPad e iPod),
actualmente na versão 7. A Microsoft compete neste segmento de mercado com duas
versões, o sistema Windows RT e Windows 8. Os utilizadores que optarem por uma
opção de sistema baseado em código aberto (open source) têm à sua disposição
versões de sistemas Linux que equipam outros dispositivos comercializados por
algumas marcas. Neste mercado há ainda espaço para sistemas operativos que
marcam presença em alguns equipamentos disponíveis, dos quais podemos destacar o
WebOS240 (baseado em Linux, inicialmente desenvolvido pela Palm, que mais tarde
acabou por ser adquirida pela Hewlett-Packard e recentemente passou para o
portfolio da LG Electronics) ou o BlackBerry OS241, que equipa a linha de produtos da
marca BlackBerry, entre outros menos conhecidos e com taxas de utilização menores.
Depois de feitas as principais escolhas e decisões, as equipas de
desenvolvimento de um ebook têm à sua disposição um conjunto de ferramentas
(compostas por frameworks, bibliotecas de software e linguagens de programação)
para desenhar e programar o arquivo do livro digital. No quadro seguinte estão
reunidas e enunciadas algumas das ferramentas usadas no mercado de edição de
ebooks:

FERRAMENTA ESPECIFICAÇÕES

Encurtam o tempo no processo de produção ao


nível da escrita/programação do código.

Permitem exportar versões para múltiplas


Adobe ® Digital Publishing Suite242
plataformas (ePub, PDF, iOS, Android, etc.).
Adobe ® InDesign243
Ferramentas proprietárias.
Quark Publishing Platform244
São soluções que consomem mais recursos ao
nível do hardware dos dispositivos usados para a
produção do arquivo do livro digital.

Appcelerator ® 245 Permitem criar aplicações de uma forma muito


rápida e a baixo custo.
Adobe ® PhoneGap246

240
http://www.openwebosproject.org/
241
http://pt.blackberry.com/software.html?lid=pt:bb:software&lpos=pt:bb:software
242
http://www.adobe.com/pt/products/digital-publishing-suite-family.edu.html
243
http://www.adobe.com/pt/products/indesign.edu.html
244
http://www.quark.com/Products/Quark_Publishing_Platform/Default.aspx
245
http://www.appcelerator.com/
246
http://phonegap.com/

488
Um formato baseado nas linguagens de
247
ePUB programação XHTML, CSS e Javascript (apenas na
versão ePUB3).

Ferramentas desenvolvidas e fornecidas pela


Apple e Google para a criação de aplicações
nativas para serem usadas nos equipamentos
SDK (Software Development Kit) iOS248 e comercializados por estas duas empresas.
Android249
Estas ferramentas são baseadas nas linguagens
de programação HTML, CSS, Javascript, Objective-
C, etc.

Criação rápida e intuitiva.


Permite a criação de livros com layout fixo e
elementos multimédia.
iBook Author © 250
(Apple) Funciona apenas na aplicação para leitura iBooks
disponível nos dispositivos portáteis e
computadores da marca Apple (iPad, iPhone e
iPod Touch).

QUADRO 1 - Ferramentas para a criação de ebooks

A distribuição de ebooks pode ser feita directamente para uma plataforma


específica ou, em alternativa, para multiplataformas. Em qualquer uma das opções
feitas, é necessário ter em conta os formatos aceites pelas diversas plataformas
existentes. Cada formato apresenta características e formas de exibição do conteúdo
próprias que nem sempre são compatíveis com todos os dispositivos de leitura
disponíveis no mercado. O caminho para a interoperabilidade entre sistemas, que
preocupa igualmente outros sectores da indústria digital, também se verifica na
indústria dos ebooks, uma vez que quando um leitor, na maior parte das vezes,
adquire um ebook numa loja virtual de uma marca não pode ter acesso ao conteúdo
desse arquivo noutro dispositivo que esteja fora do ecossistema dessa marca. Desta
forma vê condicionada a possibilidade de ler esse ebook onde quiser, à hora que quer
e no dispositivo que mais lhe convenha, consequência da falta de interoperabilidade
entre formatos e plataformas.
Dos formatos disponíveis, destaque para o PDF (Portable Document File), a
grande preferência para a exibição de ebooks em computadores pessoais,
desenvolvido pela Adobe como o formato de eleição para impressão de arquivos e por
isso também reconhecido como um formato documental de excelência, permitindo a
exibição de textos, gráficos e imagens (independentemente do dispositivo usado e da
247
http://idpf.org/epub/30
248
https://developer.apple.com/devcenter/ios/index.action
249
http://developer.android.com/sdk/index.html
250
http://www.apple.com/ibooks-author/

489
resolução do respectivo ecrã). Esta exibição não está dependente de um software,
hardware ou sistema operativo específico, quer na criação do arquivo neste formato
como na própria exibição do conteúdo, o que faz dele uma opção segura, ágil e versátil
para a exibição de ebooks em qualquer uma das tipologias de dispositivos de leitura
disponíveis actualmente (computador pessoal, e-reader, tablet, smartphone, etc). A
grande desvantagem de publicar ebooks no formato PDF está na apresentação do
conteúdo dos arquivos, sujeita ao tamanho do ecrã ou formato para o qual foi criado,
não podendo o tamanho ser redimensionado, o que faz dele um formato fixo e “não
líquido”, no sentido em que a sua flexibilidade em adaptar-se a ecrãs de pequenos
formatos é diminuta ou inexistente, provocando graves problemas de usabilidade e
acessibilidade na experiência de utilização.
Ao ser usado como um formato pleno na criação de artes finais para impressão
em suporte papel, muitas vezes estes arquivos digitais são reaproveitados, pelas
editoras, na tentativa de diminuição de custos de produção, como produtos finalizados
para serem comercializados e distribuídos no ecossistema digital como ebooks. Este
processo não tem em consideração as características distintivas que separam o
suporte papel dos suportes digitais e os efeitos da remediação na passagem de um
suporte para outro.
Na procura de um formato padrão para a publicação de ebooks, o relevo vai
para um formato, considerado pela organização International Digital Publishing Forum
(IDPF)251 como sendo o “padrão” do mercado para a distribuição de publicações e
documentos digitais, designado como ePub (Electronic Publication). Pensado
essencialmente para a publicação de textos, na sua origem estão tecnologias Web
Standards, em concreto a tecnologia XML, baseado em três padrões de código aberto:
o Open Publication Structure (OPS), um documento XHTML, que entre outras
convenções, determina a estrutura da publicação e os estilos de apresentação
definidos por folhas de estilo em cascata (Cascading Style Sheets ou CSS); o Open
Packaging Format (OPF) que determina a estrutura do contentor (o documento XML);
e o Open Container Format (OCF), um arquivo comprimido num único ficheiro em
formato ZIP (um formato de compressão) com a extensão .pub onde estão alojados
todos os ficheiros que compõem a publicação (texto, imagens, etc.). Desta forma é
possível produzir e distribuir um único arquivo para publicação digital, que inclui três
padrões que tratam respectivamente da forma de apresentação do conteúdo, da sua
codificação e da forma que irá assumir a sua embalagem (o contentor) durante o
processo de distribuição e exibição.
Em termos de funcionalidades específicas para a apresentação do conteúdo,
este formato permite que o layout, que compõe o conteúdo no ecrã, se adapte à
largura disponível pelo tamanho e resolução do ecrã que integra o dispositivo que o
leitor está a usar para a leitura. Esta vantagem é em simultâneo uma desvantagem
para as editoras que assim ficam impossibilitadas de desenhar ebooks com layouts de

251
http://idpf.org/

490
largura fixa, que criam uma experiência de visualização sempre igual mesmo em
diferentes dispositivos de leitura, um requisito estético importante na paginação de
livros com muitos conteúdos gráficos (livros para crianças, livros de cozinha,
enciclopédias, etc.).
Na sua maioria, as empresas que fabricam dispositivos de tinta electrónica
apoiam este formato porque o conteúdo se adapta automaticamente ao tamanho do
ecrã dos dispositivos de leitura e porque, sendo este formato aberto, utiliza
codificação UNICODE, o padrão na indústria de computação usado como garantia para
uma correcta e consistente codificação, representação e manipulação do texto. Além
disso, vem incluído na maior parte dos sistemas de escrita usados no mundo, o que
aumenta a interoperabilidade entre software e hardware, garantido a compatibilidade
entre quase todos os dispositivos de leitura disponíveis no mercado.
A evolução deste padrão, aprovado e proposto pela IDPF como a especificação
recomendada em Outubro de 2011, e reconhecida pela International Publishers
Association (IPA)252 em Março deste ano como o formato aconselhado para a
produção de ebooks, designa-se por ePub 3.0. Esta nova especificação utiliza HTML 5 e
JavaScript (tecnologia responsável pelo suporte à interactividade nesta actualização do
padrão) que permite incluir no texto elementos multimédia (imagens, áudio e vídeo),
tabelas (que podem assumir um comportamento de auto-ajuste), hiperligações,
api’s253 de redes sociais, notas de rodapé e que incorpora as funcionalidades
relacionadas com a estética do layout presentes noutros formatos (KF8, Fixed Layout
EPUB e .ibooks).
Existe ainda um formato, baseado no formato ePub 2.0.1, conhecido como
ePub com Layout Fixo, que mantém as páginas e os gráficos em posição fixa como
sucede num arquivo em formato PDF. Este formato pode ainda conter animações,
narrações, vídeo e áudio, tornando recorrente a sua utilização em ebooks infantis ou
outras tipologias literárias onde a componente visual assuma uma importância
extrema. Esta variante, criada pela empresa Apple, assegura que existe uma
apresentação adequada dos elementos gráficos e ilustrações nos seus dispositivos
equipados com as últimas versões dos sistemas operativos OS X e iOS através da
aplicação de leitura iBooks. A desvantagem, para as editoras, está na limitação nos
formatos de media usados (resoluções, tamanhos de ficheiros, proporções de alguns
elementos, etc.).
À medida que a adopção pelo formato ePub 3.0 for crescendo, o formato da
Apple acabará por cair em desuso, uma vez que as suas funcionalidades singulares
estão agora cobertas pela nova versão do formato ePub.

252
http://www.internationalpublishers.org/
253
Application Programming Interface, conjuntos de rotinas e padrões estabelecidos por um software,
que permite a utilização das suas funcionalidades por aplicações que apenas pretendem usar os serviços
disponibilizados por este software. Ex.: implementação de sistemas de comentários da rede social
Facebook em páginas web de jornais.

491
Com a apresentação, em Janeiro de 2012, da aplicação de criação de ebooks
iBooks Author, a Apple oferece aos autores e editoras uma ferramenta para auto-
publicação. A partir desta ferramenta são criados arquivos em formato PDF ou no
formato proprietário da Apple cuja extensão é “.ibooks”, baseado no formato ePub
3.0, que apenas podem ser distribuídos através da loja virtual iBookstore proprietária
da marca.
A grande barreira à disseminação do ePub 3.0 prende-se com o facto de ainda
serem poucos os softwares e dispositivos de leitura que permitem a exibição desta
evolução no padrão ePub. Ainda assim, com a passagem do conteúdo de formatos
gráficos, onde o PDF é o exemplo perfeito, para linguagens de marcação, como por
exemplo o HTML, as editoras passam a ter os conteúdos dos livros que comercializam
disponíveis num formato que permite uma grande amplitude de processos de
transformação e reutilização e que não foi imposto por um software específico, na
maior parte das vezes proprietário.
No terreno dos formatos proprietários o relevo vai para o Mobi e AZW,
suportados nativamente pelos dispositivos Kindle da Amazon. O Mobi é o formato
original da plataforma Mobipocket que em 2005 foi adquirida pela Amazon e baseia-se
numa versão modificada da linguagem de marcação HTML. Ambos os formatos
impõem grandes limitações ao layout do livro e funcionam com DRM (Digital Rights
Management) proprietário que apenas permite a leitura nos dispositivos da Amazon.
Para competir no mercado dos conteúdos multimédia, a Amazon apresentou
recentemente o formato Kindle Format 8 - KF8 (ou AZW3), com mais recursos que
permitem acrescentar elementos multimédia e interactividade aos livros
comercializados nesta plataforma.
Nos casos em que os formatos apresentados anteriormente não cobrem ou
satisfazem todas as necessidades pretendidas para uma determinada obra existe uma
alternativa, que implica a distribuição sob a forma de aplicação (app). Com custos de
produção maiores, mais demorados e com múltiplos ciclos de vida, têm como grande
vantagem o facto de eliminarem a maior parte das limitações dos outros formatos, não
necessitarem de uma aplicação específica para a sua leitura e uma maior capacidade
de processamento de dados (que assume uma grande importância nos livros que
integram conteúdos multimédia e interacções complexas). As aplicações são na prática
um programa (software) que necessita de ser instalado no dispositivo do utilizador e
que por norma está ligada a uma plataforma que funciona como uma loja de
aplicações (exemplos: Google Play / Android ou AppStore / iOS). Podem ser escritas
em diversas linguagens e padrões e permitem incluir no livro áreas de scroll254 (texto e
imagem), slideshows, animações, imagens em perspectiva panorâmica, diferentes
níveis de navegação, recursos multimédia e interactivos (áudio, vídeo, hiperligações,
etc.). Se o caminho for o da distribuição de livros para multiplataformas esta opção de

254
Processo de deslocamento de conteúdo, no eixo vertical ou horizontal, no ecrã de um dispositivo
electrónico.

492
distribuição cria grandes desafios de produção na medida em que se torna necessário
dar suporte a plataformas distintas (iOS, Android, Blackberry, Web Browser, etc.).
Existem ainda muitos outros formatos, menos usados neste contexto, dos quais
podemos destacar o .TXT (um formato para ficheiros de texto que usam poucos
recursos de formatação, de fácil acesso por qualquer programa de leitura e/ou edição
de documentos de texto, e que por isso é tido como universal), .RTF (Rich Text Format,
um formato proprietário de arquivo de documentos desenvolvido pela Microsoft para
a troca de documentos entre aplicações diferentes, a maior parte dos processadores
de texto lê e permite criar/editar uma das muitas versões deste formato), .DOC (a
abreviatura da palavra “document” para a extensão de ficheiros criados por
processadores de texto, a Microsoft adoptou esta extensão para os ficheiros criados
originalmente no seu processador de texto Microsoft Word) e .DOCX (uma extensão
dos ficheiros criados no Microsoft Office baseado no formato XML), os formatos de
imagem JPEG, GIF, BMP e PNG, formatos de áudio como o MP3 e muitos outros de uso
ainda mais marginal.
Actualmente a tendência passa por uma aposta dos grandes grupos editoriais
na oferta de um mesmo produto em multiformatos, para que o utilizador possa desta
forma consultar o ebook em qualquer plataforma ou dispositivo (browser, aplicações
específicas de leitura para Apple e Android) consoante o contexto em que se encontra.
Apesar da polissemia de formatos existentes e das imposições dos fabricantes de
dispositivos e softwares de leitura, existem sinais de mudança no sentido de que cada
fabricante deixe de oferecer exclusivamente o seu próprio formato proprietário e
incorpore formatos abertos (ex.: ePub) com vista a permitirem uma fruição
multiplataforma das obras disponibilizadas. A grande vantagem de apoiar ou apropriar
um padrão passa pela diminuição do efeito “Torre de Babel”, que tem como principal
desvantagem a dificuldade que os leitores encontram na troca, de forma fácil e sem
que acarrete custos, dos arquivos que têm nos seus dispositivos.
Para contornar o problema da troca de arquivos entre
dispositivos/plataformas, os leitores têm à sua disposição softwares que permitem,
entre muitas outras tarefas comuns na edição de texto (justificar, alinhamento,
alteração do tipo de letra, enfatização, manipulação de margens, etc.), fazer a
conversão de formatos. Das opções disponíveis podemos destacar:

FERRAMENTA ESPECIFICAÇÕES

Software livre, converte qualquer arquivo em


PDF Creator formato .DOC, .TXT, .RTF, .HTML, etc. para
formato PDF.

Software livre, permite fazer gestão de


Calibre
bibliotecas e conversão para múltiplos formatos.

Stanza Software open source, permite converter

493
formatos .HTML, .PDF, .DOC e .RTF.

Um software web based255, que permite a


EPUB2GO
conversão de ficheiros .PDF para o formato ePub.

Software livre e open source, que permite a


Sigil
conversão de ficheiros .TXT e .HTML para o
formato ePub.

Um software que permite converter ficheiros


HTML, XHTML ou ePUB para os formatos
KindleGen
proprietários KF8 e Mobi da Amazon para serem
(Amazon)
usados nas aplicações e dispositivos de leitura
desta marca.

QUADRO 2 - Softwares para Conversão de Formatos

Plataformas e aplicações de leitura

A visualização do conteúdo de um ebook sofre ligeiras alterações consoante a


plataforma e/ou aplicação de leitura que o utilizador elege, em cada contexto ou em
cada dispositivo que utiliza, para aceder ao arquivo. A falta de consistência na
apresentação de conteúdos digitais entre plataformas diferentes não é um problema
que surge com o ebook. Esta situação também ocorre quando acedemos a uma página
web em browsers (ex.: Google Chrome, Firefox, Internet Explorer, Safari, etc.),
dispositivos (computadores pessoais, smartphones, tablets, consolas de videojogos,
etc.) e sistemas operativos (Windows, OS X, Linux, Android, iOS, etc.) diferentes. No
ecossistema dos ebooks este contratempo sofre um agravamento na escala pela
quantidade de opções para a leitura digital que estão disponíveis actualmente, onde o
número de dispositivos e de aplicações de leitura é multiplicado exponencialmente a
cada dia que passa.
A solução do problema pode passar por observar e analisar a forma como os
profissionais de Web Design e Web Development estão a trabalhar para resolver o
problema de falta de consistência das páginas web na infraestrutura Internet. Estes
profissionais começam a adoptar novos paradigmas no desenho e produção das
páginas web, que passam por colocar de lado as preocupações relacionadas com as
especificações do “ecrã” que irá apresentar o conteúdo, deslocando todas as atenções
para o conteúdo em si, que passa a ser encarado como uma matéria “líquida” que
pode ser apresentada em qualquer dispositivo e não está vinculada a um modelo único
de apresentação. Desta forma a “matéria” sofre variações e reconfigurações

255
Web Based - Softwares que não necessitam de instalação na memória física do dispositivo onde este
está a ser executado e funcionam directamente no browser web instalado nesse mesmo dispositivo,
mediante acesso a uma página web onde o software está armazenado.

494
consoante o dispositivo que a apresenta, assumindo materializações diversas
consoante o contexto e a “janela” que o utilizador escolhe usar, a cada momento do
dia para solicitar a apresentação do conteúdo de um determinado arquivo. Ficam
resolvidos os obstáculos levantados pela acessibilidade e usabilidade que o utilizador
encontrava no acesso a estes conteúdos, quando o acesso é feito pelo uso de um
dispositivo que não um computador pessoal (PC).
Esta mudança no paradigma de produção de páginas web começa a dar os
primeiro sinais positivos que podem ser confirmados pelo aumento do número de
acessos a páginas web provenientes de dispositivos de pequeno formato, como são
exemplo os telemóveis e as tablets, e que nos permite especular: poderá esta
alteração de metodologia de produção ser replicada e adoptada na produção e
distribuição de ebooks?
Na indústria da edição digital, a grande fatia da distribuição e comercialização
de livros está repartida por um número pequeno de distribuidores, que na sua maioria
se dedicam à venda generalista de livros. O modelo de negócio sofre pequenas
nuances que variam entre os projectos que apenas comercializam ebooks para leitura
em multiplataforma, passando para outros modelos que para além de possuírem as
suas lojas virtuais, são ainda detentores de catálogos de dispositivos e aplicações de
leitura. O quadro seguinte apresenta e sintetiza o modelo de negócio dos principais
actores deste mercado:

PLATAFORMA DESCRIÇÃO

Projecto256 pioneiro na distribuição de livros


digitais, fundado por Michael Hart, disponibiliza
Project Gutenberg múltiplos formatos, com preferência pelos
formatos abertos, gratuitos e/ou de utilização
livre.

Comercializa livros impressos e digitais em


formato próprio (Mobi e AZW) vendidos na sua
loja, Kindle Store, com DRM proprietário.
Amazon
Possui dispositivos próprios (gama Kindle e Kindle
Fire) e aplicações (Kindle Apps) para dispositivos
equipados com sistema operativo Android e para
todos os dispositivos da marca Apple.

A partir da sua loja, Google Play, comercializa


livros em formato ePub com DRM da Adobe.
Google
Os exemplares adquiridos nesta loja são
armazenados na nuvem, o que permite a leitura
em múltiplos dispositivos compatíveis e com

256
http://www.gutenberg.org/

495
acesso à Internet.

A leitura dos livros é permitida em todos os


dispositivos equipados com o sistema operativo
Android, dispositivos da marca Apple, mediante a
instalação de uma aplicação (Google Play Books
App) específica para o efeito, directamente no
browser de um qualquer computador ou num
dispositivo de eReader compatível.

A comercialização dos seus livros é feita através


de uma das suas lojas virtuais: iTunes Store,
iBooksstore e App Store, que trazem DRM próprio
e que restringe o uso dos mesmos aos
equipamentos comercializados por esta marca
(iPhone, iPad, iPod Touch, e computadores
pessoais equipados com o sistema operativo OS X
Mavericks).
Apple
Os livros adoptam o formato ePub e há ainda
exemplares (conhecidos por Enhanced eBooks257)
que utilizam uma versão modificada deste
formato de forma a incluir funcionalidades que
apenas podem ser usadas nos dispositivos da
marca e que acrescentam elementos multimédia,
hiperligações, interactividade, vídeo e áudio ao
texto.

A empresa detentora de uma das maiores cadeias


de livrarias a operar em território americano,
possui uma loja própria de venda de livros
digitais, a Nook Store, onde também são
comercializados equipamentos da marca Nook
(eReaders e Tablets). Os livros disponíveis são
Barnes & Noble258
distribuidos em formato ePub e utilizam DRM da
Adobe que podem ser usados nos dispositivos
Nook e noutras plataformas através da instalação
de aplicações de leitura gratuitas para iOS,
Android, Windows 8, Web browsers e consolas de
videojogos.

Funciona em simultâneo como loja e distribuidora


para comercialização de livros digitais em
formato ePub, com e sem DRM.
Kobo259 Tem uma linha própria de dispositivos eReader,
tablets e aplicações de leitura para outras
plataformas (iOS, Androi, Blackberry,
Computadores Pessoais).

257
Livros digitais interactivos com funcionalidades e recursos audiovisuais e multimédia.
258
http://www.barnesandnoble.com/u/nook/379003208
259
http://www.kobobooks.com/

496
Para além das aplicações de leitura
disponibilizadas pelos projectos e empresas que
distribuem e comercializam livros digitais, a
Adobe disponibiliza gratuitamente, para
computadores pessoais, o software Adobe Digital
Editions260. Este software permite a leitura de
livros online e offline (através do armazenamento
dos ficheiros no computador do utilizador)
Adobe
adquiridos noutras plataformas, em especial as
que utilizam DRM da Adobe.

Da lista de funcionalidades que disponibiliza


destaque para a possibilidade de organização e
gestão dos ebooks adquiridos numa biblioteca
pessoal e personalizada e ainda a possibilidade de
fazer anotações nas páginas desses livros.

QUADRO 3 - Plataformas de distribuição de livros digitais.

Neste mercado há ainda espaço para projectos com uma dimensão mais
pequena, dos quais podemos destacar a plataforma Smashwords261, dedicada a
autores, distribuidores e agentes literários independentes. Os livros adquiridos nesta
loja online podem ser usados em multidispositivos e estão disponíveis em formato
ePub, PDF e RTF para leitura em computadores pessoais, dispositivos Apple,
dispositivos equipados com sistema operativo Android, Sony Reader, Nook e Kobo, e
em formato Mobi para os dispositivos Kindle da Amazon. A Safari Books Online262
dedica-se ao mercado dos livros técnicos e tem um modelo de negócio baseado em
subscrições mensais que permitem o acesso a uma vasta biblioteca de livros em
formato ePub, PDF ou em HTML e que podem ser lidos directamente no browser ou
nas aplicações de leitura disponíveis para iOS, Adroid e Blackberry. A funcionar em
exclusivo na cloud (computação na nuvem) a Booki.sh263 comercializa ebooks que
podem ser lidos em qualquer lugar e a partir de um grande número de dispositivos,
desde que estes estejam equipados com as últimas versões dos browsers disponíveis
no mercado (Safari, Chrome, Firefox, Opera e Internet Explorer). Para plataformas
específicas (iOS e Android) há ainda a hipótese de instalar os livros nos dispositivos
como se de uma aplicação se tratasse. Do catálogo disponibilizado fazem parte livros
com e sem DRM que podem ser usados fora do software da Booki.sh disponibilizado
via browser (Web Based).

260
http://www.adobe.com/pt/products/digital-editions.html
261
https://www.smashwords.com/
262
http://www.safaribooksonline.com/
263
https://booki.sh/

497
Outra caminho a seguir é a especialização no território de uma língua, como foi
a estratégia da cadeia de livrarias Casa del Libro264. Fundada em 1923 em território
espanhol, lança a sua loja na Internet em 1996, que rapidamente se tornou líder na
venda de livros em língua castelhana pela capacidade de distribuição em cinco
continentes. Na sua entrada no território dos ebooks assumiu uma parceria com a
empresa Tagus para a comercialização de dispositivos de leitura (eReaders e tablets).
Os ebooks adquiridos nesta loja podem ser lidos online, sem ser necessário
descarregar previamente o ficheiro para o dispositivo, bastando para isso o uso de um
browser (Mozilla Firefox, Chrome e Safari). Em alternativa o utilizador pode
descarregar a aplicação Tagus App, disponível para equipamento com iOS e Android,
através das lojas Apple App Store e Google Play ou em outro qualquer dispositivo
compatível com o DRM da Adobe. Os formatos utilizados na comercialização dos livros
são o ePub e o PDF com e sem DRM.

Dispositivos: eReader e tablet

Actualmente, o hardware para leitura de livros digitais expandiu-se muito para


além do omnipresente computador pessoal e do dispositivo de leitura digital de
excelência - o eReader. Os smartphones, a que se seguiram as tablets e mais
recentemente o aparecimento das chamadas Smart TV, aumentaram as janelas
disponíveis para a leitura em ecrã. As Smart TV podem vir a constituir um trunfo
importante na entrada da leitura digital no conforto da sala de estar de qualquer lar
que esteja equipado com uma televisão com estas características, e que mimetizam as
funcionalidades e serviços já oferecidos pelas principais consolas de videojogos
(Playstation, Xbox e Wii), que através de uma ligação à Internet permitem o acesso a
lojas virtuais onde é possível comprar tudo aquilo que habitualmente já compramos
através do nosso computador pessoal ou dispositivos portáteis (música, filmes, jogos,
jornais, revistas e livros).
No acesso aos arquivos de leitura os dispositivos eReaders (ex.: Kindle) e as
tablets (ex.: iPad) são, em grande medida, os responsáveis pelo crescimento do
mercado de edição digital, pela suas características ergonómicas (que facilitam a sua
portabilidade e uso), pelos preços cada vai mais baixos a que são vendidos e pela
evolução nas tecnologias que estes suportam e que permitem uma leitura em ecrã
cada vez mais agradável. As grandes diferenças entre estas duas gamas de produtos
está, de forma geral, nas seguintes características:

264
http://www.casadellibro.com/

498
eReader Tablet

Ecrã a preto e branco ou


Ecrã a cores
ecrã a cores

Imagens e áudio Imagens, áudio, vídeos e animações

Simplicidade Sistemas operativos mais complexos

Portabilidade / mais leve Tamanhos maiores / mais pesados

Apenas para leitura.


Alguns modelos permitem a navegação na Multifunções
Internet.

Bateria: tempo útil mais longo Bateria: tempo útil mais curto

Preço baixo Preço alto

QUADRO 4 - Principais diferenças entre um dispositivo eReader e uma Tablet.

Os dispositivos eReader utilizam tecnologia de tinta electrónica, requisito base


para as vantagens que esta tipologia de dispositivo enuncia: maior legibilidade, uma
vez que simula a leitura feita em papel e consequentemente reduz o cansaço dos olhos
do leitor; a visualização no ecrã pode ser feita a partir de qualquer ângulo; existe um
baixo consumo de energia (os ecrãs não têm retroalimentação e o consumo de energia
só acontece quando há alteração da informação no ecrã do dispositivo) que permite o
uso prolongado do equipamento sem que haja necessidade de recarregar a bateria. No
outro extremo, a grande desvantagem dos equipamentos com estas características
está sobretudo ao nível da lentidão do varrimento de informação no momento da
passagem de uma página para outra. Assim, na hora de escolher um equipamento para
a leitura de ebooks, o utilizador deve ponderar as necessidades que pretende ver
satisfeitas: se procura apenas um dispositivo para leitura de livros e outras fontes de
informação um eReader pode ser a melhor opção, mas se para além da leitura, o
utilizador pretender adquirir um equipamento multifunções com capacidades de exibir
conteúdos multimédia, navegar na Internet, usar o serviço de e-mail, redes sociais,
etc., uma tablet é o equipamento ideal para colmatar todas estas necessidades.
Na compra de um equipamento portátil para leitura há muitos outros factores
a ter encontra, no momento de escolher uma das opções disponíveis no mercado,
como por exemplo, se o acesso à informação é feito através de um ecrã táctil (onde os
menus e opções são activados com os dedos ou um apontador), de botões físicos que
manipulam as diferentes tarefas e funcionalidades do dispositivo; a dimensão e o
peso; a bateria; a memória (se possui apenas memória interna ou tem a possibilidade
de expandir o armazenamento de arquivos através de uma memória externa); os
formatos de leitura aceites pelos dispositivos (PDF, ePub, FB2, RTF, TXT, HTML, PRC,

499
JPG, MP3, etc.) e se utiliza ou não DRM; a conectividade (USB, Blutooth, WiFi, 3G, 4G,
etc.); as ligações que estão disponíveis (SD, MMC, USB 2.0, etc.); se tem saída para o
uso de auricular; a capacidade do processador; a compatibilidade com sistemas
operativos (Mac, Windows, etc.). A somar a estas características existem outras duas
que são cruciais na escolha, de entre a oferta existente no mercado, o sistema
operativo (Linux, Android, iOS, Windows RT e 8, etc.) e o tamanho e a resolução do
ecrã. O quadro seguinte enuncia os principais dispositivos presentes neste mercado
concorrido:

EQUIPAMENTO ESPECIFICAÇÕES

● Wi-Fi;
● Ecrã 6’’ sem retroiluminação, textos ou
gráficos em escala de cinzentos (oscilam
entre os 4 e os 16 níveis);
● Incorpora a tecnologia de tinta
electrónica (e-Ink);
Kindle ● Armazenamento interno de 2GB e
(eReader) possibilidade de armazenamento na
Cloud;
● Possui um formato e DRM próprio;
● Navegação: 5 botões físicos que
controlam todas as funcionalidades do
dispositivo.

● 3G e Wi-Fi;
● Ecrã 6’’, sem retroiluminação, textos ou
gráficos em escala de cinzentos (oscilam
entre os 4 e os 16 níveis);
● Incorpora a tecnologia de tinta
Kindle Keyboard 3G
electrónica (e-Ink);
(eReader)
● Armazenamento interno de 4GB e
possibilidade de armazenamento na
Cloud;
● Áudio: altifalantes estéreo;
● Navegação: teclado com botões físicos.

● Wi-Fi + 3G ou versão apenas com Wi-Fi;


● Ecrã com iluminação própria de 6’’;
Kindle Paperwhite ● Armazenamento interno de 2GB e
(eReader) possibilidade de armazenamento na
Cloud;
● Navegação: ecrã multi-toque.

● Versão 4G + Wi-Fi e versão apenas com


Kindle Fire HD 8.9’’ Wi-Fi;
(Tablet) ● Ecrã LCD de alta definição com 8.9’’ e
1920x1200 de resolução;

500
● Armazenamento interno de 32GB ou
64GB na versão com 4G e 16GB ou 32GB
na versão apenas com Wi-Fi,
possibilidade de armazenamento na
Cloud;
● Áudio: altifalantes estéreo;
● Navegação: ecrã multi-toque.

● Wi-Fi;
● Ecrã LCD de alta definição com 7’’ e
1280x800 de resolução;
Kindle Fire HD ● Armazenamento interno de 16GB ou
(Tablet) 32GB, possibilidade de armazenamento
na Cloud;
● Áudio: altifalantes estéreo;
● Navegação: ecrã multi-toque.

● Wi-Fi;
● Ecrã LCD com 7’’ e 1024x600 de
resolução;
Kindle Fire ● Armazenamento interno de 8GB,
(Tablet) possibilidade de armazenamento na
Cloud;
● Áudio: altifalantes estéreo;
● Navegação: ecrã multi-toque.

● Wi-Fi;
● Ecrã com iluminação própria de 6’’,
resolução 1024x768 e 16 níveis de escala
de cinzentos;
● Incorpora tecnologia de tinta electrónica
(e-Ink);
Kobo Glo
● Micro USB;
(eReader)
● 2GB de armazenamento;
● Navegação: ecrã táctil e botões físicos
para ligar/desligar e ligar/desligar luz.
● Suporta os formatos: ePub, PDF, JPEG,
GIF, PNG, TIFF, TXT, (X)HTML, RTF, CBZ,
CBR e DRM da Adobe.

● Wi-Fi;
● Ecrã de 6’’, resolução 800x600 e 16 níveis
de escala de cinzentos;
● Incorpora tecnologia de tinta electrónica
(e-Ink);
Kobo Touch
● USB;
(eReader)
● 2GB de armazenamento;
● Navegação: ecrã táctil e botão físico;
● Suporta os formatos: ePub, PDF e Mobi,
JPEG, GIF, PNG, BMP, TIFF, TXT, HTML,
RTF, CBZ e CBR.

501
● Wi-Fi;
● Ecrã de 5’’, resolução 800x600 e 16 níveis
em escala de cinzentos;
● Incorpora tecnologia de tinta electrónica
(e-Ink);
Kobo Mini ● Micro USB;
(eReader) ● Navegação: ecrã táctil e botões físicos
para ligar e desligar o dispositivo.
● 2GB de armazenamento.
● Suporta os formatos: ePub, PDF, JPEG,
GIF, PNG, TIFF, TXT, (X)HTML, RTF, CBZ,
CBR e DRM da Adobe.

● Wi-Fi;
● Ecrã com iluminação própria de 6’’,
resolução 1024x768 e 16 níveis de escala
de cinzentos;
● Incorpora tecnologia de tinta electrónica
(e-Ink);
Kobo Aura ● Micro USB;
(eReader). ● 4GB de armazenamento (até 32GB com
cartão MicroSD);
● Navegação: ecrã táctil e botões físicos
para ligar/desligar e ligar/desligar luz.
● Suporta os formatos: ePub, PDF, Mobi,
JPEG, GIF, PNG, TIFF, TXT, (X)HTML, RTF,
CBZ, CBR e DRM da Adobe.

● Wi-Fi;
● Ecrã de 7’’, resolução de alta definição
com 1280x800, exibição de 16.4 milhões
de cores;
● Câmara frontal;
● Micro USB;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: modelos de 16GB,
Kobo Arc 32GB e 64GB.
(Tablet) ● Áudio: dois altifalantes frontais;
● Navegação: ecrã multitoque, sensores de
toque e botões físicos para ligar/desligar
e controlo de volume.
● Sistema Operativo: Android 4.0.
● Suporta os formatos: ePub (incluindo
layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3,
AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg,
wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8.

● Wi-Fi;
Kobo Arc7 ● Ecrã de 7’’ com 1024x600 de resolução;
(Tablet) ● Câmara frontal;
● Bluetooth;

502
● Micro USB;
● Saída Micro HDMI;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: 8GB (expansíveis até
32GB com cartão microSD);
● Áudio: dois altifalantes frontais;
● Navegação: ecrã táctil, sensores de toque
e botões físicos para ligar/desligar e
controlo de volume;
● Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz
ambiente;
● Sistema Operativo: Android 4.2.2 Jelly
Bean;
● Suporta os formatos: ePub (incluindo
layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3,
AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg,
wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8.

● Wi-Fi;
● Ecrã de 7’’ com 1920x1200 de alta
resolução;
● Câmara frontal;
● Bluetooth;
● Micro USB;
● Saída Micro HDMI;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: versão 16GB e 32GB;
● Áudio: dois altifalantes frontais;
Kobo Arc7 HD
● Navegação: ecrã multi-toque, sensores de
(Tablet)
toque e botões físicos para ligar/desligar
e controlo de volume.
● Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz
ambiente.
● Sistema Operativo: Android 4.2.2 Jelly
Bean;
● Suporta os formatos: ePub (incluindo
layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3,
AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg,
wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8.

● Wi-Fi;
● Ecrã de 10.1’’ com 2560x1600 de alta
resolução;
● Câmara frontal;
● Bluetooth;
Kobo Arc10 HD
● Micro USB;
(Tablet)
● Saída Micro HDMI;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: 16GB;
● Áudio: dois altifalantes frontais e
microfone;

503
● Navegação: ecrã multi-toque, sensores de
toque e botões físicos para ligar/desligar
e controlo de volume;
● Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz
ambiente;
● Sistema Operativo: Android 4.2.2 Jelly
Bean;
● Suporta os formatos: ePub (incluindo
layout fixo), JPG, PNG, GIF, BMP, MP3,
AAC, AAC+, 3gp, mp4, m4a, flac, ogg,
wav, mid., webm, H.263, H.264 e VP8.

● Wi-Fi;
● Ecrã 6’’ com 600x800 de resolução e 16
níveis de escala de cinzentos;
● Incorpora a tecnologia de tinta
electrónica (e-Ink);
Nook Simple Touch ● Armazenamento interno de 2GB
(Barnes & Noble) (possibilidade de expandir até 32GB a
(eReader) partir de um cartão microSD);
● Micro USB;
● Navegação: ecrã de toque e um botão
físico;
● Suporta os formatos: ePub, PDF, JPG, GIF,
PNG e BMP.

● Wi-Fi;
● Ecrã com iluminação própria de 6’’ com
600x800 de resolução e 16 níveis de
escala de cinzentos;
● Incorpora a tecnologia de tinta
Nook Simple Touch electrónica (e-Ink);
GlowLight ● Armazenamento interno de 2GB
(Barnes & Noble) (possibilidade de expandir até 32GB a
(eReader) partir de um cartão microSD);
● Micro USB;
● Navegação: ecrã de toque e um botão
físico;
● Suporta os formatos: ePub, PDF, JPG, GIF,
PNG e BMP.

● Wi-Fi;
● Ecrã de 7’’ com 1440x900 de alta
resolução;
Nook HD ● Micro USB;
(Barnes & Noble) ● Bluetooth;
(Tablet) ● Entrada para auscultadores;
● MicroSD;
● Armazenamento: versão de 8GB e 16GB;
● Áudio: dois altifalantes;

504
● Navegação: ecrã multi-toque e um botão
físico;
● Sistema Operativo: Android;
● Suporta os formatos: PDF, ePub, DRP,
ePIB, FOLIO, OFIP, CBZ, TXT, RTF, XLS,
DOC, PPT, PPS, PPSX, DOCX, XLSX, PPTX,
LOG, CSV, EML, ZIP, MP4, M4A, 3GP, AAC,
MP3, FLAC, WAV, OGG, AMR, WEBM,
JPEG, GIF, PNG e BMP.

● Wi-Fi;
● Ecrã de 9’’ com 1920x1280 de alta
resolução;
● Micro USB;
● Bluetooth;
● Entrada para auscultadores;
● MicroSD;
● Armazenamento: versão de 16GB e 32GB;
Nook HD+
● Áudio: dois altifalantes;
(Barnes & Noble)
● Navegação: ecrã multi-toque e um botão
(Tablet)
físico;
● Sistema Operativo: Android;
● Suporta os formatos: PDF, ePub, DRP,
ePIB, FOLIO, OFIP, CBZ, TXT, RTF, XLS,
DOC, PPT, PPS, PPSX, DOCX, XLSX, PPTX,
LOG, CSV, EML, ZIP, MP4, M4A, 3GP, AAC,
MP3, FLAC, WAV, OGG, AMR, WEBM,
JPEG, GIF, PNG e BMP.

● Versão com Wi-Fi + 3G e versão apenas


com Wi-Fi;
● Ecrã LED de 9.7’’ com 1024x768 de alta
resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● Bluetooth;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: 16GB;
● Áudio: dois altifalantes e microfone;
● Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz
Apple iPad 2 ambiente;
(Tablet) ● Navegação: ecrã multi-toque e botões
físicos (Home, ligar/desligar, volume e
silêncio/bloqueio de rotação;
● Sistema Operativo: iOS7;
● Suporta os formatos: AAC, Protected
AAC, HE-AAC, MP3, MP3 VBR, AAX, AAX+,
AIFF, WAV, H.264, m4v, mp4, mov,
MPEG-4, M-JPEG, avi, jpg, tiff, gif, doc,
docx, htm, html, key, numbers, pages,
pdf, ppt, pptx, txt, rtf, vcf, xls, xlsx, zip,
ics, ePub e ibooks.

505
● Versão com Wi-Fi + Rede celular e versão
apenas com Wi-Fi;
● Ecrã LED de 7.9’’ com 2048x1536 de alta
resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● Bluetooth;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: versões 16GB, 32GB,
64GB e 128GB;
● Áudio: dois altifalantes e microfone;
● Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz
Apple iPad Mini
ambiente;
(Tablet)
● Navegação: ecrã multi-toque e botões
físicos (Home, ligar/desligar, volume e
silêncio/bloqueio de rotação;
● Sistema Operativo: iOS7;
● Suporta os formatos: AAC, Protected
AAC, HE-AAC, MP3, MP3 VBR, AAX, AAX+,
AIFF, WAV, H.264, m4v, mp4, mov,
MPEG-4, M-JPEG, avi, jpg, tiff, gif, doc,
docx, htm, html, key, numbers, pages,
pdf, ppt, pptx, txt, rtf, vcf, xls, xlsx, zip,
ics, ePub e ibooks.

● Versão com Wi-Fi + Rede celular e versão


apenas com Wi-Fi;
● Ecrã LED de 9.7’’ com 2048x1536 de alta
resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● Bluetooth;
● Entrada para auscultadores;
● Armazenamento: versão de 16GB, 32GB,
64GB e 128GB;
● Áudio: dois altifalantes e microfone;
● Sensores: giroscópio, acelerómetro e luz
Apple iPad Air
ambiente;
(Tablet)
● Navegação: ecrã multi-toque e botões
físicos (Home, ligar/desligar, volume e
silêncio/bloqueio de rotação;
● Sistema Operativo: iOS7;
● Suporta os formatos: AAC, Protected
AAC, HE-AAC, MP3, MP3 VBR, AAX, AAX+,
AIFF, WAV, H.264, m4v, mp4, mov,
MPEG-4, M-JPEG, avi, jpg, tiff, gif, doc,
docx, htm, html, key, numbers, pages,
pdf, ppt, pptx, txt, rtf, vcf, xls, xlsx, zip,
ics, ePub e ibooks.

● Versão Wi-Fi + 3G e versão apenas com


Samsung Galaxy Note
Wi-Fi;
(Tablet)
● Ecrã WQXGA TFT de 10.1’’ com 1280x800

506
de resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● USB e Micro USB;
● Bluetooth;
● Armazenamento: versão 16GB e 32GB
(possibilidade de expandir até 64GB a
partir de um cartão microSD);
● Sistema Operativo: Android 4.3, Jelly
Bean;
● Sensores: acelerómetro, geo-magnético e
luz;
● Navegação: Ecrã de toque;
● Suporta os formatos: MP3, M4A, AAC,
WMA, ASF, OGG, FLAC, AMR, WAV, MID,
XMF, MXMF, iMY, RTTTL, RTX, OTA, AAC,
AAC+, eAAC+, WMA, AVI, MP4, M4V,
3GP, MKV, WMV, ASF, FLV, WEBM,
H.263, H.264, VC-1, VP8, GIF, AGIF, JPEG,
PNG, BMP, WBMP e WEBP.

● Versão Wi-Fi + 3G e versão apenas com


Wi-Fi;
● Ecrã WSVGA TFT de 7’’ com 1024x600 de
resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● Entrada para auscultadores;
● USB e micro USB;
● Armazenamento: versão 8GB e 16GB
(possibilidade de expandir até 64GB a
partir de um cartão microSD);
Samsung Galaxy Tab 3 ● Sistema Operativo: Android 4.1.2, Jelly
(Tablet) Bean;
● Sensores: acelerómetro, geo-magnético,
luz e de proximidade;
● Navegação: ecrã de toque e botão físico;
● Suporta os formatos: MP3, M4A, AAC,
WMA, ASF, OGG, FLAC, AMR, WAV, MID,
XMF, MXMF, iMY, RTTTL, RTX, OTA, AAC,
AAC+, eAAC+, WMA, AVI, MP4, M4V,
3GP, MKV, WMV, ASF, FLV, WEBM,
H.263, H.264, VC-1, VP8, GIF, AGIF, JPEG,
PNG, BMP, WBMP e WEBP.

Microsoft Surface 2 ● Wi-Fi;


(Tablet) ● Ecrã de 10.6’’ com 1920x1080 de

507
resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● Entrada para auscultadores;
● Bluetooth;
● USB;
● MicroSD;
● Saída de vídeo HD;
● Armazenamento: versão 32GB e 64GB;
● Áudio: altifalante estéreo e dois
microfones;
● Sistema operativo: Windows RT 8.1;
● Sensores: acelerómetro, giroscópio,
magnetómetro e luz ambiente;
● Navegação: ecrã multi-toque e botões
físicos (aumentar/reduzir volume e
ligar/desligar).

● Wi-Fi;
● Ecrã de 10.6’’ com 1920x1080 de
resolução;
● Câmara frontal e posterior;
● Entrada para auscultadores;
● Bluetooth;
● USB;
● MicroSDXC;
Microsoft Surface Pro 2 ● Mini DisplayPort;
(Tablet)
● Armazenamento: versão 64GB, 128GB,
25GB e 512 GB;
● Áudio: altifalante estéreo e microfone;
● Sistema operativo: Windows 8.1 Pro;
● Sensores: acelerómetro, giroscópio,
magnetómetro e luz ambiente;
● Navegação: ecrã multi-toque e botões
físicos (volume e ligar/desligar).

QUADRO 5 - Os principais dispositivos no mercado dos eReaders e Tablets.

Sistema de Protecção DRM (Digital Right Management)

De forma a controlar a livre circulação de ebooks entre plataformas distintas,


existem sistemas de protecção conhecidos por Digital Right Management (DRM). As
principais empresas a actuar neste mercado desenvolveram estratégias que passam

508
pela criação de ecossistemas fechados, sustentados a partir de hardware (dispositivos
de leitura) e software proprietários (lojas virtuais, formatos e DRM) que impedem a
exportação e importação de ficheiros entre ecossistemas diferentes. Este é o modelo
usado pelos principais actores deste mercado, em especial a Amazon e a Apple, que
encerram dentro do território dos seus ecossistemas os exemplares comercializados e
que limitam o uso que um leitor pode fazer do arquivo que adquiriu a partir das lojas
virtuais destas duas marcas. Assim, o leitor vê restringida a possibilidade de escolher o
dispositivo que mais lhe convém para fazer a leitura do livro que adquiriu, uma vez que
este aquivo apenas pode ser usado nos dispositivos ou aplicações de leitura
comercializados por estas marcas.
Estas restrições assumem diferentes formas: criação de formatos de arquivo
proprietários (AZW, MOBI ou ibooks), alterações feitas a formatos existentes (como
por exemplo o ePub com Layout Fixo) e que apenas são compatíveis com os
dispositivos ou aplicações de leitura que certas marcas comercializam ou uso de
tecnologias que permitem criar sistemas de protecção de direitos de autor e de anti-
cópia. Estes últimos são materializados em sistemas que permitem encriptação da
informação concertada entre software e hardware, que é depois incorporada nos
arquivos de ebooks e em alguns casos no próprio hardware utilizado para a leitura
destes arquivos (um dispositivo de leitura pode inclusive conter múltiplos sistemas de
DRM para os múltiplos formatos a que dá suporte).
Para o utilizador leitor a experiência de compra e uso de um ebook devia estar
próxima daquilo que acontece com um livro impresso e assumir-se como uma tarefa
simples e agradavél de concretizar. Na realidade o que acontece, na maior parte das
ocasiões, é que ao efectuar a compra de um título é feita uma restrição à leitura desse
arquivo a um determinado utilizador ou, em alternativa, a um número limitado de
dispositivos onde pode ser usado, o que dificulta uma experiência de utilização plena,
agradável e que leva o consumidor a questionar-se sobre o porquê de proteger um
arquivo pelo qual pagou? A resposta a esta questão passa pela justificação de
estabelecer os usos permitidos do título adquirido e dos direitos sobre a obra digital e
a sua distribuição.
Existem vários sistemas de DRM que partilham entre si a maior parte das
seguintes características:

● aplicam-se a conteúdos intelectuais ou criativos em formato digital;


● estabelecem quem ou o que pode aceder às obras e em que condições;
● autorizam ou restringem o acesso à obra ou a alguma(s)
funcionalidade(s);
● é o fornecedor da obra que estabelece as condições de acesso;
● reduz as possibilidades de proliferação de cópias ilegais;
● facilita o acesso, em tempo real, às estatísticas de download e usos de
um arquivo digital (o que acaba por ajudar na determinação do preço);

509
● à semelhança do que acontece com os formatos ainda não há um
padrão e a sua codificação varia consoante a empresa que o desenha.

Dos sistemas existentes, destaque para os exemplos enunciados no quadro seguinte:

SISTEMA DE DRM CARACTERÍSTICAS

● Um dos sistemas mais utilizados.


● Permite a compra e gestão de downloads
de ebooks e outras publicações digitais
com DRM.
● Usado por múltiplas empresas (ex.:
Barnes & Noble) para protegerem
principalmente conteúdos em formato
ePub.
Adobe Digital Experience Protection Technology ● Pode ser aplicado aos formatos PDF,
(ADEPT) ePub e Flash.
● O sistema DRM pode ser lido a partir do
software de leitura Adobe Digital Edition
desenvolvido pela própria Adobe e por
outros softwares de leitura de outras
empresas.
● Permite que os utilizadores possam
trocar arquivos entre o máximo de seis
computadores.

● Baseado no sistema de DRM


desenvolvido pela empresa Mobipocket.
● Aplicado a todos os ebooks
disponibilizados através da loja virtual
Kindle Store, normalmente no formato
KF8.
● Estes ebooks apenas podem ser usados
Amazon nos dispositivos Kindle ou nas aplicações
de leitura disponibilizadas pela Amazon
para outros dispositivos.
● Desde Janeiro de 2011 que a Amazon
permite que os utilizadores possam
transferir um livro, por um período
limitado de tempo, para outro utilizador
da plataforma da Amazon.

● Sistema DRM aplicado a todos os


conteúdos vendidos na loja virtual
iBookstore, compatível com os formatos
ePub, .ibooks e Apple Epub Layout Fixo.
Apple FairPlay
● Todos os livros distribuídos através da
loja iBookstore, apenas podem ser usados
nos dispositivos e software de leitura
proprietário da Apple.

510
● A empresa permite a importação de
arquivos ePub e PDF de outros
dispositivos e aplicações de leitura.
● Permite o uso de um título
simultaneamente em 5 dispositivos
autorizados pelo utilizador.

QUADRO 6 - Lista dos principais sistemas de DRM existentes.

Serviços de auto-publicação

Para quem pretende editar um ebook, mas não tem possibilidades de o fazer
através de uma editora, no mercado da edição digital têm surgido empresas que se
dedicam à criação de plataformas e ferramentas para auto-publicação de conteúdos.
Estes serviços prestam informações claras sobre os aspectos técnicos da produção de
um ebook, disponibilizam ferramentas para a construção do arquivo do livro digital
(paginação, formatação, autoria e exportação), e podem ainda oferecer acesso a um
canal de distribuição, que pode passar pelas principais lojas virtuais existentes como a
Amazon, iBookstore, Barnes & Noble, entre outras. Há ainda empresas que procuram
diversificar o seu portfolio e apresentam serviços especializados, tais como:
consultoria editorial, conversão profissional (para livros com muitos conteúdos
gráficos, notas de rodapé, etc.) e promoção de livros (criação e distribuição de press-
releases, book trailer e banners promocionais).
Dos serviços existentes apresentamos em seguida os mais populares:

SERVIÇO CARACTERÍSTICAS

● Conversão de formatos DOC, DOCX, RTF e


formatos ODT para o formato ePub, com
e sem DRM.
● Criação de capa e ISBN (International
Standard Book Number).
● Integração em plataformas de
distribuição (lulu.com, iBookstore e
Lulu265 Barnes & Noble Nook Store).
● Existem preços para vários planos de
serviços.
● 10% do preço de venda do livro fica para
a empresa.
● Serviços especializados: design gráfico da
capa e ilustrações, edição, serviço de
relações públicas, escrita de comentários,

265
http://www.lulu.com/

511
opiniões e resenhas do livro, criação de
suportes de divulgação (website, book
trailer, vídeo com entrevista com o autor,
etc.) e divulgação em feiras do livro.
● Serviço de publicação em formato papel.

● Conversão do formato DOC (Word) para


ePub.
● Possibilidade de escolher uma capa e
criação de ISBN.
● Integração em plataformas de
distribuição de ebooks da editora e das
principais lojas virtuais internacionais
Escrytos266
(Amazon, Kobo, iBookstore, Barnes &
(Leya)
Noble, etc).
● A criação do livro é gratuita mas existem
serviços pagos (parecer editorial, edição,
revisão e promoção - press releases, book
trailer, etc.)
● 75% do preço líquido de venda do livro
fica para a Leya.

● Conversão a partir dos formatos PDF,


DOC e PPT para PDF e ePub (serviço
pago).
● Publicação em papel (tecnologia Print On
Bubok267 Demand) ou em formato digital.
● A criação do livro é gratuita.
● O autor decide o formato, o preço e se o
livro é de utilização pública ou privada.
● O autor recebe 80% do lucro das vendas.

● Um software, distribuído gratuitamente


pela Apple através da sua loja virtual Mac
App Store, que permite a criação de
ebooks para dispositivos iPad e
computadores Mac.
● Permite criar de forma rápida textos,
galerias, diagramas interactivos, objectos
iBooks Author268 3D, expressões matemáticas, formas,
(Apple) gráficos, tabelas e ainda a possibilidade
de adicionar vídeo, aúdio e propriedades
de interacção aos diferentes elementos
que compõem cada página.
● Permite criar paginações de raiz mas
também oferece um conjunto de
modelos de página pré-feitas (templates)
prontas a serem preenchidas com

266
http://www.escrytos.com/
267
http://www.bubok.com/
268
http://www.apple.com/ibooks-author/

512
conteúdo.
● Os aquivos de ebooks criados a partir
desta plataforma podem ser
disponibilizados a partir de um servidor
privado, enviados por e-mail ou
submitidos na loja virtual iBookstore para
venda ou download gratuito.

● Conversão a partir de formatos DOC,


DOCX, HTM, HTML, ZIP, MOBI, ePub RTF
e TXT e formato PDF.
● A criação do livro é gratuita.
● Oferece um conjunto de ferramentas que
permitem fazer a produção do arquivo do
livro digital e ferramentas para promoção
Kindle Direct Publishing Program269 dos livros publicados.
(Amazon) ● Os eBooks são vendidos na loja virtual
Amazon Kindle Store e podem ser usados
nos dispositivos e aplicações de leitura
Kindle.
● O autor ganha 35% das vendas (direitos
de autor) e existe a opção de receber 70%
das vendas com royalties, se o título for
exclusivo para a plataforma Kindle.

A “Fan Fiction”271 é um fenómeno exponenciado


pelo digital e um dos elementos centrais das
narrativas transmédia. Aproveitando o sucesso
deste fenómeno a Amazon decidiu lançar a sua
própria plataforma de auto-publicação
especializada neste subgénero literário.

A Amazon já assegurou algumas licenças


necessárias para a criação de novas histórias (Ex.:
Kindle Worlds270 Goosip Girl, Pretty Little Liars e The Vampire
(Amazon) Diaries, Silo Saga, Kurt Vonegut, Harbinger,
Shadowman, etc.).

O autor escolhe umas destas histórias já


licenciadas, lê as orientações do conteúdo para
esse licenciamento e pode escrever a sua própria
história e colocá-la à venda nesta plataforma.

Os autores ficam com 35% dos royalties dos livros


vendidos.

269
https://kdp.amazon.com/self-publishing/signin
270
https://kindleworlds.amazon.com/
271
Ficção criada por fãs inspirada em livros populares, filmes, séries televisivas, banda desenhada,
música ou jogos.

513
● Conversão de formatos ePub, DOC, DOCX
e ODT para ePub com ou sem DRM.
● Permite o carregamento de uma imagem
Kobo Writing Life272 em formato JPG ou PNG para usar como
(Amazon) capa do ebook.
● A criação do livro é gratuita.
● Os eBooks são vendidos na loja virtual
Kobo Store.

272
http://www.kobo.com/writinglife?___store=pt&style=onestore

514
Referências bibliográficas

Blӓsi, C. e Rothlauf, F. (2013), On the Interoperability of eBook Formats, Brussels,


European & International Booksellers Federation.
García, J., Díaz, R. e Arévalo, J. (2011), Gutenberg 2.0. La revolución de los libros
electrónicos, Gijon, Ediciones Trea.
Garrish, M. (2011), What Is EPUB3?, Sebastopol, O’Reilly Media.
Kleinfeld, S. (2012), HTML5 for Publishers, O’ Reilly Media.
McKesson, N. e Witwer, A. (2012), Publishing with iBook Author. An Introduction to
Creating Ebooks for the iPad, O’ Reilly Media.
Stevens, C. (2011), Designing for the iPad. Building applications that sell, Wiley.

515
14

Ciência, texto e tecnologias digitais

Pedro Jacobetty e João Querido

516
Introdução

A Ciência opera através de práticas de inquirição sistemática e tem por objectivo a


produção de um tipo particular de conhecimento. A sua forma moderna é o resultado
de um processo histórico cujas origens se estendem até à Antiguidade. A objectividade
científica sustenta-se num empreendimento comunitário: um universo de
colaborações que, graças às melhorias nos meios de transporte e comunicação, cria
“redes de observadores cada vez mais vastas e densamente relacionadas” (Daston,
1999: 91).
As publicações científicas, o principal suporte de publicação para o trabalho dos
cientistas, têm a sua origem no ano de 1665, ano em que surgiram a Journal des
Sçavants, em Paris, e a Philosophical Transactions, em Londres (Stumpf, 1996). Embora
não haja remuneração associada à publicação dos seus textos, ao contribuir para estas
publicações periódicas os cientistas obtêm prestígio e reconhecimento por feitos
pioneiros, o que impulsiona as suas carreiras. Os journals constituem plataformas
centrais da comunicação formal entre cientistas, a par com livros e comunicações em
encontros científicos. Comunicando entre si, a comunidade científica valida
descobertas e reduz duplicação desnecessária de esforços de investigação. Como
afirma João Caraça, o carácter público do conhecimento científico “garante a sua
validade e permite uma avaliação da sua qualidade, por outras palavras, do seu valor e
da novidade criada pela sua circulação, através da explicitação das opiniões dos pares
sobre aquela matéria” (Caraça, 1999: 72).
Para integrar o corpo de conhecimento de um determinado campo de investigação
experimental, as descobertas são avaliadas, publicadas, replicadas, validadas e,
finalmente, citadas (Barjak, 2006: 1351) A comunicação é, assim, uma condição para o
incremento do corpus de conhecimento da comunidade científica, desempenhando
um papel central na divisão do trabalho bem como na comparação e replicação de
resultados; consequentemente, “a eficácia da comunicação científica afecta o ritmo do
progresso científico” (Barjak, ibidem: 1350).
O presente capítulo tem por base a análise das respostas ao inquérito aplicado a
investigadores da rede europeia COST em 2009/2010 no âmbito do projecto de
investigação “Ciência Aberta: Investigar, Publicar e Divulgar Ciência na Sociedade em
Rede”, desenvolvido no CIES-IUL (Centro de Investigação e Estudos em Sociologia) sob
a coordenação de Gustavo Cardoso e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian. O
questionário foi desenhado com o objectivo de fazer um levantamento sobre as
representações e práticas científicas junto de membros da comunidade científica
portuguesa e internacional. No âmbito do presente texto, cujo objectivo consiste em
explorar o impacto das TIC na comunidade científica, não serão analisadas as
diferenças ou semelhanças entre investigadores de diferentes países, dada a natureza
internacional da rede COST e do trabalho que esta enquadra. Os dados foram tratados

517
através da versão 20 do Statistical Package for Social Sciences (SPSS), software
reconhecido e habitualmente utilizado entre a comunidade científica.
Seguidamente apresenta-se a metodologia utilizada. Embora seja uma componente
central da prática de investigação, os leitores que desejarem mergulhar
imediatamente nos resultados da análise poderão passar à próxima secção.

Metodologia

Reestruturação de variáveis

No âmbito do tema a explorar, ou seja, a forma como as tecnologias digitais afectam


os processos de consumo e produção de texto no trabalho dos investigadores, foi
necessário criar variáveis que nos permitissem medir a sua receptividade à publicação
no formato digital. Para efeitos de análise, construiram-se dois indicadores com
categorias dicotómicas, mutuamente exclusivas: “formato de publicação preferido” e
“acesso a publicações electrónicas”. O primeiro permite aferir quais os inquiridos que
dão maior importância à disponibilização em formato digital e em papel na escolha de
publicações para o seu trabalho273; o segundo, aqueles que afirmam ter maior ou
menor acesso às publicações online de que necessitam274, sendo estas as principais
variáveis de segmentação da nossa análise.

Análise de componentes principais

Procedeu-se a uma análise factorial exploratória através da análise de componentes


principais (ACP) incidindo sobre as variáveis que nos permitissem identificar lógicas de
atribuição de importância a diferentes aspectos inerentes à escolha de uma publicação
para submissão do trabalho de investigação275. A análise de componentes principais

273
A variável é dicotómica e distribui os investigadores pelas categorias “Digital” e “Não digital”. Teve
origem na diferença da importância atribuída, numa escala de 1 (Nada importante) a 7 (Muito
importante), entre as variáveis P32.6 “Disponibilidade de uma versão em formato electrónico” e P32.7
“Disponibilidade de uma versão em formato papel” (P32.6 – P32.7). Assim, aqueles que apresentam um
resultado positivo, ou seja, os que atribuem maior importância ao formato digital face ao papel, serão
qualificados como “Digital”. Aqueles que apresentam resultados menores ou igual a zero (atribuindo
igual ou menor importância ao formato digital) são qualificados como “Não digital”.
274
A variável em questão é dicotómica, tendo por base a variável P30: “Como descreveria o seu acesso a
publicações online?”. Caracterizaram-se como tendo “Maior acesso” os que responderam “Tenho
acesso a um bom número das publicações que necessito” ou “Tenho acesso a todas as publicações que
necessito”; e como tendo “Menor acesso” os que responderam “Tenho acesso a poucas publicações que
necessito”, “Tenho acesso apenas a algumas publicações que necessito”.
275
A análise factorial em questão foi executada sobre o grupo de questões: “Quando selecciona uma
publicação para o seu trabalho, qual a importância que atribui face aos seguintes factores? Expresse a

518
tem como principal objectivo reduzir a complexidade dos dados pela identificação de
inter-relações entre indicadores que não seriam facilmente apercebidas através de
uma análise uni ou bivariada.
No processo de execução deste método estatístico de análise multivariada foi possível
identificar variáveis não correlacionadas, padrões ou dimensões inerentes a um amplo
número de variáveis que representam uma combinação linear das variáveis originais.
A matriz de correlações permite medir a quantidade de variação explicada por cada
componente principal. Para a validar, recorreu-se ao teste de esfericidade de Bartlett,
medida que irá servir para verificar a presença de correlação significativa entre o
conjunto de variáveis e determinar a adequabilidade deste método.
Para complementar, verificou-se a adequabilidade da ACP aos dados através da
estatística Kaiser-Meyer-Olkin. O seu valor situa-se entre 0 e 1, quanto mais elevado,
melhor é a representação ou a explicação da variação das variáveis em análise pelas
componentes principais. A interpretação desta medida segue a sugestão de Kaiser:
>0,9 muito boa; >0,8 boa; >0,7 média; >0,6 razoável; >0,5 má; <0,5 inaceitável (Reis,
2001).
A opção relativa ao número de componentes principais a reter teve em consideração o
facto de o número de casos ser elevado (>100 inquiridos) e resultou da combinação de
3 critérios: a percentagem de variância explicada, o scree test ou análise gráfica do
scree plot e o critério de Kaiser (valores próprios superiores a 1). Solicitou-se a rotação
dos eixos para se obter uma estrutura que simplificasse a interpretação dos resultados
(ibidem).

Construção de índices

A solução final da ACP apresentou uma correlação significativa entre o conjunto de


variáveis analisadas, um bom nível de adequabilidade aos dados276 e uma variação
explicada da importância atribuída pelos inquiridos aos indicadores em questão na
ordem dos 64,7%. Na prática, tendo em conta a relação entre a perda de
complexidade ao combinar variáveis e o ganho que isso representa em termos de
interpretação de resultados, a solução final da ACP informou a construção de 3 índices:
Acesso, Prestígio e Audiência. Os índices foram criados com base nas sub-questões
relacionadas com factores importantes na escolha de publicação:
1. O índice Acesso obteve-se através da combinação das variáveis: “A
minimização do custo de acesso às bibliotecas”, “Facilidade de acesso aos
recursos por parte das comunidades científicas de regiões do mundo menos

sua opinião numa escala de 1 a 7, em que 1 significa que considera “Nada importante” e 7 considera
“Muito importante””.
276
Bartlett (45) = 1631,3; p < 0,001; KMO = 0,788 ≈ 0,8.

519
desenvolvidas”, “A protecção da propriedade intelectual e industrial do autor”,
“O acesso ao público em geral” e “O Preço”;
2. O índice Prestígio obteve-se através da combinação das variáveis: “Índice de
citações”, “Cobertura pelos serviços indexados” e “Prestígio na área”;
3. O índice Audiência obteve-se através das seguintes variáveis: “Dimensão da
audiência potencial” e “Especificidade da sua audiência”.

Estes índices não resultam directamente dos scores proveniente da ACP mas dos
valores médios obtidos na combinação (aritmética) dos conjuntos de variáveis
agrupados em componentes pela ACP.
Verificámos que o índice Acesso apresenta uma boa consistência (AC Acesso = 0,803) e
que os índices Prestígio e Audiência exibem consistência razoável (AC Prestígio = 0,713;
AC Audiência = 0,706).

Inferência estatística

Este estudo também analisou o nível de significância dos resultados obtidos, por forma
a identificar quais os resultados amostrais que seriam extrapoláveis para a população.
Para este efeito recorreu-se a testes de hipóteses que foram seleccionados com base
em critérios associados à distribuição das variáveis. Quando os requisitos associados à
aplicação de testes paramétricos não se verificam, nomeadamente as condições de
normalidade e homogeneidade de variâncias, das variáveis em estudo, considerou-se
mais adequada a utilização de testes não paramétricos.
Nesta discussão, é habitualmente aceite que os testes não paramétricos têm menor
potência estatística que os seus correspondentes paramétricos na medida em que a
probabilidade de cometer um erro de tipo II – não rejeitar a hipótese nula quando esta
não se verifica – é maior. Contudo, “esta afirmação só é realmente robusta para
amostras de grande e igual dimensão. Para amostras de pequenas e diferentes
dimensões e onde as variáveis sob estudo não verificam os pressupostos dos métodos
paramétricos, os testes não-paramétricos podem ser mais potentes” (Maroco, 2010).
Assim, justifica-se a utilização de testes não paramétricos tal como o Mann-Whitney
(M-W), que permite identificar diferenças na distribuição de uma variável entre dois
grupos. Este teste é o equivalente ao teste T (T) para a diferença de médias entre duas
amostras independentes. É adequado para comparar as distribuições de uma variável
quantitativa ou qualitativa ordinal medida em duas amostras independentes. A opção
entre o teste T (paramétrico) e o Mann-
-Whitney (não paramétrico) terá em conta a natureza dos dados e os pressupostos
mencionados.

520
Ciência em transformação

O conhecimento científico está na base de grande parte das forças criativas e de


inovação aplicadas aos mais variados domínios da vida humana. Como refere John
Ziman, “falar sobre a ciência na sociedade moderna é falar sobre a sociedade moderna
em quase todos os seus aspetos” (1999: 437). Na sua análise das Consequências da
Modernidade, Anthony Giddens (1990) defende que a reflexividade e os sistemas
periciais assumem uma importância fundamental no contexto social.
Formou-se um consenso, globalmente generalizado entre as mais diversas instâncias
de decisão, relativo à importância do conhecimento científico para a promoção do
desenvolvimento económico e social (Watson et al., 2003). Contudo, existe uma cada
vez mais alargada consciência sobre os novos riscos associados à pesquisa científica
(Beck, 1992). Esta consciência generalizada traduz-se em exigências para que a Ciência
opere de forma mais transparente e em diálogo com outras instituições sociais
(Pidgeon, 2008).
A Ciência sofreu processos de especialização no domínio cognitivo, de
profissionalização no domínio social e de institucionalização no domínio político
(Oliveira, 2000; Gibbons et al., 1994). Esses processos tiveram por consequências “a
estruturação do conhecimento científico em disciplinas, uma certa concepção de
ciência e de cientista, um conjunto de normas sociais que regulam este sistema e a
identificação de lugares/instituições que participam na construção e funcionamento
do edifício científico” (Oliveira, 2000: 100).
Robert Merton, pioneiro nas abordagens sociológicas da Ciência, identificou quatro
imperativos institucionais inerentes ao ethos científico (Merton, 1938; 1996), muitas
vezes referidas por CUDOS (Communism, Universalism, Desinterestedness e Organized
Skepticism)277, que são apresentadas como características funcionais da Ciência
moderna. Importa salientar que Merton não confunde esse ethos, o ideal normativo
instituído, com o comportamento dos homens de ciência ou o trabalho levado a cabo
nas instituições científicas. É possível identificar a coexistência de normas
potencialmente contraditórias no seio da Ciência, como em outras instituições, que
geram ambivalência nas relações entre cientistas (Merton, 1963).

277
Comunismo: os produtos da ciência são vistos como resultado da cooperação social e são atribuídos
à comunidade, constituindo uma herança colectiva e não algo apropriado individualmente; é um sentido
lato e não técnico de propriedade comum do conhecimento.
Universalismo: as contribuições para a ciência não devem depender de culturas específicas e o
conhecimento deve ser sujeito a critérios impessoais pré-estabelecidos, não contradizendo a
observação e conhecimento previamente confirmado.
Desinteresse: o cientista deve ser isento, assumindo uma atitude impessoal relativamente às suas
próprias ideias.
Cepticismo organizado: trata-se de uma norma metodológica e institucional, relacionada com os outros
elementos do ethos científico, que exige que o conhecimento seja submetido a escrutínio sob critérios
lógicos e empíricos.

521
Durante o período conhecido como Guerra Fria, particularmente nas suas fases finais,
a Ciência foi alvo de crescente privatização e novos padrões foram introduzidos no seu
modo de funcionamento. Mitroff, guiado pela noção de ambivalência sociológica
mertoniana, conduziu um estudo com base em entrevistas a cientistas que identifica
contranormas coexistentes com os imperativos institucionais de Merton, tais como o
particularismo, o interesse e o dogmatismo organizado (Mitroff, 1974). Para Ziman
(1995; 1996), o ethos científico mertoniano refere-se ao funcionamento do que o autor
designa por Ciência Académica; porém, a nova ciência aplicada, a Ciência Pós-
Académica, rege-se por normas antitéticas a esse funcionamento. Por oposição à
mnemónica mertoniana, Ziman caracteriza essa nova Ciência como sendo Proprietária,
Local, Autoritária, Commissioned (encomendada) e Especialista (PLACE).
O estreitar das relações entre Ciência e as suas aplicações sociais tem vindo a
intensificar-se e a diversificar-se nas suas formas, ao ponto de alguns autores
identificarem mudanças qualitativas na Ciência. As bases de sustentação do modelo de
Ciência moderna, enquanto instituição social e forma de conhecimento, que perdurou
durante a primeira metade do séc. XX, “teriam vindo a ser destruídas ao longo do
tempo, fundamentalmente devido à massificação do ensino e à apropriação da função
de investigação pelas universidades, na medida em que um número crescente de
indivíduos tornou possível uma disseminação do conhecimento académico pela
sociedade, constituindo o suporte de um novo modo de produção do saber” (Oliveira,
2000: 100).
Gibbons e outros (1994) sustentam que emergiu um modo de produção de
conhecimento científico (Modo 2), caracterizado pela transdisciplinaridade e forma
organizacional não hierárquica, reportando a contextos sociais e integrando
reflexividade; este modo opera de forma distinta à produção de conhecimento
científico no interior de contextos disciplinares autónomos (Modo 1). A conexão entre
Universidade e Indústria, característica do novo modo, dá origem a instituições
híbridas, como empresas spin-off que derivam da investigação. Etzkowitz e Leydesdorff
(2000) propõem o modelo denominado por Hélice Tripla para analisar as relações
entre Estado, Indústria e Academia. O modelo diferencia três configurações históricas
dessas relações: Hélice Tripla I – o Estado envolve e dirige as relações entre Academia
e Indústria; Hélice Tripla II – existem fortes fronteiras entre as diferentes esferas
institucionais; Hélice Tripla III – as esferas institucionais encontram-se sobrepostas na
infraestrutura de produção de conhecimento. Na configuração mais recente do
modelo, o “objectivo comum é criar um ambiente de inovação consistindo de
empresas spin-off das universidades, iniciativas trilaterais para o desenvolvimento
económico baseado no conhecimento, e alianças estratégicas entre empresas (grandes
e pequenas, que operam em áreas diversas e em diferentes níveis tecnológicos),
laboratórios públicos e grupos de investigação académica” (Etzkowitz e Leydesdorff,
2000: 112).

522
Aplicações científicas das TIC

O desenvolvimento e a apropriação social da Televisão, da Rádio e da Imprensa estão


na origem do paradigma que caracteriza o sistema de comunicação das sociedades
industrializadas ao longo do séc. XX: a comunicação de massa (Thompson, 1995;
Mattelart, 1996; Ortoleva, 2004). O papel da informação e da comunicação na
mudança social tem sido largamente discutido (Webster, 1995; Poster, 2000; Castells,
2002).
O desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC),
particularmente de base digital, trouxe novas possibilidades à investigação e à
comunicação científica. Ao apropriar a inovação tecnológica para comunicação,
processamento e armazenamento de informação, os cientistas transformaram o seu
trabalho de tal modo que alguns académicos apontam para uma mudança radical ou
mesmo qualitativa da Ciência (Jankowski, 2007).
“A crescente utilização das TIC na investigação científica produz uma rápida
acumulação de stocks de dados observados, modelos matemáticos de sistemas do
mundo real, simulações e outros dados gerados através da computação, informação
descritiva e explicativa científica, e assim por diante. (…) A acumulação de informações
científicas de maneira a facilitar a sua utilização e distribuição por outros utilizadores é
um meio fundamental para realizar as potencialidades de maior coordenação e
integração da investigação, e para suportar maior especialização e aumento das
capacidades no seio da comunidade científica internacional” (David, 2000: 9).
A tecnologia computacional está integrada na maioria dos processos de produção e
distribuição de conhecimento científico. Está directamente associada a descobertas e
transformações disciplinares, acelerando o progresso em áreas como a Química e a
Biologia. No entanto, a crescente aplicação das TIC tem vindo a simplificar as mais
variadas operações e etapas da pesquisa científica, o que consiste num contributo
menos visível. O trabalho quotidiano dos cientistas tem vindo a adaptar-se de forma a
integrar elementos como computadores em rede, bases de dados online, a World
Wide Web, journals electrónicos, listas de discussão, conferências electrónicas e
bibliotecas digitais (Nentwich, 2005: 542).
Assim, o crescente stock de conhecimento disponível online, o desenvolvimento de
hardware e software científico, bem como a proliferação de plataformas de
colaboração, estruturam um novo contexto para o trabalho científico. O sistema
formal de comunicação científica, as revistas académicas, também se adaptou ao novo
contexto. Conley e Wooders (2009: 5) afirmam que esse sistema de comunicação,
tradicionalmente de base “papirocêntrica”, passou a basear-se em documentos
electrónicos; segundo os autores, a transformação foi tão radical que, “em 2008,
journals em papel são essencialmente um anacronismo e a sua actual existência é
resultado de histerese”.

523
O projecto de mapeamento do genoma humano, realizado entre 1990 e 2003, é outro
elemento chave para compreender as transformações ocorridas “nos modos de
produção, distribuição e utilização do conhecimento científico, e especialmente no
papel da Biologia na investigação científica” (Bucchi, 2004: 128).

Privatização do conhecimento científico

Num artigo sobre transformações do ethos científico, em particular na biotecnologia,


José Luís Garcia e Hermínio Martins afirmam que “por todo o mundo académico
ocidental, e especialmente na investigação científica, dentro e fora das universidades,
nos âmbitos da biotecnologia e de outras ciências e tecnologias da vida, estão sendo
disseminados os traços tipicamente característicos dos campos comercial e
empresarial” (Garcia e Martins, 2009: 83).
Vários estudos sublinham o estreitamento da relação entre ciências da vida e o mundo
empresarial, bem como as barreiras à livre circulação de conhecimento nestas áreas
(Krimsky et al., 1991, 1996; Blumenthal et al., 1997, 2006; Campbell et al., 2002;
Bowring, 2003; Murray, 2007; Murray et al., 2009). A ligação dessas áreas com a
indústria farmacêutica, bastante dependente de deireitos de propriedade intelectual
(Cohen et al., 2000), é particularmente relevante para explicar o seu maior
fechamento. Os avanços na biologia molecular motivaram um aumento exponencial
do patenteamento para exploração comercial da investigação fundamental (Eisenberg,
2006). Rai e Eisenberg sustentam que, embora a pesquisa biomédica integre a partilha
do conhecimento fundamental como tradição, o estreitamento entre pesquisa
fundamental e aplicação comercial, nomeadamente através do desenvolvimento de
fármacos, tem vindo a erodir essa tradição. Nas últimas décadas, os direitos de
propriedade expandiram-se a montante (upstream) do produto-final, englobando
descobertas fundamentais que poderiam servir de base ao desenvolvimento de novos
produtos: “a descoberta de novos fármacos é agora extremamente dependente de
conhecimento básico de genes, proteínas e vias bioquímicas associadas. As receitas
previsíveis dessa pesquisa fundamental tornaram mais fácil a obtenção de patentes
para descobertas que, em épocas passadas, pareceriam demasiadamente distantes de
aplicabilidade útil da protecção por patentes” (Rai e Eisenberg, 2003: 289).

Ciência Aberta e acesso livre a periódicos científicos

É este o contexto da emergência de mobilizações no seio da comunidade científica


para a construção de um modelo de produção e disseminação da Ciência com menos
restrições. No âmbito do estudo que esteve na origem do questionário aqui analisado,
optou-se pelo termo Ciência Aberta para traduzir a lógica unitária de diferentes

524
esforços de criação de modelos alternativos de Ciência que visam reduzir o isolamento
e o secretismo no trabalho científico (Cardoso, Jacobetty e Duarte, 2012). Reflecte a
disponibilização dos produtos gerados nas várias fases do processo de investigação
científica, desde a concepção às suas formas finais no formato de publicação. Este
movimento visa uma reaproximação às normas mertonianas e é influenciado de
tensões entre esferas institucionais, que Merton já identificara: “o comunismo do
ethos científico é incompatível em abstrato com a definição da tecnologia enquanto
«propriedade privada» numa economia capitalista. (...) As patentes proclamam
direitos exclusivos de uso e, frequentemente, de não uso” (Merton, 1996: 273).
Os direitos e as patentes têm por missão manifesta a promoção da inovação através de
incentivos económicos e a regulação justa do acesso aos conteúdos por eles
protegidos. A Ciência Aberta consiste então numa alternativa complementar às lógicas
de propriedade intelectual aplicadas à produção e distribuição de informação e
conhecimento científicos. Os seus proponentes argumentam que a privatização destes
elementos tende a atrasar o avanço científico, tal como o progresso económico e
social (David, 2003), e conduz a situações de escassez artificial que poderia ser
eliminada com recurso às TIC (Vadén, 2006).
Existem várias definições de Ciência Aberta. David (2003) define-a como um modelo de
alocação de recursos alternativo ao modelo de propriedade intelectual – ou seja, que
não obedeça a incentivos de mercado – para a produção e distribuição de conteúdos
científicos. Para González, trata-se principalmente da aplicação de “princípios e
cláusulas Open Source para proteger e distribuir os frutos da pesquisa científica”
(González, 2006: 329). Maurer (2003) não propõe uma definição estanque mas
relaciona-a com “(a) publicação completa, franca e rápida de resultados, (b) ausência
de restrições relativas a propriedade intelectual e (c) transparência, radicalmente
aumentada em fases de pré- e pós-publicação, de dados, atividades e decisões dentro
dos grupos de investigação” (Maurer, 2003: 4).
Assim, não estamos perante um debate sobre paradigmas científicos no sentido
proposto por Kuhn (1962), teorias e métodos aceites pela comunidade científica, mas
antes sobre a forma como os cientistas partilham e integram nas suas pesquisas os
vários tipos de conhecimento produzidos pelos seus pares. Uhlir e Schröder (2007)
designam estas novas abordagens por “paradigmas de investigação”, enquanto
Bechhofer et al. (2010) utilizam a expressão “meta-ciência”.
A filosofia que subjaz à Ciência Aberta também pode ser aplicada ao sistema de
comunicação científica baseado nos journals. Tradicionalmente, os artigos científicos
eram doados pelos autores às revistas especializadas. Com o advento da Internet,
torna-se possível disponibilizar esses documentos sem custos significativos, o que
facilitou a emergência do Open Access, um modelo de publicação periódica científica
online de livre acesso. A adopção desse modelo no seio da Ciência constitui um
processo “que potencia a reutilização e a disseminação do conhecimento ao mesmo
tempo que minimiza a sua recriação (isto é, repetição de experiências/investigações

525
por desconhecimento/falta de acesso a resultados já existentes)” (Cardoso et al.,
2009). Importa compreender o papel que as TIC desempenham enquanto propulsoras
do Open Access. Conley e Wooders (2009) afirmam que, embora as competências das
publicações comerciais278 fossem centrais para a comunicação académica e
irreproduzíveis pela Academia antes dos anos 90, esse cenário foi transformado por
inovações que facilitam a formatação e a distribuição de documentos electrónicos.
Para além do papel facilitador das tecnologias, outros factores estão na origem da
proliferação de revistas Open Access. A considerável subida de preço dos journals nas
décadas de 90 e 2000 gerou uma crise de acesso, levando ao cancelamento de
subscrições de periódicos por parte das instituições académicas. A comunidade
científica respondeu a essa crise procurando formas alternativas de disseminação do
seu trabalho (Canessa e Zennaro, 2008).

Análise de resultados

Caracterização da amostra

O inquérito reuniu 642 respostas válidas por parte de pessoas que integram a
comunidade científica. A grande maioria dos respondentes é do sexo masculino
(69,8%) e tem idades compreendidas entre os 28 e os 78 anos, apresentando uma
média de 51,5 anos e uma dispersão relativamente baixa (DP279 = 9,5 e CV280 = 18,4%).
A média de idades entre os homens é de 52,0 (DP=9,6) e entre as mulheres de 50,21
anos (DP=9,2). Apesar da diferença de idades entre sexos ser estatisticamente
significativa281, uma diferença de dois anos, neste caso não se demonstra
particularmente relevante.
Do total dos inquiridos, a maioria investiga nas áreas de Matemática, Física,
Informática, Engenharia, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) e Ciências da Vida
(CV), ambas as áreas apresentam proporções de 40,0%, seguidas pelas Ciências Sociais
e Humanidades (CSH), na proporção de 20,0% dos inquiridos282. A vasta maioria

278 Entre as quais uma formatação adequada, capacidade de distribuição, publicidade, serviços de
subscrição e produção.
279 Desvio-Padrão.

280 Coeficiente de Variação (CV) =  100 = 18,4%. Segundo Pestana e Gageiro (2005), o coeficiente
s
de variação contido entre 15% e 30% identifica uma dispersão média. Neste caso poderemos assumir
que será média-fraca.
281 T( 639)  2,223 , p  0,027 (verificou-se a homogeneidade de variância entre grupos através do
teste Levéne e, uma vez que os grupos constituem amostras de dimensão superior a 30, a normalidade
é atestada pelo teorema do limite central).
282
Para efeitos de simplificação de leitura, atribuiu-se as seguintes designações na presente variável:
Ciências Sociais e Humanidades (CSH) – Economia, História, Filosofia, Direito, Sociologia, Gestão, etc. –,

526
integra instituições exclusivamente públicas (86,2%), sendo em menor número os que
integram instituições públicas e privadas (9,1%) ou exclusivamente privadas (7,3%). Em
simultâneo, a larga maioria é original de países europeus (96,7%) e integra instituições
do seu país de origem (89,3%).
Os inquiridos são, na sua generalidade, investigadores bastante experientes. Na sua
maioria contam com mais de 20 anos de experiência em investigação (57,2%),
seguidos pelos que têm entre 11 e 20 anos (32,7%). Dos restantes, 8,7% tem entre 6 e
10 anos de experiência e apenas 1,4% dos respondentes tem menos de 5 anos.

Produção de texto digital

A criação de variáveis que identifiquem os inquiridos segundo a importância atribuída


ao formato no qual as publicações são disponibilizadas pretende caracterizar a relação
dos respondentes, na qualidade de produtores de texto, com o suporte digital. Os
quadros seguintes apresentam-nos as tendências verificadas entre elas.

Segundo os resultados, existe uma clara relação entre a área de investigação e a


importância atribuída à disponibilização de periódicos em formato digital. A maioria
dos investigadores das CV atribui maior importância à disponibilização do formato
digital. Nas CSH pode-se verificar a tendência inversa: a maioria dos investigadores
atribui igual ou menor importância ao formato digital quando comparado com o
suporte em papel. Nas MFIETU, este valor anda à volta de 50%. Esta relação entre área
de investigação e preferência de formatos revelou-se estatisticamente significativa.

Matemática, Física, Informática, Engenharia, Ciências da Terra e do Universo (MFIETU) e Ciências da


Vida (CV) – Biologia, Medicina, Farmácia e Medicina Veterinária.

527
O sector em que os investigadores trabalham também parece estar relacionado,
embora de forma mais ligeira, com a preferência de formatos. Nos casos em que a
integração institucional é exclusivamente pública, a maioria dos investigadores atribui
maior importância ao formato digital. Nos restantes, a maioria atribui igual ou menor
importância ao suporte digital. Esta relação também apresenta significância estatística.
Ao nível da experiência como investigador, existe uma tendência para a preferência do
suporte digital, à excepção dos que têm entre 10 e 20 anos de experiência. Contudo,
importa salientar que, exceptuando os que têm menos de 5 anos de experiência, esta
relação tende a ser equilibrada. Devido à forte desigualdade na distribuição pelas
categorias desta variável, não foi possível testar a significância estatística da relação
entre estas variáveis.
Relativamente à comparação entre aqueles que investigam dentro e fora do seu país
de origem, a distribuição é equilibrada e não parecem existir diferenças entre os
grupos (a igualdade de distribuições é coincidência). O mesmo sucede com a
distribuição da preferência de formatos por sexo e por função. Estas diferenças, para
além de serem ligeiras, não são estatisticamente significativas.

Estratégias de publicação

Esta secção é dedicada à análise da importância atribuída a diferentes factores que


influenciam a escolha de uma publicação para o trabalho dos inquiridos.
De forma a simplificar a interpretação de resultados, a análise incidiu na observação
das médias de respostas dadas numa escala em que 1 corresponde a “Nada
importante” e 7 “Muito importante”. Em complemento, optou-se por uma análise de
frequências que agrega as resposta de forma a obtermos as proporções de respostas
“Menos importante” (soma das respostas dadas entre os pontos 1 e 3 da escala),
“Neutro” (ponto 4) e “Mais importante” (soma das respostas dadas entre os pontos 5
a 7 da escala). No geral, o nível de importância atribuído aos factores em análise tende
a concentrar-se nos pontos superiores da escala: sete dos factores apresentam uma
média superior a 5 e somente um exibe uma média inferior a 3.
Na análise dos factores com maior importância, obteve-se os seguintes resultados:

528
O factor considerado mais importante para esta escolha é claramente o “prestígio na
área” (88,9% das respostas), que também apresenta o valor médio mais elevado (6,0).
Seguem-se os factores associados à “cobertura pelos serviços indexados” (79,6%) e
“índice de Citações” (77,5%), com médias idênticas (5,6), e a “dimensão da audiência
potencial” (77,4%), com uma média próxima dos factores anteriores (5,5). Por fim,
destaca-se ainda a “especificidade da sua audiência” (73,8%) e a “rapidez de revisão
por parte dos pares” (72,5%), com médias idênticas (5,3), e a “reputação do conselho
editorial” (70,9%), com média próxima dos anteriores (5,2). Em todos estes factores, a
proporção que atribui um nível de importância acima do valor intermédio é superior às
frequências combinadas das restantes categorias.
De seguida, analisaremos os factores a que foi atribuída menor importância. Aqui
foram agrupados os factores que apresentam uma proporção que atribui um nível de
importância abaixo do valor intermédio superior à proporção que atribui um nível mais
elevado a esse mesmo ponto:

529
Pode-se verificar que, para os inquiridos, o factor menos importante na escolha de
publicação consiste na “maximização do retorno de investimento das instituições
financeiras” (65,6%), apresentando a média menos elevada (2,9). Seguem-se os
factores “preço” (48,2%) e “protecção da propriedade intelectual e industrial do autor”
(47,9%), com médias mais elevadas face ao anterior (3,6 e 3,7 respectivamente). Por
fim, surgem os factores “a minimização do custo de acesso às bibliotecas” (46,0%) e
“origem institucional” (42,3%), apresentando frequências aproximadas e médias
idênticas (3,8).
Na próxima secção serão apresentados os factores que apresentam uma proporção
combinada dos que atribuem nível de importância inferior e igual ao ponto intermédio
da escala superior à proporção dos que atribuem um nível de importância superior a
esse ponto. É o caso da “facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades
científicas de regiões do mundo menos desenvolvidas” (39,3%), com uma média
próxima do ponto intermédio da escala (4,1), bem como “o acesso público em geral”
(31,7%) e “facilidade de aceitação de artigos submetidos” (29,8%), ambos com médias
também próximas desse ponto (4,3).
Podemos então assumir que os inquiridos assumem ser de maior importância os
factores associados ao prestígio da publicação, à sua indexação, audiência e rapidez
dos processos de revisão. Os de menor importância estão associados a questões
económicas, origem institucional e facilidade de acesso por parte do público em geral
como dos investigadores nas regiões do mundo menos desenvolvidas.
Após uma análise geral, procedeu-se à análise comparativa da importância atribuída
aos mesmos factores segundo o formato de publicação preferido. A seguinte figura
apresenta os resultados desta análise para os factores identificados como os mais
importantes:

530
Embora todos esses factores apresentem níveis de importância relativamente
próximos, foi possível identificar diferenças estatisticamente significativas em dois dos
factores em análise. Assim, conclui-se que aqueles que preferem o suporte digital para
publicação do seu trabalho dão maior importância à “cobertura pelos serviços
indexados” e à “rapidez de revisão por parte dos pares”283 na escolha de uma
publicação para o seu trabalho.
Seguidamente apresentam-se os resultados da mesma análise para os factores
identificados anteriormente como menos importantes:

283
A estatística utilizada será o teste T (coluna T), uma vez que as amostras utilizadas obedecem aos
pressupostos de homogeneidade de variâncias e normalidade.

531
No geral, esses factores apresentam maiores diferenças entre os grupos analisados
face aos anteriores. Foram verificadas diferenças estatisticamente significativas entre
os dois grupos em quatro dos factores em análise. Assim, comparativamente, o grupo
que prefere o suporte digital para publicação do seu trabalho atribui maior
importância ao “preço”, à “minimização do custo de acesso às bibliotecas” e à
“facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades científicas de regiões do
mundo menos desenvolvidas”. O grupo que não dá preferência a esse suporte atribui
maior importância à “origem Institucional”.
Após analisar a importância atribuída isoladamente aos diferentes factores que
influem na escolha de publicação para o trabalho dos cientistas, optou-se por reduzir a
complexidade dessa informação através da ACP. Desta resultou uma estrutura de
correlações que nos permite analisar a relação entre as variáveis em causa 284.
A partir desta análise foram construídos três índices que traduzem três lógicas
distintas de valorização de factores que influenciam a escolha de publicações: índice
acesso às publicações (IPUB_ACESSO)285, índice prestígio das publicações

284
Foi utilizada uma análise factorial exploratória através de componentes principais. O processo está
explicado no enquadramento metodológico deste capítulo.
285
IPUB ACESSO foi concebido com a MÉDIA das respostas atribuídas às seguintes questões: “O Preço”;
“O acesso ao público em geral”; “A protecção da propriedade intelectual e industrial do autor”;
“Facilidade de acesso aos recursos por parte das comunidades científicas de regiões do mundo menos
desenvolvidas”; “A minimização do custo de acesso às bibliotecas”.

532
(IPUB_PRESTIGIO)286 e índice audiência das publicações (IPUB_AUDIENCIA)287. De uma
primeira análise geral, salientam-se os seguintes resultados:

O acesso é claramente a dimensão menos valorizada. Analisando os índices segundo a


valorização do suporte digital na escolha de publicação, verifica-se que somente a
diferença ao nível do índice de acesso tem significância estatística.

286
IPUB_PRESTIGIO foi concebido com a MÉDIA das respostas atribuídas às seguintes questões:
“cobertura pelos serviços indexados”; “índice de citações”; “prestígio na área”.
287
IPUB_AUDIENCIA foi concebido com a MÉDIA das respostas atribuídas às seguintes questões:
“especificidade da sua audiência”; “dimensão da audiência potencial”.

533
Acesso ao texto digital

Esta secção será dedicada à análise do acesso por parte dos investigadores às publicações
electrónicas de que precisam. O seguinte quadro apresenta as tendências verificadas entre os
grupos:

Não foram encontradas diferenças significativas a nível de acesso a publicações


quando se compararam investigadores das diferentes áreas de investigação, aqueles
que trabalham dentro ou fora do seu país de origem e os que integram instituições de
diferentes sectores.
Ao nível dos anos de experiência como investigador, todas as categorias desta variável,
à excepção dos que têm menos de 5 anos de experiência, pertencem ao grupo com
maior acesso às publicações de que necessitam. Também se encontram diferenças ao
nível do acesso a publicações segundo o sexo dos respondentes: as mulheres afirmam
ter menor acesso que os homens. Estas associações entre variáveis revelaram
diferenças estatisticamente significativas.

Open Access

Procedeu-se a uma análise das representações dos inquiridos sobre o contributo do


Open Acess para a Ciência, incidindo na comparação de médias das respostas numa
escala em que 1 significa “Discordo totalmente” e 7 “Concordo totalmente”. Em
complemento, também se optou por agregar os pontos da escala por forma a obter as
proporções de “Discordantes” (soma das respostas entre os pontos 1 e 3 da escala),
“Neutro” (ponto 4), e “Concordantes” (soma das respostas dadas entre os pontos 5 a 7
da escala).
534
Na análise dos factores cujas respostas foram tendencialmente mais elevadas,
verificam-se os seguintes resultados:

Os factores que reuniram maior consenso entre os inquiridos consistem na percepção


que esta modalidade de publicação “vai facilitar o acesso a publicações” (78,8%) e “a
divulgação aumentará” (76,9%), sendo estes os indicadores com médias de respostas
mais elevadas (ambas com 5,5). De seguida, a afirmação “o número de leitores vai
aumentar” também exibe elevados graus de concordância, com uma média bastante
próxima das anteriores (5,4), bem como “os autores vão ter mais opções de journals
para publicar o seu trabalho” (70,9%), com uma média também elevada (5,1).
À parte dos indicadores mencionados, todos os restantes obtiveram níveis de
concordância abaixo de 70%. Entre estes, as afirmações “os custos de publicação vão
diminuir” (62,8%) e “os autores vão subscrever mais publicações na sua área” (61,4%),
ambos com médias próximas do nível das anteriores (4,8 e 4,7 respectivamente)
consistem nas que obtiveram maiores níveis de concordância. A estas seguem-se as
afirmações “as publicações impressas tenderão a desaparecer” (51,8%), “as bibliotecas
vão aumentar os orçamentos disponíveis” (45,7%), “os papers vão-se tornar mais
extensos” (40,6%), com médias idênticas (4,3). Por fim, surgem as afirmações “os
autores vão publicar mais” (40,6%, média 4,2), “os autores vão subscrever mais

535
publicações noutras áreas que não a sua” (40,1%), este último apresentando uma
média inferior (4,1) aos indicadores que se seguem, nomeadamente “as editoras
oferecerão melhores serviços aos autores” (39,8%) e “combater-se-á a centralização
de conhecimento” (37,1%), que obtiveram médias semelhantes (4,2).
Nesta secção, iremos observar os que tiveram níveis de concordância menores, ou
seja, cujas respostas se concentraram nos pontos inferiores da escala de concordância
(de 1 a 3):

Importa enfatizar que nenhuma das afirmações apresenta uma proporção de


respostas “discordantes” superior a 50%, exceptuando o item “publicar em journals
académicos e científicos terá menor valor” (59,7%), que apresenta a média mais baixa
de todos estes indicadores (3,1). Em seguida, com maiores níveis de discordância,
surgem as afirmações “os arquivos serão mais difíceis de manter” (45,6%) e “os lucros
com publicações aumentarão” (45,2%), ambas com médias idênticas (3,7), ou “os
papers publicados terão maior qualidade” (44,2%), com uma média de 3,5. A partir
deste ponto, verificamos que os indicadores já assumem uma menor proporção dos
que discordam face aos que concordam. É o caso das afirmações “a qualidade editorial
vai ser menor que nos modelos comerciais” (37,4%) e “o número de papers rejeitados
irá diminuir” (36,3%), ambos com médias superiores a todos os restantes indicadores
dos mais discordantes (3,9).
Procedeu-se ainda à comparação do nível de concordância com os itens
supramencionados entre os grupos de investigadores que afirmam ter maior ou menor
acesso às publicações de que necessitam.

536
Verifica-se que, no geral, os inquiridos com menor acesso têm, em média, graus de
concordância com as afirmações mais elevados face àqueles com maior acesso.
Contudo, apenas algumas questões se revelaram estatisticamente significativas, ou
seja, extrapoláveis à população. Estas são: “os autores vão subscrever mais
publicações noutras áreas que não a sua”; “as editoras oferecerão melhores serviços
aos autores”; “a divulgação aumentará”; “o número de leitores vai aumentar”; “os
autores vão ter mais opções de journals para publicar o seu trabalho”; “os custos de
publicação vão diminuir”; “os autores vão subscrever mais publicações na sua área”.
Para todos estes casos, os investigadores com menor acesso exibem graus de
concordância superior aos restantes.
De seguida apresentam-se os resultados das comparações para os factores com graus
de concordância mais baixos:

537
Verificam-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos relativamente
ao grau de concordância com as afirmações “os lucros com publicações aumentarão” e
“os papers publicados terão maior qualidade”. Como identificado anteriormente, são
os investigadores com menor acesso a publicações que exibem graus de concordância
mais elevados face aos demais.
As diferenças nos índices relativos aos factores valorizados na escolha de publicação
entre os grupos definidos pelo acesso a publicações também foram comparadas.

538
Verificaram-se diferenças significativas ao nível da importância atribuída aos
indicadores que integram o índice de acesso e, de forma mais ligeira, aos que integram
o índice prestígio. Os investigadores com menor acesso a publicações atribuem maior
importância ao acesso às publicações que escolhem para o seu trabalho, enquanto
aqueles com maior acesso privilegiam o prestígio.
As representações dos investigadores sobre a qualidade do Open Access, aferidas pela
questão “em comparação com os outros regimes de publicação, como avalia a
qualidade geral das publicações Open Access relativas à sua área de estudo?”. As
respostas a esta questão seguem a seguinte distribuição: “Inferior” (31,7%), “Similar”
(61,5%) e “Superior” (6,5%). Verificou-se que as respostas à categoria “Superior” foram
escassas, o que em termos de análise tornou imperativo proceder à agregação desta
categoria à anterior, considerando-se assim apenas duas categorias: “Inferior” e
“Similar/Superior”. Procedeu-se à análise das respostas a estas categorias por
diferentes segmentos já utilizados anteriormente, concretizando-se nos seguintes
resultados:

Apenas foi possível identificar relações significativas ao nível do sexo: comparadas com
os homens, as mulheres atribuem maior qualidade a este modelo de publicação.
Também se testou a diferença de médias dos índices relativos às estratégias de
publicação segundo a qualidade atribuída ao modelo Open Access:

539
Todos os índices apresentam diferenças de médias significativas entre os grupos
analisados. Aqueles que consideram a qualidade deste modelo de publicação similar
ou superior, comparativamente com aqueles que o consideram inferior, atribuem
maior importância às possibilidades de acesso às publicações que escolhem para o seu
trabalho e menor importância às dimensões do prestígio e audiência.
Analisaram-se também as respostas à pergunta “se fosse convidado a publicar em dois
journals da sua área com reputação idêntica, qual aceitaria primeiro: um journal do
Open Access ou um journal de acesso restrito/pago?”. Quase metade dos inquiridos
(48,6%) afirmam que escolheriam a publicação Open Access, seguidos pelos que
afirmam ser irrelevante (37,7%). Apenas 13,7% afirmam que optariam pelo journal
com acesso restrito.

Identificou-se que existem relações estatisticamente significativas entre a valorização


do modelo Open Access e o acesso a publicações, bem como a área de investigação.

540
Tanto os investigadores com menor acesso como os das áreas de CV, manifestam uma
maior tendência a escolher esse modelo.
Outra questão analisada, também relacionada com o modelo de publicação Open
Access, foi formulada da seguinte maneira: “quando comparado o modelo Open Access
face a um modelo de acesso restrito/pago, considera que irá ter uma melhor relação
de custo-benefício?”. Esta questão possibilitava o posicionamento numa escala de
concordância288 que varia de 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente).
Como tal, apresentam-se os resultados médios das respostas.

Verificaram-se diferenças significativas segundo o formato de publicação privilegiado e


o acesso a publicações: os investigadores que preferem o formato digital e aqueles
com menor acesso tendem a concordar que o modelo Open Access terá melhor
relação custo-benefício relativamente ao modelo de acesso restrito ou pago.

Considerações finais

As tecnologias, redes e dispositivos digitais transformaram o panorama da


comunicação científica. A comunicação escrita no seio da Ciência, particularmente
288
Uma escala de Likert tratada como uma variável quantitativa, logo serão apreciadas as médias. A
escala varia entre 1 (Discordo totalmente) a 7 (Concordo totalmente). Os testes apresentados são do
tipo paramétricos e concordantes com os testes não paramétricos equivalentes, assegurando que os
resultados são válidos.

541
através de periódicos científicos, é um exemplo de como as tecnologias digitais
estruturaram um novo contexto comunicativo para a comunidade científica. Na última
década, os cientistas apropriaram e adaptaram-se às TIC ao nível da produção,
distribuição e consumo de artigos científicos. Essa mudança foi tão radical que as
revistas em papel quase se tornaram obsoletas.
Segundo os resultados obtidos, existem no entanto diferenças entre as áreas
científicas: quando escolhem publicações para o seu trabalho, os investigadores das CV
claramente dão preferência ao formato digital, os das MFIETU dividem-se igualmente
pelos formatos e as CSH privilegiam o formato em papel. Embora o prestígio das
publicações seja a dimensão mais valorizada, a elevada importância atribuída aos
serviços de indexação é também sinal de fortes mudanças a este nível.
As transformações relativas ao papel do texto na Ciência não se resumem às
puramente técnicas. Embora estejam relacionadas, surgiram inovações ao nível de
modelos de publicação, como a distribuição de artigos em regime de livre acesso
(Open Access). As possibilidades associadas a esse regime são, no geral, reconhecidas
pela comunidade científica.
No entanto, novos e velhos desafios co-existem com as potencialidades da proliferação
de artigos científicos e da emergência do modelo Open Access na Internet. Como já foi
referido, essa proliferação não eliminou desigualdades de género ao nível do acesso a
artigos electrónicos. Também parecem existir algumas suspeitas em relação à
qualidade das publicações Open Access, principalmente nas áreas de MFIETU. No geral,
porém, os investigadores não tendem a diferenciar a qualidade das publicações em
regime de livre acesso e em regime restrito.
Os investigadores com menor acesso a publicações tendem a valorizar a dimensão do
acesso às publicações que escolhem para publicar o seu trabalho, bem como a atribuir
uma valorização positiva ao modelo Open Access. Estes resultados, juntamente com o
movimento massivo de digitalização dos journals, demonstram que a comunidade
científica está particularmente adaptada para reestruturar os seus canais formais de
comunicação escrita caso necessite ou considere apropriado. O actual estado de
aceleração no desenvolvimento e massificação dos media sociais, da banda-larga e da
proliferação de tecnologias para a integração de conteúdos em registos diferenciados
(texto, som e imagem) e por associação de significados (teia semântica) já se está a
fazer sentir na Ciência. A emergência de video journals, bancos de dados científicos,
ontologias digitais, plataformas de colaboração e redes sociais de cientistas são
exemplos claros desse impacto.

542
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546
15

Expectativas, preocupações e desafios: a leitura digital na perspectiva de


bibliotecários, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias
de informação

Cátia Ferreira

547
A forma como lemos está a mudar. O advento das novas tecnologias digitais e a sua
massificação está a contribuir não só para o desenvolvimento de uma relação
diferente com os conteúdos veiculados, mas também para uma noção diferente do
que significa ler. Com o aparecimento da Internet o enfoque é posto no que lemos –
conteúdos, mas neste momento torna-se cada vez mais importante perceber como
lemos, uma vez que a prática da leitura é fortemente influenciada pelo suporte. Com a
disseminação e o aperfeiçoamento da imprensa de caracteres móveis (Johannes
Gutenberg, cerca de 1450) o livro estabelece-se como o conhecemos hoje,289
tornando-se um produto cultural com potencial para ser massificado – os custos de
produção foram baixando ao longo do tempo acompanhando os aperfeiçoamentos
dos mecanismos de produção, o formato permite uma leitura fácil e tornou o objecto
simples de transportar. Apesar de ser visto como o formato ideal para a prática da
leitura, experiências em torno da alteração do formato do livro estão a ser conduzidas
um pouco por todo o mundo, sendo o objectivo principal o de aproximar o livro ao
contexto digital: “[…] nestes últimos anos, temos vindo a assistir ao aparecimento de
livros em versão digital, de editores electrónicos, de livrarias virtuais, de obras de
referência e bases de dados textuais online, de obras hipertextuais e de dispositivos de
leitura de livros electrónicos” (Furtado, 2003: 1).
O aparecimento e uso generalizado das tecnologias digitais tem contribuído para uma
mudança na forma como acedemos, consumimos e inclusivamente nos relacionamos
com os conteúdos informativos e de entretenimento. Perante esta mudança, torna-se
necessário que os intervenientes da rede de produção e comercialização do livro
ajustem as suas práticas aos novos contextos de consumo de conteúdos escritos
(Kroes, 2011). No contexto editorial internacional assistimos já a algumas alterações e,
contrariamente ao fim anunciado do livro (Bell, 2006; Benjamin, 1978; Birkerts, 2006),
estamos a assistir a uma remediação290 do objecto tradicional através do
aparecimento de livros digitais cada vez mais sofisticados (Carreiro, 2010; Lynch, 2001;
Nunberg, 1996). No entanto, é preciso perceber o impacto que os conteúdos e a
leitura em formato digital estão ou poderão vir a ter no sector editorial global. De
forma a contribuir para este entendimento, começaremos por caracterizar a adopção
de novas tecnologias no sector editorial, bem como as tendências do contexto editorial
global relativamente à edição de e-books. Depois de definido o contexto e as práticas

289
O formato do livro estabeleceu-se com o códice, ou codex, entre os séculos III e IV. A invenção da
imprensa de tipos móveis ocorre inicialmente na China, em 1045, depois na Coreia com o uso do metal
para a produção dos caracteres, em 1230, mas é apenas no século XV, com o aparecimento da prensa de
Gutenberg que a impressão de livros se dissemina.
290
Remediação no sentido proposto por Jay David Bolter e Richard Grusin em Remediation:
Understanding New Media (2000): os novos media resultam do processo de ‘remediação’ das
características e funcionalidades principais dos seus antecessores. Por exemplo, a Web permite-nos ver
filmes como a televisão, ouvir rádio como a rádio tradicional e ver imagens tal como a pintura.

548
centrar-nos-emos na análise dos discursos dos representantes da rede de valor 291 do
sector editorial nacional. Esta será uma análise qualitativa e terá como base os dados
recolhidos em focus groups com agentes do livro e da leitura – autores, bibliotecários,
editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de informação.

Adopção de novas tecnologias no sector editorial

O livro é um dos produtos culturais que mais tem influenciado a história da


Humanidade. Desde o século XV, devido ao contributo de Johannes Gutenberg e ao
nascimento da indústria do livro, este tornou-se um produto de massas e permitiu que
leitores em todo o mundo tivessem acesso a diferentes tipos de conteúdos. A história
do livro tem acompanhado a história das ideias e da religião, bem como da economia e
da política. O primeiro livro impresso na prensa de caracteres móveis foi a Bíblia,
conhecida como A Bíblia de Gutenberg, impressa em 1455. Este livro marcou o início
da ‘galáxia Gutenberg’ e da generalização dos hábitos de leitura – que a partir deste
momento passam a ser acessíveis a todas as classes sociais (McLuhan, 2011).
Desde o início da indústria do livro, este tem desempenhado um papel determinante
no que diz respeito a níveis de literacia e educação, mas também no entretenimento
de pessoas em todo o mundo. A transformação digital do livro pode contribuir para o
esbater de fronteiras geográficas, permitindo acesso fácil a livros em diferentes línguas
de uma forma quase imediata. No entanto, apesar do reconhecimento das mais-valias
de associar a indústria livreira às das tecnologias digitais, o sector editorial é visto
como um dos mais tradicionais e como um dos que mais tem resistido à mudança no
que diz respeito à aproximação da ‘revolução digital’.
Contudo, a relação que se tem estabelecido entre produtores de livros e as novas
tecnologias nem sempre foi uma relação pautada pela desconfiança. Até ver posto em
causa o seu formato privilegiado (o livro impresso), este sector revelou-se receptivo à
inovação tecnológica. A sua principal preocupação tem sido a conservação do texto
impresso, a facilidade de acesso à informação, as questões de portabilidade e os seus
custos de produção. Entre os avanços tecnológicos respeitantes à produção de livros
que foram bem aceites por editoras e gráficas são de destacar o recurso a
processadores de texto e programas de paginação, a possibilidade de envio dos
ficheiros para as gráficas em formato digital, impressão em offset através de ctp
(computer-to-plate) e a possibilidade de impressão digital. O recurso a estas novas
tecnologias permitiram reduzir custos de produção e demonstram o quão
indispensáveis os computadores se tornaram para a indústria. Tal como Borgman

291
O conceito rede de valor foi proposto por José Afonso Furtado (2008) para substituir a designação
cadeia de valor do livro proposta por John B. Thompson (2005). Furtado (2008) defende que o modelo
da rede é mais adequado para compreender o sector do livro e o seu sistema de criação de valor.

549
(2000) sugere, apesar da aparente resistência às novas tecnologias digitais, estas são já
evidentes em praticamente todos os aspectos do processo editorial:

Authors write their texts on word processors and send them to their
publishers online or on disk. Images, tables, and graphics also are likely to
be created on computers. Even if the authors do not create content initially
in electronic forms, most publishers key, scan, or otherwise digitize content
for production. Editing, page layout, and other production tasks take place
online, regardless of whether the final product appears in print or
electronic form. […] In sum, most aspects of modern publishing are
electronic. (Borgman, 2000: 83)

Todavia, o desenvolvimento de novas tecnologias de informação pode provocar


alterações no sector editorial para lá do que diz respeito a mecanismos de produção.
Os novos dispositivos desenvolvidos especificamente para a actividade de ler, como os
e-readers, podem vir a ter um impacto ainda mais evidente no sector, uma vez que
podem resultar em alterações no comportamento dos consumidores e não apenas no
modo de produção de livros.
A adopção de novas ferramentas tecnológicas por parte dos membros das sociedades
mais industrializadas é evidente. Para além do impacto na forma como trabalhamos e
comunicamos, por exemplo, as novas tecnologias têm contribuído também para
mudanças nas formas e meios de entretenimento. A indústria do cinema e música
foram as primeiras a sentir necessidade de se adaptarem ao novo contexto digital e
devido ao seu esforço os resultados começam já a ser notórios. No que diz respeito ao
sector do livro, a adaptação ao digital está a ser mais morosa, principalmente no que
respeita à forma material do produto cultural disponibilizado aos consumidores. Um
dos passos que começa a ser dado por editoras em todo o mundo é a integração de
novos media nas suas estratégias de comunicação e marketing, bem como de
distribuição – principalmente centrada na venda online. A integração de novos meios
de comunicação disponíveis através da Internet permite uma relação mais próxima
com o público leitor e resulta também na adopção de novos modelos de negócio. No
entanto, essa tentativa de actualização do sector não responde a todas as mudanças a
que estamos a assistir relativamente ao consumo de produtos culturais e, tal como
Borgman (2000) salienta, precisamos de centrar a nossa atenção no formato do livro e
pensar se num sector em que a maior parte do processo de produção é realizado
digitalmente, porque é que a maioria dos livros produzidos são postos à disposição do
cliente num formato diferente? Porque estamos a transformar todos os ficheiros
digitais em papel dificultando a sua distribuição? Porque não conciliar os dois tipos de
ficheiros e adaptar a oferta à procura dos leitores?
De modo a perceber melhor de que forma o sector editorial se está a adaptar aos
desafios da era digital, na próxima secção dedicar-nos-emos à análise das tendências

550
do contexto editorial global. Esta análise terá como ponto de partida um relatório
publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE),
em 2012, com o intuito de mapear as práticas de edição digital nos 34 países membros
desta organização.

Tendências do contexto editorial global

O sector do livro é um sector em mudança – um dos motores principais desta mudança


tem sido a adaptação dos modelos de negócio tradicionais, centrados no livro
impresso, aos novos modelos centrados nos livros electrónicos ou e-books. Devido à
crescente importância dos e-books, a OCDE lançou um relatório no final de 2012 onde
apresenta as tendências do mercado editorial – E-books: Developments and Policy
Considerations. Para além disso, são também discutidas considerações sobre as
políticas a adoptar de modo a incentivar a adopção de e-books, a potenciar as suas
vantagens e a minorar as suas desvantagens. Teremos como ponto de partida a
caracterização dos e-books no que diz respeito às suas vantagens e desvantagens.
A reflexão sobre as vantagens dos e-books evidencia algumas características distintivas
relativamente às edições impressas. Por um lado a edição digital possibilita a compra,
download e leitura imediatos. O processo é mais simples para o utilizador, quanto mais
compatíveis forem os formatos adoptados pelas editoras292. Por outro, oferece uma
nova experiência de portabilidade: os dispositivos de leitura digital têm capacidade
para armazenar uma quantidade significativa de títulos, de um modo geral são mais
pequenos e leves do que uma edição de capa dura. A produção e distribuição
requerem menos recursos, não necessitam de papel ou tinta e a distribuição recorre a
menos combustíveis fósseis. A comunicação em rede, possibilitada pelo acesso móvel
à Internet, torna possível fazer download gratuito de títulos que se encontrem no
domínio público, bem como guardar uma cópia de segurança dos livros na nuvem e/ou
no computador, o que torna os e-books menos susceptíveis de serem roubados,
perdidos ou danificados. Os dispositivos de leitura digital mais recentes oferecem a
oportunidade aos leitores de ajustarem alguns elementos para terem uma experiência
de leitura mais confortável. Por exemplo, é possível aumentar ou reduzir o tamanho da
fonte, tal como seleccionar a tipologia preferida entre os tipos de fontes
disponibilizadas. O formato digital permite ainda a integração de elementos
multimédia e/ou de funcionalidades de acessibilidade como o ‘text-to-speech’ (texto-
para-voz). Por outro lado, é necessário reflectir sobre fenómenos potenciados pela
edição digital, como a auto-publicação, e o seu impacto ao nível da oferta. De acordo
com o relatório (OCDE, 2012), a auto-publicação permite oferecer aos leitores uma

292
Formatos como o pdf e o epub estão entre os compatíveis com um maior número de dispositivos e
de aplicações de leitura digital.

551
maior variedade de títulos, uma vez que estes não estão sujeitos à avaliação e
aprovação das editoras e agentes literários.
As vantagens enumeradas tornam os e-books um produto apelativo tanto para leitores
como representantes do sector do livro. Contudo, é necessário ter também em
consideração que este novo formato do livro tem também um conjunto de
desvantagens que carecem de reflexão e de serem tidas em conta aquando a definição
de estratégias editoriais e de promoção da leitura digital. Um dos aspectos mais
comumente apontado como desvantajoso nos livros electrónicos é o facto de que
estes nunca conseguirão ser apelativos (fisicamente) como os livros em papel, o que
pode dificultar a relação de proximidade com o objecto. O toque e o cheiro do papel
são experiências dificilmente reprodutíveis em dispositivos electrónicos. Por outro
lado, considera-se que livros com imagens grandes ou diagramas podem perder
leitura, o que pode ser um obstáculo para algumas edições técnico-científicas, ou até
para os livros infanto-juvenis. No que diz respeito ao suporte, é preciso ter em conta
que, apesar da produção e distribuição de e-books recorrerem a menos recursos, os
dispositivos são feitos com substâncias tóxicas e não são biodegradáveis. E apesar do
preço de produção de livros em formato digital ser mais baixo do que o das edições
impressas, os dispositivos de leitura são mais caros. A última desvantagem apontada é
uma das mais relevantes para os leitores e diz respeito aos formatos dos ficheiros
digitais. Os formatos de publicação continuam em desenvolvimento e a evolução
tecnológica das edições digitais pode fazer com que os leitores se tornem obsoletos,
ou que os formatos de hoje não sejam lidos pelos dispositivos do futuro. Apesar da
importância da normalização dos formatos para o público leitor, a OCDE considera que
este factor pode ser determinante para o desenvolvimento do sector. A demora em
definir um standard, que seja adoptado em larga escala, inclusivamente por
organizações como a Amazon ou a Apple, pode estar a condicionar o desenvolvimento
de hábitos de leitura digital.
Para melhor compreendermos o potencial do e-book no contexto actual, debruçar-
nos-emos de seguida sobre as tendências do mercado editorial no que diz respeito a
este novo tipo de edição. Nos 34 países membros da OCDE293, o sector do livro tem
vindo a ser alvo de processos de concentração, e a tradicional casa editorial
independente está a dar lugar ao aparecimento de grupos editoriais que concentram
nas suas estruturas diversas chancelas. No que diz respeito às vendas de livros digitais,
a tendência generalizada no conjunto dos países membros desta organização é a sua
baixa representatividade; os Estados Unidos da América são a única excepção - aí as
vendas de e-books, apesar de ainda distantes das vendas de exemplares impressos,

293
Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, Coreia, Dinamarca, Eslovénia, Espanha, Estados
Unidos da América, Estónia, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Israel, Itália,
Japão, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Noruega, Polónia, Portugal, Reino Unido, República Checa,
República Eslovaca, Suécia, Suíça e Turquia.

552
começam a ser representativas294. Apesar da baixa expressividade na venda total de
títulos, os e-books têm vindo a ganhar importância – considera-se que o ponto de
viragem foi Maio de 2011 quando a Amazon anunciou que as vendas de edições
digitais haviam ultrapassado a venda de produtos impressos. Por outro lado, a procura
de edições digitais tem contribuído para o aumento da procura de edições impressas,
consolidando a tendência de que quem lê mais em formato digital tende a ser quem lê
mais no impresso. No entanto, estamos perante um mercado heterogéneo, pois a
capacidade de adequação do sector e as tendências de consumo não são as mesmas
para diferentes tipos de livros. Logo, é necessário adaptar as estratégias de promoção
da leitura tendo em conta as características específicas de cada género literário. Outra
característica deste mercado é o facto de ser, ainda, definido pela língua de edição,
apesar das edições electrónicas permitirem o acesso imediato a obras publicadas em
todo o mundo. Por fim, o relatório conclui que as preferências relativamente aos
dispositivos de leitura digital são diferentes em contextos socioculturais distintos, logo
os e-books têm de estar preparados para serem lidos em diferentes dispositivos.
Tendo como ponto de partida a caracterização valorativa do e-book em relação ao livro
impresso, bem como a sua contextualização no mercado do livro, a OCDE elaborou
uma proposta de considerações políticas relativamente à disseminação deste formato.
O primeiro aspecto que evidencia está relacionado com os direitos dos consumidores.
Considera que a distinção entre compra de um produto e compra de um acesso tem de
ser clara, sendo essencial salvaguardar que o utilizador é informado das condições
específicas de compra da licença de utilização. A compatibilidade de formatos e de
dispositivos é também considerada um factor crítico para o sucesso do livro
electrónico. As estratégias de divulgação dos e-books têm sido muito centradas nos
dispositivos, o que pode conduzir a problemas de inter-operacionalidade, pois os
leitores tendem a ficar restritos ao dispositivo e isso pode levar à fragmentação do
mercado. Outra questão a carecer de atenção é a dos direitos de publicação e
distribuição. Estes direitos continuam a delimitar a compra de títulos de acordo com a
área geográfica do comprador, ou seja, uma das principais vantagens dos e-books está
a ser posta em causa – o acesso imediato a qualquer obra e formato digital. No que diz
respeito à competitividade dos e-books, é preciso ter em conta a variável preço.
Algumas das perguntas que necessitam de uma resposta ponderada e concertada
entre agentes do sector do livro e da promoção da leitura são: deve a lei do preço fixo
abranger os e-books? Será este o modelo mais vantajoso tanto para o sector como
para os consumidores? De acordo com o estudo conduzido pelo grupo de trabalho de
Economia da Informação da OCDE, é necessário analisar bem as dinâmicas do mercado
antes de se tomarem decisões políticas relativamente a este assunto. Os impostos
aplicados aquando das transacções comerciais têm também influência no preço de
294
Os e-books representam cerca de 1% das vendas de livros em todos os países da OCDE, com
excepção dos Estados Unidos onde representam cerca de 8%. Dentro do cômputo geral desta
organização, o Reino Unido é o segundo país onde os e-books têm vindo a crescer em relevância,
representando entre 2% e 3% das vendas (OCDE, 2012).

553
venda. A relutância em alargar o regime reduzido de IVA, ao qual estão sujeitas as
edições impressas na maioria dos países da OCDE, às edições digitais é vista como um
dos factores que está a contribuir para a lenta adopção destes produtos.
Para além destes aspectos, o relatório propõe ainda mais um conjunto de medidas. Por
um lado, que se tenha em consideração a transparência das políticas de privacidade. É
necessário assegurar que os leitores estão conscientes de que é possível monitorar as
suas práticas de leitura digital e recolher dados estatísticos sobre as suas preferências.
No que diz respeito aos direitos de autor e pirataria, governos e editores têm
procurado assegurar que os direitos de autor são salvaguardados nas edições digitais,
no entanto considera-se necessário que estas medidas sejam aplicadas apenas para
proteger os direitos autorais e não para controlar a forma como os leitores usam os e-
books. A proposta da OCDE é que os editores melhorem os modelos de negócio dos e-
books para que estes ofereçam valor acrescentado a quem os compre relativamente à
cópia pirata. Por exemplo, desconto na compra da edição impressa, acesso a
informação complementar sobre o autor ou obra, convites para lançamentos, entre
outras iniciativas. O empréstimo é outro aspecto importante, pois as obras protegidas
por DRM295 limitam o empréstimo entre consumidores, pelo que é considerado que
quem possibilitar o empréstimo poderá ter alguma vantagem competitiva. Esta
reflexão é também pertinente no âmbito das bibliotecas. As políticas que têm vindo a
ser implementadas para proteger os e-books, nomeadamente o DRM, limitam o
empréstimo público, logo é premente analisar esta questão e definir políticas que
assegurem o acesso dos leitores às obras em formato digital. Tal como é necessário
assegurar a acessibilidade possibilitada por este novo formato, os e-books podem ser a
solução para o alargamento da oferta de conteúdos escritos para pessoas com
deficiência visual. Contudo, esta possibilidade tem sido pouco explorada, tornando-se
necessário, por um lado, incentivar a produção de dispositivos de leitura digital que
incorporem funcionalidades a pensar nas necessidades dos leitores e, por outro, a
publicação e-books em formatos compatíveis, como o epub3. Por fim, é necessário
reflectir sobre a importância de monitorizar o mercado. É considerado que a escassez
de dados sobre o mercado de e-books pode estar a prejudicar o seu desenvolvimento,
pelo que a recolha e análise sistemáticas destes elementos devem ser uma prioridade,
quer a nível nacional como internacional.
As conclusões do estudo da OCDE (2012) contribuem para um entendimento mais
aprofundado do mercado do livro electrónico. Para compreender de que forma estão
os representantes nacionais a gerir as mutações vividas pelo sector, na próxima secção
295
“DRM (Digital Rights Management ou Gestão de Direitos Digitais) são as tecnologias digitais
desenvolvidas para garantir e permitir a entrega via meios electrónicos de documentos (livros, artigos
científicos, publicações periódicas, etc.) que estejam protegidos por direitos de autor e/ou direitos
intelectuais. Os documentos protegidos com DRM são encriptados – com as permissões de utilização
especificadas pelo detentor dos direitos – e que podem (i) incluir restrições nos equipamentos onde o
documento é utilizado (ii) definir o número de impressões que podem ser feitas (iii) o tempo entre
impressões (iv) as permissões de copiar/copy » colar/paste, etc.” (Biblioteca Nacional de Portugal -
http://livrariaonline-ebooks.bnportugal.pt/page/faq).

554
serão discutidos os dados recolhidos em focus groups com agentes do livro e da
leitura.

Expectativas, preocupações e desafios dos actores nacionais

A escassez de informação sistematizada e actualizada sobre o sector editorial


português tem contribuído para a ausência de uma política organizada de promoção
da leitura digital. Na definição destas políticas é importante ter em conta a
complementaridade da leitura digital relativamente à tradicional, bem como a
perspectiva dos diferentes elementos que fazem parte da rede de valor do livro e da
leitura. Com o objectivo de contribuir para a discussão em torno do potencial dos e-
books, nesta secção serão analisados dados recolhidos em seis focus groups que
tiveram lugar na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, entre os dias 13 de Janeiro
e 30 de Março de 2012. As sessões foram organizadas com representantes de autores,
bibliotecários – dois grupos, bibliotecas escolares e públicas e bibliotecas universitárias
e especializadas -, editores, livreiros e representantes do sector das tecnologias de
informação. A análise procurará mapear as expectativas, preocupações e desafios
associados com a leitura digital, em geral, e com o formato e-book, em particular.
A sessão com o grupo de autores contou com a participação de cinco elementos. A
selecção dos participantes foi feita tendo em conta a diversidade no que diz respeito a
géneros literários, público-alvo e anos de carreira literária. Considerou-se que a
diversidade poderia proporcionar uma discussão rica e que abordasse diferentes
perspectivas. Apesar de tal ter acontecido, é possível generalizar perspectivas a partir
dos dados recolhidos. Os autores com quem conversámos revelaram que consideram
que os e-books podem ser uma oportunidade para divulgarem a sua obra nos países de
expressão portuguesa. No entanto, será necessário desenvolver a lusofonia e
estabelecer pontes com mercados em crescimento como os de Cabo Verde, Angola e
Moçambique. Quanto ao futuro da sua profissão, um dos aspectos mais debatidos diz
respeito à necessidade de aprender com outras indústrias culturais, como a da música.
Tal como os músicos contornaram a crise do sector quando se aperceberam que os
eventos ao vivo poderiam ser parte da solução, os representantes dos autores
debateram a transformação do escritor num performer. Apesar de não ter ficado
definido um modelo de actuação, um modelo de negócios para o autor, este parece
ser o caminho para novas formas de rentabilizar o seu trabalho. Dois dos temas mais
explorados relativamente às práticas de leitura digital e que indiciam o potencial
conferido ao e-book, dizem respeito à privacidade oferecida pelas práticas de leitura
digital e às possibilidades do hipertexto e da interactividade. Por um lado, consideram
que a ausência de elementos externos que identifiquem o título que está a ser lido
pode incentivar a leitura de géneros socialmente tidos como menores e/ou
controversos – como títulos considerados de menor qualidade literária ou obras de

555
cariz erótico296. Por outro, reiteram que a interactividade oferecida por tecnologias
digitais passíveis de ser integradas em livros electrónicos pode ter impacto positivo na
aproximação dos leitores à leitura, por poder apresentar o livro como um jogo.
O sector das bibliotecas é composto por instituições de cariz diversificado. A realidade
das bibliotecas escolares, públicas, universitárias e especializadas é diferente, como tal
foram organizadas duas sessões com bibliotecários, de forma a perceber quais os
aspectos tidos como mais relevantes na perspectiva de profissionais em contacto com
contextos diferentes. Devido à impossibilidade de organizar quatro sessões, os
representantes das bibliotecas foram organizados em dois grupos, de acordo com os
seus públicos – bibliotecas escolares e públicas e bibliotecas universitárias e
especializadas. O primeiro grupo contou com oito elementos e o segundo com sete.
Independentemente das características distintivas das bibliotecas onde trabalham, os
participantes destacaram a falta de conteúdos em português. Consideram que o
investimento dos editores nacionais no livro electrónico tem sido lento e que tem
contribuído para a demora na disponibilização de títulos em formato digital por parte
das suas instituições. Ainda relativamente à interacção entre biblioteca e editor, é
evidente que o DRM é uma preocupação. Este limita as possibilidades de empréstimo
e pode conduzir ao fim do empréstimo gratuito, o que implicaria mudanças profundas
no modo de funcionamento da biblioteca. Questões práticas relacionadas com a
aquisição de e-books podem também ser um entrave à afirmação do bibliotecário
enquanto promotor da leitura digital. Os métodos de pagamento disponíveis nas
livrarias online não são compatíveis com as práticas em vigor nas bibliotecas escolares,
por exemplo. Os formatos, aspecto destacado pelo relatório da OCDE (2012),
constituem também uma preocupação para os bibliotecários portugueses, que
consideram que os formatos são um risco. É ainda de destacar a constatação da falta
de adesão por parte dos leitores e da necessidade de se pensar em estratégias para a
promoção da leitura digital. E, por fim, a reflexão em torno da necessidade de
desenvolver uma literacia de informação e do papel que a Biblioteca pode assumir
como mediadora de informação.
A sessão dos editores contou com oito participantes, e tal como no processo de
selecção dos autores, procurou-se a diversidade no conjunto dos participantes.
Contámos com a presença de representantes de grupos editoriais e de editoras
independentes, de jovens editores e de editores com vários anos de experiência, e de
editoras de diferentes dimensões e áreas de especialização. Os editores nacionais
reconhecem estar um pouco atrasados relativamente ao mercado global. Assumem
que há o receio de ser inovador e de o risco não compensar. No entanto, o futuro do
papel do editor preocupa-os, apesar de serem unânimes na ideia de que o papel da

296
Na Feira do Livro de Frankfurt de 2012 tornou-se evidente o crescimento das vendas de títulos de
literatura erótica para edição electrónica. O artigo de Frederic Happe, da Agence France-Press (AFP),
intitulado ‘Discrete EBooks Have Unlocked A Huge Erotic Fiction Market’ noticia esta tendência. Artigo
disponível em http://www.businessinsider.com/discrete-ebooks-have-unlocked-a-huge-erotic-fiction-
market-2012-10.

556
editora não se extingue com a auto-edição. Consideram que ainda não existem
modelos de negócio estáveis, mas que o iPad mudou a forma como se vêem os livros
digitais. Com o aparecimento dos tablets, tornou-se mais viável investir em livros
interactivos e multimédia que ofereçam novas experiências de leitura. Contudo, é
considerado que a edição em formato digital pode ser uma ameaça para o livro
traduzido mas uma oportunidade para o livro ilustrado. Ao contrário da opinião
veiculada pelos autores, os editores são de opinião que a indústria do livro não pode
seguir os mesmos passos da indústria da música, pois os autores não podem fazer
espectáculos. Ou seja, se tivermos em conta a perspectiva dos autores, podemos
observar que os editores parecem menos abertos à possibilidade de procurar outras
formas de monetarização da obra literária. No que diz respeito à dimensão comercial,
há uma preocupação generalizada relativamente à perda da importância da montra,
mas muitos dos participantes consideram que os media sociais – em particular os sites
de redes sociais e os blogues - podem ter um papel importante. No final da discussão,
uma questão permanece por responder: como explorar o mercado da oferta quando o
bem se torna intangível?
Esta interrogação aproxima-nos do grupo seguinte, para quem a materialidade do livro
tem sido o elemento central do seu negócio – os livreiros. A sessão com os
representantes do retalho foi a que contou com menos participantes, três. A
diversidade de perspectivas, no entanto, não foi posta em causa já que conseguimos
reunir uma livraria de um grupo de retalho e duas livrarias independentes, uma
generalista com uma secção de alfarrabista e uma especializada no público infantil.
Uma das ideias principais dos livreiros relativamente aos e-books diz respeito ao facto
de sentirem poder estar a perder o seu papel de promotores da leitura. Esta mudança
deve-se, precisamente, ao carácter intangível do livro digital e à sua simples
comercialização através do canal Internet. A aposta nas vendas online parece ser uma
das soluções possíveis para a sua adaptação à morosa, mas crescente, afirmação do
livro electrónico. Esta decisão não se prende com a representatividade das vendas
online, pois estas continuam a ser marginais quando comparadas com a venda de
livros em espaços comerciais físicos. Mas poderá ser uma forma de acompanhar o
desenvolvimento digital do produto livro. Neste processo adaptativo, as livrarias
independentes parecem ter maior capacidade de ajuste, tornando positivo o facto de
estarem habituadas a trabalhar em nichos de mercado.
O último grupo foi composto por representantes do sector das tecnologias de
informação. Contámos com a presença de sete participantes, cuja actividade
profissional se desenrola em diferentes áreas – edição de autor e edição digital, mass
media e telecomunicações. Mais uma vez, o objectivo foi reunir um painel de
participantes com perspectivas diversificadas, mas de algum modo complementares,
em relação à produção e distribuição de conteúdos para serem lidos em formato
digital. Ao contrário dos editores, os representantes das tecnologias de informação
não parecem tão relutantes em acompanhar a evolução do livro para o digital. No

557
entanto, consideram que é, de facto, importante aprender com as outras indústrias
culturais que já passaram por este processo de ‘desmaterialização’ dos seus produtos.
O carácter social da leitura digital é considerado um dos aspectos que deve ser
potenciado pelos e-books e pelos editores nacionais. Consideram que a oportunidade
de massificação dos hábitos de leitura digital está nas faixas etárias mais jovens e mais
velhas, e que a facilidade de acesso é essencial para conquistar estes públicos. A
reflexão em torno do segmento com mais potencial para ser estimulado com livros em
formato digital conduziu à conclusão que será o infanto-juvenil. Este segmento pode
ser conquistado com e-books multimédia e interactivos, que ofereçam novas
dinâmicas de leitura e que permitam explorar novas formas de imersão narrativa.
A análise dos focus groups com representantes nacionais do livro e da leitura revela
que alguns dos agentes parecem mais preocupados em tentar atrasar o futuro do que
em reagir e aproveitar as oportunidades oferecidas pelo livro digital. Esta tendência foi
verificada tanto entre os editores como entre alguns representantes das tecnologias
de informação. Os primeiros receiam apostar num novo formato, os segundos, por sua
vez, parecem resistir a tirar partido das novas tecnologias de comunicação e
informação, às quais muitos têm acesso privilegiado. A falta de standards é uma
preocupação generalizada partilhada por elementos de todos os grupos e é vista como
um dos principais desafios à disseminação do livro electrónico. Outro factor visto como
preponderante para a aceitação tardia deste novo formato é o conflito latente entre
agentes da rede de valor do livro digital, em particular entre editores e bibliotecários.
No cerne deste conflito têm estado as limitações impostas pelo DRM. Em relação às
suas prospectivas, parece haver um reconhecimento partilhado por todos de que o
futuro da leitura passa, também, pelo formato digital. As indústrias do livro e da
informação terão de encontrar rapidamente novos modelos de negócio, estáveis e que
lhes permitam fazer face às expectativas dos leitores digitais, tendencialmente mais
exigentes. Contudo, é de realçar a dificuldade detectada, em praticamente todas as
sessões, relativamente à definição daquele que será o caminho a seguir pelo sector.
Apesar do sector do livro ser uma das últimas indústrias culturais a sentir o impacto da
digitalização, os agentes da leitura parecem estar a ter dificuldades em aprender com
os seus predecessores, das indústrias da música e do cinema, e em definir estratégias
conjuntas de actuação. Uma das dimensões que parece ter potencial para dinamizar o
livro electrónico é o facto de os livros serem móveis desde o aparecimento do códice,
contudo, os fornecedores de conteúdos têm agora de enfrentar o desafio de tornar a
leitura digital relevante para os novos dispositivos móveis, com ligação à internet.

Conclusão

A adopção do livro em formato electrónico carece de reflexão. Por um lado, e tal como
proposto pelo relatório ‘E-books: Developments and Policy Considerations’ (OCDE,

558
2012), é necessário compreender quais as vantagens e desvantagens do livro digital,
em relação ao livro impresso. Este entendimento permitirá perceber a melhor forma
de tornar estes dois formatos editoriais compatíveis e, acima de tudo,
complementares. A ideia de que o e-book suplantará o livro impresso faz parte das
primeiras perspectivas sobre este assunto. Actualmente já é possível delinear o papel
das edições electrónicas no cômputo das práticas de leitura digital. No entanto, torna-
se também premente reconhecer que a leitura digital não passa só pelo e-book e que
todas as formas de leitura em ecrã devem ser potenciadas enquanto incentivadoras de
hábitos de leitura mais extensivos, independentemente do suporte.
A reflexão em torno do lugar do e-book no seio do sector editorial nacional conduz-nos
a algumas conclusões sobre a relação que se tem vindo a estabelecer entre e-books e
leitura digital em Portugal. Por um lado, é essencial mapear o mercado e definir
estratégias de promoção da leitura digital. Apenas a compreensão das dinâmicas entre
todos os agentes da rede de valor do livro e da leitura permitirá tirar o melhor partido
possível das vantagens dos e-books e que este produto se afirme como fundamental
para a disseminação de hábitos de leitura em diferentes grupos de leitores.
Após a análise do relatório da OCDE e da sua articulação com as perspectivas
partilhadas pelos participantes nos grupos de discussão organizados, podemos concluir
que há um conjunto de aspectos que devem ser tidos em consideração e que poderão
definir o futuro da edição digital. Por um lado, é imprescindível reflectir sobre
estratégias editoriais que recorram a valor acrescentado enquanto meio para prevenir
a cópia ilegal. Se o editor oferecer exactamente o mesmo produto em formato
impresso e digital, não estará a incentivar o desenvolvimento de práticas de leitura
multiplataforma nem a encorajar o leitor a comprar as duas versões do seu produto,
ou mesmo apenas uma, em detrimento da cópia ilegal que põe em causa o direito
autoral. Por outro lado, é necessário resolver o conflito latente entre editores e
bibliotecários e encontrar um posicionamento conjunto que assegure o empréstimo
gratuito de e-books nas bibliotecas. A extensão da Lei do Preço Fixo e do regime de IVA
reduzido aos livros não impressos deve também ser alvo de reflexão. A distinção do
produto com base na sua materialidade é vista como um factor que pode estar a ser
um obstáculo à adopção mais generalizada de novos suportes de leitura. Outro
aspecto visto como determinante para esta generalização é a normalização dos
formatos. Neste ponto, para além da definição conjunta de um standard, é necessário
dar especial atenção à compatibilidade entre formatos e diferentes dispositivos de
leitura, bem como à implementação de formatos compatíveis com funcionalidades
para pessoas com deficiência visual. Por último, a possibilidade de empréstimo entre
leitores é vista como um dos aspectos que poderá marcar a diferença entre o sucesso
e insucesso comercial do livro electrónico. Esta funcionalidade poderá incentivar não
só a partilha de leituras bem como a exploração da dimensão social da leitura digital,
caso os e-books e aplicações de leitura permitam partilhar experiências entre leitores
através da ligação com media sociais, como o site de rede social Facebook, ou a

559
plataforma de microblogging Twitter. Ou seja, é necessário transportar a leitura para o
seio da comunicação em rede e da interacção em plataformas sociais digitais.
A aceitação do livro electrónico em Portugal está dependente das estratégias
implementadas na produção e comunicação do produto. Contudo, verifica-se que,
apesar da rede de valor do livro digital estar ainda em desenvolvimento, há um
reconhecimento por parte dos agentes nacionais de que o futuro do livro passará
mesmo pelo digital. Os representantes do sector consideram que é fundamental
definir modelos de negócio que permitam gerir melhor o risco da aposta em novas
formas de narrar uma história, independentemente do seu género literário, bem como
tirar partido das novas práticas comunicacionais em rede – cada vez mais a dimensão
de mobilidade é valorizada, logo é importante que o livro consiga adaptar-se a um
contexto de mobilidade aumentada. Estamos perante a possibilidade não só de ler em
qualquer lugar, o que já era proporcionado pelo livro ou pelos jornais impressos, mas
perante uma mobilidade conectada, em rede, colaborativa.
As expectativas, preocupações e desafios discutidos pelos representantes do sector
indiciam, assim, que a adaptação do sector editorial ao contexto digital passará
indubitavelmente pela definição de estratégias de edição digital que contemplem os
diversos intervenientes no processo de criação e consumo do livro: autores, editores,
agentes, bibliotecários e leitores. Ou seja, é necessário definir não só estratégias de
produção e distribuição mais adequadas às oportunidades e ameaças do contexto
digital, mas também adaptar os modelos de negócio tradicionais à possibilidade de
produzir livros em diferentes formatos, adequados a diferentes públicos-leitores e
disponíveis através de diferentes canais – livraria, livraria online, site da própria editora
ou ‘distribuidores digitais’. Os editores devem, assim, retirar o melhor partido possível
das possibilidades oferecidas pelo contexto digital e centrar a sua atenção nos leitores,
tal como sugere Stephen Page, editor principal da Faber and Faber, num artigo de
opinião publicado no The Guardian, a 06 de Março de 2008:

So publishers must harness the great power of online networks through


enriching reader experience. We must provide content that can be
searched and browsed, and create extra materials – interviews, podcasts
and the like. We mustn’t be afraid of inviting readers to be involved.
Beyond online retailing, publishers can now build powerful online places to
showcase their books through their own and others’ websites and build
communities around their own areas of particular interest and do so with
writers. (Page, 2008)

560
Referências bibliográficas

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Guardian, disponível em
http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2008/mar/06/internet.gadgets,
consultado a 30 de Novembro de 2013.

561
CONCLUSÃO

Ler

Gustavo Cardoso

562
Esta análise sobre o livro, o leitor e a leitura digital termina com um breve capítulo e
com um breve título: “Ler”.
A escolha foi propositada pois, como pudemos ver ao longo das múltiplas páginas e
dos vários olhares que constituem esta análise, foram lançados diversos desafios sobre
o que entendemos ser um livro, um leitor e a leitura digital. No fim de contas, o que
quisemos foi efetivamente questionar o que são, na sociedade contemporânea, o ato,
i.e. a prática, e a ideia, i.e. a representação, da leitura. É claro que para concretizar
esse objectivo tivemos de tentar responder ao que vai acontecer ao livro e, por o
termos questionado, tivemos igualmente que esclarecer de que livro falávamos. Do
livro impresso? Ou do livro digital? Obviamente, ao termos feito as três perguntas
anteriores tivemos também de interrogar o que sucederia com os leitores. E, por sua
vez, perguntar o que são, quem são os leitores hoje.
Não pretendendo terminar esta reflexão com mais interrogações do que aquelas com
que partimos, parece lógico que perguntar algo sobre o livro e sobre os leitores teria,
obrigatoriamente, de nos conduzir até ao questionamento sobre o que é a leitura no
presente. O que implica, portanto, responder ao que se lê. E se esse “o que se lê” se
refere a palavras-chave classificadoras de géneros da escrita (e quem sabe do desenho
também) como sejam o romance, a banda desenhada, o conhecimento técnico, etc.
Ou se “o que se lê” se refere a formatos de leitura, os quais antes de leitura foram de
escrita, como sejam os livros, as páginas web, as revistas, os blogues, os jornais (e as
suas notícias) ou as redes sociais (e os seus posts) – e é claro que aqui teríamos
também de dizer se em papel ou digitais.
Como parece claro, pelo menos neste momento de leitura para quem até aqui chegou,
não podíamos ter iniciado esta análise, e muito menos concluí-la, se tivéssemos tido
medo de colocar em causa as nossas certezas de senso comum, evitando o questionar
daquilo que aprendemos ao longo da escolaridade, daquilo que temos lido, do que
observamos no nosso dia-a-dia de trabalho e familiar e, também, das certezas que os
media nos deixam intuir através das suas notícias sobre o livro, o leitor e a leitura.
Por tudo o que aqui referi, o nosso ponto de chegada teria, indubitavelmente, de ser a
palavra “Ler”. Pois se conseguirmos definir o que é ler “hoje”, num século XXI de
convivência entre o papel e o digital, teremos cumprido o principal objectivo a que nos
propusemos.
Dar resposta à pergunta “o que é ler?” não terá aqui o perigo de ser uma resposta
datada e rapidamente ultrapassada pelos próprios acontecimentos e apropriações que
pretendemos estudar? Creio que a resposta será negativa, que esse perigo não existe.
Essa convicção alicerça-se na análise realizada e na hipótese por ela consubstanciada,
ou seja, tal como em outros momentos históricos o paradigma da leitura – e por
arrasto dos seus suportes e dos seus atores – se definiu enquanto produto de
experimentação, de produção e apropriação, deixando tendências de práticas e
representações que se mantiveram ao longo de largos períodos de tempo, também
aqui cremos estar perante um fenómeno semelhante.

563
O período de definição do atual paradigma da leitura iniciou-se com o surgimento do
computador pessoal e, posteriormente, com a difusão da Internet e com a
experimentação de práticas de leitura em ecrã, do computador ao ebook. Este período
de experimentação definiu já claramente práticas de leitura e representações do que é
ler e essa experimentação perdurou já tempo suficiente para ter igualmente impacto
em algumas instituições da sociedade transformando-as, por vezes colocando-as em
causa, outras vezes fazendo-as redescobrir novos papéis. A nossa hipótese é que
estamos já hoje perante a institucionalização de novas práticas e representações face
ao que é ler.
Depois de os leitores terem já transformado as suas práticas e representações face à
leitura, estaremos a assistir ao clarificar de quais as novas instituições associadas à
leitura, ou seja, ao surgir de um novo Sistema da Leitura. Um novo Sistema da Leitura
que, como todos os sistemas, é produto da institucionalização de novas lógicas e novas
rotinas. Estas rotinas são, por exemplo, a combinação entre novos canais e canais de
distribuição para a leitura já experimentados. Canais que encontram nas bibliotecas,
livreiros e grandes superfícies virtuais – como a Amazon, com os seus armazéns de
produtos também bem materializáveis - três das suas tradicionais instituições, mas que
também convivem com a multiplicação da oferta de escrita em redes sociais, blogues e
páginas de criadores, produtores de conteúdos e escritores em todas as línguas e sob
as mais diferentes formas de apresentação e narração do conteúdo escrito.
O que poderíamos apresentar, em jeito de argumento final, como a nossa nota
conclusiva, ou seja, o que gostaríamos que os nossos leitores pensassem sobre esta
análise ao terminarem a leitura da nossa última linha de texto? Em primeiro lugar há o
contexto da leitura. E para tal será preciso que interroguemos os nossos leitores sobre
como leram este texto. Alguns tê-lo-ão lido em papel, tendo-o comprado numa loja
(online ou de rua), outros terão por exemplo usufruído de um empréstimo de um
amigo ou, tendo primeiro consultado o livro, requisitaram-no depois numa biblioteca.
Essa serão algumas das experiências possíveis. Já outros terão lido este texto num
ecrã, percorrendo com os dedos o passar virtual de páginas, tendo descarregado o
texto para leitura a partir de um operador de vendas online ou, eventualmente, de
uma biblioteca que havia já implementado um sistema de empréstimo virtual de livros
ou de leitores e livros. Haverá ainda outros que o lerão num ecrã a partir de um pdf
que alguém, de quem se perdeu o traço, colocou num blogue ou numa página de
partilha de ficheiros.
Haverá ainda outros que, nas redes sociais, contactarão com este livro através das
frases partilhadas por alguém que ao estudar sobre este tema resolveu partilhar algo
como “Não é o livro que comanda, é o leitor que comanda. Portanto é o leitor que
define a leitura.”, uma frase que faz parte deste texto e que se encontra algures numa
outra parte do livro que não a que está a ser lida por si neste momento. Mas a frase
que escolheríamos para resumir o que aqui se aborda sobre o “Leitor, o Livro e a

564
Leitura Digital”, e que definiria o que é para nós o paradigma da leitura, ou o que é ler
hoje, é uma frase um pouco mais longa.
Primeiro, necessitamos recordar que o século XXI é a época histórica onde, sem
sombra de dúvidas, até hoje mais se escreveu. Tal profusão da escrita destinada à
leitura, por outros que não os autores dessa escrita, deve-se à difusão da Internet e
dos dispositivos de leitura com ecrã.
Em segundo lugar, nunca se leu tanto em nenhum outro momento histórico, há uma
maior população global, os níveis de alfabetização e literacia são os mais elevados de
que há memória e o lema de que vivemos numa “Era da Informação” cria a apetência e
a percebida necessidade de ler e manter a leitura permanente e atualizada.
Por último, nunca publicámos institucionalmente tanto – seja com revisão por pares
ou porque se paga para ser publicado – nem nunca tivemos tantas instituições
centradas na difusão da leitura, sejam elas bibliotecas ou editores. Nem nunca tantas
empresas dependeram tanto, para as suas vendas de produtos e serviços, de serem
lidas pelos seus prospectivos clientes online.
Ler foi nos dois últimos séculos associado à leitura de livros, jornais e revistas. Tal foi
produto da articulação entre o que socialmente foi sendo definido como de
importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade e o
interesse individual de quem lia. Tal não quer dizer que não existissem, porque sempre
existiram, livros, jornais e revistas cujos conteúdos – i.e. o que neles, para além do
formato, estava escrito – produzissem as mais duvidosas certezas quanto à sua real
importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade. A
dificuldade de como lidar com a certeza de que nem tudo o que era escrito em livros,
jornais e revistas, possuía um papel social claro foi resolvida através de instituições
formativas, de preservação de memória e de partilha de conhecimento – leia-se
escolas, bibliotecas e arquivos.
Ler foi também associado à leitura em papel mas, num dado momento histórico, isso
mudou. Com os computadores, com a Internet e com a simulação da experiência de ler
em papel passada para os ecrãs alterámos a nossa relação com os suportes – passámos
a ler em papel e em ecrãs, sem obrigatoriamente sermos fundamentalistas de um ou
de outro modelo.
Com esta passagem somos de novo confrontados com a multiplicidade de textos
publicados em formato digital, alguns deles continuando a ser apresentados como se
de livros, jornais ou revistas se tratasse, só que agora sem papel, passando ao formato
de ecrã. Outros textos evoluíram para uma lógica diferente, como por exemplo os
posts em blogues e em redes sociais ou em páginas web. Também aqui se constatam
as mesmas situações atrás expressas, temos muitas pessoas a decidirem
individualmente o que querem, o que gostam de ler, em ecrãs, sejam esses textos
posts ou livros. E, por isso, de novo se colocam as mesmas questões com as quais
sempre nos debatemos, entre o que socialmente foi sendo definido como de
importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade e o

565
interesse individual de quem lia. No entanto, falta-nos ainda definir institucionalmente
como se irá dirimir a interação entre o interesse individual e o interesse social de ler,
agora centrado no ecrã e já não apenas no papel ou só nos livros, jornais e revistas.
Este é o campo de debate e experimentação que ainda temos de observar, mas tal não
é impeditivo de aqui deixarmos uma definição do que é ler.
Ler é o ato de leitura de textos escritos, em formato papel ou ecrã, produzidos por
outrem com o intuito de divulgação abrangente, distribuídos através de redes digitais
ou circuitos de distribuição físicos. Ou, se preferirmos, ler pode ser social e
individualmente definido. Assim, ler é socialmente o ato de leitura de textos escritos
de importância cultural, económica e política para a nossa vida em sociedade. Mas ler
também é a última frase desta análise, que pode ser lida na linha seguinte após este
parágrafo.
Ler é o ato de leitura de textos escritos sob qualquer forma e formato.

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