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Por Cristiano Pimenta*
Não me parece possível abordar esse tema sem antes enfrentar uma difícil
questão: o que é ser homem hoje? É ser machão? É ser heterossexual?
Sabemos que há o metrossexual e também — seguindo tendências mais
recentes — o lumbersexual. Dizem, aliás, que Brad Pitt, Ben Affleck, dentre
outros, já aderiram ao estilo do “lenhador sexy”. Por outro lado, por que um
homossexual não seria um homem? E o que dizer de certas mulheres que
em tudo parecem ser “mais macho que muito homem”? Ora, essa confusão
evidencia que, nessas questões, a vida contemporânea é atravessada por
uma ruptura com os antigos padrões.
E como ama esse homem simbolizado pelo pai severo, cuja vontade era
expressa e atendida com um simples olhar enfurecido? Digamos que ele não
foi talhado para amar, mas sim para ser amado. É que amar fragiliza,
enfraquece, gera dependência para com o objeto amado. Amar é confessar
sua falta (Miller). No contexto desse homem-pai-possuidor-do-falo, o amor
concerne mais à mulher. Amar é coisa de mulher. Daí que, se esse Homem
com maiúscula se enfraquece por amor ele pode ser depreciativamente
chamado de “mulherzinha”. Compreende-se, por outro lado, que, dessa
perspectiva, ser mulher é ter inveja do pênis (Penisneid), como formulou
Freud. A inveja do pênis é o nome freudiano da falta feminina, falta que se
apazigua na relação com aquele que é o detentor do objeto do desejo.
Mas um Homem assim terá existido realmente algum dia? Deixo de lado
essa questão para dizer que, de todo modo, enquanto Ideal, referência
simbólica e identificatória, ele existiu sim. Sua produção dependia da eficácia
do pai, enquanto o interditor da relação mãe-criança. Todavia, o pai
enfraqueceu. Por quê? Para responder tal questão é preciso observar que
essa engrenagem da Metáfora Paterna só funciona se o desejo feminino
estiver enganchado nesse Homem, ela foi montada para responder ao
desejo feminino, ao qual se supõe poder dizer: “Afinal, o que mais uma
mulher poderia desejar além de ter marido e filhos?” Impossível não nos
lembrarmos de que a psicanálise foi inventada por Freud justamente na
tentativa de tratar das mulheres que não se encaixavam nesse padrão: as
histéricas. As histéricas do final do século XIX já testemunhavam, ou melhor,
já produziam, o fracasso desse Homem. O desejo histérico se caracteriza
justamente por se remeter sempre a uma Outra coisa; ele é por definição
insatisfeito, não se apazigua com o falo e nem com os objetos substitutos
como o filho. As histéricas foram as primeiras a deixar esse Homem a ver
navios. Seus pais, numa última tentativa desesperada de colocá-las na via
correta, diga-se arranjar-lhes um marido, as levavam a Freud, como se
dissessem: “Quem sabe essa tal psicanálise possa dar um jeito”. Digo de
passagem que Freud jamais se propôs simplesmente atender às demandas
de adaptação dos pais. O projeto de Freud foi, antes, o de tentar explicar os
mistérios que governam a vida amorosa das pessoas.
Mas quando nos interrogamos sobre o que seria essa transformação não nos
vem à mente, justamente, a imagem do lenhador sexy, ou seja, um ideal
encarnado por um Brad Pitt, um homem sedutor que arrebata toda e
qualquer mulher, um “pegador”, um Don Juan? E para quem se destinaria o
visual cuidadosamente desleixado se não para o desejo feminino? Além
disso, essa concepção de homem parece ir ao encontro da queixa de muitas
mulheres, a de que os homens hoje não se apegam, não se apaixonam,
querem apenas desfrutar do sexo, evitar o amor, o compromisso, etc. Nesse
mesmo sentido, poderíamos ainda convocar o ponto de vista de um
sociólogo de peso, Zygmunt Bauman, que denunciou, em “Amor líquido:
sobre a fragilidade dos laços humanos”, a superficialidade dos amores na
vida contemporânea, a liquidez com que os amores se desfazem antes
mesmo de começar.
Contudo, nos tempos atuais, há um fato desconcertante que subsiste ao lado
desse o homem fluido, livre e desapegado, a saber, com o declínio do
modelo paterno, o homem passou a amar. Eis uma novidade! Sem a
proteção das antigas identificações paternas, sem uma bússola para se
orientar frente ao desejo feminino, ele se valeu do recurso ao amor. Ao fazer
isso, no entanto, o homem adentra um terreno que ele não domina, ou
melhor, um terreno dominado pelas mulheres. Inexperiente, se assim
podemos dizer, o homem corre o risco de ficar em desvantagem nesse jogo
há muito jogado por elas.
Não é novidade que a vida sexual do homem seja atravessada pelo drama
da impotência. Na adolescência a experiência sexual ainda inédita é temida,
o que explica o tempo enorme dedicado aos jogos de internet. Na
maturidade há o temor de uma impotência inesperada e na velhice pode
haver uma impotência há muito esperada. Nem precisaríamos falar da
perturbadora questão do tamanho do seu pênis. Enfim, ao vincular sua
virilidade à ereção de seu órgão, o homem se torna refém desta última. Não
é o caso, por exemplo, das mulheres homossexuais que na relação sexual
ocupam o lugar masculino, ativo, que faz a parceira gozar satisfatoriamente.
O fato de não terem um pênis não lhes traz nenhum problema. Algumas,
aliás, sentem-se muito mais viris justamente por não possuírem esse órgão
tão frágil e problemático.
O luto e a alegria