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França nas últimas semanas, na medida em que é atravessado por uma composição
social e por temas políticos – impostos e poder de compra – que cortam as nossas
amarelos” obriga-nos a por de parte as nossas rotinas políticas, para que nele
possamos participar com a prudência daqueles que sabem como avançar num
acção praticadas pelos coletes amarelos nos são familiares – bloqueios de trânsito
segmentos sociais, lutando por sobreviver, parecem estar na frente desta dinâmica:
e a dureza do trabalho para outros; aqueles que viram os seus direitos sociais
desaparecer ou aqueles que nunca tiveram esses direitos; aqueles para quem o
futuro subitamente passou a ser muito mais sombrio do que aquilo que
expectativas cada vez mais curto [2]. Esta dimensão social do protesto, feito de
invisíveis [4]. Ver a sua vida, dos seus familiares, dos seus amigos e vizinhos,
tornar-se cada vez mais insuportável – isto é o que leva as pessoas não apenas a
muitos aqueles que, entre os coletes amarelos, apenas agora chegaram à política.
mas antes as zonas periurbanas, os subúrbios, a periferia difusa. Nem cidade nem
menos cara do que em outros locais, por outro lado é aqui que os transportes
maior parte das vezes entre engarrafamentos. Para além disso, é preciso gastar
preço da gasolina pode ser a gota que transborda o copo. Especialmente se esta
[5]. Como já foi dito muitas vezes: o aumento dos preços é ecologicamente
classes dominantes parecem, elas próprias, ter renunciado a fazer desta questão
custo de uma transição ecológica fantasma e, por outro lado, utilizando as suas
encontrar o seu lugar. Neste contexto, a recusa em aceitar esta mentira de estado é
uma recusa em apoiar o estatuto de responsável pela crise ecológica e assim abrir
a possibilidade de desenhar uma linha de classe mais clara separando quem são os
consolidar.
é, por vezes, invocado para sustentar a ideia de que nada disto tem que ver com
crítica dos sistemas de exploração [6]. Criticar os coletes amarelos, neste aspecto
em particular, como sendo uma exigência que deriva da esfera privada, arrisca-se
vez mais, a França parece seguir, com algum atraso, dinâmicas sociais que já se
contudo, termina aqui. O movimento dos «forconi» aparece agora como um dos
governo em vários países, tanto na Europa como na América, enquanto que a crise
económica durava há “apenas” cinco anos... Segundo, a Itália não tinha emergido
A este propósito, deve ser tido em conta o eco transnacional que os coletes
do centro» que comanda a União Europeia: uma tal deslegitimação popular, vasta
e interclassista, nas vésperas das eleições europeias de 2019, inquieta fortemente
os guardiões do status quo. E isto, ainda mais, porque a extrema direita chegou ao
continente europeu.
Dito isto, as apostas ainda não estão decididas e o jogo permanece em aberto,
mesmo se estamos a operar num ambiente hostil. Mas voltemos aos factos.
vários armazéns de logística, até aos dois mil bloqueios de rotundas em frente às
completam o quadro.
ordem como dos “profissionais da desordem” estavam de acordo, ainda que por
razões opostas, sobre a escala do evento: a Avenida dos Campos Elísios, esse ponto
alto do poder político e económico, em chamas por um dia, enquanto que as cenas
que apenas algumas vitrines tenham sido partidas, que poucos bens de consumo
massivo de equipamento táctico não letal) não tenham saído em todo o seu
esplendor. Aquilo que conta, tanto para uns como para outros, é que as
entanto, fazerem precipitar a situação, como foi o caso na Ilha Reunião, onde o
Estado recorreu ao Exército. No entanto, quase ninguém, entre aqueles, que vieram
aos Campos Elísios para destituir o soberano manifestou o mais pequeno sinal de
redistributivas; a da Act Up, pelo dia mundial contra a sida; e a do Collectif Rosa
Para parodiar Mao, poderíamos dizer: grande é o caos sob o céu – mas não é certo
que a situação seja excelente. O que sabemos, porém, é que a esfera da reprodução
não apenas para determinar uma linha de clivagem no seio do movimento, mas
um outro campo de batalha que nos permite ir além do tríptico preço dos
subjectivação política do actual movimento, que não será alcançada senão através
de uma multiplicação dos lugares e dos temas da luta. Em suma, a médio prazo,
não haverá subjectivação política deste movimento sem uma expansão das frentes
económica e política traz consigo cada vez mais caos e uma gestão desse caos cada
mudança das formas de luta e uma reconfiguração das práticas militantes, então
movimentos. É por isso que – em conjunto com o “Comité Vérité et Justice pour
lado dos coletes amarelos. Fazemo-lo sem saber o que resultará dessa jornada, mas
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Nota de edição
Este texto foi publicado originariamente no site da Plateforme d'Enquêtes Militantes, a 30
de Novembro de 2018. Optou-se por não traduzir a primeira parte do título “Sur une ligne de
crête”. Embora signifique, literalmente, “linha de cume”, ela dá conta de uma linha de
fronteira/fractura, instável e em potencial desequilíbrio, em que se pode cair tanto para um
lado como para o outro. Traduções possíveis para português poderia ser: “no fio da navalha”
ou “na corda bamba”. O texto foi traduzido para Português por Pedro Levi Bismarck e Paulo
A M Monteiro, a partir da versão original e da versão inglesa publica na Viewpoint
Magazine, aconselhando-se a leitura da nota introdutória aqui publicada.
Ficha Técnica
Data de publicação: 07.12.2018