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GERAÇÃO DE 1870 E DIREITO NO BRASIL:

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a relação Estado, ciência e sociedade

Esdras Bezerra Fernandes de Araújo


(Sociologia – UFPE)
Anna Kristyna Araújo da Silva Barbosa
(Sociologia – UFPE)

Palavras-chave: Geração de 1870; Direito no Brasil; Escola de Recife.

Este trabalho tem por intuito fazer um levantamento da posição dos autores –
Tobias Barreto, Sílvio Romero e Paulo Egídio – para entender as nuances de seu
pensamento acerca do Direito como elemento fundamental para se compreender e
mudar o Brasil. Tanto Barreto quanto Romero, para os estudos do pensamento social e
político brasileiro, dispensam apresentações por serem as duas primeiras grandes
mentes do que se convencionou chamar de Escola de Recife, especificamente a geração
de 1870. Nesse contexto é que se tem a obra dos autores, que transitaram nos estudos de
variadas áreas – política, cultura, direito e filosofia – e assim conseguiram estabelecer
diretrizes gerais de um "pensar o Brasil". Diante disso, e considerando a influência de
ambos para essa escola de pensamento, é que a reflexão sobre o direito pode ser tomada
como aspecto central para compreender um "estilo de pensamento" próprio daquela
escola.
Paulo Egídio aparece como um pensador vinculado mais claramente à questão
do direito e do ordenamento jurídico da sociedade. De antemão, o que perpassa os
autores, além dos debates teóricos sobre o contexto intelectual da época, é a questão de
entender a sociedade e o "problema nacional" por meio do direito, articulando questões
como desenvolvimento nacional, identidade e raça no Brasil, pontos centrais das
ciências sociais do final do século XIX e começo do XX. Assim, tendo em mente a
noção de linhagem de pensamento e considerando a relevância das instituições
formadoras para o pensamento brasileiro, a intenção deste trabalho é indicar os

1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001
alinhamentos e distanciamentos entre esses autores, pensando-os a partir das temáticas
centrais das produções daquele período e das abordagens desenvolvidas por eles. O
trabalho orbita em torno do debate jurídico dos autores destacados, discutindo a relação
Estado e Direito no fomento do ordenamento da sociedade brasileira, mas considerando
a todo momento a impossibilidade de falar deles sem recorrer às suas influências, em
especial nos aspectos referenciais para análise da criminalidade no Brasil. Diante disso é
que o Estado aparece como mecanismo de resolução dos conflitos e do crime no Brasil,
mediante um diálogo embasado nas explicações do crime em seu caráter científico e
próprio de uma época.
No dia 11 de agosto 1827, são criadas as escolas de Direito em Olinda (que é
transferida para Recife em 1854) e em São Paulo, visando responder a questões do
desenvolvimento e à autonomia nacional. As teorias sociais da Europa influenciaram de
certo modo essas duas escolas. Em Recife houve um movimento intitulado de geração
de 1870, conhecida também por Escola do Recife. Homens de ciência como Tobias
Barreto, Sílvio Romero, Clóvis Bevilacqua entre outros que contribuíram de forma
significativa para o campo do direito no Brasil. Tobias Barreto é visto por muitos
autores que comentam sobre a geração de setenta, até mesmo pelo seu colega e
discípulo Silvio Romero como o líder do grupo de intelectuais mais tarde conhecido
como Escola do Recife. Tobias Barreto de Menezes nasceu no dia 07 de junho de 1839
na Vila de Campos em Sergipe, sertão nordestino, homem de origem humildade, pobre
e mestiço filho de Pedro Barreto de Menezes e Emereciana Menezes, família de origem
pobre. Iniciou o curso de primeiras letras orientado pelo professor Manuel Joaquim De
Oliveira Campos e depois teve aula de latim com o Padre Domingos Quirino onde
obteve o título de professor substituto de latim posteriormente o que lhe conferiu certo
prestígio, visto que a língua latina enobrecia, principalmente aos mestiços. Formou-se
em Direito pela Faculdade de Direito do Recife em 1969, onde também foi professor no
período de 1881 a 1889. Dedicou-se aos estudos filosóficos e jurídicos, paralelamente à
atividade de poeta. Foi influenciado pelo monismo, sobretudo o advindo de Haeckel. É
considerado um dos primeiros a introduzir as teorias germanistas (culturalismo) na
Faculdade de Recife e no Brasil. Foi um destacado membro da Escola de Recife, sendo
considerado por Silvio Romero como um iniciante, ao seu lado, de uma corrente
filosófica no Brasil. Casa-se com Graça Mafalda dos Santos em 1869, com quem tem
nove filhos. Filia-se ao Partido Liberal em 1870 e passa em defender as ideias liberais
em jornais da época. Em 1871 deixa Recife e se muda para Escada onde passa a exercer
cargos políticos e cria seu primeiro jornal editado com tipografia própria. Em 1875
publica seu primeiro livro.
Tobias Barreto era filósofo, jurista, poeta e deixou como legado uma gama de
escritos, que segundo Hermes Lima (1943), são “os menos lidos pelas novas gerações.
As primitivas edições de suas obras são hoje raridades bibliográficas” (HERMES LIMA
apud VENACIO FILHO, p. 07). Vamireh Chacon afirma que atacar Tobias Barreto e a
Escola de Recife tem sido habitual, mas para o autor sucede que “excluir Tobias e seu
grupo, implica em quebrar um elo da cadeia do pensamento brasileiro.” (CHACON,
2008, p. 38). Pois ele encabeça um movimento intelectual cientificista de grande
importância para a construção do pensamento social e jurídico brasileiro, como nos
aponta Silvio Romero, amigo e grande influenciador de Tobias.
A ação por mim e por Tobias Barreto iniciada neste País, a princípio contra o positivismo de
Comte, eu em prol do evolucionismo spencerianista, Tobias em prol
do monismo transformista de Haeckel e Noire, não tem sido de todo
perdida. Os nomes de Tito Lívio de Castro, Estelita Tapajós,
Marcolino Fragoso, Oliveira Fausto, entre jovens médicos e os de
Samuel de Oliveira e Liberato Bitencourt, entre outros jovens
engenheiros militares, garantem-me que estou a afirmar a verdade.
Não quero dizer que com estas palavras que estes dignos brasileiros
tenham aprendido tudo comigo e com Tobias Barreto; desejo apenas
consignar que nosso ensino, diverso na essência das ideias e similar na
ação crítica, teve a honra de achar agasalho, direta ou indiretamente,
nas almas entusiastas de tão distintos patrícios (ROMERO Apud
ALMEIDA, 2008, p. 26).

O jurista sergipano mesmo sem pretensão alguma fez Escola, chamada por
alguns de forma irônica como teuto-sergipana ironizando o apreço pelo germanismo de
Tobias. Alguns intelectuais a exemplos de Angela Alonso, Hermes Lima, José
Verissimo e Carlos Laet consideraram a escola do Recife como “uma tradição
inventada” (ALONSO, 2002, p. 134).
O nome de Escola parece realmente exagerado para o movimento de Recife. Mas a agitação
intelectual que ali se processou não só foi deveras brilhante, como
adquiriu caráter mais ostensivamente iconoclasta dos antigos padrões
mentais que o de qualquer outra região. Este movimento exprimia,
claro está, um sintoma das transformações materiais e sociais por que
estava passando o Brasil, sintoma que se repetia um pouco por toda
parte. Mas o movimento de Recife tinha um cenário mais amplo, era
mais arregimentado, partida de um centro tradicionalmente respeitado,
como a Faculdade de Direito, e versou principalmente idéias gerais no
campo da filosofia, das ciências políticas, sociais e jurídicas, ideias
que expressavam melhor os anseios do espírito e da cultura que os
temas especializados em já se sobressaíam, como José Veríssimo
apontou, diversos homens ilustres. (HERMES LIMA apud VENACIO
FILHO, p. 94).

Porém, segundo Hélio Jaguaribe, “constitui a Escola do Recife, juntamente


com o positivismo, e, em época posterior, com o catolicismo de Jackson, um dos três
únicos exemplos de um movimento intelectual brasileiro que formou escola e perdurou
além da geração dos fundadores.” (JAGUARIBE apud CHACON, 2008, p. 38).
Para Tobias, o direito não era algo natural, vindo de um ser divino, mas algo
construído historicamente, um produto cultural. A influencia do germanismo em seu
pensamento pode ser percebida a grande quantidade de livros alemães em sua vasta
biblioteca pessoal que continha cerca de 437 livros, sendo 102 deles em alemão. A
biblioteca foi vendida ao governo de Pernambuco, ação que foi intermediada por Artur
Orlando e Silvio Romero devido a necessidade de ajudar a viúva de Tobias e seus nove
filhos que ficaram em condições financeiras precárias depois da morte do pai. O
pensamento de Tobias sofreu influencia pelo monismo, sobretudo o advindo de
Haeckel. O sergipano é o pioneiro no que remete às influências germanistas no
pensamento brasileiro e um dos primeiros a introduzir as teorias germanistas
(culturalismo) na Faculdade de Recife e no Brasil. No campo do direito, Tobias elabora
uma ciência do direito adequada ao contexto e embutida de crítica, contrapondo as
ideias ortodoxas de Comte, autor francês criador do positivismo que muito influenciou o
pensamento cientificista brasileiro no séc. XIX. Tobias só aceita do germanismo
“intuição crítica, apta a revigorar a nossa própria individualidade nacional.”
(BARRETO apud CHACON, 2008, P. 39). Embora o encanto pelas teorias alemãs
fosse visto, em certa medida, como demasiado, o germanismo propiciou um teor crítico
ao pensamento intelectual brasileiro, sendo Tobias o pioneiro como nos aponta Helio
Jaguaribe:
O germanismo de Tobias, frequentemente ingênuo quase sempre desmedido, representou, não
obstante, outra dimensão de senso crítico. Foi Tobias o primeiro a
perceber os maus efeitos que produzia no Brasil a excessiva influência
francesa, que até há alguns anos era a única importante influência
europeia sofríamos. Compreendeu a medida em que tal influência
estimulava nossa propensão para o literatismo superficial. E
destacando, ainda que exageradamente, a importância da cultura
alemã, não somente se propunha a contrabalançar a influência francesa
e abrir novos horizontes à inteligência brasileira como, por outro lado,
no puro terreno da comparação de valores, pronunciava um juízo de
preferência objetivamente justificado. Na verdade, desde os fins do
século XVIII que declinou o poder criador da França – há aturais
exceções, como Bergson – ao passo que se foi acentuando o peso da
contribuição alemã. Houvesse a germanofilia de Tobias alcançada a
repercussão que ele pretendia dar-lhe e a subsequente evolução da
cultura brasileira teria sido mais fértil. (JAGUARIBE apud CHACON,
2008, p. 38).

Tobias Barreto foi um intelectual diferenciado para o contexto em que viveu.


Apesar da sua condição de mulato, fato que pesava muito na época, em que as teorias
raciais estavam em voga, conseguiu de certo modo admiração de seus alunos, mas por
outro lado também teve seus desafetos e sofreu para conseguir espaço como professor,
visto que o apadrinhamento naquela época contava muito para que nem não fosse um
homem de posses. Graça Aranha, membro da Escola de Recife fala que o concurso de
Tobias Barreto em 1882 marca ápice da Escola de Recife. Ela mostra a grande
admiração pelo filosófo-jurista sergipano, e como seu pensamento e suas ideias era um
horizonte em meio ao conservantismo vigente na Faculdade de Direito de Recife. Para
o autor a maior lição do mestre Tobias “foi a de pensar desassombradamente, a de
pensar com audácia, a de pensar por si mesmo, emancipado das autoridades e dos
cânones. [...] A crítica se renova por ele. [...] Ainda hoje se pode dizer como se disse de
Kant, que voltar a Tobias é progredir.” (ARANHA apud VENACIO FILHO, 1982, p.
100).
A inteligência de Tobias Barreto era notável, tinha muitos admiradores na Escola
de Recife, porém tinha muitos desafetos. “O nosso Tobias Barreto, que já a este tempo
era considerado um grande germanista e, assim, frequentemente chasqueado pelos seus
invejosos desafetos.” (LOBO apud VENANCIO FILHO, 1982, p. 100).
Tobias Barreto foi professor lente substituto na Faculdade de Recife alcançado
uma cátedra apenas em 1888 um ano antes de sua morte. Durante o magistério ficou
responsável por lecionar Direito Natural, cadeira que abrangia desde o positivismo a
filosofia do direito de Jehring, nessa cadeira o objetivo do professor sergipano era
romper com a ideia natural do direito e mostrar que o mesmo era fruto da cultura
humana. Ela ministrava outras cadeiras nas aeras de Economia Política, Filosofia do
Direito, Direito Público em todas as disciplinas era ovacionado por seus alunos que
admiravam sua brilhante oratória. Sua influência no campo do direito é tão forte que o
seu ​Menores e Loucos (1884) é considerado a monografia mais importante da literatura
penal brasileira. (VENANCIO FILHO,1982).
Tobias não era um homem apático a realidade social, política e economia do seu
tempo, ele teve participação nas lutas abolicionistas e republicana. Posicionou-se em
favor dos negros e mestiços em seus poemas a exemplo de Lenda civil, de 1865.
Libertou os escravos herdados do sogro e defendeu os escravos em comício em artigos
na imprensa abolicionista. Era um “antimonarquista, embora não ingenuamente
republicano, para Tobias as fórmulas precisavam ser preenchidas social e
economicamente, lutou inclusive e ainda pioneiramente pela industrialização do Brasil
em 1883.” (CHACON, 2008, p. 42).
Durante o exercício do magistério Tobias enfrentou inúmeras, teve seu
magistério interrompido em 1885 quando a reforma facultou ao aluno prestar exame a
qualquer momento. O sergipano morreu em 26 de agosto de 1889 quase jogado ao
ostracismo intelectual, porém deixando sementes fecundas na história do pensamento
social e jurídico brasileiro.
No momento desse desenvolvimento intelectual substancial, em uma perspectiva
de compreensão do Brasil em sua totalidade de fenômenos, um outro pensador tem
centralidade para ajudar na consideração do processo de construção do referencial do
pensamento jurídico e social brasileiro em finais do século XIX. Sílvio Romero,
considerável teórico polemista e amigo de Tobias Barreto, além de um grande entusiasta
da contribuição tobiática ao pensamento nacional, envereda pelo caminho da crítica à
ortodoxia científica de sua época – em especial à influência comteana em território
brasileiro –, chegando a acusa-la de dogmática e mais afeita à metafísica do que à
sociologia (PAIM, 1985). O seu posicionamento tem por base as contribuições de
perspectivas a seu ver mais progressistas, como a do specenrianismo. Nas suas buscas
por inserção no campo intelectual-institucional, Romero, após as devidas arguições de
uma bancada enviesada pela defesa da perspectiva comteana, fato comum no campo
intelectual do Brasil durante mais da metade do século XIX (PAIM, 1985;
SCHWARCZ, 1996), deixa a sala do concurso que estava a prestar ao mesmo tempo
vociferando – com ares de anunciação de um tempo – a morte da metafísica.
Com as devidas influências do pensamento de Tobias Barreto na formação da
sua própria perspectiva, Sílvio Romero repete a consideração do mestre acerca da
necessidade de lidar com o fenômeno social em seu caráter objetivo. Em seus estudos
de literatura, é possível evidenciar os elementos centrais e repetidos ao longo da
produção romeriana, indicando uma permanência teórica do autor, dadas as devidas
considerações, em torno dos destaques de novas influências no cenário intelectual, visto
que assim como Tobias, Romero também investira sua vida na defesa de uma ciência
levada aos seus limites de comprometimento com o entendimento da sociedade
brasileira. É nesse contexto e partindo desse fazer científico que Sílvio Romero, em
defesa da ciência da sociedade, atribui centralidade à mesma para a análise do que
constitui a vida social em suas mais diversas esferas. Assim, estabelecendo coerência
com sua análise geral da cultura, das formas literárias em voga nos centros urbanos e a
concomitante influência francesa, defende a literatura e a arte como um todo que “não
passe de um capítulo da sociologia, qual acontece à religião, à moral, à política, à
ciência, à indústria. Ora, o fundamento da sociologia, a sua condição primordial vem a
ser terra e gente, meio e população” (ROMERO, 2002, p. 23).
É nessa recorrência de um devido materialismo para os estudos do Brasil, que o
pensamento contestatório dessa geração da Escola de Recife estabelece conexões com
análises dos aspectos institucionais. Em seu ​Doutrina contra doutrina,​ de 1894, é
possível perceber a centralidade da contribuição spenceriana na estruturação do
pensamento de Romero e, em certa medida, do campo a se constituir criticamente à
paresia do pensamento filosófico instituído à época. Nesse livro, o autor estabelece o
argumento acerca de uma forma de representação política mais coerente com a
formação do povo brasileiro. Considerando como falha a incorporação do
presidencialismo no Brasil, enquanto incoerente em seu papel de correlação com
demanda própria de construção cultural e estabelecimento do caráter político do povo,
Sílvio Romero evidencia que dada a presença majoritária de intelectuais positivistas
(comteanos) na deliberação política do país, seria dramático o resultado para o Estado
brasileiro. Defendendo a centralidade da crítica de Spencer ao pensamento dogmático
da fase final comteana, além da contribuição do primeiro para se entender a mecânica
da formação de instituições próprias à uma nação, Romero estabelece uma perspectiva
acerca da história que a associa diretamente com a própria composição de nação que um
país tem. Ao tratar diretamente de Spencer e da contribuição do mesmo em uma
filosofia da história, considerando o anacronismo e incompatibilidade das formas de
governo importadas acriticamente, o autor considera que “não podemos admitir o
milagre da existência de instituições, quatro vezes seculares, no ar, sem a menor base na
vida nacional” (ROMERO, 1894, p. XIII).
O excessivo naturalismo do campo científico, característica própria do século
XIX, é alvo da crítica ferrenha de Sílvio Romero, assim como da de Tobias Barreto. O
próprio Barreto, em seu ​Menores e loucos​, ao tratar da contribuição de Cesare
Lombroso aos estudos de direito e criminalidade, aponta elementos positivos de
L’Uomo Delinquente (1880) – como a virada da perspectiva de um tratamento
diferenciado a indivíduos específicos pela legislação –, mas condena o excessivo
determinismo biológico do mesmo (ALVAREZ, 2002, p. 683). O culturalismo
tobiático, dada sua influência da perspectiva germânica sobre constituição de um caráter
nacional e o imbricamento com o desenvolvimento da cultura em aspectos distintivos
em relação à diretrizes de civilização, considera que a cultura se trata de um fenômeno
própria da capacidade e da necessidade espiritual do tipo humano em sua
especificidade. Essa perspectiva do pioneiro do culturalismo da Escola de Recife se
opõe drasticamente ao positivismo comteano e a consideração de um determinismo
natural. É nesse contexto que a sua crítica à sociologia se manifesta nas suas ​Glosas
heterodoxas e, posteriormente, servindo de material para crítica por parte de seu amigo
e entusiasta-mor.
A “virada” proposta por Sílvio Romero sobre a sociologia, em relação ao
pensamento de Tobias Barreto, se dá com base na relação de uma dialética
homem-natureza. Como já citado, à sociologia caberia a consideração da relação e
influência mútua entre o meio e o povo para o entendimento e a própria formação da
nação. Entendendo a sociedade como um todo de partes de um fenômeno não
fragmentado, sem que esses campos tenham autonomias absolutas, mas que sejam
considerados em uma relação de co-determinação mútua, Romero propõe que a
constituição de um povo se reflete no direito (SALDANHA, 1996). A formalização do
sistema de leis é relativa aos problemas próprios de povo, assim como as instituições
políticas. Para o cioso do estudo do direito, na consideração teórica e metodológica
romeriana, cabe a consideração da relevância dos estudos sociológicos para a
compreensão da composição do povo e, assim, conseguir produzir a devida análise
crítica do sistema político-jurídico-institucional experenciado pelo Brasil em finais do
século XIX e na busca pela consolidação da forma republicana no país.
Esse culturalismo jurídico propagado desde a Escola de Recife, ainda na mesma
geração dos autores mencionados anteriormente, se espraia pelo pensamento científico
brasileiro e ganha mais força com a adesão de integrantes da Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, em São Paulo. O próprio Romero, desde quando pleiteou vaga
de professor do Colégio D. Pedro II, já sendo um nome reconhecido a nível nacional,
passa a construir um campo de influência e aprofundar as desavenças na capital do país,
conseguindo adentrar na densa rede de intelectuais da região sudeste, já então centro
urbano, político e econômico do Brasil, especialmente com as suas contundentes críticas
a nomes conhecidos do campo científico e artístico de sua época. Um contemporâneo de
Romero, também entusiasta do pensamento jurídico de influência culturalista, foi o
jurista Clóvis Beviláqua que foi designado como um dos idealizadores do Código Civil
de 1916. A presença do pensamento da Escola de Recife se dissemina no campo
intelectual e ganha força exatamente na consolidação da crítica à hegemonia comteana
no campo jurídico, interferindo diretamente na dinâmica tanto da reflexão científica
quanto da ação política dos pensadores.
A cultura do bacharelismo no Brasil era ainda muito forte e o lugar desses
formados em direito é de crucial importância para se compreender a formação do
próprio Estado brasileiro (ADORNO, 1988). Na superação de um “espírito” das
arcadas, como evidenciou-se no período colonial na formação coimbrã dos juristas para
o Brasil, a chegada numa centralidade da figura do bacharel influencia no processo de
urbanização e modernização característico do período republicano e mesmo antes dele
(FREYRE, 2004). As condições históricas das regiões em que os juristas brasileiros se
formam, os de Recife e os de São Paulo, influencia na participação dos mesmos no
campo político nacional. A maior proeminência de ação política desses juristas se
consolida no campo paulista, enquanto que os de formação pernambucana enveredam
pela disputa científico-epistemológica do pensamento brasileiro, mesmo que isso não
seja condição estática da participação dos intelectuais. Pensando sobre isso, combinando
a influência do resiliente posicionamento crítico de Recife mas com formação em São
Paulo, a figura de Paulo Egídio aparece como elo dessa capacidade científica de
estabelecer parâmetros analíticos e compressivos para o Brasil, ao mesmo tempo que
produz reflexão científica e ação política para o fomento de referencial teórico e prático
das bases das instituições a se consolidarem no país.
No pensamento de Paulo Egídio, o direito aparece como um fator de civilização.
Num debate que toma ares funcionalistas, é necessário na reflexão acerca do direito e da
sociedade, especialmente na consideração de uma diretriz para ambos, a necessidade de
um ordenamento jurídico específico e efetivo que esteja vinculado com uma percepção
de progresso evolutivo da sociedade. Aqui entendendo o direito dentro do panorama
mais geral de uma noção de Estado historicamente desenvolvida, em especial em países
ocidentais, é possível entender a necessidade dos debates sobre instituições na
experiência da prévia e da própria República no Brasil. A crítica a Durkheim e à sua
noção de normalidade do crime, baseia-se numa crítica de cunho moralista, claramente
vinculado com a função do Estado enquanto demiurgo da sociedade. É assim que Paulo
Egídio constrói em seu ​Estudos de sociologia criminal (1900), tanto a defesa de uma
naturalidade da punição do crime como elemento determinante para se entender um
universalismo punitivo, assim como recorre a um modelo de reflexão que compreende o
Estado, em sua forma e função, como fator civilizador.
A meta básica do pensamento jurídico no Brasil da Primeira República tinha
como principal diretriz a questão do tratamento legal dos diferentes (ALVAREZ, 2002;
ALVAREZ et al., 2003). A constituição de 1891 e o Código Penal 1890 tinham por base
uma universalização do direito ao cidadão (ALVAREZ et al., 2003), em detrimento à
abrangência da possibilidade de representação política (PAIM, 2018). Nesse contexto é
que se pode entender que as proposta de Paulo Egídio para a reestruturação do sistema
penal paulista se alinha tanto com as influências filosóficas do culturalismo germanista
tobiático, como com as perspectivas teóricas da criminologia que se desenvolvia no
Brasil. Especialmente sob a influência de Cesare Lombroso, cabia a reflexão de como o
Estado deveria lidar com os indivíduos criminosos do Brasil, dada a histórica
desigualdade e a noção de origem natural dessa desigualdade. Ao mesmo tempo que
relaciona a necessidade de formação de uma ideia de nação e de um novo tipo de
indivíduo – o “cidadão da República” – o pensamento social, político e jurídico
brasileiro se organiza para a fundamentação social e o papel do Estado para a formação
desse novo perfil. A questão é produzir um indivíduo próprio para a sociedade e o novo
modelo político instalado. Nesse contexto é que as penas associadas com trabalho
forçado assumem o lugar de processo de reintegração e satisfação do pagamento da
dívida para com a sociedade (ALVAREZ et al., 2003).
Essa mesma cultura do bacharelismo busca a legitimação dos ordenamentos
jurídicos nas teorias criminológicas, esperando legitimar ou deslegitimar as propostas.
Nas falas analisadas nos estudos de Marcos Cesar Alvarez (2002), juntamente com
outros autores (ALVAREZ et al., 2003; SALLA e ALVAREZ, 2000), é possível
identificar a intensidade com que essa prática se estabelecia no pensamento jurídico do
final do século XIX e começo do XX. Nessa toada que as críticas ao Código Penal de
1890 buscam identificar a fundamentação das diretrizes penais brasileiras, diante disso é
que se propõem medidas mais voltadas ao positivismo em seus moldes lombrosianos,
em detrimento das perspectivas da criminologia clássica e a de base liberal. É nesse
caminho que, em consonância com as noções conservadores da elite nacional no
começo do século passado, Paulo Egídio não escapa da problematização e propostas de
controle das classes pobres, especialmente urbanas. O problema do “grande número” é a
questão chave da experiência moderna, pois fica necessário saber o que fazer com
aqueles marginalizados. Para isso é que o Estado e em especial o seu caráter de
monopólio do direito de punir, ganha fundamental função formadora e reformadora
desses indivíduos nas instituições de reclusão da Primeira República.

REFERÊNCIAS

ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira.


Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
ALVAREZ, Marcos César; SALLA, Fernando; SOUZA, Luís Antônio F. A sociedade e
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Revista Justiça & História, v. 3, n. 6, p. 97-130, 2003.
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FREYRE, Gilberto, Sobrados e mucambos: decadência do patriarcado rural e
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1985.
PAIM, Antonio. Evolução doutrinária. ​In:​ ______. História do liberalismo brasileiro.
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ROMERO, Sílvio. Doutrina contra doutrina: o evolucionismo e o positivismo na
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VENANCIO FILHO, Alberto. Das Arcadas ao Bacharelismo (150 anos de Ensino
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