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Capítulo 7

Modelos do núcleo

7 Modelos do núcleo 220


7.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
7.2 O modelo de gás de Fermi . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221
7.3 O modelo de camadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 226
7.3.1 À procura de uma explicação para os “núcleos mágicos” . . . . . . 227
7.3.2 Momento de dipolo magnético . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 233
7.3.3 Momento de quadrupolo elétrico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239
7.3.4 Estados intrínsecos em campos esferoidais . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
7.4 Modelos coletivos do núcleo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 244
7.4.1 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler . . . . . . . . . . . . . . . 245
7.4.2 Dinâmica no modelo da gota de Bohr e Wheeler . . . . . . . . . . . . 250
7.4.3 Vibrações coletivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 252
7.4.4 Deformação permanente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257
7.4.5 Vibrações e rotações nucleares: modelo híbrido de A.
Bohr e Mottelson . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259
7.5 Apêndice A: Energias de superfície e coulombiana de um esferóide . . . 264
7.5.1 Energia de superfície . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264
7.5.2 Energia coulombiana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
7.6 Apêndice B: A energia cinética de uma gota líquida . . . . . . . . . . . . . . . 268
7.7 Apêndice C: O teorema de Landé . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 269
7.8 Apêndice D: Momento de quadrupolo elétrico de um próton de
valência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271
7.9 Problemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272
7.10 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 274

7.1 Introdução
Historicamente, a analogia entre algumas propriedades dos núcleos e de gotas líquidas
clássicas forneceu suporte para o estabelecimento de um modelo para os núcleos que

220

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.1 Introdução 221

dá destaque àquelas propriedades. Numa primeira versão, quando o núcleo é con-


siderado esférico, este modelo se apresenta como capaz de prever, de forma geral,
propriedades nucleares através da fórmula semi-empírica de massa, como discutido no
capítulo 4. Assim, podem-se estimar, além das massas nucleares, as linhas limítrofes
de estabilidade, tanto para o decaimento beta quanto para o alfa.
Essa capacidade preditiva do modelo pode ser levada mais longe se considerarmos a
instabilidade da gota líquida quando esta tem carga elétrica. Este problema clássico [1]
– quando então os graus de liberdade de sua forma são postos em evidência – nos leva a
uma nova discussão da estabilidade nuclear, uma vez que admitimos agora que o núcleo
pode se deformar de tal maneira que a competição entre as energias de superfície e de
carga elétrica estabelece um novo limite para a estabilidade nuclear como função de sua
forma.
Não obstante essa ampla capacidade de descrição de propriedades nucleares, o mod-
elo da gota líquida tem que ser complementado por informações referentes à maneira
como os núcleons se acomodam no núcleo, como antevisto na fórmula semi-empírica de
massa. Os núcleons são regidos pelas interações que agem entre eles, e sendo férmions,
portanto sujeitos ao princípio de Pauli, devem ser também levadas em conta as corre-
lações específicas de sua estatística. Portanto, uma descrição microscópica a nível de
núcleons e das forças que entre eles agem torna-se necessária.
Assim, se os termos de correção de energia de assimetria e de emparelhamento
foram introduzidos de forma qualitativa naquela expressão semi-empírica, agora eles
podem ser justificados de uma forma mais consistente através da apresentação de mod-
elos nucleares microscópicos. Nessa linha, o modelo de gás de Fermi e o modelo de
camadas – proposto por Maria G. Mayer e Johannes H. D. Jensen (PNF-1963, am-
bos laureados) – são as duas primeiras maneiras de se estudar os sistemas nucleares
onde os núcleons são tratados individualmente, em contrapartida ao caráter global, co-
letivo, usado no modelo da gota líquida. Este modelo permitiu explicar o porquê da
existência dos chamados “números mágicos” ou “núclídeos mágicos”, que constituem
um conjunto de nuclídeos caracterizados pela sua grande estabilidade ou seja, por pos-
suírem grande energia de separação para um núcleon, quando comparados como os seus
vizinhos na tabela de nuclídeos.
Com a caracterização definitiva da importância do grau de liberdade de deformação
nuclear, uma extensão do modelo de camadas com potencial esfericamente simétrico
foi desenvolvida principalmente por Sven G. Nilsson, na qual a introdução de um po-
tencial deformado permite, neste caso, a obtenção dos níveis de energia de núcleons
independentes. Embora este tratamento não seja autoconsistente, ele já é uma primeira
abordagem mais realista para a descrição dos estados nucleares. Com esses modelos
também é possível justificar os valores de várias propriedades nucleares, em particular
os momenta angulares dos estados fundamentais de núcleos. Os modelos de partícula
independente originalmente propostos, núcleons sujeitos apenas a uma força central,
foram precedidos por outro, devido a Fermi – o chamado modelo de Fermi – que con-
sidera os núcleons livres, sem interação mútua e sem campo central, estando apenas
confinados em um volume V de paredes impenetráveis. Este modelo permite explicar

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


222 Capítulo 7. Modelos do núcleo

corretamente o termo de energia de assimetria presente na fórmula de massa.


Concomitantemente, a necessidade de se explicar valores experimentais de algumas
propriedades nucleares – estados excitados e momentos magnéticos – que não eram en-
contrados com os modelos anteriormente propostos – levou à introdução dos chamados
modelos coletivos, não obstante, o modelo da gota seja um modelo coletivo do núcleo.
Estes incorporam, de forma explícita, o grau de liberdade de deformação estática na de-
scrição dos núcleos ao conjugar tanto as idéias de comportamento coletivo – onde todos
os núcleons são fortemente correlacionados – como as de partículas independentes –
onde os núcleons se movem independentemente num poço de potencial deformado. Em
particular falaremos aqui do modelo introduzido por James Rainwater, Aage N. Bohr1
e Benjamin R. Mottelson (PNF-1975, os três), que permitiu a obtenção de espectros
de energia de excitação dos núcleos, levando à identificação das bandas vibracionais,
rotacionais ou híbridas.
A ordem de apresentação dos modelos nucleares não segue a ordem cronológica
da sua invençao, escolhemos uma ordem que julgamos ser mais adequada do ponto
de vista pedagógico. Iniciamos com a apresentação dos modelos que tratam o núcleo
constituído de núcleons, modelo de Fermi e de camadas (forma estável esférica e depois
deformada), a seguir apresentamos modelos coletivos e finalmente um modelo híbrido.

7.2 O modelo de gás de Fermi


O termo de energia de assimetria presente na fórmula semi-empírica da massa, Eq.
(4.1), tem uma conexão com o chamado modelo de gás de Fermi, que iremos desen-
volver agora. No modelo proposto por Fermi considera-se que Z prótons e N nêutrons
estejam confinados em uma caixa de volume V (o volume nuclear) e que não intera-
jam entre si. O núcleo é tratado como uma mistura de dois gases ideais quânticos e,
como os núcleons têm spin 1/2, eles se comportam de forma a satisfazer a estatística de
Fermi-Dirac e o princípio de exclusão de Pauli. Cada núcleon será caracterizado pelo
vetor associado ao número de onda k, ou momentum linear p = ~k, e por um auto-
valor da componente sz do spin, ms = ±1/2, ou seja, pelo conjunto de quatro números
(k, ms ). Os efeitos de superfície nuclear (que podem ser tomados como sendo a ten-
são superficial) são ignorados aqui, visto que eles já foram considerados para escrever
a fórmula de massa.
No caso de um gás clássico de partículas pontuais confinadas em um volume V ,
quando a temperatura é diminuída e se quer manter a pressão constante deve-se re-
duzir o volume ocupado pelo gás (lembrar da equação de estado de um gás ideal P =
N RT /V ). Isto implica, porém, em uma diminuição no livre caminho médio (que é
a distância média percorrida por uma partícula entre duas colisões), o que aumenta o
número médio de colisões. No caso de um gás de Fermi a baixas temperaturas, todos os
estados de energias mais baixas estão ocupados, portanto, se a partícula 1 colide com a

1
Filho de Niels Bohr.

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7.2 O modelo de gás de Fermi 223

2, a 1 pode transferir parte de seu momentum e energia à 2, que assim teria novo mo-
mentum e nova energia. Mas, se existir uma partícula 3 com esses mesmos momentum
e energia, pelo princípio de exclusão de Pauli, a partícula 2 não poderá assumir esses
novos valores, e essas transferências de momentum e de energia ficam proibidas. Logo,
o número de estados permitidos para serem ocupados por uma partícula após uma col-
isão fica diminuído. Por conseguinte, o livre caminho médio de uma partícula em um
gás de Fermi será grande quando comparado com aquele de um gás clássico à mesma
temperatura e pressão, podendo tornar-se, até mesmo, maior que as dimensões do vol-
ume V da caixa que o contém. Portanto, em vista do grande livre caminho médio das
partículas, neste modelo pode-se desconsiderar a interação entre as partículas.
Vamos supor que N partículas se movem livremente, porém confinadas a um re-
cipiente de formato cúbico (mais adiante esta condição será relaxada) com lados de
dimensão L e de volume V = L3 . A equação de Schrödinger em três dimensões para
uma partícula independente é escrita em coordenadas cartesianas como
µ 2 ¶
d d2 d2 2
+ 2 + 2 + k Ψ (x, y, z) = 0,
dx2 dy dz
com k 2 = 2mE/~2 , cuja solução é

Ψkx ky kz (x, y, z) = A sin kx x sin ky y sin kz z,


onde k =
2
kx2 + ky2 + kz2 e E é a energia. As condições de contorno são

Ψkx ky kz (L, y, z) = Ψkx ky kz (x, L, z) = Ψkx ky kz (x, y, L) = 0,


que levam às igualdades
¯ ⎫
¯ kx L = nx π ⎬
¯ π
¯ ky L = ny π =⇒ (kx , ky , kz ) = (nx , ny , nz ) , nx , ny , nz = 1, 2, 3, ...,
¯ ⎭ L
¯ kz L = nz π

que, por sua vez, estabelecem os possíveis valores que os números quânticos nx , ny , nz
podem assumir, os valores negativos fornecem as mesmas autofunções, a menos de uma
constante multiplicativa, −1. Vamos fixar o maior momentum linear possível para um
núcleon, pF = ~kF , compatível com a energia do sistema nuclear; logo

kx2 + ky2 + kz2 ≤ kF2


ou ¶2 µ
kF L
n2x + n2y + n2z ≤ .
π
pF é chamado momentum de Fermi e kF é o número de onda de Fermi. Os núcleons
com p = pF formam a superfície de Fermi (no espaço de momenta).
Passemos agora ao cálculo do número de prótons (ou de nêutrons) com momentum
entre p e p + dp para cada momentum p. Visto que o spin de um núcleon é ~/2, existem

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224 Capítulo 7. Modelos do núcleo

dois possíveis estados (ms = ±1/2) e a fração de prótons com momentum linear entre
p e p + dp é calculada de
³ ´ ∙ ¸ µ ¶3
1 L 1
dNprot k = 2 3 dnx dny dnz = 2 dkx dky dkz ,
2 π 23
onde o fator 2 está presente exatamente para levar em conta os dois possíveis estados de
spin e o fator 1/23 foi introduzido porque apenas um octante do espaço tridimensional
deve ser levado em conta (nx , ny , nz de valores positivos). Agora, passando para coor-
denadas esféricas, dkx dky dkz = k 2 dkdΩk , com k = |k| e p = |p|, e integrando nos
ângulos obtém-se

V 2 V
dNprot (p) = 2 3 4πk dk = 2 4πp2 dp, (7.1)
(2π) (2π~)3
e para a segunda igualdade usamos a relação p = ~k. Agora não é mais necessário
reconhecer V como o volume de um cubo, mas como o de um recipiente tridimensional
fechado e de formato arbitrário. Integrando a Eq. (7.1) obtemos o número de prótons,
Z pF
V V p3F (prot) V kF3 (prot)
Z=2 3 4π p2 dp = = ;
(2π~) 0 3π 2 ~3 3π 2
o momentum de Fermi pF é o maior momentum de um próton para um gás a T =
0 K. O argumento (prot) serve de lembrete de que estamos considerando os prótons.
Analogamente, no mesmo volume V , o número de nêutrons é

V kF3 (neut)
N= .
3π2
e (neut) especifica os nêutrons.
Para um núcleo em seu estado fundamental, todos os estados com energia menor ou
igual à energia de Fermi deverão estar ocupados e os números de onda de maior valor
serão
µ 2 ¶1/3 µ 2 ¶1/3
3π Z 3π N
kF (prot) = e kF (neut) = (7.2)
V V
respectivamente. Considerando um núcleo com formato esférico, seu volume é escrito
como
4πR3 4πr03
V = = A,
3 3
onde r0 é um parâmetro cujo valor é estabelecido a partir de dados experimentais, como
já descrito no capítulo 2, e A é o número de massa. Os números de onda (7.2) podem
então ser reescritos como
µ ¶1/3 µ ¶1/3
1 9πZ 1 9πN
kF (prot) = e kF (neut) = .
r0 4A r0 4A

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7.2 O modelo de gás de Fermi 225

A energia cinética dos prótons é então


Z pF Z pF
p2 dNprot (p) V 1
T (prot) = dp = 2 3 4π p4 dp
0 2mp dp (2π~) 2mp 0
µ ¶ 2/3
3~2 Z 9πZ 3
= 2 = ZtF (prot) ,
10mp r0 4A 5
onde
µ ¶2/3
~2 kF2 (p) ~2 9πZ
tF (prot) = =
2mp 2mp r02 4A
é a maior energia cinética que um próton pode ter. Note que, em média, a energia
cinética de um próton vale 3/5 do maior valor possível tF (p). O mesmo tratamento
pode ser estendido para os nêutrons obtendo-se
" µ ¶2/3 #
3 3 ~2 9πN
T (neut) = N tF (neut) = N .
5 5 2mn r02 4A

A energia cinética total nesse modelo do núcleo é então dada pela soma das energias
cinéticas dos prótons e nêutrons

3
T (Z, N ) = [ZtF (prot) + N tF (neut)] .
5
Para um núcleo atômico com Z = N = A/2 (simétrico) a energia cinética total é
∙ ¸
3 A A
T (A/2, A/2) = tF (prot) + tF (neut) =
5 2 2
⎡ ⎤
µ ¶
3 ⎢
2/3 ⎥
⎢ ~2 9π ⎥
= A⎢ ⎥,
5 ⎣ 2m̄r02 8 ⎦
| {z }
tf (A/2)

com µ ¶
1 1 1 1
≡ +
m̄ 2 mp mn
e, admitindo r0 = 1, 2 f m, tem-se T (A/2, A/2) ≈ 20, 0 A M eV . Assim, a energia
cinética média T é de cerca de 20 M eV por núcleon, enquanto que a energia cinética
máxima tF é de aproximadamente 33 M eV . Supondo que a energia de ligação (energia
de ligação do último núcleon), B = − hEi, tenha um valor máximo de cerca de 8
M eV , então a energia potencial média hV i deve fornecer um valor aproximado para a
profundidade do poço de potencial, ou seja, hEi = hT i + hV i, hV i ≈ − 41, 0 M eV .
Com base nesses resultados podemos agora verificar que um nuclídeo simétrico
(N = Z = A/2) é mais estável do que um outro com N 6= Z. De fato isto ocorre

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226 Capítulo 7. Modelos do núcleo

porque há um incremento na energia cinética em um isóbaro com excesso de nêutrons


ou de prótons, a saber,
µ ¶
A A
∆E(A, Z) = T (Z, N ) − T ,
2 2
µ ¶ 2/3 ∙ ¸
3~2 9π 1 N 5/3 1 Z 5/3 1
= + − A . (7.3)
10r02 4 mn A2/3 mp A2/3 22/3 m̄
Visto que mn ≈ mp , logo m̄ ≈ mp , assim, a Eq. (7.3) é escrita aproximadamente como
µ ¶2/3 " µ ¶5/3 #
3 ~2 9π 1 5/3 5/3 A
∆E(A, Z) = N +Z −2 .
5 2mp r02 4 A2/3 2
Definindo o desvio ∆ = (N − Z) /2 e como A = N + Z temos
A A
N= + ∆, e Z = − ∆,
2 2
o que permite reescrever a Eq. (7.3) como
"µ ¶5/3 µ ¶5/3 #
3~2 2/3 1 A 2∆ 2∆
∆E(A, Z) = (9π) 1+ + 1− −2 .
10mp r02 24/3 25/3 A A
Para (2∆) /A < 1, faz-se a expansão em série de Taylor
µ ¶5/3 µ ¶ µ ¶2
2∆ 5 2∆ 5 2∆
1± =1± + + · · ·,
A 3 A 9 A
o que leva a
" µ ¶2 õ ¶ !#
4
3 ~2 2/3 A 5 2∆ ∆
∆E(A, Z) = (9π) 2 + O .
5 2mp r02 23 9 A A
Portanto, o termo de energia de assimetria é, até ordem quadrática em (2∆) /A,
" #
2/3 2
(9π) ~2 (A − 2Z)
∆E(A, Z) = ≥ 0, (7.4)
12 2mp r02 A

que corresponde ao excesso de energia de um núcleo A Z X com Z 6= A/2 em relação


ao isóbaro A A/2 X. Como ~2
/2m p ≈ 20, 7 M eV f m 2
, para r0 = 1, 2 f m temos
¡ ¢ 2/3
~ / 2mp r0 ≈ 14, 41 M eV e, como também (9π) /12 ≈ 0, 77, o fator entre
2 2

colchetes na expressão (7.4) vale 11, 14 M eV , enquanto o valor empírico que melhor
ajusta a fórmula de massa é aassim = 23, 20 M eV .
Desta maneira, ainda que de forma simplificada, podemos entender a origem e obter
uma estimativa do valor do parâmetro aassim a partir do modelo simplificado do gás de
Fermi.

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7.3 O modelo de camadas 227

7.3 O modelo de camadas


O chamado modelo de camadas de energia foi desenvolvido para reproduzir os níveis
de energia dos átomos, e é um modelo bastante bem sucedido por reproduzir com alta
precisão dados experimentais das propriedades atômicas. O fato essencial que o torna
exitoso é a interação bem definida e determinada que atua entre os elétrons e entre estes
e o núcleo atômico, que é a interação coulombiana mais a interação entre os spins e
seus momenta angulares orbitais. Numa versão mais sofisticada, o método de campo
autoconsistente, chamado método Hartree-Fock, vai além e possibilita a determinação
das funções de onda dos elétrons e, a partir delas, o cálculo das propriedades atômicas,
onde entram então apenas constantes universais.
Na Física Nuclear, as medidas sistemáticas das energias de separação de prótons e
nêutrons e de momentos de quadrupolo, mostram que núcleos com números (N, Z) ∈
M = {2, 8, 20, 28, 50, 82, 126} apresentam certas peculiaridades que os diferenciam
dos demais. Estas são: (1) descontinuidades na curva de energia de separação, em
função de N (ou Z), significando que os núcleos com N e Z com valores pertencentes
ao conjunto M (núcleos par-par) têm seus núcleons mais fortemente ligados do que
aqueles em núcleos “vizinhos” com N ± 1 ou Z ± 1 (núcleos ímpar-par, par-ímpar
e ímpar-ímpar); (2) também se verificou que os momentos de quadrupolo daqueles
núcleos ((N, Z) ∈ M) são nulos, ou muito pequenos, o que sugere uma forma esférica.
Como não havia uma explicação satisfatória para os fatos experimentais, os números
do conjunto M passaram a ser chamados números mágicos e os núcleos associados
ficaram conhecidos como núcleos mágicos.
Essas características desses núcleos mágicos remetiam ao modelo atômico de ca-
madas eletrônicas, embora no núcleo não existisse uma força central como ocorre no
caso do átomo (a carga coulombiana do núcleo). Apesar da ausência de campo central
diversas tentativas foram feitas para construir um modelo de partícula independente em
analogia aos orbitais eletrônicos da física atômica, onde a interação entre os elétrons en-
tra apenas como uma perturbação. No núcleo atômico só existem forças entre núcleons,
V (ri , rj ), que dependem da sua distância relativa e de outros graus de liberdade como
spin e isospin. Para contornar esta limitação, de forma a permitir construir um modelo
de partícula independente, considerou-se que a partir de V (ri , rj ) poder-se-ia extrair
um potencial central médio, U (ri ), responsável pelas propriedades experimentais ob-
servadas. Mas ainda assim sobraria uma interação residual de dois corpos, v(ri , rj ), que
poderia ser desconsiderada em cálculos menos refinados, porém importante em cálculos
mais elaborados.

7.3.1 À procura de uma explicação para os “núcleos mágicos”


O hamiltoniano nuclear é escrito como


X A X
X A
H= ti + V (ri , rj ),
i=1 i=1 j=i+1

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228 Capítulo 7. Modelos do núcleo

onde o primeiro termo é a energia cinética (operadores de um corpo) e o segundo rep-


resenta a interação entre os núcleons. O hamiltoniano pode ser reescrito como

X A
X A X
X A
H = ti + U (ri ) + v(ri , rj )
i=1 i=1 i=1 j=i+1
A X
X A
= H0 + v(ri , rj ),
i=1 j=i+1

onde U (ri ) é o potencial central que poderia ser introduzido de forma ad-hoc ou então
seria um potencial obtido a partir da hipótese de campo médio, obtido da interação de
dois corpos V (ri , rj ) (como feito no método de Hartree-Fock). Em aproximação mais
baixa, considera-se o hamiltoniano de um corpo para os A núcleons como

X ∞
X
H0 = hi = [ti + U (ri )] .
i=1 i=1
Para estudar as condições que permitem explicar as energias de separação dos núcleons,
supõe-se que U (ri ) seja aproximadamente constante no interior do núcleo, indo rapi-
damente a zero na sua superfície, uma vez que as forças nucleares são de curto alcance.
Iremos aqui considerar os potenciais listados na Figura 7.1, que foram escolhidos dev-
ido à simplicidade em obter soluções da equação de Schrödinger, hi ψ (ri ) = i ψ (ri ).
Para o caso do oscilador harmônico, Figura 7.1-c, os níveis de energia são dados por
nl = ~ω (2n + l + 3/2), com n = 0, 1, 2, 3, ... e l = 0, 1, 2, 3... . Chamando 2n + l =
Λ, o esquema de níveis e o número de degenerescências
1
DΛ = (Λ + 1) (Λ + 2)
2
estão dados na Tabela 7.1.
n l 2n + l = Λ DΛ
0 0 0 1
0 1 1 3
1 0 2 6
0 2 Tabela 7.1. Números quânticos e
1 1 3 10 número de degenerescências.
0 3
0 4 4 15
1 2
2 0

Levando-se em conta o grau de liberdade de spin, o número de prótons e de nêutrons


em cada camada completa Λ é dado por
¾

= (Λ + 1) (Λ + 2) ;

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7.3 O modelo de camadas 229

Figura 7.1: Três potenciais centrais: (a) potencial quadrado com paredes impenetráveis, U (r)
= −U 0 para r ≤ R0 , e ∞ para r > R0 ; (b) poço de potencial quadrado, U (r) = −U0
para r√≤ R0 , e 0 para r > R0 ; (c) oscilador harmônico, U (r) = −U 0 + kr 2 /2, com
R0 = 2U 0 k. Os três potenciais têm a mesma profundidade U (0) = −U 0 .

por exemplo, para os prótons temos


Z0 = 2; Z1 = 6; Z2 = 12; Z3 = 20; Z4 = 30; Z5 = 42; ...
ou na notação usada em espectroscopia: (nl)2(2l+1) : l = 0 =⇒ s, l = 1 =⇒ p,
l = 2 =⇒ d, l = 3 =⇒ f , l = 4 =⇒ g, l = 5 =⇒ h, · · · escrevemos

(0s)2 |2 (0p)6 |8 (0d)10 (1s)2 |20 (0f )14 (1p)6 |40 (0g)18 (1d)10 (2s)2 |70
(0h)22 (1f )14 (2p)6 |112 (0i)26 (1g)18 (2d)10 (3s)2 |168 , (7.5)
onde as linhas verticais separam as camadas de energia e nesse caso os números mági-
cos seriam {2, 8, 20, 40, 70, 112, 168}, como denotados nos subíndices. Esta seqüência
mostra uma discrepância, a partir do quarto número, 40, quando comparada com o que
se observa experimentalmente {2, 8, 20, 28, 50, 82, 126}. Portanto, este modelo é insu-
ficiente para explicar a ocorrência de números mágicos.

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230 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Para o caso do poço de potencial “quadrado e infinito”2 , Figura 7.1-a, a parte radial
da solução da equação de Schrödinger é uma função de Bessel esférica jl (kr) (k =
p
2µ /~2 ) e os autovalores da energia são determinados a partir da equação jl (kR0 ) =
0 (condição da função de onda ser nula sobre as paredes da interface sólido-vazio) =⇒
kR0 = Xnl , n = 1, 2, 3, ...; l = 0, 1, 2, ... . Sendo Xnl a n-ésima raíz da equação,
portanto os auto-valores são
~2 Xnl
2
nl = .
2µR02
Da mesma forma, pode-se fazer uma separação em camadas de energia, obtendo-se a
mesma separação da seqüência (7.5), com n → n + 1. Daí
2
(1s) |2 (1p)6 |8 (1d)10 (2s)2 |20 (1f )14 (2p)6 |40 (1g)18 |58 (2d)10 (1h)22 (3s)2 |82
(2f )14 (1i)26 (3p)6 |138 (2g)18 (3d)10 (4s)2 |168
e o conjunto de números mágicos resultante {2, 8, 20, 40, 58, 82, 138} também não re-
produz a observação experimental. Como nem o poço de potencial quadrado finito e
nem o mesmo potencial com bordas arredondadas conseguem reproduzir os níveis de
energia observados, conclui-se portanto que o formato do poço de potencial não é re-
sponsável pela existência dos núcleos mais estáveis.
Este impasse manteve-se até 1949 quando Maria Mayer3 e, de forma independente,
Haxel, Jensen e Suess, sugeriram adicionar ao potencial central, do modelo de partícula
independente na aproximação de um campo médio, um termo de interação spin-órbita
do tipo
VSO (r) = −V (r)l · s, (7.6)
para todos os núcleons; ademais supuseram que a função energia potencial V (r) fosse
positiva para todo r. Com esta hipótese todo núcleon contribui com um termo de inter-
ação entre seu momentum angular e o seu spin, o que permite suprimir a degenerescên-
cia dos níveis de momentum angular j = l + s. Cada nível de energia com dado valor
de l sofre um desdobramento (splitting) em dois subníveis: j = l + 1/2 e j = l − 1/2,
exceto para l = 0, quando j = s = 1/2. Na Figura 7.2 vê-se que os níveis de energia
apresentam uma separação ∆ = hV (r)i (l + 1/2). Os níveis de energia para diver-
sos potenciais, com suas respectivas notações espectroscópicas, são vistos na Figura
7.3, e verifica-se que os números mágicos são reproduzidos com a introdução da inter-
ação spin-órbita (7.6) no hamiltoniano de partícula independente. O desdobramento dos
níveis de energia cresce com l e o nível j = l − 1/2 é deslocado para cima do nível l
enquanto o nível j = l + 1/2 é deslocado para baixo, criando-se os hiatos caracterís-
ticos dos núcleos mágicos. Assim, a interação spin-órbita permite agrupar os níveis
de energia em camadas, cuja separação reproduz qualitativamente a observação exper-
imental (números mágicos) e cada camada possui uma ou mais subcamadas (nlj) que
pode acomodar 2j + 1 = 2(2l + 1) prótons ou nêutrons: (mj = −j, −j + 1, ..., j − 1, j,
ou ml = −l, −l + 1, ...l − 1, l e m1/2 = −1/2, 1/2).
2
Podemos imaginar uma cavidade em um meio sólido com paredes impenetráveis.
3
Sob a supervisão de Fermi.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 231

Figura 7.2: Desdobramento do nível de energia de momentum angular l devido à interação


spin-órbita.

Nota-se que os estados rotulados pelo conjunto de números quânticos (n, l, j, mj )


têm auto-energias degeneradas em mj (subcamada j) e núcleons em uma mesma subca-
mada tendem a se agrupar aos pares, ocupando os estados (mj , −mj ). Este fato implica
em um aumento da energia de ligação devido à contribuição da energia de emparel-
hamento e, portanto, em uma maior estabilidade do núcleo.
O momentum angular associado a cada subcamada permite calcular o momentum
angular total dos núcleos formados de camadas fechadas (núcleos par-par) e também de
núcleos ímpar-par e par-ímpar. No primeiro caso, os núcleos ditos esféricos 16 40
8 O, 20 Ca,
82 P b têm J = 0. No segundo caso, o momentum angular do núcleo é, com algumas
208

exceções, igual ao momentum angular do núcleon excedente ou em falta (buraco), na


última subcamada fechada.
Os prótons, assim como os nêutrons, tendem a formar pares coesos com momentum
angular nulo – fenômeno que recebeu o nome de emparelhamento – não contribuindo,
portanto, para o momentum angular total do núcleo. Estas considerações levam às
seguintes regras para o momentum angular e a paridade do estado fundamental do nú-
cleo:
(1) Núcleos par-par têm momentum angular e paridade J π = 0+ . Não há exceção.
(2) Um núcleo par-ímpar (ou ímpar-par) tem momentum angular J π = j π e a pari-
dade do núcleo é π = (−)l , onde j e l são momenta angulares total e orbital do núcleon

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


232 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Figura 7.3: Níveis de energia para quatro potenciais: (a) oscilador harmônico; (b) poço quadrado
com paredes impenetráveis; (c) poço de potencial quadrado; (d) poço de potencial quadrado com
bordas arredondadas. Na quinta coluna é adicionada a interação spin-órbita ao potencial da quarta
coluna. Os traços mais espessos indicam o local da separação em camadas de energia devido ao
aparecimento de hiatos no modelo de partícula independente; linhas intermediárias caracterizam
as chamadas subcamadas.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 233

não emparelhado. Entretanto, são verificadas algumas exceções, veja a Tabela 7.2.

Núcleo π
Jexp π
Jteor Q
19 1+ 5+
9 F 2 2 − Tabela 7.2. Exceções à regra de núcleos cujo
19 1+ 5+
10 N e 2 2 − momentum angular total não está de acordo
23 3+ 5+ com a previsão do modelo de camadas.
11 N a 2 2 0, 11
55 5− 7− Na quarta coluna encontra-se o momento
25 M n 2 2 0, 4
47 5− 7− quadrupolo elétrico em unidades de barns.
22 T i 2 2 −0, 79
79 7+ 9+
34 Se 2 2 0, 8
(3) Um núcleo ímpar-ímpar terá momentum angular J, onde

|jp − jn | ≤ J ≤ jp + jn ;
jp e jn são os momenta angulares do próton e do nêutron não emparelhados com seus
congêneres, mas que se acoplam entre si para resultar em um momentum angular nu-
clear. Para um momentum angular J, a paridade do núcleo é determinada pelo produto
das paridades das funções de onda desses núcleons, π = πp π n = (−)lp +ln , onde lp e
ln são os momenta angulares orbitais do próton e do nêutron. Na tabela dos nuclídeos,
constata-se que os nuclídeos ímpar-ímpar são bem poucos.
Para obter a ordem correta das subcamadas, que leva à seqüência acertada dos
números mágicos na determinação dos níveis de energia, deve-se levar em conta, além
da interação spin-órbita, as interações residuais (entre todos os núcleons), a interação
coulombiana (entre os prótons) e a de emparelhamento. Usando a notação espec-
troscópica (nlj )2j+1 a seqüência assim obtida é

Z
¡ ¢2
1s1/2 |2 (1p3/2 )4 (1p1/2 )2 |8 (1d5/2 )6 (2s1/2 )2 (1d3/2 )4 |20 (1f7/2 )8 |28
(2p3/2 )4 (1f5/2 )6 (2p1/2 )2 (1g9/2 )10 |50 (1g7/2 )8 (2d5/2 )6 (1h11/2 )12 (2d3/2 )4
(3s1/2 )2 |82 (1h9/2 )10 (2f7/2 )8 (3p3/2 )4 · · ·

N
¡ ¢2
1s1/2 |2 (1p3/2 )4 (1p1/2 )2 |8 (1d5/2 )6 (2s1/2 )2 (1d3/2 )4 |20 (1f7/2 )8 |28
(2p3/2 )4 (1f5/2 )6 (2p1/2 )2 (1g9/2 )10 |50 (2d5/2 )6 (1g7/2 )8 (3s1/2 )2 (2d3/2 )4
(1h11/2 )12 |82 (2f7/2 )8 (1h9/2 )10 (3p3/2 )4 (2f5/2 )6 (3p1/2 )2 (1i3/2 )14 |126
(2g9/2 )10 (3d5/2 )6 (1i11/2 )12 (2g7/2 )8 · · · .

É importante frisar que o presente modelo de camadas, em sua forma mais crua, que
considera que os núcleons se movem em um potencial central simétrico, só consegue
explicar os níveis de energia dos chamados núcleos esféricos, mágicos, ou de camada

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


234 Capítulo 7. Modelos do núcleo

fechada (momento de quadrupolo nulo), e dos quase-esféricos, que são os esféricos


com um núcleon a mais ou a menos (momento de quadrupolo muito pequeno). Para os
demais nuclídeos, esse modelo de camadas geralmente falha, por exemplo, os valores
experimentais do momentum angular total e paridade dos núcleos 19 F , 19 N e e 23 N a
+ + + +
são, (1/2) , (1/2) e (3/2) , quando o modelo de camadas prevê (5/2) para os
três, veja a Tabela 7.2. Na seção seguinte, através da análise do momento de dipolo
magnético, veremos que as discrepâncias entre teoria e medições são acentuadas para
núcleos não-esféricos.

7.3.2 Momento de dipolo magnético


Para explicar o efeito Zeeman “anômalo” de um átomo, em 1921, Alfred Landé4 de-
duziu uma expressão para o momento de dipolo magnético (de um átomo) quando ele é
submetido à ação de um campo magnético uniforme,
µJ = µB gJ J,
onde o parâmetro gJ ficou conhecido como fator-g de Landé5 [4].
No formalismo da mecânica quântica o momento de dipolo magnético é calculado
pela expressão (um valor médio)
Z Ã Z ! Z
X Y

µJ ≡ ΨJJ (r1 ...rZ ) M̂z (k) ΨJJ (r1 ...rZ ) d3 ri ,
k=1 i=1

(veja a Eq. (2.16)) onde ΨJJ (r1 ...rA ) é a função de onda atômica e
³ ´
M̂z (k) = µN g orb ˆlz (k) + g spin ŝz (k)
é o operador que representa o observável dipolo magnético do k-ésimo elétron. No caso
de uma função de onda de um átomo que, além do momentum angular total, também
conserva o momentum angular orbital total L e o spin total S, de números quânticos L
e S, o fator-g é escrito como
1 h D E D E i
ge,J = georb L · J + gespin S · J
J(J + 1) SLJJ SLJJ
1 © orb
= g [J (J + 1) + L(L + 1) − S(S + 1)]
2J(J + 1) e
ª
+ gespin [J (J + 1) + S(S + 1) − L(L + 1)] , (7.7)
4
Apesar do sobrenome, tipicamente francês, Alfred Landé nasceu em 1888 na cidade de Elberfeld, na
Alemanha. Fez seu doutorado sob a supervisão de Arnold Sommerfeld. Trabalhou com o matemático David
Hilbert e depois com Max Born a convite deste, quando servia no exército alemão durante a primeira Grande
Guerra, fazendo pesquisa sobre localização da artilharia inimiga pelo alcance do som. O trabalho mais impor-
tante de Landé ocorreu entre dezembro de 1920 e abril de 1921, quando descobriu a expressão do fator-g, o
que permitiu uma explicação para a observação do efeito Zeeman anômalo. Em 1931, ele recebeu um convite
para lecionar em Columbus, Ohio, EUA, onde fixou residência definitiva. Morreu em 1976.
5
Born chama gJ de fator de decomposição de Landé.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 235

D E D E
onde L · J e S·J são valores médios calculados com as funções de
SLJJ SLJJ
onda atômicas, e J (J + 1), L(L + 1) e S(S + 1) são os autovalores dos operadores
J 2 , L 2 e S 2 , respectivamente6 . Como para os elétrons georb = 1 e gespin ≈ 2, o fator
simplifica-se para
3 S(S + 1) − L(L + 1)
ge,J = + .
2 2J(J + 1)
Na Física Nuclear, de acordo com o modelo de camadas, nos núcleos com A ímpar
os momenta angulares dos A − 1 núcleons não contribuem e o momentum angular to-
tal do núcleo se deve ao momentum angular j do núcleon não emparelhado. Portanto,
o momento de dipolo magnético de um nuclídeo par-ímpar (ou ímpar-par) é devido a
esse núcleon, logo, J = j, (também, S = s = 1/2, L = l) e no cálculo do mo-
mento de dipolo magnético (veja seção 2.4) pode-se substituir a função de onda nuclear
ΨJJ (r1 ...rA ) pela função de onda do A-ésimo núcleon (próton ou nêutron) desempar-
elhado ψ (nljj)A (rA ). O momento de dipolo magnético nuclear é, então, devido apenas
ao núcleon desemparelhado
Z
µj ≡ ψ ∗(nljj)A (rA ) M̂z (A) ψ (nljj)A (rA ) d3 rA
µ Z Z ¶
= µN gN orb
ψ ∗nljj (r) ˆlz ψ nljj (r) d3 r + gN
spin
ψ ∗nljj (r) ŝz ψ nljj (r) d3 r

= jµN Gj . (7.8)
Nota-se que: (1) na segunda linha o subíndice A foi retirado por ser irrelevante; (2)
as funções ψ nljj (r) não são autofunções dos operadores ˆlz e ŝz e (3) Gj é o fator-g
spin
nuclear. A partir de constatações empíricas os coeficientes gN orb
e gN tomam difer-
entes valores para o nêutron e para o próton, gnorb = 0, gporb = 1, gnspin = −3, 8270 e
gpspin = 5, 5855.
De acordo com o teorema de Landé (veja o Apêndice B), a relação entre valores
médios de momenta angulares é dada como
D ED E
DE l·j j
l = D E ,
j·j

o que permite escrever


Z Z
ψ ∗nljj (r) lψ nljj (r) d3 r = Gl (j) ψ ∗nljj (r) jψ nljj (r) d3 r,

6
Landé apresentou, originalmente, uma expressão clássica,

J 2 + L2 − S 2 J 2 + S 2 − L2
ge,J = georb 2
+ gespin
2J 2J 2
que tomou a forma (7.7) com o advento da mecânica quântica.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


236 Capítulo 7. Modelos do núcleo

onde
D E R ∗ ³ ´
l·j ψ nljj (r) j · l ψ nljj (r) d3 r
Gl (j) = D E=R ³ ´
j·j ψ ∗nljj (r) j · j ψ nljj (r) d3 r
Z ³ ´
1
= ψ ∗nljj (r) j · l ψ nljj (r) d3 r. (7.9)
j(j + 1)
Analogamente, para o spin temos
Z ³ ´
1
Gs (j) = ψ ∗nljj (r) j · s ψ nljj (r) d3 r, (7.10)
j(j + 1)
onde substituímos l por s em (7.9). Finalmente, o momento de dipolo magnético de um
núcleo par-ímpar é calculado como
Z
£ ¤
µj = µN g orb Gl (j) + g spin Gs (j) ψ ∗nljj (r) ĵz ψ nljj (r) d3 r
= jµN Gj , (7.11)
onde o fator-g é a soma de dois termos, um para o momentum angular orbital e outro
para o spin,
Gj = g orb Gl (j) + g spin Gs (j).
7
Um cálculo simples fornece

Gl (j) = j−1/2
j


para j = l + 1/2
1 ⎪

Gs (j) = 2j
e ⎫
j+3/2 ⎪
Gl (j) = j+1 ⎬
para j = l − 1/2.
1 ⎪

Gs (j) = − 2(j+1)
Logo, visto que j = l ± 1/2 para l > 0, o momento de dipolo magnético é escrito
como
⎧ £ ¤
⎪ orb
⎨ (j − 1/2) g + 2 g
1 spin
para j = l + 1/2 ou l = j − 1/2
µj = µN h i

⎩ j(j+3/2) g orb − 1 j g spin
j+1 2 j+1 para j = l − 1/2 ou l = j + 1/2.
(7.12)
7
Visto que j = l + s, as equações de autovalores são
⎧ 2

⎪ j ψ (r) = } 2 j(j + 1)ψ nljmj (r)
⎪ 2 nljmj
⎨ l ψ nljmj (r) = } 2 l(l + 1)ψ nljmj (r)
⎪ s 2 ψ nljmj (r) = } 2 s(s + 1)ψ nljmj (r)



jz ψ nljmj (r) = }mψ nljmj (r) .

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 237

Separadamente, o momento de dipolo magnético para os nuclídeos que têm A e Z


ímpares (um próton desemparelhado) e para aqueles com A e N ímpares (um nêutron
desemparelhado) são
⎧ spin
⎨ (j − 1/2) + gp /2 para l = j − 1/2
µj (p) = µN (7.13)
⎩ j(2j+3) j
2(j+1) − gpspin 2(j+1) para l = j + 1/2

⎨ 1/2 para l = j − 1/2
µj (n) = µN gnspin (7.14)
⎩ − j para l = j + 1/2.
2(j+1)
Fazendo o gráfico de µj × j das equações (7.13) e (7.14) e passando uma linha
contínua pelos pontos calculados obtém-se as chamadas linhas de Schmidt. Nota-se que
os valores calculados não reproduzem os valores medidos, como pode ser visto, em
particular, na Tabela 7.3 e, em geral, nas Figuras 7.4 e 7.5. Os valores experimentais
são medidos quando o núcleo é submetido a um campo magnético externo.

(nlj )#núc Jπ Qexp (b) µexp /µN µteo /µN


15
¡ ¢1p −
7 N 1p1/2 (1/2) − −0, 28 −0, 26
¡ ¢1
17
8 O 1d5/2 n (5/2)+ −0, 026 −1, 89 −1, 91
¡ ¢1n
33
16 S 1d (3/2)+ −0, 055 0, 63 1, 15
37
¡ 3/2 ¢1p +
17 Cl 1d (3/2) −0, 062 0, 68 0, 13
¡ 3/2 ¢3p
39
19 K 1d (3/2)+ −0, 090 0, 39 0, 13
207
¡ 3/2¢1n −
82 P b 3p (1/2) − 0, 59 0, 64
¡ 1/2 ¢1p
209
83 Bi 1h9/2 (9/2)− −0, 34 4, 08 2, 63

Tabela 7.3. Comparação entre o momento de dipolo magnético medido e o teórico (linhas de
Schmidt) em magnetons nucleares.

Na Tabela 7.3 estão apresentadas propriedades de sete nuclídeos par-ímpar e ímpar-


par; na segunda coluna são mostradas as correspondentes subcamadas com o número
(como superscrito) de prótons ou nêutrons que elas contêm; na terceira coluna vemos o
momentum angular total e a paridade dos nuclídeos, cujos valores teóricos coincidem
com os experimentais; na quarta coluna colocamos o valor do momento de quadrupolo
elétrico medido, que nos informa sobre o desvio em relação à esfericidade. Considera-
se que os nuclídeos 15
7 N e 82 P b tenham núcleos de formato esférico, os demais devem
207

ter um formato oblato. Nas duas últimas colunas são apresentados os momentos de
dipolo magnético experimentais e aqueles obtidos usando as Eqs. (7.13) e (7.14) para
seu cálculo; por comparação verifica-se que os núcleos 15
7 N , 8 O, 82 P b têm os valores
17 207

de seus momentos de dipolo magnético calculados e experimentais próximos, enquanto


que para os demais os valores são discrepantes. Podemos também notar que quanto

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


238 Capítulo 7. Modelos do núcleo

menores, em módulo, os momentos de quadrupolo melhor é a concordância entre os


momentos de dipolo magnético.
O mesmo acontece de forma geral, como mostrado nas Figuras 7.4, para Z-ímpar
e 7.5, para N -ímpar, onde para a maioria dos nuclídeos com subcamada fechada e mais

Figura 7.4: Momentos de dipolo magnético experimentais e as linhas de Schmidt para Z ímpar.
As cruzes representam os momentos com j = l − 1/2 e os círculos j = l + 1/2.

ou menos um núcleon, os momentos de dipolo magnético não “caem” nas linhas de


Schmidt. Assim, o modelo de camadas ingênuo não é suficientemente bom para explicar
os momentos de dipolo magnéticos nucleares dos núcleos A-ímpar, pois raramente os
pontos experimentais caem sobre as linhas de Schmidt.
Portanto, embora o modelo de camadas mais simples possa explicar a existência dos
núcleos mágicos, ele é incapaz de reproduzir detalhes sobre propriedades desses nú-
cleos como os momentos de dipolo magnéticos. Não obstante, observa-se que todos
os valores experimentais situam-se entre as duas linhas de Schmidt, o que poderia ser
considerado como um indicativo de que o modelo de camadas ingênuo pode ser ap-
rimorado, com a introdução de hipóteses mais realistas para a interação internúcleon,
o que foi feito por Nilsson [6], cujo modelo permite aos núcleos terem um formato
elipsoidal permanente, como será discutido nas próximas seções. Outra razão para a
notada discrepância é o fato que o momento magnético de um núcleon no seio do nú-
cleo (matéria nuclear) deve ser diferente de seu valor quando livre; isto foi constatado
no caso do dêuteron, cujo momento de dipolo magnético é ligeiramente diferente da

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 239

Figura 7.5: Momentos de dipolo magnético experimentais e as linhas de Schmidt para N ímpar.
As cruzes são para j = l − 1/2 e os círculos para j = l + 1/2.

soma das contribuições do próton e do nêutron livres.


No que concerne os núcleos ímpar-ímpar, eles são pouco numerosos e, no contexto
do modelo de camadas, o momentum angular total deles pode tomar diversos valores,
J = |jp − jn | , |jp − jn | − 1, |jp − jn | − 2, · · · , jp + jn − 1, jp + jn . Neste caso,
considera-se o produto das funções de onda do próton e do nêutron desemparellhados e
escreve-se o dipolo magnético nuclear µJ = µN GJ J com um fator-g tal que a relação
D E D E D E
GJ J = gjp jp + gjn jn

seja satisfeita, onde gjp e gjn são os fatores-g para o próton e para o nêutron em uma ca-
mada com momenta angulares jp e jn , que precisam ser conhecidos. Usando o teorema
de Landé (veja o Apêndice B) obtemos fator-g de um par próton-nêutron
¡ ¢
gjp + gjn gjp − gjn jp (jp + 1) − jn (jn + 1)
GJ = + . (7.15)
2 2 J (J + 1)
Nos casos jn ¿ jp e jp ¿ jn tem-se, respectivamente, GJ ≈ gjp e GJ ≈ gjn .

7.3.3 Momento de quadrupolo elétrico


Da mesma forma como procedemos para o cálculo do momento de dipolo magnético
na subseção anterior, aqui vamos considerar um núcleo constituído de um caroço (ca-
mada fechada) mais um próton de valência para calcular, e comparar com valores
experimentais, o momento de quadrupolo elétrico que foi introduzido no capítulo 2,

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


240 Capítulo 7. Modelos do núcleo

seção 11. Visto que camadas fechadas têm momento de quadrupolo nulo (formato es-
férico), qualquer contribuição não nula só poderá provir dos prótons de valência, as-
sim vamos utilizar a expressão (2.44), e supondo um único próton de valência temos
¯ ¯
¯ prot val ¯2 prot val
ρnuc
c (r) = ¯ψ nljj (r) ¯ , e ψ nljj (r) (mj = j) é a sua função de onda dada por
(7.47) (aqui omitimos o número quântico s = 1/2). Assim temos que o momento de
quadrupolo (veja o Apêndice C) para j 6= 0 é

Z
­ ® 2j − 1
Q+p
2 (j) = 2 ρnuc
c (r) r2 P2 (cos θ) d3 r = − r2 nl (7.16)
2j + 2

devido à contribuição um próton de valência e que não é nulo apenas para j 6= 1/2. O
sinal negativo está presente porque o momento de quadrupolo é calculado para o estado
ψ prot
nljj
val
(r), onde a projeção mj = j é máxima ao longo do eixo z; neste caso o próton
de valência fica “orbitando” o caroço no plano x − y, resultando para o núcleo uma
forma oblata.
No caso em que haja mais do que um próton de valência, digamos N , com 1 ≤ N ≤
2j, em uma subcamada, uma simples regra de interpolação permite escrever o momento
de quadrupolo como

∙ ¸
N −1
Q+N
2
p
(j) = Q+p
2 (j) 1 − 2 .
2j − 1

Logo para N = 1 o resultado (7.16) é reproduzido e N = 2j representa uma subca-


mada quase fechada, contendo um “buraco” que é a falta de um próton, e neste caso o
momento de quadrupolo é

Q−p +p
2 (j) = −Q2 (j) , (7.17)

diferindo por um sinal da expressão (7.16), apontando assim que o núcleo tem forma
prolata, veja a Figura
­ ®2.14. Admitindo
­ ® uma distribuição de carga uniforme para o nú-
cleo, substituímos r2 nl por r2 = 3r02 A2/3 /5, com isto vamos comparar momentos
de quadrupolo – propostos pelo modelo de camadas extremo – de alguns núcleos com os
valores experimentais; isto está apresentado nas Tabela 7.4-a e 7.4-b. Na primeira col-
una – nas duas tabelas – é dada, em notação espectroscópica, a camada de um núcleon
de valência; na segunda coluna encontramos os momentos de quadrupolo para um pró-
ton de valência calculados com (7.16) (com r0 = 1, 2 f m e as unidades dos momentos

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 241

de quadrupolo estão em barns).

nLj Q+p
teor Q+p
exp (b) Q+n
exp
¡ ¢
1p3/2 −0, 013 −0, 037¡ 73 Li¢ ¡ ¢
1d5/2 −0, 036 −0, 12 19
¡F ¢
9 −0, 026 ¡17
8 O¢
1d3/2 −0, 037 −0, 082¡ 35
17 Cl¢ −0, 064 ¡33
16 S ¢
1f 7/2 −0, 071 −0, 26 43
¡63Sc ¢
21 −0, 080 ¡41
20 Ca¢
2p3/2 −0, 055 −0, 209 29 Cu −0, 028¡ 53
24 Cr¢
61
1f 5/2 −0, 086 ¡ ¢ −0, 20 ¡28 N i¢
1g 9/2 −0.13 −0, 32 ¡93
41 N b ¢ −0, 17 73
32 Ge
1g 7/2 −0, 14 −0, 49 ¡123
51 Sb¢ ¡91 ¢
2d5/2 −0, 12 −0, 36 121
51 Sb −0, 236 40 Zr
Tabela 7.4-a. Momentos de quadrupolo elétrico para alguns núcleos
com subcamadas fechadas mais um próton ou um nêutron de valência,
as unidades são barns.

Na terceira coluna da Tabela 7.4-a estão dados os valores experimentais para vários
núcleos; verifica-se que, embora os sinais coincidam, os momentos de quadrupolo ex-
perimentais são de duas a quatros vezes maiores (em módulo) que os calculados, isto
indica que o modelo de camadas extremo não é adequado para descrever o núcleo, e
que ele precisa ser refinado ou então complementado com outro que leve em conta a de-
formação de camadas e subcamadas fechadas. Ademais, a teoria diz que um nêutron
de valência não deve contribuir para o momento de quadrupolo. Não obstante, olhando
a quarta coluna da Tabela 7.4-a nota-se a existência de momentos de quadrupolo neg-
ativos, portanto de alguma forma o nêutron de valência contribui e isto também é um
indicativo adicional de que o modelo de camadas, embora reproduza qualitativamente
muitas propriedades nucleares, não dá respaldo para muitas outras. A Tabela 7.4-b rep-
resenta o momento de quadrupolo devido a um “buraco”, isto é, devido à falta de um
próton ou de um nêutron em uma camada ou subcamada, aqui também, embora o sinal
seja correto, o valor em módulo é discrepante do valor predito por um fator que varia
entre 2 e 5.
Apesar de sua simplicidade este modelo de camadas extremo (apenas um núcleon
é responsável pelas propriedades nucleares) é capaz de dar conta do spin e da paridade
do estado fundamental de quase todos os núcleos com A-ímpar, mas com sucesso rel-
ativo quanto ao momento de dipolo magnético e do momento de quadrupolo elétrico.
O modelo de camadas foi refinado, quando então todos os núcleons de uma subca-
mada não fechada podem participar para explicar as propriedades nucleares, porém as
descrições dos refinamentos estão fora do escopo deste texto, mas estão apresentados
detalhadamente nos textos [9, 10, 11, 12]. Concomitantemente, foram desenvolvidos
modelos coletivos para explicar essas e outras propriedades nucleares como veremos a
seguir.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


242 Capítulo 7. Modelos do núcleo

nLj Q−p
teor Q−p
exp Q−n
¡ ¢ ¡exp ¢
1p3/2 0, 013 0, 047 ¡11
5 B ¢ 0, 053 ¡94 Be ¢
1d5/2 0, 036 0, 140 ¡27
13 Al¢ 0, 201¡ 25
12 M
¢ g Tabela 7.4-b. Momentos de qua-
1d3/2 0, 037 0, 056¡ 39
19 K¢ 0, 45 ¡35
16 S ¢ drupolo elétrico para alguns núcleos
1f 7/2 0, 071 0, 40 59
¡ Co ¢
27 0, 24 ¡49
22 T i ¢ com subcamadas fechadas comple-
2p3/2 0, 055 0, 195 ¡67
31 Ga¢ 0, 20 ¡57
26 F e ¢
tas, com um próton ou um nêutron a
1f 5/2 0, 086 0, 274¡ 85 0, 15 ¡67 menos na última (“buraco”), as
37 Rb¢ 30 Zn ¢
1g 9/2 0.13 0, 86 ¡115 0, 45 85 unidades são barns.
49 In ¢ 36 Kr
1g 7/2 0, 14 0, 20 139
57 La ¡111 ¢
2d5/2 0, 12 0, 44 48 Cd

7.3.4 Estados intrínsecos em campos esferoidais


O modelo de camadas de Maria Mayer e Jensen tem como ponto de partida um poten-
cial esfericamente simétrico a partir do qual são obtidos os níveis de energia de partícula
independente. Uma vez que para núcleos fora das camadas fechadas podem se estab-
elecer deformações estáticas por efeito de polarização dos núcleons de valência, vê-se
que aquele modelo não mais pode ser usado. De fato, nesta nova situação os núcleons
se movem em um potencial deformado e é necessário determinar os níveis de energia
levando-se em conta explicitamente a deformação nuclear. Estendendo a construção
de Maria Mayer e Jensen, uma nova versão do modelo de camadas foi desenvolvida
principalmente por Nilsson [6] (que ficou conhecido como modelo de Nilsson) que, us-
ando também potenciais do tipo oscilador harmônico – com deformação esferoidal –,
calculou as seqüências de níveis de energia de partícula independente. Se na ausên-
cia de deformação seus resultados recuperam aqueles do modelo de camada usual, para
deformações grandes a seqüência de níveis obtida pode ser acentuadamente alterada.
Os cálculos deste modelo fazem uso do hamiltoniano proposto

H = H0 + Hδ + C l · s + Dl 2 , (7.18)
onde H0 é o hamiltoniano do oscilador harmônico tridimensional isotrópico (mesma
freqüência ω 0 nas três direções cartesianas)

~2 ∇2 mω 20 2
H0 = − + r ;
2m 2
o termo Hδ é responsável pela deformação geométrica do potencial onde os núcleons
se movem r
4 π
Hδ = − mω 20 r2 Y20 (θ, φ) δ,
3 5
sendo δ um parâmetro que expressa essa deformação (note-se que o harmônico esférico
Y20 (θ, φ) introduz uma anisotropia com relação ao ângulo θ, porém a simetrial azimutal

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.3 O modelo de camadas 243

está presente); o termo C l · s é o conhecido acoplamento spin-órbita e o termo Dl 2


foi introduzido para modificar o potencial do oscilador harmônico de forma a torná-lo
mais raso, abaixando os níveis de energia – o parâmetro D efetua esse controle. A
diagonalização do hamiltoniano (7.18) dá os autovalores e autovetores dos núcleons
no potencial deformado e tem o momentum angular jz comuta com H, [H, jz ] = 0 ,
enquanto que j 2 e l2 não comutam com H. Na Figura 7.6 estão desenhados os níveis de
energias de partícula independente para a camada que acomoda entre 82 e 126 nêutrons,
em função do parâmetro δ. Observa-se que os níveis de energia dependem fortemente
do parâmetro δ; atribuindo-lhe valores positivos modela-se núcleos de forma estável
prolata, enquanto que para valores negativos obtém-se uma descrição para os núcleos
de forma estável oblata.
Também nesse modelo os níveis de energia são caracterizados por um número quân-
tico associado ao momentum angular e pela paridade. Agora, em um potencial não-
esférico o momentum angular total não é mais uma constante do movimento, porém
para um potencial axialmente simétrico a componente do momentum angular ao longo
do eixo de simetria é conservada. Assim, neste caso, um núcleon i pode ocupar qual-
quer um dos 2ji + 1 estados – associados às componentes do momentum angular
mi = −ji , − (ji − 1) , · · · , (ji − 1) , ji ao longo do eixo de simetria z 0 . Caso o poten-
cial fosse esférico, qualquer um desses 2ji + 1 estados poderia ser ocupado por um nú-
cleon no estado com momentum angular orbital li (o nível é degenerado quando δ = 0).
Entretanto, quando a deformação não é nula, os autovalores de energia no modelo de
Nilsson independem do sinal de mi e cada nível de energia do modelo de camadas
esférico (Mayer-Jensen) se desdobra em (2ji + 1) /2 níveis. Estes são, desta forma,
caracterizados pela componente mi do núcleon no potencial deformado, conservando
porém a simetria axial, e pela paridade.
Para se descrever um núcleo usando este modelo segue-se o mesmo procedimento
usado no modelo de Mayer-Jensen: os níveis de energia são populados por prótons
e nêutrons independentemente e dois núcleons de cada espéciede (com projeção de
momenta angulares em sentidos opostos, ± |mi |) podem ser atribuídos a caracterizar
um estado intrínseco. Desta forma, pode-se descrever qualquer núcleo de massa A.
Agora a estabilidade do núcleo depende de sua deformação, podendo ser mais estável
do que em uma eventual configuração esférica. Nesses casos, novos “números” mágicos
se manifestam, diferentes daqueles obtidos no caso dos núcleos esféricos.
A partir deste modelo microscópico de camadas com deformação torna-se possível
fazer previsões mais refinadas (sensivelmente melhores do que fazendo-se uso do mod-
elo de Mayer e Jensen), por exemplo para o comportamento das barreiras de fissão nos
nuclídeos chamados actinídeos. Ademais, de forma mais incisiva, verifica-se que os
momenta angular total dos núcleos leves e da maioria dos pesados são corretamente
preditos; os momentos de dipolos magnéticos, que eram mal reproduzidos no modelo
de Mayer e Jensen, aqui são muito mais próximos dos valores experimentais; final-
mente, os momentos de quadrupolos elétricos para 150 < A < 180, são corretamente
preditos. (Colocar figuras )

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


244 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Figura 7.6: Diagrama de níveis de energia em função da deformação δ , no modelo de Nilsson,


para nêutrons na camada 82 < N < 126. Cada linha cheia está associada a um nível de energia
onde estão dados os valores de |mi | e entre colchetes estão os números quânticos associados aos
autoestados de energia.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 245

Outras abordagens que descrevem os estados de núcleons independentes, e que são


baseados na concepção de um potencial médio auto-consistente, como na aproximação
de Hartree-Fock, devem ser mencionadas, embora não sejam tratadas aqui.

7.4 Modelos coletivos do núcleo


Visto que os modelos de camadas, que se fundamentam no tratamento das partículas in-
dividualmente, não são suficientemente abrangentes para explicar toda a gama de pro-
priedades nucleares medidas, foram feitas hipóteses acerca de modelos que pudessem
explicar de forma lógica as observações, sem, no entanto, abrir mão das qualidades dos
modelos de camadas e sem descartar as vantagens do modelo da gota sobre o qual estão
embasadas algumas características da fórmula semi-empírica de massa. Completar-
mente a estes, os modelos coletivos têm como sua motivação principal a necessidade de
introduzir algum efeito cooperativo da matéria nuclear, resultando em uma deformação
permanente, para explicar os grandes momentos quadrupolares elétricos medidos em
alguns nuclídeos – que aparecem entre camadas fechadas. Como ponto de partida,
supõe-se que esta deformação – que se anula para núcleos com camadas fechadas – é
produzida por um efeito de polarização do movimento individual dos núcleons fora das
camadas fechadas.
Nesses modelos é então essencial estabelecer qualitativamente uma distinção en-
tre o movimento individual dos núcleons fora das camadas fechadas e o movimento
coletivo do caroço nuclear. Do ponto de vista energético, o movimento das partícu-
las independentes – associadas com o modelo de camadas – deve ter energia grande
quando comparada com as energias dos possíveis movimentos coletivos do caroço nu-
clear. Desta forma, permitindo alguma interação entre os dois tipos de movimento,
torna-se possível obter uma descrição unificada do movimento nuclear na qual se man-
ifestam tanto as características próprias do modelo de camadas quanto as do coletivo.
Assim, há nesta abordagem uma combinação do modelo de partícula independente (em
um potencial do tipo campo médio) com aquele baseado em interações fortes (coletivo,
e.g., gota líquida). Este modelo não só permite explicar agora os grandes momentos de
quadrupolo como também prediz a estrutura fina do espectro de níveis de energia, uma
vez que descreve as energias dos movimentos coletivos do caroço. Começaremos nossa
explanação com o modelo da gota líquida, em sua versão mais simples, e os modos vi-
bracionais dos núcleos, caracterizados por espectros típicos de um oscilador harmônico
quantizado, cujos modos são chamados fônons.

7.4.1 O modelo da gota líquida de Bohr e Wheeler


O modelo da gota líquida expresso pela fórmula semi-empírica de massa, descrita no
capítulo 4, leva em conta o comportamento global do conjunto dos núcleons constitu-
intes de um dado núcleo. Como tal, o modelo não tem capacidade de predizer alterações
no comportamento dos núcleos, como função de A, Z e N , advindas de particulari-

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


246 Capítulo 7. Modelos do núcleo

dades próprias de um sistema de A núcleons. Não obstante, ainda é possível estender


esse modelo de tal forma a levar em conta a instabilidade nuclear face a possíveis de-
formações da gota, quando se leva em conta a sua carga elétrica.
Do ponto de vista hidrodinâmico, N. Bohr e John Archibald Wheeler [2] fizeram
algumas hipóteses acerca do líquido nuclear
1. Partindo da equação da continuidade, que descreve o escoamento de um fluido,
∂ρ (r, t)
+ ∇ · (ρ (r, t) v (r, t)) = 0, (7.19)
∂t
eles consideraram que a densidade de massa é constante no tempo e também é espa-
cialmente uniforme, ρ (r, t) = ρ0 , portanto o líquido nuclear é incompressível, da Eq.
(7.19) decorre então que a equação ∇ · v (r, t) = 0 (onde v (r, t) é a velocidade do
líquido), que é conhecida como condição de incompressibilidade de um fluido.
2. Que o escoamento é irrotacional, ∇ × v (r, t) = 0, significando que para um ele-
mento de volume dV de um líquido, as orientações dos lados deste elemento não se al-
teram durante o seu movimento8 . Posteriormente, como discutido em [3], outros autores
relaxaram as condições de escoamento irrotacional e de incompressibilidade. Porém, as
duas condições ∇ × v (r, t) = 0 e ∇ · v (r, t) = 0 tornam possível obter soluções
analíticas simples, o que permite uma análise qualitativa da dinâmica envolvida, como
será visto na subseção seguinte.
3. Em seu estado fundamental o núcleo tem uma forma perfeitamente esférica,
mas estados excitados surgem devido à excitação de modos vibracionais, que seriam
responsáveis pela deformação nuclear.
4. Na ausência total de cargas elétricas o núcleo deve ter uma forma esférica, por
conta das forças nucleares atrativas, mas a força de repulsão coulombiana presente deve
deformá-lo de acordo com um certo padrão: supondo, por simplicidade, que a gota
conserva uma simetria axial cilíndrica, a distância do centro da gota a um ponto na
superfície é expressa como
" ∞
#
R0 X
R(θ) = 1+ bl Yl0 (cos θ) , (7.20)
λ
l=1
onde R0 é o raio da gota esférica, bl são parâmetros de deformação, os diversos Yl0 (cos θ)
são os harmônicos esféricos, e λ é um parâmetro introduzido para assegurar que o vol-
ume nuclear se mantém constante. Diferentes conjuntos de valores para os parâmetros
8
Isto pode ser melhor entendido considerando uma partícula pontual de massa m em movimento rota-
cional, circular e uniforme; neste caso o seu momentum angular é uma constante do movimento, l = mr × v,
com os vetores posição e velocidade restringindo-se ao plano x − y de um sistema de coordenadas cartesiano.
O vetor momentum angular apontará na direção z. Também podemos escrever l = mr2 ω, e como

l = mr × v = mr2 ω =⇒ r × v = r2 ω
segue que v = ω × r, cujo rotacional é ∇ × v = 2ω; portanto, para toda componente de um movimento
circular, o rotacional da velocidade não é nulo. Foi usada a relação ∇ × A × B = B · ∇A + (∇ · B) A −
∇ · A B − A · ∇B

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 247

Figura 7.7: Relação do parâmetro b1 com a posição da esfera deslocada. Uma translação leva o
0 0
ponto A para o ponto A´, ou R0 → R +R0 .

bl implicam diferentes deformações. No entanto, o parâmetro b1 deve ser descartado


da soma em (7.20) pois ele descreve o movimento de translação da gota e não sua de-
formação9 . Isto pode ser entendido olhando para a Figura 7.7. Seja A um ponto sobre
a esfera (no lado esquerdo) de raio R0 , cujo centro coincide com a origem do refer-
encial. Movendo a esfera ao longo do ¯ eixo
¯ horizontal, o ponto A é deslocado para A
0
¯ ¯
localizado pelo vetor R. Escrevendo ¯R¯ = R0 b1 , o centro da esfera foi deslocado de 0
para R0 b1 cos θ = R0 b1 P1 (cos θ) e10 , como este termo está presente no somatório em
(7.20), para excluí-lo torna-se necessário atribuir b1 = 0. Portanto o raio-vetor (7.20)
reduz-se a
" ∞
#
R0 X
R(θ) = 1+ bl Yl0 (θ, φ) , (7.21)
λ
l=2

que descreve apenas um ponto sobre a superfície da esfera. Assim, fica eliminado o
efeito da translação da gota e os demais parâmetros b2 , b3 , ... irão descrever apenas
a deformação da gota nuclear. O parâmetro λ é determinado a partir da condição de
conservação do volume

Z Z R(θ) Z " ∞
X
#3
4πR03 1 R03
= dΩ r2 dr = 1+ bl Yl0 (θ, φ) dΩ.
3 0 3 λ3
l=2

9
O parâmetro b0 também é descartado pois ele leva em conta compressões nucleares, o que não será
considerado aqui pois supôs-se que o líquido nuclear é incompressível.
10
Lembrando que Yl0 (θ, φ) = (2l + 1) /4πPl (cos θ).

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


248 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Então pode-se escrever


Z " X∞
#3
3 1
λ = 1+ bl Yl0 (θ, φ) dΩ

l=2
∞ ∞ Z
3 X 2 1 X
= 1+ bl + bl1 bl2 bl3 Yl1 0 (θ, φ) Yl2 0 (θ, φ) Yl3 0 (θ, φ) dΩ.
4π 4π
l=2 l1 ,l2 ,l3 =2
(7.22)
que é uma série infinita. Levando em conta os primeiros termos das somas de potências
mais baixas (considera-se que bl ¿ R0 ), temos
µ ¶
3 ¡ 2 ¢ 1 2 3 6 4
λ3 = 1 + b2 + b23 + b24 + · · · + b2 + b22 b4 + b2 b23 + · · · (7.23)
4π 4π 35 35 35
Se chamamos por τ a energia por unidade de superfície, Bohr e Wheeler mostram
que a energia devida à tensão superficial é dada pela diferença entre as configurações
esférica e a deformada da gota líquida,
µZ Z ¶
∆Es = τ R2 (θ)dΩ − R02 dΩ
∙ ¸
2 4 3 38 4 4 2 5
= Es0 b22 − b2 − b2 + ... − b2 b4 + b23 + ... , (7.24)
5 105 175 135 7

X Z
1
λ3 = bl1 bl2 bl3 Yl1 0 (θ, φ) Yl2 0 (θ, φ) Yl3 0 (θ, φ) dΩ

l1 ,l2 ,l3 =2
2π p
= 3/2
(2l1 + 1) (2l2 + 1) (2l3 + 1)
2 × (4π)
X∞ Z
× bl1 bl2 bl3 Pl1 (cos θ) Pl2 (cos θ) Pl3 (cos θ) d (cos θ)
l1 ,l2 ,l3 =2
∙ ¸
1 51/2 3 9 2 2 × 51/2 2
= 1/2
b2 + b2 b4 + b2 b3 + ...
2 (4π) 7 7 5
onde Es0 = τ (4πR02 ) = asup A2/3 é o termo de energia de superfície na fórmula semi-
empírica de massa.
Eles também calcularam o déficit de energia coulombiana de uma gota deformada
em relação à gota esférica, ambas com o mesmo volume e a mesma carga elétrica,
obtendo
"Z ¯ Z ¯ #
2 1 3 3 0¯
¯ 1 3 3 0¯
¯
∆Ec = ρ0 0
d rd r ¯ − 0
d rd r ¯
|r − r | R(θ) |r − r | R0
∙ ¸
1 4 3
= Ec0 − b22 − b + ... , (7.25)
5 105 2

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 249

Figura 7.8: Gota esférica e deformada sobrepostas para alguns valores de b.

onde também reconhecemos Ec0 = ac (Z 2 /A1/3 ) como o termo de energia coulom-


biana da fórmula semi-empírica de massa. Diversas deformações da gota ocorrem com
o aumento dos valores dos parâmetros bl , aqui reduzindo o modelo multimensional para
o caso unidimensional, isto podem ser visto pictoricamente na Figura 7.8.
O cálculo dos coeficientes numéricos nas Eqs. (7.24) e (7.25) é algo trabalhoso, en-
tretanto pode-se fazer uma expansão semelhante com argumentos mais simples, supondo,
por exemplo, que o núcleo tem a forma de um esferóide (a área da secção reta transver-
sal, perpendicular ao eixo maior do elipsóide, é um círculo) com semi-eixo maior
a = R0 (1 + ε) e semi-eixo menor b = R0 (1 + ε)−1/2 , de forma que o volume do
esferóide seja conservado, V = 4πab2 = 4πR03 . Se o parâmetro ε satisfizer a condição
ε ¿ 1, verifica-se que o núcleo apresenta um pequeno desvio da esfericidade, onde
R0 é o raio da esfera. Os cálculos para as energias de superfície e coulombiana estão
apresentados no Apêndice A.
Desta forma, mantendo, por simplicidade, somente o termo de ordem mais baixa, b22
(a deformação se manifesta pela presença de b2 6= 0 apenas), podemos observar que o
núcleo, considerado como uma gota líquida, apresenta a diferença de energia
1 1
∆E = (2Es0 − Ec0 ) b22 = C2 b22 (7.26)
5 2
entre a configuração deformada e a esférica, que tem a forma de um potencial harmônico

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


250 Capítulo 7. Modelos do núcleo

na variável b2 com constante de restauração


µ ¶
4Es0 Ec0
C2 = 1− , (7.27)
5 2Es0
que é positiva enquanto Ec0 /2Es0 < 1. A condição ∆E > 0 é um indicativo da
deformação da gota (b2 6= 0), e devido à diferença de sinais das duas contribuições
(tensão superficial e repulsão coulombiana), um limite de estabilidade da forma nuclear
pode ser inferido. Usando os parâmetros da fórmula semi-empírica de massa – que
dependem de A e Z – obtemos a condição de energia nula para b2 6= 0, quando o
parâmetro de restauração se torna nulo
µ ¶
ac Z 2
1− = 0,
2asup A
(Es0 = asup A2/3 e Ec0 = ac Z 2 /A) ou

Z2 2asup
= .
A ac
Para asup = 18, 33 M eV e ac = 0, 72 M eV , isto dá

Z2
≈ 51,
A
que é um limite para a estabilidade da gota; para este valor da razão Z 2 /A a energia
de deformação (7.26) se anula, quando então ela se deforma para não mais voltar a sua
forma original. Essa desigualdade é satisfeita, por exemplo, para Z = 117 e A = 270,
o que significa que os núcleos com Z e A acima desses valores se deformam muito e
se quebram tão logo se formam. A instabilidade que se observa nos sistemas nucleares
mais pesados pode ser entendida a partir dessas considerações e a fissão nuclear, em
particular, pode ser tratada, numa primeira abordagem, por esse modelo, como será
visto capítulo 12. Não obstante, como a fissão existe com valores abaixo desses limiares
(Z = 117 e A = 270), admite-se que ela é devida à natureza quântica do caminho
para a fissão, quando o caráter ondulatório deste grau de liberdade se manifesta e a
barreira para a fissão é atravessada por “efeito túnel”. Contudo, esta análise ficaria
incompleta sem uma discussão da energia cinética associada aos modos vibracionais,
pois as hipóteses de o líquido ser incompressível e irrotacional foram feitas porque elas
permitem calcular de forma simples o parâmetro de inércia assim como a freqüência do
modo vibracional, como será feito a seguir.

7.4.2 Dinâmica no modelo da gota de Bohr e Wheeler


No caso do fluido irrotacional pode-se escrever o campo de velocidades em termos de
um potencial escalar v (r, t) = ∇χ (r, t), e se ele também for incompressível obtém-
se a equação de Laplace ∇2 χ (r, t) = 0. Para uma gota líquida com simetria axial a

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 251

solução escreve-se em termos das funções de Legendre,


X
χ (r, t) = Cl (t) rl Yl0 (θ, φ) . (7.28)
l

e os coeficientes Cl (t) são determinados a partir das condições de contorno impostas


ao problema. No caso, a componente normal r̂ da velocidade do fluido deve ser igual à
componente normal da velocidade de um ponto na superfície da gota

∂ R(θ, t)
n̂ · v (r, t) = n̂ · .
∂t
Para pequenas amplitudes as duas direções são quase coincidentes n̂ ' r̂, e, portanto, a
condição de contorno escreve-se
à ! ∞ µ ¶
∂ X l
X d bl (t)
Cl (t) r Yl0 (θ, φ) = R0 Yl0 (θ, φ) ,
∂r dt λ (bl (t))
l=2 r=R0 l=2

e até potências lineares em bl (t) temos


Xh i
lCl (t) R0l−1 − R0 ḃl (t) Yl0 (θ, φ) = 0,
l=2

onde o parâmetro λ (bl (t)) contribui apenas com termos não lineares. Como não há um
único ângulo θ que torne todas as funções Yl0 (θ, φ) nulas, segue então que os fatores
entre colchetes de cada termo deve ser nulo, assim obtemos a seguinte relação entre os
coeficientes Cl (t) e bl (t),
ḃl (t)
Cl (t) = l−2 , (7.29)
lR0
e ḃl (t) é a velocidade do modo. A energia cinética associada aos modos vibracionais é
dada por
Z Z
1 2 1 2
T = ρ (r) |∇χ (r, t)| dr3 = ρ0 |∇χ (r, t)| dr3 ,
2 2
e como
∂χ (r, t) 1 ∂χ (r, t)
∇χ (r, t) = r̂ + θ̂
∂r r ∂θ
obtemos então dois termos
Z Ã !2 Z Ã !2
1 X 1 X
3 l−1 3 l−1 ∂Yl0 (θ, φ)
T = ρ0 dr lCl (t) r Yl0 (θ, φ) + ρ0 dr Cl (t) r .
2 2 ∂θ
l l
| {z } | {z }
T1 T2
(7.30)

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


252 Capítulo 7. Modelos do núcleo

oara a energia cinética. O cálculo do primeiro termo é direto


Z
1 X 2 R0
1 X l2
T1 = ρ l |Cl (t)|2 r2l dr =ρ0 |Cl (t)|2 R02l+1
2 0 0 2 (2l + 1)
l l
¯ ¯2
¯ ¯ ¯ ¯
1 X l 2
¯ 2
¯ R0
2l+1
1 X ¯ ḃl (t) ¯
5
= ρ0 ¯ḃl (t)¯ 2 2l−4 = ρ0 R0 ,
2 (2l + 1) l R0 2 (2l + 1)
l l

onde o resultado da segunda igualdade vem da relação (7.29) entre os coeficientes, e o


cálculo do segundo resulta em

1 X ¯¯ ¯2 (l + 1)
¯
T2 = ρ0 R05 ¯ḃl (t)¯ .
2 l (2l + 1)
l

(veja o Apêndice B). Assim a energia cinética da gota pode ser escrita como
¯ ¯2
¯ ¯
1 5
X ¯ḃl (t)¯ 1 X ¯¯ ¯2
¯
T = T1 + T2 = ρ0 R0 = Bl ¯ḃl (t)¯ ,
2 l 2
l=2 l=2

onde ρ0 = 3M/4πR03é a densidade de massa nuclear, M = AmN é a massa do núcleo


(mN ≈ 939 M eV é a massa do núcleon), R0 = r0 A1/3 (r0 ' 1, 2 f m) é o seu raio e

ρ0 R05 3mN r02 A5/3


Bl = = .
l 4πl
é o parâmetro de inércia, que diminui para grande valores de l e aumenta com o número
de massa A.
Agora, considerando apenas o terno de quadrupolo, l = 2, a energia potencial da
gota, para pequenas oscilações, b2 < 1, é, até termos cúbicos, V (b2 ) = C2 b22 /2 +
F2 b32 /6, onde C2 é o parâmetro de restauração (7.27) e F2 é o parâmetro de anarmoni-
cidade. O segundo termo não será considerado aqui, mas voltaremos a ele no estudo da
fissão, no capítulo 12. A energia potencial harmônico é então VH (b2 ) = C2 b22 /2, com

1
C2 = (1 − x) asup A2/3 ≈ 5, 8 (1 − x) A2/3
π
¡ ¢ ¡ ¢
com x = (ac / (2asup )) Z 2 /A ≈ 0, 02 Z 2 /A . Nota-se que a restauração do for-
mato da gota é possível desde que C2 > 0, ou como já visto, que Z 2 /A < 51. A
frequência de vibração da gota é imediatamente calculada, sendo
r µ ¶1/2
C2 1 (1 − x) asup A2/3
ω 2 (Z, A) = ≈
B2 π 3mN r02 A5/3 / (8π)
µ ¶1/2
1−x
≈ 5, 7 × 1022 s−1 ; (7.31)
A

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 253

Figura 7.9: (a) Espectro vibracional com um, dois e três fônons acoplados; (b) espectro vibra-
cional típico em núcleos, note-se que a degenerescência é removida devido a alguma interação
que não foi levada em conta no model teórico mais simples.

constata-se que ela diminui com o crescimento do valor de A1/2 e também na medida
em que o parâmetro x se aproxima do valor 1, este comportamento é devido ao aumento
da inércia relativa ao movimento vibracional. De acordo com este modelo clássico, para
o núcleo de 235
92 U , a frequência é ω 2 (92, 235) ≈ 2 × 10 s , um valor bastante apre-
21 −1

ciável comparativamente à oscilação das ondas luminosas, que é da ordem de 1015 s−1 ,
mas sendo da ordem das frequências dos raios γ.

7.4.3 Vibrações coletivas


Núcleos com poucos (ou nenhum) núcleons fora do caroço (camadas fechada) têm uma
forma de equilíbrio esférica e o movimento coletivo de mais baixa energia é uma os-
cilação no entorno da superfície. Nesses casos o movimento fica caracterizado por
números quânticos associados a quanta de vibração, chamados fônons, de energia ~ω l
em correspondência à visão quanto-mecânica de um oscilador harmônico. Basicamente,
o espectro de níveis de energia de tais núcleos é aquele dos estados vibracionais, veja
a Figura 7.9-a para um espectro puramente vibracional. Note-se que na Figura 7.9-b a
degenerescência é removida devido a alguma interação que não foi levada em conta no
model teórico mais simples.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


254 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Os espectros vibracionais mais simples tem sua descrição formal beseado no modelo
da gota como apresentado nas subseções anteriores. Lembrando que a forma de um
núcleo pode ser descrita através da expressão que caracteriza sua superfície, Eq. (7.20),
as coordenadas bl estão associadas aos modos multipolares e servem como ponto de
partida para se escrever a energia – para vibrações de pequena amplitude – do modo l
³ ´ 1³ ´
El bl , ḃl = Bl ḃ2l + Cl b2l .
2
Como discutido anteriormente, os modos com l = 0 – modo monopolar11 – e l = 1 –
modo dipolar – não serão considerados aqui (o modo vibracional de ordem mais baixa
é o modo quadrupolar), veja as deformações na Figura ??.

Figura 7.10: Oscilações de forma de uma gota líquida: são exibidas as três primeiras multipo-
laridades. Dipolo (l = 1) corresponde a um deslocamento da esfera apenas; não há deformação.
As vibrações de quadrupolo (l = 2) e octupolo (l = 3) mostram deformações, não obstante o
volume é sempre conservado.

Como os estados vibracionais mais freqüentes a baixas energias podem ser bem
descritos por excitações quadrupolares, podemos particularizar a abordagem, por sim-
plicidade, restringindo o tratamento para o caso com l = 2. Então a energia do modo é
escrita como ³ ´ 1³ ´
E b2 , ḃ2 = B2 ḃ22 + C2 b22 , (7.32)
2
e identifica-se prontamente nesta expressão um termo de energia potencial de defor-
mação dinâmica – típica de um oscilador harmônico12 –, V (b2 ) = C2 b22 /2. Intro-
11
Vibrações monopolares de densidade foram descartadas no modelo da gota líqüida sob a hipótese de
que o fluido é incompressível. Mas essas vibrações nucleares existem e são observadas experimentalmente a
energias mais altas. São as chamadas ressonâncias gigantes de monopolo.
12
O variável b2 é adimensional e os parâmetros C2 e B2 têm dimensão de energia e e energia ×T 2 ,
respectivamente.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 255

duzindo o momentum canônico através da relação



p2 = (T − V ) = B2 ḃ2 ,
∂ ḃ2
obtemos a hamiltoniana de oscilador harmônico
1 p22 1
H2 = + C2 b22 .
2 B2 2
Efetuando a quantização das vibrações harmônicas, teremos os operadores hermiteanos
p̂2 e b̂2 que satisfazem à relação de comutação
h i
b̂2 , p̂2 = ı~1̂

e o espectro de energia é dado pela expressão bem conhecida


µ ¶
1
En2 = n2 + ~ω 2 , n2 = 0, 1, 2, 3, ...,
2
onde a freqüência de vibrações de pequena amplitude é dada pela Eq. (7.31).
Desta forma, o espectro de excitações quadrupolares fica bem definido: além do
estado fundamental teremos estados de um fônon, dois fônons, três fônons, etc. Nos
núcleos par-par o estado fundamental é 0+ e o primeiro estado excitado – um fônon
l
– é 2, com poucas exceções. Sendo a paridade dos estados dada por (−1) , temos
a atribuição 2 para tal estado. Já o segundo estado excitado é constituído de dois
+

fônons acoplados, onde cada fônon se comporta como um bóson. O procedimento de


acoplamento é o mesmo que o do momentum angular, dois fônons, com l = 2, nos
levam a momenta angulares com valores L = 0, 1, 2, 3 e 4, com paridade positiva,
já que (−1)2+2 = +1. Cada fônon com l = 2 tem cinco possíveis valores para a
projeção, m1 , m2 = −2, −1, 0, 1, 2, que permitem 25 combinações possíveis. Agora,
dado o caráter bosônico dos fônons, de todas as combinações possíveis (de m1 e m2
dando M , a projeção de L) são permitidas apenas as simétricas, o que restringe os
valores permitidos de L. Da contagem final das combinações permitidas das projeções,
identificam-se os momenta angulares L = 0+ , 2+ e 4+ (L = 4, M = −4, −3, ... 2, 3,
4; L = 2, M = −2, −1, 0, 1, 2 e L = 0, M = 0). Portanto, o estado de dois fônons
quadrupolares se constitui, de fato, em um tripleto de níveis de energia que deve estar
situado a, aproximadamente, duas vezes a energia do estado de um fônon – o primeiro
nível 2+ , como pode ser visto nas Figuras 7.9 e 7.11. Nesta última vemos os níveis de
energia do nuclídeo 120 T e.
A constatação experimental de uma tal seqüência de níveis de energia, estado 2+
seguido de um tripleto 0+ , 2+ e 4+ , é um bom indicador da validade do modelo. Na re-
alidade, o tripleto não é degenerado devido a efeitos que não são incluídos neste modelo
mais simples; sempre há uma interação residual que remove a degenerescência.
Da mesma maneira, podemos acoplar três fônons seguindo a mesma prescrição us-
ada no caso de dois: retém-se os estados resultantes com L’s tais que sejam obtidos

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


256 Capítulo 7. Modelos do núcleo

de combinações simétricas das projeções (m1 , m2 , m3 ). Neste caso, o multipleto re-


sultante tem estados com momentum angular e paridade 0+ , 2+ , 3+ , 4+ e 6+ ; veja as
Figuras 7.9 e 7.11.

Figura 7.11: Espectro de níveis do movimento vibracional. São mostrados os níveis mais baixos
para o nuclídeo 120 Te. O primeiro estado 2+ corresponde a um fônon (l = 2); em seguida
aparecem o tripleto de dois fônons acoplados e o quintupleto de três fônons. Acima de 2 MeV a
estrutura de níveis fica confusa, não se reconhecendo padrões de movimento vibracional.

Um espectro vibracional que melhor descreve os níveis de energia observados deve


incluir também estados de multipolaridades mais altas, como as excitações octupolares,
l = 3 (de paridade negativa), etc. e suas combinações multifônons. Se pudemos falar
do espectro vibracional com a regra de – aproximadamente – igual espaçamento entre
os níveis de energia, isto se deveu ao caráter harmônico das vibrações.
Agora, o valor do espaçamento ~ω 2 [1, 11, 14] é dado pela equação (7.31), e com
base neste resultado pode-se prever a energia do primeiro estado 2+ em núcleos par-par
como função do número de núcleons A e do número atômico Z, veja a Figura ??.
Como esperado, somente a tendência geral do comportamento da curva E2+ × A é
obtida. Desvios acentuados dos dados experimentais são observados nas regiões onde os
núcleos são deformados, uma vez que eles apresentam bandas rotacionais, com estados
2+ mais baixos em energia que os vibracionais, ocorrendo, mais acentuadamente, nas

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 257

Figura 7.12: Energias dos níveis 2+ ao longo de toda a tabela de nuclídeos. A linha sólida
corresponde ao valor da energia calculada pelo modelo da gota líquida.

regiões 150 < A < 190 e A > 220.

7.4.4 Deformação permanente


A primeira tentativa de explicação para os grandes momentos de quadrupolo medidos
foi proposta por Rainwater [5] e posteriormente ampliada por A. Bohr e Mottelson, que
sugeriram que quando há uma deformação no núcleo, a mudança na energia de defor-
mação, como prevista pelo modelo da gota líquida13 , Eq. (7.26) só é verdadeira para
núcleos com camadas fechadas (ou próximos delas). Neste caso, somente ocorreriam
oscilações no entorno de uma forma esférica. Eles propuseram então que, para núcleos
com núcleons fora da camada fechada, há uma contribuição adicional para a energia po-
tencial de deformação (7.26), linear na deformação, de tal forma que a mudança total
seria dada por (por motivos históricos trocamos a notação, b2 −→ β)

1
C2 β 2 − P β,
V (β) = (7.33)
2
onde P é um parâmetro efetivo associado à natureza de partícula independente dos
núcleons de valência, fora do caroço (camada fechada). O potencial (7.33) torna-se
negativo no intervalo 0 < β < β̄, com β̄ = 2P/C2 , sendo nulo em β̄. A deformação
13
Compare com a Eq. (7.26), b2 = β .

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258 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Figura 7.13: Esquema qualitativo da energia de deformação em função do parâmetro β , note-se


que para certos valores de β , a energia torna-se negativa, ou seja, o núcleo deformado é energeti-
camente mais estável que o esférico.

que torna mínima a energia é dada por

β̄ P A−2/3
β min = ≈
2 5, 8 (1 − 0, 02 Z 2 /A)
(note que este valor só faz sentido para 51 > Z 2 /A) e o mínimo da energia ocorre em

P2 P 2 A−2/3
V (β min ) = − ≈− ,
2C2 11, 6 (1 − 0, 02 Z 2 /A)
e o que torna então evidente, em contrapartida ao que foi discutido na seção anterior,
que no seu estado fundamental o núcleo tem deformação permanente.
Podemos representar o efeito da presença do termo linear desenhando as curvas da
energia como função da variável β para diferentes valores do número de núcleons fora
da camada fechada, representados pelo parâmetro P , veja a Figura 7.13. Em síntese,
para os núcleos perto de camadas fechadas as forças de emparelhamento favorecem a
formação de grupos de núcleons de valência em pares com momento angular zero. A
forma de equilíbrio é então esférica e o movimento coletivo deste caroço é uma vi-
bração no entorno desta forma. À medida que o número dos núcleons fora da camada
fechada cresce, o efeito da contribuição de longo alcance da força nuclear é mais eficaz,
a freqüência de vibração coletiva diminui e finalmente a forma esférica fica instável e

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 259

o núcleo adquire uma deformação permanente. Esta deformação se manifesta tanto nos
núcleons fora da camada fechada quanto no caroço nuclear com o qual aqueles núcleons
interagem.
Do ponto de vista experimental, a relação entre o número de núcleons fora de uma
camada fechada e a deformação pode ser estabelecida, por exemplo através de medidas
do momento de quadrupolo de núcleos com diferentes números de nêutrons. Os dados
experimentais estão em total concordância com a argumentação exposta, como visto na
Figura 7.14.

Figura 7.14: Parâmetro de deformação β em função do número de nêutrons. Enquanto a linha


cheia é um ajuste aos pontos experimentais, a linha tracejada é apenas uma extensão hipotética
que passa por poucos pontos.

7.4.5 Vibrações e rotações nucleares: modelo híbrido de A. Bohr e


Mottelson
Com o estabelecimento de uma deformação permanente, dois tipos de movimento co-
letivo podem ser identificados: vibrações no em torno da forma de equilíbrio e/ou ro-
tações da orientação nuclear.
Como ocorre em moléculas, a descrição dos momenta angulares envolvidos e seus
acoplamentos nos núcleos são também estudados como se faz com as mesmas. Por

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


260 Capítulo 7. Modelos do núcleo

simplicidade, consideremos um núcleo deformado com simetria axial ao longo do eixo


z 0 de um referencial fixo no corpo – caroço par-par. Embora não possa haver rotação
coletiva no entorno do eixo de simetria do núcleo nos estados mais baixos de energia,
o movimento intrínseco dos núcleons fora da camada fechada se dá também no entorno
desse eixo com componente de momento angular
X
~Ω = ~ mi ,
i
onde mi é a componente do i-ésimo núcleon projetada ao longo do eixo de simetria.
O momentum angular coletivo do rotor, R, é acoplado com a contribuição dos nú-
cleons de valência, que resulta no momento angular total J , veja a Figura 7.15. Assim,

Figura 7.15: A representação geométrica do núcleo deformado com momentum angular total
J = j + R, R refere-se ao momentum angular do rotor (caroço com fechamento de camada) e
j é aquele das partículas de valência (que não formam uma camada fechada).

a projeção de J sobre o eixo fixo no espaço é M e sobre o eixo fixo de simetria14 é K.


Sendo dado o valor absoluto do momentum angular coletivo, o espectro de energia, em
ordem mais baixa, é dado por [7, 8, 11]

~2 £ ¤
EJ,K,i = K,i + J (J + 1) − K 2 , (7.34)
2I0
14
Wigner desenvolveu a teoria do movimento rotacional na mecânica quântica, quando há dois referenciais,
um fixo no espaço e outro no corpo rígido. As funções DM,K J (a, β, γ) são chamadas funções de Wigner,
elas dependem dos ângulos de Euler e as equações de autovalores associadas a ela são

J 2 DM,K
J J
= J (J + 1) DM,K , Jˆz DM,K
J J
= MDM,K , Jˆz0 DM,K
J J
= KDM,K ,
(por simplicidade omitimos os ângulos como variáveis independentes) onde M e K são as projeções sobre
os eixos z e z 0 da Figura 7.15.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 261

onde o primeiro termo corresponde à energia das partículas de valência e o segundo


representa o espectro da banda K-rotacional. O número quântico K fixa a banda com
valores J = |K| , |K| + 1, |K| + 2, · · · para um núcleo com simetria axial, onde I0
é o momento de inércia15 . Algumas situações podem ser mais facilmente estudadas se
admitirmos que o movimento pode ser separado quando ocorrerrem

• movimento intrínseco do núcleon em um potencial não-esférico (como já visto


no modelo de Nilsson),

• rotações coletivas,

• vibrações no entorno da forma de equilíbrio estático (esférico ou deformado).


Paradoxalmente, embora os núcleos sejam objetos femtométricos, em física de baixas
energias é costumeiro usar idéias e conceitos de física clássica, mesclados com um trata-
mento quântico, para descrevê-los, como feito com o modelo da gota líquida. Assim,
admite-se que núcleos deformados podem rodar. Classicamente, a energia associada à
rotação é dada por
3
1X
Trot = Ik ω 2k ,
2
k=1
onde Ik é o momento de inércia e ω k é a velocidade angular de rotação associada ao
eixo k. No caso nuclear, se considerarmos que o núcleo é uma gota líquida, a rotação
deve ser associada a uma onda hidrodinâmica movendo-se em volta do núcleo e não a
uma rotação de um corpo rígido. Segundo o modelo de A. Bohr e Mottelson [11], um
movimento irrotacional do líquido nuclear tem sua energia escrita como

1 ³ 2 ´
3
¡ ¢ 1X
E = H Ikirr , β, γ = Ikirr ω 2k + B2 β̇ + β 2 γ̇ 2 , (7.35)
2 2
k=1
¡ ¢
possuindo o núcleo dois modos vibracionais16 , β e γ, e H Ikirr , β, γ é conhecida
como a hamiltoniana de Bohr. Rodando no entorno de um eixo perpendicular ao eixo
de simetria, o momento de inércia da gota contém uma dependência com o parâmetro
de deformação β da forma
µ ¶ ∙ µ ¶¸
2π 3 2π
Ikirr = 4B2 β 2 sin2 γ − k = mN r02 A5/3 β 2 sin2 γ − k (7.36)
3 2π 3
15
De fato, a expressão (7.34) é aproximada, pois estão ausentes outros efeitos, como de recuo, e a interação
residual.
16
No modo β, o núcleo esferoidal vibra de modo que sua “cintura” se contrai e dilata, ou seja, a secção
reta, que é um disco, diminui e aumenta seu raio - o semi-eixo menor - enquanto o semi-eixo maior também
oscila, aumentando e diminuindo, permanecendo, não obstante, um esferóide. No modo γ, o semi-eixo maior
(de simetria) mantém-se fixo mas a direção associada à secção reta oscila, passando de um círculo para uma
elipse que se alonga, ora ao longo do eixo x, ora ao longo do eixo y, isto é, o esferóide transforma-se em um
elipsóide que vibra nas direções x e y. Entretanto, nos dois modos o volume é conservado.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


262 Capítulo 7. Modelos do núcleo

enquanto que
" r µ ¶#
2 5 2π
Ikrig 2 5/3
= mN r0 A 1− β cos γ − k (7.37)
5 4π 3
é o momento de inércia para um núcleo deformado de massa mN A e raio r0 A1/3 .
O momento de inércia Ikirr mostra uma dependência essencial com o parâmetro de
deformação β, enquanto que no caso de Ikrig a contribuição dominante é aquela da
esfera rígida. Quantizando a Eq. (7.35) e resolvendo a equação de Schrödinger para
pequenas vibrações β em torno do valor de menor energia, assim como para vibrações
γ, obtêm-se os autovalores de energia associados aos modos vibracional e rotacional
∙ µ ¶ µ ¶¸
1 |K| ~2 £ ¤
EJ,K,nβ ,nγ = ~ω β nβ + + ~ω γ 2nγ + 1 + + J (J + 1) − K 2 .
2 2 2I0
(7.38)
O primeiro termo, entre colchetes, corresponde à parte vibracional e o segundo à rota-
cional e, para K 6= 0, a vibração γ está acoplada ao movimento rotacional; ω β e ω γ são
as freqüências de vibração daqueles modos e seus números quânticos tomam valores
nβ , nγ = 0, 1, 2, 3, ...; I0 é o momento de inércia efetivo.
Essa abordagem geral do núcleo é bastante intrincada uma vez que considera graus
de liberdade de diferentes naturezas que se acoplam. Olhando apenas a parte rotacional
da energia,
~2 £ ¤
EJ,K = J (J + 1) − K 2
2I0
observa-se que ela representa uma banda de níveis de energias associada ao movimento
rotacional (caracterizada pelos J’s) superimposta às energias do movimento intrínseco
(caracterizadas por K). Para núcleos par-par deformados no seu estado fundamental, os
núcleons ocupam alternadamente estados de mi com sinais opostos, logo K = 0 e não
haverá contribuição do movimento intrínseco para o momentum angular total. Como
há, neste caso, uma simetria por um plano perpendicular ao eixo nuclear, a função de
onda deve ser invariante por rotações de 180◦ e, desta forma, os valores permitidos
para o momentum angular são J = 0, 2, 4, 6, ..., com paridade par, pois esta é dada por
(−1)J . Assim, a banda rotacional prevista pelo modelo segue a seqüência de estados
0+ , 2+ , 4+ , ... e, de fato, esse tipo de banda é encontrada em muitos casos nas regiões
da tabela de nuclídeos onde a deformação nuclear é bem identificada, a saber, A ∼
24, 150 < A < 190 e A > 200. Como exemplo, apresentamos na Figura 7.16 a banda
rotacional mais baixa do nuclídeo 164 Er.
É imediato constatar que o estado fundamental de um núcleo par-par (início da banda
J = |K| , |K| + 2, |K| + 4, · · · ) sempre tem momentum angular e paridade J π = 0+ e
o primeiro estado excitado no mais das vezes tem J π = 2+ .
Um teste deste modelo, usado para descrever as rotações nucleares, pode ser levado
a efeito comparando-se o momento de inércia obtido da banda experimental de energias
~2 J (J + 1)
EJexp =
2Iexp

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.4 Modelos coletivos do núcleo 263

Figura 7.16: Valores experimentais da banda rotacional do núcleo de 164 Er. Rotação do núcleo
em seu estado fundamental.

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264 Capítulo 7. Modelos do núcleo

com o momento de inércia rígido e com o hidrodinâmico. O que se encontra é que a


rotação coletiva requer um momento de inércia menor que aquele do corpo rígido Eq.
(7.37), porém maior que o valor hidrodinâmico (obtido a partir de valores experimentais
da deformação, Eq. (7.36)). De fato, a hipótese de que o valor do momento de inércia
é fixo – nem rígido nem hidrodinâmico – se revela uma aproximação crua. A compara-
ção das razões E4 /E2 = 10/3, E6 /E4 = 21/10, E8 /E6 = 12/7, obtidas com aquela
hipótese, com as razões obtidas a partir dos dados experimentais mostra, em certos ca-
sos, desvios apreciáveis. Isto é uma indicação de que o momento de inércia nuclear é
uma quantidade que não reflete uma estrutura nuclear imutável; além de revelar uma
estrutura mais complicada, ele também indica como ela se altera conforme o núcleo
roda. Para baixos momenta angulares as mudanças são pequenas, mas elas podem ser
muito acentuadas para altos momenta. Se, para J’s pequenos é possível atribuir as mu-
danças do momento de inércia ao aumento da deformação nuclear [11], por outro lado,
para J’s grandes (J & 12) isto não é suficiente já que outros efeitos, como forças de
Coriolis – que tendem a mudar a contribuição de emparelhamento, enfraquecendo-a –,
e efeitos sensíveis de camadas podem desempenhar papel essencial no comportamento
do momento de inércia. Um fenômeno exuberante que ocorre no momento de inér-
cia de alguns núcleos em altos momenta angulares, mormente nas terras raras, é uma
diminuição da velocidade angular ω enquanto Iexp cresce; este efeito que é resultado
de uma conjunção de altos momenta angulares e efeitos de camadas em dada região de
massa nuclear, é conhecido como backbending (inclinação para trás) e se manifesta por
uma compressão acentuada na banda rotacional experimental em valores J ' 12~, veja
a Figura 7.17.
Bandas rotacionais com K 6= 0 também podem ser descritas através de formalismos
mais elaborados e não serão tratadas aqui, assim remetemos o leitor, por exemplo, ao
livro de D. Rowe [13].

7.5 Apêndice A: Energias de superfície e coulombiana de


um esferóide
Neste apêndice vamos obter as expressões para as energias de superfície e coulombiana
para o caso particular de deformações esferoidais da gota líquida. Para tanto, vamos
considerar um esferóide de volume V = 4πab2 /3, cujos semi-eixos são dados como
a = R0 (1 + ε) para o semi-eixo maior e b = R0 (1 + ε)−1/2 para o semi-eixo menor,
de forma que o volume seja conservado, V = 4πR03 , veja a Figura 7.18. Este esferóide
simula o núcleo deformado na concepção de uma gota líquida.

7.5.1 Energia de superfície


Inicialmente vamos calcular a superfície do esferóide. Sabendo que a equação do esfer-

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.5 Apêndice A: Energias de superfície e coulombiana de um esferóide 265

Figura 7.17: O momento de inércia I0 em função do quadrado da freqüência de rotação para


os nuclídeos 158 Er e 174 Hf. Observa-se o desvio da regra EJ = AJ (J + 1) em banda rota-
cionais de núcleos rígidos. No caso do 158 Er, a partir de J = 12 observa-se o fenômeno de
"backbending", quando a curva se retorce, adquirindo a forma da letra S.

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266 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Figura 7.18: Esferóide com semi-eixos a e b, e ρ é o raio da secção reta, que é um círculo.

óide é
z2 ρ2
+ = 1,
a2 b2
onde ρ é o raio do círculo da secção reta, conforme visto na Figura 7.18, podemos definir
a função
µ ¶1/2
z2
f (z) = ρ = b 1 − 2
a
para ser inserida na expressão do cálculo da superfície de uma figura de revolução
Z a h ³ ´i1/2
2
S = 2π f (z) 1 + f 0 (z) dz.
−a
Um cálculo direto leva à expressão
∙ ¸
b arcsin α
S = 2πab + ,
a α
onde
b2
α2 = 1 − 2 .
a
Como admitimos que ε ¿ 1, expansões até terceira ordem em ε são
−1 ¡ ¢
(1 + ε) = 1 − ε + ε2 − ε3 + O ε4 ,
1/2 1 1 1 ¡ ¢
(1 + ε) = 1 + ε − ε2 + ε3 + O ε4
µ2 8 16¶
10 ¡ ¢
α2 = 3ε 1 − 2ε + ε2 + O ε4 ,
3

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7.5 Apêndice A: Energias de superfície e coulombiana de um esferóide 267

e também
arcsin α 1 3 5 6 ¡ ¢
= 1 + α2 + α4 + α + O α8
α 6 40 112
1 13 2 289 3 ¡ ¢
= 1+ ε− ε + ε + O ε4
2 40 1680
o que permite finalmente obter o valor da área do esferóide (até terceira ordem em ε),
∙ ¸
2 52 3 ¡ ¢
Sε = 4πR02 1 + ε2 + ε + O ε4 .
5 105
Note que não há termo linear em ε, e até ordem em ε3 a energia de superfície é escrita
como
µ ¶
2 2 52 3
∆Es = τ (Sε − S0 ) = 4πR02 τ ε + ε
5 105
µ ¶
2 2 52 3
= Es0 ε + ε . (7.39)
5 105
Comparando o resultado (7.39) com a expressão (7.24), constata-se que apenas os re-
spectivos primeiros termos coincidem, os termos subsequentes diferem porque supuse-
mos diferentes modelos formais para representar a deformação nuclear.

7.5.2 Energia coulombiana


Para uma distribuição uniforme de carga, de densidade ρ0 , a energia coulombiana é
calculada pela integral
Z
1 2 1
Ec = (ρ0 ) d3 r d3 r0 . (7.40)
2 |r − r0 |
Seguindo a Ref. [15] vamos efetuar a mudança de variáveis
⎧ ⎫ ⎧ ¡ √ √ ¢ ⎫
⎨ r ⎬ ⎨ s = x 1 − ε, y 1 − ε, z/ (1 − ε) ⎬
=⇒ ¡ √ √ ¢
⎩ 0 ⎭ ⎩ 0 ⎭
r s = x0 1 − ε, y 0 1 − ε, z 0 / (1 − ε)

verificando que r2 = s2 e r02 = s02 , a integral (7.40) pode ser reescrita como
Z 0
1 d3 s d3 s0
Ec (ε) = (ρ )2 ∙ ¸1/2 . (7.41)
2 0 (sx −s0x )2 (sy −s0y )2
1−ε + 1−ε + (sz − s0z )2 (1 − ε) 2

A integração deve ser efetuada com a condição de vínculo s2 = s02 = R02 (a linha na
integral é um “lembrete” desse vínculo). Como consideramos ε ¿ 1, expandindo o

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268 Capítulo 7. Modelos do núcleo

denominador em (7.41) até potências da ordem ε2 , chega-se a


Z 0 3 3 0( "
2
#
1 2 d sd s ε 3 (sz − s0z ) ε2 3 2
Ec (ε) = (ρ0 ) 1 − 2 − 1 − + ε
2 |s − s0 | 2 |s − s0 | 2 8
" #)
9 (sz − s0z )4 − 6 (sz − s0z )2 |s − s0 |2
× 4 +1 . (7.42)
|s − s0 |
As integrais podem ser calculadas usando-se resultados de geometria vetorial. Chamando
Z 0
d3 s d3 s0 2 2
J0 = = (4π) R05
|s − s0 | 15
(veja o capítulo 2) tem-se
Z 0 ¡ ¢
(si − s0i ) sj − s0j J0
3 d3 s d3 s0 = δ ij (7.43)
|s − s0 | 3
(para i, j = x, y, z) e
Z 0 ¡ ¢
(si − s0i ) sj − s0j (sk − s0k ) (sl − s0l )
d3 s d3 s0
|s − s0 |5
J0
= (δ ij δ kl + δ ik δ jl + δ il δ jk ) . (7.44)
3
Usando os resultados (7.43) e (7.44) em (7.42) obtém-se
µ ¶
ε2
Ec (ε) = Ec0 1 − .
5

7.6 Apêndice B: A energia cinética de uma gota líquida


O primeiro termo da energia cinética é bastante simples de calcular,
Z Z
1 X 0 R0
0
T1 = ρ ll Cl (t) Cl0 (t) rl+l dr Yl0 (θ, φ) Yl0 0 (θ, φ) dΩ
2 0 0 0
l,l

1 X l2
= ρ0 |Cl (t)|2 R02l+1 (7.45)
2 (2l + 1)
l

Para o segundo termo,


Z Z
1 X 0 ∂Yl0 (θ, φ) ∂Yl0 0 (θ, φ)
T2 = ρ Cl (t) Cl0 (t) rl+l dr dΩ, (7.46)
2 0 0 ∂θ ∂θ
l,l

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7.7 Apêndice C: O teorema de Landé 269

devido à existência de derivadas é necessário fazer uso das relações de recorrência das
funções de Legendre. Primeiro escrevemos

∂Yl0 (θ, φ) ∂Yl0 (θ, φ)


= − sin θ
∂θ ∂ cos θ
e a integral na Eq. (7.46) pode ser reescrita como
Z π
∂Yl0 (θ, φ) ∂Yl0 0 (θ, φ)
I = d (cos θ) dφ
0 ∂θ ∂θ
Z µ ¶µ ¶
2l + 1 1 ¡ ¢1/2 dPl (x) ¡ ¢1/2 dPl0 (x)
= 1 − x2 1 − x2 dx
2 −1 dx dx
Z
2l + 1 2l + 1 2 (l + 1)!
= Pl,1 (x) Pl0 ,1 (x) dx = δ l´l0 = l (l + 1) δ l´l0 ,
2 2 2l + 1 (l − 1)!
onde Pl,1 (x) é o polinômio associado de Legendre. Logo,

1 X 2 R0
2l+1
T2 = ρ0 |Cl (t)| [l (l + 1)]
2 2l + 1
l
1 X ¯¯ ¯2 (l + 1)
¯
= ρ0 R05 ¯ḃl (t)¯ ,
2 l (2l + 1)
l

onde a segunda igualdade segue da Eq. (7.29).

7.7 Apêndice C: O teorema de Landé


Embora já fosse utilizado na física atômica usando o formalismo clássico de soma de
momenta angulares, o teorema de Landé também foi verificado formalmente na versão
quântica. Isso pode ser melhor entendido fazendo uso de alguns resultados gerais. Ini-
cialmente vamos admitir que a função de onda de uma partícula independente de spin
s = 1/2, sujeita a um campo de força central, seja escrita de forma genérica como
ψ nlsjmj (r), e para j = l ± 1/2 as duas funções são escritas como
⎧ ⎫
⎨ ψ nlsj=l+1/2,mj (r) ⎬
= Rnl (r) ×
⎩ ⎭
ψ nlsj=l−1/2,mj (r)
⎧ q q

⎪ l+mj +1/2
Yl mj −1/2 (Ω) χ1/2 +
l−mj +1/2
Yl mj +1/2 (Ω) χ−1/2 ,
⎨ 2l+1 2l+1

q q (7.47)


⎩ − l−mj +1/2 Y (Ω) χ +
l+mj +1/2
Yl mj +1/2 (Ω) χ−1/2 .
2l+1 l mj −1/2 1/2 2l+1
Note-se que ψ nlsj,mj (r) é autoestado de s 2 , l 2 , j 2
e ĵz , mas não é autoestado dos
operadores ˆlz e ŝz .

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270 Capítulo 7. Modelos do núcleo

No que diz respeito ao operador momentum angular j, diz-se que um vetor V é um


operador vetorial (ou tensor esférico de ordem 1) se ele obedece às regras de comu-
tação h i
ĵi , V̂j = iεijk V̂k , |εijk | = 0 ou 1, (7.48)
onde εijk é o chamado símbolo de Levi-Civita: εijk = 0 para dois índices repetidos
quaisquer, εkji = − εijk troca de sinal se o número de permutações dos índices (difer-
entes entre si) for ímpar e εjki = εijk , se o número de permutações dos índices for
par. Também se verifica da relação de comutação (7.48) que j · V = V · j. Para um
estado |αjmj i, quando por α denotam-se os demais números quânticos, o teorema de
Landé diz que os elementos de matriz diagonais de V são proporcionais aos elementos
de matriz diagonais de j,

hαjmj | V · j |αjmj i
hαjmj | V |αjmj i = hαjmj | j |αjmj i , (7.49)
hαjmj | j 2 |αjmj i
ou em termos de componentes dos vetores

hαjmj | V · j |αjmj i
hαjmj | V̂k |αjmj i = hαjmj | ĵk |αjmj i , k = 1, 2, 3. (7.50)
hαjmj | j 2 |αjmj i
Esta relação tem um significado físico intuitivo: como j define a direção de quantização,
o valor médio de qualquer componente vetorial V̂k é proporcional ao valor médio da
projeção de V sobre a direção de j.
A demonstração faz uso de teoremas relacionados a tensores esféricos de ordem 1
cujos enunciados e demonstrações podem ser encontrados no livro de M. E. Rose [16].
Porém, sem entrar em detalhes formais vamos esboçar como o resultado é alcançado
fazendo uso de alguns teoremas. Inicialmente é usado o teorema da decomposição de
primeiro tipo, que é escrito como
­ ¯ ³ ´
­ 0 0¯ αjm0j ¯ j j · V |αjmj i
αj mj ¯ V |αjmj i = δ j,j 0 , (7.51)
j (j + 1)
a seguir faz-se uso do teorema da fatoração,
­ 0 0¯ ³ ´ ­ ¯
αj mj ¯ j V · j |αjmj i = αj 0 m0j ¯ j |αjmj i hαjmj | V · j |αjmj i δ j,j 0 . (7.52)

Ambos os teoremas, (7.51) e (7.52), podem ser combinados para construir o teorema da
decomposição de segundo tipo, expresso pela equação

­ ¯ ­ ¯ hαjmj | j · V |αjmj i
αjm0j ¯ V |αjmj i = αjm0j ¯ j |αjmj i , (7.53)
j (j + 1)
tal que considerando os elementos diagonais apenas, resulta a Eq. (7.49).

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7.8 Apêndice D: Momento de quadrupolo elétrico de um próton de valência 271

7.8 Apêndice D: Momento de quadrupolo elétrico de um


próton de valência
O momento de quadrupolo elétrico de um próton em uma subcamada j é dado por
Z
Q2 (j = l ± 1/2) = 2 ρnuc c (r) r2 P2 (cos θ) d3 r
∙µ ¶Z
­ 2® l ± j + 1/2 ¯ ¯2
= 2 r nl dΩP2 (cos θ) ¯Yl j−1/2 ¯
2l + 1
µ ¶Z ¸
l ∓ j + 1/2 ¯ ¯2
+ ¯
dΩP2 (cos θ) Yl j+1/2 ¯ , (7.54)
2l + 1
¯ ¯2
¯ ¯
onde usamos as funções (7.47) pois admitimos que ρnuc c (r) = ¯ψ nlsj=l±1/2,mj (r)¯ .
As integrais se reduzem a produtos de coeficientes de Clebsh-Gordan17 (veja a referên-
cia [16])
Z
¯ ¯2
dΩP2 (cos θ) ¯Yl j∓1/2 ¯ = (l (j ∓ 1/2) 2 0 | l (j ∓ 1/2)) (l 0 2 0 | l 0) (7.55)

onde
2
3 (j ∓ 1/2 ) − l (l + 1)
(l (j ∓ 1/2) 2 0 | l (j ∓ 1/2)) = 1/2
[l (l + 1) (2l − 1) (2l + 3)]
e
l (l + 1)
(l 0 2 0 | l 0) = − 1/2
,
[l (l + 1) (2l − 1) (2l + 3)]
donde portanto
h i
3 (j ∓ 1/2 )2 − l (l + 1) l (l + 1)
(l (j ∓ 1/2) 2 0 | l (j ∓ 1/2)) (l 0 2 0 | l 0) = − .
[l (l + 1) (2l − 1) (2l + 3)]
(7.56)
Substituindo o valor obtido na Eq. (7.56) na Eq. (7.55) e por sua vez esta na Eq. (7.54),
ficamos com
½µ ¶
j=l±1/2 ­ ® l (l + 1) l ± j + 1/2 h
Q2 = −2 r2 nl 3 (j − 1/2 )2
[l (l + 1) (2l − 1) (2l + 3)] 2l + 1
µ ¶ i¾
l ∓ j + 1/2 h 2
−l (l + 1)] + 3 (j + 1/2 ) − l (l + 1) .
2l + 1

17
Que é definido como (j1 m1 j2 m2 | j3 m3 ) e deve satisfazer as seguintes condições necessárias para
ser diferente de zero:
1. m1 + m2 = m3 ,
2. |j1 − j2 | ≤ j3 ≤ j1 + j2 .

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272 Capítulo 7. Modelos do núcleo

Considerando j = l + 1/2 obtemos


­ ® 1 h i
j=l+1/2
Q2 = −2 r2 nl 3 (j − 1/2 )2 − (j − 1/2) (j + 1/2)
[(2j − 2) (2j + 2)]
­ ® 2j − 1
= − r2 nl
2j + 2
e no caso j = l − 1/2
½µ ¶h
j=l−1/2 ­ ® 1 1 2
Q2 = −2 r2 nl 3 (j − 1/2 ) − (j + 1/2)
[(2l − 1) (2l + 3)] 2j + 2
µ ¶ i¾
2j + 1 h 2
× (j + 3/2)] + 3 (j + 1/2 ) − (j + 1/2) (j + 3/2)
2j + 2
­ ® 2j − 1
= − r2 nl .
2j + 2
Por conseguinte, para ambos os casos, j = l ± 1/2, resulta o mesmo momento de
quadrupolo (7.16).

7.9 Problemas
1. Obtenha o lado direito da Eq. (7.22) e os primeiros termos da Eq. (7.23).
3 3 2 4
λ3 = 1 + b22 + b23 + b32 + ... + b2 b23 ...
5 7 35 35
supondo que sejam dominantes se b3 ¿ b2 ¿ 1.
Note que,
Z 1
2
Pl1 (x) Pl2 (x) Pl3 (x) dx = (l1 0l2 0|l3 0)2 ,
−1 2l3 + 1
onde (l1 0l2 0|l3 0) é o coeficiente de Clebsh-Gordan,
⎧ q

⎪ (−1)
g−l3
(2l3 + 1) g!(2g−2l1 −1)!!(2g−2l2 −1)!!(2g−2l3 −1)!!
,

⎨ (g−l1 )!(g−l2 )!(g−l3 )!(2g+1)!!
(l1 0l2 0|l3 0) = para l1 + l2 + l3 = par




0 para l1 + l2 + l3 = ímpar
e onde 2g = l1 + l2 + l3 , um inteiro par.

2. Mostre que a superfície uma esfera (raio R) é menor do que aquela de um cilin-
dro (comprimento l e raio da base r) de mesmo volume V .

3. A partir do modelo de gás de Fermi, considere dois gases de partículas livres, Z


prótons e N nêutrons. Mostre que para A = N + Z fixo, a energia cinética para N 6= Z

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7.9 Problemas 273

é maior do que para N = Z. Explique a razão física deste resultado.

4. As quantidades
1 D ¯ ¯ E
¯ ¯
Gl (j) = nlsjj ¯j · l¯ nlsjj
j(j + 1)
e D ¯ ¯ E
1 ¯ ¯
Gs (j) = nlsjj ¯j · s¯ nlsjj
j(j + 1)
são os fatores-g de Landé. Mostre que

j − 1/2 1 1
Gl (j) = , Gs (j) = para j =l+
j 2j 2
e
j + 3/2 1/2 1
Gl (j) = , Gs (j) = − para j =l− .
j+1 j+1 2
5. O operador de dipolo magnético é dado por
³ ´
orb ˆ spin
M̂z = µ0 gN lz + gN ŝz .

Usando o teorema de Landé


¿ ¯½ ¾¯ À ½ ¾
¯ ˆlz ¯ Gl (j)
nlsjj ¯¯ ¯ nlsjj = hnlsjj |ĵz | nlsjji
ŝz ¯ Gs (j)
calcule o momento de dipolo magnético
D ¯ ¯ E
¯ ¯
µ = nlsjj ¯M̂z ¯ nlsjj

para j = l + 1/2 e j = l − 1/2.

6. Considere o hamiltoniano Ĥ = Ĥ0 − ξ l · s, onde

Ĥφnlsjm = Enlj φnlsjm


e

Ĥ0 φnlsjmj (r) = εnl φnlsjmj (r)


= [−V0 + (2n + l + 3/2) ~ω] φnlsjmj (r) , n, l = 0, 1, 2, ... .
(a) Quais os possíveis autovalores da energia Enlj para valores fixos de n e l? (obs:
j = l + s)
(b) Calcule os autovalores Enlj para n = 1 e l = 2. Qual é o efeito do termo −ξ l·s ?
(c) Qual é a diferença entre os níveis de energia calculados no ítem (b)?
(d) Calcule esta diferença de energia para (i) n = 2 e l = 3, e (ii) n = 4 e l = 4. O
que você conclui?

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274 Capítulo 7. Modelos do núcleo

(e) Considere V0 = 12 M eV , ~ω = 2 M eV e ξ = 0, 5 M eV . Construa o esquema


de níveis de energia de εnl e Enlj indicando a devida correspondência entre ambos. Use
os seguintes valores n = 0, 1, 2 e l = 0, 1, 2, 3, 4 tal que Λ = 2n + l = 0, 1, 2, 3, 4.
Especifique os números quânticos de cada nível e dê a sua respectiva paridade.
(f) Com relação ao esquema de níveis Enlj do ítem (e), quantos prótons podem ser
acomodados até Λ = 4? Interprete o resultado em termos do modelo de camadas.

7. Calcule os valores dados na última coluna da Tabela 7.3.

8. Usando o teorema de Landé deduza o resultado (7.15).

9. Verifique as passagens e os cálculos omitidos do Apêndice A.

7.10 Bibliografia

[1] Strutt J. W. (Baron Rayleigh), 1945, The theory of sound, Dover.

[2] Bohr N., e Wheeler J. A., 1939, Phys. Rev. 56, 1065.

[3] Wilets L., 1964, Theories of nuclear fission, Clarendon Press, Oxford.

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[5] Rainwater J., 1950, Phys. Rev. 79, 432.

[6] Nilsson S. G., 1965, Mat. Fys. Medd. Dan. Vid. Selsk. 29, 16.

[7] Eisenberg J. M. e Greiner W., Nuclear Models, North Holland, Amsterdam, 1970.
Vol. I, cap. 6.

[8] Roy R. R. e Nigam B. P., 1967, Nuclear Physics: theory and experiment, John Wi-
ley & Sons Inc; e mesmos autores, 1996, Nuclear Physics, New Age International.

[9] Preston M., 1965, Physics of the Nucleus, Addison Wesley Publ. Co.

[10] de-Shalit A., Igal Talmi I., 2004, Nuclear Shell Theory, Dover Editions.

[11] Bohr A. N. e Mottelson B. R., 1975, Nuclear structure, Vol. I e II, Benjamin.

[12] Bertsch G. F., 1972, The Practitioner’s Shell Model, North-Holland, Amsterdam

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi


7.10 Bibliografia 275

and London.

[13] Rowe D., 1970, Nuclear colective motion, models and theory, Methuen and Co.
Ltd., London.

[14] Ring P., Schuck P., 1980, The nuclear many-body problem, Springer Verlaag,
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[15] Bernstein J. e Pollock F., 1979, Physica 96A, 136.

[16] Rose M. E., 1957, Elementary theory of angular momentum, John Wiley, New
York.

S.S. Mizrahi & D. Mizrahi

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