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DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Conferência Nacional
de Educação Para Todos
ANAIS
Brasília - 1994
Presidente da República
Itamar A ugusto Cautiero Franco
Secretário Executivo
António José Barbosa
I SIMPÓSIO NACIONAL
DE EDUCAÇÃO INFANTIL
ANAIS
BRASÍLIA, 1994
ORGANIZAÇÃO DOS ANAIS
Angela M. Rabelo F. Barreto - Coordenação Editorial
Stela Maris Lagos Oliveira
APOIO TÉCNICO-OPERACIONAL
Tereza Nery Barreto
Maria Aparecida Camarano Martins
Ludmila de Marcos Rabelo
Márcia P. Tetzner Laiz
Anny Mary Baranenko
Vicente Geraldo de Melo Neto
CAPA
Maria Cristina Lagos Oliveira
PRODUÇÃO
Editora da UnB
PREPARAÇÃO DE ORIGINAIS
Marcus Mota
DIAGRAMAÇÃO
Carlos Henrique Bode
DIGITAÇÃO
Aida Íris de Oliveira
Cristina de Jesus Teixeira
Maria Genilda Alves Lima
Fernanda Medeiros da Costa
CDU: 37.014-053.2
Obs.: As ideias contidas nesta publicação são de inteira responsabilidade de seus autores.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO INFANTIL
Brasília, 8 a 12 de agosto 1994
2 -MESA REDONDA
A Política de Educação Infantil no Âmbito do Estado Brasileiro. 31
Maria Helena Guimarães de Castro
Roberto José Marques Pereira
Luciano Mendes de Faria Filho
3 -MESA REDONDA
Financiamento da Política de Educação Infantil. 43
Divonzir A rthur Gusso
Ubiratan Aguiar
José Eustáquio Romão
4 - M E S A REDONDA
Sistema de informações na educação infantil. 73
Jorge Rondelli da Costa
Maria Dolores Bombardelli Kappel
Everardo de Car\'alho
Bernard Pirson
5 -PAINEL
A educação infantil nos municípios. 87
Miguel Gonzalez Arroyo
Rita Cohen Bendetson
Maria Edi Leal da Cruz
Maria Evelyna P Nascimento
Lívia Maria Fraga Vieira
6 -PAINEL
Proposta pedagógica e currículo da Educação Infantil. 111
Zilma Moraes Ramos de Oliveira
So/ange Leite Ribeiro
Olgair Gomes Garcia
7 - MESA REDONDA
A formação do profissional de educação infantil. 123
Angela Maria Rabelo Ferreira Barreto
Iara Sílvia Lucas Wortmann
Marília Miranda Lindinger
8 -PAINEL
A atuação das Organizações não-governamentais na área da Educação Infantil. 135
Antenor Naspolini
Maria da Consolação Castro Gomes Abreu
Tula Vieira Brasileiro
Everardo Carvalho e Maria Lúcia Thiessen
Teresa Cristina de Albuquerque
9 -MESA REDONDA
A questão da qualidade na Educação Infantil: experiências internacionais. 153
Fúlvia Rosemberg
Jytte Juul Jensen
Maria Victoria Peralta
APRESENTAÇÃO
INTRODUÇÃO
MESA REDONDA
Expositores:
Maria Aglaê de Medeiros Machado
Carmen Craidy
Pedro Demo
Maria Machado Malta Campos
Coordenação:
Maria Aglaê de Medeiros Machado
A POLÍTICA De EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA POLÍTICA DA INFÂNCIA NO BRASIL
atendimento e de gestão, através do relançamento e Segundo André C. Média e Rosa Maria Mar-
introdução de programas"... (ALVES e ques, o governo Collor significou um retrocesso
BATTAGLIA, 1993:51). nessa transição na medida em que perseguiu, "coe-
Os esforços iniciados na Nova República não rente com seu ideário neo-liberal e com sua estraté-
conseguem obter resultados significativos em vir- gia de estabilização económica, um ajuste nas con-
tude da crise político-institucional e económica que tas públicas a partir de cortes centrados,
vive o país até os dias presentes. Daí a prioritariamente, nos gastos sociais" (...)" A área
descontinuidade e inconsequência desses esforços de Educação foi (etem sido) uma das mais prejudi-
então iniciados. cadas pelos cortes efetuados em seus programas
A década de 80 foi marcada, entretanto, por gran- desde o inicio do governo Collor. A queda acumu-
des mobilizações em tomo da criança e do adoles- lada em 1990/91 foi de 49,3%..." (idem p. 40) (...)
cente com significativa participação de amplos se- "A contenção de gastos evidenciou-se também nos
tores da sociedade civil organizada e também com a programas de Alimentação e Nutrição, os quais fo-
presença de representantes de órgãos públicos e o ram reduzidos em 47,3% em 1991, com relação ao
apoio do UNICEF. ano anterior. Nota-se que em 1990 houve um acrés-
Essa mobilização resultou num reordenamento cimo de 11,8% nas despesas com estes programas,
legal e na afirmação de uma nova doutrina da in- demonstrando que o Governo Federal, a despeito
fância. Segundo esta doutrina, a criança deixa de de não ter uma política clara sobre o assunto, utili-
ser vista como objeto de tutela e passa a figurar za as verbas destinadas à Alimentação e Nutnção
como sujeito de direitos. de forma claramente clientelista. (Idem)
Nesse sentido, a Constituição de 1988 significa "(...) Por fim, verificou-se uma característica
um marco histórico para a redefinição doutrinária e comum entre os setores que sofreram maior redu-
para o lançamento dos princípios de implementação ção de recursos: Saúde, Previdência e Educação.
de novas políticas para a infância. Todos ganharam, com a Nova Constituição, em con-
Decorre da Constituição de 1988 um teúdo universalizante, fruto de uma concepção de
reordenamento legal ainda não finalizado com des- política social respaldada no conceito de cidadania
taque para o Estatuto da Criança e do Adolescente e, portanto, não inseridos nas prioridades contidas
(Lei Federal n° 8.069/1990); para a Lei Orgânica no discurso Collor, cuja tónica era a seletividade
da Assistência Social - LOAS (Lei Federal n° 8.742- em prol dos "descamisados" (Idem, p. 40)
93); e para a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Em reação a esse retrocesso, vivemos, neste mo-
Nacional, ainda em tramitação no Congresso Naci- mento, o esforço de retomada das bases das políti-
onal, bem como a reestruturação dos serviços de cas da infância lançadas na década de 80.
saúde decorrentes da implementação do Sistema
Único de Saúde. II - A CRECHE E A PRÉ-ESCOLA NO
Toda essa legislação consagra os princípios de CONTEXTO DAS POLÍTICAS SOCIAIS
descentralização administrativa com ênfase no pa-
pel do município, e, na parceria com a sociedade A Constituição de 1988 define de forma clara a
civil. responsabilidade do Estado para com a educação
O princípio da democracia participativa resulta das crianças de 0-6 em creches e pré-escolas (Art.
na determinação da criação de Conselhos nos quais 280, inciso IV) e também o direito dos trabalhado-
têm assento representantes de organizações não go- res (homens e mulheres) à assistência gratuita aos
vernamentais e representantes dos órgãos públicos. filhos e dependentes desde o nascimento até seis anos
Vivemos, hoje, uma fase de transição caracteri- de idade em creches e pré-escolas. (Art. 7o, inciso
zada pela necessidade e por esforços ainda insufici- XXV)
entes de implementar os princípios e as normas do Nenhum dos dois preceitos foi até o momento
novo ordenamento legal. transformado em política.
A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA POLITICA DA INFÂNCIA NO BRASIL
Os sistemas de ensino, de forma geral, não assu- ofereça atendimento materno infantil com regulari-
miram responsabilidades em relação às creches e as dade para toda a população, além de garantir a
empresas, salvo raras excessões, consideram-se ex- universalização das imunizações e a prevenção das
cluídas de responsabilidades quanto ao direito soci- doenças que vêm oferecendo maior risco às popula-
al dos trabalhadores relativo a creches e pré-esco- ções infantis.
las para seus filhos. Ao sistema de saúde também deverá caber res-
As creches seguem sem um sistema que as assu- ponsabilidade pelos programas nutricionais.
ma, verdadeiras instituições à deriva, muitas vezes Deverão ser previstas, de forma clara, fontes es-
oferecendo um atendimento de baixíssima qualida- pecíficas de financiamento para cada setor, a fim de
de. garantir não apenas a implantação dos programas,
Ainda considerada como mero equipamento mas também sua continuidade.
assistencial na maior parte dos casos, a creche ig- Cabe ao município a responsabilidade principal
nora normas mínimas de funcionamento e não rece- pela execução das políticas voltadas à infância. É
be nenhuma supervisão pedagógica. neste nível que deverão ser racionalizados os gas-
Apesar do grande crescimento das vagas em cre- tos, evitando-se múltiplos financiamentos a um
ches e pré-escolas ocorrida nos anos 80, sob a pres- mesmo programa ou instituição.
são da demanda e de programas emergenciais, há A racionalização das ações e dos gastos deverá
ainda um longo caminho a percorrer para que a de- ser planejada pelos "Conselhos de Direitos da Cri-
manda seja atendida. ança e do Adolescente" e pelos Conselhos das áreas
Nesse contexto só poderemos pensar numa polí- específicas conforme previsto na legislação.
tica para a infância, propondo fornias diversificadas Deverá ser estabelecida com clareza as respon-
e complementares capazes de contemplar as dife- sabilidades dos Estados e da União em subsidiar e
rentes necessidades da criança pequena. Só conso- apoiar técnica e financeiramente os municípios no
lidaremos o caráter educativo das creches e pré-es- atendimento à criança pequena.
colas se as políticas da educação forem Deverão ser superadas a sobreposição das ações
complementadas e integradas a políticas de saúde e e a descoordenação dos programas.
de assistência social. Finalmente, ainda que seja indispensável a par-
Para tanto, a implementação da nova legislação ticipação de toda a sociedade e relevante o papel a
deverá prever: ser desempenhado pelas Organizações Não Gover-
- integração das creches e pré-escolas, inclusive namentais somente com uma política pública res-
as privadas de caráter comercial e as mantidas pe- ponsável e coerente poderão ser garantidos os direi-
las empresas, nos sistemas municipais de ensino, e tos de cidadania da criança pequena. Na política
na ausência destes, em caráter transitório, nos sis- pública, a ação do Executivo será integrada à do
temas estaduais; Legislativo e à do Judiciário. Este último, através
- definição clara, por parte dos órgãos dos Juizados da Infância e do Adolescente, a serem
normativos dos Sistemas Estaduais de Ensino, das mais implementados, desempenhará papel relevan-
normas de funcionamento para creches e pré-esco- te nos casos mais graves de violação dos direitos
las; das crianças pequenas, como os que se referem ao
- implementação, junto à população mais ca- tráfico de crianças, aos maus tratos, ao abandono e
rente, de programas de assistência à família que pre- o consequente encaminhamento à adoção.
vejam a possibilidade das mesmas em responder aos Todas as políticas da infinda deverão ter na li-
cuidados com a criança pequena. Nesse sentido de- nha de frente para detectar e encaminhar os casos
verão ser implementados programas nutricionais, de violação de direitos, os Conselhos Tutelares, pre-
guias para pais, centros de lazer para crianças e visto no Estatuto da Criança e do Adolescente. Es-
mães, etc; tes órgãos que têm caráter ao mesmo tempo público
- implementação do sistema único de saúde que e representativo da sociedade só poderão desempe-
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
nhar a contento seu papel de "pronto socorro" se sos. Brasília, 1993. (Digitado)
contarem, para encaminhamento dos casos, com a CAMPOS, Maria Malta (org.) Aspectos sócio-
retaguarda de um sistema de atendimento efetivo e educativos e sugestões para uma Política Na-
eficaz. cional de Educação da criança de 0-6 no Bra-
Não é demais enfatizar que, da mesma forma que sil. São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 1989.
ocorreu com o ensino básico, as políticas para a infân- MAGALHÃES, António e GARCIA, Walter (org.)
cia de 0 a 6 anos só se tomarão políticas universais se Infância e desenvolvimento: desafios e pro-
se constituírem enquanto políticas públicas. postas. IPEA, Brasília, 1993.
As dificuldades orçamentárias deverão ter pre- MEDICI, André e MARQUES, Rosa Mana Fi-
sente que investir na infância é investir no presente nanciamento e desempenho das políticas soci-
e no futuro, é consolidar as bases da nação. ais IN Revista Fórum DCA, n° 1, 1993
Não haverá futuro para o pais se não houver OMEP e MEC - 1989 Estilos de Oferta de Edu-
futuro para as crianças, e não haverá futuro para as cação pré-escolar no Brasil.
crianças se não lhes for dado viver plenamente o REVISTA FÓRUM DCA - n° 1. Políticas e priori-
presente dades políticas. Brasília - 1993
A "privação da infância" é atualmente uma das
maiores ameaças para a construção do Brasil como LEGISLAÇÃO CONSULTADA:
nação democrática. - Constituição da República Federativa do Bra-
sil - 1988. Brasília: Senado Federal - Centro Gráfi-
BIBLIOGRAFIA: co - 1988.
ALVES, Zélia e BATTAGLIA, Luigi Instituições - Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Fe-
e programas nacionais dirigidos à criança pe- deral 8.069/1990. Conselho Municipal dos Direi-
quena IN: MAGALHÃES. A e GARCIA, W tos da Criança e do Adolescente - Porto Alegre -
(org.). Infância e desenvolvimento: desafios 1994
e propostas. IPEA, Brasília, 1993. - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacio-
BARBOSA, Eni; NEIVA, Ivany; CAMARGO, Se- nal - Projeto 1258/88 - Câmara dos Deputados.
bastião Atenção à pequena infância no Go- - Lei Orgânica da Assistência Social. Lei Fede-
verno Federal: políticas, programas e recur- ral 8.742/93. Diáno Oficial 08/12/93.
A Politica De EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA POLÍTICA DA IFANCIA NO BRASIL
implica evolução favorável física, psíquica, social, a Escola Normal e introduzir a necessidade de for-
moral, cognitiva, afètiva. mação superior plena para as atividades de educa-
Prevalece a expectativa de uma educação dor infantil. A razão principal é o direito da criança
centrada na criança, que será ponto de partida e ao desenvolvimento pleno, matricial, equilibrado
de chegada das teorias e práticas. Em termos de Para dar conta deste desafio, não é mais cabível
oportunidade de desenvolvimento, como diz o uma habilitação de 2o grau, mesmo que fosse bem
PNUD, educação é o fator primordial, sendo essen- feita. O Chile, para não ir longe, submete os "edu-
cial imprimir esta marca desde a infância. Admite- cadores de parvulos" (destinados somente á educa-
se, então, que uma educação infantil de qualidade, ção infantil) a um estudo universitáno de 5 anos.
ou seja, capaz de propulsionar a formação do Preservados os direitos das normalistas já for-
sujeito histórico competente em termos individu- madas, algumas Escolas Normais poderiam ser
ais e coletivos, significa o componente mais decisi- mantidas para preencher a habilitação de apoio téc-
vo da equalização de oportunidades. Para a criança nico em todos os sentidos da instituição, ou de modo
pobre representa, possivelmente, tudo, sem que este especializado (por exemplo, um técnico educacio-
reconhecimento tome educação uma panaceia. nal, outro administrativo). Somos também céticos
Neste sentido, instituições que apenas "cuidam" quanto ás licenciaturas curtas, e mesmo muito críti-
de crianças, ou que apenas as alfabetizam, deixam cos quanto às licenciaturas vigentes, pois represen-
passar uma oportunidade única de garantir condi- tam todas propostas arcaicas, que necessitam ur-
ções particularmente favoráveis de desenvolvimen- gentemente de revisão radical. Olhando sob o ponto
to humano. Embora tenha se tornado "moda" o de vista da qualidade, o fator humano é essencial,
construtivismo, a OMEP tem defendido o compro- insubstituível, cabal. A criança pode ter o privilé-
misso construtivo frente à criança, sem filiar-se a gio de desfrutar do melhor ambiente possível em
nenhuma teoria especifica. Quer isto dizer: termos de equalização de oportunidades, desde que
a) a educação deve centrar-se na criança como os profissionais sejam, de um lado, competentes, de
sujeito histórico, abrindo-lhe toda sorte de motiva- outro, cidadãos, o que implica com toda certeza re-
ção ao desenvolvimento pleno e equilibrado; muneração condigna
b) em termos instrumentais, a evolução Somos também contrários aos treinamentos, uma
cognitiva de estilo construtivo é fator central da for- herança ultrapassada noite-americana, marcada pela
mação da competência inovadora; relação deseducativa entre professor e aluno, em con-
c) em termos de conteúdo, está em jogo o rol texto de mera cópia subalterna. A OMEP adota a
de direitos da criança como ente global, rumo a uma posição de que os treinamentos devem ser substitu-
cidadania plena que expresse o desenvolvimento ídos por cursos de pelo menos 80 horas de duração,
harmonico de todas as potencialidades; para que seja viável construir, de maneira individu-
d) é fundamental saber partir da criança, de al e coletiva, a devida competência. E mister
sua vivência, cultura, meio ambiente, expectativas, pesquisar, exigir elaboração própria, teorizar as
potencializando seu próprio ritmo, principalmente práticas, atualizar-se permanentemente, de tal sorte
a dimensão lúdica como forma própria e criativa de que seja natural a conjugação inteligente entre co-
expressão; nhecer e inovar.
e) não é o caso fazer da criança mero objeto Mutatis mutandis, esta perspectiva recai tam-
de cuidados, ensino, enquadramento normativo. bém sobre o pessoal de apoio, já que, para atingir
competência construtiva, não é mister título acadé-
3. Questão substancial é a qualidade dos pro- mico, nem formação superior, mas a devida consci-
fissionais da educação infantil, pela qual a OMEP- ência crítica e correspondente capacidade de inter-
Brasil tem se interessado vivamente. Respeitando venção alternativa. Também para o pessoal de apoio
todas as polemicas saudáveis, temos defendido a não cabem treinamentos, mas cursos de suficiente
necessidade de superar, no tempo e organicamente, duração que motivem a participação como sujeitos
A Politica De EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA POLÍTICA DA IFANCIA NO BRASIL
6 É crucial brigar por recursos. Assistimos educação de rua, o número excessivo de membros,
neste ano ao processo lamentável de agressão por representatividade por vezes questionável, que pre-
parte da área económica do Governo aos recursos cisam ser revistos. Entende, entretanto, que é dever
constitucionalmente destinados à educação. Estra- do Estado enfrentar o problema definitivamente, de
nhamos mais ainda, porque ocorreu num contexto modo global, incluindo, por certo, a questão da ren-
que se quer esclarecido em termos de reordenar o da familiar, sem o que não há como imaginar que as
país no rumo do desenvolvimento. Na prática, fi- crianças não recorram à rua. Neste caso, em parti-
cou outra vez demonstrado que a esfera económica cular, a atenção integral terá que implicar a susten-
considera educação um gasto, em vez de investi- tação económica, indicando a necessidade de uma
mento. Nos países mais avançados é o maior inves- política global, tipicamente sócio-econômica.
timento, inclusive na economia, por conta da Sendo prioridade absoluta, deve existir solução
competitividade. Aqui, ainda faz parte da área da Um Estado que mantém um Executivo em grande
mendicância pública. parte paralisado e improdutivo, um Legislativo per-
Também é crucial que exista uma política da dulário, inchado e ausente, um Judiciário
criança e do adolescente, sob o monitoramento do marcantemente inerte, todos eivados de
CONANDA. As dificuldades que cercam este Con- corporativismos privilegiados, não pode mostrar que
selho são por demais elucidativas do tipo de Estado não tem recursos para crianças. Não pretendemos,
e Governo. Dificilmente se suporta o controle de- nem podemos, substituir o Estado, Nosso papel es-
mocrático. Os Conselhos, com raríssimas exceções, sencial é de controle democrático Isto faremos com
destinam-se a convalidar os vazios e dividir os fra- fervor
cassos sistemáticos. A sociedade civil aí engajada Reclamamos uma política competente de educa-
não tem medo de reconhecer sua imaturidade, tam- ção infantil, e apreciamos o gesto do MEC neste
bém o desacerto de certos posicionamentos, como a Congresso.
A PCHÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANIIL NO CONTEXTO DA POLÍTICA DA INFÂNCIA NO BRASIL
A proposta básica que gostaria de fazer aqui hoje que tivemos recentemente tenha sido o dos ClACs.
norteia-se pelo objetivo de trazer a criança para o Então o que precisa ficar claro é que, se deve-
centro das preocupações das políticas governamen- mos considerar todas as crianças brasileiras como
tais e não-governamentais voltadas para a in fancia portadoras dos mesmos direitos em relação a um
no pais. O que parece óbvio e redundante, mas infe- desenvolvimento humano integral, sadio e igualitá-
lizmente não é. O que significa exatamente isso0 rio, as formas de se garantir isto e as estratégias a
Em primeiro lugar que, qualquer programa , para serem utilizadas nem sempre deverão ser as mes-
se justificar, tem de significar uma melhoria obje- mas em cada situação.
tiva nas condições nas quais cada criança vive sua
infância. Eu pergunto:
Ou seja, nesta perspectiva, programas que sob a - é legítimo a implantação de grandes creches,
justificativa de tomar a vida dos adultos mais có- dimensionadas para mais de 60 ou 100 crianças,
moda ou esconder problemas da opinião pública, em regiões onde a população adulta não possui fon-
prejudicam a forma pela qual cada criança vive sua tes de emprego estáveis e a atividade económica pre-
infância, não devem ser apoiados. dominante é a agricultura de subsistência ou o
Segundo, significa que para que um determina- subemprego?
do programa tenha um papel na melhoria da quali- - é legítimo e desejável a prioridade para pré-
dade de vida presente da criança, é necessário que escolas que atendem contigentes de crianças acima
se adeque à situação da família e do seu meio soci- de 7 anos de idade, em bairros ou locais onde não
al, mas de tal forma que não perca de vista a crian- há escolas de 1o grau disponíveis, como ocorre hoje
ça como objetivo principal. em algumas regiões do Nordeste?
Essas preocupações se justificam pelo fato de - é adequada a proposta de creches domiciliares
que enfrentamos hoje, no Brasil, uma diversidade em favelas ou invasões da região Sudeste, onde os
muito grande de situações e condições locais, ao domicílios não contam com água corrente e sanea-
mesmo tempo em que cresce a tendência, tanto entre mento básico, e onde há possibilidade de instalação
as agências governamentais, como entre as não-go- de creches em locais próximos dotados destas
vemamentais, de reproduzir as mesmas estratégias condições?
de atendimento e as mesmas fórmulas por todo o - é desejável a manutenção de nenés em berçári-
território nacional. Talvez o exemplo mais trágico os durante 10 ou 12 horas por dia, sob cuidados de
adultos despreparados, em regime de privação de possua um nivel mínimo de qualidade: ali crianças
afeto, atenção e estimulação adequada? muitas vezes limpas e bem alimentadas são impedi-
- é desejável a manutenção de crianças de 1, 2 das de se desenvolver plenamente, privadas de seu
e 3 anos de idade, durante 10 ou 12 horas por direito de brincar, reprimidas em sua curiosidade
dia, em instituições que apenas conseguem natural, em suas necessidades de movimento e de
alimentá-las e vigiá-las, prejudicando seu comunicação social. Pequenos Carandirus, onde
desenvolvimento afetivo e intelectual, por falta faces tristes e contidas vivem uma caricatura de es-
de orientação e condições adequadas, quando seus colaridade, preenchendo folhas mimeografedas e
pais ou parentes adultos próximos não possuem movendo-se em filas silenciosas.
emprego fixo e se beneficiariam muito mais de Penso que o pnncipal critério que deveria ser
programas com horários mais flexíveis e frequên- adotado, a régua pela qual poderíamos medir os prós
cia mais livre, ou mesmo de programas em meio- e contras de qualquer proposta, teria que ser a pró-
periodo de melhor qualidade? pria criança e suas necessidades. Este deve ser o
- é desejável o atendimento em período integral Norte (ou o Sul, invertendo a hierarquia) de qualquer
a crianças sem teto que vivem pelas ruas das gran- programa, nossa bússola, nossa pergunta permanen-
des cidades com suas famílias ou a crianças de rua te: a quem beneficia tal ou qual solução9 A quem se
que retornam em dias alternados para suas habita- destina tal plano arquitetônico? A que objetivo res-
ções na periferia, se um apoio à unidade familiar ponde este ou aquele programa governamental ou
em dificuldades poderia ser mais efetivo e até me- não-govemamental? A quem aproveita tal ou qual
nos custoso financeiramente, em um pnmeiro mo- escala salarial e plano de carreira? A quem visa tal
mento? ou qual definição de quadro de profissionais numa
Talvez muitas destas questões pareçam chocan- instituição e sua divisão de tarefas? A quem apro-
tes, quando estamos todos aqui engajados na luta veita tal ou qual regime horário de atendimento? O
pela extensão da cobertura e pela melhoria da qua- que garante tal ou qual cláusula de convénio assi-
lidade do atendimento à população infantil brasilei- nado entre agência governamental e entidade?
ra Nesta avaliação, é importante que sejam leva-
Mas elas são provocadas pelos dados informais dos em conta os conheamentos já acumulados sobre
e de pesquisa a respeito das situações que têm sido a situação do atendimento infantil no país. Sabe-
encontradas nas creches e pré-escolas que atendem mos, por exemplo, que o custo de manutenção de
crianças pobres de 0 a 6 anos pelo Brasil afora, um berçário é mais alto do que o atendimento de
onde muitas vezes o custo da manutenção destes crianças maiores de 2 anos de idade; também sabe-
serviços não é justificado pelas condições adversas mos que os nenés são mais vulneráveis e indefesos
de desenvolvimento e vivência que cercam estas cri- em relação a nscos de contágio, de privaçao de aten-
anças nestas instituições. Em muitas delas há um ção e afeto, de cuidados com a alimentação. A par-
descaso evidente pelas condições em que estas cri- tir destes dados é possível julgar em que situações
anças são atendidas, tanto no que se refere à falta deve-se prover o atendimento em berçários, quais
de condições físicas e materiais mínimas, como à as condições mínimas de qualidade que devem ser
remuneração e preparo dos adultos responsáveis, à garantidas e a que custo. Outro exemplo, sabemos
qualidade da alimentação e às condições de segu- que a qualidade do adulto que trabalha diretamente
rança e higiene. com a criança é fundamental. Também sabemos que,
Mas em um grande número de serviços, tanto no Brasil, há uma tendência à divisão rígida de pa-
públicos como conveniados, principalmente na re- péis entre os adultos empregados nos diversos pro-
gião Sudeste, há um investimento alto em instala- gramas, sendo que os mais instruídos geralmente
ções físicas e um emprego de um número mais do não chegam perto nem lidam diretamente com as
que suficiente de adultos, que por feita de orienta- crianças. Seria importante, assim, repensar os qua-
ção adequada, não garantem um atendimento que dros de pessoal, de forma a utilizar plenamente as
A Politica De EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA POLÍTICA DA INFANCIA NO BRASIL
MESA REDONDA
Expositores:
Maria Helena Guimarães de Castro
Roberto José Marques Pereira
Luciano Mendes Faria Filho
Coordenação:
Maria Helena Guimarães de Castro
A Politica De EDUCAÇÃO INFANTIL NO CONTEXTO DA POLÍTICA DA INFANCIA NO BRASIL
Inúmeros diagnósticos têm identificado a dra- nais. Aos Estados e Municípios cabe a definição e
mática situação da infância no país devido à ausên- execução da política, em parceria com as ONGs,
cia de uma efetiva política pública de educação in- sendo desejável que, a médio prazo, os governos
fantil. Parece-me nesta altura do debate, que seria estaduais restrinjam sua atuação à cooperação téc-
ocioso repetir aqui as avaliações quantitativas e nico-financeira com os municípios, dando o caráter
qualitativas que embasam tais diagnósticos. Muito eminentemente local da educação infantil, como
mais útil para os objetivos deste simpósio, é procu- sugere a experiência internacional.
rar mapear as condições que favorecem hoje a im- Inicialmente, é importante distinguir rapidamente
plantação de políticas substantivas de atenção às os principais aspectos que caracterizam a política
crianças de zero a 6 anos, examinando alguns fato- de educação infantil até o final dos anos 80. Pode-
res polémicos e entraves que dificultam a sua se dizer que no período que se estende dos anos 30
operacionalização. ao final da década de 60 - etapa que marca a emer-
Obviamente, pensar a educação infantil, do ponto gência e expansão fragmentada das políticas soci-
de vista das políticas públicas, significa trabalhar a ais no Brasil(1), a política de educação infantil ca-
sua dimensão pública não restrita a ações de gover- racteriza-se por um conjunto de ações compensató-
no. Trata-se, antes, de entender a política de educa- rias e desordenadas, de natureza estritamente
ção infantil como um conjunto de diretrizes, metas assistencialista e descontínua no tempo. Esta etapa
e procedimentos que, necessariamente, seja por sua envolve os três níveis de governo atuando, em ge-
natureza, seja como resultado de um processo his- ral, através de subvenções concedidas a entidades
tórico de interação Estado/Sociedade, envolvem for- filantrópicas, que se constituíram em reais executo-
mas de articulação permanente do Estado com os res dos programas implementados. Não houve, no
diferentes atores não governamentais, tanto quanto período, uma política pública de educação infantil.
à sua formulação como execução das ações. Ao Es- Constata-se, na verdade, a eclosão de atendimentos
tado, através dos três níveis de governo, cabe a co- esparsos em resposta a pressões tópicas, em geral
ordenação da política. clientelistas, devido à ausência de políticas clara-
A responsabilidade do governo federal deveria mente definidas.
se limitar às funções de assistência técnica e finan- A partir do início dos anos 70, observa-se ten-
ceira, enquanto agente principal da promoção da dência à expansão da cobertura, em particular do
equidade e das correções dos desequilíbnos regio- ensino pré-escolar (4 a 6 anos) e, em menor medi-
* Professora de Ciência Politica da UNICAMP. pesquisadora do NEPP/UNICAMP, Secretária Municipal de Educação de Campinas e Presidente
Nacional da Undime.
1
Ver: DraibE. S., Castro, M Helena Guimarães de e Azevedo. Beatriz (1991). O Sistema de Proteçâo no Brasil", NEPP/UNICAMP. Relatório final
de Pesquisa (Projeto Social Policies for the Urban Poor in Southern Latin América - Welfare Reforms in a Democratic Context").
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
da, do atendimento em creches (zero a 3 anos). Em obtidos na Constituição, processo que se consolida
grande parte, essa tendência deveu-se às mudanças com a promulgação do Estatuto da Criança e do
verificadas no mercado de trabalho, ao processo de Adolescente.
urbanização acelerada e à intensidade dos movimen- Com efeito, o compromisso público assumido
tos sociais. Em consequência, alterou-se profunda- com a educação infantil, entendida como primeira
mente a dinâmica familiar e as relações de solidari- etapa da educação básica, de caráter não compul-
edade que davam suporte aos cuidados com a cri- sório, mas com direito a que o Estado tem obriga-
ança da mãe trabalhadora; ampliou-se, a participa- ção de atender, em complementação à ação da fa-
ção da mulher no mundo do trabalho; expandiu-se mília, representa um novo passo na definição da
com significativa rapidez, o número de famílias che- política de atenção à criança de zero a seis anos.
fiadas por mulheres. Mas se é verdade que do ponto de vista dos
Contudo, o perfil da "política" praticamente se princípios, normas e valores já estão dadas as con-
mantém inalterado. A novidade é, sem dúvida, a dições para a transição a um novo modelo de políti-
expansão do atendimento governamental ca, conceitualmente mais moderno e eticamente mais
institucionalizado, principalmente a cargo das ad- equânime; e também verdade, que as condições ob-
ministrações municipais e governos estaduais. Na jetivas necessárias para a sua operacionalização são
verdade, vai se esboçando uma ténue divisão de ainda muito incertas. Se há relativo consenso sobre
competências entre as instâncias de governo. No o que fazer, não se sabe ainda como fazer, dada a
nível federal, predominam ações conveniadas com ausência de definição quanto aos meios para as sua
estados, municípios e ONGs, voltadas para o aten- concretização. Por essa razão, examino agora os
dimento em creches. No nível estadual, predomina entraves que, a meu ver, dificultam a implementação
a expansão do ensino pré-escolar, em particular das de um novo modelo de política a curto e médio pra-
classes de alfabetização, muitas vezes como pré- zo.
requisito para o ingresso no 1o grau. No nível mu- Em primeiro lugar, o princípio constitucional que
nicipal, verifica-se tendência à expansão do atendi- assegura a educação infantil como direito da crian-
mento público em creche e pré-escola, além da ex- ça e dever do Estado e da sociedade, não foi acom-
pansão dos convénios com entidades filantrópicas. panhado da definição de uma fonte própria de re-
Em ambos os níveis, estadual e municipal, mantém- cursos. E verdade que os recursos vinculados cons-
se contudo o modelo dicotomizado: programas titucionalmente (os 25% da receita própria de esta-
assistencialistas para crianças de zero a três anos e dos e municípios) podem ser destinados à educação
escolarização da pré-escola. infantil, desde que resolvida a universalização do
Essa etapa que, salvo algumas exceções pontu- ensino fundamental. No entanto, as informações
ais, praticamente se estende até o final da década de disponíveis indicam que o processo de
80, preserva as mesmas características do período universalização do acesso ao ensino fundamental,
anterior: ausência de uma política clara, relativamente equacionado, está longe de garantir a
superposição e fragmentação de ações, pulveriza- permanência e o sucesso da criança na escola, e,
ção de recursos, informalidade das ações em parce- pior, mais distante ainda da oferta de uma educação
ria público/privado. de qualidade. E se o país não conseguir resolver, a
curto e médio prazos, o problema da evasão e da
No entanto, o processo de democratização im-
repetência, dificilmente conseguiremos formar ci-
pnmiu nova dinâmica à agenda de debates dedica-
dadãos aptos a enfrentar os desafios postos nessa
dos à discussão da situação da infância no Brasil
passagem de século. Isso significa que, dada a ne-
Uma intensa mobilização envolvendo especialistas,
cessidade de investimento maciço para superar as
entidades, igrejas e diferentes segmentos organiza-
deficiências do ensino fundamental, em particular
dos da sociedade civil, desde o início dos anos 80,
no que se refere a valorização dos professores
provocou desdobramentos importantes na Consti-
(formação, capacitação, salários), avaliação de
tuinte Em consequência, foram muitos os avanços
A POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTU NO ÂMBITO DO ESTADO BRASILEIRO
desempenho docente e discente, e, melhoria da não tem sido cumprida com rigor por nenhum dos
infra-estrutura das escolas públicas (livros, ma- três níveis de governo. Nem tem sido efetivãmente
terial didático-pedagógico, condições físicas), fiscalizada pela sociedade e Tribunais de Conta De
dificilmente sobrarão recursos (dos 25% vincu- outra parte, falta vontade política do poder público
lados) para expansão quantitativa e qualitativa em promover uma ampla mobilização contra a so-
da educação infantil. negação fiscal, sem contar o precário esforço dos
Outro constrangimento à melhoria da qualidade governos para elevar sua arrecadação. Assim, além
do ensino fundamental é o desequilíbrio da distri- de os recursos serem, muitas vezes, desviados para
buição de matrículas por dependência administrati- outros fins e da falta de planejamento na sua apli-
va. Embora tenha ocorrido, na década passada, li- cação, são também insuficientes para dar conta das
geira expansão da oferta de vagas a cargo dos mu- necessidades.
nicípios, as Redes Estaduais responderam ainda por O exemplo da Prefeitura de Campinas ilustra bem
57,2% do total de matriculas, cabendo aos municí- o esforço que o município vem fazendo na área so-
pios cerca de 30%, ao setor privado perto de 12,5% cial, sem conseguir responder plenamente, às de-
e, ao nível federal apenas 0,3%. No entanto, em re- mandas da população. No ano de 1993, investiu-se
lação à educação pré-escolar, a situação se inverte: 32% em educação e cerca de 28% em saúde,
cabe ao nível estadual 24,1 % do total de matrículas totalizando 60% do total da receita. Do total gasto
de pré-escola; ao municipal, 47%; ao federal, 0,4% em educação, 39% dos recursos foram investidos
e à Rede particular, por volta de 28,4% (Fonte MEC/ em educação infantil(2). No primeiro ano de gover-
SEEC, 1991). Mas enquanto o acesso ao primeiro no foi possível expandir o número de crianças aten-
grau está praticamente universalizado, a cobertura didas em 18%, através da otimização da Rede Físi-
da pré-escola corresponde apenas a 29% do total ca existente. Mas, apesar da Rede Municipal de
da demanda, considerando os dados populacionais Campinas ser hoje responsável por 70% da cober-
do censo de 1991. Mais dramática ainda é a situa- tura e o setor privado pelos 30% restantes, uma vez
ção do segundo grau, cuja taxa de escolarização que a Rede Estadual de São Paulo extinguiu as clas-
situa-se em tomo de 18%. ses de pré-escola, persiste ainda elevada taxa de
De toda forma, a busca de maior equidade e qua- demanda reprimida: cerca de 5.000 crianças encon-
lidade da educação básica exige a definição de me- tram-se na fila de espera das creches e pré-escolas
canismos que corrijam a atual situação de municipais. Entretanto, mesmo tratando-se de um
desequilíbrio da distribuição dos encargos educaci- município rico, localizado em região responsável por
onais, segundo critérios claros e redistributivos que 9% do PEB nacional e detentor de renda per capita
devem orientar a construção de um efetivo regime próxima a de países do 1o mundo, é impossível ab-
de colaboração entre as três instâncias. Como as sorver a demanda existente, dado o altíssimo custo
políticas públicas não podem priorizar tudo, tais do atendimento em educação infantil, especialmen-
critérios deverão considerar como prioridade zero o te na faixa etária de zero a três anos em período
enfrentamento imediato dos problemas que afetam integral, como ocorre em todos os lugares do mun-
o ensino fundamental. Já em relação ao ensino mé- do. Nem mesmo a Alemanha conseguiu promover a
dio e à educação infantil, a definição das priorida- universalização do atendimento pré-escolar (4 a 6
des deve levar em conta o perfil da demanda de cada anos) como previa uma lei federal de 1992, recente-
estado e as características sócio-econômicas da re- mente reformulada, a qual garantia 600.000 vagas
gião. até o ano de 1995; prevê-se, agora, garantir a
universalização até o ano 2.002.
Em segundo lugar, sabe-se que a vinculação de
recursos e sua aplicação exclusiva em educação, Neste quadro de carência de recursos públicos,
2
Campinas possui 150 unidades de educação infantil, sendo 95 EMEls (crianças de 4 a 6 anos, em regime de meio período); 55 Centros de educação
infantil (atendem crianças de zero a 6 anos, em regime de tempo integral). Ao todo, são atendidas 21.800 crianças.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Eu saúdo a professora Maria Helena Guimarães toritário, o secretário autoritário e, até, a própria
de Castro que tão bem coordena esta mesa redonda, família. Não me canso de recordar uma educadora
que é também retangular, segundo a geometria renomada em Pernambuco, Lourdes Mousinho,
euclidiana. Saúdo o ilustre Professor Luciano Men- quando ela me disse o seguinte: "criança sempre
des de Faria Filho e a Distinta Plateia.Eu represen- tem razão." E eu fiquei com isso na cabeça e, certa
to o CONSED na Comissão Nacional de Educação vez, chegando a casa, encontrei a minha filha, Re-
Infantil, e, depois, dessa exposição tão bonita e tão nata, à época, com três anos e pouco, expulsando a
profícua, realmente talvez só me reste repetir o que avó de um sofá que estava completamante livre. Ela
já foi dito. Na verdade, eu gostaria de, inicialmente, choramingava e dizia que a avó tinha de sair do
dizer a todos o regozijo do CONSED por este even- sofá. A avó, apesar de avó-coruja, a repreender a
to que reúne e aglutina o País por inteiro, com as criança dizendo, "deixa de ser petulante, eu não saio,
suas representações. não tem ninguém aqui e eu posso ficar." Vejam vocês
Nesta oportunidade formulo um outro enfoque que situação - fiquei entre a minha filha e a minha
ainda não referido, mas, com certeza, é da preocu- sogra. Situação incómoda, não é verdade? Mas, eu
pação de todos: a postura, o compromisso, a posi- lembrei Dona Lourdes Mousinho e pensei com meus
ção da família com relação à criança. botões: "é claro que minha filha não tem razão, é
Evidentemente que no decorrer do Seminário ha- uma insolência, é uma petulância", mas, para se-
veremos de conversar sobre os deveres, os compro- guir o conselho de Lourdes Mousinho, chamei a
missos da família, porque estamos acostumados minha menina ao canto, conversei com ela, pergun-
apenas a incidir sobre o Estado - e quando eu digo tando-lhe o que estava se passando. E ela disse: "é
estado, entenda-se os três Governos nas suas res- o seguinte: eu estava ali brincando de mãe, fazendo
pectivas esferas de competência. É preciso, porém, de conta que tinha nove filhos, todos doentes. Ali é
saber arrolar, chamar, aglutinar a família para um um consultório médico. Minha avó sentou em cima
compromisso que é constitucional, além de ser, so- daquele que está mais doente e vai matar." Eu dis-
bretudo, um comprometimento afètivo. A criança se, realmente, tem razão. Ora, a compreensão que
teria de ser educada desde a gestação, até pelo lado ficou para mim, enquanto pai, enquanto educador,
afètivo que, em última análise, é o leite da ternura é que na verdade, ela estava noutro referencial, o
humana, cujo papel é muito importante na forma- referencial da fantasia, do sonho, da ficção. É um
ção da criança. Da criança que às vezes é educada, caso, talvez tolo, simples, de um pai-coruja. De
arbitrariamente, na escola. Ainda temos a escola qualquer maneira expressa bem o quanto a criança
autontária, o professor autoritário, o dirigente au- tem razão e nem sempre os pais estão preparados.
* Secretário de Educação do Estado de Pernambuco e Representante do CONSED na Comissão Nacional de Educação Infantil
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTII
Eu poderia ter ralhado com a minha filha, causan- repetência, de qualquer forma, amedrontam, apa-
do-lhe tormento, obliterando-lhe a vocação de um voram, agridem, desmentem todo o esforço feito.
dia ser mãe, até porque, já vai nos seus vinte anos, Se tivermos permanente zelo com a educação in-
está na idade e é noiva. Por conseguinte, essa ideia fantil, muito provavelmente - e as pesquisas já indi-
de que a criança tem razão é preciso também ser cam isso, tanto de Emília Ferreiro, de Lúcia Bráulio
levada aos professores, às mães, aos pais sob esse e de tantos outros - essas crianças, esses alunos vão
enfoque. Quando eu fui Secretário Municipal de ganhar lastro, porque nessa tenra idade da criança é
Recife, fizemos um concurso de pintura. A televi- que, o raciocínio, a inteligência são aprimorados,
são compareceu. Era um dia de domingo. A repór- aperfeiçoados e potencializados. E quando essa cri-
ter perguntava a uma criança o que estava pintan- ança fica na rua, de repente nós sentimos falta des-
do. Respondeu que era um elefante, era uma árvo- se aperfeiçoamento, do exercício da leitura, das idei-
re, era um leão. Havia uma outra lambuzando, me- as lúcidas e lúdicas que precisam ser trabalhadas
tendo o pincel para baixo e para cima. A repórter em família, repita-se, e, sobretudo, na escola, na
foi a ela e perguntou o que estava a fazer. De imedi- creche e no pré-escolar. Concordo que já foram da-
ato retrucou: "É uma barata." A repórter: "Uma dos passos à universalização do ensino fundamen-
barata? Onde? Pois não a estou vendo." Prontamente tal, não há dúvidas. Existe uma tendência já muito
o esclarecimento: "É porque eu estou escondendo, bem rememorada pela professora Maria Helena que
se você visse ia matá-la". coordena essa mesa. Houve a universalização, hou-
Vejam, pois, que nós temos na Constituição Bra- ve também a queda brusca da qualidade do ensino.
sileira - já conhecida de todos nós - no Estatuto da Hoje, ao que nos parece, estamos vivendo um pata-
Criança e do Adolescente, na Lei de Diretrizes e mar que pode ser um ponto de inflexão para uma
Bases da Educação, tramitando no Senado Federal, retomada. Pernambuco, por exemplo, cresceu na sua
a educação reconhecida como um direito da crian- capacidade de 45 mil matrículas para 91 mil e pouco
ça, escolha da família, um dever do Estado. As pro- em termos de alunos acolhidos no pré-escolar, em-
postas político - pedagógicas para a educação in- bora predomine o Município, até mesmo, sob a rede
fantil são oriundas a partir do conceito de Escola privada, a rede particular. E confèsse-se, seja boni-
enquanto espaço transformador, e tendo por refe- to, ou, seja feio, mas, entre educadores, nós pode-
rência as relações que se estabelecem entre a Esco- mos ter a retórica que escamoteia a verdade. As se-
la e a Sociedade. Nesse sentido, as turmas de edu- cretarias de educação infantil, as secretarias esta-
cação infantil passam a ser um ambiente educacio- duais, têm algum controle sobre a rede particular?
nal alfabetizador, no qual a prática pedagógica fa- Praticamente, nenhum sobre o pré-escolar. Demais,
vorece ao desenvolvimento da linguagem e das de- esses pré-escolares, sobretudo, na rede particular,
mais formas de expressão, assim como, a estrutura são abertos a bel-prazer, às vezes, sendo muito mais
pela criança, do seu processo de aprendizagem, nas depósito de alunos, em qualquer quadrilátero, em
diversas áreas do conhecimento humano. A educa- qualquer sala de aula, do que mesmo um pré-esco-
ção infantil se fundamenta na ideia que se faz da lar fundamentado pedagogicamente para uma pré-
criança, como pessoa na sua fase de alfabetização com atividades que já aprimorem no
desenvolvimento, sujeito ativo na construção do seu aluno esse raciocínio. Todos nós sabemos que os
conhecimento, e isso é muito importante. A sociali- países todos discutem a educação, há uma crise, uma
zação da criança, e do saber. Faz poucos dias que a inquietação, nenhum país está se dando por satis-
Folha de São Paulo denunciou indicadores educaci- feito. No Japão, pelo índice de suicídio, pela educa-
onais amargos, colocando o Brasil na última classi- ção obcecada com 30 a 37 horas semanais de aula,
ficação dentre os países do mundo, chamando-o de 300 dias letivos e, de repente, uma obsessão pelos
"lanteminha". São índices, embora relativos à dé- estudos. Isto está sendo analisado, está sendo posto
cada de 80, estarrecedores. Sentimos, como, cada em questionamento. Mas, o que faz do japonês, sem
vez mais as malsinadas taxas de evasão, de dúvida nenhuma, ser um tipo humano diferenciado
A POLITICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO ÂMBITO DO ESTADO BRASILEIRO
no seu QI é, justamente, o aprendizado da língua. rando contra nós. A nível de Estado, a nível Muni-
Por ser difícil, a criança desde cedo se debruça nos cipal, o tempo que se perde na prestação de contas
seus estudos, dando-se, por conseguinte o aprimo- de projetos! E, agora, eu abro um parêntese para
ramento muito grande da inteligência, do raciocínio louvar - sem que isso possa parecer uma tentativa
da criança que se transforma no adolescente, no de agrado, não fez o meu estilo - mas a gestão atual
homem do amanhã, de maneira que é muito impor- do Governo Federal, do Ministro Professor Murílio
tante nós dos Estados entendermos que o pré-esco- Hingel, é realmente profícua, importante, democrá-
lar possa acontecer. tica que vem abrindo uma série de seminários, de
Quanto ao apelo dos Secretários de Educação foros, de debates, de aperfeiçoamentos, de compe-
com relação aos Municípios, eu tenho a dizer tam- tência em liberações, também de recursos. Todavia,
bém, a bem da verdade, neste ensejo não fala o se- não se pode mentir. Primeiro, o tempo dele é curto
cretáno de um Estado, feia um representante, até de apenas um ano e pouco, com um honzonte de 5
onde eu posso ser fiel, porque, aqui, eu tenho de meses. Isso é muito pequeno, diminuto, numa polí-
transmitir uma média de postura de comportamen- tica educacional,lamentavelmente, porque, sem dú-
to dos Estados brasileiros. De feto, essa aproxima- vida nenhuma, ele, na condição de professor com-
ção é considerada ainda pequena, parca, felha, diga- prometido com a educação, se tivesse um pouco mais
se das secretarias estaduais com as universidades, de tempo, culminaria sua gestão com um grande
das Secretarias Estaduais com os Municipios, em- espaço, além dos inúmeros. O plano decenal é
bora devesse haver uma mão dupla de reciprocida- qualquer coisa de extraordináno o quanto estamos
de. Não incumbe apenas à Secretana do Estado pro- debruçados. Escola por Escola, Município, entida-
curar essa via dupla. Há Estados onde isso aconte- des Não-Govemamentais, isso eu posso dizer, em
ce mais aguçadamente, outros menos. De qualquer nível de Estado, posto que atingimos médias
forma, é um ponto que precisa ser trabalhado, esti- alviçareiras, importantes a uma boa política educa-
mulado. Eu não sei se daqui não deveríamos formar cional.
vários secretários multiplicadores nos Estados, reu- Ainda restam-me dois minutos. Se a nossa coor-
nindo-os enquanto Secretana de Educação e Muni- denadora permitir, eu vou esgotar esse tempo di-
cípios, convocando a representação das ONGs, pois zendo que, realmente, eu trago do CONSED, do
em vános Estados há uma aproximação, em outros presidente Marcos Guerra, uma mensagem de cren-
não. Ainda entendemos, como média, que essa ça, de confiança, parabenizando o MEC, a Comis-
interação deve ser aprofundada, essa parceria são Nacional de Educação Infantil, todos quantos
precisa ser procurada, tem de ser estabelecida à aqui vieram, lamentando as dificuldades, os recur-
margem de qualquer outra facção, de qualquer outra sos, porque vimos, mal começou o Seminário, uma
postura que, de súbito, possa gerar o afastamento. manhã e um pedaço da tarde, quantas ideias, quantas
Porque todos nós sabemos das filosofias de traba- dificuldades! Vem de imediato a pergunta: E os re-
lho, mas todos têm como ponto de busca a mesma cursos? Por que são parcos? Os Estados, os Muni-
coisa: o aprimoramento, o aperfeiçoamento do pro- cipios não estão de todos satisfeitos com as arreca-
cesso educacional. Então, confessadamente, os Es- dações. O própno Governo Federal - veja-se que
tados brasileiros em média, não estão tendo uma hoje é o dia 9 de agosto - ainda não aprovou o orça-
boa aproximação, pois ela é parca, é falha, não por mento nacional. Isso preocupa. O que está sendo
ser má e por ser briguenta, oposicionista, acirrada e destinado á educação infantil é pouco, o problema
açodada, mas podena ser muito maior esse dar-de- merenda, que é algo importante à nutrição, melho-
nós, essa conjuminação de ideias, de forças, de pro- rou no ano passado e neste também. Portanto, há
postas e outras ações comuns que precisam ser da- um crescer de melhoria, mas é um programa ainda
das para que haja o atingimento de um ensino melhor, com bastante falhas.
de uma educação maior. Eu lamento a burocracia,
ela existe, os vírus "burocráticos" estão sempre ati- Eu concluo as minhas palavras depositando a
minha crença, em nome dos colegas do CONSED,
I SIMPÓSIO NACIONAL De EDUCAÇÃO INFANTIL
a das Secretarias Estaduais de Educação. Eu posso turo melhor para este País tetra-campeão mundial,
falar à unanimidade: desejamos, juntamente, com mas, infelizmente, "lanteminha", em último lugar
todas as secretarias, realmente, esse convivio a fim no painel educacional do mundo Mas esse voto de
de continuarmos discutindo, debatendo e dando pas- crença, evidentemente, é a vontade de investir na
sos à consecução de uma política infantil que possa criança para termos um homem melhor, um homem
consagrar a criança, o casulo do homem Nós te- mais preparado para os destinos da Pátria, para a
mos de investir nessa criança porque é nela que está sua satisfação pessoal e, sobretudo, para os desíg-
todo o voto nosso de esperança, de crença num fu- nios de Deus
A POLITICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL NO ÂMBITO DO ESTADO BRASILEIRO
Já de início faz-se necessário chamar a atenção damentalmente sobre a relação, a partir das experi-
para o lugar, no mínimo, emblemático desta minha ências que temos acompanhado no âmbito da Edu-
participação nesta mesa. Isto por dois motivos. cação Infantil.
Io) Em primeiro lugar por se tratar, conforme
o próprio titulo diz, da discussão da Educação In- I) Pensar a relação entre Estado e ONG na
fantil no âmbito do ESTADO brasileiro. A institui- área de Educação Infantil significa, de início afir-
ção a partir da qual falo - AMEPPE/Fundação Fé e mar que ao longo de nossa experiência histórica este
Alegria não é nenhum órgão de Estado; campo tem sido objeto privilegiado e quase exclusi-
2o) Em segundo lugar por estar nesta mesa vo, das iniciativas não governamentais.
como alguém que, de algum modo, representa as A ausência de uma atuação planejada e continu-
ONGs ada do Estado, nos seus diversos níveis, nesta área
Dizia a pouco o caráter emblemático, anuncia- colocou a necessidade de que os mais diversos seto-
do pelas questões, por que ambas são passíveis de res, pelas mais diversas razões e intenções buscas-
discussão. No primeiro caso a questão poderia ser sem organizar iniciativas para atender a constante e
formulada da seguinte forma: Por que alguém "de crescente demanda por este serviço. Foram estas ini-
ONG" numa mesa que trata do "âmbito" e papel do ciativas do setor empresarial, de instituições religi-
Estado? Já no segundo caso a pergunta que se im- osas, filantrópicas e, mais recentemente, dos seto-
põe é: O que estamos chamando de ONG? res populares mais ou menos organizados, que pro-
E evidente que a resposta a tais questionamentos duziram a quase totalidade do atendimento infantil
é por demais complexa e, seja qual for, é bastante no Brasil até hoje.
discutível pois seriam dadas a partir de concepções Reconhecer a importância e o papel das iniciati-
que expressam sempre determinadas visões políti- vas não governamentais nesta área e, mais ainda, a
co, teóricas e ideológicas. No entanto, não pode- experiência acumulada por estes setores na área de
mos nos furtar a esta discussão. Ela é por demais educação infantil, fatores dos mais fundamentais
importante neste momento em que tanto o papel do quando pensamos na relação com o Estado não pode,
ESTADO, quanto das chamadas ONGs e, mais ain- no entanto, nos impedir que façamos uma profunda
da, a relação destes dois setores da sociedade brasi- reflexão e avaliação das nefastas consequências
leira e Latino Americana, estão sofrendo profundas dessa ausência na área.
transformações e questionamentos. Ela pode ser percebida, por exemplo, tanto na
Proponho-me, pois, nesta mesa, a pensar não sobrecarga posta sobre as classes populares por
sobre as ONGs ou o Estado em separado, mas fun- manter redes inteiras de atendimento, bem como no
* Membro da Equipe Executiva da AMEPPE - Associação Movimento de Educação Popular Paulo Englert, de Belo Horizonte
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
gãos de governo que neles têm assento quanto, me chamados movimentos sociais. Isto seria fundamen-
parece, pela falta de articulação e qualificação das tal não apenas para a efetivação de políticas sociais
ONGs. para a criança pequena mas, também, para a con-
solidação do Estado de direito e de uma cultura
V - Falando em parceria creio ser necessário democrática em nosso país.
dizer algumas palavras sobre outro aspecto direita-
mente relacionado com o lugar das ONGs na rela- VI - Para encerrar gostaria de chamar a aten-
ção com o Estado. Trata-se da relação destas com ção para um último aspecto da relação ONGs e Es-
os beneficiários diretos de sua ação - no caso das tado: a questão do financiamento.
ONGs de atendimento - ou com os grupos organi- Temos falado muito de participação das ONGs
zados - no caso das ONGs de Assessoria. nas Políticas Públicas, na possibilidade de estabe-
Já é hoje suficientemente discutido e conhecido lecermos parcerias com o Estado e, mesmo, na pos-
o lugar e papel dos movimentos sociais na socieda- sibilidade das iniciativas não governamentais
de brasileira nas últimas décadas. Eles deram uma contribuírem para o controle e a democratização do
contribuição fundamental não apenas no processo Estado.
de redemocratização do país, mas na discussão e No entanto, não podemos esquecer que essa dis-
tratamento de demandas apresentadas/reivindicadas cussão se dá num momento em que boa parte das
ao Estado. Para além disso, estes "novos sujeitos ONGs brasileiras, seja de atendimento, seja de as-
sociais", contribuíram de maneira fundamental para sessoria, já participa de alguma política pública atra-
a mobilização da população na busca do atendimento vés do financiamento.
a necessidades básicas e construção de uma cultura Ora, o financimento em si não é um proble-
política mais democrática e pluralista no país. ma Em muitos casos, quando planejado e reali-
E interessante observar, no entanto, que o forta- zado através de critérios, ele traz benefícios para
lecimento das ONGs se deu justamente no momen- a população. No entanto, não apenas faltam cri-
to de "desaquecimento" ou mesmo desaparecimen- térios de financiamento e de acompanhamento e
to de boa parte dos movimentos organizados. É avaliação das ações custeadas com recursos pú-
evidente que não queremos estabelecer uma relação blicos, como também, em boa parte das vezes,
mecânica entre estes dois fatores. Por outro lado, falta transparência nas relações entre financia-
seria interessante indagar se as organizações não- dos e financiadores.
governamentais, de atendimento e assessoria, prin- Se as ONGs não quiserem continuar sendo alvo
cipalmente estas últimas não acabaram ocupando o de desconfiança - em boa parte das vezes infunda-
papel e espaço dos movimentos sociais e, mesmo, das - não apenas de mídia quanto de setores expres-
da população na relação com o Estado e com a sivos da sociedade; e se os órgãos de Estado não
sociedade em geral. quiserem continuar "distribuindo" os poucos recur-
O fato de estarem cada vez mais sos sem critérios e sem controle, uma boa saída se-
profissionalizadas e de contarem com estrutura mí- ria a discussão e negociação conjunta de critérios
nima acaba dotando as ONGs de Assessoria de uma claros e objetivos que balizem e incentivem uma
agilidade muito maior que os próprios movimentos relação de confiança e transparência.
assessorados. Estes e outros fatores acabam por sua Creio, pois, que neste momento em que o Estado
vez, constituindo as ONGs como interlocutores pri- brasileiro, em seus diversos níveis, busca discutir e
vilegiados pelo Estado na discussão e assumir seu papel no estabelecimento de uma Polí-
implementação de políticas. tica Nacional de Educação Infantil, as ONGs po-
Seria importante, então, que a discussão acerca dem dar uma contribuição importante e peculiar.
da relação ONGs e Estado, incluísse como momen- Esta se daria, penso eu, pelo menos em parte, se
to necessário, a discussão da relação destes com os enfrentássemos algumas questões postas.
Financiamento
da Política de
Educação
Infantil
MESA REDONDA
Expositores:
Divonzir Arthur Gusso
Ubiratan Aguiar
José Eustáquio Romão
Coordenação:
Divonzir Arthur Gusso
FINANCIAMENTO DA POLITICA De EDUCAÇÃO INFANTIL
EDUCAÇÃO INFANTIL:
QUESTÕES BÁSICAS PARA SEU FINANCIAMENTO
Divonzir Arthur Gusso'
" Técnico cm Planejamento, do Instituto de Pesquisa Económica Aplicada (IPEA). Diretor Geral (1991-94) do Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (INEP) do Ministério da Educação e do Desporto.
I SIMPÓSIO NACIONAL DÍ EDUCAÇÃO INFANTIL
1
Na essência. o tema dos critérios - éticos, utilitários ou de justiça - regentes das escolhas públicas (e o dos procedimentos deles decorrentes) é um dos
fulcros principais das teorias políticas. De certo modo, a politica seria o exercício de critérios. Lindblom, tratando das (impossibilidades de decisões
estritamente "racionais" por exemplo, afirma que "Algumas pessoas podem pensar ser possível escapar desse último requisito [harmonização de
interesses e valores entre os indivíduos ou grupos que compõem a sociedade]. Contudo, mesmo admitindo que não haja(...). que quando algumas
pessoas se beneficiam com uma política há outras que são prejudicadas, não poderiam os analistas [agentes racionais] encontrar um modo de
distribuir esses ganhos e perdas? Se pudessem fazê-lo. determinariam a melhor politica aplicável a uma situação conflitiva. Isso porém não é
possível: os analistas só poderiam distribuir ganhos e perdas se houvesse um critério para tal distribuição, o quenão acontece, ambora cada um tenha
uma proposta diferente. Outra vez, nesse caso, só um processo político pode resolver essa diferença de opinião." Ver LINDBLOM. Charles W. . O
Processo de Decisão Politica (Trad. Sérgio Bath);Brasilia, Editora UnB, 1981 (Pensamento Folítico.33). Uma obra fundamental sobre esse tema
é RAWLS. John . Uma Teoria da Justiça (Trad. Vamireh Chacon); Brasília. Editora da UnB. 1981 (Pensamento Político,50). Cf. VTTA. Álvaro de.
A tarefa prática da filosofia politica em John Rawls, e RAWLS, John . Justiça como equidade: uma concepção politica e não metafísica, ambos
m Lua Nova.Revista de Cultura e Politica. S.Paulo, 25. 1962 respectivamente p.5-24 e 23-59.
:
Na tipologia de "policy analysis" chama-se a isso de "partisan approach" ou "advocacy policy-makmg".
' Fábio Wanderley Reis diz que a análise de políticas públicas não é mero exercido académico, mas uma aprendizagem a respeito da política (como
ela se faz) e de como em seu espaço a sociedade tenta resolver seus problemas. Cf. REIS. Fábio W.. Politica e politicas: a ciência política e o estudo
de politicas públicas, in Cadernos DCP. B.Horizonte. 4:167-186. Agosto 1977.
FlNANCIAMENTO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTII
citado. De um lado, portanto, elas dependem do para alcançá-lo: serviços profissionais, espaços fí-
modo como o conflito é encaminhado, isto é, da sicos, equipamentos, materiais, normas técnicas de
politica - e depende da natureza e das regras do sis- execução e de administração.
tema político ou, mais propnamente, do Estado - e, Note-se, em particular, que a adoção destas
de outro, do modo como alternativas de solução são normas exige, não raras vezes, processos de altera-
equacionadas e formuladas para serem decididas e ção de comportamentos sociais e organizacionais
implementadas - o que deriva da eficácia de atores (dos agentes ou das clientelas do serviço) que im-
e agentes para conduzir as políticas públicas. plicam não apenas mobilizar recursos materiais ou
Assim, estas últimas ocorrerão, primeiro, na técnicos - economicamente mesuráveis e valiosos -
medida em que o permita a permeabilidade do siste- como recursos políticos e sociais intangíveis não
ma político às demandas dos grupos sociais que sucetíveis de mensuração ou avaliação económica.
suscitam o problema e instauram o conflito (ou o Por isso se faz também uma outra importante dis-
impedem). E, em seguida, da capacidade política tinção analítica entre os custos económicos e os
dos atores para acionar os órgãos de estado para custos político-sociais daqueles "modelos de ação"
formá-las. E o seu teor estará determinado pela efi- e dos projetos e atividades em que eles se concreti-
cácia dos atores para (1) equacionar o problema, zam.
(2) somar apoios e (3) encaminhar proposições que Este modelo identificará, portanto, a quanti-
conduzam os agentes a formular e operar soluções dade e as características dos recursos reais cuja
acordes com estas propostas e mobilizar os recur- mobilização se fará necessária para produzir aque-
sos reais necessários para concretizá-las. les resultados. Ou seja, oferecerá previsões de seus
Por estas razões, as políticas de fato quase custos básicos, as quais, regra geral, são tomadas
nunca são as que algum ator ou agente idealiza (e como um dos critérios de escolha de alternativas
que maximizaria seus valores e objetivos), mas aque- para a decisão de encetar este ou aquele modelo para
las possíveis nestes quadros de contingências. alcançar os objetivos assumidos.
Mas satisfatórias ou não, as políticas públi- Outro componente critico dos processos
cas são constituídas de alguns elementos estrutu- decisórios reside na definição do modo de obtenção
rais: um que deriva do que chamamos de e mobilização desses meios para produzir os resul-
equacionamento do problema; outro - tados esperados. Dependendo de sua natureza - lem-
interdependente deste - que deriva das propostas brando aqui a distinção entre custos económicos e
alternativas de soluções e se traduz na identificação político-sociais - alguns desses meios podem ser
e escolha dos instrumentos para colocá-las em prá- mobilizados sem subtrai-los de outras atividades
tica; e, por fim, as decisões e comandos que mobili- económicas ou mediante retribuição não pecuniária
zarão os recursos necessários para dar corpo à al- a aportes voluntários de agentes privados. A maio-
ternativa de solução afinal eleita como cerne dessa ria deles, porém, terá que ser adquirida mediante
política pública. pagamento aos "fornecedores".
As questões de financiamento pertencem, Neste caso, uma parte (frequentemente a
como se verá nos argumentos seguintes, ao domínio maior) dos custos traduzir-se-ão em despesas, cor-
da instrumentação e dos comandos de respondentes ao pagamento por aquelas aquisições
implementação. com recursos financeiros que terão de ser coloca-
Vale dizer, os processos decisórios incluem o dos à disposição das organizações responsáveis pela
estabelecimento de um certo padrão de resultados operação do programa.
das ações a serem empreendidas, que se supõem Seu montante será, obviamente, função tan-
corresponder à satisfação das necessidades sociais to daquelas quantidades e características dos meios
apontadas na demanda Com ele, será também defi- requeridos, como dos preços ou retribuições
nido um "modelo de ação", que identificará e or- pecuniárias atribuídos a cada qual no momento e
ganizará os vários meios (ou insumos) requeridos local em que opera o serviço. Entretanto, a respon-
I SIMPÓSIO NAOONAI DI EDUCAÇÃO INFANIIL
sabilidade pelo aporte desses recursos dependerá da dades estariam definidas e contidas na "matriz de
alternativa de repartição de encargos de financia- fontes e usos de recursos" em que se formalizam e/
mento definida no modelo que foi escolhido para ou se institucionalizam as decisões tomadas no pro-
constituir tais serviços durante o processo decisório cesso de formulação das políticas públicas. Claro
da correspondente política pública. que nem sempre os documentos oficiais explicitam
Vale lembrar, rapidamente, mais um elemen- por completo ou muito formalizadamente essas pos-
to desse fenómeno. Ai estamos pensando nas ativi- sibilidades. E em muitos casos, quando há dificul-
dades "correntes" que conduzem à produção direta dades políticas ou impasses para firmar alguma das
do serviço. Mas, em muitos casos, se requer tam- alternativas, elas vão sendo construídas ao longo
bém a produção de alguns meios para que o serviço do processo de implementação, como políticas ins-
possa funcionar: construir ou comprar trumentais.
infraestruturas (prédios, equipamentos, instalações), Em suma, é preciso entender que os recur-
desenvolver protótipos de materiais (livros didáti- sos financeiros são apenas meios de aquisição dos
cos, "kits", materiais didáticos) ou capacitar os re- recursos reais definidos como requerimentos po-
cursos humanos para seguir as normas técnicas ou líticos e técnicos para efetivação das políticas
de gestão estabelecidas (implicando gastos em pes- públicas; em si não produzem nada; nem mobili-
quisas e em cursos). zam todos os recursos de que as politicas e o sis-
Há, portanto, custos e correspondentes des- tema requerem para produzir seus "outputs" e
pesas tanto para fazer os serviços prestarem o aten- para determinar a qualidade destes e dos
dimento preconizado, como para gerar a capacida- "outcomes" ou efeitos sociais esperados.
de de prestação desses serviços ou para melhorá-la, Ademais, é importante salientar que a repar-
à medida em que evoluem ou são modificados os tição, entre os atores e agentes envolvidos, das
padrões de resultados esperados Deve-se notar que responsabilidades pelo aporte desses recursos é
eles decorrem, também, de processos diversos de parte integrante e essencial das decisões
decisão e de financiamento. Os primeiros quanto constitutivas das políticas públicas e não uma
aos gastos de manutenção e conservação da capa- "variável exógena" ou um "dado" que a antece-
cidade de oferta; os segundos quanto à implanta- de.
ção ou expansão e/ou desenvolvimento dessa ca-
pacidade 2. Políticas Educacionais e Gastos em Edu-
Naquela linha anterior de raciocínio, custos cação
e despesas dependem do que foi decidido quanto à O encaminhamento das questões de financia-
escala de atendimento das demandas sociais por bens mento educacional tem sido extremamente proble-
e serviços públicos (ou à proporção da população- mático em nosso País, em boa parte pela
alvo a que se pretende dar atenção num período de desconsideração dessa dinâmica das politicas pú-
tempo), quanto à sua qualidade (ou grau de satisfa- blicas. Porque não é, como tem sido vista, uma
ção das necessidades humanas apontadas na deman- questão "em si", de quanto, quando e como alocar
da) e quanto à eficiência de sua organização e recursos, mas de para quais ações, para quê resul-
tecnologias. tados e, principalmente, para quem se precisa alocar
Ao mesmo tempo, essas decisões serão for- recursos educacionais. E este modo de abordagem
muladas tendo em conta as possibilidades de cober- antepõe as dimensões instrumentais ou operacionais
tura dessas despesas pelas receitas públicas dispo- da política educacional às suas dimensões
níveis ou em perspectiva de obtenção. E, ainda, as valorativas, substanciais.
possibilidades de compartir a cobertura essas des- Isto se evidenciou - como, aliás, em ocasiões
pesas com os próprios usuários ou com outros agen- anteriores - quando, há pouco tempo atrás, esta-
tes privados. vam sendo elaborados os primeiros documentos
Em termos técnico-formais, estas possibili- destinados à formulação do Plano Decenal de Edu-
FINANCIAMENTO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
cação para Todos; houve grande dificuldade não só tessitura social e política do país, esses interesses
para equacionar as questões de financiamento edu- específicos encontram dificuldades de agregação em
cacional como para encaminhar propostas con- blocos comuns de interesses prioritários e são enca-
sistentes para enfrentá-las. minhados pontualmente, ou seja, em movimentos
Aparentemente por uma razão aparentemente fragmentados e pouco eficazes de processamento
trivial: pura e simplesmente não se dispunha de in- político.
formações seguras sobre o que se passa com o fi- Daí as enormes deficiências nos processos de
nanciamento da educação no Brasil Como de resto formação e formulação das políticas públicas da
com o financiamento dos gastos sociais no Brasil, área, que tornam ainda mais difíceis estas escolhas
inclusive sobre aqueles mais candentemente contro- e a tomada de decisões a respeito delas. Até porque
versos, como os da seguridade social.4 se conhece pouco e mal como as politicas e a gestão
De fato, porém, havia razoes mais profun- do sistema são encaminhadas e financiadas.
das A primeira delas é que não há densos e sufici- Uma segunda razão deriva dessa "incompe-
entes consensos sociais e políticos a respeito das tência". Não apenas o País tem dificuldades para
alocações especificas mais importantes que devem bem decidir sobre as questões substantivas de
ser feitas no sistema educativo. alocação como também para dominar as questões
E claro que todos concordam ser necessário instrumentais e operacionais de financiamento. E
ampliar e melhorar as ofertas de educação e que não se trata apenas de conhecimento técnico e soci-
isto exigiria destinar-lhes maiores parcelas do Pro- al para isso. Trata-se de algo mais pedestre: os ór-
duto Interno Bruto. Entretanto, é difícil chegar-se a gãos governamentais responsáveis não vêm conse-
igual acordo quanto a quais ofertas específicas de guindo gerar - e colocar á disposição dos atores -
educação devem ser maximizadas (e quais não o informações seguras, oportunas e objetivas a res-
devem), ao se levar em conta que só é possível à peito dos recursos realmente disponíveis e necessá-
sociedade gastar uma parte de seus recursos dispo- rios, e sobre quanto e em quê são despendidos, e
níveis em educação (porque há demandas igualmente aonde se concentram os dispêndios, como são ope-
vultosas em saúde, alimentação, etc). rados, que resultados e eficiência se obtêm nos sis-
Torna-se forçoso, portanto, chegar a decisões temas de financiamento público.5
sobre como repartir os recursos disponíveis entre Tomou-se lugar-comum dizer que "em edu-
programas distintos: educação infantil, educação cação se gasta muito, mas gasta-se mar. Ou que
básica para crianças e jovens, para adultos, educa- "de cada mil reais dispendidos apenas uma parte
ção técnica, educação superior... E ainda mais, entre ínfima chega à sala de aula". Ninguém, no entan-
salários, treinamento, materiais de ensino, equipa- to, apresenta medidas sequer verossimeis destes fa-
mentos, inovações pedagógicas, construções e tudo tos. Fica-se nas afirmações vagas que dispensam
o mais que cada um deles requer. comprovação - e em que todos acreditam passiva-
Todavia, exatamente porque são muitos e dis- mente. Mais ou menos como nas acusações do tipo
tintos os atores diretamente interessados e afetados "fulano pecou" e o fulano que prove que não o fez
em cada uma delas, quanto mais específicas se- ou que o que fez não é pecado. Contudo, nesses
jam as escolhas, menos acordo haverá quanto às assuntos, "não se mostrando o pau, não se matou
decisões a tomar. Especialmente porque, devido á a cobra" : fica tudo como estava antes.
4
Note-se que nestas áreas, prncipalmeni e nas de saúde e seguridade, onde se expressa mais agudamente a crise fiscal, temha vido um enorme esforço,
nestes últimos anos. para coligir dados c elaborar estudos de profundidade. Curiosamente um esforço muito maior do que na da educação. Cf.OLIVEIRA,
F.E.B.; BELTRÃO, K.I. & GUEDES, E. . Perspectivas Econômico-Financeiras da Seguridade Social após a Nova Constituição, in IPEA .
Perspectivas da Economia Brasileira - 1992, pp.241-271; Rio de Janeiro, IPEA, 1991; MÉDIC1A & BRAGA, J.C.S. . Politicas Sociais e
Dinâmica Económica (Elementos para uma reflexão), in Planejamento e Políticas Públicas, 10:33-87, Dezembro de 1993; e VIANNAS.M. et
al. O Financiamento da Saúde no Brasil Brasília. OPAS, 1994.
5
Ver acima a menção à eficácia dos atores dos processos de políticas públicas.
I SIMPÓSIO NACIONAI DE EDUCAÇÀO INFANTIL
Tampouco é crónica ou fortuita a falta de Além disso tudo, o Brasil - é preciso ter isso
informações sobre tudo isso. É preciso dizer que claro - atravessou um longo período de crescimento
ela foi deliberadamente provocada, nestes últimos muito baixo ou até negativo do PIB, que reduziu
anos, quando se intensificou o desmonte da máqui- gravemente a capacidade de financiamento dos gas-
na governamental - em nome ora de uma necessária tos públicos. Há menos rendimentos para serem tri-
desconcentração/descentralização do poder estatal butados, a sonegação fiscal aumenta, os custos das
e de seus instrumentos (Nova República), ora da atividades de governo se elevam - devido à corrupção
"minimização do Estado"(Governo Collor). e aos encargos financeiros da dívida pública.
Disso resultou o aumento da ineficiência des- Nestas condições, quanto mais o Governo
sa máquina e na perda de seu controle pela socieda- tenta aumentar os impostos, menos ele arrecada efe-
de, ora favorecendo a vigorosa ressurgência do tivamente. Arrecadando pouco - quando tem
clientelismo e o alastramento de práticas muito para fazer e gastar - obriga-se a tomar suces-
patrimonialistas e corporativas, ora franqueando o sivos empréstimos; e aumentando sua dívida, vê-se
assalto a seus recursos por grupos organizados de compelido a pagar juros mais elevados, que tornam
corrupção. maior esta última, exigindo novos empréstimos para
Esta desmontagem teve também nesse último saldar os anteriores...e assim por diante.6
período a que me referi, uma outra intenção. Perce- Reverter este quadro tomou-se assim uma
beu-se, ainda no governo Collor, quando o condição essencial para recobrar a capacidade de
Prof Goldenbeig assumiu o Ministério e conseguiu desenvolvimento do País. E sem estabilidade e
abrir algumas "caixas-pretas" lá dentro - para apro- crescimento económico toma-se muito difícil con-
veitar o termo usado pelo Prof. Romão - que outro duzir políticas sociais eficientes e aptas a reduzir as
efeito desse desmonte foi a perda de eficácia dos enormes carências e desigualdades acumuladas. No
sistemas de controle interno e externo. Perda que mesmo diapasão, fàz-se urgente recuperar a efici-
facilitaria ainda mais a manipulação clientelista, as ência da máquina administrativa pública, tanto as
fraudes, os "poderes paralelos" e, sobretudo, do governo da União quanto dos Estados e Municí-
fragilizaria o já escasso controle social sobre as pios, confèrindo-lhes um mínimo de ordem, e prin-
ações de governo. cipalmente de transparência nas suas ações, nas suas
Isto significou torná-las ainda mais decisões e nas suas alocações.
intransparentes e portanto menos permeável o sis- E neste contexto que se coloca uma das faces
tema às demandas sociais. O Estado não se das questões de financiamento educacional: a das
"minimizou"; ao contrário, os gastos públicos - em disponibilidades de receitas públicas para mobili-
todos os níveis de governo - foram manipulados zar, no limite dos encargos de governo com as vári-
muito perigosamente, exatamente, e isto é o mais as classes e tipos de educação, os recursos reais
grave, quando o país atingia o auge da instabilidade para supri-las. Outra face está nas próprias dimen-
económica, politica e administrativa. E não há ges- sões e estruturas daqueles encargos. Esta é a equa-
tão financeira, pública ou privada, que consiga ser ção básica da discussão de financiamento.
límpida e eficiente em períodos de alta inflação e, Quer dizer, o Estado estabeleceu, ao longo
por outro lado, quando - até por efeito indireto da do tempo, segundo as circunstâncias económicas
Constituição de 88 e do movimento de descontração então vigentes, normas legais, regras administrati-
e (falaciosa) descentralização das capacidades fis- vas, mecanismos organizacionais etc. para poder
cais - se embaralham os encargos e responsabilida- arrecadar os recursos financeiros de que precisa para
des de cada agente. a mobilização de recursos reais exigidos pelas polí-
6
Embora em declínio, nestes últimos anos, a crise financeira veio em acentuado aummtona doada passada e deixou pesadas sequelas (principalmente
inflacionárias) no presente. As receitas tributárias (de todos os níveis de governo) cai de 25% para 22% do PIB; a dívida liquida alcança um "pico"
de 47,5% do PIB em 1985 e consegue ser mantida em tomo de 32% no início dos 90; a capacidade de investimento do Governo se reduz de 6,94%
para 5.00% do PIB entre 1980-90.
FINANCIAMENTO DA POLITICA De EDUCAÇÃO INFANTIL
ticas que veio conduzindo. Há então qualquer coisa rante o período todo e até 7,5% nos anos 68-73).
a que chamamos de "sistema de financiamento pú- Descontada a inflação, isso representou ritmos ex-
blico". E, dentro dele, configurou-se o que também tremamente elevados de aumentos nesses gastos,
chamamos de "sistema de financiamento da educa- como se vê das suas taxas anuais de crescimento
ção". em percentual (tabela 1).
A este domínio pertencem os dispositivos Essa tendência se manteve ainda mais forte
constitucionais - como os que vinculam à "função no restante dos anos setenta e, surpreendentemente,
educação" parte da receita de impostos - e de arrefeceu pouco mesmo com a crise financeira do
legislação ordinária - como as que criaram a contri- início dos anos oitenta. De modo que, ao final des-
buição do salário-educação -, mecanismos como o tes últimos, a relação gastos públicos em educação/
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação; PIB chegou a mais de 4%; ou seja, o crescimento
e uma série de outros instrumentos." real daqueles gastos teria superado os 7,5% ao ano
Entretanto, eles não dão conta por si sós das apesar das dificuldades do país.8
demandas por recursos colocadas pelas necessida- Diante desse contraponto, entre os manda-
des sociais de expansão e melhoria do sistema edu- mentos constitucionais e legais desobedecidos e ten-
cacional. É uma legislação generosa, mas que não dências factuais a longo prazo que, ao cabo, fazem
se cumpre plenamente; vários Estados e Municípi- o que a lei desejava, não deveria haver surpresa. A
os ou não despendem os percentuais mínimos pre- oferta de educação neste país não se expande por
vistos, ou os aplicam com desvios". generosidade nem pela mera compreensão dos
Não obstante, ao longo das últimas três dé- governantes de que ela é necessária ao
cadas, os gastos públicos em educação aumenta- desenvolvimento, mas sim porque estes são movi-
ram, constantemente, a ritmos maiores do que os dos pelo fato de que ela sempre interessou aos gru-
das receitas públicas totais e, ainda, mais do que o pos urbanos, tanto os das várias camadas que ali já
PIB. Embora com dados contábeis e estatísticos se encontravam, como os dos que estavam chegan-
incompletos, estimou-se que, por volta de 1960, o do e precisavam, entre outras coisas, de
setor público gastava em tomo de 1,6% do PIB em escolarização, para integrar-se de algum modo ao
educação. Em meados dos anos setenta, esta pro- novo cenário. E estes grupos constituiam parcela
porção chegava a mais de 3,0%, devendo-se notar considerável do capital político acumulado nestes
que o PLB, no interregno, apresentara taxas muito anos de expansão educacional.9
elevadas de crescimento (mais de 5% ao ano, du- Nesse quadro geravam-se vetores de pressão
TABELA 1
NÍVEIS DE GOVERNO
PERÍODO
FEDERAL ESTADUAL MUNICIPAL
1961/62 a 1973/74 11,0 13,7 20,8
Fonte: MELLO E SOUZA Alberto de. Financiamento da Educação e Acesso à Escola no Brasil: Rio de Janeiro. IPEA. 1979 (Relatórios de Pesquisa, 42)
7
Como disse, na exposição anterior, o Prof. Romão, o Brasil tem mostrado extrema criatividade na história da sua administração educacional; não se
encontra, em outros países, algo parecido com as vinculações de receita e menos ainda com o salário-educação.
' Cf. AMARAI. S°.José . O MEC e o ensino fundamental: o que os gastos revelam; e PINTO .J.Marcelino R. . Os recursos disponíveis para o
ensino no Brasil, ambos cm VELOSO et al. E s t a d o e Educação; São Paulo. CEDES/Campinas Papirus. 1992 (Coletânea CBE). Ver também.
GUSSO. Divonzir A . A Educação básica no Brasil: um desafio à democratização e à competitividade, in Velloso, J.P.dos R. ( O r g ) . A Questão
S o d a l no Brasil; São Paulo, Nobel. 1991 (espec. Tab.15. p.231); GUSSO, Divonzir A . A Educação Básica, in VELLOSO. J.P.dos R.(Org).
Estratégia S o d a l e Desenvolvimento. Rio de Janeiro, José Olympio, 1992. Para dados mais recentes, ver BATISTAJBdlamar. Financiamento da
Educação no Brasil: Dispêndios públicos, federais, estaduais e m u n i d p a i s com educação 1990-1993; Brasília, IPEA/DPS, 1994 (mimeo).
9
Cf. SAES. D e d o . Classe Média e Sistema Politico no Brasil, São Paulo. T A . Queiroz, 1984; DURHAN, Eunice R . . A C a m i n h o da Cidade.
A Vida R u r a l e a M i g r a ç ã o p a r a São Paulo; São Paulo. Perspectiva. 1973.SANTOS, Wanderlcy Guilherme . Cidadania e Justiça. A Politica
S o d a l na O r d e m Brasileira. Rio de Janeiro. Campas. 1979; SANTOS. Wanderley Guilherme . Fronteiras do Estado mínimo: indicações sobre
o híbrido institucional brasileiro, in VELLOSO J.P. dos R. (Org.). O Brasil e as Reformas Políticas. Rio de Janeiro, Jo_e Olympio, 1992.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
politicamente mobilizáveis pelos esquemas que o sistema padece de extrema iniquidade social.
clientelisticos, na troca direta de votos por benesses Para enfrentar estes problemas, no entanto,
particularizadas, ou pelos esquemas populistas em requerem-se mudanças profundas em suas estrutu-
que os líderes falam em nome da massa e obtêm os ras pedagógicas, técnicas, organizacionais e instru-
votos em troca de benefícios grupalizados. Mas tam- mentais; em realidade, exige-se uma estratégia am-
bém porque há, no patrimonialismo vigente no se- pla que combine diferentes políticas públicas, en-
tor público, benefícios funcionais, económicos, po- volvendo complexas articulações entre os diferen-
líticos que derivam do poder de contratar obras, ciados grupos de atores envolvidos em cada arena,
nomear (ou influir na nomeação de) pessoas, agilizar para incrementar ou recombinar recursos em cada
processos administrativos. A isso se juntam, mais qual para obter resultados diferentes e melhores do
recentemente, distorções no movimento sindical de que os atualmente possíveis.
que derivam condutas "corporativistas" que se amal- Há, por exemplo, excesso na oferta global de
gamam perversamente com o anterior, gerando no- formação de professores, baixa ou ineficiente utili-
vos problemas ao sistema. zação do corpo docente disponível, mas escassez
Esses esquemas se entrecruzam, quando se aguda de determinadas habilitações docentes e so-
designa um diretor, se indica o inspetor de ensino, o brecarga dos habilitados disponíveis. Isso não se
delegado, três ou quatro orientadores com funções corrige apenas "por dentro" das estruturas do ensi-
gratificadas e por aí afora. Joga-se um jogo no básico, mas também por alterações nas estrutu-
clientelístico que é muito mais interessante às vezes ras do ensino superior. Os problemas de alocação
que a própria inauguração do prédio. Esses são de docentes - afetando a eficiência das escolas - re-
alguns dos fatores que, associados às demandas lacionam-se com a má organização dos currículos e
sociais, influem mais fortemente sobre as políticas do regime escolar - que, a seu turno, afetam a qua-
de expansão educacional e sobre seu financiamen- lidade do ensino; uma racionalização destes e a con-
to.10 sequente realocação de professores geraria algum
Graças à dinâmica decorrente deste movimen- desemprego e certamente difíceis reajustamentos em
to, o sistema educacional brasileiro abriga, hoje, sua distribuição entre as escolas e funções.
cerca de 30 milhões de alunos no ensino fundamen- Bem conduzidas, essas reformas necessárias
tal e 4,5 milhões no médio, atendidos por mais de levariam a melhor utilização dos recursos disponí-
um milhão de professores e algumas dezenas de veis e, por certo, a maior e mais bem distribuída
milhares de funcionários das secretarias."' oferta, junto com a melhoria dos padrões de quali-
Essas estruturas básicas permitem matricu- dade. Entretanto, apesar de quase todos os atores
lar quase toda a população elegível de 7-14 anos no declararem adesão aos objetivos propostos, a maio-
ensino de 1 ° grau; mas apenas 40% dos ingressantes ria discordará das medidas requeridas para alcançá-
avançam até a 4a serie e menos de 1/3 conclui este los sempre que elas afetem suas situações atuais. E
nível de ensino, depois de algumas repetèncias. Diz- não se encontrando modos de compensar as perdas
se então que. devido àquelas determinações políti- atuais com vantagens mediatas, os resultados cus-
cas - associadas às deficiências estruturais tarão muito mais e talvez não haja recursos finan-
endógenas - foi universalizado o acesso mas há ceiros para alcançá-los em escala adequada.
baixíssimo rendimento; que a qualidade dos resul- No ensino superior os problemas são ainda
tados do ensino deixa muito a desejar; e, sobretudo, mais difíceis de enfrentar. Ao contrário do ensino
10
Há alguns estudos muito interessantes sobre essas relações, como BUI TA. Ester. Ideologias em Conflito: escola pública e escola privada; São
Paulo. Cortez & Moraes. 1979. o excelente SPOSITO, Marília P.. O Povo Vai à Escola. A luta popular pela expansão do ensino público em São
Paulo, São Paulo. Loyola. 1984; o clássico BEISIEGEL. Celso. Ação Politica e Expansão da Rede Escolar.-os interesses eleitorais do deputado
estadual e a democratização do ensino secundário no Estado de São Paulo, in Pesquisa e Planejamento. 8:99-198, Dezembro 1964. E. mais
recente, a tese de doutoramento de Marília P. Sposito. A Ilusão Fecunda: a luta por educação nos movimentos populares.
" Ver uma análise dessa trajetória cm GUSSO. Divonzir A-(Coord). Educação e Cultura - 1987. Situação e Politicas Governamentais; Brasília,
IPEA, 1990 (Série IPEA, 128).
FINANCIAMENTO DA POLITICA De EDUCAÇÃO INFANTIL
fundamental, onde quase toda a oferta é pública - e Mas já em proporção menor no ensino médio e, ain-
mesmo do ensino médio em que apenas um terço da mais acanhada, no ensino superior.
dela é privada - ali o setor privado é responsável (?) Nestes casos, imita-se o avestruz, ao não re-
por quase quatro quintos do alunado; e são frágeis, conhecer que certamente a maior parte destas ofer-
ainda, os mecanismos e instrumentos de Governo tas é hoje operada por empresas. E não só por em-
para mover os grandes interesses empresariais e presas especializadas apenas em educação, mas por
políticos que o dominam empresas articuladas e integradas em grupos finan-
Além do mais, o segmento governamental está ceiros, industnais ou agrícolas, que funcionam sob
sobrecarregado de problemas (de relevância, efici- a lógica do mercado, embora com as benesses
ência, capacidade gerencial, patrimonialismo e institucionais de suas congéneres públicas: não pa-
corporativismo,etc). Desde logo, também, com di- gam impostos, isentam-se de contribuições sociais,
fíceis questões de financiamento; pois, desacredita- eximem alguns ganhos dos dingentes do imposto
do, tem encontrado fortes obstáculos para obter re- sobre a renda e, até, obtêm subsídios e subvenções
cursos financeiros que cubram seus custos atuais, Veja-se que aí está situada uma porção signi-
julgados elevados frente aos índices de eficiência e ficativa do gasto total do Brasil em educação e de
aos resultados que apresenta. que não se tem registro confiável. Cerca de 1.100
Basicamente, há uma equação complexa mil alunos do ensino superior pagam anuidades em
muito difícil de ser resolvida. Quais são os encar- escolas privadas, outros 1,8 milhão o fazem no en-
gos que devem ser mantidos pelo setor público e sino de segundo grau dado em escolas privadas
setor privado? Esta é uma discussão primária, e que Conquanto seus custos médios sejam baixos - prin-
tem sido mal conduzida desde a década de 60 até o cipalmente porque a média salarial dos seus docen-
presente. tes é, em geral, bem menor do que a das escolas e
O projeto de Lei de Diretrizes e Bases, ora universidades públicas - as anuidades são elevadas,
em curso, continua refém desse confronto entre pú- frente ao poder aquisitivo da maioria de seus estu-
blico e privado, sujeito a concepções erradas de dantes, cuja maioria provém das camadas médias
público e privado. Identifica-se como "público" inferiores da sociedade.
aquilo que é pago e administrado pelo governo e Como não há dados suficientes e seguros a
como "privado" aquilo que é pago pelas pessoas a respeito, alguns se arriscam a fazer hipóteses apro-
alguma entidade de direito privado, seja ela civil ou ximativas sobre suas dimensões financeiras. Mes-
empresarial. E não se discute se o interesse pelos mo sub-estimando o valor real das anuidades e os
resultados são legitimamente públicos, ou se predo- gastos dos alunos com transporte, livros e materi-
minam interesses particularistas. ais, esses quase três milhões de estudantes não esta-
Além disso, sempre nos recusamos a aceitar riam despendendo menos de US$ 4,5 bilhões por
o fato de que, no sistema educacional brasileiro, ano; dimensão de mercado que animaria até o em-
muitas entidades são inquestionavelmente empresa- presário mais cauteloso a dele participar. Valor que
riais em seus valores, interesses, domínio e formas se somaria aos cerca de US$ 15 bilhões que são
de gestão. Acomodamo-nos à ficção legal de que as gastos pelo setor público em educação.
"entidades mantenedoras de ensino" são entidades Isto posto, vale retormar a referência feita,
civis sem fins lucrativos. minutos atrás, pelo Prof Romão, ao fato de 74%
Isto pode ser uma "verdade relativa". Em bom dos gastos federais em educação destmarem-se ao
número de casos na educação infantil - onde há uma ensino superior, quando seus custos chegariam a ser
miríade de organizações não-governamentais, asso- cerca de 15 vezes superiores aos da educação bási-
ciações privadas, associações de moradores, movi- ca. E que todo este montante é destinado a pouco
mentos sociais, principalmente, que se lançaram â mais de 400.000 estudantes. Ao lado disso, no ensi-
sua produção, em geral lastreados por algum tipo no fundamental brasileiro, o custo/aluno mal alcan-
de subvenção pública - e no ensino fundamental. ça US$ 80 ao ano; enquanto na Argentina pode che-
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
gar a 573 austrais (pouco mais de US$ 300). po são consideravelmente inferiores aos dos especi-
De fato, o quociente aritmético entre o total alistas aqui presentes, limitar-nos-emos a propor não
de dispêndios das universidades federais e o total de mais do que hipóteses de trabalho para a análise
alunos que elas atendem é aparentemente muito ele- das políticas públicas havidas neste segmento do
vado; fala-se em algo como US$ 6.000 ou até US$ sistema. Reconhecendo que mesmo isso já implica
12.000 por ano Contudo, esta não é uma boa medi- riscos elevados e certa ousadia.
da do custo por aluno, visto que inclui, no numera- A primeira delas é a de que houve significati-
dor, uma série de gastos que não têm a ver, direta- va mudança no elenco de atores envolvidos, desde
mente, com o ensino. Estudos do EPEA mostraram o final dos anos setenta; o que teria provocado,
que, em realidade, os dispêndios com ensino por inclusive, maior complexidade dos objetivos perse-
aluno/ano corresponderiam a metade desse quoci- guidos e diversificação dos modelos de ação para
ente; o que não é pouco admitamos.12 Ainda assim, alcançá-los.
eles seriam quase dez vezes o custo do ensino bási- Durante muito tempo, este não era o campo
co nas escolas urbanas de porte médio, que pode da educação infantil como a entendemos hoje. De
chegar a 280 ou 300 dólares por aluno/ano, enquanto um lado, mal se diferenciava do ensino primário,
que nas urbanas pequenas e nas de zonas rurais mal em cujos estabelecimentos se inscrevia como "clas-
chega a US$ 40 ou US$ 50 ao ano. ses pré-primárias", e, de outro, objetivava-se como
Isto mostra que, até por não haver novas etapa propedêutica ao ensino primário, destinando-
margens de ampliação das disponibilidades de re- se a atender â demanda de umas poucas famílias -
cursos fiscais para ampliar a oferta no mesmo ritmo certamente com nível educativo e cultural elevado -
do passado, ter-se-ia que buscar elevar os padrões que compreendiam sua importância. Por isso, tal-
de eficiência na gestão do sistema e de suas unida- vez, operava, em bom número de casos, com pa-
des e, mais vigorosamente, reverter a má distribuição drões bastante sofisticados para a época.
social dos recursos existentes. E este passou a ser Nesta acepção, expande-se comedidamente,
um dos problemas de maior destaque nas agendas pari-passu com a afluência das camadas médias
presentes de política educacional. E tudo indica que superiores, nos anos sessenta-setenta, principalmente
os desafios são menos de aumentar o montante de mediante a criação de estabelecimentos privados
gastos públicos do que de como redistribui-los e de especializados voltados para clientelas seletivas. Em
direcioná-los a ações que assegurem melhores pa- 1970, desse modo, apenas 1,8% da população me-
drões de qualidade do ensino - especialmente na nor de seis anos é registrada como frequentando a
educação básica - para toda a população educação pré-escolar, fração esta que vai a 5,9%
desse grupo, embora o volume desse contingente mal
3. A Educação Infantil e seu Financiamento tenha dobrado. A maiona dele, no entanto, é atendi-
O caso especifico da educação infantil não da em estabelecimentos privados e só ao final da
escapa dos traços esboçados para a educação esco- década os estabelecimentos públicos assumem po-
lar em geral. Difere talvez no timing e, certamente sição majoritária.
por isso, na combinação de fatores de intermediação Deve-se ter dois cuidados com esses núme-
política de suas diferentes classes de demanda. ros Nem eles correspondem a todo o universo de
Quanto ao financiamento, encontrar-se-ão motivos oferta, porque são registrados apenas os alunos si-
semelhantes para as diferenças que mostra em tuados em classes de estabelecimentos "reconheci-
relação ao quadro geral. dos oficialmente" e/ou inscritas nas escolas primá-
Dado que nossos conhecimentos neste cam- rias públicas. Nem incluem aquelas todas as crian-
12
Afora as atividades de ensino de graduação, os gastos totais das universidades federais incluem aqueles com assistência médica social, pesquisa.
extensão, promoções culturais e outros que são de elevada monta. Cf. GUSSO. DA (Coord.) op cit; e TRAMONTTN R. & BRAGA. R.. Perspectivas
do Ensino Superior para a Década de Noventa. Brasília. IPEA. s/d (mimeo).
FINANCIAMENTO DA POLITICA De EDUCAÇÃO INFANTIL
ças pequenas atendidas em creches, em escolas tes estatais identificados com eles. De tal maneira
maternais e outros tipos de organização; pois mes- se alargam as alianças e confluências que as políti-
mo nos inquéritos familiares os pais nem sempre os cas públicas se diversificam, internamente, para
consideram "escolarizados". atender, concomitantemente, a vários grupos-ato-
Nisso fica subjacente um traço importante res com distintas demandas e propostas, por inter-
daquela mudança no elenco de atores: a educação médio ora de organismos tipicamente governamen-
infantil somente passará a ser problematizada como tais, ora por organizações não-governamentais, ou
parte das situações de pobreza urbana quando estas até mesmo por entes quase-empresariais.
se evidenciam de modo mais grave no final dos se- No caso, processando demandas provenien-
tenta e início dos oitenta. Momento em que a oferta tes de um largo espectro social, que vai dos grupos
pública de pré-escola se torna dominante e come- mais pobres até os estratos médios, por meio de gran-
çam a multiplicar-se os movimentos de assistência de variedade de "modelos" como serviços domicili-
matemo-infantil e às crianças entre 0-4 anos de ida- ares, creches, centros sociais, centros integrados de
de. Grupos sociais até então à margem do espaço assistência, escolas maternais, escolas de primeiro
político adquirem protagonismo próprio e se tor- grau com classes pré-escolares e por aí afora. Esta
nam proativos na provisão de educação. Como bem diversificação de modelos, a seu turno, implica tam-
nota Maria Malta Campos, "as reivindicações por bém diversificação de capacidade de qualidade do
escola aparecem entrelaçadas a outras demandas atendimento prestado.
locais, relacionadas com a feita de infra-estrutura Ao cabo do quê, se torna difícil identificar
urbana e com problemas ligados às condições de quais objetivos estão sendo buscados, no conjunto
moradia e de acesso à terra (...) Nesse contexto, uma desse "quase-sistema" e em cada um de seus seg-
das demandas mais fortes é a reivindicação por cre- mentos; se a mera guarda e alimentação, se cuida-
ches." Principalmente as mulheres assumem a fren-
dos de saúde, se esta ou aquela modalidade de edu-
te desses movimentos, à medida que lhes interessa,
cação.
pessoal e familiarmente, dispor desses serviços em
A segunda é a de que, devido a essas mudan-
apoio à sua inserção (precária) nos mercados de tra-
ças, e por elas haverem ocorrido em momentos crí-
balho e nas malhas de relações sociais urbanas.13
ticos da redemocratização, multiplicam-se os agen-
Estes movimentos "na base" ocorrem ao mes- tes a que se dirigem as demandas e isso, de certo
mo tempo em que organizações políticas ( de "es- modo, amplia as alternativas de implementação e,
querda" e populistas) buscam ganhar espaços entre pois, de financiamento, embora a custo de perigosa
os grupos mais pobres e incipientemente fragmentação de seu domínio e controle.
organizantes; o que lhes acrescenta recursos políti- Praticamente todos os níveis de governo es-
cos mais estruturados para encaminhar seus pleitos tão empenhados na provisão ou produção dessa ofer-
ao espaço público. E os faz atores dotados das ta. Em cada qual, atuam órgãos os mais variados -
condições antes mencionadas para acionar políti- de administração educacional, de assistência, de
cas públicas.14 saúde, da justiça - tanto de modo isolado, como em
E os qualificativos "público" e "privado" diferentes arranjos de articulação, conforme consi-
adquirem significações diversos. Esses movimen- gam ou não congruência entre os objetivos específi-
tos e outros que se seguem nas camadas médias vão cos dos projetos com os de suas áreas de competên-
instituindo novas combinações de formas de gestão cia. Evidentemente, distinguindo padrões de resposta
e de agregação de recursos em parceria com agen- e lançando mão das fontes de recursos fiscais que
" Cf. CAMPOSMM.. As luras sociais e a educação, in SEVERINO et ai. Sociedade Civil e Educação São Paulo. CEDES/Campinas, Papiros,
1992(ColeçâoCBE).
14
Não cabe aqui eâender a análise desse processo; ver MARTES, Ana C.B.. Participação popular: especificidade e transformações na década
de90,m Planejamento e Politicas Públicas, 8:29-48. Dezembro 1992 (que traz uma boa bibliografia); e JACOBI, Pedro. Movimentos Sociais
e Politicas Públicas. Demandas por saneamento básico e saúde. São Paulo 1974-84; São Paulo, Cortez, 1989.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
cada qual pode mobilizar, de acordo com a densida- qualidade para todos, e reconhece nisso uma condi-
de reivindicatória e capacidade de proposição das ção indispensável para desenvolver-se, cada segmen-
clientelas específicas com que transaciona. to dela deve mobilizar-se, intensamente, para pro-
Daí a referência aos riscos de fragmentação cessar estas demandas em políticas eficazes.
- eis que em cada caso devem seguir diferentes E isso não chega a ser utópico ou inexequível.
normativas e mecanismos de implementação - e de A experiência recente mostra que a sociedade tem
perda de eficiência nos processos de gestão, com sido capaz de uma crítica mais dura aos seus candi-
reflexos nos de qualificação do atendimento. datos, a ponto de se obrigarem a cuidar melhor de
A terceira é a de que, na confluência destes suas plataformas de campanha; tem sido capaz de
eventos, tomam-se ainda mais complexa a formu- levar esta postura a controles políticos mais efeti-
lação de políticas e a articulação dos agentes em vos em várias localidades país afora; e tem levado
sua construção e execução. governadores e prefeitos municipais a encetar polí-
Embora tome corpo a ideia de que o ticas sociais mais consistentes. Claro que falta muito
desenvolvimento da criança pequena - onde se ins- para melhorar a conduta das câmaras de vereado-
creve a educação infantil - não deve fazer dela um res, das assembleias legislativas e do próprio Con-
"objeto em si", mas ocorrer num contexto familiar gresso.
e social articulado - e esta foi uma observação feita Mas terá que apurar esta experiência para
ontem pela Prof. Cármen Craidy, no sentido de ser ter educação de boa qualidade para todos e, por isso,
preciso uma política social para a família como um mobilizar nos próximos anos, algo em torno de
todo - fica difícil imaginar como: (1) agregar e har- 5,5% do PIB, para financiar os esforços corres-
monizar a gama tão variada de interesses e valores pondentes.
dos atores e clientelas, (2) integrar operacionalmente Vejam que isto não vai ser fácil porque o País
as distintas classes de serviços demandadas, (3) dar- se encontra a braços com uma crise enorme de fi-
lhe organização eficaz e, por fim, (4) articular, de nanciamento das políticas sociais. Na área da saú-
modo factível, recursos financeiros variados, como de, mais do que na da educação, há uma tarefa de
os da seguridade, das receitas tributárias dos dife- reconstituição do sistema talvez muito mais crítica.
rentes níveis de governo e, ainda, de entidades civis E saúde é tão essencial quanto educação. Estamos
e empresariais, que seria necessário somar para dar também com gravíssimos problemas habitacionais;
conta de tudo isso. que, em grande parte, dependem de esforços públi-
cos, não só para a construção de moradias, como
OBSERVAÇÕES FINAIS de recuperação das infraestruturas de saneamento,
Diante de um quadro tão complexo, seria de ambientação, de transporte coleti vo, de seguran-
até impertinente tentar avançar conclusões ou re- ça etc.
comendações. Certamente, deixamos um rol bas- Isto impõe uma reconsideração das próprias
tante extenso de temas e indagações para o deba- bases dos sistemas de financiamento da sociedade e
te, que, obviamente, não se esgotará neste even- da economia, de que as estruturas fiscais e gover-
to. Por isso, situaremos apenas algumas perspec- namentais são apenas uma parte. Urge que empre-
tivas que têm a ver com nosso contexto presente, sas, pessoas e entidades não só paguem, oportuna e
o do encaminhamento do Plano Decenal de Edu- corretamente, os tributos devidos, mas contribuam
cação Para Todos. de outras maneiras para a provisão de bens e servi-
Este assume nas proposições de estratégias ços coletivos. Aí está a Campanha da Fome, do
aquela atitude inicialmente descrita a respeito de que Betinho, para nos mostrar que esforços coletivos e
no processamento político é que cabe explicitar e solidários são mais eficazes que ações apenas go-
escolher critérios alocati vos Isto significa que, se a vernamentais.
Nação - ou parcela significativa da sociedade -de- Ademais disso, é preciso ter claro que
manda, efetiva e concretamente, educação de boa vinculações prévias de receitas a determinados pro-
FINANCIAMENTO DA POLITICA De EDUCAÇÃO INFANTIL
gramas acabam por ter um efeito perverso do pon- trole sociais institucionalizados.
to de vista político, porque os cidadãos imaginam, Em suma, um sistema de financiamento edu-
iludindo-se, que a alocação e seus resultados estão cacional, qualquer que seja seu grau de sofisticação
assegurados, passando a considerá-los como "fa- técnica, somente será eficaz e eficiente se a socie-
vas contadas". E param de brigar dade aprender a construir, democraticamente, polí-
Se cada ator não se mantiver atento aos pro- ticas públicas consistentes e exequíveis e, princi-
cessos de implementação e aos resultados das polí- palmente, transparentes em sua administração e
ticas a que deu origem, avaliando se correspondem controladas em seus resultados e impactos sociais.
ou não às suas demadas e propostas, terá lutado em Acredito que, nestas condições, o Pais será capaz
vão. Isto não acontecerá, porém, houver continui- de utilizar bem os recursos reais de que dipòe para
dade na luta politica, e se, principalmente, ela se fazer educação em geral e educação infantil com
der cada vez mais em termos democráticos, de igual muito melhor qualidade e distribuída equitativamente
acesso do cidadão aos recursos políticos e de con- para todos.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
FINANCIAMENTO
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Ubiratan Aguiar *
porque a pré-escola cresce mais nos municípios do temente, naqueles países que iniciaram mais cedo
que na rede estadual e federal: a administração seu processo de industrialização e urbanização. A
municipal está mais próxima da demanda social. A ponto de, hoje, ser reconhecido como uma necessi-
cobrança é mais evidente e mais forte. A resposta, dade social a inclusão da educação infantil como
também. primeira etapa da educação básica.
No século atual, dois marcos históricos devem
ser assinalados como definidores do reconhecimen- O AVANÇO DA LEGISLAÇÃO
to do direito da criança à educação. São eles: a BRASILEIRA PERTINENTE À EDUCAÇÃO
'"Declaração dos Direitos da Criança", documen- INFANTIL
to produzido pela ONU, em 1959, complementada
pela "Convenção sobre os Direitos da Criança', No Brasil, podemos considerar que existem, em
de 1989, e a "Declaração Mundial sobre Educa- nível da legislação, três marcos decisivos na con-
ção para Todos", de 1990 quista dos direitos da criança, a saber: A
Essa Declaração foi assinada em Jomtien, na CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988,0 ES-
Tailândia, em março de 1990, pelos mais altos re- TATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCEN-
presentantes de 155 países, 200 organismos inter- TE (Lei n° 8.069/90) E A LEI DE DIRETRI-
governamentais e 150 ONGs (Organizações Não- ZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL
Governamentais). Consta do Documento o seguinte (ainda projeto de lei, tendo sido já aprovado na
texto que é bastante elucidativo acerca do reconhe- Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câ-
cimento mundial da importância da educação in- mara dos Deputados, mas que, na área de educação
fantil: infantil, conseguiu unanimidade de pensamento e,
"A diversidade, a complexidade e o caráter portanto, representa o consenso de toda a sociedade
mutável das necessidades básicas de aprendiza- civil brasileira quanto à educação nos primeiros anos
gem das crianças, jovens e adultos, exigem que de vida da criança). Veremos, pois, o que cada um
se amplie e se redefina continuamente o alcance destes documentos legais trouxe de contribuição para
da educação básica, para que nela se incluam os a educação infantil no país.
seguintes elementos: A APRENDIZAGEM Inquestionavelmente, a Constituição de 1988 é
COMEÇA DESDE O NASCIMENTO. ISSO um documento exemplar no que concerne à garan-
IMPLICA CUIDADOS BÁSICOS E EDUCA- tia dos direitos fundamentais da pessoa humana e
ÇÃO INICIAL NA INFÂNCIA, PROPORCI- ao exercício da cidadania, tendo representado um
ONADOS SEJA ATRAVÉS DE ESTRATÉGI- avanço considerável no reconhecimento dos direi-
AS QUE ENVOLVAM AS FAMÍLIAS E CO- tos da criança, em especial o seu direito à educação
MUNIDADES OU PROGRAMAS INS- desde o nascimento. Nossa Carta Magna estabelece
TITUCIONAIS, COMO FOR MAIS APRO- um patamar para a criança jamais alcançado na
PRIADO. (...)" sociedade brasileira. Seus direitos são erigidos como
Este trabalho da "Declaração Mundial sobre prioridade absoluta. Em nenhuma outra parte, para
Educação para Todos" atesta o reconhecimento nenhum outro assunto, a Constituição fala em prio-
mundial (assinado formalmente por 155 países, entre ridade, muito menos em absoluta... Realmente, na
os quais o Brasil) da educação infantil como um área dos direitos da infância, nossa Constituição
direito da criança enquanto cidadã e sujeito da atual é, sem dúvida, um marco fundamental.
História. A educação infantil, como primeira etapa Dentre os dispositivos legais relativos à criança,
do processo educacional básico, passa a ser uma alguns são de primordial importância. O mais claro
necessidade social, com uma função educativa bem e enfático está consubstanciado no art. 227, que
definida e articulada com a família. preceitua, in verbis: "É dever da família, da soci-
Vale ressaltar que a expansão do atendimento edade e do Estado assegurar à criança e ao ado-
pré-escolar é um fenómeno mundial, maior eviden- lescente, com absoluta prioridade, o direito à vida,
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
primeiros anos de vida, o Ministério da Educação e cia na sociedade seja produtiva e marcada pelos
do Desporto (MEC) vem implantando uma política valores de solidariedade, liberdade, cooperação e
de educação infantil que se iniciou com a criação, respeito;
no âmbito da Secretaria de Educação Fundamental 4. As instituições de Educação Infantil devem
(SEF), da Coordenação de Educação Infantil nortear seu trabalho numa proposta pedagógica fun-
(COEDI), bem como a instalação da Comissão damentada na concepção de criança cidadã, como
Nacional de Educação Infantil, sob a coordena- pessoa em processo de desenvolvimento, como su-
ção dessa Secretaria, e composta por representan- jeito ativo da construção de seu conhecimento;
tes de diversos órgãos, instituições e entidades di- 5. A Educação Infantil deve cumprir duas fun-
versas da sociedade civil brasileira, a saber: Secre- ções complementares e indissociáveis: cuidar e edu-
taria de Projetos Educacionais Especiais do MEC, car, complementando os cuidados e a educação rea-
Ministério da Saúde, Conselho de Reitores das Uni- lizados na família ou no círculo da família;
versidades Brasileiras, Conselho Nacional dos Se- 6. As ações de educação, na creche e na pré-
cretários Estaduais de Educação, União Nacional escola, devem ser complementadas pelas de saúde e
dos Dirigentes Municipais de Educação, Organiza- assistência social, realizadas de forma articulada
ção Mundial de Educação Pré-escolar, Fundo das com os setores competentes;
Nações Unidas para a Infância, Legião Brasileira 7. O currículo da Educação Infantil deve levar
de Assistência, Conselho Nacional dos Direitos da em conta, na sua concepção e administração, o grau
Criança e do Adolescente, Centro Brasileiro para a de desenvolvimento da criança, a diversidade social
Infância e Adolescência e Pastoral da Criança/Con- e cultural das populações infantis e os conhecimen-
federação Nacional dos Bispos do Brasil. tos que se pretendem universalizar;
O avanço jurídico expresso na legislação exigiu 8. As crianças com necessidades especiais de-
novas práticas e posturas da pública administração vem, sempre que possível, serem atendidas na rede
e, em especial, do Ministério da Educação e do Des- regular de creches e pré-escolas;
porto. Neste sentido, podemos enumerar algumas 9. Os profissionais de Educação infantil devem
diretrizes que estão orientando as ações do MEC no ser formados em cursos de nível médio ou superior,
âmbito da Educação Infantil: que contemplem conteúdos específicos relativos a
1. A Educação Infantil é a primeira etapa da essa etapa da educação.
educação Básica e destina-se à criança de zero a Para a consecução dessas diretrizes, o MEC tem
seis anos de idade, não sendo obrigatória, mas um como objetivos fundamentais expandir a oferta de
direito que o Estado tem obrigação de oferecer; vagas para o atendimento educacional da criança
2. As instituições que oferecem Educação Infan- de zero a seis anos e promover a melhoria da quali-
til, integrantes dos Sistemas de Ensino, são as cre- dade do atendimento em creches e pré-escolas já
ches e pré-escolas, di vidindo-se a clientela entre elas existentes.
pelo critério exclusivo da faixa etária (zero a três No âmbito da Política educacional para à infân-
anos na creche e quatro a seis na pré-escola) e ga- cia, vale ressaltar o Programa Nacional de Atenção
rantindo-se que todas as relações nelas construídas Integral à Criança e ao Adolescente - o
sejam educativas; PRONAICA, instituído pelo MEC em 1993, numa
3. A Educação Infantil é oferecida para, em concepção de uma pedagogia integral para a crian-
complementação à ação da família, proporcionar ça. Um dos seus subprogramas está voltado especi-
condições adequadas de desenvolvimento físico, ficamente para a educação infantil.
emocional, cognitivo e social da criança; promover Merece destaque também algumas das metas do
a ampliação de suas experiências e conhecimentos, "Plano Decenal de Educação para Iodos" (1993-
estimulando seu interesse pelo processo de trans- 2003) que se destina especificamente à educação
formação da natureza e pela dinâmica da vida soci- infantil, entre as quais, podemos citar a criação de
al; e, contribuir para que sua interação e convivên- oportunidade de atendimento para cerca de 3,2 mi-
I SIMPÓSIO NACIONAL DI EEHICAÇÀO INFANTII
FINANCIAMENTO
DA EDUCAÇÃO INFANTIL
José Eustáquio Romão *
cas devem ser referenciadas às formações sociais e índices de vinculação da receita dos Municípios,
aos contextos específicos. De fato, em tese, a equiparando-os aos Estados e Distnto Federal, quan-
vinculação poderia ser considerada desnecessária to à obrigatoriedade de aplicarem vinte por cento
numa sociedade governada por mandatários que da renda resultante de impostos, e já especificava
realmente administrassem o Estado em função das que esses recursos seriam destinados à manutenção
prioridades da maioria de sua população. Porém, e desenvolvimento do ensino (art. 169).
como no Brasil isso não acontece, os educadores se Novamente eliminada na legislação outorgada
vêm, diante da conquista das vinculações específi- pelos governos militares (1967 e 1969) 2 , a
cas, divididos entre o sentimento de vitória e, ao vinculação dos recursos destinados aos orçamentos
mesmo tempo, de constrangimento, pois aquela é o educacionais (Ministério, Secretanas e Órgãos Mu-
atestado da falta de seriedade com que os nicipais de Educação) fez com que eles declinassem
governantes encaram a educação. Por outro lado, sensivelmente no período seguinte: no nível federal,
nos períodos em que a legislação desconheceu a eles caíram de 8,69% (1969), para 7,33,6,78, 5,62,
vinculação, a destinação dos recursos financeiros respectivamente, nos anos subsequentes, despenca-
para a educação declinou sensivelmente. E que, além do mais ainda em 1974 (4,95%) e 1975 (4,31%)-\
de os retornos concretos da educação só aparece- E aí que a luta obsessiva em defesa da Educa-
rem a longo prazo (ultrapassando as administra- ção, como a denominou o próprio Senador João
ções). a atividade governamental é encarada no Bra- Calmon, procurava ganhar maior efetividade, quan-
sil como instrumento do continuismo e, por isso, do ele. em 25 de maio de 1976, apresentou a emen-
deve se dedicar às realizações de obras mais imedi- da constitucional que propunha a restauração da
atamente perceptíveis. vinculação, com elevação dos índices anteriores (10
A vinculação de recursos públicos orçamentári- e 20%), através do acréscimo de um parágrafo ao
os foi estabelecida, pela primeira vez no Brasil, com artigo 176:
a Constituição de 1934: Anualmente a União aplicará nunca menos de
A União e os Municípios aplicarão nunca me- 12%, e os estados, o Distrito Federal e os mu-
nos de dez por cento, e os Estados e o Distrito nicípios 24%, no mínimo de suas receitas re-
Federal nunca menos de vinte por cento, da ren- sultantes de impostos na manutenção e desen-
da resultante de impostos, na manutenção e no volvimento do ensino (cif. por CALMON, 1991:
desenvolvimento dos sistemas educativos (art. 28).
156).
E o Senador esclareceu depois sua proposta de
E, certamente pela predominância à época das elevação dos percentuais de vinculação:
populações rurais sobre as urbanas, determinava Quase 32 anos depois (sic) da promulgação da
ainda a aplicação de um quinto dos recursos vincu- Carta de 1946, justificava-se uma reavaliação
lados da União ao desenvolvimento do ensino nas do percentual, elevando-o para fazer frente às
zonas rurais (parágrafo único do mesmo artigo). novas necessidades do ensino. A escolaridade
Na "Constituição" de 1937 a vinculação foi, obrigatória, por exemplo, passara de quatro
sumariamente, banida. para oito anos (idem, ibidem).
Com a redemocratização, em 1946, a nova Car-
ta Magna restaurava a vinculação e ampliava os Porém o Governo Geisel, através de torpedeiros
:
Curiosamente, a 'emenda constitucional n° 1 *' de 1969 mantinha entre as razoes de intervenção nas municípios a não-aplicação, em cada ano, de
vinte por cento, pelo menos, da receita tributaria municipal.
1
Sem falar que as despesas dos órgãos de segurança implantados nos sistemas educacionais, ao invés de correrem à conta dos ministérios próprios,
bem como os programas educacionais de outros ministérios, corriam á conta do orçamento do MEC. Numa palestra proferida pelo Professor Murilio
de Avellar Hingel à época. ficou claro que. não descontados todos esses pingentes espúrios do orçamento do MEC. restavam menos de 4% para os
programas de ensino.
FlNANdAMENIO DA PoUlICA Df EDUCAÇÃO INFANTIL
a subvinculação tinha endereço certo: os recursos destinação ao Programa de "Merenda Escolar", por
da União. exemplo.
Entretanto, de nada têm adiantado tal clarividên-
cia. Na realidade a manobra interpretativa Salário-Educação
tergiversante já era um sinal da disposição gover-
namental em não cumprir a Constituição neste par- Outra fonte de financiamento importante é o
ticular. Infelizmente, ela vem sendo desrespeitada Salário-Educação. Criado pela lei n° 4.440, de 27
desde sua promulgação até os dias de hoje. de outubro de 1964, ele tinha como objeti vo especí-
Entre tantas outras conclusões que se podem ti- fico suplementar as despesas públicas com a edu-
rar de um tão resumido histórico das marchas e cação elementar (art. Io). Embora caracterizado
contramarchas do financiamento público do ensino como uma contribuição social devida pelas empre-
na legislação brasileira, impõem-se as seguintes: sas industriais, comerciais e agrícolas, ele aproxi-
a) Coincidem os períodos de autoritarismo com ma-se, em natureza, das taxas, na medida em que
os de não-vinculação. implica uma prestação de serviço pelo Poder Públi-
b) Ainda que coincidente com períodos de cres- co.
cimento económico, a não-vinculação coincide tam- As aliquotas para base do cálculo da arrecada-
bém com os períodos de queda sensível da aplica- ção, a distribuição e aplicação da receita resultante
ção efetiva de recursos no setor. sofreram, ao longo desses trinta anos, algumas va-
c) Os adversários da vinculação, seja por que riações, mas a legislação tem mantido o essencial
razões forem, nunca estão desatentos ou rendidos. de sua concepção original.
d) Em todos os períodos, a educação infantil não Em 1975, através do Decreto-Lei n° 1.422, o
é claramente contemplada nas fontes públicas5. Salário-educação sofreu uma série de modificações,
Mas a luta pelos recursos não se resume à ga- dentre as quais se destacam:
rantia de sua vinculação legal, pois mesmo ela sen- a) A alíquota de 1,4% foi elevada para 2,5%
do vitoriosa, ainda paira a ameaça de seu não cum- sobre o salário de contribuição ao órgão próprio da
primento, ora explícito, ora camuflado nas "quími- Previdência Social.8
cas" das prestações de contas, ora, finalmente, na b) A taxa de administração do órgão arrecada-
excessiva tolerância dos tribunais de contas dor também foi elevada de 0,5% para 1%.
Embora a atual Constituição seja draconiana na c) A divisão em duas partes iguais do resultado
punição aos municípios inadimplentes - previsão da arrecadação entre a União e os Estados foi alte-
de intervenção do Estado quando não tiver sido apli- rada para 1/3 e 2/3, respectivamente, diminuindo o
cado o mínimo exigido da receita municipal na ma- poder equalizador da primeira.
nutenção e desenvolvimento do ensino (art. 35, IH)6 Há muito, vários educadores vinham lutando pela
- não se tem notícia da medida ter sido tomada em participação dos municípios na distribuição do Sa-
relação a qualquer administração municipal conde- lário-educação. Não se justificava mais tal exclu-
nada pelos tribunais. Além disso, mesmo que o tex- são, porque as redes municipais de ensino expandi-
to constitucional seja claríssimo quanto à proibição ram-se justamente no grau que era universo cativo
de utilização dos recursos provenientes dos míni- e intransponível de aplicação do Salário-educação.
mos vinculados em programas suplementares, mui- Após o saneionamento da Lei n° 5.692, em 11 de
tos tribunais têm sido tolerantes quanto à sua agosto de 1971, a ampliação da obrigatoriedade e
5
Nem sob outros aspectos. Continua em vigor a Lei n° 5.692. na qual a educação infantil não existe.
* Lamentavelmente, a mesma punição não c prevista para estados inadimplentes.
7 Não trataremos de outras fontes, como o Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Social (FAS), o Fundo de Investimento Social (FINSOCIAL). os
Royalties sobre o petróleo e/ou gás extraído da plataforma continental c o incentí vo fiscal para o MOBRAL e seu sucedâneo, a Fundação EDUCAR,
lauto por causa dos limites deste trabalho, quanto por seu desaparecimento ou insignificância para o financiamento do ensino nos dias de boje.
* Lembrando sempre que o mesmo Decreto introduziu privilégio inexplicável para as empresas agrícolas, reduzindo sua alíquota para 0,8% c, ainda
assim, suspendendo seu recolhimento "até segunda ordem", que nunca foi dada.
FINANCIAMENTO DA POLITICA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
gratuidade para oito séries revelou os inícios de uma Ministério não estão bem resolvidas. Seu perfil e
tendência que se comprovaria no decorrer dos anos competências têm variado de acordo com as diver-
seguintes: mais e mais os estados deixavam o pri- sas administrações do MEC: ora ele é apenas um
meiro segmento do 1 ° Grau aos cuidados dos muni- banco que executa o decidido pela Secretaria en-
cípios, mormente os que se desenvolviam no meio carregada das políticas federais para o Ensino Fun-
rural. Pelo Decreto n° 88.374, de 7 de junho de 1983, damental, ora ele analisa também as questões de
finalmente, ficou estabelecido que 25% da quota fe- mérito dos projetos apresentados pelas outras esfe-
deral ficavam vinculados ao financiamento de pro- ras governamentais, estabelecendo as prioridades no
jetos municipais e intermunicipais de educação vol- atendimento às demandas. De qualquer forma, quan-
tados para o ensino de 1o Grau. do não claramente conflitante, sua relação tem sido,
Novo dispositivo legal (Decreto n° 91.781, de no mínimo, confusa com a Secretaria de Ensino Fun-
15 de outubro de 1985) determinou que os municí- damental.
pios, para se credenciarem à apresentação de proje- d) Em que pesem os esforços da atual adminis-
tos deveriam ter Estatuto do Magistério Municipal tração do FNDE para minimizar os intervalos do
A inclusão dos municípios na distribuição anual passeio que o dinheiro faz, desde sua arrecadação
do Salário-educação - que significou, até o destino final, a "desorganicidade" de todo o
indubitavelmente, um avanço - merece, porém, al- sistema é que deve ser questionada. Senão vejamos:
gumas observações: Um bom exemplo disso (lentidão burocrática) é
a) A medida que vai se confirmando a tendência salário-educação ê recolhido da folha de pa-
municipalizante do Ensino Fundamental, com a am- gamento das empresas, depositado nos bancos,
pliação das matrículas nas redes municipais, o depois enviado para o Banco do Brasil, que
percentual de 25% da quota federal do Salário-edu- cobra 0,8% de taxa de serviço e remete o di-
cação se revela injusto. De fato, hoje ela já totaliza nheiro ao INSS (Instituto Nacional de
cerca de 1/3 de toda matricula desse grau e aos mu- Seguridade Social), que recolhe mais 1% a tí-
nicípios destinam-se apenas 1/12 (25% de 1/3) do tulo de administração. A verba fica em média
total arrecadado 30 dias no INSS, antes de ser remetido ao Te-
b) Continua incompreensível a manutenção da souro Nacional, que então a repassa ao MEC.
alíquota de 0,8% das empresas agrícolas e, pior ain- Este faz a divisão do que ficará com ele e do
da, sua não cobrança. que é devido aos Estados e envia o bolo todo
ao FNDE... O FNDE despacha o dinheiro para
c) Também não faz sentido as administrações
as secretarias estaduais de Educação e prefei-
municipais tenham que submeter a aprovação de
turas... (Nova Escola, 1993: 15).
projetos a critérios de priorização de ações determi-
nados externamente. O Governo Municipal, junta-
mente com as entidades representativas dos muni- Cabe acrescentar que o "passeio" do dinheiro
cípios, tem legitimidade para decidir sobre onde não termina aí. Ainda percorre um longo caminho
aplicar os recursos do que lhe cabe no "bolo" do até chegar à escola, à sala de aula e na carteira do
Salário-educação, respeitada a legislação em vigor. aluno. E, infelizmente, tal lentidão não é privilégio
Esta relação entre a agência financiadora, o Fundo da movimentação do Salário-educação, mas de to-
Nacional de Desenvolvimento da Educação9, e os dos os recursos objeto de repasses. De acordo com
municípios acabou por potencializar casos concre- o processo inflacionário então vigente, o próprio
tos e comprovados de clientelismo e corrupção, que, MEC calcula que houve um prejuízo de US$ 400
infelizmente, têm pontilhado a história do Fundo. milhões em 1992, o que equivale a 2,7% do que foi
Além disse, suas relações no interior do próprio aplicado na Educação Brasileira no mesmo ano
'' Inicialmente, foi criado o Fundo Nacional de Ensino Primário, à conta do qual eram creditados os recursos do Salário-educação, além de outros,
como orçamentários que lhe eram consignados, resultantes de incentivos fiscais e de loterias; depois, foi criado o Instituto Nacional de Desenvo1vimento
da Educação e Pesquisas (INDEP), finalmente transformado em Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
ai. Aliás, este último, participante ativo na negocia- CAMPOS, Maria Regina Machado de e CARVA-
ção da dívida externa, ou se convence de que deve LHO, Maria Apparecida de. A Educação nas
mudar substancialmente suas "orientações" aos pa- Constituições Brasileiras. Campinas, Pontes
íses devedores ou terá frustradas suas expectativas 1991.
de cumprimento, por parte deles, das metas e obje- CATANEDA, Tarsicio. Innovations in the
tivos que ajudou a formular10. Financing of Educatíon The Case of Chile.
Nunca é demais reiterar que o grande aliado da Washington, The World Bank, 1986.
Educação Brasileira, neste final de século, será o CASTRO, Jorge Abrahão de. O Impacto do Novo
Ministério Público, na medida em que ele exercer Texto Constitucional no Financiamento da
seu papel, zelando pelo cumprimento da legislação Educação. Brasília, 1988 (mimeo.).
quanto ao respeito pelos mínimos vinculados à fun- CASTRO, Jorge Abrahão de. A Repercussão da
ção ensino. Além dele, como deve ocorrer em qual- "Emenda Calmon" no Financiamento da
quer regime democrático, a Sociedade Civil organi- Educação -1985/88. Brasília, s/d (mimeo.).
zada terá de manter uma vigília permanente. CASTRO, Amélia Domingues de et alii. Di d ática
Certamente, não iremos nos apresentar no con- para a Escola de 1o e 2o Graus. 2a ed., São
certo mundial no milénio que se avizinha senão como Paulo, EDIBELL, 1972
objeto, se não explicitarmos e concretizarmos a pri- CENDEC/IPEA Alocução de Recursos para o En-
oridade da educação infantil em nosso país. O pro- sino Público Brasileiro. Brasília, 1988 (Rela-
jeto de nação de qualquer sociedade, dentro da or- tório Final do "Seminário sobre Modelos de
dem democrática, com competitividade internacio- Alocação de Recursos para o Ensino Público",
nal e equidade interna, especialmente o das que apre- realizado pelo CENDEC/IPEA em 27 e 28 de
sentam um perfil demográfico extremamente jovem, abril de 1988 - mimeo).
há de incluir, estrategicamente, a educação das cri- CEPAL e UNESCO Educación y Conocimiento:
anças, pois o peso que este segmento representa hoje eje de la transformación productiva con
sobre a população, política e economicamente ati- equidad. Santiago de Chile, Naciones Unidas,
va, converter-se-á no próprio instrumento de trans- 1992.
formação económica e social. FRARE, José Luiz. Brasil: O Futuro Ameaçado.
In Revista Nova Escola, n° 72, dez/1993, p.
10-19.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS INSTITUTO HERBERT LEVY. Ensino
Fudamental & Competitividade Empresari-
BRÁSIL. Constituição da República Federativa al. São Paulo (impressão), s/d.
do Brasil 1988. Brasília, Centro Gráfico do MELCHIOR, José Carlos de Araújo. O Financia-
Senado Federal, 1988. mento da Educação no Brasil. São Paulo
CALMON, João. João Calmon. Brasília, INEP, EPU, 1987.
1991 (Memória viva da educação brasileira, OLIVEIRA, Romualdo Portela de e C ATANI, Afrâ-
2) nio Mendes. Constituições Estaduais Brasi-
CAMARÁ DOS DEPUTADOS Lei de Diretrizes leiras e Educação. São Paulo, Cortez, 1993.
e Bases da Educação Nacional; Texto apro- ROMÃO, José Eustáquio. Municipalização do En-
vado na Comissão de Educação, Cultura e sino e Salário-educação. In: Educação e So-
Desporto com comentários de Demerval ciedade, n° 30, ago/1988, p. 154-161.
Saviani e outros São Paulo, Cortez/ANDE, SOBRINHO, José Amaral. Ensino Fundamental:
1990. Gastos da União e do MEC em 1991 - Ten-
10
Em outra obra (no prelo), juntamente com outros autores americanos que tèm se debruçado sobre o tema, tratamos das relações entre dívida externa
e educação. Deixamos registrado neste trabalho apenas nossa preocupação com mais essa variável, pois sua amplitudade c complexidade escapam
aos seus limites.
I SIMPÓSIO NAOONAI DI EDUCAÇÃO IMAMII
MESA REDONDA
Expositores:
Maria Dolores Bombardelli Kappel
Jorge Rondelli da Costa
Everardo de Carvalho
Bernard Pirson
Coordenação:
Angela M. Rabelo F. Barreto
SISTEMA DE INFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SISTEMA DE INFORMAÇÕES
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Maria Dolores Bombardeia Kappel *
* Pesquisadora do IBGE/DEISO
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
a 17 anos de idade, destacando-se questões relati- lher; sintomas e sinais de saúde, acesso a serviços
vas à condição de vida deste grupo, sua situação de saúde, e antropometria, contém quesitos especí-
familiar e/ou doméstica, guarda e cuidado com cri- ficos para as crianças de 0 a 47 meses de idade, a
anças de 0 a 6 anos de idade, aspectos relativos ao saber:
trabalho, formas de obtenção e uso do dinheiro pro- - inscrição em programa de distribuição gratuita
veniente do trabalho, inserção no sistema educacio- de alimentos;
nal, utilização do tempo fora da escola e/ou traba- - de onde recebe os alimentos do programa
lho. Este suplemento restringiu-se às Regiões Me- (padaria,igreja, associação comunitária, etc);
tropolitanas e ao Distrito Federal. - frequência à creche ou maternal;
Em termos de informações educacionais, o cor- - horário de frequência à creche ou maternal;
po básico da PNAD apenas capta dados referentes - oferta de refeição;
a população de 5 e 6 anos de idade. Já o suplemento - se era pública ou particular.
de 1982, coletou informações sobre frequência es- Para as pessoas de 4 a 20 anos:
colar e gastos com educação no pré-escolar, para - indagações sobre oferta de alimentos;
as crianças de 0 a 6 anos de idade. O suplemento de - frequência à creche, maternal ou pré-escola;
1985, apreendeu frequência à creche ou pré-esco- - horário de frequência...;
la (idade que iniciou a frequência), tipo de escola, - oferta de refeição gratuita;
n° de horas por dia, ocorrência de pagamento, guar- - se pública ou particular.
da da criança quando não está na escola) e não fre- Nos Censos Demográficos as informações edu-
quência escolar (motivo da não frequência, guarda cacionais são captadas da mesma forma que as
da criança) para o grupo de 0 a 6 anos de idade. PNAD's, ou seja , somente para as pessoas de 5
Quanto ao trabalho, o suplemento de 1985, cap- anos ou mais de idade.
tou a realização de tarefas ou serviços, tipo, forma
de ocupação e local de trabalho, para as crianças de 2-RECOMENDAÇÕES DA UNESCO
5 a 9 anos de idade. PARA O SISTEMA DE INFORMAÇÕES
A Pesquisa Nacional sobre Saúde e Nutrição, Em Junho deste ano participei em oficina de tra-
realizada pelo IBGE em 1989, em convénio com o balho referente à Coleta de Informações sobre Edu-
INAN (uma de suas atribuições é a de subsidiar o cação e Desenvolvimento Humano na América La-
Governo Federal na formulação das políticas para tina e Caribe, organizado pela UNESCO, através
o setor de saúde e nutrição), é um levantamento de sua "Oficina Reginal de Educación para la Amé-
amostrai de base domiciliar, cujo objetivo principal rica Latina y el Caribe" - OREALC, em Santiago-
foi captar dados suficientes e representativos para Chile. Estavam presentes à reunião os representan-
a análise da situação alimentar e nutricional do país, tes dos Institutos Nacionais de Estatística da Ar-
baseada na análise de medidas antropometricas de gentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Chile,
peso e altura. Paraguai, Uruguai e Venezuela. Além destes, o en-
Foram utilizados dois formulários, o primeiro, contro contou com a presença de representantes da
PNSN 1.01-Mão-de-Obra, captou informações so- CEPAL, CELADE, PNUD e OREALC.
bre os seguintes temas: A partir das discussões realizadas, no decorrer
- características do domicilio; do evento, foi enfatizada a importância de se ter
- características dos moradores (instrução- al- informação confiavel, oportuna e comparável entre
fabetização e analfabetismo para as pessoas de 5 países, facilitando a tomada de decisões para
anos e mais de idade); e implementação de políticas e estratégias de ação
- características de mão-de-obra. educativa, tendo em vista a perspectiva mais ampla
O segundo questionário, PNSN 1.02, além de do desenvolvimento humano.
informações sobre aleitamento materno, Dentre as conclusões e recomendações do grupo
suplementação alimentar, história obstétrica da mu- de especialistas, elaboradas no decorrer do evento,
SISTEMA DE INFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SISTEMA DE INFORMAÇÕES
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Jorge Rondelli da Costa *
sugestões dos representantes das secretarias de apenas para alguns estados como Acre, Amapá,
educação. Assim, a partir deste ano de 94, um novo Ceará, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso do Sul,
conjunto de variáveis será pesquisado na área do Piauí, Roraima e Sergipe.
pré-escolar. Dada a importância da existência de informações
As informações geradas nesses levantamentos estatísticas atualizadas, para o planejamento e a
dos censos escolares ficam armazenadas no banco gestão da educação brasileira e para o
de dados do Ministério, em equipamento de grande estabelecimento de politicas públicas,
porte e são disseminadas através da publicação principalmente nas áreas sociais, o MEC estabeleceu
"Sinopse Estatística da Educação Pré-Escolar". Há como uma de suas prioridades a realização de um
também um sistema de consulta à base de dados, esforço concentrado, junto às secretarias estaduais
chamado sistema "flash", que possibilita acesso ao de educação, com apoio da Fundação de Assistência
banco de dados para utilização em micro- ao Estudante (FAE) e das delegacias regionais do
computadores. As informações contidas nesse MEC, para que até o final deste ano possam ser
sistema "flash" estão consolidadas tanto por estado divulgados os resultados definitivos dos censos
quanto por município. O acesso aos dados da escolares de 1992, 1993 e inclusive o censo escolar
educação pré-escolar pode ser feito mediante de 1994. É um compromisso que o MEC assumiu,
solicitação direta à Coordenação de Sistema com cronograma transmitido a todas as secretarias
Estatístico da Educação - SEEC, sem nenhum custo estaduais de educação. O SEEC está se articulando
financeiro para os usuários. Essas informações com os dirigentes das secretarias de educação para
podem ser fornecidas em fitas magnéticas, em que todos os esforços sejam despendidos no
disquetes e através da própria Sinopse da Educação cumprimento desse compromisso de resgatar as
Pré-escolar,publicada anualmente. Além da informações estatísticas atualizadas, para que o País
disseminação aos usuários, os dados são enviados possa planejar, traçar suas políticas, com base em
anualmente àFundação IBGE, para que sejam informações fidedignas.
também divulgados através do Anuário Estatístico É importante enfatizar que o sistema de
do Brasil, no capítulo referente à educação. informações do MEC , no que tange à Educação
Um dos maiores problemas desses sistemas de Infantil, não cobre a faixa etária de 0 a 6 anos,
informações, não só na área da educação pré-escolar, porque as informações são coletadas apenas nos
como em toda informação estatística em si, é a estabelecimentos formais. Quanto às creches, que
defàsagem dos dados. Hoje, caso se queira trabalhar prestam atendimento mas que não ministram uma
dados consolidados para todo o Brasil, as educação pré-escolar, não há informações. Há
informações existentes no MEC são relativas ao consciência, entretanto, da necessidade de
censo educacional de 1991. Para a realização de implementar formas mais abrangentes e adequadas
estudos em nivel de unidades da federação, já estão de captar informações e dados a respeito da educação
disponíveis dados do censo escolar de 1993, mas infantil no Brasil.
SISTEMA DE INFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
* Médico Sanitarista da FNS, Coordenador de Projelos Especiais da Pastoral da Criança e Coordenador executivo do Centro Regional de
Desenvolvimento Infantil da Pastoral da Criança - Projeto Fundação Bemard van Leer
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
"empowerment" consequente ao uso da informação são fechada e completa da realidade, que pelo menos
como instrumento de mudanças sociais. ofereçam uma referência para a validação dos da-
O Brasil não é um País sem redes e sistemas de dos produzidos oficialmente. O controle social dos
informação. Nós temos informação suficiente em índices de inflação foram contestados por dados
muitos setores. Então qual o problema central desta produzidos por outras agências - FIPE e DIEESE -
mesa? O ponto nevrálgico é que a informação está cumprindo um importante papel de defesa da cida-
na mão dos grupos que exercem o poder político e dania. Ou seja, é fundamental que tenhamos um
económico no país - a elite dominante. outro parâmetro de comparação e discussão dos
Neste ponto precisamos fazer uma reflexão sobre dados produzidos pelo governo.
o novo paradigma social que estabelece novas for- Em segundo lugar: lutar pela garantia de regula-
mas de relação de poder -medidas pelo controle dos ridade de produção de dados oficiais. A sociedade
meios de produção da informação. A posse desses se estarrece com a informação de que a PNAD não
meios provocou mudanças nas tradicionais concep- será realizada este ano. Isto representa que, além
ções de propriedade de bens de produção material do atraso dos dados do Censo - ainda não inteira-
versus a propriedade dos bens de produção simbó- mente processado pelo IBGE - não teremos esta
licos - a informação é um deles. importante fonte de informação. Com referência ao
Hoje as estruturas de poder estão claramente censo, é preciso que todos saibam que com exceção
amarradas ao controle da informação. Vimos e do censo de 90, não realizado na época prevista, a
vivenciamos no momento o peso da informação nas única situação de interrupção do Censo na história
eleições que se aproximam, são eleições que vão republicana ocorreu em 1930, em plena revolução
sendo determinadas a cada dia pela veiculação das constitucionalista.
pesquisas eleitorais 0 pelo espaço ocupado pelos Sem a PNAD como vamos trabalhar? Se estamos
candidatos. Para entender as estruturas de poder defasados em quase 20 anos em relação a alguns
há que se compreender o papel ocupado pela infor- ciados, como iremos planejar nossas ações sem in-
mação nestas estruturas. formações? O País vem mudando seu perfil
Precisamos, de alguma maneira, romper com este demográfico, epidemiológico, político, produtivo e
enquistamento da informação que tem servido, fun- educativo. Nos últimos 10 anos mudamos de cara.
damentalmente, à manutenção de privilégios e do Em que espelho estamos nos mirando? Quais dados
status quo. As políticas sociais, que deveriam ter e números usamos como referência? Estamos, em
um caráter compensatório frente ao devastador última instância vivendo uma dança de números. A
modelo económico e suas políticas de ajustes estru- cada dia que se passa aumenta a insegurança em
turais, são ineficazes porque os mecanismos bási- fazermos quaisquer afirmações sobre números... O
cos fazem com que as informações necessárias ao UN1CEF, aqui presente, tem sido muito questiona-
seu gerenctamento estejam sob controle dos inte- do quando afirma que existem 500 mil prostitutas
resses políticos paroquiais. adolescentes no Brasil, ou 4 milhões de meninos de
O que nós, do setor não-governamental, pode- rua... Como devemos nos comportar diante destas
mos propor para mudar este quadro? afirmações, se não temos parâmetros em relação a
Em primeiro lugar: que a sociedade civil possa estes números?
partilhar do controle político da informação. Esta Em resumo, nossa proposta inclui a ampliação
partilha implica lutas e conquistas. A primeira de- das fontes de dados, garantia da regularidade da
las seria a ampliação das fontes de dados hoje dis- produção de dados no País, uma seleção mínima de
poníveis. Não podemos continuar a depender, ex- indicadores essenciais a uma ação estratégica - não
clusivamente, das fontes de dados oficiais. E preci- necessitamos de grandes volumes de informações e
so utilizar a ampla malha constituída pelo setor não- sim daquelas que podem alavancar a mudança so-
governamental como fonte de produção de dados e, cial - e socialização desta ferramenta de trabalho
se estes dados não são capazes de oferecer uma vi- político.
I SIMPÓSIO NAOIONAI OÍ EDUCAÇÃO INFANTIL
Acrescentamos a esse conjunto, a criação e ma- de. Que se capacitem os gerentes dos programas e
nutenção de canais permanentes de acesso a estes políticas sociais e que esta capacitação beneficie os
dados. Que este acesso, hoje restrito ao Estado e à representantes da comunidade nos Conselhos, ins-
sociedade política, seja ampliado a toda a socieda- tâncias básicas de controle social.
SISTEMA DE INFORMAÇÕES NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SISTEMA DE INFORMAÇÕES
EM EDUCAÇÃO INFANTIL
Bernard Pirson *
Minha intervenção será breve porque a atua- rio, discute com as autoridades das instituições lo-
ção da Unesco é escassa neste campo. Na verdade, cais para que elas mesmas definam essas políticas
a Unesco desde sua criação se interessou mais pelo e sejam capazes de aplicá-las.
ensino fundamental. Com a institucionalização do E muito importante viabilizar o acesso à in-
Programa de Educação para Todos voltado aos 9 formação. E necessário democratizar e abrir cami-
países mais populosos do mundo, (Jontiem - nhos para que a informação possa ser tratada por
Tailândia 1990) a educação infantil foi inserida como qualquer pessoa ou universidade, centro de pesqui-
componente básico da educação fundamental. sa ou associações. Atualmente os caminhos de bus-
Isto porque, dentro da visão da UNESCO, é ca da informação são muito lentos. Embora haja
necessário desenvolver ações educativas junto às sistemas de informações potentes em computadores
famílias das crianças menores, despertando os pais centrais de instituições como o IBGE, por exemplo,
para suas responsabilidades referentes aos cuida- ainda é preciso procurar formas de completar essa
dos e educação infantil. informação do setor formal com o setor informal e
Nesse sentido, a atuação da UNESCO nesta possibilitar a entrada no sistema para se trabalhar
área tem-se desenvolvido em conjunto com o diretamente com os dados.
UNICEF e outros organismos do Sistema das Na- Desde o início da atividade da UNESCO/
ções Unidas, ou mesmo com fundações, visando co- Brasília com a área infantil procuramos consul-
operar com os países na definição e implementação tar outros organismos como a OEA, a própria
de políticas. UNESCO e os outros organismos que estão inte-
Como neste campo há um componente in- ressados em colaborar na conceituação da edu-
formal bastante significativo, é necessário buscar cação infantil, na identificação das estruturas
formas especiais de levantar informações, através existentes e na definição de políticas regionais e
de parceiros, que garantam retratar a situação real nacionais.
da educação infantil no país. O Escritório Regional de Educação da
O que a Unesco pode fazer é trazer a experi- UNESCO para a América Latina e Caribe -
ência de outros países que já realizaram o levanta- OREALC, no Chile, está coletando dados a respei-
mento e tratamento da informação e ajudar o Brasil to de experiências inovadoras e exitosas na América
a criar essas conceituações no setor de educação Latina e Caribe para criar um banco de dados. C
infantil. Diferentemente do que razia no passado, projeto está em sua fase inicial. O Núcleo "EL NIÑO
hoje a UNESCO não cria modelos internacionais PEQUENO Y EL AMBIENTE FAMILIAR" da
válidos para os diferentes continentes. Ao contrá- sede da UNESCO em Paris está realizando um
diretório regional na América Latina e Caribe sobre quada em função também dessas especificidades. A
organizações ativas em educação e atenção à crian- UNESCO pode colaborar no que tange às
ça (Early Childhoud Care and Education - ECCE), conceituações do que é a educação infantil, do que
em continuidade ao diretório similar já realizado na é creche, do que é atendimento e na definição do
Africa Sub-Saariana que fazer quanto à intervenção material, didática
Num País como o Brasil, o setor informal da ou de outra natureza.
educação infantil é diferente de um local para ou- Em resumo, é impossível fazer uma política
tro. Belo Horizonte e Belém, por exemplo, têm ma- tomando-se em conta apenas o lado formal. É ne-
neiras particulares de atuar nessa área. É necessá- cessário fazer uma pesquisa intensa sobre o setor
rio, portanto, fazer uma pesquisa de cada caso, e, informal, na aréa da educação infantil, e a UNESCO
consequentemente, adotar uma política de ação ade- está disposta a colaborar nessa iniciativa.
A Educação
Infantil nos
Municípios: a
Perspectiva
Educacional
PAINEL
Expositores:
Miguel Gonzales Arrqyo
Rita Cohen Bendeíson
Maria Edi Leal da Cruz
Maria Evefyna R Nascimento
Lívia Maria Fraga Vieira
Coordenação:
Miguel Gonzales Arroyo
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNÍCÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
O SIGNIFICADO
DA INFÂNCIA
Miguel Gonzalez Arroyo *
* Professor da Universidade Federal de Minas Gerais c Secretário Municipal Adjunto de Educação de Belo Horizonte
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
a mãe para o trabalho. Na mesma medida em que o meno muito sério na sociedade brasileira. Na medi-
trabalho passa a ser cada vez mais distante do am- da em que os setores populares não dão conta de
biente da família, há tentativa de prolongar o tempo produzir sua assistência, que tinha como centro o
da infância e aí a infância passa a ser uma catego- trabalho masculino, a mulher, que está em casa tra-
ria que ocupa mais tempo de nossas vidas, conse- balhando e reproduzindo, sai de casa para buscar
quentemente, ela cresce em termos de relevância trabalho. Também porque ela deseja entrar na soci-
social. edade e não só ficar em casa. Mas os setores popu-
Outro exemplo poderia ser colocado para ilus- lares nem sempre se colocam nesta questão. Nem
trar isto: o movimento social pelos direitos. Uma sempre têm condições de dizer: "eu opto pelo traba-
das coisas mais ricas em nossa sociedade é o con- lho fora porque opto pela realização". O trabalho
junto de lutas pelos direitos. O direto da mulher, feminino, seja por necessidade, seja por opção, traz
o direito do idoso, o direito do trabalhador e tam- como consequência a necessidade de tomar coleti-
bém o direito da infância. Hoje temos o Estatuto vo o cuidado e a Educação da criança pequena.
da Criança e do Adolescente. Antes, tínhamos Surge, portanto, a Infância como categoria social,
apenas o Estatuto dos Direitos do Homem - nem não mais como categoria familiar. A reprodução da
sequer da mulher. O movimento social vai cami- infância deixa de ser uma atribuição exclusiva da
nhando no sentido de definir, cada vez mais, gru- mulher, no âmbito privado da família. E a socieda-
pos sociais com seus direitos, grupos de idade de que tem que cuidar da infância. E o Estado que,
com seus direitos e a infância avançou como complementando a família, tem que cuidar da in-
"tempo de direitos". fância.
Durante muitos séculos a infância não foi sujei- Durante muito tempo a preocupação do Estado
to de direitos. Ela era simplesmente algo à margem com a criança começava a partir dos 7 anos A Cons-
da família, considerada como um vir a ser. Só era tituição Brasileira ainda fala nisto: a obrigação pú-
considerada sujeito quando chegava à idade da ra- blica começa com 7 anos, até os 14. A década de 80
zão. A Igreja, durante muito tempo, também pen- mostrou à sociedade brasileira que isto não é verda-
sou assim. Hoje, a criança, pelo seu momento soci- de. A Infância deixou de ser apenas objeto dos cui-
al, já é considerada como alguém que tem sua pró- dados matemos familiares e hoje tem que ser objeto
pria identidade, seus direitos. dos deveres públicos do Estado, da sociedade como
Eu me lembro muito de alguns direitos que a um todo. Estes fenómenos, estes fatos sociais, são
criança não tinha. O direito à vida, por exemplo. A fundamentais para que o educador tenha consciên-
mortalidade infantil era na faixa de 50 por cento. cia de seu papel enquanto educador da Infância.
Atualmente, isto pôde ser reduzido. O direito à vida, Infância que muda, que se constrói, que aparece não
à moradia, á dignidade passam à ser direitos tam- só como sujeito de direitos, mas como sujeito públi-
bém da criança. Este ponto é muito importante: a co de direitos, sujeito social de direitos. A nossa
infância cresceu como sujeito de direitos preocupação com a política de educação da Infân-
A construção da infância, historicamente, depen- cia não é por caridade, por amor, por afètividade,
de muito da construção de outros sujeitos Qual o não é só isso. É por consciência da obrigação públi-
sujeito mais próximo á construção da infância? E a ca que nós temos frente à infância, diante da Infân-
mãe, a mulher. Mulher e infância sempre estiveram cia que passou a ser sujeito de direitos públicos e,
próximos, porque a mãe na nossa cultura é a consequentemente, criou obrigações públicas por
reprodutora: não só aquela que gera, que dá a luz. parte do Estado.
Mas também a que continua gerando, produzindo, Outro ponto que parece importante colocar é
reproduzindo a infância: na saúde, na socialização a questão da consciência que hoje temos das
na moralização, nos cuidados etc. Dependendo do especificidades de cada idade. Durante muito tem-
papel da mulher na sociedade, vamos encontrar um po pensamos da seguinte forma: na formação há
papel diferente para a Infância. E este é um fenó- dois tempos na vida das pessoas - o tempo de
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNÍCÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
adulto, o tempo de trabalho, o tempo da vida pú- ESCOLA, TEMPO DE VIVÊNCIA DE DI-
blica, o tempo da política. E há um tempo anteri- REITOS
or a este, que é o da preparação para o tempo de
adulto: o tempo da Infância. Sempre falamos que Passemos para a segunda parte de nossa refle-
a Infância é o momento de educação, de prepara- xão: que educação é esta? Que concepção de edu-
ção. A Infância condensava o momento dos cui- cação temos para esta Infância que está em fase tão
dados, como se criança fosse uma sementinha acelerada de redefinição? Se colocamos um pouco
tenra de quem o educador cuidava como bom jar- de história da educação da infância, vamos ver que,
dineiro. O educador, então, era visto como um inicialmente, a Infância não é objeto de educação.
parteiro, um jardineiro, um condutor de infantes Ela é objeto apenas de cuidado. O próprio pedagogo
e a pedagogia sempre foi ligado à Infância. Pe- não era "o educador" de hoje. Era muito mais um
dagogia significa "Condutor de crianças", porque condutor, aquele que guiava, era quase um guia
é a fase da educação. O adulto não precisa de moral. Não tinha esta condição de pedagogo que
educação. O adulto ou foi educado - e aí já está hoje damos à nossa profissão mais moderna Por que?
pronto para a vida adulta - ou então, não foi edu- Porque a Infância, como existia naquela velha con-
cado, o máximo que podemos dar é uma suplên- cepção era muito mais objeto de assistência. E até
cia, para suprir o que não recebeu, suprir a ma- hoje, nos setores populares, a Infância popular é
madeira que não tomou quando pequenininho.
apenas objeto de assistência. Aí está o modelo que
Não é assim que pensamos hoje. O movimento nós temos ainda em Belo Horizonte. O modelo em
da identidade a consciência das identidades sócio- que a criança pequena fica por conta da Secretaria
culturais, avançou muito ultimamente e nos mos- Municipal de Desenvolvimento Social, como se a
trou que cada idade tem sua identidade. Cada idade Infância pobre, carente, popular, fosse apenas ob-
não está em função da outra idade. Cada idade tem. jeto de suprir carências de moradia, de carinho, de
em si mesma, a identidade própria, que exige uma médico de saúde, de alimentos etc. Esta concepção
educação própria, uma realização própria enquan- ainda está muito forte entre nós. É a concepção que
to idade e não enquanto preparo para outra idade. vem dominando durante séculos: a infância como
Isto tem revolucionado incrivelmente a concepção objeto de assistência. E, nesta concepção, a Educa-
de infância. Então vem daquela concepção que do- ção assume uma finalidade meramente supletiva:
minou, de que Infância é tempo para, passarmos a educar para evitar carência da Infância. Nós estamos
considerar a Infância como tempo em si, como superando esta concepção. Não queremos dizer que
vivência em si. Cada fase da idade tem sua identi- não vamos atender estas crianças. O Estado tem que
dade própria, suas finalidades próprias, tem que ser suprir carências sim, mas estamos indo além desta
vivida na totalidade dela mesma e não submetida a
concepção.
futuras vivências que muitas vezes não chegam. Em
Outra concepção que esteve muito forte no pro-
nome de um dia chegar a ser um grande homem, um
jeto educativo para a criança, era a de preparar as
adulto perfeito, formado, total sacrificamos a in-
crianças pobres para o trabalho. A primeira con-
fância, a adolescência, a juventude. Hoje não é esta
cepção assistencial esteve muito presente, sobretu-
a visão. A visão é que a totalidade da vivência tem
que estar em cada fase de nossa construção enquanto do, nos chamados orfanatos. A orientação mais para
seres humanos. o trabalho esteve presente nas escolas do trabalho.
Era esta a concepção de criança: alguém que tem
Estas são algumas pinceladas para entender qual que ser preparada bem cedo para o trabalho. Tan-
Infância queremos trabalhar. Em função de que In- tos e tantos adultos que perambulam pelas cidades
fância elaboramos e vamos executar uma proposta se tivessem aprendido bem cedo o valor do traba-
político-pedagógica. Gostaria que isso ficasse muito lho, hoje não estariam perambulando e sim traba-
claro, sobretudo para quem trabalha com a educa- lhando. Esta concepção ainda existe. Lembram da-
ção de crianças pequenas. quele programa do Sarney, O Bom Menino? A ideia
I SIMPÓSIO NACIONAL De EDUCAÇÃO INFANTIL
era colocar logo a criança no trabalho, porque apren- cência para a cidadania consciente. Concordo, mas
dendo a trabalhar amará o trabalho quando adulto. temos de ter cuidado de não cair na linha a que me
Não é a nossa visão. Não vamos caminhar nesta referia e que estava criticando, a infância não tendo
direção. Não queremos que a criança se atire preco- sentido em si mesma. Ela vista apenas como prepa-
cemente ao trabalho, ainda que tenhamos a concep- ro para o futuro. Preparo para o trabalho, para a
ção que o trabalho é, em princípio, educativo. vida ou para a cidadania. É mais digno preparar
Outra concepção muito frequente no projeto para a cidadania do que para o trabalho? E possí-
educativo para infância: a criança enquanto sujeito vel. Sobretudo, a cidadania consciente, que tanto
de domínio de atividades letradas. A pré-escola, o nos empolgou nos chamados conteúdos críticos para
que significa esta palavra? Significa que entre os formar o cidadão consciente. Tudo bem, nada con-
cinco/seis anos de idade a criança já tem que estar tra, mas ainda aparece, no meu entender, essa con-
pré-escolada já tem que dominar, se possível, habi- cepção propedêutica, preparatória para o futuro.
lidades de leitura, de escrita porque assim evitamos A nossa proposta é a educação, a escola enquanto
a reprovação na primeira série. Esta concepção de serviço público permitindo a vivência de todas as
submeter o mais cedo possível a criança aos cânones dimensões da pessoa no presente. Não queremos uma
da escola dominou durante várias décadas e conti- escola para um dia ser. Queremos uma escola onde
nua dominante. Não vai ser esta a nossa direção. na infância a cidadania seja uma realidade. Em nome
Não queremos escolarizar precocemente. Não que- de um dia ser, não deixamos que a criança seja no
remos que a criança não viva a infância em nome presente.
de uma pré-escolarização precoce. A ideia fundamental da nossa proposta é que a
Gostaríamos de eliminar a palavra pré-escola de escola infantil dê condições materiais, pedagógicas,
nosso dicionário. Ela não sintentiza a nossa visão culturais, sociais, humanas, alimentares, espaciais
de uma proposta político-pedagógica para a infân- para que a criança viva como sujeito de direitos, se
cia. A nova LDB não fala em pré-escola e sim em experimente ela mesma enquanto sujeito de direi-
educação infantil. Em num sentido muito certo, de tos. Permita ter todas as dimensões, ações, infor-
que a idade de zero a seis anos tem uma identidade mações, construções e vivências.
em si mesma, ela não está apenas definida pela fu- Queremos ter uma escola viva, em que se viva a
tura inserção na escola. A pré-escolarização pre- cidadania e não uma escola onde se sonhe um dia
matura, fazer tudo para que a criança tenha contro- ser cidadão. A infância já cidadã, é ser vivo, é ser
le motor para segurar o lápis, para que entre logo a cultural já, é ser social já. E enquanto ser social que
matemática, tudo isso não vai na nossa direção. já é, na medida em que ela viver com mais intensi-
Muitos profissionais da pré-escola terão que ter dade e que ela é, estará se preparando para um dia
coragem para redefinir esta visão. Ela é demasiado viver com intensidade futuras idades, futuras fases
estreita para dar conta da construção social da in- de sua vivência, de sua formação.
fância e dos avanços onde ela chegou, como me re- Portanto, ao invés de dizer: vamos preparar a
feria na primeira parte. criança para um dia ser cidadão preferimos dizer: a
Uma outra direção da educação muito frequen- criança já e cidadão. Construamos dia a dia da es-
te, sobretudo, na década de 80: a infância, somente cola como uma maneira digna de cidadãos, de su-
do futuro cidadão. Comecemos a prepará-la para jeitos de di ratos.
um dia ser cidadão. Comecemos a prepará-la na arte Consideramos a escola como espaço de vivência
da democracia, na arte do diálogo, na arte da coo- da cidadania Isto implica em algo bem diferente da
peração, na arte de um dia ter consciência de seus orientação que nós estamos dando. Implica em não
direitos. estar apenas preocupados com as habilidades e co-
Eis a linha tão presente, tão forte na década de nhecimentos que vai adquirir para um dia ser traba-
80 e agora na década de 90: a ideia de que a função lhador, ser profissional, vencer na vida, vencer no
principal da escola é preparar a infância e a adoles- vestibular, viver na cidadania. Temos concentrado
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNÍCÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
nossa atenção na reforma dos conteúdos, para tomá- e não só uma em função da que é prioritária.
los mais críticos. Reformar os conteúdos, tomá-los Há uma super alfabetização e matematização de
mais críticos é necessário, mas não é suficiente. Na nossas crianças. Nossa escola superestima o domí-
última década tudo foi orientado nessa direção de nio da linguagem escrita porque esquece outras lin-
aprender habilidades, dominar conteúdos escolares. guagens. Esquece outras dimensões. O teatro não é
Por exemplo enfàtiza-se a importância do lúdico por- válido só enquanto ajuda a decorar textos ou coisas
que ajuda para aprender a matemática. Quem disse parecidas. O teatro faz parte da história da humani-
que o lúdico tem que estar a serviço da matemáti- dade. Faz parte de nossa construção tanto quanto a
ca? Por que o lúdico não tem sentido em si mesmo? leitura para um dia ler e inserir-nos na sociedade.
Vimos algumas experiências que falavam assim: Há questões muito sérias a serem discutidas
"através das brincadeiras se aprende muito mais do quando pensamos na infância como direito de
que se planeja numa sala de aula. De acordo. Mas vivências e não apenas como preparo para a ado-
se a brincadeira não pode ser apenas um instrumen- lescência, a juventude ou a fase adulta.
to para que a aula seja mais eficiente. A brincadeira Estes são alguns dos noites que estamos sociali-
tem sentido em si, porque somos seres lúdicos, tan- zando, esperando que tudo isto seja discutido nas
to quanto seres conscientes, intelectuais, conectivos escolas, no sentido de propostas concretas. Não
etc. queremos trazer pacotes. Queremos trazer ideias
Somos seres corpóreos tanto quanto matemáti- traduzidas em práticas, para redefinir e construir
cos. Temos a linguagem corpórea tanto quanto a uma proposta político-pedagógica para a infância
linguagem escrita e ambas têm que ser aprendidas, em nossa Rede Municipal de Educação.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Berço do samba e das lindas canções que vivem escola, sem contudo se constituir em tratamento
n'alma da gente, a Cidade Maravilhosa de São Se- desigual que possa descaracterizar o compromisso
bastião do Rio de Janeiro, segunda megametrópole com a totalidade de alunos.
do país, não recebeu, ao longo dos anos, uma infra- Ao assumir a gestão da SME, a Professora Re-
estrutura compatível com a complexidade de seus gina de Assis se deparou com uma verdadeira teia
problemas, agravados pela falta de redefinição das de problemas, agravada consideravelmente pelos
políticas públicas, seja nos âmbitos federal, estadu- baixos salários, um plano de carreira que privilegia
al ou municipal. tempo de serviço, mas não o investimento do pro-
A educação municipal do Rio de Janeiro convi- fissional em seu aperfeiçoamento pedagógico, e a
ve com o fato de ser a única do Pais a contar com burocratização nos diversos níveis.
rede de 1.032 escolas, mantida exclusivamente com Pode-se dizer que a Educação Infantil esteve du-
verbas próprias, portanto sem respaldos estadual rante os últimos dez anos distante das prioridades
ou federal, que subsidiem o desafio de dar continui- das gestões passadas na SME. E não só pelas pre-
dade e aperfeiçoar esse serviço público. cárias condições em que se encontravam as escolas,
Cabe ainda ressaltar que no Rio de Janeiro as pela falta de material, pelo contínuo fechamento de
prescrições constitucionais de 1988 são seguidas à turmas destinadas às crianças menores de seis anos
risca e a Secretaria Municipal de Educação (SME) e pela inexistência de uma equipe responsável por
é rigorosamente responsável pela universalização este segmento.
no atendimento ao ensino de primeiro grau, desde a Constituída em janeiro de 1993, coube à equipe
primeira à oitava série. A SME responde ainda por de Educação Infantil a tarefe de revitalizar este seg-
uma pequena rede de Educação Infantil para crian- mento, que aos poucos vinha se desmantelando.
ças dos três aos seis anos e outra para crianças com Ampliar a rede física, através da reforma e constru-
deficiências múltiplas. ção de escolas, equipar as salas de aula com mate-
A rede pública municipal na Cidade do Rio de rial necessário ao desenvolvimento integral das cri-
Janeiro compreende escolas de tempo parcial e de anças dos três aos seis anos e atualizar os professo-
tempo integral que se organizam singularmente em res foram as estratégias prioritárias utilizadas para
termos de espaço físico, dos períodos da jornada enfrentar o desafio de fazer crescer uma rede que
escolar e das condições de trabalho. em 1993 atendia a menos de 10% da população
Reconhecer isto implica dar tratamento diferen- daquela faixa etária.
ciado e de acordo com as especificidades de cada Utilizando-se apenas de espaços ociosos e que
* Este trabalho, apresentado no I Simpósio Nacional de Educação Infantil, em Brasília, em agosto de 1994, foi elaborado com a colaboração da
equipe de Educação Infantil da SME/RJ.
** Assessora da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNÍCÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
necessitavam de pequenas obras ou reparos, equi- Brasil, adotam escolas, nelas realizando os
pando-as com recursos materiais e humanos, a SME beneficiamentos necessários.
conseguiu, ainda em 1993, abrir 2.000 novas va-
gas, passando a atender a 22.000 crianças. CONSTRUINDO PONTES
Em 1994 espera-se que ainda possam ser utili- PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL
zadas mais salas ociosas e, com convénios, como
os já realizados com o Exército e a Igreja, entre A Educação Infantil tem hoje na SME um espa-
outros, se possibilite a criação de 21.000 novas va- ço que lhe é próprio, definido pelo compromisso com
gas. Isto significa dobrar a capacidade atual da rede, o direito adquirido pelas crianças menores de seis
sem ónus da construção de novos espaços, apenas anos à educação. Esse compromisso se reflete não
com gastos para reparos e equipamentos e a despe- apenas no esforço pela expansão da oferta de va-
sa com a contratação de professores. gas, como também na política de atualização de seus
Para que 1995 e 1996 possam se configurar como profissionais. Tal política vem se concretizando atra-
os dois últimos anos de uma gestão que acreditou, vés de ações integradas e complementares,
se empenhou e garantiu às crianças cariocas meno- embasadas no que conhecemos hoje sobre como as
res de seis anos o direito à educação, é preciso, além crianças pensam, sentem, imaginam, constróem co-
de utilizar os espaços ociosos, criar novos espaços. nhecimentos e valores. É objetivo desta Secretaria
Com a captação de recursos para a construção tomar a ação escolar tanto mais capaz sob o ponto
de novas salas de aula e para a contratação de pro- de vista técnico e teórico, quanto mais eficiente e
fessores, se concretizariam as aspirações mínimas prazeroso para alunos e professores.
e necessárias, aqui expostas, de atender a 69.250 "A concepção de Educação Pública da SME
crianças até 1996, o que significa triplicar o núme- supõe o reconhecimento de modelos esgotados na
ro de crianças atendidas no ano em que chegamos à própria compreensão do papel da Escola na socie-
SME. dade democrática e da necessidade de convivência
Esta prosposta é ousada se considerarmos os com as contradições da Cidade do Rio ao final do
complicadores na educação municipal. Atender a século: lugar de cultura, progresso, beleza convi-
69.250 crianças é um passo grandioso, resultante vendo com a barbárie, a desorganização e a violên-
de um empenho igualmente grandioso, mas que cia.
corresponde ao acesso de apenas 23% desta mesma "A resposta a estas questões surge através da
população infantil à escola - direito de todas as cri- proposta MultiEducação/MultiRio que parte da
anças e dever do Estado. convicção de que a educação pública só é viável
Este pequeno grande passo, no entanto, só se tor- com o rompimento de propostas anacrónicas,
nará realidade na medida em que conseguirmos ou- paralisantes, negadoras. A Escola Pública, além de
tras fontes de financiamento, pois, atualmente, além conviver com a concepção de uma proposta
dos recursos da própria Prefeitura, contamos ape- curricular que garante a unidade na diversidade de
nas com os que são repassados pelo Fundo Nacio- situações educacionais, integra apoios indispensá-
nal para o Desenvolvimento da Educação. veis da mídia eletrônica ao trabalho pedagógico pelo
E importante que seja lembrado que, nos últi- uso da TV interativa, do vídeo, dos computadores,
mos dez anos, não têm sido repassados ao Municí- sintonizando alunos e professores com a história e
pio do Rio de Janeiro os recursos do Salário Educa- a contemporaneidade" (Assis, 1994).
ção pelo Governo do Estado. Esses recursos são da Embora a educação das crianças menores de seis
ordem de 100 milhões de dólares. anos seja uma das prioridades da atual gestão da
Na busca de soluções alternativas, a Prefeitura SME, a Educação Infantil no Município do Rio de
vem desenvolvendo o Projeto Rio Parceria. Através Janeiro, assim como em outros municípios do País,
dele, entidades da iniciativa privada, como por exem- ainda padece do dualismo e do paralelismo históri-
plo a Construtora Carvalho Hosken e a Xerox do co dos serviços públicos neste setor.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
No caso dessa cidade, nas últimas décadas, este concursadas ou contratadas para o trabalho com
dualismo tem se acirrado com a institucionalização crianças, sem a formação profissional necessária
de duas redes distintas que, apesar de se inscreve- para isso, sem muitas vezes desejar este tipo de tra-
rem no bojo das políticas municipais, concretamen- balho e, principalmente, desempenhando o papel de
te nunca haviam se articulado: a rede da SME, que professor mas ganhando como um profissional me-
conta com 252 unidades escolares, atendendo a 24 nos qualificado, as serventes e merendeiras lotadas
mil crianças dos três aos seis anos, e a rede da Se- transformaram, com justiça, as Casas da Criança
cretaria Municipal do Desenvolvimento Social em panelas de pressão social.
(SMDS), que atende a cerca de 15 mil crianças, dos A partir de um grupo de trabalho constituído da
zero aos seis anos, em 194 creches e pré-escolas equipe de Educação Infantil da SME, diretores das
comunitárias, sendo 101 destas conveniadas. escolas regulares e das Casas das Crianças e funci-
As tentativas de unificação destas duas redes em onários, concluiu-se que uma mudança necessária e
governos anteriores passaram ao largo das contra- de difícil execução se impunha: integrar as Casas
dições historicamente presentes nestas duas formas da Criança ao restante das escolas regulares de Edu-
institucionalizadas de atendimento à criança e pau- cação Infantil, respeitando suas especificidades, mas
taram-se pelo jogo de interesses político-partidári- garantindo às crianças que a frequentam o direito à
os. educação com professores e material adequado.
Na SMDS, complicadores como a Assim, estudando caso a caso, a realidade de
inespecificidade de formação de pessoal, a deterio- cada uma das Casas, seu espaço físico, situação dos
ração de suas condições de funcionamento, a funcionários que queriam e dos que não queriam
subcultura do crime organizado nas favelas, a poli- nela permanecer, a SME, a partir de setembro de
tica perversa dos convénios e a feita de uma diretriz 1993, começou a lotar professores nas Casas, que
de políticas educacionais sólida, contribuíram para hoje funcionam como as demais escolas da rede,
um atendimento onde a tônica sempre foi a do tendo como opcional o regime de horário de funcio-
assistencialismo. namento.
Também a SME nas últimas décadas contou com No que diz respeito ao atendimento paralelo das
um atendimento diferenciado às "crianças do asfal- crianças dos três aos seis anos das redes da SME e
to" e às "crianças dos nossos morros, dos conjuntos da SMDS, temos avançado também alguns pontos.
populares e das comunidades". As secretárias de Educação, Professora Regina
Exemplo disso são as Casas da Criança. Cria- de Assis, e do Desenvolvimento Social, Professora
das na década de 80, para atender crianças dos três Wanda Engel Aduan, assumiram oficialmente, em
aos seis anos, as Casas vieram concretizar o proje- abril de 1994, o compromisso de uma política arti-
to político-partidário do Estado e do Município, que culada de Educação Infantil que se concretizasse
na época privilegiava as instituições de horário in- numa parceria efetiva, contando com o respaldo da
tegral, assistência alimentar, o acompanhamento Equipe de Políticas Sociais instituída pelo Prefeito
médico e a participação ativa da comunidade. Acre- César Maia, e que congrega, além da SME e da
ditava-se, no interior da SME, que, em nome do SMDS, as secretarias de Saúde, Esporte e Lazer,
saber popular, estas Casas deveriam se manter ao Habitação e Cultura. Foi constituído também um
máximo afastadas de qualquer semelhança com a grupo inter-institucional de trabalho, que tem sub-
Escola, considerada elitista e distanciada da cultu- sidiado o poder público para a implementação de
ra do povo. As Casas da Criança, durante mais de políticas articuladas de Educação Infantil.
uma década, a despeito do abandono do restante da Considerando as diferenças históricas e estrutu-
rede, receberam todo o investimento e apoio do ní- rais dos dois tipos de atendimento às crianças me-
vel central da SME. Assim, 100 crianças eram em nores de seis anos do Município, a impossibilidade
média atendidas em cada Casa em horário integral, da pronta incorporação das creches pela SME e as
por serventes e merendeiras. Sem terem sido dificuldades estruturais de cada Secretaria em seus
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNÍCÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
equipamentos específicos, algumas estratégias vêm to entre a SME e a SMDS, de uma política de
sendo trabalhadas a curto e médio prazos: capacitação e formação dos profissionais de Cre-
1. Absorção progressiva das crianças de três a che e Educação Infantil.
seis anos oriundas das creches e pré-escolas da 7. Estabelecimento de parcerias institucionais
SMDS para a rede da SME, segundo planejamento com Universidades e ONGs, visando a
conjunto. reestruturação curricular dos cursos de formação
2 Realização de concurso público para profes- de professores.
sores, visando suprir o déficit destes no quadro mu- Assim, entendemos que o compromisso político
nicipal, garantindo um percentual para a sua lota- firmado pelas duas Secretarias, bem mais do que
ção em classes de Educação Infantil. materializar o interesse do poder público na
3. Implantação de classes de Educação Infantil implementação de políticas articuladas de Educa-
no espaço físico dos Centros de Assistência Social ção Infantil, projeta e ousa a construção de uma
repassados pela LBA à SMDS. nova Escola de Educação Infantil, como um espaço
4. Otimização da oferta de vagas para o atendi- privilegiado para a construção do conhecimento e
mento às crianças dos três aos seis anos da SMDS surgimento de práticas sociais renovadas
no calendário escolar de 1995 da SME.
5. Garantia dos critérios de expansão da rede de BIBLIOGRAFIA:
Educação Infantil, considerando a demanda local
das crianças dos zero aos seis anos e a insuficiência Assis. Regina. "Paradoxos e Horizontes da Educa-
de atendimento. ção Pública de 1o Grau no Rio". Rio de Janei-
6. Estabelecimento de um planejamento conjun- ro, 1994, mimeo.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
segundo maior município em termos de famílias si- gógica e aprender que a inteligência da criança não
tuadas abaixo da linha de indigência0*. está "pronta e acabada", mas é constituída à medi-
da que se processa a aprendizagem.
ABRANGÊNCIA DO PROJETO Na tentativa de aperfeiçoar ainda mais a Edu-
cação Infantil e dada a extinção da classe de alfabe-
No campo da Educação Infantil, o Município tização, adotou-se a seguinte nomenclatura: 02 a
de Quixadá vem traçando novos rumos, buscando 04 anos - Creche; 05 a 06 anos Pré-Escola. O aten-
superar o quadro negro de analfabetismo, principal dimento às cnanças se faz por faixa etária onde cada
ameaçador dos princípios democráticos de uma so- uma desenvolve atividades para as quais está apta.
ciedade. Temos um bom número de crianças matriculadas:
A criança é prioridade do município que atual- CRECHE - 1.160; PRÉ-ESCOLA- 1.668, perfa-
mente está assegurando vagas nas creches e pré- zendo assim um total de 2.828 crianças atendidas.
escolas para faixa etária de 02 à 06 anos. A meta Um grande marco da Administração quixadaense
desejada é universalizar a educação infantil, etapa foi a criação dos CEICs (Centro de Educação In-
fundamental para aprimorar as habilidades e atitu- fantil Comunitária). Aqui a comunidade participa
des experimentadas pela criança. diretamente do gerenciamento através de sua Asso-
Dentro do processo de reformulação e constru- ciação de Moradores, definindo o calendário esco-
ção de uma nova proposta de escola, extinguimos a lar, funcionamento administrativo, na discussão e
classe de alfabetização, visto que a mesma vinha definição da educação que eles querem para aque-
funcionando como uma barreira que impedia a cri- las crianças, bem como no gerenciamento dos re-
ança de ingressar no ensino fundamental. A criança cursos financeiros. O Município conta com 13
era, então, tratada como improdutiva antes mesmo CEICs, sendo 07 na Zona Urbana e 06 na Zona
de mostrar sua capacidade de aquisição de conheci- Rural.
mento da leitura e da escrita. Agora, a criança é No CEIC, onde o trabalho tem caráter comuni-
preparada para entrar no ensino fundamental atra- tário, buscamos a formação de sujeitos criativos e
vés de atividades que fazem parte da proposta pe- autónomos. De outro lado, crescem também os edu-
dagógica que tem como centro de interesse desen- cadores, a comunidade e o movimento popular co-
volver a linguagem oral, o aspecto psico-motor e o munitário. Isso para o Município significa, na rea-
aspecto cognitivo através de experimento e obser- lidade, um encontro entre o saber popular e saber
vações feitas na natureza, no meio ambiente e no escolar.
estudo da própria realidade das crianças através dos Por fim, acreditamos na educação como mola
passeios ou excursões que levam-nas à leitura no propulsora do desenvolvimento social e económico
mundo em que vivem. do nosso país. O Município de Quixadá ensaia com
Unificamos as ações da Secretaria do Trabalho isto, passos importantes na construção de novos
e Ação Social e Secretaria da Educação do Municí- valores e práticas que apontam o homem como su-
pio junto á Educação Infantil, criando a Gerência jeito da história. Fortalecer esta proposta educaci-
da Educaçãoo Infantil, equipe de profissionais da onal em curso, é o grande desafio colocado hoje, de
área de Pedagogia, Nutrição e Psicoogia. forma que a comunidade participe e assuma a sua
Para garantir o direito de aprender a todas as defesa consciente a fim de que os novos rumos que
crianças, o Município preocupa-se bastante com a democraticamente traçamos e implementamos não
formação do professor e vem promovendo cursos estejam ameaçados pela exiguidade das gestões ad-
de capacitação, planejamentos bimestrais e visitas ministrativas. Nessa caminhada somamos dia a dia
de supervisão "in loco" acreditando que dessa for- mais aliados em defesa das crianças de hoje, cida-
ma o professor é capaz de rever sua prática peda- dãos de um NOVO TEMPO do amanhã.
1
Evolução do Peifil Sódo-Eoonômico do Município de Quixadá, Fundação IPLANCE, 1993
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
de vagas em 44,4% em relação ao ano de 1992. No Ainda temos muitos desafios pela frente, tais
inicio de 93 eram atendidas 1680 crianças em cre- como. a) Elaboração da proposta curricular da Edu-
che, hoje atingimos a meta de 2.828 crianças, com cação Infantil; b) Universalização da Educação In-
o crescimento de 59,40%. fantil; c) Transformação de todas as creches em
A falta de regularidade de recursos financeiros CEICs; d) Criação de uma brinquedoteca; e) Im-
oriundos de convénios e a ausência de um transpor- plantação de um programa de rádio informativo
te exclusivo para o GEI têm dificultado o desempe- voltado para Educação Infantil abordando temas re-
nho de nossos trabalhos. lacionados à formação da criança.
I SIMPÓSIO NACIONAL De EDUCAÇÃO INFANTIL
CAMPINAS E A
EDUCAÇÃO INFANTIL*
Maria Evelyna Pompeu do Nascimento**
* Versão prcmilinar deste documento foi apresentada no Encontro Técnico sobre Politica de Formação de Profissionais em Educação Infantil,
promovido pelo MEC em Belo Horizonte, abril de 1994. A ela foram feitas as adequações necessárias para atender à pauta proposta para o I
Simpósio de Educação Infantil.
** Docente da Faculdade de Educação da UNICAMP e diretora do Departamento de Pesquisa e Planejamento da Secretaria Municipal de Educação
de Campinas, São Paulo.
1
MEC, SECRETARIA DE ENSINO FUNDAMENTAL. Política de Educação Infantil - Proposta. 1993.
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNICÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
às suas novas finalidades educacionais, como por escola. Ou seja, 30,2% do atendimento municipal
exemplo, a necessária atenção à especificidade da (54.944 matriculados em toda a rede em abril último)
faixa etária de zero a quatro anos. A estrutura her- é destinado às crianças de 3 meses a 6 anos de ida-
dada tende a dar à creche um caráter de de^. Assim, a Secretaria Municipal de Educação
escolarização semelhante àquele presente no ensino de Campinas responde hoje por mais de 1/4 das
fundamental. Este é um problema que a atual admi- vagas de ensino fundamental, cerca de 70% do aten-
nistração tem procurado responder com urgência. dimento de educação infantil do Município(3) e 100%
Por outro lado, não tendo sido criada uma fonte do atendimento público desta faixa etária já que, no
específica de recursos orçamentários para a creche, início do ano, foi extinta a oferta de pré-escola esta-
no momento ela concorre com os demais níveis no dual.
tocante aos 25%. Enquanto não se estabelece uma O Município de Campinas mantém 95 unidades
nova fonte de recursos orçamentários (como por de pré-escola responsáveis pelo atendimento de
exemplo a proposta de criação do salário creche, 13.974 crianças de 4 a 6 anos, e 54 unidades de
presente no Projeto Otávio Elísio em relação à LDB), Centro Infantil atendendo a cerca de 7.200 crianças
o Município tem como alternativa o financiamento de 0 a 6 anos em período integral. Até abril de 94, a
parcial desta atividade mediante convénios com em- Secretaria expandiu o atendimento em 3.000 vagas,
presas privadas. Saliente-se ainda que há uma lacu- cerca de 17% em relação ao ano de 1992. Apesar
na na legislação no que diz respeito a uma possível disso, ainda existe aproximadamente 5.400 cri-
parceria financeira das áreas de saúde e assistência anças na fila de espera aguardando vagas em cre-
social, ambas co-responsáveis pela manutenção da ches e pré-escolas, sendo que 49% desta demanda
educação infantil. refere-se à faixa etária de zero a 4 anos.
Atualmente cada criança matriculada nos Cen-
III. A abrangência da Educação Infantil em tros de Educação Infantil tem um custo aproxima-
Campinas do de US$ 70, enquanto, que na pré-escola, o custo
Segundo o Censo Demográfico de 1991, Cam- de período integral é de US$ 50 e de US$ 28 em
pinas contava com 108.600 crianças com idade de meio período.
0 a 6 anos, Levando-se em conta a cobertura ape-
nas depré-escola (rede pública e particular), 28,5% IV. O quadro profissional e de apoio
das crianças entre 5 e 6 anos dispunham desse tipo O quadro profissional e de apoio em 1993 era
de atendimento. composto por, além de coordenadores pedagógicos;
De fato, em 1991 a rede municipal atendeu 8 supervisores e 46 orientadores pedagógicos:
16.152 crianças entre 0 a 6 anos, ao passo que atu- 780 professores, ou seja, 36,82% da categoria e
almente 21.097 estão matriculadas em creches e pré- 16,2% do conjunto dos profissionais que atuam na
escolas municipais; isto significa um crescimento Secretaria de Educação. (Isto significa que o núme-
de 30.6% em relação a 1991. Além disso, se consi- ro de professores que se dedicam à educação infan-
derarmos apenas o período de 1992 a 1994, o Mu- til triplicou em relação à 1988 e é 36,0% maior do
nicípio apresentou uma taxa média anual de que 1991);
crescimento das matriculas de 7,3%, no que diz res- 857 monitores, ou seja, 42% de todo o pessoal
peito às creches e de 14,4% em relação à pré-esco- de apoio alocado em unidades educacionais;
la. Vale lembrar que, no período de 1988 a 1994, o 44 administradores de creche. Esta categoria é
crescimento médio foi de 7,2% para a creche e 4,5% oriunda do antigo modelo afeto à Secretaria de Pro-
para a pré-escola. Em abril de 1994, dos matricula- moção Social e que não foi extinta com a vinda para
dos na rede municipal, 13,1% são crianças atendi- a Educação;
das por creches enquanto que 25,8% estão na pré- 162 cozinheiras, 62 ajudantes de cozinha e 312
2 Fonte: Departamento de Pesquisa e Planejamento. Secretaria Municipal de Educação de Campinas, abril de 1994.
' Secretaria Municipal de Educação de Campinas, A Educação em Campinas: equidade com qualidade. Campinas, abril de 1994.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
4
POMPEU DO NASCIMENTO, M E.. Diagnóstico preliminar da situação da educação infantil no Município de Campinas. Campinas, Secretaria
Municipal de Educação. Abril de 1993.
A EDUCAÇÃO INFANTIL NOS MUNICÍPIOS: A PERSPECTIVA EDUCACIONAL
ria Social das Secretarias de Ação Regional. para o setor segundo a sensibilidade local para a
(11a) Qualificação em serviço: sugere-se, medi- questão. Assim, na elaboração das leis orgânicas
ante parcerias com as Universidades e órgãos go- em municípios onde o atendimento no setor já era
vernamentais, capacitar, em especial, o Monitor. uma realidade antes da Constituição, houve o cui-
Durante o ano de 1993, foram capacitados 65% dado de assentar parâmetros para uma política lo-
dos monitores, e, 80 dos 780 professores participa- cal para o setor. O mesmo não ocorreu em outras
ram de grupos de estudos. Em 1994, estão envolvi- leis orgânicas em que embora o direito seja reco-
dos nesses grupos 210 professores e pretende-se pro- nhecido, poucos indícios apresentam de como ele
mover a formação em serviço de todos os será viabilizado pelo poder público municipal.
monitores(5). Uma das consequências de longo prazo da
(12a) Atuação integrada das Secretarias de Edu- inexistência dessa política nacional poderá ser a re-
cação, Saúde, Cultura e Promoção Social princi- produção das discrepâncias de qualidade e atendi-
palmente no que diz respeito à expansão do atendi- mento que ocorrem no País em relação aos outros
mento de creches. Como ação concreta em relação níveis de ensino. É bastante provável que, dentro de
a esta meta, além da ação integrada no que diz res- alguns anos, tenhamos municípios que já
peito às crianças desnutridas, pode-se atar o proje- universalizaram o atendimento da demanda por edu-
to "Creche Comunitária", que objetiva a participa- cação infantil enquanto outros sequer terão
ção da comunidade na operacionalização da creche condições de implantar programas assistenciais
através do apoio técnico-pedagógico da Secretaria É ainda provável que os municípios acabem por
de Educação. O projeto inclui duas frentes de atua- privilegiar a implantação ou o aprimoramento da
ção: a Prefeitura doa o terreno, a iniciativa privada pré-escola em detrimento da creche, na medida em
constrói a creche, ou a comunidade que já tem uma que não há uma fonte de recursos específicos para a
creche em funcionando precariamente no bairro e implantação de um serviço (a creche) que, por suas
a iniciativa privada amplia ou reforma a creche. Seja características tem um custo bastante elevado.
qual for o tipo de parceria as creches comunitárias Haverá ainda o perigo de que muitos municípios,
serão atendidas pelo Programa de alimentação(6). apesar de terem manifestado vontade política em
(13a) Definição de competências de cada Secre- relação à necessidade de uma política duradoura
taria. para o setor, percam o fôlego para implantá-la. Neste
(14a) Definição de currículo articulado com o caso a creche será a mais prejudicada pelos moti-
ensino fundamental. vos já apontados. Na verdade, municípios que ou-
Finalmente, antes de encerrar minha exposição, saram assentar em suas leis orgânicas o caráter
creio ser necessário chamar a atenção para alguns educativo da creche encontram-se hoje no dilema
perigos para a educação infantil decorrentes da de- de fazer de conta que o serviço é mais do que
mora da aprovação da nova LDB. O primeiro é a assistencial ou de destinarem recursos do ensino
possibilidade de novamente se retardar a elabora- fundamental e das pré-escolas para as creches. Em
ção de uma politica de educação nacional para o uma frase, para assegurar um direito constitucional
setor. Isto agrava-se na medida em que a esfera pú- - a creche - acabam por agir inconstitucionalmente
blica responsável pela implementação dessa políti- desviando recursos de um setor para outro.
ca, ou seja os municípios, já elaboraram suas leis Assim, formulo votos para que o presente
orgânicas. Sem parâmetros claros, a não ser o de Simpósio propicie condições para o enfrentamento
que são responsáveis pela oferta de educação infan- das questões apontadas e mais uma vez agradeço a
til, cada município acabou por elaborar diretrizes rara oportunidade de discuti-las.
' ()s dados apresentados neste item foram fornecidos pelo Departamento Pedagógico da Secretaria Municipal de Educação - Campinas.
6
Secretaria Municipal de Educação. Prefeitura Municipal de Campinas. A Educação em Campinas: equidade com qualidade. Campinas, abril de
1994. Pág 2
I SIMPÓSIO NACIONAL EM EDUCAÇÃO INFANTIL
e pelos objetivos mais evidentes dos serviços aí de- oriundas de famílias de classes populares, que
senvolvidos. auferem até quatro salários mínimos mensais. Como
A rede converuada, constituída por 146 creches a maioria das crianças concentra-se, nessa rede, na
e centros infantis comunitários ou filantrópicos, vin- faixa de idade de quatro a seis anos, pode-se consi-
cula-se à Secretaria Municipal de Desenvolvimento derar que as creches conveniadas têm se constituí-
Social. Nela, os educadores infantis não possuem do numa rede paralela de ensino pré-escolar, funci-
formação específica para a função - 34% não com- onando precariamente para clientela mais
pletaram o 1 ° grau e mais de 30% não têm o 2 o grau pauperizada.
completo. 50% trabalham sem carteira assinada. Nas pré-escolas, se consideramos as redes mu-
Embora essas creches recebam 18.000 crianças de nicipal, estadual e particular, o atendimento em nú-
zero a 14 anos, em tempo integral e parcial, mais de meros é mais significativo. Em 1993,30% do total
50% estão na faixa etária de quatro a seis anos. Em de 162.515 crianças de quatro a seis anos frequen-
geral, essas crianças são atendidas em espaços or- taram essas 3 redes. Entretanto, a participação do
ganizados de forma precária e não têm, no seu coti- município é ainda muito pequena. Ele garantiu ape-
diano, acesso a brinquedos e a programações de nas 14% das vagas oferecidas pela rede pública
cunho educativo. Na creche os objetivos mais evi- (municipal e estadual) e particular em Belo Hori-
dentes são assistenciais. zonte.
A rede pública de pré-escolas, vinculada à Se- Este rápido panorama mostra que, além de ex-
cretaria Municipal de Educação, é constituída por pandir vagas na pré-escola e melhorar a qualidade
dez jardins de infância, 148 classes infantis ane- da educação da criança pequena, é preciso que o
xas às escolas municipais de 1o grau e 61 classes município contemple em seus objetivos a articula-
funcionando em creches, organizadas pelo pro- ção política e pedagógica dessas 2 redes - creches
grama "Adote uma Creche" com professores da conveniadas e pré-escolas públicas - construindo
rede municipal. Nessa rede são escolhidas ape- coletivamente um projeto de educação para a crian-
nas 8.337 crianças. Elas são atendidas em tempo ça desde os primeiros meses de vida até a idade es-
parcial e se concentram na faixa etária de seis colar. Isto significa afirmar a creche como espaço
anos. Os professores do quadro da Educação de- de educação, buscando romper com um atendimen-
senvolvem atividades de cunho educacional e pre- to que discrimina e apena setores mais pobres da
param as crianças para a alfabetização. Aí as população.
crianças têm maiores possibilidades de acesso a
recursos pedagógicos - livros, materiais e jogos - OBJETIVOS DA POLÍTICA
em espaços mais adequadamente organizados. Na MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
pré-escola sobressaem os objetivos educacionais.
Levando-se em conta a realidade do atendimen-
A Prefeitura de Belo Horizonte, através da Se- to à criança pequena em creches e pré-escolas no
cretaria Municipal de Desenvolvimento Social, município, uma Política de Educação Infantil em
mantém atualmente convénios com 61% das cre- Belo Horizonte deve ser pensada em duas direções:
ches não-governamentais existentes no município, investimentos em quantidade e em qualidade. Nesta
repassando recursos financeiros que cobrem 84,2% perspectiva, a Secretaria Municipal de Educação
da clientela de zero a seis anos, acolhida nessas cre- definiu como prioridade alcançar os seguintes obje-
ches. O valor do per-capita, repassado mensalmen- tivos:
te para as atuais 13.250 crianças, é de 18.87 dóla- ampliar o atendimento da criança de seis anos
res e cobre despesas com pagamento de pessoal e em pré-escolas municipais;
alimentação. contribuir para a melhoria da qualidade dos ser-
O atendimento nessas creches não chega a atin- viços prestados às crianças e famílias em creches e
gir 5% das 304.000 crianças de zero a seis anos, pré-escolas, tanto públicas como conveniadas.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
PAINEL
Expositores:
Zilma Moraes Ramos Oliveira
Solange Leite Ribeiro
Olgair Gomes Garcia
Coordenação:
Euclides Redin
PROPOSTA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
A CONSTRUÇÃO DO CURRÍCULO
PELO PROFESSOR DA PRÉ-ESCOLA:
ESTRATÉGIAS PARA PROGRAMAS
DE FORMAÇÃO CONTINUADA
Zilma de Moraes de Oliveira *
A ênfase na melhoria do trabalho realizado na elaborar uma única orientação do trabalho pedagó-
pré-escola tem tido como um de seus correlatos a gico. Com isto uma séria experiência de formação
discussão de como se pode criar condições para que em serviço foi propiciada.
os professores se apropriem de uma concepção di- Tive a oportunidade de participar de experiên-
nâmica de currículo, aprimorando sua prática pe- cia semelhante no Departamento de Educação, Es-
dagógica. De fato, a formação continuada dos pro- porte e Cultura da Prefeitura Municipal de Diadema.
fessores em exercício não é apenas uma necessida- Neste, a partir de um trabalho inicial que envolveu
de decorrente de um aprendizado precário ou todos os educadores das creches municipais diretas
desatualizado dos fundamentos teórico- (na época, aproximadamente 50 pessoas com dife-
metodológicos historicamente construídos na área rentes níveis de experiência profissional e de esco-
da Educação Infantil. Tal formação é um direito do laridade) no estudo de elementos teóricos básicos
professor, devendo estar ligada a um plano de car- acerca do desenvolvimento infantil, supervisionei a
reira e de jornada do trabalho docente. elaboração pelos diretores, que iam discutindo suas
Pude acompanhar de perto certas iniciativas propostas com os educadores de suas creches, de
ocorridas na Grande São Paulo. Supervisionei as um documento em que eles iam delineando os pon-
equipes de técnicos e representantes dos professo- tos básicos de trabalho naquelas instituições. No-
res da Secretaria Municipal de Educação de São vamente, a estratégia de acompanhar o registro de
Bernardo do Campo na elaboração de um documento uma experiência coleti va de trabalho atuando como
básico orientador de uma proposta integrada de tra- um crítico-cúmplice dos educadores na explicitação
balho em creches e pré-escolas.(1) Pontos básicos daquilo que acreditavam poder ser a diretriz
deste trabalho foram: a ampla participação de to- orientadora de seu fazer cotidiano, possibilitou-lhes
dos os que atuavam na rede municipal de educação, (e a mim também) um grande crescimento profissi-
a preocupação em sistematizar o conhecimento das onal, capacitando ainda os diretores para coorde-
práticas pedagógicas mais condizentes e que já es- nar pedagogicamente o trabalho realizado. Apesar
tavam sendo cotidianamente testadas e aperfeiçoa- desta segunda experiência não ter podido na época
das, particularmente nas pré-escolas, e no fato (in- superar as históricas barreiras que têm separado o
felizmente ainda raro) de que as duas equipes - a de trabalho nas creches daquele realizado nas pré-es-
creche e a de pré-escola - buscaram se articular para colas, ela contribuiu para socializar com os educa-
* Professora doutora da FFCI. de Ribeirão Preto - USP e coordenadora do GT - Educação de crianças de zero a seis anos da ANPEd. 1992-1994.
1
São Bernardo do Campo. Secretaria Municipal de Educação. A Educação Infantil em São Bernardo do Campo. 1992.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
dores de creche, de uma forma que acredito autóno- prio projeto pedagógico, incorporando a ele as pró-
ma, os fundamentos teóricos da área de educação prias vivências e constatações feitas com os alunos
infantil, dos quais eles se encontram apartados. e suas famílias. Tal proposta seria debatida no pro-
Neste Seminário, a apresentação da experiência cesso de formação continuada dos professores que
do Estado da Bahia, em que um projeto concebido a integrariam o projeto e que deve ocorrer via cursos
nível central foi divulgado para os professores das de aperfeiçoamento, oficinas instrumentais, grupos
escolas dos diversos municípios, e a da rede muni- de supervisão onde se discute registros da prática,
cipal de ensino da cidade de São Paulo, em que foi seminários periódicos e atividades de capacitação à
privilegiado um debate desde o início descentrali- distância envolvendo vídeos e publicações periódi-
zado com grupos de professores, os grupos de for- cas.
mação, que se reuniam periodicamente para repen- Acredito que se deve garantir a socialização de
sar a própria prática fazendo uma reorganização informações e conhecimentos, para o professor não
curricular, sintetizou duas posições instigantes. Por ser expropriado de um saber coletivamente elabo-
um lado pesa a preocupação com a precária base rado, trabalhando o comprometimento que ele tem
teórico-profissional dos professores e a necessida- com certas diretrizes políticas e técnicas, além das
de destes se apropriarem de um modelo como ponto condições materiais e técnicas para tal formação.
para alcançar a autonomia e, por outro, a ênfase é A formação continuada deve fazer uma articu-
dada no conhecer e partir de onde o professor, de lação entre teoria e prática que amplie as possibili-
uma rede de ensino já muito trabalhada anterior- dades de trabalho docente junto aos alunos. Deve
mente no sentido de um aprendizado de modelos. levantar pontos de reflexão - confronto de diver-
está e auxiliá-lo a tomar decisões e assumir todo o gentes pontos de vista, partilha de dúvidas mas tam-
projeto de autoria. bém de projetos - discutindo as representações dos
As estratégias voltadas para a discussão, professores como importantes elementos mediado-
reformulação e apropriação de diretrizes curriculares res de sua atuação e a forma como os mesmos se
devem ser diversificadas, sem , todavia, ser objeto apropriam das teorias, superando práticas irrefleti-
apenas de programas emergenciais, fragmentados e das e fragmentadas O importante é garantir que
divorciados de avaliações críticas. uma visão de desenvolvimento infantil fundamen-
Recentemente, contribui para a elaboração de tada em pesquisas se articule com a ação pedagógi-
uma proposta curricular para pré-escolas, junto com ca, e que as condições de trabalho do educador - o
as Professoras Elba Sá Barreto, Monique Dehenzelin arranjo espacial e o material que dispõe para traba-
e Regina de Assis, dentro do Projeto Inovações do lhar, a existência ou não de momentos de planeja-
Ensino Básico - Programa de Expansão e Melhona mento, e seus salários, dentre outras - sejam cons-
da Educação Pré-escolar da Região Metropolitana tantemente reavaliadas.
de São Paulo, da Secretaria de Educação do Estado Tem-se assim as condições para um criativo de-
de São Paulo. Consideramos que apresentar uma sempenho docente e para que cada professor e equi-
proposta serviria como ponto de partida para que pe de professores com o diretor e outros técnicos na
os professores de cada escola, com diferentes níveis interação com a comunidade de pais construa seu
de formação e experiência, elaborassem seu pró- projeto de trabalho pedagógico.
PROPOSTA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Na intenção de atender a uma das diretrizes bá- ca, o professor cuidará também da higiene mental -
sicas da Secretaria da Educação e Cultura, qual seja sua e dos alunos - na medida em que todos estarão
a de garantir a melhoria da qualidade de ensino, a em um ambiente efervescente de criação e
Gerência de Educação Infantil, do Departamento de descoberta; e finalmente os professores e as crian-
Ensino, iniciou no primeiro ano da atual gestão ad- ças poderão demonstrar e exercer os seus afetos em
ministrativa (1991/1994) um trabalho de situações de trabalho cooperativo.
capacitação em sen/iço dos profissionais da Educa- Em outras palavras, temos na educação in-
ção Infantil, tendo como suporte básico o Progra- fantil a oportunidade de juntar a fome com a von-
ma Professor da Pré-Escola, do MEC. tade de comer, satisfazendo a necessidade e o de-
O contato direto com grande número de profes- sejo.'™
sores da pré-escola, a análise dos seus planos de Foi a constatação do compasso entre a prática
aula e a observação de sua prática, possibilitaram pedagógica das classes de pré-escola e o que atual-
um diagnóstico da situação técnico-administrativa mente é exigido, teoricamente, para este segmento,
da Pré-Escola da Rede Estadual. As atividades pro- fruto dos avanços conceituais da psicologia infantil
postas às crianças, geralmente objetivavam "pre- e da epistemologia, que determinou a necessidade
parar para a vida", para o desenvolvimento integral urgente de revisão da prática pedagógica.
da pessoa, para o ingresso no Io grau. Ou seja, re- E preciso que os conceitos (de homem, de pro-
velava uma intencionalidade preparatória. cesso ensino/aprendizagem, de escola etc) que sus-
Além desta função preparatória, observa-se o tentam a prática docente, sejam reconhecidos e re-
caráter assistencialista existente: "assistir" às ne- fletidos pelos próprios professores. Para tanto op-
cessidades básicas das crianças - como alimenta- tou-se, como estratégia, pelo estudo e pela reflexão
ção e higiene - suprir suas carências afètivas, emo- da prática.
cionais e cognitivas. A Proposta Curricular da Educação Infantil da
Mas, "... acreditamos que os cuidados com as Secretaria da Educação e Cultura foi então elabo-
crianças ganham outras amplitudes e sentidos quan- rada durante o ano de 1992, pela professora Monique
do a escola de educação infantil revela sua função, Deheinzelim, com ampla participação de técnicos
que é a transformação cultural dos objetos de co- da Gerência de Educação Infantil (GEI), do Depar-
nhecimento. Sem deixar de alimentá-las com comi- tamento de Ensino (DEE) e de representantes dos
da, os professores podem também alimentá-las com professores das classes de pré-escola do Estado.
informações. Sem deixar de cuidar da higiene físi- Tal documento atende à necessidade de
palmente em virtude de algumas escolhas que fo- -A difusão de informações aos pais e comunida-
ram feitas, a saber: de em geral, através do veículo de comunicação de
-A elaboração de uma Proposta Curricular nos maior penetração - o rádio - a fim de mobilizar os
primeiros anos de gestão administrativa; cidadãos a exercerem o seu direito à educação pú-
-Uma Proposta Curricular que vai muito além blica de boa qualidade, desde a mais tenra idade,
de um elenco de sugestões de atividades. Trata-se como garante a Constituição.
de um documento que permite a democratização do Sabemos que a descontinuidade administrativa
conhecimento com o professor, o que restabelece é um dos maiores males dos setor público, mas es-
parte da dignidade e auto-estima; peramos que tenhamos conseguido tocar na alma
-Uma parceria com instituições como o UNICEF, das pessoas, pois só assim não teremos mais retro-
universidades e prefeituras, sem a qual seria impos- cessos.
sível a interiorização das ações, num Estado tão vas- E como disse a professora Marize Aparecida Co-
to territonalmente; elho Alves, de Vitória da Conquista:
-A escolha dos docentes entre profissionais das "Nesse momento, vivemos uma nova história.
universidades e instituições de educação da própria Professores trabalham laboriosamente numa busca
região, o que a médio prazo permitirá uma altera- interminável de descobertas e trocas. Tudo está em
ção nos cursos de formação de educadores dessas constante mudança. Estamos descobrindo o valor
instituições, num contínuo processo de pesquisa e que cada um tem: o aluno, o professor, a escola, a
extensão; nossa língua.
-O envolvimento, no Programa de Qualificação, "Agora estamos nos questionando e, muitas ve-
de técnicos da DIREC e diretores de UE, responsá- zes, nos condenamos.
veis por uma série de decisões administrativas e "Mas estamos descobrindo novas saídas.
pedagógicas importantíssimas para a qualidade da Estamos percebendo que a pré-escola é o espaço de
Educação Infantil; construção, de crescimento e de trocas."
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
O trabalho, objeto desta exposição, foi de- na sua história de abandono e omissão, no seus
senvolvido pela Secretaria Municipal de Educação desejos e necessidades, no seu projeto esquecido ou
de São Paulo na gestão 89/92 junto a educandos sufocado. Por isso, a mudança precisava ser gerada
(crianças de 4 a 6 anos) e educadores (professores, de dentro de cada escola e não a partir de um mode-
coordenadores pedagógicos, diretores, pais de alu- lo único e igual para todas, imposto de fora pela
nos) das 324 EMEIs (Escolas Municipais de Edu- Administração.
cação Infantil), 91 PLAMEDIs (classes de atendi- Das quatro metas prioritárias, enfocaremos,
mento a crianças de 6 anos em escolas de 1 ° grau) e nesta exposição, a qualidade de ensino. No que diz
278 Classes Comunitárias1 e está registrado no respeito a esta meta, que incluía a valorização do
Documento de SME (Secretaria Municipal de Edu- educador (salário e carreira), o trabalho se desen-
cação) "Reorientação Curricular das Escolas Mu- volveu através de duas frentes intimamente relacio-
nicipais de Educação Infantil 1989-1992". nadas: a formação permanente do educador e o
Para contextualizar esta experiência, o mar- movimento de reorientação curricular.
co de referência é o ano de 1989, quando o Profes- Concebendo a educação como prática social
sor Paulo Freire estava à frente da SME. Na defini- humanística, científica, crítica e libertadora, no caso
ção da politica educacional, quatro metas foram fi- do atendimento à educação da criança de 4 a 6 anos
xadas como prioritárias - a democratização do en- procuramos, desde o início, mostrar aos educado-
sino, o atendimento à demanda, a qualidade do en- res a nossa intenção de, junto com eles, no proces-
sino e a educação de jovens e adultos trabalhado- so, construirmos uma proposta curricular para a
res. No esforço para concretizá-las é que fomos tam- educação infantil, cujo princípio básico seria a par-
bém buscando "mudar a cara da escola". ticipação.
Desde o inicio tínhamos muito claro que o Assim, através de um projeto de formação
desejo de uma escola pública de qualidade era tam- do educador e do movimento de reorientação
bém anseio dos que a frequentavam cotidianamente curricular, iniciamos o trabalho de construção cole-
e dos que nela sonhavam poder ver os filhos. Tí- tiva, invertendo um processo convencional de
nhamos também clareza de que, para "mudar a cara elaboração de propostas na SME e considerando
da escola" que ali estava, era necessário olhá-la na na produção da proposta o que se azia e se refazia
sua singularidade, nas suas limitações e carências, na própria rede de ensino de educação infantil a
* Coordenadora do Divisão de Educação Infantil da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, na gestão da Prefeita Luiza Erundma.
1
Os dados aqui mencionados são de 1992.
PROPOSTA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
1
Subdivisões regionais da SME.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
bém uma síntese escrita do que acontecia no grupo. semos elaborar um conjunto de conteúdos
Não foi fácil conseguir exercitar as tarefas nos gru- programáticos, acompanhados de uma seleção de
pos uma vez que, na maioria das vezes, os registros ati vidades e outras orientações que implicassem um
escritos não eram trazidos por todos. No entanto, conjunto de ações estruturadas. Parecia impossível,
insistíamos porque percebíamos que, por trás do não aos educadores da rede municipal, a construção de
fazer a tarefa, estava o medo de se expor; por isso, uma proposta curricular com a participação dos
se o relato não vinha por escrito, procurávamos educadores. Mas essa dúvida e o descrédito foram
resgatá-lo através da oralidade, pois era importante superados na medida em que percebiam o entrela-
que o educador se reconhecesse como produtor e çamento do trabalho dos grupos de formação com o
autor de um trabalho. movimento de reorientação curricular, em que viam
Utilizando a reflexão sobre a prática como o um currículo sendo construído no processo, em que
eixo condutor do trabalho, fomos aprofundando a se tornava claro (para uns mais que para outros)
concepção de educação, a compreensão sobre os que o movimento de reorientação curricular apon-
sujeitos da educação, o que é ensinar e aprender, a tava para a construção de um currículo dinâmico,
escola de educação infantil, o conhecimento,etc. vivo, dialético, que possibilitava a intervenção no
A prática dos grupos de formação apontou contexto da realidade escolar.
necessidades novas relacionadas à própria for- Vendo, então, o currículo como o conjunto
mação do educador e á rotina da escola. Assim, do trabalho feito na escola a partir do movimento
foram oferecidas aos educadores possibilidades vindo das próprias crianças, na sua necessidade de
de cursos, seminários, oficinas, palestras, encon- descobrir e dar significado ao mundo, às coisas pre-
tros regionais, e também a possibilidade de cons- sentes em sua realidade, no cotidiano da escola e da
tituírem grupos de formação na própria escola, família, a escola de educação infantil foi sendo per-
embasados por um projeto apresentado pela es- cebida como um espaço onde se trabalha com a cri-
cola e aprovado pela SME. ança em função de seu desenvolvimento e aprendi-
O MOVIMENTO DE REORIENTAÇÃO zagem, assegurando-lhe um processo rico em
CURRICULAR - oficialmente, começou em agos- interações e construção de conhecimentos signifi-
to de 1989, com uma ati vidade em que todos os edu- cativos. Com esta compreensão sobre o currículo e
cadores da rede municipal assistiram à projeção de a escola, percebemos que já possuíamos acúmulo
um vídeo que apresentava as informações básicas de ciados, registros e conhecimentos, construídos nos
sobre o movimento de reorientação curricular. Em grupos de formação, suficientes para serem organi-
seguida, depois de discutirem a proposta, os educa- zados e transformados num texto, a Reorientação
dores, com base num roteiro sugerido, fizeram um Curricular das Escolas Municipais de Educação
relato sobre o trabalho que desenvolviam, as difi- Infantil.
culdades que encontravam e as sugestões que que- O texto produzido, em nossa representação,
riam fazer. Esses relatórios foram recolhidos e en- é uma construção coletiva porque todo o conteúdo
caminhados à Administração que se encarregou de nele contido foi refletido e se originou nos grupos
trabalhar os dados e transformá-los em um texto de formação. Os registros foram recolhidos e orga-
devolvido aos educadores. Em outro momento, foi nizados pelas equipes dos núcleos de Ação Educativa
feita uma problematização da escola com os alunos e Diretoria de Orientação Técnica (órgãos da SME),
e depois com seus pais. Todas estas transformados num texto que, numa versão preli-
problematizações foram transformadas em textos minar, foi lido/discutido/criticado/modificado em
que, em momentos de planejamento, foram utiliza- todas as escolas de educação infantil da rede muni-
dos nas escolas pelos educadores. cipal, por educadores e pais. Finalmente, tentando
A incompreensão do que seria o movimento incorporar todas as alterações e sugestões apresen-
de reorientação curricular suscitou, nos dois tadas, o documento ficou pronto em agosto de 1992.
primeiros anos da gestão, a expectativa de que fôs- Sem dúvida, o processo de produção do tex-
PROPOSTA PEDAGÓGICA E CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL
to sobre a proposta curricular para a educação de implica resgatar para o espaço escolar, no desen-
crianças de 4 a 6 anos foi extremamente rico, pro- volvimento do processo ensino-aprendizagem a im-
piciando momentos de aprendizagem significativa portância da interaçao aluno-aluno e alunos-profes-
para todos os envolvidos. Muitas vezes nos depará- sor; da conversa e da discussão como suportes para
vamos com questões de conteúdo que pareciam sim- descobrir e construir conhecimentos; da curiosida-
ples, dominadas por todos, mas que, ao serem pos- de e da pergunta que dão vazão à possibilidade de
tas em discussão, faziam aflorar dúvidas, e também satisfazer o desejo de aprender; da troca de ideias e
nossas contradições e incoerências. Tivemos que sugestões necessárias para a execução de tarefas,
estudar muito e contar com muita ajuda, prinápal- realização de jogos, experiências e montagens; da
mente dos professores das Universidades (USP, comunicação e expressão de sentimentos, desejos,
UNICAMP e PUCSP), que também se tomaram sonhos...
nossos parceiros na produção da proposta curricular Depois de muito estudo, discussão e reflexão
das Escolas Municipais de Educação Infantil. Deve conseguimos definir, como organizadores do currí-
ser ressaltado que o contato com os professores das culo, o jogo e as áreas do conhecimento. O jogo é
Universidades não ficou restrito aos profissionais um organizador do currículo por caracterizar bem
que trabalhavam nos órgãos da Administração; atra- o que é próprio da criança, ou seja, na situação de
vés de seminários, encontros regionais, cursos e ofi- jogo a criança trabalha com uma de suas formas de
cinas, todos os educadores da rede municipal tive- representar o mundo e ao mesmo tempo se inserir
ram essa oportunidade. nele. Através do jogo, a criança, ao mesmo tempo
E preciso salientar que, construir uma pro- que revela conteúdos importantes a serem trabalha-
posta curricular em processo exige de cada educa- dos pelo educador, também intemaliza conhecimen-
dor um planejar e um replanejar constante da pró- tos e representações a respeito de si mesma, do ou-
pria ação e para isso os registros sobre a prática tal tro e do mundo em que vive. Considerar o jogo como
como ela acontece e pode ser observada são de vital organizador do currículo é garantir à criança o di-
importância. Além disso, compartilhar/discutir/re- reito de poder viver plenamente sua infância e ex-
fletir/ avaliar/planejar com o coletivo dos educado- pressar-se, sem medo ou censura, através da fanta-
res passa a ser algo que deve ser incorporado defi- sia; poder caminhar a partir de uma visão mágica
nitivamente na rotina da escola, exigindo que se da realidade para uma visão mais realista, expandir
garanta na estrutura escolar um espaço para que seu potencial de criação e recriação de fatos e coi-
aconteça de fato. Consciente disso a Administra- sas.
ção, antes de findar sua gestão, deixou regulamen- Ora, no prqjeto pedagógico, além de incor-
tado no Estatuto do Magistério a possibilidade para porar e reconhecer o jogo como um direito da crian-
os professores de optarem e incorporarem um tem- ça para se desenvolver mais plenamente, também
po maior na jornada diária de trabalho para forma-
as áreas do conhecimento se inserem no reconheci-
ção permanente e planejamento do trabalho peda-
mento do direito da criança ao saber, à construção e
gógico.
possibilidade do conhecimento. Certamente não se
A proposta curricular a que chegamos tem trata aqui de estabelecer um rol de conhecimentos
como eixo a linguagem e, como organizadores do pré-determinados mas sim dos conhecimentos pre-
currículo, o jogo e as áreas do conhecimento. sentes na realidade e que, ao serem desvendados vão
A linguagem é o eixo articulador de todo o permitindo à criança construir sua identidade como
trabalho pedagógico na EMEI porque é através da sujeito social; proporcionando-lheformas mais ade-
linguagem que construímos conhecimentos, pensa- quadas de expressão oral e de compreensão e uso
mos, interagimos com os outros, conhecemos o da leitura e da escrita, possibilitando-lhe situar-se
mundo. A linguagem é constitutiva do sujeito. Con- no tempo e no espaço, e apropriar-se de elementos
siderar a linguagem como eixo traz implicações culturais que a identificam no seio de uma família e
importantes no nível da prática em sala de aula, pois da sociedade; aguçando-lhe a curiosidade pelo pra-
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
zer de observar, levantar hipóteses, conhecer e va- anças de 4 a 6 anos. E nos deparamos também com
lorizar a natureza; permitindo-lhe fazer uso de co- o quanto precisamos estar dispostos e abertos a um
nhecimentos que o homem construiu ao longo de processo de formação permanente.
sua história e que ajudam a resolver situações do
cotidiano. Fontes utilizadas para organização desta ex-
A discussão e o aprofundamento no estudo posição:
das áreas do conhecimento permitiu que os educa- 1 - O Movimento de Reorientação Curricular
dores da rede municipal identificassem como ne- na Secretaria Municipal de São Paulo,
cessidade sua, mais do que o dispor de um conteúdo doe. 1 e 2: A visão dos educadores, 1989
definido para ser desenvolvido com seus alunos, 2 - Movimento de Reorganização Curricular,
desenvolver e ampliar a visão das áreas do conheci- doe. 3: A visão dos Educadores, SME,
mento para assim entender e trabalhar melhor o de- 1991
sejo e a curiosidade das crianças por aprender. 3 - Reorganização Curricular das Escolas
Com os educadores das EMEIs nos Municipais de Educação Infantil SME,
embrenhamos através da linguagem e suas diferen- São Paulo, 1992
tes manifestações (desenho, escrita, leitura, 4 - Grupos de Formação - Uma (Re)visao da
oralidade, expressão plástica/musical/corporal), da Formação do Educador, SME, São Pau-
matemática, das ciências sociais e naturais e nos lo, 1990
deparamos com as possibilidades imensas para se 5 - Regimento Comum da Escolas Munici-
desenvolver um trabalho significativo com as cri- pais, SME, São Paulo, 1992.
A Formação
do
Profissional
de Educação
Infantil
MESA REDONDA
Expositores:
Angela M. Rabelo Ferreira Barreto
Iara Silvia Lucas Wortmann
Marília Miranda Lindinger
Coordenação:
Angela M. Rabelo Ferreira Barreto
A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL
DE EDUCAÇÃO INFANTIL*
Angela Maria Rabelo F. Barreto **
* Este trabalho foi também apresentado no Seminário Nacional sobre Formação de Professores para a Educação Básica, em Brasília 1994
• * Coordenadora da COEDI - Coordenação Geral de Educação Infantil do MEC e professora do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
. Condições deverão ser criadas para que os pro- adultas e infantis exigem práticas e diversidade de
fissionais de Educação Infantil que não possuem a alternativas a nível de políticas públicas, estaduais
qualificação mínima, de nível médio, obtenham-na e municipais, sua unidade se coloca exatamente no
na prazo máximo de 8 anos. objetivo - ponto de chegada dessa política. Esse
objetivo deve ser formulado numa direção dupla: 1)
II - Principais conclusões do encontro técnico concretização do direito das crianças a uma educa-
Do documento-síntese resultante do encontro de ção infantil de qualidade; 2) concretização do direi-
Belo Horizonte, vou destacar os pontos que a meu to dos profissionais da educação infantil a proces-
ver, foram os mais importantes - ou por serem mais sos de formação que lhe assegurem os conhecimen-
consensuais ou por serem mais polémicos - na dis- tos teórico-práticos para essa ação de qualidade nas
cussão relativa à formação do profissional de Edu- creches e pré-escolas, e que redundem em avanço
cação Infantil, realizada em Belo Horizonte. na escolaridade e em progresso na carreira."
indicar subsídios às politicas públicas. Entre elas, de propostas de formação de futuros profissionais
gostaria de destacar duas: da educação infantil, em nível de 2o grau regular.
Na medida em que o delineamento de modalidades
1. As discussões sobre educação infantil, seu em nível de ensino regular exige equipes compostas
currículo, a formação de seus profissionais, sua le- por profissionais de educação infantil e de forma-
gislação, etc sugerem uma revisão que também se ção de magistério a nível de 2o grau, recomenda-se,
estende à sua denominação. Não mais "creche" ou ainda que o MEC fomente, apoie e viabilize a orga-
"pré-escola", mas educação infantil.. Por outro lado, nização das mesmas.
sem prejuízo da continuidade e da perspectiva de
globalidade, não se pode perder de vista a necessi- 3. O MEC deve envidar esforços para que os
dade de aprofundar as especificidades do trabalho Conselhos Estaduais e o Conselho Federal atuem
com diferentes grupos etários e de desenvolvimento no sentido de concretizar o reconhecimento de cur-
dentre as crianças de 0 a 6 anos. É preciso continu- sos de formação dos profissionais da educação in-
ar a discussão a respeito das "educações" da edu- fantil em nível de 2o e 3o graus.
cação infantil, ou seja, das especificidades de cada
idade (educar/cuidar a criança de 0 a 3 anos requer 4. O MEC deve estimular as prefeituras e os Es-
uma formação específica?, pergunta Sônia Kramer). tados a - de maneira descentralizada e respeitando-
se as diferenças locais - garantir o acesso aos con-
2. A atual política de educação infantil, bem cursos públicos de candidatos provenientes dos cur-
como a linha política de formação de seus profissi- sos de formação dos profissionais da educação in-
onais, assumida no Encontro Técnico, se pauta na fantil em nível de 2o e 3o graus.
conquista constitucional e na redefinição dos obje-
tivos da educação infantil, apontando para o 5. E necessário que o MEC estabeleça intercâm-
surgimento de um novo profissional. Trata-se mes- bio estreito com o INEP, CAPES, CNPQ, FLNEP e
mo da criação de um novo profissional e de uma Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, não
nova carreira? Questiona-se: de que modo se dará a só para viabilizar a disseminação do conhecimento
inserção desse novo profissional? No atual momen- produzido na área da educação infantil, mas tam-
to económico e politico do país, coloca-se como sen- bém para apoiar e fomentar novas pesquisas, inclu-
do de extrema importância, discutir as consequên- sive estimulando outras áreas de conhecimento a re-
cias e os benefícios advindos deste novo campo de alizarem estudos relativos à educação da criança
trabalho, o processo de seu delineamento e pequena, às suas práticas sociais e às políticas a ela
concretização. direcionadas, bem como a produzirem tecnologia
necessária para desenvolvê-las.
IV - Recomendações ao MEC
Entre as recomendações ao MEC, advindas do V - Considerações finais
encontro de Belo Horizonte, expostas no relatório, Foi também recomendado, no encontro, que se
destaco: realize um diagnóstico dos profissionais da educa-
ção infantil e das diferentes agências formadoras
1. O MEC deve estimular os Municípios e Esta- hoje existentes. O diagnóstico procuraria identifi-
dos a implementarem políticas de formação de pro- car quem são, quantos são, onde e como atuam tan-
fissionais da educação infantil que já estão em ser- to os profissionais de creche e pré-escola, quanto as
viço, mas não possuem escolaridade completa de 1o agências que os formam.
ou 2o graus, em nível de ensino supletivo. Apenas para complementar esta análise, gosta-
ria de apontar alguns dados já disponíveis sobre o
2. O MEC deve incentivar e viabilizar com re- profissional que atua na educação infantil. Os da-
cursos financeiros e apoio técnico o delineamento dos de abrangência nacional referem-se apenas às
I SIMPÓSIO NACIONAL DL EDUCAÇÃO INLANTH
sos Humanos João Pinheiro. Belo Horizonte, Técnico sobre Política de Formação dos Pro-
abril de 1994. fissionais de Educação Infantil, promovido pela
ROSEMBERG, Fúlvia. A formação do profissio- Coordenação Geral de Educação Infantil/MEC
nal de educação infantil através de cursos su- e Instituto de Recursos Humanos João Pinhei-
pletivos. Trabalho apresentado no Encontro ro. Belo Horizonte, abril de 1994.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL
DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Iara Silvia Lucas Wortmann *
0 encontro temático realizado em Belo Horizonte no que diz respeito à educação infantil, não há pela
- MG, em abril de 1994 - promoção MEC/SEF/ Lei federal 5.692/71, uma clara competência dos
COEDI - SUBSÍDIOS PARA UMA POLÍTICA DE Conselhos de Educação.
FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCA- Diz a Lei Federal n° 5.692, de 11 de agosto de
ÇÃO INFANTIL - foi excelente oportunidade de 1971, no que se refere à educação anterior ao hoje
discussão sobre a educação infantil. denominado ensino de 1 ° grau, em seu artigo 19, §
E hoje, quando o nosso país se prepara para a 2o:
Conferência Nacional da Educação, gostaria de "Os sistemas de ensino velarão para que as cri-
agradecer a oportunidade de estar participando, neste anças de idade inferior a sete anos recebam con-
Io Seminário de Educação Infantil, da mesa redon- veniente educação em Escolas Maternais, Jar-
da sobre a FORMAÇÃO do Profissional da Edu- dins de Infância e instituições equivalentes ".
cação Infantil, Seminário este que está definindo
propostas para tão importante Conferência. Segundo o artigo 61 dessa mesma lei:
"Os sistemas de ensino estimularão as empre-
1 - CONSIDERAÇÕES INICIAIS sas que tenham em seus serviços mães de me-
Desde o momento em que recebi convite da Pro- nores de sete anos a organizar e manter, direta-
fessora Ângela, a quem agradeço, para participar mente ou em cooperação, inclusive com o Po-
deste painel, pensei sobre quais aspectos deveria con- der Público, educação que preceda o ensino de
centrar minha fala e entendi que, por representar l°grau".
aqui o FÓRUM NACIONAL DOS CONSELHOS
ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO - esses órgãos Retiro, também, da Constituição Federal de 88:
NORMATIVOS, CONSULTIVOS, DELIBERA- - "A assistência gratuita aos filhos e dependen-
TIVOS, FISCALIZADORES do Sistema de Ensi- tes, desde o nascimento até 6 anos de idade, em
no - deveria abordar o assunto fazendo uma análise creches e pré-escolas, é direito social dos tra-
da atuacão desses Conselhos em relação à educa- balhadores urbanos e rurais". (Art. 7o, inciso
ção infantil. XXV)
Em relação ao ensino de 1 ° e de 2o graus, são os - "E competência dos municípios manter, com
Conselhos de Educação os órgãos a quem cabe, na a cooperação técnica e financeira da União e
maioria dos sistemas de ensino, autorizar o funcio- do Estado, programas de educação pré-esco-
namento desses estabelecimentos de ensino, bem lare de ensino fundamental". (Art. 30, inciso
como reconhecê-los e inspecioná-los. No entanto, VI)
orientando suas ações para a melhoria da formação tica de formação inicial e continuada, igualmente
inicial e continuada dos professores, priorizando a com o apoio do Programa de Cooperação Educativa
elevação dos padrões de qualificação dos professo- Brasil-França, a SEF vem desenvolvendo os proje-
res em exercício. (Diretrizes Gerais para a tos Pró-Leitura e Pró-Matemática na Formação do
Capacitação dos Professores, Dirigentes e Especia- Professor. O princípio básico que orienta estes pro-
listas de Educação Básica - 1992-1994). jetos é a formação centrada na prática docente e a
Na linha da formação inicial, a SEF vem esti- dinâmica da formação consiste na interação entre
mulando a realização de estudos e debates para a os seus diferentes atores: alunos, professores e pes-
reestruturação da formação de professores, em âm- quisadores dos diferentes níveis de ensino.
bito nacional e estadual, envolvendo Secretarias de
Educação, instituições de formação do magistério, III - PROPOSTAS DE DIRETRIZES PO-
órgãos do MEC e setores organizados da socieda- LÍTICAS PARA A FORMAÇÃO DO MAGIS-
de, bem como apoiando o fortalecimento de insti- TÉRIO NO MARCO DO PDEpT.
tuições de nível médio de reconhecida competência
na formação do professor e a criação de experiênci- Tendo como pressupostos básicos que:
as-piloto de formação de professores de nível supe-
rior. 1 - a questão da qualidade da educação básica
No âmbito do ensino médio, os trabalhos de co- não será adequadamente enfrentada, sem que preli-
operação técnica desenvolvidos pela SEF com os minarmente se enfrente a questão do magistério;
sistemas de ensino estão fundamentados na propos-
ta de transformação de escolas normais/institutos 2 - uma política de profissionalização do magis-
de educação em Centros de Formação e Aperfeiço- tério de longo alcance - global, articulada e
amento do Magistério - CEFAM. abrangente - está estruturada nas dimensões de for-
Dentro dessa proposta, busca-se dotar as insti- mação, (inicial e continuada), de carreira e salário e
tuições de formação de professores em nível médio de condições de trabalho docente e tem como atores
de nova estrutura organizacional e curricular, com centrais o profissional da educação, os sistemas de
vistas à formação do futuro professor e do profes- ensino e as instituições formadoras de nível médio e
sor em exercício, habilitado ou leigo, para a educa- superior;
ção infantil e as séries iniciais do ensino fundamen-
tal, em estreita articulação com as necessidades dos 3 - o sistema de formação inicial e continuada
sistemas de ensino. do magistério, capaz de responder às demandas de
Paralelamente a esta linha de trabalho, a SEF, construção de uma educação básica de qualidade,
no âmbito do Programa de Cooperação Educativa requer uma nova dinâmica que assegure, sobretu-
Brasil-França, vem apoiando a implantação de pro- do:
jetos-piloto de formação de professores em nível - base sólida de formação geral/cultural/política
superior para a educação infantil e séries iniciais do e de formação profissional;
ensino fundamental, vinculados ou não a universi- - integração entre as dimensões da formação
dades federais e estaduais, com vistas, sobretudo, a académica e profissional, teórica e prática, especi-
uma nova dinâmica de formação, prioritariamente, alizada e polivalente, disciplinar e pedagógica;
para docentes em exercício. Esta proposta iniciada - ênfase ao aprender a aprender e ao saber fazer
pela criação de instituto de formação de professo- e seus fundamentos (para que, para quem e por quê
res de nível superior, a exemplo do IFP do Estado saber fazer);
do Rio Grande do Norte, implantado neste ano, vem - estreita articulação entre os sistemas de ensino
igualmente sendo debatida no interior de universi- e as agências de formação;
dades, como a UFMT e UFPE. - coerência e continuidade dos planos de forma-
Com vistas ao desenvolvimento de uma nova prá- ção, a SEF propõe as seguintes linhas estratégicas
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
para elevação dos padrões de qualificação dos pro- 3.2. incentivo à implantação de programas de
fissionais da educação infantil e do ensino funda- formação do professor da educação infantil e das
mental para crianças, jovens e adultos: séries iniciais do ensino fundamental, dentro de pa-
drões básicos de qualidade(l) no âmbito das insti-
1 - redefinição do perfil de formação do profes- tuições públicas de ensino superior,(2) mediante a
sor da educação infantil e do ensino fundamental transformação de instituições formadoras de nível
para crianças, jovens e adultos, do dirigente e do médio em nível superior ou(3) da criação de novas
especialista da educação básica, com vistas a asse- instituições de formação de professores em nível su-
gurar padrões básicos de qualidade, em termos de perior.
formação geral, cultural, política e profissional, e Esses programas de formação deverão voltar-se
em termos da condições administrativas e pedagó- para o atendimento às demandas dos sistemas de
gicas das instituições formadoras; ensino, dentro de dinâmicas de formação que
priorizem a formação em nível superior dos profes-
2 - realização de estudos e pesquisas em âmbito sores em exercício;
nacional, estadual e municipal, com vistas a carac- 3.3. incentivo à reestruturação das licenciaturas
terizar a situação de formação do professor e que para professores de 1a a 4a série e 5a a 8a série, as-
respondam, dentre outras, indagações. sim como dos especialistas de educação, de forma a
atender às necessidades dos sistemas de ensino, em
3 - reorganização do sistema de formação de pro- termos qualitativos e quantitativos, priorizando a
fessores para atender as necessidades dos sistemas formação dos professores em exercício.
de ensino, nos campos da educação infantil e do Igualmente, propõe-se sejam reorientados os pro-
ensino fundamental para crianças, jovens e adultos, gramas de pós-graduação na área do magistério,
mediante: direcionando - os, prioritariamente, para a forma-
3.1. fortalecimento das instituições de ensino ção dos formadores e dos especialistas de educa-
médio de reconhecida competência na formação do ção;
professor, nas regiões que apresentarem demandas
de formação neste nível de ensino, através do 4 - paralelamente a esses esforços de melhoria
redimensionamento administrativo e pedagógico da da formação inicial do magistério, propõe-se a ava-
formação dos formadores, da melhoria das condi- liação, reestruturação e sistematização dos progra-
ções de trabalho dos formadores e alunos (acervo mas de formação continuada.
bibliográfico, equipamentos, materiais didáticos, Uma política de profissionalização do magisté-
adaptação, ampliação e reforma de prédios escola- rio requer, como nas demais profissões, um sistema
res). Essas instituições deverão desenvolver dinâ- descentralizado, participativo e inovador de forma-
micas de formação que atendam, prioritariamente, ção continuada, que garanta a complementação, atu-
os professores em exercício, sem a habilitação mí- alização e melhoria das competências dos professo-
nima de nível médio, assim como participar dos pro- res, dirigentes e especialistas em exercício.
cessos de formação continuada dos professores em Propõe-se, portanto, uma estreita articulação
exercício. Nessa direção, propõe-se que sejam entre os processos de formação inicial e de forma-
gradativamente desativados os cursos de habilita- ção continuada e destes com a instituição escolar,
ção ao magistério em instituições não comprometi- na perspectiva do desenvolvimento de seu projeto
das com a formação docente, ou localizadas em re- pedagógico.
giões que não apresentem demandas de docentes de Para finalizar, torna-se necessário reafirmar que
nível médio; assim, propõe-se que somente seja au- a implementação de uma política de
torizada a criação de cursos de nível médio de habi- profissionalização do magistério só se efètivará com
litação ao magistério em regiões com demandas sig- o engajamento de seus atores - professores, institui-
nificativas; ções formadoras e sistemas de ensino - no projeto
A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
na Área da
Educação
Infantil
PAINEL
Expositores:
Antenor Naspolini
Maria da Consolação Abreu
Tuia Vieira Brasileiro
Everardo Carvalho
Maria Lúcia Thiessen
Tereza Cristina Albuquerque
Coordenação:
Ivana de Siqueira
A ATUAÇÂO DAS ORGANIZAÇÕES NÀO-GOVERNAMENTAIS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
Sinto-me feliz por estar aqui neste Simpósio e senta abertura de um importante espaço para as
de ter participado de sua organização. Há muito tem- ONGs, e nesse espaço pode ser privilegiada a dis-
po, desde quando fui Secretário de Planejamento do cussão sobre a Educação Infantil.
MEC e Stela (Naspolini) era Coordenadora de Edu- Antes de abordar o tema deste painel - a atuação
cação Pré-escolar, sonhamos com o processo que das ONGs na educação infantil - gostaria de escla-
estamos vivendo e com um evento desta natureza. recer que o UN1CEF não é uma ONG; é um 01, ou
Considero que este Simpósio é um divisor de seja, organismo internacional. Mas o Unicef traba-
águas, tanto pela presença do Ministro como pelo lha permanentemente com as ONGs e também com
compromisso político assumido com a Educação o governo. De alguma maneira, o trabalho que rea-
Infantil, nunca tomado antes pelo MEC. Nesta que lizamos no Unicef tem muita semelhança com o das
é a década da Educação, este é o ano I da Educação ONGs, pela sua dinâmica, sua natureza e seus ob-
Infantil. É importante estarmos aqui participando jetivos.
desse processo. Retomando minha trajetória de contatos com
A crescente importância atribuída à questão da ONGs, volto aos anos 73/74 quando fui sócio-fun-
Infância pode ser verificada em alguns marcos: 1959 dador do Alfa Gente, de Florianópolis. Aquela ONG
- Declaração Universal dos Direitos da Criança; nasceu como uma alternativa ao poder público e em
1989 - Convenção Mundial dos Direitos da Crian- conflito com ele Eu era então um voluntário, com
ça; 1990 - Conferência de Cúpula pela Criança e compromisso permanente mas com ação
Conferência de Educação de Jomtien, na Tailândia. "devenzenquandária".
Esses são marcos muito claros em nível internacio- No meu trabalho no Unicef, coordenando a atu-
nal, e analisando-os, observamos três coisas novas: ação nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte,
novo debate, novas lideranças enovas alianças. Hoje muitas ações têm sido realizadas com ONGs. Por
o debate sobre a educação não se limita aos educa- exemplo, o Unicef tem apoiado organizações de
dores; até os empresários têm estado presentes. âmbito mais local, como o C APC - Centro de Apoio
No caso do Brasil, um marco é a Constituição a Projetos Comunitários - e de nível nacional, como
de 1988, ou melhor, o processo que a antecedeu. a Pastoral da Criança e a Sociedade Brasileira de
Houve de fato uma mobilização nacional em torno Pediatria, entre outras. O Unicef tem atuado junto
da questão da criança. O Estatuto da Criança e do com organizações governamentais e não-govema-
Adolescente, de 1990, é, sem dúvida, outro marco mentais que firmaram o Pacto pela Infância.
fundamental. A criação do Conselho dos Direitos Tenho observado em minha experiência que não
da Criança como órgão definidor de políticas repre- se pode afirmar que as organizações não-govema-
* Coordenador do escritório do UNICEF no Ceará e Rio Grande do Norte e membro da Comissão Nacional de Educação Infantil.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
infànto-juvenil, que tem como proposta básica tra- tuição de 88 e que resultou no Estatuto da Criança
balhar de forma lúdica e criativa, conteúdos relati- e do Adolescnte, de 90).
vos à educação, saúde e cidadania, em parceria com Compreendemos que não cabe às ONGs pre-
a Arquidiocese de Belo Horizonte, a Fundação Fé e tender substituir o Estado, mas colaborar para a sua
Alegria do Brasil, a Visão Mundial e outras ONGs; democratização. Não cabe a elas produzir os bens e
(3) REDE DE INTERCÂMBIO, em parceria com serviços que o mercado não é capaz de produzir e
diversas ONGs do Brasil; e (4) PROJETO DE distribuir, superando os limites da lógica do merca-
CAPACITAÇÃO DE PROFISSIONAIS EM EDU- do. Cabe às ONGs trabalhar para universalizar os
CAÇÃO INFANTIL EM BELO HORIZONTE, valores éticos de sua própria experiência. A atua-
financiado pela Fundação VITAE, realizado em ção das ONGs tem se dado através de projetos es-
parceria pela AMEPPE, PBH,Instituto de Recur- pecíficos. Cremos não estar longe da realidade afir-
sos Humanos João Pinheiro/MEC e Fundação mar que a grande maioria das ONGs são pequenas
Carlos Chagas, e que envolve vários aspectos de e têm uma atuação bastante localizada. Portanto,
uma Política Municipal de Educação Infantil, como uma característica do nosso trabalho é atuar em
formação de educadoras, sistemática de supervisão pequenas experiências, seja no atendimento ou não.
e acompanhamento e discussão de currículo para No entanto, a natureza deste trabalho e as imensas
creches e pré-escolas. dificuldades (económicas, políticas.) de sustentá-
O trabalho da AMEPPE tem se caracteriza- lo, acabam por impedir que boa parte de nós cons-
do pela continuidade, permitindo um acúmulo de trua propostas que possam ter uma repercussão mais
experiências, produção do conhecimento e impri- geral, ultrapassando os limites restritos de nossa
mindo um efeito multiplicador aos diferentes proje- experiência. Entretanto, cada vez mais se impõe a
tos. Daí a ênfase em experiéncias-piloto, de cons- necessidade de elaborarmos propostas para toda a
trução e experimentação de propostas, e na publi- população. Isto implica repensarmos nossas práti-
cação e divulgação de materiais elaborados a partir cas, conteúdos, metodologias etc, elaborando pro-
dessa mesma prática. postas viáveis técnica e politicamente. O que ocor-
re é que em nossa tradição, inclusive de ONGs, quem
está diretamente relacionado com o "fazer" das ex-
2. Recuperando a história das ONGs periências quase sempre não tem condições de ul-
As ONGs brasileiras, em sua grande maio- trapassar os limites da mesma e, por outro lado,
ria, nasceram em função e em consequência da luta quem elabora (ou colabora com) as propostas polí-
política da sociedade civil contra o regime autoritá- ticas nem sempre está vinculado à prática (Faria
rio que se implantou em 1964. Nasceram contra o Filho, 1993).
Estado e de costas ou á margem do mercado, entre
as décadas de 60 e 80, caracterizando-se por uma Ainda segundo Faria Filho, propor projetos
existência quase clandestina, ligadas aos movimen- viáveis implica, para as ONGs, dar um passo avante
tos sociais de base, às Igrejas, aos movimentos sin- na formatação técnica de suas propostas, de suas
dicais e educação, saúde, habitação, organização, experiências e, por outro lado, buscar a articulação
assessoria e consultoria aos chamados movimentos política necessária à sua imposição na agenda de
populares. debates. Este duplo movimento poderia ajudar-nos
Quanto ao relacionamento com o Estado, tem na superação da ideia do papel apenas alternativo
ficado claro que as ONGs desempenham tarefas de das ONGs. Se, no movimento histórico de seu nas-
utilidade pública a custos vantajosos para o orça- cimento e fortalecimento, boa parte das ONGs tive-
mento estatal, favorecem a interação entre o Estado ram que reforçar seu caráter alternativo ao Estado
e grupos de cidadãos, apontam e realizam soluções e a outras iniciativas ditas "assistencialistas", hoje
que os aparatos públicos dificilmente poderiam ela- é preciso perceber que isto não basta. As ONGs,
borar (por exemplo, todo movimento em torno do por sua ligação com a população, por sua capaci-
reconhecimento da criança como cidadã - Consti- dade de articular-se politicamente, pela sua experi-
A ATUAÇÂO DAS ORGANIZAÇÕES NÀO-GOVERNAMENTAIS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
ência acumulada, não podem se furtar ao dever de no Brasil. A ação da cidadania contra a miséria, a
propor alternativas viáveis. Este movimento em áre- fome e pela vida abriu caminhos que podem ser ex-
as como da ecologia é por demais evidente, mas ain- plorados, tanto na relação com empresas pnvadas
da precisa invadir o campo da educação e princi- como com as estatais."
palmente o da Educação Infantil. Ancoradas em A manutenção financeira tem sido um dos
práticas e referências ditas "alternativas", muitas grandes desafios enfrentados pelas ONGs. A
ONGs não vêem que elas acabam por reforçar a AMEPPE, como a maioria das ONGs, trabalha com
forma como o Estado e outras instituições muitas recursos internacionais e com alguns poucos recur-
vezes propõem e realizam o atendimento ao conjun- sos nacionais, mas tanto um quanto o outro não
to da população. Muitas vezes não percebemos que sustentam a instituição a médio prazo, não dando
a nossa resistência acaba por sustentar, politica e segurança para planejamento.
tecnicamente, as práticas às quais combatemos. Pretendemos avançar na discussão e busca
Logo, impõe-se para nós a necessidade de de recursos junto ao setor privado, a partir de alguns
fortalecimento do campo das experiências que ocor- projetos de prestação de serviços, não só como for-
rem fora do aparelho estatal, não apenas para ser- ma de dar continuidade à atuação que hoje é
vir-lhe como "alternativa" mas também como custeada, em grande parte pela cooperação interna-
parâmetro. Ou seja, ao pensarmos em atender de cional, mas também para utilizar de nossa experi-
forma alternativa a 100 cnanças, por exemplo, não ência já acumulada, atendendo demandas que te-
podemos deixar de "construir" uma experiência que mos recebido e influindo nas políticas municipais.
sirva como atendimento das milhares que não têm Isto coloca uma importante questão: como entrar
acesso. no campo da venda de serviços sem perder as
Quanto às parcerias. As ONGs brasileiras características fundamentais que consideramos im-
sempre viveram e sobreviveram graças à portantes na instituição?
solidanedade internacional. No Brasil, nem gover- A AMEPPE tem nos últimos anos, investido
no nem o chamado mercado (grandes empresas na- no diálogo, parcerias e articulações com outras ins-
cionais ou transnacionais) apoiaram as ONGs ou tituições locais, regionais e nacionais, visando pro-
descobriram suas potencialidades. por soluções para os problemas existentes na área
Conforme reflexões feitas no interior da da educação da criança e do adolescente.
ABONG (Associação Brasileira de ONGs) "na dé- Estas parcerias têm-se dado através de apoio
cada de 90 temos presenciado o encerramento do técnico, apoio político e apoio financeiro e tem apon-
largo período das relações das ONGs brasileiras com tado resultados interessantes como a integração das
a cooperação internacional, o qual correspondeu a instiuições, diminuição de custos, melhoria da qua-
todo o período da ditadura e aos primeiros anos da lidade dos serviços prestados e marketing
democratização. Temos recebido notícias institucional (visibilidade). Surgem alguns impasses
desanimadoras de nossos parceiros tradicionais. A decorrentes de divergências às vezes conceituais e
cada dia as ONGs têm sido desafiadas a conviver outras vezes políticas, o que aponta para a necessi-
com a escassez e a busca de novas fontes de finan- dade de uma formalização, estabelecendo compe-
ciamento tências e responsablidades com o consequente res-
Entretanto, refletindo sobre as dificuldades guardo da identidade institucional dos parceiros.
de cooperação internacional, tem ganhado espaço
entre as ONGs a discussão da necessidade de um 3. A atuação das ONGs e as conquistas na
grande esforço de unidade, de busca de parceria no área da Educação Infantil: um balanço
sentido não só de compartilhar recursos mas sobre- Em um balanço geral, a partir de reflexões
tudo de fazer convergir ações Outro aspecto tam- da ABONG, percebemos:
bém em discussão diz respeito à contribuição do - um aumento da credibilidade das ONGs e
setor privado para o enfrentamento da dívida social das demandas que a sociedade (e não apenas os
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
AS ONGS E A
EDUCAÇÃO INFANTIL
Tuia Vieira Brasileiro *
Em primeiro lugar em nome da equipe da Fun- chamados de multiplicadores e que pela experiên-
dação Fé e Alegria-RJ eu queria agradecer a opor- cia profissional acumulada tem desenvolvido este
tunidade de estarmos aqui hoje e de podermos tro- apoio no interior das instituições de atendimento
car experiências Acredito que seja extremamente significativo o
A Fundação Fé e Alegria do Brasil é uma enti- fato de termos uma mesa intitulada "As ONGs e a
dade de educação popular que está presente em vá- educação infantil" aqui neste Simpósio Sem som-
rios países da América Latina e no Brasil atua em bra de dúvida isto é fruto de um processo de ruptu-
oito estados ra com a situação de clandestinidade em que as
No Rio de Janeiro, nasceu em 1981 e tem como ONGs viviam É crescente a expressão pública que
desafio atuar de maneira articulada, seja em rela- alcançaram e o reconhecimento junto à sociedade,
ção ás suas ações. seja em relação ás ações de ou- se constituindo hoje de fato em interlocutores. Mar-
tras instituições, concentrando esforços em deter- cos desse processo a nivel nacional foram a ECO
minadas áreas geográficas. 92, a Campanha Contra a Fome e a conquista do
Atua basicamente em três linhas de ação: Arti- Estatuto da Criança e do Adolescente quando as
culação (por exemplo a participação nos Conselhos ONGs se fizeram presentes
de Direitos e a assessoria aos movimentos de luta Paralelo a essa visibilidade vivemos também uma
por creche). Produção de Conhecimento (vídeos. fase em que a midia ora contribui para divulgar as
cartilhas, pesquisas) e sobretudo Formação de Edu- ações das ONGs (algumas vezes de forma
cadores na área da infância e adolescência. distorcida) ora cobra delas um papel que não lhes
Nesta última linha desenvolvemos duas estraté- cabe: ou seja, a resolução dos problemas sociais
gias básicas e complementares: o Curso Básico de Exemplo disso foi na época da Chacina da
Formação de Educadores, cujo objetivo é possibi- Candelária na cidade do Rio de Janeiro em 1993
litar que os educadores tenham acesso a um conjun- em que as ONGs foram tomadas como bode
to de conhecimentos básicos para o trabalho com as expiatório da situação O poder de resposta da
crianças, e outra, o acompanhamento "in loco" do ABONG ( Associação Brasileira de ONGs) e do
trabalho desenvolvido nas instituições de atendimen- Fórum Estadual de Defesa dos Direitos da Criança
to. que objetiva contribuir para que haja uma efeti- e do Adolescente foi muito pequeno
va incorporação à pratica desses conhecimentos. E neste cenário marcado por uma conjuntura de
Este acompanhamento é realizado diretamente pe- riscos e oportunidades que devemos pensar o papel
los técnicos de Fé e Alegria e indiretamente através e as responsabilidades das ONGs e aqui especifica-
da assessoria a um grupo de educadores, que são mente o nosso que vem trabalhando com educação
res que são comprometidas socialmente contribuí- iniciou seja por nós refletida a cerca de sua nature-
ram com creches comunitárias. Os alunos se orga- za e tenhamos uma ação de educação integrada (en-
nizaram na coleta de lata para comprar equipamen- volvendo ações governamentais e não) e integral (nas
tos para as creches comunitárias. E uma experiên- várias faixas etárias e nos vários setores: saúde,
cia micro, bem sabemos, quando pensamos em ter- lazer, etc).
mos de uma política pública para educação infantil Constitui-se de fundamental importância que nós
e que vem se dando não sem dificuldades. Porém, ONGs que trabalhamos com educação infantil cada
mostra para nós a nqueza e a possibilidade de par- vez mais saiamos do nosso "umbigo", que associe-
cenas em diferentes níveis. Da construção de redes mos às ações localizadas um olhar e uma interven-
de solidariedade e do envolvimento de diferentes ção política mais ampla. Que sejamos capazes de
setores da sociedade. Da penetração da solidarieda- falar das nossas ações e publicá-las pois existem
de no nosso cotidiano, nos micros espaços. muitas experiências realizadas e não sistematiza-
Um outro exemplo dessa articulação de forças das. É preciso também que busquemos as universi-
está se dando no município de São Gonçalo-estado dades para que se comprometam para além dos
do Rio de Janeiro, aonde ONGs que trabalham com seus muros. Que levemos com mais força para os
a questão da criança, movimentos populares, poder Conselhos de Direitos a discussão da educação in-
público, creches comunitárias, pais de crianças vêm fantil.
se reunindo e produziram uma proposta de luta e Com base nisso tudo acreditamos que hoje as
trabalho para todo o município que está sendo dis- ações das ONGs devem ser caracterizadas como.
cutida em cada creche. A ideia é conseguir congre- - propositivas enão mais somente reivindicativas.
gar o maior número de setores para juntos elabora- - articuladora das ações, instituições e movimen-
rem ações no âmbito da educação infantil. Um as- tos.
pecto que começa a ser interessante é o envolvimento - apoio aos movimentos populares.
das famílias nessa luta por creche/pré-escola que se - parceria com o poder público e outras institui-
constituam também numa tentativa de tornar a ges- ções.
tão das creches mais democrática e enraizada na Concluindo aponto aqui algumas sugestões:
comunidade. - Que se traga para fóruns como esse também os
E o último exemplo é na região da Baixada professores que estão direto com as crianças, os
Fluminense-RJ através de uma parceria entre Fé e movimentos de luta por creche, as associações de
Alegria, TV Maxambomba e o Núcleo de Creches pais.
Comunitárias da Baixada Fluminense produziu-se - Que no Documento "Amarelinho" - Proposta
um vídeo sobre a luta e organização das creches de Política de Educação Infantil - 1993 do MEC
que estará sendo veiculado em praças públicas. se considere com mais peso a questão da gestão de-
Para finalizar gostaria de dizer que está sendo mocrática dos equipamentos sociais: creche/pré-es-
organizado um Encontro Nacional de Educadores cola. Com a participação de todos os sujeitos en-
de Creches e Pré-escola Comunitária promovido por volvidos e setores organizados da sociedade civil.
várias ONGs e movimentos de luta por creches de - Que se desencadeie uma cartilha que coloque a
diferentes estados do Brasil. É com muita alegria questão da educação infantil na agenda do dia com
que vejo essa articulação germinar, espero que ela intensa entrada na mídia, com um grande trabalho
continue pois bem sabemos que se quisermos pro- de comunicação que lide com o imaginário e o sub-
duzir novas políticas sociais e educacionais para a jetivo das pessoas, contribuindo desta maneira com
criança pequena, esta só virá se juntarmos as nos- o objetivo 2 do documento acima "fortalecer, nas
sas forças, a semelhança da maioria das conquistas instâncias competentes, a concepção de educação
sociais desse país, que foram lutas dos trabalhado- infantil deferida neste documento", (pág. 21)
res e da sociedade civil. - Que esse Seminário tire alguma posição quan-
E preciso que essa articulação nacional que se to ao processo eleitoral que estamos vivendo, refor-
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Iniciarei minha participação neste painel tem muitos outros atores que estão sendo
usando um termo que tem vinculação com minha desconsiderados neste processo. E a partir daí qe
formação básica, a medicina. O sufixo "ite", em levantamos nossa primeira reflexão sobre as ONGs
medicina, designa todo e qualquer processo infla- - qual a real representatividade destas organizações?
matório. A inflamação, do ponto de vista biológico, O protagonismo assumido por alugumas ONGs, em
corresponde a um processo de proliferação, de au- nome de sua representatividade, nem sempre encon-
mento, de tal forma que uma área inflamada vai tra correspondência no mundo social, não encon-
estar aumentada de tamanho (tumor) e quente e ver- trando relação entre a sua atuação e o universo dos
melha (rubor). Explico agora a referência ao pro- movimentos sociais e seus "beneficiários". Vejo, por
cesso inflamatório. Testemunhamos no Brasil e no exemplo, com muita preocupação, o fato de que o
mundo, nos últimos dez anos, uma proliferação do diálogo sobre políticas sociais tem sido restrito à
processo "ONG" Existe uma febre de ONGs, uma participação das organizações internacionais, às
"onguite". A prova disso é que em todos os fóruns ONGs e ao Estado, sendo os beneficiários diretos
de debate na sociedade sempre se reserva um espa- (professores e pais) sistematicamente excluídos do
ço para a discussão do papel das ONGs. Por esse processo. E esse é um aspecto que considero per-
motivo, para discutir o papel das ONGs nas Políti- verso e perigoso.
cas de educação infantil, estamos realizando este Gostaria de chamar atenção sobre um outro
painel. aspecto, a compreensão e caracterização do trabaho
Esta ocupação de espaços, esta proliferação, das ONGs como uma "ação alternativa". Vamos
deve nos levar necessariamente a fazer uma revisão então retomar o tema de funções e papéis. O papel
sobre todo esse processo. Quando nos referimos às das ONGs é o de substituir a ação do Estado? Será
ONGs e à onguite, existe sempre um grupo que con- que as ONGs estão criando um novo Estado, dentro
trapõe a esse aspecto um outro, a "estatite". Ou seja, do velho Estado? Muitas vezes, após analisar o
o que deve predominar: o Estado ou as ONGs? Quais discurso e ação de algumas ONGs, incluindo aí seus
são os verdadeiros papéis, funções e responsabili- esquemas de financiamento, estas instituições se
dades de cada um desses elementos na construção comportam como verdadeiros Estados dentro do
de uma proposta coletiva? No fundo existe uma ten- Estado. Em relação a isso lembro um comentário
são muito grande nessa discussão. do professor Silvio Sant'Anna, da Fundação Gru-
E muito importante observar que existe um po Esquel, "Qual o sentido de substituir a ação de
perigoso reducionismo em achar que os únicos ato- um ditador - o Estado - pela ação de um ditador
res na arena social são as ONGs e o Estado. Exis- benevolente - as ONGs?"
Gostaria de refletir agora, como medico que não se usa o termo "ONG" e sim "entidades priva-
sou, qual a etiologia, a origem deste fenómeno? A das de desenvolvimento". As ONGs, hoje, são enti-
proliferação e protagonismo das ONGs, de certa dades privadas. Elas são responsáveis por um pro-
forma, foi fruto da ineficiência, proposital ou não; cesso de profissionalização acoplado a mercado de
abriu-se o espaço de atendimento às demandas da trabalho emergente, gerador de empregos e renda
população, num esquema ágil e flexível que, graças para setores da classe média de formação técnica
ao poder de negociação e articulação de suas lide- ou superior. Quantos de nós não têm sua sobrevi-
ranças, superou a açao dos sindicatos e movimen- vência garantida pelo espaço do não-govemamen-
tos populares. tal9 Financiados pelo Estado0 Estaria havendo uma
A saúde e o meio ambiente foram as primei- nova forma de Keynesianismo - o Estado gerando
ras áreas em que o movimento popular avançou na através das ONGs emprego e renda?
substituição, ou melhor dizendo complementação Seria importante que, ao lado das discussões
das atribuições do Estado. Houve uma explosão de sobre funções e papéis das ONGs em relação ao
ONGs especializadas nos dois temas. Na educação, Estado e à sociedade civil, incluíssemos um novo
o fenómeno, mais expressivo na educação infantil, ponto: a ética dessas relações.
é relativamente recente, talvez porque, apesar de ser Muitas ONGs se defrontam com problemas
consagrada em discursos como bandeira prioritária, de legitimidade, representatividade e, além disso,
somente agora, em função da nova onda com um desvio de seu principal objetivo - o
organizacional com prioridade para competitividade "empowerment" de seus beneficiários - para inves-
e qualidade, a Educação esteja, efetivamente, na tir no seu auto-fortalecimento institucional. E ne-
pauta das preocupações sociais. cessário que os fóruns e associações de ONGs
Outro motivo para o fenómeno do que estão sendo criados não se convertam em orga-
protagonismo das ONGs nas áreas sob responsabi- nismos de defesa corporativa de seus interesses
lidade do Estado foi a ausência de canais de partici- institucionais restritos, invertendo assim a predo-
pação efetiva no tocante às discussões dos proble- minância dos fins sobre os meios. As ONGs não se
mas sociais, das pautas e agendas da sociedade bra- constituem num fim em si mesmas.
sileira. Aos poucos, a população foi se organizando Aproveito a oportunidade para lançar uma
no sentido de criar estes canais de participação efe- discussão sobre o papel dos organismos internacio-
tiva. Isto porque os conceitos de acão e nais, em especial sobre o UN1CEF. E preciso que
desenvolvimento comunitário e o tipo de participa- sejam revistos, urgentemente, os protagonismos as-
ção oferecidos a ela eram, muitas vezes, simbóli- sumidos por estas organizações e que utilizemos
cos. A população, frustrada com essas experiênci- essas posições privilegiadas no sentido de
as, começou a buscar outras alternativas para cnar reequilibrar as forças sociais e a distribuição de
seus próprios espaços Isto impulsionou o fenómeno poder dentro do pais. Uma organização internacio-
dos movimentos sociais e, posteriormente, o nal não deve assumir, como vem acontecendo, um
surgimento e consolidação das ONGs. Assim, papel de um ministério paralelo. É preciso que a
enquanto não surgirem espaços efetivos de partici- posição de negociador privilegiado dos organismos
pação, esses fenómenos vão continuar a crescer, pois internacionais reverta em beneficio dos atores naci-
se há ausência de canais de participação num meio onais - movimentos populares e ONGs
ansioso por ela, movido pelo desejo de participar, O risco de não assumirmos imediatamente a
que nasce do sentimento gregário e coletivizante, discussão da ética nas relações entre os atores soci-
não pode haver satisfação com uma participação ais envolvidos nas negociações de políticas sociais
simbólica; ela quer ser efetiva. é o da criação de um novo autoritarismo no país.
Em todo este tema há um aspecto que me pre- Por que estamos tratando desses temas neste
ocupa de forma particular: trata-se da questão da Simpósio? Acredito que seja por considerarmos este
identidade das ONGs. Em Honduras, por exemplo, espaço importante para discutirmos todos estes
A ATUAÇÂO DAS ORGANIZAÇÕES NÀO-GOVERNAMENTAIS NA ÁREA DA EDUCAÇÃO INFANTIL
A ATUAÇÃO DA
PASTORAL DA CRIANÇA
Maria Lúcia Thiessen *
Dizer o quanto estou satisfeita e orgulhosa por reflexões e também em suas ações.
estar aqui, pode ser repetitivo, porém quero afirmar
que estou realmente me sentindo muito bem na situ- O que é e o que faz a Pastoral da Criança?
ação de representar uma ONG na Comissão Nacio- A Pastoral da Criança é uma das pastorais soci-
nal de Educação Infantil, instituída pelo MEC. Esta ais de Confederação Nacional dos bispos do Brasil
alegna deve-se à minha história pessoal, pois há - CNBB e foi criada em 1983 com a missão bem
muitos anos venho trabalhando pela educação das específica de ajudar na redução da mortalidade in-
crianças menores de seis anos, em órgãos governa- fantil. Então, todas as ações iniciais da Pastoral e
mentais. que continuam existindo, porque continuam neces-
Gostaria de abrir um parêntese nesta abordagem sárias, têm este objetivo.
para acrescentar àqueles marcos que o Naspolini Trabalha-se o acompanhamento de gestantes, o
citou, no histórico da Educação Infantil que acabou incentivo ao aleitamento materno, a utilização do
de fazer, mais um, que considero muito importante soro caseiro, o estímulo à vacinação, todas ações
para a educação no Brasil, que foi o ano de 1974. muito voltadas à sobrevivência das crianças e à
Há exatamente vinte anos o MEC, pela primeira manutenção de sua saúde..
vez, criou um grupo de trabalho, que logo transfor- Durante esses onze anos, a Pastoral ampliou-se
mou-se em uma coordenação, para pensar a educa- e atinge hoje todo o pais com um número significa-
ção pré-escolar no âmbito do Ministério. tivo de famílias e crianças envolvidas. E, à medida
De acordo com os conhecimentos da época, cui- que desenvolve suas atividades, a Pastoral da Cri-
dava-se apenas da educação das crianças de quatro ança vem refletindo sobre sua atuação, avaliando-a
a seis anos, com todo um viés compensatório. En- e introduzindo novas ações que buscam a melhoria
tretanto, foi um ponto de partida, um marco da maior da qualidade de vida das crianças e das comunida-
importância para que pudéssemos hoje estar aqui, des que apoia.
depois de uma caminhada longa e atribulada. Temos certeza de que salvar vidas não é sufici-
Enfim, depois de tantos anos como funcionária ente. E preciso dar às nossas crianças a oportunida-
do governo, estou assesssorando uma entidade não de de desenvolvimento pleno. E nós sabemos que
governamental, a Pastoral da Criança, e isso me essa oportunidade ela tem primeiro na sua família,
permite perceber os dois lados. Considero a não go- na sua comunidade, com as pessoas que a cercam.
vernamental não só como "a pulga que perturba o Então, a Pastoral vem deslocando o eixo de seu
elefante", mas principalmente como o parceiro que trabalho, não deixando de realizar as ações de saú-
pode ajudar em muito os órgãos do governo em suas de, mas acrescentando-lhes a preocupação com o
desenvolvimento infantil de modo integral. que acompanham entre dez e vinte famílias, suas
As atividades realizadas pela Pastoral não pre- vizinhas. Assim, todo o trabalho da Pastoral está
tendem substituir a família, nem manter serviços de apoiado nessas líderes, que recebem uma
saúde, creches ou pré-escolas. O que se procura é capacitação específica para que possam discutir com
criar uma rede de apoio técnico que leve até à famí- as famílias sobre o desenvolvimento das crianças,
lia a oportunidade de refletir sobre aspectos tio re- visto sob os seus diversos ângulos: físico, sócio-
levantes como as questões ligadas à saúde e ao afètivo e cognitivo.
desenvolvimento da criança. Esta é uma visão bem resumida do trabalho da
Esse trabalho se realiza através de líderes co- Pastoral da Criança. Temos no "stand" vários do-
munitários que são, na sua grande maioria, mulhe- cumentos que especificam mais nossas atividades e
res com um nível de escolaridade bastante baixo, que podem ser consultados, se houver interesse.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Gostaria de louvar a iniciativa do MEC de influir, juntamente com outros segmentos da socie-
realizar este Simpósio, e de organizar este painel dade, nas políticas públicas voltadas para essa po-
para que possamos discutir a atuação das ONGs no pulação.
Brasil, o que mostra compreensão da importância Atualmente fala-se muito em ONG Gosta-
dessas organizações. ria de explicitar um pouco mais sobre o que enten-
Vou abordar brevemente, em minha apresen- demos por ONG e diferenciá-la de outras organiza-
tação, alguns pontos que considero importantes nes- ções da sociedade civil, tais como: associações de
sa temática, muitos deles já tratados pelos compa- moradores, sindicatos, movimento de mulheres e
nheiros deste painel. outros. Entendemos as ONGs como organizações
Primeiramente quero situar o que é o CAPC compromissadas com politicas de luta pelo fortale-
- Centro de Apoio a Projetos Comunitários. É uma cimento da democracia e melhona das condições de
organização não-governamental sem fins lucrativos, vida da população. São organizações de profissio-
com sede em Fortaleza e atuação em todo o Estado nais de qualificação variada, em geral de nível su-
do Ceará, que desenvolve trabalhos de assessoria perior, oriundos dos movimentos que oferecem as-
às organizações populares, e que tem como objeti- sessoria e prestam serviços ao movimento e à soci-
vo o fortalecimento e a melhoria de vida da popula- edade, de forma geral.
ção. O CAPC se mantém através da prestação de Um ponto que gostaria de abordar é a relação
serviços, projetos e convénios com prefeituras, go- Estado-ONG. As ONGs surgiram no final da déca-
verno do Estado, órgãos federais e organismos in- da de 60 e inicio da de 70. A sua atuação deu-se no
ternacionais, como o UN1CEF, com o qual desen- confronto com o Estado, já que vivíamos num regi-
volvemos vários projetos dirigidos principalmente me ditatorial e dai o nome "não governamental".
para crianças, adolescentes e mulheres. Seu traba- Em 80, com a anistia e a volta dos exilados e presos
lho é basicamente de assessoria e capacitação me- políticos, verificamos um aumento significativo das
diante treinamentos, oficinas, cursos e seminários ONGs em todo o País. Entre 80-90, as ONGs co-
para educadores, adolescentes, mulheres e adoles- meçam a exercer um importante papel na prestação
centes-gestantes. de serviço para o movimento popular e é também a
No tocante à educação infantil e aos direitos partir dessa época que o movimento de mulheres e
das crianças, é nas creches comunitárias e nos Con- de outros segmentos populares inicia a luta por cre-
selhos de Direitos e Tutelares que o CAPC tem uma ches. Com a quase ausência do Estado, que pouco
maior atuação, buscando sempre o fortalecimento e investe em políticas para a infância, as entidades
populares de atendimento à criança e as ONGs de
a melhoria do atendimento à criança, e procurando
assessoria passam a ser atores importantes tanto esteve na linha de frente da luta pelos di reitos da
para a população atendida como para os órgãos criança, que estamos conseguindo fazer ouvir as
governamentais. O Estatuto da Criança e do Ado- nossas propostas e influir na política pública do
lescente e a criação dos Conselhos dos Direitos inau- estado do Ceará.
guraram uma nova era no País, em relação aos di- No nosso entender, o grande papel das enti-
reitos da criança. dades organizadas, da sociedade civil e das ONGs
Vou citar uma reflexão que fiz sobre uma de assessoria, é colocar em pauta as discussões sobre
experiência da qual participei na primeira gestão o atendimento às crianças nas creches e nas pré-
do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do escolas, e acima de tudo, influir nas politicas públi-
Adolescente e que está na agenda do CAPC: "A cas dos Municípios, dos Estados e do Pais.
nossa experiência aqui no Ceará, integrando o Con- Não basta ter projetos exitosos. Sem essa
selho Estadual, tem sido bastante rica. Sentam-se à perspectiva política, nosso trabalho não alcança seus
mesa representantes das sociedades civis e órgãos objetivos; torna-se pequeno. Para terminar, quero
executores das politicas para discutir, respeitando- dividir com vocês algumas questões que estão sem-
se mesmo nas divergências, porque é na diferença pre presentes em nossas discussões, e que merecem
que se constrói". ser debatidas por todos nós que trabalhamos com a
É desafiador discutir e propor ações que criança.
garantam à criança e ao adolescente uma vida São três perguntas: Qual é o dever do Estado
adequada e digna. A experiência que vivemos no em relação à educação infantil? É importante a par-
Ceará não tem sido muito diferente daquela exis- ceria Estado-ONG? Como fàzê-la sem perder a au-
tente no restante do Brasil, mas digo, com a cer- tonomia, respeitando o papel de cada ator e suas
teza de pertencer a uma instituição que sempre diferenças?
A questão da
qualidade na
Educação
Infantil:
experiências
internacionais
MESA REDONDA
Expositores:
Fúlvia M. B. Mott Rosemberg
Jytte Juul Jensen
Maria Victoria Peralta Espinosa
Coordenação:
Angela M. Rabelo K Barreto
A QUESTAO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
Recentemente foram publicados dois livros que profissional; metas que orientam a melhoria da aten-
descrevem e discutem a educação infantil numa pers- ção dada à criança pequena, críticas ao funciona-
pectiva internacional: o importante livro de Robert mento atual dos programas e perspectivas para sua
Myers The Twelve who survive, apresenta e dis- superação vão aparecendo nos estudos de caso dos
cute políticas e programas visando ao desenvolvi- países escandinavos, da França, dos Estados Uni-
mento e cuidado de crianças pequenas do Terceiro dos, do Canadá e assim por diante. Porém, da mes-
Mundo que sobrevivem ao 1o ano de vida. Seu ar- ma forma que no livro de Robert Myers, a questão
gumento principal é que a humanidade deve ultra- é pouco mencionada ou discutida nos relatos dos
passar a perspectiva da sobrevivência física e in- países do terceiro mundo, sejam eles da Ásia, Afri-
vestir em programas que integrem componentes que ca ou América Latina No capítulo sobre o Brasil,
auxiliem as crianças concretizar seu potencial indi- que tive o privilégio de escrever, analiso o debate
vidual e social. Lendo o livro, analisando os capítu- sobre quantidade x qualidade, apresento a diversi-
los, tópicos e índice remissivo, nenhuma palavra dade de experiências públicas brasileiras no plano
sobre qualidade do atendimento. da qualidade e lastimo o baixo padrão médio do aten-
O outro livro, organizado por MoncriefT dimento à criança pequena oferecido no Brasil.
Cochran, International handbook of child care Assim é que a primeira constatação se impõe: os
policies and programs, contém estudos de casos países subdesenvolvidos, em desenvolvimento ou do
nacionais sobre políticas e programas de educação Terceiro Mundo, de um modo geral, voltaram-se,
infantil em 29 países do mundo tanto desenvolvido nas últimas décadas, quase que exclusivamente para
quanto subdesenvolvido. Este é, sem dúvida, o li- uma política de expansão do atendimento,
vro e estudo em perspectiva internacional que reu- desordenada, caótica, e praticamente nada avança-
niu a maior diversidade de países quanto à localiza- ram no plano do debate e da implantação de pro-
ção geográfica, estágio de desenvolvimento econó- gramas de qualidade. Daí a necessidade, neste
mico e social, sistema político. Lendo-se os capítu- Simpósio, de se apelar para experiências estrangei-
los e analisando-se o índice remissivo, observa-se ras, principalmente de países desenvolvidos, para
que o tema da qualidade está presente, e muito, mas discutir a qualidade da educação infantil.
principalmente nos estudos de caso de países de- É necessário, também, que deixe claro que não
senvolvidos. estou afirmando que nos países do terceiro mundo
Questões como critérios de qualidade para o fun- não existam experiências de educação infantil de
cionamento de creches e pré-escolas; investimento qualidade. Seja na tradição da pré-escola, da escola
na melhoria da qualidade através da formação do maternal ou dos jardins da infância é possível en-
EDUCAÇÃO INFANTIL NA
COMUNIDADE EUROPEIA
Jytte Juul Jensen **
Lamento não saber falar português. Em pri- formar que sou mãe. Tenho três filhos (e que neste
meiro lugar, gostaria de dizer que tenho muito pra- momento estão muito longe daqui). Quando meus
zer em ter sido convidada para vir ao Brasil parti- filhos eram pequenos frequentavam centros de edu-
cipar deste Simpósio. cação infantil na Dinamarca. Esta experiência tam-
É a primeira vez que cruzo o oceano e esta é bém é relevante pois, evidentemente, enquanto mães
uma experiência muito especial. Quando se vai a e pais sabemos o que é bom para nossos filhos.
um país estrangeiro, desde que se desce do avião, A União Europeia é constituída por 12 Esta-
comeca-se a perceber, intensamente, muitas coisas dos que estabeleceram acordos de cooperação polí-
novas. Você sente o clima, os cheiros; você percebe tica e económica. Outros quatro Estados estão3, ago-
a cultura local Você colhe a folha de um arbusto e ra, se candidatando à condição de membros dessa
ela é totalmente diferente da que você conhecia. O União. A Comunidade Europeia, a partir de 1957,
gosto da comida é novo, entra-se em contato com através do Tratado de Roma, lançou as bases de um
pessoas diferentes e que se comportam de um modo programa de igualdade de oportunidades para as
muito diverso daquele com que se está acostumado. mulheres. Este programa - que foi reformulado nes-
Esta experiência abre sua mente e seus sentidos. te período - proporciona as bases legais para a pro-
Penso que isto que se experimenta ao visitar um posta e a implantação de políticas que visam a eli-
país estrangeiro é o que ocorre normalmente com as minação de desigualdades sociais entre os sexos.
crianças: é possível afirmar-se que as crianças têm As atividades da Rede se inserem neste programa
todos os seus sentidos abertos a novas experiênci- de igualdade de oportunidades entre os sexos. An-
as. Como profissionais de educação infantil deve- tes, porém, de tratar das atividades da Rede farei
mos fazer com que as crianças aprendam e usem as um breve apanhado sobre a situação da educação
centenas de linguagens de seus sentidos.1 infantil nos Estados-membros da União Europeia.
Sou professora: leciono para profissionais de
educação infantil. Além disso, sou consultora, re- A Educação Infantil na União Europeia
presentando a Dinamarca, junto à Comissão Euro- De início destacarei a participação das mu-
peia - órgão executivo da União Europeia2 - que lheres - em especial das mães - no mercado de tra-
conta com um Conselho Consultivo de Educação balho. Observa-se uma tendência, na Europa, de que
Infantil (Advisory Board for Childcare) Nossa um número cada vez maior de mães trabalhem fora
função é prestar consultoria à Comunidade Euro- e isso, evidentemente, gera a demanda de serviços
peia e a políticos europeus. Também gostaria de in- que atendam as crianças enquanto estão no traba-
* Palestra proferida no I Simpósio Nacional de Educação Infantil em Brasília, agosto de 1994. Tradução e edição: Fúlvia Rosemberg, Fundação
Carlos Chagas e PUC-SP.
•* Representante da Dinamarca na Comissão Europeia de Atendimento à Criança e Outras Medidas para Reconciliar as Responsabilidades de
Trabalho e Família.
A QUESTAO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
lho. Em média, 50% de todas as mães nos 12 Esta- - nurseries, no original) particulares (sem nenhu-
dos-membros trabalham fora de casa. No entanto, ma subvenção pública) mas elas são muito poucas,
esta porcentagem varia entre os Estados-membros: com exceção do Reino Unido. Isto ocorre porque
na Dinamarca encontra-se a maior porcentagem de esse país considera que o cuidado e a educação da
mulheres no mercado de trabalho: 95% das mães criança pequena é um assunto privado, da alçada
dinamarquesas trabalham fora. Em seguida à Dina- das mulheres e das famílias. Aí grande parte das
marca vem Portugal (com uma taxa de emprego creches financiadas, com verba pública são desti-
materno equivalente a 68%) e, logo depois, a Fran- nadas a crianças ou famílias em "situação de risco"
ça e a Bélgica. As taxas de trabalho materno na ou com dificuldades económicas.
Espanha, Holanda, Irlanda, em Luxemburgo e no A taxa de cobertura de 5% esconde intensa
Reino Unido são muito baixas. variação de país para país: a França e a Bélgica
Quando se focalizam os programas europeus atendem aproximadamente 20% das crianças com
de atendimento a crianças pequenas, observam-se menos de 3 anos, metade delas em escolas mater-
diferenças notáveis. Muitos dos problemas que vocês nais (a outra metade em creches) que recebem cri-
enfrentam no Brasil também ocorrem na Europa. anças a partir dos 2 anos. A Dinamarca constitui a
Vamos iniciar examinando a licença maternidade1 exceção mais notável, porque dispomos de um sis-
Para se entender o serviço oferecido à cnança, com tema público nacional (descentralizado) para cri-
menos de 3 anos, é necessário que se atente para o anças com menos de 3 anos e que atende, aproxi-
que é oferecido à mãe ou aos pais. Que formas de madamente, metade das crianças dinamarquesas
licença existem no país? Trata-se de uma licença desta faixa etária.
maternidade, paternidade ou parentalidade? A mai- Programas para crianças entre 3 anos e a
oria dos paises da União Europeia oferece algum idade da escolaridade obrigatória. Nas idades que
tipo de licença com duração de pelo menos três precedem a entrada no sistema educacional obriga-
meses. Alguns países oferecem licenças bastante tório, muitos países oferecem de dois a três anos de
longas. educação infantil seja em pré-escola (preschool) ou
Vou organizar a descrição do atendimento à jardim da infância (kindergarten). Outra vez, as
cnança em torno de três faixas etárias: até 3 anos; melhores taxas de atendimento entre os 3 e os 6 anos
entre 3 anos e a entrada na escola: e discutirei, bre- (80% aproximadamente) ficam para a França, Bél-
vemente, os serviços para "depois da escola", isto gica, Itália e Dinamarca.
é, para crianças que já estão em idade escolar. Um dos problemas da pré-escola frente às
Crianças com menos de 3 anos. Em todos necessidades das mães que trabalham fora decorre
os paises existe algum tipo de programa financiado de seu horário de funcionamento. Muitas pré-esco-
com verba pública para crianças com menos de 3 las funcionam poucas horas por dia. Por exemplo,
anos de idade. Muitos destes programas são do tipo na antiga Alemanha Ocidental, uma minoria de jar-
creche (group or centre-based care) Alguns pou- dins da infância funcionam mais de 4 horas por dia.
cos países - Dinamarca, França, Bélgica e Portugal Poucos atendem em período integral.
- dispõem, também, de creches domiciliares finan- Atendimento depois da escola. Na União
ciadas com verba pública e intregadas ao sistema Europeia, a educação compulsória se inicia entre as
de cuidado/educação infantil. Considerando-se to- idades de 6 ou 7 anos. Aqui também ocorre um pro-
dos os Estados-membros, o atendimento financiado blema decorrente do horário de funcionamento das
com verbas públicas atinge apenas 5% das crianças escolas. Em muitos países, a duração da jornada
com menos de 3 anos. Isto é, muitas crianças nesta escolar - quatro, cinco ou seis horas por dia - é
faixa etária são cuidadas por suas mães ou avós. incompatível com a jornada do trabalho materno
Evidentemente, as famílias recorrem a alter- em tempo integral. Assim, muitas mães e pais têm
nativas privadas, como baby sitters ou mães- que encontrar arranjos complementares à escola para
crecheiras5. Existem também creches (ou berçários o atendimento de crianças em idade escolar. Na Di-
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
namarca, Franca e Bélgica dispomos de um núme- frui do mesmo nível de formação, do mesmo paga-
ro considerável de serviços para depois da escola, o mento e demais condições de trabalho. Este profis-
que não é habitual em outros Estados-membros. sional recebe uma formação especializada pós se-
Como se pode observar, os serviços de aten- cundária (college) durante 3 anos e meio.
dimento à criança em muitos países europeus care- Esta coerência filosófica e organizacional não
cem de coerência. Observam-se inconsistência e significa, porém, que tenhamos um único modelo
desigualdade entre os diferentes tipos de serviços de serviço: penso que a Dinamarca prevê uma di-
destinados às diferentes faixas etárias. O exemplo versidade considerável de modalidades de atendi-
mais óbvio provém da comparação entre os progra- mento. Considero esta diversidade de ofertas como
mas que atendem crianças menores de 3 anos e os um indicador de qualidade pois possibilita uma gama
que são destinados às maiores de 3 anos. Ambos diversificada de opções aos pais.
são necessários às crianças enquanto seus pais Para ilustrar esta diversidade do atendimen-
trabalham fora. Mas eles são financiados de forma to na Dinamarca gostaria de descrever um progra-
diferente. O pessoal dispõe de niveis de formação ma recente, o "jardim da infinda na floresta" (wood
diferentes: na pré-escola o pessoal dispõe de algum kindergarten). Atualmente existem aproximada-
tipo de formação; nas creches, geralmente, o pesso- mente cem jardins da infância deste tipo em meu
al não recebe formação especializada ou sistemáti- país. Eles atendem crianças de 3 a 6 anos. Não pos-
ca. Escolas maternais e pré-escolas são disponíveis suem prédios. Algumas vezes têm um ônibus. Assim,
em maior número, porém seu horário de funciona- toda manhã, às 9 horas, as crianças vão a um bos-
mento é insuficiente. que e lá desenvolvem as atividades, voltando para
Além disto, os programas tendem a enfatizar casa as 3 horas da tarde. É uma modalidade de aten-
objetivos diversos: cuidado para crianças com me- dimento que agrada a muitos pais. Seu objetivo bá-
nos de 3 anos e educação para as maiores de 3 anos. sico é contar para as crianças tudo sobre a natureza
Enquanto a pré-escola enfatiza apenas o lado da e ensiná-las a preservá-la. A verba que seria desti-
aprendizagem - e deixa de lado o que considero nada à manutenção de um prédio, neste caso, é re-
aspectos mais essenciais da vida da criança -, a servada para a aquisição de roupas especiais (o in-
creche enfatiza apenas a dimensão de cuidado dei- verno na Dinamarca é rigoroso), transporte, etc. Os
xando de lado aspectos educacionais. Estas dife- educadores são, também, pessoas qualificadas como
renças também se refletem nas instâncias governa- em qualquer outro jardim da infância.
mentais responsáveis pelos serviços: as creches fi-
cam, geralmente, sob a responsabilidade dos seto- A Rede Europeia e os Critérios de Quali-
res ligados à saúde e a pré-escola à educação. Além dade
desta inconsistência administrativa observa-se, tam- E possível afirmar que a União Europeia há
bém, ausência de colaboração entre os setores. algum tempo vem demonstrando interesse pela edu-
Devo reconhecer que meu país vem desen- cação infantil. A principal razão, como já foi dito, é
volvendo um sistema coerente de cuidado e educa- o compromisso com a igualdade de oportunidades
ção infantil. Todos os serviços para crianças antes para homens e mulheres no mercado de trabalho.
da idade escolar estão sob a responsabilidade de um Consideramos que para que esta igualdade de opor-
único departamento, geralmente o de bem estar so- tunidades ocorra, é necessário que as crianças te-
cial (social affairs) Todos os serviços atendem do nham acesso a cuidado e educação de boa qualida-
nascimento (após a licença maternidade) aos 3 anos de.
e dos 3 aos 6 anos; ambos desempenham as mes- A Rede - cuja primeira denominação foi Rede
mas funções - cuidar e educar; o horário de funci- Europeia de Atendimento à Criança Pequena6 - foi
onamento é o mesmo para ambos os serviços; as criada em 1986 pela Comunidade Europeia. Ela é
condições de trabalho do pessoal, um importante composta por um consultor representando cada um
indicador da qualidade, são equivalentes, pois usu- dos países que compõem a União (então somos 12
A QUESTAO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
pessoas compondo a Rede) e mais um coordenador. um dos temas de meu trabalho na Rede. Escrevi um
O papel da Rede é monitorar as políticas de cuida- texto para discutir quais as estratégias para envol-
do e educação infantil. Avalia políticas, propõe e ver um número maior de homens em programas de
divulga critérios para a definição da qualidade que atendimento à criança pequena7. Sei que teremos
se deseja atingir nos programas de cuidado e edu- um longo caminho até chegar lá, mas é necessário
cação infantil. que se comece a caminhar. Na Dinamarca, os ho-
Para se entender melhor as atividades da Rede mens representam aproximadamente 20% dos pro-
e as propostas de critérios de qualidade para o aten- fissionais que trabalham nos centros de educação
dimento à criança, é necessário lembrar que, se de infantil. E no curso (college) onde leciono, os ho-
início, a Comunidade Europeia se definia mais por mens representam 20% dos alunos estudando para
acordos económicos, atualmente ela se constitui, serem trabalhadores de creche. Nossa esperança é
cada vez mais, em uma União política. Assim, em que se consiga avançar mais quanto a este aspecto.
1992, o Conselho de Membros da Comunidade Eu- Quando analisamos estas recomendações,
ropeia adotou uma recomendação sobre o atendi- percebemos que podem fornecer, em seu conjunto,
mento à criança pequena, que foi apoiada pelos 12 um definição para que os serviços atinjam bons ní-
Estados-membros. Isto significa que esta recomen- veis de qualidade.
dação tem o respaldo político de toda a União Eu- Em seguida, vou descrever os objetivos es-
ropeia. Ao analisá-la percebe-se que se trata de re- pecíficos que constituem critérios de qualidade para
comendações abrangentes, tendo uma ampla pers- serviços de cuidado e educação infantil.
pectiva, destacando-se quatro pontos. 1) A necessi- Antes de tudo, destaca-se a cobertura, ou
dade de que existam políticas e programas destina- quantidade, da oferta destes serviços. Devem exis-
dos ao atendimento de crianças pequenas. 2) A ne- tir vagas suficientes tanto em zona urbana quanto
cessidade de licença maternidade e paternidade, pois
rural. Os serviços devem se localizar próximo aos
pode-se ter bons programas para as crianças, mas
locais de moradia, ter seu acesso facilitado
que serão insuficientes, principalmente para as mu-
(affordable) aos pais e horário apropriado de fun-
lheres, se não se avançar na questão da licença ma-
cionamento. Porém, proporcionar apenas cuidado
ternidade. 3) Além desses aspectos, é preciso pen-
que seja seguro não é suficiente, é necessário que o
sar na organização da vida de homens e mulheres
que não são apenas trabalhadores, mas que são tam- atendimento tenha, também, uma abordagem
bém pais e mães, que têm filhos e um lar. Esta pers- educativa. Os serviços não podem ser "estaciona-
pectiva leva a que se reflita sobre a extensão da mentos" de crianças.
jornada de trabalho (se é, ou não, compatível com Os serviços devem reconhecer e valorizar a
as funções materna e paterna) e outros aspectos re- diversidade das crianças que atendem dando espe-
lativos às condições de trabalho. Quanto a este pon- cial atenção à diversidade étnica. Devem, também,
to, penso que nenhum país tenha elaborado políti- acolher crianças portadoras de deficiências.
cas adequadas. 4) O quarto ponto refere-se à parti- Outro princípio aponta que os programas
cipação dos homens. devem manter interações intensas com os pais e a
comunidade local. Deve existir, também, diversida-
Se observo o público deste simpósio, verifi- de de tipos de atendimento, o que significa
co que é o mesmo que encontro na Europa. Se fico multiplicidade de escolha para os pais. Deve ocor-
contente de encontrar alguns homens na plateia, rer coerência entre os serviços, continuidade de ação,
observo que são poucos. Para se atingir a verdadei- disponibilidade (availability) e atenção a todos os
ra igualdade de oportunidades, penso que se deve aspectos das necessidades infantis.
envolver mais intensamente o pai na função de cui- Quando os serviços são pagos (o que geral-
dar das crianças. Devemos nos empenhar com afin- mente ocorre na maioria dos países), os pais devem
co para envolver mais intensamente os homens no dispor de financiamento para faze-lo. Porém, o as-
campo do cuidado e educação infantil. Este tem sido pecto mais importante é que os profissionais devem
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
usufruir de nível de formação, salário e condições Canadá e se está cogitando de traduzi-lo, também,
de trabalho adequados. Esse trabalho deve ser re- em português falado no Brasil. O documento tem
conhecido como atividade profissional. As mulhe- sido, também, muito usado na Dinamarca.
res que não são adequadamente pagas estão, de feto, Vou destacar alguns aspectos da filosofia que
realizando um trabalho filantrópico, de auto-ajuda. norteou a elaboração deste documento. Trata-se de
Satisfazer estes últimos critérios significa, na prá- um texto para discussão. Procura reconhecer a di-
tica, respeitar o princípio de igualdade de oportu- versidade que existe entre os Estados-membros, o
nidades entre os sexos. que acarreta uma série de implicações na discus-
Considero que estes objetivos compõem uma são de qualidade. Assim, o documento não dá uma
boa definição de qualidade. Porém as recomenda- única resposta sobre o que é qualidade; também não
ções vão mais além, insistindo que se deve dispor fixa padrões. Ele é composto por uma série de per-
de um sistema organizacional capaz de implementar guntas organizadas em torno de grandes tópicos.
estes objetivos. Deve-se ter um quadro de referen- A filosofia do documento contempla três prin-
cia nas políticas sociais e pessoas que sejam res- cípios fundamentais: a definição de qualidade é um
ponsáveis e coordenem estes serviços. Deve-se dis- exercício que recorre a uma escala de valores; a
por de ambiente físico adequado e, naturalmente, qualidade pode ser vista na perspectiva das própri-
que o sistema seja articulado, ocorrendo planeja- as crianças, dos pais ou da família e dos profissio-
mento de infra-estrutura, monitoramento, supervi- nais que não assumem, obrigatoriamente, os mes-
são, pesquisa e desenvolvimento. mos valores; toda definição de qualidade é, de certa
Talvez, um dos aspectos mais importantes é forma, transitória.
dispor de recursos suficientes para financiar este O documento procurou definir a qualidade
sistema. Isto nem sempre ocorre na Europa e, nem com base nas necessidades das crianças considera-
mesmo, na Dinamarca. São estes os princípios con- das a partir de valores que correspondem a que os
tidos nas recomendações da Rede Europeia que, do autores entendem como direitos das crianças. Uma
meu ponto de vista, são politicamente muito impor- dimensão filosófica importante do documento é que
tantes. a definição de qualidade é relativa. Ela será sempre
marcada por nossos valores, que refletem nossas
O Documento sobre Qualidade da Rede crenças, que nunca são objetivas. Então, o docu-
Europeia mento explicita quais são os valores e os objetivos
A Rede tenta representar 200 milhões de pes- que perseguimos para que o cuidado e a educação
soas na Europa. Devemos procurar atingir a maior infantil sejam de qualidade.
audiência possível para discutir critérios de quali- Esta abordagem é bastante diferente daquela
dade de cuidado/educação infantil. Os critérios de subjacente à postulação de critérios de qualidade
qualidade prepostos pela Rede Europeia foram na tradição psicológica norte-americana. Tais abor-
publicados em um documento intitulado Qualida- dagens destacam um menor número de indicadores
de dos Serviços para Crianças Pequenas: um do- que são traduzidos em critérios quantitativos: crité-
cumento de reflexão. Este documento sobre quali- rios como, por exemplo, proporção adulto/criança,
dade foi elaborado para ser discutido por todos: metros quadrados por criança a serem respeitados
pessoal, pais, políticos e técnicos; para ser usado nas construções etc. Nossa opinião é que uma pers-
em todos os tipos de serviços, por qualquer cliente- pectiva mais ampla é mais adequada, pois esta tra-
la ou pessoa. Nossa intenção ao produzir este docu- dição excessivamente académica, orientada apenas
mento para discutir a qualidade foi a de atingir a por uma visão de desenvolvimento da criança, não
população como um todo e não apenas os políticos. discute valores e, neste caso, não se discutem pon-
O documento foi traduzido em dez línguas diferen- tos de vista que podem ser diversos.
tes e milhares de cópias foram publicadas na Euro- Estes critérios tradicionais nunca explicitam
pa e em outras partes do mundo. Foi usado nos EUA, uma visão global, nem as metas de política ou as
A QUESTÂO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
práticas para o atendimento de crianças pequenas. serviços; politica claramente estabelecida contem-
Também não mencionam como implementar crité- plando princípios bem definidos; embasamento
rios de qualidade; como assegurar que o nível de legislativo apropriado; investimento de recursos
qualidade esperado está sendo atingido. apropriado; planejamento, controle e investigação:
Que uso, então, podemos dar ao documento formação dos trabalhadores.
da Rede? Reconhecemos a diversidade de condições, "Em praticamente todos os Estados-mem-
a diversidade de perspectivas e de valores que coe- bros, a maioria das crianças tendo menos de 3 anos
xistem nos diferentes países. E, como disse antes, são atendidas e educadas pelos sistemas privado e
acreditamos que o próprio processo de explicitar a voluntário. Se, conforme nosso ponto de vista, to-
definição que se tem de qualidade é muito impor- das as crianças devem se beneficiar da igualdade de
tante. Definir a qualidade e desenvolver serviços que admissão em serviços tendo alta qualidade, isto pres-
sejam de boa qualidade é um processo a longo pra- supõe que, mesmo quando as soluções privadas ou
zo. O próprio processo é importante em si mesmo; voluntárias tenham a preferência do público, o con-
fornece oportunidades a pessoas e grupos de inte- trole da qualidade, o auxílio e a fiscalização, a dis-
resse para trocarem ideias e perspectivas, para per- ponibilidade e o custo dos serviços devem ser estu-
ceberem novas formas de ver, compreender, identi- dados da mesma forma que para os serviços finan-
ficar pontos de vista comuns e áreas em que ocor- ciados pelo setor público" (Reseau Européen des
rem divergências legítimas. Perde-se muito se assu- Modes de Garde d'Enfànts, 1991, p.20).
me uma perspectiva estática frente aos critérios de Resumindo: o documento da Rede Europeia
qualidade. Se não se discutem os critérios e con- propõe uma base de valores para orientar políticas
cepções de qualidade propostos pelos especialistas, e programas de atendimento à criança pequena;
não acredito que o trabalho possa ter o impacto de- apresenta métodos (estratégias) para discutir como
sejado na prática das políticas e dos programas de estes valores podem ser traduzidos em prática, ten-
educação infantil. do em mente, é claro, a diversidade de situações
O documento é composto de duas partes: na observadas nos Estados-membros da União Euro-
primeira, estabelece dez áreas que deveriam ser con- peia, realidade tão diversa e complexa quanto a bra-
sideradas nas discussão sobre qualidade, na análise sileira. Discutimos os critérios e o que é necessário
da qualidade de um serviço; na segunda parte for- fazer no sentido de assegurar a implementação de
nece uma análise das ações governamentais, a dife- serviços de qualidade e a igualdade de acesso a to-
rentes níveis, para assegurar que os serviços sejam das as crianças.
de qualidade. Para finalizar, gostaria de informar que aca-
Na primeira parte as dez áreas contempladas bamos de produzir um vídeo intitulado Serviços
foram: facilidade de acesso e flexibilidade de utili- de qualidade na Dinamarca e no Norte da Itália.
zação; ambiente físico adequado (promove saúde, Considera-se que, atualmente, a Dinamarca e o
segurança, prazer estético e intelectual e Norte da Itália dispõem dos melhores programas
estimulação); dimensão educativa e/ou de aprendi- europeus de cuidado/educação infantil. Trata-se de
zagens; relações entre as pessoas (crianças, crian- um vídeo (duração 15' aproximadamente) que apre-
ças e profissionais, profissionais); a participação senta alguns dos programas considerados como
dos pais; relações com a comunidade local; valori- bons, belas fotos de diferentes serviços, seu ambi-
zação da diversidade (raça, sexo e deficiências); ente físico e como montá-los.
avaliação das crianças; controle financeiro (em es- A Dinamarca, juntamente com a Suécia, são
pecial relação custo/benefício); ética e coerência. os países cujas políticas nacionais de atendimento à
No plano das políticas (segunda parte), o criança pequena são tidas como as mais avançadas
documento refere-se a estratégias a nível do gover- do mundo. Porém, temos ainda vários pontos críti-
no central e local. Em especial, a nível central o cos em nossos sistemas, e continuamente temos que
texto propõe: abordagem coerente e coordenada dos redefinir a qualidade desejada. Temos, também, que
I SIMPÓSIO NACIONAL De EDUCAÇÃO INFANTIL
propor novas modalidades de atendimento que re- (quando prevê licença para ambos os pais). Cf.
flitam, de certa forma, modificações na vida cultu- European Commission Network on Childcare:
ral, política, e, evidentemente, económica do employment, equality and caríng for children
país.Recebemos visitantes de vários países para (1992).
conhecer nosso sistema de cuidado/educação infan-
5) Usamos a expressão mãe crecheira (para
til. Caso venham à Europa, terei muito prazer em
traduzir nourrice do francês e child minder do
mostrar-lhes nossos programas. Obrigada.
inglês), tipo de atendimento não-formal, diferen-
ciando-a de creche domiciliar, modelo mais for-
Notas da tradução malizado como o francês assistante maternelle
1) A autora se refere à poesia de Loris ou o sueco kommunala familjedaghem
Malaguzz - Invence II Cento C'è - E que passou a
6) A tradução do nome da Rede varia de país
ser título do livro de Edward, C. P et ai (orgs.). The
para país: por exemplo, em francês é denominada
hundred languages of children: the educatíon of
Réseau Européen des Modes de Garde d'Enfants;
ali the children in Reggio Emília, Italy. Norwood,
em italiano, Rete per la Infanzia de la Commission
N.J, Ablex, 1994.
Europea; em português de Portugal denominaram-
2) "A União Europeia (UE) substitui a anti- na de Rede Europeia de Acolhimento de Crianças.
ga Comunidade Económica Europeia (CEE), cria- Preferimos traduzir em português do Brasil como
da em 1957. O bloco, oficializado em 1992 pelo Rede Europeia de Atendimento à Criança Pequena.
Tratado de Maastricht, visa a criação de um merca- Em 1992, a Rede passou a ser denominada em in-
do interno único, com uma moeda própria (a ECU, glês European Commission Network on Childcare
prevista para entrar em vigor até 1999) e um siste- and Other Measures to Reconcile Employment
ma financeiro e bancário comum. A UE também and Family Responsabilithes que traduzimos por
prevê a unificação das políticas externas e de defe- Rede da Comunidade Europeia para Atenção á In-
sa, das leis trabalhistas, de imigração e de combate fância e outras Medidas para Reconciliar as Res-
ao crime, além de garantir cidadania única para to- ponsabilidades de Trabalho e Família. Esta mudan-
dos os habitantes dos países-membros. É formada ça de denominação traduz a ampliação do foco da
por Alemanha, França, Reino Unido, Irlanda, Rede. Cf. Rosemberg, Fúlvia e Campos, Maria
Holanda (Países Baixos), Bélgica, Dinamarca, Itá- Malta (orgs.) Creches e pré-escolas no Hemisfé-
lia, Espanha, Portugal, Luxemburgo e Grécia. A rio Norte. São Paulo, Cortez/FCC, 1994, p.10.
partir de janeiro de 1995 Áustria, Finlândia e Sué-
cia devem se integrar ao bloco. Várias repúblicas 7) Cf. Juul, 1993 na bibliografia.
da ex-URSS já apresentaram pedido de filiação. Os 8) Cf. Rosemberg, Fúlvia e Campos, Maria
principais órgãos da UE são a Comissão Europeia, Malta (orgs.). Creches e pré-escolas no Hemisfé-
o Conselho de Ministros e o Parlamento Europeu." rio Norte. São Paulo, Cortez/FCC, 1994.
(Almanaque Abril 1995 São Paulo, Ed. Abril.,
1995, p. 237). 9) O vídeo encontra-se disponível na
videoteca da Fundação Carlos Chagas.
3) A palestra da prof. Jytte Juul Jensen foi
proferida em agosto de 1994, antes da adesão da BIBLIOGRAFIA
Áustria, Finlândia e Suécia à União Europeia. O
quarto país referido seria a Noruega que, pelos re- BALAGEUR, Irene, MESTRES, Juan e PENN,
sultados do plebiscisto realizado em 1994, não se Helen. Qualité des services pour les jeunes
integrou à União Europeia. enfants Bruxelles, Reseau Européen des
Modes de Garde d'Eniànts; Commission des
4) Em diferentes países pode-se encontrar li- Communanutés Européennes, 1991.
cença maternidade, paternidade e parentalidade
JENSEN, Jytte Juul Men in Childcare Services -
A QUESTAO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
a Discussion Paper. Comunicação apresentada reciprocity between genders in the care and
no Seminário Internacional "Men as carers: upbringing of children", Ravenna, Itália, Maio
Towards a culture of responsability, sharing and 1993.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Quero, em primeiro lugar, agradecer aos crianças estavam numa mesma sala impessoal, sem
organizadores deste simpósio e ao MEC por ter a a família, nem ninguém presente. Havia tédio, gran-
oportunidade de estar com vocês, conhecer suas des períodos de inatividade e espera nos momentos
experiências e poder compartilhar as experiências de rotina. Havia imobilidade afetiva, motora e inte-
chilenas na área de educação infantil. lectual. Os objetos estavam fora do alcance de cri-
O tema da qualidade é muito interessante aca- anças ativas. Eram elementos que são pouco próxi-
démica, prática e politicamente. Academicamente, mos ao seu mundo, à sua subcultura, como as tarta-
recordo as palavras de Pedro Demo, quando, em rugas-ninjas ou outros que eram habituais no tra-
um de seus livros, disse: "como pode ser que de balho pedagógico. Era a massificação na pseudo-
algo tão importante não conhecemos nada?" Ele faz educação infantil: as reproduções em mimeógrafò,
uma análise do quão pouco tem-se tratado do tema o mesmo desenho para todas as crianças que o fazi-
da qualidade. E tem razão. Qualidade vem do latim am no mesmo momento, com o mesmo material,
"qualitas" e significa "propriedade inerente a uma sem seleção. Havia muito pouco respeito à pessoa,
coisa", quer dizer, no caso da educação, seria o ine- às diferenças individuais. O educador, um profes-
rente à educação. Portanto, falar de qualidade na sor distante, em sua mesa, não interagia com as cri-
educação soa estranho, porque educação sem qua- anças.
lidade não tem sentido. E inerente a ela. Educação, Se observássemos mais detidamente, não
para que se chame educação, deveria ser sempre poderíamos relacionar a cultura com o currículo de
com qualidade. Mas algo tem se passado no mundo cada creche ou jardim. Por exemplo, na Ilha de
da educação infantil, porque em todos os países se Páscoa (Easter Island), onde há uma cultura muito
fala em qualidade em educação como coisas sepa- rica, a creche nada refletia dessa cultura. Era como
radas. se estivesse em qualquer outro lugar; não tinha iden-
Quando o governo democrático tomou pos- tidade. Muitas vezes, verificamos um exagerado uso
se no Chile, em 1990, a política para a educação de elementos provenientes de outras culturas. Não
infantil foi: expansão, equidade e qualidade. é que se queira fechar as crianças em suas sub-cul-
Voltamo-nos, então, para o interior de nossas cre- turas. Mas, quando todos os dias, os contos, as ima-
ches e pré-escolas para ver o que se passava. E não gens e os livros mostram figuras de pessoas loiras,
gostamos do que estava acontecendo. Vimos crian- enquanto no Chile pouquíssimos são loiros, - a gran-
ças com olhares tristes, sem movimento, sem de maioria tem cabelo preto e olhos escuros, princi-
mobilidade. Meninos de dois anos que deveriam palmente nos setores pobres - então, há um proble-
caminhar e brincar, estavam quase presos. Muitas ma de auto-estima. Não se pensava em um conto
que começasse assim: "Era uma vez uma linda prin- mília e da comunidade configurando comunidades
cesa de olhos e cabelos negros". Devido à domina- educativas. A educação infantil nunca se propôs a
ção da televisão e das imagens comerciais, desco- substituir a família: Froebel deu início ao atendi-
brimos que nossas crianças, muitas vezes, sabiam mento às crianças com uma grande participação dos
muito mais sobre os animais, culturas, costumes, pais.
governos e formas de se vestir de outros países, do Este critério é especialmente importante nes-
que das coisas do seu próprio país Por exemplo, se nível da educação, uma vez que a atenção à cri-
sabiam mais sobre um camelo do Saara do que da ança pequena requer a atuação dos agentes envolvi-
lhama, que é um camelo americano. A própria de- dos com diferentes aspectos como a saúde, a nutri-
coração das creches, as figuras das paredes não eram ção, a proteção, a formação e, em especial, a trans-
os elementos mais ricos, mais positivos da cultura missão do amor. A isto se soma o fato de que é este
ocidental. E, muitas vezes, tudo isso produzia, e o período em que a família e a comunidade se sen-
produz caos, tédio. tem mais vinculadas à criança, no plano afetivo, e,
A partir dessa análise, estabelecemos quatro portanto, estão mais sensíveis e abertas a ações deste
critérios básicos de qualidade, que deveriam ser tipo, que podem ter efeitos replicáveis e continua-
adotados por todos os programas de educação in- dos. Uma participação realmente ativa da família e
fantil, no Chile. Três deles são considerados critéri- da comunidade, incorporando-se ao processo com
os permanentes ou inerentes à educação infantil. O uma compreensão e atuação, desde o diagnóstico, a
critério de atividade, diz respeito ao papel constru- tomada de decisão, sua implementação, execução e
tivo da criança na aprendizagem. Este fàtor deve avaliação, dá aos pais uma dimensão diferente que
guiar o desenvolvimento de todo currículo da edu- cremos ser necessário resgatar. Permite não só um
cação infantil, já que nele se assenta o conceito de melhor currículo para as crianças mas o crescimento
Homem que todos desejamos favorecer: dinâmico, de todos através dele, porque melhorar a auto-esti-
com iniciativa, criador, dotado de criticidade; en- ma, a autogestão, a responsabilidade e a busca de
fim um descobridor e realizador que assuma seu soluções para os diversos problemas que a família
papel de protagonista. Este critério, embora sempre popular e média enfrenta, deve ser também uma ta-
almejado, ainda é difícil tornar-se efètivo. refa que, como nação, devemos ir assumindo, em
benefício de nossas crianças. Em nosso diagnósti-
Um segundo critério, o da integralidade, sig-
co, verificamos que nem os irmãos, nem outros
nifica que o currículo e as experiências de aprendi-
membros da família colaboravam no trabalho com
zagem devem ser integrais; que desenvolvam nas
as crianças e esta participação é um aspecto muito
crianças os aspectos afetivos, intelectuais e
importante.
psicomotores. Descobrimos que, na maioria das
vezes, em nossos programas, era desenvolvido ape- O quarto critério diz respeito aos países em
nas o aspecto motor; o intelectual e/ou o afetivo eram desenvolvimento, aqueles que têm sido dependentes
menos enfatizados, como se as cnancas fossem pe- cultural, económica, histórica e educacionalmente.
quenos robôs. E importante que haja equilíbrio entre Têmo-lo chamado de "critério de pertinência cul-
as competências afetivas, motoras e intelectuais, tural dos currículos". Os currículos para as crian-
considerando-se que se a criança está em uma etapa ças não são neutros. Implicam uma seleção cultural
em que se estruturam as bases desses comportamen- que precisa ser feita de fato, dando os melhores
tos e que, portanto, deve dar-se uma variedade e aportes dos distintos meios culturais e da cultura
alternância deles, é necessário buscar equilíbrio de própria. A pertinência cultural não é uma
objetivos, auvidades, materiais, recursos intangíveis folclonzação do currículo. E muito mais profundo:
e indicadores de avaliação, que são os meios atra- significa considerar os valores das culturas local,
vés dos quais o currículo pode prover a estimulação nacional, latinoamericana e também ocidental, mas
e desenvolvimento dessas competências. com uma seleção do melhor de cada uma, de acordo
O terceiro critério é o da participação da fa- com a realidade das crianças. Trata-se de dar maior
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
ênfase à cultura mais próxima, mais significativa, com auto-estima e segurança, mas abertas ao mun-
mais concreta; aproveitar mais, no currículo, os re- do da tecnologia, da modernidade. Estimulou-se o
cursos que nossas culturas nos dão. desenvolvimento de uma criança que se põe para
Esses quatro critérios são considerados bási- cima, com auto-estima, com esperança, com força,
cos e de acordo com eles temos trabalhado. Por que é o que precisamos para a nossa realidade.
exemplo, em relação ao primeiro, o da atividade, A esses quatros critérios acrescentamos o da
fazemos algo muito básico. Discutimos com os edu- flexibilidade, uma vez que era necessário desen-
cadores, fazendo um paralelo entre o que chama- volver programas diferenciados para realidades dis-
mos "um currículo passivo" e um "currículo ati- tintas, das crianças e de suas famílias. O modelo
vo", quanto ao papel do educador, o papel da crian- clássico de creche é um modelo usado, por exemplo,
ça, o ambiente físico, a organização do tempo em nas grandes cidades, onde há grande concentração
um panejamento criativo, uma avaliação de crianças cujas mães trabalham todos os dias saído
participativa e flexível. Assim, fomos fazendo um necessário um grande estabelecimento, com comi-
auto-diagnósticopara que os educadores chegassem da e outros serviços. Mas a realidade da criança
a um currículo mais ativo para as crianças. Após chilena, como a de toda a América Latina, não é só
uma história de 17 anos de governo autoritário, abri- essa. Existem as crianças do campo, as crianças
ram-se as portas das creches e pré-escolas às con- das zonas isoladas. E, para, elas, a realidade do jar-
tribuições da família e da comunidade. Revisou-se dim, da creche, nem sempre é a mais adequada.
o critério de integralidade e, em função da pertinência Assim criamos programas diferentes para estas re-
cultural dos currículos, começamos a trabalhar alidades distintas, os quais descreverei a seguir,
Com estes critérios, a realidade começou a O programa "Jardim Familiar" se destina às
mudar lentamente: estabeleceu-se uma relação ho- crianças dos campos, das zonas rurais, onde a mãe
rizontal dos adultos com as crianças, um ambiente não trabalha e, portanto, pode ir a um centro ajudar
afetivo e caloroso, de crescimento pessoal, ativo, um técnico que atua com as crianças. Desta forma,
onde as crianças descobrem, exploram e brincam a família colabora permanentemente com quem está
com materiais de diferentes tipos. O ambiente se encarregado do jardim.
enriqueceu, por exemplo, com elementos de sua A creche tradicional, onde a criança fica to-
cultura local. Não é o mundo do plástico vermelho, dos os dias para a mãe trabalhar, é cara. Tínhamos
amarelo, azul; nele estão nossos materiais naturais, creches muito cheias de crianças cujas mães, às
que como o plástico, fazem parte de um mundo vezes, não trabalhavam todos os dias. Então, para
multicultural As famílias entraram nas salas - os elas se criou um programa que se chama "Salacuna
pais, os avós e os irmãos maiores, estudantes, aju- no hogar" (creches em casa). Há uma educadora
dam os irmãos pequenos. que ensina as mães a serem melhores educadoras de
Há um problema na nossa América Latina: seus filhos. Ela trabalha com as mães e as crianças
muitas crianças e poucos recursos humanos. As- nas suas casas e também na creche, mas a criança
sim, só a família pode ajudar no trabalho do educa- não fica ali todos os dias.
dor. Os jovens, os estudantes das comunidades vêm No Chile democrático, descobrimos e valori-
trabalhar com as crianças, com elementos e materi- zamos, pela primeira vez, a população indígena.
ais de sua cultura. Saíram um pouco os cavalheiros Assim, criou-se um programa especial para as co-
loiros, as damas loiras, as paisagens longínquas, e munidades indígenas, para valorizar sua cultura.
entraram as paisagens muito próximas de onde eles Elas participam ativãmente da criação, da aplica-
crescem, a cultura do passado e a do presente. Por ção e da avaliação do programa.
exemplo, na zona mais austral do Chile, onde estão O sul do Chile é uma zona muito fria. Chi-
as torres de petróleo, elas se tornaram elementos de le é uma palavra indígena que significa "o extre-
conhecimento; crianças usando chapéu - muito típi- mo do mundo". Mas o extremo do Chile é muito
co de certa cultura chilena e símbolo de identidade - frio, é uma zona de gelo e aí há crianças muito
A QUESTAO DA QUALIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: EXPERIÊNCIAS INTERNACIONAIS
distantes e muito isoladas. Um jardim ou uma Para finalizar, há um outro aspecto da quali-
creche não teria nenhum sentido. Seria impossí- dade que considero essencial e diz respeito à América
vel sair com as crianças. Assim, criamos um pro- Latina. Pela quantidade de latinoamericanos que
grama que se chama "Jardim a Distância" ou somos, o poder de decisão que temos no mundo é
"Creche a Distância". E um programa radiofónico muito pequeno. Por trás disso, há um problema de
para as mães, que também recebem um manual qualidade da formação das pessoas, desde a educa-
para estimulação das crianças em casa. Elas são ção infantil, à educação básica e secundária, até a
visitadas periodicamente pelas educadoras. É um universidade. Nesse sentido, são importantes as
programa muito impressionante, quando se con- mensagens que Gabriela Mistral e Paulo Freire es-
sidera que naquela região a temperatura é de 10 tão dando ao mundo - a Pedagogia da Esperança.
ou 20 graus abaixo de zero. Devemos pensar numa América Latina com mais
O Chile exporta frutas, e nesta atividade há autonomia, mais segurança, auto-estima e
muito trabalho ocasional para a mulher na época criatividade.
da colheita. Por isso, temos um programa especial Nós educadores sabemos que qualidade é algo
para os filhos das mulheres que trabalham na co- essencial, mas não somos nós que tomamos as deci-
lheita. sões. Precisamos, portanto, ser capazes de conven-
Nas grandes cidades estão os jardins, as cre- cer os setores políticos e económicos sobre a im-
ches, com bons estabelecimentos, mas sempre há portância da educação com qualidade. É preciso
mais crianças do que as que podemos atender. Além saber expressar-se em termos económicos sobre os
disso, nem todas elas precisam estar todo dia no programas de educação infantil - referir-se a eficá-
jardim. Então, nos fins de semana - sábado e do- cia, custo/benefício, custo/efetividade, pois esses são
mingo - a creche abre e recebe crianças que são argumentos essenciais para os que tomam as deci-
atendidas por um educador. O programa se chama sões. Uma vez mais penso que, com a perspectiva
"Pátio Aberto". Durante a semana, a mãe trabalha da Pedagogia da Esperança, e com um trabalho crí-
com as crianças com o manual de estimulação e tico e sério de convencimento, devemos trabalhar
com um educador que vai ao domicílio. para uma educação infantil de melhor qualidade,
Há também as grandes creches, do modelo com mais equidade, não deixando de fora a expan-
tradicional, com educador, técnicos e muitas crian- são.
ças, num bom local, em que estamos tentando im-
plantar um currículo ativo. As mães estão lá den- BIBLIOGRAFIA
tro, os objetos estão ao alcance das crianças e o
espaço foi adaptado às suas necessidades. DEMO, Pedro. Ciências Sociales e calidad -
Um outro programa é o chamado "Jardim Narcea, Madrid, 1988.
Familiar Laboral", em que uma metade das mães
trabalha e a outra metade não. As mães que não PERALTA E. Maria Victoria. Critérios de Calidad
trabalham recebem também aporte solidário das curricular para una educacion inicial
outras mães para cuidar das crianças nos horários latínoamericana - JUNJI, Santiago, 1992.
em que elas não estão trabalhando. (mimeo).
Recomendações
do I Simpósio
Nacional de
Educação
Infantil
RELATÓRIO - SÍNTESE
Equipe de relatoria:
Angela Rabelo Barreto
Carmem Craidy
Fúlvia Rosemberg
Maria Fernanda Rezende Nunes
Rita de Cássia Coelho
Solange Jobim e Souza
Vicente Faleiros.
RECOMENOAÇÕES DO I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
ximação com os municípios, universidades e orga- educação como um todo. É necessário que na LDB
nizações não-govemamentais. É preciso desenvol- sejam assegurados recursos para a Educação In-
ver o apoio técnico e financeiro aos municípios, res- fantil, recuperando-se emendas propostas e que fo-
peitando-se o princípio do federalismo cooperativo, ram suprimidas no projeto em tramitação no Con-
para que se possa resguardar a autonomia de cada gresso Nacional. Fontes como o Fundo da Criança,
esfera, com o máximo de colaboração. previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, e
A integração horizontal das políticas para a o Salário-Educação devem ser analisadas, devendo
infância, hoje, depende não apenas dos executivos o MEC assumir a liderança no exame e encaminha-
como também dos diferentes conselhos, que deve- mento de propostas.
rão articular as propostas para saúde, assistência, Há pouca transparência sobre a aplicação dos
educação e direitos da criança. O CONANDA e os recursos em educação, em todas as instâncias de
Conselhos de Direitos da Criança estaduais e muni- governo. E imprescindível que haja um controle
cipais poderiam assumir um importante papel nes- democrático dos orçamentos, gastos e repasses, com
se processo. a ação efetiva dos Tribunais de Contas. Os progra-
mas de Educação Infantil são implementados, em
5. Quantidade e qualidade do atendimento grande parte por meio de convénios, que via de re-
A expansão da oferta de vagas em creches e gra, implicam procedimentos extremamente buro-
pré-escolas deve ser buscada dentro de uma políti- cráticos e grande dispêndio de tempo. É preciso
ca pública, com normas definidas, sem descuidar- haver agilidade no uso dos recursos, porém sem as
se da qualidade. O horizonte deve ser a própria cri- marcas do clientelismo, com transparência de crité-
ança e suas necessidades. rios e prestação de contas.
A qualidade é processo contínuo e dinâmico:
reflete valores, crenças e objetivos. Há necessidade 7. Informações para o planejamento e ava-
de que critérios de qualidade sejam estabelecidos e liação
cumpridos, levando sempre em conta as necessida- As informações sobre a oferta de atendimen-
des e direitos fundamentais da criança, no que se to infantil, seus custos, qualidade, etc ainda são de-
refere à educação e ao cuidado. Espaços físicos ficientes. E necessário organizar um sistema de in-
adequados, proposta pedagógica, diversidade e va- formações que desempenhe papel estratégico no pla-
riedade de serviços, relação com a família e a nejamento e na avaliação das ações de Educação
comunidade, continuidade das ações, qualificação Infantil.
e condições de trabalho dos profissionais, são alguns Os levantamentos de informações sobre edu-
dos fatores de qualidade que devem ser assegura- cação devem incluir, de forma desagregada, toda a
dos nos programas de atendimento infantil. faixa etária de zero a seis anos. E necessário que o
IBGE inclua quesitos sobre a Educação Infantil nos
6. Financiamento da Educação Infantil censos e na PN AD, caracterizando o tipo de estabe-
O financiamento não deve ser considerado lecimento que a criança frequenta, as razões pelas
como política pública, mas como instrumento da quais frequenta, o horário em que ela frequenta e as
mesma. Enquanto tal, deve estar subordinado a ob- razões da não frequência.
jetivos politicamente definidos. A sociedade precisa Há necessidade que se desenvolvam pesqui-
mobilizar-se em tomo dos objetivos que considerar sas de avaliação dos diferentes atendimentos á cri-
mais válidos. E necessário explicitar e enfrentar os ança pequena.
conflitos para determinar prioridades e equacionar As organizações não-govemamentais exer-
objetivos políticos com recursos técnicos e finan- cem importante função ao produzir dados de for-
ceiros. ma alternativa, e ao criar e manter canais de aces-
O financiamento da Educação Infantil deve so às informações. E imprescindivel que as in-
ser considerado como parte do financiamento da formações sejam divulgadas e que a Sociedade
RECOMENOAÇÕES DO I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Civil possa acompanhar as ações de política pú- que o fazem, e ainda, na democratização de in-
blica. Nesse sentido, também representam papel formações, na mobilização da Sociedade Civil e
estratégico os Conselhos de Direitos da Criança na mediação entre os anseios da população e os
e do Adolescente. serviços do Estado. Verifica-se, entretanto, que
o atendimento prestado pelas não-governamen-
8. Formação e valorização do profissional tais é extremamente diversificado, e a qualidade
de Educação Infantil é, muitas vezes, precária.
A formação do profissional das creches epré- A omissão do Estado tem levado a ocupa-
escolas deve estar baseada na concepção da Educa- ção de certos espaços pelas organizações não-
ção Infantil como primeira etapa da educação bási- governamentais, o que, no entanto, não exime a
ca. Deve buscar a superação da dicotomia educa- responsabilidade do Poder Público. Cabe ao Es-
ção/assistência, levando em conta o duplo objetivo tado a formação de políticas mais amplas, o pla-
da Educação Infantil de cuidar-educar. nejamento e explicitação de normas, devendo
A formação deve ser entendida como direito buscar, nas parcerias com outras organizações,
do profissional, o que implica a indissociabilidade a transparência no repasse de recursos e presta-
entre formação e profissionalização. Diferentes ní- ção de contas, com critérios negociados entre as
veis e estratégias de formação devem ser geradoras partes.
de profissionalização, tanto em termos de avanço Há necessidade de se criarem mecanismos de
na escolaridade, quanto no que se refere à progres- avaliação do impacto e do processo de atuação das
são na carreira. organizações não-governamentais, cujas fontes de
Para responder à diversidade de situações hoje financiamento e prioridades de ação devem-se tor-
existentes tanto nas creches como nas pré-escolas e nar públicas e transparentes. Deve-se superar o ris-
à mutiplicidade de profissionais que atuam na área, co de que essas organizações tomem-se um fim em
toma-se necessário elaborar e avaliar propostas di- si mesmas, fortalecendo-se interna e
ferenciadas de formação, seja em nível de segundo corporativamente, em detrimento do fortalecimento
grau, seja em nível superior. E necessário também dos movimentos sociais.
aprofundar os estudos sobre as especificidades do Faz-se necessário repensar a ética das rela-
trabalho com crianças de diferentes idades dentro ções entre organizações não-governamentais, orga-
da faixa etária de 0 a 6 anos. nismos internacionais, agências nacionais e inter-
As universidades devem assumir papel im- nacionais de fomento, Estado e beneficiários.
portante na formação inicial e continuada do pro-
fissional de Educação Infantil, bem como na pes- D - MOÇÕES APROVADAS NO SIMPÓSIO
quisa e no avanço do conhecimento na área. E ne-
cessário promover uma discussão da atuação dos 1. E de fundamental importância a aprova-
Conselhos de Educação, buscando superar o exer- ção da nova LEI DE DIRETRIZES E BASES DA
cício de funções apenas normativas, burocráticas e EDUCAÇÃO, para que possamos implementar no-
cartoriais. A excelência do projeto pedagógico deve vas ações para a Educação Infantil.
ser prioritária na revisão dos critérios norteadores Os participantes do I SIMPÓSIO NACIO-
da ação dos Conselhos. NAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL apelam para o
caráter prioritário desta matéria junto ao CON-
9. O papel das Organizações Não-Gover- GRESSO NACIONAL
namentais na área da Educação Infantil
Várias organizações não-governamentais 2. Que o MEC encaminhe mensagem ao
vêm exercendo papel importante na área da Edu- CONGRESSO NACIONAL no sentido de que se-
cação Infantil, seja no atendimento direto às cri- jam assegurados recursos específicos para a aréa
anças, seja na assessoria a outras organizações da EDUCAÇÃO INFANTIL
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
3. Que o EBGE inclua quesitos sobre Educa- sistência social, ONGs etc).
ção Infantil nos censos e nas PNADs, cobrindo toda
a faixa de 0 a 6 anos de forma sistemática e conti- 5. "Que haja continuidade do debate acerca
nua. do papel da Universidade na formação do profissi-
onal de Educação Infantil, estabelecendo-se um
4. É função do MEC incentivar estratégias fórum que inclua as instituições de Ensino Superior
de articulação de diversos setores e ou instituições que realizam esta formação, fórum este que se man-
comprometidas com a Educação Infantil nos niveis tenha articulado aos setores responsáveis pela
estaduais e municipais, na discussão e definição de destinação das Políticas de Formação na área e em
Políticas de Educação Infantil (educação, saúde, especial a Comissão Nacional de Educação Infan-
obras, abastecimento, planejamento, finanças, as- til."
I Simpósio
Nacional de
Educação
Infantil
Programação
Complementar
COMUNICAÇÕES: RESUMOS
Equipe de organização:
Fátima Regina T. Saltes Dias
Slela Maris Lagos Oliveira
Vitória Líbia Barreto de Faria
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL - PROGRAMAÇÃO COMPLEMENTAR
PROGRAMAÇÃO COMPLEMENTAR
RESUMO:
Este projeto pretende elaborar uma proposta de desenho curricular para o trabalho com crianças na
faixa etária de 4 a 6 anos, bem como oferecer indicativos para a formação do educador nessa área (tanto
em nível dos cursos de Magistério e Pedagogia, quanto no que diz respeito à formação continuada dos
profissionais em serviço).
Está sendo realizado no interior de creches e pré-escolas ligadas à Rede Municipal de Ensino de
Belo Horizonte, abarcando, por amostragem, as três instâncias onde acontece o atendimento nessa rede
(escolas-pólo, classes anexas de pré em escolas de 1o grau e no programa "Adote uma creche").
Em se tratando de um projeto de pesquisa que tem como concepção norteadora o movimento dialético
entre teoria e prática, a metodologia utilizada tem como meta um estudo etnográfico de cada unidade. Foi
feito, inicialmente, um estudo exploratório que propiciou a definição de categorias para o desenvolvimento
de uma pesquisa-ação.
RESUMO:
Este estudo procura traçar a trajetória da prática pedagógica desenvolvida nos Estágios Supervisi-
onados do 7o e 8o semestres do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul. O trabalho inicia apresentando as habilitações do Curso de Pedagogia: Pré-Escola, faz
uma breve abordagem dos estágios realizados ao longo do curso e aprofunda na caracterização do estágio
do 8o semestre (final do curso).
I SIMPÓSIO NACIONAI DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Como foco principal é então tomada a formação de professores entendida como uma prática, que
está em constante transformação, nesse sentido faz-se uma análise de alguns fàtores que intervêm nesta
formação, tais como: as concepções teóricas, o envolvimento dos alunos e as relações com as instituições
de origem. No desenvolvimento do estudo sobre a formação dos professores, faz-se também uma análise
de alguns instrumentos básicos de trabalho, como: reuniões gerais e planejamento participativo do traba-
lho, observações em sala de aula, entrevistas individuais, relatónos e reuniões com representantes de
escolas. A partir da análise desse processo de transformação da prática de ensino 7o e 8o semestres são
encaminhados alguns questionamentos que têm inquietado o grupo de orientação de estagio.
RESUMO:
O projeto objetiva: o atendimento a cnança de 0 a 6 anos, em regime de 8 horas, desenvolvendo
atividades sócio-educativas, numa ação globalizada que compreenda os aspectos psicológico, recreativo,
pedagógico e social, coordenado e monitorado por pessoal capacitado e supervisionado por técnicos devi-
damente habilitados nas áreas especificas; atendimento nutricional; complementação alimentar às crian-
ças e envolvimento dos pais através de discussões sobre temas como higiene, saúde, educação, aproveita-
mento e importância dos alimentos.
Busca-se transformar a creche em espaço educativo destinado ao atendimento de crianças capazes
de construir/reconstruir conhecimentos, rompendo, assim a dicotomia assistência/educação.
Nesse sentido, o projeto desenvolve ações visando a formação permanente dos educadores em ser-
viço, onde o embasamento teórico se faz a partir da discussão da prática.
RESUMO:
O Projeto Celeiro da Cidadania é um desafio às pessoas e às Instituições Públicas e Privadas do
estado no sentido de amparar e proteger as crianças em Creche, provendo-as de nutrição saudável trans-
formar as Creches em ambientes apropriados ao pleno desenvolvimento da criança, nos seus aspectos
fisico, mental, intelectual, afetivo e social, capacitar e qualificar coordenadoras, monitoras, pessoal de
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL - PROGRAMAÇÃO COMPLEMENTAR
apoio, corpo administrativo, através de cursos e treinamentos, utilizando a Creche como meio facilitador
no desenvolvimento de ações junto à família e à comunidade.
O Projeto representa na sua essência a preocupação de implementar ações múltiplas e propõe atra-
vés do equipamento social Creche o desenvolvimento de sete consistentes programas: a) Programa Creche
ampliada: visa ampliar as estruturas físicas; b) Programa vaga Ampliada: obtenção de recursos para
manutenção das crianças em Creche; c) Programa de Abastecimento, Controle e Racionalização de Cus-
tos: baratear o custo da alimentação das crianças em creche; d) Programa travessia: garantia de integração
entre a Creche e o ensino regular; e) Programa de Capacitação, Orientação e Condução ao Mercado de
trabalho: capacitar e encaminhar a mãe ao mercado de trabalho; f) Programa de Assistência Matemo-
Infantil: acompanhar o desenvolvimento da criança, nutricional de saúde, prestar assistência a gestante,
orientar no Planejamento Familiar; g) Programa de Treinamento pedagógico: ações Sistemáticas de
Capacitação de Recursos Humanos.
Os Programas serão coordenados por um Comitê-Estadual (hoje 76 Entidades como membros efe-
tivos) e executados em cada município, através de um Comité Executivo Municipal, integrado por co-
representantes das 76 Entidades que compõem o Comité Estadual.
O Projeto Celeiro da Cidadania será desenvolvido em três grandes linhas de ação: uma preventiva e
fora do âmbito da Creche, voltada diretamente para o trabalho com famílias carentes, outra de cunho
quantitativo visando abrigar em Creches grande contingente de crianças, a terceira que contempla a qua-
lidade dotará as creches de equipamentos e estruturas físicas adequadas e de recursos humanos qualifica-
dos. Todas essas ações serão deflagradas simultaneamente, certamente, uma será mais célere que a outra,
mas ao fim e ao cabo de seis anos, os aspectos qualitativo e quantitativo do Projeto haverão de estar
satisfeitos em sua inteireza e profundidade.
RESUMO:
Considerando o quadro histórico da educação infantil no município do Rio de Janeiro, marcado pelo
dualismo e paralelismo das ações institucionais, constituiu-se um grupo interinstitucional de trabalho,
envolvendo técnicos da SME e da SMDS Este grupo tem buscado indicativos para uma política articula-
da nessa área, definindo estratégias a serem realizadas a curto e a médio prazos.
Entende-se que o compromisso político assumido pelas duas secretarias, bem mais do que materia-
lizar o interesse do poder público na implementação de políticas articuladas de educação infantil, possibi-
lita projetar, no sentido de ousar, a construção de uma nova escola para criança dessa faixa etária, espaço
pnvilegiado para a construção de conhecimento e surgimento de práticas sociais renovadas.
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
RESUMO:
A Política de Educação Infantil de Maranguape, pressupõe a determinação de objetivos que visam
conectar a pré-escola e as duas primeiras séries do Ensino Fundamental como uma etapa única a ser
trabalhada, em momentos ou níveis, de acordo com o desenvolvimento e os avanços do educando o qual
deve ser visto como sujeito que pensa, que levanta hipóteses e constrói seus conceitos, seu espaço e sua
visão de mundo circundante. Pressupõe, ainda, a organização das turmas áulicas, por faixa etária, seja na
Creche, na Pré-Escola ou na própria Escola. Fundamenta-se, didaticamente, nas Técnicas Freinet e filoso-
ficamente no interacionismo piagetiano Toda esta postura demanda a interação de objetivos, metas e
ações das áreas: SAÚDE/EDUCAÇÃO/AÇÃO SOCIAL.
RESUMO:
Com o tema proposto pretende-se discutir o Programa de Educação Pré-Escolar do Projeto Inova-
ções no Ensino Básico (IEB), ligado à Secretaria de Estado da Educação de São Paulo.
O projeto IEB foi criado através de um Contrato de Empréstimo entre o Governo do estado de São
Paulo e o BIRD. Dirige-se prioritariamente à população escolar de baixa renda da Região Metropolitana
de São Paulo e propõe-se a melhoria da qualidade no ensino básico, desenvolvendo prioritariamente ações
para: expansão e melhoria da educação municipal de pré-escolar: o ensino fundamental nas escolas esta-
duais e desenvolvimento de um programa de saúde escolar.
RESUMO:
0 projeto "O Direito de Brincar - A Brinquedoteca" começou o ser desenvolvido em 1992 na
Fundação Abnnq pelos Direitos da Criança, com o intuito de divulgar e multiplicar a ideia da implementação
de bnnquedotecas, espaços de brincar em diversas instituições que trabalhassem com crianças. O objetivo
maior é de resgatar o espaço, o tempo, a oportunidade da criança brincar Foi editado um livro teórico-
prático que oferece orientação para a implementação dos espaços, sugestões de atividades a serem desen-
volvidas com as crianças, ideias sobre como classificar os brinquedos, como administrar as bnnquedotecas,
etc.
A equipe do projeto implementou 40 bnnquedotecas no país todo, em universidades, escolas, cre-
ches, hospitais, centros comunitários, bibliotecas, ônibus itinerantes, centros de saúde mental e museus
Cada instituição recebeu um kit de 150 brinquedos doados pelos fabricantes e um curso de formação
especifica oferecido pela equipe coordenadora. O desdobramento e o retorno tem sido muito alentadores.
RESUMO:
Este projeto se baseia na construção de espaços de aprendizagem, de oficinas, onde a criança possa
atuar de maneira global, vivenciando e explorando brinquedos no seu sentido mais amplo A oficina é
entendida enquanto oferta de um tempo e de um espaço para a criança brincar livremente, construindo seu
conhecimento do mundo de modo lúdico, transformando o real através da fantasia e da imaginação.
Além disso, o projeto tem como perspectivas o envolvimento de pais e educadores na construção da
proposta pedagógica da creche, evidenciando o papel da brincadeira no desenvolvimento infantil, bem
como a reflexão, observação e registro sobre o desenvolvimento das crianças, a partir do trabalho nas
oficinas
Foi desencadeada em 14 creches da Supervisão Regional do Bem Estar Social de Santana/Tucuruvi
e, posteriormente, socializado com a rede de creches diretas e conveniadas do município de São Paulo,
culminando com a edição da revista e vídeo: o prazer de Brincar.
RESUMO:
Este trabalho apresenta resultados de uma pesquisa que objetivou investigar a qualidade do atendi-
mento em "creches" e "pré-escolas" no RGS. Os dados foram coletados em 62 instituições do Estado:
públicas, privadas e assistenciais, através de observações e entrevistas com bases em seis instrumentos-
guia. A análise dos dados realizou-se tanto qualitativa quanto quantitativamente. A interpretação dos
resultados permitiu conclusões provisórias que apontam para a necessidade de que "Plano de Atenção à
Infância" contemple, sobremaneira, a valorização e qualificação dos trabalhadores das Instituições, entre
outras medidas referentes a restauração de prédios e aquisição de recursos e materiais.
Faculdade de educação/UF R GS
AV. Paulo da Gama S/N° - prédio 12.201 - CEP: 90.046-900
Porto Alegre - RS
Fone: (051) 228-1633 ramal 3262
Fax:(051)225-4932
RESUMO:
Este estudo analisa um projeto realizado em Mato Grosso do Sul em convénio estabelecido entre o
MEC, Secretaria Estadual de Educação e Unicamp/Faculdade de Educação, nos anos de 1983 e 1984, que
teve como objetivo implantar o Programa de Educação Pré-Escolar - PROEPRE, fundamentado na teoria
do conhecimento de Jean Piaget, apresentando-se como uma nova metodologia de educação Pré-Escolar
Para efetivar esta implantação foi necessário capacitar os professores que já atuavam em sala de
pré-escola através do Curso de Formação de Recursos Humanos em Educação Pré-Escolar.
A preocupação foi resgatar um programa que perseguia um nível de coerência entre a teoria e
prática, dentro de uma linha construtivista, procurando identificar nos trabalhos desenvolvidos em pré-
escolas, influência deste programa até hoje.
RESUMO:
A burocracia institucional tende a tranformar a criança num ser genérico, padronizado e receptor
I SIMPÓSIO NACIONAI DE EDUCAÇÃO INFANTIL - PROGRAMAÇÃO COMPLEMENTAR
anónimo de benefícios e serviços fragmentados que vão da assistência social à alfabetização, através da
escola.
E evidente que essa concepção da escola e do sujeito das aprendizagens, toma o espaço escolar uma
construção sem identidade que tanto poderia receber carros ou pessoas, cearenses ou catarinenses, indíge-
nas ou metropolitanos.
Felizmente no interior do sistema educacional, processa-se um movimento cada vez mais amplo,
que assume a criança como ser singular, profundamente imerso no grupo social, diverso.
Nessa interação dialética entre indivíduo e grupo, a escola tem papel fundamental, principalmente
nas nossas áreas urbanas de maior pobreza e porte, por ser o lugar público e coletivo por excelência.
Os espaços e ambientes destinados a essa escola e sua comunidade (crianças, professores, funcioná-
rios e vizinhos) não podem caminhar em oposição à concepção educativa. Mesmo quando condenados
conjunturalmente à tipificação, imposta pelo tempo político-financeiro, é preciso buscar a identificação da
escola com o seu lugar, sua história, sua gente e sua paisagem.
Quanto menor a criança, mais importante é esse cuidado.
As experiências que dialogam com estas concepções educativas, em diferentes condições e lugares,
apontam para uma riqueza de soluções possíveis tanto em projetos únicos, quanto em projetos com dife-
rentes graus de padronização.
RESUMO:
O Curso de Capacitação de Docentes (Monitores e Agentes Educacionais) Atuantes em Creches e
Pré-Escolas - CCD é promovido pelo Instituto para o Desenvolviemtno Integral da Criança e do Adoles-
cente - INDICA, com o patrocínio do DISOP, organização belga interessada na formação e aperfeiçoa-
mento de creches que acolhem crianças empobrecidas, bem como na melhoria da qualidade da Pré-Escola
Popular.
Sua realização é, pois, uma forma de destacar a importância dos primeiros anos de vida, faixa
I SIMPÓSIO NACIONAI DE EDUCAÇÃO INFANTILI - PROGRAMADO COMPLEMENTAR
RESUMO:
O presente projeto teve início em janeiro de 1994 com o término previsto para janeiro de 1996.
Estão sendo atendidos 250 profissionais de 15 instituições dos municípios de Osasco e São Paulo.
O projeto parte de uma visão construtivista da educação e tem como premissa básica a ampliação
do universo cultural das educadoras. Através de uma sistemática de acompanhamento da prática e ofici-
nas, o programa de capacitação trabalha com informações da literatura, artes e ciências em conjunto com
os conhecimentos sobre desenvolvimento e aprendizagem infantis.
As duas modalidades da formação, acompanhamento da prática e oficinas, estão incluídas na rotina
da creche e incluem um trabalho com:
- conteúdos novos;
- bons modelos de práticas pedagógicas;
- registro reflexivo do educador.
Os resultados iniciais já apontam mudanças significativas, na rotina, organização do espaço físico
produção das crianças e adultos.
CRECHEPLAN
Fax:(011)210 5249
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL
RESUMO:
A partir de uma reflexão sobre a importância da caracterização da educação infantil como um
espaço pedagógico que exige um trabalho qualificado, o Curso de Pedagogia da U.F.S.C, vem buscando
alternativas.
Nessa busca, vem tentando romper com algumas dicotomias que se expressam sobretudo na con-
cepção de organização curricular que separa teoria e prática, pesquisa e ensino. Foi nessa perspectiva que
foi organizado o Núcleo de Estudos da Educação de 0 a 6 anos. no interior do Centro de Educação da
UFSC, composto por professores dos cursos de graduação e da Creche Universitária, mestrandos do curso
de Pós-Graduação em Educação e alunos do curso de Pedagogia - Habilitação Pré-Escolar. O Núcleo vem
desenvolvendo ações relativas a estudos, levantamento bibliográfico, manutenção de banco de dados,
pesquisa e promoção de cursos de extensão, bem como a formação em serviço dos professores das redes
públicas.
I Simpósio
Nacional de
Educação
Infantil
Relação de
Participantes
I SIMPÓSIO NACIONAL DE EDUCAÇÃO INFANTIL - RELAÇÃO DE PARTICIPANTES
RELAÇÃO DE PARTICIPANTES