Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
DE GOVERNANÇA
CORPORATIVA
História do IBGC,
marcos e lições da experiência
www.ibgc.org.br
2a Reimpressão – 2012
Saint Paul Editora Ltda. é uma empresa do Grupo Saint Paul Institute of Finance S. P. Ltda.
Abertu
UMA DÉCADA
DE GOVERNANÇA
CORPORATIVA
História do IBGC,
marcos e lições da experiência
Todos os Direitos Reservados — É proibida a reprodução total ou parcial de qualquer forma ou por
qualquer meio. A violação dos direitos do autor (Lei n. 9.610/1998) é crime estabelecido pelo artigo
Impresso no Brasil / Printed in Brazil.
184 do Código Penal.
Depósito legal na Biblioteca Nacional conforme Decreto n° 1.825, de 20
de dezembro de 1907.
ISBN: 85-98838-14-4
Todos os Direitos Reservados — É proibida a reprodução total ou parcial
de qualquer forma ou por qualquer meio. A violação dos direitos do autor
(Lei n° 5.988/1973) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
Bibliografia.
ISBN 85-98838-14-4
05-6927 CDD-658.4006081
1a edição
1a tiragem: 2006
2a tiragem: 2006
Bradesco Templeton
A Bradesco Templeton – empresa pioneira na gestão de fundos focados em
governança corporativa – parabeniza o IBGC pela comemoração dos seus 10
anos, e por este importante trabalho. Antes confinadas às discussões de idealistas,
as boas práticas de governança são hoje condição fundamental para o sucesso
de nossas empresas e para o crescimento do país. Estas páginas comprovam
que os idealistas estavam certos. Se muitos obstáculos foram vencidos para se
chegar até aqui, outros tantos ainda restam. O desafio de aprimorar a governança
é perene, e o papel do IBGC será cada vez mais relevante.
Brasilprev
Uma entidade como o IBGC é fundamental para a disseminação da
governança corporativa no meio empresarial. Afinal, esse conceito deve ser
o alicerce de todo modelo de gestão e está intimamente ligado ao sucesso
em um mercado no qual, cada vez mais, o valor de uma companhia é medido
não só pelos seus resultados financeiros, mas também pela maneira como
esses resultados são obtidos. Na Brasilprev, a governança corporativa é
aspecto central em todas as decisões e projetos. Acreditamos que seja nosso
papel colaborar com a divulgação dessa prática para nossos clientes e
parceiros de negócios.
O livro registra que os avanços foram múltiplos. Nos primeiros dez anos,
o IBGC construiu sólida base de princípios essenciais de governança e
seus integrantes sentem justificado orgulho de tê-los disseminado, com
êxito, entre o empresariado, o mercado de capitais e um público o mais
amplo possível — autoridades, governantes, formadores de opinião. Enfim,
instituições e pessoas capazes de criar um ambiente positivo para as
boas práticas e, com isso, gerar valor para as corporações e a sociedade.
Conselho de Administração
Presidente
Cabe, nesse momento em que o livro chega às mãos dos leitores, nosso
agradecimento a todos que, direta ou indiretamente, colaboraram para
sua produção. Em especial, ao escritor e jornalista Francisco Viana,
responsável pela elaboração do texto. Com mais de três décadas de
profissão, Viana, autor de mais de uma dezena de livros, se integrou a
nossa equipe com muito entusiasmo e dedicação.
O livro, por outro lado, foi viabilizado pelo apoio de nossos patrocinadores
— Bradesco Templeton, Brasilprev e Banco Itaú Holding Financeira —,
que nos honraram com sua confiança. O trabalho que agora apresentamos
é, assim, o resultado dessa feliz convergência de esforços, destinada a
tornar conhecida a história do IBGC e a influência da governança no
ambiente brasileiro.
Dentre tantos outros que poderiam cumprir aquela missão com maior
brilhantismo, fiquei a me perguntar que motivos os teriam levado a me
escolher para apresentar ao leitor a obra que retrata a história do IBGC e
descreve suas perspectivas futuras.
Talvez eu tenha sido lembrado pelo fato de ter participado, como debatedor,
de uma das primeiras discussões públicas sobre o tema, realizada no Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no mês de
outubro de 1998, quando a entidade, ainda no início de suas atividades, era
denominada Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração — IBCA.
Quem sabe meu nome tenha sido indicado porque integrei, como advogado,
a equipe que concebeu e implementou, para a Bolsa de Valores de São
Paulo (Bovespa), o relevante projeto de negociação, em segmentos especiais
de governança corporativa, de valores mobiliários emitidos por companhias
brasileiras dispostas a assegurar melhor proteção aos investidores.
Setembro de 2005
Lei Sarbanes-Oxley 75
BIBLIOGRAFIA 219
1
História do IBGC
19
21
O princípio do princípio
22
Na virada dos anos 90, eles que seriam os primeiros entre os raros
adeptos, à época, da governança corporativa a compreenderem a
imperativa necessidade de construir uma entidade de classe com foco
específico, passaram a se reunir com assiduidade. Não pensavam
ainda numa entidade voltada para o então incipiente conceito de
governança corporativa, mas tinham a intenção de congregar
conselheiros de empresas. Um pouco por idealismo, um pouco por
serem profissionais intensos e com larga visão de realidade, sempre
pensando no melhor para as empresas e para o País, eles tratavam
de um tema, a qualidade de gestão das empresas abertas, que
despertava interesse dos empreendedores desde os idos de Adam
Smith. E que voltou a exercer forte magnetismo, com o advento das
grandes corporações no alvorecer do século 20, mas que só mais
tarde, por volta de 1992, foi entronizado na pauta das questões
relevantes do cotidiano.
1
O IoD foi fundado em 1903 e tem como filosofia dominante criar um ambiente positivo para o êxito dos negócios.
Congrega conselheiros de administração de corporações de setores que englobam da mídia às manufaturadoras,
do e-business ao setor público, como também executivos de empresas. Nos últimos cinco anos, registrou um
crescimento de 11 mil novos associados e atualmente tem 53 mil associados.
23
Hallqvist recorda:
Não existia uma rota a seguir. Foi no decorrer do ano de 1994 que,
nos encontros realizados no restaurante do Hotel Maksoud Plaza, as
questões concretas foram, de repente, ganhando forma. Inspirados
nas próprias experiências, Hallqvist e Lodi iam formulando e anotando
Relacionamento e ação
A história de Bengt Hallqvist como cidadão do mundo Bengt Hallqvist também viveu nos Estados Unidos
começa aos 20 anos, quando ele deixou sua cidade onde completou sua formação na Temple University,
natal, Gothenbourg, na Suécia, para estudar na Philadelphia, e na Harvard Business School, em Boston.
Inglaterra. Ao voltar, cinco anos mais tarde, para prestar Veio ao Brasil pela primeira vez em 1966 para um
o serviço militar, já havia vivido em cinco países e período de quatro anos e, desde 1979, fixou residência
trabalhado em três — Alemanha, Estados Unidos e em São Paulo. Aqui, exerceu o cargo de executivo
México. A paixão pelos novos horizontes foi se tornando principal de empresas como a Volvo e AEG Telefunken,
mais e mais acentuada com o passar dos anos, em participou de conselhos de administração de
razão inclusive da carreira profissional que escolheu e organizações familiares, recuperou empresas em crise
de seu espírito desbravador. e preparou o terreno para a ascensão de empresas
recém-criadas.
No princípio, em sua imaginação as imagens do futuro
dividiam-se entre ser piloto da Força Aérea sueca, A governança corporativa viria a ser uma nova fronteira
correspondente internacional de uma rede de de realizações. Visionário, queria transmitir suas
televisão, por exemplo, ou dedicar-se à experiências e criar algo duradouro. E foi o que fez ao
a d m i n i s t r a ç ã o . Te r m i n o u a b r a ç a n d o a ú l t i m a fundar, ao lado de João Bosco Lodi — companheiro de
alternativa, iniciando, assim, uma longa e vitoriosa conselhos e longas conversas — o Instituto Brasileiro
trajetória, marcada por cargos de alta direção em de Governança Corporativa.
multinacionais como SKF, ESAB, AEG Telefunken e
Volvo, além da participação, durante os últimos 30
Persistência. Chama a atenção de quem acompanha a
anos, em mais de 50 conselhos de administração de
trajetória desse sueco, cuja biblioteca e muitos móveis
empresas, em 20 países.
já cruzaram o Atlântico três vezes, no rumo de algo como
26 diferentes residências, a sua inesgotável obstinação.
Pioneirismo. Na Inglaterra, Hallqvist estudou no Leeds Desde que se propôs a construir o IBGC demonstrou
College of Commerce, mas o seu primeiro emprego foi permanente disposição.
como trainee na unidade da Alemanha da SKF, fabricante
de rolamentos. Nessa multinacional, viria a trabalhar por
Foi ele quem abriu as portas do Instituto, no início voltado
23 anos, em seis diferentes países. Como aconteceu
para conselheiros de administração, para as instituições
quando presidiu subsidiárias dessas multinacionais, esteve
internacionais. Graças a sua experiência como executivo
sempre envolvido com projetos pioneiros, ora ampliando
e aos centros de ensino, todos de primeira linha, em
as fronteiras dos novos negócios, ora implantando
que estudou, construiu uma rede de contatos estratégicos
subsidiárias, ora à frente de projetos de modernização
que permitiu acesso ao que existia, de fato, de inovador
tecnológica.
no campo da governança.
24
No primeiro grande evento internacional que o Instituto Por muito tempo, pela qualidade e amplitude dos seus
realizou em Boston e Nova York, com um grupo de relacionamentos, ele foi os olhos do IBGC fora do Brasil.
brasileiros, foi ele quem consolidou a programação. O mesmo Foi quem trouxe para o Brasil os contatos com o Institute
tipo de evento em Paris e em Londres lhe consumiu dois of Directors, a National Association of Corporate
meses de trabalho, com reuniões e contatos de alto nível. Directors, The Conference Board e o guru da governança
corporativa, Ira Millstein.
Mesmo assim, organizar o Instituto não foi uma tarefa
fácil. Primeiro, como lembra Hallqvist, nunca houve Hallqvist é, acima de tudo, um homem de ação. Do pai,
nenhuma pretensão em fazer da entidade uma fonte de um homem de negócios, herdou a paixão pela vela, hobby
rendimentos financeiros, atraindo executivos que até hoje cultivado nas férias ou nos finais de semana
estavam fora do mercado e buscavam algo mais desfrutados no Clube de Campo São Paulo, onde mantém
sofisticado para prestar consultorias. Não, o IBGC um veleiro. Nos esportes, partilha do mesmo entusiasmo
sempre se orientou pelo desejo de contribuir e pela ênfase apenas com o golfe, ultimamente um tanto abandonado
nos valores. E disso Hallqvist se orgulha. Mas existiam por força de sua atribulada agenda. Ele participa de
outros impasses. conselhos de administração no Brasil e Suécia, o que lhe
impõe uma intensa rotina de viagens a cada dois meses.
O carisma e capacidade de relacionamento não eram,
muitas vezes, suficientes para convencer os acionistas Hallqvist visita a Suécia, onde mantém fortes raízes,
sobre a importância da governança. Nem sequer do seis vezes por ano. “É o lugar mais distante do Equador
conselho de administração, freqüentemente composto onde o clima ainda é aceitável”, costuma dizer. Em suas
para satisfazer exigências legais. Hallqvist se indignava viagens, hoje, além de participar de reuniões de conselhos,
ao observar discussões periféricas num âmbito que Bengt Hallqvist persegue também um novo sonho: a
deveria necessariamente ser estratégico. A falta de integração da auditoria independente à governança
reconhecimento do papel do conselheiro o tornava, por corporativa. Quando fala do tema, não disfarça o
outras vezes, impertinente perante controladores encantamento e afirma, resoluto: “Estou trabalhando nesse
conservadores, que chegavam perto de considerar o projeto com a obsessão de um jovem adolescente”.
empenho de Hallqvist como uma invasão na sua gestão.
Mas ele nunca se abalou.
Em julho de 2005, Bengt Hallqvist foi agraciado em Londres,
com o ICGN Award 2005. A International Corporate
Ação. Muito organizado, leitor eclético, um dos segredos Governance Network reúne os principais fundos de pensão
de Hallqvist é conhecer pessoas-chave no mundo e de investimentos dos Estados Unidos, Europa e Austrália.
empresarial, em todos os continentes. Também possui O prêmio, registre-se, é o mais importante no cenário
invulgar conhecimento sobre as práticas de gestão. internacional de governança corporativa.
25
26
27
João Bosco Lodi era, antes de tudo, um filósofo. O mais ateu, agnóstico. Mas, no fundo, tinha uma relação
velho dos 11 filhos de uma família de imigrantes conflituosa com Deus. Ninguém briga com o que não
italianos, adquiriu muito cedo o sentido de sobrevivência acredita”, analisa a filha.
e o amor pelo conhecimento. “Papai era um aluno que
se enfurnava na biblioteca da escola, lendo, estudando, Quando comunicou aos pais a decisão de não trilhar
ouvindo ópera”, conta sua filha, Cecília Lodi. Nasceu os caminhos do sacerdócio, todos foram contra. Para
em Caçapava, mas foi em Pirassununga que passou a voltar ao Brasil, precisou vender a batina (uniforme
infância e juventude até, aos 17 anos, se deparar com obrigatório que os seminaristas compravam no primeiro
a maior oportunidade de sua vida. Ficou em primeiro ano) para um colega, “calouro” do colégio. Foi morar
lugar num concurso do colégio que tinha como prêmio em São Paulo. Trabalhou muito, antes de ser professor
uma bolsa de estudos na Universidade de Roma. de História do Colégio Bandeirantes e iniciar a pós-
A conquista foi comemorada, sobretudo, pelo pai, graduação na Fundação Getulio Vargas, onde
um dedicado professor de português, assober- pavimentou o caminho para uma vitoriosa carreira na
bado pelo sustento dos filhos, que sonhava com o área de administração de empresas e consultoria.
sacerdócio do primogênito. Publicou o primeiro livro, Recrutamento de Pessoal,
em 1966 e não parou mais, assinando 23 títulos.
Foram três anos valiosos na vida de Lodi. Voltou
graduado em Filosofia, mas não concluiu a faculdade Foco no cliente e no trabalho. Lodi era dotado de uma
de Teologia, como explicaria, por falta de vocação para sensibilidade incomum para detectar tendências do mundo
o seminário. “Apesar do profundo interesse pelos da administração. Foi assim que descobriu assunto para
temas religiosos, ele não conseguiu conviver com os seu segundo livro, Administração por Objetivo, que
ritos da instituição. Depois passou a definir-se como marcaria sua carreira. “Ele conseguia juntar planejamento
28
estratégico com a psicologia no encaminhamento dos chocada muita gente na igreja. Mas as aulas eram sempre
negócios familiares e dos processos de sucessão que ele as mais concorridas”, ressalta Cecília.
tanto acompanhou, até descobrir a governança
corporativa”, lembra Cecília. Como consultor, estabelecia
Era eclético, com grande interesse pelas coisas, movido
com os clientes uma relação profunda e, mesmo após o
essencialmente pela busca do sentido da existência. Tinha
fim do trabalho, mantinha o relacionamento como forma
um senso de humor refinado, sabia ser irônico. Gostava muito
de se alimentar, saber sempre o que estava acontecendo.
das pessoas. Só não admitia a mediocridade. Enquanto
Ia e voltava das empresas. “Não tinha rigor no trabalho,
viveu, procurou aproveitar tudo o que a vida podia lhe
mas tinha foco. Era cirúrgico e eloqüente. Quando
oferecer. Era diabético, mas não deixava de comer “quilos”
trabalhava, esquecia da própria existência”, lembra a filha.
de chocolate diet e não fazia exercícios regularmente. Sua
única atividade nesse sentido era ir de metrô visitar os sebos
Impossível falar do profissional sem considerar sua do centro da cidade nos fins de semana.
personalidade. Lia os jornais, mas gostava mesmo era
dos textos clássicos gregos, o Velho Testamento,
adorava Sêneca e Santo Agostinho. A biblioteca da família, Mais do que um profissional, um conselheiro, era também
na fazenda, reúne mais de 15 mil títulos. Conseguiu confidente, uma espécie de oráculo para aqueles com
conciliar seu interesse religioso dando aulas do Velho quem partilhava seus conhecimentos e amizade. Recorda
Testamento na escola dominical presbiteriana por mais sua filha Cecília: “Creio que meu pai partiu quando
de 30 anos. Eram aulas bombásticas, onde mesclava percebeu que não descobriria mais nada por aqui. Tinha
conhecimentos de antropologia a arqueologia para feito tudo que podia fazer. Não deixou nada incompleto.
traçar um mosaico surpreendente. “Lembro do papai Aliás, ele tinha se programado para viver só até os 60
falando de prostitutas no Velho Testamento e deixando anos. Já se dizia no lucro”.
Evangelistas e guerreiros
2
A Ata de Fundação do Instituto Brasileiro de Conselheiros de Administração registra as seguintes presenças:
Aníbal de Santana Júnior, Bengt Hallqvist, Cláudio Vilar Furtado, Elizabeth Cobetta, Erika M. Ferrara, Jacy de
Souza Mendonça, João Bosco Lodi, José Candido Senna, José Eduardo Bandeira de Mello, Kim Rosen, Steffan
Rosen, Leivi Aguleac, Lélio Lauretti, Leonardo Viegas, Luciano Carvalho Ventura, Luigi Giavina Bianchi, Luiz
Alberto Machado, Luiz Fernando Martins Castro, Luiz Roberto Serrano, Marcel Vanden Bussche, Marvin F.
Hirsch, Maurice Costin, Nelson Homem de Melo, Paschoal Ricardo Netto, Paulo Diederichsen Villares, Philippe
Allain, Robert H. E. Hein, Roberto Faldini, Roberto Teixeira da Costa, Romildo Tavares de Melo, Ronaldo Camargo
Veirano, Sandra Guerra, Sergio Carettoni, Taiki Hirashima, Telmo R. Blauth e Wolfgang Schoeps.
29
30
Tempos de mudança
31
32
33
3
Em seus termos mais simples, o relatório concluiu que o bem conhecido sistema britânico de “clube”, no qual
muitos dos líderes daquele país participavam de conselhos das companhias uns dos outros, não era adequado
para os problemas que estavam sendo enfrentados nas décadas de 80 e 90. Como resultado, a comissão
coordenada por Sir Adrian Cadbury desenvolveu o Código de Melhores Práticas (Code of Best Pratice), que teve
por base o trabalho de numerosas organizações tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Clara e direta-
mente, o código afirmava que o conselho deveria “manter um controle total e efetivo sobre a companhia”, elimi-
nando dessa forma a situação personalizada na qual “um indivíduo dispõe de plenos poderes de decisão”.
34
35
4
Sir Adrian Cadbury veio a convite do escritório de São Paulo da Egon Zehnder International. Ele discorreu
sobre a motivação que o levou a iniciar o movimento da governança corporativa na Inglaterra, das suas iniciati-
vas no Parlamento e também sobre o ativismo dos acionistas e investidores. Falou para um grupo de aproxima-
damente 30 pessoas.
36
Foi uma evolução das duas reedições do Código das Melhores Práticas de
Governança Corporativa. A segunda versão, de abril de 2001, foi conduzida
e efetivada sob os auspícios de avanços legislativos e regulatórios que
atestavam a importância da governança corporativa. A terceira versão do código,
lançada em abril de 2004, foi elaborada por um comitê coordenado por Eliane
Lustosa e composto por Adhemar Magon, Aline Menezes Santos, Bengt
Hallqvist, Celso Giacometti, Fernando Alves, Heloisa Bedicks, José Guimarães
Monforte, Lélio Lauretti, Leonardo Viegas, Maria Helena Santana, Mauro
Rodrigues da Cunha, Nadine Baleeiro Teixeira e Paulo Villares. Discutido e
aprovado pelo Conselho de Administração do IBGC, o código passou por
processo intenso de discussão e audiências públicas que se prolongaram por
dois meses. Detalhado e didático, enfocaria não somente o conselho de
administração, mas também temas relativos ao binômio propriedade-acionista,
gestão, auditoria independente, conselho fiscal e conflito de interesses.
37
38
5
Fundada em 1977, a NACD é uma organização não lucrativa, presente em todos os Estados Unidos, que tem
se destacado como fórum de discussão das melhores práticas de governança corporativa. Com mais de 17 mil
associados, reúne empresas públicas e privadas, além de participantes individuais.
39
Rumo à profissionalização
40
41
“Mas era tudo muito dinâmico. O IBGC promovia eventos uma vez por
mês nas salas de reuniões do Gran Meliá Hotel. Com a divulgação de
suas atividades, o IBGC não parou mais de crescer e os eventos
passaram a ser ora às manhãs ora ao meio-dia, café-da-manhã e
almoço respectivamente, na sala privativa do Restaurante Infinito no
WTC. Minha rotina ia desde a compra do material de escritório até a
escolha dos menus dos eventos, reservas das salas de hotéis,
fornecedores, assistência aos conselheiros e diretores, associados e
novas adesões, o controle financeiro e atualização de dados. Era incrível
ver como o IBGC tomava forma, alternando mudanças constantes com
momentos de ousadia, mas com o ar de otimismo sempre imperando
ao final de cada reunião.”
O futuro no presente
42
43
Mas a batalha pela consolidação do IBGC não foi fácil e se prolongaria pelos
anos seguintes. Ao terminar a década de 90, e com ela o século 20,
continuava sendo pouco expressivo entre as 500 maiores sociedades
anônimas do Brasil o número das que optaram pela abertura de capital. O
investidor preferia a elevada rentabilidade e os baixos riscos alcançados
na renda fixa à renda variável, enfraquecida pelo acanhado desempenho
da economia. Contudo, o cenário de adversidades era menos dramático do
que parecia. Os fundos de pensão, seguindo uma tendência mundial,
estavam reforçando suas posições no mercado de bolsa de valores e já em
2003 registrariam crescimento de nove vezes.
44
num futuro a ser construído. E saber que podem chegar lá. E foi isso
que fizemos no IBGC: “O que queremos do futuro?” Uma vez tendo
clara a visão, passamos para o campo das missões que temos de
realizar. Esse é o capítulo dos passos objetivos. Demos todos esses
passos com muito entusiasmo e com o apoio da Corporate Transition
International. Foram três dias de trabalho num hotel em Campos do
Jordão, seguidos de mais dois eventos: um na sede da empresa de
auditoria PricewaterhouseCoopers, em São Paulo, outro na Bovespa.
No princípio, com um grupo representativo dos nossos sócios, à época
180. Depois abrimos o trabalho para a participação coletiva. E, então,
fizemos vários exercícios, um ponto de encontro bem interessante,
em que as pessoas eram convidadas a discutir: primeiro, que
ratificassem se aquela era uma visão correta, se tinha algo a ser
adicionado ou não; e, segundo, que determinassem se aquelas eram
as missões que realmente iam levar o Instituto a ser aquilo que a
visão projetou. E o que é mais importante: definir as prioridades. Porque
não poderíamos trabalhar com dez missões, 15 missões, ao mesmo
tempo.
O IBGC é uma entidade pioneira por tratar de uma forma geral dos
assuntos de governança corporativa. Quer dizer, aceita participantes
que estejam interessados em governança corporativa e que não
sejam necessariamente conselheiros de administração. Nós, ao
fazermos o exercício do que queríamos ser, dissemos que não
seríamos uma organização dedicada só aos membros de conselhos
de administração, até mesmo porque já não éramos. Tínhamos 180
membros associados e um grande número deles trabalhava com
prestação de serviços no campo da governança corporativa, como
advogados, consultores e auditores. Essa multiplicidade nos
aproxima muito mais das empresas. Hoje, temos mais de 600
associados e o fato de termos representantes de diversas atividades
é o que nos distingue. As peculiaridades da nossa abrangência
chamam a atenção e nos fazem muito respeitados. Nos tornam uma
referência porque espelhamos opiniões diversas. Ninguém de bom
senso pode tomar decisões sem ouvir todos os lados. Nós
permitimos esse tipo de diálogo.
Repensando o modelo
45
6
Em 2002, o IBGC iniciou a implantação de um abrangente processo de planejamento estratégico capaz de
nortear os seus passos até 2010 e garantir que se cumpra o propósito de “Ser a principal referência nacional em
governança corporativa. Conhecer, desenvolver e fomentar os melhores conceitos e práticas no Brasil contribu-
indo para o melhor desempenho das organizações e, conseqüentemente, para uma sociedade mais justa, res-
ponsável e transparente”. No ano seguinte, foi constituído o Grupo de Implementação da Visão (GIV), coordena-
do pelo então vice-presidente José Guimarães Monforte. Foram identificados cinco objetivos, entre os 13 que
constituem a visão do Instituto, para implementação prioritária.
46
47
48
49
7
A administração do IBGC é toda ela orientada pelo sistema de governança corporativa. A estrutura inclui um
Conselho de Administração, um Comitê Executivo, a Secretária Geral, o Centro de Pesquisa, os Capítulos de
Rio de Janeiro, Sul e Paraná e os diversos Comitês. Uma vez por ano é realizada uma AGO para eleição do
Conselho de Administração e aprovação do Relatório Anual. Periodicamente, os coordenadores dos comitês
fazem apresentação dos trabalhos em andamento ou realizados para o Conselho. A cada dois meses a Secretária
Geral presta contas ao Conselho. Tudo isso se deve a busca da eficiência e da coerência com as boas práticas
de governança.
50
Cultura de governança. Com o tempo, ocorreram influenciar novas adesões a esse sistema.
muitas mudanças e melhorias nos conteúdos
programáticos dos cursos e nos seus próprios formatos.
Além do curso para conselheiros, o IBGC promove
Um aspecto é particularmente importante. Nenhum curso
também cursos suplementares, sobre aspectos que
é igual ao anterior. Os coordenadores, atentos à realidade
merecem ser discutidos com maior profundidade. Por
do mercado e às avaliações dos alunos, introduzem
exemplo, no ano do lançamento da última versão do
novos temas permanentemente. No ano da aprovação
Código das Melhores Práticas do IBGC, o assunto
da Lei Sarbanes-Oxley, americana, o assunto foi
mereceu tanta atenção que foram realizados sete cursos
imediatamente incluído no currículo.
em Belo Horizonte e Rio de Janeiro, além de São Paulo.
Em 2001, foram inaugurados os cursos voltados à
Ricardo Leal, especialista em finanças, professor do administração de empresas familiares, com muita
Instituto Coppead/UFRJ e estudioso do tema governança, receptividade no Sul do País, por conta das caracte-
que tem atuado em projetos de treinamento e pesquisa do rísticas das organizações. São também freqüentes os
IBGC, lembra um aspecto positivo pouco visível dos cursos. cursos fechados, encomendados pelas empresas de
“São importantes não só pela capacitação em si, mas pela acordo com suas necessidades. Atualmente, essa
cultura de governança que vão democratizando, com modalidade representa mais da metade dos cursos
informações sobre suas práticas para acionistas, realizados pelo Instituto. A expectativa é estender as
participantes de fundos de pensão, sócios de empresas, atividades de formação para todo o País. “Temos uma
muitos dos quais nunca participarão de um conselho de grande vantagem em poder contar com um quadro de
administração, mas que não vão esquecer os ensinamentos. professores experientes, verdadeiros ativistas da
Assim, acabam semeando uma mentalidade de respeito governança corporativa”, ressalta Leonardo Viegas.
ao dinheiro do acionista e, mais do que isso, um sentimento
de propriedade, muito comum nos Estados Unidos, onde a
“A senioridade e a experiência prática dos professores
população tem o hábito de investir em ações”.
são um diferencial nos cursos do IBGC. Nossos
professores, em sua maioria, atuam como conselheiros,
Segundo Leal, graças aos cursos do IBGC as empresas têm vivência prática das necessidades de conhecimentos
de capital fechado, que ainda são a maioria, estão se que os conselheiros precisam ter”, ressalta Heloisa
conscientizando quanto às melhores práticas de Bedicks, primeira coordenadora do Comitê de Capacitação
governança, mesmo que não esteja nos seus planos ter e atual secretária geral do IBGC. “Os cursos representam
sócios, parceiros estratégicos, vender parte do negócio para o IBGC o cumprimento de seu objetivo principal,
ou abrir o capital. Portanto, criam-se relações constantes que é a disseminação das boas práticas, e também são
e organizadas com o tema da governança corporativa parcialmente responsáveis pela independência financeira
que, mais cedo ou mais tarde, irão produzir mudanças e do IBGC.”
51
Depois que o IBGC surgiu, a mídia, por exemplo, começou a dar mais
espaço para o tema da governança corporativa, o que também passou
a atenção. A resistência inicial das empresas começou a ser vencida.
Outras começaram a enxergar as vantagens que poderiam ser obtidas
com a governança, como o acesso a capital e custos menores. De
maneira geral, a idéia foi bem aceita no Brasil, apesar de algumas
empresas familiares resistirem ainda. Ou mesmo algumas empresas
de capital aberto. Mas o fato é que a governança entrou na ordem do
dia, tanto de empresas familiares, fechadas, de capital aberto, como
de empresas públicas. Os conselhos de administração passaram a
adotar regras claras e viram as vantagens da maior transparência e
democracia das decisões. Tudo que o instituto conquistou nestes
últimos dez anos é motivo de muito orgulho.
52
53
Cronologia
54
55
2
Marcos da
governança corporativa
57
Os marcos da governança:
uma década fértil em evoluções
59
61
Outros avanços devem ser destacados. Entre eles a inclusão, nos princípios
básicos, então consagrados — transparência, eqüidade e prestação de contas
— do quesito responsabilidade corporativa, que sugere uma visão ampliada
da estratégia empresarial, contemplando todos os relacionamentos com a
comunidade em que a companhia atua. A novidade que daí nasce é
intrinsecamente o conceito da sustentabilidade da empresa. Aspectos como
função social da empresa, a criação de riquezas e de oportunidades de
emprego, qualificação e diversidade da força de trabalho, estímulo ao
desenvolvimento científico e melhoria da qualidade de vida por meio de ações
educativas, culturais, assistenciais e de defesa do meio ambiente integram a
lista de cuidados que deveriam mobilizar as atenções de conselheiros e
executivos. Em pouco tempo, o Código se consolidou como um caminho para
todos os tipos de sociedades – por ações de capital aberto ou fechado, limitadas
ou civis –, interessadas em aumentar o valor da companhia e contribuir, em
última instância, para sua perenidade. Com isso, abriu-se o leque de
possibilidades de aprimoramento da governança corporativa e da influência
construtiva do IBGC nas empresas que têm um passado relevante e reúnem
todos os predicados para ter um futuro ainda melhor.
62
63
64
65
66
67
69
Nos anos 80, contribuiu para reforçar as teses desse modelo o surgimento
nos EUA de um novo tipo de acionista em decorrência da onda de fusões
e aquisições. Esses novos personagens eram na maioria dos casos, como
o modelo previu, fundos mútuos e principalmente fundos de pensão.
Tinham como credencial a respaldá-los investimentos contabilizados na
rubrica das centenas de milhões e dos bilhões de dólares, e também
usavam a técnica da pulverização dos capitais aplicados. A diferença da
era pós-fundos de pensão é que os investidores institucionais não mais
abriam mão de um papel ativo na gestão dos negócios. Se não fizessem
assim, não teriam como remunerar o capital aplicado pelas pessoas que
dependiam dos lucros obtidos para as suas aposentadorias.
70
71
72
73
74
Lei Sarbanes-Oxley
75
Seus impactos têm sido sentidos fortemente no Brasil, onde a SOX afeta
empresas com operações nas bolsas de valores dos EUA que têm prazo
até julho de 2006 para se adaptar às exigências da lei. As empresas
brasileiras deverão criar um comitê de auditoria independente ligado ao
conselho de administração ou adaptar o conselho fiscal, que já existe no
Brasil. A SEC, órgão regulador dos EUA, aprovou o pedido da Associação
Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) de substituir o comitê de
auditoria pelo conselho fiscal mediante o atendimento de algumas
exigências. O IBGC, que se opõe à substituição do comitê de auditoria
pelo conselho fiscal, enviou representantes para discutir o tema na SEC,
em Washington, em março de 2002. Apesar de o conselho ter sido
considerado uma alternativa pela SEC, algumas empresas preferiram
cumprir integralmente a lei e criar o comitê de auditoria. Uma peculiaridade
da adaptação à Lei Sarbanes-Oxley é que as empresas de todo o mundo
que lançam ações nos Estados Unidos ou as subsidiárias de empresas
norte-americanas no exterior têm de manter todos os seus procedimentos
rigorosamente descritos e documentados, inclusive os riscos financeiros
e as medidas necessárias para controlá-los.
76
77
79
80
81
82
83
84
85
86
87
88
89
90
91
92
As “companhias licenciadas”— assim eram chamadas Os contratos especificavam como se daria a distribuição
as sociedades por ações que monopolizavam o grande de lucros. Imperava a disciplina, imposta pela própria
comércio internacional, com apoio dos governos, em natureza competitiva do mercado. O sistema de
troca de impostos — eram autênticos colossos. Foram prestação de contas era rigoroso e bem estruturado.
elas as precursoras da moderna empresa e das grandes
corporações multinacionais. Seus nomes davam a Nada se fazia sem planejamento. A companhia tratava
dimensão de como eram presentes no mundo dos as longas viagens dos seus navios, ao contrário das
séculos 17 e 18. Chamavam-se companhias das Índias demais companhias, não como empreendimentos
Orientais, Moscóvia, França, Baía de Hudson, África, isolados, mas como parte de um planejamento
Virgínia, Massachusetts, e havia até a Companhia de estratégico projetado para 21 anos. Atacava navios
Lugares Distantes, tal a capacidade que tinham de espanhóis e portugueses onde quer que estivessem,
lançar-se pelos novos mundos do Oriente, da África e dedicava-se fortemente ao comércio de especiarias e,
das Américas, abertos por Cristóvão Colombo, Fernão em 1667, fez um negócio que garantiria para sempre
de Magalhães e Vasco da Gama. A Companhia das sua presença na história dos negócios. Trocou com os
Índias Orientais britânica, por exemplo, nasceu em 1600 ingleses um pequeno entreposto comercial da América
por licença concedida pela rainha Elizabeth I e por mais do Norte pela Ilha de Run, rica em noz-moscada.
de dois séculos e meio, 259 anos, reinou soberana, Detalhe: o entreposto, de nome Nova Amsterdã, nada
assemelhando-se a um império dentro do império, com mais era do que a atual Ilha de Manhattan.
exército próprio, frotas imensas, negócios que
Um modelo de eficiência. Em A History of Corporate
monopolizavam o comércio com a Índia e o chá vindo
Governance, Paul Frentrop atribui a “extraordinária
da China. Era considerada como a “mais grandiosa
longevidade” das companhias ao modelo de
sociedade de comerciantes do universo”.
organização baseado em acordos com o governo, de
Em 1611, garantia retorno aos investidores de 148% e a um lado, e com empreendedores e provedores de
primeira emissão de ações da companhia, entre 1613 e capital, de outro. Na Companhia Holandesa das índias
1616, arrecadou 418 mil libras. A segunda, entre 1617 e Ocidentais, que no início reunia mais de 1.100
1622, foi espetacular: rendeu 1,6 milhão de libras. A acionistas, os diretores costumavam investir a metade
grande rival da companhia inglesa era a Companhia do capital necessário aos negócios. Mesmo assim, nas
Holandesa das Índias Orientais, que recebeu autorização assembléias gerais praticamente todos os acionistas
para funcionar também em 1602 e manteve invejável tinham direito a voto. O sistema de governança, apesar
continuidade de seus negócios até o último dia do século de falho, era o caminho para superar os conflitos sobre
18. Controlava o comércio com os Países Baixos, a África questões não especificadas em contrato.
nas regiões do Cabo da Boa Esperança e o Trópico de
Com freqüência, os conflitos se davam mais com os
Câncer, as Américas, e chegava às partes orientais da
governos do que com acionistas individuais ou acionistas
Nova Guiné. Foram as “companhias licenciadas”, em
pessoas jurídicas. Havia muita contenda, não só na
especial a Companhia Holandesa, que deram vida à idéia
companhia holandesa, mas em todas as companhias.
da governança corporativa, unindo investidores e
Na Inglaterra, os críticos se opunham à Companhia das
administradores num sistema colegiado para controlar
Índias Ocidentais sob a acusação de que ela rivalizava
a alocação de capitais e a distribuição dos lucros obtidos
com o poder do governo, exercia destrutivo monopólio
com o comércio das especiarias trazidas, geralmente
sobre o comércio e, mais tarde, em 1773, teria provocado
com grandes riscos, pelos navios vindos do Oriente.
a revolução americana por cobrar impostos excessivos
Um dos analistas dessa época foi Adam Smith, que sobre o chá. Assim, a honrada companhia foi se
advertia quanto às imensas possibilidades de erros dos desintegrando aos poucos, perdendo poder, até que em
diretores. Dizia, referindo-se a eles, que “sendo 1o de junho de 1874 seu exército passou às ordens da
administradores do dinheiro dos outros e não do seu Coroa e o famoso empreendimento desapareceu. A
próprio, não se pode esperar que fiquem de olho nele Companhia Holandesa das Índias Orientais, que esteve
com a mesma vigilância ansiosa com que os sócios de por trás das invasões pelos holandeses na Bahia (1624-
uma parceria privada freqüentemente vigiam o próprio 1625) e em Pernambuco (1630-1654), encontrou seu
dinheiro”. Os escândalos que marcariam a história ocaso da mesma forma, apagando-se como um fósforo
daqueles tempos, como as ruidosas falências da frio. Ficaram as sementes do futuro para as sociedades
Companhia do Mississippi, na França, e da Companhia por ações que, nas primeiras décadas do século 20,
dos Mares do Sul, na Inglaterra, dariam razão ao autor germinaram na forma da separação, se bem que gradual,
de A Riqueza das Nações. Mas não anulam de forma entre a propriedade e a gestão.
alguma o papel das companhias num mundo que rompia
a persistente individualidade dos negócios do universo Mas a verdade é que foi um processo inexorável. Em 1933,
feudal, feito à base de venda de serviços e produtos nas por exemplo, a Bolsa de Valores de Nova York já exigia
feiras ou em pequenas firmas familiares. Ou, ainda, se das companhias nela registradas que prestassem suas
cotizando, sem grandes arrojos, para dividir os riscos contas adequadamente. Atualmente, as corporações
em excursões mais longas ao exterior. estão às voltas com os mesmos desafios do longínquo
século 17. Como registra Antony Sampson, em O Homem
Os investidores da Companhia Holandesa das Índias da Companhia: os diretores que administram o dinheiro
Ocidentais são conhecidos como os primeiros a dos outros, como advertia Adam Smith, jamais poderão
transacionar ações numa bolsa regular — o prédio da ser tão vigilantes quanto os antigos sócios, que cuidavam
bolsa, fundada em 1611, em Amsterdã, ficava muito cada um do que era seu. Mas como essa falta de sintonia
próximo da sede da companhia, identificada pela sigla afeta a saúde financeira das sociedades e a
VOC — Vereenigde Oost-Indische Compagne —, ou competitividade das nações, é certo que novas pressões
como “Dezessete”, por ter em sua diretoria 17 membros. estão surgindo e se multiplicando. Daí a constatação de
Ela foi um modelo de inovações. Seus diretores, pela Sampson, ao falar da moderna companhia e seus dilemas:
definição de responsabilidades, tinham o objetivo a responsabilidade perante a sociedade vai se tornar a
permanente de maximizar lucros para os investidores. questão mais importante no século 21.
93
É para mim um grande prazer contribuir com este tem feito questão de mostrar como o desempenho
documento de comemoração. Há três anos sou no preço das ações das empresas nos níveis mais
presidente do Conselho da International Corporate altos de governança do mercado tem sido melhor
Governance Network (ICGN, Rede Internacional do que o das empresas que aderem a padrões
de Governança Corporativa, uma entidade de mais baixos. O IGC, índice do mercado com a
investidores cujos membros administram ou marca da governança corporativa, dentro do qual
prestam consultoria sobre mais de 15 trilhões de todas as companhias se situam no Nível 1 ou 2
dólares em ativos). Nesse cargo, tive o prazer de no mercado principal, ou então fazem parte do
discursar durante uma conferência do IBGC em Novo Mercado, teve um desempenho mais de 40%
novembro de 2002 em São Paulo, e presidir a melhor que o Índice Bovespa (Ibovespa) entre
primeira conferência anual da história da ICGN, junho de 2001 e março de 2005. O fato de as
realizada em julho de 2004 no Rio de Janeiro, em empresas com boa governança serem capazes
um mercado em desenvolvimento. Fiquei de levantar capital por de ½ até 2/3 do custo
impressionado com o número de participantes na conseguido por companhias com menor
platéia durante o primeiro desses encontros, e a preocupação com governança é uma estatística
seriedade com que tanto empresas familiares impressionante. Esses aperfeiçoamentos têm, no
quanto outras tratavam desse assunto. Nossa meu entender, sido importantes para o aumento
conferência no Rio foi um sucesso sob todos os da participação de investidores estrangeiros no
pontos de vista: o programa foi excelente, a mercado brasileiro, com benefícios para a
localização, maravilhosa; os eventos sociais, economia como um todo, pois resultam na redução
agradáveis, e, o que é mais importante, arrecadou do custo de capital.
fundos suficientes para a ICGN poder pensar em
contratar sua primeira diretora-executiva, Anne
Simpson, que anteriormente trabalhava no Banco
Mundial com assuntos de governança corporativa O potencial da economia brasileira vem sendo
no mundo em desenvolvimento. discutido internacionalmente há mais de 40 anos.
Acredito firmemente que uma governança
corporativa melhor tem ajudado o País a progredir
como um todo. É claro que uma liderança mais
É preciso haver defensores articulados e forte do Banco Central tem sido crucial para
persistentes, para que as empresas e os reconquistar a confiança na moeda e reduzir o
investidores levem a governança corporativa a potencial que os políticos têm de destruir essa
sério. O Brasil tem sido abençoado nesse quesito, confiança. Mas pode-se notar que, em recentes
com pioneiros como Bengt Hallqvist, Sandra Guerra crises políticas, os mercados financeiros têm-se
e José Monforte. Recentemente usei justamente o mantido muito mais estáveis. Eu diria que isso
Brasil como principal exemplo do valor tangível da vem, de qualquer modo, do mercado acionário,
boa governança corporativa e sua capacidade de pois, independentemente do que possa acontecer
reduzir o custo do capital. Em anos recentes, era com o governo, as companhias estão agora muito
difícil as empresas brasileiras conseguirem levantar mais protegidas contra os caprichos políticos do
capital entre investidores nacionais, e impossível que antes, mesmo aquelas com grandes
atrair investidores estrangeiros. Isso prejudicava o participações do setor público, porque hoje
crescimento de longo prazo de uma grande e existem salvaguardas para os acionistas externos.
relativamente dinâmica economia. Havia todas as
razões costumeiras: grandes participações
acionárias em mãos do governo ou famílias no setor
de companhias de capital aberto, onde as decisões É para mim um grande prazer ver a entusiástica
não eram necessariamente tomadas no interesse participação de colegas brasileiros na ICGN. O
de acionistas externos; faltava um mecanismo que exemplo para outros mercados sul-americanos
salvaguardasse os interesses desses acionistas. certamente não lhes passa despercebido. A
liderança regional do Brasil nessa área deverá
estimular outros a melhorar sua governança
corporativa, e permitir-lhes acesso ao capital
A Bovespa merece enorme crédito por ter criado internacional, ajudando seus países a se
o Novo Mercado, com seus altos padrões de desenvolver. Quero dar os parabéns a todos do
governança. Mas não é só o Novo Mercado. O IBGC por suas realizações e pelo seus dez anos
mercado principal também adotou os dois níveis de fundação e agradecer-lhes sua ajuda à ICGN.
de governança. A introdução de conselheiros
independentes, restrições a transações entre
partes relacionadas, e direitos de tag along em
propostas de compra e venda de controle Alastair Ross Goobey
acionário têm feito uma enorme diferença no modo
como os investidores, principalmente os Presidente do Conselho do International Corporate
estrangeiros, consideram as empresas. A bolsa Governance Network – ICGN
94
3
Lições da experiência
95
97
Do começo dos anos 90 para cá, esse quadro começa a mudar. O universo
dos fundos de pensão tornou-se bem mais amplo, com maior envolvimento
das empresas privadas como patrocinadoras de planos para seus empregados.
Com as privatizações de muitas empresas estatais que patrocinavam planos
de previdência para seus empregados, importantes planos concebidos
99
100
1
Criada em 1904, antes mesmo da previdência oficial no Brasil, a Previ — Caixa de Previdência dos Funcionários
do Banco do Brasil é o maior fundo de pensão da América Latina e 84º do mundo em patrimônio (dezembro/
2004). A Previ é uma entidade fechada de previdência privada em que podem ser participantes os funcionários
do Banco do Brasil e os empregados do quadro próprio da Previ.
101
bem definidas. A resolução enfatiza muito esse aspecto. Trata dos potenciais
conflitos de interesse, dos controles internos do fundo, da qualificação e da
comunicação. Recomenda código de ética e regimento interno para
funcionamento das instâncias, sempre em sintonia com o porte e
complexidade do fundo de pensão. Não diria que elimina de vez as zonas
cinzentas, mas estabelece referências e pede atenção muito especial para
torná-las visíveis, de modo que a tendência é que venham a desaparecer.
102
103
104
2
CNPB – Cadastro Nacional de Planos de Benefícios das Entidades Fechadas de Previdência Complementar,
criado pela Resolução CGPC 14, de 2004.
105
107
108
e redefiniram estratégias.
109
110
111
O ano era 1972. O País vinha ocupando espaços jamais vistos nos
mercados internacionais. E, nos planos da Aracruz Celulose, as
exportações despontavam como o destino perfeito. A empresa — nascida
de uma associação entre o grupo Lorentzen, controlado por uma família
de noruegueses radicada no Brasil, a Souza Cruz e o BNDES — iniciava,
então, sua fase industrial já orientada para o mercado externo, inserida
em um amplo esforço de substituição de importações empreendido pelo
governo federal. Tornou-se, com o tempo, líder mundial na produção de
celulose branqueada de eucalipto destinada à fabricação de papéis.
113
Como resultado, faz parte do seleto time de empresas que integra o índice
Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI), classificada como uma das três
melhores companhias do setor florestal do mundo no quesito
sustentabilidade. Tal posição de destaque encontra-se em harmonia com o
perfil de nossos investidores. Uma empresa que exporta boa parte do que
produz para mercados como o europeu precisa agir corretamente, pois se
sabe que aquelas sociedades são reconhecidamente exigentes quanto à
ética nos negócios, aos problemas do meio ambiente e à questão social.
114
Temos, aliás, uma visão corriqueira, funcional sobre isso. Sabemos, pela
prática aprendida nos mercados, que a independência entre o management
e o conselho de administração é uma grande preocupação dos
investidores, principalmente os internacionais. Nos dias atuais, porém, os
desafios são muito maiores porque se tornou imperativo conciliar
crescimento, inovação, eficiência e responsabilidade com toda uma nova
legislação que precisa ser respeitada. Hoje, a exigência de informações é
muito maior e com muito mais detalhes. A legislação tornou-se muito mais
rigorosa, o investidor muito mais exigente.
Enquanto os lucros podem ser avaliados pela linguagem fria dos números,
a competitividade pode ser avaliada pela qualidade da governança. É por
isso que, entre todos os predicados das boas práticas, um dos mais
importantes é sem dúvida a elaboração de uma linguagem propriamente
transparente. Em primeiro lugar, como uma maneira de nomear as
estratégias e resultados da corporação, de falar deles sem artifícios ou
meias palavras. A transparência transformou-se num valor.
115
116
117
A evolução de um sonho
119
Essa reformulação de atitude exigiu muito de mim. Fui educado para ser
o presidente da companhia. De repente me vi obrigado a fazer uma espécie
de harakiri. Deixei a linha de frente da gestão para ocupar a presidência
do conselho de administração, que é o órgão responsável pela definição
das políticas de negócios, inclusive a estratégia global de longo prazo a
ser observada pelas empresas do grupo, bem como pela supervisão da
gestão dos diretores. Não foi fácil.
120
A visão de futuro foi determinante para levar uma empresa com a tradição
familiar da Suzano a abrir o capital. No início, Leon, meu avô, quando
precisava ampliar as fábricas e honrar compromissos financeiros, pegava
sua Parker 51 e assinava promissórias, fonte de dinheiro novo. O que
sobrava, quando sobrava, ele reinvestia. Mais tarde, a partir dos anos 70,
ele e meu pai passaram a viver tempos de operações mais complicadas.
Em lugar de investir prioritariamente em estoques, era indispensável levar
em consideração as taxas de juros, avaliar o retorno e as demandas de
aporte de capital para os grandes investimentos que foram feitos na Bahia–
Sul Celulose e no setor petroquímico. A lição que ficou de toda essa
experiência é que garantir acesso ao mercado de capitais, numa corporação
como a nossa, é fundamental para enfrentar o presente e evoluir.
121
Todos esses são indicadores de que a governança está indo muito bem.
A responsabilidade social faz parte de nosso DNA. Sempre cuidamos da
saúde dos funcionários, da educação e do meio ambiente. Os Feffer são
imigrantes, que logo cedo aprenderam a trabalhar em prol da comunidade,
construindo escolas e hospitais. Meu avô começou fazendo isso, meu pai
deu continuidade. Nós, também. Conseguimos até desenvolver produtos
que combinam agregação de valor com a responsabilidade social. Por
exemplo, temos o papel reciclado, da marca Reciclato, que é feito da
seguinte forma: a gente identifica, investe e treina cooperativas que possam
dar dignidade a moradores de rua/catadores de papel. Compramos o
material coletado diretamente dessas cooperativas, sem intermediários,
e isso é parte da matéria-prima para fazer o papel reciclado Aliás, o
Reciclato é um papel muito bonito, de elevada qualidade. Dois em cada
100 reais do faturamento com a venda desse produto vão para o Instituto
Ecofuturo, uma ONG que é resultado de iniciativa da Suzano.
122
123
125
Também não havia uma noção clara das implicações dos empréstimos
em moeda estrangeira e das suas repercussões no endividamento. Com
o passar do tempo, os riscos das variações cambiais e das possibilidades
de desconexão entre o valor da riqueza produzida e os recursos a pagar
foram impostos a praticamente todo o mundo empresarial. As mudanças
não se limitaram às oscilações cambiais.
126
b) O risco político que, para fins estatísticos, ficou classificado como “risco
externo”, foi responsável direto pela queda no valor das ações de dez das
grandes empresas da pesquisa mencionada. Basicamente, essas
empresas falharam em antecipar as mudanças na política/governo onde
estão estabelecidas em suas unidades de negócios. Cada vez mais, é
necessário prever diversos cenários, do mais pessimista ao mais otimista,
onde a mudança de governos ou de política possa impactar o resultado
das empresas.
127
• Alimentar uma forte cultura ética. A administração tem de criar uma cultura
enfatizando a importância da conduta ética, o controle de qualidade e o
gerenciamento de risco. Incentivos de compensações devem ser alinhados
com a criação de valores em longo prazo e com a proteção à marca.
128
129
O risco faz parte da vida, todos concordam. A lógica não é diferente para
o mundo corporativo. Não existe atividade empresarial sem risco, pois
dele advém o lucro. As empresas alavancadas, que desenvolvem
atividades muito arriscadas, usam a mesma escala para cobrar seus
prêmios, e dessa forma ganham mais dinheiro. Assim sempre funcionou
a economia mundial, especialmente a partir da revolução industrial do
século 19. Na última década, no entanto, quando o mundo dos negócios
entrou numa era de incerteza, fruto das mudanças sem precedentes por
força da economia globalizada, os riscos ficaram maiores e muito mais
em evidência. A volatilidade do mercado mundial acabou por definir uma
nova estratégia para os negócios.
131
132
133
134
135
Mas essa não tem sido uma questão simples e nos desafia a examinar
um quadro muito mais amplo que aquele que convencionalmente
analisamos se o tema for o negócio privado. De modo geral, para mudar
o modelo de gestão de uma empresa pública, como o Novo Mercado
exige, o administrador tem de superar antes os vícios culturais do setor.
Nas empresas privadas, entre os motivos que levam à adoção das boas
práticas de governança corporativa, está o fato de que elas agregam valor
ao negócio. O empresário busca essas práticas como forma de valorizar
a empresa. No setor público, a questão se coloca com mais força
simplesmente porque a ausência das boas práticas de governança traz
prejuízos aos contribuintes. Além de que reforçar a importância dessas
questões no dia-a-dia das empresas públicas cria uma “blindagem” contra
137
138
139
140
141
142
Da fiscalização e conscientização
ao investimento de longo prazo
143
144
145
146
147
148
149
150
151
152
153
154
155
156
1
Emprego aqui o conceito de acionista controlador de uma forma ampla, na qual se inclui desde uma única
pessoa ou um grupo de pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas, tenham ou não vínculos familiares ou contratuais.
157
torno do tema, toda vez que o mercado se defronta com um caso concreto
em que existe a percepção de que uma decisão está sendo tomada em
benefício do acionista controlador em detrimento do interesse da
companhia. Apesar dos esforços de advogados, acionistas, intermediários
e do próprio regulador na busca da melhor interpretação dos dispositivos
legais, à luz da melhor doutrina nacional e internacional, há que se
reconhecer que a legislação pode e deve ser aprimorada com o objetivo
de eliminar dúvidas e incertezas.
158
159
Aprendi que, se disser uma “besteira”, alguém sempre vai dizer algo mais
inteligente na seqüência e, daí para a frente, o diálogo evolui. Não há
problema nenhum em falar bobagem. O problema é não falar, ater-se à
estratégia do silêncio ou da omissão. O caminho certo é acabar com as
prisões que nós mesmos criamos. Os conselheiros precisam examinar as
estratégias das companhias em detalhes. A diferença entre os conselheiros
do passado e os atuais é que aqueles podiam se dar ao luxo de cultivar o
silêncio e a não participação no destino dos negócios. Os conselheiros da
atualidade não podem. A verdade é que os desafios da modernidade
esgotaram a cultura da omissão.
160
161
162
Na ótica da Bovespa, um dos focos do Novo Mercado era fazer com que
as empresas integrantes do segmento conquistassem o reconhecimento
dos investidores mais exigentes, que privilegiam ações de qualidade
163
diferenciada. Tal reconhecimento, por sua vez, teria como reflexo uma
precificação melhor das ações, como resultado do aperfeiçoamento da
governança corporativa. Foi esse, em resumo, o modelo que encontramos
para que o mercado saísse de um período de quase estagnação e
ingressasse num ciclo continuado de expansão.
164
165
166
167
169
E isso aconteceu até que entrou em vigor a Lei nº 10.303, que veio corrigir
principalmente a questão da venda do controle acionário das companhias,
mas não solucionou de todo os impasses. Hoje, a lei assegura aos
detentores de ações ordinárias o direito a receber 80% do valor do preço
da venda das ações pago aos controladores, enquanto os acionistas
preferencialistas não têm direito a nenhum valor especifico. O novo
controlador é que decide se vai comprar essas ações e por qual preço, o
que é um total desrespeito ao investidor.
170
apenas 16,66% das ações ordinárias mais uma. Os outros 83% das ações
que estão em poder do público têm de se submeter ao que se
convencionou chamar de ditadura do controlador. Com isso, acontece
uma série de distorções, como, por exemplo, abusos de poder por parte
de alguns majoritários.
171
172
173
Não se pode desconsiderar que o mercado está cada vez mais globalizado
e as empresas vão poder acessar os mercados americano, europeu ou
japonês para captar recursos. Elas terão, além disso, de buscar a
profissionalização de seus administradores, de seus conselhos, e tratar
os acionistas, controladores ou não controladores, da mesma forma.
Serão necessárias regras cada vez mais claras para evitar conflitos de
interesses entre controladores e não controladores. E compete à CVM
traçar essas regras. Só assim teremos condições de ter um mercado de
capitais mais desenvolvido e forte.
174
Os trunfos da transparência,
da sustentabilidade e da confiança
175
Outro ponto que não pode ser esquecido são as Crenças. Está escrito num
dos tópicos: “Acreditamos que a percepção da importância das relações é
o fundamento da grande revolução humana na valorização da paz, da
solidariedade e da vida em todas as suas manifestações”. Resta citar a
idéia de harmonia que repousa sobre a perspectiva de uma progressiva
convergência de propósitos em lugar do acirramento dos conflitos. Ou: “A
busca permanente do aperfeiçoamento é o que promove o desenvolvimento
dos indivíduos, das organizações e da sociedade”. Ou, concluindo: “A
empresa, organismo vivo, é um dinâmico conjunto de relações. Seu valor e
longevidade estão ligados à sua capacidade de contribuir para a evolução
da sociedade e seu desenvolvimento sustentável”.
176
177
178
Não são poucas as boas iniciativas nesse sentido por parte das empresas e
instituições públicas. Mas é preciso observar que, diferentemente do que ocorre
no setor privado, onde uma determinação corporativa — se não cumprida —
pode causar mudanças completas de pessoas e de atitudes, na organização
179
Trata-se de uma evolução lenta, muitas vezes penosa. Mas, hoje, todos
reconhecemos que há muito mais facilidade para acompanhar o que
acontece no âmbito do Estado. Podemos transitar com maior liberdade
pelos sistemas informatizados montados pelo governo e, por meio deles,
tomar conhecimento das medidas administrativas que estão sendo
tomadas nos ministérios, empresas e órgãos da administração. Foi, assim,
aberto ao conjunto da sociedade o acesso a informações que antes eram
normalmente reservadas. Fortaleceu-se uma interação do governo com a
população quanto a seus naturais questionamentos em torno da gestão
da coisa pública. Isso provocou um promissor alargamento do espaço de
diálogo. Elevaram-se as possibilidades de eficiência.
Então, é preciso atuar nos dois lados. É o que o governo federal está
fazendo, ao criar os meios e os instrumentos coercitivos para fazer com
que as normas sejam cumpridas. Como ressaltou o presidente Lula,
políticos, funcionários e dirigentes têm sido penalizados de forma muito
mais visível hoje do que em outras épocas. Às vezes, fica a impressão de
que os problemas são maiores, mas, na verdade, não é que os problemas
tenham crescido, a visibilidade deles é que ficou maior. O presidente às
vezes é criticado, mas seu governo está no caminho certo. Os obstáculos
que separam o Estado da nação estão sendo removidos. Entretanto, os
resultados não são sempre tão visíveis, nem tão imediatos.
180
181
182
Série histórica. Isso, nos Estados Unidos, engloba uma série estatística
de dezenas, talvez uma centena, de anos. E aqui, no Brasil, a comparação
só pode ser feita pelo número de novas moedas e novos planos
econômicos. E é exatamente por essa dificuldade de comparar, que a
bolsa é vista no Brasil como algo de alto risco, de jogo. E não é. Desde
que se disponha do parâmetro de uma série histórica significativa.
183
vejo que os papéis que têm um bom cash flow de dividendos formam uma
boa base. Valeria a pena o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa
articular, em parceria com a bolsa, a divulgação desses estudos
comparativos. É claro, nossa renda fixa paga muito bem. Nós estamos
hoje com 13% de juro real, descontada a inflação. Mas é evidente que,
ainda assim, ao longo do tempo a renda variável bate a renda fixa.
184
185
Informa o texto:
186
187
188
189
190
191
192
193
O êxito de todo esse processo, que tem sua medida maior no acionista, é
testemunhado por um levantamento da consultoria Economática, em
parceria com a Lafis Consultoria, Análises Setoriais e de Empresas. Pelos
dados apurados, o Bradesco foi apontado como a organização financeira
que mais pagou dividendos no sistema bancário nos últimos dez anos,
194
Mas existem aspectos não mensuráveis, que não podem ser relegados
a plano secundário. O Brasil atravessa um período de grandes mudanças.
Mudou a economia, mudou o perfil do cliente, mudou o mercado
financeiro. O mundo também mudou. A atenção ao mercado local alterna-
se com o extremo cuidado com os impactos do que acontece nos
mercados internacionais. Tudo se tornou muito interligado. O mercado
ganhou dimensões universais e as corporações, para funcionar com
eficiência, precisam estar preparadas com sistemas de gestão que
funcionem. Precisam cultivar a cidadania. Combater as desigualdades.
195
3
A Fundação Bradesco é o braço forte do trabalho social da organização. São 40 escolas, presentes de um
extremo a outro do País, e mais de 107 mil alunos. Em pouco mais de quatro décadas, a fundação formou mais
de meio milhão de alunos. Destes, 91,75% são originários das comunidades, sem nenhum vínculo com funcionários
do banco, residentes no entorno das escolas, localizadas, em sua maioria, em regiões carentes.
4
Inclusão bancária.
196
* Este artigo é dedicado a Theóphilo de Azeredo Santos, responsável por despertar o interesse do autor para as
questões aqui discutidas.
197
198
199
200
201
Não há, enfim, uma lei que resolva todos os problemas (talvez, pelo que
se tem visto recentemente, nem mesmo a famosa Lei de Capistrano de
Abreu). A sua aplicação adequada, constante e enérgica pela CVM (que
tem com sucesso, também, evitado se deixar seduzir pelo canto da sereia
de alguns no sentido de transformar a autarquia num verdadeiro “Poder
Judiciário do B”, com atuação mais rápida, sem necessidade de
representação por advogado e com altíssima especialização) representa,
em nossa modesta opinião, o caminho correto: o remédio se dá, enfim,
em duas frentes. De um lado, maior transparência das práticas vigentes
na administração e no controle societário, já que — repetindo o velho
ditado — “sunshine is the best disinfectant”.
202
Pedro Angeli Villani Gestor de renda variável do Banco ABN Amro Real.
203
5
Na tarde do dia 3 de dezembro de 1984, um acidente numa fábrica de pesticidas do grupo Union Carbide, em
Bhopal, matou cerca 4 mil pessoas, deixado outras 11 mil incapacitadas. Tudo aconteceu por causa de uma
nuvem de gás tóxico que, devido ao frio, foi transformada em chuva química e o resultado foi uma catástrofe só
comparável aos grandes terremotos. O acidente marcou o começo do fim da Union Carbide.
204
205
e qualidade, olham cada vez mais o coração das empresas para adquirir
qualquer bem ou serviço. Exigem transparência em todos os níveis.
Valorizam a confiança e o relacionamento. Por isso, além de estimular
a governança, nós do ABN Amro começamos dando o exemplo. O
caminho está, assim, indicado: no mercado, os fundos éticos tendem
a se firmar e evoluir, como vem acontecendo principalmente nos
Estados Unidos e na Europa.
206
207
208
209
Citibank em Nova York. Sem dúvida, cheguei onde estou por estar ligado
ao grupo de controle. Mas não estaria no mesmo lugar se não tivesse
condições. Porque não faz parte de nossa cultura. Os critérios rígidos de
administração sempre foram a marca do banco. Há mais de 40 anos,
quando meu pai, Olavo Setúbal, assumiu a liderança, começaram a ser
impressos os valores de competência e realização no conjunto da
organização. Por isso, até hoje a nossa cultura interna rejeita qualquer
visão imediatista ou oportunista no desenvolvimento dos negócios. Tudo
é feito pensando-se no futuro. Um exemplo é a estrutura de tecnologia. O
sistema básico foi montado para agregar, permanentemente, novas
soluções e recursos. Uma visão de longo prazo que propiciou a dimensão
atual da presença do Itaú no mercado.
210
211
213
Quando a holding CPFL Energia foi criada, em agosto de 2002, não havia
nenhuma possibilidade de escolha de um único público com prioridade
estratégica. Tínhamos oito grupos controladores e mais de 3 mil
investidores pessoas físicas na Bolsa de Valores de São Paulo e de Nova
York. Hoje são mais de 100 Investidores institucionais, entre eles os
grandes fundos de pensão. A escolha das prioridades estratégicas também
deu origem ao crescimento organizado da empresa. Estamos atendendo
15 milhões de pessoas com o mesmo padrão de qualidade. Não adiantaria
trazer benefícios para o acionista, se não fossem estendidos para quem
produz os serviços, ou seja, os funcionários, e para quem usufruiu deles,
os clientes. Ou para a comunidade, e assim por diante.
Não foi uma tarefa fácil. Mas, agora, podemos nos orgulhar de ter nossas
diretrizes de governança corporativa em alinhamento com o IBGC. Também
estamos entre as empresas do Novo Mercado, com todas as ações
ordinárias, todas com tag along de 100%. Não hesito em afirmar que estamos
desenhando um modelo a ser seguido, inspirando outras empresas do setor.
214
Foi esse o caminho trilhado para reverter o difícil panorama vivido a partir
do racionamento, em 2001. No ano de 2003, a companhia chegou a
amargar prejuízo. Tivemos de reestruturar dívidas, reduzir custos. Hoje
operamos dentro de uma estrutura ótima de capital, com investimentos
da ordem de 2 bilhões de reais em expansão, construção de usinas e
ligações destinadas a consumidores. No ano passado, nosso faturamento
aumentou 18% em relação a 2003, atingindo quase 10 bilhões de reais.
Também distribuímos 95% do lucro na forma de dividendos.
1
Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica.
215
216
2
A Lei n° 8.313/91 permite que os projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC)
recebam patrocínios e doações de empresas e pessoas, que poderão abatê-los, ainda que parcialmente, do
Imposto de Renda devido.
217
218
Bibliografia
ELKINGTON, John. Cannibals with Forks: the triple bottom line of the 21st century,
Gabriola Island: New Society Publishers, 1998, pp. xvi-407.
GALBRAITH, John Kenneth. O Novo Estado Industrial. São Paulo: Pioneira, 1983.
MEADOWS, Donella H.; MEADOWS, Dennis L.; and RANDERS, Jorgen. Beyond
the Limits: confronting global collapse – envisioning a sustainable future. White
River Junction: Chelsea Green, 1992, pp. xix-300.
MEADOWS, Donella H.; MEADOWS, Dennis L.; RANDERS, Jorgen; and BEHRENS
III, William W. The Limits to Growth: a report for the Club of Rome’s project on the
predicament of mankind. 2nd ed. Washington, DC: Potomacs Associates Book, 1975,
pp. 207.
http://www.clubofrome.org/
219
Agenda 21
http://www.un.org/esa/sustdev/documents/agenda21/
http://www.mma.gov.br/index.cfm?id_estrutura=18
http://www.un.org/Overview/rights.html
http://www.unhchr.ch/udhr/lang/por.htm
http://www.sustainability-indexes.com/
http://www.ftse.com/ftse4good/index.jsp
Fundo Ethical
https://www128.abnamro.com.br/scripts/
comunic_sfi.dll?OPERA=SFI_ESPELHO&FUNDO=0203&PASSO=1&GMERC=22
http://www.globalreporting.org/
220
http://www.ibase.org.br
http://www.bovespa.com.br/Mercado/RendaVariavel/Indices/
FormConsultaApresentacaoP.asp?Indice=IGC
http://www.ethos.org.br
http://www.bovespa.com.br/Principal.asp
ISO 14000
http://www.iso.org/iso/en/iso9000-14000/index.html
ISO 26000
http://www.iso.org/iso/en/info/Conferences/SRConference/home.htm
http://www.uniethos.org.br/
DesktopDefault.aspx?TabID=4023&Alias=uniethos&Lang=pt-BR
http://www.itauinvestnet.com.br/itauinvestnet/fundos/conheca_fundos/
monta.asp?cod=41575&tipo=p
http://www.jse.co.za/sri/
Metas do Milênio
http://www.un.org/millenniumgoals/
http://www.fnuap.org.br/metas.asp
Norma AA 1000
http://www.accountability.org.uk/aa1000/default.asp
221
Pacto Global
http://www.unglobalcompact.org/Portal/Default.asp?
http://www.pactoglobal.org.br/
Padrões SA 8000
http://www.saintl.org/
index.cfm?fuseaction=Page.viewPage&pageId=473&stopRedirect=1
Protocolo de Kyoto
http://unfccc.int/resource/docs/convkp/kpeng.html
http://www.mct.gov.br/clima/quioto/protocol.htm
SustainAbility
http://www.sustainability.com/
http://www.naturalstep.org/
222