Documente Academic
Documente Profesional
Documente Cultură
Tal como o filósofo inglês Thomas Hobbes, Jean-Jacques Rousseau sustenta que
a sociedade surge a partir de um pacto, um contrato estabelecido entre os homens, que
faz com que estes abandonem o estado de natureza e se organizem em sociedade.
Contudo, diferentemente de Hobbes, Rousseau sustenta em sua obra, Do Contrato Social,
que a soberania pertence ao povo, que livremente deve transferir seu exercício ao
governante. Suas ideias democráticas inspiraram os líderes da revolução francesa e
contribuíram para a queda da monarquia absoluta, a extinção dos privilégios da nobreza
e do clero e a tomada do poder pela burguesia. O filósofo, no conjunto de suas obras, nos
alertaria para a complexa relação homem-sociedade enfatizando, sobretudo, as inúmeras
formas de “corrupção” do homem pela sociedade. O homem nasce bom, a sociedade é
que o corrompe, diz o filósofo. O homem em seu estado natural é um ser puro, desprovido
de quaisquer formas de corrupção. Contudo, através do seu convívio na sociedade ele
adquire novas “necessidades”, e com elas, surgem novos desejos que objetivam ser
realizados. Através do convívio social o homem torna-se um ser degradado e decompõe
suas estruturas. O homem cria novas necessidades, surgidas através do convívio em
sociedade, e assim sendo, deseja satisfazê-las. Desta forma, passa a agir em função destas
necessidades.
Pensador francês do séc. XVII, período do apogeu do Iluminismo, Rousseau foi
um autêntico teórico revolucionário, assim como Voltaire e Montesquieu. Numa Europa
ainda dominada pelo espírito absolutista do Antigo Regime, Rousseau enfrentou sérios
problemas uma vez que em sua obra Do Contrato Social, apontava o povo como origem
legítima do governo, afirmação que causou a condenação de sua obra e de seu autor pelo
parlamento de Paris, além de ter sido decretada sua prisão.
O Contrato Social é um clássico de filosofia e política, um estudo minucioso,
profundo e sistemático das teorias políticas em meados do século XVIII. Nele, são
discutidas as questões da origem, formação e manutenção das sociedades humanas
entendidas sobre a base da celebração de um acordo ou contrato entre os homens. O povo
aparece como a origem legítima do poder soberano e não mais a figura do monarca. O
povo passa a ser o soberano e o governante (monarca ou administrador eleito) restringe-
se à função de agente do soberano. Rousseau torna-se, desta forma, um dos maiores
defensores da democracia, forma de governo segundo a qual o poder político deve estar
integralmente nas mãos do povo.
Nascimento (2001, p. 194) chama a atenção para o fato de que o Contrato Social
é uma obra que deve ser entendida em conjunto com o Discurso sobre a origem da
desigualdade pois muitas análises presentes no Contrato já estão presentes no Discurso,
em se tratando, por exemplo, da origem da sociedade , da liberdade e do estado de
natureza: “a trajetória do homem, da sua condição de liberdade no estado de natureza, até
o surgimento da propriedade, com todos os inconvenientes que daí surgiram, foi descrita
no Discurso sobre a origem da desigualdade”. Silva (2008, p. 32), por sua vez, ressalta
como o Contrato Social funda-se na concepção de indivíduo soberano e livre, a partir da
“visão abstrata e conjetural da condição humana, apresentada no Discurso sobre a
desigualdade”. Além disso, o Contrato consiste “na elaboração de princípios normativos
capazes de legitimar a existência do homem em convívio com outros na ordem civil,
preservando sua liberdade”.
O Contrato Social de Rousseau amplia as reflexões iniciadas no Discurso sobre a
origem da desigualdade e apresenta o seu projeto do “dever-ser de toda ação política”
(NASCIMENTO, 2001, p. 195). Trata-se de buscar a melhor forma de organização social
e como ela deve-ser. “O que pretende estabelecer no Contrato social são as condições de
possibilidade de um pacto legítimo, através do qual os homens, depois de terem perdido
sua liberdade natural, ganhem, em troca, a liberdade civil” (NASCIMENTO, 2001, p.
195-196).
O Contrato Social
Em sua obra Do Contrato Social Rousseau situa duas etapas determinantes do
processo de transição do estado de natureza para o estado civil (surgimento da sociedade):
primeiro, o início da sociedade civil com a instituição da propriedade privada e, segundo,
como simultâneo ao aparecimento das desigualdades sociais.
O primeiro livro do Contrato tem como objetivo discutir qual a origem e o
fundamento legítimo da sociedade política (Estado civil). Rousseau fala da condição
natural do homem em contraste com a sua condição social, resultando destas duas
condições duas formas de liberdade (natural e social) sendo que esta última restringe a
liberdade da condição natural do ser humano: “O homem nasce livre, e por toda a parte
encontra-se a ferros” (ROUSSEAU, 1973, p. 22). Mas é preciso considerar que embora
sua condição social prive o homem de muitas vantagens que frui na natureza, ele também
ganha algumas outras:
suas faculdades se exercem e se desenvolvem, suas ideias se alargam,
seus sentimentos se enobrecem, toda sua alma se eleva a tal ponto que,
se os abusos dessa nova condição não o degradassem frequentemente a
uma condição inferior àquela donde saiu, deveria sem cessar bendizer o
instante feliz que dela o arrancou para sempre e fez, de um animal
estúpido e limitado, um ser inteligente e um homem (ROUSSEAU, 1973,
p. 36).
O pacto social que fez surgir a Sociedade civil resultou de um processo que deu
origem as desigualdades sociais entre os homens que, por sua vez, surge com a instituição
da propriedade privada: “O verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro homem que,
tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’, encontrou pessoas simples e
humildes o suficiente para acreditá-lo” (ROUSSEAU, 1973). Rousseau exemplifica dessa
forma a instituição da propriedade privada e a hipótese da desigualdade humana para o
principal problema da organização política: divisão do trabalho, agricultura, metalurgia,
tudo levando à descoberta da propriedade e dela à desigualdade e opressão. A propriedade
determina o que é “meu” e o que é “teu” e, como há capacidades diferentes, fatalmente
uns terão mais do que outros e quererão manter sua posse e transformá-la em propriedade.
Essa ideia aparece no Contrato quando Rousseau fala sobre o direito do primeiro
ocupante. O direito do primeiro ocupante é posterior ao direito de propriedade. A
instituição da propriedade, posse por parte de um (o primeiro ocupante) e aceitação pelos
demais, aliada ao surgimento da agricultura e metalurgia, produziu a “grande revolução”.
As desigualdades, que no estado natural eram “quase nulas” na significação de
possibilidades ao homem, tornam-se políticas, e excludentes. Os “ricos” (donos de
propriedades) praticam usurpações, e os “pobres” (que não tem propriedade) precisam
pilhar para sobreviver.
Não se trata de dizer que não existam desigualdades, mas de refletir sobre o modo
como elas existem. Já no Discurso sobre as origens e os fundamentos das desigualdades
entre os homens, veremos que Rousseau designa um tipo de desigualdade como sendo
natural ou física e o outro tipo como sendo moral ou política:
Concebo na espécie humana dois tipos de desigualdade: uma a que chamo
de natural ou física, por ser estabelecida pela natureza, e que consiste na
diferença de idades, de saúde, das forças do corpo e das qualidades do
espírito ou da alma; a outra, que se pode chamar de desigualdade moral,
ou política, porque depende de uma espécie de convenção, e é
estabelecida, ou pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens.
Esta consiste nos diferentes privilégios, de que gozam alguns em prejuízo
de outros, como o de serem mais ricos, mais homenageados, mais
poderosos ou mesmo o de se fazerem obedecer (1973, p. 48).
No estado natural as desigualdades não fazem nenhuma diferença, mas o surgimento da
propriedade privada faz nascer um outro tipo de desigualdade que, tendo surgido como uma
iniciativa unilateral, Rousseau caracterizará essa atitude como usurpação. De seu ponto de vista,
a sociedade civil já continha um mal de origem - ela surgiu através da usurpação. Ocorre que este
processo, de formação da sociedade civil, que se inicia com o surgimento da propriedade privada,
por ter sua origem numa usurpação, desencadeará inexoravelmente uma série de problemas. Esta
situação passa a ser a origem de desigualdades que tornariam a sociedade nascente atravessada
por conflitos insuperáveis. “Como poderá um homem ou um povo assenhorear-se de um território
imenso e privar dele todo o gênero humano, a não ser por usurpação punível, por isso que tira do
resto dos homens o abrigo e os alimentos que a natureza lhes deu em comum?” (ROUSSEAU,
1973, p. 38).
O pacto social, na realidade, foi um pacto proposto pelos mais aquinhoados que,
ao invés de restabelecer a igualdade e a liberdade naturais, perpetuaria as relações injustas
então prevalecentes. Este pacto seria o reconhecimento público da desigualdade e a vitória
da propriedade sobre a liberdade.
Por esta sociedade política se constituir numa iniciativa dos “ricos”, este pacto ou
contrato de formação da sociedade política assume o caráter de um pacto dos “ricos”. Ou
seja, os “ricos” vão tomar a iniciativa de sua constituição. Tratava-se, portanto, de criar
um poder político que garantisse, no fundo, a propriedade daqueles que a possuíam.
Neste sentido, podemos dizer que para Rousseau existem dois tipos de contrato:
uma factual e outro ideal. Rousseau nos apresenta dois tipos de contrato entre os
indivíduos: um que teria sido forjado pelos “ricos”, aqueles que se tornaram os donos da
propriedade privada (contrato factual) e um outro contrato que deveria ser firmado entre
cidadãos livres e iguais (contrato ideal).
Dessa forma, Rousseau afirma que o primeiro motivo que levou os homens a perceberem
a conveniência de alguma espécie de contrato foi a tentativa de legitimar o pedaço de
terra de que haviam se apossado, transformando-o em propriedade. Deu-se assim um
pacto entre os ricos ou proprietários, que convenceram os não proprietários de que seria
vantajoso também para eles um contrato em que todos se comprometessem em respeitar
e proteger os bens adquiridos por cada um dos contratantes. O que aconteceu então foi
uma espécie de pacto no qual alguns tiraram proveito da ingenuidade e pretensa astúcia
de outros, fazendo-os acreditar que participavam da fundação de uma sociedade legítima.
Falamos em ingenuidade e pretensa astúcia porque todos que concordaram com o pacto
imaginavam que um dia também poderiam ter terras (GOMES, 2006, p. 18).
Quanto ao contrato ideal: já não se trata daquele pacto entre ricos que forjava um
contrato ilegítimo entre as partes. O que é sugerido, então, é que os associados formem
um único corpo que defenda a cada um dos indivíduos que o formam. Esse corpo seria o
soberano e sua vontade, que deve ser sempre a única visada, é a vontade geral. Trata-se
agora de tornar legítima uma associação já existente.
Chevalier (1999, p. 166) define a fórmula do pacto social legítimo como sendo
um consentimento necessariamente unânime em que cada pessoa se coloca sob a direção
da vontade geral ou, em outras palavras,
cada associado aliena-se totalmente e sem reserva, com todos os seus
direitos, à comunidade. Assim, a condição é igual para todos. Cada um
se compromete para com todos. Cada um, dando-se a todos, a ninguém
se dá. Cada um adquire, sobre qualquer outro, exatamente o mesmo
direito que lhe cede sobre si mesmo. Cada um ganha, pois o equivalente
de tudo quanto perde, e mais força para conservar o que possui. Como se
vê, o compromisso deve toda a sua originalidade ao fato de que cada
contratante está obrigado sem, no entanto, estar "sujeito" a pessoa
alguma, ao fato de que .cada um, unindo-se a todos, só obedece, "no
entanto, a si mesmo, permanecendo tão livre quanto antes" (aí se achava
toda a dificuldade do problema a resolver).