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Resumo:
Recentemente foi realizado um estudo sobre a eficiência das estratégias utilizadas por 100 gestores
profissionais de Wall Street. Para tanto, suas performances foram comparadas à performance de um
chimpanzé operando com olhos vendados. Os resultados foram publicados no Wall Street Journal e em
várias outras revistas[1]. O rendimento ajustado ao risco obtido pelo chimpanzé foi melhor que a média
dos 100 gestores profissionais. Como interpretar esse fato e como encarar a validade dos certificados
emitidos pelas entidades reguladoras? Há algo que precisa ser mudado nos critérios que determinam a
emissão destes certificados, para evitar que os gestores aprovados continuem gerando para seus clientes
resultados comparáveis aos obtidos por chimpanzés? É sobre isso que trataremos nesse artigo.
Palavras-chave: investimentos, estratégias, fundos de investimento, mercado financeiro
Abstract:
[traduzir] Recentemente foi realizado um estudo sobre a eficiência das estratégias utilizadas por 100
gestores profissionais de Wall Street. Para tanto, suas performances foram comparadas à performance de
um chimpanzé operando com olhos vendados. Os resultados foram publicados no Wall Street Journal e
em várias outras revistas[1]. O rendimento ajustado ao risco obtido pelo chimpanzé foi melhor que a
média dos 100 gestores profissionais. Como interpretar esse fato e como encarar a validade dos
certificados emitidos pelas entidades reguladoras? Há algo que precisa ser mudado nos critérios que
determinam a emissão destes certificados, para evitar que os gestores aprovados continuem gerando para
seus clientes resultados comparáveis aos obtidos por chimpanzés? É sobre isso que trataremos nesse
artigo.
Keywords: investment, strategies, hedge funds, financial market
INTRODUÇÃO
Quando uma pessoa adquire uma TV ou um liquidificador, ela liga e verifica se está funcionando.
O teste não requer profundos conhecimentos sobre eletrônica nem mecânica. Praticamente qualquer
pessoa pode verificar se um aparelho como esse funciona, e o risco de se enganar é baixo.
Mesmo nos casos de produtos complexos, constituídos por muitos itens, como um automóvel,
pode haver pequenas falhas que passem despercebidas no teste, mas que não afetam sua funcionalidade
geral. Mesmo quando algo passa despercebido, geralmente não chega a 1% do valor do produto, e muito
raramente chega a 10%.
Isso vale para produtos cujo funcionamento seja predominantemente determinístico. Em tais
casos, não há necessidade de um especialista que oriente o consumidor. O próprio consumidor, munido
com bom senso e alguns conhecimentos básicos, é capaz de avaliar se um produto está funcionando bem
ou se apresenta defeito. Além disso, há leis (CDC) que regulam as condições para devolução, mediante
a constatação de vícios ocultos, bem como eventuais indenizações, se o mal funcionamento acarretar
prejuízos ao consumidor.
Mas quando se trata de um produto de investimento, a situação muda completamente, porque os
resultados gerados são quase totalmente aleatórios, com uma pequena parcela de determinismo. Isso faz
com que um produto eficiente possa ficar meses ou anos gerando perdas, enquanto outro que seja
ineficiente pode permanecer positivo durante meses ou anos. Isso dificulta tremendamente a avaliação
sobre a qualidade de um produto de investimento e exige períodos longos de coleta de dados, bem como
análise destes dados, para que se possa fazer inferências válidas. Uma analogia que pode ser feita é com
jogadores de Poker. Um jogador top-mundial pode ficar negativo durante 2.000 torneios, como André
Akkari, enquanto um iniciante pode ter vários ganhos consecutivos por mera sorte.
Para avaliar se um produto desta classe cumpre as funções esperadas, torna-se necessário um
nível consideravelmente elevado de conhecimento sobre Estatística, Lógica e Metodologia Científica.
Produtos farmacológicos se assemelham aos financeiros, em alguns aspectos, por isso algumas
analogias apresentadas neste artigo serão por meio de comparações com itens desse gênero. Um fármaco
aplicado em centenas de pessoas pode funcionar em algumas delas, mas não em outras, assim como um
placebo. O que distingue o placebo do princípio ativo aprovado para uso é uma medida estatística que a
maioria da população não está apta para aferir nem para interpretar.
Por isso é frequente que surjam curandeiros fazendo sucesso e atraindo multidões de desavisados,
graças ao efeito placebo, que não é compreendido pelos leigos. Esse sucesso dura até que sejam
devidamente autuados pelas entidades reguladoras. Ironicamente, as pessoas lesadas por estes charlatães
ainda tendem a defender seus detratores, porque desconhecem o conceito de placebo, desconhecem os
fundamentos do método científico, e estão susceptíveis a acreditar que se algo funcionou num caso
específico, então deve funcionar sempre.
No ramo da Saúde é assim: mais de 99% dos que atuam nessa área são profissionais cuja
qualificação varia entre razoável e excelente, e todos estão mais bem preparados para o exercício da
função do que uma pessoa comum, sorteada ao acaso entre a população. Eventualmente surge algum
charlatão, que acaba sendo denunciado e impedido de continuar atuando.
No ramo dos investimentos é o contrário: mais de 99% dos que atuam nessa área não possuem
qualquer qualificação que os distinga de uma pessoa sorteada ao acaso, aliás que os distinga sequer de
um chimpanzé[1]. Eventualmente surge algum profissional realmente competente, que acaba passando
despercebido, além de ser boicotado pelos charlatães que impedem sua emergência num ambiente que
eles já dominaram.
Diante a essa realidade mórbida, seria esperado que as entidades reguladoras se empenhassem
para reverter esse quadro e estabelecer um mínimo de seriedade neste ambiente.
Neste artigo, tentaremos dar o primeiro passo no sentido de esclarecer os investidores, bem como
incentivar as entidades reguladoras a promover uma reformulação nas leis que regulam o Mercado
Financeiro, de modo a filtrar os produtos de investimento que são oferecidos ao público, evitando a venda
de banha de cobra como se fosse remédio. Também espera-se que sejam revisados os critérios para
emissão de certificados de gestores e analistas, de modo que aqueles distinguidos com uma certificação
dessa categoria façam jus a ela, e não sejam superados por um chimpanzé[1].
4. ABRANGÊNCIA DO PROBLEMA
O estudo com os chimpanzés cobre pequena parte de um problema muito mais amplo. Alguns
professores de investimentos alegam ter “preparado” mais de 100.000 alunos. A dúvida que surge é:
preparado para quê?
Se apenas 1 professor dissemina suas superstições entre 100.000 incautos, qual é o total de
vítimas? Se somar alunos de todos os professores, deve totalizar algo entre 200.000 e 300.000 (não muito
mais devido à redundância de que muitos alunos participam de cursos com vários professores).
É um número alarmante, porque se existem menos de 10 pessoas no Brasil que conseguem de
fato ganhar dinheiro com operações financeiras de forma consistente, e 300.000 que compram algum
produto “educacional” de investimento na expectativa de que venham a se tornar capazes de obter lucro
usando o que aprenderam, algo não está certo.
Entre as pessoas que ingressam numa faculdade de Engenharia, ou Medicina, ou Direito, e aquelas
que de fato terminam o curso, não há uma proporção de 1:1, porque boa parte abandona o curso sem
concluir. De acordo com reportagem publicada em 2013[5], 44% dos alunos matriculados em faculdades
de Engenharia finalizaram o curso. Engenharia é considerado um dos cursos mais difíceis e com maior
taxa de evasão, mesmo assim quase 50% permaneceram até concluir.
Digamos que nem todos os que terminam o curso de Engenharia estejam suficientemente
capacitados para exercer com diligência as atividades que se espera de sua profissão e gerar lucros a
partir disso. Numa estimativa muito pessimista, podemos supor que apenas 10% se tornam profissionais
bem sucedidos, no sentido de que conseguem ganhar dinheiro exercendo sua profissão.
Agora vamos comparar aos participantes de cursos de investimentos: 0,003% chegam a produzir
resultados positivos e gerar algum lucro com o que aprenderam. Por que 99,997% dos participantes destes
cursos não conseguem ganhar dinheiro? Falta algo aos alunos? Ou o conteúdo dos cursos não oferece
subsídios suficientes para que sejam capazes de obter lucro? Para compreender esse fenômeno, podemos
analisar os resultados de um experimento realizado nos anos 1980 por um dos maiores traders do mundo.
Em 1983, Richard Dennis fez uma aposta com William Eckhardt sobre ser possível treinar
qualquer pessoa para se tornar um trader profissional[6]. Dennis defendia ser possível, enquanto Eckhardt
defendia que era necessário ter aptidões inatas específicas, lapidadas com treinamento.
Dennis publicou um anúncio no Wall Street Journal, recrutando candidatos para receber
treinamento. Cerca de 15.000 pessoas se inscreveram. Ele fez uma seleção por exame escrito, depois uma
entrevista com os candidatos que obtiveram melhores resultados no exame e, no final, selecionou 23
pessoas, às quais ofereceu treinamento por 2 semanas e, em seguida, as colocou para operar. Este grupo
ficou mundialmente conhecido como os Turtle Traders.
Na segunda metade dos anos 1980, com a alta da bolsa, os turtles ganharam bastante e desfrutaram
um sucesso temporário, mas logo ficou evidente que não tinham consistência de longo prazo. Dos 23
turtles, apenas 1 teve sucesso a longo prazo: Jerry Parker, que continua ativo ainda hoje, com
performance média de 12,17% ao ano desde 1988, em seu fundo Chesapeake Capital[7].
Incrivelmente, Dennis achou que venceu a aposta, e várias pessoas em sites, blogs e fóruns citam
essa história como se Dennis tivesse vencido. No entanto está claro que Dennis estava errado, enquanto
a opinião de Eckhardt estava bem mais próxima à realidade.
Considerando que o anúncio no jornal teve alcance de milhões de pessoas, entre as quais houve
uma self-selection que levou 15.000 a se interessarem, e destas 15.000 ele selecionou os 23 que achou
mais qualificados e, depois de os treinar, apenas 1 entre todos eles teve sucesso, então o resultado sugere
claramente que cerca de 1 em 1.000.000 de pessoas tem condições de ficar positiva no Mercado de forma
consistente a longo prazo.
Para que Dennis pudesse apoiar sua tese de que qualquer pessoa pode ganhar no Mercado, desde
que receba treinamento adequado, ele teria que sortear 100 pessoas pelas ruas. Nem pela lista telefônica
valeria, porque em 1984 a posse de um telefone já representava um público mais seleto e a amostra estaria
enviesada.
Além disso, é provável que o “treinamento” de 2 semanas tenha sido quase irrelevante.
Provavelmente Parker teria obtido o mesmo sucesso se não tivesse recebido tal treinamento (talvez
demorasse mais para aprender sozinho).
O que se pode inferir disso? Os fatos são bastante claros: Richard Dennis, um dos melhores traders
do mundo, com resultados comprovados durante décadas, selecionou algumas pessoas que, no seu
julgamento, reuniam os atributos mais importantes para que tivessem alguma chance de obter sucesso no
Mercado, e as treinou pessoalmente. Mesmo assim, apenas uma delas teve sucesso, e não foi tão
expressivo (lucro anual médio de 12%).
Esta é uma parte da resposta ao problema. Mostra que mesmo com um professor excepcional, é
extremamente difícil aprender a operar de modo a gerar lucros de forma consistente. Portanto, mesmo
que os cursos fossem oferecidos por traders competentes e ensinassem algo útil, ainda assim só uma
reduzidíssima parcela da população teria os atributos necessários para conseguir tirar algum proveito dos
ensinamentos, enquanto cerca 99,999% das pessoas perderiam tempo e dinheiro nos cursos e mais
dinheiro tentando usar o que acreditariam ter aprendido nos cursos.
Mas no cenário real é pior, porque não é Richard Dennis que oferece os cursos. Praticamente
todos os vendedores de cursos, livros, palestras etc. estão negativos no mercado. Se os próprios
professores estão perdendo de forma persistente, qual é a probabilidade de que os alunos destas pessoas
consigam aprender algo útil e possam ter algum lucro?
Como há 50% de probabilidade de ganhar por acaso, claro que o fator sorte acaba contribuindo
muito para iludir as multidões, e justamente por isso é que a filtragem deveria ser realizada por uma
entidade fiscalizadora, já que a população não tem conhecimento para isso.
Além de gestores que operam com resultados piores que os de chimpanzés e vendedores de cursos
que são como água com farinha, o problema se estende até bem mais longe. Nos últimos anos, estão na
moda os robôs. A pessoa acha que basta usar tecnologia de ponta, vazia de conteúdo, para ter algum
sucesso.
Embora os robôs estejam no único grupo que tem alguma possibilidade de viabilizar investigações
científicas sobre a qualidade das estratégias utilizadas, o que se observa na prática é que não existe a
menor seriedade dos desenvolvedores. Alguns realmente não sabem o básico sobre os estudos que
precisariam ser realizados para validar uma estratégia. Outros talvez saibam, mas maquiam os resultados
de diferentes maneiras.
EXCEÇÕES:
Tanto Buffett, em 1956, quanto Soros, em 1968, não seriam aprovados como gestores nem para
qualquer outra função listada acima, com base nestes critérios. Isso levou o amigo J.A.L.J. a sugerir
alterações nos critérios, de modo a torná-los compatíveis com a aprovação destes lendários gestores.
Isso cria algumas dificuldades, porque embora Soros e Buffett fossem notáveis desde aquela
época, no início de suas carreiras não havia elementos suficientes que possibilitassem prever o sucesso
que alcançariam. Estes elementos só foram se tornando conhecidos à medida que seus ganhos foram se
concretizando. Portanto, embora uma avaliação retroativa possa sugerir que Buffett e Soros deveriam ser
aprovados, esta é uma avaliação post facto.
Por exemplo, em 1905, Einstein era tão brilhante quanto nas décadas seguintes, mas ainda não
era reconhecido. Era um anônimo perdido no meio da multidão, e não era levado a sério. Inclusive seu
“amigo” Marcel Grossmann não quis “desperdiçar” seu precioso tempo para ajudar Einstein com a
matemática necessária para formalizar a Teoria Geral da Relatividade. Em vez de tratar da parte
matemática, Grossmann apenas fez algumas sugestões bibliográficas a Einstein, para que, se ele
desejasse, ele próprio aprendesse sobre tensores e fizesse o trabalho.
Com isso, Grossmann entrou para a história como um semianônimo, com pequeno papel
figurativo, sendo que numa carta de Einstein para Lorentz, o brilhante físico sugeriu que teria
mencionado Grossman como co-autor da Teoria da Relatividade, se Grossmann o tivesse ajudado com a
formalização e os cálculos. Quando finalmente Einstein atingiu o domínio necessário das ferramentas
matemáticas de que precisava, pôde revisar alguns de seus cálculos de 1911 e fazer novas previsões sobre
o ângulo em que a luz deveria ser desviada ao passar pelas proximidades do Sol, e somente em 1919,
com o eclipse observado em Sobral e Príncipe, é que sua obra foi reconhecida.
Quem poderia ser culpado por não reconhecer os méritos de Einstein em 1905? Havia várias
outras tentativas para explicar os resultados obtidos por Michelson e Morley, que assumiam diferentes
premissas e chegavam em diferentes resultados. A teoria de Einstein era mais uma. Para saber qual das
teorias encontraria melhor respaldo nos dados experimentais, seria necessário testar mediante observação
e aferição. Assim, transcorreram alguns anos até que os testes fossem realizados e as hipóteses de Einstein
verificadas experimentalmente e ganhassem o status de “teoria”.
Com Buffett e Soros a situação é semelhante. Hoje sabemos que são gestores extraordinários,
assim como eram desde 1956 e 1968, porém naquela época não havia dados suficientes para saber. O
máximo que se poderia fazer seria aplicar testes que pudessem prognosticar estes resultados. Os exames
da época se mostraram extremamente ineficientes, porque além de ambos não serem aprovados, ainda
por cima vários outros gestores menos qualificados foram aprovados, e quase todos estes aprovados não
apresentaram resultados melhores que os de um chimpanzé.
Um exame que possibilitaria a correta identificação do potencial de Buffett e Soros e, ao mesmo
tempo, filtraria corretamente a grande maioria dos gestores insuficientemente qualificados, seria uma
espécie de backtest fundamentalista. Este será tema para um próximo artigo.
CONCLUSÃO
Este artigo não pretende apresentar uma solução definitiva ao problema, mas apenas dar o
primeiro passo no sentido de incentivar uma fiscalização mais rigorosa e justa, com exigências mais
adequadas. Ao mesmo tempo, esclarecer o público sobre alguns pontos importantes, tais como a real
expectativa que se pode ter ao entregar o dinheiro para ser administrado por um gestor que não seja um
dos melhores do mundo.
[1] http://www.saturnov.com/artigos/324-chimpanzes-podem-operar-melhor-que-gestores-profissionais
http://www.saturnov.com/artigos/334-importante-esclarecimento-sobre-o-chimpanze-e-os-gestores
http://www.automaticfinances.com/monkey-stock-picking/
http://www.wsj.com/articles/SB10001424052748704893604576200252914852590
[2] https://www.mql5.com/pt/code/mt4/experts
http://mt4talk.com/viewforum.php?id=3
[3] http://www.infomoney.com.br/onde-investir/ranking-de-fundos
[4] http://www.infomoney.com.br/onde-investir/renda-fixa/noticia/3202048/105-milhoes-mega-sena-
renderiam-apartamento-por-mes
[5] http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/07/so-44-dos-alunos-de-engenharia-da-ultima-decada-
terminaram-o-curso.html
[6] https://en.wikipedia.org/wiki/Richard_Dennis
http://www.originalturtletrader.com/turtle-story.htm
http://www.investopedia.com/articles/trading/08/turtle-trading.asp
[7] http://ctaperformance.com/chesapeake