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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1. NEGUINHA EM DESCOBERTA
Ao ser chamada para viajar com os Palhaços Trovadores, fui
apresentada ao universo do palhaço, sem ter muitos indícios do que seria
isso. Em seguida, fui convidada para fazer um estágio no grupo. A partir
daí, passei a ter acesso às técnicas específicas de palhaço e ao treinamento
corporal que compõem a dinâmica de trabalho do grupo.
Usando as palavras de Icle para definir o funcionamento do sujeito
de si, onde ainda não há uma diferenciação muito clara das ações cotidianas
e extracotidianas, eu também avalio que, de início, na primeira viagem com
o grupo, não saberia perceber quase nenhuma especificidade nas minhas
ações. Não saberia dizer, naquele instante, o que era meu de atriz e o que
era descoberta de palhaça, pois ainda não havia uma palhaça de fato.
Neste primeiro momento de descobertas das ações físicas, que me
instrumentalizariam para o reconhecimento da minha palhaça, há um
mergulho na surpresa, principalmente, nos exercícios técnicos da palhaçaria.
Pois é neste momento que somos postos à prova, é aqui que nos deparamos,
ou não, com o palhaço que somos ou que podemos vir a ser. São sensações
inesperadas que vêm com o treinamento. Às vezes, são rapidamente
compreendidas e traduzidas em ação concreta, outras vezes, levam um
tempo para serem digeridas pelo ator.
Assim, a primeira tarefa que um ator deve enfrentar,
quando começa essa busca, é um desnudar-se,
dinamizando suas energias potenciais e procurando
encontrar e abrir as ‘portas’ que o levem a um contato
orgânico com sua pessoa. Ao mesmo tempo, deve
‘domar’ essas energias em ‘trilhos’ técnicos corpóreos,
por meio de trabalhos e exercícios que possibilitem
uma relação extracotidiana, portanto dilatada, com o
espaço e com seu próprio corpo, in-corporando
elementos objetivos que permitam uma nova relação
psicofísica (FERRACINI, 2003, p. 133).
2. NEGUINHA EU
No início do treinamento, as ações tinham muito das minhas
experiências anteriores como atriz e da minha movimentação
cotidiana, as memórias do corpo acumuladas ao longo do tempo. O
estado alterado do corpo, adquirido durante os ensaios e treinamentos,
foi sendo, aos poucos, compreendido e assimilado corporalmente. As ações
recorrentes, identificadas na descoberta da minha palhaça, vão sendo
corporificadas e utilizadas cada vez mais de forma consciente. A esta
altura do treinamento, já consigo perceber razoavelmente em que momentos
poderia lançar mão do que já tinha registrado no corpo, tentando dilatar
um pouco mais a comicidade da ação. Estes momentos se dão no instante
da ação física e verbal com o parceiro de cena, com o objeto ou, no caso
dos espetáculos, com o público.
Os exercícios já estão mais internalizados e a percepção da novidade
e da surpresa a cada exercício e a cada improvisação é melhor absorvida
por mim. É o momento de olhar de frente minha palhaça e assumir suas
características e sua lógica. É o ridículo que me cabe.
Aqui, as ações que percebi num primeiro momento vão ganhando
1. O TEXTO
Ato I
Cena IV
Figura 1: Angélique e Toinette. Teatro Maria Sylvia Nunes. 2007. (Foto: Marcelo Seabra)
Cena V
ARGAN senta-se em sua cadeira.- Minha filha, tenho uma notícia
que talvez você não estivesse esperando. Pediram você em
casamento. Está rindo? Gostou? Pelo que vejo, nem preciso
Figura 2 : Angélique e Toinette espantadas (I, 5). (Foto: acervo pessoal do grupo)
Ato II
Cena III
ARGAN – Venha minha filha ! Seu professor de música está
doente e mandou um substituto para continuar as lições.
ANGÉLIQUE – Oh! Céus!
ARGAN – Que é isso, e por que a surpresa?
ANGÉLIQUE – É...
ARGAN – O que é ? Quem te assustou desse jeito?
ANGÉLIQUE – Meu pai, é algo surpreendente o que aqui
encontro. Esta noite eu sonhei que estava no maior embaraço
do mundo e uma pessoa, exatamente como este senhor, me
socorreu tirando-me da dificuldade em que me encontrava. É
grande minha surpresa ao ver aqui aquele que esteve nos meus
sonhos a noite inteira.
CLÉANTE.- É uma felicidade ocupar seu pensamento, seja
2. A APARÊNCIA FÍSICA
3. A CANÇÃO DE ANGÉLIQUE
Em Menina Moça, Marcos Vinícius (que interpreta Cléanto e foi
o diretor musical) pensou em uma jovem garota que conhecia seu
primeiro amor e imaginava que eles iriam ficar juntos para sempre.
Para a Angélique de Molière, existe ainda a dificuldade de romper os
hábitos do século XVII, quando o marido de uma jovem era escolhido
por seu pai. Desta maneira, o compositor imaginou uma adolescente
que deseja somente que seus sentimentos sejam compreendidos.
Ele termina dizendo : “a inocência, a ternura, a leveza são
características que fazem parte dessa personagem, como a primavera
de crer que o amor pode mudar, mesmo os mais difíceis”. Eis a
música:
Toda menina moça
Gosta de namorar
Deseja um rapaz formoso
Com ele quer se casar.
4. ANGÉLIQUE E AURORA AUGUSTA
Uma etapa importante na maturação de um palhaço é
quando o ator encontra a maneira de pensar de seu
palhaço. É a maneira de ser e de pensar do palhaço que
determina todas suas ações e reações. Não é uma
reflexão puramente racional, mas uma reflexão corporal,
muscular, física. É o organismo que age e reage segundo
a lógica do palhaço. É igualmente um pensamento afetivo
e emocional. (BURNIER, 2001, p.219)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
_______________
Notas
1
Terapeuta Ocupacional atuando na Fundação Papa João XXIII da Prefeitura Municipal de Belém;
atriz formada pela Escola de Teatro e Dança da UFPA; especialista em Psicomotricidade pela
UEPA; especialista em Estudos Contemporâneos do Corpo (2010) pela UFPA; integrante do grupo
Palhaços Trovadores.
2
Graduada em Letras - Língua Francesa pela UFPA; cursa o Mestrado em Letras/UFPA (Estudos
Literários), desenvolvendo a pesquisa Teatro na net.com: Palhaços Trovadores e o processo
colaborativo em O avarento de Molière (orientação da Prof.ª Dr.ª Lilia Chaves); atriz formada
pela Escola de Teatro e Dança da UFPA; integrante do grupo Palhaços Trovadores desde 2003;
integrante do PACA - Pesquisadores em Artes Cênicas na Amazônia - CNPq/UFPA (linha de
pesquisa: Poéticas e Processo de Criação, sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Wlad Lima); bolsista
CAPES.
3
Este trabalho, com algumas modificações, é um recorte de meu Trabalho de Conclusão de
Curso (Licenciatura em Letras/Francês Língua Estrangeira) defendido em 2008 na UFPA, sob
título original Palhaços Trovadores et Molière: la construction d’un personnage féminin (orientação
da Profª Drª Lilia Chaves).
4
Espetáculo montado em 2006, quando os Palhaços Trovadores ganharam o prêmio Myriam
Muniz, Edital de Montagem, da FUNARTE, sendo uma adaptação de O doente imaginário do
dramaturgo francês Molière.
5
Farei comentários sobre esta questão em Angélique e Aurora Augusta.
6
A concepção dos figurinos e cenário do espetáculo foi de Aníbal Pacha
(www.anibalpacha.blogspot.com).