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A escolha de Olympia

Neste capítulo de seu livro A pintura da vida moderna, T.J. Clark propõe
uma análise profundamente histórica da pintura Olympia, de Manet (1864-1865),
articulando relatos de época, recepção crítica, contexto econômico-social, de
maneira a empreender uma análise do particular como fenômeno vinculado a um
contexto amplo e geral da Paris fin de siècle. Embora não afirme com essas
palavras em seu texto, é evidente seu empenho na análise deste trabalho de arte
no escopo do adensamento de um capitalismo recém-estruturado.
A tese central de Clark é a de que Olympia configura-se como a pintura
fundadora do período histórico da Arte Moderna. Para o autor, ao retratar uma
prostituta em 1865, “Manet lidava com a modernidade em um de seus aspectos
mais pungentes e familiares, mas também mais difíceis” (CLARK, p.129). Neste
ponto, é preciso se aprofundar e explicitar tal aspecto central da modernidade
identificado na pintura, uma vez que toda a argumentação subsequente será
baseada nesta constatação. O aspecto em questão é a representação e a ideia
de classe.
Em seu texto, Clark define classe da seguinte maneira:
“Classe, a meu ver, é um nome dado àquele lugar complexo e
determinado que nos é designado no corpo social; é o nome dado a tudo
aquilo que significa que uma certa história vive em nós, nos confere nossa
individualidade.” (IDEM, p.208)
Esta ideia, referente à posição dos indivíduos (e, por extensão, de grupos
amplos de indivíduos) no escopo da complexa organização social, é inerente ao
tema abordado por Manet na Olympia: o retrato de uma prostituta parisiense.
As prostitutas na década de 1860 já tinham se tornado lugar-comum na
sociedade enquanto parte da classe trabalhadora francesa. Essa capilarização
da profissão está muito ligada à modernização da cidade de Paris proposta por
Georges Eugène-Haussmann para equiparar Paris à prestigiosidade da
metrópole de Londres e controlar os recentes levantes de trabalhadores contra
a burguesia.
“Quando se comentava a proliferação nos anos 1860 tratava-se em
primeiro lugar da visibilidade nas ruas. Como de hábito, atribuía-se à
haussmanização grande parcela da culpa, merecida até certo ponto. As
demolições do barão devastaram algumas ruas famosas de bordéias na
região do Louvre e na Ile de la Cité; o aumento geral dos preços dos aluguéis
obrigara os proprietários de alguns bordéis a deslocar-se para a periferia, e
muitos outros a converter seus estabelecimentos em hôtels garnis [pensões
mobiliadas] à disposição da prostituta avulsa de rua. A cidade havia mudado
de forma, e os lugares habituais onde a prostituta buscava seu cliente – onde
homens dançavam, bebiam, jantavam, se divertiam – se multiplicaram e se
tornaram mais conspícuos.” (IDEM, p.163)
Nessa época, a prostituição era considerada o território da degradação e
da dominação absolutas pela ideologia vigente. A coisificação das trabalhadoras
prostitutas era latente no senso comum, segundo o qual a prostituta era alguém
depravada e despida de empatia ou mesmo qualquer consideração com o cliente
que comprava seus serviços. “A prostituta, pelo menos era o que rezava a lenda,
não tinha consideração pelo cliente: ela lhe oferecia o corpo do dinheiro, ela
designava o preço.” (IDEM, p.157). Para Clark, essa ideologia forjada com o
objetivo de remover e descontextualizar o trabalho sexual da própria realidade
da classe trabalhadora é fruto do interesse da classe burguesa de manter essas
mulheres afastadas do espaço social de modo a construir uma barreira contra “a
constante ameaça do corpo de reaparecer na sociedade civilizada e reivindicar
seus direitos” (IDEM, IBIDEM). Neste trecho em específico, é dúbio o significado
que Clark atribui ao termo “corpo”, podendo ser lido como “sexualidade”, “sexo”,
ou ainda enquanto categoria genérica e abstrata que havia sido supostamente
escamoteada em gerações anteriores.
Segundo o autor, na prostituição o corpo se torna valor de troca,
renascendo como mercadoria em uma sociedade cada vez pautada pelo por seu
fetichismo e consequente reificação das relações sociais. Contudo, não há
consenso sobre essa análise da prostituição, uma vez que correntes do
feminismo classista/marxista entendem que neste processo o que é
comercializado não é o corpo da trabalhadora, e sim seu serviço sexual.
Para além desse processo de mercantilização, a prostituição era tratada
enquanto problema de saúde pública, havendo o temor de que sua crescente
inserção social espalhasse doenças dentre as famílias de modo geral. Vigorava
um processo repressivo de contagem e isolamento à categoria levado à cabo
pelo Estado, que ao longo dos anos 1860 mostrou-se cada vez mais ineficaz:
“Uma prostutita estava obrigada a se registrar junto à polícia e
receber uma ficha. Em decorrência, era submetida a exames regulares para
detectar doenças venéreas e entregue aos cuidados das irmãs de Saint
Lazare se alguma fosse constatada: Uma fille inscrite [prostituta registrada]
tinha permissão de operar de duas maneiras básicas. Podia ganhar a vida
como fille publique [meretriz], ou seja, como componente credenciada de um
bordel reconhecido pela polícia e monotonamente fiscalizado; ou podia
adquirir o estato incomum de fille em carte e empreender uma carreira isolée
[autônoma] – caminhando pelas ruas, cuidando-se para não violar as regras
não escritas que envolviam a racolage [abordagem], sua vida transformada
num labirinto de registros, declarações de impostos, de inspeções e de
propriedades.” (IDEM, p.162)
É evidente que tal estrutura nunca foi mais do que um conjunto de
pretextos para repressão dessas mulheres trabalhadoras, que travavam uma
batalha diária contra os aparelhos repressivos do Estado. Apenas uma das
diversas formas que a luta de classes assume cotidianamente.
“Algumas mulheres podiam escapar pelos vãos da rede, porém a
rede existia, e sua malha pelo menos as dividia em classes – elas eram filles
publiques ou isolées, eram insoumises ou parte da prostitution populaire
clandestine, e assim por diante. O sistema constituía um meio de conhecer a
prostitua, e de mantê-la “dans les cartons de la police, um chiffre em dehors
des êtres sociaux [nos arquivos da polícia, um número à parte dos seres
sociais” (IDEM, p.162)
A partir destes dados, Clark identifica que uma mudança profunda na
categoria da prostituição estava em curso, sendo por vezes mascarada pelo
contexto repressivo da época. Esta mudança reside no fato de que a prostituta
comum transcendeu seu papel de atender à necessidades físicas imediatas de
um trabalhador (em geral um proletário recrutado no campo, que sofria com a
escassez de mulheres de sua idade e classe social na metrópole) para o de uma
profissional capaz de satisfazer um comportamento sexual espelhado no da
burguesia.
“A burguesia acreditava no Desejo [...] Nos anos 1860 começou a
ficar visível, em consequência, um novo tipo de demanda do cliente da
prostituta, um tipo que alterou o conjunto da atividade – uma demanda por
intimidade, pela ilusão da sedução. Isso sem dúvida caminhou em conjunção
com outras encenações, de dor e degradação, dominação e submissão,
Sacher Masoch e Sade. Assim tornava-se mais perigoso o trabalho da
prostituta” (IDEM, p.163)
É neste contexto de mudança e complexificação do ofício que surge a
distinção conceitual entre prostituta e cortesã. A cortesã instaurou-se como
representação aceita socialmente do comércio sexual. Nesta forma, a
prostituição era desvinculada de qualquer materialidade a ela inerente e
transcendida a um mundo de aparências e encenação. Esta mulher seria aquela
versátil que não pertence ao mundo da classe e do dinheiro, flutuando acima ou
abaixo dele, jogando com suas categorias, intocada pelas necessidades
cotidianas (IDEM, p.140).
A cortesã resolvia, de certa maneira, o problema da necessária
representação social desta incontornável categoria da classe trabalhadora. Esta,
inclusive, tem sua importância para que seja possível sua distinção clara com
relação à femme hônete (mulher moralmente dentro dos padrões vigentes). Era
preciso, novamente, garantir o controle ideológico afinado aos interesses da
burguesia.
“A categoria “prostituta” é necessária, e por isso tem o direito de ter
suas representações. Ela deve tomar seu lugar nos vários retratos do social,
do sexual e do moderno que a sociedade burguesa põe em circulação. Num
certo sentido, seria possível dizer que essa categoria ancora tais
representações; é o caso-limite das três, e também o ponto em que elas se
delineiam com mais clareza umas sobre as outras. Além disso, representa o
perigo ou o preço da modernidade; diz coisas talvez chocantes sobre o capital
mas glamorosas quando expressas dessa forma e, ao mostrar a sexualidade
sucumbindo ao social do jeito errado (ainda que completamente), talvez nos
ajude a entender os jeitos corretos” p.158
É claro, portanto, que Clark identifica um sentido pedagógico na
representação da prostituição enquanto cortesã. Com essa ferramenta, é
possível controlar de maneira mais ou menos eficaz essa parcela da classe
trabalhadora perante o proletariado, tornando-a inclusive objeto de propaganda
da moral burguesa e do capitalismo. Diversos métodos eram utilizados nessa
representação, desde alegorias relacionadas ao período clássico da cultura
ocidental até algumas mais explícitas, que podiam funcionar como exemplos
negativos para uma educação moral vigente. A questão da cortesão é sintetizada
da seguinte forma pelo autor:
“A cortesã era uma categoria, é a minha tese: uma categoria que
dependia não apenas de uma distinção entre cortesão e femme honnête –
embora esse fosse o tema dominante do mito – mas também de uma
distinção entre cortesã e prostituta propriamente dita. A categoria cortesã era
o que podia ser representado da prostituição, e, para que isso pudesse
acontecer, ela tinha de ser arrancada do enxame de meras mercadorias
sexuais que podiam ser vistas fazendo uso das ruas. As profissionais mais
humildes eram afastadas do palco, e o mundo do sexo era dividido em dois:
de um lado, o interior escuro da Maison close [casa de tolerância], onde o
corpo escapava inteiramente da ordem social, e do outro, os palácios
resplandescentes e semipúblicos das grande cocotes nos Champs-Elysées,”
p.166-167
Com este contexto em mente, Clark analisa a posição tomada pela crítica
especializada da época diante da Olympia de Manet.
De início, é resgatado o relato de Louis Auvray, segundo o qual nunca
uma pintura suscitou tanto riso, zombaria e vaias como essa pintura. São
inúmeros os relatos sobre multidões que se amontoavam na sala M, local onde
esteve exposta Olympia e outra pintura religiosa de Manet no Salão de 1865.
Essa multidão é descrita como aterrorizada, chocada, enojada, e levada a uma
espécie de compaixão, sujeita inclusive a uma epidemia de riso. As reações do
amplo público foram, portanto, as mais diversas possíveis. A comoção foi tanta
que em algum momento da exposição as pinturas foram retiradas da sala M e
realocadas em locais de difícil visualização no salão, próximas ao teto, atitude
que recebera congratulações dos críticos.
Dessa parte, alguns críticos alegavam “tolices da juventude” sobre o
quadro de Manet, identificando uma investida afrontosa contra a moral burguesa
da época, na esteira da reputação de baudelarie. Já alguns dos críticos da época
estavam seguros de que a Olympia de Manet era uma prostitua, e disseram com
todas as letras. “Nada notável, particularmente, uma vez que na época tratava-
se de uma tática crítica estabelecida detectar a courtisane contemporânea,
burguesa até, sob a pele de uma Vênus ou de uma Frinéia. Mas as palavras
escolhidas para se referir à Olympia eram duas ou três vezes mais ordinárias,
tentando transcender o conceito de cortesã e “especificar de onde Olympia vinha
e para quem estava olhando” (IDEM, p.138)
Por mais que Clark defenda que o cerne da questão sobre Olympia,
inclusive de sua recepção tão negativa pelo público e pela crítica, seja a questão
de classe, é reconhecido que tal fator não era identificado com tanta clareza na
época.
“Parece contudo que nenhum dos críticos de 1865 – nem Jean
Ravanel – concordaria comigo. Foram escritos mais de setenta textos sobre
o quadro de Manet naquele ano, e eles continham, conforme tenho mostrado,
não mais que um punhado de referências à prostituição e um total de seis
atribuições de classe, todas passageiras e convencionais”. (IDEM, p 142).
Além disso, a crítica se mostrou ineficaz na identificação da clara
referência que Olympia faz à Vênus de Urbino, de Ticiano. Esta pintura, inclusive,
era reconhecidamente uma cortesã: era tanto Vênus, no sentido do Desejo,
quanto esposa, fato denotado pelos signos de um corpo mais velho e maduro,
além daqueles ligados à fidelidade e virtudes domésticas. Essa pintura, assim
como a figura da Cortesã, constituía o gênero do nu para o século XIX.
Entretanto,
“se o velho sistema do nu estava presente no quadro de Manet, ele
parecia ali um signo de tudo o que a verdadeira e moderna Olympia não era.
O passado estava travestido na Olympia, submetido a uma espécie de
imitação degenerada e simiesca, na qual o nu fora despojado das qualidades
femininas, do caráter carnal, da própria humanidade, e deixado como “une
forme quelconque” (IDEM, p.148-149).
Segundo Clark, o gênero do nú estava em declínio neste meados do
século. O autor apresenta que
“o propósito principal do nu era estabelecer uma distinção entre essas
figuras e a nudez em si: o corpo era acompanhado e em certa medida
ameaçado por sua identidade sexual, porém no final o corpo triunfava. Para
dizer menos metaforicamente: a tarefa do pintor era construir ou negociar
uma relação entre corpo como fato particular e excessivo – aquela carne,
aquele contorno, aquelas marcas da mulher moderna – e o corpo como signo,
formal e generalizado, concebido como emblema de serenidade e satisfação.
O desejo aparecia no nu, mas era mostrado deslocado, personificado, não
mais um atributo da forma da mulher sem roupa” (IDEM, p.184).
Em síntese, um nu bem-sucedido é aquele onde ocorre abstração do
Desejo do corpo da mulher, idealizada e genérica, para signos que a envolvem,
mantendo-a casta, pura e não particularizada: um objeto da sexualidade do
homem, observador ideal.
“A inevitável força sexual dessa nudez é convertida em várias ações
e atributos, e traduzida numa linguagem opulenta e convencional. O que resta
é um corpo, dirigido ao espectador franca e diretamente, mas em grande
medida generalizado na forma, arranjando num esquema complexo e visível
de rimas, expurgado de particularidades, oferecido como uma versão livre,
mas respeitosa, dos modelos corretos, aqueles que melhor enunciam a
natureza” (IDEM, p.185)
Contudo, a ascensão da burguesia e de sua moral acaba por apagar a
representação do Desejo da pintura do nu, gerando uma contradição. Tal
contradição, segundo o autor, é esse decoro exagerado ao lado de um apetite
voraz pelo entretenimento sexual.
“sem dúvida uma cultura paga um preço pela preocupação
exagerada com o decoro, em especial se tal preocupação não combina com
seu apetite por entretenimento sexual. Mas o pagamento não se faz
necessariamente em termos de arte [...] O nu não é uma questão de saúde
sexual, e sim de convenções artísticas, e elas é que soçobravam nos anos
1860. Se havia uma infelicidade especificamente burguesa, ela se
concentrava nas maneiras de representar a sexualidade, não em como
organizá-la ou suprimi-la” (IDEM, p.186)
O problema colocado é exatamente esse: o da dificuldade em se
representar a sexualidade. A crise do nu faz com que este torne-se uma forma
humana em geral, abstraída de todos os marcadores que a particularizassem.
Citando um teórico da época chamado Du Camp, Clark aponta:
“O nu (em meados no XIX) tem algo da pureza das cirancinhas que
brincam nuas umas com as outras sem se perturbar. O despido, ao contrário,
me faz sempre pressentir a mulher que se exibe por quarenta vinténs e se
dedica a posar como modelo” (IDEM, p.187)
O nu, de certa forma, tornou-se uma ferramenta para conciliar decoro e
desejo sexual. Contudo, nos anos 1860, isso não acontecia: “o nu era concebido
sobretudo para ser a antítese exata do sexo; por não fazer parte da questão, o
sexo continuava a aparecer diretamente na carne, involuntariamente, como algo
que estragava aquilo que tinha o propósito de ser pura forma” (IDEM, p.188).
Em suma, é sintetizado que
“o nu é uma forma importante – e existem muito poucas – na qual a
sexualidade pode ser exposta no século XIX. O lugar onde o corpo é revelado,
recebe seus atributos, é submetido à ordem e percebido como não
problemático. É a franqueza da burguesia – eis, afinal, como a Mulher se
parece; ela pode ser conhecida em sua nudez sem muito perigo.Isso se dá
porque seu corpo é separado de seu sexo. Este, poderíamos dizer, consiste
em uma questão relativa ao desejo masculino: aqueles faunos touros,
moedas caídas, nuvens envolventes, tritões, bodes e putti que as
rodeavam.Ali estão todos eles, para que o espectador masculino os leia e os
aceite como figuras de seus sentimentos; e ali está ela, de algum modo
apartada da própria sexualidade, sua nudez ainda não possuída pelas
criaturas que sussurram, encaram ou seguram espelhos.” (IDEM, p.189).
Contudo, o problema do nu nos anos 1860 é que essa separação se
mostrasse tão difícil de ser lograda. “O sexo foi supostamente banido do corpo
da Mulher, apenas para nele reaparecer como uma série de inflexões não
controladas – olhos revirados e orgásticas torções de quadris a respeito dos
quais os críticos quebravam a cabeça para encontrar meios decentes de
denunciar” (IDEM, p.190).
Essa crise da representação tem seu acirramento, para Clark, na Olympia
de Manet. É na Olympia em que as contradições morais sobre a sexualidade do
período se afloram e se escancaram.
“A Olympia, ao contrário (das pinturas de cortesãs), tentava
descrevê-lo (o nu) em sua completude, tentava tornar instável a categoria
cortesã, ao engendrar uma espécie diferente de relação entre a classe da
prostituta e sua nudez. A transcrição de classe no quadro de Manet – nisso
residia sua força singular e indescritível – não era mais que um aspecto da
nudez de seu objeto” (IDEM, p.176)
Com isso, voltamos ao argumento inicial de Clark: o grande diferencial
que torna Olympia algo diferente das demais cortesãs do período é sua
particularização enquanto classe, enquanto mulher sexuada e não uma alegoria
idealizada de cortesã. Ainda assim, é natural para o autor que esta tese não
estivesse explícita naquele momento, ou mesmo que fosse impossível de ser
formulada:
“Não é provável no entanto que um quadro por si só pudesse fazer
tudo isso. As ideologias não são desmanteladas magicamente por obras de
arte isoladas, e se uma pintura se esforça em demasia por antecipar-se ao
processo social, corre o risco de não falar a ninguém, nem com aqueles
inseridos no mundo da ideologia, nem com os que vivem à sua margem.”
(IDEM, P.178)
Neste ponto, seus argumentos tornam-se mais explícitos:
“A façanha de Olympia, eu diria, é que ela confere a seu objeto
feminino uma sexualidade particular, em oposição a uma sexualidade geral.
Essa particularidade deriva, a meu ver, não de haver uma ordem referente ao
corpo na cama, mas de haver inúmeras, e nenhuma delas estabelecida como
a dominante. Os signos de sexo estão presentes em abundância, contudo
não conseguem, por assim dizer, somar-se uns aos outros. O sexo não é
evidente e inteiriço na Olympia; o fato de uma mulher ter um sexo – e
certamente Olympia tem um – não a torna de imediato uma coisa a ser
apreendida visualmente por um homem: seu sexo é uma construção de
algum tipo, ou talvez a incongruência entre vários” p.191
Por último, Clark confronta o quadro diretamente, demonstrando que este
avanço conceitual reflete-se em avanço formal na pintura, como se abrisse à
possibilidade da exploração da técnica pictórica de forma diretamente ligada ao
tema em questão. São exemplificados a indefinição de certos contornos, a
excessiva superficialidade pictórica, signos como os pelos da moça, enfim,
elementos formais do quadro que atestam tanto o estabelecimento de uma
sexualidade intrínseca à figura da mulher pintada, e não mais relegada a signos
exteriores, quanto o desenvolvimento da linguagem pictórica em forma
embrionária das pesquisas formais do século seguinte.
Em síntese, o grande marco deste quadro reside no seu trato com a
modernidade ao representar a classe trabalhadora de maneira revolucionária e
incompreendida em seu tempo, desestabilizando categorias até então fixas na
sociedade capitalista como a cortesã e acirrando as contradições de sua
representação enquanto parte do gênero pictórico do nu.
“Em outros tempos, havia sido possível aos pintores mostrar a
prostituição numa luz direta. [...] O dinheiro agora não pode ser mostrado
como parte da prostituição, tampouco o cliente, e menos ainda uma relação
definida e prosaica entre alguém que compra e alguém que vende o sexo. O
quadro é sobre a ausência dessas coisas” (IDEM, p.207).
TESE: “De que, ao retratar uma prostituta em 1865, Manet lidava com a
modernidade em um de seus aspectos mais pungentes e familiares, mas
também mais difíceis: difícil porque já havia se tornado lugar-comum naquela
década que mulheres desse tipo (PROSTITUTAS), formalmente confinadas às
margens da sociedade, usurparam o centro das coisas e pareciam estar
transformando a cidade à sua imagem.” P.129
TESE Olympia como monumento fundado da arte moderna
TESE “vou terminar esse capítulo defendendo a ideia de que a classe
era a essência da modernidade de Olympia e estava por trás do escândalo que
ela provocou.”
TESE“Minha tese é de que ela alterou – e jogou com – as identidades
que a cultura gostaria de manter imóveis, em especial as do nu e da prostituta,
e que foi sobretudo por isso que se mostrou tão impopular” p.154
TESE “A cortesã era uma categoria, é a minha tese: uma categoria que
dependia não apenas de uma distinção entre cortesão e femme honnête –
embora esse fosse o tema dominante do mito – mas também de uma distinção
entre cortesã e prostituta propriamente dita. A categoria cortesã era o que
podia ser representado da prostituição, e, para que isso pudesse acontecer, ela
tinha de ser arrancada do enxame de meras mercadorias sexuais que podiam
ser vistas fazendo uso das ruas. As profissionais mais humildes eram
afastadas do palco, e o mundo do sexo era dividido em dois: de um lado, o
interior escuro da Maison close [casa de tolerância], onde o corpo escapava
inteiramente da ordem social, e do outro, os palácios resplandescentes e
semipúblicos das grande cocotes nos Champs-Elysées,” p.166-167
TESE Cortesão era o que podia ser representado da prostituição.
Normalmente feito por meio alegórico ou disfarce antigo, mas houve notáveis
exceções à regra.
TESE “A Olympia, ao contrário, tentava descrevê-lo em sua completude,
tentava tornar instável a categoria cortesã, ao engendrar uma espécie diferente
de relação entre a classe da prostituta e sua nudez. A transcrição de classe no
quadro de Manet – nisso residia sua força singular e indescritível – não era
mais que um aspecto da nudez de seu objeto” p.176
TESE “A façanha de Olympia, eu diria, é que ela confere a seu objeto
feminino uma sexualidade particular, em oposição a uma sexualidade geral.
Essa particularidade deriva, a meu ver, não de haver uma ordem referente ao
corpo na cama, mas de haver inúmeras, e nenhuma delas estabelecida como a
dominante. Os signos de sexo estão presentes em abundância, contudo não
conseguem, por assim dizer, somar-se uns aos outros. O sexo não é evidente e
inteiriço na Olympia; o fato de uma mulher ter um sexo – e certamente Olympia
tem um – não a torna de imediato uma coisa a ser apreendida visualmente por
um homem: seu sexo é uma construção de algum tipo, ou talvez a incongruência
entre vários” p.191
TESE DO CAPÍTULO: dizer que o signo de classe na Olympia era a
nudez.
“Classe, a meu ver, é um nome dado àquele lugar complexo e
determinado que nos é designado no corpo social; é o nome dado a tudo aquilo
que significa que uma certa história vive em nós, nos confere nossa
individualidade.” P.208
“Por nudez quero designar aqueles signos – aquele circuito intermitente
e interminável – segundo os quais não estamos em lugar algum senão num
corpo, que somos construídos por ele, pelo modo como ele incorpora os signos
de outras pessoas” p.208-209
“Eles ficaram perplexos diante do fato de que a classe de Olympia não
estava em lugar algum, a não ser no corpo dela: o gato, a negra, a orguídea, o
buquê de flores, os chinelos, os brincos de pérola, o cordão no pescoço, o
biombo, o xale – pistas falsas, que não significavam nada ou, ao menos, nada
em particular. O corpo nu bastava-se sem eles no fim das contas e fazia a
própria narração” p.209
A escolha de Olympia

Tese:

TESE: “De que, ao retratar uma prostituta em 1865, Manet lidava com a
modernidade em um de seus aspectos mais pungentes e familiares, mas
também mais difíceis: difícil porque já havia se tornado lugar-comum naquela
década que mulheres desse tipo (PROSTITUTAS), formalmente confinadas às
margens da sociedade, usurparam o centro das coisas e pareciam estar
transformando a cidade à sua imagem.” P.129
SOBRE AS PROSTITUASOs traços definidores da “prostituta” na
sociedade moderna estavam perdendo toda a clareza e as bordas e o centro
da vida social se tornavam imprecisos.
SIGNOS DA PINTURA RELACIONADOS À CLASSE E À
SEXUALIDADE/PROSTITUTASAproveitando esse estado de coisas impreciso
Manet se utiliza de diversos signos para atribuir pistas da identidade de seu
objeto sexual e social, mas poucas faziam sentido.
TESEOlympia como monumento fundado da arte moderna
INTERPRETAÇÃO DO PUBLICOGerou reações adversas e
contraditórias: grande público não conseguiu interpretar os signos de Olympia
com clareza.
FORMA DA PINTURA“É verdade que Olympia desconcerta nossas
hipóteses como espectadores e que pode nos levar a duvidar da existência, na
tela, das três dimensões, do corpo feminino, e de outras mentes, mas a própria
negação é retratada como algo produzido na ordem social, resultante de um
intercâmbio costumeiro de bens e serviços” p.130
CONTEXTO HISTÓRICO Apresentação de dois quadros de Manet –
Olympia e Jesus insultado por soldados – gera um escândalo por parte da
primeira em 1865.
REAÇÃO DO PÚBLICO Louis Auvray relatando: “Nunca uma pintura
suscitou tanto riso, zombaria e vaias como essa Olympia”. Multidão grande se
amontoando na sala pra ver os quadros de Manet.
Multidão descrita como aterrorizada, chocada, enojada, levada a uma
espécie de compaixão, sujeita a uma epidemia de riso.
Alguns críticos o perdoavam alegando “tolices da juventude” em uma
investida afrontosa contra a moral burguesa da época, na esteira da reputação
de baudelarie.
TJ Clark defende fazer sentido falar de uma polêmica/escândalo
Olympia. Alguns críticos foram além de análises sóbrias/tediosas e com
chistes/maldosas/ridicularizantes e fizeram análises de genuíno desagrado, das
quais “dificilmente podemos suspeitar que estivessem zombando” p.136
Dubosc de Pesquidoux no L’Union “estão rindo de cristo na sala M”
CONTEXTO HISTÓRICO/REAÇÃO DO PÚBLICOEm algum momento
da exposição devido a comoção tiraram as pinturas da sala M e as realocaram
em locais de difícil visualização no salão, próximas ao teto, e receberam
congratulações dos críticos.
REAÇÃO DO PUBLICO/MANET E BAUDELAIREOlympia era de fato um
retrato de uma prostituta – nisso remete-se ao texto “O pintor da vida moderna”
do Baudelaire. Versos de Zacharie Astruc que acompanham a imagem de
Olympia no catálogo soam como uma tentativa de prover a mulher nua de
Manet de algumas das mesmas conotações da prostituta descrita por
Baudelaire.
CONTEXTO HISTÓRICOOlympia como um dos pseudônimos favoritos
das protitutas. Também remetia à “La Dona Olympia”, malvada heroína de um
romance popular de Etienne Delécluze: “cunhada, amante e manipuladora do
papa Inocêjnio X; prisioneira e meretriz, era tão ávida por ouro que, depois da
morte de Inocêncio, ela se recusou a pagar pelo caixão.” P.138
REAÇÃO DA CRÍTICATj Clark fala que os críticos não titubeiam ao
associar as duas Olympias, mas assim como afirma o crítico Gautier, não faz
sentido para o quadro em si. “Afinal de contas, a grande dona Olympia havia
sido tão maravilhosa quanto sórdida; a jovem de Manet nada tomara da
predecessora além do nome, e nisso era uma entre muitas” p.138
REAÇÃO DA CRÍTICA Alguns dos críticos da época estavam seguros
de que a Olympia de Manet era uma prostitua e disseram com todas as letras.
Nada notável, particularmente, uma vez que na época tratava-se de uma tética
crítica estabelecida detectar a courtisane contemporânea, burguesa até, sob a
pele de uma Vênus ou de uma Frinéia. Mas as palavras escolhidas para se
referir à Olympia eram duas ou três vezes mais ordinárias, tentando
transcender o conceito de cortesã e “especificar de onde Olympia vinha e para
quem estava olhando” p.138
REAÇÃO DO PÚBLICO Mesmo as cortesãs se deslocavam do QUartier
Bréda para ver o quadro dada a repercussão.
CONTEXTO HISTÓRICO SOBRE A PROSTITUIÇÃO/ REAÇÃO
CRÍTICA “Supunha-se que a courtisane não pertencesse ao mundo da classe e
do dinheiro, ela flutuava acima ou abaixo dele, jogando com suas categorias,
intocada pelas necessidades cotidianas. Não estava claro se a prostituta de
Manet agia assim. Para mais de um crítico em 1865, ela parecia ocupar um
lugar bem determinado no sistema de classes parisiense: era uma “Olympia da
rue Mouffetard”, “a esposa de um marceneiro”, uma “dama do carvão de
Batignolles”. Todas essas referências tinham o intuito de ser engraçadas, é
óbvio, mas as piadas dependiam de Olympia se situar, até certo ponto de modo
inequívoco, no mundo dos faubourgs e da classe trabalhadora.” P. 140
TESE “vou terminar esse capítulo defendendo a ideia de que a classe
era a essência da modernidade de Olympia e estava por trás do escândalo que
ela provocou.”
REAÇÃO DA CRÍTICA “Parece contudo que nenhum dos críticos de
1865 – nem Jean Ravanel – concordaria comigo. Foram escritos mais de
setenta textos sobre o quadro de Manet naquele ano, e eles continham,
conforme tenho mostrado, não mais que um punhado de referências à
prostituição e um total de seis atribuições de classe, todas passageiras e
convencionais”.p 142
REAÇÃO DA CRÍTICA“se a classe estava de algum modo representada
na Olympia, e é certo que há referências a ela, quais eram seus signos? E por
que não é possível identifica-la mais detalhadamente, mesmo um crítico como
Ravenel, que parecia convencido de que Olympia pertencia à classe
trabalhadora e de que ele devia dizer isso? Os críticos com certeza se sentiram
ofendidos por alguma coisa em Olympia. O que foi, então, que acreditaram ter
visto e que julgaram impróprio?” p.142
REAÇÃO DA CRÍTICA“Havia algo na Olympia que escapava ao quadro
normal de referências que possuíam, e os comentadores quase gostavam de
admitir que não tinham palavras para o que viam” p.143
“Havia maneiras, no fim das contas, pelas quais a Olympia se esforçava
para manifestar sua relação com a grande tradição da arte europeia, e parece
que os críticos não perceberam isso” p.145
RELAÇÃO OLYMPIA/HISTÓRIA DA ARTE E INTERPRETAÇÃO DA
CRÍTICA Olympia provinha da Venus de Urbino de Ticiano. Pose do nu
essencialmente a mesma, escolha dos acessórios como formas modernas de
seus protótipos renascentistas. A mulher de Ticiano era identificada como uma
cortesã: era tanto Vênus como esposa (corpo mais velho e maduro, os signos
arranjados denotam fidelidade e virtudes domésticas). A nua. “Para o século
XIX essa pintura era o nu”. Os únicos dois críticos que mencionam esse lastro
histórico de Olympia o consideram ofensivo. Havia dificuldade dos críticos de
identificar esse lastro histórico. “se o velho sistema do nu estava presente no
quadro de Manet, ele parecia ali um signo de tudo o que a verdadeira e
moderna Olympia não era. O passado estava travestido na Olympia, submetido
a uma espécie de imitação degenerada e simiesca, na qual o nu fora
despojado das qualidades femininas, do caráter carnal, da própria humanidade,
e deixado como “une forme quelconque” – uma gorila de borracha dobrando a
mão sobre a virilha” p.148-149
Olympia de Manet foi tão oposta à Venus de Ticiano que permitiu aos
comentadores e ao público passarem ao largo da semelhança entre ambas as
obras.
“O que os escritores viram, em vez disso, foi uma espécie de
indeterminação da imagem: um corpo numa cama nitidamente sexuado e
sexual, mas cuja aparência era difícil de decifrar por qualquer padrão confiável,
e mais difícil ainda de comentar.” P.149
“Olympia era suja, essa era a opinião mais comum” p.150
“As descrições dos críticos pertencem a um jogo astuto, volúvel e
hipócrita de faz-de-conta: raiva de faz-de-conta, moralidade de faz-de-conta,
preocupação de faz-de-conta com a arte. Mas que outro tipo de evidências
poderíamos esperar, e quais seriam melhores para as questões levantadas
pela Olympia – de modernidade e sexo? Quando os assuntos são esses,
podemos nos basear até na injúria em busca de informação: ela mostrará os
traços de um desejo e de uma angústia reais, às vezes com nitidez cômica”
p.152
PROCEDIMENTO PARA ANALISAR A CRÍTICA DE ÉPOCA Analisar
atos falhos nas críticas de arte do período.
“temos um discurso crítico normal, mesmo sobre a Olympia – nós o
temos em abundância -, mas não há muito a dizer sobre ele, exceto que não
tem nada a dizer sobre ela. A normalidade em 1865 é em grande aprte uma
questão de evitar ruídos embaraçosos” p.153
TESE“Minha tese é de que ela alterou – e jogou com – as identidades
que a cultura gostaria de manter imóveis, em especial as do nu e da prostituta,
e que foi sobretudo por isso que se mostrou tão impopular” p.154
QUESTÃO DAS PROSTITUTAS NA ÉPOCA“Olympia era uma prostitua,
e esse fato por si só apresentava dificuldades ao espectador de 1865. Contudo,
mesmo aqui a questão não é simples: havia contextos naquela cultura nas
quais as dificuldades podiam ser admitidas como necessárias e impregnadas
de significado, e eram dificuldades que a arte podia tornar palatáveis.” P.155
ANÁLISE DA REAÇÃO CRÍTICA DA ÉPOCA “os críticos aprovavam o
viés satírico da descrição de Paris por Degas, e não pareciam considerar seus
temas repugnantes. Parte dessa clemência era devida às pequenas dimensões
do pastel e ao seu suporte singular e modesto, outra parte com o fato de se
prestar a uma leitura anedótica, e outra ainda do fato de as mulheres retratadas
estarem completamente vestidas. Sem dúvida os críticos foram tolerantes, em
outras palavras, porque foram capazes de banalizar o feito de Degas” p.157
QUESTÃO DAS PROSTITUTAS NA ÉPOCA “prostituição [...] era o
território da degradação e da dominação absolutas, o lugar onde o corpo se
tornava valor de troca, uma perfeita e completa mercadoria, e adquiria a força
dessas coisas num mundo em que elas eram todo-poderosas. A prostituta, pelo
menos era o que rezava a lenda, não tinha consideração pelo cliente: ela lhe
oferecia o corpo do dinheiro, ela designava o preço” p.157 – raciocínios
forçados e sínicos “eles removiam a prostituta do mundo em que ela ganhava
sua vida – o mundo do cafetão e do policial, da embriaguez, da pobreza, da
gravidez e do poder de barganha do cliente. Mas esse, claro, era o propósito
do raciocínio. A prostituta é uma categoria: uma categoria que a autoridade
procura manter nas margens do espaço social, como uma espécie de barreira
contra a natureza – contra a constante ameaça do corpo de reaparecer na
sociedade civilizada e reivindicar seus direitos.” P.157
QUESTÃO DAS PROSTITUTAS NA ÉPOCA E A REPRESENTAÇÃO “A
categoria “prostituta” é necessária, e por isso tem o direito de ter suas
representações. Ela deve tomar seu lugar nos vários retratos do social, do
sexual e do moderno que a sociedade burguesa põe em circulação. Num certo
sentido, seria possível dizer que essa categoria ancora tais representações; é o
caso-limite das três, e também o ponto em que elas se delineiam com mais
clareza umas sobre as outras. Além disso, representa o perigo ou o preço da
modernidade; diz coisas talvez chocantes sobre o capital mas glamorosas
quando expressas dessa forma e, ao mostrar a sexualidade sucumbindo ao
social do jeito errado (ainda que completamente), talvez nos ajude a entender
os jeitos corretos” p.158
QUESTÃO DAS PROSTITUTAS NA ÉPOCA E A REPRESENTAÇÃO
Aumento considerável na representação de cortesãs e na sua frequência em
eventos inseridos na sociedade (corridas de cavalos, teatro, protagonistas de
romances etc). “A literatura dos anos 1860 é caracterizada pelo receito de que
a equivalência entre Paris e prostituição pudesse ser completa [...] Os
intelectuais diziam mais ou menos o mesmo que os jornalistas. Temiam a
invasão do vício, e em suas mentes isso estava associado à crença de que a
prostituição havia escapado do controle policial. As ruas e os palcos estavam
repletos de mulheres que não apenas vendiam seus corpos como o faziam
sem registro. O problema era a “desregulamentação do vício”, e Paris estava
ameaçada mortalmente pelas insoumises [vadias].” P.160
QUESTÃO DAS PROSTITUTAS NA ÉPOCA Temor de que, se não
fosse controlada, a circulação social da prostituta espalharia doença e
confusão.
QUESTÃO DAS PROSTITUTAS NA ÉPOCA Mas no final dos anos
1860 esses temores mudaram de urgência. Havia um sentimento geral de que
todo o esforço de contagem e isolamento não surtira nenhum resultado. “Uma
prostutita estava obrigada a se registrar junto à polícia e receber uma ficha. Em
decorrência, era submetida a exames regulares para detectar doenças
venéreas e entregue aos cuidados das irmãs de Saint Lazare se alguma fosse
constatada: Uma fille inscrite [prostituta registrada] tinha permissão de operar
de duas maneiras básicas. Podia ganhar a vida como fille publique [meretriz],
ou seja, como componente credenciada de um bordel reconhecido pela polícia
e monotonamente fiscalizado; ou podia adquirir o estato incomum de fille em
carte e empreender uma carreira isolée [autônoma] – caminhando pelas ruas,
cuidando-se para não violar as regras não escritas que envolviam a racolage
[abordagem], sua vida transformada num labirinto de registros, declarações de
impostos, de inspeções e de propriedades.” P.162
“Essa estrutura nunca foi mais do que um conjunto de pretextos para
repressão aleatória. Sempre houve em seu limite uma guerra informal entre a
polícia e a grande massa de mulheres que não estavam com os cartões em
ordem. [...] Algumas mulheres podiam escapar pelos vãos da rede, porém a
rede existia, e sua malha pelo menos as dividia em classes – elas eram filles
publiques ou isolées, eram insoumises ou parte da prostitution populaire
clandestine, e assim por diante. O sistema constituía um meio de conhecer a
prostitua, e de mantê-la “dans les cartons de la police, um chiffre em dehors
des êtres sociaux [nos arquivos da polícia, um número à parte dos seres
sociais]” p.162
CONTEXTO HISTÓRICO/ QUESTÃO DA PROSTITUTA“Quando se
comentava a proliferação nos anos 1860 tratava-se em primeiro lugar da
visibilidade nas ruas. Como de hábito, atribuía-se à haussmanização grande
parcela da culpa, merecida até certo ponto. As demolições do barão
devastaram algumas ruas famosas de bordéias na região do Louvre e na Ile de
la Cité; o aumento geral dos preços dos aluguéis obrigara os proprietários de
alguns bordéis a deslocar-se para a periferia, e muitos outros a converter seus
estabelecimentos em hôtels garnis [pensões mobiliadas] à disposição da
prostituta avulsa de rua. A cidade havia mudado de forma, e os lugares
habituais onde a prostituta buscava seu cliente – onde homens dançavam,
bebiam, jantavam, se divertiam – se multiplicaram e se tornaram mais
conspícuos.” P.163
MUDANÇA NO PARADIGMA DA PROSTITUTA “Esses fatos evidentes
escondiam outras mudanças em curso, mais profundas e difíceis de serem
percebidas na época. As condições básicas que determinaram a demanda por
prostituição na primeira metade do século estavam chegando ao fim; a
prostitua comum não mais supria a necessidade física – a simples carência
sexual – de um trabalhador recrutado no campo, que vivia na cidade como uma
espécie de estranho e sofria escassez de mulheres de sua própria idade e
classe social. Aquele proletariado imigrante estava se tornando parte da cidade
de Haussmann, como já descrita. O que ele queria do sexo por dinheiro estava
mudando: aqui, como em outros lugares, ele começava a se mirar no
comportamento da burguesia” p.163
QUESTÃO DO DESEJO NO CAPITALISMO “A burguesia acreditava no
Desejo. [...] Nos anos 1860 começou a ficar visível, em consequência, um novo
tipo de demanda do cliente da prostituta, um tipo que alterou o conjunto da
atividade – uma demanda por intimidade, pela ilusão da sedução. Isso sem
dúvida caminhou em conjunção com outras encenações, de dor e degradação,
dominação e submissão, Sacher Masoch e Sade. Assim tornava-se mais
perigoso o trabalho da prostituta” p.163
“o que estava alimentando a raiva era a frustração. Pois era isso, no fim
das contas, o que o dinheiro podia comprar; por trás do aparato do desejo – do
outro lado de uma grande imagem, a da cortesã e seus cognatos – havia
apenas uma transação abrupta e anticlimática” p.164
“As fornteiras entre a frouxidão moral e a prostituição pareciam estar se
dissolvendo, e isso era considerado perigoso porque não era só a sexualidade
que escapava para o território público, mas também o dinheiro – dinheiro em
forma carnal” p.164
RELAÇÃO DESEJOxDINHEIRO“O medo da invasão conduzia a isto: ao
fato de que o dinheiro estava refazendo o mundo em sua totalidade, de que
com efeito ele poderia –[...] – entrar de volta no mundo... penetrar em nossas
casas, em nossos interiores. Tal imagem do capital ainda não podia ser
plenamente digerida” p.165
REPRESENTAÇÃO DA PROSTITUTA E LUGAR SOCIAL “Como
qualquer outra sociedade, o império precisava de uma representação do sexo –
representação tomada aqui em seus dois sentidos básicos. O império tinha que
dar à sexualidade uma forma, e desejava torna-la propriedade de uma minoria
escolhida: mulheres às quais se daria poder sobre o que possuíam, mas
também impessoalidade, uma existência especial vivida nos limites do mundo
humano. Essas eram as chamadas cortesãs. E elas faziam parte da ordem
normal das coisas: eram um termo necessário ao mito do “social”, um termo
que definia, por oposição, a categoria mais difícil da femme honnête [mulher
decente].” P.165
QUESTÃO DA PROSTITUA: DEFINIR PELA OPOSIÇÃO MULHER DE
BEM E PROST“São as duas faces da mesma moeda [...] Cortesã e femme
honnête são classificações que dependem uma da outra para se revestir de
algum grau de clareza, em áreas de conduta e percepção em que a maioria
das coisas é incerta. São faces da mesma moeda, emobra sejua precioso que
não percebam o fato.” P.165
SUBJULGAMENTO DAS MULHERES É importante que os homens
saibam fazer essa distinção, embora que as mulheres, e suas filhas
especialmente, não sejam capazes.
“As mulheres não deviam saber de nada para que os homens
soubessem de tudo” p.166
TESE “A cortesão era uma categoria, é a minha tese: uma categoria que
dependia não apenas de uma distinção entre cortesão e femme honnête –
embora esse fosse o tema dominante do mito – mas também de uma distinção
entre cortesã e prostituta propriamente dita. A categoria cortesã era o que
podia ser representado da prostituição, e, para que isso pudesse acontecer, ela
tinha de ser arrancada do enxame de meras mercadorias sexuais que podiam
ser vistas fazendo uso das ruas. As profissionais mais humildes eram
afastadas do palco, e o mundo do sexo era dividido em dois: de um lado, o
interior escuro da Maison close [casa de tolerância], onde o corpo escapava
inteiramente da ordem social, e do outro, os palácios resplandescentes e
semipúblicos das grande cocotes nos Champs-Elysées,” p.166-167
DEFINIÇÃO DO MITO DA CORTESÃ E DESEJO NA MODERNIDADE
“A cortesã devia supostamente ser linda. Em decorrência, seu preço era alto e
aclientela, seleta, até certo ponto. Seu negócio era domínio e faz-de-conta; ela
parecia a forma necessária e concentrada da Mulher, do Desejo e da
Modernidade (as maiúsculas proliferavam). Fazia parte do seu encanto ser
espúria, enigmática, inclassificável: uma esfinge sem enigma, uma mulher cuja
pretensão de estar fora das classes era visivelmente falsa.” P.168
Cortesã como representante do Desejo.
“Esses autores estavam seguros de que o grande jogo da cortesã
consistia em fazer de conta que era uma mulher honesta; e ela o fazia com
muito talento, embora não tão bem a ponto de iludir os clientes; isso estragaria
a coisa toda. Seu propóstio era passar por uma mulher sem nenhuma
identidade e ao mesmo tempo com muitas: seus admiradores sabiam muito
bem que era proveniente dos faubourgs ou dos antros mais baixos de Paris, e
ela até cuidava para que sua fala pudesse indicar essa liberdade; pois o que
tinha a oferecer aos visitantes – os Goncourt não eram uma exceção aqui – era
a própria falsidade” p.168-169
PARÁGRAFO COMPLICADO, PORQUE POR MAIS QUE ELA
TRANSITASSE COM FACILIDADE ENTRE OS PAPEIS O FAZIA DE FORMA
FALSA, POIS ELA SEMPRE CONTINUOU À MARGEM DESSA SOCIEDADE.
“Buguesa, camponesa e petite faubourienne – a cortesã era a pessoa que
transitava com mais facilidade entre papeis no século XIX, experimentando as
distinções aparentemente fixas da sociedade de classes e descartando-as à
vontade, declarando-as falsas como o resto de suas poses. E a falsidade era o
que a tornava moderna – nos termos de Rops ou de Ravenel, ou mesmo nos
de Flaubert, em retrospecto” p.169
CONTEXTO SOCIAL “traços característicos da modernidade, e parece
que a categoria ganha afinal a consistência para ele quando a prática social
está toda impregnada de duplicidade, quando nada escapa da regra da ilusão.
Numa tal sociedade, as prostituas eram fornecedoras de bens essenciais”
p.169 (sobre Flaubert)
TESE Cortesão era o que podia ser representado da prostituição.
Normalmente feito por meio alegórico ou disfarce antigo, mas houve notáveis
exceções à regra.
REPRESENTAÇÃO DA CORTESÃ “Os quadros de prostitutas, lunáticos
e fascinantes em razão dos próprios méritos, são ao mesmo tempo enganosos.
Não retratavam o modo pelo qual a cortesã aparecia no salão: ela estava
presente, na maior parte do tempo, indiretamente, como uma espécie de
inflexão ou interferência em quadros realizados com um propósito diverso. Ela
era descoberta, e até certo ponto admitida, em quase toda a representação do
corpo ou do Desejo naquela década. Parecia ser a forma necessária, ainda que
lamentável, da nudez em si. E não apenas da nudez: onde quer que a carne
fosse visível e feminina, a cortesã se materializava.” P.172-173
REPRESENTAÇÃO DA CORTESÃ “Hugo... Michelet... sem dúvida em
1865 havia maneiras de representar até a prostituição dos faubourgs. Mas tais
representações não teriam necessariamente desafiado o mito da cortesã; como
sugere muito bem a descrição de Delvau, elas não proporcionavam mais que
um vislumbre do escuro e lamentável outro lado de seu poder.” P.176
TESE “A Olympia, ao contrário, tentava descrevê-lo em sua completude,
tentava tornar instável a categoria cortesã, ao engendrar uma espécie diferente
de relação entre a classe da prostituta e sua nudez. A transcrição de classe no
quadro de Manet – nisso residia sua força singular e indescritível – não era
mais que um aspecto da nudez de seu objeto” p.176
REPRESENTAÇÃO DA CORTESÃ “O desafio ao mito era assim
duplicado. O que o mito fazia em essência, conforme venho argumentando, era
oferecer ao império uma figura perfeita da própria e pretensa jovialidade social,
do poder perfeito e falaciosa do dinheiro. Os homens especulam, as mulheres
trambicam – e a classe, no jogo, era apenas outro tipo de mascaramento. A
cortsã vestia a máscara ocasionalmente, e era apreciada por sua falsidade
nessa prática e em todas as outras. Para romper o circuito, não teria sido
suficiente mostrar uma prostituta na posse dos signos exteriores de classe –
figurino e maquiagem, chinelos, flores, pulseiras, criadas, símbolos de
vulgaridade ou distinção -, uma vez que tudo isso era considerado extrínseco a
seu verdadeiro poder – seu corpo, que só o dinheiro podia comprar”. P.176-177
INTERPRETAÇÃO DA PINTURA “Mas se a classe pudesse ser
mostrada como inerente àquele corpo; se pudesse ser vista refazendo as
categorias básicas do nu e da nudez; se se tornasse uma questão da postura e
do arranjo gerais do corpo, alguma coisa lido no corpo, dentro do corpo, por
caminhos que o espectador não podia focalizar discriminadamente – então o
circuito seria rompido, e a categoria cortesã substituída por outras menos
absolutas e confortadoras. O corpo e o dinheiro não mais seriam termos sem
mediação, cruzando-se no abstrato, no território das imagens; eles tomariam
seu lugar como fatos determinantes numa formação de classes particular.”
P.177-178
CONTEXTO SOCIAL/AFIRMAÇÃO “Não é provável no entanto que um
quadro por si só pudesse fazer tudo isso. As ideologias não são desmanteladas
magicamente por obras de arte isoladas, e se uma pintura se esforça em
demasia por antecipar-se ao processo social, corre o risco de não falar a
ninguém, nem com aqueles inseridos no mundo da ideologia, nem com os que
vivem à sua margem.” P.178
Muitos críticos da época consideravam o gênero nu em uma situação
precária
GENERO NU “A confusão do gênero concentrava-se, segundo os
críticos, em questões de decoro e desejo, e no fato de que parecia haver pouca
concordância a respeito de ambos.” P.,182
GENERO NU Muitos críticos e artistas sabiam que o principal apelo do
nu era o erótico, e não viam problema nisso. “Mas o propósito principal do nu
era estabelecer uma distinção entre essas figuras e a nudez em si: o corpo era
acompanhado e em certa medida ameaçado por sua identidade sexual, porém
no final o corpo triunfava. Para dizer menos metaforicamente: a tarefa do pintor
era construir ou negociar uma relação entre corpo como fato particular e
excessivo – aquela carne, aquele contorno, aquelas marcas da mulher
moderna – e o corpo como signo, formal e generalizado, concebido como
emblema de serenidade e satisfação. O desejo aparecia no nu, mas era
mostrado deslocado, personificado, não mais um atributo da forma da mulher
sem roupa” p.184
GENERO NU “A inevitável força sexual dessa nudez é convertida em
várias ações e atributos, e traduzida numa linguagem opulenta e convencional.
O que resta é um corpo, dirigido ao espectador franca e diretamente, mas em
grande medida generalizado na forma, arranjando num esquema complexo e
visível de rimas, expurgado de particularidades, oferecido como uma versão
livre, mas respeitosa, dos modelos corretos, aqueles que melhor enunciam a
natureza” p.185
“A pintura do nu em 1860 poderia ser definida pela inabilidade em fazer
coisas que Ingres faz aqui”
CRISE GENERO NU Culpa da burguesia pela situação do nu: “sem
dúvida uma cultura paga um preço pela preocupação exagerada com o decoro,
em especial se tal preocupação não combina com seu apetite por
entretenimento sexual. Mas o pagamento não se faz necessariamente em
termos de arte [...] O nu não é uma questão de saúde sexual, e sim de
convenções artísticas, e elas é que soçobravam nos anos 1860. Se havia uma
infelicidade especificamente burguesa, ela se concentrava nas maneiras de
representar a sexualidade, não em como organizá-la ou suprimi-la” p.186
“O desejo não faz parte do nu: o nu é a forma humana em geral,
abstraída da vida, do contato, da atração, até mesmo do gênero.” P.187
Citando o teórico Du Camp: “O nu tem algo da pureza das cirancinhas
que brincam nuas umas com as outras sem se perturbar. O despido, ao
contrário, me faz sempre pressentir a mulher que se exibe por quarenta vinténs
e se dedica a posar como modelo” p.187
“as regras gerais simplesmente não vigoravam quando o crítico se
defrontava com nudezes particulares. O apelo do nu era ao mesmo tempo mais
simples e mais complexo do que a teoria poderia permitir, numa época de
ansiedade” p.188
“o ônus do nu era o conflito, adorável ou não, entre o decoro e o prazer
sexual. O gênero existia para reconciliar esses opostos, e quando o nu
funcionava como forma de conhecimento, ambos eram reconhecidos pela
crítica e expressos na pintura.” P.188
CRISE DO GENERO NU “Nos anos 1860 isso não acontecia; o nu era
concebido sobretudo para ser a antítese exata do sexo; por não fazer parte da
questão, o sexo continuava a aparecer diretamente na carne,
involuntariamente, como algo que estragava aquilo que tinha o propósito de ser
pura forma” p.188
GENERO NU “o nu é uma forma importante – e existem muito poucas –
na qual a sexualidade pode ser exposta no século XIX. O lugar onde o corpo é
revelado, recebe seus atributos, é submetido à ordem e percebido como não
problemático. É a franqueza da burguesia – eis, afinal, como a Mulher se
parece; ela pode ser conhecida em sua nudez sem muito perigo.Isso se dá
porque seu corpo é separado de seu sexo. Este, poderíamos dizer, consiste
em uma questão relativa ao desejo masculino: aqueles faunos touros, moedas
caídas, nuvens envolventes, tritões, bodes e putti que as rodeavam.Ali estão
todos eles, para que o espectador masculino os leia e os aceite como figuras
de seus sentimentos; e ali está ela, de algum modo apartada da própria
sexualidade, sua nudez ainda não possuída pelas criaturas que sussurram,
encaram ou seguram espelhos.” p.189
CRISE DO GENERO NU O problema do nu nos anos 1860 é que essa
separação se mostrasse tão difícil de ser lograda. “O sexo foi supostamente
banido do corpo da Mulher, apenas para nele reaparecer como uma série de
inflexões não controladas – olhos revirados e orgásticas torções de quadris a
respeito dos quais os críticos quebravam a cabeça para encontrar meios
decentes de denunciar” p.190
CRISE DO GENERO NU “O nu tornava-se embaraçoso; e o que
Olympia fez, eu diria, foi insistir nesse embaraço e dar-lhe forma visual. É como
se o quadro de Manet tirasse as conclusões lógicas do caos de Bouguereau e
Cabanel. O nu em seu estado de degeneração remetia diretamente à
sexualidade: a identidade sexual não estava em parte alguma senão no corpo;
e não estava ali como uma estrutura ou um conjunto de atributos, mas tinha de
ser figurada como interferência e excesso, um tecido de estranhezas e
ausência de certeza.” P.190
DEFINIÇÃO DO DESEJO “o Desejo em si, numa forma que sustentava
qualquer condenação, era a propriedade – a produção deliberada – da própria
mulher retratada. Ele estava ali no olhar que ela dirigia ao espectador, em sua
consciência de estar sendo observada por razões sexuais e recebendo o
devido pagamento por isso – sem dúvida bem mais que quarenta vinténs”
p.190
CRISE DO GENERO NU “Um nu, repetindo, é um quadro para ser
olhado por homens, no qual a Mulher é construída como o objeto do desejo de
outra pessoa. Nada do que estou dizendo sobre a Olympia tem o intuito de
sugerir que a pintura de Manet escapa dessa determinação mais ampla [...] O
quadro foi concebido como um nu e foi recebido como tal; os textos que recolhi
não devem ser lidos como indícios de fracasso nesse projeto, mas, antes,
como signos de dificuldade sobrepujada. “ p.190
INTERPRETAÇÃO DO QUADRO “Olympia é descrita como nua e
cortesã, mas também como despida e insoumise; uma identidade está sob a
forma da outra, no entanto as duas são reunidas com o intuito de tornar cada
uma contingente e inacabada. O caso é particularmente claro quando se trata
do óbvio tema principal do quadro: a beleza de Olympia, seu poder sexual e
como isso se relaciona com o fato de seu corpo ser feminino” p.191
INTERPRETAÇÃO DO QUADRO Sobre descrições querendo dizer que
ela não era mulher, que era masculina ou andrógina: “É por não poder fazer
facilmente de Olympia uma Mulher que se quer fazer dela um homem; ela tem
de ser algo a menos ou a mais, ou então uma aberração. Isso me parece
desatinado: decerto a identidade sexual de Olympia; o problema é como essa
identidade lhe pertence.” P.191
TESE “A façanha de Olympia, eu diria, é que ela confere a seu objeto
feminino uma sexualidade particular, em oposição a uma sexualidade geral.
Essa particularidade deriva, a meu ver, não de haver uma ordem referente ao
corpo na cama, mas de haver inúmeras, e nenhuma delas estabelecida como a
dominante. Os dignos de sexo estão presentes em abundância, contudo não
conseguem, por assim dizer, somar-se uns aos outros. O sexo não é evidente e
inteiriço na Olympia; o fato de uma mulher ter um sexo – e certamente Olympia
tem um – não a torna de imediato uma coisa a ser apreendida visualmente por
um homem: seu sexo é uma construção de algum tipo, ou talvez a incongruência
entre vários” p.191
Agora ele vai demonstrar isso em detalhe
Falar a respeito de como o corpo se dirige ao especatador no quadro
Depois da “incorreção” do corpo, como coisa desenha e pintada
Depois às marcas particulares do sexo nele existentes
A forma como o corpo está inscrito na pintura depois
GENERO NU Papel do nu em uma pintura: “encontrar um meio de se
dirigir ao espectador e dar-lhe acesso ao corpo em exposição. Ao espectador
devia ser oferecido um lugar fora do quadro e uma porta para entrar nele;
ainda, era preciso assegurar que a porta de entrada era a correta, levando ao
conhecimento procurado.” P.192
Olhar da figura pintada como uma forma de acesso
“Qualquer que fosse o caso, o corpo da mulher tinha de ser disposto
numa relação precisa e definida com o olho do espectador. Tinha de ser
colocado a uma altura determinada, nem tão elevada, tornando-a inacessível e
majestosa, nem tão baixa, transformando-a em matéria para um exame clínico
ou lascivo” p.192
Não era o caso da Olympia
“Não é um olhar generalizado ou abstrato ou evidentemente “feminino”.
Parece espalhafatoso e particular, mas é também ilegível, talvez de propósito”
p.193 mesmo próximo à forma clássica do nu, mas mais próximo de sua
paródia.
“há uma inevitável fusão entre, de um lado, as qualidades de precisão e
sagacidade verificadas no modo como a imagem é pintada e, de outro, as
mesmas qualidades vistas como pertencentes ao assunto fictício; é o olhar
dela, sua ação sobre nós, sua composição de si mesma” p.193
Mas o que causa essa impressão não é só o olhar. A qualidade da
agressão é deslocada para o gato e revestida de comicidade, e a submissão
aplica-se à mulher negra, tornando-a “inerte e padronizada, um signo pintado
da Mulher em um de seus estados” p.193
“Olympia, ao contrário, olha para o espectador e o obriga a imaginar
uma trama de sociabilidade no qual esse olhar poderia fazer sentido e incluir-se
– uma trama de oferecimentos, lugares, pagamentos, poderes particulares e
status que ainda está aberta à negociação. Se tudo isso pudesse ser levado
em conta, o espectador poderia ter acesso a Olympia; mas claramente não
seria acesso a um nu” p.193
O espectador diante disso tenta ver o corpo de Olympia como uma coisa
Entretanto ele não era uma coisa, o corpo de Olympia era simplesmente
incorreto. Tem a ver com o modo pelo qual o corpo foi desenhado. “Ele era
“inacabado”, no fim das contas, e o desenho era “inexistente”; descrito como
“impossível” ou evasivo ou “informe”” p.194
Supressão dos meios tons do quadro: causa da falta de detalhge no seio
direito da Olympia, torna indistinta a transição entre seu seio e a sua caixa
torácica, desta para o estômago, para a coxa.
Outras formas de ambiguidade relacionadas à linha: a direção do
antebraço de Olympia ao cruzar com sua barriga é tópico de alta indefinição
visual
“o singular no caso de Olympia é como a indefinição é confinada, ou
interrompidea, pelas linhas duras e pelo cinza cursivo. O corpo é, em parte,
amarrado pelo desenho, mantido no lugar de um jeito um tanto rude – pela
mão, pelo cordão preto em torno do pescoço, pelas linhas de sombra a carvão.
A maneira como esse tipo de desenho modifica ou se relaciona com o outro
não é clara; ele não modifica o outro porque não se relaciona; os dois sistemas
coexistem, descrevem aspectos do corpo e apontam aspectos da sexualidade
desse corpo, mas não os unificam economia formal singular” p.194-195
Marcas particulares do sexo: “O nu tem que indicar de algu modo os
fatos falsos da vida sexual, e com grandiosidade que a mulher carece de um
falo” p.195 No nu, não se esconde nada pois não há nada a ser escondido.
“ficção de uma falta que não é nenhuma falta e que, portanto, não precisa ser
escondida” p.195
Enquanto no nu clássico na Vênus de Ticiano ou de Giorgiane a mão da
mulher coincido com o corpo, encenando a falta do falo e disfarçando-a,
Olympia não faz isso. “Olympia era escandalosa. Sua mão enraiveceu e
exaltou os críticos porque deixava de encenar a falta do falto [...] A genitália
está na mão, repulsiva, e a mão está entesada, angulosa e definida; não uma
ausência, não uma coisa que cede ou abrange e que não precisa ser notada”
p.195 utiliza argumentos sobre a sexualidade infantil de freud para justificar tal
diferença.
“A mão é o corpo todo de Olympia, deseobedecendo às regras do nu.
Poderíamos mesmo dizer que ela representa com rigor essa desobediência,
pois, afinal, o corpo na cama não é apenas escandaloso; a mão é um detalhe,
e os críticos estavam errados em se concentrar nela, como às vezes fizeram,
como se não houvesse nada mais ali para ser visto.” P.196
Outro signo polêmico é o pelo e a falta do pelo do corpo. Olympia não
tem pelos púbicos mas apresenta nas axilas e algumas outras áreas do corpo,
como do umbigo até as costelas, fornecendo substitutos para aquilo que é
forçada a omitir.
“As regras da Olympia podem ser definidas assim. Os significantes do
sexo estão ali em profusão, no corpo e nos seus acompanhantes, mas
dispostos em ordem contraditória, inacabada, ou melhor, mais de uma: ordens
que interferem umas nas outras, signos que indicam lugares totalmente
diversos para Olympia na taxinomia da mulher – sem que ela ocupe nenhum
deles.” P.198
“Olympia, por fim, é pintada de modo desconcertante. O pintor parece ter
deliberadamente enfatizado a substancia física dos materiais, e o jeito como
eles obedecem apenas em parte aos seus esforços para fazê-los representar
coisas do mundo. É isso que mais tarde foi considerado a essência da
Olympia, e a base de sua pretensão de ser moderna em termos artísticos. Os
críticos passaram a admirar as transições peculiares do quadro – ou a falta
delas – de trechos de franca e complexa destreza de pincel a áreas em que a
linha e a cor foram brutalmente simplificadas. O quador, diziam eles, era
evidente quanto a seus meios e suas limitações; admitia e sentia prazer na
marchetaria da pintura; expunha as disparidades envolvidas na construção de
uma imagem de qualquer coisa, não somente do nu. Um singo disso, por
exemplo, é a maneira como a mão tangível no centro das coisas é contraposta
a suas vizinhas pintadas, uma segurando o xale e a outra, as flores. Ambas
são sombras da mão que oculta a genitália de Olympia, e aparecem como
dupla antítese ao ilusionismo eficiente daquela, das duras e convincentes luz e
sombra. A mão da riada dentro do jornal é de puro preto, uma silhueta
recortada e abstrata; e a outra, como disseram os críticos, está incompleta;
talvez não lhe falte literalmente um dedo, mas ela cumpre mal o seu papel de
segurar o xale de caxemira, e parece deixada de propósito sem substância, um
exemplo aproximado de mão, um esquema em estado de croqui. Poderíamos
comparar o travesseiro que sustenta os ombros de Olympia, pleno de dobras,
sombras e maciez, com os próprios ombros, duros e afiados como uma faca;
ou as flores com o jornal, ou o xale com o gato de cartum. “ p.199
“Os trechos indicados insistem em algo mais complexo que um estado
físico, ou, de qualquer forma, que o estado de um meio. Colocam em questão
como o mundo poderia aparecer num quadro se seus componentes fossem
concebidos – parece que eles podem sê-lo – apenas como material; e como a
tinta podeira aparecer como parte desse mundo, como seu signo cru supremo.
Chamar a esse quadro de “moderno” talvez seja mais sensato, se dermos a
essa palavra o sentido de “desesperado”, “irônico” e “severo” sob a ficção da
técnica.” P.199
“Olympia, este é o meu argumento, não é um enigma, não é uma
cortesã; e sua existência final, factual, na cama é a chave para a existência da
tinta e da pintura. Podemos dizer isso de outra forma: para que a superfície
pintada apareça como aparece na Olympia, a auto-evidência do ver – ver o
mundo, ver a Mulher – teve de ser destamntelada, e um circuito de signos foi
colocado em seu lugar. Os lugares em que era possível fazer isso naquela
década de 1860 eram poucos e especiais: a nudez de uma cortesã era um
deles, pelos motivos que sugeri” p.200
Conclusão
“Em outros tempos, havia sido possível aos pintores mostrar a
prostituição numa luz direta. [...] O dinheiro agora não pode ser mostrado como
parte da prostituição, tampouco o cliente, e menos ainda uma relação definida
e prosaica entre alguém que compra e alguém que vende o sexo. O quadro é
sobre a ausência dessas coisas” p.207
“Poderíamos dizer resumidamente que na Olympia a prostituição se
tornou mais extravagante e ameaçadora; e esse parece ter sido o reflexo
preciso do estado de tal ramo de atividade no final do século XIX. Relações
entre prostituta e cliente envolviam, entre outras, questões de classe social;
não raro significavam a transgressão das divisões normais de classe - uma
curiosa exposição do eu a alguém inferior, a alguém lastimável. Isso sem
dúvida apimentava a transação, mas só se fosse incorporado ao teatro da
sexualidade, que se tornou cada vez mais incômodo com o decorrer dos anos.
Para a prostituição funcionar nessa sociedade, a desproporção entre
mercadoria e preço de que falava Simmel tinha de ser buscada arduamente e
mantida na troca sexual em si. O cliente queria assegurar-se de que tinha
acesso a algum mistério ali. Provavelmente da Mulher; em consequência, a
prostituta era obrigada a fazer-se desejável – a passar pelas identidades nas
quais o desejo era descoberto pela primeira vez pela criança. Era um jogo com
o qual a mulher com muita frequência colaborava e no qual até certo ponto caía
como numa armadilha; havia entretanto outras forças – forças de mercado,
sobretudo – que ameaçavam privá-la da crença nos papéis que representava.
Ela podia ser lançada de volta abruptamente à simples apreciação de si
mesma como vendedora da própria força de trabalho, alguém que colocava a
complacência física no mercado e nunca podia ter certeza do que receberia em
troca. Nesse sentido, ela pertencia ao proletariado de modo tão desprovido de
dramaticidade quanto as mulheres devassas de Vermeer.” P.208
“Venho expondo minhas razões para acreditar que a causa última da
dificuldade dos críticos diante de Olympia em 1865 era o grau em que ela não
tomava parte do jogo da prostituição, e a medida em que ela indicava o lugar
desse jogo na classe. Ela vinha das camadas mais básicas. As imagens de
doença, morte, depravação e sujeita portavam todas essa conotação, que se
mantiveram como figuras efêmeras de retórica precisamente porque os críticos
não conseguiam identificar o que, no quadro, lhes contava de onde vinha
Olympia.” P.208
TESE DO CAPÍTULO: dizer que o signo de classe na Olympia era a
nudez.
“Classe, a meu ver, é um nome dado àquele lugar complexo e
determinado que nos é designado no corpo social; é o nome dado a tudo aquilo
que significa que uma certa história vive em nós, nos confere nossa
individualidade.” P.208
“Por nudez quero designar aqueles signos – aquele circuito intermitente
e interminável – segundo os quais não estamos em lugar algum senão num
corpo, que somos construídos por ele, pelo modo como ele incorpora os signos
de outras pessoas” p.208-209
“Eles ficaram perplexos diante do fato de que a classe de Olympia não
estava em lugar algum, a não ser no corpo dela: o gato, a negra, a orguídea, o
buquê de flores, os chinelos, os brincos de pérola, o cordão no pescoço, o
biombo, o xale – pistas falsas, que não significavam nada ou, ao menos, nada
em particular. O corpo nu bastava-se sem eles no fim das contas e fazia a
própria narração” p.209

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