II.4. A estrutura da “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita”
A estrutura apresentada pela “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita” se serviu da base lançada pelo Capítulo Geral da França a partir de 1784 (tendo em vista que a segunda parte da Coletânea sai exatamente no ano em que o Capítulo Geral da França publica o último de seus rituais, o da 4a Ordem). Louis Guillemain de Saint Victor apenas desenvolveu um pouco mais a estrutura apresentada pelo Grande Capítulo Geral da França, focalizando-se em temas que julgava importantes e desdobrando a 1a e a 2a Ordem em 3 Graus cada uma. Vejamos a estrutura de ambos: Comp.Pr. da Maç. Adonhiramita Capítulo Geral da França Parte 1 (1782) 1- Aprendiz 1- Aprendiz 2- Companheiro 2- Companheiro 3- Mestre 4- Mestre Prefeito 3- Mestre Parte 2 (1785) 5- 1º Eleito ou Eleito dos Nove 6- 2º Eleito ou Eleito de Perignam Eleito (1a Ordem) 7- 3º Eleito ou Eleito dos Quinze 8- Apr. Escocês ou Pequeno Arquiteto 9- Comp. Escocês ou Grande Arquiteto Escocês (2a Ordem) 10- Mestr. Escocês 11- Cav. da E. ou Cav. do Or. ou da Ág. Cav. da Esp./do Or. (3a Ordem) 12- Cavaleiro Rosa-Cruz Sob. Pr. Rosa-Cruz (4a Ordem) II.5. A repercussão da “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita” A obra de Louis Guillemain de Saint Victor teve repercussão extremamente positiva a ponto de em 1785 (ou seja, apenas 3 anos após o lançamento da primeira parte e no mesmo ano do lançamento da segunda), já estar sendo publicada, em francês mesmo na Filadélfia, EUA. Esta obra se tornou uma referência canônica do Rito Adonhiramita, e com ela o próprio rito alcançou ampla divulgação e expansão na Europa, chegando a se tornar o principal rito do Grande Oriente Lusitano e sendo exportado para suas colônias na África, Ásia e Novo Mundo, inclusive o Brasil. Na França, tornou-se, junto com a estrutura proposta pelo Grande Capítulo Geral, o padrão de “Ortodoxia Maçônica”. Aliás, é sob o titulo de “Ortodoxia Maçônica” (“Orthodoxie Maçonnique suive de La Maçonnerie Oculte”, editada em 1837), que Jean Baptiste Marie Ragon (1781-1862) irá cometer dois erros grosseiros que se propagarão com grande sucesso. O primeiro erro de Ragon é a atribuição da “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita” ao Barão de Tschoudy (Théodore Henry de Tschoudy). Esse erro será repetido “ad nauseam” em Portugal e no Brasil. Tschoudy não teve absolutamente nada a ver com o Rito Adonhiramita. Sua obra, “A Estrela Flamejante” lançava as bases de uma Ordem denominada de ‘Ordem da Estrela Flamejante’, de características alquímicas. Em 1766, Tschoudy instituiu, mais no papel do que efetivamente, sua Ordem, baseado na lenda de que tradições alquímicas teriam sido passadas pelos ascetas da antiga Tebaída às Ordens de Cavalaria cristã e dessas para a Franco- Maçonaria. Tschoudy faleceu em 1769, ou seja, 13 anos antes do lançamento da primeira parte da “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita”. Ragon confundiu as coisas e atribuiu ao Barão a autoria da “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita”. O segundo erro de Ragon foi a afirmação de que o Rito Adonhiramita constava de 13 Graus, pois, para Ragon, o Grau de Noaquita, seria o 13º Grau. III. O Rito Adonhiramita no Brasil III.1. Primórdios A obra fundacional do Rito Adonhiramita, ou seja, a “Compilação Preciosa da Maçonaria Adonhiramita” veio para o Brasil através de uma edição de 1810. Essa edição foi traduzida e publicada pela “Typographia Austral”, no Rio de Janeiro, no ano de 1836 como “Coleção Preciosa da Maçonaria Adonhiramita” . A primeira Loja REGISTRADA no Grande Oriente do Brasil como praticante do Rito Adonhiramita foi a “Sabedoria e Beneficiência”, um ano depois do lançamento da tradução à qual aludimos acima (1837). Há a hipótese de que a Loja “Reunião” (1801) e a Loja “Distintiva” (1812), ambas localizadas na atual Niterói, trabalhariam no Rito Adonhiramita, mas não é possível afirmar isso com certeza. O Grande Oriente do Brasil, à época, era uma Obediência Mista, ou seja, trabalhava os Graus Simbólicos e os Graus Superiores, sem divisão. A Carta concedida para a fundação do Grande Oriente Brasílico previa a autorização para se trabalhar em todos os Graus utilizados na França e em Portugal, com a exceção dos pertencentes ao Rito Escocês Antigo e Aceito que, desde 1801, exigia a concessão de uma patente separada, patente essa que deveria ser emitida pelo Supremo Conselho de Charleston ou por Supremo Conselho por ele reconhecido. Justamente por isso, posteriormente (1854), o Grão-Mestre do Grande Oriente do Brasil se tornaria também o Soberano Comendador do REAA, pois este era o único Rito trabalhado no Brasil (introduzido em 1829) que exigia uma autorização separada. Já em 1832 foi fundado o Supremo Conselho do REAA no Brasil que trabalharia como uma Potência Maçônica Independente. Tendo isso em mente, fica clara a baboseira de se falar em “patente de regularidade” para o Rito Adonhiramita e Moderno, como se eles fossem o REAA... Em 1839, o GOB criaria um “Grande Colégio dos Ritos”, que era um tipo de departamento para o governo dos Ritos Adonhiramita, Moderno e Escocês (de maneira irregular), já que o REAA deveria funcionar, e de fato já funcionava, separado. Em 1854, com a incorporação regular do Rito Escocês Antigo e Aceito ao GOB, o “Grande Colégio dos Ritos” sofreu uma transformação. Tendo em vista que, oficialmente, o REAA se incorporaria ao GOB e exigia um governo separado, não poderia ser simplesmente juntado ao “Grande Colégio de Ritos” ou fundido como era antes. Sendo assim, em 1855 foi criado o “Sublime Grande Capítulo dos Ritos Azuis” (i.e. Moderno e Adonhiramita), que comporia colateralmente ao Supremo Conselho do REAA, as Oficinas Chefes dos Ritos. Para governar as Lojas e Câmaras do REAA, o Grão-Mestre teria que se tornar, também, o Soberano Comendador do Supremo Conselho. O “Sublime Grande Capítulo dos Ritos Azuis” teve existência curta. Em 1863, menos de dez anos após sua criação, ocorreu a dissidência liderada por Joaquim Saldanha Marinho, onde foi criado o “Grande Oriente do Vale dos Beneditinos. No Grande Oriente “dos Beneditinos” o Rito Adonhiramita foi muito bem sucedido. O número de Lojas trabalhando no rito suplantou aquelas do GOB. Foi o Grande Oriente “dos Beneditinos” que criaria o primeiro corpo capitular do Rito Adonhiramita no Brasil, em 3 de Outubro de 1872 seria criado o “Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas”. No GOB foram fundadas as Lojas “Aliança” (1869) e a “Redenção” (1872), que perfaziam 3 Lojas (com a “Firmeza e União”) do GOB contra 5 em funcionamento no Grande Oriente dos Beneditinos. Com essas 3 Lojas, o GOB criou pelo decreto nº 21 de 2 de abril de 1873 o “Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas”, homônimo ao seu concorrente no outro Grande Oriente. Cabe salientar que o erro de Ragon, o de que o Rito Adonhiramita tinha 13 Graus, sendo o último o de “Cavaleiro Noaquita”, vingou no Brasil. III.2. Desenvolvimento Até 1951, esse corpo seria, na prática, o departamento do GOB para o governo do Rito Adonhiramita. Nesse ano, em 23 de maio, pelo decreto n. 1641, o Grão Mestre do GOB, Joaquim Rodrigues Neves promulgava a nova Constituição, onde estava claro que, a partir de então, o GOB só regeria os 3 Graus Simbólicos, mantendo relações “da mais estreita amizade e tratados de reconhecimento”. Aqui começa uma longa série de equívocos dentro da Maçonaria brasileira, equívocos esses que se mantêm até os dias de hoje. A separação entre Potência Simbólica e Filosófica, até por uma questão de simples lógica, não pode admitir qualquer tratado de “reconhecimento”. A Potência Simbólica só “reconhece” os Graus 1, 2 e 3, sendo, portanto, ilegítima sua interferência ou “reconhecimento” em Graus que estão fora de sua competência jurisdicional. Da mesma maneira, as Potências Filosóficas, enquanto instituição, não têm que ser consultadas ou dar quaisquer pareceres sobre rituais ou questões relativas aos Graus 1, 2 e 3. Tratado de Amizade e Cooperação é muito diferente de Tratado de RECONHECIMENTO. É um show bizarro e deprimente ouvir que tal ou qual Potência Filosófica é “irregular” por não manter Tratado de Amizade e Cooperação com a Potência Simbólica X ou Y. Aos Irmãos que afirmam esse tipo de ASNEIRA, pedimos que perguntem na secretaria da Grande Loja Unida da Inglaterra, quais são as Potências Filosóficas ou os Graus Colaterais que são por ela reconhecidos. A resposta será “nenhum” e “nenhuma”. A Grande Loja Unida da Inglaterra não interfere, não autoriza ou mantém quaisquer relações oficiais com instituições que tratem de assuntos fora dos Graus 1, 2 e 3 incluso o Real Arco (que é apêndice do Grau de Mestre). A Grande Loja Unida da Inglaterra não tem qualquer interesse ou ingerência sobre se seus membros irão ou não irão cursar quaisquer Graus colaterais ou superiores ao Grau 3 e onde farão isso. Já no Brasil, a “misturada” é a regra... É óbvio e ululante que um Grão-Mestre consciencioso, ao ver a necessidade de qualquer alteração, consultará aqueles Irmãos da Potência Simbólica (que eventualmente podem pertencer a uma Potência Filosófica do Rito, mas não obrigatoriamente) que forem mais eruditos e doutos nas questões históricas, filosóficas e ritualísticas, mas nunca como uma consulta institucional que se confunda com dependência. Já presenciamos o absurdo de um Grão-Mestre Estadual exigir Graus Filosóficos para a composição de Grande Secretaria de Orientação Ritualística. Ou seja, a confissão de dependência em relação a outra instituição para tratar de assuntos internos. Da mesma forma, é uma declaração de tremenda ignorância maçônica tentar legitimar uma Potência Filosófica com “reconhecimento” por parte de Potência Simbólica. A Potência Filosófica, no máximo, pode exigir como pré-requisito para a admissão em suas fileiras que o candidato seja Mestre Maçom de uma Potência Simbólica reconhecida por um determinado grupo de Potências. Mas isso não pode se confundir com a Potência Simbólica “indicar” a qual Potência Filosófica o seu membro se filiará e, muito menos, com a Potência Filosófica mendigar um “reconhecimento” institucional de uma Potência Simbólica (que, como dissemos, só tem legitimidade para reconhecer GRAUS SIMBÓLICOS). Voltemos ao nosso tema... Em 1953, o “Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas” passaria a se chamar “Muito Poderoso e Sublime Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil”. Em 15 de Abril de 1968, era assinado entre o então Grão-Mestre do GOB, Álvaro Palmeira e o Presidente do “Muito Poderoso e Sublime Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil”, Josué Mendes, um Tratado de Aliança e Amizade. E nesse período, de 1953 a 1968, o Rito Adonhiramita ficou “irregular”? Respondam os defensores dos “reconhecimentos” por Potência Simbólica... III.3. O Grande Cisma de 1973 Em 1973, ocorre a grande “reviravolta” no Rito Adonhiramita. Neste ano, treze Grandes Orientes Estaduais se desligam do Poder Central do GOB. Isso, para o GOB, significa a perda da maior parte de suas Lojas praticantes do Rito Adonhiramita e uma cisão interna dentro do “Muito Poderoso e Sublime Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil”, que só poderia admitir Irmãos ligados ao GOB. Para recuperar o Rito Adonhiramita dentro do GOB e dentro do “Muito Poderoso e Sublime Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil”, é necessário atrair Irmãos de outros ritos para ele. Como fazer isso? Essa foi a questão colocada pelos Irmãos Adonhiramitas remanescentes. Em 1973, sob o comando do Irmão Aylton Menezes, o “Muito Poderoso e Sublime Grande Capítulo dos Cavaleiros Noaquitas para o Brasil” muda seu nome para “Excelso Conselho da Maçonaria Adonhiramita” (ECMA). Restava ainda a completa reformulação do Rito para que se tornasse mais atrativo para uma população maçônica majoritariamente do REAA, ou seja, habituada a um sistema de 33 Graus e que não se sentiria atraída por um rito com apenas 13 (12 na verdade). III.4. As influências intelectuais no processo de reformulação Na década de 1970, a literatura maçônica no Brasil estava fortemente influenciada pelas obras de autores como Joaquim Gervásio de Figueiredo, Charles Webster Leadbeater e Jorge Adoum. Tais obras eram fartamente publicadas pela Editora Pensamento. A chamada “Escola Histórica” ou “Documental” tinha pouca ou nenhuma influência na maior parte dos maçons brasileiros (tem hoje?). Tanto Joaquim Gervásio de Figueiredo quanto Jorge Adoum e C.W. Leadbeater eram ligados à Sociedade Teosófica (organização fundada nos EUA, em 1875, por Helena Petrovna Blavatsky e Henry Steele Olcott) e entusiastas da Co-Maçonaria (Maçonaria Mista, para homens e mulheres). A Co-Maçonaria nasce na França com a Iniciação de Marie Deraismes em 1882 na Loja “Les Libres Penseurs”. Esta Loja pertencia à Grande Loja Simbólica Escocesa e foi desligada logo que correu a notícia da Iniciação de Marie Deraismes. A segunda Loja a adotar a Iniciação feminina foi a “La Jérusalem Ecossaise”, onde Georges Martin foi Venerável Mestre. Ambas as Lojas adotavam o Rito Escocês Antigo e Aceito. Esse, obviamente, foi o rito adotado inicialmente para o desenvolvimento da Co-Maçonaria. A primeira Grande Loja fundada fora da França foi a de Zurich, em 1895. Ela constituía a seção no 3 da “Grande Loge Symbolique Ecossaise Mixte de France”, e era considerada como uma das cinco Lojas (a quinta foi fundada em 1902) do “Le Droit Humain” ainda unicamente francês. Em 1900, a Ordem Co-Maçônica tornou-se internacional e, para tanto, foi fundado um Supremo Conselho Misto dito “universal”, bem como o “Le Droit Humain” Internacional. Em 1902, a Loja no 6 “Human Duty” foi criada em Londres, sob a impulsão de Annie Besant, importante figura dentro da Sociedade Teosófica e autora de diversos livros ocultistas traduzidos para o português e consumidos por maçons brasileiros, de Francesca Arundale e de George Arundale. A fundação, seguida da iniciação de quatro novos membros, teve lugar em 26 de setembro no REAA, rito de base de “Le Droit Humain”. Mas a partir da reunião seguinte, um ritual Inglês (muito provavelmente o de Emulação) foi implementado com a autorização das autoridades do “Le Droit Humain”. Os fundadores da nova Loja londrina tinham consciência da necessidade de ter uma prática maçônica mais próxima possível da inglesa, para que sua oficina pudesse se desenvolver em uma Inglaterra totalmente indiferente, senão francamente hostil, à noção de Co-Maçonaria. Era preciso adotar sem demora um ritual em harmonia com aqueles praticados nas lojas masculinas inglesas. Se a questão fosse simplesmente constituir uma loja co-maçônica de franceses que, por razões profissionais ou outras, vieram a se instalar na Inglaterra, poder-se-ia conceber de continuar a utilizar o REAA, mas não era o caso: tratava-se de implantar e desenvolver a Co-Maçonaria na Inglaterra. Entre 1915 e 1925 Annie Besant, ajudada por C.W. Leadbeater (1847-1934), outro notório teosofista e autor de livros fantasiosos baseados em “clarividência” ou em métodos que incluíam a conversa com uma gata, elaborou rituais específicos para a Federação Britânica. Tais rituais misturavam alguns elementos: O ritual de Emulação inglês, alguns usos do Rito de York (Norte Americano), o REAA como era praticado na França, alguns elementos do Rito de Mênfis-Misraim, procedimentos muito infuenciados por usos eclesiásticos (Leadbeater fora padre da Igreja Anglicana e era bispo da Igreja Católica Liberal, também ligada à Sociedade Teosófica) e as doutrinas teosofistas. Em 1916 a revisão dos rituais do “Craft” (Graus Simbólicos) foi terminada. C.W. Leadbeater logo escreveu um livro de interpretações ocultistas para o ritual - que ele mesmo tinha ajudado a compor, e esse livro se tornou um sucesso no Brasil: “A Vida Oculta na Maçonaria”, também editado pela Editora Pensamento. Alguns dos membros do recém fundado “Excelso Conselho da Maçonaria Adonhiramita” eram leitores dessas obras, sem contar o expressivo número de maçons que também eram membros da Sociedade Teosófica. A necessidade de reformulação e a possibilidade de alterar sensivelmente os rituais em uso, utilizando a apreciação pela doutrina teosofista de Leadbeater, caíram como uma luva. Os procedimentos descritos na “A Vida Oculta na Maçonaria” logo estariam figurando nos novos rituais do Rito Adonhiramita... A divisão em 33 Graus citada por Leadbeater com acentuadas explicações ocultistas etc., unida à necessidade de atrair Irmãos do REAA para o Adonhiramita também veio a calhar. Dentro de 9 anos, ou seja, em 1982, o Rito Adonhiramita no seio do GOB e do ECMA estava completamente transformado: 33 Graus, Cerimonial de Incensação, Cerimonial de Acendimento das Luzes, acentuada influência ocultista e uma tendência a contínuas modificações.