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faz perder posições no Exército". No parágrafo seguinte, resumia de ma- l,)35 é incalculável, pois trcta-se de comunicações oficiais de lado a lado,
neira perfeita o dilema no qual o chefe militar, Prestes, se encontrava: , ornprimidas em pouco espaÇo, demandando tomadas de decisão e dirigi-
(lirs apenas para os principais dirigentes (a coleção de telegramas só teve
Duas possibilidades: primeiro, logo que possível, Iuta geral. Segundo, se im-
scu lacre rompido em outubro de 1992).
possivel, lirta cm vários estados com a tentativa de unir todas as forças para
O curto recado de Ewert de 5 de novembro aparentemente apanhou
ampliar o movimento. Data: fim de 1935 ou mais tardar começo de 1936. Por
l5 Viln Min no meio do trabalho de elaborar diretdzes para o Brasil, sob or-
favor comuniquem opiniâo e enviem o quanto antes o dinheiro
rlcns da Comissão Política, presidida ainda por Manuilski e com a partici-
Esse telegrama, no qual Ewert e Prestes perguntavam a Moscou como no dia
t)ilção de Dimitrov. A mensagem foi recebida no dia 7, decifrada
agir ("Por favor comuniquem opiniâo") seria por si só uma prova cabal r) e começou a circular pelas escrivaninhas de Manuilski, van Min e To-
do envolvimento direto do Komintern não só nos preparativo§, mas tam- gliatti a partir das três da tarde do dia 10 de novembro (eles rubricavam
bém nas decisões principais relativas ao§ levantes de 1935, mas ainda há ls mensagens como forma de acusar conhecimento do conteúdo, suas ini-
muito mais pela frente. A mensagem só chegou a Moscou em 25 de outu- ciais encontram-se nas margens do papel amarelo do ous, no qual eram
bro, oito dias depois, e levou outrqs quatro para ser decifrada. Van Min (latjlografados telegramas ultra-secrctos decodificados). Exatamente uma
reagiu como se tivesse sido atingido por um mio. Aparentemente surpreso, l)ora e vinte minutos depois seguia um prudente e bem elaborado telegra-
respondeu na hora ao Rio, repetindo um pedido seu, do começo de outu- r»a <la Comissão Potítica, destinado a "Fernandes lPrestes] e Keiros [Mi-
bro, para que o Bureau enviasse a Moscou alguém capaz de fazer um rela- randal". Era uma mescla de ceticismo, prudência política e a repetição de
tório. Moscou parecia ter perdido o pé. O recado pdncipal de Van Min, irlstrucões que as decisÕes subseqüentes de Ewert e Prestes haviam torna-
porém, era uma pergunta em tom incisivo: "Para que vocês precisam de Jo superadas.
50 mil dólares?".16 Os dirigentes em Moscou acusavam, em primeiro lugal o recebimen-
fàlvez confiantes de que Moscou daria mesmo luz verde (e mais di- lo (provavelmente por carta aérea, via Paris) de artigos e instruções, um
nheiro) para a empreitada, Ewert e Prcstes seguiram adiante Quando a men- cleles de Bangu, sobre o trabalho do partido no campo. Nesse sentido, a
sagem de Van Min o alcanÇou no Rio, Prestes já havia se rcunido com o C'omissão Política perguntava aos brasileiros se não consideravam útil a
Comitê Revolucionário Militar do PCB e distribuído as tarefas para o se- união de todas as forças camponesas e da,lNl para lutar pela abolição de
tor civil. Ewert se encarregava de elaborar as resoluções que o Comitê Cen- privilégios feudais. Além de completament€ desconectada da realidade, essa
tral, por sua vez, teria de aprovar no Pleno marcado para 20 de novembro' bateda de sugestôes parecia retimda das cartilhas ma istas sobre como
e do qual participariam delegados de várias regiões, sobretudo do Nordes- lazer a revolução burguesa. PCB e ANL deveriam lutar pela "liquidaçâo do
te. Seria, se tudo corresse de acordo com os planos' a última grande reu- trabalho seryil, redução de impostos, pelo comércio livre e pelo aumento
nião do partido antes da insurreição. Seguiu-se uma fase de intensa colles- do preço de compra dos produtos agdcolas", associando tudo isto à pala-
pondência e troca de bilhetes entre Prestes e os oiiciais que ele julgava que vra de ordem do partido e da Aliança pela liquidaçâo da grande proprie-
iriam segui-lo. Quando mandou, em 5 de novembro, um breve telegmma dade. As coisas não poderiam estar mais distante§ uma das outras: Mos-
a Moscou, Ewert apenas prometia pam um próximo despacho relato mais cou falava de revoluçâo agrária e os conspiradores do Rio perguntavam
detalhado sobre a situaÇão, "impossivel de ser mandado por carta [con- se podiam sublevar o Exército. Mas a segunda parte do telegrama de Mos-
forme exigia Van Minl por Íazões de conspiraÇão" Repetia a data e o pe- cou era mais específica e objetiva:
dido de dinheiro: 'âtarefado com insurreiçào para dezembro-janeiro, pre-
Solicitamos informações detalhadas sobre situação política, forças do partido
cisarnos de qualquer maneira do dinheiro".rT e Aliança Nacional. Concretamente: no movimento sindical, no campo e no
Desenvolveu-se a seguir um diálogo por telegramas que não podia ser Exército. Com quais forças podemos de fato contar no Nordeste? Em quais
mais eloqüente e didático sobre a maneira como os estrategistas de gabine- estados há conversações entre a frente única democrática e a oposição paÍlâ-
te do Komintem. em Moscou, pilotavam um grupo de enviados a 12 mil mentar burguesa, e quais suas perspectivas? O quesabemos porjornal éinsufi-
quilômetros, no Rio. Essa intere§sante troca de telegramas coloca um pon- ciente paradar conselhos. Nos preocupa que uma açâo antecipada numa situa-
to final na discussão de décadas sobre o grau de interferência de Moscou, ção em que as lorças do movimento
popular são ainda insuficientes pos§alevar
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e se Prestes recebeu ou não ordens para agir. Seu valor para a história de a atos isolados de lutas e enfraquecer nossas posições, sobretudo no Exército
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.DECIDAM VOCÊS MESMOS'
.CAMARADAS'
política poÍ parte dos estrate- rraqual transparece não só a experiência de Ewert na China e o fato de ele
Este foi um raro exemplo de sabedoria (em todos
que contavam os enviados no saber que urnchinês, Van Min, estaria do outro lado do mundo
gistas soviéticos. Sem saber exatamente com que maneira as concep-
outro' bas- os sentidos) lendo seu despacho. Revela também de
ãraril, endossar um cheque político em branco e telegrafaÍ
"omo a" S0 mil dólares? Note-se, atém disso' que os dirigentes do ç(-)esdo Komintern sobre a revolução na China permeavam suas diretrizes
ãr* roip*a", para o Bmsil. Ewelt explicou que a fragilidade do regime Vargas aumenta-
certa coerência com
Kominte;n insistiam na sua concepção - e aí revelamm va, enquanto o trabalho no Exército por um "governo Prestes"
havia sido
se-
o, ãogaut - de que a insurreição no Brasil deveria obrigatoriamente "um grande progresso organizatório", o que de maneira nenhuma corres-
dos camponeses
guir u-ma fase preliminar na qual o principal era a revolta (uma tipica expres-
a outras classes' Ao mesmo tempo' pondà à realidade. Vargas tentava "sistematicamente"
ior reivindicatões específicas, aliados a§.ba-
siio alemã que Ewert sempre empregava em seus textos) enfraquecer
pãr.-, Co*tao iolítica (e, por extensão, o Secretariado Político do prestistas no Exército. Diante dessa situação, "se permanecermos
pa§slvos
"
I"t<í t *rrf".a ralor de posições conquistadas em uma instituiçáo cuja
ses
E pros-
a perda de confiança e a desorientaçâo", advertiu Ewert'
" quais incluíam ó inevitável
i*pãaàn"iu nu qu"ttão do pàder em países semicotoniais' nos
neste ponto exato' ,cguiu, na frase seguinte: "Com situação favorável devemos dirigir o movi-
oÉ.usit, ,abiu- jrtgar pedeitamente: o Exército' Contudo' A justi-
podia levar os conspiradores no Rio ainda mais mãnto para o levante e não ter medo de começáJo com o Exército"
foriuf"çao aá muito maiol
"udiur," .rn seu delírio analítico' Achavam que teriam de agir
"fegrama justamente Iicativa era para chinês ver: "Prestígio e influência de Prestes
rnais nacional e genérico do que Sun Yat-sen na época do
levante militar
puau rào para.t ,uus posições no ExéÍcito, onde Getúlio
começara' de ma-
de Cantão".20
neira hábil e eficaz, a destÍuir suas bases' prepara-
que daÍia no fim da vida' Pres- Na terceira partq des§e telegmma, Ewert enumerava medidas
Nunca maís, nem mesmo nas entrcYistas de anti-
que um levante nos quartéis tórias da insurreição, enfatizando a organizaçâo de um congresso
tes formulou de maneira tão clara a idéia de o levante em nada dependa de reso-
popular' como o fez no telegrama gos combatente§ da Coluna, "embora
poaiu ,a, o .*opia de uma insurreição que camcterizam de maneira
g*ert, foi enviado a Moscou no diâ 9 de novembro (por- I'uções desse congresso". Por fim, as duas fmses
ãr", uJnuao pát da Mai- crua a dependência dos enviados de Moscou - e de Prestes -
em relaÇào
iÀio, un,.t a" t"""Uer€m o detathado pedido de informações vindo por via "Pedimos resposta sobre a questão decisiva
uma foi en'riada reus ch"f., no Komintern:
son). Esse rexto dividia-se em três partes' e cada "do levante. Exigimos envio imediato da soma pedida' Falta de dinheiro im-
para diversas cidades européias de onde toram
telegráfica diferente (isto é,
primeira truncada ao oMS' mas pa- pede tmbalho em grande escala".
retrãnsmitidas para Moscou). A chegou
garantiâ de qle "a opinião do Na mesma data, paru gamntir a chegada a Moscou das informações
,u ror," au p"rqrita histó ca em apenas a
e Miranda"' Todos achavam' que julgava Ewert enviou também uma carta aérea cifrada' que
relevantes,
Brr"ur, aoapleto acordo com Prestes uma descrição bastante
garantia"rtá"*
Ewert, queàeviam "tomar posição firme pelo levante no final de iassou em trânsito por Amsterdam. Ela continha
;timista e totalmente alheia da realidade Ewert exagerava não só a debili-
ã"rernbro ou de janeiro". Eles "esperavam" conseguir provocar uma
potencial forças que estariam à dispo'
"om"ço palawa que não pôde clade do governo Vargas, como o das
onJa de levantes camponeses (havia antes disso uma no Rio' O movimento de massas' di-
então o sição dos conspiradores do Komintern
,aãaiftuau p"fo ous, provavetmente "trabalhadores") Segue-se outubro importantes
tÍecho decisivo: zià Ewert, havia crescido muito no final de Greves
refe a provavelmente a da Creat West-
estavam em curso no Norde§te (ele se
de trabalhadore§ e campo- geral con-
Mas mesmo não havendo umagÉnde onda de lutas crn). No estado de Espírito Santo, Ewert identificou uma "greve
se-
p"rrp""tiva de vitória com o levante militar que imediatamente sendo
,"ser,
"tirt" Nece§sáriÔ des- tra integralistas' '. Congressos de sindicatos e de camponeses estavam
.l upáiuao p"tu,.u.ras. Está sendo organizada acoordenação descrito co-
organizados. Um encontro de sindicalistas em Minas Gerais era
lancharsimultaneamenteemtodoopaiscomdiferenciação[sic].Nossasforças frases
19 mã "grande êxito". O principal, porém, estava concentrado nessas
militares dão a possibilidade de vitória
lapidares:
Dificilmente poderia catacleÍizaÍ tal atitude em relação às "mas-
se
Lutas generalizadas de gueidlheiros cm quatrc estados do Nordeste'
Ampla frente
partes do telegmma' enviadas atÉ-
sas" como ma[ista. A segunda e terceira
Elas contêm o que se- popular no Rio abrangendo desde os partidos de oposição até a ÁNL Progres-
vés de Amsterdam, chegaram completas a Moscou' Popular apre-
sos militâres: nossacampanha pamrcforço do Exército eExército
ràa justificativa "política" da insurreição, e uma passagem muito curiosa'
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.CÀMARADÀS' .DECIDAM vocÊS MEsMos'
senta importantes resultados, incluindo a desmoralização do olicialato supe- blocos codificados e sepandos uns dos outros. Deve ter sido emocionalte
rior. Prcfeito da capital nos apóia totalmente. Empreenderemo§ medidas deci- a teitura daqueles telegramas, todos com data do dia 9 de novembro, por-
sivas em meados de dezembro. Opinião unânime: perspectiva§ de vitória ai[- tanto antes de qualquer decisâo formal do PcB, que na verdade foi o últi-
da maiores. Favor enviar telegraficâmente dinheiro para endereço em Sâo
mo a saber de tudo.
Paulo.21 À uma da tarde, o decifrador do oMS entregou mais sete linhas em
Embora a liderança de Ewert no Bureau fosse incontestável - era Yis- texto claro, em alemão e francês: 'â questão do Exército coloca-se assim:
to como o verdadeiro chefe é difícil imaginar que pudesse ter tomado devemos nos apoiar no atual Exército, que no todo não está com Getúlio
-, e pretende marchar com Prestes Getúlio quer destruir o mais rápido
pos-
sozinho a decisão de enviar a Moscou uma informação como essa, que só
pode ser caructedzada como delirante. Acreditar que o prcfeito do Rio, Pedro sível esse Exército e substitullo por pequenos destacamentos escolhidos
Ernesto, estivesse dando apoio "total" era ingenuidade dos conspirado- e de policiais (segue)", dizia o telegrama do Bureau no Rio.23
res, que provayelmente não sabiam de seu jogo duplo. Qualificar as greves Às quatro da tarde, chegaram decifradas outras sete linhas, ainda mais
então existentes como enorme progresso do movimento de massa foi um impressionantes. Elas eram o começo do texto: "Secretariado do Bureau
grosseiro erro de interpretação. Mas dizer que haviâ grande movimentação Sul-Americano. Orientação pela insureição para a metade de dezembro
com perspectivas muito faYoráveis em escala nacional pelos motivos seguin-
de guerrilheiros no Nordeste não passaYa.de uma informação falsa, que
tes: l) base limitada do poder central não pode realizar concentrações rea-
o Bureau transmitiu a Moscou antes mesmo da reunião do Comitê Central
cionárias nem contar com Exército; 2) contornos de lutas contm grupos
com os delegados do Nordeste.
adversários em muitos Estados (segue)", Era como se Ewert e Prestes ti
Permanece em tudo isto um mistério, que não mais poderá ser resol-
vessem retirado essas tinhas da cartilha sobre a revolução em países semi-
vido: Ewert acreditava em si mesmo, em Prestes ou em Mimnda? Quem
coloniais. 0 modelo já havia sido descrito em textos teódcos: com um go-
foi o responsável por análises e informações tão estapafúrdias? Note-se que
verno central fraco, incapaz de controlâr o Exército e dividido entre
elas incluíam não só aspectos relacionados à forÇa e âtividade do partido,
interesses contraditórios das diversas facções da burguesia dominante, os
como o moyimento sindical. Esses fantasiosos telegramas a Moscou §em-
distúrbios em regiões afastadas do centro podiam se transformar em focos
pre enfatizavam o tmbalho nas Forças Armadas, a seara de Prestes. Este
revolucionários. No Brasil, a situação apresentava uma vantagem, no delí-
era o argumento decisivo, na opinião dos próprios chefes da conspiração
rio de Ewert e Prestes: um dos principais focos era a própda capital, e o
no Rio, para deslanchar o levante: o enorme apoio conquistado no Exérci-
Exército marcharia com os insurretos, ou melhor, era o grande rebelde'
to. Se alguém despistou Moscou, e fez com que os didgentes do Komintern O terceiro pedaço do telegrama foi decifrado às seis da tarde. Em en-
acreditassem numa vitóda iminente, não foi Miranda (conforme insiste a
tusiasmador: "3) vontade revolucionália das massas pelo governo popu-
versão oficial) na célebre reunião dos partidos comunistas latino-america- lar, influência decisiva de Prestes e ANL, grande autoridade do partido,
nos, ocorida um ano antes em Moscou. Foi Prestes, no delírio incompreen- massa dos soldados e suboficiais e grande parte dos oficiais ao lado de Pres-
sível de outubro e novembro de 1935. tes e do governo pôpular. Crescimento vigoroso do movimento de massas,
A importância at buída por Prestes e Ewert a essa mensagem pode greves econômicas em todo o país,... greve geral política... (em concordân-
ser avaliada pelo fato de que, para garantiÍ que o conteúdo chega§se a Mos- cia agora?) (manter?)". À mão, o decifrador acrescentou que a última fÍa-
cou, eles a repetiram com algumas frases cortadas, outras ligeiramente mo- se estava ilegível, evidentemente um problema de codificação ou transmis-
dificadas, Nessa repetição pode-se ler outra frase-chave: "Embora não erdsta são truncada. Um atento funcionário ânotou na margem que e§se texto havia
ainda grande onda de greves camponesas e tÉbalhadoras decidimos pas- sido entregue também a Dimitrov.
sar à insurreiçâo com nossas forças militarcs em dezembro/janeiro". Ma- Tlabalhou-se até tarde aquela noite em Moscou, na sede do Komin-
nuilski, Dimitrov e Van Min rubricaram à margem o recebimento também tern. Mas valeu a pena ler o que os enviados âo Rio tinham a contar no
dessa mensagem, em 22 de novembro de 1935, meio-dia em Moscou.22 Foi quarto pedaço do telegrama, entregue a Togliatti e Dimitrov às nove horas
uma tarde histórica na sede do Komintern. Em média, a cada duas horas da noite: "Somos a força decisiva no Exército. Até agora 21 deputados da
desabavam nas mesas de Togliatti, Van Min e Manuilski mensagens tecém- maioria e minoria constituíram bloco parlamentar democrático e antiim-
chegadas do Brasil. Todas haviam sido despachadas via Amsterdam, em perialista. Grande congresso de sindicato§ com decisões sobre reivindica-
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.DÉCIDAM VOCÊS Mll sNl ()s'
.CAMA
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claCopa do Mundo de 1970, ainda em preto-e-brcnco, e acostumou-se co-
mo a coisa mais natuml do mundo a ligar seu computador numa tomada
telefônica e conectar-se em segundos a bancos de dados em Nova York ou
Tóquio. Da mesma maneita, para os radiotelegrafistas de 1935 era um so-
nho tão distante como chegar à Lua a existência de telefones portáteis com
acesso a satélites, que hoje tornam qualquer pessoa independente até mes-
mo das redes telefônicas locais. Na década de 30, transistores, microele-
33 HORAS trônica ou cips não existiam nem sequer no Yocabulário de escritores de
ficçâo científica.
Dado o caráter conspimtivo da atividade dos agentes do oMS, eles nào
podiam levar em sua bagagem o equipamento de rádio para desempenho
de suas funções, e a mzão disso não era a curiosidade de funcionários da
alfândega. Os aparelhos de rádio eram então gmndes, pesados e volumo-
sos. Os agentes secretos da década de 30, não importa pam quem traba-
Quem se dedicava nâ década de 30 à segunda mais velha profissâo do lhavam, tinham de ser engenhoso§ o suficiente para encontmr no lugar de
mundo dispunha de precários recursos técnicos. para espiões e conspira_ ação os componentes e equipamentos necessários para montar seus pÍó-
dores de nada vale uma boa informação que não pode ser transmitida _ prios aparelhos de rádio. O "semicolonial" Brasil, neste aspecto, não es-
ou recebida. No caso da rede de apoio montada pelo oMS no Brasil em tava tão atrasado quanto a Manchúria, onde os agentes do IV Departamen-
1935, as dificuldades de comunicação emperravam também o sistema de to do Exército Vermelho ou do Komintern tiveram de contrabandear em
transmissão de ordens e diretrizes, nas quais os dirigentes em Moscou tan_ várias viagens os componentes pesados de um equipamento de tran§missâo-
to insistiam, Uma estrutura montada pam operações militares deveria pos_ O rádio tnsmissor-receptor típico da época era conhecido pela expres-
suir meios independentes de contato com o quartel-general da revolução são técnica "transmissor Hartley". Ele foi usado na Alemanha, na Grã-Bre-
mundial, mas o oMS não conseguiu resolyer satisfatoriamente esse aspec_ tanha, na China e pelo famoso espião Richard Sorge, em Tóquio' Empre-
to em nenhuma das grandes operações que promoveu. Boa parte de seu gava um sistemâ de três pontos nos quais um dos elementos mais pesados
fracasso pode ser atribuída a esse fato. Em que condições transcorria o era um retificador, com transformador' que sempre causava problemas a
tmbalho "técnico" de ,.Stock,,, a sucursal do ous no Rio? Com quais re_ seus operadores. Outro problema em disfarçar as grandes e caras válvulas'
cursos Apenas as enormes bobinas, que os alunos da escola de rádio do oMS cos-
- comunicações e finanças - podiam contar prestes e Ewert quando
se decidiram pela insureiçâo? tumavam construir enrolando grossos fios de cobre ao redor de garrafas
de ceryeja, ocupavam tanto espaço quanto um transmissor inteiro de rádio
dez anos depois, ao final da Segunda Guerra Mundial. A antena, muito
Desde o final dos anos 20, o oMs mantinha em Moscou uma escola grande e que precisava §er bem ajustada pam as faixas de onda, era outro
de rádio e comunicações. Era uma instituiçâo ainda mais secreta do que aspecto de difícil soluçâo. Tàis aparelhos de rádio eram' no fundo, produ-
o centro de treinamento de quadros dirigentes, conhecido como Escola Ir_ tos artesanais que dependiam extraordinariamente da habilidade e empe-
nin. Seus estudantes assinavam um compromisso obrigando-se a jamais nho de cada indivíduo, além da sorte de enconhar equipamentos adequados'
revelar a existência da escola. O curso durava cerca de dois anos, e concen- Para a operação brasileira, o Komintern designou um jovem america-
trava-se em dois aspectos técnicos: o domínio do código Morse e, sobretu_ no que já estivem uma vez na America do Sul, em 1929, no Uruguai' Nas-
do, das técnicas de construção de aparelhos transmissores-receptores de cido em 1909 em Portland, Victor Allen Baron, pseudônimo "James Mar-
rádio. tin", tinha sido membro da Juventude Comunista americana' Jamais se
O leitor contemporâneo pode ter dificuldades para imaginar o que em destacou como político ou intelectual, mas era muito dedicado e discipli-
a técnica de comunicações naquela época, Boa parte das pessoas já se es- nado, e por isso o encarregavam de funções técnicas nas quais eram essen-
queceu (ou nasceu depois) do ,,milagre" que foi a transmissâo pôr
satélite ciais pessoâs de absoluta confiança. Entre l93l e 1933, Baron visitou a es-
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.CAMÀRADAS'
cola de rádio do oMs em Moscou, para onde levou em 1932 sua mulher, tões concernentes ao trabalho de Raimond (Baron). Exijo enfim resposta
conhecida apenas pelo nome de "Mary", dois anos mais velha e mais anti- se ele está nos captando. Já é hora de ele não apenas nos escutar mas tam-
ga do que ele no pc americano. Em julho de 1934, Baron foi enviado a bém de transmitir, ou ele é incapaz de organizar isso? Da parte do senhor
Nova York, onde reÇeberia instruções para um trabalho "mais sé o", con- também recebemos informações absolutamente insuficientes, o que nâo se
forme ficou registmdo ruma sprovka (informe) do oMS a seu respeito ain- justifica poid pode telegrafar quando quiser."2
da guardado em Moscou. Foi a primeira e última gmnde missão de sua vida. A primeira grande dificuldade de Baron foi sintonizar seu aparelho
Com 26 anos ao desembarcar no Brasil, Baron era alto, muito magro, com Moscou. Normalmente, este deveda operar nas faixas de 20, 35'5 e
e com uma timidez que escondia grande inquietação e nervosismo. Pouca 40 metros. Por motivos técnicos, o rádio montado por Baron só conseguia
gente o conhecia no Rio de Janeiro. Seu chefe imediato eÉ Pavel Stuchevs- operar na faixa intermediária. E essa freqüência, para desespero do ameri-
ki, o responsável pela Stock. Têoricamente, o jovem americano não deve- cano, que podia ouvir Moscou perfeitamente, também era usada por uma
ria manter contatos com mais ninguém além de Pavel. O chefe do oMs no estaçâo de outro "correspondente" do oMS. Um mês depois da bronca de
Rio depressa deu-se conta, porém, de que a convivência com Baron nào Abramov, foi a vez de Baron perder a paciência; ele resolveu ajustar em
ia ser tranqüila. 0 americano sofria de duas doenças gmves, segundo in- inglês, por telegmma cifmdo e enviado atmvés de Amsterdam, as modâli-
formou Stuchevski a Moscou: tuberculose e sífilis, Isto diminuía bastante dades de transmissâo com Moscou. O recurso era dos mai§ ariscados Se
sua capacidade de trabalho, além de deixá-lo muito vulnerável no caso de o texto caísse em mãos inimigas, toda§ as comunicações de rádio entrc Mos-
uma eventual prisão. Mas Baron logo conquistou o respeito de Stuchevski, cou e Rio poderiam ser acompanhadas sem a menor dificuldade. o texto
que aparentemente passou a ter muita confiança no americano. desse telegmma é muito técnico para ser reproduzido aqui (seria inteligível
Pelo menos Stuchevski nunca reclamou das enormes dificuldades que apenas para mdioamadores), mas contém um detalhe precioso. Ao expli-
o radiotelegrafista americano enfrentou para estabelecer um canal de co- car a Moscou suas dificuldades, Baron lembra que seu prefixo de chama-
municaçâo direto com Moscou. Desde julho no Brasil, só no final de agosto da ("7 pd") lhe havia sido concedido, junto com as instruções, em julho
Baron conseguiu completar a montagem do aparelho transmissor-receptor, de 1934 a mesma data em que Ewert deveria ir pam a América do Sul,
-
Jonny de Graaf foi chamado a Moscou e Pavel Stuchevski começou a
instalado em Copacabana
- o segundo motivo da mudânça do casal Stu-
chevski para este bairo foi justamente para poder ficar mais perto da es- preparuÍ-se pam obter o visto brasileiro e também a data de admissào
-
taçâo de rádio. Nessa altura, mencionando sobretudo imperativos políti- de Prestes no EKKI, o Comitê Executivo da Internacional. Esta é outÉ clara
cos, o chefe do ous em Moscou, Abrcmov, já vinha cobrando com irritante evidência da antecedência e amplitude dos preparativos, em Moscou, da
insistência o estabelecimento de um elo direto com o Rio. Em meados de operação brasileira.3
setembro, quando Baron julgou que sua estação funcionava, Abramov co- A segunda dificuldade de Baron era bastante familiar aos enviados
meçou a mandar de Moscou, às 00h30 cur e as 03h10 oMT (respectiyamen- do Komintem: o código não funcionavâ bem. Para saber que era a Maison
te 3:30 e 6:10 da manhã no Rio) curtos textos cifrados. O pdmeiro teste que o chamava e não alguém que tivesse entmdo por acaso na faixa de trans-
deu certo e Abramov ficou muito satisfeito: mandou felicitar Baron mas missão, antes de iniciar o envio dos telegramas propriamente ditos Baron
pediu "mais velocidade no tmbalho, pois a ligação é muito lenta".l A fal- deveda trocar com Moscou uma séde de sinais de identificação' Para isso
ta de prática do americano era o problema. Os textos cifrados tinham de recebera um livro, em inglês, Man with Íalent. Quando Moscou chamasse
ser transmitidos em grupos de cinco letms cada. Um texto de quinhentos na hora combinada, Baron deveria ouvir os sinais em Morse de "7 pd"'
grupos, algo freqüente, demandava pelo Morse quase uma noite inteira. seguidos de um número, ao qual bastaria adicionar a cifra 40 e âbrir a pá-
O êxito inicial teve curta duração. Baron ouvia as transmissões-teste gina correspondente do liYro. Irndo verticalmente essa página, as três pri-
da Maison, mas não conseguia transmitir. Abramov ficou extremamente meims letms deveriam ser entâo trcnsmitidas por Moscou, e Baron respon-
irritado. "Telegrafe de uma vez dizendo enfim se Baron nos escuta, nào deria com as três letras seguintes. Mas as páginas do livro não coincidiam,
entendo o silêncio dele e o vosso", telegrafou em 21 de setembro. Uma se- ou Baron captava errado o número transmitido por Moscou.
mana depois o chefe do oMS em Moscou refletia também a inquietação dos Essa profusão de detalhes técnicos é necessária para que §e entendâ
dirigentes políticos do Komintern, ou pelo menos explorava esse argumen- como o precário funcionamento da infra-estrutura de comunicações do
to. 'Até agora nenhuma resposta de vossa parte às nossas inumeráveis ques- oMS atrapalhou significativamente o entendimento entre as instâncias "po-
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.13 ÊORAS.
líticas", isto é, Ewerte Prestes, de um lado, e Van Min e Manuilski, do de favor aos historiadores futuros, Metódico, correto e pontual, mandava
outro. Enquanto uma mensagem tmnsmitida pela via N20 (rádio direto entre
a Moscou detalhadas prestações de contas redigidâs em telegramas cifra-
Moscou e Rio) levava menos de dois dias entre a codificaÇão no Rio e a
dos que ficaram guardados no Arquivo Histórico. Esse conjunto de men-
decodificaçâo e entrega na Maison, as informações enviadas pelo telégra-
sagens proporciona hoje um rcro
fo comum, retransmitidas de algum lugar da Europa, só chegavam às me- - talvez inédito - vislumbre do finan-
ciamento e dos gâstos de um levante patrocinado pelo Komintern.
sas dos destinatários em Moscou depois de dez dias ou até mais.
Entre abril e o final de outubro de 1935, Stuchevski comunicou a
Todavia, Moscou nâo levava isso em conta e não relaxava seu controle
Moscou o recebimento de florins holandeses, pesos argentinos e dólares
sobre os enviados, os quais ficavam longos dias aguardando respostas a
americanos, em sua maior parte convertidos em mil-réis por taxas que nào
perguntas urgentes. A intensa e crucial troca de telegramas entre os cons_
correspondiam necessariamente ao câmbio oficial da época.s Quando
piradores no Rio, que se sentiam obrigados a agir, e a central em Moscou
poderia ter sido muito mais ágil e rápida nâo houvesse tanta demora na transfeddo por telégrafo, o ouro de Moscou chegava ao Brasil pelas se-
guintes rotas: em nome de Celestino Paraventi, Café PaÉyenti, rua Barào
comunicação. No caso do Bureau no Rio, as ligações de rádio com Mos-
de Itapetininga, em São Paulo, e de Juan Valuar, calle Costa Rica, 4478,
cou foram estabelecidas de maneira permanente Baron conseguiu mo-
dificar seu transmissor para fazêJo operar também - nas duas outras faixas
Buenos Aires,6 ou então através de portadores individuais. Os telegrâmas
de onda (a de 20 metros acabou revelando-sé a melhor) de Stuchevski que chegaram em Moscou e foram arquivados registmram
na ma-
drugada de 18 para 19 de novembro, às vésperas da reuniâo - apenas
ampliada do
as seguintes remessas:
Comitê Central do pcB, quando as principais decisões para o levante, mar_ O OURO DE MOSCOU
cado para meados de dezembro, já estavam tomadas. Remessas recebidas por Stuchevski no Rio
Abmmov ficou tâo contente que mandou a Stucheyski um telegmma, US'
em francês, pedindo para transmiti a Baron ,,um gmnde obrigado bol_
chevista pelo início das comunicaçôes mútuas,,. Abramov, dizia o telegra- abril portador(Prestes) 2 000,00
ma, nâo tinha dúvidas de que a partir de então todas as dificuldades esta-
julho portador(Baron) 500,00
3/1 Buenos Aires 2 131,00
riam superadas. "Envie saudações revolucionárias", encerrou.4 Na noite
29/7 Buenos Aires 3 373,00
desse dia houve uma festa no apartamento de Baron, para poucas pessoas,
26/8 Buenos Aires 1 668,00
em homenagem ao americano. Locatelli apareceu por lá, e Stuchevski fi- 28/8 Buenos Aires 3 341,00
cou muito surpreso de saber que o italiano também conhecia esse endereço. set. Buenos Aires 12 356,00
25 /9 Sâo Paulo 722,00
3/10 São Paulo I 250,00
Quanto às finanças, o outro item fundamental além das comunica_ 27 141,00
ções, a conspiração ia bem, obrigado. pelo menos parecia muito melhor
do que sugeria o tom desesperado com que Ewert e prestes clamavam por Essa tabela foi compilada a partir das prestações de contas de Stu-
mais dinheiro. Nos dois meses que precederam o levante, quase todos os chevski e dos telegramas nos quais confirmava o recebimento de alguma
telegramas que enviaram a Moscou terminavam com esse pedido. Na ver- soma, e não inclui novembro, quando acusou, no dia 18, a chegada de mais
dade, em matéria de verbas, os dois se comportavam como experientes bu_ 1250 dólares, também pela conexão Paris-São Paulo. No caso das remes-
rocmtas, solicitando o dobro porque só receberiam mesmo a metade. Nes_ sas enviadas a Buenos Aires, nâo estão especificados eventuais portado-
se sentido, tinham muita sorte em poder contar com pavel Stucheyski como res. Em relação às de São Paulo, contudo, pelo menos uma delas, a de 3
chefe de finanças. Esse agente sovietico conseguiu o milagre, no período de outubro, pôde ser acompanhada até à ordem que Moscou mandou para
de abril a setembro de 1935, de arrecadar o dobro do que havia gastado. Paris, exatamente um mês antes, repetindo com todo cuidado à sucursal
Pelo menos às vésperas da insurreição, seu caixa
- umade prosaica
fundo falso, escondida no armário de um dos quartos
mala de
seu aparelho em
do olts na França o endereço do Café Paraventi. Eram 20 mil francos fran-
ceses, na época cerca de 1300 dólares.7 Pelo menos no começo da década
Copacabana estava trcnsbordando. Stuchevski prestou ainda um gran_ de 30, Moscou em geral também dava instruções sobre o modo como as
-
208 209
.31iloRAs.
.CAMA
Uma possível explicação para isto pode ser o fato de que Stuchevski
verbas deveriam ser distdbuídas. No caso do levante no Brasil, isto apa-
lrvcsse acusado por telegrama apenas o recebimento de dinheiro remetido
rcntemente não ocorreu, embora em alguns telegramas Stuchevski fizesse
tn)r Moscou, sem relacionar as contribuições locais, Por outro lado, há men-
menção a instruções desse tipo. Um deles mostra que Prestes não ficou nem
paguei çacs em seus telegramas sobre a chegada iminente de portadores (como "Ro-
um pouco.atisfeito: "Até agora. de acordo com vossas insrruções' l)rnla", talvez Roberto Morena, vindo de Nova York), dos quais depois nào
5000 florins (cerca de 3200 dólar€§) e 5000 francos (uns 350 dólares) ao
Pres- sc Íàla mais, embora estivessem trazendo quantias enormes, como 5 mil
Bureau", telegrafou Stuchevski em 29 de setembro. "Isto é insuficiente,
rlólares. Martins laz referências a um simpatizante que chegou ao Rio pa
tes pergunta o que vai fazer."8 Pouco antes de a insurreição começar, Stu- rit retimr de um banco e entreg à conspiração a quantia de 1200 contos
chevski havia mandado a Mo§cou duas detalhadas prestações de contas' (ccrca de 66 mil dólares), uma fortuna na época. As caixas do PCB e do
Esta é a soma delas, feita a partir de vários telegmmas do Rio para Moscou: Komintern, porém, era:n administradas de maneira totalmente separada,
AS DESPESAS DA CONSPIRAÇÃO c jamais Martins ou Miranda, em mais de duzentas páginas de relatórios
Castos iustificados ao Komintern de abril a setembro de 1935 (lalilografados, fizeram menÇão a qualquer entrega de dinheiro pam os ho
US8 nlcns do Komintern no Rio. Nem se conseguiu ficar sabendo se essa fabLl-
losa quantia chegou mesmo às mãos de Stuchevski.
Viagens 337,00 2,3
t11 ,00 t,2 O prefeito do Rio, Pedro Ernesto, teria contribuído com dinheiro pa-
Rádio
115,00 0,8 ra a insurreiçâo, Depois da sua derrota, segundo Martins, Pedro Ernesto
Diversos
Argentina 2 090,00 t4,6 rinda depositou quarenta contos (2200 dólares) em favor da conspiraÇâo.
(inclui telegramas ts possivel que a organização de Prestes tambem tivesse recebido dinheiro,
e passagens) nras não há nenhum registro disto. De qualquer maneira, a julgar pelas
Aluguéis 195,00 1,3 prestaÇões de contas de Stuchevski, dinheiro estava sobrando, e não fal-
Têlegramas 210,00 1,8 tando. Com os 50 mil dólares em que Ewert e Prestes tanto insistiram, no
"Elixir" 788,00 5,5 inicio de novembro os conspiradores teriam quase 80 mil dólares à disposi-
Bureau s 000,00 34,9
çâo por irônica coincidência, valor próximo ao que Getúlio fornecera
sÀLÁRtos
-
a Prestes mais de cinco anos antes, quando o queria à frente da revoluçào
Stuchevski 1350,00 9,4 de 30.
Marga 1009,00 7,0 0 segundo ponto de destaque no financiamento da conspiração é a
Baron 525,00 3,6
sua estrutura de custos. Quase 40q0 de todas as despesas eram salários,
"Carmen" 450,00 3,1
dos quais os de Prestes e Stuchevski, somados, representavam mais da me-
Funcionários Rio 266,00 1,8
tade. Cerca de 12qo das remessas de Moscou até setembro foram usadas
Prestes 1714,00 11,9
apenas com a remunemÇâo do líder da insurreição, que, por ser chefe (a
(Subtotal s^LÁRros) 5 314,00 31 ,9
Maison prestava muita atençào nessas coisas), tinha o màior salário do gru-
t4 286,00 po (apenas seu salário consumia um terÇo de todos os gastos com pessoal).
Parece desproporcionada também a remuneração de Marga, a secretária
Comparando as duas tabelas, isto é' receita e despesa, a primeira cor-
técnica do Bureau Sul-Americano que dividia o apartamento com uma pros
sa que salta à vista é a diferença: 13 mil dólares (arredondando) de sobra
tituta. É possível que Stuchevski tenha incluido neste item todos os salá-
parà os conspiradores. Mas há um grande mistério nas contas de Stuchevs-
rios do pessoal do seu aparato, sobretudo os dois correios argentinos.
ii. Ao anunciar a Moscou seu saldo de 30 de setembro (a datalimite que Considerando-se que as somas relativas a salários nas tabelas de gastos co-
respeitei para confecção das tabelas, dada a abundância do material),
Stu-
30 902 dótares, em várias moe- brem um período de quase seis meses, a remuneração do técnico Baron
chevski apontou a existência em caixa de
e de "Carmen" (correio argentino responsável pelo aparato ilegal do par-
das (sobràtudo pesos e florins).e Descontadas as despesas do total recebi-
tido em Buenos Aires e subordinado a Stuchevski) parecem "normais".
do e considerado o sâldo final, hâvia portanto 17 mil dólares cuja entrada
No item Brlear, estão Ewert, Ghioldi e as contribuiçoes possivelmente feitas
em caixa não havia sido comunicada a Moscou.
211
210
.CAMARADAS' .13 HORAS.
(se bem que não há men- c os métodos da conspiração. Só naquele dia, uma sexta-feira, chegaram
ao pcB, uma prática comum nos ânos anteriores
para 1935) Díspar é a proporção aos gabinetes dos líderes do Komintern os trechos decifrados do último lon-
ções a isto nás relatórios de Stuchevski go telegrama que Ewert mandara do Rio onze dias antes, satisfazendo a
onde viessem' e â dos
entre a remuneração dos enviados, não importa de
típico de um didgente do sede de informaçâo de seus chefes. Eles continham a justificativa da insur-
fúncionários no Rio. Segundo Martins, o salário
reiçâô, a datá preyista e a avaliação extremamente otimista sobre as pers-
pcB, a partir de 1933, não passava de cerca de 60 dólares por mês' Os re-
e' pelo jei- pectivas de vitória. E também apenas naquele dia, a cerca de um mês após
volucionários locais constituíam mão-de-obra bem mais barata
questão da equiparação sa- Prestes e Ewert terem marcado a data da revolução, o Comitê Centml do
to, naquela época não se preocupavam com
-o a
pcs foi chamado a referendar, numa sessão ampliada, a decisâo tomada
luil"l. provável é que não tivessem a menor idéia de quanto
-"i, por pouquíssimas pessoas (mas como podia ser diferente numa conspira-
ganhavam os colegas vindos de fora'
" Note-se tambern o alto custo relativo das comunicações'
entre as quais çâo?). Unidas nessâ estranha corrente intemacional através do mundo, Mos-
exato não foi possível desco- cou e Jacarepaguá chegaram a idênticas conclusões absurdas.
se encaixa o item "elixir", cujo significado
que opemvam em outras partes Desde a quinta-feira, 21 de novembro, os 28 participantes dessa reu-
brir. Em relatórios de agentes soviéticos,
de elixir"' no qual prova- nião do cc do pcB começaram a acomodar-se num aparelho alugado por
do mundo, há menções lacônicas ao "trabalho
Por fim' para Eduardo Ribeiro Xavier (pseudônimo: Augusto Pereira), um português de
velmente se incluía a codificação e tmnsmissão de telegmmas'
mencionar mais um elu- 36 anos associado sobretudo a marinheiros e estivadores, e mais conheci-
encermr o aspecto financeiro da insurreição, cabe
raros documentos sobrc custos do pelo apelido de Abóbora. Eles chegavam em grupos de quatro ou cinco
cidativo dadà de comparação. Num desses
arquivos do Exército pessoas, pam não chamar a atenção, e deixaram o local só depois de teÍ-
à. arpionug"a, qr. uieram a lu, com a abertura dos
V.rrnetfro à-rn 1991, há um relatório assinado em 1935 pelo coronel Uritski' minada a sessâo, no domingo, dia 24. Mais de cinqüenta anos depois, Abó-
militar' Ele está anexado bora afirmou que já naqueles dias de novembro de 1935 tentaÉ argumen-
vice-chefe do IV Departamento, o serviço secreto
da Defesa soviético' ma- tar ponderando que as massas populares nâo iriam aderir, considerando
a um bilhete a Stalin, redigido pelo então ministro
todos os gastos do Exército Vermelho com "uma aventura" tudo aquilo que estava sendo decidido pelo cc do pcB.
rechal Voroshilov, detalhando
naquele ano: 1,5 milhão de dólares (pam Vários outros militantes do partido também mostravam-se distanciados,
suas redes secretas no estmngeiro
milhões de dólares) 10 Somando-se as despesas alegando que o levante era "problema dos militares".1l
1936, Uritski solicitava 2
Embora essas declamções possam facilmente ser confundidas com ar-
e o ainn"i.o dos conspiradores no Rio até setembro de 1935' chega-
"m "ai-
,a r r- ,o,ut de quase 60 mil dólares Os líderes do Komintern
autoriTa- rependimento tardio, relatos por escrito deixados em Moscou pouco tem-
outros 25 mil dólares (dos- quais po depois dos eventos de 1935 também reforçam a tese de que o segundo
,urn, puru o d"r.nluce final da operaçâo,
Moscou tinha em escalão do pcB tinha menos confiança do que o primeiro no desenlace de
nunca se soube se chegaram mesmo ao Rio) Portanto
mil dólares dedicados à operação brasileira' uma aventura militar, comportando-se com certa apatia. Escrevendo no co-
sua contatilidade cerca de 80
que o Exército Vermelho gastou naquele ano com meço de 1938, Martins afirmou que "toda a linha adotada por unanimi-
cerca de 590 de tudo o
em relação à Alemanha' Grã-Bre- dade pelo cc com a participação dos camaradas Ewsrt e Ghioldi estava
espionagem no exte or, especialmente
óbviosr concentra- em realidade baseada na posição (que eu vejo hoje como antimarxista) que
tanha e Estados Unidos, países nos quais, por motivos
Há de se convir que, para um distante país semicolo- admitia a possibilidade de começar a luta dentro dos quartéis para arms-
uu-r" ,uu ut"nçao.
tar em seguida as massas trabalhadoras da cidade e do campo".l2
nial, não eram Poucos recursos.
Com isto Martins pôs o dedo exatameflte na ferida, No Rio desde o
começo de novembro, o "instrutor" italiano Amleto Locatelli, por seu la-
do, lembrava-se perfeitamente de que Ewert havia redigido, em meados do
Por uma dessas fascinantes e extmordinárias ironias da história'
no
da revolução mundial' mês, as resoluções que apresentaria ao pcB nessa reunião no aparelho de
dia 22 de novembro de 1935 os principais dirigentes
num edifício vizinho do Kremlin, em Moscou, e a direção do PCB' numa AbóboÍa. Para Miranda
- e para o resto do partido -, qualquer coisa
vinda das altas nuvens do Bureau, com toda a autoridade de Moscou por
exatamente
casa afastada em Jacarepaguá, no Rio, estavam examinando
mesmo assunto, sem que um soubesse o que o outro fa- trás, acabava cedo (de preferência) ou tarde sendo acatado sem maiores
na mesma hora o
discussões. O Comitê Central referendou decisões baseadas em três pre-
*u. Cuuruaor", dessa rara coincidência foram as precárias comunicações
212 213
.CAMA .33 HOR^S.
214 215
.31IIORr\S.
.CAMA
,los principais didgentes no Recife, também pudesscm scr incluídos ncssa
final
se preocupanm em avisar os dois pdncipais dirigentes do PCB' No (ltcgoria).
Olga foram até o aparelho
àaiarae ie saUaao, Lena, a mulher de Jonny, e
Prestes afirma ter sido avisado, por telegrama, do que cstava aconlc
da furiosa
J" Àuouoru, em Jacarepaguá, dizer que Prestes nâo iria' Diante ccndo no Nordeste apenas na noite de domingo, clia 24. E possivel qrrc 1i
afirmando então que acom-
reação de Miranda, Olga voltou para Ipanema vcsse recebido até mesmo algumas horas mais cedo informaÇões do quc
do Nordeste' afinal mar-
punhuri, e..rt., u.ssa reunião com os delegados ocorria desde a véspera, mas tenha acreditado tratar-se de uma provoca
'cada com
para a manhã do domingo, dia 24 Prestes acabou avistando-se çào do governo. Essa hipótese também preocupava seriamente os conspi-
Maranhão e mais três d€ Sào
dirigentes do Rio Grande do Norte, Ceará, |adores e seria a tese favorita, durante décadas, para explicar os levante§
(setor militar) Antonia' a companheira de
Paulo: Peano, Castro e Tüpy iniciados sem ordem expressa da centrâ1, no Rio. Em seu detalhado relató-
gUu, estavam presentes Tirdo o que Pres-
Vurtinr, . u ae Miranda, também rio de 82 páginas, Locatelli reproduz a opinião de Ewert, convencido de
que tive-
i.r r."o.ao, -uir,arde dessa reunião foi a "péssima impressão" clue o adversário, Vargas, estava informado e levam o Nordeste prematura
ra dos camaradas nordestinos.15 mente à ação a fim de roubar de Prcstes qualquer iniciativa. Jonny de GraaI
para o Nordes-
Locatelli também ficou de fora dessa reunião Sua ida também era da mesma opiniâo, afirmando mais tarde em Moscou que o
já no dia 19 de novembro, antes' do Pleno do Comitê
te havia sido decidida Nordeste caíra numa armadilha.
nem mesmo a Ghioldi (só Pres-
ã*trul. S"- co-unicar nada â ninguém, Escrevendo da cadeia, poucos anos depois, Miranda refutou categori-
a Locatelli trinta con-
tes sabia), Ewert pediu a Stuchevski que entregasse cament€ a hipótese da "provocação" nos levantes do Nordeste. As evidên
pam que este os distribuísse entre os camaradas
tos (cerca de 1800 dó14rc, cias históricas demonstrariam, muito mais tarde, que ele tinha razâo: pelo
norà"rtinor, quando chegasse 1á. Tàmpouco Martins ou Miranda tinham
menos o levante em Natal foi "espontâneo", até para o partido local. Do
tanto dinheiro' "Só ficaram saben-
conhecimento de que ele transportava instante em que tomou conhecimento dos acontecimentos no Nordeste até
já estava com o dinheiro, pois eu estava presente quan-
do disso quando eu a hora em que decidiu levantar suas forças no Rio contra Vargas, Prestes
novembro'
ào irso tál comunicado a eles", disse Amleto' De 13 a 25 de deixou passar cerca de 24 horas. Esse espaço de tempo, ele justificaria mais
preparado para o traha-
no nio, ourru.u o ,.mpo lendo bastante para estar tarde, tinha sido perdido à procura de Mimnda, sem o qual Prestes nâo
it o quá por"o, aius depois realizaria no Nordeste' contou' mais tarde' em queria tomar nenhuma decisão. Não há nos documentos disponiveis qual
Uor"ou. No domingo, quando acabâm de comprar a passagem de aviào
quer menção a dificuldades para se encontrar no Rio o secretário-geral do
puiu t".if", Locateú foi avisado por Ewert de que a insurreição no Nor-
ece, e os relatos de diversos participantes, arquivados em Môscou, são ex-
destejá havia começado. traordinaiamente minuciosos em detalhes desse tipo, pois todos sabianr
do
A notícia apanhou a todos de surpresa o levante no Rio Grande que dali seriam averiguadas responsabilidades. O mais provável é que Ewert
Norte eclodira no próprio dia 23, quando os delegados do PCts
começa-
e Prestes estivessem esperando mais detalhes talvez uma confirmaçâo
a insurreiçào
vam a deixar o aparelho em Jacarepaguá Em Pernambuco' Nordeste. E ela veio, na segunda-
- do de fato ocorria no
independente que
nu .uaiugada do domingo, 24' "Nós contávâmos com o efeito
ieira, dia 25 de novembro, por uma tradicional fonte de informação dos
"orn"çou
da circular enérgica onde dávamos ordem de ninguém lançar uma insur-
a
conspiradores: os jornais.
com a pre-
reição sem diretrizes do Comitê Central, mas não contávamos Martins conta como foi o dia em que os jornais vespertinos (no Bra-
tem-
paraçâo ideológica e orgânica da insurreiçâo que fazíamos há bastante sil, naquela época, às segundas-feiras não havia matutinos) sairam com edi-
po", escreveu Martins. Ções extraordinárias já pela manhã. O secretário de organizaÇão do
parti.
nordestinos'
Renuncio aqui a relatar como se deram esses levantes do, o homem que teoricamente enfeixava em suas mãos também o controle
foi lograda há mais de vinte anos e vem sendo atuali-
cuja reconstituiç;o das comunicaÇões com o resto do país, ficou sabendo do que acontecia
Embora
,uâu notável profusão de detalhes na literatura brasileira'16 ao ver os jornais nas bancas. Mas fez a leitura certa: "Fui tomado pela
"o.
purti.ipaçao . intervenção direta de comunistas, esses Ievantes deveram-
surpresa e a impressão que, se não havia exagero por parte dos jornais,
"om
," roLr"t.,do á circunstâncias locais. Foram a causa principal das decisões isto era um enorme prejuízo para o plano aprovado pelo Comitê Central",
de Prestes € Ewert que levariam ao levante de 27 de
novembro de 1935 no
escreveu. "Essas constataÇões tiveram sobre mim o efeito de uma bomba
participaÇão
Rio, este sim, executado diretamente sob as ordens e com a e foi com pessimismo que eu vi a situaÇão." Ele ioi imediatamente para
Machado' dois
de enviadosdo Komintern (embora Silo Meirelles e Caetano
211
216
.CAMA
meiro a falar foi Ewert, perguntando aos demais o que pensavam da situa- nado
- e disselhe: "Em Sâo Paulo veja o que é possível fazer". Em Mos-
cou, I-ocatelli insistiu em reproduzir textualmente as palavras do alemâo:
ção. A seguir, de acordo com L,ocatelli, todos fizeram intervenções bastan-
te curtas. Diante dos acontecimentos no Nordeste e da quase certeza de "Se as notícias do levante do Rio forem boas, entâo vocês começam o le-
que o governo aproveitaria o clima de tensão para destruir a organizaçâo vante. Se forem más, não precisam começar nada". Ircatelli entendeu per-
montada também no Rio, Ircatelli lembmva-se de que "todos achavam feitamente que nada havia de otimista nessas instruções. E viu seus pres-
que tinham de agir". O mais enérgico era Miranda (a quem Prestes atri- sentimentos cabalmente confirmados numa conversa que teye com Ewert
e Jonny no aparelho desse último, poucos dias depois de regressar de Sâo
buiu depois o papet de principal vacilante nessa r€união): "Prestes, após
218 219
.33 HORAS.
.CAMA
pelo levante' con- cla tarde do dia seguinte, terç4, principalmente entrc os militares. A im-
Paulo. Ewert, o único que ficou sozinho após a decisão
prensa clandestina do partido voltara a funcionar fazia poucos dias, Mar-
tou qual fora sua rcação ao sair da fatídica reunião:
tins corrigiu as primeiras provas e dormiu, exausto, no chão da oficina.
tomâda Per-
Não consegui dormir. Fiquei pensando na decisão que havia sido l altavam 24 horas para começar a insurreição.
conseqüências da derrota do le-
cebi todo á seu alcance. Considerei todas as
Miranda íomou o carro de Prestes g conduzido pela alemãzinha l,e-
que era o único que poderia tê-las evitado'
vante, sem nunca esquecer na, foi ao aparelho do marido dela, Jonny, em Copacabana, avisáJo que
com ida leválo no dia seguinte, terça-feira, às seis da manhã, à reunião na qual
Os outros mal tiveÍam tempo pam pensar' Miranda encontrou-se
de trabalho do Secretariado Nacio- o setor civil receberia instruções e tarefas para o assalto, Naquela noite,
Martins e o Politburo num aparelho
Es- kna foi outra vez a única pessoa em toda a conspiração que circulou entre
nal, a cargo de um militante conhecido como "santa" ou "Santinha"
tavam presentes Tàmpinha, Morales, Medina, Bonfim metalúrgico e Aço' aparatos dos mais diyersos níveis. kvou oficiais a Prestes e os conduziu
além de dois oficiais ligados a Prestes: os tenente§ Paulo
Cardon e Soveral de volta a seus quartéis; tmnsportou o próprio chefe da insurreição para
mais fortes do partido' Os dois fa- a casa de Ewert e de volta; dirigiu funcionários do rcn para diversas par-
Ferreira de Sousa, os quadros militares
levante§ no Nordeste e dizer que tes no Rio. Lrna nem era filiada a nenhum partido comunista, mas ficara
laram logo após Miranda confirmar os
não conúcia as causas nem era hora de criticar a atitude dos companhei- muito amiga de Olga. E Prestes, disseram em uníssono Stuchevski e I-oca-
ros de lá. "lbmos uma situação diante de nós e precisamos
agir para ajudá- telli, queria dar uma recomendação para que a mulher de Jonny entrasse
los", disse Miranda. em algum pc.
a der-
Nos documentos produzidos pela direção do partido logo após
rota
- e nos quais evidentemente IIâo se citavam nomes ou locais
- fo-
reuniâo'
ram omitidos alguns dos pronunciamentos mais importantes dessa A casa do camarada José Desidério da Silva, um estivador, ficava na
na qual Miranda transmitiu ao segundo escalão do
partido a resolução apro- ladeira do Barroso, no morro do Pinto, bem em cima do túnel João Ricar-
vad; instantes antes por Prestes, Ewert e Ghioldi' Seus argumentos foram do. Ao amanhecer de terça-feira, dia 26, kna deixou Jonny e Miranda ali
São Paulo
todos de natureza militar. Disse que a situaçâo militar no Rio e peIto e Iá em cima eles se encontraram com Martins, Desidério, Tampi-
muito as forças rebeldes no Exér- nha, Aço, Bonfim metalúrgico, Medina, Eurico de Assis Brasil (que deve-
era boa, "a preparação havia avançado e
perdido o fator surpresa' pode- ria levar de aviâo a ordem de insurreiçâo para o Rio Crande do Sul), Raul
cito eram fortes a ponto de, mesmo tendo
pe§pectivas de vitória"' recordou Mar- Ryff, da Policia Municipal, e os camaradas Magno e Antonia (a compa-
rem assumir a iniciativa com grande§
permanece§sem passlvos nheira de Martins), além de Francisco Romero, do setor de fabricação de
tins. Além do mais, prosseguiu Miranda, se todos
no Nordeste
no Rio, o inimigo poderia dizer que os companheiros em luta bombas, e um camarada da brigâda da Light. Miranda não perdeu a chan-
haviam sido abandonados, lançando por tera meses de tlabâlho' ce de fazer um breve discurso sobre as resoluções tomadas na véspera pela
Carion e Soveral, os dois que tinham obrigação de estar informados direção do partido e passou a distribuir as tarefas do setor civil, conforme
a respeito da situação no setor militar, repetimm a mesma
arcnga otimista' combinado êom Prestes. Elas compreendiam, segundo o relato de Martins:
os anteriores' e elogiou
Mariins, o oÉdor seguinte, apoiou inteiramente Garantir a paralisação do tráfego na Central do Brasil e na§ lerrovias dos su-
(integrado por Prestes'
a existência de um Comitê Militar Revolucionário
búrbios (Auxiliar e Rio do oüro); fazeÍ de tudo para deflagrar as greves da
maio' Os que falaram a seguir nada
Mircnda e Carrion), criado ainda em Light, dos navegadores, dos têxteis; explodir um ponto da estBda Rio-
iniciar a insurreição na madruga-
tinham a dizer, nem a opor à decisâo de Petrópolis e impedir a fuga de elementos do governo para Petrópolis (b gada
d.a do dia 2'1 . do camarada da Light); brigada dos estivadores, hostilizar o Batalhão Naval
que não deve-
Ficava o Comitê Militar respon§ável de marcar a hora' e impedir o maior tempo possível sua saída do quartel; brigada da coÍrstruçào
ria ser comunicada aos ativistas no Rio antes da noite do 26' Bonfim e civil, chefe Zacarias, ocupar a Rádio Tupi; outra brigada da construção civil,
Aço saíram correndo para mobiliz as brigadas civis, cujo estado' como ocupar o túnel João Ricardo e impedir as forças do 59 Batalhão de Polícia
Martin§ para um canto e €ntregou- de marchar contra o Quartel-Ceneral do Exército; uma brigada de metalúrgi-
vimos, era lastimável. Miranda levou
outro da direção nacional da cos para tomar de assalto o Arsenal de Guerra e armar o§ trabalhadores têx-
lhe dois originais; um manifesto de Prestes e
naquela noite, e distribuídos a partir teis das fábricas Mavilis e Bonfim; outra brigada de metalúrgicos, chefe Car-
e.r.ll, Tinham de ser impressos ainda
221
220
.cAM^R^D^S. .13 HORAS.
doso, confmternizar com a Polícia Municipal e marchar com esta contrâ a Po- tando como deficiência de preparação o fato de que o Qc sequer havia si
providência ser tomada por
lícia Central; uma brigada da Juventude Comunista para atacar a Casa de De- do montado
- mas catorze horas antes dessa
Miranda, também a insurreiÇão ainda não havia sido definida. A casa na
tenção e libertar os prisioneiros; avisar as outras brigadas para que atacassem
delegacias de polícia e escritórios integrâlistas; uma brigada de moloristas pa- Vila Isabel, bairro indicado por Prestes devido à sua proximidade de im-
ra hostilizar os quartéis da Policia Especial.lT portantes unidades militares, tinha sido alugada anteriormente pelo mili-
Mesmo tropas bem treinadâs, armadas e coordenadas teriam enorme tante Josias Reis, mas faltavam os móveis. Por um mensageiro, Martins
dificuldade em cumprir sequer a metade desse alentado programa de in- mandou a Josias dinheiro para que ele completasse a instalaÇâo da casa
surreição o que dizer entâo de grupelhos de tmbalhadores dos quais a "com móveis bem vistosos, para dar uma boa irnpressão aos vizinhos".
-
maioria provavelmente jamais disparara um tiro na vida? Se Prestes, o co- Pouco antes das onze da manhã, hora H menos dezesseis horas, acabou
mandante político e militar da rebelião, realmente contava com as ações a reunião no alto do morro do Pinto e seus participantes dispersaram-se
do setor civil é uma pergunta difícil de ser respondida. Em várias das en- depois de combinff pontos de encontro para a tarde e noite.
trevistas posteriores que deu, há indícios de que ele confiava apenas no êxito Por outm dessas extraordinárias coincidências históricas, junto à co-
do "seu" setor, o militar. Iina do Kremlin, em Moscou, no Iado oposto do mundo, os nove homens
O segundo a falar, em seguida a Miranda, foi Jonny de Graaf, o vete- do Comitê Executivo da Internacional Comunista (EKKI) reuniam-se na-
rano de distúrbios, levantes e lutas de rua na famosa região do Ruhr, na quele exato instante da terça-feira, 26 de novembro, para aprovar formal-
Alemanha. "Dei todas as ordens relativas à luta de rua, dinamitagem de mente o telegrama no qual davam luz verde e prometiam mais 25 mil dóla-
certos edifícios, pontes etc,, e organizei o municiamento de trabalhadore§ res para a insurreição no Bmsil. Devido à diferença de fuso horário já era
com granadas de mão e bombas", escreveu. Não foi bem assim. fim de tarde, as agências de notícias começavam a divulgar os primeiros
A principal "fábrica" de granadas de mão havia sido instalada numa telegmmas de que algo estava acontecendo no Nordeste brasileiro. Nas pro-
casa atrás da vila Militar, e Jonny achou impraticável produzir seus petar- ximidades do Kremlin, no quartel-general da revolução mundial, ninguém
dos ali e depois tmnsportáJos por uma das maiores guarnições militâres tinha ainda conhecimento que o levante já estava decidido tambem para
do país até o centro da cidade, onde os trabalhadores supostamente idam o Rio.
lutar. "Por isso, eu me Iimitei a deixar tudo preparado para estarmos em
condições de fabricar de cem a duzentas granadas por hora quando rece-
besse outro local para trabalhar", afirmou, Jonny, Martins e Romero dis- Mas Londres já sabia. No exato momento em que os ativistas do setor
cutiram rapidamente como tmnsferir a "fábrica" para o centro, mas Jonny civil desciam o morro do Pinto à cata de gente para fazer o levante e, em
não ficou contente com a solução, e ali mesmo prosseguiu a guerra interna Moscou, os grandes lideres do movimento comunista internacional apro-
na conspiração, conforme se queixaria mais tarde: vavam uma insurreiçâo sem saber que ela já havia começado, chegava ao
Esse era mais um exemplo de como o camamda Femandes (Miranda), que con-
Foreign Office, em Londres, um telegrama urgente e secreto do embaixa-
centrava tudo em suas mãos, não dava liberdade de movimentos para o secre- dor britânico no Rio, sir Hugh Gumey. Aos 57 anos, egresso das escolas
tário de organizaÇão (Martins), impedindo a rapidez e flexibilidade dos ou- de elile de Eton e Tiinity, ele desembarcara no Rio em setembro, vindo do
tros camaradas. Quando, no último minuto, essas barreiras tilham de ser posto de ministro plenipotenciário em Copenhagen, e logo mergulhou em
rompidas, buscavam-se sempre soluções improvisadas que eram mais ou me- intensa atividade. As 12h05 daquela terÇa-leira seus esforços trouxeram im-
nos perigosas e não ofereciam a menor segurança. portante resultado. Mcnos de 24 horas depois que Prestes, Ewert, Ghioldi
Enquanto Jonny reuniu seu "grupo especial" de produtores de gra- e Miranda haviam tomado a decisão pelo levante, o governo britânico já
que pessoalmente dar dinheiro para o tmnsporte de mate- estava informado. A rapidez com que a mensagem chegou decifrada a Lon-
nada
- "tive
riais etc., pois a direçâo do partido nada possuía" dres era espantosa para a época: 35 minutos, e de causar vergonha ao Ko-
-, Miranda chamou mintern (cujas mensagens nunca levavam menos de um dia). As 15h40, hora
Martins de lado e deu-lhe outm tarefa de última hora: preparar a casa on-
de funcionaria a partir da tarde o Comitê Revolucionário Mititar, isto é, de Londres, também o Almirantado estava avisado, por telefone, do con-
o eG da revolução. Mais tarde, Prestes faria ácidas c ticas a Miranda, ci- teúdo do telegrama:
222 221
\r
.CAMA .:t:t HoRAs.
224 225
L
.c A \,1 ÀR^DAS. .33 HORAS.
Seu principal colaborador e homem de confiança, Arthur Ernst EweÍt, ir lcnte não ataque o governo vai acabar com tudo por aqui", respondeu
nâo alimentava as mesmas ilusões. Já não dormira na noite anterior, preo- Ilwcrt.
çupado com as conseqüências de um eventual fracasso da insurreição. Na Os dois se separaram depois desse diálogo. Ewert foi para o qo, em
tarde da terça-feira, recebeu a inesperada visita de Jonny de Graaf, que ioi V ila Isabel, e Jonny para seu lugar de ação no centro da cidade, "para mi-
até seu aparelho na rua Paul Rediern, em Ipanema. Ambos conheciam-se rrlra posição perdida", conforme definiu.
bastante bem, dcsde 1921, c apesar de uma perigosa briga em Xangai, em Enquanto nesse momento, cerca de quatro da tarde, dois enviados do
193,1, parcciam ter rccuperado uma relaçào em bon§ termos. Era a Ewert l(omintern lamentavam, em Ipanema, as poucas perspectivas de vitóÍia da
que Jonny se dirigia com queixas. Uma delas ocorrera poucos dias antes: insurreiÇâo, do outro lado da cidade os dois principais homens do rcn, Mi-
os dois alemães da organização de Prestcs (Ewert e Jonny) eram a lavor raIlda e Martins, encontravâm-se para tentar saber o que estava acontecen-
da criação de "grupos especiais", cuja atividade poderia "no momenlo (lo no setor militar. Miranda entregou ao secretário de organização vinte
do levante fazet com que o adversário ficasse sem seus mais perigosos lí- contos de reserva (cerca de 1100 dólares), pediu que o mantivesse informa-
deres, provocando dessa maneira desorganização nas fileira§ reacionárias", (lo sobre os prepamtivos nos quarteis e dirigiu-se ao ec da insurreiçâo, em
conforme escreveu mais tarde Locatelli. Em outras palavras, eles queriam Vila Isabel.
criar comandos para liquidar personalidades importantes inimigas da in- Martins coÍIvenou rapidamente com o tenente Soveral, do Comitê Re-
surreição. Tàlvez deixando-se levar pelo instinto, Prestes se opôs a esse mé- volucionário Militar, e só ouviu boas notícias: estava tudo caminhando mui-
todo, que significaria introduzir no Brasil o assassinato político em grande to bem, os primeiros pacotes de manifestos haviam sido entrcgues ao setor
,i
escala. Jonny, o terrorista nato (segundo seu professor na escola especial nrilitar e seu batalhão já havia entrado em estado de alerta. Por isso, Sove-
!
em Moscou, Vassiliev), achava que essa seria a únicâ maneira, por cxem- (.
ral precisava rctornar ao quartel, deixando que Martins o representasse num
plo, de neutralizar a cúpula da polÍcia. cncontro com o homem de ligaçâo do Comitê Revolucionário no famo-
A Ewert, Jonny foi Çorrendo contar o que pudcra observar na reuniào so 39 ru, na Praia Vermelha, o camaradâ Alcebíades. As informações que
da manhã, na casa do Desidério. "Os militantes e dirigente§ de trabalha- Martins recebeu de Alcebíades, somadas às de Soveral, deveriam ter feito
dores brasileiros se entreolhavam enquanto Martins explicava tudo, per- soar imediatamente o alarme no comando da insurreição: os prcparativos
guntando-se como iriam preparar tudo em tão pouco tempo", contou Jonny nessa unidade também iam acelemdos, "mas esses quartéis também estavam
a Ewert. "Nessa reunião com os nilitantes c dirigentes, ficou terrivelmen em estado de alerta e isto impediu que as células do 39 nI se comunicas-
te claro para mim que o partido não estava preparado e, portanto, contra sem com os camá[adas nos fortes". Alcebíades recomendou então a Martins
todas as minhas afirmações e exigências, não podia corneÇar a mobilizar que avisasse Miranda e o ec da importância de se mobilizar o comandan-
os trabalhadores uma hora antes da insurreição. Mas os militantes que tam- te do Forte do Pico, capitão Canrobert Pereira, simpatizante ativo bastan-
bém tinhanl csses temores foram silenciados por Fernandes (Miranda), quc te dedicado a Prestes, "para que ele comece o bombardeio do Palácio da
dizia que só lhes restava seguir em frente." Na verdade, conforme Locatelli Guanabara uns vinte minutos antes da hora H, o que dará tempo para que
observaria, com muita propriedade, "a preparação do Ievante e§tava sob as primeiras tropas do 39 RI cheguem em caminhões", relatou Martins.
responsabiliclade do Conritê Revolucionário Militar, o levante tinha um ca- Ele correu de tiíxi para a casa de Desidério, onde às sete da noite os
ráter militar, o partido limitou a participaçào de massas, e esse lato, o de responsáveis pelas brigadas mobilizadas de manhã deveriam relatar os re-
que tudo estava nas mãos do Comitê Revolucionário lvtilitar, explica por sultados alcançados e aguardar mais instruçôes para o momento do levan-
que em alguns bairros da cidade os órgàos do particlo nada sabiam do co- te, para o qual só faltavam oito horas. Martins mandou um bilhete para
meÇo do levante". Jonny terminou a curta narrativa e ouviu de Ewert: o ec da Vila Isabel contando o que lhe dissera Alcebíades a respeito do
"Tênho o mesmo tipo de receios quc você, Jonny, mas Fernandes [lVIi- 3l nt e da necessidade de se avisar o comandante do Forte do Pico, o úni-
randa] garante que o partido cstá pronto para atacar." co na baía da Guanabara que não tem ângulos mortos.
r'Nós vamos perder", disse Jonny. Mas a partir de seu detalhadíssimo relatório, redigido em Moscou pou-
"Eu também estou com dor dc barriga, mas não temos oüro jeit,), co mais de três anos depois, não fica claro se as más notícias que Martins
tcmo! que atacar, não podemos deixar o Nordeste abandonado, mesmo quc recebeu dos responsáveis pelo setor civil também foram comunicadas aos
226 221
L
.13 HOR^S.
comandantes da insurreição em Vila Isabel. Pois já na noite de terça-feira ,1,,r'. rrDlra deixado o local, rumo ao centro. "Às três horas nada, ncnt
ele sabia que as brigadas da Light e da Centml do Brasil, duas das mais rr,,,,, rlrr llxército, nem na cabine de São Diogo, nem em qualquer parte
importantes, nào poderiam agir devido ao grande número de prisões que ,1,r, r.rrtr o (nós podiamos ver muito bem o eG dos bombeiros, a cúpula da
o governo efetuara naquela tarde entre os militantes mais conhecidos. Co- 1r'lr, rr ecntral)", contou Martins. Seu informe, arquivado em Moscou, e
produ-
mo alternativa improvisada para provocar um colapso no tráfego ferroviá- ', rrrc() rclato pessoal a respeito das horas decisivas da insurreição,
rio, Aço ficou encarregado de conseguir gente e material para explodir, de r,l,r lrrl rrm dos dois participantes do PCB (o outro era Miranda) no cír-
madrugada, as cabines de sinais de São Diogo e Engenho de Dentro. A , rrl. rl,. comando. Possui ainda a vantagem de ter sido feito para seus che-
fabricaÇâo de granadas, por outro lado, começou lentamente, e até às dez l, ,. , rr l\,loscou, que realizavam uma inquirição sobre as causas do fracasso
da noite, segundo Martins, só haviam sido feitas cerca de cinqüenta. Mais ,l,r ,rIclação brasileira. Vale a pena reproduzir alguns trechos, traduzidos
quarenta chegadam à th30 da manhã, faltando uma hora e meia para a ,1,, lrrrncês (Martins escrevia bastante bem esse idioma):
hora H. Elas começaram a ser distribuídas por mulheres transportadas por
Il)üco depois das 3h30, nenhum disparo, nenhum estouro de granada. Nós
motoristas de táxi, uma delas levando um menino pequeno, pam afastar rlio entendíamos nada e estávâmos muito nervosos. Foi nesse momento que
suspeitas dos poliÇiais e soldados que prosseguiam revistando veículos no t)udcmos distinguir uma mobilização de homens no pálio interno do QCi do
centro. outros camaradas do Comitê Regional partiam com a informaçào lr\ército. Quando ouvimos o barulho dos motores de notocicletas, achamos
de que a insurreiçâo começaria às três da manhã, mas num caso, o do ca- (llrc o quartel do Batalhão dâ Guarda finalmcnte se revoltava. Poucos minutos
marada Magno, nem foi necessário. Ele chegou à casa de Desidório já sa- Llcpois conseguimos ouvir um "hurra" e o destacamento de motocicletas par-
bendo da hora H, que the havia sido transmitida por um soldado amigo liu a toda velocidade. Dc novo o silêncio, nenhum tiro, nós ficamos de novo
seu, que nem sequer era do cÍrculo de conspiradores. scm entender nada.
À meia-noite de terça-feira, faltando três horas para a insurreiçâo, o Lá cmbaixo, no centro do Rio, Jonny de Craaf vivia experiência se-
levante estava praticamente derrotado. O adversário sabia dos planos, in- IrIllrante. Tàmbém seu relato dos eventos da madrugada constitui o único
tenções e movimentos dos conspiradores e já tomara todas as precauções, ,l( t)oirrento pessoal de um dos enviados do Komintern sobre o início e al-
colocando em alerta as unidades militares visadas pelos conspimdores e
l,llls aspectos do desenrolar da insurreição. "Hora do levante", escreveu
efetuando a prisão de ativistas sindicais e alguns dos correios de Prestes. lo0ny com seu estilo tosco e seco, tornado ainda mais cru pelo alemão re-
Pelo menos no centro da cidade, a direção do rce sabia que não haveria
l)lrto de erros ortográficos e gramaticais:
greves de apoio, e que as brigadas civis não tinham condiçôes de atuar con-
forme planejado. O episódio do Forte do Pico, que ainda não havia sido Nada se ouve, nenhum tiro, ncnhum âlatrne, nenhum movimento. Quatro da
avisado, mostrava já antes do inÍcio do levante que o sistema de comunica- manhâ: ainda nada, o último eslafeta nos deixou com material já às duas da
manhã, Íenhum contato, nenhuma inlormação. Dou diretrizes aos meus dois
ções montado por Prestes no "seu" setor, o militar, não estava funcionan-
homens, ando pela cidade, todas as principais ruas estão ocupadas por tropas
do. Quanto aos levantes no NoÍdeste, na tarde do dia 26 também já se sa-
do governo ou polícia. Tüdo traÍIqüilo, alguns transeuntes andam dcspreocu
bia que tinham sido derrotados pelo governo. Note-se que essa massa de pados. Na praça da República tudo calmo, só os portões do MinistéÍio da Gucr-
informaÇôes e indícios estava à disposição dos chefes da insurreição 4nle§
ra estão fcchados, lá atrás soldados com metralhadoras.
de iniciado o levante. Prosseguir nos planos nessas cofldições não era he-
roísmo. Era burrice. Não fica claro, a partir do relatório de Jonny, qual era a função do
''cspecialista" alemão em bombas e guerra civil no centro do Rio, acom-
panhado de duas pessoas que não identificou (ele mesmo só era conhecido
Nos fundos da casa de Desidério, no alto do morro do Pinto, havia Dclos brasileiros por "Pedro", e apenas Miranda e Martins o tratavam por
um pequeno terraço do qual se dominava, pelo menos com a vista, todo (lruber, o nome falso em seu passaporte aust aco). Jonny trazia consigo
o centro do Rio. Às 2h45 da madrugada de 27 de novembro, ali estavam clois revólveres. Tàlvez comandasse o único "grupo especial" à disposiçâo
quatro silhuetas silenciosas, contemplando a cidade adormecida e esperando .la conspiração, pois seus dois homens ficaram "em posição" no centro
alguma coisa acontecer. EIas eram Desidério, Martins, Bonfim metalúrgi- do Rio durante mais onze horas, até que Jonny viesse pessoalmente dis
co e a correio Beatdz Bandeim. Fazia meia hora que um grupo de estiva- pensáJos. Pouco antes do amanhecer, enquanto Jonny passeava pelo cen-
228 229
.CÀMARAD,{S' .33 HORAS.
tro tentando saber o que estava acontecendo, Martins recebia, no morro Ilr,rrorcs lraviam aderido à grevg os outros esperavam os eYentos para se
do Pinto, as primeiras informações: r[,r itlrr c lbra impossível convencêlos. Martins os mandou de volta para
tílltllr (lc novo o que não haviam conseguido até então. "Pelo menos um
Pouco antes da alvorada o camarada Desidério, que saíra para ver se havia rlor rrirvios grandes", recomendou. À essa altura, cerca de sete da manhâ,
novidades com os companheircs que nâo moravam muito longe, informou quo r prrlx) no mollo do Pinto combinou que apenas Desidério ficaria ali, os
as brigadas haviam retornado. Os estivadores permaneceram quase uma hora
lllltr{rs (cinco pessoas, entre elas duas mulheres) foram cada um para seu
perto do quartel do Regimento Naval e como este nâo ensaiava neÍhuma saí'
llrlr,, crn busca de informações. Martins, o mais importante, era o único
da e os estivadores começavam a atrair atenção, decidiram voltar. A brigada
,1rrc lxrclia dirigir-se ao eo na Vila Isabel, para onde se encaminhou, por
do ltúnel] João Ricardo ainda não havia regressado, mas alguns do§ camara-
das não agüentaram licar esperando tanto tempo e a abandonaram. Nenhu_ lr flrsporte público.
ma tropa havia tentado atravessar o túnel. A brigada do Zacarias chegou lao No mesmo momento, Jonny regressava de um longo passeio de carro
morro do Pintol logo depois sem ter cumprido sua tarefa de ocupação da Rá- nt('rs proximidades da Praia Vermelha, onde viu de longe que a avenida
dio Tupi por vacilo e falta de energia de seu comandante, "que esperou que llrstcut que dá acesso ao quartel do 39 RI, estava fechada. I-ogo percebeu
os outros comeÇassem", a despeito do fato de que o edilício não estava guar_ rluc lá dentro ainda se lutava, "mas a cidade estava nas mãos do goYerno".
dado por mais do que dois soldados da policia e de que a brigada di§punha lÍ,nny voltou à sua Dosição, onde ninguém havia aparecido, e lá permane-
de granadas para alacá-los. r\.u calmamente até as três da tarde, "pois eu era responsável por armas,
Ao amanhec$ chegou o camarada Aço, Ele não pôde realizar sua tarefa
lxrrnbas e gente". Além do mais, Jonny havia pedido uma ligação direta
(cabine de sinalização de São Diogo) porque apenas um homem da sua briga-
r'()llr o ec de Vila Isabel, mas esta the fora negada, e ninguém lhe manda-
da compareceu ao ponto de encontro e a cabine estava ocupada por um pelo-
tâo de soldados da polícia com sentinela§ postadas a distância. Ele não veio
rll um estafeta.
nos comunicar isso antes na esperança de convencer dois companheiros da equi- Maftins chegou à casa da rua Correia de Oliyeira, em Vila Isabel, por
pe de motoristas a não trabalhar. Em seguida ele saiu para tentar conversar volta das oito da manhã. Tinha trabalhado praticamente como um repór-
com os tEbalhadores do depósito de locomotivas. lcr e entrevistam várias pessoas que estavam desembarcando de manhã na
('entral do Brasil, que se transformaram na principal fonte de informaçào
E assim por diante. A brigada da Juventude Comunista chegou a se
rlo secretário de organização do rca. Populares disseÉm que a Escola de
concentrar diante da Casa de Detenção, mas não atacou pois não havia
Aviação estava revoltadâ e havia canhoneio nas proximidades da Vila Mi-
recebido granadas e só dispunha de alguns revólveres. A brigada dos me-
litar. Martins pôde ver alguns destacamentos de soldados desses quartéis
tâlúrgicos comandada por Cardoso foi protagonista de um episódio cômi
ohegando ao centro do Rio, "e por seu ar resignado e atitude silenciosa
co. Sua tarefa era entrar no quartel da Polícia Municipal e confraternizar
live a impressão de que ali não houve revolta". Para sua grande surpresa,
com a tropa. Cardoso e mais três entraram e fizemm discursos inflamados
os chefes da insureição no qc de Vila Isabel estavam menos informados
aos policiais, que não se mostravam hostis, até pelo contrário. "Mas al-
do que ele. 'â notícia da revolta na Escola de Aviação deixou-os muito
guns oficiais, que nos haviam assegurado ser revolucionário§, explicaram
interessados, eles ainda não sabiam", contou Martins.
a Cardoso e seus homens que dwia haver âlgum engano de hora ou dia,
Existem poucas informações sobre o ambiente e as palawas trocadas
e que era melhor tomar cuidado para não dar pretextos aos reacionários",
dentro do ec da insureição em Vila Isabel. Vririos oficiais amigos de Prestes,
contou Martins. "Esses oficiais eram trâidores e ficamos sabendo mais tarde
entre eles um capitão identificado por Martins como Benedito de Oliveira
que a atitude enérgica de no§sos camaradas os fizeram pensar que a insur-
(deve ser Benedito de Carvalho), além de diversos mensageiros, entraraln
reição já havia começado e, em Yez de prendêJos, estavam tentando ga-
e saíram do local, sem ficar ali muito tempo. As pessoas que permanece-
nhar tempo." Cârdoso e seus metalúrgicos tentaram convencer do contrá-
ram durante a madrugada e a maior parte do diâ 27 foram: Prestes e Olga,
rio os oficiais da Policia Municipal, mas vendo que a tropa não marchava
sem os oficiais e como tempo passava, sem que se ouvisse nenhum balu-
Josias Reis (que alugara a casa) e sua mulher, Ewert, kna (mulher de
lho de tuta pela cidade, "eles resolveram sair dali em busca de conselhos"' Jonny), Miranda e Elza (sua mulher, que ele já pusera no Pleno do cc em
Medina e o presidente da Federação dos Marítimos chegaram ao morro novembro ajudando na cozinha). Só Prestes falou, anos mais tarde, e pou-
do Pinto às seis da manhâ, com a má notícia de que apenas três naYios co disse sobre aquelas horas angustiantes. Mas Irna, a alemãzi1r,haziÍ]ha,
230 231
.CAMÀ
eventos isolados na Vila Militar, Escola de AviaÇão e 39 Rt já foi feitâ banho de sangue) e marcando um encontro para mais tarde. "É evidente
20 Por isso, vou me limi- que tinhamos sido de[otados", escreveu Martins. Tàmbém nessa hom Jonny
em volumosa litemtura e não cabe repeti-la aqui
tar a tentar mostrar como os chefes da conspiração reagiram ao receber por fim decidiu abandonar seu posto no centro da cidade. Foi de carro até
as más notícias, que é o que se pode extrair do material inédito existente perto da Praia vermelha e ainda assistiu aos revoltosos sendo levados pre-
em Moscou. sos. "Milhares de pessoas cercavam as ruas nesse momento, sem aplaudir
Entre as oito da manhã e o meio-dia de 27 de novembro, a derrota ou protestar", contou. Voltou pam o centro e, percebendo que a vida ali
iá seguia praticamente normal, mandou seus dois homens
para casa com
ficou clara e patente. Um mensageiro trouxe a informação de que uma com-
panhia de metralhadoras estacionada no Ministério da Guerra nada fez' a ordem de não fazerem nada. Em seguida, foi procurar Ewert, mas só en-
pois seu comanclante, comprometido com a insurreição, fora preso e não controu a mulher dele, Sabo, que lhe deu o endereço do QG. Em Vila Isa-
havia sido substituído. Armas haviam sido previamente inutilizadas para bel, Jonny não achou mais ninguém. "Eles viram que tinham perdido a
que revoltosos nâo as pudessem utilizar. O 39 «t continuava cercado' ago- luta e resolveram voltar pala casa", comentou.
ra sob o bombardeio também de aviões' sem a menor possibilidade de rom- Em Copacabana Jonny encontrou-se com Lena, que acabara de levar
per o cerco estabelecido por Dutra e Estillac L€al, que comandaram o fo- Ewert, Prestes e Olga para seus respectivos aparelhos, e viera buscá-lo pa-
go de artilharia contra os amotinados. ra que às oito horas da noite também estivesse na Barão da Torre, o escon-
De volta à casa de Desidério por volta de meio-dia' Martins reccbeu clerijo de Prestes. Ewert obviamente estava preselte, mas nâo havia nin-
guém do pcB para resolver um problema que Jonny considerava urgente:
da sua correio Beatdz uma mensagem fechada de Miranda Ela continha
que se tentasse recolher e armazellar todas as armas e bombas distribuídas nas últimas
duas exigências importantes e desesperadas A primeira é
212 233
.CÀMÂRADÀS.
24 horas. De maneira nenhuma, dizia JonnÍ elas poderiam voltar para a ,l;r Nlrrinha e a ponte que leva à ilha das Cobras, onde há um importante
casa de Francisco Romero, no Grajaú. Muita gente já sabia da existência l)rtirllrão de fuzileiros navais." As conclusões finais de Jonny couberam
, rrr rlrras frases: "Todos os fatos mostram que Prestes sempre se baseou
desse lugar como arsenal da insurreição. Ewert prometeu discutir imedia-
tamente o assunto com os dirigentes do partido. Jonny didgiu-se então a rl)(rls nas forças do Exército à sua disposição E subestimou as do ad
Prestes e, segundo conta, tentou discutir calmamente sobre a dellota. Mâs r,t rslit-io".
o momento não pôderia ser pior: "Foi impossível. Ele ergueu-se e gritou
que agora iam tentar fazêJo responsável também pelo fracasso do parti- por
do. Ele ainda nâo havia entendido que toda a sua organização também ha- Bm São Paulo não houve insurreição, e o principal responsável
r.,\() ti)i Amleto Locatelli. Ele deixou o Rio na noite de segunda-feira e ama
via fracassado de maneira absoluta".
De todos os participantes da insurreição, Jonny foi o único que dei- nlrcceu no dia 26 de novembro na capital paulista sem nenhuma orienta-
xou críticas duras e contundentes a Prestes, dirigidas justamente ao campo (iro sobre como estabelecer contato com a liderança local do partido' Mi-
no qual o comandante da Coluna se considerava um talento excepcional: lurtla lhe havia dado apenas uma referência - o Café Paraventi "Meu
l)r imeiro contato em Sâo Paulo
foi estabelecido por um comerciante que
a conduçâo de operações militares. Jonny de Graaf era o que hoje se cha- di-
mada de cara-de-pau e cínico, mas possuía enorme experiência na arte da ,,,ro era do partido, por quem o representante do oMs no Rio recebia
Ilrciro de Moscou", lembrou-se l,ocatelli. Tiatava-se de Celestino Paravent'i'
insurreição, do motim (lidemra uma rebelião num couraçado da Madnha
''lsso impressionou muito os camaradas em Sào Paulo, pois esse elemento
Imperial alemã durante a Pdmeira Guerra) e do levante militar. Ele resu-
miu para os dirigentes em Moscou, dezoito meses depois, as causas milita- crl conhecido pela polícia como nosso simpatizante' AIém disso, podia ter
res do fracasso da insurreiçâo, atribuindo-as diretamente a Prestes. Suas siclo feito contato mais direto."
obsewações começavam com uma lição sobre a psicologia da tropa, na qual
Depois de passar por outro§ três intermediários, Amleto chegou ao
procurava explicar por que motivo nem sequer um quarto dos contingen- ,ccretário regional do PCB em Sâo Paulo, Sebastião Francisco, conhecido
tes militares ' 'comprometidos " com o levante de fato lutaram por Prestes: .omo "Câstro", Já eram oito da noite, no Rio o§ preparativos para a in-
pau
surreição praticamente estavam concluídos e pela primeira vez a seçâo
"Para nós revolucionários absolutamente lógico, para um oficial não; sol- que também teria
dados e oficiais seguem todo comando legal de seu chefe, mas nunca cem lista ia ouvir a resolução, tomada tdnta horas ante§, de
clc se levantar em solidariedade e apoio às rebeliões no
Nordeste Com Castro
por cento uma ordem que os leye a lutar contra o governo, a nâo ser que
cstava uma figura-chave pam o PC em Sâo Paulo: o militante argentino Es-
se tenha realizado nessa tropa um longo trabalho político". to-
Mas os oficiais brasileiros associados a Prestes acreditaram que bas- Icban Peano, codinome "Crassi". Como sempre, havia um estrangeiro
rnando conta em nome do Komintem dos negócios internos dos comunis-
taria o prestígio pessoal deste para leyar soldados e oficiais incondicional- do rcn'
mente ao combate. Além disso, prosseguiu Jonny, Prestes acreditou em in- las. No caso de Peano, porém, para vantagem da organização local
Peano e Locatelli entenderam-se de imediato Com 37 anos na época'
formações fornecidas por amigos, sem que tivesse se dado ao trabalho de tmbalha-
confirmá-las. Isto teria ocorrido no caso do 3l Rr: "Prestes acreditou que o argentino fizera uma longa carreira, desde 1924, como líder de
o regimento estava ao seu lado só porque um camarada oficial Ihe con- dores em frigoríficos em Buenos Aires, um setor vital da economia expor-
perce-
tou". A esse fato soma-se o mau funcionamento da rede de contatos e co- tadora da Argentina. Em São Paulo desde 1934' o experiente Peano
municação montada por Prestes qual Jonny citou o exem- beu que pisava em terreno perigoso, Logo ao chegar achou estranho o
- em relação ao
plo do Forte do Pico, que teria de ser comunicado com pelo menos catorze padráo dà vida do secretário de organizaÇào local, que era desempregado
mas morava num apartamento grande, com empregada' Por sugestão
de
homs de antecedência sobre sua possível entmda em ação.
Peano, um truque primitivo foi empregado contra esse dirigente: um mili-
Pior aindâ, segundo Jonny, foram os erros militares táticos, "Prestes
não se deu conta do perigo que significava o isolamento das tropas rebela- tante vindo do interior ficou hospedado em sua casa e começou a recla-
das no 39 Regimento, que poderia ter se entusiasmado e saido para a rua mar do partido. Imediatamente o secretário de organização regional
ofe.eçeu the dinheiro e uma carteidnha de policial, para
poder viajar de
caso Prestes tivesse reunido os elementos do partido e da ANL em grupos
graça. De acordo com Peano, tambem o presidente do comitê de greve§ do
de combate, conforme eu queria", escreveu. "Da mesma maneira, ele nào
setor de construção civil estava ligado à polícia'
me deu as pessoas que eu precisava para destruir um campo de aviaçào
235
234
.CAMARADAS' .31H
Além disso, o partido em São Paulo tinha outra tmdição de discussào levar pelo próprio entusiasmo. Deveria con§ideÉr apenas os fatos reais. Na-
quele momento esse camarada foi o único que pôde nos dar informações. Fi-
política, sendo considerado pelos dirigentes nacionais, no Rio, como um
camos então sabendo que nem 2590 das lorças policiais adeririam a Íós, e
antro onde proliferavam "tendências trotskistas" (até Prestes acusaria Mi-
não 60qo ou 70q0, como ele mesmo dizia ante olmente
Énda, mais tarde, de rcgressar de Sâo Paulo "marcado por posições opo-
sicionistas"), uma acusaÇão de heresia bem pior, na época, do que ser tra- Enquahto o camarada do setor militar falava, Peano, Locatelli e Cas-
tado por fascista ou reacionário. Desc to como pessoa séria, tímido e tro começaram a mbiscar um grande mapa da cidade de São Paulo. Com
fechado, Peano estava preocupado em sobreviver: pedia para ser tmnsferi- liipis vermelho, assinalaram as unidades da polícia ou do Exército que par-
do para o interior do país ou qualquer outm parte, e apenas sua mulher licipariam de um levante. Com um dsco azul, as indecisas, e com dois traÇos
conhecia seu endereço. cm azul, as contrárias aos rebeldes. A correlação de forças era totalmente
Na noite de terça-feira, Peano, Castro e Ircatelli combinaram "em contrária a qualquer insurreiçâo. Cheios de dúvidas quanto à possibilidade
princípio" a data do levante para a madrugada de quinta para sexta-feira, cle levantar São Paulo e sem informações precisas sobre o que estava acon-
ou seja, para dali â 48 horas. Tirdo dependeria, porém, da convocação de tecendo no Rio já passava do meio-dia e a insurreiçâo de Prestes havia
- Castro, Incatelli e Peano foram mais
uma reunião, que só poderia ter lugar no dia seguinte, quafia-feira,21 de sido derrotada na capital do país
-, Miguel Costa, que o agente italiano
novembro, com todos os responsáveis pela direção local do partido e pela tarde para uma decisiva conversa com
ANL, comandada em Sâo Paulo por Miguel Costa, um destacado amigo sempre descreveu, em seus relatórios, como "velho chefe de polícia".
de Prestes. Cautelosos, Peano e locatelli deram instruções para que nin- "Para que utilizar até a última bala?", perguntou por sua Yez Miguel
guém, em setor algum, desencadeasse qualquer ação sem ordens claras da Costa, ao ser indagado sobre uma insurreição em São Paulo. "Eu acho
direção. que nada disso acontecerá", prosseguiu. Miguel Costa era um dos nomes
Nem era necessário: em São Paulo absolutamente nada havia sido pre- com os quais Prestes sempre contou.
parado para a insurreição. Para começar, na reunião do Comitê Regional Um rápido levantamento do material à disposição do levante mostrou
de São Paulo, no dia seguinte, nem sequer compareceram todas as pessoas a Peano e Ircatelli que existiam apenas trinta fuzis, mas nenhum "grupo
convocadas. A representante do Comitê Revolucionário Militar, pessoâ es- especial" capaz de utilizáJos com eficácia. Ainda por cima, estaYam guar-
sencial em qualquer projeto de insurreiçâo, não havia sido comunicada da dados fora da cidade, e era difícil e perigoso movimentar-se sob o estado
reunião. O presidente do Comitê Militar da eNL fora preso na madrugada de sítio. Existiam dentro da cidade algun§ revólveres e bombas preparadas
anterior, perto da uma da manhã, Em nome de Miguel Costa, monopoli- com antecedência (resultado de um rápido curso que Jonny de Graaf mi-
zava loda a alividade militar revolucionária da eNI-, só ele conhecia o pla- nistrara em São Paulo em meados do ano), "mas a maior parte nunca ex-
no de ação das unidades militares em caso de leyante. "Dessa maneira, se plodiria", constatou Locatelli. Agora caprichando na exatidão das infor-
o levante fosse rcalizado, ninguem sabia em quais pontos estratégicos e tá- mações, o camarada do setor militar âfirmou que dos 6500 homens da
ticos tinham de ser mobilizadas unidades militaÍes", contou l-ocatelli. polícia eExército, o partido podeda contar com exatos 396, dos quais seis
I-ocatelli, Peano e Castro pensaram numa solução alternativa. Presente oficiais. Diante disto, I-ocatelli tomou uma decisão, a única possível: "Fui
estava o encarregado do tmbalho militar do partido, um militar cujo nome decididamente contra o levante. Falei aos camaradas que, na minha opi-
Amleto não identificou. Havia pouco tempo para discussões: o camarada nião, uma tentativa de levante nessa situação seÍia vm putsch condenado
pertencia a uma unidade do Exército estacionada fora da cidade g por culpa de antemão à derrota, ainda mais com a situação no Rio. Chamei a aten-
do estado de alerta, tinha de se apresent logo de volta ao seu quartel. ção parc as conseqüências que poderiam haver".
Locatelli pediu a esse militante umâ lista detalhada de unidades policiais Peano e Castro, inteiramente de acordo, não encontraram muita difi-
e militares, assim como seu equipamento. culdade para convencer os outros membros da direção lôcal, "empenha-
dos numa discussão séria, com relatóÍios que não eram Yazios e mostran-
Considerando uma a uma, perguntava a ele quais as unidades que poderiam
do que os camaradas reconheciam a gravidade da situaçâo", assinalou
imediatamente ir ao levante e quais seriam contra nó§. Assinalei a enorme res-
ponsabilidade a ele atribuída, falando das conseqüências caso nos desse algu- L,ocatelli. Bem ao contrário da véspera, quando o mesmo tipo de interven-
ma inlormaçâo incorreta. DisseJhe que não podia, em sua análise, deixar-se ção otimista e desligada da realidade pareciâ sugerir que, também em São
23',7
236
.CÀMARADAS' .33 HORAS.
Paulo, apesar da inexistência de condições e preparo, poderia ter sido de- ( i)sta, a quem Prestes havia prometido o governo de Sâo Paulo). Mas Ewert
sencadeado um levante contra o governo. c Ghioldi, com quem I-ocatelli se entendia bastante bem, aprovaram sua
Os três homens que decidiram abortar o levante tomaram, então, uma conduta na capital paulista. I-ocatelli recebeu então uma târefa secundá-
série de medidas de desmobilização destinadas sobretudo a proteger o apa- ria: com ordens para manter contatos exclusivamente com o Comitê Regio-
rato do partido da inevitável repressão policial. Nos dez dias seguintes, em rrü1, devia àjudar a recompor a estruturâ local do partido no Rio, dizimada
uma estrutuÍa partidária que contava com um número de militantes esti- pcla repressão que apenas se iniciava. Dos trezentos militantes registrcdos
mado entre trezentos e quatrocentos, houve apenas vinte prisões, e todas iutes do levante, constatou lrcatelli em sua primeira conversa com a oÍga-
elas de gente já fichada e sem importância na cadeia de comando, segun- Iização regional, em Niterói, apenas cem estavam em liberdade. Nenhum
do Locatelli. No entanto, mesmo essas informações, o próprio Locatelli, comitê local funcionava, e pior aindâ era a situação no Exército, depois
em seu relatório, coloca em dúvida: jamais os responsáveis pela organiza- da deffota. Tirdo estava aos pedaços.
ção do partido em São Paulo fomm capazes de fornecer dados exatos so- Mas não em bem assim que os eternos otimistas viam as coisas.
bre o número de militantes, células e sua organização. Da mesma maneira,
exageravam de forma irresponsável seu grau de influência e infiltração nos
sindicatos, "julgando que um secretário comunista ou um membro comu-
nista na direção dos sindicatos já significasse que essa organização obede
cia ao partido". Quanto à e.NL, segundo os dados que Locatelli recebeu
naqueles dias em São Paulo, ela contava com cerca de quinhentos militantes.
Nos dez dias em que se cuidou da preservação do partido em São Paulo,
Locatelli conversou com todos os integrantes da dircção e traçou uma com-
petente radiogmfia da organização:
239
.DESASTRE.
lorças militares não puderam sair a campo. Depois de nove horas de combatc
o governo permaneceu vitorioso.
240 241
.CAMARADAS' 'DEs^srR!.
ria ser um pouco demais se encontrassem nossa mensagem de congratulaçôcs
Situação no Brasil de acordo com cafias aéreâs de Ghioldi, Prestes, Miranda
nos arquivos (embora eles estejam sabeído que nós adveftimos o governo bra-
e Orestes Ghioldi e telegramâs recebidos em bom estado por Paris. Grandes
sileiro alguns meses atrás de que problemas estavam surgindo).
levantes comunistas no Norte do Brasil, quatro e§tados entre os quais Pernam-
2) De acordo com algllmas noticiâs na imprensâ, houve muitas baixas en-
buco, adesão de vários batâlhões do Exército. Revolucionários tomaram Nâ-
tre os revolucionáiios e Moscou (que está por trás do movimento revoluciona-
tal, Olinda e parte do Recife e Paraíba. Coverno VaÍgas decretou estado de rio) pode talvez comeÇar a espalhar informes sobre brutalidade desnecessária
sitio e lei marcialem todo o pais, e enviou tropas, esquadrilhas aéreas, cÍuza- por parte das autoridades.5
dores ao Norte.3
De certa maneira, Tioutbeck sugere aqui uma resposta à questâo co-
Prevalecia em Moscou o mesmo clima alienado da realidade quejá exis- locada capítulos atrás:6 em que momento o governo britânico avisou Var-
tia entre os conspiradores no Brasil. Enquanto os jornais na Europa e Esta- gas dos "problemas", isto é, da operação que o Komintern estava montan-
dos Unidos noticiavam o esmagamento dos levantes (a imprensa soYiética do? Não parece ter sido às vésperas da revolução, o que indica também
nada comentava), os didgentes do Komintern, acreditando piamente que que o telegrama de sir Gurney, o embaixador britânico no Rio, notifican-
no outro lado do mundo desenrolavam-se "batalhas", adotaram mais me- do Londres do levante quinze horas antes de seu início, tinha como fonte
didas concretas em apoio a uma insurreiçâo que já fora sufocada. Pela via lalvez o próprio governo brasileiro. Inspimvam pouca confiança em sir Gur-
N2O o rádio de Baron, que naquele instante estava desligado -, tenta- Iley as garantias, oferecidas por Macedo Soares, o ministro das Relaçôes
-
ram passar na taÍde daquele dia um telegrama anunciando o envio de ins- Exteriores, de que a situação estivem todo o tempo sob controle. Escreven-
truçôes para Buenos Aires orientar a formação de comitê popular amplo, do com mais calma ao Foreign Office, dias depois de terminado o levante,
que arrecadaria víveres, medicamentos e dinheiro para as vítimas do§ bair- sir Gurney achava que a luta havia sido bastante equilibrada, e decidida
ros revoltosos. Em toda a América do Sul, seriam criados "comitês de soli- em favor do governo apelas pelâ atitude passiva dos trabalhadores. No
dariedade com a luta de libertação do povo bmsileiro, contra o bombardeio iundo, os britânicos davam toda razâo ao plano de Prestes: "Se a r€volta
da população civil e pela restauraçâo dos direitos democráticos no Brasil".4 militar tiyesse tido êxito, levantes civis teriam acontecido em todo o pais".7
Justiça seja feita, não era apenas Prestes e Moscou que atribuíam inin- Nem Prestes nem o Foreign Office haviam Çaptado a essência do fenôme-
terrupta fragilidade a Getúlio, que justamente naqueles dias consolidava ' no getulista.
base, apoio e instrumentos políticos com os quais se manteria por mais Não podia haver dúvidas, por outro lado, quanto ao caráter do fra-
dez anos no poder. Em Londres, os especialistas de Sua Majestade pam cassado levante. Ele se diferenciava de todas as demais experiências brasi-
a América Latina receberam com grande cautela as notícias sobre a vitória ieiras: 'As revoluÇões normais no Brasil são a tentativa dos que estão'de
do governo. O rcsponsáYel pelo Brasil no Foreign Officq John Monro Tiout- fora' de suplantar os 'de dentro', e as coisas raramente são levadas a extre-
beck, 41 anos, era um brilhante diplomata com facilidade para lÍnguas e mos", escreyeu sir Gurney. Mas os levantes de novembro foram uma tenta-
disposição para aventuras em paisagens exóticas. Aprendera turco em Is- tiva de "acabar com todas as instituições existentes e implantar um regime
tambul, em 192'l , amárico em Adis Abeba, em 1930, e português no Rio, comunista no Brasil; foram inspirados e dirigidos pelo Komintern, agindo
onde foi encarregado de negócios em 1933-4. Julgando-se bom conhece- através de seu agente, Luís Cârlos Preste§, treinado em Moscou". Um de
dor do país, que analisava semprc com forte ponta de ironia, Troutbeck seus principais aliados, prosseguia, tinha sido o prefeito do Rio, Pedro Er-
achou melhor recomendar ao seu embaixador no Rio que transmitisse ape- nesto, cujo jogo duplo era conhecido também pela embaixada britânica:
nas verbalmente congratulaÇões ao governo brasileiro. No dia 29 de no- "Estou informado por boa fonte que pouco antes do levante ele deu a Pres-
vembro, na mesma data em que os conspiradores enviavam o telegrama tes enorme quantia de dinheiro. Mas ele nada fez até que a revolução tives-
otimista para Moscou (que por sua vez ensaiava o protesto contra o "bom- se sido suprimida, e aí foi um dos primeiros a telefonar para o presidente
bardeio da populaÇão civil"), Troutbeck formulou instruções mostrando e congratulá-lo, além de ir visitar os legalistas feridos nos hospitais".s
não estar, de maneira alguma, convencido de que Cetúlio continuaria fir- Quanto a Getúlio, era o homem do momento. "Ele é um notório homem
me na sela: de sorte, e a sorte não o abandonou nesse momento de necessidade. Para-
doxalmente, a revolução foi tão favorável a ele que as bruxas dizem que
1) Não se pode desconlar â possibilidade de que os revolucionários tentem
ela pode ter sido obra sua", comentou sir Gurney.
outra vez. Se conseguirem vencer o segundo assalto e tomar o governo, pode-
,43
.CAMA .DESÀSTRE.
dias'
Os documentos do PCB e um texto preparado por Ewert naqueles por Locatelli, a seguinte pergunta: "Você teria gente para liquidar esse ge-
a derrota, foram reproduzidos na literatura sobre 1935 mas nào leral antes que ele chegue ao Norte?". Amleto afirma ter se oposto a essa
analisando
refletem nem de longe as discussões dentro da conspiração Ao contráÍio idéia, ainda mais na situação no comeÇo de dezembro, Desconheciam es-
qual fora
do que escreveu, Ewert tinha muitas dúvidas sobre a decisão da sas conjecturas, aliás, os outros membros do Bureau, isto é, Prestes e
pode ser
um àos principais responsávcis. O grau de seu conflito interior Ghioldi.
averiguado por uma inusitada atitude do enviado alemão: deixou
transpa- Pelo menos Amleto Locatelli, que mal passam um mês no Bmsil, nào
rccer sua incerteza a subordinaclos do pcs Num encontro com Martins' tinha ilusões sobre as causas da derrota e as perspectivas a prazo breve da
que a deci-
no bar no final do t,eblon, Ewert perguntou-lhe se ele achava conspiraçâo. Suas conclusões devem refletir de forma acurada o que se dis-
são de desencadear o levante em solidariedade ao Nordeste
havia sido um cutia entÍe os participantes estrangeiros da operação no início de dezem-
de sua pla-
erro. Martins respondeu que não, e Íalou com bastante interesse bro. "Quanto mais retorno aos eyentos, mais fico convencido de que a ava-
nejada viagem ao Norde§te, on<]e deveria recompor eslruturas e
investigar liação dos dirigentes do Bureau não eÍa a co[eta", escreveu. "Os camaradas
o que hauú acontecido Nesses dias Prestes despachava cartas afirmando estavam no caminho errado." Considerando os três itens nos quais se ba-
que a luta naquela região continuaria, mas Ewert proibiu a viagem de Mar seou a decisâo do Comitê Central pela ilsurreição não custa lembrar
-lrcatelli
tins, sem dar exPlicaçôes que essa resoluçâo havia sido elabomda por Ewert convenceu-se
-,
O alemâo confessou-se surpreso também com a "falta de rcação"
ao de que nenhuma das premissas funcionava. ComeÇando pela última, o par-
ha- tido (e Amleto agora qonhecia bastante bem o pcB) nâo tivera e nem teria
Ievante, contando a Martins que, em outros casos, as tropas legalistas
viam fuzilado um entre cada dez nos batalhões revoltosos Ewert experi- em prazo médio condições de dirigir qualquer levante. O desenvolvimento
mentada em breve, tragicamente, essa "ialta de reaçâo" do governo brasi do movimento de massas, mencionado nos telegramas entusiasmados que
rlo
leiro, que Martins tentava explicar em função das "tradiÇões liberais" Ewert e Prestes mandaram para Moscou, antes do levante, nâo aconteceu.
puir. Du -"r.a Ínuneira que a revolta cle 1935 fora algo novo no histórico Nâo havia movimento camponês, item fundamental no receituário da re-
àas rebeliões brasileiras, o medo e o choque que elas
provocaram nas elites volução em paÍs semicolonial. Por último, a propalada desagregação das
trariam à tona nas autoridades um componente de brutalidade e barbáriq classes dominantes era um felrômeno superficial, insuficiente "para impe-
no prin- dir que a burguesia enfrcntasse a crise", assinalou o italiano.
antcs também desconhecido, pelo menos na esçala que se verificaria
captar cer- Na direçâo do rcn a derota motivou ásperas recriminações pessoais.
cipio de 1936. Ewert estava, de fato, muito longe de conseguir
bra- A autoridade de Miranda havia sido bastante abalada. No dia seguinte ao
tos mecanismos e aspeclos tlo que se poderia chamar de mentalidade
maioria
sileira, e tampouco entendeu a motivaÇão por trás da atitudc da leyante, ele enfrentou a maior parte do Politburo para dizer que não con-
Jonny e Loca-
dos revoltosos nas unidaáes militares Numa conversa com cordava com a decisão, tomada na véspera pelo seu segundo homem, Mar-
telli, no inicio de dezembro, ele considerou como uma das causas da der- tins, de não se tentar um levante no Arsenal de Cuerra. Martins recapitu-
que iou os eventos e mostrou que, ao meio-dia, já se sabia da rendiçâo da Escola
rota do 39 Rl o fato de que "o§ rebeldes revelaram uma compaixão
acabou sendo fatal para eles", contou Amleto "Os soldados do 39 rt' em de Aviação e que o 39 Rr nâo tinha mais chalces, mas Miranda, que pas-
vez de imediatamcnte retirar ou pelo menos neutralizar os oficiais reacio- sara o dia metido no ec da Vila Isabel, isolado de tudo, insistia em que
nários. ficaram em longas collversaÇões com eles Com isso, eles tiveram mesmo assim o levante com operários do Arsenal de Guerra deveria ter
pelos rehel sido tentado. Por outro lado, Miranda bloqueou a redaçâo de um docu-
tempo para sair do prédio, que ficava em frente ao ocupado
des, e puderam atirar com metralhadoras sobre nossos companheiros'
atra- mento mais amplo do pcs sobre os eros e detalhes da insurreiçâo, alegan-
palhando sua saída do quartel, o que lacilitou as tropas que vieram combatê- do que ainda não haviam informaçôes suficientes do Nordeste. "O docu-
los", prosseguiu. mento discutido", lembrou-se Martins, "foi aquele redigido pelo Bureau
Ewert não parece ter se conlormaclo com a recusa de Prestes em tole- da lc (Internacional Comunista)", cujas formulaçôes genéricas nâo com-
po- prometiam o secretário-geral do partido.
rar assassinatos premeditados e "liquiclação" planejada de adversátios
novo
líticos durante a insurreição. Nessa mcsma conversar falando sobre o Miranda virou suas batedas, então, contra Martins, criticando bas-
comandante militar da região do Norte, enviado por Vargas para substi- tante o trabalho de organização. PossuÍa um excelente pretexto: a polícia
tuir o general Rabelo, Ewerl fez a.lonny, de acordo com o texto deixado havia revistado um motorista de tiíxi e apreendido em seu carro duas das
244 245
.CAMARADAS. .DESASTRE.
granadas distribuídas nas últimas horas antes do levante. O caso virara um to, quando já tentara sair do Rio de Janeiro. Nesse episódio ele ficou sem
escândalo de jornal. Martins tentou defender-se, afirmando que nem se- o passaporte e confirmou à policia brasileira sua presença no país. Uma
quer Romero, o chefe do arsenal do ecs, podia saber o paradeiro das no- rlas faltas mais graves para qualquer enviado do Komintern, porém, era
venta granadas e duas dúzias de armas leves distribuídas na yéspera da in- irbandonar o posto sem autorização da central. Ghioldi decidiu perguntar
surreição. Num tom que nâo admitia resposta, Miranda disse que Martins il Moscou sé poderia retornar a Buenos Aires e, pam tanto, escolheu um
seda considerado pessoalmente responsável se outra gmnada calsse nas mâos caminho indireto
da polícia. "O rcsultado é que passei várias noites a andar por toda parte cm código
- carta aérea aberta, com linguagem cifrada mas nào
o que levanta a forte suspeita de que o militante argentino
no Rio com os responsáveis dos setores, coletando gmnadas e bombas, de- -,
não queria que seu pedido passasse pelo canal habitual do oMS no Rio.
zesseis das quais ficaram guardadas comigo", escleveu. l.lscreveu a Afonso de Figueiredo, em Pa s (que encaminhou a carta para
Outm insistência absurda de Miranda relacionava-se à imprensa ile- Moscou), afirmando que o empreendimento de novas atividades era mui-
gal do paÍtido. Diante do fechamenlo de A Monhd, ele queria montar seis lo difícil com a total clandestinidade de Prestes e Ewert, nâo havendo, por-
ou sete tipogmfias clandestinas, enquanto as duas existentes mal conseguiam tanto, muita coisa para se fazer naquele momento. "Com os recursos dis-
funcionar, Martins ficou desesperado, tentou convencer Miranda de que, poníveis e a situação atual é uma ilusão acreditar na realização de novas
naquele momento, mais importante do que aumentar o número de tipo- tarefas", arrematou Ghioldi. "É preciso modificar a empreitada, mas an-
grafias era aproveitar melhor as já existentes. Mesmo em condições de se- les de partiÍ ainda tenho de acertar uma série de coisas, há tempo para
milegalidade seria difícil encontrar gente responsável e competente para rca- se esperar uma resposta de Moscou."9
lizar um tmbalho desse tipo. Sob estado de sítio, a idéia era praticamente Ghioldi teria encontmdo em Stuchevski um importante aliado para
impossível de ser realizada. Martins forçou um impasse: "Não adianta na- seus planos de retirada. Normalmente desconfiado e cauteloso, o agente
da a gente se reunir aqui pam votar propostas irrealizáveis", afirmou, aos responsável pela sucursal do ol,rs no Rio redobrou seus cuidados, ao pas-
gritos. O secretário de organização tinha passado ao desafio aberto. Quando so que os casais Ewert-Sabo e Prestes-Olga continuavam agindo como
Miranda lhe recomendou que viajasse ao Nordeste, Martins sabia que Ewert se nada tivesse acontecido, isto é, viam-se todos os dias. O mesmo aconte
nâo deixaria. E tinha conseguido também o apoio do verdadeiro chefe do . cia com a jovem Marga, a argentina que trabalhava como secretária tec-
Bureau para sua posição, contra a de Miranda, de que havia sido correto nica de Ewert no aparelho deste em Ipanema. A primeira providência de
não tentar o levante do Arsenal de Guerra. Stuchevski foi alterar o principal endereço no Rio para recepçâo de corres-
l,entamente, no grupo de liderança do Bureau, as diversas maneiras pondência aérea. No começo de dezembro, mudou também os endereços
de perceber a realidade também começaram a provocar rachaduras no com- telegráficos, e recomendou que o tráfego principal fosse desviado para
portamento dos integrantes da conspiração. l,ocatelli percebera o dilema Buenos Aires. Mandou Baron desligar o rádio e avisou Moscou disso,
em que Prestes e Ewert se encontravam quando estouraram os movimen- num telegmma no qual as entrelinhas traduzem alívio e preocupação ao
tos no Nordeste, e por isso nâo criticou o desencadeamento do levante no mesmo tempo: "Prestes, Miranda, Politburo e Bureau fora de perigo.
Rio. "Dida que foi luma decisão] corajosa, até desesperada, mas tinha con- Nosso aparato de ligaçâo não foi atingido, mas atualmente impossível
dições de ser vitoriosa", comentou. Ele achava otimista demais a avalia- utilizar rádio".lo
ção feita por Prestes, no começo de dezembro, considerando temporária A principal providência de Stuchevski, contudo, foi acionar "Carmen",
a derrota e prevendo novo levante dentro de seis meses. O ponto central coreio argentino que circulava entre Buenos Aires e Rio.ll O agente so-
do dilema enfrentado por Prestes e Ewert em novembro fora a consciência viético convocara Carmen ao Brasil em novembro, e sua passagem pelo Rio
de que não podiam se furtar à ação, pois o governo, alarmado com os epi- coincidiu com o levante de 27 de novembro. "Com a derota do levante
sódios no Nordeste, tentaria assestar um golpe sobre a conspiraçâo, inde- e calculando que Prestes fosse enfrentar dificuldades", escreveu Stuchevs-
pendentemente de o movimento ser ou não deflagrado no Rio. E esta pos- ki, "pedi a Carmen que preparasse passaportes para Prestes, Olga, Rodol-
sibilidade, a de o govemo desfechar forte repressãq continuava real e iminente, fo e sua mulher, e tenho certeza de que lhe entreguei as fotos dos camam-
portanto a liderança deveria pensar agora em retirada. das Prestes e Olga. Disse a ele para me mandff os passaportes o mais
O primeiro a pedir abertamente a conta, com os nervos em franga- depressa possível." Como de hábito entre espiões naquela época, antes dc
lhos, foi o argentino Rodolfo Ghioldi, autor de uma trapalhada, em agos- sair do Rio, Carmen aÇertou com Arias, o correio pessoal de Stuchevski
246 247
.DÊsAsTRE.
.CAMA
248 249
.CAMÁRADAS'
pequeno caminhào Íurefas que mais tarde ficariam conhecidas, no jargão político da luta ar-
Por intermédio de Abóbom, entâo, conseguiu-se um
proximidades, pronto pam entmr em ação quando rnada, como "linha auxiliar". Não há evidência mais clara da precarieda-
que ficou estacionado nas
muita coisa ainda para ser desmon- cle e fragilidade do esquema da conspiração, apoiado em tão poucas pessoas.
a "mudança" ficasse pronta. Faltava
correio pessoal encarregado de aju- Miranda foi pessoalmente a Ipanema avisar Ewert, e lá encontrou o
iada e empacotada. Màrtins deixou seu
comando da conspimção também alarmado, mas por outro motiYo, se bem
dar Romero e voltou Para casa.
que igualmente gmve. Fora preso Orlando kite Ribeiro, oficial de confiança
o "material" de confecção usado por Jonny de Graaf era extrema- de Prestes e que o acompanhara no vôo de Montevidéu a Florianópolis,
espontânea e aci-
mente inseguro e já houvera vários casos de combustâo
graves O correio de Martins' iden- com o qual Prestes e Olga haviam entrado no Brasil em abrit de 1935. Ve-
dentes com ferimentos mais ou menos
camas no primeiro andar lho companheiro dos tempos de exílio na Argentina e Uruguai, esse mili-
tificado como "camarada Manon", desmontou as
para fora quando foi atingido por uma explosão que tar era o único que conhecia o nome (Antonio Vilar) que Prestes usava em
e levava os pedaços
o projetou vários metros pelo jardim Ela seu passaporte português. Se ele falasse, não seria difícil para o adversário
lhe arrancou quase toda roupa e
da casa' descobrir o apáretho de Prestes. Era necessário, portanto, desativáJo ime-
ocorrera num pequeno armário colocado no hall de distribuiçâo
e parte da dinamite' Por medida de pre- diatamente. Para combinar os detalhes da mudança de esconderijo e reor-
contendo vidrás com detonadores
portas do armário' mas nâo pensam nos ganização do tÉbalho foi marcada uma reunião pam as três da tarde de
cauÇão, Romero havia pregado as
pro- 26 de dezembro na casa de Ewert, na qual também estariam presentes 01-
tmn;os que este sofreria ao ser tÉnsportado' A violência da explosão
de fedmentos ga, Amleto l-ocatelli, a argentina Marga, Jonny de Graaf e sua mulher,
vocou gmnde destruição na parte interna do imóvel, alem
Em pânico com a ideia de Irnâ. A reunião jamais se rcalizaria.
.- drà du, crianças e na mulher de Romero'
Até entâo em nada havia se alterado a rotina dos protagonistas da cons-
qu" o, quilos de dinamite guardados num quarto atrás da crrzi-
"inqii.ntu Manon pulou o muro dos fun- piração. Em Moscou, Jonny lembrou-se que a derrota deve a ter levado
nha também fossem pelos ares, o camarada
pelas ruas, seminu e chamuscado Uma hora depois todos a adotar maiores cuidados, mas, como sempre, diariamente Prestes
dos e fugiu correndo
pessoas haviam corrido pa- e Olga visitavam Ewert ou vice-versa. Eram todos muito amigos, e isto im-
encontráu-se com Martins e contou que várias
de' pressionou bastante a I-ocatelli. "O tnbalho do Bureau do Komintern nào
,u ,oaoraa, a família. Quando viram armas, munição e componentes
do se dava por yias nolmais, apesar de os camaradas dizerem que tudo nào
rádio, os vizinhos chamaram imediatamente a policia Romero'
o chefe
preso. conhecia pessoalmente Prestes' Ewert' podia estar caminhando melhor", explicou, mais tarde, em Moscou. "Po-
arsenal do partido, fora E ele
pelo menos uma reu- de até ser que se entendessem muito bem, mas isso mesmo, a amizade en-
Jonny, Miranda e Ma ins.12 Além disso, assistira a
rua Borda do Mato, em agosto' na qual tre eles, foi a causa da falta de cuidados na área da conspiração." Apenas
nião áe alta cúpula na casa da
Ghioldi, como sempre assustado, em duas ocasiões encarregou Jonny de
Prestes tmvou conhecimento com alguns militantes'
e Martins desmobilizavam
jogar literatura revolucionifuia no mar. Havia, de resto, pouco respeito pe-
Quatro horas depois da explosão, Miranda la capacidade de açâo de uma polícia de país semicolonial. A §uposta se-
despachavam mensageiros avisando a direção do par-
diverJos aparelhos e
própria seguran- gurança em que todos se sentiam reflete-se nos cudos telegramas de§pa-
tido. Martins estava assustado, pela primeira vez, com a
um nome falso com o qual ele ope- chados a Moscou naqueles dias de dezembro. No dia 18, StucheYski dizia
ça. A casa do Grajaú fora alugada sob
frutas' domiciliado que em breve o rádio poderia ser colocado de novo em funcionamento, e
,uua no niot Heniique Vieira da Silva, exportador de
que de fato desempenhara no final aproveitava para mandar uma reclamação que causou enorme surpresa em
em Cu-po Crund. (uma atividade ele
à dona Moscou: o Bureau Sul-Americano, escreveu, estaYa totâlmente sem dinhei-
dos anos 20), E, com o mesmo nome, Miranda o havia apresentado
a secretária Enei- ro.13 Ewert, por sua yez, telegrafavâ a Manuitski dizendo ser difícil no mo-
de um apartamento no qual morou por uIrs tempos com
que a explosào mento organizar viâgens de delegações pela América Lâtina, e sugeria a
da Costa, e que pretendia pa§sar adiante Com o escândalo
que o nome "Hen- instalação de um representante fixo em Santiago.
fatalmente piovàcaria, pensava Martins, era inevitável
jornais' e a proprietária do aparta Moscou tratava de tudo com aparente normalidade. Em l7 de dezem-
rique Vieira da Silva" aparecesse nos
modificâr bro, a presidente mundial do Socorro Vermelho, Helena Stassowa, telegra-
mento logo associaria as duas coisas' Isto significava também
fava para o agente do ous no Rio avisando que 5500 dólares haYiam sido
esconderijos e loçais de reunião dos quais se servia Miranda'
e o mesmo
Mariana' que desempenhavanr destinados pela Internacional às vítimas dâ repressão no Brasil. O olras,
se aplicava a simpatizantes, como Carlos e
251
250
.CAMARÀDAS' .DESASTRT.
por sua vez, perguntava ao Rio quando "Victor", que já havia completa- lrrlc rapidez nas três semanas seguintes; não deixou um único homem de
inexpedência nesse tipo de gue[a urbana, que corrigiria, aliás, com bas- lembmndo a Prestes que Jonny poderia ter sido denunciado por Romero.
252 253
.DESAsTRE.
americano Victor Allen Baron e no qual este instalara o rádio. Tàmbém nre parece bastante plausível:
era usado pelo correio Arias, que estava sob as ordens de Stuchevski). De
Havia ainda uma outra ordem da rc (Internacional Comunista). Todo o nos-
qualquer maneira, Stuchevski estaya rompeído o princípio dos comparti
so pessoal lá no Brasil podia cair, menos Prestes. Quem fosse culpado pela
mentos estanques e colocando em risco sua própria estrutura, mas não ha- queda de Prestes seria fuzilado. Ainda hoje estou de acordo com essa ordem,
via outro jeito. Naquela mesma noite, por intermédio de Baron, o argenti- pois Prestes era para nós o mais importante e devia ser protegido por todos
- o rcvela a fragilidade
no Ghioldi conseguiu encontmr-se com Prestes que os meios. Mas essa ordem nõo podetia de maneiro olgu a ter sido comunica-
do esquema de proteção ao líder da insurreição. Stuchevski, Jonny e mu- da a Prestes, Por cousa dísso ele se tornou neglige te e não aceitaya conse-
lher, Ghioldi e mulher, Baron e o correio Arias, além de mais dois brasilei- lhos, agi do sempre como bem entendia- Menciono isto apenas para provar
ros, moravam todos nas redondezas da N. S. de Copacabana com Sá Frr- que Prestes, sabendo dessa ordem, achava que podia lazer o que queria. Nes-
reim. Com mais um detalhe: no mesmo prédio de Baron, viviam o jornalista se caso foi errado deixar Prestes saber da ordem.lS
Osvaldo Costa (A Mazúri) e o médico Eliezer Magalhães. Erc o quarteirâo
A quantidade e o valor dos documentos que a polícia encontrou na
da conspiração. casa de Ewert eram incalculáyeis. Esses papéis não apenas comprovayam
Chioldi tinha apenas um pedido a Prestes: ir embora do Rio. O argen- as conexões internacionais do moyimento, o que em si já se constituía em
tino, que há meses não pensava em outra coisa, dessa vez tinha fortes ar- apreciável reforço propagandístico, que o governo Valgas soube utilizar com
gumentos. A pdsão de Ewert era uma catástrofe pam toda a operaçào. Prcs-
eficiência. Os mais de mil documentos apreendidos, segundo os autos po-
tes deveria dar a ordem para que todos saíssem do Brasil, insistiu Chioldi,
liciais, permitiam uma visâo em profundidade dos objetivos, métodos e
e contou isso mais tarde a I-ocatelli. Prestes, de acordo com essâ versào,
estrutura da organização do Bureau Sul-Americano do Komintern, e nào
respondeu que não sairia. Estaya preocupado sobretudo com aquilo que
apenas no Brasil. Além de um salyo-conduto que Prestes assinara para Ewert
os camaradas pensariam de sua retirada, mas seu argumento principal pa-
no dia da insurreição, fato bastante diyulgado na época, os homens de Fi-
ra permanecer, segundo I-ocatelli, era outro. "Dentro de um mês a situa-
linto Müller apreenderam outro documento de incalculável valor: o códi-
ção já podia ser outra, e dentro de um mês já se teria surpresas", escreveu go Mosse de Ewert e uma tabela de decifração. Para completar, a fotogra-
o italiano, resumindo o que dissera Prestes. "Se nada acontecesse até lá,
fia de uma misteriosa mulher
Prestes então não se oporia a sair do país." - Olga Benado. A conspiração inteim estava
nas mâos da polícia. mas ainda havia mais.
Assustado ou não, Ghioldi avaliara melhor a situação do que Prestes,
Além dos papéis, que levariam algum tempo para "falar", os poli
como sempre vitima de sua perigosa tendência de tornar-se prisioneiro das
próprias palavras e ilusões. Quem se enfureceu com a teimosia de Prestes, ciais encontraram na casa de Ewert outra preciosa fonte de infoÍmaçâo,
talvez a pessoa de maior valor para a repressão: uma moça simples do po-
outm característica de sua personalidade, foi o alemão Jonny, com o qual
vo, a doméstica Deolinda Dias, Ela contou aos policiais que os melhores
o chefe da insureição também já não se entendia. "Prestes queria tentar
amigos de seus patrões momvam na rua Barão da Torre, onde tmbalhava
chegar ao Nordeste e, assim como fizera em 1924, formar uma coluna, com
254 255
.cANl^
uma amiga sua, e os levou até Cerca de uma hora depois da fuga dc
lá
fr.rt.r, g"uiuan p.tu doméstica de Ewert, a policia "estourou" o aparelhÔ
do cheie"da insurrcição, dcscobriu a segunda
porta no armário-bomba pre-
de documentos'
parado por Jonny e realizou outra volumosa apreensão
oeolinclà tambóm fez uma clescrição preciosa para os Policiais' Um ho-
mem muito sério e importante que visitou Ewert morava
ali perto' na Pru-
bem de saúde' man-
tlente de Morais. A rnulhcr dcsse senhor não andava
cava cle uma perna. Hra a agcnte soviólica Sofia
Sttlchevskaia' mulher de
pu*t, qr" tinha flcbite na perna direita O topo hierárquico da operaÇào
por
mont;á havia tanto tcmpo pelo Komirltern iro Brasil fora denunciado
rrma doméstica, cujo salário (cerca de nove dólarcs
por mês) saía' aliás'
do ouro de Moscou.
montagem de
Prestes vinha dando provas de perigoso amaclorismo na
irresponsabilidade que Ewert
sua rede desde antes de sair de Moscou, mas a
e ele demonstraram ao conservar tal quantidade
de documentos ainda ho-
je é inexplicável. Excesso <1e confiança t'ta vitória? Desprezo completo,pela
Hábi
policia, que julgavam talvez incapaz cle chegar a seus esconderijos?
Prestes Ewert, sobretudo este' não eram
ios incoriigireis ae intelectuais? e
da vida na clandestinidade e exílio' Ewert
,',ounto, no.logo .lu .onspiração e
por Jonny Ê pe-
fora advertido por Stuchevski, por Ghioldi, por Locatelli'
la própria mulher, Sabo, e não respeitou os conselhos Ao tomar conheci
pela policia' Chioldi' formalmente
mento da extensão da apreensão feita
não entcnder como isto fora possível-
à chefe do Bureau, disse a Locatelli
i'Se soubesse teria clado uma orclem", disse o argentino Segundo Locatelli'
pen-
quando soubc que a polícia havia encontraclo tal quantidade de material'
podia acreditar que um camaÍâda
sei tralar se de uma inlbrmaÇão falsa Não
consigo Mas Ghioldi
responsável puclcsse ter tal quantidade clc t'locumcntos
dúvidas Agora a policia tinha ccrteza de que
a" A;r." qu" nâo podia haver po-
deveria pràcurar Prcstes no Rio E os documcntos encontrados conr Ewer!
<liam provar que Prestcs era um agente de Moscou'
apreendi-
Em relação à rcsponsabilidade de Prestes pelos documentos
Localelli lez ent Moscou uma denúncia contra Olga'
clos em seu aparelho,
a responsável pela segurança do chelt da insurreiçâo:
Podc ser que
Ao abandonar seu aparelho, Prestcs não levou selts docunentos
convencidos de que
tcnha agiclo assim porqüc ele c sLra companheira cslavant
por Gruber (Jonny) luncionaria' o quc não acontece[ Parece
o arlclâto ieito
des-
que a policia não tentou abrir a porta com a chave' mas simplesmentc
que olga podia ter cuidado clesses do
monrou o armário. Mesmo assim acho Celestino Paravenli, o indus-
pouco depois do camarada Prestes' nio trial paulistâ que recebia em
cumenios. Ela podia deixar a casa um
precisava surnir imcdiatamente, em apcnas quinze minutos rcsolvia
tudo Os sen Caf é (de I a I he dc í m a) patle
do dinheiro de Moscou para
Prestes.
256
§ a.?"8§. coog,rr{E LLIH(DPO ÀÂ..
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.DESASTRE'
.CAMARADAS'
jovem argentina Marga' poÍ rlrr.rrrçiio, nem seria necessário inteffogar Ewert a respeito. O mais prová-
guma freqüência, também com Stuchevski A
vt.l (' (lLrc os carrascos da policia brasileira tenham começado a torturá-lo
Iinut, r*u imprudência fenomenal na tarde da prisão de Ewert'
.o-"t"u
I ,"ua -uiores conseqüências devido ao comportamento
bisonho llrr rtrrc informasse o paradeiro de Prestes, do qual nâo tinha a menor
or," ,O I'ltir. liatado como animal, presenciando suplícios infligidos à sua com-
"ro
da polícia. Marga chegou atn§ada âo encontro das
três horas mesmo
e'
lrlrrlrcira e recebendo violentos choques elétdcos na cabeça, Ewert foi pouco
I ,.não u d.irert com todas as janelas fechadas' bateu à porta' Nin- rr lrrrrrco perdendo a razão. Ele seria mais uma das vítimas da "falta de
"uru
guém respondia. Um vendedor de sorvetes, da rua'
gritou-lhe que estava
pela polícia' Marga dirigiu-se rÍrrçrro" das autoridades brasileiras, e[oneamente atdbuída à "trâdiçâo
ãfl a iou, poi, ot aonos haviam sido levados ltlx.rirl" do país. Filinto Müller merece com toda justiça o título de patrc-
então para Copacabana, diretamente para o aparelho de Ghioldi
- e não 1,, rlir arma dos tortuÉdores. E, a partir de então, nunca mais as autorida-
foi seguida Por ninguém. ,h s lrrusileiras renunciadam à tortura como forma sistemática de reprimir
I É- Mor"ou, mais tardg Jonny insistiu bastante na versão de que a rlovirnentos políticos.
I empregada ou os vizinhos haviam denunciado Ewert: Repetidas denúncias e a crise social no Brasil a partir dos anos 70
Ao escrever relatório sobre o Brasil' tudo ficou novamente muito nítido'
e§te llrr,\traram que a tortura, ao longo das décadas, transformou-se numa ins-
por
I purr"i u uaftu, -ul, provável essa terceira possibilidade' a da denúncia lrrição, uma prática banal e corriqueira, parte da cultura brasileira.
"pJ.t" ae uirinftos aa empregada' A polícia teria suspeitado de alguml :oisa
" a Polícia Especial Umâ
lstranha e isso explica a maneira impetuosa como agiu
hora mais tarde apolícia teria achado na ca§a de Eweft também Olga e Bruno
(Locatelli).
260 261
I
.SUSPEITAS.
rrr.ntc com os policiais. Contava coisas sobre a Bélgica, "pois nós eramos
'l,r.lgrs' ", escreveu Sofia. Na yolta de Pavel o chefe do grupo mostrou-se
QUINTA-FEIRA,3 DE JANEIRO DE
1936
l,t rrr informado sobre o casal. Por que eles haviam dito ao proprietário de
Zonq Sul, 11h30
!r,r aDartamento anterior que se mudariam para Petrópolis, e vieram dar
Um ,.nr (lopacabana? "Não tenho obrigação de dar satisfações a meu senho-
O.banho de Sofia Stuchevskaia foi interrompido pela empregada
patroa' Ainda pingan- r io", respondeu Sofia, procurando tratar os policiais com certa arrogância
jovem, dizendo-se da polícia' estava procurando a
homens na c srrperioridade, indo ao ponto de desafiar um deles; "Nâo vou permitir
âo água, enrolada numa toalha, a agente sovietica viu cinco
momento o mais :ro scnhor gritar comigo dentro de minha casa". O chefe do grupo foi ao
entra-da de seu apartamento, em Copacabana, até aquele
i secreto de todos os aparelhos do Komintern no
Brasil Voltou ao quarto' t.lclbne e teve um curto diálogo com alguém que Sofia não conseguiu iden-
colocou um roupão e foi tranqüilamente perguntar o
que eles queriam' Pro- trlicar. "Não, esta é loira, olhos azuis, cabelos pintados."
que ainda nâo havia chegado da No mesmo carro que levara Pavel até a casa de Ewert o casal de agentes
curavam seu màrido, Pavel Stuchevski,
I rua. Um dos policiais perguntou a Sofia, em português' há quanto tempo roviéticos foi conduzido à seção política da Poiícia Central, e imediatamente
Harry Berger (o pseudônimo ,rcparado. Cada um preencheu um questionário e viu um álbum com as fo-
ela vivia ali e se conhecia alguém chamado
que Ewert usava no Brasil). r()grâfias de Eweft e sua mulher. A de Ewert era coloÍida, a polícia brasilei-
! da sucursal rir a recortam da primeira página de uma revista alemã onde estavam retra-
Nesse instante Pavel Stuchevski chegou em casa' O chefe
profissional lmediatamente exigiu te- rxdos deputados dô Reichstag (Parlamento) de 1927, ano em que Ewert fora
do olrs no Rio comportou-se como
Permitiram apenas que ( lcito pelo KpD (o pc alemão). Pavel e Sofia disseram nunca terem Yisto o
lefonar para seu cônsul. Os policiais nâo deixaram
nenhum a acompanhou' No Irumem. Passavam das três da tarde quando ambos fomm colocados em ce-
Sofia voltasse ao quarto para se vestir, mas
quurto d" dorrni, §ofia guardava, nrrmâ caderneta' os números da codifi- lxs separadas, a de Sofia com vinte camas e nenhuma pessoa, a de Pavel
Moscou Têve tempo de t om igual número de leitos e dois militares, dois médicos e três didgentes
àção dos últimos cinco telegramas transmitidos a
sindicais. Continuava insistindo sem êxito em falar com o cônsul belga, e
destruí-los e voltou para a sala com um ar de dignidade ofendida'
O chefe do grupo disse a Stuchevski tê-lo visto na casa
de Ewert' Não lÍanqüilizou-se quando percebeu que podia ver Sofia na outra cela.
obteve do experimentado agente a menor reação'
Acostumados a encon-
trar grande quantidade de papeis nas casas dos últimos "estrangeiros" que
Ewert Prestes, "estourados" em 26 de /.ona Sul, cercq de 19 horas
haviãm visitado (os aparelhos de e
a revistar o apartamento Pediram a
dezembro), os policiais Çomeçaram
numa delas descobriram 6 mil pesos O argentino Rodolfo Ghioldi, formalmente o chefe do Bureau Sul-Ame-
Sofia as úaues das malas do casal e
para a época)' mas es- ricano do Komintern, nâo entendia mais nada. À tarde, Pavel Stuchevski
argentinos (cerca de 1700 dólares, bastante dinheiro
263
I 262
.SUSp
I
.CÀMARADAS'
t ittl)lt(te do delegado Miranda Correio, Polícia Central, 22 horas
Reunido-com
deüara de comparecer a um "ponto" que haviam combinado'
o italiano Amieto I-ocatelli e o alemão Jonny de Graaf' Ghioldi achava
t sido llcunidos na sala do chefe da seção política, o secretário pessoal de
que o "belga" (que todos tratavam por "kon") só podia também ter
I rlrrlo Müller. Carlos Brantes, e seu principal investigadol o delegado Fran-
ultracauteloso agente soviético
pr"ro, trlur="ornà obter a confirmação? O , r.,, o Meneses Julien, tinham desarticulado a operação montada pelo Ko-
I com seus dois principais ho-
irogramava sozinho seus contatos. Mantinha rIItcr n no Rio, e não perceberam. Desconheciam qu€ suas mai§ recentes
em lo-
meà de fgaçao, o americano Baron e o argentino Arias' encontros lrr, srrs, Sofia e Pavel Stuchevski, eram o principal elo dos conspiradores
justamente dois que fechavam o
ignoràdos por Ghioldi. Emm esses
, orrr I\4oscou, dois agentes profissionais, de nacionalidade sovietica, res-
"uis dos camaradas
circuiio com o novo esconderijo de PÍe§tes e os aparelhos l,,,rrsriveis pelo financiamento e comunicações da insurreiçâo, alem da se-
do pcB, endereços que Ghioldi também não possuía Ewert
cuidara sem-
,,rrrrnÇa e discreto controle politico dos principais participantes - todas
pre disso, e ele estava desde 26 de dezembro na'cadeia'
I Ainda por cima, Ohioldi estava inconformado com a recusa
de Pres-
,r.,irlividades que desempenhavam em missão no estrangeiro os integrantes
,lir Ix)lÍcia política soviética, na qual Pavel fizera carreira. Jamais a policia
grupo de
ies em sair ào Brasil, com isso bloqueando a retirada de todo
o
1,,litica brasileira saberia ter engaiolado um colega soviético, representan-
já âté
.*iudor, ouru u oral Ghioldi, após a prisão de Ewert' estabelecera r(.(lir NKvD, enquanto Sofia vinha pelo tv Departamento do Estado-Maior
m"rrno uÁa primeiro deixaria o país l-ocatelli' a seguir o casal ale- ,1,, lixército Vermelho (espionagem militar).1 Ignorava também que, naque-
"rcalu,
mão, Jonny e [€na. "Mas enquanto Prestes não saísse'
Ghioldi dizia que lr 0romento, os enviados do Komintern ainda em liberdade não sabiam co-
não podia sair também", lembrou-se locatelli o argentino
criticava Pres- rr() cncontrar seu chefe, Prcstes, e este não tinha forma de entrar em con-
que a conduta deste contrariava instruções do Bu- lirt() com os estrangeiros. Não havia mais fundos nem comunicações diretas
tes abertamente, dizendo
no Rio, "podia ajudar a dimi-
reau e que apenas a presença dele, Ghioldi, ,,rnr a Maison.
Na semana antedor' uma das Como os homens de Filinto Múller chegaram tâo depressa ao chefe
nri, us conseqfiên"ias da atitude de Prestes"'
novo esconderijo fora do in- (lo rparato mais secreto da con§piraÇão, o único razoavelmente intacto no
fri-"iras "artu, que Prestes recebera em seu
! ;istente Ghioldi. Ao saber também das cdticas do argentino' o vaidoso co- , r)l»cço de 1936, e não sabiam quem eram seus chefes? Para responder à
perdoaria' r'\sir questão existem fortes indícios, mas nenhuma prova conclusiva. A der-
mandante da revolução brasileira nunca mais na vida o
A situação de Ghioldi, já bastante precária,logo tornou desespera-
se r,Iada desse esquema dentro da estrutura (sete pessoas eram dirctamente
I dora. Dentre os estrangeiros em liberdade, o caso dele era
o pior' Já estava .,Ilx)rdinadas apenas e somente a Stuchevski) comeÇou com a pdsâo de
prisào I rvcrt. Deolinda Dias, a empregada do alemão, fez uma descição bastan-
,a- purrupor," a, corn a correria para trocar de esconderijo após a
vez' Depois de abando- rr cxata (entre outros) de Pavel e Sofia, a senhora que mancava de uma
I de Ewert, acabou ficando sem teto pela segunda
nar um apartamento que Jonny arranjara com um médico' I-ocatelli 1,rrna, e deu à policia o primeiro endereÇo dos Stuchevski, na rua Pruden-
em Copacabana' lc (lc Morai§. Precavido, Pavel havia trocado de aparelho e rompem conta-
conseguira-lhe um lugar na pensão em que se hospedava
lo com o engenheiro Pompeu Magalhães e o comerciante nâo identificado
i apr"rátu,rdo-o
"omo
"um amigo de praia"' No
b;m Locatelti "sugeriu" diretamente a Stuchevski
último dia de 1935' tam-
que o mandasse de vol- (lllc passavam telegramas cifrados para a Europa, Simpatizantes conheci-
para fazer um relatóÍio, pois em o único que ainda tinha um
rlrs, foram dos primeiros a serem presos. Magalhães logo foi liberado, o
ta à Maison
cujo nome não atraíra a atenÇào rlrrc se explicava, segundo Pavel, pelo fato de §er pdmo do interventor da
fassaporte "bom", isto é, um documento
! ã" ooii"iu. Stuchevski respondeu que nâo era hora de sair' e sim de ajldar lJilhia, mas não sabia por que o comerciante também não ficara detido mais
(880 dólares) para tranqiiilizar (lo que algumas horas. Esses dados já bastariam para levar a polícia aré
PrÀtes, e entregou a lrcatelli 3 mil pesos
() llovo endereço do casal soviético, e não se pode excluir que os interroga-
jeito: a verba não era suficiente para a retirada do gru-
chloldi. Nao navia (lores tivessem obtido algum indício suplementar através de Ewert ou de
po, Ghioldi precisava comunicar-se com Prestes, e tudo isto passava pelo
rrra mulher.
agente soviético. Mas onde estava ele? Tàlvez a polícia nem sequer tivesse encontrado o ca§al de agentes so-
! iéticos em Copacabana se não fosse pela desabalada fuga de Prestes. Ao
I sair às pressas da Barão da Torre o chefe da insurreiÇão não tinha para
26s
264
.C^MARÂDAS. . SUSPE I TÀ S.
onde ir, e buscou refúgio no apartamento de Stuchevski, que o levou a Ba- l)rcso como espiâo em Pads, em 1929, com a Yantagem de
que Sofia, de
ron e o colocou no aparelho onde estivera o rádio, ocupado tâmbém por (lucm era mantido separado, também a conhecia:
I Arias. Estavam todos muito próximos entre si, e era óbvio que Prestes e Disse que Sofia não era legalmente minha mulhet que ela ainda estava casa-
Olga não poderiam permanecer muito tempo aü. Não se podia esperar ajuda da, mas que vivia com o íilho, longe do marido. Como seu marido não queria
ll do ecr, considerado um risco de segurança pelos conspiradores. Stuchevski lhe conceder o divórcio e pretendia ter a guarda do filho, ela §e juntou a mim,
foi obrigado a queimar sua própria "reserua estratégica": deu a Prestes depois de colocar o menino num colégio interno suiço. E disse, para finalizal
um aparelho que mantinha para si mesmo em caso de retirada, ocupado que só tenho um bem em minha vida: a felicidade da minha mulher. PoÍ estâ
por um casal simples e de absoluta confiança, indicado pelo partido mas razão Írão podia dar detalhes sobre minha vida, meus negócios e meu§ ami-
subordinado ao homem do otr.ts, que lhes pagava o salário. Era uma casi gos, pois assim se saberia quem eIa a minha mulher e lhe fariam mal.
nha na rua Honório, 279, no bairro popular do Méier.2 Por medida de se- Os dois policiais brasileiros não se deixaram leYar pela primeiÉ hi§tó-
gurança, Prestes cortaru todos os contatos diretos enteriores, inclusive com
ria contada pelo interogado. Mas decidiram levar adiante o jogo. Mon-
sua motorista, IJna, a mulher de Jonny. Por isso, na noite de29 de dezem- sicur Vallée (o nome falso de Stuchevski em seu passaporte belga) não pre-
bro, quem o levou ao novo esconderijo foi o radiotelegmfista americano cisâva temer nada, assegurou Julien, "o que nos intelessa é a luta contra
victor Allen Baron, agora fazendo as vezes de motorista e mensageiro. Pres- o comunismo, pouco nos importa o resto, e não queremos incomodar ne-
tes passou a depender do aparato do agente soviético, que sabia muito bem
rrhuma pessoa", disse ao soviético. Enquanto Brantes insi§tia agora sobÍe
do grave risco que corria. Basta lembrar seu telegrama a Moscou, de 28 de r ligura de EweÍ, Julien saiu da sala e foi procurar Sofia, a única habitan-
dezembro, dizendo que fazia todo o possível para gaÉntir a segurança
t0 em sua espaçosa cela. Ela se lembrou, menos de um ano depoi§, de to-
de Prestes, "embon ardsque meu aparato".3 tlos os detalhes desse primeiro contato:
Partindo da certeza de que a casa de Ev,/ert era um dos centros da in-
surreição e que o estrangeiro que âcabayam de prender a freqüentara, Fran- Entrou um sujeito que falava muito bem ftancês. Ele disse que havia acabado
cisco Julien e Carlos Brantes sabiam que Pavel Stuchevski fizeta paÍte da de lalar com meu matido, que ele nada dissera sobre a origem do dinheiro,
! operação. Naquela noite decidiram inaugurar novos métodos de investiga- nem dera informações sobre seus negócios, e que ele estava escondendo algu_
ma coisa. Eu lhe disse que minha educação nâo me permitiria jamais intrometer-
ção, quem sabe com resultados mais positivos do que as pancadas, maus-
me nos negócios de meu marido, ma§ que achava que tudo deveria estar em
tratos, suplícios e torturas inflingidas a EweÍ e Sabo.
I Pâvel foi levado pam o gabinete de Miranda Correia. Falando bom
ordem, pois havíamos conseguido o§ pesos em Cenebra, no Banco di Roma,
e que eu estava presente quando ele trocou o dinheiro, Dis§e que não conhecia
francês, Julien e Brantes o convidaram a se sentar e lhe ofereceram uma gente no Rio, que estava na cidade para descansar. Ele me garantiu que Ílão
,! taça de café, escreveu mais târde o agente soviético. Percebeu depressa que nos iria fazer mal, que eu podia dizer onde meu marido trabalhou depois de
a polícia não tinha noçâo exata de quem ele era, situação reconfortante 1929, pois só até ali ele dera informações. Ele me repetiu várias vezes que não
para um interrogado experiente: Stuchevski fora treinado para comportar- estava acreditando nessa história.
se assumindo que a potícia potítica sempre sabe mais do que o prisioneiro
: supõe.4 Julien e Bmntes interessaram-se pela origem do dinheiro, pelas ati-
Apesar de sua desesperadora situação, nas mãos do inimigo, Pavel con-
scguiru uma pequena vitória tática sobre a polícia: um dos interrogadores
vidades de Stuchevski na Europa e no Brusil, por seus conhecidos no Rio
lbra dizer inyoluntadamente à sua parceira qual lenda Pavel estava con-
de Janeiro, se sabia quem era Ewert e, por fim, fizeram algumas ameaças.
I Pavel tinha mais um cheque de 7200 francos (cerca de quinhentos dólares)
tlrndo e que história, por sua vez, ela deveria apresentar aos policiais. Se,
irté então, Sofia tinha alguma dúvida sobre a maneira como PaYel tentada
num banco no Rio e o disse. Explicou que os pesos argentinos haviam sido
tlriblar os interrogadoÍes, Julien contdbuiu em boa parte para dissipáJa.
comprados no Banco di Roma, em Genebra, seguindo o conselho de ami-
No entanto, o policial brasileiro não estava convencidq e ensaiou uma amea-
gos que lhe disseram ser melhor a taxa de câmbio na Europa, onde encer-
rara seus negócios ântes de partir para o Brasil, ça, quem sabe com uma mulher isso funcionasse:
Como qualquer espião bem treinado, Stuchevski tinha um "falso" se- Perguntou-me se eu lecebia cartas de meus pais, ao que respondi afirmativa-
gredo para desviar a atenção do yerdadeiro e desarmar momentos de sus- mente. Ele me pediu algumas mas eu lhe disse que nâo as guardava. DuÉnte
peita. Repetiu aos policiais brasileiros a mesma história que contara ao ser essa conversa, duas outras pessoas enÍaram. Cada uma ficou de um lado da
I 266 267
.CAMARADAS. .SUSP
cama. Conservei minha calma e fiquei encarando os três. Um deles perguntou tílrr( ll1(). sem saber qual era e sem ter a menor idéia do que os esperava'
se eu estava com meu passapofte. Ele fez um movimento em direção à minha I (,r rrtrlli aceitou a missão. "Embora isso fosse contra as normas mais ele-
bolsa de mão, tocou-a mas não a abriu. Eu lhe entreguei o passâpofte. Ele llr.rtllrcs de segurança, tinha de ser feito", escreveu. Após estudarem bem
encontrou algum diÍheiro bÉsileiro mas me devolveu. O primeiro repetia to- rrr lrrnclas que davam paÉ o Lido, convenceram-se de que apenas dois apar-
do o tempo: "É melhor que a senhora seja sincera, madame Nada temos con-
tr ll.Ilos, naquele andar, estavam voltados para aquela direção'
tra os senhorcs, diga o que sabe sobre scu marido e em seguida nós os levare-
mos de carro para casa". Ele disse que se eu não contasse tudo, teriam meios
de me fazer falar
l\'lt, lLt Centql, l0 horqs
A tentativa de Julien de introduzir uma cunha entre os dois agentes,
acenando com puniçâo e recompensa, era bastante bisonha. Sofia blefou: tlm sujeito muito polido e amável, dizendo-se seu amigo e compa-
"Allez y, monsieur, je suis seule ici sons defenqe et yous êtes trois". rrlrcilo, procurou Sofia em sua cela, falando macio. Grande dama ofendi-
Mas Julien disse que ela não o havia entendido, que ninguém lhe faria ,lrr. Sofia o tratou com desprezo:
mal, "vocês estão sob a proteção da polícia brasileira". "Não procuro meus amigos entre policiais".
O visitante disse que não era policial. Apresentou-se como secretário
,Ir chefe da polícia, Filinto Müller, e exibiu uma carteidnha onde constava
SEXTA.FEIRA, 4 DE .IANEIRO DE 1936 ( irrlos Brântes, secretário. Era o prosseguimento da tática "macia" ini-
Copocabano, cerca de t horas , r:rla por Julien na véspera. Explicou a Sofia que o Brasil atravessava um
lronrento muito difícil, "os comunistas tentaram derubar nosso regime,
Sem ter a menor idéia do que acontecera a Pavel e Sofia, Ghioldi, Lo- rl.s lizeram muito mal a nosso país". Falou longamente sobre a hospitali-
catelli, Jonny e l,ena decidiram revezar-se discretamente diante do Edifício rIrclc brasileira, mas que não era possível permitir o que estaYa acontecen-
Rosada, avenida N. S. de Copacabana, 92, onde morava o casal Stuchevs- ,lo. O distinto casal estrangeiro poderia continuar vivendo sem o menor
F ki. Mas em qual apartamento? Lena, a ex-motodsta de Prestes, que a to- lrroblema, mas se ela ou ele estivessem escondendo
algo, em melhor di7ê-
dos conhecia e tudo sabia, desta vez nâo se lembrou do número, Em com- lo, rnesmo que fossem problemas pessoais. Thdo permaneceria apenas en-
pensação, era capaz de mostrar em qual das janelas do sexto andar, olhando trc eles. Sofia pediu o prazo de uma noite para pensar no que iria dizer
1 para o Lido, ela certa vez tinha visto Stuchevski desde o balcão da pensào r llrantes ganhando assim um pouco mais de tempo. Ficâra muito prco-
de Locatelli, muito surpresa de que todos fossem vizinhos tão próximos.
-
|rrpada com o começo da conversa: BÍantes lhe mostrara uma foto de ol-
1 As longas horas de vigilância não trouxeram nenhum rcsultado. Tàm- 1,;r Benario. perguntando se a conhecia.
pouco havia sinal de Baron ou de Arias. Ghioldi estava com os nervos à "Quem sabe a senhora a viu na praia"' disse Bmntes, mencionândo
ll'-
flor da pele, lamentando a série de erros cometidos e a situação em que r scguir um importante detalhe: 'A mulher de Harry Berger disse que [Ol-
que morava muito perto de
todos se encontravam. Voltava sempre ao tema dos documentos apreendi- |.al tinha uma amiga com uma perna doente
sua casa". De fato, Olga e Sofia conheciam-se desde a "casa de chocola-
t, dos na casa de Ew€rt (que a polícia nem sequer havia começado a publi-
car). "Ele me dizia que reconhecia toda a sua responsabilidade, por ser ru". o discreto edifício do ú Departamento do Estado-Maior do Exército
i 268 269
.SUSPEITAS.
.CÀMAR?rDAS'
2lhi0 lirlil o casamento, que tinha um filho com ele, que nâo me peÍmitiam viver
Copocabana,
rorr meu filho, que Pavel era muito bom e generoso comigo e com meu filho,
rlrre meuprimeiro marido Íão me dava o divórcio, que Pavel não disse onde
r A tensão e a incerteza entre os enviados do Komintern em liberdade
rnbalhou depois de 1929 porque ele é sócio de meu marido em negócios e
tornaran-se insuportáYeis. I-oÇatelli entrou no Edifício Rosada e subiu pe-
t! nrio posso dar o nome dele, pois a policia acabaria dando indicaçôes a meu
la escada até o sexto andar. Ali teve uma desagradável surpresa:
rrrarido sobre onde me encontrar.
Em vez de dois âpartameÍtos, havia quatro voltados para o Lido e tlês para história não era de todo má, e tinha a vantagem de possuir um de-
o pátio interno. sem saber qual o nome que vallée adotara, comecei a tocar
que fi- r,rllrc^verdadeiro,que poderia ser confirmado por qualquer polícia (se bem
as campainhas, dizendo para mim mesmo que podia dizeÍ às pessoas
trê§ p meiros apaÍamenios' ,1rr. a francesa não se deixou convencer por isso): o filho de Sofia estava
nha sido um engano. Toquei as campainhas dos
e só apareceram pessoas e§tranhas. Pensei então que estava na hora de sair rrrtcrnado num colégio suiço, chamava-se Eugàne e seu pai era mesmo Pa-
do prédio, pois havia sido visto por vária§ mu[reres' Sobrara apenas um apar- \.1 (também o casal Ghioldi deixara uma filha pequena, Susana, mas num
tamento e re§olvi voltâr Iá no dia seguinte à noite. rIrcrDato em Moscou). No seu minucioso relatório, escrito em frcncês, a
,rllc le soviética deixou transparecer um raríssimo e encantador tmço de
O italiano teve mais sorte do que se tentasse a roleta-russa: o quarto
r'Iroção pessoal âo explicar seu comportamento diante da polícia brasilei-
apartamento (o de número 81) eÉ o de Stuchevski - e ali dentro estava
rir. "seguramente ao falar de meu filho eu tinha uma voz sincem e emo-
a polícia. Amleto escapara da ratoeira sem o saber.
, ionada", escreveu.
Solia terminou a "confissão" dizendo a Brantes que havia contado
rrrtlo. sua vida estaya agora nas mãos dele. "Ele me disse que acreditava
Polícia Centrol, cerca de 23 horas
( I]) tudo o que eu dissem e que eu havia salvo meu maddo com uma só
lrirs..: a de que ele era sócio de meu pdmeiro marido e não podia dizer seu
:
I 2',70
211
.SUSPEITÀS.
Copocab«na, cerca de 1l horas tx'\.,ívcl comportamento de Prestes, baseado no fato de que apenas um dos
|rrviirrlos do Komintern não havia mudado de aparelho: Jonny de Graaf.
Ao iniciar sua segunda aproximação ao apartamento do casal Stuchws-
" finhamos esperança de que Prestes utilizasse a última possibilidade
ki, desta vez Locatelli optou por algo mais simples' Para evitar ser visto l,rllr restabelecer o contato, exatamente por intermédio de Gruber (Jonny),
rlrrc rriio mudara de apartamento. Saberia Prestes o endereço? E se soubes-
de novo pelos vizinhos, procurou o porteiro do prédio com uma desculpa
praia, cujo so- ,,r.. corrsideraria correto procurá-lo?", escreveu o italiano,
esfarrapada. Tinha conhecido um senhor muito distinto na
que l)ara sua sorte, Prestes não o fez.
brenome não se lembrava, a quem emprestara um livro nâo era seu
e gostada agora de tentar recuperáJo. A narrativa de l'catelli, reprodu-
zindo o cômico episódio, deixa entrever nitidamente a desconfiança com
mistura ( \)tacabana, 20 horos
que o porteiro ouviu a história, pronunciada provavelmente numa
de italiano com espanhol e algumas poucas'palawas em
português:
No seu carro, Jonny e kna voltavam para casa, vindo do encontro
Antes de me dar qualquer resposta, (o porteiro) ficou me olhando, depois
olhou
r rrrrrl-ocatelli. "Estávamos quase chegando quando percebemos que a ca-
para trás, pareceu-me muito estranho. Enfim respondeu: ,,r cstava cercada pela polícia, e que era impossível fugir", contou Jonny,
"O senhor que está procurando châma-sê Vallée, ele foi preso pois é comu- rr ri ris tarde, em Moscou.
"Não quer subir e Pegar seu liwo?" delegado disse-me então que deveria ter havido um engano, mas primeiro ele
"Não vale a pena, afinal não é nada tão importante, e estou certo de que linha de telefonar para a Polícia Central. Depois do telefonema, ele me disse
ele logo será liberado." que eu e minha mulher teríamos de acompanhá-lo para esclarecer algumas
Depois disso saí sem demora, fazendo uma enorme volta pam me encontrâr questôes. Não precisarÍamos levar nada, logo estaríamos de novo em casa. Fo-
queÍia mos com nosso próprio carro para a policia.
de novo com Chioldi, que ficou espantadíssimo com a notícia, e não
acreditar.
vam trocando de aparelho. rirli. Isso desde que chegou ao Brasil, segundo algumas versões, ou só de-
t Centto, 16 horqs
lxris que foi preso, de acordo com outras. Tàmbém teria recebido dinheiro
rlos americanos. Alguns acham que ele foi preso em 1936, outros em 1940,
r'. outros ainda, que ele nunca teda sido detido. As versões sobre a atuação
(lcsse personagem tornaram-se cada vez mais rocambolescas com a passa-
l-ocatelli encontrou-se com Jonny e Lena num café não mencionado' 1cm do tempo. Os rumores que circulavam na época se tmnsformaram em
''informação", a seguir em "fato histórico" (tudo isso sem qualquer com-
Deu a notícia da prisão do chefe do oMS, contou em detalhes as preocu-
pações de Ghioldi, que não queda se expor e deixou que o italiano cuidas- t)rovação documental, ou baseado em interpretações distorcidas de frag-
mulher, ou rrentos), sem nunca terem deixado de ser lenda. Com o fim da União So-
se de todos os contatos (só ele sabia onde moravam Ghioldi e
viética emergiu dos arquivos uma voz que se julgava para sempre perdida:
seja, na sua pensão em Copacabana). l,ocatelli fazia conjecturas sobre
o
2',72 273
.SUSPEITÂS.
.CAMARÁDAS.
"Policia;'Pode-se telegrafar?'.
Graaf Eis a sua versão' fixada em alemão num
re-
a do próprio Jonny de "Eu: 'Claro, meus senhores, naturalmente às suas custas'.
depois do episódio:
iu,orio uo, ,au, ,rperiores, em Moscou, catorze meses "Polícia:'Obdgado, é suficiente'."
olga e de outÍos
nos mostÉram as fotos de Ewert e mulher'
de Enquanto isto, tinham ido buscar o proprietário de nossa casa para que pres-
Lâ (na policia)
pes§oas O delegado tornou- rirsse declarações sobre nós. Ele édiretor da Tlansatlantik Kabelgesellschafl
que não conheciamos' Negamos conhecer essas
que se ele não se comportasse como um ca- r deu um bom testemunho, declaÉndo que eu eÉ um cidadão democrata tran-
se agressivo. Nós dois declaramos
Ele se negava a dizer.por qiiilo e bem situado. Durante a noite tinham inte[ogado meus vizinhos e to-
uàtt-J.o nao tne aarlamos mais nenhuma resposta
rruui, ,ido revistâda Depoi§ da meia-noite fomos conduzidos dos haviam falado bem de nós.
qi"-norru
"u,u que extrema cordialidade fez suas pelguntas e res- O chefe de polícia desculpou-se pelo erro e declarou que nós nâo precisáva-
ao chefe de policia, com
que eu
pona* u. .int u, sotte os motivos disso ou daquilo Ele esclareceu rnos nos considerar como prisioneiros, mas só pela manhã podedamos ser li-
pÍofessor de idiomas' o qual dis§era
hâvia sido denunciado por nosso antigo berados, devido a algumas formalidades. Minha mulher foi colocada para dor-
prorestei e exigi qu:.0^1tj::*' mir num solá de couro nesse gabinete e eu fui para a delegacia.
lue eu deueria estar ligâdo a Ewert'
Berger' Eu-
com Ewert O chele da po-
o sujeito, continuei exigindo sel acareado também
imediata- De todos os participantes da conspimção, o terrorista alemão Jonny
fi"il à."iurou-r" ai.posto a mandar buscar o profes§or de idiomas
r l( ( iraaf erâ o mais experiente em luta de ruas, fora preso o maior número
mente,mascolocarosenhoremulherdiantedeBergeréinútil'poisBerger
nào o reconheceria mesmo que o senhor iosse
seu irmão' {l( vezes e o único a comandar um aparato militar ilegal (por seis meses)
quando constatamos que tam_ rr Alemanha nazista, o que exigia muita coragem. Tinha formação políti-
Tínhamos deixado esse professor de idiomas
Esse sujeito queda agora §e fazer
bém Ewert e mulher tinham aulas com ele' ( ir clementar e questões ideológicas não o interessavam. O mergulho desde
à. intar"rruntajunto às aütoridades' Quando ele loi trazido' enrolou-se em r irdolescência em aventuÍas como marinheiro, a dedicação exclusiva à sua
polí-
*,liià, pôde fazer coniecturas Depois disso' o chefe de
§ó rspccialidade (bombas e te[orismo), o jeitão rude e ao mesmo tempo atento
"onrrudlç0.. "
cia gritou com ele e o Pôs Para fom' ir()s prazeres materiais da vida tudo isto colocava Jonny seguramente
EIe disse então: "Nós estamos vendo agora
que nos enganamos' mas o senhor -
,rir zona cinzenta entre atuação política e banditismô (do que havia sido,
; e estÍangeiro e de qualquer maneira temos que nos interessar pelo senhor"'
irrclusive, acusado pela Comissâo Internacional de Controle do Komintern).
puru no] ao^"ço, ai o perigo Eu reproduzo um lrecho da conver(a: .
no Rio e quais sào seus negóciÔs?'' lilc era maduro, hábil e enfrentar a polícia não o deixava de maneim algu-
I "Polícia: 'o senhor está há um ano aqui
"Eu: 'Não tenho nenhum"
"Policia: 'Mas o que o senhor faz aqui e do
que vive?''
nrir nervoso. Mas seu depoimento acima jamais o livrada de suspeitas,
,,Eu: ,Eu gosto tanto do Rio que depois de uma vida theia de t rabalho pos-
t so me permiti. passar alguns anos sem fazer
nada' e já que não pude oepols
com minha jovem e§posa' es-
I)OMINGQ 6 DE JANEIRO DE 1936
do casàmertto fazer uma viagem de lua-de-mel lblíciq Cenlrql, madrugada
alguma coisa contra estrangei-
tamos fazendo isto agora aqui O senhor tem
ros qüe vêm para cá gastar seu bom dinheiro?''
--l'potícla: Lena, a alemãzinha que tudo sabia, ficou para trás e Jonny foi leyado
o seu di-
'Não, pelo contrário Em qual banco está depositado
lr nheiro?'
me parecem sufi_
trura uma cela, a mesma onde estava Pavel Stuchwski, Do outro lado, o
rlemão avistou Sofia, mas não podia falar com nenhum dos dois. Ela es-
seus bancos e a taxa do mil-réis não
r! "Eu: 'Em nenhum,
cientemente seguros'.
lava muito distante e, na cela dos homens, com vários prisioneiros, Jonny
,,Policia: 'Quanto dinheiro o senhor tinha ao chegar?'' (liz ter logo suspeitado da presença de delatores infiltrados pela polícia.
de dólares americanos'' l)e fato, além dos dois carcereiros que ali dormiam, havia um brasileiro,
"Eu: 'Mil libras esterlinas e algumas cenrenas
aus;iaco e nào pode trazer dinheiro de lá'' que falava muito bem francês, sobre o qual também recaíra a desconfiança
"Polícia: 'Mas o senhor é
apreÍrdemos com a guer-
"Eu: 'O senhor tem razão, mas nós comerciantes de Stucheyski. "Na delegacia eu yi o camarada kon (Pavel) e sua mulher",
a ponto de deixar
naquela época perdemos tudo e não somos tão
idiota§
ra, cscreveu Jonny. "Ele dormia, de manlã me reconheceu imediatamente, dava
todo o nosso dinheiro 1á oütra vez'' uma impressão sólida e tmnqüila. Nem podiamos pensar numa comunica-
depositado seu dinheiro?"
"Policiai 'Em qual banco eüropeu está ção, pois havia espiões no recinto."
algumas modifi , rrlirsse esse professor como delator da polícia. A empregada de Ewert tam-
Pavel descreveu a cena do mesmo modo, com apenas
(Jonny)' Eu estava deitado no meu l)cru deve ter fornecido uma descrição de Jonny e de kna, que freqüenta-
cações. "Os guardas trouxeram Gruber
I tiÃu unaando de um lado pam o outro' com um ar muito preo- rrrrn a casa do patrão. E os torturadorcs tinham vencido a resistência de
caire e
rrnr prisioneiro que conhecia Jonny muito bem: José Romero, seu aluno
"te
cupado. Em determinado momento, ao passaÍ ao meu lado' ele murmu-
então eu lhe disse' com o canto rrrr curso de bombas (mais tarde, fora do Brasil, o alemâo diria que seu
rou qualquer coisa que não compreendi, e
ou "cuidado", em alemão) sofia tâm- rririor temor fora Romero), que falou de "Pedro" (Jonny), o professor.
dos iábiis, echnng;' 1"atenção" ()u seja, a polícia estava no encalço de Jonny.
já haviâ encontÉdo alguma Yez nas es-
bém viu e reconheceu Jonny, "que
Filinto Müller anunciou aos jornais ter captumdo "o secretário de Ber-
cadarias do Komintern ou em algum outro lugar"' escreveu'
1ur" (Ewert), e o colocou na rua poucas horas depois. Não era maneira
para o outro na primeira
Ele me reconheceu também Ele andava de um lado ir(lcquada de se tmtar um agente duplo ou informante de valor. Todo mun-
que tinham prendido o secretário de BergeÍ com
celu. Urn guu.du me dis§e rlo ficou sabendo de sua prisão, a começar pela cúpula do eca. Jonny e
que ela era bonita e elegante Mas sua mulher náo ficou na mi'
sua mulhei e Lcna estavam queimados.
mulher lrns tlinta
nha cela. No Jia seguinte, eles levaram para a cela uma
de
alemão Ela choúva Supondo que Jonny tenha sido um traidol abrem-se aqui duas possi-
que só falava
anos, loira, muito bonita, forte, pequena e l)ilidades para explicar as circunstâncias de sua libertação, nenhuma delas
em âlemão mas eü lhe respondia em portu_
o tempo todo, pedia alguma coisa
idioma que ela falava' Eu pensei que essa mulher fos- totalmente convincente. A mais famosa é a da interyençâo do Intelligence
guês que não entendia o
GÍuber era Scrvice, que, ao saber da prisão de seu agente duplo no Rio, teria, de Lon-
J" u do GrubeÍ, mas por OIga eu sabia que a mulher de
".poru esta mulher era um poüco rlrcs, pressionado as autoridades brasileiras, obtendo sua libertaçâo.5 Há
ainda mais jovem, graciosa e elegante, enquanto
para fotografada'
ioa," an"-,a pou"o elegante Então, eles a chamaram ser rrpenas um defeito nessa versão: no momento em que teria ocorrido a in-
a vi' Pavel disse-me
No mesmo dia ela foi levada da minha cela e nunca mais lcrvenção em favor de Gruber já
;epois que talvez se tratasse da mulher de um homem'
um judeu' que eu vira - 1940 -, Jonny de Craaf estava mor-
ltl.6 A segunda hipótese é a de que ele ou Lena tenham comprado sua li-
em outÉ cela. hcrdade com informações. A "alemãzinha" conhecia como ninguém todos
I 'eguiria
218
2'79
.CAMÀRADAS. .SUSPEITAS.
uma mão muito machucados' e bem Komintern, Minnda perguntava a Martins, seu secretário de organizaçào,
De fato, esse homem tinha os dedos de
i"n,..". o n"Ín.ro t"u nào o conhecia) Estava muitÔ abatido O provocâdor sc o partido não poderia tomar a si a tarefa de garantir a segurança de
o de
ilril;';;,;;;ie no*e'o di'ia que nào rinha oulro desejo §enào l)restes. Nessa reunião, os dois principais didgentes do pcB traçaram uma
que ele nada havia trardo' solução para o problema do esconde jo de Prestes. Martins possuía um
.1.ã, ãr"-"n""n"t torturado de maneim horrorosa'
au. qr" a"ua iilhos haviam contado muita coisa irparelho em Jacarepaguá, que poderia colocar à disposição do líder da in-
surreição. Maria Banejas ('ântonia"), a argentina companheira de Mar-
pelo fato de Romero também nào
Stuchevski possivelmente foi salvó
frase que fi- tins, fora inclusive avisada da senha que PÍestes utilizaria se decidisse usar
M;t'" soviético incluiu após essa descrição uma como csse aparelho. Mas Prestes, que não confiaya no pcB, recusou a oferta e
"";;;;;;. **r* na ficha de Romero em Moscou'
"."ri"-p"t" qualificando-o
tlt: till^d^ll preferiu ficar onde estava, na discreta casinha que Stuchevski lhe propor-
policia: "l)urante o tempo que estive com
colaborador da cionara no Méier.
"" ,.i,
ã, - ,.r.t. e recebia uma raÇào melhor que os oulro§ prrsronerros. Para si mesmo Miranda tinha planos ambiciosos. Naquela semana,
sala do tenente ela pôde
trio, acontecia também com Sofia' Da conseguira que a direção do partido aprovasse uma nova viagem sua a Mos-
"fiar, para a empregada' que foram pron-
ligaÍ para ca§a e pedir roupas e sapatos cou, onde ele
,u"rnari" os guardas trocavam dinheiro e compravam
livros pa- - eleito membro do Comitê ExeÇutivo da Internacional Co-
uunista (EKKr), durante o vrr Congresso, em julho-agosto de 1935
;;.;;;-il."rtarrit.t.,etitsou u a"titut u comida da dos guardas (um italia-
prisão' recebia refeições - faria
rrrn relatório completo sobre a insurreição. Desde outubro os dirigentes em
p"lo, gruda' num restaumnte "Um Moscou vinham pedindo aos responsáveis diretos pela operação brasileira
".-Or"a",
;;;;;" ,"riro.o, dinheiro, disse-me que havia entendtdo^.alguem rlue mandassem alguém prestar contas.
escreveu Sofia "Ele
ii". or" ."i" r,*ra contra nós e qtre loeo sairíamos"'
que trabalhava na polícia
tinha duas crianças, mostrou-me as fotJs e disse
grande'"
;;;;;;;sü;rt porque tinha de alimentar uma família muito lblícia Centrol, quqse meia-noite
I 282
283
.CAM^ .SIJSPFITAS.
pelas ruas, encontrcram-se para discutir a crise Ghioldi havia de, Julien disse que Ghioldi havia sido descoberto "por acaso" por um
livremente
partir. Tàlvez nâo tivesse tido tempo ainda de receber o telegrama delegado da sua equipe. A explicação parece pouco convincente. Ghioldi,
decidido
que Van Min assinara em Moscou dois dias antes' com apenas uma frase: inconfundível com seu nariz adunco e óculos de intelectual, começou a ser
.iAutorizamos Altobelli (Ghioldi) partir para o país proposto".e Era, afi- seguido justamente na semana em que passou a avistar-se, sem se comuni-
car, com Stuchwski. O mesmo deve ter ocorrido com Baron, uma figura
nal, a resposta aos seus insistente§ pedidos de remoção' Mas seguramente
alta e inesquecível. Sem querer, Pavel, o homem do oMS, estava ajudando
conhecia a mensagem do dia l0 de janeiro, na qual Moscou mandava
Prestes
junto o adversário-
retircr-se para a França. Porém, nada disse a Martins, que o i[tdgaria
I 284
I
I
.SUSPEITAS.
.CAMARADAS' n
.CAMÀRÀDAS' .SUSPFITAS.
e sexta),perguntara se pelo menos Sofia poderia viajar sozinha para a Fu- e! seguros de que não e§tavam sendo seguidos, entraram em outro café.
ropa, e o policial brasileiro dissera que tentaria obter uma autorização com Saíram por volta das sete da noite (Pavel lembrou-se até que já estava escu-
de-
!r seqchefe, Miranda Correia. Ao indagar de novo, Stuchevski teve uma ro). Subimm num ônibus, desceram e tomaram um táxi e, em seguida, ou-
sagradável surpresa: tro ônibus. Ao descer, foram a pe até o ponto de encontro, cuia localiza-
1
ção Pavel, inlelizmente, não menciona em seu relatório. Arias os esperava
Bruscâmente lulien disse qüe isto se a impossivel, que minha mulher tam-
com o endereço no qual Baron estaria esperando por eles, de carro, dentro
bém deveÍia permanecer no Rio ContinuaÍdo no meu papel, disse que teria
cal- de uma hora. Pavel e Sofia separaram-se de Arias, tomaram um táxi e de-
de procurar um advogado pâra defender meus interesses AÍ ele perdeu a
pois mais um ônibus. No ponto marcado já estava Arias, poucos minutos
ma e pediu nossos passaportes. Pensei que seria preso no ato Perguntei se uma
vez que ele tinha nossos pâssaportes, nós teríamos de nos apresentar na segundâ- depois apareceu Baron.
que
feira. Ele disse que sim. Levantei-me e saí sem dar-lhe â mão Pensava Stuchevski garantiu em Moscou, meses depois, ter sabido por Baron,
seria preso a qualquer momento, mas nada aconteceu' apenas quando já estava no carro, que estava sendo levado pam o esconde
rijo de Prestes e Olga. Para as normas do Komintern, isto configurava uma
Ao voltar para casa, Pavel disse a Sofia que teriam de fugir imediata-
inimaginável violação das mais elementares regras de segurança. Sabendo
mente. Decidiram romper a cautela e abordar Baron, com quem estavam
(o que a polícia o vigiava, jamais Stuchevski poderia buscar refúgio no es-
diadamente em contato visual. O americano os seguia com um carro
que com certeza não deve ter escapado aos vigias da polícia)' "Quando
conderijo do chefe da insurreição
de
- o único, segundo as ordens de Mo§
cou, que nâo poderia cair nas mãos do adversário. "Fiquei furioso, mas
nos viu, Baron entrou numa ruela, nós fomos atrás dele, convencidos
que ninguém nos seguia e entramos no carro que logo arrancou", disse Pa- como sabia que seria preso na segunda-feira, não tinha saída", justificou
pela se- se. Provavelmente Pavel tinha pleno conhecimento de que nunca consegui
vel. Tiansformado de radiotelegrafista em motorista e responsável
gurança, Baron relatou rapidamente as novidades. Ele e Arias tinham mu- ria afastar de si as suspeitas, mesmo atribuindo (como o fez, ao chegar
dado de endereço, mas continuavam ali por perto. Jonny e I-ena haviam a Moscou) toda a responsabilidade a Prestes. Pavel forneceu evidências in-
deixado o Brasil, depois de receber um visto da polícia. Do casal alemão' dicando que Prestes determinara a quebÍa fr ontal das regras de conspira
Baron disse ter recebido mil pesos (cerca de trezentos dólares)' Stuchevski ção, sem calcular as conseqüências disso pam Stuchevski e para si mesmo.
deu-lhe mais novecentos dólares. Marcaram encontros pam o sábado e o Martins reforÇou esse indício, favorável ao agente soviético, ao tentar
domingo. O casal de agentes soYiéticos tinha 48 horas para encontÍar uma reconstituir em Moscou os passos de Pavel e Sofia no Brasil. Martins e
saída, ou então voltar diretamente para a cadeia. Segunda-feim era dia
de l)restes mantinham intensa correspondência naqueles dias. Pouco antes dc
preso'
se apresentar a Julien, e Pavel estâva convencido de que dessa vez seria comunicar ao pCB, por carta, "que o camarada Leon (Stuchevski) e sua
rrulher estavam refugiados com ele", Prestes solicitara a Martins que pro
videnciasse um aparelho, o qual o secretário de organização do pcB (e prin
DOMINGA 27 DE JANEIRO DE 1936 .ipal dirigente em liberdade) deduziu não ser para Prestes e Olga. A dire
Copacabana, 16 horas çiio do partido enviou a Prestes o endereço do camarada Pereira (Abóbora),
I)ras o chefe da insurreição respondeu dizendo que abrigar o casal Stuchevski
De braços dados, os agentes soviéticos saíram do apartamento na mes- consigo no Méier parecia-lhe a melhor soluÇào. O mais provável é que a
t!
ma hora de sempre, sem nenhuma bagagem. Era o dia de folga da empre- cnorme desconfianÇâ de Prestes (ainda mais depois das prisões de Miran-
gada. Para "prosseguir a comédia", contou Pavel, no sábado o casal fora rla e Ghioldi) em relação aos aparelhos organizados pelo pcB que recu
gabi-
a um advogado e marcara um encontro com ele na segunda-feira no sara para si mesmo tivesse prevalecido sobre o raciocínio conspirati.Jo.
tl nete de Julien. Agora estava tudo pronto para se livrarem definitivamente -
Pavel fez questâo
para de relatar em detalhes sua chegada ao esconderijo
dos colegas da polícia política bm§ileira, deixando a ratoeira armada (lc Prestes no Méier:
outros.
Tomaram um ônibus e foram a um café. Dali se dirigiram a pé a um Depois de uma hora no carro, chegamos à esquina de uma rua na qual Solia
cinema, do qual saíram no meio da projeção. Andaram rrais um pouco dcsceLrcom Arias. Eu devia seguir por ali quitrze minutos depois. Avistci
1
{ 288 289
. C A M A R AT) A S. .SUSPEITAS.
Messie (Escarsema, o caseiro de Prestes) numa casa. Entrei e ali já estavam Todo mundo entendeu que a queda dos dois era grave ameaça para
Sofia, Prestes e Olga me recebendo de braÇos abertos. Logo ao chegar disse a segurança do aparelho no Méier, menos Prestes. Martins e Stuchevski
a Prestes que se soubesse que viria a ele eu teria me recusado. Ele riu, dizendo mostraram-se imediatamente alarmados, e insistiram para que Prestes tro-
que hâvia dado a ordem para não me dizerem nada. Ele disse que eu podia casse de esconderijo. Pavel empenhou-se, outra vez, em afastar de si qual-
muito bem viver ali uns dias até achar outra coisa. quer suspeita: "Desde a prisão de Baron eu insistia para que Messie (Es-
carsema) procurasse outra casa, mas Prestes deu uma contm-ordem dizendo
Essa curta passagem de Stuchevski demonstm que não só Baron mas
que tinha plena confiança em Raymond (Baron), e Messie comentou que
também o argentino Arias, dois homens de Stuchevski, sabiam perfeita-
seria chamar a atenção da policia abandonar depois de um mês a casa,
mente onde era o esconderijo do chef'e da insurreiÇão, do qual apenas uma
quando havia sido feito depósito pam três meses".
pessoa entrava e saía para transportar correspondência: o caseiro Escarse-
Nâo foi bem assim que o próprio Escarsema se lembrou, no dia em
ma (também do aparato do oMS). Com enorme probabilidade, o próprio que Prestes foi preso, dos eventos. Indagado pelos dirigentes do ecr se ha-
chefe do oMS no Brasil pusera a polícia (independente do que Ghioldi pos-
via transmitido a Prestes o recado para sair da rua Honório, pois Baron
sa ou não ter confessado) na pista de seus peões. Como num tabuleiro de
conhecia o aparelho, Escarsema descreveu a Martins até mesmo a cena que
xadrez, para salvar uma figum importante sacrificaram-se duas peças. presenciara ao levar essa recomendação ao chefe da insurreiçâo: Prestes
virou-se para Stuchevski, como pedindo que ele respondesse, e ouviu do
soviético que não era necessário sair do lugal pois Baron era confiável e
TERÇA-FEIRA, 29 DE JANEIRO DE 1936 estava com os documentos em ordem.
Zono Norte, qpqrelho de Abóboro, à torde Pouco depois da prisão de Baron, o próprio Stuchevski não parecia
estar tão seguro do que dissera. Por insistência do soviético, bem mais ex-
No encontro habitual, Arias levou uma péssima notícia para Martins, periente nessas lides do que ele, Prestes escreveu a Martins pedindo que
Escarsema e para o próprio Abóbora. Escarsema ali comparecia, às vezes encontrasse um casal de toda confiança, que deveria ser apresentado a Es-
mais de uma vez por dia, entregava mensagens de Prestes e recebia as de carsema. Martins concluiu imediatamente do que se tratava: encontrar um
Ilvo Meirelles (irmão de Silo, preso em Pernambuco), que era o principal esquema para retirar Stuchevski e mulher. Seriam necessários quinze dias
elo com outras instâncias. "Ramon", como Arias era conhecido pelos bra- para que o secretário de organizaçâo do pcB recebesse do Comitê Militar
sileiros, âcabara de presenciar a prisão de Victor Allen Baron, de quem Regional a indicação de um homem de confiança, o sargento-enfermeiro
momva muito próximo, em Copacabana. Martins obteve mais tarde a con- Iligino e sua mulher, que Martins iüstruiu pessoalmente antes de enviálo
firmação da notícia por dois integrantes da organização brasileira que tam- a Escarsema.
bém presenciaram a aÇão policial: o jornalista Osvaldo Costa e o médico Na mesma época, Prestes recebeu por suas própdas fontes (seu servi-
Eliezer Magalhães (que fazia os contatos com o prefeito Pedro Emesto). ço de contra-espionagem na polícia, composto por ex-integmntes da Colu-
Ambos moravam no mesmo prédio em que Baron vivia. Arias adiantou na) a confirmação de que a repressão fechava o cerco sobre o bairro do
aos brasileiros reunidos no aparelho de Abóbora que estava se preparando Méier. Nas décadas seguintes, respondeu quase sempre da mesma maneira
para deixar o país, por ordem de Stuchevski, que o encaregara de uma quando lhe indagaram por que, afinal, não saiu do aparelho da rua Honó-
importante missão. lio se dispunha de gritantes indícios de que corria sério perigo. "Eu me
Foram as últimas palavras que se ouviram dele. Na véspera, segunda- \entia seguro", repetia Prestes.
feira, Sofia e Pavel Stuchevski não haviam se apresentado no gabinete do Quem proporcionava essa seguranÇa era o agente soviético Pavel Stu-
delegado Francisco Julien. Em menos de 24 horas o americano Baron €stava ehevski, que lhe garantira que a salvação estava a caminho.
preso. Pouco tempo depois (nâo tenho a data exata), também Arias, cujo
nome verdadeiro era Marcos Youbmann, de nacionalidade polonesa e ar-
gentina, foi detido. Furioso com o desaparecimento do casal "belga", Filin-
to Müller decidira acabar com o jogo de gato e rato, e com a tática "suave".
Baron e Arias não escapariam com vida das garras de seus torturadores.
291
em comunicar tudo aos dirigentes. É possível que Miranda ignorasse a im-
portância que o médico assumira meses antes como principal contato ini-
lt cial dos agentes recém-chegados de Moscou. De qualquer maneira, Bar-
bosa de Mello sentiu-se terivelmente comprometido com a visita de Elza,
que logicamente deveria estar sendo seguida pela polícia (não estava).
Pior fora o comentário feito por Elza a Francisco e Barbosa de Mello,
atdbuindo a Ewert a prisâo de Miranda. Também isto não se encaixava
OS ASSASSINATOS com as informações de Martins. A "contÍa-espionagem" de Prestes na po-
lícia (dois informantes, ex-comandados da Coluna) dizia que Ewert nada
lalara. Portanto F,lza, ao atacaÍ a reputaçâo revolucionária de Ewert, só
poderia estar realizando um trabalho de desagregação, inspirada pela polí-
cia. Antes mesmo de ter lido os bilhetes leYados por Elza, Martins escre-
veu a Prestes contando todo o episódio.
Atendendo a uma sugestão de Prestes, segundo relataria mais tarde
Na última semana de ianeiro, o principal homem de ligação de Pres em Moscou, Martins e a direção do partido mandaram retirar Elza da ca-
tes, Ilvo Meirelles, recebeu estranha comunicaçào de seu irmão Francisco. sa de Francisco Meirelles e a levaram para um aparelho ocupado por Tàm-
Ambos faziam parte de uma família devotada a Prestes, mas Francisco lo- pinha no subúrbio de Deodoro, onde ficou completamente isolada - o
ra expulso do partido, acusado de ser "trotskista e sectário".l Francisco que hoje seria chamado de seqüestro. Na época Martins definiu isto como
fora procurado em casa pela bonita e simpática Elza, a mulher de Miran- "medidas de precaução".
da, o secretário-geral do ece, com quem fora presa em 13 de janeiro. Com o primeiro lote de bilhetes de Miranda recebidos por Elza, a si-
Os dirigentes do partido também foram avisados da inexplicável ocor- tuaÇâo ficou ainda mais confusa. Martins e os outros dirigentes do Parti-
rência. Elza coDtou a Fmncisco que a polícia a pusera na rua com pena do identiticaram a letra bastante canÇterística de Miranda. "De cara nós
de sua pouca idade, mas que poderia visitar regularmente o marido tomamos os bilhetes por verdadeiros", escreveu Martins, em Moscou. "Nós
- teo-
ricamente sob completa incomunicabilidade. Para Martins, as coisas nào todos reconhecemos sua letra. Os bilhetes nos causaram má impressão, como
combinavam. Na mesma ocasião, começaram a chegar da prisão as pri- de desmoralização por parte do camarada Queiroz (Miranda). Igualmente
meiras informações sobre o comportamento de Miranda, e nada havia de nos pareceu estmnho que o camarada Queiroz não utilizasse essa possibi-
susp€ito. Mattoso, ex-secrelário geral do Socorro Vermelho e jornalista de lidade de comunicação para escrever à direção do partido ou a algum de
A Manhd, vira Miranda com marcas de violenta tortura. Em seu único re seus integrantes."
cado, este pedia que Martins e Abóbom desaparecessem, pois eram os mais Um dos recados que Miranda enviara da prisão acusava o alemão Gru-
procurados. Mais dois informes semelhantes chegaram aos dirigentes do ber (Jonny de Graa0 de ser agente policial. Jonny de Graaf fora o primei-
pcB. Como explicar se Elza estivesse falando a verdade que o chele ro a lançar dúvidas sobre o comportamento de Miranda na cadeia. Se Elza
- -
do partido a mandara procurar Francisco, oficialmente um renegado? não estava mentindo, e os bilhetes a lápis e com letÉ miúda haviam mes-
A intenção de Miranda era proleger e afastar Elza da linha de fogo. mo sido escritos na sua presença por Miranda, então o comportamento
Além de Francisco Meirelles, que morava em Pedra de Cuaratiba (na épo- do secretário-geml do PCB era no mínimo contraditório e inexplicável. Ou
ca un1 distante subúrbio do Rio), e não tinha envolvimento com a conspi estavâ traindo o partido e se transformara em colaborador de uma campa-
ração, mandou-a com um bilhete pedindo ajuda ao dr. Barbosa de Mello, nha policial para desmoralizar os comunistas?
diretor de um cenlro cirúrgico e ativo simpatizante. As palavras dirigidas Martins mandou a Prestes uma carta expondo essas dúvidas, acom-
a Barbosa de Mello continham uma espécie de garantia, dada por Miran panhada dos bithetes originais de Miranda. Nesses dias Stuchevski vivia
da, de haver dito na polícia que esse médico não compartilhava as idéias também no aparelho da rua Honório, no Méier, depois d€ driblar a vigi-
do pc. Enquanto Francisco, expulso do paÍtido, acolheu EIza em sua ca lância da policia. Um ano depois, ele se lembraria da chegada dessa men-
sa, o simpatizante Barbosa de Mello recusou-se a recebê-la e apressou-se sagem e da reaÇâo de Prestes:
292 293
.CAMA .os ASSASSIT'ATOs'
Ele me mostrou uma outra carta que o partido recebeu da prisão Nessa cartâ vencidos de que os bilhetes se tratavam de falsificaçôes fabricadas pela po-
partido
Keiros (Miranda) pedia a (Francisco) Meirelles para ajudar Elza O lícia para tentar desmoralizar o camarada Queiroz (Miranda), parccia-nos
considerou autêntica a cafta, mas Prestes, depois de analisar a e§crita e suas
bastante estrcnho que eles fossem dirigidos à Elza e não à direção do
disse que duvidava de sua auteltticidade Além do mais, pareciâ-
caracterÍsticas, partido".
lhe inconcebivel que Keiros estivesse enviando uma carta justamente a Fran- Martins ê camaradas pediram a Prestes para elaborar um questioná-
cisco Meirelles, que havia sido excluído do partido' rio que aplicariam a Elza. E Prestes convivia com um especialista' trcina-
Tàmbem em Moscou, meses depois de Stuchevski, Martins recordaria; clo pela polícia política soviética: Pavel Stuchevski. "Enquanto Elza estava
pos- completamente isolada, a direção pediu a Prestes que elaborasse um ques-
O camarada Prcstes respondeu nos criticando, insistindo sobre as enormes
tionário. Prestes me pediu que o ajudasse nisso. Foi assim que fiz dois ou
sibilidades de que dispunha a Policia para forjar falsificações e nos dizeÍdo
três questionários que Prestes traduziu para o português", contou Pavel'
que o tom das cartas não era de maneira alguma o tom do Queiroz (Miranda)
que todos nós conhecíamos. Foi justamente esse argumento que importou mais Depois da aplicação desses questionários, "a direçâo do partido chegou
na nossa mudança de opiniâo sobre os bilhetes. Essa carta do camarada Pres_ à conclusão que Elza, por suas contradições, suas respostas evasivas, sua
tes nos pareceu correta e nos levou a rever nossa opinião e considerar como clecisão de nada dizer sobre o que acontecera na polícia, e pelo fato de quc
falsos os bilhetes recebidos por Elza. no dia mesmo de sua saída visitou Barbosa e outros, havia se passado para
a policia". e\çreveu o agenle so\iélico.
Prestes ou Stuchevski não eram grafótogos, nem estavam em condi-
Na atmosfera de Note-se aqui a importância que Stuchevski atribui a Elza e ao com
ções de julgar a autenticidade dos bilhetes de Miranda prometimento de Barbosa de Mello, um simpatizante que poderia reconhecê
ázztre, em que se encontravam Prçstes e Stuchevski, o problema principal
julgar por uma obseNa- lo a qualquer momento, além de todo§ os enviados de Moscou - e nenhu
nem parecia ser o comportamento de Miranda, a
num de seus re- ma palavra sobre o comportamento de Miranda.
ção que Sofia (também vivendo naquele aparelho) deixou
que (Miranda) pu- Não está claro em que momento exato surgiu, nas discussões quase
latórios: "Prestes, Martins e Bangu não acreditavam
que as cartas haviam sido cliárias da direção do partido, a idéia de "eliminar" Elza. A correspon
desse fazer aquilo, mas não tinham dúvidas de
que um de- .lência entre os dirigentes em Iiberdade e Prestes sugere que o exame de
escritas por ele". Prestes mobilizou todos os seus contatos, até
com Miranda' Re- "medidas definitivâs" contra a moça foi discutido inicialmente por Mar-
putado (não mencionado por Sofia) conseguiu avistar-se
o chefe do ous lins, Bangu, Tàmpinha, Abóbora e José Lago Morales, que se revoltou com
levante para Prestes, sob a influência direta de Stuchevski,
a idéia e não mais tomou parte nessas deliberações. Mas em seu detalhado
no Rio, era o fato de que a mulher do secretário-geml do PCB conhecia to-
rclatório sobre as circunstâncias da prisào de Prestes, escrito em francês
dos os participantes estrangeiros da operaçâo montada pelo Komintern' impor
e guardado num arquivo em Moscou, Martins faz uma afirmação
Stuchevski não deixou a menor dúvida quanto a isto: (a Elza)
tante: 'A sugeslão quanto à necessidade de guardá-la e, talvez,
sabia qüe Elza conhecia muitos endereços Ela disse que a
polícia que partiram do camarada Prestes, que se baseara
A polícia dc ir mais longe do isso
lhe havia mostrado forcs nas quais ela reconhecera Prestes, Olga, Ghioldi e nas primeiras informaÇões do camarada Ilvo, muito antes de ter recebido
pes-
sua mulher, Ewert e Sabo, a mulher de Gruber (Jonny) e fotos de outras os bilhetes". Em outms palavras, a execução de Elza fora decidida com
Elza contradisse várias vezes o cama-
razoável antecedência. "O pincipal problema", acrescentou Martins, "foi
soas que ela disse que não conhecia. se
rada que a interrogou estava conveÍcido de que ela mentia e que tentava enganar'
o bilhete para Barbosa de Mello: ele era um dos principais pontos de apoio
I Quem mente aqui é Stuch€vski. O camarada
que interrogou Êlza foi rlo aparelho da IC, o caso era muito gra!e." Nem sequer em seu copioso
Tàmpinha, o dirigente famoso por seus ataques de medo e nervosismo, o (lcpoimento à policia brasileira, em 1940, Martins repetiria essas fra§es'
homem que se escondia tão bem que nem mesmo o partido conseguia Em linguagem atual, o assassinato de Elza foi uma queirna de arqui-
tl localizálo. Convivendo com Elza no aparelho em Deodoro, Tàmpinha nào ro. Desde que convidara Martins para o jantar de núpcias com Elza, em
parecia nem um pouco convencido da culpa da moça Mesmo em 1938' illlho de 1935, Miranda passara a levar a moça para todos os círculos de
em Mosçou, quando ainda era neçessáio manter a ficção de que o
partido .omando. Viajou com ela a São Paulo para inspecionar o trabalho do par
havia eliminado uma provocadora, Martins deixou transparecer as fortes liclo, encarregou-a de transmitir mensagens e recados a endereços impor
dúvidas que haviam assaltado os dirigentes: "Embora estivéssemos con- lantes, apresentou-a a todos os principais envolvidos e' sobretudo, levou
l
294 295
I
.OS ASSÂSSINÂTOS.
.CAMARADAS.
aberta aos pés de uma mangueira, da qual alguém do grupo cortou dois o transformado em vítima da polícia.5
galhos para fazet uma ctuz.
Ao contrário do que ocorreu no Brasil, em Moscou nunca houve dú- **r*
29',7
296
.os AssAssINÂTOS'
montado pelo homem do oMS, que já o salvara em dezembro quando teve Apesar de tudo, Prestes continuava cuidando de política' Mostrava a
de sair às pressas de seu esconderijo em Ipanema. O agente soviético dera questào
Pavel tudo o que escrevia. "Foi assim que li seus artigos sobre a
a Prestes seu aparelho de reserva, onde o chefe da insurreiçâo brasileira frente popular etc', assim como
ll agrária, sobre uma nova e muito ampla
se encontrava agora, no Méier. Por sua vez, para iludir a vigilância policial
suas propostas sobre questões de organização de células do partido no Rio
a que estava submetido ao sair da cadeia, Pavel Stuchevski colocara em A guerrilha no Nordeste
e instruÇões rara guerrilhas", contou o soviético
risco os dois principais homens de ligação que restavam de seu aparato oÍi- policia
era uma idéia fixa que Prestes alimentava naqueles dias em que a
ginal, o americano Baron e o argentino Arias. Sem que Prestes e Stuchevs- pseudônimo de "Êça"'
cada vez mais se aproximava dele. Stuchevski, com o
ki ainda soubessem, o sacrifício dessas peças tinha sido decisivo para sua como
aparece na conhecida correspondência de Prestes da época sempre
delrota. Baron levaria a polícia até o Méier, enquanto a prisão de Arias para uma guerdlha em
responsável pelo fornecimento de fundos, desta vez
impediu que a salvaçâo viesse a tempo.
Peinambuco que só existiu na fantasia do chefe da insurreiçâo' Ele tinhâ
Quando chegou ao aparelho de Prestes, na rua Honório, em27 de ja-
um sincero interesse também pela situação de Eweft e insistia com Ilvo Mei-
neiro, a primeira medida de Stuchevski foi despachar Arias imediatamente
para Buenos Aires com uma carta cifrada para Carmen. Este correio ar- relles para que este contratasse um advogado capaz de ajudar o enviado
gentino estivera no Rio durante o levante de novembro, a chamado de Stu- alemão.
chevski. Naquela ocasião, já preocupado com a possibilidade de uma reti-
Em meio à intensa troca de cartas sobre o "caso Elza", a dupla sovié-
que
rada imprcvista, Stuchevski entregou a Carmen fotos de Prestes e Olga (alem tica prepamva-se paÉ deixar o esconderijo da rua Honório, no Méier,
passaram a considerar um grave risco. Martins conseguiu afinal o apare-
de Ghioldi e mulher) e o instruiu para regressar a Buenos Aires, preparar
novos passaportes para os dois casais e trazêlos ao Rio. para sua volta a lho e o casal de inteira confiança que Prestes pedira duas semanas antes'
novo
capital brasileira, Carmen combinara com Arias pontos de encontro. Stuchevski garantiu em Moscou, mais tarde' que ofereceu a Prestes o
aparelho. "Insisti em que Prestes e Olga fossem para lá, mas eles se recu-
Os passaportes tinham se transformado na derradeira esperança para
saram, dizendo que não conheciam Higino (o novo caseiro de confiança)'
Prestes. Olga e ele, que por fim concordara em sair do país (havia também
mas tinham toda confiança em Messie (Escarsema) e Júlia
(dos Santos'
uma "su8estâo" do Komintern nesse sentido, datada de l0 de janeiro), nào
no dia 18 de fevereiro' de-
podiam utilizar os antigos, portugueses, já conhecidos da políqia. Sofia sua mulher)", escreveu Pavel. "Deixamos a casa
pois de pedir mais uma vez a Prestes que saísse de 1á'" Agora também o
e Pavel Stuchevski tinham sido obrigados a deixar os seus nas mãos do de-
caseiro Escarsema estava bastante alarmado com a prisão de Baron e Arias'
legado Francisco Julien. Mas Carmen deveria estar chegando a qualquer
mas só Prestes, vítima de sua proverbial teimosia, recusava-se a deixar
o
momento com os novos documentos. De fato, o correio argentino desem-
barcou no Rio, mas não tinha com quem se encontrar: Arias fora preso. esconderijo.
Ia todos os dias AO ponto de encoltro, sem entender por que o contato E Prestes comeÇou a mudar de opiniâo sobre Jonny de Graaf' Ao sa-
de Stucheyski não aparecia. A disciplina de Carmen era elogiável: fez isso ber que a policia já o procurava no Méier, Prestes rcsponsabilizou
Jonny'
durante cinco semanas seguidas. prisão de Baron ao fato de o amedcano ter se encontrado com
atribuindo a
janeiro'
Ao saber que a ligação com Buenos Aires fora interrompida com a Lena após a rápida passagem do casal pela prisâo, no começo de
passou a acusar
queda de Arias, Pavel Stuchevski precisou encontrar uma forma de achar Mas isto implicava duvidar da firmeza de Baron Depois,
Carmen. Pediu a Martins que providenciasse um endereço no Rio (o do Ghioldi, a versão predileta para o resto da vida'6 De qualquer maneira'
engenheiro Orlando Alves, um simpatizante) para receber mensagens ori- parecia ter mais medo da organizaçâo do partido que da polícia' Sofia Stu-
ginadas na própria cidade. Via Sâo Paulo, mandou esses dados para Bue- chevskaia contou:
nos Aires. As novas instruções, porem, chegaram muito tarde; Carmen já
informações lsobie a polícia pro-
partira com os quatro passaportes novos para o Rio de Janeiro, e o pessoal QuaÍdo meu marido ficou sabendo daquelas
curandoPrestes üo Méier], propusemos que OIga e Prestes viessem paÉ aquela
de Stuchevski na Argentina ainda não sabia como localizar esse correio julgavâm con
casa onde nos refugiáramos, mas eles não quiseram, pois não
no Brasil. Prestes e Stuchevski permaneciam no Méier, aguardando noti- pessoa§ que nos haviam sido dadas por falta de alternativa Merr
fiáveis as
cias de Carmen. E Carmen, hospedada em lugar que não ficou registmdo, marido sabiâ que Baro[ conhecia o endereço do aparelho e que Prestes deve-
na mesma cidade, esperava uma notícia dos chefes. ria mudar_se, mas conveÍcêlo eÍa impossível'
298 299
.os
^ssAsslNATos.
Dado o precário estado de saúde de Baron, foi extraordinária sua re_ tos, o soviético mandou aos camaradas dirigentes do PC brasileiro uma or-
sistência à tortura. Tüberculoso, sifilítico e descrito por camaradas como dem tão irresponsável quanto irrealizável: organizar em poucas horas um
muito nervoso, o americano foi vítima de um capitão-médico da Madnha. levante das forÇas militares do partido, em protesto contra a prisâo de Pres-
Espancado, torturado com choques elétricos, acabou cedendo e disse de tes. Martins recusou-se, e conseguiu naquela mesma noite o apoio dos ou
maneira aproximada o nome da rua e sua localização no Méier. Um dos tros dirigentes do PCB.
métodos de tortura consistia em aplicar injeções de álcool na língua. O Stuchevski só tinha uma preocupaÇão: salvar a própria pele' Era ago-
enfermeiro que ajudou a fazer a autópsia de Baron, um simpatizante do ra o último dos enviados do Komintern no Brasil ainda em liberdade, mas
partido, contou mais tarde que, além de gÍande quantidade de álcool no em precária situaÇão, sem passaporte nem aparato local' A salvação que
estômago e sinais de uma sonda no esôfago (provavelmente tentaram fazer nâo chegara para Prestes talvez ainda servisse para o ca§al de agentes so
uma lavagem de último minuto), havia apenas hematomas espalhados por vieticos. De fato, poucos dias depois da queda de Prestes e Olga, Buenos
todo o corpo, causados quando Baron, provavelmente já morto, foi joga_ Aires recebeu o endereço carioca de Carmen, que disciplinadamente conti-
do do segundo andar do prédio da polícia Central. Sabe-se muito pouco nuava indo todos os dias ao ponto marcado com o desaparecido Arias,
sobre o que aconteceu com o argentino-polonês Marcos youbman, o cor_ e enviou as instruções de Stuchevski sobre como estabelecer contato, feito
reio Arias. Ao contrário de Baron, pelo qual a embaixada americana de- por fim através do fiel Escarsema. Ao receber os ansiosamente aguarda
monstrou interesse, Arias simplesmente desapareceu. Semanas depois os ào, purruport.r, Pavel e Sofia tiveram nova decepçâo: o trabalho dos falsi-
jornais em São Paulo (os do Rio nada disseram) publicaram informaçôes ficadores em Buenos Aires fora tão bem feito que se arrancassem as fotos
sobre seu "suicídio" quando estaya sob a guarda da polícia brasileira, de Prestes e Olga (para quem estavam de§tinados), os documentos 5e tor-
Em 3 de março, um dia após a execução de Elza, prestes exigiu e obte_ nariam imprestáveis.
ve de Martins a devolução dos originais das cartas trocadas com a direçào O nervosismo e irritação de Sofia chegaram ao ponto de ruptura Pro
do partido. Mas, em vez de destruir a comprometedora correspondência, vocava constantes brigas com a mulher do sargento-enfermeiro' O inferno
guardou-a entre seus papéis. Como se não bastasse o que ocorrera dois meses cloméstico reforÇou em Pavel a disposição de trocar mais uma vez de apa-
antes nos aparelhos de Ipanema, quando a polícia apreendeu impressio_ relho de qualquer maneira, que segredos e lugares secretos
nante quantidade de documentos tanto no seu aparelho quanto no de Ewe - convencido,
no Brasil nâo duravam muito. Os agentes soviéticos refugiaram-se enÍão
,
o líder da insurreiçâo montou no Méier mais um arquivo que, apreendido na casa de uma comadre de Abóbora, uma simpática portuguesa Martin\
pela polícia, traria grave prejuízo a ele e às pessoas com quem trabalhava. e Abóbora, encarregado das ligaçÔes com marinheiros, ofereceram então
A Polícia Especial o surpreendeu de pijama, por yolta das sete da ma_ a Pavel uma modalidade de fuga que consideravam segura: como passa
nhâ do dia 5 de março de 1936, no quarto dos fundos da casinha no Méier. geiro clandestino de um navio. Mas Pavel não quis ir embora sem Sofia'
Cumprindo sua última missão de zelar pela segurança de prestes, no mo_ para a qual essa forma de escapada era considerada inviável'
mento dâ invasâo Olgâ Benario colocou-se diante do comandante da reyo_ Outra vez, a salvação estava com Carmen. Curiosamente, em seus re-
luçâo brasileira, provavelmente salvando-lhe a vida. Stuchevski relatou o latórios, ao falar desse correio argentino, Pavel se refere a "ele", Sofia a
fato a Moscou, em meio a grandes elogios a Olga. Fazia poucos dias que "ela". Provavelmente era uma mulher. Sofia contou que, embora não fos-
estava grávida. se casada, Carmen poclia se apresentar na embaixada da Argentina como
Escondidos numa casa guardacla por Higino, o sargento_enfermeiro mulher de um argentino, identificado como Mora, que viajava com seu no-
da Marinha, Sofia e Pavel ficaram sabendo em instântes da pdsão de Luis me verdadeiro e também estava no Rio. Com esse estratagema, Carmen
Carlos Prestes, o homem que deviam ajudar a tomar o poder no Brasil. obteria um passaporte argentino e ficaria com o seu! que era suíço' Mora
No momento em que a Policia Especial ,,estourou,, o aparelho no Méier comprou duas passagens de primeira classe para Buenos Aires, e combi-
só um dos quatro habitantes estava fora: o caseiro Escarsema, cuja mu_ nou que Sofia embarcaria no navio em Santos. "Maquieime bem e pârti
lher, Júlia dos Santos, também foi presa. Saíra bem cedo para as compras com Mora para a estação Pedro tl", contou Sofia, descrevendo seus últi-
matinais e, ao regressar a pé, logo deu-se conta do desastre. Correu entào mos momentos de suspense no Brasil. "Passamos pelo controle e vi dois
para o aparelho de Abóbora, onde encontrou Martins, e daí ao
esconderi_ lilanos que passeavam perto de um trem. Um olhou fixamente para Mo-
jo de Stuchevski. Por Escarsema, que constava de sua folha de pagamen_ ra, mas não se preocupou comigo. Eu estava muito mudada e tinha tarnl
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.OS I N^TOS.
^SS^SS
bém um rabo de cavalo,,,Um acidente de carro entre São paulo Em Moscou tivera início um pÍocesso de "repensar" o BÉsil. Fator
e Santos
a fez perder o navio, mas por sorte seguia no mesmo importante parece ter sido o relatório que o Departamento de Quadros do
dia outro pam o Sul.
Em Santos recebeu o passaporte de Carmen, trocou a foto Komintern finalmente divulgou sobre o pcB. Por coincidência, o documen-
ai"ra"u
Montevidéu sem maiores problemâs. Na capital do Uruguai precisou "_ to, baseado em meses de entrevistas e avaliações, ficou pronto no dia em
mu_
dar de passaporte mais uma vez, para não entmr que Prestes era preso no Rio, no início de março de 1936. O relatório con-
como argentina em tsue_
nos Aires. ToÍnou-se então a ,,esposa,' de um firmaya tudo aquilo que os agentes do Komintern que atuaram na Améri
simpatizante que tinha sido
cônsul e estava precisando de uma ajuda em dinheiro. ca Latina já sabiam (às vezes por dolorosas experiências próprias) sobre
Através de um anúncio combinado no Lo prenso, Sofia a organização comunista brasileira: infiltração policial até nas cúpulas di-
avisou pavel
no Rio que a rota podia ser utilizada. proyidenciou um dgentes (a respeito da qual não fornecia maiores detalhes), falta de políti-
mensageiro para
levar ao marido um passaporte falso. ,,Elias,,, o novo ca de quadros (isto é, de efetivo controle sobre as estrutums partidárias),
correio, aJfato cne_
gou ao Rio, portando más notícias. Mora, que
não era muito hábil em falsi_ afastamento de pessoas capazes por culpa de políticas equivocadas da di-
ficações, estragara a foto de Stuchevski ao tentar reção. '.A política do partido na área da ilegalidade sempre foi muito fra-
dereter sobr" aáu...u
para um lacre. A derradeira saída para o agente ca", diz esse relatório confidencial, distribuído na cúpula do KominteÍn
soviético ficou sendo o pas_
saporte de Elias, um cidadâo espanhol, que foi a Sâo paulo e ainda arquivado em Moscou.T 'A luta pela legalidade do partido é subs-
e comprou uma
passagem para Buenos Aires. Stuchevski
o encontrou no dia seguinte; tituída por verbalismo revolucionário, o real por frases de efeito nos comí-
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