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FRANCISCO LAWALL

A PSYCHÉ “MITO-LÓGICA”
E
A PSYCHÉ “LÓGICA”

Estudo apresentado à
Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo como
avaliação da disciplina de
História da Filosofia I, do
Curso de Pós-Graduação em
Filosofia.

Prof.ª Dr.ª Rachel Gazolla de Andrade

Pontifícia Universidade Católica - São Paulo

Julho – 2000
ÍNDICE

Considerações introdutórias........................................................................................... 03

1. SOBRE A PSYCHÉ EM HOMERO..................................................................... 04

1.1 – A psyché depois da morte................................................................................ 04


1.2 – A psyché no ser vivo........................................................................................ 06
1.3 – A psyché e o lógos........................................................................................... 07

2. SOBRE A PSYCHÉ EM HERÁCLITO............................................................... 09

2.1 – O lógos em Heráclito....................................................................................... 09


2.2 – A psyché em Heráclito..................................................................................... 10

CONCLUSÃO............................................................................................................... 11

BIBLIOGRAFIA.......................................................................................................... 11
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Dentre as muitas questões que a Filosofia necessita sempre colocar-se, está


psyché1, na medida que os homens buscam a própria compreensão, o sentido do ser
próprio. Tal é a complexidade desta questão que ela acompanha o pensamento humano
em toda a sua extensão. No intuito de colocá-la novamente em relevo, nos propomos a
perscrutar os poemas homéricos e neles colher elementos que nos permitam a sua
compreensão. Posteriormente trataremos de compará-los com elementos presentes nos
fragmentos filosóficos e, aqui, o fragmento que escolhemos para servir como termo de
comparação, é o frag. 45 de Heráclito. Escolhemos este fragmento porque acrescenta ao
conceito de psyché algo totalmente novo em relação a Homero quando afirma que a
psyché tem lógos. Por isso, em nosso texto queremos dedicar particular atenção ao
lógos, como fator de distinção entre os elementos da psyché que precederam a Filosofia
(psyché “mito-lógica”) e a concepção da psyché nos inícios da Filosofia ( psyché
“lógica”).

Em nossa linguagem diária somos bastante habituados no emprego da palavra


“lógica”. A todo momento lançamos mão dela em expressões tais como “é lógico”
quando queremos dizer com isso que determinada hipótese levantada anteriormente,
confirma-se como verdade ou como falsidade. Em nosso estudo queremos sublinhar o
radical que comporta a “lógica”, procedente de lógos2. Palavra tão decisiva que separa o
pensamento mítico do pensamento filosófico. O lógos está presente em ambos: no
pensamento mítico dá-se de forma narrativa enquanto que no pensamento filosófico dá-
se de forma argumentativa. Nas palavras de P. Grimal “o mito opõe-se ao lógos, como a
fantasia à razão, a palavra que narra à que demonstra” 3. Se o mito é uma oposição ao
lógos, como é possível então compreendê-lo? Esta pergunta nos leva a crer que de uma
ou outra maneira o lógos também deva estar presente no mito porque os poemas
homéricos puderam ser “recolhidos” pelos gregos. A diferenca do lógos mítico e o lógos
filosófico merece então as nossas considerações no decorrer do texto.

A descoberta do lógos mudou profundamente o pensamento antigo e, de modo


todo especial, no que se refere à idéia de psyché na afirmação que a psyché tem lógos,
conforme o fragmento 45 de Heráclito: “Limites de alma não os encontrarias, todo o
caminho percorrendo; tão profundo logos ela tem” 4. Sabendo, de antemão que a
1
Yuc (psyché) – Numa tradução literal significa hálito frio. É característico do ser que respira. Com a
morte o ser deixa de ter hálito. Mais freqüentemente encontramos psyché traduzida para o Português
como “alma”.
2
Logo (lógos) – palavra, proposição, pensamento (cf. N. ABBAGNANO. Dizionario di Filosofia; trad.
de Alfredo Bosi: Dicionário de Filosofia, 2.ª ed., São Paulo: Martins fontes, 1998, pp. 624-631.
Manteremos a palavra desta maneira para não comprometer seu sentido.
3
P. GRIMAL. La Mythologie Grecque (trad. de Yolanda Leite: A mitologia Grega; São Paulo: Difusão
européia do livro, 1954, p. 8.
4
Em nossas referências aos fragmentos de Heráclito dispomos da Col. “Os Pensadores”. Pré-socráticos;
V. l; 1.ª ed.; São Paulo: Abril Cultural, 1973 e utilizaremos a numeração dos fragmentos tal como é
apresentada neste volume.
descoberta do lógos causou uma grande mudança na concepção de psyché, vamos
organizar nosso estudo em dois pontos: primeiramente, analisando algumas passagens
dos poemas homéricos (Ilíada e Odisséia), escritos míticos esses, onde podemos
encontrar referência à psyché e num segundo passo tentaremos comparar os elementos
da psyché “mito-lógica” com a psyché “lógica” em Heráclito.

1. SOBRE A PSYCHÉ EM HOMERO

Nascer e morrer são dois fatos que sempre intrigaram os homens. Todas as
culturas em todos os tempos o atestam por meio de rituais que envolvem esses dois
fatos, talvez o morrer com muito mais intensidade que o próprio nascer. Na cultura
grega os poemas homéricos atestam as dores e os cuidados que a vida proporciona. Para
os personagens homéricos a vida e a existência na terra são certamente um bem, mas
esta vida debaixo da luz do sol desaparece com a morte. Isto é um fato que não pode ser
contestado.

Se a morte é um dado certo, o que sucede depois dela é uma grande incógnita e é
precisamente esta incógnita que subjaz aos poemas homéricos e que o fazem dobrar-se
sobre a própria incógnita da vida e suas incertezas. É possível encontrar suficiente
material nos poemas homéricos sobre sua crença de que à morte “algo” subsiste e este
algo é denominado de psyché. Tanto é verdade que no dizer de E. Rhode 5, “(...)
certamente os deuses do Erebo não exerceriam seu império sobre seres que não
existem.” A psyché é um ser. Esta afirmação de que a psyché é um ser que subsiste à
morte nos permite analisá-la em dois momentos, seja no ser vivo ou depois de sua
morte. Começamos respondendo pela segunda pergunta.

1.1 – A Psyché depois da morte

Em diversas passagens Homero nos informa que as psychai, separadas dos seres
vivos, dirigem-se para o Hades, a casa dos mortos. As passagens que colhemos, nos dào
uma idéia que o Hades é um lugar, um lugar onde se encontram as psychai sem
nenhuma atividade:

“Ora a certeza adquiri de que no Hades,


realmente se encontram almas e imagens dos vivos, privadas, contudo,
de alento6. A alma do mísero Pátroclo, assaz parecida com ele, toda

5
E. RHODE. Psyche. Seelencult und Unsterblichkeitsclaube der Griechen. Traducción de Salvador
Fernándes Ramírez: Psiqué: el culto de las almas y la creencia en la inmortalidad entre los griegos;
vol. 1, Barcelona: Labor, 1973, p. 21.
6
“...kai ein Aidao domoisi yuc kai eidwlon, atar frene ouk eni pampan” – A tradução
inglesa diz: “...even in the house of Hades is the spirit and phanton somewhat, albeit the mind be not
anywise therein”. Note-se que “psyché” aparece traduzido como “spirit” (espírito) e “fhrenes” é traduzido
por “mind” (mente). Na casa de Hades (está) a psyché (estão as psychai) como imagem sem o movimento
das frenas (das membranas). ( Cf. HOMER, The Iliad. With an english translation by A. T. Murray; vol.
II. London: Willian Heinemann; Cambridge: Harward University Press, 1939, pp. 501-503).
essa noite, a gemer e a chorar, se manteve ao meu lado, dando
instruções minudentes de quanto fazer é preciso.” (Il, XXIII 100).7

O Hades é descrito nos poemas homéricos como um lugar subterrâneo, sombrio,


tenebroso, onde as psychai permanecem flutuando sem nenhuma atividade 8. Na Ilíada
as almas de heróis numerosos e esclarecidos foram baixadas para o Hades (Il, I 3; XI
262). A referência do Hades como lugar subterrâneo ou de profundidade a encontramos
também na Odisséia9 nas expressões de “rio Oceano” (Od. XII 1) ou “profundo
Oceano”. A expressão “casa de Hades”10 é citada também com certa freqüência. Odisseu
precisa ir à casa de Hades (Od. X 491) e consultar o tebano Tirésias para que possa
regressar a Ítaca. Tirésias era um adivinho “cuja alma e os sentidos foram mantidos
intactos” (Od. X 493). Esta observação homérica parece de um cunho prático em seu
texto possibilitando que um adivinho morto possa comunicar algo aos vivos. Todas estas
expressões nos permitem deduzir que o Hades seja um lugar subterrâneo. Seja lá como
for, o que queremos apontar é que as psychai vão para um lugar depois da morte do
homem.

Com a exceção da psyché de Tirésias que pode manter os sentidos intactos, todas
as demais psychai depois da morte dirigem-se ao Hades e lá permanecem como sombras
(Od. X 494). No Hades, depois que Odisseu fez as oferendas recomendadas por Circe,
aparece-lhe a psyché de Tirésias (Od. 492). As outras psychai esvoaçam quais sombras.
Entre estas sombras, Odisseu consegue identificar a psyché de sua mãe Antíclea, além
de outros amigos como Elpenor que lhe pede para completar seus funerais (Od. XI
57ss). Todas as demais psychai estão privadas de consciência (Od. XI 475). Na
descrição do Hades encontramos ainda adjetivos que o apresentam como lugar sombrio,
tenebroso (Il XV 251), de portas escuras (Il XI; XIV 456) ou ainda como um reino de
trevas espêssas (Il XXIII 19; 51; 179). As psychai permanecem no Hades como aéreas
sombras (Od XI 206-209), sem exercerem quaisquer atividades tais como pensar e saber
que são propriedades específicas do seres vivos (Od XI 218-224). Tirésias é a única
exceção no reino dos mortos, que pode conservar estas propriedades (Od X 368).

É preciso apressar o funeral para que a psyché de Pátroclo possa ingressar no


Hades (Il XXIII 71). Enquanto não forem realizados os funerais, a psyché do morto fica
vagando defronte das portas amplíssimas do Hades (Il XXIII 74). A cremação do
cadáver é uma forma de apressar a separação da psyché do cadáver, para que a psyché
possa seguir mais “leve”11 ao Hades.

A psyché é imagem (eidwlon) que se parece com o ser vivo (Il XXIII 104). É
uma imagem que reproduz o contorno daquele que foi em vida (Od X 995; XI 207).
7
HOMERO. Ilíada; tradução de Carlos Alberto Nunes, 3.ª ed. São Paulo: Melhoramentos.
8
Cf. J.P. VERNANT. Mythe et pensée chez les Grecs (Mito e pensamento entre os gregos: estudos de
psicologia histórica); trad. de Haiganuch Sarian; Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, pp. 303ss.
9
HOMERO. Odisséia. Trad. de Carlos Alberto Nunes, 3.ª ed. São Paulo Melhoramentos, 1960.
10
Aidao domou (cf. HOMER. The Odissey; with na english translation by A. T. Murray; vol 1,
London: William Heinemann; Cambridg: Harward University Press, 1938.
11
Cf. E. Rhode, Psiqué: el culto de las almas y la creencia en la inmortalidad entre los griegos, op. Cit,
p. 33ss: Rohde tece um comentário minucioso sobre os rituais fúnebres e as honras prestadas aos mortos
nas culturas primitivas. Sobre o ritual fúnebre de Pátroclo (um ritual provavelmente dedicado aos reis ou
pessoas famosas), Homero descreve os detalhes da noite de vigília, a cremação, o banquete fúnebre
oferecido aos amigos e jogos olímpicos em homenagem do morto.
Durante o funeral de Pátroclo, sua psyché aparece a Aquiles e lhe pede rápido funeral
para que a sua psyché possa juntar-se às imagens cansadas dos vivos:

“Com toda a pressa sepulta-me, para que no Hades ingresse, pois as imagens cansadas
dos vivos12, as almas, me enxotam, não permitindo que o rio atravesse para a elas juntar-
me”. (Il XXIII 71)

Durante a noite do funeral a psyché de Pátroclo se mantém ao lado de Aquiles.


Ela é muito parecida com Pátroclo (Il XXIII 105) e dá a Aquiles as instruções de tudo
o que é necessário para o funeral. Aquiles sente saudades do amigo morto e quer abraça-
lo (Il XXIII 98), mas ele (sua psyché) some; “qual fumo, na terra desaparece” (Il XXIII
100-101).

Quando falamos inicialmente que a psyché não perece com a morte do corpo;
que ela, no momento da morte separa-se do corpo e se dirige ao Hades, não estamos
querendo com isso afirmar a imortalidade da psyché. Em Homero a “imortalidade” não
pode ser identificada como permanência eterna, para todo o sempre. Semelhante
identificação é bem posterior aos poemas homéricos. Limitamo-nos a dizer que depois
da morte a psyché é um hálito que sai do corpo e vai para o Hades onde permanece
como sombra sem atividade alguma.

1.2 – A psyché no ser vivo

Durante a existência da pessoa a psyché se mantém sem ser notada, como um


duplo mais atenuado (Il XXIII 103). A psyché se mantém dentro do ser vivo como um
hóspede, um “outro eu”, uma imagem que reproduz o “eu visível”. Às vezes, em certas
circunstâncias, ela “sai”13 do ser vivo como no sonho ou no delírio, e em tais
circunstâncias pode manifestar-se. Quando o corpo está “acordado”, quando seus
membros estão ativos e o ser vivo está de plena consciência, a psyché não se manifesta;
“dorme”, mas quando o corpo se “recolhe” por meio do sono, ela pode “despertar” e
atuar.14. Para Homero, os sonhos são acontecimentos reais e não meras figuras. O que
se percebe nos sonhos são figuras reais dos deuses ou de algum “daimon”, ou uma
imagem criada pelos deuses para aquele momento.

Conforme descrevemos as psychai anteriormente como sombra – pálidos


fantasmas – elas não causam nenhum temor aos vivos. Os homens não precisam temer
os mortos, mas antes os deuses porque estes exercem poder sobre os homens e sobre o
universo. Não encontramos nos poemas homéricos nenhum culto às almas 15 que se
encontram no Hades. Mas encontramos várias passagens onde se fazem oferendas aos
deuses para ganhar a sua benevolência ou aplacar-lhes a ira quando desagradados.
Somente em época bem posterior a Homero, encontramos também na Grécia, a exemplo
de outros povos, culto às almas.

12
yucai, eidwla kamontwn. Veja-se HOMER, The Iliad. Vol. 2, Op. Cit. p. 498.
13
Os gregos acreditavam que em casos de devaneio ou exaustão, cansaço, a psyché havia abandonado o
corpo. Cf. E. Rhode. Psique: el culto de las almas..., Op. Cit. p. 26.
14
Idem., p. 25.
15
Sobre o culto às almas entre os povos primitivos veja-se Rohde, Op. Cit. pp. 30-34.
1.3 – A psyché e o lógos

Não é possível determinar um “outro eu” por meio das representações que se
produzem pela sensação, pela vontade e pelo pensamento 16. Todas as funções que nós
costumamos habitualmente atribuir à psyché, tais como o pensar, o querer e o sentir, não
podem ser identificadas na psyché homérica; na psyché homérica não há entendimento,
não há lógos. Todavia, não há também nenhuma referência para que possamos afirmar
que a psyché não tenha nenhuma participação nas atividades do homem enquanto está
de plena consciência. Visto desta maneira, os poemas homéricos são míticos 17, no
entanto de forma alguma nos permite dizer que sejam “irracionais”, incompreensíveis
ou despossuídos de sentido, ao contrário, estão perfeitamente ao alcance da mentalidade
grega. Embora não possuam a co-autoria do povo, eles, no entanto, identificam a
maneira de ser e de expressar do pensamento próprio da época homérica em torno da
vida e da morte. Há lógos em seus poemas porque eles podem ser recolhidos e
entendidos.

A presença do lógos nos poemas homéricos, como de modo geral em todo o


pensamento mítico, é marcadamente diversa do pensamento filosófico. No pensamento
mítico as atividades de querer, de sentir, de pensar e julgar são operadas no interior do
homem e operadas por órgãos específicos do corpo. Quando Homero quer expressar um
sentimento em forma de ímpeto, de furor, emprega qumo (Il I 193; VIII 169; Od X
373; 374) que não é nenhum órgão específico do corpo 18, e localiza-se no peito. A
sensação que temos em um momento de animosidade é o coração batendo mais forte e
mais aceleradamente.

Quando Homero que expressar pensamento, reflexão, julgamento, os termos


mais empregados são fhren (frVn, frene)19 e nous (nou, noein, noVma). Fhren
(membrana) aparece empregado para expressar algo que está acontecendo sem ímpeto,
sem a presença de alguma ameaça. Os casos onde a palavra aparece, revelam um certo
titubeio do personagem antes de tomar uma decisão:

“Na mente e no ânimo20 o herói, indeciso, reflete três vezes” (Il VIII
169).

O termo nous aparece para designar uma reflexão mais demorada, normalmente
uma reflexão ou uma ponderação. A reflexão consiste em refazer mentalmente um
caminho percorrido, retomar as coisas e fazer ponderações:

16
Idem,. p. 63
17
Os poemas homéricos são ditados pelos deuses aos homens. Um exemplo disso nós podemos verificar
em Hesíodo: “as deusas um dia a Hesíodo belo canto ensinaram..” (Hesíodo 22) Cf. HESÍODO,
Theogonia. Estudo e tradução de Jaa Torrano: Teogonia: a origem dos deuses, 3.ª ed., São Paulo:
Iluminuras, 1995. P. 107.
18
E. Rhode, Op. Cit., p. 34
19
Od. X 493
20
kata frena, kai kata qumon.
“Tão velozmente como homem que, tendo viajado por longe, em pensamento repassa aprazíveis

paragens, dizendo ‘bem desejara estar neste ou naquele lugar’, saudoso: Hera, a magnífica, assim,

apressada, perfaz o caminho” (Il XV 80)

Todas essas atividades, na concepção homérica, só atuam enquanto o homem é


um ser vivo. Com a morte o homem deixa de ser um todo e se desintegra. A psyché sai
dos membros e o que resta não é mais o corpo e sim um cadáver (Od XI 53) que se
converte em terra insensível. Em Homero a psyché é totalmente alheia às faculdades do
conhecer e do sentir. Contudo isto não nos permite dizer que Homero tenha ignorado
essas faculdades. O homem homérico é um ser vivente que tem consciência de si e é
dotado de atividade espiritual, mas a psyché habita nele sem ser a “causadora” do
pensar, do querer e do sentir. O poder que temos de pensar e sentir somente é possível
pelo encontro de swma e yucV, mas o pensar e o sentir não é propriedade de
nenhuma das duas.

Na concepção homérica o início de um homem se dá na união de um ente


material, um corpo que é visível com outro ente material, um hálito que é uma parte
invisível (a psyché), que juntos constituem o ser vivo. Todas as forças vitais se mantém
neste ser vivo, no recinto deste corpo. Se a psyché estiver ausente, o corpo deixa de ser
capaz de perceber, de sentir e de querer.

De posse destes elementos sobre a psyché vamos agora partir para a concepção
da psyché e as suas relações com as funções de pensar e sentir na filosofia. Antes
precisamos ainda fazer uma menção de um fator que foi determinante nesta mudança de
pensar que foi o surgimento da pólis. O início da Filosofia, do ponto de vista histórico,
se dá com o nascimento da pólis. Por diversas circunstâncias históricas os gregos viram-
se necessitados a migrar e por conseguinte foram obrigados a se reorganizar socialmente
estabelecendo um mínimo de leis necessárias que permitisse uma convivência entre
grupos oriundos de diferentes procedências. O homem sabe que está como um igual
entre iguais onde cabe o particular de cada um, mas há também um todo a ser
preservado, geral a todos. As fratrias começaram a perder poder, o que obrigou o rei a
abrir a palavra aos aristocratas. O rei ouvia e depois decidia. A palavra se tornou pública
na forma de argumentos. As mudanças começaram a aparecer na medida que já não
eram mais os deuses do Olimpo a ditar ao poeta o seu canto, a sua poesia. O lógos
produz novas perspectivas naquilo que se busca. Isto procuramos agora contemplar em
alguns fragmentos de Heráclito.

2. SOBRE A PSYCHÉ EM HERÁCLITO21

21
Para nossas considerações sobre os fragmentos de Heráclito, servimo-nos do texto de R. GAZOLLA
DE ANDRADE: Acerca del Frag. 45 de Heráclito (acerca de la psyché), III Congreso Sul-americano de
Filosofía, Cochabamba – Bolívia, 31.07.2000
Limites de alma não os encontrarias, todo o caminho percorrendo, tão profundo logos ela tem.” (frag.

45)

Esse fragmento heracliteano traz elementos absolutamente novos a respeito da


psyché em relação ao pensamento homérico que tratamos anteriormente. Trata-se da
afirmação que a psyché tem lógos – “um profundo lógos”. Para que possamos tem uma
idéia sobre o que é psyché em Heráclito, necessitamos fazer primeiramente algumas
considerações sobre o lógos. Além da afirmação que a psyché tem lógos, o fragmento
traz ainda outro elemento quando fala dos limites da psyché. Começamos pelo lógos.

2.1 – O lógos em Heráclito

Pelo menos em outros três fragmentos, além do frag. 45 que já mencionamos,


Heráclito fala explicitamente do lógos (frag. 1; 2; 50). Esses fragmentos em conjunto
com outros (frag. 10; 30; 33; 41; 103; 104) nos dão a entender que o lógos expressa a
ordenação do todo, ou seja, aquilo que habitualmente tratamos como universal em
oposição ao particular. O lógos é sempre (frag. 1) e é comum a todos os homens, mas os
homens não estão em sintonia com ele e “vivem como se tivessem uma inteligência
particular” (frag. 2). O lógos é comum, mas os homens vivem no particular. É no
particular que nomeamos e pensamos as coisas. Quando Heráclito afirma que “o sol é
do tamanho de um pé humano” (frag. 3), esta é uma constatação da experiência,
particular, imediata, dada no tempo, ou seja, sem um aprofundamento maior da
afirmação. O problema do lógos está em harmonizar a experiência individual e aquilo
que é universal, ou ainda, entre aquilo que é mutável e aquilo que é imutável. Estar em
sintonia com o lógos é recolhê-lo em todos os seus sentidos, como totalidade e na
intemporalidade. É por isso que se diz que o lógos é sempre (frag. 1). O lógos é a
própria ordem cósmica recolhida pelos homens e dita em sentidos diversos (frag. 30;
112). O lógos é o comum, o princípio e o fim (frag. 103) e é necessário aos homens que
usam o intelecto que o fortaleçam (frag. 114), ou seja, que se aperfeiçoem nele.

Quando falamos da sintonia entre o particular e o universal, queremos sublinhar


a ambigüidade da linguagem. A verdade é que empregamos as mesmas palavras para
nomear um e outro. Certos fragmentos de Heráclito (frag. 8; 77) nos fazem pensar num
jogo de palavras22 que revelam essa duplicidade de sentido das palavras, “o que nos
permite dizer coisas obscuras com algum sentido”.23

2.2 – A psyché em Heráclito

Os fragmentos de Heráclito datam no século VI a.C. Podemos supor, então, que


Heráclito conhecia bem os poemas homéricos e consequentemente suas idéias sobre
psyché, tal como sopro, sombra, duplo. Para Heráclito afirmar que a psyché tem lógos,
nos leva a pensar que ele tinha uma idéia bem diversa. Embora Heráclito empregue uma
linguagem semelhante a Homero (Od X 501). Em Homero, Odisseu percorre caminhos

22
Cf. M. NUSSBAUM. YUCH in Heraclitus, II; in Rev. Phronesis 17, 1972, p. 153.
23
R. GAZOLLA. Acerca del Frag. 45, texto já citado, p. 3.
distantes que o levam aos limites mais profundos do Hades (Od XII 1). As palavras
“caminho percorrido”, “profundo”, “limites” são palavras que também aparecem em
Heráclito no frag. 45, mas possuem outro sentido. As diferenças de sentido acentuam-se
muito mais do que a semelhança pelas palavras. Diferente de Homero, a psyché não se
destina para nenhum lugar, nem todo o caminho percorrendo, não chegará a lugar
nenhum. Diferente de Homero, a psyché em Heráclito não tem imagem, nem limite,
nem lugar. Assim como o lógos, ela é sempre, é cósmica.

Ao afirmarmos que a psyché é cósmica, baseamo-nos pelos atributos que


Heráclito aponta. Ela é mutável; o lógos que ela tem, pode crescer (frag. 115); a psyché
pode ser úmida (frag. 117), seca (frag. 118), pode morrer ou mudar-se em outra coisa
(frag. 36), pode ainda ser mais sábia ou menos sábia (frag. 118). Mediante estes
elementos R. Gazolla nos chama atenção para dois sentidos da psyché (pelo menos dois)
sendo um sentido que nos remete aos elementos da physis24 (terra, água, fogo, ar – éter).
O outro sentido da psyché é um ser que tem conhecimento, que pensa e diz o lógos. Este
segundo sentido diverge largamente dos poemas homéricos quando a psyché aparece
relacionada ao pensamento e ao conhecimento.

Dizíamos que em Homero as atividades de querer, sentir e pensar são


independentes da psyché. É com Heráclito que se começa fazer esta associação, como
atividades da psyché. Para expressar estas atividades, Heráclito conserva as mesmas
palavras empregadas por Homero. No frag. 85 emprega tymós. Conforme S. Darcus25
pode significar “desejo” ou “raiva” ou ainda “paixão”. Em todos os casos o tymós é
uma emoção localizada na psyché e constitui-se desta maneira como uma faculdade da
psyché. Como faculdades psíquicas, tymós, nous, fhren não não podem localizar-se em
nenhum órgão específico do corpo, assim como pensava Homero.

Para concluir nossas considerações sobre a psyché em Heráclito, considerando as


limitações da linguagem que nos torna incapazes de captar todos os sentidos em que a
physis se dá, já que ela ama ocultar-se (frag. 123), torna-se difícil definir o que é psyché
em Heráclito. Se não podemos estabelecer uma definição de psyché no pensamento de
Heráclito, ficamos a contento por compreender os modos pelos quais ela está presente
nos homens, ora mais ou menos sábia, ora úmida, ora bárbara, ora seca e brilhante.

CONCLUSÃO

Há, sem dúvida, uma grande mudança na forma de conceber a psyché de


Homero para Heráclito. Em Homero a psyché é imagem do ser vivo e quando este
morre, a psyché vai para o Hades; em Heráclito a psyché não tem imagem definida e
não vai a lugar algum. Em Homero não há associação entre a psyché e as atividades de
querer, sentir e pensar. Em vida, a psyché se mantém no ser vivo como um “segundo

24
Fusi (physis) – Aparece traduzido para o português como “natureza”, mas há pelo menos quatro
sentidos diversos (Cf. N. ABBAGNANO. Dizionario di Filosofia, já citado, pp. 698-701. Deixamos a
palavra no texto sem tradução.
25
S. M. DARCUS. Thumos and Psyche in Heraclitus b 85; in Rivista di studi classici, n. 74, Torino,
1977.
eu”mais atenuado. Já em Heráclito estas atividades começam a aparecer como
faculdades da psyché. O fator que julgamos como determinante para tal mudança, foi a
descoberta que a psyché tem lógos.

BIBLIOGRAFIA

a. primária

1. HERÁCLITO. In “Os Pensadores”. Pré-socráticos; V. l; 1.ª ed.; São Paulo: Abril


Cultural, 1973.

2. HOMER, The Iliad. With an english translation by A. T. Murray; vol. II. London:
Willian Heinemann; Cambridge: Harward University Press, 1939, pp. 501-
503).

3. ________. The Odissey; with na english translation by A. T. Murray; vol 1, London:


William Heinemann; Cambridg: Harward University Press, 1938.

4.________. Ilíada; tradução de Carlos Alberto Nunes, 3.ªed. São Paulo:


Melhoramentos.

5.________. Odisséia. Trad. de Carlos Alberto Nunes, 3.ª ed. São Paulo
Melhoramentos, 1960.

b. comentadores

1. ABBAGNANO, Nicola. Dizionario di Filosofia; trad. de Alfredo Bosi: Dicionário de


Filosofia, 2.ª ed., São Paulo: Martins fontes, 1998.

2. ANDRADE, Rachel Gazolla de. Acerca del Frag. 45 de Heráclito (acerca de la


psyché), III Congreso Sul-americano de Filosofía, Cochabamba – Bolívia,
31.07.2000.

3. DARCUS, Shirley M. Thumos and Psyche in Heraclitus b 85; in Rivista di studi


classici, n. 74, Torino, 1977.

4. HESÍODO, Theogonia. Estudo e tradução de Jaa Torrano: Teogonia: a origem dos


deuses, 3.ª ed., São Paulo: Iluminuras, 1995.

5. NUSSBAUM, Martha. YUCH in Heraclitus, II; in Rev. Phronesis 17, 1972.


6. P. GRIMAL. La Mythologie Grecque (trad. de Yolanda Leite: A mitologia Grega; São
Paulo: Difusão européia do livro, 1954.

7. RHODE, Erwin. Psyche. Seelencult und Unsterblichkeitsclaube der Griechen.


Traducción de Salvador Fernándes Ramírez: Psiqué: el culto de las almas y
la creencia en la inmortalidad entre los griegos; vol. 1, Barcelona: Labor,
1973.

8. VERNANT, Jean-Pierre. Mythe et pensée chez les Grecs (Mito e pensamento entre os
gregos: estudos de psicologia histórica); trad. de Haiganuch Sarian; Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1990

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