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SAUSSURE: O ESTRUTURALISTA ANTES DO TERMO


Edna Maria Fernandes dos Santos Nascimento
Livre-docente pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara.
Docente do Programa de Mestrado em Lingüística e do curso de Letras da
Universidade de Franca (Unifran).

RESUMO
Ferdinand de Saussure ao determinar que não só a linguagem correta
e a “bela linguagem”, mas todas as formas de expressão da linguagem
humana, sejam elas de povos selvagens ou de nações civilizadas, devem
ser objeto de estudo do lingüista, constitui a Lingüística moderna.
Pretendemos, neste texto, resgatar os postulados saussurianos que,
no início do século XX, fundamentando o estudo da língua natural
como um sistema, fincaram as bases para o nascimento do estrutu-
ralismo europeu.

Palavras-chave: Saussure; língua natural; língüística; sistema, estruturalismo.

ABSTRACT
Ferdinand de Saussure who determines that not only the accurate
language and the “beautiful language”, but also all ways of expressing
the human language, both of wild people or civilized nations, must be
the object of study of the linguist, constituting modern Linguistics.
Our aim, in this text, is to rescue the saussurian assumptions that,
at the beginning of the twentieth century, grounding the study of
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the natural language as a system, drove in the basis for the birth of
the European structuralism.

Key words: Saussure; natural language; linguistics; system; structuralism.

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A linguagem – a fala humana – é uma inesgotável riqueza de múltiplos


valores. A linguagem é inseparável do homem e segue-o em todo os seus
atos. Esse trecho de Louis Hjelmslev (1975, p.1), escrito em 1943,
refere-se ao fenômeno heterogêneo que é a fala humana. A fala hu-
mana ou língua natural é uma propriedade inata, produto histórico,
transmitido de pai para filho. Ela é a marca de nossa origem, da
nossa gente, da nossa terra natal e tem várias funções, entre outras,
representar o mundo, comunicar, expressar sentimentos, emoções e
paixões. E com ela também que o homem expressa o falso e o ver-
dadeiro, o ambíguo, persuade e é persuadido. Em relação aos demais
sistemas sígnicos apresenta duas propriedades: 1) reflexibilidade: toda
língua natural constitui-se em sua própria metalinguagem, isto é,
não necessita de outro sistema de signos que a glose; 2) onipotência:
toda língua natural é metalinguagem universal, é com ela que o
homem traduz com mais eficiência os outros sistemas de signos que
o cercam no seu cotidiano.
É por ter todas essas características que ela cativou o homem como
objeto de deslumbramento e de descrição, configurando-se como
poesia e como ciência.
A preocupação com a linguagem vem de longa data e diversas são as
motivações que conduzem o homem ao seu estudo: religiosas, filosó-
ficas, sociais, históricas, psicológicas. Porém, o tratamento científico
do fenômeno linguagem é relativamente recente: fins do século XIX,
começo do século XX. Nesse período que antecede os estudos de Fer-
dinand de Saussure que dão origem à Lingüística moderna, disciplina
que tem como objetivo descrever as línguas naturais, trabalha-se em
busca de um método para abordar esse fenômeno heterogêneo que é a
língua natural. Merece destaque para compreendermos a constituição
e a importância dessa nova disciplina, nosso objetivo neste texto, os
estudos dos neogramáticos.

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A REGULARIDADE DOS FENÔMENOS LINGÜÍSTICOS

Na universidade de Leipzig (1820), um grupo de jovens, esperando


renovar a gramática comparada, estudo da língua que vigorava na
época, dá a si mesmo o nome de neogramáticos.
A tradição humanística não considerava a possibilidade de encontrar
uma constante, porque os fenômenos concernentes ao humano, segundo
ela, só ocorrem uma vez, e não podem, portanto, diferentemente dos
fenômenos naturais, constituir objeto de um estudo generalizante. Com
as suas teses, principalmente a das leis fonéticas, os neogramáticos
pretendiam aproximar o método lingüístico do das ciências naturais
e fazer da sua disciplina uma ciência não menos rigorosa.
O principal teórico desse grupo foi Hemann Paul e suas principais
teses foram:
a) a lingüística histórica deve ser explicativa. Não se trata apenas
de constatar e descrever as mudanças, mas também de desco-
brir suas causas. Preocupação que Franz Bopp, fundador da
gramática comparada, não tinha;

b) a explicação dever ser do tipo positivo. Cumpre desconfiar


das vastas explicações filosóficas, do tipo, por exemplo, qual
seria a origem da linguagem. Os fundadores da Sociedade de
Lingüística de Paris (1866) inscreveram em seus estatutos que
a sociedade não admitia nenhuma comunicação concernente à
origem da linguagem. As únicas causas verificáveis, conforme os
postulados desses estudiosos, deviam ser procuradas na atividade
dos sujeitos falantes, que transformam a língua utilizando-a;

c) a pesquisa das causas deve se restringir às mudanças lingüísticas


que se estendem sobre um tempo limitado. Em vez de comparar

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estados de língua muito distantes, tomar-se-á como objeto a


passagem de um estado ao que lhe segue;

d) um primeiro tipo de causa das mudanças lingüísticas é de


ordem articulatória. As leis fonéticas são, com efeito, passíveis de
uma explicação fisiológica. Quando se opera uma modificação
em um contexto lingüístico, nenhuma palavra que o contenha
pode escapar a essa alteração, qualquer que seja sua situação
semântica ou classe gramatical, e as exceções são o índice de
uma lei ainda desconhecida. Os termos fada e lobo, por exemplo,
provêem, respectivamente, do latim fatam e lupum. No latim
clássico, a terminação –m, marca do acusativo, caso de onde fo-
ram geradas as palavras da Língua Portuguesa, por isso chamado
lexicogênico, não era pronunciado no latim falado pelo povo
(latim vulgar), dando origem às formas fata e lupu. O /t/ e o /p/,
nesses exemplos, estão entre vogais, sonorizando-se, respecti-
vamente, nos seus pares homorgânicos /d/ e /b/. A consoante
/t/ é homorgânica de /d/, porque nessas duas consoantes estão
presentes os traços distintivos /oclusiva/, /linguodental/, elas se
diferenciam apenas porque uma é surda e outra é sonora. Em
/p/ e /b/, os traços comuns são /oclusiva/, /bilabial/, o diferente
é o traço /surda/ para a primeira e /sonora/ para a segunda. Essa
observação permite, aos neogramáticos, chegar à seguinte regra
fonética: uma consoante homorgânica, em posição intervocálica,
transforma-se no seu par. No caso do segundo exemplo, uma
outra regra pode ser observada: o /u/ (breve) se modifica em
/o/. Resumindo a transformação das palavras, temos:

fata(m) > fata > fada


lupu (m) > lupu >lobo

e) um segundo tipo de causa é de ordem psicológica que gera

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a analogia. A tendência à analogia, associação de idéias que


produz uma forma à imagem de outra ou de outras, segundo
uma regra determinada, explica a forma verbal trazi da Língua
Portuguesa, criada a partir da forma bebi. Temos que

beber: bebi :: trazer: trazi

Onde se lê: beber está para bebi assim como trazer para trazi, es-
tabelecendo-se uma quarta proporcional. O verbo beber pertence ao
paradigma da segunda conjugação (que termina em –er) e sua forma
na primeira pessoa do pretérito perfeito do indicativo é bebi. A forma
verbal trazer, também termina em -er, mas é irregular, flexionando-se
no mesmo tempo e modo da forma verbal beber em trouxe, mas por
analogia (semelhança), alguns falantes, principalmente, crianças em
fase de aprendizado da língua, baseados no paradigma da segunda
conjugação, utilizam a forma trazi.
A importância dos neogramáticos consiste no fato de eles busca-
rem a regularidade dos fenômenos lingüísticos a partir das próprias
manifestações das suas alterações. As alterações fonéticas, segundo
eles, não são produzidas pelo falante por acaso, mas decorrem de
certas leis que resultam de um conjunto de fatores e de tendências
que é tarefa da ciência da linguagem investigar.

SAUSSURE: A CONSTITUIÇÃO DA LINGÜÍSTICA MODERNA


As fases da ciência da linguagem e o nascimento da Lingüística
“propriamente dita”
Ferdinand de Saussure (*1857+1913), no início do século XX, nas
suas aulas, organizadas por seus discípulos a partir de rascunhos e
anotações de seus cursos, ministrados na Universidade de Genebra, e
transformadas no famoso livro Curso de Lingüística Geral, obra póstu-
ma publicada em 1916, descreve as três fases da ciência da linguagem

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antes da Lingüística reconhecer o seu verdadeiro objeto de estudo: a


gramatical em que o modelo é o da gramática greco-romana, a nor-
mativa em que a preocupação é com a arte de bem falar e escrever, a
filológica ou filologia comparada, a primeira, centrada na língua escrita,
visa ao estabelecimento do texto, a segunda tem como matéria de
estudo a comparação de textos indo-europeus.
Considerando que, nessas fases da ciência da linguagem, as pre-
ocupações com a língua são da ordem do extralingüístico, onde se
mesclam fatores literários e históricos, por exemplo, Saussure reconhece
nos estudos dos neogramáticos, que datam de 1820, o nascimento da
Lingüística “propriamente dita”. Os estudos dos neogramáticos, para
ele, nascem da renovação da filologia comparada. Mas enquanto os
filólogos não se preocupam em perguntar a que leva a comparação das
línguas entre si, os neogramáticos buscam as regularidades nas alte-
rações. Os estudos de Hermann Paul sobre as constantes lingüísticas
das alterações fonéticas, ou leis fonéticas, é um exemplo dessa época.
Com essa busca de constantes na língua, a escola dos neogramáticos
rompe com tradição humanista que não considerava a possibilidade
de encontrar invariantes lingüísticas. Segundo os humanistas, os fe-
nômenos humanos não se repetiam e não podiam ser, portanto, objeto
de estudo científico. Essa atitude dos neogramáticos, afirma Saussure,
aproxima-se da determinação do objeto de estudo da Lingüística.

Matéria e tarefa da nova Lingüística

Para determinar o objeto da Lingüística e fundar o estudo cien-


tífico das línguas naturais, no Capítulo II, do Curso de Lingüística
Geral (1970, p. 13), denominado “Matéria e tarefa da Lingüística;
suas relações com as ciências conexas”, Saussure explicita o objeto
de estudo da Lingüística, contrapondo-o aos estudos das fases que
o precederam. Afirma ele:
A matéria da Lingüística é constituída inicialmente por todas

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as manifestações da linguagem humana, quer se trate de


povos selvagens ou de nações civilizadas, de épocas arcaicas,
clássicas ou de decadência, considerando-se em cada período
não só a linguagem correta e a “bela linguagem”, mas todas
as formas de expressão.

Segundo a citação de Saussure, a Lingüística tem como objeto to-


das as manifestações da linguagem humana, de todos os povos, não
se constituindo em uma ciência normativa, mas descritiva, pois deve
considerar em cada período não só a linguagem correta e a “bela lin-
guagem”, mas todas as formas de expressão.

Objeto da Lingüística: a formalização da língua

Delimitado como objeto da Lingüística todas as manifestações da


linguagem humana, Saussure tem também como fim constituir um
método para seu estudo. Mesmo reconhecendo a importância dos
neogramáticos para a constituição de um método de abordagem para o
fenômeno heterogêneo que é a linguagem humana, Saussure pondera,
à pagina 12 do Curso de Lingüística Geral , que eles não esclarecerem
a totalidade da questão:
Graças aos neogramáticos, não se viu mais na língua um
organismo que se desenvolve por si, mas um produto do
espírito coletivo dos grupos lingüísticos. Ao mesmo tempo,
compreende-se quão errôneas e insuficientes eram as idéias
da Filologia e da Gramática Comparada. Entretanto, por
grandes que sejam os serviços prestados por essa escola, não
se pode dizer que tenha esclarecido a totalidade da questão,
e, ainda hoje, os problemas fundamentais da Lingüística
Geral aguardam uma solução.

Tentando encontrar, no início do século XX, solução para os pro-


blemas da Lingüística Geral, tem por objetivo:

1. determinar o campo da Lingüística. Para isso dois pontos são


fundamentais: estabelecer a natureza do objeto de estudo e de-
terminar o que o lingüista faz;

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2. estabelecer os universais da língua;


3. determinar o mecanismos da língua, demonstrando que cada
elemento lingüístico adquire um valor dentro do sistema lin-
güístico;
4. clarificar conceitos e criar um método de estudo.

Para poder fazer um estudo científico das línguas naturais e deter-


minar o objeto da Lingüística, Saussure propõe a dicotomia: língua/
fala, que sendo duas faces da entidade linguagem implicam-se mu-
tuamente.
Pinçando alguns trechos do Curso de Lingüística Geral, é possível
demonstrar que ele concebia língua como uma entidade psíquica,
um acervo lingüístico: A língua é uma realidade psíquica, que compreende
significados e imagens acústicas, um sistema gramatical que existe virtual-
mente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum conjunto de
indivíduos (1970, p. 21) ; uma entidade social, uma instituição social:
Ela é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo que, por si só, não
pode, nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão em virtude duma
espécie de contrato estabelecido entre os membros da comunidade (1970,
p. 22); e uma entidade abstrata, um sistema funcional: A língua é [...]
um todo por si e um princípio de classificação [...] a língua é um sistema
cujos termos se condicionam reciprocamente e o valor ou o sentido de uns é
o resultado da presença simultânea de outros. (1970, p. 17).
A língua é um sistema virtual, uma instituição social, fundada,
portanto, em um acordo social e é também um sistema funcional, em
que cada unidade tem um valor, opondo-se à fala que é psico-física,
individual, ocasional, concreta, momentânea. A característica essencial
da fala é a liberdade das combinações, esclarece Saussure (1970, p. 192).
No Curso de Lingüística Geral, a fala aparece como uma combinatória
individual que atualiza elementos discriminados dentro do código.

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Assim, a língua é a condição para a existência da fala, exatamente


como a sociedade é a condição para a existência do indivíduo. Para
Saussure, que entende a linguagem como uma abstração, capacidade
que o homem tem de comunicar-se com seus semelhantes por meio
de signos verbais, essa se apresenta como a soma da língua e da fala e
a língua é a linguagem menos a fala e a fala assemelha-se à natureza
do acontecimento. Esquematicamente teríamos:

Pela característica da transitoriedade da fala, Saussure (1970, p. 28)


conclui que o objeto da Lingüística propriamente dita é a língua:
Por todas essas razões, seria ilusório reunir sob o mesmo
ponto de vista, a língua e a fala. O conjunto global da lingua-
gem é incognoscível, já que não é homogêneo, ao passo que
a diferenciação e subordinação propostas esclarecem tudo.
[...] Cumpre escolher entre dois caminhos impossíveis de
trilhar ao mesmo tempo; devem ser seguidos separadamente.
Pode-se, a rigor, conservar o nome de Lingüística para cada
uma dessas duas disciplinas e falar duma Lingüística da fala.
Será, porém, necessário não confundi-la com a Lingüística
propriamente dita, aquela cujo único objeto é a língua.

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Uma segunda dicotomia rompe diretamente com a tradição da lin-


güística histórica. Para Saussure, é muito importante distinguirem-se
os eixos sobre os quais se situam os fatos que a ciência estuda. De
acordo com dois diferentes tipos de descrição, os fatos científicos po-
dem ser estudados como se estivessem num eixo de simultaneidades
ou sincronia (A-B) ou, então, como se estivessem situados num eixo
de sucessividades ou diacronia (C-D):

No primeiro caso, o lingüista interessa-se pelas relações entre fatos


coexistentes num sistema lingüístico, tal como ele se apresenta num
momento dado, fazendo-se abstração de qualquer noção de tempo,
como por exemplo, a descrição do gênero no português atual: troca
do morfema –o para –a, menino/menina; epiceno, acrescentando
macho/fêmea a um substantivo, cobra macho/cobra fêmea; comum
de dois gêneros, alternando-se os artigos, o dentista, a dentista; so-
brecomum, criança, que tanto se refere ao masculino como ao femi-
nino. No segundo caso, constituem objeto de estudo as relações que
um fenômeno qualquer, localizado ao longo de uma linha evolutiva
de tempo mantém para com os fenômenos que o precedem ou que

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o seguem na linha da continuidade histórica, como por exemplo, o


acompanhamento das transformações que sofreu o vocábulo latino
fatam, dando origem ao termo fada da Língua Portuguesa.
Estabelecendo a primeira dicotomia, Saussure pôde determinar
que é na língua que devem ser buscadas as invariantes já procuradas
pelos neogramáticos. Elegendo a língua como objeto de estudo, com
uma perspectiva diferente dos neogramáticos, que buscavam regu-
laridades em uma linha evolutiva, diacrônica, Saussure, rompendo
com essa tradição, busca estudá-la em uma perspectiva sincrônica,
em um estado determinado de sua evolução.
A opção pelo estudo da língua em uma perspectiva sincrônica permite
a ele separar os fatores internos de um sistema dos fatores externos,
histórico-culturais que condicionam esse sistema e conceituar língua
como um sistema de valores, onde cada elemento define-se em relação
aos outros. O exemplo do jogo de xadrez, utilizado por ele (1970, p.
43), é fundamental para entendermos o que é sistema e gramática do
ponto de vista da Lingüística saussuriana:
Uma comparação com o jogo de xadrez fará compreender
melhor. Aqui, é relativamente fácil distinguir o que é interno
do que é externo: o fato de que ele tenha passado da Pérsia
para a Europa é de ordem externa; interno é tudo quanto
concerne ao sistema e às suas regras. Se substituo uma peça
de madeira por outras de marfim, a troca é indiferente para
o sistema; mas, se diminuo ou aumento o número de peças,
essa troca afeta profundamente a “gramática do jogo”.

As peças do jogo definem-se unicamente pelas funções que lhe


são conferidas pela legislação do jogo. Suas propriedades físicas são
acidentais: as dimensões do cavalo ou das torres, suas cores, o mate-
rial de que as peças são feitas, tudo isso pode variar; se se perde uma
peça, ela poder ser substituída por um objeto qualquer, conservando
intocadas a sua função e a sua identidade. Basta que, para tanto, os

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parceiros convencionem atribuir a esse objeto o mesmo valor à peça.


Se pensarmos em termos lingüísticos, temos que um elemento da
língua, um fonema, por exemplo, deve definir-se do ponto de vista
das suas relações para com os outros elementos do mesmo sistema
e pela função no interior desse sistema e nunca com base nas suas
propriedades físicas. O que é importante destacar nas lições do Curso
de Lingüística Geral é que as substâncias da língua não contam para a
fundação do signo e da função lingüística: o que conta é a combinação
delas para criar uma forma.
Com a figura do jogo de xadrez, Saussure ilustra e diferencia o que é
externo à língua, as propriedades físicas, a cor das peças, o material de
que são feitas, por exemplo, do que é interno, as regras, a convenção.
Os valores externos para ele são as substâncias da língua, enquanto os
internos são as formas. A partir dessa terceira dicotomia, ele formula o
postulado básico para a Lingüística a língua é forma e não substância.
Cabe ao lingüista, segundo ele, descobrir as formas da língua, as
invariantes, os valores que subjazem a cada manifestação concreta,
na variação das substâncias da fala.
Para chegar aos valores imutáveis do sistema que constituem a lín-
gua, o lingüista deve observar o seu funcionamento nos dois eixos da
linguagem, propostos por Saussure como uma terceira dicotomia: o
associativo ou virtual e o sintagmático ou da combinação. No eixo
associativo, posteriormente, chamado paradigmático, a relação que
se estabelece entre as unidades da língua é de oposição. Nenhum
signo é igual a outro e nem pode ocupar, em um mesmo tempo, o
lugar de outro. Por exemplo, o substantivo casa tem a mesma cate-
goria gramatical de lar, mas apesar dessa identidade, eles se opõem
não só pelo significante, mas também pelo significado, no sistema
da língua portuguesa. Sintagmaticamente, eles podem combinar e
constituir enunciados como: “A nossa nova casa é um verdadeiro lar”.

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Esse mesmo enunciado poderia ter sua combinatória modificada se


alterássemos o eixo associativo em cada ponto da cadeia, por exem-
plo: “A sua nova casa é um verdadeiro lar”, “A sua velha casa era um
verdadeiro lar”, e assim por diante, desde que as regras gramaticais
da língua o permitam. A organização dos elementos lingüísticos,
dos valores, em relação ao significante e ao significado, é arbitrário
e particulariza cada língua, constituindo a sua gramática.
A quarta dicotomia proposta pelo mestre genebrino relaciona-se ao
signo. Para Saussure, a análise lingüística deve dar conta da língua
como um sistema de signos. Esses elementos, de que se compõem as
línguas, têm três características: arbitrariedade, caráter linear e sistê-
mico. Por essas características, a concepção de signo desse lingüista,
opõe-se à tradicional. A língua até então concebida como uma simples
nomenclatura, é entendida por ele, como um sistema de signos, e o
signo como uma unidade de duas faces: conceito e imagem acústica.
Com a concepção da dupla face sígnica, elimina a falácia do objeto
que é extralingüístico. A união de um significado e um significan-
te, denominações dele também para conceito e imagem acústica, é
resultado de uma convenção, estabelecida pela significação. O signo
é então uma unidade arbitrária.
Distingue ainda dois tipos de arbitrariedade: radical e relativa. A
arbitrariedade radical se refere à instituição do signo tomado isolado e
externamente à língua, como um acidente lingüístico, uma convenção
pura. Comprova esse tipo de arbitrariedade com a existência de dife-
rentes línguas e as mudanças dentro de um mesmo sistema. Exempli-
ficando, temos no português o termo escada rolante. Essa denominação
privilegia o fato de a escada rolar, no francês, tem-se escalier mécanique,
onde é considerado o modo de ser da escada. A arbitrariedade relativa,
pelo contrário, é interna à língua, referindo-se à instituição do signo
como elemento componente de uma estrutura lingüística, sujeito, por-
tanto, às restrições do sistema. São exemplos de arbitrariedade relativa,

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os derivados e os compostos. Na língua portuguesa, os derivados de


pedra, como pedrada, apedrejar, empedrado, são motivados em relação
ao radical pedr-, assim como no composto dezenove reconhece-se os
termos dez e nove.
A segunda característica do signo está relacionada à distribuição
espacial dos elementos que o compõem. Na sua distribuição, um
elemento segue o outro não podendo ocupar, ao mesmo tempo, o
mesmo lugar. A alteração dessa linearidade pode dar origem a outra
unidade. É pela disposição linear que se distinguem os termos amor,
moram, Omar, Roma, oram.
O caráter sistêmico do signo lingüístico, terceira característica pro-
posta, está intimamente relacionado com a concepção de valor de
Saussure que já explicamos. Para ele, a língua é um sistema de valores,
onde cada signo se define em relação com outros, sendo a característica
primordial do signo ser o que os outros não são.

Lingüística como ciência: autonomia

Com as dicotomias língua/fala, sincronia/diacronia, forma/subs-


tância, associação/sintagma, significante/significado, privilegiando
sempre o primeiro elemento do par, o objeto da Lingüística, a língua,
passa a ser passível de formalização, segundo os estudos de Saussure.
É o primeiro passo para que a Lingüística possa se constituir como
ciência da língua e mais do que isso para que ela reivindique a sua
autonomia frente às ciências da linguagem.
Saussure insiste que uma das tarefas da Lingüística era delimitar-se
a si própria (1970, p. 13) e comentas as razões dessa necessidade:
A Lingüística tem relações estreitas com outras ciências,
que tanto lhe toma emprestados como lhe fornecem dados.
Os limites que a separam das outras ciências não aparecem
sempre nitidamente. Por exemplo, a Lingüística deve ser

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cuidadosamente distinguida da Etnografia e da Pré-História,


onde a língua não intervém senão a título de documento.

Essa questão parece que ficou resolvida por Saussure no começo do


século XX. Os compiladores do Curso de Lingüística Geral, publicado
em 1916, obra que se considera como marco da Lingüística moderna,
escrevem a afirmação conclusiva de que a Lingüística deveria estudar
a língua por si própria ou como um fim em si (1970, p. 24). Com esse
desbaste, Saussure constrói o objeto da Lingüística moderna: a língua
na atemporalidade do sistema.

Saussure e o Estruturalismo

A teoria lingüística saussuriana, que tem como fundamento a con-


cepção de língua como um todo em que cada unidade define o seu
valor “por sua coexistência” no interior de um “sistema fechado”,
permite chegar a constantes lingüísticas. A busca da regularidade
em um nível abstrato (a língua) em oposição a um nível concreto (a
fala) rompe com a tradição humanística de que os fatos humanos
não se repetem.
As concepções de Saussure foram a mola propulsora do estrutura-
lismo europeu. Essa corrente de pensamento concebe a língua como
um sistema em detrimento de uma visão atomística dos fatos da lín-
gua. A unidade lingüística, por seu aspecto fônico e por seu aspecto
semântico, remete a todas as outras e não é possível compreender um
signo sem entrar no jogo global da língua. Como expressa Saussure
(1970, p. 154):
Um termo dado é como o centro de uma constelação, o ponto para
onde convergem outros termos coordenados cuja soma é indefinida.
Esclarece a afirmação de Saussure o diagrama dos campos associa-
tivos da palavra ensinamento em que ele demonstra as relações entre

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as palavras, ou seja, que em diferentes níveis a palavra não é uma


unidade isolada.
ensinamento

ensinar apredizagem desfiguramento elemento


ensinamos educação armanento lento
etc. etc. etc. etc.

Lendo a ilustração de Saussure da direita para a esquerda: temos


semelhança formal (o radical ensin-), semelhança semântica (aprendi-
zagem/ educação), semelhança de formação (desfigurar> desfiguramento;
armar> armamento) e semelhança fonética (elemento, lento). Essas
relações do termo ensinamento, com outros termos da Língua Portu-
guesa, são estabelecidas em um espaço de tempo, ou como denomina
Saussure, em uma sincronia, construindo um sistema.
Apesar da visão estrutural que construiu as bases de uma Lingüística
que mais tarde será denominada estrutural, Saussure não empregou
o termo estrutura no Curso de Lingüística Geral, mas o termo siste-
ma. Comentando trabalhos sobre a obra do fundador da Lingüística
moderna, o Prof. Isaac Nicolau Salum, no prefácio à edição brasileira
do Curso de Lingüística Geral (p. xxii), em 1970, chama a atenção para
o fato:
A estes acrescente-se o excelente trabalho de divulgação de
Georges Mounin, Saussure ou le estructuraliste sans le savoir
– présentations, choix de textes, bibliographie, que, a nosso ver,
tem de defeituoso apenas o título, pois Saussure foi antes
“estruturalista antes do termo”, que Mounin poderia dizer
à francesa le structuraliste avant la lettre.

A teoria de Saussure que descreve o signo como uma unidade lingü-

Diálogos Pertinentes – Revista Científica de Letras • Franca(SP) • v. 4 • n. 4 • p. 259-276 • jan./dez. 2008


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ística que só adquire identidade a partir da relação que ele estabelece


com outros signos do mesmo sistema e o seu método sincrônico e
aistórico, uma vez que o sistema preexiste aos usos que dele poderia
ser feito, desencadeiam na França, nos anos 1950, o estruturalismo,
que teve seu apogeu nos anos 1960, com as concepções de inconsciente
estrutural, presente na obra de Lévi-Strauss e de Lacan, e a proposta
de “estrutura narrativa profunda” de Greimas.

REFERÊNCIAS

AMACKER, R. Linguistique saussurienne. Genebra: Draz, 1975.


BENVENISTE, E. Problemas de Lingüística geral. São Paulo: Na-
cional/USP, 1976.
HJELMSLEV, L. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. São Paulo:
Perspectiva, 1975.
LEROY, M. As grandes correntes da lingüística moderna. São Paulo:
Cultrix, 1982.
MALMBERG, B. As novas tendências da lingüística. São Paulo: Na-
cional, 1974.
SAUSSURE, Ferdinand. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cul-
trix, 1970.

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