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Esse grupo mantém até hoje ligado à igreja Católica, mas fica expressa
a sua vinculação doutrinal ao que alguns cientistas sociais denominam de
Catolicismo Rústico. Nessa concepção, conforme destaca Monteiro: (1978.p.
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A morte não era vista como o fim do corpo apenas, pois o morto
seguiria em espírito rumo a um outro mundo, a uma outra vida (...) o
tratamento dispensado ao morto visava integrá-lo o mais breve possível
em seu lugar, para seu próprio bem e a paz dos vivos ( REIS, 1997,
p.96)
CARPIDEIRAS OU ENCOMENDADEIRAS
Ao longo do tempo, foram as carpideiras que tinham o papel de
anunciadoras da morte. Outro elemento forte, sobretudo nas pequenas cidades
do interior do Brasil, era o sino, o anunciador do passamento. Um determinada
batida do sino podia anunciar que alguém havia morrido. O grupo de Correntina
( BA) não pode ser considerado como o das carpideiras tradicionais. Aliás, no
Brasil, não foi muito comum a existência das carpitdeiras profissionais, como
havia em Portugal. Como nos lembra Cascudo (1993, p.199)
Ana Maria da Conceição (uma das líderes do grupo) relata que desde os
15 anos sua madrinha a colocava para rezar e cantar para encomendar as
almas. Sua madrinha a aconselhava a aprender, para que , quando ela
morresse, a afilhada continuasse fazendo “ o mesmo trabalho”. No dizer de
Ana Maria da Conceição, ela “... tinha uma voz tão tremida, que chega a sumir
em cima e dizer – com a voz tremida com medo – com base de 15 anos eu
comecei, mais as meninas lá da roça...” Há 21 anos ela reside no município de
Correntina, e desde então, junto a José Brito, organizaram o grupo de
encomendadeiras e alimentadoras de almas. Elas rezam mais na Semana
Santa. Não é sempre que elas participam de velórios. Isso as distingue das
carpideiras.
ALIMENTANDO AS ALMAS
O grupo tem por hábito somente sair à noite, depois das dez horas,
rezando até à meia-noite. Não se encomendam e nem se alimentam as almas
depois da meia noite e, da mesma forma, durante o dia. Há uma exceção na
reza noturna na Sexta feira da Paixão, quando se ultrapassa a meia noite com
rezas e canções de lamentação.
Saint Hilaire relata que passou por uma cruz erguida na estrada que
seguia rumo ao interior de Minas Gerais, no ano de 1817, e que alguém havia
lhe relatado a seguinte história: ‘ um homem, viajando nessa região, acreditou
ter visto almas do purgatório, que volteavam ao redor de seu cavalo, sob a
forma de pombos, pedindo-lhes preces. Em memória desta aparição ele fez
erguer a cruz’.
Além da mortalha, à frente do grupo vai alguém portando uma cruz com
uma toalha branca dependurada. Para as encomendadeiras esse é o principal
símbolo do grupo Pretinha desta que o significado da cruz é o da morte de
Cristo. Em relação à toalha, depreendemos do relato do grupo, que o
significado relaciona-se à crença na ressurreição , pois Cristo morreu,
ressucistou, deixando apenas a mortalha no sepulcro.
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PEDREIRA, Carolina op. Cit. p. 5
MEDO DO POVO E HISTÓRIAS FANTÁSTICAS
A tia Jacinta afirmou que, num serão, carecera de acender uma candeia
e que, dando pela falta de lumes, viera à porta ver se passava alguém,
para lhos pedir. Abrindo o postigo, viu que cinham de longe muitas luzes
e, quando estas se se abeiraram, pediu um lume, que lhe foi entre pelo
postigo. Acesa a candeia, quando ia entregar a velha que tinha recebido,
já o grupo se tinha distanciado, reparando ela, então, que em lugar de
uma vela lhe tinha entregado uma tíbia! Fora no dia seguinte se
confessar, sendo-lhe dado o conselho de à mesma hora esperar
novamente o grupo e entregar à que fosse sem luz o que lhe tinha sido
dado. Eram almas boas que andavam a pedir orações ( separata...,
2002, p.40.
Por outro lado, na entrevista que fizemos com Dona Sú, uma história nos
chamou a atenção. Ela descrevia que após o termino das rezas e cânticos, elas
iam se retirando, quando viram uma pessoa vestida da mesma forma que elas
chegar à janela de uma moça que as estava observando. Viu também que ela
pediu a referida moça para guardar uma vela, que estava meio embrulhada em
papel. Mas tamanha foi a curiosidade da moça que estava à janela, que, não
agüentando, abriu o pacote. Deparou-se então, não com a vela, mas sim com
um osso de canela. Por incrível que pareça, essa é a mesma descrição que
encontramos em uma história recolhida por Câmara Cascudo, em 1942. Isso
nos permitiu pensar como se realiza o processo de circulação de idéias em
uma sociedade que poucos tem acesso a leitura, e que, ninguém com certeza,
teve acesso ao livro, mas sim à tradição, que vem também recheada de
memórias e histórias contadas, e fixadas pela tradição oral.
BIBLIOGRAFIA
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WELLS, J. Explorando e viajando três mil milhas atrav´[ES do Brasil, In: REIS,
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