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FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
Niterói
2018
FERNANDA SANTANA RABELLO DE CASTRO
Orientadora:
Professora Doutora Maria Martha D’Angelo Pinto
Niterói
2018
FERNANDA SANTANA RABELLO DE CASTRO
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Prof. Dr. Giovanni Semeraro
___________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Guilherme de Barros Falcão Vergara
___________________________________________________
Profa. Dra. Lia Calabre de Azevedo
___________________________________________________
Prof. Dr. Mário de Souza Chagas
A Frida, por iluminar meus dias e ensinar-me mais sobre
educação do que todos os livros que já li.
Após quatro anos de dedicação, com o privilégio de poder imergir no universo de minha
pesquisa, com dedicação quase exclusiva e com reconhecimento profissional, pelo período de
três anos, é necessário agradecer a muitas pessoas e instituições. Agradeço a acolhida que tive
no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense na figura
de minha estimada orientadora, Maria Martha D’Angelo Pinto, que me deu a liberdade de
realizar o trabalho que escolhi fazer, uma chance por vezes inusitada na academia. Aos
professores e amigos do PPG-Educação, Cláudia Alves, Sônia Rummert, Cecília Goulart, ao
querido Giovanni Semeraro, mestre inspirador, um agradecimento que se estende a todos com
quem convivi nesse espaço rico das salas e corredores do Bloco D. Agradeço ao Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pelo apoio e fomento à minha
pesquisa, no âmbito nacional, bem como à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoas de
Nível Superior, por possibilitar a realização de parte desta investigação em Portugal, por meio
do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior. A todas as pessoas, aos servidores
públicos por trás da possibilidade dessas realizações, meu cordial agradecimento. Ao Instituto
Brasileiro de Museus, pela liberação de minhas atividades cotidianas no Museu da Chácara do
Céu, que permitiu minha dedicação a esta tese, aos colegas que encaminharam os necessários
processos burocráticos, à calorosa equipe da Política Nacional de Educação Museal, aos meus
companheiros de trabalho, em especial à diretora Vera de Alencar, que se viraram sem mais
uma servidora no quadro já escasso de funcionários dos Museus Castro Maya, agradeço pelo
reconhecimento da importância de minha pesquisa para nosso campo, nossos ofícios e nossa
vida laboral cotidiana e pela espera e atenção sempre paciente. Anna Paola, Lígia Melges, tão
importantes por me manterem conectada ao dia a dia do “nosso” Museu e pela amizade. Aos
demais colegas do Ibram, do Museu Nacional de Belas Artes, que me receberam, acolheram,
dedicaram seu tempo, cederam documentos e compartilharam ideias, em especial ao colegas
educadores da Seção Educativa e ao coordenador de comunicação social, Amandio Miguel
dos Santos. Igualmente agradeço à disponibilidade e ao apoio dos colegas educadores e aos
gestores e do Programa Educativo do Centro Cultural do Banco do Brasil e da Sapoti projetos
Culturais, que permitiram a realização da pesquisa nesta instituição. Aos colegas d’além-mar,
que com carinho e solicitude acolheram-me no Museu Nacional Soares dos Reis, no CIAJG,
no CCVF e na CDMG, em especial à Adelaide Carvalho e à Lara Soares e a minha co-
orientadora, a professora Catarina Martins a quem agradeço e faço aqui representar a
Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto. Aos queridos companheiros da Rede de
Educadores em Museus e Centros Culturais do Rio de Janeiro, Andrea Costa, Diogo Tubbs e
Kátia Frecheiras, agradeço pela partilha e colaboração. À Iloni Seibel, agradeço pela presença
no percurso de minhas descobertas e também pelo anuncio da conversa que nunca pudemos
ter: com carinho, faço de meu trabalho uma homenagem. Ao mestre e guru para assuntos
museais, Ozias Soares, meu sábio amigo, leitor dedicado, sempre com algum tempo para
colaborar, mesmo que de meia noite às seis, a gratidão de todos os dias, que seguirá na
esperança de voltarmos a dividir o mesmo espaço de trabalho. Aos membros da banca, pela
leitura atenta, a cordialidade e generosidade dos comentários. À Martha Marandino, que
participou de minha banca de qualificação, com importantes observações, mesmo que não se
tenha concretizado, por questões de recursos, sua participação na defesa. A todos que fazem
parte de minha retaguarda na luta da vida. Minhas meninas superpoderosas, Anna Carolina,
Aline, Patricia e Tatianny, sem as quais seria muito mais difícil ser trabalhadora, feminista,
amiga e mãe. Aos amigos essenciais da vida, Tibita, Fabito e Toin, inspirações diárias de
alegria. À querida Adriana, que viveu lado a lado as alegrias e dores de um longo percurso de
doutoramento, gratidão e desejos de sucesso. Ao Pedro, ao Orlando e Gilda, por fazerem dos
fins de tarde pós-aula momentos necessários de descontração e troca. A todos que direta ou
indiretamente influenciaram minha formação política, militante, que me encaminhou para a
escolha do meu tema e da construção de uma concepção de mundo. Aos profissionais e
colegas da Educação Museal, agradeço pelas oportunidades e compartilhamentos. Por fim,
agradeço pela paciência, pelo apoio, pelo carinho, pela compreensão e a dedicação de todos os
dias: minha filha, Frida, tão pequena e tão compreensiva quando das minhas ausências; minha
mãe, Elfrida, porto seguro e colo; meu pai, cujos olhos brilham de orgulho ao me ouvir falar
dessa tese; minha irmã, de quem me orgulho e que me acarinha com seu orgulho de mim, e ao
meu companheiro, Chicão, que faz dos dias que passam – sem pretensão – os melhores da
vida. Nunca agradecerei o bastante.
E, se escrever história significa fazer história do presente, é grande livro de história aquele
que, no presente, ajuda as forças em desenvolvimento a se tornarem mais conscientes de si
mesmas e, portanto, mais concretamente ativas e operosas.
Gramsci, C19
RESUMO
Esta tese apresenta um breve panorama das políticas públicas de museus no Brasil e em
Portugal nos séculos XX e XXI, analisando, posteriormente, em especial, as políticas públicas
de Educação Museal (2003-2018), sua aplicação na prática educativa em museus selecionados
e as concepções de educação por trás da relação entre teoria, política e prática. Partimos dessa
análise para identificar conceitos de educação presentes na legislação, em documentos
produzidos pelo campo museal e por seis instituições localizadas nas cidades do Rio de
Janeiro, no Brasil, e do Porto e de Guimarães, em Portugal, cujas práticas observamos,
inclusive por meio da realização de um estágio de pesquisa proporcionado pelo Programa de
Doutorado Sanduíche no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior. Em seguida analisamos também, em ações educativas observadas nessas
instituições, os conceitos e concepções possíveis de serem identificados na prática educativa
de seus profissionais. Por fim, expusemos o panorama de constituição do campo teórico da
Educação Museal no Brasil, afirmando conceitos, ideias e concepções de educação e
formação humana que consideramos serem a base para o desenvolvimento de boas práticas e
da elaboração de políticas públicas.
This thesis presents a brief history of the public policies of museums in Brazil and Portugal
during 20th and 21st centuries, analyzing, afterwards, in particular, the public policies of
Museum Education (2003-2018), their application in educative practice in selected museums
and the conceptions of education behind the relation between theory, policies and practice.
We started from this analysis to identify concepts of education present in the legislation, in
documents produced by the museum field and by six institutions located in the cities of Rio de
Janeiro, Brazil, and Porto and Guimarães, Portugal, whose practices we have observed,
through the completion of a research internship provided by the Doctoral Sandwich Program
Abroad of the Coordination of Improvement of Higher Education Personnel. Then, we also
analyze in educative actions observed in these institutions, the concepts and possible
conceptions of education identified in their practice. Finally, we presented the panorama of
the constitution of the theoretical field of the Museum Education in Brazil, affirming
concepts, ideas and conceptions of education and human formation that we consider to be the
basis for the development of good practices and the elaboration of public policies.
AO - A Oficina
CCBB - Centro Cultural Banco do Brasil
CECA - Committee for Education and Cultural Action
COMUSE - Coordenação de Museologia Social e Educação
DEMU - Departamento de Museus e Centros Culturais
DPMUS - Departamento de Museologia Social e Educação
ENP - Encontro Nacional do Programa Nacional de Educação Museal
FAETEC - Fundação de Apoio à Escola Técnica
IBRAM - Instituto Brasileiro de Museus
ICOM – International Council of Museums
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
ISERJ - Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro
MCM - Museus Castro Maya
MINC - Ministério da Cultura
MNBA - Museu Nacional de Belas Artes
MNSR - Museu Nacional de Soares dos Reis
MR - Museu da República
OIM – Observatório Ibero americano de Museus
PNEM - Programa Nacional de Educação Museal
PNEM - Política Nacional de Educação Museal
RECOSE - Rede de Colaboradores de Serviços Educativos
REM - Rede de Educadores em Museus e Centros Culturais
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................................... 12
METODOLOGIA...................................................................................................................................................................... 20
INTRODUÇÃO
O objetivo desse trabalho é, portanto, produzir uma análise da história das políticas
públicas relacionadas à Educação Museal que sirva não só de estímulo para o debate em torno
desse tema, mas também de fundamento para as políticas públicas do campo.
Para isso, pesquisamos a história e a forma como estão se conformando políticas
públicas específicas da Educação Museal, no Brasil e em Portugal, a fim de compreender seus
obstáculos e identificar suas conquistas. Não se trata da análise do surgimento dos museus e
seus setores educativos, ou mesmo do museu moderno, tema já qualitativamente explorado
1
Conforme veremos mais à frente na análise de documentos e dos debates sobre a construção de políticas
públicas específicas para a Educação Museal, nos dois países. Ressaltamos que esta não é uma situação
constatada apenas na Educação Museal e pode ser vista nos tópicos de discussão do blog da Política Nacional de
Educação Museal, disponível em: <www.pnem.gov.br> e no Documento de Recomendações oriundo do
encontro “Serviços Educativos em Portugal: Ponto da Situação”, promovido pelo International Council of
Museums (ICOM), disponível em: <http://icom-portugal.org/multimedia/CECA2011_SaraBarriga.pdf>.
13
[No Brasil,] Alguns estudos têm sido produzidos pelos próprios profissionais de
museus que, incorporando as contribuições das ciências sociais, procuram
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Esse quadro vem mudando e podemos identificar alguns avanços, desde época desta
afirmação até hoje, com o desenvolvimento de ações a partir da Política Nacional de Museus,
que teve implementação iniciada em 2003, no Brasil, e sob a direção da Rede Portuguesa de
Museus, criada em 2000. Algumas iniciativas têm produzido informação sobre a situação dos
museus nos dois países, como a criação do Cadastro Nacional de Museus, em 2006; a
publicação do relatório Museus em Números, em 2010; a criação do Formulário de Visitação
Anual, em 2013; a publicação da Pesquisa Anual de Museus, em 2014; a criação do Museusbr
– plataforma virtual que recolhe dados sobre museus, em 2015, no Brasil; a realização do
Inquérito aos museus portugueses, de 1999; e a publicação do Panorama Museológico em
Portugal, em 2010. Apesar disso, estudos de interpretação desses dados e diagnósticos
elaborados a partir deles são ainda incipientes. Desse conjunto, derivam os obstáculos que
dificultam a análise das políticas culturais de maneira geral e das especificamente de museus,
que são: a falta de registro, de sistematização e de instrumentos continuados de avaliação no
campo, provocados pela constante interrupção de programas, de projetos e de concepções de
políticas e pelos efeitos da pequena política na constituição de governos e instituições estatais
responsáveis pela elaboração, execução e avaliação das políticas públicas. Moraes (2009, p.
55) também aponta para falta de participação e controle social, que dá às políticas públicas de
cultura, no Brasil, características específicas:
é que se viram políticas públicas sistemáticas, com papel mais ativo do Estado, justamente
para possibilitar um determinado controle social. No lugar da sistematização e estabilidade, as
políticas culturais no Brasil são marcadas por “tristes tradições”: “Estas tristes tradições
podem ser emblematicamente sintetizadas em três palavras: ausência, autoritarismo e
instabilidade” (RUBIM, 2008, p. 185). E ainda:
Antes de mais, faço notar, para quem não esteja familiarizado com a história recente
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tivemos, desde o início de nossa formação histórica, uma classe dominante que nada
tinha a ver com o povo, que não era expressão de movimentos populares, mas que
foi imposta ao povo de cima para baixo ou mesmo de fora para dentro e, portanto,
não possuía uma efetiva identificação com as questões populares, com as questões
nacionais. Para usar a terminologia de Gramsci, isso impediu que nossas ‘elites”,
além de dominantes, fossem também dirigentes. O Estado moderno brasileiro foi
quase sempre uma “ditadura sem hegemonia”.
Santos (1996, p. 36-37) completa essa ideia afirmando que “na formação da nação
brasileira, a cidadania, mesmo enquanto ideia, não foi uma força política capaz de forjar uma
identidade”.
E, nesse sentido, afirma que seu enfoque aponta para a “busca de uma ‘identidade
nacional’”, pautada em uma concepção de cultura de caráter unitário e globalizador,
compreendendo que a formulação de uma política cultural por parte do Estado é reveladora do
tipo de relacionamento entre o Estado e a sociedade” (SANTOS, 1996, p. 36), mas que:
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Compreendemos que muito dessa realidade deve-se ao papel atribuído a cada espaço
educativo pelas políticas públicas que os organizam e lhes dão diretrizes. É, portanto,
premissa para essa pesquisa também investigar como a educação ocorre fora da escola, como
suas respectivas leis, regulamentações e documentos políticos se originam e desenvolvem,
como são aplicadas, que concepções carregam e como influenciam a prática.
Partimos de uma concepção de educação a qual defende que ações educativas
realizadas em diferentes espaços, como escolas, museus, centros culturais e de esportes,
organizações não governamentais e no âmbito de movimentos sociais, entre outros,
compreendem um processo de formação único e integral. Muito embora em nossa sociedade
esse processo se desenvolva, para a maioria dos indivíduos, de forma fragmentada, unilateral
e lacunar, entendemos que é tarefa das políticas públicas criar os espaços para a solução
desses problemas.
Notadamente a Educação Museal é tratada de modo diferenciado na legislação
nacional de museus dos dois países. Suas experiências históricas incluem um conturbado e
fragmentado desenvolvimento de órgãos e instituições governamentais responsáveis pela área
dos museus, sendo possível, nos dois casos, identificar a falta de continuidade nas suas
políticas públicas específicas, bem como em padrões de avaliação e na existência e dinâmica
de instituições da área. Em ambos os países, os Ministérios da Cultura foram criados e
extintos, passando a Secretarias, em diferentes períodos. Institutos do Patrimônio, Institutos
de Museus, entre outros, revezaram a responsabilidade pela condução e criação de diretrizes
para a área ao longo da história. Diferentes leis, programas e projetos foram criados e
suprimidos sem terem sido devidamente implementados.
Há também semelhantes experiências na sociedade civil, em especial no campo da
Educação Museal, onde se pode identificar o surgimento de redes de educadores em museus
que atuam diretamente na cobrança e na elaboração de diretrizes políticas, na realização de
atividades de formação profissional e na troca de experiências sobre práticas profissionais,
nomeadamente, no Brasil, as Redes de Educadores em Museus e Centros Culturais (REMs),
em 2003, e, em Portugal, a Rede de Colaboradores de Serviços Educativos (RECOSE), em
2011.
O Brasil viveu recentemente um momento especial: concluiu-se, em 2017, o processo
de construção participativa da Política Nacional de Educação Museal, iniciado 2012, e agora
começa o período de sua implementação e avaliação numa parceria entre instituições estatais
e a sociedade civil. Essa experiência pode ser aproveitada por Portugal na elaboração,
avaliação e incremento de suas políticas públicas na área, assim como o conhecimento das
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Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não
se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua
profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”,
um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção do mundo, possui uma
linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar
uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar.
Também importante para o debate proposto por esse trabalho, é a concepção de Estado
de Gramsci (2012), que segundo esse autor deve ser transformado pela ação humana, a partir
de uma reforma intelectual e moral, que colocará em prática essa nova concepção de mundo
(GRAMSCI, 2012). Nesse contexto, o museu e suas ações práticas, a educação incluída, são
espaços de formulação, de formação e de atuação política para a transformação social.
Por esse motivo, escolhemos instituições públicas, com diferentes perfis de gestão,
como referência para este trabalho, pois acreditamos que são espaços que deveriam,
20
obrigatoriamente, ser construídos tendo como referência as leis e documentos oficiais. São
elas:
● No Brasil: o Museu Nacional de Belas Artes/Ibram; e o Centro Cultural Banco do
Brasil, ambos situados no Rio de Janeiro;
● Em Portugal: o Museu Nacional Soares dos Reis, localizado na cidade do Porto e três
instituições geridas pela Régis Cooperativa A Oficina, localizadas na cidade de
Guimarães: o Centro Cultural Vila Flor, a Casa da Memória de Guimarães e o Centro
Internacional das Artes José de Guimarães.
Nos propusemos a analisar, nessas instituições, o trabalho educativo e suas condições
estruturais, relacionando-os com a aplicação, nas ações educativas de cada um, dos conceitos
identificados e das diretrizes presentes em políticas públicas, considerando as relações entre
Estado e sociedade civil neste processo. Para isso contamos com o apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por meio do Programa de Doutorado
Sanduíche no Exterior (PDSE), o que nos permitiu realizar a pesquisa de campo, em Portugal,
no período de junho a novembro de 2017. Durante o período de pesquisa no Brasil, tivemos o
apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Apresentamos a forma e o contexto em que as leis e os documentos específicos foram
formulados (se com a participação ativa de profissionais dos museus, se fruto de movimentos
históricos etc.), em quais princípios conceituais estão baseados, quais são as visões de
educação e formação apresentadas e implementadas a partir deles, como são aplicadas e suas
implicações para os profissionais, os museus, seus públicos e o Estado, de forma a tentar
estabelecer os marcos de origem e os processos da conformação do campo das políticas
públicas de Educação Museal e seus efeitos na prática, nos dois países.
Traçamos a trajetória das políticas públicas de Educação Museal nos dois países,
porém nos centraremos numa análise mais aprofundada das duas primeiras décadas do século
XXI, onde identificamos um aumento na formulação e consolidação de políticas públicas de
museus, uma maior especialização e consolidação dos seus diversos ramos internos e, em
alguns casos particulares, de iniciativas relacionadas ao seu campo educacional.
Metodologia
Tivemos como referência a pesquisa qualitativa, assim como apresentada por Martins
(2004), com intuito de atuar criticamente em favor da contribuição para as questões ora
21
apresentadas, de acordo com um compromisso com valores que defendem uma Educação
Museal de caráter crítico, integral e de livre-acesso para todos.
Entendemos a partir da leitura de Martins (2004, p. 291), que “a metodologia é, pois,
uma disciplina instrumental a serviço da pesquisa; nela, toda questão técnica implica uma
discussão teórica”. Portanto, apresentaremos a seguir o referencial teórico que nos dá o
suporte para as nossas escolhas metodológicas, apresentando também os passos que daremos
para o desenvolvimento desta pesquisa.
Segundo Martins, “não é possível ignorar a influência da posição, da história
biográfica, da educação, interesses e preconceitos do pesquisador” (MARTINS, 2004, p. 292).
Por isso, apresentaremos também aqui as escolhas teóricas que nos levam a traçar caminhos
metodológicos associados a uma concepção conceitual sobre o que são as políticas públicas, o
que é o Estado e como se dão as relações que produzem essas políticas, de modo que negamos
qualquer possibilidade de neutralidade de nossas análises, pois, deste modo teríamos, que as
fazer de modo ateórico.
Como já dito, nossa coleta e análise de dados serão desenvolvidas a partir da
metodologia qualitativa e neste sentido:
E por esta lógica apenas podemos chegar a conclusões sobre a conformação do campo
das políticas públicas de Educação Museal e suas consequências na prática educativa nos
museus por meio da análise não só de instrumentos legais, documentos e ações
governamentais e estatais, mas também da própria prática educativa, da ação de seus
educadores e de seus efeitos diante dos públicos dos museus.
Sendo assim, investigamos transformações e mudanças ocorridas ao longo da história
nas instituições estatais, identificando suas influências (as sofridas e as exercidas) e relações
com atores da sociedade civil organizada e identificando as criações e recriações de órgãos
governamentais, lembrando que:
e um reducionismo analítico que, muitas vezes, toma uma política pública, no Brasil,
como a simples repetição acrítica do discurso oficial, tornado indício de “verdade”
por parte do pesquisador. Por certo, a investigação junto aos documentos oficiais,
produzidos por agência(s) estatal(is), consiste em procedimento indispensável a seu
estudo. Entretanto, é imperioso que a abordagem de um corpus documental, com
características tão específicas, como Relatórios, Anais e Boletins, seja feita à luz de
uma definição bastante precisa do que se concebe como Estado. Somente assim será
possível verificar toda a carga de conflitividade e relatividade junto a ele abrigada, à
sombra do tom aparentemente monocórdio da narrativa documental, uma vez que,
tais embates – inter e intra estatais – jamais estão descolados daqueles que
constituem a própria Sociedade Civil como um todo (MENDONÇA, 2007, p. 7-8).
Portanto, devemos explicitar, como orientado por Mendonça (2007), que a definição
de Estado que nos serve de referência é aquela descrita por Gramsci (2012) como Estado
Integral, aparecendo também na literatura como Estado Ampliado, isto é, o Estado como a
composição: Sociedade Política + Sociedade Civil.
Para analisar especificamente as políticas públicas de Educação Museal e as
concepções de educação nela presentes que se desdobram na prática educativa em diferentes
instituições, a partir do contexto já apresentado, tivemos como referência a dissertação de
mestrado de Alves (2007), que investigou as concepções de educação presentes nas políticas
públicas de museus em Portugal entre os anos de 1974 e 2004. De acordo com a autora:
É neste sentido que investigamos como as concepções teóricas presentes nas políticas
públicas são, ou não, reproduzidas nos documentos institucionais, no desenvolvimento de
programas e projetos e mais diretamente como se traduzem em uma prática educativa,
identificando seus efeitos e contribuições para um processo de Formação Integral.
Compreendemos o museu como um espaço de múltiplas dimensões, cujas ações
educativas desenvolvem tanto discursos, oficiais do poder hegemônico ou propositivo de
novas hegemonias, quanto possibilita, de acordo com as abordagens educativas, diferentes
interpretações da realidade, bem como se apresenta como espaço de prática política, assim
como nos aponta Chagas (2009, p. 60-61):
A função educativa do museu deve ser exercida contemplando esses três aspectos, seja
de forma explícita ou implícita. É necessário então desvelar sua intencionalidade e os
objetivos pedagógicos que estão por trás tanto das práticas educativas dos museus, quanto das
teorias que lhes dão suporte e, neste sentido, compreender que o desenvolvimento desses três
aspectos tem implicações diretas na prática educativa, uma vez que:
Para dar respostas a essas questões apresentadas por Chagas (2009), fez-se necessário
associar ao nosso referencial teórico a um histórico sobre as políticas públicas museais, que
envolve sua criação, a criação das instituições que as propõem e sua influência sobre a
construção do trabalho educativos dos museus.
Nossa pesquisa consistiu nas seguintes etapas: (a) delineamento do escopo teórico e
metodológico; (b) levantamento bibliográfico e documental sobre a conformação do campo
das políticas públicas de Educação Museal no Brasil e em Portugal; (c) identificação de
conceitos e concepções de educação presentes na legislação do campo, em documentos
oficiais e de organismos não governamentais; (d) apresentação das instituições investigadas,
com breve histórico, apresentação e análise de dados coletados em pesquisa de campo e de
seus projetos e programas educativos; (e) identificação dos conceitos e concepções de
educação presentes em documentos e publicações institucionais das ações investigadas; e, por
fim, (f) análise da aplicação desses conceitos em atividades práticas das instituições,
relacionando-os aos conceitos identificados na legislação, em documentos oficiais e de
organismos do campo.
Para realização dessas etapas foram empreendidos: estudos da legislação de museus e
do patrimônio, dos documentos de referência do campo, de documentos institucionais, tais
como, Planos Museológicos, Projetos Pedagógicos, Regimentos, Organogramas, Projetos de
Ações Educativas, materiais educativos e Pedagógicos; reuniões com representantes dos
setores/serviços educativos das instituições investigadas com o objetivo de esclarecer dúvidas,
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selecionar os projetos a serem analisados, conhecer a estrutura das instituições e coletar dados
a partir do roteiro preestabelecido (Apêndices); observações e análises de ações e projetos
educativos selecionados das instituições selecionadas, conforme apresentados no Apêndice 1.
Desta feita, enfrentamos alguns obstáculos, que indicaremos a seguir. A começar por
questões de ordem prática e empírica, nossa primeira dificuldade foi a de conseguir localizar
documentos. Quando existiam, havia toda uma burocracia para acessá-los. Em alguns casos,
como o do Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, a observação das atividades
ocorreu em 2016, porém o acesso a um novo Plano Museológico, então em elaboração,
ocorreu apenas em 2018. A lacuna temporal entre a observação e a análise das concepções
explícitas no documento foi superior a um ano, o que implicou dificuldades de análise.
Outro problema prático deu-se com a necessidade de trocar uma das instituições
investigadas, por motivos de reestruturação institucional. Nosso projeto inicial incluía a
observação e pesquisa de documentos do Museu Serralves, localizado na cidade do Porto, em
Portugal. Em 2015, foi feita uma comunicação inicial com a instituição, que respondeu
positivamente ao pedido de parceria para realizar esta pesquisa.
Entre 2015 e 2016, porém, o governo federal não disponibilizou editais do PDSE da
CAPES, impossibilitando a realização do cronograma inicialmente planejado para esta
pesquisa, que incluía o estágio em pesquisa em Portugal no ano de 2016.
Com o atraso no edital o PDSE/CAPES, que nos permitiu ir ao Porto apenas em
meados de 2017, a pesquisa anteriormente acertada não foi possível de ser realizada. A
Fundação Serralves, responsável pela administração do museu, passou neste período por
reestruturação que impossibilitou o acompanhamento da pesquisa pelo Serviço Educativo e,
portanto, sua realização.
Como solução para a situação, nossa co-orientadora em Portugal, professora Catarina
Martins, sugeriu e encaminhou a realização de nosso trabalho de pesquisa na Régis
Cooperativa A Oficina, gestora dos aparelhos culturais do município de Guimarães, na
província do Porto, que nos acolhendo prontamente, permitiu que investigássemos a
documentação e as atividades das três instituições já mencionadas.
No campo teórico, para ilustrar um de nossos desafios, citaremos Rubim (2010, p. 9)
quando fala sobre a elaboração de análises avaliativas de processos em andamento. “De
imediato emergem ponderações acerca das complexas conexões entre conhecimento e
distância e sua incidência sobre a interpretação do acontecido”. Rubim (2010) também cita o
caráter inconcluso dos eventos em andamento e as expectativas que há no presente com
26
igual e justa para todos. Para isso apresentamos um debate atual e necessário sobre a
concepção de Educação Museal contemporânea e a sua função diante da construção de
políticas públicas, para isso lançando mão de um referencial teórico baseado nas concepções
de Gramsci, como já citado e Paulo Freire.
Pontuamos ainda que a concepção de Educação Museal com que trabalhamos, além de
estar alicerçada em uma concepção de mundo, é entendida como uma construção conceitual
histórica, portanto usaremos ao longo dessa tese o termo “Educação Museal” não apenas para
designar a prática educativa atual, a partir do surgimento dessa expressão no Brasil, cujo uso
podemos localizar no início do século XXI, para contrapor-se ao termo “Educação
Patrimonial”, então largamente difundido. Remeteremos a Educação Museal também ao falar
de toda a prática educativa, que em diferentes períodos históricos foi designada por diferentes
termos, mas que, sob nosso ponto de vista, constitui o escopo teórico, prático e político do que
chamamos de Educação Museal.
29
Segundo Calabre (2009, p. 12), ao falar das políticas culturais, a maior parte dos
estudiosos do campo, apesar de manterem discussões teóricas a respeito do conceito de
cultura, concordam que são “elaboradas e implementadas de maneira articulada pelos poderes
públicos, pelas instituições civis, pelas entidades privadas, pelos grupos comunitários dentro
do campo do desenvolvimento simbólico, visando a satisfazer as necessidades culturais do
conjunto da população”. Seriam assim fruto da produção coletiva de cultura na sociedade e,
neste caso, o Estado tem o papel de incentivador.
As políticas públicas são fruto de disputas e conflitos e, muitas vezes, são elaboradas e
aplicadas pela sociedade civil, ainda que o resultado de sua atuação seja, por vezes,
apropriado pelo próprio Estado. Em alguns momentos da história, vemos essa realidade mais
pungente. Nos casos de Brasil e Portugal, o Estado atuou como produtor majoritário de
políticas culturais em diversos momentos da história, o que remete a sua própria formação e
função na dinâmica das relações entre os diversos grupos de poder. Mas isso não se deu sem
resistência da sociedade civil. Baseamo-nos nas análises de Coutinho (2006, p. 173) sobre o
Estado brasileiro, para em seguida levantar questões também sobre o Estado português:
[...] o Brasil foi, pelo menos até os anos 1930, uma formação político-social de tipo
‘oriental’, na qual o Estado é tudo e a sociedade civil é primitiva e gelatinosa.
Quando Coutinho afirma ser o Brasil do tipo “oriental” está usando o conceito de
Gramsci, segundo o qual um Estado de tipo oriental não tem a sociedade civil desenvolvida
ao ponto de manter uma relação equilibrada com o Estado, podendo gerar episódios ou
períodos de autoritarismo. Por outro lado, num Estado de tipo ocidental, a sociedade civil é já
integrada ao Estado de tal maneira que consegue estabelecer mais consensos e, por isso,
garantir sua maior participação nas decisões políticas. Nas palavras de Gramsci (2012, p.
266), “no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma justa relação”. Essas
categorias não opõem oriente e ocidente em termos geográficos, ou em escalas de valor ou
nível de desenvolvimento sócio-cultural, mas sim em termos de desenvolvimento das relações
políticas entre Estado e sociedade civil a partir de exemplos históricos: quanto mais justas,
mas próximas ao exemplo das sociedades ocidentais e quanto menos integradas e desiguais,
mais próximas a exemplos de sociedades orientais.
O Estado Integral, como proposto por Gramsci é uma relação a ser construída
historicamente, pela luta e conquistas da classe trabalhadora, no sentido de superar a
31
Encontramos outras semelhanças entre Brasil e Portugal além da sociedade civil não
plenamente desenvolvida que indicam uma caracterização de Estado que foi de tipo oriental e
que passa, aos poucos, para o tipo ocidental: mudanças estruturais na forma de “Revolução
Passiva” com autoritarismo estatal e conciliação entre frações modernas e atrasadas das
classes dominantes excluindo a participação popular (ditadura sem hegemonia – dominação
sem direção) (COUTINHO, 2006, p. 182), industrialização incipiente com a classe proletária
e suas organizações pouco desenvolvidas (ou até mesmo desenvolvidas por meio da
intervenção estatal), corporativismo (em Especial durante o Estado Novo, nos dois Estados),
presença forte do Estado, sendo este superposto à nação. Tal presença do Estado garantiu o
seu controle na elaboração e implementação das políticas públicas de cultura quase que
exclusivo, pelo menos até meados do século XX.
Em breves períodos, tanto no Brasil, quanto em Portugal, em especial durante as fases
conhecidas nos dois países como Primeira República, ou quando não estavam sob a égide das
ditaduras, houve tentativas de desenvolver políticas públicas em parceria com setores diversos
da sociedade, incluindo intelectuais e movimentos populares. Um perfil educacional
humanista pode ser visto em políticas educacionais e culturais, que visaram o
desenvolvimento humano por meio da educação e da valorização das culturas nacionais.
Essas políticas envolveram tanto propostas especificamente ligadas ao âmbito escolar,
ou dito formal, quanto àquelas ligadas a outros espaços potencialmente educativos, como
museus, bibliotecas e demais instituições culturais.
Em Portugal, “o Estado Novo veio interromper este processo de desenvolvimento da
educação humanista e democrática que estava apenas em estado embrionário nos museus,
para se dedicar sobretudo à exaltação do nacionalismo, recorrendo ao património”
(ASCENÇÃO, 2012, p. 50). No Brasil, foi o regime também conhecido como Estado Novo,
igualmente autoritário e controlador.
Os reflexos deste tipo de Estado e de sociedade civil no desenvolvimento de políticas
públicas, em especial as de cultura, nos apontam algumas características específicas vistas
tanto no caso brasileiro quanto no português e foram determinantes inclusive para aquelas
elaboradas nos breves períodos de democracia, tendo também, por seu legado, influenciado as
políticas contemporâneas.
33
2
“A estrutura mais habitual é o sistema nacional presente em 8 países: Brasil, Cuba, Equador, Espanha,
Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela. Andorra e Portugal contam com redes de museus, enquanto a Colômbia e a
Costa Rica desenvolvem sua ação no setor através de programas nacionais. A Bolívia e Honduras se encontram
atualmente no processo de formação de um sistema nacional e de uma rede nacional de museus,
respectivamente” (IBERMUSEUS, 2013, p. 12).
34
que aparece tanto replicada sem alterações, quanto referenciada indiretamente em alguns
desses textos.
Essa influência é concretizada pelas ações desses órgãos, instituições e movimentos no
sentido mesmo de produzir material e ações que sirvam de incentivo e substrato para o
desenvolvimento do campo museal.
Antes mesmo de existirem políticas públicas estatais o próprio campo dava conta de
fomentar seu desenvolvimento, aumentando ações. Henrique Cruz (2008, p. 3) nos mostra
que:
As ações que fizeram o campo crescer e iniciaram a produção de uma reflexão sobre o
museu e suas práticas, como vemos, iniciam-se ainda no século XIX.
A primeira organização a surgir como articuladora do universo dos museus foi o
Escritório Internacional de Museus3, fundado em 1926, que tinha como objetivo “o
estabelecimento de vínculos entre todos os museus do mundo, a organização de intercâmbios
e congressos, assim como a unificação dos catálogos” e reunia museus e seus profissionais
(MAIRESSE apud CRUZ, 2008, p. 4). As atividades dessa organização pararam em razão da
II Guerra Mundial (1939-1945).
Depois do fim da guerra, surgiram várias organizações que foram responsáveis, ao
longo do século XX e no início do século XXI, pela realização de diversos tipos de atividades
para discutir e produzir materiais sobre o mundo dos museus, desde seminários internacionais
e regionais, passando por encontros, grupos de trabalho e visitas operacionais. Como o
Conselho Internacional de Museus (ICOM)4, criado em 1946, numa reunião no Louvre, com
representantes da ONU, da UNESCO, do Escritório Internacional de Museus da Sociedade
das Nações, contando inclusive com a participação de um representante brasileiro, que estava
realizando estudos em Paris, o conservador Mário Barata. Em 1947, foi assinado um convênio
3
Para saber mais sobre o Escritório Internacional dos Museus, ver: CRUZ (2008) e MAIRESSE (1998).
4
Do inglês International Council of Museums (ICOM).
35
de cooperação mútua entre o ICOM e a UNESCO (CRUZ, 2008, p. 7-9). E, no ano seguinte,
foi fundada a seção do ICOM no Brasil. A seção portuguesa só foi fundada 27 anos depois,
em 1975.
As primeiras reflexões sobre as políticas públicas do campo, a publicação de cartas,
declarações e demais documentos que dão as diretrizes da área museológica e das práticas
museais vieram, portanto, dessas organizações. Em 1946, o ICOM apresentou a primeira
definição de museus, que passou por alterações até 2007, quando foi consolidada sua última
versão, base conceitual para muitas legislações nacionais da área.
Alguns desses eventos se transformaram em verdadeiros marcos no campo da
museologia e dos museus. Segundo Primo (2015, p. 134), “Discutir o papel e o lugar da
museologia em contexto global no século XX, implica termos que referenciar o protagonismo
da UNESCO no campo da produção de documentos e propostas de normalização de novos
paradigmas no tecido museológico, ao longo da segunda metade do século”.
Esses encontros realizados desde 1952, dedicados ao estudo da função e do lugar dos
museus, puseram em evidência o papel das instituições museais como agentes de educação, de
inclusão social e de desenvolvimento (PRIMO, 2015, p. 135). O primeiro deles foi o I
Seminário Internacional sobre o Papel dos Museus na Educação5, ocorrido em Nova Iorque,
em 1952, quando estabeleceu-se a proposta de realização de seminários regionais. Isso
culminou na elaboração da Declaração do Rio de Janeiro, de 1958, fruto dos debates e
reflexões acumulados também no II Seminário Internacional sobre o Papel dos Museus na
5
Este evento e os dois citados em seguida vêm sendo analisados em trabalhos acadêmicos e divulgados no
campo da Educação Museal, no Brasil e em Portugal, sob o título de “Seminários Internacionais”, ou “Seminário
Regional”, sobre a Função Educativa dos Museus (por exemplo em: Faria, 2014; Primo, 2015; Seibel-Machado,
2009, que usa dois títulos diferentes). No entanto, os dois Seminários Internacionais, de Nova Iorque e Atenas,
aparecem nos relatórios da UNESCO com os seguintes títulos: “Seminário Internacional sobre o Papel dos
Museus na Educação”, do inglês “The role of museums in education – UNESCO International Seminar” e do
francês “Le rôle des musée dans l’éducation – Stage d’étude International de l’UNESCO”. Já o Seminário do
Rio de Janeiro aparece com o título “Seminário Regional da UNESCO sobre o Papel Educativo dos Museus”, do
francês “Stage régional d'études de l'Unesco sur le rôle éducatif des musées”. Essas informações são relevantes,
pois, também no campo, o termo “função educativa dos museus” tem um significado próprio, que acreditamos
não ter estado presente nos debates dos dois primeiros seminários, que discutiram realmente o papel dos museus
diante da educação na sociedade. Somente em 1958, concluiu-se que o museu teria um papel educativo próprio,
o que então poderia ser considerado função educativa. Segundo Pereira (2010, p. 74-75) “a noção de função
educativa desses espaços é adquirida à medida que a educação ou a prática de educar passa a ser compreendida
como uma necessidade de atender aos objetivos dos museus pautados no desenvolvimento de práticas educativas
mais formalizadas”. Ressaltamos que, a versão espanhola do relatório já trazia o termo “função” em seu título
“Seminario Regional de la Unesco sobre la función educativa de los museos”, porém a noção que Pereira (2010)
apresenta não é contemporânea aos seminários, embora seja fruto das reflexões neles originadas. O problema de
usarmos esse termo na tradução do título dos Seminários, em português, é transportarmos para ele o significado
que tem hoje. É importante lembrar, que como construção histórica, a ideia de função educativa só surgiu a partir
do Seminário de 1958.
O relatório do I Seminário Internacional sobre o Papel dos Museus na Educação está disponível no link:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0012/001274/127439fo.pdf>. Acesso em: mar. 2018.
36
6
O relatório do II Seminário Internacional sobre o Papel dos Museus na Educação está disponível no link:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0001/000105/010561eo.pdf>. Acesso em: mar. 2018.
7
O relatório do Seminário Regional sobre o Papel Educativo dos Museus está disponível no link:
<http://unesdoc.unesco.org/images/0001/000108/010894fo.pdf>. Acesso em: mar. 2018.
37
8
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0024/002471/247152POR.pdf>. Acesso em: mar. 2018.
38
Tanto no Brasil, em análise realizada por Maria Célia Santos (1996), quanto em
Portugal, segundo observações de Maria de Lourdes Lima Santos (1998), podemos identificar
a mesma avaliação no que diz respeito ao centro das políticas culturais: o foco na
consolidação de uma identidade nacional.
Apesar dessa temática permanente, as alterações na estrutura dos órgãos de
instituições governamentais foram, nos dois países, um entrave para o desenvolvimento de
políticas públicas de cultura, que se mostram fragmentadas e descontínuas, ao longo da
história.
Podemos observar essas mudanças estruturais, que aconteceram nos dois Estados
durante o século passado, por meio da análise das transformações nos órgãos públicos da
administração responsáveis tanto pela elaboração das políticas públicas de cultura, quanto
pela direção e normatização dos museus e instituições de patrimônio e memória, como
aparece nos quadros 1 e 2.
No Quadro 1, são apresentados os nove órgãos da administração responsáveis pelas
políticas culturais, variando entre ministérios e secretarias ligadas à presidência, no Brasil. É
39
possível notar ainda a partir desse quadro que as instituições responsáveis pela administração
de museus, do patrimônio e da memória foram alteradas nove vezes. Foram, portanto, 12
alterações no quadro administrativo das políticas públicas nesse período.
Como pode-se perceber, o campo cultural dos dois países padece por conta da
instabilidade cujas causas podem ser buscadas nas trajetórias de constituição dos campos das
políticas públicas de cultura em cada um deles.
9
Além das leis e decretos aqui apresentados, é possível acessar uma lista com links para a documentação de
mais de 50 portarias, no site do Ibram, no endereço <http://www.museus.gov.br/acessoainformacao/o-
ibram/legislacao/portarias-e-instrumentos-normativos/>. Também é possível consultar a legislação sobre museus
e patrimônio no site do Iphan, no endereço: <http://portal.iphan.gov.br/legislacao?pagina=1>.
42
Deve-se relacionar o monismo à ação do Estado para compreender a sua atuação nos
âmbitos da cultura e da educação no Brasil, entretanto, necessário se faz que o
Estado Brasileiro seja enfocado a partir de alguns vetores que foram fundamentais
para a sua constituição, entendendo-o não apenas como um conceito, mas como
fenômeno histórico, resultado de situações específicas e mutáveis.
tivemos, desde o início de nossa formação histórica, uma classe dominante que nada
tinha a ver com o povo, que não era expressão de movimentos populares, mas que
foi imposta ao povo de cima para baixo ou mesmo de fora para dentro e, portanto,
não possuía uma efetiva identificação com as questões populares, com as questões
nacionais. Para usar a terminologia de Gramsci, isso impediu que nossas “elites”,
além de dominantes, fossem também dirigentes. O Estado moderno brasileiro foi
quase sempre uma “ditadura sem hegemonia”.
Por hegemonia, entendemos a teia tecida na luta que “é articulação das diferenças e
conflitos em termos essencialmente políticos e culturais, ou políticos enquanto culturais, ou
culturais enquanto políticos ou, se quiser, em termos ideológicos” (BARATTA, 2011, p. 38),
ou seja, a hegemonia é a capacidade que um grupo social, ou econômico tem de “convencer”
ou de “dominar”, sem necessariamente lançar mão do uso da força e da coação, estabelecendo
como senso comum as ideias que são suas e que defendem seu lugar enquanto status quo.
Temos assim, em nosso desenvolvimento histórico, projetos culturais e ações
concretas que traduzem uma disputa pela hegemonia, em uma forma muito peculiar. A
história da democracia brasileira é marcada por rupturas e instabilidade. Sua consolidação
ainda carece de amadurecimento e apropriação por parte da sociedade civil. Durante o século
43
XX, em dois momentos, o país sofreu com ditaduras, que somam 36 anos de relações
autoritárias: a chamada Era Vargas (1930-1945) e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985).
Tal contexto terminou por interromper o processo de desenvolvimento de uma relação
justa entre o Estado e a sociedade civil. A questão da formação de uma identidade nacional
apareceu então como uma das formas do Estado tentar estabelecer a hegemonia em vez de
simplesmente manter uma relação de dominação com o povo. Apesar disso, como nos coloca
Maria Célia Santos (1996, p. 36-37), “na formação da nação brasileira, a cidadania, mesmo
enquanto idéia, não foi uma força política capaz de forjar uma identidade”.
Para Santos (1996) “a presença de uma ideologia ‘unificadora’” tentou conduzir as
ações denominadas de “política cultural” no Estado brasileiro, mas ressalta que:
Desde o século XIX, houve políticas públicas de museus no Brasil. Essas, sim,
marcadas por uma ação praticamente exclusiva de um poder hegemônico, limitaram-se à
criação de museus e ao delineamento de algumas de suas funções, em especial, a coleta e
pesquisa de objetos tidos como representativos de uma identidade nacional que se queria
forjar. Podemos considerar que a principal política pública do período tinha o objetivo de criar
uma ideia de nação baseada na exuberância dos trópicos, apresentando os três heróis
nacionais – o branco, o índio e o negro, a despeito do massacre dos últimos –; copiar as
nações civilizadas e propor a miscigenação como homogeneização do povo, com centro no
conceito de raça.
Neste contexto, os museus ocupavam o lugar de centros de pesquisa e salvaguarda de
um patrimônio ainda quase restrito aos elementos da natureza:
bases para promoção de uma ideia de nação e, muito menos, para a consolidação de uma
sociedade civil organizada. Como nos confirma Santos (2004, p. 57):
Em 1922, com a Semana de Arte Moderna, não só uma nova perspectiva artística, mas
novas formas e conteúdos para o debate político foram trazidas ao cenário cultural. E, sob a
direção de Gustavo Barroso, é criado o Museu Histórico Nacional, o que promoveu uma
ruptura com as tipologias de museus até então majoritariamente presentes no país. A
articulação e a atuação dos intelectuais, portanto, deu-se desde antes de 1930.
[...] Ele foi o responsável pela criação do Curso de Museus, que, entre 1932 e 1970,
formou técnicos para todo o país. A ideologia patriótica, hierárquica, romântica,
anticosmopolita e conservadora de Barroso manteve-se presente na criação, em
1934, da Inspetoria dos Monumentos Nacionais (SANTOS, 2004, p. 57).
Gustavo Barroso foi o principal expoente de uma visão de nação que não era só dele.
Na virada do século, havia toda uma burguesia nacional em formação que queria colocar na
história sua assinatura, iniciando um processo de construção de hegemonia. A partir de 1930,
o conceito de raça, que era uma das bases da política cultural do Império, foi substituído pelo
de cultura de maneira a valorizar os regionalismos em consonância com a contestação de
velhas oligarquias. Como relata Coutinho (2006, p. 176), iniciou-se um novo período de
criação de políticas e leis que deram sustentação à nova classe dominante que começava a
formar-se, mesmo que ainda mantendo fortes laços com a tradicional elite agrária.
1920 Anteprojeto de lei de Arqueólogo do Museu Nacional, Childe visava a criação de uma lei para
Alberto Childe defesa do patrimônio artístico e arqueológico.
1922 Criação do Museu Já existiam outros museus no Brasil, mas o MHN foi fruto de uma
Histórico Nacional intervenção intencionalmente voltada para o culto do patriotismo e da
formação de uma identidade nacional pela criação e valorização de uma
Semana de Arte história nacional, seus heróis e efemérides.
Moderna
1924 Projeto de Lei n° Propõe a proibição da saída de obras de arte tradicional brasileira sem
181/24 prévia autorização do Estado.
1925 Anteprojeto de lei Visava organizar a proteção do patrimônio histórico e artístico brasileiro.
elaborado por Jair
Lins
1930 Projeto de Lei 230 Elaborado por José Wanderley de Araújo Pinho, propõe a criação da
Inspetoria de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Decreto nº 19.402, de
14 de Novembro Cria uma Secretária de Estado com a denominação de Ministério dos
Negócios da Educação e Saúde Pública, em substituição ao Ministério da
Instrução Pública, Correios e Telégrafos, criado em 1890, que é também
46
1934 Decreto 24.735 de 14 Cria o Regulamento do Museu Histórico Nacional, então dependente do
de julho Ministério da Educação e Saúde Pública apresentando seus fins,
regulamentando a realização do Curso de Museus e outras atividades
como cursos especiais, conferências e comemorações, relacionados à
história nacional e suas efemérides. É criada também a Inspetoria de
Museus que tornou o MHN responsável por autorizar e fiscalizar a
execução de transformações, demolições e reformas em monumentos
nacionais, bem como de criar um catálogo para registro de bens de
notável valor histórico e cultural e autorizar ou proibir sua exportação,
acompanhando também a comercialização de obras de arte.
1936 Criado em caráter Elaboração por Mário de Andrade de um anteprojeto para a criação
provisório o Serviço do Serviço do Patrimônio Artístico Nacional (Span) que foi inspiração
do patrimônio para criação do Sphan.
Histórico e Artístico
Nacional
1948 Criação do ICOM Logo depois da fundação do ICOM, foi fundada no MNBA, em janeiro
Brasil de 1948, a seção brasileira, uma das mais antigas do mundo.
Fonte: CASTRO, 2018.
Como pudemos ver no Quadro 3, a década de 1930 foi período importante para a
produção de projetos e leis no campo cultural, que indicam as concepções de mundo em que
estão inseridos e algumas das disputas em questão. Foi posto em discussão o papel do museu
diante da sociedade, ainda numa perspectiva elitista de sua integração social, mas já com
indícios de ruptura com essa lógica. Como pôde ser visto no anteprojeto para a criação do
Sphan, elaborado por Mário de Andrade, que previa instituições vivas, com função educativa
definida e em constante contato com o público e a sociedade.
47
No campo dos museus, pôde ser visto um investimento na avaliação das instituições,
na formação de seus profissionais, materializados na criação do Curso de Conservadores do
MHN e da Inspetoria de Museus, em 1932 e 1934, respectivamente.
Na década de 1940, deu-se continuidade ao novo projeto de construção da identidade
nacional, sob a égide da ditadura do Estado Novo (1937-1945). Em vez de incentivar o
protagonismo popular na construção e manutenção da cultura, o Estado se ocupou com o
papel de orientador e executor das políticas públicas de cultura.
De acordo com Myrian Sepúlveda dos Santos (2004, p. 57):
Sob esta nova perspectiva, as ações que começaram a ser implementadas neste período
apresentam também uma relação mais íntima entre os órgãos do Estado ocupados pelo poder
hegemônico e a sociedade civil (como podemos ver no Quadro 4).
1960’ Criação de museus Observa-se uma maior atuação da sociedade civil na criação de
privados . políticas públicas, destacando-se a criação de museus privados.
1968 Criação do Grupo de Foi criado pela Divisão de Planejamento da Secretaria geral do
Trabalho Ação Ministério da Educação e Cultura e elaborou relatório sobre a
Educativa dos Museus situação do trabalho educativo nos museus brasileiros.
1977 Projeto de Análise e Realizado pelo Centro Nacional de Referência Cultural, criado
Classificação em 1975
50
Experimental dos
Acervos dos Museus
Brasileiros.
1978 Decreto N.º 81.454, DE O Ministério da Educação e Cultura tem criada na sua
17 de março estrutura, entre outras, a Secretaria de Assuntos Culturais
(SEAC)
Decreto Lei nº. 6655 de O curso de museologia é transferido para a Praia vermelha
5 de julho de 1979 após a FEFIERJ ser transferida em UNIRIO
Portaria nº. 274, de 10 Cria a Secretaria de Cultura no MEC: a Portaria nº. 626, de 25
de abril 1981 de novembro aprova o seu regimento
1986 Portaria/MinC n.º 313, Cria o Sistema Nacional de Museus: o Programa Nacional de
de 16 de agosto Museus vira a Coordenadoria de Acervos
Museológicos
Promulgação da Lei Lei Sarney, que foi a base para a criação da Lei Rouanet em
7.505 de 2 de julho 1991
VI Conferência geral
dos museus brasileiros
1991 Criação da Escola de Criada a partir do Curso de Museologia, por sua vez criado a
Museologia da Unirio partir do Cursos de Museus MHN.
10
Knauss lista as obras publicadas na década de 1950:
LEAL (1969); HOLLANDA (1958); e TRIGUEIROS (1958).
53
repressão aumentou, produzir cultura e discutir políticas públicas no campo foi se tornando
caso de polícia.
Santos (1996) aponta que a cultura é entendida como importante para promover a
integração nacional submetida aos “objetivos nacionais” e disso decorre uma incessante busca
pela criação de um sistema nacional de cultura. Para garantir o domínio, a repressão é lançada
e, ao mesmo tempo, busca-se racionalizar os recursos existentes; lançar as bases (Embratel
etc.) e montar um poderoso aparato persuasivo, alicerçado nos meios de comunicação de
massa e em recursos tecnológicos. Nos anos 30, as produções culturais eram restritas e
atingiam um número pequeno de pessoas. O que vai caracterizar o mercado cultural pós 64 é
o seu volume e a sua dimensão, atingindo um grande público consumidor, conferindo-lhe uma
dimensão nacional que não possuía anteriormente (SANTOS, 1996, p. 51).
E, ainda de acordo com Myrian Sepúlveda dos Santos (2004, p. 58), com relação ao
perfil dos museus no período pode-se dizer que:
Nas décadas de 1950 e 1960, a grande ênfase era dada à conservação das coleções e
ao papel educacional dos museus. Eles, entretanto, entraram em crise na década de
1970, quando se passou a criticá-los como instrumentos de veiculação de discursos
oficiais, e, então, novas propostas de intervenção na sociedade surgiram. (2004, p.
58)
[...]
O Estado assume um novo papel diante dessa realidade. Não podendo mais ser o
dirigente autoritário das políticas públicas, é necessário pensar em formas de organizar o que
está sendo produzido de forma autônoma e resistente na sociedade.
Uma política museológica para o País é tentada, a partir de 1975, com a reunião dos
dirigentes de Museus, realizada em Recife, e nas reuniões de secretários de
Educação, e Cultura dos Estados e dos Conselhos Federal e Estadual de Cultura,
realizados em Brasília e em Salvador, em 1976. Deu-se início à discussão e,
posteriormente, foram formuladas as propostas para criação do Sistema Nacional de
Museus, que deveria ser capaz de organizar, em âmbito nacional, as atividades dos
museus brasileiros, “proporcionando a que suas múltiplas finalidades sejam de fato
atingidas, como exige o desenvolvimento global do País” (MEC, s.d., p.2). Fica bem
claro, assim, a necessidade de inserção dos Museus no novo quadro de difusão
cultural. (SANTOS, 1996, p. 76)
No final dos anos 80, o termo chave da concepção oficial da cultura é “moderno”. A
cultura vai ser concebida como fonte de criatividade simbólica e como “área aberta
ao investimento econômico capitalista, com a conseqüente eliminação das figuras
tradicionais do patronato público e do mecenato privado” (Cohn, 1984, p. 9). A Lei
Sarney é bastante clara nesse sentido: “...cria mecanismos que permitem o
tratamento dos investimentos na área da cultura como uma questão de aplicação
capitalista de recursos e não como mero mecenato”. Percebe-se assim uma tendência
(SANTOS, 1996, p. 60).
mecenato para a cultura no Brasil, a Lei no 7.505 de 2 de julho, mais conhecida como Lei
Sarney, que serve de base para a criação da Lei nº 8.313 de 23 de dezembro de 1991, a
chamada Lei Rouanet, ainda hoje polêmica no campo. Podemos dizer que esta é a década
inaugural do pensamento sobre a conformação de um campo de políticas públicas específicas
de museus, no Brasil, e seu perfil começa a ser traçado entre a participação popular e a
abertura para o mercado.
Entre as iniciativas da sociedade civil, temos a realização de mais um Congresso
Nacional de Museus11, em 1981, e a conquista, em 1984, da regulamentação da profissão de
museólogo, com a Lei n° 7.287/84, uma batalha que já durava alguns anos e que segue dando
margem a um debate sobre o campo e seus profissionais.
A década de 1980 encerra-se com duas principais características: é a década em que se
concretiza a abertura política e o fim da ditadura civil militar (1964-1985), com um aumento
da participação popular na elaboração das políticas públicas e, ao mesmo tempo, é também o
momento em que, na cultura, há uma grande abertura para o mercado, com a inauguração do
mecenato e maior participação do empresariado na definição dos rumos da cultura.
As tensões entre Estado e sociedade civil continuam e aumentam. Na década de 1990,
com uma política de Estado Mínimo neoliberal, os governos alteram a lógica de um
protagonismo estatal.
Temos pouco a listar em termos de políticas públicas neste período. Como já vimos,
criou-se a Lei Rouanet, que institui o Programa de Apoio à Cultura Nacional (Pronac), com o
objetivo de promover a captação de recursos para fomentar projetos de preservação do
patrimônio cultura. Também em 1991, criou-se a Escola de Museologia da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), com origem no curso de museus do MHN.
Segundo Myrian Sepúlveda Santos (2004, p. 68):
No Brasil, tem sido clara a tentativa do Estado de diminuir sua intervenção nas
instituições culturais. Desde 1991, por exemplo, a Lei Rouanet (n.8313/91) permite
que pessoas físicas e jurídicas possam investir na área da cultura e abater esta
quantia do imposto devido.
11
De acordo com a página do Conselho Regional de Museologia, 3ⁿ Região, este foi o VII Congresso Nacional
de Museus. Já mencionamos anteriormente o congresso de 1956, fundado por Rodrigo de Melo Franco, realizado
pelo ICOM-BR. Sobre a menção ao VII Congresso, ver: <https://www.corem3.org.br/artigo01>. Não
encontramos em nossa pesquisa informações sobre os demais congressos, nem sobre quando pararam de ser
realizados.
57
[...]
Criação do Cadastro
Brasileiro de Museus.
2005-2007 Observatório de
Museus e Centros
Culturais.
Criação do curso de
Graduação em
Museologia –
Universidade Federal
de Sergipe – UFS
Criação do PPG-PMUS
59
Unirio (mestrado)
2° Fórum Nacional de
Museus, em Ouro Preto
Lei nº 11.328, de 24 de Institui o ano de 2006 como Ano Nacional dos Museus
julho
2007 Instituição da
Primavera de Museus
I Encontro Nacional da
REM-RJ
Criação do Curso de
Graduação em
Museologia na
Faculdade de
Biblioteconomia e
Comunicação/ UFRGS
Criação do curso de
museologia da UFOP
Decreto nº 6.845, de 7
de maio de 2009 Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos
Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Instituto
Brasileiro de Museus – Ibram, e dá outras providências.
Criação do curso de
museologia da UFRB
Criação do Curso de
museologia da Unb
Criação do curso de
museologia da UFG
Criação do curso de
museologia da UFPA
Criação do curso de
museologia da UFMG
Criação do curso de
museologia da UFSC
Criação do Programa de
Pós-
Graduação Interunidade
s em Museologia –
PPGMus-
USP (Mestrado)
Criação de diretórios do
IBRAM no CNPQ.
Lei nº 12.840, de 9 de Dispõe sobre a destinação dos bens de valor cultural, artístico
julho ou histórico aos museus, nas hipóteses que descreve.
Criação do Programa de
Pós-Graduação em
Museologia da UFBA
Lançamento da
plataforma Saber Plataforma voltada para a formação que constitui um ambiente
Museu virtual de aprendizagem com cursos na modalidade EAD
2016 Decreto n° 8.904, de 17 Altera o Decreto nº 6.845, de 7 de maio de 2009, que aprova a
de novembro Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos
em Comissão e das Funções Gratificadas do Instituto Brasileiro
de Museus – IBRAM e substitui cargos em comissão do
Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS por
Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.
Curso de
Especialização em
Museologia e
Patrimônio,
Universidade Federal
do Rio Grande do Sul –
UFRGS
2018 Lançamento do Em versão virtual (junho) e impressa (no prelo até o momento
Caderno da PNEM de finalização dessa tese)
Fonte: CASTRO, 2018.
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Pela primeira vez, o campo dos museus vai viver uma realidade que inclui a
participação popular na elaboração de políticas combinada com uma consolidação e
continuidade nunca antes vista. Pode-se dizer que, desde 2003, com a criação da Política
Nacional de Museus (PNM), precedida pelo Programa Museu, Memória e Cidadania (2000-
2003), o campo desenvolve-se e consolida-se de maneira particular e inédita.
Com a PNM (2003), foram criadas ferramentas de desenvolvimento de programas,
projetos e ações, muitas das quais têm continuidade até hoje, como: editais Modernização de
Museus e Mais Museus, pelo Ibram/MINC; Modernização de Museus/Microprojetos;
Programa de Apoio a Projetos de Preservação de Acervos, pelo Banco Nacional do
Desenvolvimento (BNDES); Programa Pontos de Memória/Ibram; Criação e Fortalecimento
de Sistemas de Museus estaduais e municipais; Programa Caixa de Adoção de Entidades
Culturais e Programa Caixa de Revitalização do Patrimônio Histórico e Cultural Brasileiro,
pela Caixa Econômica Federal; Programa Petrobras Cultural, pela Petrobras e os prêmios:
Darcy Ribeiro; Mário Pedrosa; ArtRio; Arte Contemporânea; Roteiros Audiovisuais;
Enredos; Memória do Esporte Olímpico; Memórias Brasileiras, pelo Ibram, sendo alguns
contínuos e outros episódicos.
Uma série de ações foram iniciadas para consolidar o campo museal, criar ferramentas
para seu desenvolvimento e consolidação e dar continuidade às suas políticas públicas recém-
criadas. A legislação e a elaboração de documentos norteadores embasam a realização de
Fóruns Nacionais bienais, a criação do Sistema Brasileiro de Museus, do Cadastro Brasileiro
de Museus, a instituição da Semana e da Primavera de Museus, entre outras ações.
No período de 2005 a 2007, aconteceram atividades do Observatório de Museus e
Centros Culturais (OMCC)12, com pesquisas de públicos feitas nos principais museus do país,
numa parceria entre o Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz, a Diretoria Regional de
Brasília da Fundação Oswaldo Cruz, o Departamento de Museus do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional, com colaboração da Escola Nacional de Ciências Estatísticas
(ENCE) e o Museu de Astronomia e Ciências Afins. É o início de uma política que vem se
tornado permanente de produção de informação para o campo, fundamental para avaliação e
elaboração de ações e políticas públicas.
Em 2006 e 2011, foram criados, respectivamente, os cursos de mestrado e doutorado
do Programa de Pós-Graduação em Patrimônio e Museologia (PPG-PMUS) da Unirio. A
12
Para mais informações, consultar: <http://www.fiocruz.br/omcc/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?sid=31>.
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formação é um dos pontos estratégicos da PNM e, passados 15 anos de sua criação, o Brasil
passou de dois para 13 cursos de museologia, em especial pelo incentivo dado a partir do
Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais
(Reuni).
O ano de 2009 foi um marco importante no campo museal, com a criação do Instituto
Brasileiro de Museus e promulgação do Estatuto de Museus, leis n° 11.906 e 11.904,
respectivamente. O Estatuto de Museus introduz a necessidade de criação do plano
museológico, define “museu”, e determina outras diretrizes para o campo. Consolida-se,
assim, teoria e prática na esfera museal.
A 23° Conferência Geral do ICOM aconteceu no Rio de Janeiro em 2013 e foi um
evento significativo de reconhecimento da importância das contribuições brasileiras para o
campo dos museus e da museologia no mundo.
Aconteceu em Belém do Pará, em novembro de 2014, o 6° Fórum Nacional de
Museus, com revisão do PNSM e realização do I Encontro Nacional do PNEM e do I
Encontro da Teia da Memória. Em 2017, foi realizado o 7° Fórum Nacional de Museus, e nele
o II Encontro Nacional do PNEM, com a definição da Política Nacional de Educação Museal.
Esses foram passos importantes para a avaliação contínua e a estabilidade e consolidação das
políticas públicas desenhadas desde o início do século.
Neste cenário, a influência brasileira no cenário mundial do desenvolvimento de
políticas públicas de museus revela seu pioneirismo, na criação de legislação e documentos
políticos, na realização de formação profissional, na criação de museus, na produção teórica,
no desenvolvimento do campo da museologia, na participação e realização de eventos, na
profissionalização do campo, entre outros pontos que indicaremos aqui.
A partir da observação da diversificação e a ampliação do caráter social dos museus no
Brasil no século XX, Chagas e Nascimento Jr. (2006, p. 13) afirmam que:
É preciso ressaltar que o primeiro ponto da lista de Chagas e Nascimento (2006, p.13)
merece maior atenção e empenho das políticas públicas “Trabalhar com o direito à memória
como um direito de cidadania”. Isso porque uma das principais tarefas do campo para o futuro
é a instituição de mecanismos de participação democrática dos públicos e da sociedade na
elaboração, aplicação e avaliação das políticas públicas museais.
A falta de localização de fontes que tratam de ações desenvolvidas por fora do âmbito,
ou sem a direção, do poder hegemônico no Estado foi um aspecto que dificultou a realização
de um breve histórico e análise das políticas públicas de museus em Portugal. Ao tratar das
políticas específicas do campo da Educação Museal esse problema foi menos sentido,
portanto, veremos a seguir um panorama que demonstra, no que diz respeito às políticas de
museus em geral, muito mais ações realizadas pelo Estado a partir da perspectiva da
hegemonia. E, no âmbito específico da Educação Museal, poderemos, em seguida, tratar
melhor das ações desenvolvidas pela sociedade civil em sua relação com o poder hegemônico
e seus aparelhos privados de hegemonia. A parte deste problema, encontramos nos arquivos
virtuais13 do Movimento por uma Nova Museologia (MINOM), uma lista com mais de 70
ações, organizadas majoritariamente por este movimento, pelo ICOM e pela UNESCO, em
Portugal, que versam sobre diversas temáticas da área e datam de desde a década de 1970,
tendo sido o primeiro evento uma visita da UNESCO para realizar um diagnóstico sobre a
museologia em Portugal, em 1976. Listamos as políticas públicas de museus em Portugal
(século XX), que serão analisadas nesta seção, no Quadro 6 a seguir.
13
Entendemos que esta é uma riquíssima fonte a ser explorada para compreender o movimento de participação
da sociedade civil na discussão sobre as políticas públicas em Portugal. Nos limitaremos nesta tese a citar, ao
longo deste capítulo, alguns desses eventos. Documento disponível em: <http://www.minom-
icom.net/_old/signud/list_all.php?op=s&sql=1>.
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1912 Lei das expropriações, Estabeleceu um regime geral de expropriação para utilidade
de 26 de julho pública, para a instrução pública, para bibliotecas e museus
1932 Decreto n. 20.985, de 7 Regula a guarda e proteção das obras de arte e peças
de março arqueológicas, cometendo ao Ministério da Instrução Pública,
por intermédio da Direção-Geral do Ensino Superior e das
Belas Artes, a coordenação dos trabalhos de carácter artístico
dos serviços públicos e a guarda e conservação do património
artístico e arqueológico do país. Institui o Conselho Superior
de Belas Artes, estabelecendo a sua composição e
competências. Regula igualmente a classificação de imóveis e
a concessão do título de 'monumento nacional'. Sujeita a
superintendência do Ministério da Instrução Pública os
museus, coleções e tesouros de arte sacra do estado, das
autarquias locais ou de entidades particulares subsidiadas pelo
estado, insere disposições relativas a distribuição e exposição
de obras de arte nos museus e a nomeação dos seus diretores e
Decreto n. 20.985 prevê a publicação dos regulamentos que forem indispensáveis
para a execução do presente decreto
1933 Decreto n. 22.110 Regulamenta o estágio que os conservadores dos museus são
obrigados a fazer no Museu Nacional de Arte Antiga
1953 Decreto n. 39.116 Reorganiza o estágio de preparação para ingresso nos lugares
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Criação do MINOM em
Portugal
Outra dificuldade, amenizada pela imensidão de fontes encontradas pelo assunto, foi a
compreensão do funcionamento da política em Portugal no século XX. Para entender como as
políticas públicas de cultura se desenvolveram, foi necessário primeiro entender o processo de
sucessões políticas e de construção de um novo sistema político após o fim do Estado Novo
(1926-1974) com a Revolução dos Cravos, de 25 de abril de 1974. É interessante pontuar que
no período pós-revolucionário, Portugal teve seis governos provisórios em dois anos, tendo
eleito o primeiro Governo Constitucional, em 1976, encontrando-se em 2018 no XXI.
Judite Primo (2015) enumera sete fases da museologia em Portugal, contextualizando
o surgimento e desenvolvimento das políticas culturais e dos museus, as quais nortearão o
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panorama histórico do início desta seção. Nos propomos a analisar a fase relativa aos séculos
XX e XXI, sem deixar de expor as demais.
A primeira delas é a do Museu Colecionista ou período pré-museal, em que os
Gabinetes de Curiosidades e Galerias privadas formaram-se a partir dos “Achamentos” e das
relações coloniais com outros territórios, de onde se coletaram antiguidades, arte, pintura,
artefatos arqueológicos e naturais, objetos curiosos, medalhas etc. Este período durou do
século XIV ao século XVIII (PRIMO, 2015, p. 68-70).
O segundo período é o dos museus Pombalinos, que ela considera os “museus
pedagógicos para a nobreza”, datados do século XVIII, onde foram criados museus de história
natural, jardins botânicos, como o da Ajuda e o da Universidade de Coimbra. A autora cita
que havia, já em 1772, um projeto museológico com fins pedagógicos na Universidade de
Coimbra (PRIMO, 2015, p. 72).
No século XIX, iniciou-se o período dos museus do liberalismo, museus abertos ao
público, inspirados pela Revolução Francesa, criados em Portugal e em suas colônias. Deste
período, é o Museu Portuense (1840), primeiro museu público de Portugal, criado por
iniciativa do então rei de Portugal, Dom Pedro IV (o Dom Pedro I do Brasil), cuja coleção
pertence ao atual Museu Nacional de Soares dos Reis. Antes disso, em 1836, houve ainda a
criação de bibliotecas, gabinetes de raridades e pintura, com finalidades de instrução. Na
segunda metade do século XIX houve um segundo momento de criação de museus, com
diferentes temáticas, como a indústria, a colônia, a arqueologia, a etnografia, o Museu
Nacional de Belas Artes, em 1884, sendo o primeiro museu nacional criado, percebendo-se
também a finalidade institucional de investigação e ciências.
Na quinta fase, a da Primeira República (1910-1926), as primeiras leis são voltadas
para museus.
Durante o Estado Novo (1927-1975), na sexta fase, reforça-se a ideia de cultura
nacional, valoriza-se a cultura popular, glorifica-se o passado, numa exaltação a Portugal
colonizador (PRIMO, 2015 p. 78). Com o Salazarismo (1926-1974) a política cultural assume
um mote nacionalista, imperialista e claramente assumida como propaganda, tendo caráter
anticomunista, antiliberal e anti-individualista (SANTOS, 1998, p. 61). Apesar do regime
centralizador, as políticas culturais não assumem um caráter continuado e as instituições e
órgãos da administração pública mantém uma lógica de rupturas e renovações. A ação
político-cultural do regime também se dava por meio das políticas educacionais, sendo a
cultura dominada, sobretudo pela dimensão propagandística e as áreas hoje consideradas
especificamente culturais eram integradas ao Ministério da Educação. Nesta fase, foi criada
69
A sétima e última fase, iniciada depois de 25 de abril de 1974, segue até hoje. Segundo
Primo (2015, p. 83), o último quartel do século XX é marcado por políticas públicas de
cultura que respeitam uma mudança do sistema político português no contexto de uma
aproximação ao modelo europeu ocidental.
Com o fim do Estado Novo havia questões sociais e cívicas prementes, as quais era
necessário dar resposta e que tinham a ver com as liberdades democráticas como a
resolução do problema colonial, a melhoria da condição de vida da população, a
repartição da riqueza, o controlo das forças produtivas e o sistema de garantias e
direitos dos trabalhadores (PRIMO, 2015, p. 85).
70
Nos primeiros anos de governo do novo regime, o discurso político centrou-se em dois
pontos: assumir a missão civilizadora e educativa do Estado e democratizar a cultura,
prezando pela liberdade e pela igualdade de direitos (PRIMO, 2015, p. 85). O VI Governo
Provisório apresenta a cultura como direito, associando-a à educação, para a construção de um
projeto de nação moderna e atuante.
Em 1975, foi criada a Comissão Nacional Portuguesa do ICOM, organizando
profissionais, instituições e benfeitores portugueses no Conselho Internacional.
Devido ao conturbado período pós-revolucionário, as políticas culturais não parecem
ter sido prioridade para os seis governos provisórios, diante de outras necessidades mais
urgentes. A partir de 1976, com o I Governo Constitucional eleito, as políticas culturais
tiveram maior atenção e começaram a ser mais detalhadamente elaboradas, inclusive tentando
dar conta de lacunas deixadas pela falta de democracia e pela exclusividade propagandística e
didática do período ditatorial, problemas não sanados nos governos provisórios. A então
Secretaria de Estado de Cultura compreendia quatro áreas de atuação: patrimônio cultural,
investigação e fomento cultural, espetáculos e ação cultural, com prioridade para a
inventariação, classificação, conservação e defesa do patrimônio cultural.
Neste mesmo ano, o país recebeu uma visita da UNESCO para realização de um
diagnóstico da museologia local. Neste episódio, foi produzido um relatório que aponta
Entre 1978 e 1979, os governos que se sucederam deram mais atenção ao que foi
proposto pela sociedade civil, no que diz respeito às políticas culturais. Valorizaram-se
programas que previam a democratização da cultura, a fruição dos bens culturais e sua criação
por parte da população.
No III Governo Constitucional (1978), a cultura passa a ter uma nova definição, com a
tônica da democratização, da descentralização e do fortalecimento da identidade nacional.
Nesta nova definição, a cultura deixa de ser uma para ser três: de elite, de massas e popular. A
função das políticas públicas seria diminuir o fosso existente entre os três tipos.
No V Governo Constitucional (1979-1980), que sucede um governo com cunho mais
nacionalista, vê-se uma evolução no conceito de cultura e na iniciativa do Estado em
democratizar a cultura inclusive pela sua produção:
71
A política cultural que o actual Governo se propõe a adoptar supõe e implica uma
concepção de cultura: pluriforme, favorecendo a multiplicidade das pressões e das
práticas culturais, de acordo com os textos específicos dos vários grupos sociais;
participativa, estimulando a consciência de que todos os cidadãos são sujeitos e não
meros objectos da acção cultural e apoiando o associativismo cultural; globalizante,
evitando a compartimentação entre os diferentes aspectos da cultura e da vida social;
inovadora, ultrapassando a passividade e o consumismo alimentados pelas grandes
indústrias culturais e encorajando formas de criatividade individual e coletiva. Numa
tal perspectiva, a acção do Governo em matéria cultural é entendida como um todo
integrado para o qual convergem: a política científica, a política educativa e a
política de comunicação social” (Programa do V Governo Constitucional apud
SANTOS, 1998, p. 68-69).
Este foi o primeiro governo a explicitar um conceito de cultura para basear seus
objetivos, a organização e a dinâmica das políticas públicas de cultura. Também com este fim,
foi criado o Ministério da Coordenação Cultural e da Cultura e Ciência. Também se observou
uma política de estatização da cultura e da descentralização do acesso e da produção cultural.
Neste contexto, a partir da década de 1980, se viu um boom de museus de diferentes
tipologias, com o protagonismo da sociedade civil, incluindo-se as empresas que criaram
museus institucionais. Foram criados ecomuseus, não mais focados nos seus acervos, mas sim
nas identidades, patrimoniais e territoriais de cada comunidade (PRIMO, 2015, p. 81). As
políticas públicas de museus seguem novos objetivos. Deixa-se a centralidade da construção
de uma ideia de identidade nacional para se priorizar a relação museu-comunidade-educação-
investigação (PRIMO, 2015, p. 81).
Em 1980, a DGPC dá lugar ao Instituto Português do Património Cultural (IPPC). No
âmbito público, a legislação é revista e o Decreto-Lei no 45/80, de 20 de março, reformula a
situação do pessoal dos museus e introduz considerações gerais sobre os museus, revendo a
primeira regulamentação de 1965. Neste decreto já aparece a definição de museu, suas
atribuições, competências e estruturação orgânica. Os cargos detalhados são: de pessoal
dirigente (diretores); de pessoal técnico superior (conservadores, bibliotecários, arquivistas e
documentalistas); de pessoal técnico profissional de museografia e administrativo e de pessoal
auxiliar. Vale ressaltar que, neste decreto, é onde aparece pela primeira vez a função do
educador museal, disposta no artigo 23° como cargo de monitores, com exigência de curso de
liceus completo, que deveriam “colaborar na acção cultural do museu, exercendo junto do
público funções de educação, animação e informação” (PORTUGAL, 1980).
Maria de Lourdes Lima dos Santos (1998) identifica como marco do VI, VII e VIII
Governos Constitucionais a importância do discurso de fortalecimento de uma identidade
nacional, muito embora calcado numa ideia de pluralidade e na liberdade do mercado,
distanciando as políticas públicas de cultura da responsabilidade do Estado.
72
Em 1986, surgiu a Lei n° 258/86, chamada Lei do Mecenato, “que introduz uma
modificação no relacionamento do Estado com a cultura, medida que não deixa de levantar
algumas críticas por parte da oposição, considerando-se que o incentivo do mecenato privado
pode vir a constituir uma forma do Estado se demitir das suas responsabilidades” (SANTOS,
1998, p. 71). Os museus passam a elaborar projetos que são patrocinados pelo mercado por
meio da nova lei.
Em 1989, foi criado um Curso de Especialização em Museologia Social na
Universidade Autónoma de Lisboa e foi indicada a criação de um curso de mestrado com o
mesmo tema sob a liderança da professora Carla Camacho.
Os governos seguintes continuam com a implementação do Mecenato, rediscutindo-o,
porém, mantendo sua importância para a implementação das políticas culturais. Em termos de
conteúdo, até meados da década de 1990, quando assume um governo socialista, o
fortalecimento da identidade nacional se dá pela difusão e propaganda da cultura e língua
portuguesas pelo mundo e por ações de comemoração aos “Descobrimentos” portugueses.
Em 1993, foi criado o Centro de Estudos de Sociomuseologia (CESM), na
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias (ULHT) de Lisboa, com a cooperação
dos professores e profissionais de museus brasileiros: Cristina Bruno, Maria Célia Moura
Santos, Odalice Priosti e Mário Chagas. Um dos objetivos do CESM, além de realizar
pesquisas e publicações sobre o campo da museologia social, era o de apoiar o curso de
mestrado em museologia social que se iniciava na universidade.
O XIII Governo, iniciado em 1995, deu ao Estado um papel mais ativo, reconhecendo
que há funções no âmbito da cultura que só podem ser assegurados por ele, no que diz
respeito às grandes infraestruturas indispensáveis às ações culturais (SANTOS, 1998, p. 75).
O Programa de Governo foi orientado a partir de 5 princípios: democratização;
descentralização; internacionalização; profissionalização e reestruturação.
Neste mesmo ano, foi criado o MINOM Portugal, no formato de uma associação, com
grupos de trabalho temáticos (MINOM, 2017). Desde então, o MINOM vem estabelecendo
parcerias para a realização de uma série de atividades no campo museal, tais como
seminários, conferências, encontros, diagnósticos, publicações, apoio a criação e renovação de
museus, exposições, ateliês, atividades de formação e jornadas.
Entre 1995 e 1996, a APOM foi responsável por elaborar o Documento Preparatório
para uma Lei de Bases do Sistema Museológico Português (APOM 1995; APOM 1996), que
serviu como base para a criação da futura Lei de Quadros dos Museus Portugueses.
73
14
Atualizada pela Lei n. 107, de 08 de setembro de 2001.
74
Ações com este perfil foram implementadas a partir do III Quadro Comunitário de
Apoio (2000-2006), com o Programa Operacional da Cultura (POC), por meio da inserção de
Portugal na União Europeia. O Programa foi importante para a realização de financiamento de
ações no campo cultural e realizou avanços no que diz respeito às exigências de qualificação,
de internacionalização, de sustentabilidade e de participação/qualificação.
Como podemos observar no Quadro 7, no campo museal, foram realizadas obras de
modernização em alguns dos principais museus nacionais. No ano 2000, foi criada a Secção
de Municípios com Museus da Associação Nacional dos Municípios. No mesmo ano, foram
publicados o Inquérito aos Museus de Portugal, promovido pelo Instituto Português de
Museus e realizado pelo Observatório das Actividades Culturais entre 1998 e 1999 e o
Despacho Conjunto n° 616/2000, de 5 de junho, que criou a estrutura do Projeto para a Rede
Portuguesa de Museus (RPM), subordinada ao IPM, definindo sua composição e atribuições.
A RPM é definida como “um sistema de mediação e de articulação entre entidades de índole
museal, tendo por objectivo a promoção da comunicação e da cooperação com vista à
qualificação da realidade museológica portuguesa” (NEVES et al., 2008, p.7) e tem como
objetivo construir uma rede de informações e de formação e qualificação dos serviços
técnicos, dos espaços e das atividades dos museus.
2000 Despacho Conjunto n° Cria a estrutura do Projeto para a Rede Portuguesa de Museus (RPM)
616, de 5 de junho
Criação da Secção de
Municípios com Museus
da Associação Nacional
dos Municípios
2002 Realização de consulta “Em 2002 e sob os auspícios da então Diretora do IPM, o Conselho
sobre a criação de uma lei Consultivo desse organismo promove um debate alargado
para os museus envolvendo diversas personalidades, bem assim como a Associação
portugueses Nacional de Municípios, a Comissão Portuguesa do ICOM, a APOM
e o Instituto Português de Conservação e Restauro (IPCR). Daí sairá
um Anteprojeto de Lei que sofrerá posteriores ajustamentos, mas cujo
espírito geral é devedor dessa discussão inicial”. (DUARTE, 2012, p.
23)
2003 Despacho conjunto n° Articulou os Ministérios da Educação e da Cultura, que por meio de
1062, de 27 de novembro um Grupo de Trabalho produziram um relatório sobre as
possibilidades de integração das ações dos dois ministérios
2006 Despacho Normativo n.o Estabeleceu a credenciação de museus, possibilitando novas adesões,
3, de 25 de janeiro de no ano seguinte, dos museus à RPM, atividade que estava parada
2006, desde 2003
2007 Decreto-Lei 97, de 29 de Cria o Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) pela fusão do
março IPM com o IPCR,
2011 Decreto-Lei n.º 126-A, de Instituto de Museus e da Conservação (IMC) e o Instituto de Gestão
29 de dezembro do Património Arquitectónico e Arqueológico (IGESPAR), são
fundidos criando a Diretoria Geral do Património Cultural (DGPC),
ligada diretamente ao Conselho de Ministros
2016 Decreto Legislativo Criação do regime jurídico dos museus da Região Autônoma dos
Regional n° 25/2016/A Açores, que tem como base a Lei de Quadros
2017 Contributos para uma Documento elaborado pelo ICOM-PT para contribuir com o debate
76
Neves et al. (2008, p. 7-8) declaram ainda que, com relação à RPM:
[...] A estruturação das linhas de acção da RPM incluíam, assim, três eixos
correspondentes a diferentes programas: Eixo 1 – Informação; Eixo 2 – Formação;
Eixo 3 – Qualificação. Deste último eixo fazem parte o fornecimento de apoios
técnicos e financeiros a museus não dependentes da Administração Central
integrados ou em processo de adesão à RPM, através do Programa de Apoio à
Qualificação de Museus (PAQM) e do Programa de Apoio Técnico aos Museus
(PATM). Refira-se que em 2005 foram acrescentados o Eixo da Credenciação e o
Eixo da Articulação e Cooperação.
Ressalta-se que essas linhas programáticas foram definidas por meio de métodos
participativos de elaboração.
Graça Felipe (2017, p. 15) analisa que “É preciso rever o aparelho centralizador e
inoperante que abrange a subordinação insustentável da RPM à administração central e
contrariar os efeitos drásticos das políticas praticadas na última década e agravadas a partir de
2011”. A perda da autonomia dos museus ligados à RPM, principalmente no aspecto
financeiro, desde o fim do IPM e da subordinação dos museus à Diretoria Geral do
Património Cultural é também observada por Raquel Henriques da Silva, ex-diretora do IPM
e por Manuel Beirrão Oleiro, ex-subdiretor do Instituto dos Museus e da Conservação
(CANELAS, 2017).
Ainda a partir dos anos 2000, Neves et al. (2008, p. 6) localizam o surgimento de uma
dinâmica de criação de novos modelos de gestão de museus em Portugal, em especial, a
gestão em rede (redes setoriais, de tutelas ou locais).
Estas redes são muitas vezes criadas de modo a compatibilizar áreas museológicas,
ou seja, traduzem-se na associação entre várias unidades museológicas dada a
coincidência do campo temático, ou de modo a compatibilizar unidades coincidentes
77
Os museus vêm se organizando por temática de acervos, por localidade e região, por
tipo de tutela (nacional, municipal etc.), para, em gestão coletiva, tentar minimizar os efeitos
de crises e descontinuidades de políticas públicas, o que tem parecido ser uma boa alternativa
de gestão.
Em 15 de fevereiro de 2001, o Decreto-Lei no 55/2001 definiu o regime das carreiras
da museologia, conservação e restauro dos museus nacionais e o Despacho normativo n o
28/2001, de 7 de junho, promoveu parâmetros de qualidade para os museus portugueses
estabelecendo o já referido Programa de Apoio à Qualificação de Museus.
Os primeiros anos do século XXI continuaram sendo produtivos para o campo das
políticas públicas de museus, justamente com a finalidade de adaptar a administração pública
à realidade dos museus e de sua relação com a sociedade. Em decorrência da Lei de Quadros,
o Conselho de Museus foi criado pelo Decreto-Lei no 228/2005, de 28 de dezembro de 2005,
com o objetivo de estabelecer consultas sobre a execução das políticas públicas de museus, e,
em seguida, o Despacho Normativo no 3/2006, de 25 de janeiro de 2006, estabeleceu a
credenciação de museus, possibilitando novas adesões, no ano seguinte, dos museus à RPM,
atividade que ficou parada entre 2003 e 2006.
No fim da primeira década do século XXI, ocorreram grandes desafios para as
políticas públicas em todo o mundo. Uma severa crise, que abalou inclusive as principais
potências econômicas mundiais, trouxe graves consequências, para países como Portugal com
uma fraca economia de caráter subordinado às mais fortes. No ano de 2008, como medida de
reação à crise, o governo português cria o Decreto-Lei no 121, de 11 de julho. Essa nova
legislação traz a reforma das carreiras públicas, extinguindo uma série de funções e criam um
grande guarda-chuva, genérico e que não dava conta das especificidades da atuação nos
museus.
79
Para efeitos comparativos, trazemos os textos das leis de 2001, que reformou as
carreiras da área no sentido de atender às suas crescentes particularidades e de 2008:
Decreto-Lei 55/2001
Decreto-Lei 121/2008
[...] Este diploma visa, portanto, concretizar a extinção das actuais carreiras de
regime geral ou especial, de categorias específicas e de corpos especiais cujos
conteúdos funcionais e requisitos habilitacionais permitem o seu enquadramento nas
novas carreiras gerais, mediante a transição dos trabalhadores nelas actualmente
integrados para essas novas carreiras. (PORTUGAL, 2008, p. 4347-4348)
80
16
“Troika é a designação atribuída à equipe composta pelo Fundo Monetário Internacional, Banco Central
Europeu e Comissão Europeia. [...] A troika é responsável pela negociação que tem por finalidade estabelecer os
compromissos que as autoridades portuguesas terão de assumir para receber a ajuda financeira internacional
solicitada pelo Governo em abril de 2011”. Fonte: <https://www.economias.pt/troika/>.
81
Mas ainda há muito porvir e muitas alterações ainda precisam ser realizadas no campo
das políticas públicas de museus em Portugal. Nos propusemos a fazer um breve
levantamento das políticas públicas de museus em Portugal, situando-as no contexto das
políticas públicas de cultura e certamente não apresentamos aqui o quadro geral das leis e
políticas elaboradas pelo Estado, ou em sua relação com a sociedade civil. Apesar disso,
acreditamos que é possível traçar um perfil dessas políticas no século XX e elencar algumas
conquistas e desafios do campo.
Entre as conquistas, estão a criação de cursos, de diversos tipos, específicos nas áreas
de museus e suas respectivas áreas internas, como a Educação Museal, a produção, mesmo
que descontinuada, de informação sobre o desenvolvimento histórico e político da área, o
aumento do número de museus e de seus públicos, a renovação dos principais museus
nacionais para atendimentos de requisitos internacionais, a criação e renovação da legislação
própria da área, o fortalecimento de grupos da sociedade civil em torno dos debates, ações e
elaboração na área, como é o exemplo do MINOM. Apesar de não ser uma lista curta, esses
avanços se realizaram ainda em meio a grandes desafios tanto no campo da cultura, quanto
dos museus.
Santos (2008, p. 4) sinaliza como desafios para as políticas culturais europeias
atualmente três pontos principais, entre os quais consideramos dois a serem, igualmente, ainda
contemplados nas políticas públicas de museus: (1) promover uma metodologia comum para
avaliação das políticas; (2) criar uma orientação política para o desenvolvimento e (3) centrar
o setor da cultura na confluência dos debates acerca da competitividade e inovação.
Apesar de toda a produção documental e legal do campo museal internacional, ainda
faltam metodologias e mesmo um debate amplo sobre uma terminologia comum para a
criação de ferramentas e políticas de avaliação comum, em especial no que diz respeito à
integração e relação das diferentes áreas específicas internas aos museus. Além disso, é
necessário criar uma orientação política para o desenvolvimento, cumprindo a missão do
museu com relação à sociedade. Defendemos, no entanto, que, em vez de se fazer isso pelo
viés da economia criativa e indústria criativa, como aponta Santos (2008, p. 4), se faça por
meio do incentivo ao desenvolvimento humano, social, cultural e político. Um
desenvolvimento calcado na humanidade, na formação integral e na criação e cultivo de
relações de solidariedade passam pela valorização da participação das comunidades na vida
dos museus, inclusive tomando parte da responsabilidade pela sua gestão. E não por um viés
econômico, estreitamente ligado ao mercado e por meio do incentivo a uma cultura do
empreendedorismo, como tem virado tendência no campo da cultura.
82
Trata-se, pois, de uma política cultural definida pela idéia de cidadania cultural, em
que a cultura não se reduz ao supérfluo, entretenimento, aos padrões do mercado, à
oficialidade doutrinária (que é ideologia), mas se realiza como direito de todos os
cidadãos, direito a partir do qual a divisão social das classes ou a luta de classes
possa manifestar-se e ser trabalhada porque no exercício do direito à cultura, os
cidadãos, como sujeitos sociais e políticos, se diferenciam, entram em conflito,
comunicam e trocam suas experiências, recusam formas de cultura, criam outras e
movem todo o processo cultural. (CHAUÍ, 2008, 66)
Outro ponto que é crucial diz respeito à forma como a sociedade e os profissionais de
museus, em especial, relacionam-se com os museus e participam da elaboração de suas
políticas, exercendo, inclusive, o seu próprio direito à cultura. Segundo Graça Felipe (2017, p.
16):
Ao longo dos anos é natural que se tenha assumido uma espécie de utopia, a que
aderiram muitos profissionais e representantes das instituições, para tentar superar
um quadro de reformas administrativas antagónicas e de inconsequência de políticas
públicas.
O percurso feito nas últimas três décadas pelo setor museológico português não pode
ser escamoteado: a dimensão dos problemas resolvidos é impressionante. De uma
situação marcada pela incoerência, descontinuidade e dispersão de iniciativas, de
metodologias e de quadros legais, passa-se a uma outra em que a coordenação de
objetivos e suportes legais, o próprio conhecimento do setor e a sua progressiva
qualificação são uma realidade factual. Acresce ainda o reconhecimento social da
importância dos museus e a manutenção do seu crescimento e dinamismo.
condições para que as novas gerações, com uma sólida preparação académica,
possam trabalhar nos museus, assegurando a continuidade da memória institucional,
mas sobretudo propiciando a incorporação de novas ideias, processos e
metodologias de trabalho que mantenham os museus próximos das comunidades e
dos seus renovados públicos e assegurem a qualidade da sua programação e
actividade (ICOM, 2017, p.21).
18
Nos remetemos aqui a uma institucionalização implementada por meio dos regimentos internos dos museus
citados, uma institucionalização mediante legislação só ocorreu em 1976, em Portugal, quando da criação do
Museu do Traje, pelo Decreto-lei n. 863 de 23 de dezembro, e, no Brasil, ainda não ocorre, pois não há
legislação que trate da criação de setores educativos em museus.
87
o papel da educação nos museus, desde 1952 até a sua publicação, quando a educação passa a
ser entendida como uma função do museu. E define que o trabalho educativo, a depender do
nível do museu, deve ser confiado a um “pedagogo do museu”, ou serviço pedagógico, e que
nos casos em que isso não seja possível o conservador deve exercer as funções educativas
essenciais ao funcionamento dos museus. Pode-se perceber, que neste documento, o papel
educativo do museu é considerado fundamental.
O museu pode trazer muitos benefícios à educação. Esta importância não deixa de
crescer. Trata-se de dar à função educativa toda a importância que merece, sem
diminuir o nível da instituição, nem colocar em perigo o cumprimento das outras
finalidades não menos essenciais: conservação física, investigação científica, deleite,
etc. Entretanto, alguns museus, como os museus pedagógicos e os museus escolares,
têm funções exclusivamente didáticas, que repercutem em sua organização e em
seus métodos (BRASIL, 2013, p.91-92).
Deve-se dedicar uma atenção especial à exposição polivalente, que deverá manter-se
em certo nível, porque, além de dirigir-se ao visitante médio, que não pode ser
decepcionado, deverá contribuir para a evolução dos visitantes não preparados,
porém inteligentes, tornando-se para eles uma etapa crucial entre as apresentações
de caráter didático e as apresentações de estudo (BRASIL, 2013, p.99-100).
Ainda é possível detectar esta realidade no Brasil, onde os setores não são
reconhecidos oficialmente por lei, como ocorre no caso português, e muitos museus
funcionam sem educadores, ou com profissionais a desempenhar funções múltiplas que não
exclusivamente as educativas.
Também na década de 1970 surgiu, no museu da Fundação Calouste Gulbenkian, um
curso de formação para monitores, atividade que já acontecia no Museu Nacional de Arte
Antiga, inclusive com parcerias externas (ASCENÇÃO, 2012, p. 64-65).
Em 1972, a Declaração de Santiago sinalizou a necessidade de se repensarem os
museus em sua relação com a sociedade. Seus efeitos vêm-se desenvolvendo até hoje.
Apesar deste avanço ocorrido na área, que atingiu o museu não só em sua função
educativa, a concretização de concepções de museu e de Educação Museal emancipadoras e
transformadoras da sociedade esbarrou com a realidade do autoritarismo do Estado,
principalmente no Brasil, que só veria o fim da ditadura civil-militar (1964-1985) em meados
da década de 1980. Já em Portugal esta realidade mudou mais ligeiramente e:
Como grau de acesso o curso complementar dos liceus, (porque se adequou o perfil
dos monitores de facto quase em tempo de reforma), contra a habilitação superior
que inflaccionava já a sociedade portuguesa. Foi bizarria que trouxe sequelas
intemporais. Condicionou o recrutamento de novos profissionais, desesperou quem
por vocação já estava vinculado aos Serviços Educativos, mesmo com formação
superior, e ainda, minou irreversivelmente a credibilidade e visibilidade de um
Serviço que se desejava de qualidade para todos os públicos.
À margem de qualquer comentário fica apenas uma nota de incredulidade. Dois anos
mais tarde o Decreto-Lei nº 88/82 vem estabelecer a necessidade de avaliação da
capacidade profissional dos monitores de facto, informalmente há anos a
desempenharem essa função, através de “provas de conhecimento prático de museu
e de comunicação com o público”. (MOURA, 2011, p.6)
Esta lei foi parâmetro também para instituições das demais esferas e do setor privado,
porém o cargo de monitor foi extinto pelo Decreto-Lei n° 55 de 15 de fevereiro de 2001. O
cargo específico já vinha sendo alvo de críticas, uma vez que impunha uma exigência de
formação apenas de 12° ano19, quando na atualidade as funções educativas nos museus já
apresentam a necessidade de formação para além do nível superior, para que se dê conta da
amplitude da atuação dos educadores museais. O cargo não foi substituído por nenhum outro
19
Equivalente ao Ensino Médio no Brasil.
91
de nível superior, ficando às funções educativas dos museus descobertas pela legislação neste
aspecto.20
Em 1983, surgiu no Brasil, o termo “educação patrimonial”, a partir da experiência e
atuação da educadora Maria de Lourdes Parreiras Horta no Museu Imperial, na cidade de
Petrópolis, no Rio de Janeiro. Trazendo para o país uma prática educativa que assistiu na
Inglaterra (Living History), Horta propôs uma metodologia de trabalho educativo com
museus, monumentos e com o patrimônio histórico. Neste mesmo ano, o Museu Nacional de
Arte Antiga, em Lisboa, promoveu o Encontro Museus e Educação (MOURA, 2011, p.7).
Em 1984, foi criado o Movimento por uma Nova Museologia e seus princípios
envolveram uma Educação Museal voltada para a transformação social e para o
desenvolvimento da cultura entre todos os povos, principalmente aqueles menos favorecidos
e:
20
Um mesmo cargo não existe em legislação Brasileira até hoje. A Lei n. 11.906, de 20 de janeiro de 2009, que
cria o Instituto Brasileiro de Museus e 39 cargos para Técnicos em Assuntos Educacionais (um cargo presente
também em planos de carreira de outras instituições, que não as da cultura, na esfera federal de governo), mas
não especifica suas funções.
92
cultura. Nos dois países, no ano de 1986, foram criadas as leis de mecenato que deram a
tônica da política cultural da década seguinte.
O período é menos profícuo para o Brasil, no campo da Educação Museal, porém é um
momento em que a sociedade civil possui um maior protagonismo e importantes discussões
são levadas a cabo. Nesse momento, no Brasil, debateu-se a necessidade da desescolarização
dos museus, considerada a educação praticada nesses espaços, até então, como uma mera
complementação de currículos escolares (LOPES, 1991).
Já em Portugal, foi organizada, em 1993, pelo Serviço Educativo do Palácio Nacional
da Ajuda, uma reunião que partilhou, entre profissionais ligados às ações educativas dos
museus, preocupações acerca da ignorância dos Serviços Educativos nos museus portugueses.
O impacto da reunião foi bastante positivo para o grupo, o que levou a organização
de novas reuniões mensais que seguiram-se até o ano de 2001, por vários museus do
país, sempre com a finalidade de reconhecer e aprofundar dinâmicas intrínsecas aos
serviços educativos (Moura, 2011), além de fortalecer os profissionais de educação
em museus enquanto grupo a fim de conquistar uma gerência aos serviços
educativos a nível nacional (FIGURELLI, 2015 p. 126-127).
Nacional de Museus, documento norteador da área a partir do qual foram geradas algumas
políticas públicas, a exemplo da criação do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) em 2009.
Em 2004, foi publicada a Lei de Quadros dos Museus Portugueses (Lei n° 47 de 19 de
Agosto de 2004) e em 2009, o Estatuto Brasileiro de Museus (Lei n° 11.904 de 14 de janeiro
de 2009).
Entre 2005 e 2007, a RPM realizou cursos de formação para profissionais dos Serviços
Educativos. Um movimento semelhante foi feito no Brasil, pelo Ibram, entre 2010 e 2011.
Também em 2005, em Portugal, foi publicado o Panorama Museológico em Portugal
(2000-2003) e, em 2013, O Panorama Museológico em Portugal - os museus e a Rede
Portuguesa de Museus nas primeiras décadas do Século XXI. No Brasil, em 2011, foi
publicado o relatório Museus em Números, contendo também dados e informação que
apresentam um panorama sobre os museus brasileiros. Todas essas obras trouxeram dados
quantitativos sobre a existência de setores/serviços educativos em museus, sua
institucionalização, existência de espaços próprios para atividades, tipos de atividades, entre
outros dados. Destaca-se como atividade mais realizada entre os museus nos dois países a
visita guiada/orientada.
Nota-se uma disparidade entre as realidades portuguesa e brasileira. Enquanto em
Portugal, 62% dos museus, de um universo de 1.223 em funcionamento, afirmaram possuir
Serviços Educativos, no Brasil este número chega a apenas 48,1%, num universo de 3.025
(DGPC, 2013, p. 84-85; IBRAM, 2011, p. 48).
Ainda no âmbito do desenvolvimento da PNM (2003), no Brasil, são criados editais e
prêmios, entre eles o Prêmio Darcy Ribeiro, voltado a projetos de ação educativa museal. Foi
também instituído o Fórum Nacional de Museus, espaço para debate, reflexão e revisão de
políticas públicas e práticas da área, que já chegou a sua sétima edição em 2017.
Em 2007 e 2009, a REM-RJ realizou dois encontros nacionais para debater a situação
da Educação Museal no Brasil e temas correlatos.
Em 2010, foi criado o Plano Nacional Setorial de Museus, para ser aplicado até 2020 e
já revisto em 2014, no 6° Fórum Nacional de Museus. Também em 2010, foi realizado o I
Encontro de Educadores do Ibram, em Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde se discutiu a
situação da Educação Museal no país e as tarefas pungentes, que deu origem à Carta de
Petrópolis, documento com os “Subsídios para a construção de uma Política Nacional de
Educação Museal”. Um documento semelhante foi produzido em Portugal, em 2011, a partir
do encontro Serviços Educativos em Portugal: Ponto da Situação, organizado pelo ICOM-
95
21
Disponível em: <http://www.iserj.edu.br/educacao-museal/>.
96
[...]
Bem menos vasto na legislação brasileira, o tema da Educação Museal aparece com
especificação em apenas três artigos do Estatuto de Museus. Ainda assim, os artigos são
também genéricos, não apontando os objetivos ou as propostas para estruturação das ações
educativas, como vimos no caso português.
Na Subseção II, da Seção II, do Capítulo II, que trata “do estudo, da pesquisa e da
ação educativa”, temos que:
CAPÍTULO II
Seção II
Subseção II
97
seja, o trabalho educativo deve também respeitar todas essas etapas de elaboração e execução,
o que prescinde, inclusive, a sistematização das suas atividades, com o devido planejamento,
registro e avaliação periódica.
Na legislação brasileira, encontramos menção à Educação Museal, no artigo 3°, inciso
VIII, na Lei n° 11.906 de 20 de janeiro de 2009, que cria o Ibram, e trata de suas finalidades e
de suas competências:
desenvolver processos de comunicação, educação e ação cultural, relativos ao
patrimônio cultural sob a guarda das instituições museológicas para o
reconhecimento dos diferentes processos identitários, sejam eles de caráter nacional,
regional ou local, e o respeito à diferença e à diversidade cultural do povo brasileiro
(BRASIL, 2009).
E, no artigo 4°, inciso VII, está previsto, entre suas competências, o estímulo ao
“desenvolvimento de programas, projetos e atividades educativas e culturais das instituições
museológicas” (BRASIL, 2009).
Nesta lei portuguesa, são muitos os artigos que tratam direta ou indiretamente da
questão educativa. No Capítulo II, sobre o regime geral dos museus portugueses, Seção I,
Funções museológicas, Artigo 7.o, Funções do museu, destaca-se o item g) Educação, em que
a educação é explicitamente considerada uma função do museu (PORTUGAL, 2004, p.
5.380).
Ainda no mesmo Capítulo, na Seção II, sobre as funções museológicas, o Artigo 11°,
que trata da “Cooperação com o Ensino”, e estabelece que:
O museu deve facultar aos estabelecimentos de ensino que ministrem cursos nas
áreas da museologia, da conservação e restauro de bens culturais e de outras áreas
disciplinares relacionadas com a sua vocação, oportunidades de prática profissional,
mediante protocolos que estabeleçam a forma de colaboração, as obrigações e
prestações mútuas, a repartição de encargos financeiros e os resultados da
colaboração (PORTUGAL, 2004, p. 2).
A colaboração com o ensino a fim de formar profissionais para o campo, por meio da
realização de estágios de prática profissional assistidos pelos profissionais dos museus – o
que, como vimos, no caso dos educadores museais é, na prática, o seu campo de formação
profissional – é então considerada uma função do museu.
Na seção específica sobre educação, vemos dois artigos, tratando: (a) do conteúdo das
ações educativas, que devem contribuir para o acesso ao patrimônio e às manifestações
culturais; (b) da metodologia dessas atividades, que devem acontecer na forma do respeito
99
pela diversidade cultural, da participação da comunidade; (c) dos objetivos das ações
educativas, que devem ter em vista a educação permanente e o aumento e a diversificação dos
públicos; (d) das articulações com outras políticas públicas, como as relativas à família, à
juventude, ao apoio às pessoas com deficiência etc.:
SECÇÃO VIII
Educação
Artigo 42.o
Educação
Artigo 43.o
Vemos que está representado na lei o maior público, em termos quantitativos, recebido
em ações educativas e que se prevê a articulação com outros órgãos da estrutura organizativa
governamental.
No Capítulo III, que trata dos recursos humanos, financeiros e instalações, destacamos
em sua SECÇÃO I, no Artigo 48°: “O museu, de acordo com sua vocação, tipo e dimensão,
deve proporcionar, nos termos da legislação aplicável, formação especializada ao respectivo
pessoal”. Isto permitiria, por exemplo sanar a atribulada questão da formação dos próprios
educadores museais a partir do próprio museu. Esta questão é ainda vista no Capítulo VIII,
que trata da Rede Portuguesa de Museus, em sua Seção II, sobre os Museus Nacionais e
núcleos de apoio a museus, que traz no Artigo 106° a afirmação de que é função destes
museus, no âmbito da Rede Portuguesa de Museus, a missão de formar pessoal especializado
(PORTUGAL, 2004, p. 5.391).
Ainda no Capítulo III, na Seção III, art. 51°, no que tange às instalações, afirma-se que
é necessário que o museu disponha de espaços adequados, inclusive para a realização de
atividades educativas (PORTUGAL, 2004, p. 5.385).
No Capítulo IV, que trata do acesso público, e no artigo 58°, sobre o Apoio aos
visitantes, temos que: “O museu deve prestar aos visitantes informações que contribuam para
proporcionar a qualidade da visita e o cumprimento da função educativa” (PORTUGAL,
2004, p. 5.386). Essa questão é importante no que diz respeito à divulgação e difusão das
ações e produtos realizados pelos Serviços Educativos. É preciso que as ações educativas
sejam comunicadas.
Por fim, o Artigo 86, no Capítulo VII, sobre a Criação e fusão de museus, na Seção I,
das Disposições gerais, trata do programa museológico, que deve: fundamentar a criação ou a
fusão de museus e, entre outros pontos, integrar a formulação das estratégias funcionais,
“designadamente nos domínios do estudo e investigação, incorporação, documentação,
conservação, exposição e educação”. Mais uma importante questão a ser observada: a
obrigatoriedade de desenvolvimento do planejamento fundamentado das atividades, bem
como o registro dos seus objetivos de acordo com as estratégias funcionais dos museus.
101
1 Estabelecer a educação museal como função dos museus reconhecida nas leis e
explicitada nos documentos norteadores, juntamente com a preservação,
comunicação e pesquisa.
3 Garantir que cada instituição possua setor de educação museal, composto por uma
equipe qualificada e multidisciplinar, com a mesma equivalência apontada no
organograma para os demais setores técnicos do museu, prevendo dotação
orçamentária e participação nas esferas decisórias do museu.
Art. 2º Para fins desta Portaria compreende-se por Educação Museal um processo de
múltiplas dimensões de ordem teórica, prática e de planejamento, em permanente
diálogo com o museu e a sociedade.
Brasil, foi capaz de sanar os problemas e atender às demandas históricas do campo e dos seus
profissionais em nenhuma das duas realidades.
Em segundo lugar, é relevante ressaltar o papel que cumpriram tanto o Estado, na
elaboração de leis e políticas públicas, quanto da sociedade civil, na realização de eventos,
produção de reflexões e proposição de orientações e recomendações para o campo. Em ambos
os casos, ora por meio de atividades colaborativas, ora por meio de conflitos, fizeram-se
avançar a produção conceitual, prática e política da área.
Apesar disso, uma questão ainda ronda o espectro de desenvolvimento da educação
museal nos dois países: por que a valorização da educação museal em documentos
internacionais, na legislação e em documentos institucionais do campo não acompanhou um
avanço prático desde a segunda metade do século passado?
Não que não tenham sido percebidos avanços, manifestados, por exemplo, no
crescimento do número de setores educativos, na qualidade crescente das ações e nas
reflexões conceituais e teóricas sobre o papel educativo dos museus. No entanto, o que
explica que isso tenha se dado sem o estabelecimento de questões básicas, tais como a
consolidação da profissão de educador museal, de uma formação específica, da estruturação
financeira dos setores e mesmo do reconhecimento da necessidade de sua existência e
trabalho em conjunto com os demais setores? O que explica que em meio a tantos
instrumentos e ferramentas, não se tenha até agora conseguido construir um legado
institucional e do campo por meio de documentos institucionais e instrumentos públicos de
produção de informação, criação de indicadores e avaliação?
Por enquanto, essas questões ficam em aberto, mas é necessário pensá-las a partir da
perspectiva da análise das políticas públicas de cultura, sua descontinuidade e desvalorização
diante de sucessivos governos, tanto no Brasil, quanto em Portugal. É, neste contexto, que são
produzidas e implementadas, ou não, as políticas públicas de Educação Museal e é a partir
dele que devemos buscar os caminhos do seu fortalecimento.
A não existência de políticas públicas específicas explica, em parte essa situação.
Poderemos ver, no Brasil, a partir de agora, com a definição da Política Nacional de Educação
Museal, caso esta seja de fato implementada, as alterações possíveis de realização neste
quadro. Outra questão que nos parece ser parte da resposta ao questionamento levantado é o
problema da formação. A falta de formação atinge os educadores museais, que despreparados
não têm na sua rotina a prática de planejar, sistematizar, registrar, analisar e avaliar suas
ações, o que é reforçado pela falta de exigência dessas ações em uma política pública. Mas
este problema atinge também os demais setores dos museus, cujos profissionais não
107
compreendem ainda a educação como parte integrante e transversal, mas sim como algo
secundário ou menos do que outras funções do museu e isso se passa igualmente na
mentalidade de diretores e gestores da área. Todo o avanço teórico e conceitual visto em
documentos e na legislação devem passar a fazer parte da prática do museu e ser de
conhecimento e convencimento de todos os seus profissionais. Dados esses passos,
poderemos começar a vislumbrar mudanças reais no cenário da Educação Museal nos dois
países e começar a pensar na resolução de outros problemas.
25
Decreto-Lei n. 45/80. Disponível em: <https://dre.tretas.org/dre/6939/decreto-lei-45-80-de-20-de-marco>.
26
Decreto-Lei n. 55/2001. Disponível em: <https://dre.tretas.org/dre/131066/decreto-lei-55-2001-de-15-de-
fevereiro>.
110
exigia a formação em nível superior, porém, mostrou que por si só não resolveu o problema
da necessidade de serem contratados para os serviços educativos profissionais com formação
adequada, pois, tendo sido extinto o cargo, nenhum o substituiu e o Estado não criou políticas
públicas específicas para garantir a formação, inicial ou continuada dos educadores museais.
A questão da formação segue sendo tratada no ponto 3, “Formação”, onde se buscam
saídas com as sugestões: “apostar em cursos de formação específica na área da educação em
museus, fomentar a investigação neste domínio, bem como no conhecimento dos públicos e
das suas idiossincrasias”, e “o acesso dos técnicos à formação contínua e regular, necessária
para colmatar as necessidades permanentes de actualização de conhecimentos e de boas
práticas” (BARRIGA, 2011, p. 5).
Na discussão do tema 4, “Parcerias e Colaborações”, é mencionada a parceria com as
escolas, público histórico e principal dos museus, em termos quantitativos, a necessidade de
se criarem parcerias com outras instituições, num caráter sustentável, sugere-se que se
potencie a participação das comunidades na programação do museu, bem como se promova a
colaboração dos Serviços Educativos com agentes capazes de estabelecer novos diálogos com
as coleções e que se criem redes de contrato entre museus, para partilha de saberes, discussão
de problemas comuns e definição de ações conjuntas (BARRIGA, 2011, p. 5-6).
Sobre “Recursos”, quinto tema, as propostas são:
criativa que depende apenas da capacidade dos sujeitos envolvidos para dar certo e não de
dinheiro.
No ponto sobre Outsourcing, a tônica está no trabalho transversal e colaborativo entre
diferentes equipes, com o fim de reconfigurar a forma de trabalhar, possibilitando a execução
de projetos mais exigentes ao nível dos recursos e dos procedimentos (BARRIGA, 2011, p.
6).
Ao tratar da Comunicação, sétimo tema, a recomendação é para “promover
campanhas de âmbito nacional, regional ou local que venham estimular a participação dos
públicos nos museus e, em paralelo, divulgar amplamente o património e a acção dos Serviços
Educativos” (BARRIGA, 2011, p.6), sanando o crônico problema do conhecimento dos
Serviços Educativos pelo público e da circulação das informações sobre a programação
educativa das instituições.
Por fim, ao tratar da Avaliação, as propostas foram no sentido de:
iv. dotando estes departamentos dos recursos necessários para assegurar a qualidade
do serviço público que ambos - as instituições e os públicos - reclamam ao museu
(BARRIGA, 2011, p. 7).
É claro que essas constatações não podem ser tomadas de forma mecânica e é preciso
pensar que houve também interseções neste sentido, o que nos permite pensar que os museus
são também um termômetro, por onde se pode medir, seja por incêndios ou nevascas, a
capacidade de um governo de governar, de setores políticos de se estabelecerem e
permanecerem no poder, das políticas públicas de continuarem ou serem interrompidas de
acordo com a conveniência daqueles que ocupam os cargos de direção política da sociedade,
pelo convencimento ou pela força.
Sem nunca terem atingido uma condição ideal de funcionamento e existência, sendo
públicos ou privados, os museus são parte do sistema imunológico da sociedade. Filtram os
agentes infecciosos e criam os antídotos que fazem o corpo reagir e retomar a força de viver.
Nunca se deu ao mundo dos museus o que ele precisava para subsistir e desenvolver-se, mas
isso não altera o fato de que suas formas de gestão e de existência são condenadas, como
sendo falidas e carecendo de serem substituídas por uma nova, em que a parceria público-
privada se estabeleça para garantir, principalmente o financiamento, carência crucial e
permanente das instituições e das políticas públicas.
Um balanço quantitativo nos mostra que o Estado assumiu majoritariamente a
produção das leis, documentos políticos e ações do campo. Mas se levarmos em consideração
a qualidade da atuação da sociedade civil, se não chegamos a um equilíbrio, temos uma
balança que pende para o lado do povo, que apesar das intempéries do caminho, nunca
deixaram de pensar e viver os museus.
Entre as ações listadas nos quadros podemos ver políticas que seguem uma certa linha
de desenvolvimento. Começando por legislação que cria museus, órgão de administração
estatal e instituições responsáveis pela tutela e regulamentação dos museus, essas são as
políticas que mais sofrem alterações e descontinuidade ao longo dos dois séculos estudados.
Num movimento combinado ao da estruturação surgem leis de proteção ao patrimônio, de
inspeção, regulação e avaliação das instituições, de estruturação de carreiras e, num período
posterior, de reconhecimento de profissões.
Num momento posterior, a partir da metade do século XX, surgem políticas, não só
mais centradas na criação de leis e instrumentos normativos, que tratam de diretrizes de
funcionamento e elaboração de ações do campo, de articulação entre as diferentes esferas da
administração estatal, de discussão teórica e política, de produção de dados e de informação
sobre os museus e seu público. Ao mesmo tempo são realizados encontros e são
proporcionados espaços de debate sobre conceitos e práticas. As atividades dos museus se
115
Depois da exposição do breve histórico sobre a conformação dos campos das políticas
públicas de museus e de Educação Museal no Brasil e em Portugal, buscamos identificar na
legislação e nos documentos analisados no Capítulo 2, ideias e conceitos que apontam para
concepções de educação e de mundo, que possam ser também vistos no discurso e na prática
das instituições investigadas. Ou ainda as contribuições das práticas para a construção de
políticas públicas para o campo. A etapa seguinte da pesquisa incluiu uma observação de
práticas educativas dos seis espaços que fizeram parte da nossa proposta de investigação.
Apresentamos a seguir essas instituições, as estruturas organizativas institucionais que
representam o seu trabalho educativo (serviço, seção, programa) seus documentos e seus
projetos e ações educativas, buscando fazer um elo entre as políticas públicas, a teoria do
campo e suas práticas, na medida possível em que encontramos lastro para isso em nossa
investigação.
As ações observadas foram indicadas pelas instituições, a partir da leitura de nossa
proposta de pesquisa e de conversas realizadas com as equipes ou profissionais responsáveis
pelo trabalho educativo. Em cada instituição, foram realizadas conversas com diversos
profissionais, para que se conhecesse melhor a estrutura e funcionamento dos espaços e dos
serviços/seção/programa, a partir de um roteiro preestabelecido28. No entanto, esse material
não foi sistematizado no formato de entrevistas, tendo servido muito mais para elucidar a
compreensão das atividades e do funcionamento das instituições, permitindo um melhor
aproveitamento das observações realizadas e da leitura dos documentos.
Como metodologia, adotamos a observação não participante, com realização de
anotações in loco e produção de relatórios. Analisamos comparativamente as ações
observadas, buscando aproximações e divergências nas abordagens de conteúdos relacionados
à Educação Museal, em seus campos teórico, prático e político.
28
Conforme pode ser visto no Apêndice.
117
29
Disponível em: <http://mnba.gov.br/portal/>.
30
Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios foi o primeiro nome da instituição, criada por decreto em 1816. Para
mais informações, ver: FERNANDES (2007).
31
Para mais informações sobre a Missão Francesa, ver: FERNANDES (2007) e DIAS (2006).
118
Alcidio Mafra de Souza (1982, p. 1) declara que procurou, em sua gestão, atuar em
consonância com as diretrizes da Secretaria de Cultura do MEC, procurando estabelecer um
estudo sistemático da arte brasileira, relacionando-a ao contexto cultural do país e
contribuindo tanto para a integração das diferentes manifestações culturais, quanto para a
formação global do indivíduo como elemento integrante de uma comunidade com definição
cultural real, por meio da utilização de meios específicos de animação cultural e educação
artística.
Pela primeira vez, o MNBA contou com um trabalho educativo elaborado e executado
por pessoas com formação específica em educação. Não mais foram utilizados conservadores
119
Nesse sentido, nossas ações, que ocorrem nas Galerias da Arte Brasileira dos
Séculos XIX e de Arte Brasileira Moderna e Contemporânea, procuram atender aos
mais diferentes públicos, em diversos projetos, de forma a diminuir barreiras,
estabelecendo uma relação dialógica: partindo dos contextos previamente trazidos
pelos participantes, busca-se levá-los à construção do conhecimento artístico
(MNBA, 2018).
formação em história da arte, educação artística e pedagogia. Três desses profissionais atuam
no MNBA há pelo menos três décadas.
Entendemos que o desenvolvimento das políticas públicas de cultura e de museus,
bem como dos debates presentes no campo museal, influenciaram, ao longo da história
institucional, a elaboração e realização das ações educativas.
Outro aspecto importante a ser observado é que a falta de políticas públicas de
memória institucional também tem influência sobre como o trabalho educativo foi planejado e
registrado. Pode-se afirmar que a criação de legado e memória institucionais depende quase
que exclusivamente de uma política interna de gestão e a forma de registro das ações
educativas varia em cada gestão. Há períodos em que não se faz registro algum, outros em
que o material de memória institucional é escasso. Mesmo atualmente, quando ainda falta
uma política específica para o planejamento, sistematização, registro e avaliação das
atividades, não só no campo da Educação Museal, é difícil encontrar material produzido sobre
as atividades realizadas.
32
Disponíveis em: <http://www.mnba.gov.br/portal/educacao/atividades>.
122
fruto de uma harmonia entre a equipe de educadores, elas não são orientadas por documentos
norteadores que apresentem referências teóricas e conceituais institucionais.
A respeito de objetivos do trabalho educativo institucional, encontramos no site do
museu o seguinte: “as visitas mediadas objetivam promover a construção de significados e
novos olhares no espaço expositivo. As visitas do público infantil, a partir de 5 anos, podem
ser permeadas por jogos e histórias, acolhendo a forma da criança interagir com o mundo”
(MNBA, 2018).
Assume-se neste trecho a metodologia da mediação como forma de relação com o
público. Esse formato pôde também ser acompanhado nas atividades observadas, em que o
diálogo sempre apareceu como forma de estabelecer uma interação com o público e as
realidades que trazem ao museu. Observaram-se também os objetivos de construir
coletivamente conhecimento e novas formas de olhar as obras e o espaço do museu, como
prática comum em todas atividades. A ludicidade, presente em diversas atividades é também
uma marca do trabalho educativo do MNBA, que dispõe de jogos, materiais educativos e
propostas pedagógicas nas suas ações que valorizam os saberes e o cotidiano dos visitantes,
envolvendo-os em um contexto contemporâneo ao fazerem nexos com o acervo e o prédio.
No Plano Diretor de 2009, a educação aparece entre os objetivos táticos apresentados
para a instituição: “manter em pleno funcionamento as ações e trabalhos educativos como
palestras, oficinas e workshops” (MNBA, 2009, p. 12). Como tema específico, aparece
desenvolvida no item 3, referente ao público: “faz-se necessário que os museus intensifiquem
as questões de educação como um fator de estudo e análise para redefinição de inovações nos
serviços prestados, proporcionando maior entusiasmo crescente e constante dos visitantes dos
museus” (MNBA, 2009, p. 15). Destacamos que a educação não aparece no documento como
uma ação de fim pedagógico, mas como parte de uma política de ampliação a fidelização de
públicos, inclusive por meio do oferecimento de atividades de lazer.
No subitem relativo ao programa educativo, o “Serviço Educativo”33 é apresentado
como “a chave ou carro chefe do bom funcionamento de um museu, pois é responsável pela
captação e formação de públicos” (MNBA, 2009, p. 15). Apesar da afirmação de uma suposta
importância da educação, tida como “o carro chefe do museu”, o fato de não ser dado à ação
educativa um caráter pedagógico referenciado teoricamente e de não se assumir a educação e
33
Nota-se que a Seção Educativa aparece nos textos do site, do Plano Diretor, do Plano Museológico, do
Regimento Interno e dos materiais educativos, como: Seção Educativa; Seção de Educação; Serviço Educativo,
com referência ao mesmo período.
123
a formação humana como uma função essencial do museu, representa uma contradição do
documento. Em seguida, afirma-se que:
A descoberta, por obras de arte, artistas e outros meios, retrata a real oportunidade de
se ocupar tempos livres da sociedade. Pensando assim a educação tem papel fundamental na
interatividade entre o público, as obras e os artistas. Essa interação precisa ser dinâmica, ativa
e dotada de muita flexibilidade para o melhor desempenho, traçando assim objetivos e metas a
serem alcançados (MNBA, 2009, p. 15).
Após essa afirmação, são apresentados os diferentes públicos que frequentam o
museu: sociedade escolar; grupos familiares; terceira idade; grupos científicos; público
turístico e portadores de necessidades especiais (MNAB, 2009, p. 16). Ao apresentar cada tipo
de público, o documento sugere diferentes formas de atraí-los, tais como: exploração de obras
expostas, para que os visitantes agreguem aos seus conhecimentos a cultura abordada nas
visitas; o entretenimento para famílias; aproximação com o presente da memória do
“antigamente”; complementação da aprendizagem científica de cursos como museologia e
história, por meio da observação da prática de assuntos abordados em salas de aula; promoção
de ações em conjunto com secretarias e agências de turismo e a formulação de projeto para
atendimento de pessoas com necessidades especiais (MNBA, 2009, p. 16).
Entre as tarefas descritas para os educadores estão: identificação e seleção de obras de
destaque presentes no acervo e produção de textos que abordem temas que unam os objetos e
a sociedade (MNBA, 2009, p. 17). Com relação à gestão da educação, entende-se que o
objetivo primário do museu é a coleção de peças e o secundário é a interatividade do público
com essa coleção, ou parte dela (MNBA, 2009, p. 17).
O documento aponta ainda para a insuficiência de pessoal, principalmente diante do
desafio de elaborar atividades levando em conta a multiplicidade do acervo e a necessidade de
aumento do número de visitantes. A espetacularidade34 é apresentada como “o elo de
comunicação usado para captar a atenção do visitante e patrocinadores” (MNBA, 2009, p.
18).
Com relação aos programas a serem desenvolvidos com verbas obtidas a partir de
2006, o Plano Diretor listou as seguintes tarefas: continuar os Projetos Música no Museu e
Ver e Sentir; implementar cursos de história da arte e dar início a oficinas de desenho, gravura
e multimídia. Nos anos seguintes, essas atividades não foram implementadas de maneira
34
Sobre a espetacularidade dos museus, ver MENESES (1994).
124
permanente ou continuada, ou até mesmo não saíram do papel. Entre as metas institucionais
estava a de ampliar as atividades culturais em parceria com a rede pública de educação.
Em relação a outras atividades, como de conservação e restauro, ressaltamos ainda que
o Plano Diretor de 2009 traz definições, referências, a quem se destinam, quais as atribuições
dos profissionais responsáveis por elas. Isso não é visto em relação as atividades da Seção
Educativa, citado ao longo de todo o documento como “Serviço Educativo”, apesar de
aparecer com outra terminologia no organograma institucional.
É possível concluir, a partir do Plano Diretor de 2009 e das prioridades e destaques
que descreve relativos à ação educativa no MNBA, que a atração de públicos por meio de
ações elaboradas pela Seção Educativa é considerada a chave do bom funcionamento do
museu. A dimensão comunicativa da ação educativa sobrepõe-se à pedagógica, a formação de
público é entendida como o aumento da quantidade de visitantes e aparece no lugar da
formação humana.
O Regimento Interno apresenta a estrutura organizacional do museu, apontando sua
natureza, missão, objetivos e competências. No Capítulo I, que trata da natureza, missão e
objetivos do MNBA, seu artigo primeiro informa que o Regimento foi elaborado de acordo
com o art. 7º e 8º da Lei nº 11.906, de 20 de janeiro de 2009. O artigo segundo traz a missão
da instituição:
Art. 2º O MNBA tem como missão:
educativa do museu, apontada na Declaração do Rio de Janeiro de 1958, não faz parte da
missão institucional dessa instituição.
O Capítulo II apresenta a estrutura organizacional do MNBA e no inciso VII, do artigo
quarto, apresenta a Divisão de Educação como parte integrante da Coordenação de
Comunicação, ao lado das Divisões de Exposições, Produção Cultural e Programação Visual.
Essa proposta altera a estrutura que funcionou até então no MNBA, em que uma Seção
Educativa estava ligada à Coordenação de Comunicação Social, que no Regimento passou a
ser responsável pelo Núcleo de Imprensa e pelo Núcleo de Eventos, especializando sua
atuação na publicização do espaço do museu e de suas atividades. Nossa compreensão é a de
que a Coordenação de Comunicação Social cumprirá papel de divulgação da programação e
de supervisão e organização de eventos (não necessariamente eventos da programação
cultural do museu), enquanto a Coordenação de Comunicação ficará responsável por
atividades de comunicação do acervo, subentendida a educação como uma ação comunicativa,
mas não necessariamente pedagógica.
No terceiro capítulo, que explicita as competências de cada área, em sua sétima seção,
sobre a Coordenação de Comunicação, aparecem algumas das demandas de educadores
presentes nos debates e documentos elaborados na construção da PNEM, tais como:
realização atividades de planejamento, elaboração e avaliação das atividades das divisões a
ela vinculadas35; potencialização da relação entre o museus e a sociedade, abrangendo
diversos públicos36; contribuição e incentivo à atualização das práticas e trocas
interdepartamentais de experiências e de formação profissional37; proposição de intercâmbios
com outras instituições científicas e universitárias para aprimoramento das ações das divisões
sob sua responsabilidade38 e disseminação do trabalho técnico executado nas áreas de sua
responsabilidade39. No artigo 30, que aborda as competências da Divisão de Educação
apresenta:
35
Em conformidade com a diretriz 2, do Eixo I - Gestão, da PNEM.
36
Em conformidade com o princípio 5 e a diretriz 5 do Eixo III - Museu e sociedade, da PNEM.
37
Em conformidade com as diretrizes 1, 5, 6 e 9 do Eixo II - Profissionais, formação e pesquisa, da PNEM.
38
Em conformidade com a diretriz 8 do Eixo II - Profissionais, formação e pesquisa, da PNEM.
39
Em conformidade com a diretriz 8 do Eixo II - Profissionais, formação e pesquisa, da PNEM.
126
40
Os princípios, eixos e diretrizes da PNEM estão disponíveis em seu Documento Final, no
endereço:<https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2017/06/Documento-Final-PNEM1.pdf>.
128
41
No momento de elaboração deste Plano já havia sido publicado o Documento Preliminar da PNEM, que
contém um glossário onde constam esses termos.
129
Este Caderno Educativo foi feito para provocar ainda mais os seus sentidos.
Desejamos que, ao final da sua visita, você veja uma nova cidade a sua frente,
esperando para ser descoberta (MNBA, 2016a, p. 5).
Além disso, os materiais educativos trazem informações históricas, estéticas, técnicas
e críticas sobre as obras; sugerem roteiros; incentivam a observação e contextualização dos
objetos, o pensamento sobre sua musealização e importância histórica e artística; incentivam
um novo olhar sobre as obras, o museu e seu território; alguns apresentando referências
bibliográficas (volumes 3, 4 e 5); são elaborados em uma linguagem didática. Identificamos
que o museu é considerado um espaço de produção de conhecimento, de aprendizagem e de
desenvolvimento da sensibilidade.
No Caderno 3, o visitante é chamado a participar das atividades como sujeito: “esta
exposição não está pronta. Ela precisa dos olhares, vozes, histórias, emoções e sentimentos
dos que nascem, vivem e/ou passam pela cidade do Rio de Janeiro para se completar.
Portanto, você não é só um espectador: faz parte da exposição!” (MNBA, 2016a, p. 9); “nesta
e nas próximas páginas, há uma sugestão de roteiro para ampliar sua visita. Ande pelo museu,
olhe para fora e para dentro, esparrame-se pelos espaços, veja-se refletido nas obras” (MNBA,
2016a, p. 18). É convidado a levar a experiência com o museu para a vida fora dele: “quando
terminar sua visita e você sair do museu, olhe para esta cidade. Olhe de novo, com novos
olhos. Afinal... Você está aqui!” (MNBA, 2016a, p. 27).
Os materiais tratam tanto de conteúdos e propostas de caráter duradouro, como a
proposta elaborada para famílias, quanto de ações voltadas para exposições temporárias. Cada
material apresenta uma introdução, com breves orientações, de onde é possível identificar
objetivos pedagógicos voltados para a formação humana dos visitantes:
No sentido de ampliar o conhecimento do público, este caderno educativo buscou
mostrar uma pequena, porém importante parte do rico acervo da coleção de gravuras
do M N B A, criando um diálogo com esta exposição. Um pouco de história, de
técnica, dos artistas, para despertar a sensibilidade do olhar e a curiosidade em
conhecer mais deste fascinante mundo (MNBA, 2016b, p. 7, grifos nossos).
Este caderno educativo pretende mostrar como a arte dialoga com seu tempo,
perpassando culturas, ideologias, religiões, crenças, orientações políticas, etc.,
chegando até nós carregando uma parte da história da humanidade. Ao observar
estas obras, desejamos que você descubra algo novo, de humano e de sagrado, em
sua própria história (MNBA, 2016c, p. 5, grifos nossos).
público que o museu recebe (e nem seria esse o sentido de um trabalho educativo, uma vez
que o visitante pode e deve ter a liberdade de fruir do espaço do museu por sua própria conta),
os materiais educativos cumprem o papel de divulgação e difusão do trabalho educativo
institucional.
Interrogada sobre quais seriam as referências conceituais que balizam a elaboração
desses materiais, já que não há ainda um documento que sistematize a proposta educativa do
MNBA e aponte para esses autores, a coordenadora da Seção Educativa informou que ela tem
como referência para o seu trabalho autores como Ana Marie Holm, Gilka Girardello, Luciana
Ostetto, Roberto Gambini e Carolyn Edwards; Lella Grandini e George Forman 42. Uma
característica que observamos no trabalho educativo do MNBA é que, com a falta de uma
diretriz institucional, o trabalho educativo é definido por uma base comum, que não apresenta
referências explícitas, mas no que diz respeito à atuação individual dos educadores, cada um
apresenta um conjunto de referências que é próprio e particular, não atuando sem ter teorias e
conceitos como base de seu trabalho.
Os documentos institucionais mais gerais não contemplam o que aparece nos materiais
educativos e nas ações práticas em termos de concepção de educação institucional, tendo
conteúdos e forma mais genéricos. Os materiais educativos contêm propostas e concepções
educativas mais detalhadas e abundantes. Apesar disso, o Plano Museológico previsto para
implementação entre 2017 e 2012 aponta para a construção do Programa Educativo e
Cultural, que pode sistematizar e desenvolver o que já existe na prática no museu,
funcionando como uma política pública que permitirá a construção de um legado institucional
e da avaliação, transformação e continuidade das ações existentes.
42
As obras citadas pela educadora foram:
OSTETTO, Luciana Esmeralda. Educação infantil e arte: sentidos e práticas possíveis. Caderno de Formação:
formação de professores educação infantil - princípios e fundamentos. Acervo Digital Unesp, v. 3, p. 27-39,
mar. 2011. Disponível em: <http://www.acervodigital.unesp.br/handle/123456789/320>.
OSTETTO, Luciana Esmeralda. A arte no itinerário da formação de professores: acender coisas por dentro.
Reflexão e Ação, UNISC, Departamento de Educação, Santa Cruz do Sul, v. 14, n. 1, p. 29-43, jan./jun. 2006.
HOLM, Anna Marie. A energia criativa natural. Revista Pro-Posições, v. 15, n. I (43), jan./abr. 2004
GIRARDELLO, Gilka. A imaginação infantil e a educação dos sentidos. In: LENZI, Lucia Helena et al. (Orgs.).
Imagem: intervenção e pesquisa. Florianópolis: Ed. Da UFSC: NUP/CED/UFSC, 2006.
GAMBINI, Roberto. Com a cabeça nas nuvens. Pro-posições, Campinas, v. 21, n. 2 (62), p. 149-159, maio/ago.
2010.
EDWARDS, Carolyn; GRANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança. Porto Alegre:
Artmed, 1999.
133
Os projetos realizados pelo MNBA na atualidade incluem uma relação com a escola e
com grupos organizados, atividades que visam à formação continuada de professores, ao
oferecimento de subsídios para o trabalho com o acervo dos museus e uma ação voltada para
famílias, que ocorre com periodicidade irregular. Um exemplo é a forma como acontece com
o projeto Ver e Sentir através do toque, que tem como objetivo realizar visitas temáticas
envolvendo a questão da deficiência visual para pessoas com essa deficiência e videntes.
Além dessas atividades, tem ocorrido desde 2013 o projeto das Oficinas Pedagógicas, que
visa à formação de estudantes de licenciatura para atuarem com mediação no MNBA. Esse
projeto é realizado, em especial, com estudantes do curso de licenciatura em artes visuais, da
EBA/UFRJ com quem o museu estabelece uma parceria informal, a partir do trabalho do
professor Alexandre Palma, na disciplina de licenciatura em artes visuais.
O site do MNBA apresenta suas ações educativas da seguinte forma:
[...]
2 – Todo mundo no museu! - Este projeto contempla visitas mediadas para famílias,
com jogos e brincadeiras, nas Galerias do Museu, com objetivo de articular arte,
cultura e lazer. Ao apreciarmos uma obra de arte, nos despimos do olhar cotidiano e
abrimos espaço para novos significados. Fazer isto em família é uma oportunidade
de renovar as relações humanas.
[...]
[...]
43
O projeto teve no total cinco encontros, porém, por conta da articulação com a instituição para obter
autorização para realizar a pesquisa, só participamos a partir do segundo encontro.
135
comentando que qualquer um criado poderia ser utilizado. Enquanto a atividade era realizada,
a educadora deu informações sobre as obras, técnicas e demais conteúdos da Educação
Museal trabalhados no MNBA.
Em outro jogo, foram oferecidos cartões com reproduções de obras e os grupos foram
convidados a escolherem obras para montar uma exposição, fazendo uma proposta de
curadoria, escolhendo ordem, subgrupos etc. A educadora explicou primeiramente que os
grupos receberam as mesmas obras e pediu que apresentem suas propostas de exposição. O
primeiro grupo pensou em como fazer as obras dialogarem e, para atingir esse objetivo,
fizeram agrupamento por temas; pensaram na expografia, com grupos afins ficando na mesma
sala, por exemplo. O segundo grupo pensou em organizar as obras por temas, ou estilos, mas
não chegou a montar uma proposta de exposição. Montaram um grupo de paisagens por
ordem cronológica de estilo, respeitando temáticas e pensaram em uma narrativa para
apresentar as obras. A educadora, então, depois dessa atividade, discursou sobre o exercício
da curadoria, resgatando um pouco da história da Academia de Belas Artes, questionando o
porquê de alguns artistas terem ganhado os prêmios da academia e estarem no acervo do
MNBA, contando um pouco da história de algumas obras. Neste momento tentou dialogar
com o grupo no sentido de identificar seus conhecimentos sobre o acervo do museu e sobre os
assuntos abordados. Em seguida propôs uma leitura crítica da curadoria do Museu, por
exemplo, perguntando “onde está a escravidão?” ou “onde estão as pintoras mulheres?”,
descrevendo os limites e possibilidades das escolhas curatoriais e que a ação educativa
também faz recortes sobre aqueles já feitos pelos curadores. Afirmou ainda que os recortes
que fazemos dependem da concepção de educação e de aluno que temos. E informa ainda, a
etimologia da palavra “aluno”, sem luz, e de infância, aquele que não fala e quer tratar o
visitante como alguém que sabe e tem conhecimento faz parte de uma concepção de
educação.
Logo em seguida, a educadora mostrou alguns livros, de sua posse, que inspiram a sua
elaboração de ações educativas no MNBA, mas deixou claro que são parte da sua
interpretação do acervo e da sua concepção de educação.
Após um breve intervalo, seguiu-se para a segunda atividade do encontro: uma
palestra, de cerca de 40 minutos, dada por um dos curadores do MNBA, seguida de visita
mediada à exposição “Três culturas e uma pintura – A morte de Germânico”, elaborada pelo
curador e um dos focos de sua fala. Ele iniciou a atividade perguntando se os participantes do
projeto já haviam visitado a exposição e se tinham alguma pergunta. Como a resposta foi
negativa, iniciou uma apresentação da proposta curatorial da exposição, trazendo elementos
137
sua elaboração, explicitados pelos próprios artistas. Pediu que relacionassem algumas das
obras entre si.
Em seguida, apresentou um texto de Waltercio Caldas, artista convidado a fazer um
texto de pedagogia educativa para a Bienal do Mercosul44. Nesta análise, o professor trouxe a
proposta do recorte do texto, que, segundo ele, serve tanto para a sala de aula quanto para uma
possível curadoria educativa:
44
Notas para uma pedagogia visual bem humorada, de Waltércio Caldas, foi um texto elaborado para uma das
Estações Pedagógicas da 6a Bienal do Mercosul 2007. Sua versão na íntegra pode ser vista no artigo de Mirian
Celeste Martins: MARTINS, Mirian Celeste. Mediação cultural: [con]tatos expandidos. In: MARTINS, Mirian
Celeste, SCHULTZE, Ana Maria e EGAS, Olga. Mediando [con]tatos com arte e cultura. São Paulo: Instituto de
Artes/Unesp, 2007, p. 139-152. Disponível em:
<https://artecontemporaneaeahc.files.wordpress.com/2010/09/contatos_expandidos_mirian_celeste_martins_200
7.pdf>.
140
O educador chamou a atenção para o fato de que seria ideal que curadores,
museólogos e educadores pensassem juntos numa proposta curatorial, mas que esse processo
não é realizado desta forma na prática. Ressaltou a necessidade de a curadoria servir a
diferentes públicos, com diferentes níveis de compreensão, afirmando ser essa a função do
trabalho “pedagógico”, por exemplo, pensando a adequação de textos aos diferentes públicos,
mas disse que, apesar disso, já houve muitos conflitos em que se afirmou que “museu não é
escola”, o que ele reitera, citando Bourdieu e Darbel (2003) e Margaret Lopes (1991).
Apresentou as salas da Galeria do Século XIX e suas obras, informando sobre seus
recortes e a metodologia da curadoria e destacando que ela é o coração do museu, por conter o
acervo de herança da Academia de Belas Artes. Exibiu as duas salas iniciais como
representantes do período colonial, informando que a curadoria é feita respeitando a
cronologia da história da arte brasileira e não temáticas, como, na sua opinião, seria melhor,
por ser mais didático (por exemplo, retratismo, naturezas mortas, paisagens etc.) e questionou
se seria possível qualquer visitante perceber essa ideia curatorial apenas vendo a disposição
das obras, sem a mediação de um educador.
O educador apresentou temáticas, técnicas, autores, estilos e características estéticas
das obras em exposição, problematizando a história da arte brasileira e as tradições
expositivas do museu. Destacou algumas ausências e apresentou propostas alternativas de
organização curatorial, que segundo ele seriam melhores para a compreensão do público.
Afirmou que é comum professores não saberem como iniciar uma visita à Galeria, que ela
assusta pelo tamanho e que uma recomendação seria não apresentarem tudo e ainda explicou
como considera importante fazer uma visita prévia ao museu para selecionar recortes
possíveis para a visita (artistas, temas, indumentária, poder etc.). Segundo ele, isso não vale
apenas para professores, mas para educadores de qualquer espaço. Os participantes fizeram
perguntas sobre recortes e metodologias usados nas visitas. O tom da atividade é dialógico.
Um participante fez uma intervenção sobre o uso da obra de arte como um meio e não
como um fim, durante as visitas e o educador aproveitou a participação para destacar que
museus e escola têm diferentes potencialidades educativas e que, no museu, é possível fugir
às formalidades da sala de aula, que é um laboratório de experiências estéticas. Em seguida,
realizou algumas atividades de observação e análise de obras expostas, apresentando questões
cognitivas e também críticas, relacionadas ao contexto e ao significado social, político e
cultural de algumas obras.
O educador ressaltou que há muitas informações sobre o acervo e as obras expostas
que não estão presentes em legendas, textos de parede e que não podem ser apreendidos pela
141
observação e experiência estética. Nesse momento, uma participante destacou que “tudo
termina sendo muito estético” na forma como a exposição é montada, remetendo a uma
apresentação que seria mais formal e menos conteudista. A visita encerrou-se com uma fala
do professor da EBA, apresentando referências que poderiam apoiar o estudo sobre o acervo e
a elaboração das ações educativas. Os educadores do museu fizeram uma breve avaliação da
atividade com o grupo, questionando se saíram dali com um novo olhar sobre o acervo,
recebendo respostas afirmativas.
No quarto encontro do projeto, foram apresentadas as propostas de ação educativa no
museu elaboradas pelos participantes. De maneira geral, com diferentes abordagens e
metodologias, as atividades centraram-se em propostas de observação das obras. Durante as
apresentações, os educadores fizeram comentários sobre as propostas, seus conteúdos e
metodologias, ressaltando a importância da definição de objetivos e do embasamento teórico
conceitual. Destacaram a importância de criar elos com os visitantes, como, por exemplo, a
partir do uso de tecnologia, muito presente nas escolas e no cotidiano de jovens e estudantes
na atualidade. Levantaram a importância de que nas atividades os visitantes tenham papel
ativo e criativo e sejam convidados a elaborar o máximo possível, a partir de diversas formas
de expressão.
A segunda ação observada foram duas visitas mediadas, uma feita com um grupo de
estudantes do curso profissionalizante de turismo do Serviço Nacional de Aprendizagem
Nacional (Senac) e a outra feita com um grupo de estudantes do ensino médio do Colégio de
Aplicação da Universidade do Vale do Itajaí (Univali).
A visita com o grupo do curso de turismo iniciou-se com o educador falando que faria
uma visita que apresenta os conteúdos e métodos de uma visita feita pelos educadores do
museu, para que os estudantes tenham exemplos de como atuar na qualidade de guias de
turismo, comentando que as visitas são para apresentação do museu inteiro, com o recorte
feito pelo setor educativo, a não ser que haja uma demanda de recorte do grupo visitante.
Informa que o tema da visita, que será sobre a Galeria do Século XIX, principal chamariz do
acervo. Ele observou que um dos estudantes estava sem uniforme e falou sobre a importância
da identificação dos grupos durante a visita.
O educador apresentou a proposta curatorial do espaço, apontou para elementos de
funcionamento da exposição, como as legendas e as faixas amarelas que ficam em torno de
algumas obras e não devem ser ultrapassadas, falou sobre a estrutura do prédio, que falta
conforto aos visitantes, por exemplo com um sistema de refrigeração que não dá conta da
magnitude arquitetônica do museu, quando funciona, seguindo para uma apresentação da
142
demandado atenção, pois em muitas visitas são feitas perguntas sobre ela e uma das tarefas da
Seção Educativa é estudá-la.
Parando em frente à tela Batalha dos Guararapes para análise de seu conteúdo
histórico, o educador comentou sobre educar o olhar na observação das obras de arte, para que
se possa ver e sentir a obra. Comentou que uma obra de arte tem muitas facetas e pode ser
trabalhada pelo viés da literatura, da filosofia, e outros mais.
Ao despedir-se do grupo convidou-os a voltar, com mais tempo, falou sobre como
cada visita desenvolve um olhar diferente sobre as obras e o museu.
Destaque-se que participaram dessas atividades, como educadores, dois profissionais
da Seção Educativa, o professor da EBA e um pesquisador e curador do museu, que cumpriu
papel educativo ativo, ministrando uma palestra com narrativa histórica e conceitual, seguida
de uma visita mediada, que foi ao mesmo tempo dialógica e informativa e ilustrou o que foi
apresentado na palestra. Estiveram em evidência diferentes concepções de educação, sem que
nenhum conceito, concepção ou orientação institucional fossem oficialmente explicitados.
Como não há nos documentos institucionais uma linha teórica ou conceitual predefinida, ou
estabelecida, os conceitos e concepções de educação que puderam ser identificados durante a
observação das atividades são demonstrações da percepção e atuação individual de cada
profissional envolvido. Contudo, foi possível perceber algumas convergências.
O Centro Cultural Banco do Brasil foi fundado em 1989, no Rio de Janeiro, no prédio
histórico inaugurado em 1906, para abrigar o pregão da Bolsa de Fundos Públicos, passando a
ser, em 1920 a sede do Banco do Brasil e posteriormente as agências Centro do Rio de Janeiro
e Primeiro de Março. Seu projeto foi elaborado em setembro de 1987, com o apoio de um
convênio de cooperação técnica realizado entre o Banco do Brasil, a Fundação Pró-Memória e
as Secretarias de Cultura do Estado e do Município do Rio de Janeiro. Foi montado um Grupo
de Trabalho com a finalidade de fazer um levantamento técnico para auxiliar na elaboração do
projeto (CCBB, 1990). De acordo com Francelino Pereira, vice-presidente do Conselho
Administrativo e diretor de administração, em discurso proferido no Comitê Coordenador de
Recursos do Banco do Brasil, em março de 1990, valia lembrar que o Centro não atuava
isoladamente no contexto cultural do Rio de Janeiro e desde sua implantação, seus dirigentes
já participavam de reuniões com administradores de entidades culturais cariocas, visando
harmonizar procedimentos, políticas e diretrizes comuns na planificação da programação
144
cultural da cidade (CCBB, 1990). Havia uma preocupação em criar um espaço já articulado
ao então novo corredor cultural carioca e que estivesse afinado com as mais recentes políticas
públicas culturais.
Neste contexto, posteriormente, a equipe responsável pela implementação do Centro
Cultural, ligado ao Departamento de Marketing e Comunicação do Banco do Brasil, foi
formada por seleção entre os funcionários do próprio Banco (MENDONÇA, 2017, p. 24). Os
objetivos da instituição se integravam aos dos recentes centros culturais criados por todo o
mundo, a partir da inauguração do Centro Cultural Georges Pompidou, em 1975, em Paris:
oferecer num mesmo espaço, acessível e plural, diferentes formas de manifestações artísticas
e culturais, como exposições, teatro, cinema, apresentações musicais, com uma programação
barata ou até mesmo gratuita, visando à conquista de novos públicos, geralmente não
habituados a frequentar museus e galerias (DABUL, 2008, p. 258-259). Esses objetivos
estavam ligados a uma estratégia de marketing que terminaram tornando o CCBB uma
referência no campo da cultura e do desenvolvimento de ações educativas:
Assim foi criada uma programação que ocupou quase todo o prédio e envolvia todos
esses tipos de atividades. Em 2003, após a consideração da opinião de funcionários do Banco,
que não reconheciam o Centro Cultural como um espaço de memória institucional, foi
inaugurado no prédio o museu, com peças e documentos históricos e objetos doados pelos
funcionários, com o fim de preservar a história institucional (MENDONÇA, 2017, p. 30).
O banco já possuía um acervo museológico, proveniente do Museu do Banco do
Brasil, fundado em 1955. Este museu já havia elaborado um Programa Educativo que contava
com diversas atividades: exposições periódicas no salão do museu; exposições itinerantes;
publicações sistemáticas; organização de encontros culturais, tais como palestras,
conferências, seminários, cursos, filmes educativos, slides comentados; concursos culturais;
visitas guiadas às exposições; assistência cultural; trabalhos de pesquisa histórica;
organização de exposição permanente sobre o Brasil; serviço de relações públicas e
145
Contando com esse legado, o CCBB já nasceu com a missão de democratizar a cultura
e também com uma preocupação com o potencial educativo do espaço.
Apesar dessa preocupação, a falta de pessoal implicou limitação das ações educativas
oferecidas pelo CCBB, o que rapidamente foi contornado com a ampliação da atuação do
Programa Educativo.
demanda de ações educativas colocadas pelo seu público. A primeira iniciativa neste sentido
foi a criação de um Projeto Educativo que tinha como foco o atendimento a escolas:
a fonte de onde são extraídas as temáticas das ações educativas e eventos criados e
realizados pelo CCBB Educativo. Assim, convidamos famílias, grupos escolares,
educadores, terceira idade, ONG e pessoas com deficiência a descobrirem conosco
os diversos sentidos presentes nas artes e em outros saberes (CCBB, 2018).
Entre 1990 e 2011, uma série de profissionais liberais e empresas ocupou a gestão e
realização das atividades do Programa Educativo. As formas de contratação variaram: após a
seleção de funcionários do próprio banco no período inicial, foram realizados contratos com
empresas terceirizadas. Entre 2006 e 2018, a gestão do Programa Educativo era realizada pela
empresa Sapoti Projetos Culturais46, que permaneceu pelo período mais longo na gestão das
ações educativas do Centro, em suas quatro sedes47. Entre 2006 e 2010, o vínculo entre a
empresa e o Centro Cultural era feito por meio de contrato de serviços. A partir de 2011 e até
2018, essa vinculação passou a ser feita por meio de editais com a inscrição de projetos na Lei
Rouanet. Em 2018, a Sapoti dá lugar ao Jaca48, coletivo que ganhou o processo licitatório e
estreará sua atuação na instituição. Nesta pesquisa, analisamos atividades do Programa CCBB
educativo realizadas na gestão da Sapoti.
45
<http://culturabancodobrasil.com.br/portal/categoria/eventos/programa-educativo/?ccbb=RJ>.
46
<http://www.sapotiprojetos.com.br/index.html>.
47
O CCBB tem unidades no Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília e São Paulo.
48
<http://www.jaca.center/>.
147
A elaboração das ações é feita pela equipe de conjunto e conta com a contribuição de
cinco grupos de pesquisa: acessibilidade; pequenas mãos (ações voltadas para o público
infantil); artes cênicas; artes visuais e música. Os grupos estudam e elaboram atividades
relacionadas aos seus temas e, em momentos de elaboração coletiva, é montada a proposta
educativa de cada exposição recebida pelo CCBB. Todos os educadores participavam de pelo
menos um grupo de pesquisa.
Um espaço para estar “entre muitos”. Estar entre muitos nos coloca na posição de
quem também há de viver uma experiência, potencializando-as aos outros. Nesse
sentido o educativo não está voltado somente para o público que atende, mas
também para a coordenação e equipe de educadores com quem trabalha. Numa
mediação, entretanto, um dos principais conceitos do nosso trabalho, estamos
atentos às falas, ao silêncio, ao que é desvelado e velado, aos conceitos e repertórios
que ditam os gostos, os modos de pensar, perceber e deixar-se envolver ou não pelo
con-tato, com a experiência de conviver com a arte. Um educativo nos exige
sensibilidade inteligente e inventiva para pinçar conceitos, puxar fios e conexões.
Provocar questões, impulsionar para sair das próprias amarras de interpretações
reducionistas, lançar desafios, encorajar o levantamento de hipóteses, compartilhar
49
Disponíveis em: <https://issuu.com/sapotiprojetosculturais>.
50
Os autores listados são: Hélio Oiticica, John Dewey, Elliot Eisner, Imagol Aguirre, Jorge Larrosa
Bondía, Vygotski, Mirian Celeste Martins, Ana Mae Barbosa, Marina Marcondes Machado, Bruno Munari,
Herve Tullet, Graça Ramos, Émile Jaques Dalcroze, Tizuko Morchida, Rachel Mason, Maurice Merleau-Ponty,
Gaston Bachelard, Cayo Honorato, Virginia Kastrup, Viola Spolin, Augusto Boal, Amadou Hampaté Bá, Paulo
Freire, Robert Willian Ott, Abigail Housen, Michael Parson, Donald Winnicott, Denise Grinspum.
150
Algumas obras, autores e seus conteúdos são citados, entre eles: Pedagogia da
autonomia, de Paulo Freire; Acessibilidade estética, de Camila Alves; Objetos-relacionais, de
Lygia Clark; Romance-em-cena, de Aderbal Freire Filho; Teatro-Fórum, de Augusto Boal;
Narratividade popular, de Silvio Romero e Câmara Cascudo; Educação perguntadora, de
Cayo Honorato. Um conjunto de ações é explicitada como sendo parte também das diretrizes
do CCBB:
Tendo recebido convite para participar desta atividade e também para analisar o
Projeto Pedagógico, obtivemos o documento, o que nos possibilitou fazer algumas
observações.
Primeiramente51, analisando o contexto geral de elaboração do documento, faz-se
necessário pontuar que a Sapoti, construiu um Projeto Pedagógico, num momento em que não
havia exigência em termos de políticas públicas ou institucionais para tal, apenas uma
discussão sobre o assunto realizada no âmbito da construção da PNEM. Até então, segundo a
coordenadora geral do Programa Educativo e responsável pela empresa, as ações educativas
eram muito mais baseadas em uma experiência prática, que incluía reflexões teóricas muito
51
FORA TEMER!
151
ligadas ao perfil de cada coordenação dos quatro CCBBs existentes, mas sem uma
sistematização prévia.
Ter realizado uma atividade aberta para discutir e aprimorar o documento foi também
um ponto positivo e está de acordo com o que está explicitado no documento e em
conformidade com o quarto princípio e as diretrizes 1 e 2, do Eixo I – Gestão, da PNEM. O
documento apresenta a interdisciplinaridade como concepção desde a teoria até a prática. O
texto sintético e claro, tem entre suas diretrizes fundamentais a elaboração de atividades que
se baseiem na pedagogia da pergunta, na participação ativa dos visitantes e numa interação
transformadora. A arte aparece como ponto de partida para o estabelecimento da conversa-
experimentação: partir de si para chegar a teorias, pesquisas e conceitos. A arte está presente
como ponte para a construção coletiva do conhecimento. A cultura é entendida como lugar de
resistência. O documento apresenta um olhar múltiplo, voltado para a formação do público e
dos educadores (formação enquanto educação e não somente como aumento de público), por
meio da pesquisa e da prática educativa cotidiana, buscando a autonomia do visitante e a sua
frequência cotidiana ao espaço.
Alguns pontos do documento nos parecem merecer uma reflexão maior. Seu formato
não é acadêmico, mas alguma base referencial poderia ser apresentada para citações, que
aparecem sem referência, ou indiretamente, sem relacionar-se com obras ou teorias gerais.
Neste sentido também seria necessário utilizar um formato para as referências finais que
apresentasse as obras consultadas ou citadas na construção do texto. Outro ponto que nos
chamou a atenção pela ausência foi a falta de objetivos explícitos e, em consequência disso,
de indicadores de avaliação e de suas ferramentas de execução. Entre os objetivos
apresentados na atividade do dia 30 de novembro de 2016 estavam: afetar o público; provocar
o seu retorno, a reflexão, o olhar sobre o outro e o incentivo a perceber-se ao lado do outro.
Ao solicitarmos à equipe da Sapoti informações sobre referências para a elaboração
das suas ações e do Projeto Pedagógico, foram enviados alguns textos de referência e
produzidos pela empresa para apresentações e publicações: “A Criança é Performer”, de
Marina Marcondes Machado; Notas sobre a experiência e o saber de experiência, de Jorge
Larrosa Bondía; “CCBB Educativo Brasília: as histórias que constroem mediação”, texto para
apresentação da coordenadora pedagógica Karen Montija e a coordenadora de produção
Natália Vinhal do CCBB Educativo DF à Residência no Centro de Referência de Educação
em Museus do Museu da Língua Portuguesa; “Acessibilidade cultural: a criação de outros
modos de ver e não ver no espaço do Museu”, de Camila Araújo Alves; “Museu de Portas
152
Por sugestão da Sapoti, observamos um conjunto de atividades que, de acordo com sua
equipe, poderia nos dar um panorama das concepções de educação e das metodologias
utilizadas pela empresa na realização das ações educativas. Como é possível no Apêndice,
entre setembro e outubro de 2016, acompanhamos as seguintes ações: Laboratório da
exposição Pós-impressionismo; visitas mediadas com grupos diversificados (Ensino
Fundamental, Grupo de Acessibilidade em Autismo e Ensino Médio); Projeto Arte em Cena –
Visita Teatralizada; Projeto Música em Cena; Encontro com Professores e uma visita de
formação com os educadores, mediada pelo curador da exposição Mondrian e o movimento de
Stjil.
A primeira ação observada foi o Laboratório Livre, ligado à exposição Pós-
Impressionismo, em cartaz em 2016. Realizado no espaço do CCBB Educativo, no primeiro
andar do Centro Cultural, o laboratório é alterado de acordo com a exposição em cartaz, a
cada três meses. Esta edição apresentava um circuito com cinco estações de atividades, com
foco em diferentes faixas etárias: um espaço para recepção, com jogo de dados, com cores e
tarefas diferentes colocadas em cartões lidos pelos educadores; pintura com plástico bolha e
bolinhas de sabão para crianças pequenas; mesas de luz com bolinhas de gel coloridas para
fazer desenhos; produção de fantoches com papel colorido e colagem; apresentação teatral e
contação de histórias com os fantoches produzidos. O espaço, todo caracterizado com
153
referências às obras expostas, tinha, como conteúdo de suas atividades, temas e técnicas
ligados às obras da referida exposição.
O público majoritário da ação foi de famílias acompanhadas de crianças e
adolescentes, e muitos deles ainda não tinham visitado a exposição, o que, segundo os
educadores, é bastante comum. O laboratório serve também como um estímulo aos visitantes,
para que visitem as exposições e que possam conhecer um pouco mais sobre elas antes da
visita. Uma das supervisoras explicou que quando o espaço fica vazio os educadores vão ao
hall do CCBB buscar visitantes e que nem sempre eles estão lá para visitar as exposições,
mas, por vezes, são convencidos disso. Nas atividades, são oferecidos materiais de consumo,
como tintas, diferentes suportes, aventais, e materiais educativos, como os livretos produzidos
para as exposições. Nas atividades sobre a exposição Pós-Impressionismo, os educadores
ficaram no espaço à disposição dos visitantes que chegavam, mas não atuaram diretamente
com todos, apenas com aqueles que os demandaram. O Laboratório é também um espaço de
livre-experimentação. Algumas das atividades podem incluir uma interação mais demarcada,
como a apresentação de pequenas peças teatrais ou a realização de jogos. O projeto oferece
um espaço para realização de atividades lúdicas, mediadas ou autônomas, que pretende
instigar o público a visitar a exposição e conhecer melhor seus conteúdos. São abordados
conteúdos históricos, estéticos, estilísticos, temáticos, técnicos, relacionados às obras e à
exposição.
A segunda ação que observamos foi uma visita teatralizada, que ocorre em todas as
exposições, em horário fixo duas vezes por dia, durante as exposições, e conta com
educadores caracterizados de acordo com algumas das obras expostas. Esses educadores
iniciaram a atividade com um cortejo pelo hall do CCBB e, em seguida, percorreram os
espaços expográficos, eventualmente fazendo performances e chamando a atenção dos
visitantes, que muitas vezes interagiram com eles. Fizeram jogos com alguns visitantes,
sugerindo que encontrassem as obras as quais suas performances se referiam. Foram
fotografados, responderam perguntas, posaram diante das obras referenciadas com sua
indumentária. Alguns visitantes param para conversar e trocar informações sobre as obras e a
exposição. Um dos visitantes relatou ter sentido um acolhimento carinhoso com a atividade,
que durou cerca de meia hora.
Em seguida, observamos três visitas mediadas com dois grupos escolares e um grupo
identificado pelo programa como sendo “de acessibilidade”. Todas as visitas começaram da
mesma forma, com uma recepção no hall e uma curta conversa com o grupo, em que foram
feitas a apresentação da atividade, da temática da exposição e das regras de utilização do
154
espaço. Os responsáveis pelos grupos foram sempre consultados sobre o tempo de duração da
visita e a necessidade de enfoque temático, além de terem sido convidados a participarem da
mediação. Os visitantes foram convidados a um exercício de observação e análise de obras e a
perguntarem sobre os assuntos que tiverem vontade.
Os educadores falaram sobre o espaço do CCBB e o que o compõe, sobre as diferentes
atividades ali realizadas, sobre a história do Banco do Brasil e foram colocadas em discussão
algumas ações esperadas durante a visita, no que diz respeito à convivência com outras
pessoas, com as obras e sua experimentação. Depois da introdução comum, cada educador fez
a visita de acordo com seus pontos de vista e metodologias e foi possível observar
especificidades ligadas às suas diferentes formações que eram nos campos das artes cênicas e
visuais, da música, da pedagogia e da história. Sempre que possível a visita foi feita por dois
educadores, de maneira que os grupos pudessem ser divididos e não ultrapassassem o número
de 15 pessoas. Alguns educadores abordaram temáticas relacionadas às suas próprias
experiências, outros demandaram mais uma interação do público, mas todos seguiram, a sua
maneira, um roteiro preestabelecido, de apresentação da proposta curatorial, de obras icônicas
selecionadas, seus contextos de produção e sua autoria.
Na abordagem das obras, identificamos a intenção dos educadores em estimular a
realização de perguntas e a explicitação dos conhecimentos dos visitantes sobre arte,
relacionando-os com questões cotidianas e contemporâneas. Foram abordados, de maneira
geral, conteúdos estéticos, históricos, contextuais, estilísticos, técnicos sobre as obras, seus
autores e movimentos artísticos. Algumas mediações incluíram a experimentação das obras a
partir de diferentes aspectos cognitivos e sensíveis, como a pergunta sobre que sons, cheiros e
gostos algumas obras faziam lembrar. Algumas vezes, a mediação foi interrompida, pois o
espaço expositivo estava muito cheio e os grupos terminavam conversando e dispersando-se.
Em todos os casos observados, identificamos a adequação da fala dos educadores às
características dos grupos.
Por fim, observamos duas visitas realizadas pelo curador da exposição Mondrian e o
movimento de Stijl, com os educadores do Programa, com a finalidade de fazer uma formação
sobre os temas específicos dessa exposição, apresentando a proposta curatorial e a própria
história da exposição, que não era inédita e já havia sido montada em diversos países. Esta é
uma atividade que ocorre de acordo com a disponibilidade e a cooperação dos curadores,
embora sempre seja solicitada pela coordenação do Programa. Nem sempre existe vontade
desses profissionais em colaborar com a formação dos educadores das exposições temporárias
do CCBB.
155
da música que tocava na exposição, que servia para criar associações entre a obra do artista e
suas influências e que era mais um elemento a ter sua apreciação incentivada aos visitantes.
O curador já não podia continuar a visita, por ter outros compromissos, e por isso
disponibilizou seus contatos para o caso de dúvidas dos educadores e marcou nova visita para
a semana seguinte. As coordenadoras do Programa Educativo seguiram até o final da
exposição, fazendo observações e dialogando com os educadores. Em uma das salas, o
coordenador da montagem, que pertencia à equipe do curador, pediu para falar com os
educadores. Disse que a montagem estava aberta para recebê-los, porque acreditava que os
educadores são o mais importante da exposição, pois entram em contato com o público, com a
tarefa de apresentar tudo, mas que geralmente sua participação é deixada para depois, quando
já está tudo pronto. Ele falou sobre o processo de montagem, sobre aspectos técnicos e se
colocou à disposição para esclarecimentos e visitas.
Na visita seguinte, o curador continuou a apresentação da exposição por salas,
seguindo o percurso sugerido pela proposta curatorial. Falou que havia vários níveis de
informações na exposição, para atender públicos com diferentes conhecimentos e
compreensões sobre o tema, que os educadores deveriam explorar essas diferentes
ferramentas. Seguiu dizendo que a exposição era didática e que a experiência com o público
em outros países foi boa, que os educadores deveriam estar ali para deixá-la mais prazerosa,
que permitissem aos visitantes não precisarem ler para ter informações, dado o curto tempo
que alguns dispõem, mas afirmou que a ideia da curadoria foi a de que um visitante sozinho
conseguisse entender a proposta e os conteúdos ali presentes.
Em seguida, tratou de estruturas, ferramentas e suportes usados para manter
preservadas as obras, que viajavam muito, por diversos países e cidades, nessa exposição que
já rodou o mundo.
Passando da parte que continha as obras de Mondrian e para a que mostrava o
Movimento de Stijl, seus artistas, obras e aspectos do cotidiano que eles influenciaram, o
curador chamou a atenção para a importância de se falar sobre o título da exposição, para
permitir ao visitante maior compreensão do todo. Seguiu apresentando as peças expostas, as
ferramentas de interação, tratou sobre aspectos da sua conservação e explicou como foi
pensado o percurso e a partir dele onde se posicionaram portas e aparelhos de ar
condicionado, tudo pensando em promover um acondicionamento para as obras que
permitisse um menor prejuízo a conservação.
Entre ferramentas interativas, instalações e obras de arte bastante populares, um dos
educadores falou, sem que todos ouvissem, que não faltaria entretenimento na exposição, que
157
O Museu Nacional de Soares dos Reis, localizado na cidade do Porto, tem sua origem
no Museu Portuense, fundado em 1833, por decreto do regente Dom Pedro IV (Dom Pedro I,
no Brasil), que foi o primeiro museu de artes de Portugal.
O então recém-fundado museu continha um acervo coletado após o confisco de bens
da Igreja e dos absolutistas e por outros meios e, assim como o MNBA, tinha finalidades
pedagógicas definidas desde a sua fundação, por meio da relação com a Academia Portuense
de Belas Artes, fundada em 1836.
João Baptista Ribeiro, foi seu organizador e primeiro gestor e,
mudança, além do foco no próprio acervo, o museu passou a ter a história institucional e
arquitetônica como parte dos conteúdos a serem tratados nas suas ações educativas.
Sendo um dos museus mais antigos do país, o MNSR passou por diversas
transformações desde o século XIX até os dias atuais, sempre mantendo a sua função
educativa como parte importante de sua constituição.
Desde 1952, o MNSR é responsável pela administração também do Museu Casade
Fernando de Castro, originado no espólio deste colecionador, que tinha como desejo a criação
de um museu a partir de sua coleção particular, o que foi concretizado mediante doação de sua
irmã, sua herdeira direta, para o Estado.
A Lei de Quadros dos Museus Portugueses não obriga as instituições museais a terem
um documento como o Plano Museológico, com programas, missão, metas, e que está
presente entre as obrigações listadas pelo Estatuto de Museus do Brasil. O Museu Nacional de
Soares dos Reis, por sua vez, não possui um documento como esse, nem algo semelhante que
apresente concepções de educação e referenciais teóricos para elaboração das ações
educativas da instituição. O que o MNSR elaborou nos últimos anos, e está aguardando ainda
oficialização, é um Regimento Interno, que tem entre seus artigos um dedicado à educação.
Tivemos acesso parcial a este documento e reproduzimos a seguir, em fragmentos
comentados, o referido artigo:
Artigo 3º - Educação
a) Toda a acção do Museu tem uma componente educativa, na qual intervém todo o
pessoal do Museu e ainda colaboradores externos, sempre que oportuno. Por isso é
essencial que o Museu tenha uma Política de Educação, que será alvo de documento
próprio (MNSR, 20--a).
Vemos no item “a)” que a criação de uma Política de Educação, é apontada como
ferramenta essencial para o desenvolvimento das ações educativas, o que está em
conformidade com o item 4.1 do Documento de Recomendações (DR) elaborado no Encontro
Serviços Educativos em Portugal: Ponto da Situação, organizado pelo ICOM Portugal, em
2011, e por nós analisado no capítulo 2. É importante destacar que a ação educativa é
entendida como tarefa de todo o pessoal do museu, o que condiz com a atual realidade dos
profissionais nela envolvidos, no MNSR, e espelha-se na própria orientação legal, que desde
2001, com o Decreto-Lei no 55, extinguiu o cargo específico de monitor sob
h) As visitas de grupo têm a duração máxima de 1h 30m, à excepção das visitas com
actividades ou oficina. Os grupos escolares terão o máximo de 15 participantes por
grupo, acompanhados por um monitor ou professor responsável. Os grupos de
ensino pré-escolar terão no máximo 10 participantes, acompanhados por um
162
Além do Regimento Interno, ainda não oficializado, o MNSR não apresenta outros
documentos. Apesar disso, é possível identificar concepções de educação em materiais
educativos, em frases estampadas nas paredes do espaço dedicado ao Serviço Educativo e em
alguns materiais produzidos para ações específicas.
Na antessala que leva para o espaço onde realizam-se oficinas, podem ser vistos a
seguinte frase “Ver, interpretar, comunicar…” e também o seguinte trecho:
O Serviço de Educação do Museu Nacional de Soares dos Reis nasce em 1961 com
o objectivo de Educar, desenvolver as capacidades de ver, interpretar, comunicar.
Sempre a partir de objectos, em visitas orientadas, oficinas, programas à sua medida
e com as novas tecnologias, viajamos pelo património artístico. Aceitem o desafio.
52
Os materiais educativos estão disponíveis no endereço: <http://www.museusoaresdosreis.gov.pt/pt-
PT/servico_educacao/materiaisdeapoio/ContentList.aspx>.
163
relação com as obras; comparar obras; perceber o bem-estar e o conforto das crianças, com
atenção para sinais de desgaste; não ver tudo de uma vez só e realizar outras visitas. No
material, afirma-se que em arte não existe certo ou errado, que as crianças devem ser
estimuladas a dizerem o que sentem, sendo elogiadas pelas suas percepções. O texto conclui
as orientações colocando:
Peçam aos vossos pais para verem convosco as obras de arte que vocês mais gostam.
Não toquem nas peças do museu. A humidade das mãos estraga as obras de arte.
As orientações dadas tanto para pais quanto para filhos sugerem um roteiro prazeroso,
que respeite o nível de complexidade e compreensão que cada visitante pode ter com as obras
e o espaço do museu, apontando para o seu desenvolvimento e aprendizado (“O conhecimento
e compreensão sobre a arte aumentarão com futuras visitas e leituras!” “Vocês verão coisas
que eles não notaram”).
O papel da observação e o estímulo à apreciação das obras por meio do uso dos
diversos sentidos, como visto nos textos de parede da sala do Serviço Educativo, são também
marcas entre as orientações dos materiais educativos e algo que se repete nas ações
observadas nesta pesquisa.
Os demais folhetos vão além das orientações sobre como realizar a visita. Apresentam
conteúdos históricos, técnicos, estéticos, sobre o museu, seu prédio, seu patrono e suas obras.
Contém propostas de atividades para serem realizadas antes, durante e depois das visitas. Por
164
meio de sugestões sobre como observar as obras, destaca elementos técnicos, cognitivos,
sensoriais, subjetivos.
O guião “Bem-vindo ao Museu Nacional de Soares dos Reis” propõe, por exemplo,
que, ao observar uma escultura, os visitantes procurem por elementos estéticos, informações
técnicas, que pensem sobre forma, mensagens possíveis, que analisem as expressões dos
personagens, que procurem por manchas na obra que indiquem a interação física do público
com o material utilizado, e no fim, por meio de um poema, o visitante expresse sua relação
com a obra observada. No fim do material, sugere-se que o visitante observe praças, jardins e
edifícios da cidade, para exercitar sua capacidade de observação, estendendo para fora do
museu o aprendizado nele obtido ou desenvolvido.
“Comer, Beber e Crianças” apresenta recortes temáticos da exposição de longa
duração do museu, contendo também orientações para pais e educadores e propostas de
atividade por grupos etários. As orientações vistas no folheto para famílias se repetem, a fim
de orientar a visita, mas deixando claro que as propostas ali contidas são apenas sugestões e
que não existe certo ou errado no desenvolvimento das atividades que possam surgir no
percurso. O centro das atividades está também na observação das obras de arte, sua
contextualização e aprendizado de informações técnicas, estéticas e históricas.
No folheto do projeto “Pela arte… restaurar memórias, desenhar sorrisos”, projeto
realizado em uma parceria entre o Museu Nacional de Soares dos Reis e o Serviço de
Psicogeriatria do Hospital de Magalhẽs Lemos, elaborado pelas responsáveis pelo projeto no
Hospital, estão listados os seguintes objetivos: (1) promover a integração social dos
participantes na comunidade; (2) estimular as funções cognitivas e as competências sociais
através do contato com a arte; (3) contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos
participantes.
Apesar de não possuir um documento oficial que apresente uma proposta pedagógica,
com referenciais e conceitos explícitos, o MNSR tem uma equipe que utiliza, de maneira
particular e pessoal, suportes teóricos para a elaboração das atividades que realiza. Quando
interrogada sobre quais seriam esses referenciais, uma educadora indicou autores como Falk e
Dierking, Eilean Hooper Greenhill, George Stein, os quais considera “clássicos”, e também
jovens pesquisadoras, como Inês Ferreira53.
53
Especificamente a dissertação intitulada “Criatividade nos museus: espaços entre elementos de mediação”,
defendida na Faculdade de Letras, curso de doutoramento em museologia da Universidade do Porto, em 2015.
165
Os oito participantes dessa ação, realizada no ano de 2017 (a ação é realizada uma vez
por ano), relataram nunca ter visitado o museu. Alguns deles eram vizinhas da instituição.
Entre os objetivos do MNSR, explícitos pelos mediadores das atividades, estão também a
divulgação das suas ações e do seu acervo, sua comunicação, democratização e a fidelização
de novos públicos.
Entre as três visitas que observamos, foram realizadas uma visita mediada, três
oficinas e o encerramento do projeto, com autoavaliação, retrospectiva e confraternização.
A primeira atividade observada foi uma oficina de confecção de cartões de natal, com
recortes, texturas e materiais variados. As oficinas não têm necessariamente ligação direta
com as técnicas e os temas que podem ser observados no acervo do museu. O foco das
atividades práticas está em despertar habilidades manuais, exercitar a capacidade motora, a
imaginação e a criatividades dos participantes e sua sociabilização com o grupo.
Cada participante envolveu-se de acordo com seu ritmo e desejo, nas atividades e o
trabalho foi feito coletivamente. Quando perguntado sobre alguma técnica ou tema, o
mediador deu explicações e fez demonstrações. Tudo o que é produzido ao longo dos cinco
meses de duração do projeto fica no museu e é entregue aos utentes no final. O mediador
apresentou e demonstrou as atividades e, ao longo da oficina, as responsáveis do hospital
também orientam as ações dos utentes, sempre buscando envolver todos para que ninguém
ficasse sem atividade. Durante todo o tempo, o mediador ressaltou a importância da
individualidade (pessoalidade) da produção, da liberdade de produção, da decisão sobre o que
fazer depois com o que foi produzido.
Na semana seguinte, a ação iniciou-se com uma visita mediada pelo museu. A
mediadora levou o grupo para uma das sacadas do museu, no segundo andar, para
relembrarem como as visitas começaram, com ela explicando o que era a casa, antes de ser
museu, dizendo que hoje tudo é museu, relembrou as visitas às diferentes exposições e o que
eram cada um dos diferentes espaços. Falou novamente da história da casa, da época em que
foi construída e usada, das festas que nela ocorriam, dos donos da casa. Pediu para os
participantes que se imaginassem na casa neste período, falou que era diferente do museu,
perguntou como deveria ser. Entrou, então, na sala da coleção de porcelanas e pediu que a
acompanhassem. Pediu para fazerem uma viagem no tempo e se imaginarem na casa. Falou
sobre como funcionava a sociedade e a cidade há tempos passados, remetendo o tempo todo a
experiências e memórias vividas e conhecidas pelos participantes. Fez jogos de adivinhação,
pediu que contassem histórias e que imaginassem como eram os espaços da casa que virou
museu.
167
A mediadora falou sobre como se fez uma obra para adaptar a casa a ser museu.
Mencionou obras de restauração e adaptação, citou o exemplo do teto, que teve de ser
remodelado. Disse que, agora, uma das diferenças é que o que está exposto “é de todos” e está
na vitrine para exibição porque o espaço é já um museu. Ao falar sobre a decoração da sala,
das pinturas na parede, de como foram feitos os ornamentos em gesso, mencionou a técnica e
levou-os a pensar em como era a situação de quem trabalhou para fazer tudo, usando
andaimes, escadas etc.
O tempo todo, durante a mediação, a mediadora incentivou que fossem relembrados
aspectos do cotidiano dos visitantes, para que chegassem à conclusão do que eram as peças e
que usos tiveram. Apresentou as peças pelas suas características, levando-os a pensar sobre a
sua funcionalidade e a de seu design. Falou sobre materiais, técnicas de produção dos objetos
e suas histórias e uso e de musealização. Diálogos sobre a dinâmica da visita e sobre e o uso
de palavras e expressões nas explicações foram feitos ao longo de toda a visita, demonstrando
uma preocupação da mediadora em adaptar sua fala ao ritmo do grupo.
Foram apresentados aspectos da curadoria e a observação da obra de arte foi realizada
como ponto de partida para falar sobre os seus diversos desdobramentos temáticos, em
especial a suscitação de memórias e a criação de nexos entre o acervo e o cotidiano dos
participantes. Após a visita, os participantes seguiram com o mediador para mais uma oficina
em que continuaram realizando as atividades do encontro anterior.
Na última atividade da quarta edição do projeto, as peças elaboradas pelos
participantes foram finalizadas e receberam usos práticos (cartões foram escritos para seus
familiares, peças de cerâmica foram transformadas em colares e presentes de natal). Antes que
um almoço de encerramento fosse realizado, foi feita uma apresentação de vídeo com fotos
das atividades e as terapeutas, juntamente com o mediador do museu. E foi feita uma roda
para avaliação das atividades. Essa roda foi até então a única forma de avaliação da ação
educativa e é realizada e registrada pelas parceiras do museu.
Após minutos de silêncio e algum acanhamento, todos envolveram-se, dando suas
opiniões e relatando suas experiências. Foram unânimes em dizer que a ação deveria durar
mais tempo, que foi bom fazer amizades e estar fora do espaço do hospital e com a família,
que deveria haver no museu atividades permanentes com o mesmo conteúdo dessa visita.
As terapeutas disseram que as atividades são ótimas, mas, como em toda terapia, não
podem durar para sempre, que a partir de então eles deveriam buscar espaços como o museu e
atividades como essas em outros lugares, reproduzir em casa o que fizeram no museu.
168
série de conteúdos relacionados com o funcionamento do museu, sua história, seu patrono,
seu acervo e metodologias de elaboração curatorial, demonstrando haver uma base original
para a elaboração, por cada educador, de sua visita, de acordo com seu perfil de atuação.
Apesar disso, não nos pareceu que este conteúdo de base comum tivesse tido também
conteúdos pedagógicos preestabelecidos, ficando estes a cargo da disposição de cada um em
fazer da atividade uma ação educativa ou de entretenimento.
Em uma delas, identificamos uma metodologia mais comum em visitas guiadas, em
que o profissional buscou apresentar detalhadamente a proposta curatorial e as obras mais
relevantes da exposição, bem como descreveu ações típicas do cotidiano do museu, como a
pesquisa, a conservação e as relações interinstitucionais, enquanto na outra, o caráter de
mediação, de diálogo e de busca pelo interesse dos visitantes sobre os assuntos
potencialmente derivados da exposição, sobrepôs-se a um roteiro preestabelecido, e a
conteúdos predeterminados. Ainda assim, ambas as atividades contiveram abordagens
centradas na observação da obra de arte e sua contextualização e análise crítica. Foram
analisados aspectos estéticos, técnicos, históricos, curiosidades e, em diferentes medidas e
com diferentes formas, nas duas visitas, aspectos do cotidiano.
Um dos profissionais, explicitou, em alguns momentos, os objetivos da atividade e a
metodologia a ser utilizada na abordagem das peças, deixando livre para os visitantes dar o
rumo da sua fala. Disse, por exemplo, que a exposição era muito documental e que era preciso
contextualizar essa documentação. Chamou os visitantes a verem as peças e sentirem com
elas as características de um outro tempo, pedindo que viajassem no tempo para pensarem em
como era Lisboa na época em que as peças foram produzidas. Em seu percurso, remeteu a
sons e cheiros, a diferentes sensações para despertar nos visitantes a curiosidade e a
apropriação pelas obras. Comentou sobre como é mais fácil fazer leituras sobre uma época
quando se tem uma imagem para ilustrá-las, como no caso das obras em exposição, que
representavam uma ponte para a compreensão do passado. Sua mediação incluiu o incentivo à
participação do público, com relatos de histórias pessoais, com a realização de desafios e
dinâmicas.
Depois da observação das visitas noturnas, seguiu-se o acompanhamento de três
visitas realizadas com diferentes públicos: estudantes do curso de arqueologia da Faculdade
de Letras da Universidade do Porto (FLUP); estudantes de ensino médio, acompanhados por
professores de sua escola, que agendaram uma visita com o objetivo específico de tratar do
período da passagem do Naturalismo para o Modernismo na arte; e estudantes do ensino
170
fundamental. A última visita foi mediada por uma educadora autônoma e não por educadores
da instituição.
A visita com estudantes de arqueologia da FLUP teve como objetivo conhecer e
explorar o acervo de cerâmica do MNSR. Acompanhados de sua professora, foram recebidos
pela conservadora responsável pela curadoria e conservação do acervo de cerâmica exposto.
A professora apresentou a conservadora que faria a mediação com turma, afirmando que seria
uma oportunidade única que teriam de estarem com uma especialista, que detinha grandes
conhecimentos sobre o acervo do museu e sobre a história da cerâmica em Portugal.
A conservadora pediu que estivessem à vontade para fazer perguntas durante a visita.
Informou sobre as regras de conduta durante a visita e iniciou uma apresentação sobre o
acervo, seu recorte temporal, a história da constituição da coleção, da musealização das peças,
suas características estéticas, históricas e técnicas. Durante toda a visita, incentivou que os
estudantes fizessem perguntas, tentando estabelecer diálogos e buscando obter informações
sobre o nível de conhecimento da turma sobre os assuntos abordados, mas apenas em poucos
momentos conseguiu estabelecer essa interação. Ao fim da visita colocou-se à disposição dos
estudantes para realização de consultas e visitas futuras.
As demais visitas observadas tiveram como público estudantes da educação básica,
representando diferentes relações do museu com o universo escolar, um público
reconhecidamente relevante, tanto para as políticas públicas quanto para as instituições em
geral e para o MNSR especificamente.
A primeira delas foi realizada por uma professora de artes que atua como educadora
autônoma, em projetos que estrutura e apresenta para diferentes escolas na cidade do Porto.
Sua relação com a escola foi de profissional contratada por projeto e com os estudantes de
agente externa, que não vive o cotidiano da sala de aula, mas realiza um pacote de atividades
que inclui visitas ao MNSR e a realização de oficinas plásticas também no museu.
Sua relação com o MNSR se deu no âmbito do projeto Visita de Estudos, em que
profissionais da educação são incentivados a realizar visitas e atividades no museu, sem a
mediação de profissionais da casa. A educadora em questão começou alguns anos antes sua
parceria com o MNSR, inicialmente agendando visitas mediadas com os educadores do
museu, mas em 2017, passou a assumir de forma independente as atividades, usando o espaço
do museu para mediação e oficinas, mediante agendamento prévio junto ao Serviço
Educativo.
171
A visita que observamos foi a primeira de uma série que a educadora realizou com o
grupo em questão. Após recepcionar os estudantes no saguão do museu, seguiu para a sala de
exposição de esculturas, onde falou sobre o museu, a história, o seu patrono e o seu acervo.
Parando para observar uma escultura de Soares dos Reis, exposta na sala, sugeriu aos
visitantes uma dinâmica. Dizendo que estavam no museu para aprender a verem as coisas de
uma nova forma, disse que eles deveriam imaginar-se em uma sala, com um corredor
comprido, subindo uma escada, abrindo uma porta. Perguntou sobre como era a luz desse
ambiente, qual cheiro sentiam ao abrir a porta, que sons ouviam, que imagens viam, se
ouviam música, se alguém os acompanhava, se viam alguém na sala, o que estavam fazendo.
Seu intuito era despertar na observação da obra, diferentes olhares e interpretações, resgatar
memórias, fazer associações, desenvolver e estimular a percepção sensível do grupo.
O grupo era de crianças com a faixa etária em torno dos sete ou oito anos, que
constantemente a interrompiam e pediam para fazer perguntas aparentemente não
relacionadas ao conteúdo. A educadora por vezes os pediu para não interromperem, pois
haviam conteúdos importantes que ela gostaria de apresentá-los. Por vezes, também
direcionou as perguntas e respostas surgidas no diálogo.
Da sala de esculturas, onde fez apenas uma introdução ao acervo e ao método que
utilizaria para fazer a observação de outras obras, seguiu para a sala de exposição de obras
modernistas, em que o foco da atividade seria observar obras de um artista específico, cuja
obra estava sendo trabalhada em sala de aula, junto à professora da turma.
Já diante das obras de Eduardo Viana, repetiu o exercício, escolhendo responder
questões levantadas pelos visitantes de acordo com a orientação que queria dar para a
atividade. Observou duas obras do artista, destacando elementos biográficos, técnicos,
estéticos e históricos. Tratou de conteúdos teóricos e práticos, falando sobre a criação artística
e sobre o papel fundamental da liberdade e da imaginação para o seu desenvolvimento.
Estabeleceu um diálogo com os visitantes que permitiu explorar os conhecimentos deles sobre
as obras e o artista e estabelecer nexos entre esses conhecimentos e o cotidiano vivido por
eles.
Após o exercício de observação, pediu que fixassem mentalmente a imagem de quatro
elementos específicos da obra, os quais ela pediu para representarem depois da oficina
plástica. Já na sala de atividades do Serviço Educativo, distribuiu papéis, pincéis e tintas e
explicou a atividade. Os visitantes deveriam expressar com liberdade e imaginação o que
sentiram ao observar a obra, mas pintando e não falando. Ressaltou que deveriam reproduzir
pelo menos quatro elementos listados por ela, entre eles, obrigatoriamente dois e que, por
172
sugestão da mesma, não deveriam usar as mesmas cores que o pintor usou na obra original,
deveriam fazer um fundo e, por fim, deveriam pintar e não conversar, pois o tempo para a
atividade era curto. Durante a realização da pintura pelos estudantes, escreveu seus nomes no
papel, orientando que não pintassem por cima. A atividade foi encerrada devido ao tempo
escasso, pois os estudantes precisavam voltar para a escola.
Alguns dos conteúdos e metodologias explícitos pelos documentos, materiais e
práticas do MNSR foram identificados nesta atividade, porém consideramos que sua
aplicação representou algumas limitações institucionais e contradições pedagógicas.
Na tentativa de fazer a atividade caber em um tempo que era limitado, a educadora
terminou por contradizer e inverter na prática a lógica da produção artística que apresentou no
momento da visita. Estiveram presentes as dimensões da observação, interpretação e
comunicação sugeridas pelo museu, mas na prática a educadora não só direcionou a
expressividade das crianças, como a limitou.
Seria ideal que antes de realizar atividades de forma autônoma, os educadores
incentivados a fazê-las recebessem uma formação dada pelos educadores do museu. Apenas
participar das atividades, como esta educadora havia participado antes, não fornece aos
educadores e professores que pretendem realizar atividades autônomas, as ferramentas
teóricas e metodológicas para elaborar, realizar e avaliar atividades de Educação Museal.
Incorre-se numa aplicação mecânica do que foi vivido e observado.
Pudemos nos certificar disso ao acompanhar a visita seguinte, em que uma educadora
do MNSR recebeu um grupo do 12° ano para uma visita orientada e foi possível identificar de
onde veio a inspiração para a realização da atividade anteriormente analisada.
A metodologia para a observação de obras foi a mesma, porém desenvolvida com
muito mais liberdade e com muito mais incentivo à imaginação dos visitantes, que davam o
rumo da visita, mesmo que esta tenha sido de caráter orientado, contendo um conteúdo
previamente solicitado pela professora.
Durante essa visita, a educadora explicitou que o objetivo era os visitantes saírem dali
com um imaginário mais rico, que construíssem conhecimento, trocassem comentários,
mudassem individualmente, pois “somos todos diferentes” (sic.). Disse que também tinha
como objetivo apresentar o que mudou com o modernismo, que esse era o conteúdo que
balizaria todos os outros objetivos: que neste movimento o importante não era o que se via,
mas o que se sentia, além de haver uma tentativa de se encontrar um jeito pessoal de ser na
arte, de construir outras realidades e não só aquela perceptível aos olhos. Com isso, a
173
outras pessoas coletivas de direito público, como municípios, regiões autónomas ou empresas
públicas, mas também cooperativas, associações e/ou utilizadores dos bens e serviços
produzidos. Podem ser formadas apenas por membros públicos, mas, sendo assim, devem
estar abertas à sociedade civil. A previsão de criação e regulamentação das régis cooperativas
datam da década de 1980, em Portugal. Seu modelo de gestão assemelha-se a das
Organizações Sociais54, no Brasil. Seu objetivo é a execução de atividades de interesse
público, exercendo a função pública em áreas em que os serviços já não conseguem ser
totalmente cobertos pelo Estado ou entidades públicas regionais.
A Oficina – Centro de Artes e Mestres Tradicionais de Guimarães – é uma régis
cooperativa que faz a gestão dos aparelhos culturais do município de Guimarães55 e entre seus
objetivos estão:
Para cumprir essas finalidades, a cooperativa realiza, entre outras atividades de sua
programação, ações educativas elaboradas e coordenadas pelo seu Serviço Educativo, que
atende de forma centralizada às instituições que a compõem, formando uma programação
única e articulada.
Nesta pesquisa, investigamos ações educativas da Casa da Memória de Guimarães,
fundada em 2015, do Centro Cultural de Vila Flor, fundado em 2005 e do Centro
54
Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCivil_03/leis/L9637.htm>.
55
Sendo eles: Plataforma das Artes e da
Criatividade (PAC); Centro Internacional das Artes José de Guimarães (CIAJG); Centro Cultural Vila Flor
(CCVF); Casa da Memória de Guimarães (CCVF); Espaço Oficina (EO) e o Centro de Criação de Candoso
(CCC).
175
A Plataforma das Artes abriga o Centro Internacional das Artes de José de Guimarães,
um museu composto por obras de arte da coleção de seu patrono, artista natural da cidade, que
colecionou durante toda a vida peças de arte africana e produziu também tendo como
referência as experiências vividas nesse continente, onde passou parte da vida. Segundo seu
curador, Nuno Faria:
O Centro Internacional das Artes José de Guimarães é uma estrutura dedicada à arte
contemporânea e às relações que esta tece com artes de outras épocas e diferentes
culturas e disciplinas. Partindo de uma conceção da arte como espaço de experiência
e de liberdade, não submissa à categorização da história, da forma ou do estilo, tem
um particular interesse em questões que se tornaram importantes conceitos
operativos na arte contemporânea e no mundo atual, tais como: energia vs. forma,
conceção circular vs. linear do tempo, arqueologia do saber, nomadismo, migração –
de formas, motivos, ideias, pessoas, bens –, memória individual e coletiva,
hospitalidade, comunidade, troca, miscigenação, antropofagia cultural, utopia, entre
outras.
Uma Casa da Memória em Guimarães deve ser, antes de mais, um lugar onde nos
lembramos de e a partir de Guimarães. A memória da cidade enquanto território e a
memória das pessoas que escrevem a sua existência nesta cidade, em permanência
176
Guimarães, cidade onde Portugal foi fundado, tem potencial cultural e turístico
desenvolvido já há bastante tempo. Desde 2012, porém, esse potencial vem sendo cada vez
mais explorado, a partir de sua promoção como Capital Europeia da Cultura56. Nesse
contexto, a atuação da Régis Cooperativa A Oficina vem alargando-se no sentido de dar
suporte à criação e à estruturação de novos aparelhos culturais, como no caso do CIAJG e da
CDMG.
A Régis Cooperativa A Oficina foi criada em 1994 e tem seu estatuto publicado no
Diário da República, Série III, n° 128, de 3 de junho de 1994, tendo tido alterados seus
objetivos 1999 e em 201657. Seu organograma aparece em seu site e é o único lugar onde
conseguimos identificar a existência do Serviço Educativo, uma vez que sua estrutura
organizacional não consta do estatuto e não há um documento institucional que apresente sua
organização.
Cada instituição que investigamos foi criada em um momento diferente, tendo um
representante no Serviço Educativo, que é estruturado da seguinte forma: uma coordenadora
geral, responsável pela programação educativa e cultural das instituições e por sua
articulação; uma educadora na CDMG, uma educadora no CCVF, um educador do CIAJG e
uma educadora responsável por um projeto com as escolas do município de Guimarães. Cada
educador tem formação na área específica de cada instituição, sendo pedagogia, teatro e artes
visuais. Cada educador fica alocado em uma instituição e é responsável por coordenar equipes
de educadores contratados, que atuam nos espaços culturais de acordo com a demanda de
atividades que surgem ao longo do ano, com agendamento prévio realizado pelas instituições.
Esses educadores são responsáveis pela realização de mediação, elaboração de materiais
educativos e de ações educativas, participando periodicamente de ações de formação
remuneradas.
56
Iniciativa da União Europeia que tem o objetivo de promover uma cidade europeia, por um ano, em que essa
deve mostrar à Europa sua vida e desenvolvimento cultural, permitindo trocas e divulgação da cultura local nos
demais países europeus.
57
A documentação relativa à sua criação e à alteração de objetivos está disponível em:
<http://www.aoficina.pt/index.php>.
177
58
<http://www.aoficina.pt/index.php>.
59
<www.cm-guimaraes.pt>.
60
<https://issuu.com/guicul>.
61
<http://www.cm-guimaraes.pt/uploads/document/file/13355/Plano_Cultural.pdf>.
62
Disponível em: <https://issuu.com/guicul/docs/servi__o_educativo_programa_maio_a_>.
178
setembro a dezembro de 200663. É importante notar que essas publicações não estão
divulgadas de maneira difusa e não foram, por exemplo, indicadas pelas educadoras do
Serviço Educativo, como parte de um material que pudesse ser considerado diretriz para os
programas, projetos e ações do SE.
No Plano Cultural de 2018, item 2.5, Educação e mediação cultural, explicita-se uma
aposta renovada no seu papel transversal a ser revelada no pensamento, programação e
intervenção a partir desta temática no território. O documento aponta para que a estratégia
d’A Oficina pressupõe como objetivos:
definir um Plano de Ação, a curto e médio prazo, que esclareça uma linha de
pensamento sobre Educação e Mediação Cultural, no contexto da missão, da
intervenção, dos espaços, dos conteúdos e dos públicos da Oficina criar uma
dimensão ética a par de uma dimensão estética, para uma efetiva intervenção na área
da educação e mediação cultural; conhecer e estabelecer (ou reforçar) relações com
o território, as comunidades, as instituições, os agentes e as pessoas que possam
contribuir para um trabalho conjunto mais completo e complexo no contexto desse
projeto; criar uma oferta regular e diversificada para públicos distintos, alguns
identificados e outros a identificar; estabelecer ligações temáticas, artísticas e
estratégicas com outras propostas programáticas da Oficina; colaborar com artistas e
outros profissionais que possam criar e/ou desenvolver efetivas relações humanas,
criativas e territoriais, a partir da intervenção desse projeto, junto dos respectivos
públicos alvo; promover a discussão e reflexão em torno de questões ligadas à arte,
cultura, educação, infância e pensamento (CMG, 2018, p. 16).
A nova proposta do Serviço Educativo da Oficina (SE) surge no céu nocturno, onde
só aí pode ser totalmente reconhecível. Para a temporada 2016/2017, o SE propõe
uma programação que se desenha e descobre mediante os pontos de vista e desejos
de cada um, como acontece quando se observam as nuvens no céu ou as
constelações no universo.
63
O jornal estava disponível para acesso pelo site da CIAJG enquanto estivemos em Portugal. Recentemente,
buscamos suas edições novamente no site e não foi possível encontrá-las. Alguns números estão disponíveis na
plataforma issuu.com, mas não o número 0.
179
[...]
O Serviço Educativo não é um serviço, mas tem uma missão. Não é uma escola, mas
aprende-se. Faz-se perguntas com respostas que são perguntas. Ou viagens, ou
línguas novas. Não é um ATL, mas ocupa-se do tempo. Para inventar nomes para
umas coisas e trocar os nomes de outras. Não é a casa da avó, mas tem recantos para
descobrir.
O Serviço Educativo não é uma casa, mas tem as portas e as janelas abertas. Tem
um jardim com reflexos de vidros partidos, um sol verde e uma lua clara como uma
lupa. O Serviço Educativo às vezes é numa sala, às vezes é no jardim, às vezes é no
palco. Às vezes é em muitos lugares ao mesmo tempo.
Com artistas, professores, meninos, pais, avós. Com pessoas. Com pessoas que
querem pensar e fazer das nossas cidades lugares para viver bem.
O trabalho dos artistas é olhar para as coisas e inventar nomes para elas e trocar os
180
nomes de umas coisas por outras. O trabalho dos artistas é fazer da mesma língua,
línguas novas.
O trabalho dos artistas é trocar o medo por um arrepio que nos desamarra da
banalidade e nos impulsiona para o desconhecido.
As artes, os artistas e o Serviço Educativo não vão salvar o mundo; o mundo não
precisa de ser salvo. O mundo precisa de um sol verde, uma lua clara como uma
lupa e jardins com reflexos de vidros partidos.
O Serviço Educativo pertence a uma terra, a uma cidade, a um país. Está de olhos e
ouvidos bem abertos para esta terra e estas pessoas. E também para outras terras e
para outras pessoas. Porque as artes e a cultura têm raiz e asas ao mesmo tempo, e
fazem parte de um mundo que havemos de construir e habitar com o pensamento, as
mãos e a imaginação (LURA, 2006, p. 1).
O jornal fecha sua primeira edição com a matéria “Arte e educação no museu”,
assinada pela educadora Elvira Leite, consultora do Museu Serralves, em que são colocados
os princípios e propostas metodológicas do trabalho educativo d’A Oficina.
[...]
Temos a proposta de uma Educação Museal que ensina a ver, a desenvolver a intuição,
a explorar as experiências, pessoas em busca de novos olhares sobre o conhecimento, que
desenvolvam a experimentação, a apropriação dos espaços, a criatividade, por meio de
diversas formas de expressão que exploram diferentes técnicas artísticas.
O papel dos educadores e sua forma de relação com o conhecimento, a ser adquirido e
a ser construído com o público também é explicitada:
E conteúdos específicos de uma educação que tem no museu o seu espaço comum são
apontadas, demonstrando a especificidade da ação educativa museal:
O conteúdo textual dos sites das instituições também nos mostra algumas concepções
que norteiam o trabalho educativo, apresentando os recortes mais específicos de suas áreas de
atuação (teatro, artes visuais, memória), suas missões, valores e parte da programação de cada
uma, deixando aparente também o que há de específico no desenvolvimento das ações
educativas de cada uma. Na página do CCVF, está explícita sua missão:
Aprendizagem
Conhecimento
64
Bibliografia indicada: BABO, Maria Augusta. Escrita, Memória, Arquivo. Revista de Comunicação e
Linguagens, n. 40, Relógio de Água, 2009; LE GOFF, Jacques. Memória. In: Enciclopédia Einaudi, Tomo 1.
[S.l.]: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984; YATES, Frances Amelia (2010) – The Art of Memory (1966).
[S.l.] : Pimlico, 2010.
184
Entre as ações que acompanhamos nas três instituições geridas pela RCAO, estão:
uma visita mediada ao CIAJG, com um grupo de 1° ano do ensino técnico de Comunicação e
Marketing; um espetáculo de teatro no CCVF; uma oficina de culinária e uma roda de
conversa na CDMG.
A primeira a ser observada foi a visita no CIAJG, que se iniciou com a apresentação
da responsável na instituição pelo Serviço Educativo, que apresentou a monitora, assim
chamada por ela. Após apresentar-se como colaboradora do Serviço Educativo, a monitora
pediu que sempre que se movimentasse, que a acompanhassem, já que são muitos e a visita
poderia “arrastar-se” e que poderia ser que não conseguissem ver tudo se não estivessem
sempre juntos.
Chegando no andar da exposição de longa duração (dita permanente pela educadora),
a educadora pediu que se aproximassem, pois não tinha o costume de falar alto e disse que
deveria cumprir o seu papel de educadora, repreendendo-os por terem feito o que ela tinha
acabado de pedir que não fizessem, isto é, subirem arrastando-se. Pediu então a colaboração
dos visitantes, que estavam dispersos e conversando, para que a atividade corresse bem.
Perguntou se já havia ido a algum museu e a maioria disse que sim. Ela então afirmou
que já eram pessoas cultas e conheciam cultura geral, sabendo que há um jeito específico
de se comportar em um espaço como aquele e que quando alguém estivesse lhes
transmitindo algo, que prestassem atenção.
A educadora falou sobre o papel da comunicação, remetendo ao curso de origem dos
visitantes, e explicou como se desenvolve em uma exposição, falando sobre o papel de
curadores e educadores dentro do museu.
Passou, em seguida, para a observação e análise de uma escultura, comentando sobre
sua dimensão, material, origem e função social original, concluindo sua fala comentando
185
como e porque se deu seu processo de musealização. Seguiu falando sobre o patrono da
instituição, sua coleção, seu valor histórico, cultural e monetário.
Seguiu abordando aspectos estéticos, históricos e culturais das obras expostas,
comentou sobre como consideramos as esculturas contemporâneas d’África obras de arte, mas
que na sua origem elas não foram produzidas a partir deste conceito, que eram peças
ritualísticas, que até poderiam haver um senso estético por trás da produção de cada peça, mas
que seu verdadeiro valor está no uso que tiveram, ritualístico, religioso.
Ao perguntar aos visitantes sobre a data que imaginavam que uma obra tinha e alguns
estudantes responderam de forma precisa, ela questionou como sabiam. Disseram que haviam
lido na legenda e a educadora demonstrou descontentamento, dizendo que queria que
analisassem as características temporais presentes na obra e não as informações da legenda.
Em outra sala, a educadora chamou a atenção para os suportes em que estavam
expostas máscaras ritualísticas, tratando da questão da expografia como elemento de
comunicação. A professora da turma pediu para que os estudantes vissem as obras livremente.
A educadora permitiu, ressaltando que deveriam ser rápidos, pois o tempo era curto para ver
tudo do museu.
Ao entrar em uma sala de exposições temporárias, disse que os visitantes veem a
exposição permanente e acham que não tem mais que retornar ao museu, mas que a exposição
temporária é um chamariz para o retorno, em que é possível experimentar novos olhares sobre
o que já foi visto. Em seguida mostrou um mapa mundi e apontou por onde passaram ao ver
as obras da coleção dizendo que visitar o museu é também conhecer outros mundos.
Visitou rapidamente as últimas salas de uma exposição temporária, dizendo que não
faria comentários, que só levaria os visitantes lá para que fizessem uma visita livre, mas que
estaria disponível para responder perguntas. Caminhando pela sala, pediu que ficassem
atentos, pois havia obras no chão e seria muito “chato” se estragassem as obras. A visita é
encerrada com um agradecimento e um convite para o retorno do grupo.
A atividade observada em seguida foi o espetáculo “Do bosque para o mundo”, uma
peça teatral que abordava o tema de refugiados que procuram a Europa como abrigo diante
das guerras contemporâneas no mundo árabe.
A peça foi assistida por cerca de 200 estudantes de turmas do 6° ao 9° ano de
escolaridade, que foram acompanhados de seus professores ao CCVF. Não houve nenhuma
atividade de recepção ou debate realizado pelo Centro Cultural, que nesse espetáculo apenas
recebeu os grupos agendados, mas que em outras atividades realiza visitas e projetos junto às
escolas.
186
Quando iniciada a atividade ainda foram necessários alguns minutos para que os
estudantes fizessem silêncio. Pouco depois já estavam bastante concentrados e imersos no
enredo. Durante a peça, houve reação do público. Eventualmente uma conversa, sempre
reprimida pelos professores. Aparentemente eram comentários sobre a história.
Foram apresentados conceitos, como o de história, apresentado de maneira crítica:
cada um tem uma história, não escrevemos nossa história no início da vida, mas a partir de um
momento somos nós que tomamos as rédeas de nossas histórias. Outros como eurocentrismo,
diversidade cultural, intolerâncias, bem como temas polêmicos tais como a recepção de
refugiados pelos países europeus, as regras do governo Talibã, da religião muçulmana, o
terrorismo foram também foco da apresentação.
As últimas atividades observadas ocorreram na Casa da Memória de Guimarães e
estavam relacionadas ao tema geral abordado pela instituição, o da memória, de maneiras
diferentes. Uma oficina culinária que visava o resgate prático de tradições locais e uma roda
de conversa que tinha como intuito debater e difundir os diversos sentidos da memória.
A primeira delas foi a oficina de culinária do projeto A roda das estações, em que uma
equipe de chefs de cozinha de um restaurante local foi convidada pelo Serviço Educativo da
CMDG para realizar uma aula com receitas locais em cada estação. De acordo com a
educadora da instituição, objetivo do projeto é o de resgatar por meio da culinária a memória
local.
Ao iniciar a ação, a chef que liderou a atividade apresentou os princípios do projeto,
que consistem em realizar oficinas de culinária que resgatem o uso de produtos locais e
receitas tradicionais da cidade a cada abertura de estação, buscando reconhecer e fortalecer a
identidade guimaranhense. Entre os objetivos que listou estavam o cuidado com as pessoas,
com a história local, a natureza e os animais.
A chef apresentou sua empresa – um restaurante vegetariano local que trabalha com
produtos orgânicos de procedência local –, o projeto que desenvolve com a CMDG e falou
sobre o livro que deverá ser fruto do projeto. Apresentou os convidados por ela chamados
para a atividade e falou que cada oficina contará com a presença de teóricos e avaliadores da
área da gastronomia. Disse que mostraria receitas tradicionais e como têm sido transformadas
ao longo do tempo e que outro objetivo da ação seria compartilhar as receitas com quem
cozinha, cultiva e produz na cidade e que o projeto envolve realizar contato e entrevistas com
moradores de Guimarães, ultrapassando o espaço e episódio das oficinas e ampliando-se para
além dos muros da Casa de Memória.
187
A partir do que analisamos até agora, sobre a conformação das políticas públicas de
museus e de Educação Museal, da produção documental do campo e sobre suas influências
nas ações práticas e reflexivas no Brasil e em Portugal, concluímos que no que diz respeito ao
papel do poder público, das diferentes formas de gestão institucional, dos setores de educação
e dos educadores, há algumas diferenças e muitas semelhanças a serem pontuadas.
Sobre o desenvolvimento das políticas públicas, em especial aquelas de Educação
Museal, entendemos que, por vezes, essas foram produzidas por um poder hegemônico, com
objetivos políticos e sociais relacionados ao controle e dominação, mas, apesar disso, uma das
principais características das políticas analisadas é que são, em sua maioria, fruto da prática,
da luta e da reflexão do próprio campo, derivadas da atuação de seus agentes, ora em
189
consenso, ora em conflito com os diferentes representantes do poder público, sendo muito
mais produto da ação da sociedade civil, na interação entre seus diversos agentes, do que da
sociedade política.
No que tange ao papel da educação nas instituições, tanto no que está descrito e
proposto pelas políticas públicas quanto no que é desenvolvido na prática, Portugal pode ser
considerado vanguarda no reconhecimento da função educativa dos museus. Porém, isso dá-se
também por condições particulares que envolvem pontos negativos como a falta da
profissionalização da função de educador e os mecanismos de funcionamento do trabalho
educativo por ela gerados. Contraditoriamente, isso coloca a educação em um lugar mais
próximo do horizontal diante das demais funções do museu, muito embora uma relação
horizontal ideal entre educadores e demais profissionais ainda não tenha atingido níveis
universais.
Com relação à estruturação dos setores responsáveis pela Educação Museal, o Brasil
tem 48,1%65 de seus museus com setores educativos (IBRAM, 2011, p. 119), enquanto
Portugal apresenta 62% de museus com Serviços Educativos (NEVES, 2013, p. 81). A
legislação portuguesa aponta para criação desses serviços, enquanto no Brasil existe apenas
uma orientação, sem força de lei, colocada pela PNEM. Entre as instituições que
investigamos, todas possuíam setores educativos, contando com a atuação de educadores
formados em diversos cursos de nível superior, alguns deles com formação especializada na
área de Educação Museal ou área correlata.
Concluímos a partir da análise dos documentos e das práticas educativas observadas,
que, de maneira geral, nas instituições investigadas nos dois países, os setores responsáveis
pela Educação Museal são tidos como responsáveis por questões como a democratização do
acesso à cultura, sua divulgação e comunicação, pela formação e fidelização de audiências,
pela inserção de diferentes públicos por meio de ações de acessibilidade etc., o que por vezes
é observado também na legislação.
No que diz respeito à gestão das atividades educativas, pudemos analisar instituições
com diferentes dinâmicas: museus que são autarquias com gestão direta do poder público
federal/nacional (MNBA e MNSR); o CCBB, gerido por uma empresa mista (o Banco do
65
De acordo com dados da Pesquisa Anual de Museus, de 2014, realizada pelo Cadastro Nacional de Museus,
em 49,7% dos museus que responderam a PAM (993, dos 3.580 do CNM) existem equipes que trabalham
EXCLUSIVAMENTE no desenvolvimento e realização de ações educativas e culturais. O número muda muito
quando se trata de museus que realizam visitas com guia, mediador ou monitor, passando para 90,7%. Mas em
ambos os casos, não houve a pergunta se essas equipes ou educadores eram ligados a um setor educativo, o que
mantém os dados da publicação Museus em Números os mais atuais. Dados da PAM 2014 disponíveis em:
<https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2016/10/PAM-2014-Resultados-ASCOM.pdf>.
190
Brasil, que tem participação federal majoritária nas suas ações), de direito privado e que tem o
setor educativo gerido por uma empresa privada, selecionada mediante a Lei Rouanet, e a
Régis Cooperativa A Oficina, uma instituição pública de direito privado responsável pela
gestão dos aparelhos culturais do município de Guimarães, no Porto, Portugal, cuja gestão dá-
se majoritariamente por meio de financiamento público (mais do que 90%).
Essas formas de gestão implicam as maiores divergências que pudemos observar no
desenvolvimento do trabalho educativo das seis instituições investigadas, que se dão
principalmente na obtenção de recursos, nas relações e condições de trabalho, na constituição
de legados, na organização e na estruturação dos setores educativos.
No que diz respeito à obtenção de recursos e destinação de verbas, os MNBA e MNSR
apresentaram as maiores dificuldades. Os próprios museus sofrem com cortes de verbas e
orçamentos insuficientes por décadas e o reflexo disso é que os setores educativos terminam
não sendo prioridade de suas gestões. A captação de recursos externos não é uma prática
comum, não sendo uma fonte constante de recursos.
No Programa Educativo do CCBB, gerido pela Sapoti, identificamos alguns conflitos
que derivam de sua forma de financiamento: apesar de o CCBB promover com suas ações
uma política eficiente de democratização das atividades culturais, com ofertas diversas de
atividades para públicos diferentes, o que é garantido por um grande volume de recursos
proveniente do mecenato via Lei Rouanet, o fato do Programa ser financiado por edital anual
provoca a descontinuidade de ações e de equipes, causa instabilidade profissional e uma
consequente má condição de trabalho e, combinando essas questões com o fato de o Banco e
do próprio CCBB não exigirem uma documentação e ação avaliativa pedagógica qualitativa
das empresas que ocupam a gestão do trabalho educativo, há também a ausência de um legado
institucional.
Já no caso das instituições geridas pel’A Oficina, os recursos parecem ser suficientes
para realizar grandes projetos, mantendo sua continuidade e a integração da programação dos
diferentes espaços e deles com a comunidade guimaranhense. Apesar disso, a forma de gestão
da régis cooperativa, que desobriga o poder público a realizar, por exemplo, concursos para a
contratação de funcionários permanentes, gera péssimas relações de trabalho. Os educadores
chegam a receber seu pagamento por hora trabalhada, sendo chamados para atividades de
mediação de acordo com as demandas institucionais geradas pelo agendamento de atividades.
Isso causa uma grande instabilidade profissional, que faz com que educadores não consigam
sobreviver com o seu trabalho, aventurando-se em “bicos” e diferentes trabalhos para
conseguir manter suas contas pagas em dia.
191
66
FORA TEMER!
192
educativa dos museus não está presente na documentação institucional e legislação geral.
Destacamos que a Lei de Quadros dos Museus Portugueses e os documentos institucionais do
MNSR e d’A Oficina apresentam esse reconhecimento, mas é possível identificá-lo nas ações
práticas e no discurso profissional dos educadores de todas as instituições.
No MNBA, no MNSR e n’A Oficina encontramos um eixo teórico em comum. Apesar
de referências a autores não serem explicitadas nos documentos e materiais educativos de
todas essas instituições, podemos interpretar que o que é mostrado como a base para a
elaboração das ações educativas tem uma raiz comum nesses três lugares.
No MNBA, o projeto das Oficinas Pedagógicas traz a referência ao nome de Ana Mae
Barbosa, cuja Aprendizagem Triangular no trabalho com objetos é conhecida e difundida por
educadores de museus de arte por todo o Brasil. Nessa proposta, o trabalho com o objeto deve
ser feito a partir da leitura da obra de arte, sua contextualização e seguida pela criação, ou
seja, o fazer artístico (BARBOSA, 1995, p. 62). Semelhante proposta é colocada pelo MNSR
quando sintetiza sua ação na frase “Ver, interpretar, comunicar”, em que a comunicação é, nas
ações práticas, desenvolvida por meio também do fazer artístico. Já nas palavras colocadas no
site da CDMG, suas atividades dão-se a partir da ação de observar, contextualizar e praticar,
traduzindo-se novamente na semelhança com a proposta de Ana Mae, que podemos
considerar também já presentes nas chamadas “pedagogias ativas”, como na proposta
americana de Dewey, no escolanovismo etc. e que, assumidamente, foi influenciada por
outras experiências como a da Escuelas a1 Aire Libre mexicanas e o Critical Studies inglês e
o DBAE (Discipline Based Art Education). Essas são as referências comuns mais explícitas
nas quais encontramos alguma proposta teórica e conceitual, em nossa pesquisa.
Todas as instituições realizam ações ou produzem materiais que tratam de conteúdos
específicos à Educação Museal, como a forma de ser e estar no museu, questões sobre técnica
e preservação dos objetos, o trabalho com a análise do objeto e sua musealização e suas
análises estéticas, técnicas, contextuais, históricas, críticas e subjetivas. Podemos também
destacar os seguintes temas: o exercício da cidadania; o desenvolvimento da sensibilidade, por
meio do estímulo à descoberta e ao uso de todos os sentidos na observação e fruição de obras
de arte, no resgate e valorização de memórias e em suas relações com o cotidiano; o
desenvolvimento de novos olhares sobre obras de arte, objetos musealizados e elementos do
cotidiano das comunidades e territórios em que vivem e por onde passam os visitantes; a
exploração de sentimentos e memórias; o reconhecimento de saberes, memórias e do
conhecimento dos visitantes; assuntos e atividades que relacionem aprendizados intelectuais
com o desenvolvimento de habilidades físicas, manuais e emocionais.
193
Regina Real escreveu o folheto O Museu Ideal67, que foi publicado em julho de 1958,
dois meses antes da realização, no Rio de Janeiro, do Seminário Regional da Unesco sobre o
papel educativo dos museus. Nesse material, segundo as palavras de Guy de Hollanda, a
autora “enfeixou, em breves páginas algumas noções elementares de museologia, destinadas
ao leitor não especializado, que frequentemente ignora quais as verdadeiras finalidades dos
museus” (HOLLANDA, 1958). Hollanda (1958) afirmou ainda, na Nota Prévia da publicação,
que seria “de proveito para os educadores a leitura das páginas que seguem pois lhes servirão
de incitação ao melhor aproveitamento desse meio poderoso de educação visual que são os
museus”.
Em suas breves páginas, Regina Real apresenta como deveria ser um museu ideal, a
base para se ter um museal executado, o real, discorrendo sobre seus diversos processos,
profissionais e espaços, entre eles os educacionais. Coloca então que um
67
Esse folheto está disponível no endereço:
<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=MHN&pasta=&pesq=o%20museu%20ideal>.
194
Real cita Venâncio Filho para afirmar que “não é apenas educativo o que dá
conhecimento, mas o que conduz a hábitos e inspira sentimentos. Por isso que é fator geral
deve antes de tudo ser agradável e artístico", indicando o tipo de educação que é peculiar ao
museu (Venâncio Filho apud Real, 1958, p. 13). E segue dizendo que os museus não são
como as escolas que têm frequência obrigatória, o que faz com que seja difícil atrair o público
(REAL, 1958, p.13-14).
A autora tinha inspirações internacionais que influenciaram sua atuação no campo da
museologia. Membros do ICOM, museólogos e dirigentes institucionais faziam parte desse
grupo de figuras inspiradoras. Em seu texto, Regina Real cita uma publicação de R. L.
Duffus, sobre um livro escrito por Henry Watson Kent, que atuou no campo da museologia na
virada do século XIX para o XX, em que o papel dos museus é apresentado como sendo uma
instituição voltada para as pessoas e não para as coisas e Real afirmou que fazia coro com o
autor, que agradecia a Duffus por suas palavras sobre seu livro.
É curioso perceber que já na primeira década do século XX o museu foi visto como
um espaço para a educação e para a formação do povo, com a preocupação de torná-lo útil
195
para a vida cotidiana. Havia já ali a proposta de “tirar o museu das prateleiras”, movimento
que teve que ser retomado anos depois, desde os eventos realizados pelo ICOM e a UNESCO
na década de 1950, passando pela Mesa Redonda de Santiago e pela criação do MINOM, e
que ainda carece de ser implementado.
Regina Real demonstrou-se afinada com essas ideias inovadoras do museu e, ao tratar
dos seus serviços complementares, apresentou como primeiro deles a educação:
1) Educação
Alguns conservadores naturalistas devem especializar-se em pedagogia e, vice versa,
alguns educadores devem tornar parte nas atividades dos museus para:
a) organizar cursos conferências.,
b) orientar as visitas.guiadas;
c) dar atenção especializada aos escolares;
d) preparar gráficos selecionar material técnico ou reproduções para escolas
instituições congêneres (REAL, 1958, p. 19-20).
Vemos aí a principal missão dos museus: “contribuir para o entendimento mútuo entre
a sociedade e o museu”, portanto cumprir uma função social, que vai além da preservação dos
objetos e tem nela um meio e não um fim.
Se entendermos que esse entendimento mútuo leva a uma compreensão da realidade e
uma produção de conhecimento sobre ela, podemos compreender o museu como um espaço
de formação para a vida, para a transformação social, para a valorização e compreensão não
dos livros como objetos, mas do que os livros falam, como apontado por Duffus.
68
MARTINS (2011).
200
69
Ver capítulo 2.
201
Uma das primeiras tentativas de refletir sobre as ações educativas museais foi
realizada pela cientista e militante feminista Bertha Lutz, atuante no Museu Nacional, que
após uma viagem para os Estados Unidos, em 1925, escreveu A função educativa dos museus,
apresentado em 1933 para o então diretor do Museu Nacional, Roquette Pinto, mas só
publicado anos após a sua morte (que se deu em 1976), por pesquisadores do Museu
Nacional, no ano de 2008 (ALMEIDA, 2013, p. 124). De acordo com Costa (2018, no prelo),
“a autora teria tentado lançá-lo a época, mas o insucesso da empreitada é atribuído por alguns
autores ao reduzido número de interessados no tema naquele momento”.
A obra de Lutz é fruto do registro e análise de uma visita realizada a 58 instituições
dos EUA, em que conheceu os seus setores e ações educativas, e aborda novas temáticas e
uma forma de entender o museu e seu papel educativo, cuja reflexão apenas iniciava-se no
Brasil e que apresentava alguns aspectos e debates que até hoje carecem de reflexão:
Engana-se quem imagina que Lutz versa exclusivamente sobre visitas escolares e
materiais didáticos. É claro que estes temas não escaparam ao seu olhar atento, mas
além deles, Bertha, aborda outros que parecem extremamente atuais, como a
democratização cultural, ações extramuros, atividades voltadas para pessoas com
deficiência e para crianças pequenas, estudos de público, além de questões de
gênero, arquitetura de museus, propaganda e divulgação, dentre outros. A educação
pelo museu já aparece ali em caráter ampliado (COSTA, 2018, no prelo).
Bertha Lutz (2008) dedicou três partes do relatório ao tema da educação: metodologia
educativa do museu; educandos e educadores e o museu em ação. A educação visual aparece
como campo essencial do museu no domínio da instrução pública, cuja primazia deve ser do
museu e que nos países com alto índice de analfabetismo é de multiplicada importância,
segundo a autora.
A autora defende um museu aberto à diversidade do público, de todas as faixas etárias,
classes sociais e níveis de conhecimento, com funções educativas no campo da escolaridade,
do lazer, da difusão, da ciência e do conhecimento. Segundo Lutz, (2008, p. 103):
Vemos que Lutz (2008) associa uma nova conceituação de museu a sua transformação
e desenvolvimento no campo da educação. Em sua concepção, a escola é parceira do museu
numa empreitada de formação humana que integra públicos, instituições, diferentes
metodologias e abordagens para o que chama de educação visual, isto é, educação a partir do
objeto.
Como já dito, porém, a obra de Lutz não foi publicada enquanto estava viva, e
provavelmente só foi conhecida por poucos. As primeiras publicações de referência que, de
fato, surgiram no campo da Educação Museal, no Brasil, datam da primeira metade do século
XX e trazem no seu conteúdo noções de Educação Museal e alguns termos comuns para sua
designação na época. Em 1936, Leontina Silva Busch, que trabalhou no Curso de Formação
Profissionalizante de Professores da Escola Normal Padre Anchieta, em São Paulo, como
assistente da Seção de Educação, publicou o livro Organização de museus escolares, em que
trata da sua experiência prática durante o curso. Para a autora, o museu escolar servia para
alimentar a dimensão prática, intuitiva e experimental do aprendizado (MATOS, 2017, p. 37).
Ainda em 1939, Francisco Venancio Filho (1939) editou a conferência A Função
Educadora dos Museus, mediada por ele e que contou com a participação de H. Leão
Teixeira, Jonathas Serrano e Alcindo Sodré, realizada em Petrópolis, pelo Instituto de Estudos
Brasileiros. De acordo com Bemvenuti (2004, p. 104) Venancio Filho “menciona que a
atividade educativa do museu, assim como atividades a ele relacionadas, como o cinema e o
rádio, são classificados oficialmente como atividades extraclasses”, afirmando ainda que o
museu tem características educativas próprias. A autora indica que em publicação de 1941,
que reedita o debate, intitulada A educação e seu aparelhamento moderno, Venâncio Filho:
Venancio Filho (1939, p. 51) logo no início do texto apresenta uma posição acerca da
Educação Museal:
70
Essa publicação teve seu título alterado na sua segunda edição, passando a intitular-se “Museu e Educação:
Sua Importância na Educação do povo”, editado ainda por Irmãos Pongetti Editores - Rio de Janeiro, 1958.
71
A publicação de 1969 é a segunda edição de um folheto também produzido em 1958.
72
Para outras informações sobre essas obras e seus autores, ver FARIA (2014).
204
tomando força com a Seção de Extensão Cultural”. Esse era o perfil de museu que se discutia
necessário já na primeira metade do século XX.
Sussekind de Mendonça (1946), ao analisar a situação da educação no Brasil,
remetendo aos números relativos à proporção de escolas existentes para o número de pessoas
que delas deveriam usufruir, afirma que a educação escolar era uma exceção e que ela, sim,
deveria ser chamada supletiva, diante de um todo educacional, maior que ela:
Chegará breve a época em que não terá razão de ser nem mesmo a distinção de
intencional dada à educação pela escola para diferenciá-la da fornecida
esporadicamente fora dela; basta, apenas, que os museus e instituições congêneres
dêm expressão regulamentar a uma situação de fato, e proclamem a sua decisão de
agir deliberadamente, intencionalmente, no processo educativo.
Em seguida, o autor trata das influências recíprocas que devem existir entre museus e
escolas, apresentando não só ideias para concretizar essa relação, mas teorizando sobre ela.
Trata ainda da relação entre o museu e a universidade, seguindo-se uma lista de sugestões de
ações práticas para implementação desse seu ponto de vista sobre a ação educativa museal.
José Valladares, em Museus para o povo, também de 1946, afirma que esse trabalho
tem mais um caráter de divulgação do que técnico, apontando a necessidade de
205
aprofundamento do estudo dos temas nele tratados. Como objetivo da obra, o autor destaca
chamar a atenção para as possibilidades de democratização da cultura a partir dos museus. O
autor baseou-se na observação de museus dos EUA, México e Peru, para realizar a obra, após
realizar viagem técnica, financiada pela Fundação Rockefeller e pelo governo da Bahia.
Logo nas primeiras linhas, o autor deixa clara a sua concepção de museu: uma
instituição que serve para a difusão cultural. Analisando a experiência dos museus
americanos, que o autor considera serem encarados pelos seus dirigentes como centros de
aprendizagem e divulgação cultural, Valladares (1946, p. 3) propõe um museu a serviço do
povo:
o museu não pode se limitar à apresentação técnica das coleções que possui. Terá,
em primeiro lugar, de saber atrair o visitante; depois, de tornar os momentos de
parmanência na galerias, momentos agradáveis; finalmente, deverá cuidar de que o
visitante deixe suas portas, tendo aprendido alguma coisa de novo, e – o que é da
maior importência – com um desejo forte de relatar a experiência àqueles com quem
priva. Somente por esses meios poderá pretender que o homem médio seja atingido:
quer apresentando motivos para que ele vá ao museu, quer levando pessoas de seu
conhecimento a falar-lhe das coisas interessantes que viu e aprendeu.
206
O autor ainda ressalta que o museu deve ser um lugar de vida intensa onde se realizam
conferências, concertos, peças de teatro, fitas de cinema, cursos práticos. As crianças devem,
em sua opinião, ser recebidas com assistência carinhosa. Eles devem estar perto da
comunidade. Deve ser atraente, servir para a extensão cultural, servindo aos especialistas, mas
também ao povo (VALLADARES, 1946).
Tal visão do papel do museu está presente também em Introdução à técnica dos
museus, de Gustavo Barroso, primeira obra nacional de referência no campo da museologia,
publicada em 1947, tendo sido usada no Curso de Museus do MHN. Nela, o autor apresenta o
conteúdo trabalhado no Curso de Museus desde a sua fundação, em 1932, indicando três tipos
de serviços oferecidos pelos museus: serviços administrativos, serviços gerais e serviços
técnicos, entre os quais inclui cursos, conferências, visitas, consultas e oficinas. Entre o corpo
profissional dos museus, inclui os “ensinantes”, seguindo com exemplos apresenta os
professores como parte desse quadro.
Ao tratar dos serviços técnicos, Barroso (1951, p. 26) diz que aí incluem-se “cursos,
conferências, concertos e visitas de caráter educativo” e explica:
Porque essa é uma das partes mais importantes do museu, sua parte dinâmica, sua
vida, sua linguagem, sua forma de projeção na cultural dum país: cadeiras,
programas de ensino, matrículas, horários das aulas, provas, exames, notas, taxas,
diplomas; designações de professores e suas obrigações e direitos; disciplina dos
alunos; cursos regulamentares, especiais e de extensão; bolsas e excursões;
conferências em séries e avulsas; comunicações de caráter técnico, etc. Um museu
não deve ser unicamente um necrotério de relíquias históricas, etnográficas,
artísticas, folclóricas ou arqueológicas; mas um organismo vivo que se imponha pelo
valor educativo, ressuscitando o passado nele acumulado. O conservador tem de ser,
antes de tudo, um evocador. Um museu conserva justamente para evocar
(BARROSO, 1951, p. 26-27).
Compreendemos desta fala que podemos reafirmar que o museu passou, já em meados
do século XX, a ser entendido como um espaço educativo autônomo, com conteúdos próprios,
voltados para a formação humana. De acordo com Knauss (2011, p. 586) “ainda que a década
de 1950 seja apontada como uma época de reflexão sobre as relações entre museus e
educação, é preciso não deixar de levar em conta que essa relação já vinha sendo afirmada”.
Trigueiros, já em 1956, que sintetiza assim a finalidade dos museus:
E, apesar de seguir explicitando uma visão educativa que associava o museu à escola,
no que diz respeito às funções específicas de educação, no conjunto, a obra coloca a educação
como uma função primordial do museu. O autor pouco fala de processos pedagógicos e
metodologias educativas, apresentando os diversos processos, ferramentas e tipologias de
museu, como parte de uma concepção de instituição voltada para fins educacionais.
Trigueiros (1956) também contribuiu, juntamente com outros conservadores de
museus73, com a pesquisa coordenada por Guy de Hollanda, formado pela primeira turma do
curso de museus, que deu origem à publicação, em 1958, do livro Recursos educativos dos
museus brasileiros, publicado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE),
órgão oficial de pesquisas educacionais do período. Esta obra foi produzida de acordo com
73
Elza Ramos Peixoto, Lygia Martins Costa, Octávia Corrêa dos Santos Oliveira, Regina Monteiro Real, A.T.
Rusins, Florêncio dos Santos Trigueiros e Guy de Hollanda, todos membros da seção brasileira do ICOM.
208
orientação da UNESCO e com modelo por ela remetido, com a finalidade de preparar a
realização do Seminário Regional sobre o Papel Educativo dos Museus, no mesmo ano, no
Rio de Janeiro, e traz um levantamento realizado nos museus brasileiros, apresentando sua
estrutura.
Para realização do levantamento, o CBPE enviou um formulário a ser preenchido para
coleta das seguintes informações sobre 145 museus brasileiros: nome da cidade; nome do
museu, com endereço e número de telefone; informações sobre pessoal e sua posição no
organograma institucional, além da forma de vinculação da direção (se comissionada ou
efetiva); horário e forma de visitação e informações sobre gratuidade e preço; estatuto, com
informações sobre natureza e regime administrativo, visitação, orçamento, pesquisas, viagens
de estudo, conservação do prédio, material; histórico; natureza das coleções; publicações;
visitas guiadas e demais formas de visita; serviço de documentação; notas bibliográficas.
De acordo com Gelmini (2014, p. 58), “o título do livro sugere uma abordagem
reflexiva sobre o caráter educativo dos museus, mas a obra não foi direcionada para tal
análise”. De acordo com Knaus (2011, p. 589) o livro define-se “mais como um material de
divulgação e apoio de referência dirigido a professores e escolas” e, nesse sentido, o estudo
representou uma importante ação, ao traçar perfis das instituições, criar dados e informação
para análise da constituição dos museus e do seu quadro geral no país.
Também de 1958, são os folhetos de Regina Real, O museu ideal, já por nós analisado
e Binômio: museu e educação, reeditado em 1969. Nesse último, Real (1969, p. 5) trata da
relação entre museu e escola, considerando as especificidades do primeiro:
Real defende não só que os métodos e finalidades específicos dos museus sejam
conhecidos, mas também que sejam formados profissionais para atuar no campo da Educação
Museal, pois reconhece que os museus não são importantes pelo que têm, mas também pelo
que fazem e seria preciso dar conta das transformações por que passaram o museu e a escola,
que se traduziram no que chama de ensino ativo, que tinha então no museu um forte aliado.
209
Escola Nova.
O movimento, capitaneado pelo museólogo paulista Vinício Stein Campos, diretor
do Serviço de Museus Históricos do Estado de São Paulo, resultou na criação de
setenta e nove museus pelo interior do Estado (MISAN, 2008). Uma das
justificativas mais contundentes para a criação desse conjunto de museus foi
justamente a possibilidade de utilização pedagógica de seus acervos e exposições
pelos escolares (MARTINS, 2011, p. 75).
Esses dois exemplos, visitas escolares e kits para empréstimo, são bastante
sintomáticos da forma como começaram a se estruturar os serviços educativos das
instituições museais. As necessidades educacionais que imperavam no final do
século XIX – expansão do sistema de escolarização formal e modernização dos
métodos e temáticas de ensino – resultaram na formatação de novas teorias
pedagógicas que incentivavam a relação das escolas com os museus. Essas
relações, que começaram de forma incipiente e pouco organizada, foram
paulatinamente se estruturando em ações específicas (MARTINS, 2011, p. 74).
74
Disponível em:
<http://docvirt.com/docreader.net/docreader.aspx?bib=MHN&pasta=&pesq=O%20museu%20e%20a%20crianc
a>.
75
Decreto n. 26.218, de 3 de agosto de 1956.
76
Para mais informações sobre os museus histórico-pedagógicos, ver: MISAN, Simona. Os museus históricos e
pedagógicos do estado de São Paulo. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/anaismp/v16n2/a06v16n2.pdf>.
210
educação, com papel voltado para uma formação contínua dos indivíduos, que levasse em
conta suas memórias, sua produção cultural e a valorização de seu patrimônio, até então,
constituídos pelo poder hegemônico e pelos agentes do campo que detinham maior capital
simbólico e cultural, como bem nos apontou Gouveia (2018).
É essa a transformação pela qual os museus passaram mais fortemente a partir do final
da década de 1950, principalmente após a realização, em 1958, do Seminário Regional da
UNESCO sobre o papel educativo dos museus, que deu origem à Declaração do Rio de
Janeiro, por nós analisada no Capítulo 2 dessa tese.
Consideramos, porém, que somente a partir da década de 1980, depois das reflexões
fruto da Mesa Redonda de Santiago (1972) e da constituição do MINOM (1984), que o campo
da Educação Museal vai reconhecendo as ações ocorridas para consolidar o papel educativo
do museu enquanto algo independente das suas relações com o sistema, as metodologias e os
conteúdos escolares. Segundo Knaus (2011, p. 594):
É somente no início dos anos de 1980 que esse debate sobre o sentido do trabalho
educacional nos museus vai ganhar uma nova conceituação. A relação dos museus
com as escolas mudou por muitos fatores sociais. Certamente, porém, foi decisivo o
novo contexto da museologia na América Latina a partir da afirmação do conceito
de museu integral, estabelecido na Declaração de Santiago do Chile aprovada no
seminário do ICOM realizado em 1972 na capital chilena.
O livro de Maria Célia T. Moura Santos, lançado em 1987, pode ser considerado
uma das principais referências da museologia sob a inspiração da Declaração de
Santiago. Na conclusão de seu livro, a autora salienta a importância dos museus se
engajarem no processo educacional “não como complemento”, mas no âmbito de
“uma Museologia que se efetiva na relação direta: Comunidade-Museu”.
e conteúdos pedagógicos escolares para os museus, que ocorria desde então, a partir de uma
dinâmica que se reproduz como um círculo vicioso: nossas escolas são deficitárias e o museu
é “usado” para complementar essas deficiências. Por outro lado, os estudantes são o maior
público recebido pelos museus e o uso de pedagogias escolares termina acontecendo como
meio de manter a sua clientela majoritária (LOPES, 1991)77.
A autora afirma ainda que a Escola Nova levou as práticas escolares para o interior
dos museus e que
77
Alguns autores do campo da Educação Museal afirmam que as escolas (e seus estudantes) são o público
majoritário dos museus. Assim como Lopes (1991), já citada, Koptcke (2005, p. 201) também faz a mesma
afirmação e inclui que: “Atualmente, no Brasil, grande parte das instituições conta com um efetivo de visitantes
escolares, cativos, que varia de 50% a 99%”. Não há no Brasil uma pesquisa de perfil de público dos museus
atualizada que indique a proporção de visitantes escolares.
78
Para mais informações sobre esse tema, ver: VARINE-BOHAN (1987).
212
Nessa época, em que todo o educacional estava voltado para o interior das escolas e
não mais para a ampliação da rede escolar, a preocupação pedagógica adentrou
explicitamente os museus, influenciando-os para que passassem a dar prioridade ao
apoio à escola.
Nesse contexto, perderam contexto nos museus suas funções de disseminação de
conhecimentos para públicos amplos, independentemente da escola. Em razão desse
apoio chegou-se até a propor a subordinação da escola ao museu.
[...] Aí estão aspectos das origens do papel pedagógico atualmente assumido pelos
museus. Embora as ideias escolanovistas tenham significado um avanço para o
rompimento da inércia em que sobreviviam os museus brasileiros, inserindo-os nos
esforços internacionais por modernizações, essas concepções impregnaram desde
então nossos museus de seu papel de complemento ao ensino escolar (LOPES, 1991,
p. 446).
No caso do Brasil, os museus não cederam suas salas para as práticas de educação
popular. Estiveram ausentes ou pelo menos não participaram ativamente desses
movimentos de educação e cultura deflagrados nos anos sessenta. Se hoje há
referências a projetos e propostas chamados de educação popular em museus, eles
são muito mais frutos da influência europeia e latino-americana, de autores que
fizeram as suas leituras da obra de Paulo Freire e sucessores do que resultados de
maiores compromissos por parte dos museus brasileiros com os movimentos
populares.
Os museus, em sua grande maioria, não sofreram influências de concepções de
educação popular existentes no país. Ao contrário permaneceram identificados com
modelos importados e adaptados de educação permanente (LOPES, 1991, p. 447).
79
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0000/000018/001801e.pdf>.
213
ensino universal, deveriam abandonar a ideia de uma formação inicial para considerar a
educação um processo a ser desenvolvido ao longo da vida, de forma permanente ou
continuada.
Após a constatação que os sistemas escolares desses países não davam conta do que
eram consideradas as funções sociais e econômicas da educação, como, por exemplo, a
diminuição da desigualdade e da pobreza, concluiu-se que ações educacionais que ocorriam
fora do âmbito da escola deveriam ser fortalecidas.
O espaço da educação não escolar passa então a ser conhecido como educação não
81
formal , ou educação extraescolar (FÁVERO, 1980). De acordo com Fávero (1980, p. 24):
essas classificações foram elaboradas sobre aqueles objetivos que dão peso maior ao
"aumento de produtividade", em detrimento de uma "mudança de atitudes". Essa
posição traduz uma conformidade com a estrutura atual da sociedade, em geral, e do
sistema educacional em particular — que leva a considerar o extra-escolar como
mero complemento do escolar.
80
Do original: “The transition from the idea of initial training to that of continual education is the mark of
modern pedagogy.
In contrast with traditional school forms of initial education, continual education is becoming a complex
cybernetic system, based on a 'response-sensitive' situation comprising the following elements: a learner whose
behaviour may be evaluated and modified; a teacher, functionally speaking the educator; sources of structured
knowledge, to be presented to the student or else explored by the student himself; an environment designed
specifically for the learner to have access to necessary data; arrangements for evaluating and checking modified
behaviour, that is to say for recording reaction and the new behaviour which it stimulates”.
81
A respeito do uso do termo “educação não formal” para designar a prática educativa museal, escrevemos o
artigo “Há sentido na educação não formal na perspectiva de uma formação integral?”, questionando sua
relevância e adequação ao atual estágio de desenvolvimento da Educação Museal e de suas políticas públicas no
Brasil (CASTRO, 2015).
214
Consideramos que essa herança que acabou por consolidar, no Brasil, o uso de termos
como “educação não formal”, ou “educação em espaços não formais”, para designar práticas
da Educação Museal cumpre um papel que é prejudicial ao campo, em especial no que diz
respeito às políticas públicas.
Não existem hoje no Brasil políticas públicas organizadas e consolidadas próprias para
o “não formal”, a não ser como algo complementar à educação dita formal. As políticas
públicas de educação orientam especificamente a educação escolar, conforme pode-se
observar na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 82. Marandino (2017, p. 814-815)
afirma que:
Se considerarmos os investimentos ocorridos nos últimos anos tanto para a educação
formal como para a não formal e as disputas pelas fontes de financiamento feitas
pelos agentes envolvidos com essas modalidades, podemos compreender que a
construção da ideia de educação não formal não é uma questão somente
epistemológica, mas envolve também dimensões políticas e econômicas. Diante do
momento histórico atual de restrição financeira e de disputas entre projetos sociais e
educacionais críticos e conservadores, é sem dúvida necessária uma profunda
reflexão sobre os sentidos da educação não formal.
Além do problema que envolve as políticas públicas, há uma série de outros, desde a
questão epistemológica, mencionada por Marandino anteriormente, passando por questões
práticas e estruturais que nos apontam que essa terminologia, apropriada de uma proposta
estrangeira, não serve à construção do campo da Educação Museal.
Na perspectiva de uma Educação Museal que tenha como referência a Formação
Integral (CASTRO, 2015a), portanto a integração entre os diversos espaços e fazeres
educativos, entender a prática, o debate teórico e a construção conceitual educativa museal
como não formal é um equívoco. Entender os museus como espaços não formais é um erro
ainda maior, haja vista a quantidade de formalidades que essas instituições apresentam, em
especial no que diz respeito ao desenvolvimento das suas ações educativas.
Podemos ver, com as ponderações de Lopes (1991), que mesmo que os esforços em
definir e desenvolver a função educativa dos museus como um processo específico datem de
meados do século XX, essa tarefa ainda se mantinha atual na década de 1990. Consideramos
que desse período para cá, esse quadro apresentado pela autora tem-se transformado, por meio
da relação da museologia social com as práticas educativas museais e do próprio
desenvolvimento pedagógico do campo.
82
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo 1°, § 1° deixa claro que: “Art. 1º A educação
abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas
instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações
culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do
ensino, em instituições próprias” (BRASIL, 1996).
215
83
Para mais informações da produção sobre Educação Museal, ver: SEIBEL-MACHADO (2009).
216
84
No mesmo período, o termo surge em Portugal, a partir do trabalho de Ana Duarte, que publicou: Educação
Patrimonial: guia para professores, educadores e monitores de museus e tempos livres.
217
Tais objetivos foram, não raras vezes, buscados por meio de ações educativas que
utilizavam o teatro, a exemplo das ações comumente realizadas em museus e monumentos
históricos da Europa sob a nomenclatura de living history.
Em publicação que trata da história da divulgação do termo e da aplicação da
metodologia proposta por Horta et al., o Iphan (2014, p. 13) apresenta o Guia Básico da
Educação Patrimonial como:
de todos os processos educativos formais e não formais que têm como foco o
Patrimônio Cultural, apropriado socialmente como recurso para a compreensão
sócio-histórica das referências culturais em todas as suas manifestações, a fim de
colaborar para seu reconhecimento, sua valorização e preservação. Considera ainda
que os processos educativos devem primar pela construção coletiva e democrática
do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre os agentes culturais e
sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e produtoras das
referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural
(IPHAN, 2014, p. 19).
Segundo o próprio IPHAN, nos últimos anos, o termo “educação patrimonial” foi
usado para designar diversos tipos de atividades, pontuais e continuadas, com fins de
divulgação e promoção do patrimônio, que implementaram uma grande diversidade de ações
e projetos com concepções, métodos, práticas e objetivos pedagógicos distintos, sem que se
possa discernir uma orientação programática definida (IPHAN, 2014, p. 19).
Em artigo onde tratamos da constituição do conceito de Educação Museal, tendo em
vista as influências históricas do campo, inclusive a do termo Educação Patrimonial, como
tratado por Horta et al. e, mais recentemente, pelo IPHAN concluímos que:
Passadas quase três décadas, a Educação Patrimonial superou as ações centradas nos
acervos e construções isoladas para a compreensão dos espaços territoriais como um
documento vivo, passível de leitura e interpretação por meio de múltiplas estratégias
educativas. Deve, portanto, ser entendida como eficaz em articular saberes
diferenciados e diversificados, presentes nas disciplinas dos currículos dos níveis do
ensino formal e, também, no âmbito da educação não formal.
Assim, também, é fundamental conceber a Educação Patrimonial em sua dimensão
política, a partir da concepção de que tanto a memória como o esquecimento são
produtos sociais. É preciso o enfrentamento do desafio de encarar a problemática de
que, no Brasil, nem sempre a população se identifica ou se vê no conjunto do que é
chamado de patrimônio cultural nacional.
A Educação Patrimonial tem, desse modo, um papel decisivo no processo de
valorização e preservação do patrimônio cultural, colocando-se para muito além da
divulgação do patrimônio. Não bastam a “promoção” e “difusão” de conhecimentos
acumulados no campo técnico da preservação do patrimônio cultural. Trata-se,
219
Uma nova abordagem para as pesquisas de audiência nos museus vêm sendo
estabelecida e está sendo promovida em parte por aqueles que desejam democratizar
o museu e, em outra parte, pelas mudanças culturais estabelecidas através do pós-
modernismo e do pós-colonialismo. Parte dessa mudança conceitual pode ser
percebida pela modificação nos conceitos de educação e aprendizagem.
Em alguns casos, ações educativas museais estão incluídas em um campo ainda mais
específico, como, por exemplo, no caso da divulgação e/ou popularização da ciência, que tem
também no museu, além de outros, um lugar para sua realização.
A divulgação científica e sua relação com a Educação Museal é estudada por alguns
autores como Marandino et al. ([s.d.]), Marandino (2008), Falcão (1999), Menezes et al.
(2014). Podemos sintetizar a ideia de divulgação científica como sendo ações implementadas
para divulgar o conhecimento científico para a população em geral, que tem objetivos de
formação, mas não necessariamente alicerçados em uma pedagogia, podendo, ou não, essas
ações serem educativas. A divulgação científica pode, então, ocorrer em museus,
relacionando-se ou não com a Educação Museal.
Outro termo bastante comum na literatura e na prática da Educação Museal, que tem
inclusive nomeado as organizações que reúnem educadores em diversos estados do Brasil, as
REMs, designa as ações educativas como “Educação em Museus). Paullete McMannus,
pesquisadora da área da educação e comunicação em museus, ministrou como convidada uma
disciplina no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo em 2005, que teve como fruto a publicação Educação em museus: pesquisas e prática,
organizada por Martha Marandino e Luciana Monaco.
Não encontramos em nossa pesquisa nenhuma menção à expressão educação em
museus, como uma referência própria com a defesa de um conteúdo conceitual. Supomos que
essa expressão apareça na literatura do campo a partir de seu uso prático e da tradução das
expressões inglesa e francesa “museum education” e “éducatíon museale”, quando o adjetivo
museal ainda não tinha ganhado grande repercussão no campo museológico brasileiro, isto é,
em especial nas décadas de 1980 e 1990. Antes disso, era comum o uso das expressões
“função” ou “papel educativo dos museus” e “educação extraescolar”, para designar as ações
educativas museais. A partir da implementação em 2003, no Brasil, da Política Nacional de
Museus, pelo DEMU do Iphan, por meio de uma iniciativa que consideramos intencional, que
demarca uma renovação e consolidação do campo das políticas públicas de museus no país, a
expressão museal passa então a ser parte do domínio linguístico da área.
Muito embora pareça que há divergências quanto ao seu uso no âmbito dos debates
museológicos a partir da experiência do Brasil, o uso do adjetivo “museal” é recorrente em
222
outras línguas, como inglês, francês e espanhol (os idiomas oficiais do ICOM) e está presente
na publicação do ICOM conceitos-chave da museologia.
De acordo com Devallès e Mairesse (2013, p. 54-55), o adjetivo “museal” serve para
designar tudo o que é relativo ao museu, fazendo distinção entre outros domínios e posiciona-
se como “o político e tem o mesmo sentido que o social, o religioso, o escolar, o demográfico,
o econômico, o biológico, etc. Trata-se, em cada caso, de um plano ou de um campo original
sobre o qual serão colocados problemas a serem respondidos pelos conceitos”. Já o
substantivo “museal” “designa o campo de referência no qual se desenvolvem não apenas a
criação, a realização e o funcionamento da instituição “museu”, mas também a reflexão sobre
seus fundamentos e questões” (DEVALLÈS E MAIRESSE, 2013, p. 55). Os autores afirmam
ainda que:
A especificidade do campo museal ou, em outras palavras, aquilo que caracteriza a
sua irredutibilidade em relação aos outros campos vizinhos, consiste em dois
aspectos: (1) A apresentação sensível, que distingue o museal do textual gerado pela
biblioteca, que oferece uma documentação transmitida pelo suporte escrito (e
principalmente impresso: o livro) e requer não somente o conhecimento de uma
língua mas, igualmente, o domínio da leitura, o que conduz a uma experiência ao
mesmo tempo mais abstrata e mais teórica. [...]
(2) A marginalização da realidade, [...] Diferentemente do campo político, em que é
possível teorizar sobre a gestão da vida concreta dos homens em sociedade pela
mediação das instituições, tais como o Estado, o museal serve, ao contrário, para
teorizar a maneira pela qual uma instituição cria, pela separação e
descontextualização, ou pela produção de imagens, um espaço de apresentação
sensível, “à margem de toda a realidade” (Sartre), o que é próprio de uma utopia, ou
seja, um espaço totalmente imaginário, simbólico, mas não necessariamente
imaterial (DEVALLÈS E MAIRESSE, 2013, p. 55).
As polêmicas em torno do objetivo museal não se encerram no que diz respeito ao seu
uso para designar as ações que ocorrem especificamente nos museus, mas também dizem
respeito ao que essa adjetivação pode representar em termos dos conteúdos dos processos
educativos assim adjetivados.
Cabral (2012, p. 40-41) citando Chagas e sua análise sobre a linguagem museal e a
linguagem patrimonial, transpondo esse debate para o caso da Educação Museal x educação
patrimonial, afirma que:
Tal visão parece-nos poder ser confundida com uma limitação dos processos
educativos ao âmbito da comunicação, portanto reduzindo a questão do museal ou
patrimonial a manifestações da linguagem.
Discordamos, todavia, do apresentado, pois entendemos que tanto um processo
quanto o outro, pressupõe conceitos e objetivos próprios, delimitados não apenas
pelos espaços onde ocorrem, mas pelas metodologias de que lançam mão, do foco
das atividades, dos conhecimentos trocados com o público, das experiências que
utilizam para experimentar suas atividades (CASTRO, 2015a, p. 179).
Outros termos para designar a ação educativa museal e sua fundamentação teórica
foram forjados durante o século XX, tais como “curadoria pedagógica”, “curadoria
educativa”, “pedagogia museal”, “experiência museal” e “aprendizagem museal”, servindo
para elucidar o surgimento de perfis, conteúdos e metodologias próprios para o campo
museal, tornando-se comuns na sua literatura de referência. Apropriados por educadores
brasileiros, os termos incentivaram inclusive a adaptação e realização no Brasil de algumas
das pesquisas realizadas em museus estrangeiros.
É o exemplo do termo “Curadoria Educativa”, voltado para o campo da arte e
educação, que foi trazido para o Brasil por Luiz Guilherme Vergara, na década de 1990, tendo
como referência trabalhos desenvolvidos nos Estados Unidos da América, o autor afirma que:
Uma Curadoria Educativa tem como objetivo explorar a potência da arte como
veículo de ação cultural. Ela se baseia em um estudo iniciado em Nova York em três
situações institucionais da arte bastante distintas, são elas: o Metropolitan Museum
of Art, The New Museum of Contemporary Art e as curadorias de Arte pública de
Mary Jane Jacob (Culture in Action - Public Art). O que existe em comum entre
todos esses casos são seus esforços para expandir os conceitos de curadoria para
tornar suas exibições aquilo que Mary Jane Jacob aponta como foco de uma Ação
Cultural. Tornar arte acessível a um público diversificado é torná-la ativa
culturalmente. Esse é um ponto que tem sido crucial de debates e simpósios
internacionais sobre museus de arte e sua redefinição. A Ação Cultural da Arte
implica em dinamização da relação arte/indivíduo/sociedade - isto é, formação de
consciência e olhar (VERGARA, 1996, p. 243).
Notamos, portanto, que o campo teórico faz avançar também o prático. Nessa situação,
em particular, podemos reconhecer a implementação prática do que viria ser levantado como
demanda na construção da PNEM e que foi traduzido no princípio 3 e na diretriz 1 do eixo I,
de seu Documento Final85.
Há outros exemplos em que a partir do campo prático produzem-se conceitos. A
década de 1980 inaugurou uma série de pesquisas sobre as ações educativas museais, em
países como Canadá, Estados Unidos da América e Reino Unido. O resultado dessas
pesquisas foi importante para o incremento do escopo conceitual da Educação Museal.
Ao apresentar em sua tese as perspectivas teóricas que embasam as propostas
pedagógicas museais analisadas por estudiosos do campo da Educação Museal, Martins
(2011, p. 102-103) lista alguns autores contemporâneos que vêm se tornando clássicos no
campo, e classifica seus trabalhos em três categorias. A autora apresenta George Hein e John
Falk, como estudiosos da aprendizagem museal, Michel Van-Praët, Bruno Poucet e Michel
Allard, como pesquisadores da relação museu-escola e Eilean Hooper-Greenhill, pesquisadora
que aborda uma perspectiva social da Educação Museal. Ressaltamos que diferente de
Martins (2011), o que nos interessa no trabalho desses autores não é o conteúdo ou proposta
pedagógica que abordam, mas sim como essas práticas levaram à cristalização de termos e
conceitos no campo da Educação Museal que são utilizados para designar suas diversas ações.
George Hein (2002), professor americano, que se tornou estudioso das questões da
Educação Museal, pesquisando como se dá a aprendizagem museal a partir das experiências
dos visitantes no museu, afirma que, assim como os museus, as escolas foram parte do
investimento no desenvolvimento do sistema público para as massas, mas que diferente dos
museus, as escolas
85
Disponível em: <https://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2017/06/Documento-Final-PNEM1.pdf>.
225
escolas, como elas deveriam ser conduzidas, e se elas estavam fazendo o trabalho a
que se pretendiam. No final do século XIX, sistema escolar universal o crescente
incluia um sistema de taxas, bem como de avaliação das escolas e dos sistemas
escolares. Museus, embora igualmente instituições públicas na maioria dos países,
não estabeleceram abordagens similares para avaliar impacto em seus clientes. Foi
presumido que as pessoas iriam aprender, ser esclarecidas e ser entretidas pelas suas
visitas aos museus sem nenhuma referência ao estudo das experiências dos
visitantes. A ideia de que a resposta das audiências do museu é irrelevante ainda
existe em muitos museus (HEIN, 2002, p. 4-5, tradução nossa)86.
O autor aponta que a educação nas escolas e nos museus surgiu mais ou menos no
mesmo momento e, até a primeira metade do século XIX, ambas as instituições eram
entendidas como espaços de educação. Com o avanço do desenvolvimento das instituições e
dos sistemas escolares, porém, a função educativa do museu ficou deixada de lado, tendo que
ser retomada posteriormente como um debate a ser feito, o que tem efeitos até os dias atuais.
Ao abordar o significado da Educação Museal, Hein (2002) coloca o educando no
papel ativo do processo de aprendizagem. Apresenta a terminologia da educação formal e
informal, apenas para tratar como informal as ações educativas que não precedem de
currículo, afirmando que “formal e informal adequadamente descrevem os atributos
administrativos das configurações educacionais; os termos não deveriam ser usados para
descrever qualidades pedagógicas” (HEIN, 2002, p. 6), afirma ainda que processos
pedagógicos comuns podem ocorrer em escolas e em museus.
Hein (2002) defende que é necessário reconhecer as especificidades da Educação
Museal, da ação de seus profissionais, sem prejuízo da valorização da ação conjunta entre
museus e escolas com o objetivo de promover o aprendizado dos indivíduos e atuar na
preservação da cultura.
Falk e Dierking (1998) também pesquisaram o campo da Educação Museal pelo viés
do que chamaram de aprendizagem contextual, que se dá por meio da experiência museal,
fato que desperta nos visitantes: “sentimentos de aventura, de admiração, de afiliação com
entes queridos ou amigos, e de ver, talvez tocar e aprender sobre coisas novas” (1998, p. 83-
84, tradução nossa). Os autores também afirmam que o processo de aprendizagem se dá a
partir de influências internas e externas, relativas ao que sentimos, ao conhecimento que
86
Do original: “quickly developed an accountability system – inspectors, tests, and standard curriculum as well
as public discussion of what schools were for, how they should be run, and whether they were doing their
intended job. By the late nineteenth century, the increasingly universal school system included an assessment
system, as well as evaluations of schools and school systems. Museums, although equally public institutions in
most countries, did not establish similar approaches to assessing impact on their clients. It was assumed that
people would learn, be enlightened, and be entertained by their visits to museums without any reference to the
study of visitors’ experiences. The attitude that the response of the museum’s audience is irrelevant still exists in
many museums”.
226
carregamos, e às associações que podemos fazer entre as experiências táteis e visuais que
temos no museu. Para os autores:
87
Texto fruto da compilação dos debates realizados em um encontro de Educação Ambiental, realizado em
2005, no U.S. Fish & Wildlife Service’s National Conservation Training Center, em Shepherdstown, West
Virginia, nos EUA.
88
Do original: “the term we use to describe the learning that occurs in environmental education settings when
the learning is largely under the choice and control of the learner—most casual visitors who do not participate
in structured programs engage in free-choice learning. When children in school groups take field trips where
227
there is a predefined and highly structured lesson with limited or no choice or control over goals and activities,
this is not free-choice learning”.
89
Do original: “serve as a catalyst for significant improvements in practice and learning research and in
evaluation endeavors”.
228
Já Allard et al. (1994, p. 199-200), depois de realizarem estudos sobre a relação entre
museus e escolas a partir do final da década de 1980, analisaram visitas e afirmam que o
museu pode ser um espaço de aprendizagem e desenvolvimento, que promove progressos em
dois níveis: cognitivo (fatos conceitos e habilidades) e afetivo (atitudes diante do museu).
Para designar o conjunto das ações educativas, suas metodologias e conteúdos desenvolvidos
com grupos escolares em museus, por seus educadores, os autores utilizam o termo
“pedagogia museal”. Esse termo foi apropriado ou é utilizado de forma autônoma por
pesquisadores brasileiros, como Cazelli et al. (1999), Marandino (2008; 2013), Mortara
(2006) e Studart (2004) e pode ser assim definido:
A pedagogia museal, esta se define como um quadro teórico e metodológico à
serviço da elaboração, da realização e da avaliação das atividades educativas no
meio museal, atividades cujo objetivo principal é a aprendizagem de saberes
(conhecimento, habilidades e atitudes) pelo visitante (ALLARD e BOUCHER
Apud. MORTARA, 2006).
Para Studart (2004, p. 44), a pedagogia museal é composta por três conceitos de igual
peso: educação patrimonial; ação educativa e função/missão educativa, as quais representam
respectivamente a área de conhecimento do campo da museologia referente à educação, a
manifestação prática da educação nos museus e aquilo que cabe educacionalmente à
instituição museu.
A ação educativa museal prescinde de muitas das teorias elaboradas para o campo da
educação escolar. Isso não significa que uma pedagogia, ou pedagogias museais não estejam
sendo criadas a partir da experiência educativa museal. Como temos defendido até agora,
consideramos que a ação educativa museal tem características próprias que permitem a
delimitação de um campo específico.
A pesquisadora inglesa Eilean Hooper-Greenhill, organizadora do livro intitulado The
educational role of the museum, corrobora essa ideia, ao afirmar que o alcance educacional
dos museus tem mudado nos anos recentes e que a Educação Museal passou de uma limitada
provisão voltada para grupos determinados, como crianças em idade escolar ou adultos em
grupos turísticos, para constituir ações mais amplas, incluindo-se exposições, exibições,
teatro, publicações, pesquisa, eventos e oficinas (HOOPER-GREENHILL, 2002).
Hooper-Greenhill (2002) também reconhece o papel dos profissionais do campo, cada
vez mais expandido e variado. Sua ideia sobre o papel educacional do museu baseia-se em
três pilares:
90
Do original: “In grasping the complexity of the role of the museum, three words reoccur: education,
interpretation and communication. There is confusion in museum circles as to what these words actually mean
and how they interrelate. In some ways, this semantic confusion indicates a lack of a holistic view of the
educational potential of the museum. There is still a tendency to see ‘education’ as taught sessions for
schoolchildren, and there is still a failure to acknowledge that museum education must be seen in the context of
the museum or gallery as a cultural organization within a contradictory and unequal social framework”.
91
Do original: “De l’éducation muséale à la médiation culturelle au musée: d’une muséologie de
l’apprentissage à une muséologie des publics”, texto disponível no endereço: <
http://network.icom.museum/fileadmin/user_upload/minisites/icofom/images/LIVRE_FINAL_DEFINITION_Icof
om_Definition_couv_cahier.pdf>.
230
92
Do original: “L’éducation, dans un contexte plus spécifiquement muséal, est liée à la mobilisation de savoirs,
issus du musée, visant au développement et à l’épanouissement des individus, notamment par l’intégration de ces
savoirs, le développement de nouvelles sensibilités et la réalisation de nouvelles expériences. (p. 87)”
93
Do original: “Située à l’intersection du culturel, de l’éducation, de la formation continue et du loisir, la
médiation culturelle s’inscrit dans le champ [de] ce qu’on appelle l’éducation informelle. […] Ces visées sont
tout à la fois éducatives […] récréatives (loisir) et citoyennes (être acteur de la vie de la cité). (p. 96)”
94
Do original: “la médiation culturelle se veut une forme évoluée de l’éducation muséale, puisqu’il s’agit d’un
champ de théories et de pratiques professionnelles recourant à des fondements éducatifs et pédagogiques
analogues. Toutefois, la médiation culturelle au musée intègre de nouvelles formes de sociabilités, basées sur les
attentes, les besoins et les motivations spécifiques des visiteurs. Se distinguant de l’éducation muséale, les visées
de la médiation culturelle se concentrent sur la qualité des liens qu’elle tisse et développe avec les publics, plutôt
que sur les savoirs ou sur la transmission des connaissances, voire leur construction ou leur coconstruction
(Vygotsky, 1878 ; Bruner, 1983).”
231
95
Do original: “Dans ce contexte de mouvance des trois dernières décennies, caractérisant le passage de
l’éducation muséale à la médiation culturelle au musée, ce dernier concept devrait-il être ajouté à la définition
internationale du musée? Ou bien, le concept d’éducation devrait-il en être retiré, pour faire toute la place à la
médiation muséale? D’une part, ajouter la médiation à la définition internationale du musée ne risque-t-il pas de
diluer l’essence même de sa fonction éducative, dont les travaux de recherche menés pendant près d’un siècle
ont contribué à en établir la légitimité? D’autre part, soustraire l’éducation de la définition internationale du
musée ne risque-t-il pas de voir réduire le concept de médiation à sa déclinaison de stratégie communicationnelle
axée sur le divertissement, ou, même, à sa déclinaison sociale la limitant à un espace de « rencontre des publics »
(Fourcade, 2014, p. 5) ? C’est dans ce contexte que la communauté muséale est invitée à réfléchir à la définition
internationale du musée du XXIe siècle, en y incluant ou non la médiation, en ajout ou non à l’éducation
muséale, en vue de mieux illustrer le passage d’une muséologie de l’apprentissage à une muséologie des
publics”.
232
temáticas. Nesse contexto, Mirian Celeste Martins (2018, p.85) nos apresenta uma definição
de mediação mais ampliada e que não exclui a dimensão educativa dessa ação:
nas áreas de educação, arte e cultura, o “estar no meio” implica na complexa posição
de “estar entre”, que possibilita uma rede de múltiplas provocações e possibilidades
de relações entre os sujeitos, objetos, espaços e contextos envolvidos. Um território
potente e de tensões que abrange estranhamentos, surpresas, choque, indignação,
afinidades, gostos, resistências, aberturas, diálogos, trocas, percepções ampliadas,
empatia, alteridade. Assim, considerando o ser humano como um ser histórico e
social inserido em sua cultura, a mediação é compreendida como interação e diálogo
que valoriza e dá voz ao outro, ampliando horizontes que levam em conta a
singularidade dos sujeitos em processos educativos na escola ou fora dela. Podemos
denominá-la como “mediação cultural”.
que a Educação Museal é um processo educativo não formal, já outros a situam no escopo das
ações informais, e há mesmo quem a apresente como ação formal (MATOS, 2014). Como
vimos, Falk e Dierking (1998) e Hein (2002) diferenciam aspectos dos processos educativos
museais, afirmando que em termos pedagógicos, não se pode falar em educação não formal,
quando se trata dos processos educativos que ocorrem em museus.
Nossa observação empírica, nossa atuação no campo, tanto na prática educativa
quanto na elaboração de políticas públicas, nos mostra, por outro lado, que a realidade “do
chão do museu” apresenta tanto processos sistematizados, registrados, avaliados e
teoricamente (inclusive pedagogicamente) fundamentados, quanto, na maior parte das vezes,
ações realizadas com pouco ou, raras vezes, nenhum planejamento.
Com mais ou menos afinidade entre si, as propostas conceituais que abordamos focam
na aprendizagem ou na experiência museal, na intencionalidade ou espontaneidade das ações
educativas.
Alguns dos termos também se transformaram ao longo da história e de sua aplicação
prática, passando de metodologia a conceito, como no caso da Educação Patrimonial,
evoluindo de uma proposta focada na preservação dos objetos para uma concepção que tem
na formação humana seu principal objetivo.
Sendo assim, nos propomos agora a abordar possíveis suportes teóricos para uma
definição de Educação Museal que contemple seu desenvolvimento histórico e suas demandas
contemporâneas.
A partir do que foi apresentado no item anterior, faz-se necessário definir um conceito
de Educação Museal, que seja teoricamente referenciado e que possibilite o embasamento de
ações práticas, estudos teóricos, conceituais e metodológicos e a elaboração de políticas
públicas para esse campo em conformação.
Marcelle Pereira (2010) apresenta, em “Educação Museal – entre dimensões e funções
educativas: a trajetória da 5ª Seção de Assistência ao Ensino de História Natural do Museu
Nacional”, um debate acerca do que é, como se aproximam e se diferenciam as dimensões e
234
se valorizar o aprendizado de sua língua natal96, apesar disso, significar um não aprendizado
inicial da língua italiana. Nosella (2010, p. 117), ao apresentar as ideias de educação de
Gramsci para crianças e adolescentes extrai desse contexto combinado ao conjunto da obra
gramsciana uma síntese sobre concepções pedagógicas:
96
Com sua unificação tardia, a Itália ainda possuía muitas línguas (Gramsci frisa que são línguas e não dialetos)
no início do século XIX. No debate aqui mencionado, Gramsci dialogava com sua irmã, Teresina, em uma carta,
sobre o ensino do sardo ao seu sobrinho Franco (NOSSELLA, 2010, p. 117).
97
Cabe a notar que a ideia de formação integral de Gramsci e que aqui defendemos nada tem a ver, inclusive
opõem-se em todos os sentidos, à ideia de integralidade do movimento integralista brasileiro, do qual Gustavo
Barroso, personagem marcante da história Museal brasileiro, foi signatário.
98
Uma publicação com o conteúdo das comunicações orais apresentadas no evento estão no prelo, com
publicação prevista para 2018. Para acompanhar e obter informações sobre o evento, ver:
<https://historiadamuseologia.blog/definir-o-museu-rio-2017/>.
238
Essa tomada de consciência, possibilitada também por meio das ações educativas
museais, assim como em toda as ações educativas defendidas por Freire, não é parte de um
processo neutro. Freire defende em sua teoria a necessidade da ação coletiva dos oprimidos
em libertarem-se e destaca a ação cultural como parte integrante desse processo, no sentido de
construção de uma cultura do oprimido contra a cultura do opressor, que pressupõe o
reconhecimento das relações de poder no âmbito da cultura e sua posterior transformação por
vias coletivas, na forma da ação cultural:
Frisamos que a educação como um todo e a museal em particular são por nós
entendidas no contexto geral de uma sociedade dividida em classes e cujo poder hegemônico,
manifestado inclusive por via da cultura, está em constante disputa, sendo imperativa a
construção e ações culturais libertadoras.
Parte do processo de construção de ações culturais que se contraponham ao poder
hegemônico está em fazer os oprimidos reconhecerem os espaços em que tenham voz e que
materializam suas falas, possibilidade especialmente aplicável no contexto da Educação
239
Museal. Apesar de não estar tratando de objetos musealizados, podemos transpor a fala de
Freire, destacada no trecho a seguir, para o contexto museal, propondo a partir dela que a
Educação Museal cumpra um papel no processo de construção permanente, no âmbito de uma
práxis coletiva, de ações culturais populares com vistas à emancipação humana.
Tarefa educativa e formativa do Estado, cujo fim é sempre criar novos e mais
elevados tipos de civilização, de adequar a “civilização” e a moralidade das mais
amplas massas populares às necessidades do contínuo desenvolvimento do aparelho
econômico de produção e, portanto, de elaborar também fisicamente tipos novos de
humanidade (GRAMSCI, 2012, p. 23).
O papel dos educadores museais, não só no seu trabalho cotidiano de desenvolvimento
de ações educativas, mas também na formulação e desenvolvimento de políticas públicas de
Educação Museal, como no caso da construção participativa da PNEM, contribui para a
configuração de um contexto favorável à transformação social. Os museus são assim locus de
disputas de concepções de mundo, de construção de novas hegemonias e de formação de
novas lideranças. Devem ser espaços de desenvolvimento da sociedade civil, de sua
consciência crítica e de sua organização para a vida política ativa. Schlesener (2007, p. 33)
ressalta que:
jornais de opinião, etc.) A história das classes dominadas “está entrelaçada àquela da
sociedade civil”; é este o seu espaço de organização política.
Museu como espaço de organização política; museu como espaço de reconstrução da
história, de reconhecimento das memórias e das lutas do povo; museu como espaço de
construção de novas hegemonias. Se por um lado os intelectuais tradicionais fazem dos
museus espaços de manutenção da ordem, os intelectuais orgânicos podem fazer deles
espaços de luta. Neste sentido, também Paulo Freire pode contribuir para o entendimento do
que seria uma Educação Museal popular e transformadora, cujo papel é de fazer parte dos
mecanismos de disputa pelo poder:
Consideramos que o primeiro passo para constituir um escopo teórico que baseie ações
educativas museais é entender que cada ação, por mais específica que seja, é peça de um
quebra-cabeças educacional, que se entrelaça a outras ações e processos educativos, que
devem ter no seu conjunto a concepção de uma formação integral.
Gramsci (2011, p. 18) afirma que “não existe trabalho puramente físico”, uma vez que,
sendo condição humana, mesmo aquele trabalho manual ou instrumental implica pensamento,
relações sociais. Nesse sentido o autor também afirma que:
seria possível dizer que todos os homens são intelectuais, mas nem todos os homens
têm na sociedade a função de intelectuais [...] Formam-se assim, historicamente,
categorias especializadas para o exercício da função intelectual; formam-se em
conexão com todos os grupos sociais, mas sobretudo em conexão com os grupos
sociais mais importantes, e sofrem elaborações mais amplas e complexas em ligação
com o grupo social dominante (GRAMSCI, 2011, p. 18-19).
Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não
se pode separar o homo faber do homo sapiens. Em suma, todo homem, fora de sua
profissão, desenvolve uma atividade intelectual qualquer, ou seja, é um “filósofo”,
um artista, um homem de gosto, participa de uma concepção de mundo, possui uma
linha consciente de conduta moral, contribui assim para manter ou para modificar
uma concepção do mundo, isto é, para suscitar novas maneiras de pensar
(GRAMSCI, 2011, p. 53).
Apesar disso, a sociedade capitalista limita, desde a formação inicial até a oferta de
atividades culturais, as possibilidades de desenvolvimento humano. De acordo com a análise
de Gramsci (2011), a sociedade capitalista desenvolve a educação de duas maneiras: uma
voltada para a formação dos modernos quadros intelectuais, a elite dominante, baseada na
escola clássica, formativa, de cultura geral e outra voltada para os trabalhadores, profissional,
instrumental e interessada99.
Essa diferenciação contribui para a desigualdade social e tem como uma das suas
consequências a limitação do universo cultural conhecido, acessível e frequentado pela maior
parte do povo.
Ao pensar uma proposta educacional no âmbito de uma nova concepção de mundo,
Gramsci propõe a escola unitária, que atenderia a todos de maneira igual, sendo voltada para a
formação integral, isto é, desenvolveria as habilidades intelectuais, físicas, artísticas,
99
Educação enteressada, em Gramsci, é aquela que tem um objetivo específico a cumprir na estrutura da
sociedade capitalista, no caso da educação para os trabalhadores, a de formar tecnicamente profissionais e não
formar para a produção intelectual, científica e artística, formação restrita às classes dominantes. Para mais
informações acerca do debate da educação interessada e desinteressada (NOSELLA, 2010, Parte I).
243
científicas, manuais, de todos, com o objetivo de estruturar uma nova sociedade. Combinadas
às escolas unitárias e desinteressadas, iriam unificar-se:
O Museu Moderno não é mais um espaço fechado para as elites. Deve ser uma
organização aberta para os povos, sem perder, contudo, sua razão de ser intrínseca:
educar a sensibilidade dos cidadãos, elevar-lhes o gosto, tornar-los aptos a julgar e
apreciar as coisas, as obras dos homens.
O Museu não pode se resumir a ter um acervo de obras de arte mais ou menos
importantes e expô-las permanentemente ou periodicamente. Deve cuidar de suas
A seguir serão utilizados trechos do artigo intitulado “ Notas sobre as contribuições de Friedrich Schiller e Mário
Pedrosa para uma proposta de educação estética na contemporaneidade.”, disponível em: Em_Fil [online], n. 5,
2015, acessível em: http://en-fil.net/ed5/conteudo/index_005_fernanda.php.
244
Esses meninos todos não vão continuar gênios ou grandes artistas amanhã, quando
alcançarem a vida adulta. Não é para isso que estão trabalhando. Mas a experiência
de agora servirá onde quer que estejam amanhã, como artistas, artesãos, industriais,
técnicos, doutores, não importa. Ela lhes dará um estalão precioso para julgar e
apreciar, sem desajustes e prejuízos, tornando-os aptos ao fazer e ao agir, ao pensar e
ao sentir, com menos incoerência ou melhor sincronizados de mente, de atos, de
impulsos e de gestos (PEDROSA, 1996, p. 68).
Para o autor, a arte não é mera expressão de emoções e conflitos, técnica de desabafos
que visa provocar catarses em indivíduos indecisos ou ainda em formação, é parte da
245
existência humana e da sua forma de se relacionar com a natureza. Nesta lógica, uma proposta
de educação estética não tem como objetivo formar artistas, mas sim as atividades artísticas:
[...] têm ação sobre os que a elas se entregam. Nas escolas elas dão aos meninos e
meninas destreza e graça de movimentos e integram na personalidade os sentidos,
antes dispersos e desconexos.
O objetivo principal de uma ocupação artística persistente e sistemática não está, no
entanto, na produção de obras-primas, nem mesmo na construção desta ou daquela
obra em particular. O que sai das mãos ou da cabeça do incipiente artista ou artesão
não é o que importa. O que importa é o que ganha, com tais atividades, a sua
personalidade: o controle dos sentimentos, o desenvolvimento harmônico dos
sentidos, o despertar da sensibilidade, o equilíbrio interno das emoções. [...] Cria-se
assim em cada um de nós um melhor aparelho de apreensão e recepção, antenas
sensoriais mais aguçadas, e transmissores, à nossa disposição, mais precisos e
controlados. Saímos todos enriquecidos dessas ocupações gratuitas, e que nos fazem
entrar num contato mais delicado e sutil com as coisas, os outros seres e o mundo.
Por isso mesmo, ao lado da educação física, já uma fila enorme de pedagogos
modernos sustenta que deve vir imediatamente a educação artística, isto é, a
educação propriamente dos sentidos e das emoções. Esta deve preceder a educação
do intelecto e do espírito, e ao invés de aprender primeiro a geografia ou matemática
e o outro se impregnar do catecismo ou da filosofia, aprenda primeiro a ver os
objetos, a distinguir os sons, a sentir a vida palpitante das coisas por si mesmas
(PEDROSA, 1996, p. 62).
Pedrosa afirma ainda que aqueles cuja formação incluir a experiência artística não
virarão as costas para a liberdade, “não baterão palmas a ditadores histéricos” e “apreciarão
todo trabalho bem realizado”, identificando nele a presença do homem através do trabalho
(PEDROSA, 1996, p. 72).
Mário Pedrosa produziu sua obra a partir de um lugar no mundo em que uma postura
política crítica diante da sociedade foi determinante, como vemos em obras como A opção
imperialista ou Sobre o PT101. O autor considerava fundamental a proposta de Educação
Estética para a transformação da realidade social e afirmava que:
Ainda nos encontramos numa civilização que teme a educação dos sentidos e das
emoções, que timbra em abafar no homem o impulso espontâneo inicial para criar.
Para ter do mundo um conhecimento que não seja a mera acumulação de
informações quantitativas sobre as coisas, não basta ao homem o atual conhecimento
exclusivamente conceitual. [...] O homem atual é um ser imperfeitamente
desenvolvido, pois a educação e o meio a que é submetido lhe embotam o
desenvolvimento espontâneo da visão, dos outros sentidos, da sensibilidade
(PEDROSA, 1996, p. 68).
101
Pedrosa foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores.
246
Pedrosa (1996) defendeu que a arte tem papel fundamental para uma formação que
eleve a sociedade a uma situação onde a sensibilidade e a razão se equilibrem direcionando o
homem à liberdade. Para o autor, a sensibilidade precede a razão no desenvolvimento
cognitivo humano e é neste sentido que uma educação estética, que atinja o homem desde a
sua primeira experiência com a percepção da forma e que estimule a boa relação com suas
sensações e sentimentos, teria a capacidade de habilitá-lo para o melhor uso da racionalidade.
Dentro desta lógica, também apresenta a necessidade de dissociar, numa proposta
educativa, o conhecimento do mundo e sua experiência. Pedrosa (1975, p. 217), afirma que “a
humanidade não é mais separada de um lado pelo homem (burguês) da escrita todo virado
para o abstrato, o intelectual e o racional e o homem sem escrita virado para o concreto, o
imaginário e o emocional”. Também aí podemos identificar a necessidade de integração entre
o abstrato, o intelectual e o concreto, o prático.
Pelas análises produzidas por Pedrosa (1975) sobre experiências educativas realizadas
em cursos experimentais de artes plásticas ou sobre tratamentos alternativos no caso de
doentes mentais, consideramos possível identificar um caminho que segue em direção à
crítica do desenvolvimento da formação humana na modernidade, que é propositiva e que na
contemporaneidade poderia apontar para a necessidade de se:
Assim como Paulo Freire, Waldisa aposta no desenvolvimento do senso crítico dos
indivíduos para estimular uma ação ativa. O museu é para a autora um espaço onde o
potencial transformador do indivíduo ocupa papel central.
Reconhecer as experiências, os saberes, o conhecimento e os contextos sociais e
culturais trazido pelos visitantes é parte fundamental da promoção desse potencial. Com a
tradição elitista que o museu teve ao longo da história de seu desenvolvimento, que ainda
mantém-se em alguns aspectos e práticas, muito se vê de uma expectativa que os visitantes
precisem ter conhecimentos prévios para acessar o museu e seu universo. Contraditoriamente,
sua bagagem cultural não é reconhecida nesse ínterim. A professora da Universidade de São
Paulo, Marília Xavier Cury (2013, p. 16) aponta sua perplexidade com
248
CONSIDERAÇÕES CONTÍNUAS
Nosso percurso para a realização desta tese iniciou-se poucos dias após a seleção
brasileira ter sido derrotada, em território nacional pela seleção Alemã. O inesquecível 7x1
que para muitos parecia ter sido a pior tragédia que poderia ocorrer, virou jargão sociológico,
chacota popular, para designar as muitas outras lástimas pelas quais, a partir daí, passaria a
sociedade brasileira.
O ano seguinte, 2015, trouxe às ruas o movimento daqueles que ficaram conhecidos
entre os movimentos de esquerda como “coxinhas”. Setores das classes médias que saíram às
ruas com reivindicações retrógradas e conservadoras, que chegaram ao ponto de pedir a volta
da ditadura militar. Em 2016, o Brasil sofreu um golpe político que destituiu do cargo a
presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, colocando seu vice-presidente, do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro, Michel (FORA) Temer, no poder. A partir de,
então, sucederam-se severos ataques aos direitos conquistados nas muitas lutas do povo.
Reforma trabalhista, cortes de gastos, congelamentos no setor público, proibição de
concursos, reforma curricular e educacional. Muitos outros ainda estão por vir.
No campo dos museus assistimos, nesse período, ao encerramento e à proibição de
exposições, à condução coercitiva de artista, crucificação social de curadores, uma série de
ataques morais e democráticos que, em nome da “moral e dos bons costumes”, colocaram
também o campo da cultura na rota do avanço conservador. Já em 2018, no mês que
representa a luta das mulheres, poucos dias após o 8 de março, dia internacional das mulheres,
foi executada Marielle Franco, mulher, negra, lésbica, favelada, vereadora do Rio de Janeiro,
250
que tinha como bandeiras a luta pelos direitos humanos, pelas melhorias de condições dos
oprimidos e explorados de nossa sociedade.
Esta tese foi escrita em meio a um clima de apreensão, em que parecia que cada
capítulo concluído, cada palavra escrita poderia seguir-se de uma nova tragédia anunciada. A
necessidade de afastamento da luta cotidiana, para imersão nos estudos e na produção textual,
por vezes, pareceu-nos sufocante, como se algo de muito importante estivesse sendo deixado
de lado. Apesar desse sentimento, a escrita desta tese foi encarada também como luta. A
despeito de toda conjuntura, podemos dizer que os anos que se passaram enquanto era feito
este trabalho foram de conquistas para o campo da Educação Museal, especialmente no
Brasil. Parecemos estar nadando contra a maré, quando debatemos democraticamente e
definimos colaborativamente uma Política Nacional de Educação Museal, que foi feita a
muitas mãos e mentes.
A definição da PNEM, a publicação da Portaria n°422 de 30 de novembro de 2017, do
Ibram, que a institucionalizou e que coloca a colaboração entre o Instituto Brasileiro de
Museus e demais atores da sociedade civil como modo de implementação da PNEM, de sua
consolidação e avaliação, é um marco importante para a Educação Museal. Porém, como
podemos concluir após nossa incursão pelo mundo das políticas públicas de museus, leis,
documentos e processos longos de debate não são o suficiente para garantir, desenvolver e dar
continuidade às políticas públicas no Brasil.
Semelhante situação foi percebida em Portugal, que nesta década tenta reerguer-se
após um período de crise econômica, que gerou desemprego e cortes nos direitos sociais,
tendo efeitos inclusive no campo da cultura e dos museus.
Nossa intenção inicial era percorrer o campo das políticas públicas de Educação
Museal para identificar sua constituição histórica, reconhecer suas bases conceituais e seus
efeitos na prática educativa museal. Ao fim da elaboração dessa tese, reconhecemos que
fizemos um trabalho mais informativo do que esperávamos, mas ainda assim com o caráter
reflexivo e propositivo que pretendíamos. Não era nosso objetivo, em nosso primeiro
planejamento, fazer a pesquisa histórica sobre as políticas públicas de museus e de cultura,
sobre as instituições pesquisadas, mas entendemos que isso tornou-se necessário no processo
da pesquisa e escrita da tese. Era importante entender o caminho histórico que levou às atuais
políticas públicas de Educação Museal e era preciso, para isso, entender seu contexto mais
amplo e sua posição no desenvolvimento do Estado.
Julgamos que as condições da constituição do Estado, no Brasil e em Portugal, em
especial no que diz respeito aos períodos de privação da democracia, levaram a um
251
102
Para mais informações, ver: <http://aeessp.org.br> e: PL 5346/2009 e do PL 328/2015.
254
incluindo-se entre suas funções a atuação de educadores em contextos não escolares que
incluam, por exemplo, ações relacionadas à preservação cultural e à promoção de povos e
comunidades remanescentes e tradicionais. Podemos considerar que esta proposta atinge
também os educadores museais, de instituições culturais e de memória, cujas funções se
enquadram na descrição dada à profissão nos projetos a partir da definição do campo de
atuação dos educadores sociais.
Diante de tamanhos desafios, nos questionamos sobre o por quê de existirem tantos
documentos e orientações internacionais e nacionais, como são produzidas tantas reflexões
pelos agentes do campo, sem que boa parte disso seja efetivado em desenvolvimento e
melhorias para o campo?
Portugal tem documento que muito assemelha-se à PNEM do Brasil. Por que não
implementar as recomendações oriundas do Encontro Serviços Educativos em Portugal: Ponto
da Situação, de 2011? No Brasil, temos a possibilidade de, com a PNEM, transformar essa
ação em referência internacional e parâmetro para a América Latina e para outros países com
realidades parecidas.
Ressaltamos que consideramos a participação ativa da sociedade peça fundamental na
elaboração e sucesso de políticas públicas. Nesse sentido, defendemos a criação e
fortalecimento das Redes de Educadores, de associações profissionais, de coletivos,
movimentos e demais formas de organização que impulsionem e auxiliem os educadores em
sua luta cotidiana.
Também a elaboração de políticas públicas para o campo, realizada de forma
participativa, no modelo do que vimos na PNEM, que pode ser melhorado e tornado ainda
mais amplo e democrático, é para nós a melhor forma de garantia de sucesso, com o
envolvimento não só dos elaboradores, mas do próprio público-alvo que usufruirá das
definições das políticas.
Fazemos parte de uma iniciativa recente que tem como objetivo principal implementar
e colaborar com a difusão das orientações da PNEM. Participamos da criação, em 2018, do
Programa de Pesquisa e Elaboração em Educação Museal (PPEEM) do Núcleo de Educação
do Museu Histórico Nacional. O PPEEM atuará na realização de atividades de debate,
formação e elaboração teórica e prática no campo da Educação Museal, junto ao Ibram, suas
instâncias administrativas, suas unidades e outros parceiros, buscando contribuir para a
formação profissional dos educadores e para a criação e a consolidação de instrumentos de
planejamento, sistematização, registro e avaliação, de publicização da produção do campo e
de eventos a ele relacionados.
255
Essa e outras iniciativas podem ser replicadas tanto pelo Brasil, quanto em Portugal,
com focos regionais e locais, em instituições públicas e privadas, mantendo o necessário
caráter colaborativo entre os diferentes atores do campo das políticas públicas, na busca de
menos conflitos e mais consensos. Terminamos nosso trabalho não com ponto-final, mas
como quem procura o lugar onde termina o mar e começa o céu no horizonte, considerando o
fechamento desta etapa de pesquisa enquanto significativas reticências...
256
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Apêndice I
Instituição:________________________________________
Responsável pelas informações:______________________
Apêndice II
MNSR 5, 12 e 19 de julho de 2017: Projeto “Pela Arte... restaurar memórias, desenhar sorrisos",
parceria com o Hospital Magalhães Lemos
10 de julho - Visita ao Museu Casa de Fernando de Castro (Unidade do MNSR) para
observação de visita guiada
10 e 24 de agosto de 2017: Visitas Noturnas
15 de novembro - visita com turma universitária do curso de Arqueologia da FLUP
16 de novembro - visita escolar com estudantes do ensino fundamental da Escola
Francesa
22 de novembro - visita escolar, com estudantes do 12° ano do Ensino Básico
Visitas Mediadas
-observação de visita com turma universitária no 15 de novembro
MNSR
-observação de visita escolar no MNSR 16 de novembro e 22 de novembro