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PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO:

COMPARTILHANDO SABERES
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio


Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo
Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado
Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini

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Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado


Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato
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Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes
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Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini
Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima
Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias
Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto
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Profa. Dra. Terezinha Oliveira
Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco
Profa. Dra. Luzia Marta Bellini
Profa. Dra. Valéria Soares de Assis

EQUIPE TÉCNICA

Projeto Gráfico e DesignMarcos Kazuyoshi Sassaka


Fluxo EditorialEdneire Franciscon Jacob
Mônica Tanamati Hundzinski
Vania Cristina Scomparin
Edilson Damasio
Artes Gráficas Luciano Wilian da Silva
Marcos Roberto Andreussi
Marketing Marcos Cipriano da Silva
Comercialização Norberto Pereira da Silva
Paulo Bento da Silva
Solange Marly Oshima
FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD

Janira Siqueira Camargo


Sheila Maria Rosin
(ORGANIZADORAS)

Psicologia e educação:
Compartilhando saberes
2. ed.

11
Maringá
2009
Coleção Formação de Professores - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Edição e Produção Editorial: Carlos Alexandre Venancio
Eliane Arruda
Capa: Júnior Bianchi

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Psicologia e educação: compartilhando saberes / Janira Siqueira Camargo; Sheila Maria


P974 Rosin, organizadoras. 2. ed. Maringá: Eduem, 2009.
126p. 21cm. (Formação de professores – EAD; n. 11).

ISBN 978-85-7628-202-0

1. Educação – Psicologia. 2. Psicologia da educação. 3. Psicologia educacional. I.


Camargo, Janira Siqueira, org. II. Rosin, Sheila Maria, org.

CDD 21. ed. 370.15

Copyright © 2009 para o autor


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2009 para Eduem.

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3261-4103 / Fax: (0xx44) 3261-1392
http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br
S umário

Sobre os autores > 5

Apresentação da coleção > 7


Apresentação do livro > 9

CAPÍTULO 1
A psicologia e a educação:
repensando a “natureza humana”
> 11
Leonor Dias Paini / Sheila Maria Rosin

CAPÍTULO 2
Contribuições da neuropsicologia para a
compreensão do processo de aprendizagem > 27
Djalma Ferreira Paes

CAPÍTULO 3
O desenvolvimento psicomotor
Carlos Roberto de Arruda
> 41

CAPÍTULO 4
O desenvolvimento afetivo-emocional
Janira Siqueira Camargo / Raymundo de Lima > 55

3
PSICOLOGIA E CAPÍTULO 5
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES
O desenvolvimento cognitivo
Elaine Regina Rufato Delgado
> 77

CAPÍTULO 6
Os incríveis anos da adolescência
Sheila Maria Rosin
> 91

CAPÍTULO 7
O papel do desenho no desenvolvimento infantil
Janira Siqueira Camargo > 111

4
S obre os autores

CARLOS ROBERTO DE ARRUDA


Professor do Colégio Estadual Pedro II (Umuarama). Graduado em

Educação Física (Faficla). Especialista em Treinamento Desportivo (UEM).

DJALMA FERREIRA PAES


Biomédico (UFPE). Mestre em Fisiologia Humana (UFPE).

ELAINE REGINARUFATO DELGADO


Professora da Faculdade Global (Umuarama). Graduada em Ciências e

Matemática (Unipar).

JANIRA SIQUEIRA CAMARGO


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em

Psicologia (UEM). Mestre em Psicologia da Educação (PUC-SP).

LEONOR DIAS PAINI


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em

Pedagogia (UEM). Mestre em Educação/Psicologia Educacional (PUC/SP).

Doutora em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano (USP).

RAYMUNDO DE LIMA
Professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduado

em Psicologia (UGF). Mestre em Psicologia Escolar (UGF). Doutor em

Educação (USP).

SHEILA MARIA ROSIN


Professora da Universidade Estadual de Maringá (UEM). Graduada em

Pedagogia (UEM). Mestre em Fundamentos da Educação (UEM). Doutora

em Psicologia da Educação (PUC-SP).

5
A presentação da Coleção
A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em
2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do
Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material
didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de
Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda
edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos
deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para
esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido
pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado
Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi-
dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado
para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O
que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura,
da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a
formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse
processo.
Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti-
tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta
coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante

7
PSICOLOGIA E específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos
SABERES
e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu-
desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma
modificação significativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a
Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES)
conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li-
beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para
aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de
pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação
Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa
contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como
de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino
superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB.

Maria Luisa Furlan Costa


Organizadora da Coleção

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A presentação do livro

Todos nós já ouvimos o seguinte provérbio popular: “de médico e de louco todo
mundo tem um pouco”. Poderíamos acrescentar a esse ditado que de médico, de louco
e de psicólogo todos temos um pouco, uma vez que sempre estamos observando e ana-
lisando os comportamentos, as atitudes e os valores das pessoas procurando descobrir o
que elas pensam. No entanto, assim como alertamos para os perigos da automedicação,
também devemos estar atentos para o uso indevido de conceitos que não se configuram
como conhecimentos provenientes das ciências psicológicas, mas estão muito mais para
uma psicologia barata, de senso comum, como existem em muitas revistas por aí.
Essa busca pela compreensão da psique humana, contudo, pode significar que o
homem está sempre procurando entender a si mesmo e aos outros, nem sempre na
tentativa de crescimento, mas, com certeza, vislumbrando dominar os mistérios que
envolvem a complexidade do universo psíquico.
A Psicologia, como ciência da área de humanas, precisa ser estudada para que o
domínio de seus conceitos possa ser aplicado nos diversos campos do conhecimento,
dentre eles a Educação.
Desta maneira, o espaço da Educação é prodigioso de oportunidades que exigem
conhecimento do profissional que se dedica a ele. Por isso, o objetivo deste livro é
propiciar àqueles que pretendem exercer ou que já exercem a docência conhecimentos
sobre o processo de desenvolvimento humano em suas dimensões neurológica, psico-
motora, cognitiva e afetiva, entendendo-as a partir de seus condicionantes sociais, bem
como suas implicações para a Educação.
É importante ressaltarmos que o uso inadequado e superficial das teorias psicoló-
gicas no campo educacional aponta para uma banalização da Psicologia, dando origem
a afirmações precipitadas que geram preconceitos, segregações, discriminações, enfim,
uma série de atitudes que em nada contribuem para a efetivação da aprendizagem. Nes-
te sentido, os conteúdos dos diversos capítulos deste livro objetivam auxiliar os educa-
dores a melhor compreender os processos que ocorrem na aquisição do conhecimento,
e não a torná-los “psicoterapeutas”.
Os textos aqui apresentados são escritos sob viés de diferentes perspectivas teóricas,
mas possuem uma unidade à medida que trazem como fio condutor questões de estudo

9
PSICOLOGIA E da Psicologia da Educação e que corroboram para a formação do educador.
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Assim, o primeiro capítulo, de Leonor Dias Paini e Sheila Maria Rosin, intitulado “A
SABERES
Psicologia e a Educação: repensando a ‘natureza humana’”, foi escrito com a finalidade
de apresentar parte da história da Psicologia em seu processo de constituição enquanto
ciência e seu imbricamento com a Educação.
No segundo capítulo, “Contribuições da Neuropsicologia para a Compreensão do
Processo de Aprendizagem”, Djalma Ferreira Paes apresenta uma discussão relativa às
formas pelas quais o corpo humano recebe as informações do meio e as transforma no
cérebro, gerando processos subjetivos (pensamentos, por exemplo) e objetivos (ações)
que levam ao desenvolvimento da aprendizagem.
Carlos Roberto Arruda, no terceiro capítulo intitulado “O desenvolvimento psicomo-
tor”, discute a educação do corpo como instrumento e como fator de equilíbrio geral do
organismo, dado que o exercício das atividades motoras, além de exercer papel prepon-
derante no desenvolvimento somático e funcional do ser humano, estimula a formação
das funções biopsicossociais.
A respeito do desenvolvimento emocional, Janira Siqueira Camargo e Raymundo de
Lima redigem o capítulo quarto, com o título “O desenvolvimento afetivo-emocional”,
tomando o referencial teórico da psicanálise freudiana visando a instrumentalizar o pro-
fessor acerca dos conhecimentos referentes à formação da personalidade dos indivíduos
para que possam melhor compreender o comportamento de seus alunos em sala de
aula, buscando procedimentos e estratégias que se ajustem às diferenças individuais.
No capítulo quinto, denominado “O desenvolvimento cognitivo”, Elaine Regina Rufa-
to Delgado apresenta a Epistemologia Genética de Jean Piaget, destacando a importância
das situações desequilibradoras, oriundas do meio físico e social, para a construção de
conhecimentos por parte do sujeito, favorecendo o seu processo de desenvolvimento.
A adolescência, tema do sexto capítulo “Os incríveis anos da adolescência”, é abor-
dada por Sheila Maria Rosin com o intuito de refletir sobre a adolescência como um
período da vida com peculiaridades próprias, mas, fundamentalmente, como historica-
mente determinada.
Janira Siqueira Camargo, no sétimo capítulo, “O papel do desenho no desenvolvi-
mento infantil”, discute o desenho como instrumento de auto-expressão que favorece
a compreensão do desenvolvimento da criança e a importância do professor utilizá-lo
como recurso pedagógico em sala de aula.
Desta forma, o professor poderá encontrar nas teorias da Psicologia da Educação
uma importante ferramenta para direcionar sua ação pedagógica, reciclando e redimen-
sionando práticas, conceitos e sentimentos envolvidos nos processos educativos.

Janira Siqueira Camargo


Sheila Maria Rosin
Organizadoras

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1 A psicologia e a
educação:
repensando a
“natureza humana”

Leonor Dias Paini / Sheila Maria Rosin

INTRODUÇÃO

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer
cultura, sem “tratar” sua própria presença no mundo, sem sonhar,
sem cantar, sem musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas,
sem usar as mãos, sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista
sobre o mundo, sem fazer ciência, ou teologia, sem assombro em face
do mistério, sem aprender, sem ensinar, sem idéias de formação, sem
politizar não é possível [...]

Paulo Freire

O terceiro milênio caracteriza-se por avanços tecnológico e científico espetacula-


res. No percurso da civilização, o homem conquistou, dominou e transformou a natu-
reza. Muitas coisas descobertas e inventadas ao longo dos séculos foram melhoradas
e popularizadas, a exemplo do rádio, do telefone, do computador, do avião, da tele-
visão, do automóvel, dos eletroeletrônicos e dos exames clínicos de última geração,
tudo arquitetado e executado visando ao bem estar do próprio homem. Mas se por um
lado esse desenvolvimento trouxe muitos benefícios para a humanidade, por outro,
ainda não atendeu às milenares indagações do homem acerca de suas diversas formas
de existência: espiritual, afetiva, física e cognitiva.
Se desde a mais remota antiguidade a Psicologia, submetida à Filosofia, procurava
explicar o homem em suas diferentes dimensões, ainda hoje as ciências psicológicas

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PSICOLOGIA E enfrentam essa difícil tarefa, mas agora em contextos cada vez mais complexos, nos
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO quais se aliam aos avanços tecnológicos e científicos as mais variadas formas de
SABERES
exclusão.
No Brasil, essa exclusão se manifesta de diversas maneiras, dentre elas, no grande
número de pessoas que não tem acesso à tecnologia; no de pessoas que vivem com
menos de um salário mínimo ou no alto índice de pessoas analfabetas, ainda que fun-
cionais. As inúmeras facetas assumidas pela exclusão descortinam um grave quadro de
contradição social: de um lado, as benesses do desenvolvimento tecnológico e cien-
tífico e, de outro, os marginalizados e excluídos socialmente, sem acesso a condições
mínimas de sobrevivência.
Nesse momento, inclusive, torna-se importante parafrasear o educador Paulo Frei-
re em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, semanas antes de sua morte:

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo [...] desrespeitan-


do os fracos e enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os outros.
[....] Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a
sociedade muda (FREIRE, 1997, p. 3).

Instigados por tal posicionamento, perplexos com a situação das condições huma-
na e acreditando no papel da educação, nos propomos a escrever sobre o desenvolvi-
mento histórico da Psicologia e, mais especificamente, da Psicologia da Educação, re-
fletindo sobre os desafios dessa área quanto à adequação de seus paradigmas teóricos,
filosóficos e práticos às necessidades atuais.

REPENSANDO A NATUREZA HUMANA


Ao indagarmos o professor, de qualquer nível de ensino, sobre qual a possível
causa para o não-aprendizado de seus alunos é muito provável ouvi-lo responder que
a causa está na incapacidade do aluno em aprender. Respostas assim revelam uma
tendência muito forte presente entre os professores em considerar fatores biológicos,
genéticos e/ou hereditários como responsáveis pelo não-aprendizado, ou seja, uma
tendência em acreditar que: “pau que nasce torto, morre torto”, ou ainda: “filho de
peixe, peixinho é”.
Outro grupo de professores poderia responder à mesma questão afirmando que é
o meio no qual o aluno vive, condicionado a fatores econômicos, morais e culturais,
que não permite que o aprendizado se efetive. Há ainda aqueles que somam os aspec-
tos biológicos e ambientais, resultando em uma miscelânea de fatores para justifica-
rem o não-aprendizado do aluno.
Deste modo, por meio de suas respostas, os professores demonstram concepções

12
que fundamentam sua prática pedagógica, mesmo que muitas vezes nem eles tenham Os processos de
aprendizagem e
plena consciência disso. Essas concepções podem ser assim sistematizadas: de um desenvolvimento:
abordagem histórico-
lado, uma concepção inatista-maturacionista, na qual a capacidade de aprender é com- cultural

preendida como algo inato, que já nasce com a pessoa, e de outro, a compreensão de
que a aprendizagem pode se realizar ou não, dependendo da influência do meio em
que a pessoa vive.
É interessante observarmos que ambas as posições, aparentemente tão diversas,
possuem como ponto de confluência depositar no aluno a responsabilidade pela sua
aprendizagem.
Um olhar mais perscrutador para esse comportamento revela que ele foi e ainda é
subsidiado por algumas áreas de conhecimento, entre elas a Educação e a Psicologia.
Tivemos, na Psicologia, uma busca por estudar com precisão os processos psicoló-
gicos elementares (sensação, percepção, hábito, reflexo), instituindo-lhes leis objetivas
e descartando como objeto de estudo tudo o que não pudesse ser medido e quan-
tificado. Houve também a Psicologia descritiva ou subjetiva, que estudou as formas
superiores do campo consciente do homem, enfocando-as como manifestação dos
sentidos. A existência dessas duas posturas na Psicologia gerou uma dicotomização da
natureza humana. Essa dicotomização ocorreu nos primórdios da história da ciência
psicológica, quando esta ainda fazia parte da Filosofia.
Apresentamos, na sequência, parte da história da Psicologia em seu processo de
constituição enquanto ciência com o intuito de mostrar como o dualismo entre as
concepções objetivista e subjetivista foi se construindo e quais foram as tentativas para
a sua superação. Pretendemos também demonstrar que a incorporação desses postu-
lados pela Educação gera afirmações precipitadas e superficiais relativas ao processo
de aprendizagem do aluno.

UM POUCO DE HISTÓRIA...
Ao resgatarmos parte da história do processo de constituição da Psicologia em ci-
ência, percebemos que as primeiras conjeturas sobre o psiquismo humano surgiram
na Antiguidade grega, período em que a esse respeito conviveram duas posturas: as
especulações metafísicas e as especulações materialistas. A primeira tinha por base as
ideias religiosas e místicas, e a segunda, as ideias dos filósofos gregos naturalistas, os
quais percebiam que no mundo existe uma racionalidade e que era preciso encon-
trá-la. Iniciou-se, assim, a luta dos filósofos que buscaram justificar racionalmente as
explicações míticas dadas aos fenômenos físicos e sociais pelas primeiras sociedades
humanas.
Segundo Rubinstein (1972), antes da Era Cristã (aproximadamente no século VI

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PSICOLOGIA E a.C.) os filósofos gregos já procuravam dar uma unidade ao mundo, explicando-o de
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO forma natural, espontânea e materialista.
SABERES
Divididos entre ar, água, terra, fogo e átomos, ou somando esses elementos, os
filósofos gregos integraram um período denominado Cosmológico ou Naturalista. O
período que se segue a este é chamado de Antropológico ou Sistemático, no qual ocor-
re um contraponto com os pensadores naturalistas, uma vez que para os filósofos do
período Antropológico o homem torna-se o centro das preocupações em lugar da na-
tureza física, passando então a ser visto como um ser capaz de produzir conhecimento.
É nesse período que ocorre a sistematização do pensamento grego, principalmente
por meio de pensadores como Platão e Aristóteles.
Platão (427-347 a.C.), filósofo que desenvolveu a tese idealista da alma, ao distinguir
a alma do corpo leva à completa separação entre eles (RUBINSTEIN, 1972). O filósofo
defendia a existência do mundo das ideias, que eram invisíveis, eternas, incorpóreas,
porém reais, e compreendia a existência do mundo terreno, das coisas sensíveis, dos
objetos e dos corpos. A alma, na concepção platônica, era a sede de todos os conhe-
cimentos. Platão inaugura o conceito de Reminiscência, ou seja, as ideias já estão na
alma, basta delas se recordar para encontrar o caminho do verdadeiro conhecimento.
Esse dualismo de Platão encontrou em Aristóteles (383-322 a.C.) seu principal opo-
sitor. De acordo com Rubinstein (1972), Aristóteles foi quem sistematizou todas as
descobertas dos filósofos materialistas e médicos do período. Para Aristóteles, corpo
e alma são indivisíveis, como a forma e a matéria; a alma não pode separar-se da vida
orgânica, pois é o seu princípio organizador. Sendo a alma a essência do corpo, a te-
oria da alma, para Aristóteles, configura-se como a teoria da vida e de suas funções, o
que engloba tanto as funções orgânicas quanto a vida consciente (RUBINSTEIN, 1972).
Neste sentido, entre os filósofos gregos estariam postas as especulações que mar-
cariam o nascimento das primeiras ideias psicológicas que exerceriam influência sobre
a história dessa ciência.
Na continuidade da história da humanidade, tem início o nascimento do cristianis-
mo, no qual observamos, por parte da sociedade ocidental, uma sede de purificação,
de redenção, de salvação da alma. Espera-se a boa nova, isto é, o anúncio dos fins dos
tempos e a chegada do Reino de Deus. Apela-se para a conversão e pleiteia-se o amor
para com o Criador. Com o pensamento cristão, diferentemente do grego, surge a
ideia de criação do mundo segundo a qual o universo é subordinado ao homem e, por
fim, a de que o amor e a obediência e não a inteligência ou a ciência (como nos gregos)
é que levariam o homem a Deus. Os conhecimentos produzidos pelos antigos filósofos
gregos só foram aproveitados à medida que puderam ser adaptados aos conceitos da
teologia cristã.

14
A luta entre as concepções materialista e idealista acerca do psiquismo humano Os processos de
aprendizagem e
continuou personalizada em duas figuras expoentes do catolicismo: Santo Agostinho desenvolvimento:
abordagem histórico-
(354 -430 d.C.) e São Tomás de Aquino (1225-1274). cultural

Santo Agostinho, representante do período patrístico, que expressa o pensamento


dos padres da Igreja, inspirou-se nas ideias de Platão e as adaptou aos dogmas da fé.
Nessa concepção, Deus daria ao homem a possibilidade do conhecimento, pois o ver-
dadeiro conhecimento seria revelado por uma luz interior proveniente da fonte divina,
eterna, imutável e não-humana.
O conhecimento sobre o qual trata Agostinho pode ser o das coisas sensíveis (pro-
veniente dos sentidos) e o das coisas inteligíveis (proveniente da razão). A respeito
deste último, Agostinho recupera o conceito platônico de reminiscência, devidamente
adaptado aos dogmas cristãos, pois nesse conceito platônico emergem noções já exis-
tentes na memória que não foram colocadas pelos sentidos.
Outro grande representante do cristianismo, cujas ideias também influenciaram na
elaboração de uma concepção dualista de homem, foi São Tomás de Aquino.
Aquino viveu em um momento em que as relações feudais já estavam consolidadas,
inclusive com grande intensificação do comércio, o que favoreceu o acesso às obras até
então desconhecidas, principalmente via traduções árabes. Representante do período
escolástico, Aquino baseou suas produções nas ideias de Aristóteles.
Preocupado com a relação entre razão e fé, São Tomás de Aquino acreditava ser
possível chegar ao conhecimento por essas duas vias. Desta forma, além dos conheci-
mentos revelados, Aquino admitia a possibilidade de adquiri-los por meio dos sentidos.
Na Idade Média, conforme assevera Rubinstein (1972, p. 97), as tendências mate-
rialistas se desenvolvem entre os sábios árabes, que “elaboram uma Psicologia dos sen-
tidos e umas leis empíricas do curso ou desenvolvimento imaginativo”. Assim, nesse
período, a luta entre o materialismo e o idealismo, iniciada com os filósofos gregos,
continua.
A transição do modo de produção feudal para o capitalista se deu de forma lenta
e gradual. À medida que se desenvolve o artesanato e o comércio, à proporção que
florescem as cidades mediterrâneas, como consequência dessa mudança na maneira
de produzir a vida, ocorre também um súbito renascer das artes e das ciências.
Nesse processo, a sociedade liberta-se do ascetismo e da contemplação religiosa
e valoriza o homem como um ser produtivo. Tal valorização do homem provoca o
interesse por uma Psicologia concreta, e no século XVI usa-se pela primeira vez “a
expressão ‘psicologia’ como distintiva da nossa ciência: em 1590 publica Coclenio o
primeiro trabalho com este título” (RUBINSTEIN, 1972, p. 98).
O século XVII é marcado pelo despontar das ciências naturais: Biologia, Química

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PSICOLOGIA E e Física. Descobre-se o caminho para o conhecimento científico da natureza e desen-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO volvem-se novos métodos e princípios para o pensar científico (RUBINSTEIN, 1972).
SABERES
A partir desse século, observam-se novas modificações no mundo ocidental, tanto
na forma de organização do trabalho (instala-se definitivamente o capitalismo) quanto
na forma de se produzirem conhecimentos. O ser humano deixa de apenas explicar
ou questionar racionalmente a natureza para se preocupar com a questão de como
utilizá-la melhor (ou seja, como dominá-la).
Nasce, assim, a ciência, um modo de interpretar o mundo com fins técnicos, de for-
necer maior conforto e progresso ao homem. Novos inventos dão grande impulso ao
progresso: telescópio, bússola, microscópio, balança de precisão, embarcações a leme,
imprensa. As mudanças não se restringem à ordem científica, mas estão diretamente liga-
das ao social, já que a classe nascente necessita de uma ciência não somente contempla-
tiva, mas que domine a natureza com o fim de melhor utilizá-la para o próprio proveito.
Nos séculos XVII e XVIII, o pensamento psicológico continua cindido. Essa cisão se
expressa nos movimentos Racionalista e Empirista, nos quais o homem não conhece
mais as coisas, porém o conhecimento das coisas, ou seja, as impressões subjetivas que
as coisas exercem sobre ele, sobre seu intelecto (racionalismo) e sobre seus sentidos
(empirismo).
No século XIX, a Psicologia adquire status de ciência. Muitos historiadores atribuem
como marco para tal fato a criação, em Leipzig, Alemanha, do laboratório de pesquisas
psicológicas, o Psychologische Institut, por Wilhelm Wundt ( WERTHEIMER, 1970).
A dicotomia presente nas formas de entendimento do homem e na compreensão
de como este adquire os conhecimentos verificados nos séculos anteriores se expres-
sa também nos estudos da Psicologia. Segundo Luria (1991), no final do século XIX
pode-se observar a divisão real da Psicologia em dois campos: a Psicologia naturalista
científica ou Psicologia fisiologista, e a Psicologia descritiva ou subjetiva. A primeira
procura estudar com precisão e explicar pela causalidade os processos psicológicos
elementares, definindo-lhes leis objetivas; a segunda dedica-se a estudar formas supe-
riores do campo consciente do homem, enfocando-as como manifestações do espírito.
Para Luria, a tentativa de vencer a estagnação surgida na ciência psicológica causada
pela influência desse enfoque dualista se deu com a aplicação de métodos das ciências
naturais ao estudo dos processos psicológicos, analisando-os da mesma forma como se
analisavam os demais fenômenos da natureza. A tentativa de superação desse impasse
surge com as propostas dos democratas revolucionários russos.
No entanto, foi o psicólogo soviético Vygotsky, com seus colaboradores, que pro-
pôs a elaboração de bases efetivas para superar o estado de crise da Psicologia, as quais
abordavam, com métodos científicos e objetivos, as formas mais complexas da vida

16
psíquica do homem. Vygotsky e colaboradores sistematizaram as primeiras teorias da Os processos de
aprendizagem e
abordagem históricocultural com base no método dialético-materialista. desenvolvimento:
abordagem histórico-
Ainda para Luria (1988), Vygotsky concluiu que a situação da ciência psicológica no cultural

início do século XX era extremamente paradoxal, em virtude de os pesquisadores de


meados do século XIX terem transformado a Psicologia em uma ciência natural, cujos
estudos consistiam “em reduzir os complexos acontecimentos psicológicos em meca-
nismos elementares que pudessem ser estudados em laboratório por meio de técnicas
exatas, experimentais” (LURIA, 1988, p. 23). Deste modo, continua o autor, eram ex-
cluídos da pesquisa todos os processos lógicos superiores e as ações conscientemente
controladas, como atenção voluntária, memorização ativa e pensamento abstrato.
Em ambas as linhas (naturalista e descritiva), as funções psicológicas complexas não
poderiam ser cientificamente estudadas. Desta forma, o grupo liderado por Vygotsky
se propunha a “criar um novo sistema que sintetizasse estas maneiras conflitantes de
estudo” (LURIA, 1988, p. 24).
Assim, sob a influência da teoria marxista, Vygotsky postulou que as origens das
formas superiores de comportamento consciente deveriam ser encontradas nas rela-
ções sociais que o indivíduo mantém com o mundo exterior, pois nessas relações o
homem produz a própria consciência, a qual não surge no interior da célula viva, mas
nas relações desse homem com o mundo circundante (LURIA, 1988).

AS RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO


Dado que a história da Psicologia tem uma estreita relação com a Educação, preten-
demos mostrar que na literatura vigente a educação foi, no Brasil, um dos primeiros
campos de aplicação da Psicologia.
As primeiras décadas do século XX foram caracterizadas por contradições, conflitos
e tensões provenientes da transição de uma sociedade agrária para uma civilização
urbano-industrial (RIBEIRO, 1991). Nesse contexto, cada vez mais se aguçavam as ten-
sões sociais e a descrença do povo brasileiro nos atos políticos; o governo, por sua vez,
estava comprometido com a aristocracia rural, ignorando as necessidades da maioria
da sociedade. Além disso, Ribeiro (1991) assinala que a dívida governamental crescia,
tendo como consequência o aparecimento de sérios conflitos sociais.
O discurso oficial governamental nesse período caracterizou-se pela incorporação
de teses consideradas progressistas, dentre elas a da Escola Nova. O meio intelectual
brasileiro debatia as condições de vida, saúde, higiene e instrução pública. Neste sen-
tido, houve uma intensa pressão social para a superação do analfabetismo e um novo
direcionamento marca essa época; começou-se a pensar em reformas sociais por meio
das reformas educacionais.

17
PSICOLOGIA E As décadas de 1920 e 1930 representaram um momento de efervescência educacio-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO nal. Realizaram-se reformas nos Estados, sob a coordenação de educadores embasados
SABERES
nos ideários dos democráticos e republicanos e no ideário da Escola Nova de John
Dewey, expoente máximo do escolanovismo nos Estados Unidos. Brzezinski (1996, p.
26) propala que “Por ser um país periférico, transplantou-se para o Brasil, o modelo
educacional de uma sociedade hegemônica” As reformas educacionais propostas por
muitos dos intelectuais eram condizentes com os princípios da Escola Nova.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova visava “à reconstrução educacional
[...] a partir da formação de uma sociedade mais justa e que tinha por objetivo a orga-
nização da escola unificada, desde o jardim de infância à universidade” (LEMME, 1984,
p. 90).
Esse documento procurava, em linhas gerais, implementar um projeto de recons-
trução educacional no país, tendo como princípios norteadores, entre outros, o direi-
to de todos à educação; a descentralização do sistema escolar; o ensino ativo; papel
do Estado na educação; a renovação metodológica e a utilização dos conhecimentos
da Psicologia na Educação.
Na definição desses princípios, vale ressaltar o papel atribuído à Psicologia da Edu-
cação, que se manifesta também por meio das várias reformas educacionais que ocor-
reram nesse período, especialmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia,
Ceará, Pernambuco e Distrito Federal. Todavia, faremos um destaque, neste capítulo,
apenas para as reformas cearense e mineira.
A reforma cearense foi considerada pioneira na difusão do ideário da Escola Nova
em um sistema estadual de ensino. Conforme Antunes (1998a), essa reforma sobres-
saiu-se por apresentar, pela primeira vez, uma proposta educativa articulada com a
Psicologia, tendo como marco a criação do Laboratório de Psicologia.
A reforma mineira, ocorrida no governo de Francisco Campos, em 1928, destacou-
se pela presença sistemática do ideário escolanovista em seus documentos. Segundo
os termos da reforma, a escola mineira seria planejada para atender ao seu objetivo
central: a criança. Dever-se-ia, assim, repensar a educação e a se preocupar mais com a
qualidade de ensino do que com a expansão das unidades escolares. Para isso, foram
criados cursos de aperfeiçoamento para treinar uma equipe de professores e de assis-
tentes pedagógicos nos recentes métodos de ensino e em técnicas pedagógicas. Desta
forma, a Psicologia da Educação ocupava um lugar relevante no currículo desses cursos.
Em resumo, na década de 1920, os esforços educacionais, que movimentaram as
reformas estaduais, direcionavam suas atenções para estruturar a rede de ensino pri-
mário, que não existia. Foi estabelecida uma legislação burocrático-administrativa ca-
paz de sustentar um novo funcionamento pedagógico e que, posteriormente, resultou

18
nas Secretarias de Educação, criadas a partir de 1930, com a instalação do Ministério Os processos de
aprendizagem e
de Educação e Saúde Pública no governo Vargas. desenvolvimento:
abordagem histórico-
Nessa perspectiva, havia o interesse para a investigação do quadro educacional do cultural

país e foi criado um órgão que desempenharia especialmente esse papel: o Instituto
Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep).
De acordo com Gebrim (2002), além da investigação sobre a problemática educa-
cional, coube ao instituto a tarefa de ser a instância formadora da consciência educa-
cional. O Inep foi fundado em plena vigência do Estado Novo, em 1938, com o propó-
sito de atuar em dois sentidos: o qualitativo, formando e aperfeiçoando os professores,
e o quantitativo, coletando e organizando dados e estatísticas a respeito da realidade
educacional brasileira.
A partir de então, o Inep passou a se responsabilizar pela promoção de cursos de
especialização de professores, inspetores, administradores e orientadores que resi-
diam em outros estados, fora do Distrito Federal. Além disso, incorporando pesquisa-
dores de outras áreas, promoveu pesquisas voltadas para o estabelecimento das bases
de ação sobre a realidade educacional brasileira.
Na tentativa de responder aos problemas do desenvolvimento econômico do país,
ou seja, a elevação do nível de vida da população brasileira, a administração do go-
verno Juscelino Kubitschek ( JK) priorizou o Programa de Metas. Para ele, isso seria
possível por meio do aumento de empregos gerados pela indústria, o qual, por sua
vez, dependeria de investimentos em educação.
Nesse projeto, a educação aparecia como um instrumento que favoreceria o de-
senvolvimento, pois poderia dar respostas às necessidades criadas pela transformação
industrial. Há indícios de que a relação entre Psicologia e Educação no Brasil foi cons-
truída de forma hegemônica, pautada em uma “filosofia educacional identificada com
o espírito liberal, pretensamente científica, isenta de qualquer aspecto valorativo, que
privilegiava os instrumentos de mensuração e quantificação, como as Provas de nível
mental” (GEBRIM, 2002, p. 97). Esta autora considera que os testes utilizados na Psico-
logia Experimental legitimariam a neutralidade na escola e na organização do trabalho.
Nesse contexto, a Psicologia ganhou uma importância cada vez maior, pois era ela
quem dava garantia de que os meios utilizados para as transformações esperadas eram
adequados, através da medição e da quantificação dos processos psicopedagógicos.
Uma de suas maiores influências na educação veio do estudo das diferenças individu-
ais, um conhecimento imprescindível para que o ato educativo fosse eficaz. Juntamen-
te com a Psicologia, a Biologia tinha a função de explicar as necessidades da criança e
as fases do desenvolvimento infantil, e a Sociologia, a de estabelecer as finalidades da
educação.

19
PSICOLOGIA E A Psicologia, como uma forma de conhecimento dos processos individuais, teve
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO importância fundamental na elaboração dos pressupostos da Escola Nova, uma vez
SABERES
que concebia a aprendizagem como um processo de aquisição individual, pautado nas
características pessoais do sujeito.
Convém salientar que, por trás desse projeto educacional, o governo pretendia
promover a adaptação do indivíduo à sociedade capitalista. Bock (2003) analisa esse
mesmo período histórico e também concorda com essa opinião, acrescentando que
houve uma “cumplicidade ideológica” entre os movimentos educacionais e o capitalis-
mo. Inferimos, nesse caso, que as áreas de conhecimento, particularmente a Psicologia
e a Pedagogia, vislumbravam a educação como um processo natural de desenvolvimen-
to das potencialidades existentes nos sujeitos. “E, quando alguém (resistia) em apre-
sentar estas características, lá (estavam) estes saberes com suas leituras patologizantes
para atribuir responsabilidade exclusiva ao educando e sua família” (BOCK, 2003, p.
85). Nesse momento, o indivíduo era considerado responsável por seu sucesso ou
fracasso no âmbito educacional. Dessa forma de conceber o indivíduo decorre a psi-
cologização da educação: “o privilegiamento dos processos internos ao aluno e dos
aspectos psicopedagógicos na escola tem impedido uma compreensão mais ampla do
processo educacional em suas inevitáveis articulações com a dinâmica da sociedade”
(FERREIRA, 1986, p. 8).
Percebemos, nesse momento, que houve uma valorização exagerada dos funda-
mentos psicológicos como essenciais para explicar e solucionar os problemas edu-
cacionais, apesar de nem sempre serem bem-sucedidas as tentativas de restringir as
questões educacionais somente à Psicologia. Entretanto, Luna (1999) considera que,
exatamente por supervalorizar a psicologia, essas propostas educacionais contribuí-
ram para o avanço da psicologia como ciência.
Em resumo, até praticamente a década de 1950, a Psicologia da Educação no Bra-
sil assumiu um caráter psicométrico, experimental e tecnicista, porque a perspectiva
daquele momento era a homogeneização do processo educacional. Assim, a avaliação
do desenvolvimento psicológico das crianças era uma forma de oferecer respostas aos
problemas pedagógicos.
Já os anos de 1960 a 1980, em consonância com Gatti (1997; 1999), Bock (1999;
2003) e Meira (2003), demarcam um período de crítica aos resultados fragmentados
obtidos em Psicologia da Educação e às dificuldades de aplicá-los em situações reais
de sala de aula.
Na década de 1970, no Brasil, o estado era comandado por uma tecnoburocra-
cia militar e civil, aliada ao capital internacional. “Visando à preservação dos interes-
ses do capital internacional, assistiu-se à internacionalização da economia brasileira”

20
(FREITAS, 1994, p. 32). Para modernizar o sistema escolar, foram aprovados os acordos Os processos de
aprendizagem e
MEC-Usaid. O modelo oficial de educação – o tecnicista – baseava-se em uma visão desenvolvimento:
abordagem histórico-
empresarial-tecnocrática. A partir de 1975, porém, essa visão tecnicista começou a ser cultural

questionada. Combatendo-se a seletividade do ensino, as desigualdades no desempe-


nho escolar passaram a ser explicadas não a partir da ideologia dos dons pessoais, mas
sim pelo foco das desigualdades sociais.
O descompasso nas relações entre a Psicologia e a Educação tornou-se visível no
final da década de 1970, quando se observa o uso extremado de técnicas e testes psi-
cológicos. Isso contribuiu para descaracterizar a educação enquanto processo social.
Embora houvesse “questionamentos, as possibilidades de mudança na prática eram
muito limitadas, pois esses foram anos de ditadura e silêncio nos movimentos sociais”
(BOCK, 1999, p. 77).
Não obstante, a partir da década de 1980 o Estado já não era mais visto como o
único detentor de força e autoridade. Os psicólogos e outros profissionais começaram
a promover movimentos críticos que questionavam sua real contribuição para os enca-
minhamentos da sociedade como um todo e, ao mesmo tempo, buscavam conhecer as
reais necessidades da população brasileira. Nesse momento de crítica, autores como
Patto (1984) e Saviani (1980) exerceram grande influência, porque contrapunham
as condições intraescolares e extraescolares à culpabilização das vítimas. Ou seja, as
crianças passaram a ser concebidas em seu contexto cultural e social e não mais como
as responsáveis pelos seus problemas de aprendizagem, como fazia a escola até então,
atribuindo êxitos e fracassos educacionais à própria criança e a sua diversidade de
desenvolvimento.
Nessa nova fase de questionamento da identidade da Psicologia como um todo e
da Psicologia da Educação, Gatti (1999), entre outros, preconizam que aos poucos as
condições sociais foram sendo mais debatidas e a educação passou a ser entendida
como um processo mais amplo e complexo.
A partir de então, aparece no cenário a busca por uma concepção mais crítica da
Psicologia da Educação, ou seja, houve a exigência de um maior comprometimento
com a sociedade e, nessa nova forma, as respostas aos problemas escolares deveriam
ser consideradas como provisórias, pois tudo fazia parte de um processo mais amplo.
Portanto, Gatti (1997, p. 78) aventa que:

caberia a Psicologia da Educação tentar clarear as relações entre os fins da Edu-


cação e o conhecimento que vem das teorias em Psicologia, no bojo de um
ambiente que contextua esses fins e esse conhecimento, o sistema escolar, a
escola, a família, uma comunidade.

21
PSICOLOGIA E CONSIDERAÇÕES FINAIS
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Procuramos mostrar, neste capítulo, que as diversas explicações possíveis para a rela-
SABERES
ção que o homem estabelece com o objeto no processo de conhecimento, que passa ora
pela primazia do sujeito sobre o objeto, ora pela primazia do objeto sobre o sujeito, ora
pela interação entre estes, deve acontecer a partir da própria história, porque o entendi-
mento que se tem dessa relação assume, no decorrer da relação, perspectivas diferentes,
dependendo do tipo de exigências sociais que se pretende responder.
A compreensão do homem desvinculada da história é a de que suas potencialidades,
talentos e características mentais foram sempre iguais. As grandezas e misérias humanas,
entendidas à margem da história, assumem um caráter de propriedade individual, de
fatalidade psicológica.
Ao contrário de outros seres vivos, o homem não tem natureza, ou melhor, a natureza
humana é a história. Segundo Merani (1977, p. 75), reconhecer no homem uma quali-
dade psíquica essencial significa aceitar a permanência de suas estruturas, a impossibi-
lidade de modificá-las qualitativamente e, consequentemente, a inexorabilidade de um
destino que pesa ao longo da história da espécie.
Por isso, um tipo de explicação que nos parece mais coerente é a que privilegia o
entendimento dos homens a partir de suas relações práticas e concretas com outros
homens e de suas preocupações com a sobrevivência. O entendimento dos homens a
partir de suas características, peculiares a cada fase do desenvolvimento da humanidade,
nos possibilita avaliá-los como sujeitos que fazem a história e produzem conhecimentos
ante as possibilidades de cada época, como um sujeito que se diferencia dos outros
animais porque age sobre a natureza, transformando-a em função de suas necessidades;
projeta suas ações com base nas finalidades a que se propõe antecipadamente; pela ação
humaniza o mundo e se humaniza, produzindo historicamente sua existência. No seio
desse processo o homem cria as ideias, as quais expressam as ações e as relações que
ele estabelece com o mundo, consigo mesmo, e com as próprias ideias. Neste sentido, o
homem produz conhecimento, produto coletivo dessas relações e inseparável do fluxo
histórico (ANTUNES, 1998b, p. 364).
A compreensão do homem enquanto um ser histórico deve nos levar, necessariamen-
te, à compreensão da historicidade dos conhecimentos produzidos por ele. Desta forma,
tanto a Psicologia Objetivista, pautada nos métodos das ciências naturais, classifica, quan-
tifica e mede o sujeito, quanto a Psicologia Subjetivista, que explica o sujeito a partir de
sua “essência natural, universal”, independentemente de suas condições ambientais e
históricas, são objetos de inúmeras críticas. Críticas que se estendem à educação, quan-
do essas concepções são nela aplicadas, pois não dão conta de explicar o sujeito e a
educação a partir de seus determinantes históricos; logo, aquele deixa de ser concebido

22
como “autor e ator” da história, como se não fizesse parte de um mundo historicamente Os processos de
aprendizagem e
determinado, em que a mutabilidade das necessidades nascidas a cada novo momento desenvolvimento:
abordagem histórico-
compreensão. cultural

Cabe à Psicologia e a suas ramificações, principalmente à Psicologia da Educação,


na redefinição de seu papel, procurar conhecer o homem e suas características, pro-
duzidas em determinado contexto frente às possibilidades de determinada época, ou
seja, conhecê-lo como um sujeito que possui uma natureza historicamente modificada.
Conhecimento que poderia ser basilar para o professor direcionar ações pedagógicas
mais coerentes com o compromisso social, qual seja, o de ser o mediador entre o conhe-
cimento historicamente elaborado socialmente e o aluno, a fim de torná-lo um sujeito
mais consciente e ativo na trama de relações sociais na qual está inserido.

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SAVIANI, D. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo: Cortez,


1980.

WERTHEIMER, M. Pequena história da Psicologia. São Paulo: Nacional, 1970.

Proposta de Atividade

1) Como os ditados popularmente conhecidos “pau que nasce torto morre torto” e “filho de
peixinho, peixinho é” podem ser relacionados com as concepções sobre o processo de
aprendizagem de alguns professores?
2) A partir do capítulo, explique a afirmação “Ao contrário de outros seres vivos, o homem
não tem natureza, ou melhor, a natureza humana é a história”.
3) Aponte três momentos em que, no Brasil, a Psicologia foi chamada a contribuir com a
Educação
4) Qual é a importância da Psicologia da Educação na formação dos professores?

Sugestões de filmes

1) A guerra do fogo. Dir. Jean-jacques Annaud. França/Canadá, 1981.


2) Escritores da liberdade. Dir. Richard LaGravenese. EUA/Alemanha, 2007.
3) O enigma de Kaspar Hauser. Dir. Werner Herzog. São Paulo, 1990.
4) O garoto selvagem. Dir. François Truffaut. França, 1969.

25
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Anotações

26
2 Contribuições da
neuropsicologia
para a compreensão
do processo de
aprendizagem
Djalma Ferreira Paes

INTRODUÇÃO
A Neuropsicologia é a disciplina que utiliza conhecimentos da Neurologia e da
Psicologia e dedica-se ao estudo da relação entre os circuitos neurais e os processos
cognitivos. Correlaciona os processos cognitivos processados em determinadas áreas
cerebrais com os comportamentos apresentados pelo indivíduo (PINHEIRO, 2007).
Os circuitos neurais, constituídos pelas conexões entre as células nervosas, permi-
tem que os estímulos ambientais captados pelos órgãos dos sentidos como a visão, o
olfato e a audição etc., sejam levados até as áreas do cérebro onde serão transformados
em informações capazes de transmitir ao indivíduo que aquilo que ele percebe é um
som, mais especificamente a voz de alguém que o chama para determinada tarefa.
Tudo isto só possível se as estruturas cerebrais, seus ouvidos, sua compreensão da
linguagem e seu desenvolvimento biopsicossocial estiverem prontos para estabelecer
esse nível de compreensão (PINHEIRO, 2007).
Ao estudar os mecanismos por trás desses comportamentos, a Neuropsicologia
possibilita sua melhor compreensão bem como o estabelecimento de correlações en-
tre os processos neurológicos e os comportamentos observados, possibilitando uma
adequada intervenção profissional nos casos de dificuldades de aprendizagem (COSTA
et al., 2004).
O estabelecimento de padrões de normalidade, no que se refere ao processo de
aprendizagem, leva em consideração o grau de desenvolvimento biológico, psicológi-
co e social do indivíduo. Esses parâmetros foram estabelecidos por diversos estudio-
sos, em diferentes épocas e culturas, e definiram escolas de pensamentos variados.
Tais aspectos devem ser considerados devido à contínua evolução do conhecimento,

27
PSICOLOGIA E evitando-se a maior valorização de um em detrimento de outro. O que se observa é
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO um processo de convergência de informações e complementação de conhecimentos à
SABERES
medida que os estudos são aprofundados e recebem a contribuição das ciências.
O desenvolvimento dos processos cognitivos como a atenção, a linguagem, o ra-
ciocínio etc., pressupõe o perfeito e adequado funcionamento das estruturas neurais
envolvidas na recepção e processamento dos estímulos ambientais, captados por meio
dos órgãos sensoriais. Quando quaisquer dessas estruturas, funções ou órgãos apre-
sentam alguma anormalidade, o processo de aprendizagem pode sofrer algum tipo de
prejuízo proporcional à deficiência verificada.
No entanto, a aprendizagem também pode apresentar deficiências, ainda que as es-
truturas biológicas do indivíduo não apresentem dano algum. A deficiência de apren-
dizagem verificada então poderá estar relacionada com alguma dificuldade psicológica
do indivíduo ou deficiência do sistema de ensino praticado.
Considerando-se a integridade física e funcional da estrutura biológica, podemos
encontrar, por exemplo, uma deficiência visual como o daltonismo, que pode levar
o indivíduo a equivocar-se com a cor do objeto observado, bem como um indivíduo
portador de miopia, que tem dificuldade em identificar certo tipo de letra ou sinal. A
miopia, assim como outras deficiências biológicas, pode necessitar de uma correção
tecnológica ou uma prótese, para que o indivíduo possa tirar o máximo de sua percep-
ção sensorial. Em outras situações, há necessidade de um aprendizado complementar
para corrigir as distorções encontradas.
A complexidade do processo de aprendizagem e as diferentes variáveis envolvidas
exigem uma abordagem ampla e multidisciplinar antes que se estabeleça um diagnós-
tico relativo à determinada dificuldade de aprendizagem observada em um sujeito.
Fica claro que uma dificuldade de aprendizagem observada poderá estar vinculada a
alguma estrutura biológica, a um aspecto psicológico ou a processo de transmissão
da informação ao sujeito ou pelo sujeito ou na combinação de alguns desses fatores.
Desta forma, nosso objetivo neste capítulo é contribuirmos para a formação de
profissionais que atuam com crianças em idade escolar, na compreensão do processo
de aprendizagem por meio de conhecimentos básicos da área da Neuropsicologia.

PROCESSO DE APRENDIZAGEM
Aprendizagem é o processo pelo qual os seres adquirem conhecimento sobre algo,
desenvolvem competências e modificam seu comportamento de forma temporária ou
permanente. É influenciada por fatores como o desenvolvimento biológico, psicoló-
gico e social do indivíduo. Ocorre, na maioria das vezes, sob forte influência social e
temporal, ainda que nem sempre seja percebido pelo indivíduo.

28
As crianças aprendem de formas diferentes quando consideramos suas idades, seus Contribuições da
neuropsicologia
níveis de desenvolvimento, suas diferentes classes sociais, suas diferentes regiões cli- para a compreensão
do processo de
máticas, seus diferentes ambientes psicossociais, seus diferentes modelos de ensino e aprendizagem

uma série de outros fatores capazes de promover influências positivas ou negativas em


seu processo de aprendizagem.
Isto nos permite identificar e selecionar fatores que podem promover e facilitar
uma maior e melhor aprendizagem por parte dos nossos aprendizes, como também
nos ensinar a interferir na correção e adequação das limitações das habilidades de
aprendizagem por eles expressas.

DESENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO
O desenvolvimento neurológico ocorre de modo mais intenso e flexível ao longo
dos três primeiros anos de vida do indivíduo. Depois disto, o processo se torna cada
vez mais discreto e menos afetado pelos fatores ambientais, quer sejam físicos ou so-
ciais. Sabemos que o sistema nervoso apresenta fases de formação, desenvolvimento e
amadurecimento de modo diferenciado quando consideradas as diferentes estruturas
e sistemas envolvidos no processo de aprendizagem.
Isto é fácil de compreender ao observarmos as reações de um bebê com o ambien-
te, em seu primeiro ano de vida. A forma como ele lida com os estímulos e situações
evidenciam o processo de aprendizagem em evolução, à medida que os dias se pas-
sam. O domínio dos seus sentidos e a interação com os objetos e pessoas ao seu redor
são os sinais externos de seu desenvolvimento neurológico, que continuará evoluindo
por vários anos (FUNAYAMA, 1996).
Alguns sinais neurológicos são evidentes desde os primeiros momentos de vida,
outros necessitarão de mais tempo para serem observados. Os reflexos de preensão e
de sucção são percebidos desde os primeiros dias, passando a mostrar ações voluntá-
rias por volta do sexto mês (FUNAYAMA, 1996). Já os aspectos psicomotores, presentes
na linguagem que surgirá mais tarde, envolvem aspectos mais complexos tanto estru-
turais quanto comportamentais e necessitam de amadurecimento e de um processo de
aprendizagem mais elaborado por parte do indivíduo.
Ao final do primeiro mês de vida, o bebê já se volta em direção ao som (FUNAYA-
MA, 1996), mas a ação sensório-motora que é desenvolvida ao virar a cabeça tentando
localizar de onde vem a voz, já conhecida, de sua mãe revela-se uma atividade nervosa
mais complexa, pois agrega processos de memória e de tomada de decisão na tentativa
de encontrar a imagem associada àquela voz. Esses são exemplos de situações em que
várias áreas associativas sensoriais são postas em atividade e que possibilitam à criança
ter a sua atenção dirigida a determinado objeto e sua necessidade de localização da

29
PSICOLOGIA E mãe, por exemplo, atendida.
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Os processos de ativação das áreas associativas sensoriais são realizados por meio
SABERES
da rede neural, que se constitui das ligações entre os neurônios, chamadas de sinap-
ses, que possibilitam a passagem de estímulos de caráter eletroquímico (PINHEIRO,
2007). Esses estímulos são percebidos no ambiente pelos órgãos sensoriais, chegam
até o córtex para que, pelas funções superiores, sejam interpretados e transformados
em algo conhecido ou não (FUNAYAMA, 1996).
Estímulos captados por intermédio dos diversos sentidos estimulam diferentes áre-
as e sistemas presentes no cérebro. Tais sistemas atravessam áreas de associação em
que os estímulos são filtrados e transformados em informações reconhecidas pelo
cérebro como algo que signifique um som, uma cor, uma letra ou qualquer outro
sinal que gere a memória de algo que faça sentido para o indivíduo. Se a mensagem
final o satisfaz, ocorre então uma acomodação do sistema, permitindo que ele seja
disponibilizado para outras tarefas. Se isto não acontece, a ansiedade que acompanha
o estado de curiosidade sobre o diferente, o novo, o estranho elemento causador
dessa inquietação provoca a ativação de diferentes sistemas neurais convocados para
a solução do problema. Isto faz com que novas conexões neurais se estabeleçam, até
que ocorra novo processo de aquietação resultante do processo de compreensão e/ou
solução do problema.
Todos esses procedimentos são realizados por intermédio do que chamamos de
processos cognitivos: percepção, memória, raciocínio, inteligência, linguagem etc.
A percepção é o processo cognitivo que nos permite associar estímulos que nos
chegam, através dos sentidos, à memória que já construímos e por meio dela identi-
ficarmos os conceitos e significados que já foram estabelecidos (NISHIDA, 2007). Isto
nos permite consolidar e/ou ampliar o conhecimento estabelecido sobre alguma coisa.
Ao fazermos esse exercício mental, pomos em andamento algumas habilidades natas
e/ou adquiridas, as quais refletem as diferentes as habilidades ou inteligências de que
somos portadores e nos permitem exercitar o raciocínio para que possamos escolher
a resposta ou o caminho que nos pareça mais acertado.
Ao processo de identificação das informações sensoriais que chegam às áreas as-
sociativas sensoriais chamamos de gnosia ou conhecimento (FUNAYAMA, 1996) e a
sua ausência ou deficiência chamamos de agnosia. De igual modo, as limitações ou
incapacidades encontradas nas áreas associativas motoras causam o que conhecemos
como apraxia. Assim, as agnosias e as apraxias correspondem às lesões ou limitações
de algumas áreas ou funções cerebrais, observadas nos transtornos de aprendizagem
(NISHIDA, 2007).
Quando decidimos sobre o que responder ou fazer, colocamos em ação processos

30
psicossociais e/ou psicomotores de diferentes graus de complexidade, coerentes com Contribuições da
neuropsicologia
nosso grau de amadurecimento, de conhecimento e com nossa personalidade. para a compreensão
do processo de
Entretanto, algumas respostas ou reações fazem o caminho mais curto e simplifi- aprendizagem

cado. Elas têm a ver com situações de risco ou ameaça ao nosso bem estar ou sobre-
vivência. São os chamados atos reflexos, como o que fazemos ao pisarmos descalços
sobre uma ponta de cigarro aceso, ou ao esbarrarmos em algo cortante ou pontudo.
Tais respostas aparecem em outras situações, como no caso dos hábitos adquiridos de
forma voluntária ou não, como ao aprendermos a dirigir, a tocar um instrumento ou
ao desenvolvermos habilidades de artes marciais, por exemplo.
Todos esses processos dependem da integridade e funcionamento das estruturas
e dos sistemas neurais bem como do período de amadurecimento de cada um deles,
para que o processo de aprendizagem possa ter sucesso e gere um novo e adequado
comportamento. Quando isto não ocorre, podemos perceber aquilo que chamamos
de dificuldades de aprendizagem.

DESENVOLVIMENTO SENSORIAL
O desenvolvimento sensorial e as ligações intracorticais amadurecem ao longo do
desenvolvimento do indivíduo (PINHEIRO, 2007), estabilizando-se entre a segunda e
terceira década de vida (FUNAYAMA, 1996), na maioria das pessoas, passando então a
regredir.
Na relação com o entorno são os olhos (NISHIDA, 2007) e os ouvidos que mais
interferem no processo de aprendizagem, contribuindo com a maior captação dos
estímulos ambientais. São também os que amadurecem e se desgastam mais rapida-
mente. Alguns sentidos, como o olfato, demoram até a adolescência para ficarem com-
pletamente maduros e desfrutarem de todo o seu potencial. Ou seja, para se desfrutar
completamente do buquê de um bom vinho é necessário haver chegado à fase adulta
e ter o olfato e paladar plenamente desenvolvidos. De igual modo, é fácil compreender
a dificuldade enfrentada pelos cegos e surdos devido à importância relativa que a visão
e a audição possuem no processo de aprendizagem.
Além do fator biológico, os fatores socioambientais também interferem nas habili-
dades desempenhadas pelos nossos sentidos. Por exemplo, caçadores da região ártica
conseguem distinguir uma variação maior da cor branca do que pessoas residentes
em regiões de clima tropical, pois convivem diariamente com a neve. De igual modo,
pessoas de regiões tropicais são mais influenciadas por cores vivas e brilhantes.
Fatores psicológicos também afetam a percepção do ambiente. Pessoas em estados
emocionais adversos ou extremados deixam de registrar adequadamente o que se passa
ao seu redor. Isto é, o estado emocional, o grau de interesse ou de motivação faz com

31
PSICOLOGIA E que a pessoa perceba melhor o estímulo que tem mais a ver com o seu momento em
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO detrimento de outros que não lhe digam respeito ou não façam parte do seu objetivo.
SABERES

DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR1
O desenvolvimento psicomotor tem efeito significativo sobre o desenvolvimento
da aprendizagem. Ele está presente do desenvolvimento da linguagem oral e escrita à
manifestação do pensamento e exposição das ideias.
Nossos movimentos, instintivos ou não, são guiados por aquilo que atrai a nossa
atenção. Desta forma, atividade sensorial e resposta motora são necessárias e se com-
pletam para que um movimento se processe. Desde o natural piscar dos olhos para
lubrificar adequadamente a córnea até o esbugalhar dos olhos por espanto necessitam
da conexão sensório-motora. Contudo, esse processo acompanha o natural desen-
volvimento do indivíduo desde as primeiras experiências com o móbile acima do seu
berço, até o olhar firme do atirador de arco e flecha.
Esse processo que se inicia de forma espontânea na infância do indivíduo necessi-
tará de controle e treinamento cada vez maior à medida que suas atividades e respon-
sabilidades diárias o exigirem. Assim, quando a criança, em seus primeiros meses, é
alimentada por alguém, é necessário grande cuidado com as porções e consistência
do alimento que lhe é fornecido. Ao longo do tempo, a própria criança será capaz de
adequar o volume do alimento e a velocidade com que ele será ingerido. Na escola,
várias tarefas incluirão o desenvolvimento de atividades motoras finas, como na prática
da escrita, do desenho, do cortar e colar, dos jogos de monta, dentre outras.
Quando observamos um bebê de poucos meses brincando com as suas mãos, nota-
mos que ele as observa, leva os dedos à boca, suga-os, bate palmas, esfrega seu rosto e
repete tais movimentos uma porção de vezes enquanto resmunga e dá gritos. Pouco a
pouco, tais movimentos se tornarão cada vez mais elaborados e conscientes, evoluindo
para situações relacionadas com o seu dia a dia (FUNAYAMA, 1996).
A atividade de caminhar que parece tão natural ao adulto é motivo de grande esfor-
ço na primeira infância, pois equilíbrio e tônus muscular precisam ser desenvolvidos
com uma boa dose de esforço e treinamento pela criança.
Ao brincar com o chocalho, a criança desenvolve uma série de habilidades ao mes-
mo tempo em que exercita vários sentidos simultaneamente. A presença de um choca-
lho barulhento e colorido estimula a visão, a audição, o tato e o equilíbrio da criança
ao mesmo tempo em que favorece o desenvolvimento do ritmo, a descoberta dos

1 Para maior aprofundamento, leia o capítulo 3 deste livro, que trata exclusivamente do desenvolvimento psicomotor.

32
sons, do movimento e de diversas associações entre movimento e som. Tudo isto afeta Contribuições da
neuropsicologia
uma grande quantidade de áreas de associações sensório-motoras em seu cérebro e para a compreensão
do processo de
passa a contribuir para a formação de sua memória auditiva, visual, tátil etc., gerando aprendizagem

elementos que irão se aprimorando ao longo de sua vida e de seu desenvolvimento


sensório-motor (FUNAYAMA, 1996).

PROCESSAMENTO DE INFORMAÇÕES
O processamento de informações envolve a presença de estímulos que afetam o
sistema sensorial do indivíduo, transmitindo essas sensações para áreas do cérebro
onde serão processadas, codificadas e interpretadas conforme a área estimulada e o
tipo de memória que elas evocam.
As informações são geradas depois que os estímulos captados pelos nossos sen-
tidos chegam ao nosso cérebro e percorrem áreas associativas sensoriais, onde são
processados, decodificados, interpretados e definidos como algo que deve ser realiza-
do ou não. O tempo de resposta ou a velocidade com que damos a melhor resposta e
tomamos a decisão mais eficiente reflete o nível das nossas habilidades e capacidades
natas e/ou adquiridas, aquilo que também chamamos de inteligência.
O nosso cérebro é formado por dois hemisférios, o esquerdo e o direito. Na maio-
ria das pessoas, a linguagem é processada pelo hemisfério esquerdo e as imagens são
processadas pelo hemisfério direito (NISHIDA, 2007).
Além do fato de as informações serem processadas através de diferentes áreas do
cérebro, determinada informação pode ser processada de modo diferenciado pelos
hemisférios cerebrais. Assim, quando pensamos em uma cor é o hemisfério direito
que faz o maior esforço para identificá-la em nossa memória. Mas se pronunciamos
o nome da cor, é o hemisfério esquerdo que desempenha o maior esforço para dizer
o nome certo para aquela cor. Todavia, se você tiver conhecido aquela cor com outro
nome, será este o nome que virá a você em primeiro lugar e você se verá fazendo um
esforço para dizer o nome com o qual aquela cor deverá ser identificada. Isto poderá
ocorrer para o caso de outras informações que tenham sido processadas de um jeito e
depois corrigidas por outro. Aprender errado sempre dá mais trabalho para corrigir. O
cérebro terá que “escrever” por cima da informação registrada anteriormente e serão
dois esforços: um para “apagar” a informação indevida, outro para registrar a informa-
ção correta.
Não devemos nos esquecer que o processamento de informações depende do grau
de integridade do sistema nervoso e dos órgãos dos sentidos, além do grau de desen-
volvimento do sujeito e de seu estado psicológico.
No sentido pedagógico, a capacidade de processamento de informações pelo

33
PSICOLOGIA E indivíduo pode ser representada pela figura de uma parábola, na qual a curva ascen-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO dente representa ou aumento das habilidades do sujeito, o ápice da curva representa
SABERES
o momento de plenitude de seu conhecimento e a curva descendente representa a
perda ou redução da sua performance à medida que ele envelhece.
No que se refere à qualidade do processamento de informações feito pelo indiví-
duo, sabemos que ela é afetada pelo grau de atenção dispensado, pelo número, tipo,
relevância e características das informações processadas, bem como pela qualidade e
características dos estímulos que as geraram.
Além disto, o estado emocional da pessoa pode influenciar seu nível de atenção.
Isto é fácil de ser notado em situações em que ela é atingida por motivos causadores
de tristeza ou de alegria, os quais fazem com que sejam necessários estímulos mais
intensos, contrastantes e constantes para que a atenção da pessoa seja direcionada
para determinado objetivo. Também pode ser observado quando as crianças retornam
do recreio e levam algum tempo até que elas saiam do estado de agitação e voltem sua
atenção para o ambiente da sala de aula.
Isto nos ajuda a entender porque as pessoas prestam mais atenção naquilo que
lhes interessa, que pode afetá-las ou interferir na sua vida, que põe em risco sua segu-
rança ou integridade. A partir disto é que passam a processar as informações de forma
consistente, voluntária e de modo a elaborar e emitir uma resposta proporcional e
adequada.

HABILIDADES ESCOLARES
As habilidades escolares são aquelas que se espera de alguém que frequenta uma
escola, quando comparadas com a maioria do grupo qualificado por idade e compe-
tências estabelecidas pelas políticas educacionais vigentes. As habilidades escolares
mais exploradas são aquelas relacionadas à linguagem oral e escrita, com o cálculo
matemático e com a coordenação motora.
Todas essas habilidades guardam estreita relação com a maturidade do sujeito, com
o funcionamento dos órgãos sensoriais e sistemas envolvidos, bem como com o pro-
cesso por meio dos quais foram desenvolvidas.
A ausência de algumas habilidades escolares é mais facilmente detectada que ou-
tras. A dificuldade com a leitura e a escrita e a dificuldade para cálculos matemáticos
são percebidas com mais facilidade pelos professores e pais dos alunos portadores
desses transtornos, independentemente da sua causa. No caso das dificuldades com
leitura e escrita, estudos recentes apontam a hipótese do déficit fonológico (CAPO-
VILLA et al., 2004) como sendo um instrumento de melhor predição dessas dificulda-
des futuras do que a hipótese do déficit visual.

34
No entanto, não podemos esquecer que todos esses processos cognitivos são cons- Contribuições da
neuropsicologia
truídos sobre estruturas e sistemas complexos, submetidos a influências internas e para a compreensão
do processo de
externas que afetam o sujeito desde o seu nascimento. aprendizagem

DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM2
As dificuldades de aprendizagem são aquelas que impedem ou dificultam o desen-
volvimento ou aquisição de determinado tipo de conhecimento. Elas têm a ver com a
maturidade biopsicossocial do indivíduo, as deficiências e falhas do sistema de ensino
e as limitações do ministrante. Podem ser temporárias ou permanentes, variam em
graus e podem ter diferentes origens.
Ao estudarmos essas dificuldades, veremos que elas são apontadas como transtornos
e distúrbios. Muitos trabalhos chamam de transtornos o que em outros são chamados
de distúrbios. Ao tentar compreender essa aparente confusão, veremos que tem mais
a ver com a área em que o termo está sendo aplicado do que com seu sentido estrito.
No Moderno Dicionário da Língua Portuguesa (MICHAELIS, 2009), encontramos
que transtorno significa ação ou efeito de transtornar, contratempo, prejuízo, e trans-
tornar significa alterar, perturbar a ordem ou a colocação de e desorganizar. Já a pa-
lavra distúrbio tem as seguintes definições: perturbação, agitação e desordem. Então,
apenas para efeito pedagógico chamaremos essas dificuldades de aprendizagem de
transtornos.

TRANSTORNOS DE APRENDIZAGEM
Os transtornos refletem dificuldades causadas por fatores de diferentes origens e
que aparecem relacionados a problemas de aprendizagem observados no cotidiano da
vivência escolar. Podem ter origem:
a) escolar – quando os problemas de aprendizagem são decorrentes da ação ad-
ministrativa e/ou pedagógica, envolvendo fatores como baixa qualificação pro-
fissional e a aplicação de métodos inadequados;
b) biológica – são aqueles relacionados com a estrutura física do sujeito, como
deficiência visual e auditiva, lesão cerebral, problemas de metabolismo etc.;
c) psicológica – são aqueles em que os sujeitos apresentam comportamentos
como déficit de atenção, hiperatividade, oposição, dentre outros;
d) psiquiátrica – quando possuem depressão infantil, ansiedade, doenças mentais
e/ou epilepsia;

2 No livro 12 desta coleção há um capítulo sobre dificuldades de aprendizagem, para maior aprofundamento.

35
PSICOLOGIA E e) social – são aqueles que envolvem analfabetismo, violência escolar, pobreza,
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO falta de perspectiva de crescimento pessoal etc.
SABERES

No que se refere aos aspectos biológicos, é importante que a intervenção dos pro-
fissionais da saúde leve em consideração a relevância das interações entre os aspectos
biológicos (NASCIMENTO et al., 2009) e os aspectos psicossociais ( VASCONCELOS et
al., 2005) do indivíduo, capazes de interferir em seu processo de aprendizagem.
Uma aparente deficiência visual do indivíduo pode estar mascarando fatores de
ordem psicológica ou social. Assim, exames neurológicos e psicológicos são neces-
sários para a realização de diagnósticos diferenciais em muitos casos de transtornos
de aprendizagem antes que se estabeleça um programa de tratamento ou reeducação
do indivíduo. Isto reduz as possibilidades de uma descoberta tardia de um equívoco
cometido quanto à conduta de tratamento dos transtornos de aprendizagem apresen-
tados por uma criança, o que pode ter-lhe causado mais prejuízo que benefícios em
processo de adequação social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Seria interessante que todo profissional, pedagogo ou não, envolvido em situa-
ção de ensino-aprendizagem adquirisse conhecimento básico de Neuropsicologia de
modo a facilitar a compreensão das possibilidades de seu aprendiz, antes de se pôr
a aplicar técnicas e procedimentos voltados à superação dos possíveis problemas de
aprendizagem que ele aparente possuir.
Esses conhecimentos permitiriam ao profissional da educação uma visão mais aten-
ta ao processo, maior observação dos detalhes dos comportamentos e atitudes dos
seus alunos, melhor compreensão de seus limites e potencialidades e mais facilidades
na superação das dificuldades de aprendizagem.

Referências

CAPOVILLA, A. G. S. et al. Habilidades cognitivas que predizem competência de


leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 13-26, 2004.

COSTA, D. I. et al. Avaliação neuropsicológica da criança. Jornal de Pediatria, Rio de


Janeiro, v. 80, n. 2 (supl.), p. 80-82, 2004.

36
FUNAYAMA, C. A. R. Exame neurológico em crianças. Medicina, Ribeirão Preto, v. 29, Contribuições da
neuropsicologia
p. 32-43, jan./mar. 1996. para a compreensão
do processo de
aprendizagem
MICHAELIS. Moderno dicionário da Língua Portuguesa. [S. l.]: Melhoramentos,
2009. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.
php>. Acesso em: 2 jan. 2009.

NASCIMENTO, C. T. et al. As etiologias biológicas dos problemas de


aprendizagem: implicações no diagnóstico psicopedagógico. [S.l.: s.n.], 2009.
Disponível em: <http://www.profala.com/arteducesp82.htm>. Acesso em: 2 fev.
2009.

NISHIDA, S. M. Funções corticais superiores. Botucatu, SP: Unesp, 2007. (Curso de


Fisiologia 2007. Ciclo de Neurofisiologia). Disponível em: <http://www.ibb.unesp.
br/departamentos/Fisiologia/material_didatico/Neurobiologia_ medica/Apostila/10_
funcao_cortical_superiot.pdf>. Acesso em: 2 jan. 2009.

PINHEIRO, M. Fundamentos de neuropsicologia: o desenvolvimento cerebral da


criança. Vita et Sanitas, Trindade, Go: v. 1, n. 1, 2007.

VASCONCELOS, M. M. et al. Contribuição dos fatores de risco psicossociais para o


transtorno de déficit de atenção/hiperatividade. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, São
Paulo, v. 63, n. 1, p. 68-74, 2005.

Proposta de Atividade

1) O que estuda a Neuropsicologia?


2) Em que período da vida de uma pessoa o desenvolvimento neurológico ocorre de modo
mais intenso?
3) Os órgãos sensoriais são muito importantes na relação do indivíduo com o ambiente. Quais
desses órgãos transmitem mais informações do ambiente para o indivíduo?
4) Na maioria das pessoas, em qual dos hemisférios cerebrais se processa a linguagem?
5) Descreva como a percepção auxilia o indivíduo a compreender o ambiente.
6) Descreva como ocorre o processamento de informações pelo indivíduo.
7) Fatores como o desenvolvimento biológico, psicológico e social do indivíduo afetam o seu
processo de aprendizagem. Cite dois exemplos de cada um desses fatores.

37
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Atividades práticas

Para compreender de maneira prática como os fenômenos anteriormente descritos ocor-


rem, apresentamos algumas atividades que você poderá desenvolver juntamente com seus
colegas.

1) Coloque as mãos em concha sobre as suas orelhas, de modo que você possa fechá-las e
abri-las como se fossem portas com dobradiças. Agora inspire profundamente e diga “A”
por um tempo prolongado enquanto fecha e abre as “portas” de seus ouvidos. Perceba
que, ainda que continue fazendo o mesmo som todo o tempo, aos seus ouvidos o som
parece variar. Isto ocorre porque o som captado pelos seus ouvidos varia com a posição da
mão em concha colocada sobre ele.
2) Escreva a palavra C O L E G A S com espaço de mais ou menos dois centímetros entre as
letras. Agora coloque a folha de pé, estique seu braço direito e com o polegar levantado e
a mão afastada uns trinta centímetros da folha desloque a sua mão para a direita e depois
para a esquerda, até que o seu dedo esconda a letra “E” de sua visão. Nesse instante, com a
mão esquerda tape, ora o olho esquerdo, ora o olho direito e note de qual olho a letra fica
mais escondida. Esse é o seu olho dominante. Aquele com o qual você focaliza melhor sua
visão a distância.
3) Pinte cinco quadrados com cores fortes e diferentes. Escreva ao lado o nome de cada uma
delas, mas com uma cor diferente do que o nome significa e com a distância de uns vinte
centímetros entre a figura e a palavra. Por exemplo, escreva vermelha com tinta azul e ama-
rela com a cor marrom. Depois, aponte para cada quadrado e solicite à pessoa que diga o
mais rápido o nome da cor indicada. Agora aponte para a palavra e solicite que ela diga,
rapidamente, o nome da cor observada na palavra. Quanto mais rápido a pessoa tiver que
dizer a cor, mais fácil fica para se notar o esforço que ela faz em cada uma das duas tarefas.
Isto ocorre porque, no segundo caso, enquanto o hemisfério direito estará identificando a
cor da palavra, o esquerdo estará tentando ler a palavra. Isto gera um pouco de confusão
para decidir o que deve ser feito naquele primeiro momento. A dificuldade diminui à me-
dida que o sujeito compreende o processo e faz menos esforço para atender à solicitação.

Anotações

38
Contribuições da
neuropsicologia
para a compreensão
Anotações do processo de
aprendizagem

39
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Anotações

40
3 O desenvolvimento
psicomotor

Carlos Roberto de Arruda

INTRODUÇÃO
Educar é muito mais do que traçar planos, estabelecer metas ou criar paradigmas.
Educar é realmente ter fé em poder mudar. Analisando essa assertiva, percebemos que
a educação é e sempre será o fim imediato das civilizações de hoje e de amanhã, pois
quando pensamos no homem integral referimo-nos ao ser e ao desenvolvimento har-
mônico de suas potencialidades biológicas, psicológicas, fisiológicas e sociais.
Todos sabemos que a vida é movimento e o gesto humano é uma das primeiras
manifestações de expressão e, por conseguinte, de comunicação entre o ser e o meio
em que ele vive. O exercício das atividades motoras pela criança, além de exercer papel
preponderante no desenvolvimento somático e funcional, estimula e desenvolve as
suas funções psíquicas. Daí a razão de ser da educação do corpo como instrumento e
como fator de equilíbrio geral do organismo.
Essa educação corporal está estreitamente ligada às atividades psicomotoras que
caracterizam a criança em desenvolvimento, após a etapa reflexa. Todas as crianças
normais e sadias apresentam possibilidades de educar as potencialidades psicomoto-
ras através dos meios que a educação física lhes oferece. O importante é começar o
mais cedo possível, respeitando a idade cronológica, os limites fisiológicos e os princí-
pios e fundamentos psicopedagógicos da criança.
A educação física pode apresentar-se sob diferentes aspectos, conforme as necessi-
dades e faixas etárias da clientela, mas, em geral, ela corresponde a uma atividade mus-
cular controlada, regida por normas e métodos com objetivos bem definidos, desde o
desenvolvimento morfofuncional do organismo de uma criança até a manutenção de
equilíbrio homeostático do indivíduo adulto. Também pode colaborar decisivamente
na readaptação orgânica co-funcional de um indivíduo doente ou com sequelas trau-
máticas produzidas por um acidente genético, de pós-parto, de trabalho e outros.
Para a criança ou para o jovem em período de crescimento, particularmente aquele
que se encontra na faixa etária compreendida entre 4 e 10 anos, as atividades físicas, mi-
nistradas através da educação física, são necessidades de ordem bio-psico-fisiológicas
41
PSICOLOGIA E que devem ser satisfeitas por meio de uma didática específica que alcance as metas de
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO cada faixa etária, grau, série e nível de ensino. Portanto, ao discorrer sobre crescimento
SABERES
e desenvolvimento do ser humano, fica evidente uma das tarefas primordiais da educa-
ção física escolar: estimulação do desenvolvimento de capacidades perceptivo-motoras
e de capacidades físicas, através de experiências motoras, oferecidas em ambiente pro-
pício e organizadas de acordo com as características de crescimento e desenvolvimen-
to das crianças envolvidas.

PSICOMOTRICIDADE
A psicomotricidade, como ciência da educação, enfoca a unidade educando o
movimento, ao mesmo tempo em que focaliza as funções intelectuais da criança. As
primeiras evidências do desenvolvimento mental não são mais do que manifestações
motoras. Durante toda a primeira infância até os três anos de idade, a inteligência é a
função imediata do desenvolvimento neuromuscular (BRASIL, 1998).
A coordenação geral necessita de uma perfeita harmonia de jogo muscular, que,
em repouso e em movimento, não alcança seu desenvolvimento definitivo senão aos
quinze anos de idade, o que facilita sua educação precoce e progressiva. A coorde-
nação geral apresenta dois aspectos diferenciados: coordenação estática (repouso) e
coordenação dinâmica (movimento).
A coordenação estática estabelece função com o tônus e permite a conservação
voluntária das atividades, como, por exemplo, as atividades de ginástica, que além de
possibilitarem a liberdade de expressão e criação, proporcionam à criança o conhe-
cimento das suas capacidades corporais. Já a coordenação dinâmica é a colocação de
ações simultâneas de grupos musculares diferentes, como, por exemplo, correr, saltar,
arremessar etc.
Ambas as coordenações estão subordinadas à maturação do sistema nervoso e à
idade; logo, graduando os exercícios de acordo com a idade cronológica da criança, o
seu desenvolvimento motor estará sendo trabalhado, evitando a fadiga e a monotonia.
Esse rendimento é o resultado de todo o dinamismo da criança, tanto da atividade cor-
poral quanto da que se refere somente a seus movimentos manuais (PROENÇA, 1984).
A função motora, o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento afetivo estão
intimamente ligados na criança. A psicomotricidade vem justamente destacar a relação
existente entre a motricidade, a mente e a afetividade, e facilitar a abordagem global
da criança por meio de uma técnica. Há dois tipos de motricidade: ampla (que é o mo-
vimento dos grandes músculos) e fina (que é o movimento dos pequenos músculos).
A motricidade ampla compõe as seguintes capacidades:
a) rolar: capacidade de rolar o próprio corpo de uma maneira controlada, que

42
irá proporcionar às crianças o reconhecimento corporal, estimulando, também, O desenvolvimento
psicomotor
a prática saudável da atividade psicomotora. Podem ser utilizadas atividades
como rolar o corpo sobre o chão, estando este relaxado; idem ao anterior, mas
com os pés juntos e as mãos ao lado do corpo; estender os braços abertos, com
as palmas das mãos para baixo e rolando o corpo sobre os braços; deitar de
costas com as mãos escondidas acima da cabeça e com os pés juntos, rolando
para os lados; enquanto rola, segurar um objeto com os pés;
b) sentar: capacidade de sentar ereto em posição normal, sem apoio ou admoesta-
ção constante. Podem ser utilizadas as seguintes atividades: sentar ereto equili-
brando um objeto sobre a cabeça; sentar à maneira de índio, sobre uma caixa,
banco etc., equilibrando um objeto sobre a cabeça; sentar na posição de índio,
braços e pernas cruzados ouvindo uma música relaxante; sentar encostado na
parede, erguendo os braços para cima; idem ao anterior com os braços para
frente;
c) engatinhar: capacidade de engatinhar com as mãos e os joelhos de maneira
uniforme e coordenada. Podem ser utilizadas atividades como: colocar vários
objetos no chão e engatinhar até os mesmos; passar por um túnel engatinhan-
do; engatinhar em cima de um banco ou tábua;
d) andar: capacidade de andar ereto, de maneira coordenada sem apoio. Atual-
mente, a caminhada é a atividade física mais recomendada para a melhoria da
qualidade de vida das pessoas. Podem ser utilizadas atividades como: fazer um
passeio; andar de frente; andar de costas; acompanhar o ritmo com palmas e as-
sobios; com passos de “formiga” e com passos de “elefante”; balançar os braços
inspirando e expirando; andar sobre linhas retas e curvas e sobre degraus de
uma escada; andar descalço na areia, na grama, na lama etc.; andar com os cal-
canhares, na ponta dos pés, de cócoras, com os joelhos para dentro e, depois,
para fora;
e) correr: é uma extensão natural do andar e se caracteriza por uma fase com
apoio e uma fase aérea ou sem apoio, por isso, desenvolver o hábito de corri-
da desde cedo evita o sedentarismo precoce. Podem ser utilizadas atividades
como: correr no lugar; correr para frente e para trás; correr e saltitar; correr
em um pé só; correr com um copo cheio de água na mão; correr com os olhos
vendados; correr em duplas com os pés amarrados;
f) arremessar: o propósito é propulsionar um objeto o mais longe possível, em
direção a algum alvo;
g) passar: é o ato de enviar um determinado objeto para um companheiro e envol-
ve, principalmente, mãos e braços, mas deve haver uma participação efetiva de

43
PSICOLOGIA E todos os segmentos do corpo;
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO h) receber: o receber, com o uso de uma ou ambas as mãos e outras partes do
SABERES
corpo, visa interromper e controlar uma bola ou outro objeto em sua trajetória;
i) rebater: caracteriza-se pela propulsão de um objeto com uma parte do corpo
ou com outro implemento. Existe uma forma de rebatida, na qual o pé é usado
para propulsionar a bola, este é um movimento bastante conhecido e praticado
pelas crianças no Brasil, devido à influência do futebol;
j) quicar: essa é uma habilidade na qual, para ter sucesso, a criança deve tocar a
bola em seu centro de massa, com as mãos indo de encontro a ela, após a mes-
ma voltar de seu contato com o solo.

DANÇA
Dentre as várias atividades que podem ser oferecidas para o desenvolvimento da
criança está a dança, que é a expressão representativa de diversos aspectos da vida do
homem, considerada como linguagem social que permite a transmissão de sentimen-
tos, de emoções e da afetividade vivida nas esferas da religiosidade, do trabalho, dos
costumes, da escola etc.
No aspecto motor, a dança contribui pela sua forma de exercício físico completo
(harmonia de formas, desembaraço de movimento, correção de atitudes, coordenação
etc.). No aspecto mental, as funções mentais são exercitadas e desenvolvidas (atenção,
imaginação, memória, criação, reflexão etc.). No aspecto social, a dança favorece as
relações sociais. No aspecto cultural, representa um fator de comunhão cultural, trans-
mitindo ideias e costumes (principalmente as danças folclóricas).
Os conteúdos que podem ser trabalhados com a dança são: danças em geral, dan-
ças folclóricas, danças populares, ritmo, relação histórico-social dos movimentos fol-
clóricos, análise crítica dos costumes, consciência corporal, dentre outros (TEIXEIRA;
PINI, 1978).

MOTRICIDADE FINA
As atividades que visam à motricidade fina devem ser oferecidas como estímulos es-
senciais ao desenvolvimento de experiências básicas ao crescimento psicomotor e so-
cial da criança, incluindo habilidades inúmeras à aprendizagem da leitura e da escrita.
A aprendizagem motora se baseia no desenvolvimento conseguido através dos anos de
existência que vai se aperfeiçoando, passando a ser condutas permanentes. Para tanto,
trabalha-se a criança dentro das atividades de recorte e colagem, dobradura, junção
(perfuração), desenho, construção, pintura a dedo, pintura com pincel, dramatização
e modelagem (PINTO, 1996).

44
Descreveremos a seguir algumas atividades e seus respectivos objetivos: O desenvolvimento
psicomotor
a) desenho livre: desenvolve a coordenação motora; a musculatura fina dos dedos;
a coordenação viso-motora; a organização do trabalho sobre a superfície do papel
reflete a organização espacial; o conhecimento das cores, suas combinações e tonali-
dades; descoberta de diferentes texturas e densidade do material, exercitando a me-
mória. Além disso, a criança irá desenhar o que sabe, o que sente, da forma como o
objeto tem significado para ela;
b) pintura a dedo: é o mais eficiente recurso utilizado para o desenvolvimento
da coordenação motora e viso-motora, além do ritmo, da harmonia, das experiências
táteis de movimento de textura, de massa e das experiências visuais produzidas pelos
efeitos de misturas das cores. Proporciona uma descarga de energia, acalmando os
mais agitados. É um excelente recurso para o desenvolvimento das mãos, objetivando
a escrita. Por não haver instrumentos entre as mãos e o material, a criança conseguirá
aos poucos a noção de quantidade;
c) pintura com pincel: tem por objetivo desenvolver atitudes de ordem, responsa-
bilidade, conhecimentos táteis e coordenação motora;
d) recorte e colagem: são atividades que auxiliam muito o desenvolvimento da
coordenação viso-motora, bem como os movimentos das mãos. Essa atividade de com-
pleta integração é de caráter essencialmente dinâmico, com movimentos bimanuais
de amplitude variável, que põe em jogo e desenvolve ao máximo a coordenação viso-
motriz delicada. Exige movimentos coordenados da visão e do tato. A colagem requer
destreza das mãos, percepção visual e noção de espaço;
e) modelagem: tem por objetivo específico o desenvolvimento da coordenação das
mãos e dos dedos, valioso estímulo para a noção de peso, volume, massa e forma. Toda
criança, em seu primeiro contato com o material, gosta de apertar a massa em suas
mãos, satisfazendo-se com o fazer bolinhas e cobrinhas, desfazê-las e refazê-las. Após
os cinco anos de idade, a criança, espontaneamente, exige de si um resultado mais
aprimorado e não gosta de ver seus trabalhos desfeitos. Portanto, a professora deve
trabalhar com argila, expondo os resultados obtidos em sala de aula;
f ) dramatização: a criança terá oportunidade de resolver seus conflitos internos de
organização e de personalidade (formação do eu), experimentando papéis masculinos
e femininos e dando vazão a seus sentimentos;
g) perfuração: tarefa inicial para a coordenação viso-motora, com movimentos pre-
cisos de pequena amplitude. Oferece à criança maturidade para atingir o controle
óculo-motor delicado, servindo de base para exercícios mais complexos. Em casos de
crianças hipotônicas, deve-se usar material mais duro, pois obriga a criança a exercer
uma maior pressão com a punção, estimulando a contração muscular. Em se tratando

45
PSICOLOGIA E de crianças hipertônicas, deve-se trabalhar com materiais mais suaves, mais finos, que
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO a obriguem à execução de movimentos delicados medindo a pressão dos mesmos.
SABERES
Dois são os aspectos importantes dentro da perfuração: o ato preensor relacionado
com a pressão correta da punção e o picado, que constitui a atividade em si, reque-
rendo básico controle dos movimentos além de atenção sustentada, pois sem essas
condições haverá dispersão dos pontos fora do desenho;
h) recorte com tesoura: tem um valor múltiplo, exigindo um controle do picado,
com movimento de pequena amplitude, intervindo os dedos polegar e indicador. Essa
tarefa é um complemento dos movimentos preensores aperfeiçoados (pinça);
i) rasgar com a mão: essa atividade é excelente para as crianças hipo e hipertônicas,
já que exige a delicadeza do movimento de rasgar, principalmente se for solicitado que
diminua o tamanho do recorte. Deve ser iniciada através do exercitar o recorte com os
dedos (segurar corretamente no papel) e fazê-lo rasgar em tiras, segurando os dedos
polegar e indicador; após, rasgando em pedaços grandes.

NOÇÃO DE ESQUEMA CORPORAL


O esquema corporal é a capacidade de movimentar o próprio corpo de forma inte-
grada. É adquirido à medida que o indivíduo vai tendo a representação de seu corpo,
suas partes e da realidade espacial e temporal que o cerca. O estudo do esquema
corporal deve ser dirigido sempre em relação à integração sensório-motora e ao meio
ambiente da criança. A consciência do corpo e o controle dos movimentos no espaço
devem ser treinados através de exercícios de imitação e exploração.
A criança se sentirá bem à proporção que seu corpo lhe obedece, em que conhece
bem, em que pode utilizá-lo não somente para movimentar-se, mas também para agir.
Por conseguinte, será avaliado no sentido de desenvolvimento gradativo da criança e
o alcance de níveis superiores, atingindo a superação de si mesma e uma consciência
corporal.
As principais etapas do desenvolvimento do esquema corporal são:
a) o corpo vivido: nessa etapa, a criança faz diversos exercícios motores em forma
de jogos. Tem como objetivo levar a criança a dominar seus movimentos e a
perceber seu corpo globalmente como um todo. Exemplo de atividades que
podem ser utilizadas: “briga de galo” (com os braços), andar com uma bola
entre as pernas, pedalar, andar de joelhos, andar descalço na areia em chão liso
ou no tapete, imitar os olhos do chinês, tapar os ouvidos dentre outras;
b) conhecimento das partes do corpo: é a tomada de consciência de cada segmen-
to corporal. Realiza-se de forma a sentir cada parte do corpo (interna e externa),
vendo cada segmento em um espelho, em uma outra criança ou em uma figura.

46
Nessa etapa, a criança deve apontar e nomear as diferentes partes do corpo, O desenvolvimento
psicomotor
localizando-as. Exemplo de atividades que podem ser utilizadas: brincar com
uma bola recebendo-a na mão, no pé ou na cabeça; as crianças fecham os olhos,
o educador toca uma criança com uma varinha e a criança diz onde foi tocada;
pode cantar canções do esquema corporal ou canções de dança, dentre outras
atividades;
c) orientação espaço-corporal: a criança deverá se organizar e se orientar em um
determinado espaço, levando em consideração o seu ritmo próprio, para se
organizar e se orientar no tempo adequado a esse espaço e vice-versa. Deve ter
oportunidade para explorar e avaliar as relações espaço tempo, a fim de desen-
volver sincronia de movimento;
d) organização espaço-corporal: a criança exercitará todas as possibilidades corpo-
rais, movimentando-se de forma analítica (chega a um domínio corporal através
de exercícios de coordenação, equilíbrio, inibição e destreza), sintética (por um
lado prevendo e adaptando seus movimentos e, por outro lado, expressando,
por intermédio de seu corpo, uma ação, um sentimento, uma emoção).

LATERALIDADE
Lateralidade é a capacidade de integrar a relação sensório-motora com o ambiente,
através do estabelecimento da dominância homolateral da mão, dos pés, do olho e do
ouvido. Logo, lateralidade é a manifestação de um lado preferencial na ação, vinculado
a um hemisfério cerebral. É necessário que não se discrimine a esquerda e a direita,
ambos os braços, mãos, pernas, pés, olhos e ouvidos devem ser desenvolvidos, mas
possibilitando-se à criança a habilidade maior em seu lado preferencial. A lateralização
deve estar presente na ação pedagógica, uma vez que a criança precisa se organizar e
se orientar no espaço a ser percorrido em direção à direita e à esquerda.
Não devemos confundir lateralidade (dominância de um lado em relação a outro) e
conhecimento de esquerda e direita (domínio de esquerda e direita). O conhecimento
esquerdo-direito faz parte da estruturação espacial, por referir-se à situação dos seres
e das coisas. A definição estável da esquerda ou da direita só é possível aos 5 ou 6 anos
de idade e a reversibilidade será abordada após os 6 anos.
Quando a criança já tiver uma dominância lateral, pode-se ensiná-la a distinguir a
direita da esquerda e a empregar os termos exatos. Será através de exercício práticos,
sem exigências, que se descobrirá o lado dominante de uma criança. Atividades que
podem ser oferecidas: chutar com um dos pés uma bola; pegar uma colher com uma
das mãos; pegar um copo com água.

47
PSICOLOGIA E A CRIANÇA DE 0 A 3 ANOS
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO O crescimento e o desenvolvimento da criança, sob os aspectos físico, psíquico e
SABERES
social, devem ser considerados desde a fecundação até a adolescência. Esse processo
não é estático, nem ocorre por retrocessos e estagnações. Cada criança tem sua pró-
pria personalidade, bem como um ritmo e um perfil individuais de desenvolvimento.
Wallon (1981) e Vygotsky (1984), em seus estudos referentes ao desenvolvimento
infantil, enfatizam a relevância das experiências dos primeiros anos de vida, que forne-
cerão os alicerces importantes para as futuras aprendizagens e para o desenvolvimento
da criança. O bebê necessita de alimento e higiene para crescer fisicamente, e atenção
e afeto para desenvolver suas estruturas psicológicas (mental e emocional).
Os passos do desenvolvimento são:
a) período pré-natal:
- embrionário (1º. trimestre);
- fetal precoce (2º. trimestre);
- fetal tardio (3º. trimestre);

b) período pós-natal:
- neonatal (0 a 30 dias);
- infância:
- lactente (1 mês a 2 anos);
- pré-escolar (2 a 7 anos);
- escolar (7 a 10 anos).

A seguir, apresentamos alguns passos do desenvolvimento da criança, ressaltando


que se trata de um processo que inclui variações de tempo e diferenças individuais:
- 3 meses: o bebê sorri; pega objetos deliberadamente, como a chupeta; e reco-
nhece com alegria as pessoas da família, principalmente a mãe;
- 6 meses: rola o corpo, emite sons e sílabas, sacode o chocalho e estranha pesso-
as desconhecidas;
- 9 meses: a criança senta sem apoio, olha quando é chamada pelo nome, procura
e encontra objetos escondidos;
- 12 meses: anda sem apoio, emite algumas palavras com intencionalidade (áua
= quero água, nenê = dá para o nenê etc.), pega e entrega objetos quando lhe
pedem e começa a ajudar na hora de se vestir.
De 1 a 2 anos, o desenvolvimento global se expande. A criança começa a cami-
nhar e a capacidade de exploração se amplia, indo além do próprio corpo, do
corpo da mãe e dos objetos que são oferecidos. Ela já pode se deslocar e ir ao

48
encontro de outros objetos e brinquedos. Brincar se torna progressivamente O desenvolvimento
psicomotor
uma atividade significativa para o bem-estar da criança, assim como os atos de
comer e dormir. Quando brinca, aprende muitas coisas acerca do mundo exte-
rior e da maneira de lidar com ele, ao mesmo tempo em que são estimulados
outros aspectos do desenvolvimento.

A imitação e a manipulação, em jogos e brincadeiras, incentivam o domínio da co-


ordenação viso-motora e da capacidade de antecipar e planejar ações com atividades
com cilindros, brinquedos de construir etc. A criança se diverte e aprende com tintas a
dedo, giz de cera, canetas hidrográficas, lápis de cor etc. Dançar, cantar, marchar, saltar
obstáculos e brincar na água são atividades prazerosas e altamente produtivas para o
desenvolvimento e o domínio do corpo em movimento, ou seja, para a coordenação
global e o equilíbrio.

A CRIANÇA DE 3 A 6 ANOS
Para conhecer a criança de 3 a 6 anos, segundo Wallon (1981), é indispensável
observá-la nos seus diferentes campos e nos diferentes exercícios de sua atividade
cotidiana e na escola em particular.
Nessa faixa etária, a criança frequenta a pré-escola, que é o espaço institucional
que tem como proposta teórica o trabalho com múltiplos e interdependentes aspectos
do desenvolvimento da criança: cognitivo, emocional, físico e social, levando em con-
ta as diferenças individuais (capacidade, ritmo, personalidade etc.), embora não seja
uma função exclusiva. Tampouco se pretende que esse espaço substitua ou suplante
o papel da família. Ali, há ricas oportunidades de serem trabalhadas as questões dos
limites, das regras e das normas com as crianças.
As crianças de 3 a 6 anos de idade apresentam lento crescimento em peso e esta-
tura, com o desenvolvimento neuropsicomotor se aperfeiçoando continuamente. O
processo psíquico está intimamente relacionado com a sua motricidade.
No final da fase, apresentam marcha e atitude postural bem definidas e a socializa-
ção é restrita a pequenos grupos. Pela falta, ainda, de um desenvolvimento muscular
adequado, os exercícios de força são completamente desaconselhados. Como apre-
sentam, também, pequena resistência aos esforços físicos, a programação da atividade
motora deve se ater exclusivamente aos jogos e, no final da fase, alguns exercícios de
ginástica podem ser oferecidos com um certo proveito. O ritmo de atividades deverá
ser moderado, sendo permitido à criança parar quando estiver cansada e prosseguir
posteriormente se desejar fazê-lo.

49
PSICOLOGIA E A CRIANÇA DE 7 A 10 ANOS
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO De 7 a 10 anos de idade, as crianças apresentam um crescimento em peso e em
SABERES
estatura, que continua mais ou menos lento. O desenvolvimento neuropsicomotor é
mais evidente. Há um aumento do acervo intelectual e o pensamento se torna lógico.
A parte emocional permanece ainda em fase de latência. Desenvolvem-se noções de
responsabilidade e disciplina e a socialização é maior.
Apesar da musculatura já estar mais desenvolvida, os ossos ainda são, até certo
ponto, maleáveis. Os pontos de inserção muscular nas peças ósseas ainda não se en-
contram bem consolidados, podendo ocasionar problemas ósseos em consequência
de contrações musculares mais enérgicas. Por outro lado, a atividade física que possa
ocasionar uma hipertrofia muscular exagerada é também desaconselhada, por provo-
car fraturas ósseas e perturbar o normal desenvolvimento ósseo.
Nessa fase, observa-se um grande desenvolvimento da função respiratória, o que
indica a prática de algumas atividades de maneira intensiva, com ótimos resultados
para o desenvolvimento geral do organismo.
Os jogos continuam a ser indicados, complementados com ginástica mais com-
plexa, sendo que os exercícios de força só devem ser usados no final da fase e assim
mesmo excepcionalmente.
O professor tem papel importante como agente mediador do processo de apren-
dizagem, levando em consideração as diferenças individuais e proporcionando ativi-
dades diversificadas e motivadoras, que façam do ensino e da aprendizagem grandes
aventuras.
As corridas de 800 a 2.000 metros ajudam no desenvolvimento orgânico geral,
em bosques e campos, o salto em distância, os arremessos de pelotas ou pequenos
objetos, as corridas mais rápidas de 30 a 40 metros, o salto em altura e o futebol são
atividades que devem ser oferecidas.
Vygotsky (1984) assinala que, corretamente organizada, a atividade de aprendiza-
gem escolar oferece algo completamente novo para o desenvolvimento da criança,
pois ativa e desencadeia os processos internos. Desta forma, o professor tem papel
vital, pois cabe a ele fazer a mediação entre os conteúdos curriculares e a criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente capítulo optamos por uma abordagem que parte do estudo das ca-
racterísticas das crianças em diferentes níveis de análise do posicionamento básico
de que se a educação física deve atender às necessidades e expectativas da criança.
Para tanto, a educação física necessita, antes de tudo, compreender as características
das crianças em termos de crescimento, desenvolvimento e aprendizagem, visto que

50
a não observância dessas características conduz, frequentemente, ao estabelecimento O desenvolvimento
psicomotor
de métodos e conteúdos de ensino inadequados.
Estudar as fases do desenvolvimento biopsicossocial da criança e suas implicações
para a educação favorece um maior sucesso no trabalho com as crianças, que precisa
ser iniciado através de aulas que despertem o interesse para a atividade física e para o
desporto.
Um dos objetivos primordiais da atividade física é o de desenvolver as habilidades
naturais das crianças da forma mais simples possível, ou jamais chegará a completar o
trabalho educacional de base a que se propõe. Uma criança que não brinca, não de-
senvolve, convenientemente, o seu psiquismo e será desastroso orientá-la e conduzi-la
artificialmente por métodos antinaturais (PARANÁ, 1990).
Com isso, se existe uma sequência normal nos processos de crescimento, de desen-
volvimento, de aprendizagem motora, isto nada mais significa que as crianças neces-
sitam serem orientadas especificamente com relação a essas características, desde que
as suas reais necessidades e expectativas sejam alcançadas. Por esse motivo, buscamos
discorrer sobre a necessidade de a criança adquirir expectativas mais complexas. Por
exemplo, se aos seis anos de idade as crianças estão desenvolvendo habilidades bási-
cas, isto pressupõe que o conteúdo a ser ensinado deve se constituir de habilidades
básicas para que, dentro dessa fase, elas tenham o melhor desenvolvimento possível.
A ausência de correspondência entre a tarefa a ser ensinada e o processo de desen-
volvimento conduz, frequentemente, à sub-estimulação ou à superestimulação, ambas
prejudiciais ao desenvolvimento do ser humano. O professor sabe que as dificuldades
materiais que enfrenta são as mais variadas possíveis: ausência de quadras esporti-
vas, quadras descobertas, falta de material esportivo e de recreação, turmas numero-
sas etc., no entanto, não deve justificar um trabalho ineficaz tendo essas dificuldades
como desculpa, mas buscar meios de superá-las.
Sendo assim, esperamos que o conhecimento do desenvolvimento biopsicossocial
abordados neste capítulo possibilite a preparação de um ambiente de aprendizagem e
de desenvolvimento que propicie às crianças avançarem ao máximo as suas potenciali-
dades de movimento e os fatores que o influenciam, levando-se em consideração suas
características e limitações.

51
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Referências

BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação à Distância.


Cadernos da TV escola: educação especial, deficiência física. Brasília, DF, 1998.

PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Currículo básico para a escola pública


do Estado do Paraná. Curitiba, 1990.

PINTO, R. C. A. Aventura do aprender: educação física. Curitiba: Base, 1996.

PROENÇA, T. M. K. Educação física escolar. São Paulo: EPU; Edusp, 1984.

TEIXEIRA, H. V.; PINI, M. C. Aulas de educação física: 1º grau. São Paulo: IBRASA;
Rio de Janeiro: Fundação Nacional do Material Escolar, 1978.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 1981.

Proposta de Atividade

1) Em sua opinião, qual a importância de se conhecer os princípios e os fundamentos


das teorias de desenvolvimento e biopsicossocial que ocorrem nas crianças?
2) De que forma a psicomotricidade das crianças?
3) Como a educação do corpo pode, através de ações pedagógicas, promover o desen-
volvimento de possibilidades da aprendizagem?
4) A ação educativa deve preparar a criança para opinar, discutir e transformar a or-
dem social, bem como dar acesso à cultura e à história do seu povo, em um proces-
so dinâmico, consciente e contínuo. De que maneira sua prática pedagógica está
promovendo essa ação educativa?

52
O desenvolvimento
psicomotor

Anotações

53
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Anotações

54
4 O desenvolvimento
afetivo-emocional

Janira Siqueira Camargo / Raymundo de Lima

INTRODUÇÃO
Atualmente, professores se queixam dos alunos: da falta de interesse e apatia de
alguns deles, da aversão a determinadas disciplinas e matérias por parte de outros,
da resistência ao papel civilizador da escola de muitos, e os professores ficam ainda
confusos sobre o “como ser” em sala de aula. De modo geral, a formação docente ori-
ginal e continuada tem como referência um aluno ideal, consciente e motivado para
a aprendizagem com vista a um futuro digno. Ora, o aluno concreto que o professor
convive em sala de aula demanda do profissional versatilidade e prontidão para reco-
nhecer também a dimensão afetiva e emocional dos alunos.
Consideramos um professor mal posicionado no trato com alunos aquele que ig-
nora – ou não sabe – como estabelecer vínculo pedagógico. Não se trata de culpar o
docente, mas sim de reconhecer que ele foi formado em uma tradição cultural e cientí-
fica das licenciaturas que ainda não incluem a dimensão afetivo-emocional como parte
fundamental da aprendizagem. É necessário, portanto, fazermos uma ruptura nesse
modelo e investir na formação de uma nova geração de professores verdadeiramente
preparados para lidar com os alunos na sua totalidade psíquica. Como alerta Morgado
(2002, p. 99): “Em vez de conferir o lugar adequado para a emoção, no início, deixa-se
para abordá-la como último recurso, quando talvez não haja mais interferência peda-
gógica possível”.
Por conseguinte, este capítulo objetiva descrever o desenvolvimento afetivo-emo-
cional do ponto de vista psicanalítico, apontando as implicações pedagógicas.

A CONSTRUÇÃO DA PERSONALIDADE
Definir a personalidade é uma tarefa difícil, que implica necessariamente o ponto
de vista de cada teoria psicológica (psicanálise, behaviorismo, gestaltismo, psicologia
humanista, concepção culturalista etc). Contudo, escolhemos a teoria psicanalítica
como referencia teórica principal.

55
PSICOLOGIA E Uma definição genérica considera a personalidade:
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES como tudo aquilo que distingue um indivíduo de outros indivíduos, ou seja, o
conjunto de características psicológicas que determinam a sua individualidade
pessoal e social. O termo deriva do grego persona, com significado de máscara,
designava a ‘personagem’ representada pelos atores teatrais no palco. [Para o
senso comum] o termo é também sinônimo de celebridade (PERSONALIDADE,
2009).

Outra definição indica que a personalidade é a organização dada aos vários com-
portamentos do indivíduo ou, então, que a organização resulta da personalidade,
que passa a ser considerada como força ativa dentro do indivíduo. “A personalidade
é aquilo que ordena e harmoniza todas as formas de comportamento do indivíduo”
(HALL; LINDZEY, 1973, p. 21). Uma terceira definição entende que a personalidade “é
um modo de sobrevivência que, consciente ou inconscientemente, o indivíduo conse-
guiu” (TELES, 1994, p. 21). Isso significa que a personalidade é uma resultante dinâ-
mica do conflito entre as tendências do sujeito e as exigências, interesses e pressões
dos demais seres humanos.
É preciso, ainda, observar que a personalidade: (a) apresenta um aspecto constitu-
cional e outro aparente, esse último tende a identificar “como é” o indivíduo pela im-
pressão que ele causa nas outras pessoas (máscara social); (b) constitui um processo
de construção ao longo da vida do sujeito, mas os primeiros anos são decisivos para
o seu desenvolvimento ulterior; (c) é a organização dinâmica interna daqueles siste-
mas psicológicos do indivíduo que determinam o seu ajuste individual ao ambiente.
Pode-se dizer que ela é a soma total de como o indivíduo interage e reage comparado
com a reação dos outros indivíduos (exemplo: personalidade equilibrada, impulsiva,
agressiva, violenta etc.).
Os especialistas nesse assunto advertem, ainda, que nenhuma definição é completa
para explicar o que é, porque cada uma delas é influenciada pela preferência teórica
do definidor. Também, que não existem duas personalidades idênticas, embora algu-
mas possuam traços em comum. Cada indivíduo tem sua história pessoal e esta é a
unidade básica a ser levada em conta no estudo da personalidade, sendo que a história
pessoal compõe-se de dados biopsicológicos herdados, das condições ambientais, so-
ciais e culturais, da interação entre hereditariedade e meio (família, escola, cidade), e
das características e condições de funcionamento do indivíduo nessa interação.
Segundo D’Andrea (1982), o desenvolvimento da personalidade deve ser associado
também ao desenvolvimento físico, mas os estudos psicológicos tendem a separar o
físico do psíquico, supervalorizando as funções psíquicas (afetividade) e subestimando
funções físicas (corpo: ingestão e excreção) ou vice-versa.

56
Como é construída a personalidade? O desenvolvimento
afetivo-emocional
Sigmund Freud concebe um aparelho psíquico1 ou mental dividido em três planos
ou sistemas: consciente, pré-consciente e inconsciente.
O consciente é a parte relativamente pequena e inconstante da vida mental da
personalidade; corresponde às informações que percebemos e sentimos da realidade
exterior (objetiva) e interior (subjetiva), e que se mantêm em nossa lembrança, fazen-
do parte de nosso dia-a-dia. Quanto mais a atenção do indivíduo estiver voltada para
os fatos da realidade presente, menos haverá lugar para as lembranças do passado.
Por outro lado, quanto mais a consciência estiver ocupada pelas recordações, menos
atento estará o indivíduo para as ocorrências atuais.
O pré-consciente, por sua vez, é o reservatório de tudo o que possa ser lembrado
no instante seguinte ao que ocupa a atenção do indivíduo em determinado instante.
Além das lembranças acessíveis à consciência (representações de coisas), o pré-cons-
ciente opera a linguagem (representações de palavras), ligando ambas as representa-
ções entre si, além de impor uma censura, cujo levantamento obedece a determinadas
forças intrapsíquicas (CHEMAMA, 1995).
O inconsciente2 (conceito fundamental da psicanálise) é a instância constituída
de elementos recalcados, ativos, que se recusam a chegar à instância pré-consciente-
consciente. Todavia o inconsciente só pode ser explorado por meio de dados indiretos
ou pistas, por exemplo, interpretando-se sonhos, desenhos, atos falhos, escritos. A téc-
nica da associação livre foi instituída por Freud para permitir ao psicanalista o acesso
à lógica do inconsciente do paciente, por meio da interpretação.
O inconsciente é um sistema que funciona com regras próprias, uma ordenação,
uma sintaxe, que lembra as regras que estruturam a linguagem; opera com uma lógi-
ca e funciona paralelo ao sistema consciente. Isso significa que não precisamos estar
em estado especial (alcoolizado, drogado, em coma) para termos o reconhecimento
da força pulsional do inconsciente em nossas palavras e atos. Assim, as vivências de
situações intoleráveis, causadoras de grande sofrimento psíquico, que geralmente são
expulsas da consciência para o campo inconsciente de onde não poderão vir à tona
voluntariamente, não pressupõe que estão passivas nas profundezas da mente. No en-
tanto, essas tais vivências sofridas podem ser mais suportadas se forem transformadas
em representações de “coisas”, recalcadas, isto é, estão dissociadas dos afetos e das

1 O termo “aparelho psíquico” não existe na realidade concreta, isto é, não se localiza no cérebro, não é uma
realidade anatômica, mas um esquema ficcional, semelhante a um aparelho óptico, útil para podermos pensar a
dinâmica do psiquismo humano.
2 A palavra inconsciente no alemão (Unbewusste) significa “não-sabido”.

57
PSICOLOGIA E palavras, que é o modo de operar do inconsciente.
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Essa forma de separação entre representação e afeto é fundamental para o equi-
SABERES
líbrio emocional do sujeito, porque seria impossível convivermos diariamente com
todas as experiências vividas, principalmente aquelas carregadas de sofrimento e de
sentimentos negativos (raiva, ódio, ciúme, culpa). Por isso, é de se esperar que o apa-
relho psíquico esteja preparado para selecionar lembranças, como uma maneira sadia
de se autopreservar da sobrecarga de dados que a realidade fornece. Como para a
psicanálise o sujeito é dividido, ele se sente como que atropelado por outro sujeito
que ele desconhece, mas que se impõe a sua fala, por exemplo, produzindo trocas
de nomes e esquecimentos cujo sentido lhe escapa. “Esse outro sujeito é o sujeito do
inconsciente[...]” (GARCIA-ROZA, 1983, p. 171-172).

ESTRUTURA DINÂMICA DA PERSONALIDADE


Podemos postular que a personalidade, do ponto de vista psicanalítico, opera em
três “lugares” psíquicos: id, ego e superego, compondo uma estrutura subjetiva e
dinâmica. O id (do alemão “es”, em português “isso”) é o componente biológico, pri-
mitivo, instintivo, mais antigo e o mais inacessível dos três, é completamente incons-
ciente, sempre pronto para buscar a satisfação imediata das necessidades (biológico),
da realização dos desejos (psíquico), e a conquista do prazer ou gozo. Freud indica o
id como reservatório primitivo da energia psíquica em conflito com o ego e o superego
(LAPLANCHE; PONTALIS, 1970). A criança, ao nascer, já o possui, uma herança biológi-
ca, portanto, nascemos id ou “isso”, ou seja, ainda não existe o “eu”. Com as vivências
do ego, o id passa a depositar (recalcar) suas representações em forma de coisas. Por-
tanto, na origem de tudo está o id, regido pelo Princípio do Prazer, cuja finalidade é
buscar o prazer e evitar o desprazer, sofrimento ou dor. O id em contato ou confronto
com a realidade do mundo exterior forma gradativamente o ego.
O ego é a parte do id que foi modificada pela influência direta do mundo externo,
por intermédio do sistema Percepção-Consciência. Embora marcado pela experiência,
a autonomia do ego é relativa, porque ele continua se submetendo às imposições do
id, aos imperativos morais do superego e às exigências da realidade externa. Freud
(1974) faz uma analogia: compara o id ao cavalo e o cavaleiro ao ego, que, uma vez
montado nele se vê obrigado a conduzi-lo aonde ele quer ir. Topicamente, uma parte
do ego é consciente e outra inconsciente. O ego consciente é responsável pela mo-
tricidade, é um “ego corporal”. Essa descrição é suficiente para afirmar que o ego se
esforça para seguir o Princípio da Realidade.
O superego é uma diferenciação do ego, também chamada por Freud de “ideal de
ego”. É a parte mais tardia a ser estruturada e o representante de nossas relações com

58
nossos pais, sobretudo com a figura do pai, que é a mais importante identificação da O desenvolvimento
afetivo-emocional
criança em sua própria pré-história pessoal (FREUD, 1974, p. 45). O superego é estru-
turado a partir do aprendizado das regras e normas sociais, equivalendo ao juízo de
certo e errado, que vai se tornando cada vez mais elaborado a partir dos dois anos de
idade e termina com o declínio do complexo de Édipo (esse complexo será descrito
mais adiante).
A personalidade conduzida por um sujeito “razoável” consegue se orientar por
princípios éticos e virtudes, como prudência, justiça, amor. Um sujeito razoável deve
ter formado sua personalidade com identificações de figuras “boas” ou “idealizadas”,
e aprendido “bons” exemplos, condição de estar pronto para calcular palavras e atos,
bem como reorientar paixões e tendências, a fim de não se arrepender posterior-
mente ou visando a alcançar a felicidade possível. Eventuais transgressões normais
e socialmente aceitas leva o superego a impor ao ego sentimentos de culpa, remorso
e autocrítica, que constituirão o arsenal de sinalizações para o ego cumprir à risca,
especialmente para resolver as pressões interna e externa ao aparelho psíquico. Toda-
via, “o bom resultado desse equilíbrio dependerá da existência de um ego fortalecido
[pelas vivências e experiências], e de um superego moderado e do conhecimento [e
domínio] da natureza dos impulsos do id” (D’ANDREA, 1982, p. 14). Todavia, existem
sujeitos “não razoáveis”, cuja personalidade jamais conquistará um equilíbrio, e sujei-
tos que não conseguiram superar as adversidades impostas pela vida. Esses casos são
estudados pela psicopatologia.
Resumindo, ao nascer o bebê é todo id, porém à medida que cresce terá que se
adaptar às exigências e condições impostas pelo meio. Para essa adaptação, forma-se
uma nova parte do aparelho psíquico: o ego. Com o reconhecimento do pai, cuja fun-
ção interfere quebrando a simbiose mãe e filho(a), é forjado o superego. Assim, as três
partes da estrutura psíquica são interdependentes para o funcionamento do todo da
personalidade. Podemos assinalar que tal funcionamento, para a psicanálise, é conti-
nuamente intra e interconflitivo: o id sempre desejando com fúria “quero isso, porque
não suporto conviver com a tensão do desejo ou a frustração de não ter”; o superego
retruca automática e inconscientemente “do jeito que você quer e com tal urgência
não é possível”; o ego, em meio a essa luta interna, sempre procura firmar um com-
promisso entre ambos, buscando uma solução: “talvez isso possa ser conseguido, mas
antes é preciso observar as regras, adiar mais um pouco o prazo...”.

MECANISMOS DE DEFESA DO EGO


Quando o ego se vê confrontado com uma representação insuportável, um perigo
proveniente do mundo externo, ou pressões sociais, lança mão de mecanismos de

59
PSICOLOGIA E defesa. A angústia diante de um perigo real ou fantasmático é a origem das defesas do
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO ego. Entretanto, seu fracasso em lidar com tais desafios faz com que o sujeito recalque
SABERES
no inconsciente essa representação insuportável.
Os mecanismos de defesa são inconscientes e atuam continuamente, visando a
sustentar um equilíbrio psíquico. Em verdade, o que define a sanidade mental ou não
é o grau de utilização desses mecanismos. Eles podem ser usados para auxiliar na inte-
gração da personalidade, apoiando na adaptação ao meio e nas relações interpessoais,
ou também podem ser utilizados de forma inadequada ou destrutiva, tornando-os em
si mesmos um perigo para o bom funcionamento do ego, levando ao aparecimento de
distúrbios psicológicos.
Existe uma série de mecanismos de defesa do ego; a seguir, apresentaremos aque-
les que mais são utilizados no espaço escolar, na relação professor-aluno.
- Repressão: é considerado o mais importante dos mecanismos de defesa do ego,
tanto pela sua ativação desde os primeiros anos de vida quanto pela finalidade em
proteger o ego (sujeito) da angústia originada dos conflitos psíquicos. Sua função, por-
tanto, é expulsar da consciência ideias, lembranças, sentimentos, que podem causar
angústia ou ansiedade. Por exemplo, mulheres que não realizam suas fantasias sexuais,
educadas em rígidas regras culturais tendem a reprimir seus desejos e acabam ficando
irritadas, agressivas. Esse mecanismo também aparece muito na escola, quando os
alunos entram em pânico ao realizarem avaliações, apresentando comportamentos
como o chamado “branco”, o choro ou a sensação de que não sabem nada ou não
conseguirão realizar o que o professor propôs.
- Negação: está presente em todos os demais mecanismos, pois antes de canalizar
a energia psíquica produzida para realizar uma fantasia não realizada, o sujeito pre-
cisa negar a existência do desejo. É o mais simples e mais primitivo dos mecanismos,
consiste no bloqueio de certas percepções do mundo externo, pois o indivíduo, frente
a determinadas situações intoleráveis da realidade externa, nega sua existência para
proteger-se do sofrimento. Um exemplo clássico da utilização desse mecanismo é a
mãe que continua arrumando o lugar do filho à mesa, mesmo que ele já não esteja
mais vivendo na casa com ela. Ou, ainda, quando o aluno tem dificuldades de aprendi-
zagem e não quer fazer as atividades em sala de aula, negando sua própria dificuldade.
Frases do tipo: “Não tenho nada a ver com isso”, “Não tenho essa doença”, “Doutor,
esse exame que o senhor fez não é meu”, no fundo, procuram negar os fatos, preser-
vando o sujeito de explodir em uma catástrofe psíquica.
- Projeção: quando determinada pessoa atribui a outra pessoa, animal ou objeto
as qualidades, sentimentos ou intenções que têm origem em si própria está utilizando
a projeção, atribuindo ao outro o que lhe é desagradável ou vergonhoso. Como, por

60
exemplo, o aluno que não se sai bem em uma avaliação, logo afirma que o professor O desenvolvimento
afetivo-emocional
não gosta dele, lhe persegue e lhe deu nota baixa. Algumas pesquisas levantam a hipó-
tese sobre as pessoas que odeiam homossexuais (homofóbicas), propagando que, na
verdade, elas possuem tendências homossexuais, mas não reconhecem ou não acei-
tam, salvo se “projetando” nos outros.
- Introjeção: na projeção, os aspectos internos são deslocados para o mundo ex-
terno; na introjeção, o processo é inverso, uma vez que os objetos externos, positivos
ou negativos, são internalizados ocasionando a identificação, que é muito frequente
na relação do aluno com o professor. Tudo que é percebido como agradável, bom ou
ideal, é facilmente introjetado. A introjeção aproxima-se da incorporação (exemplo: a
criança constantemente leva à boca um objeto de seu gosto, curiosidade ou interesse)
e da identificação, de passar para “dentro” do aparelho psíquico, de modo fantasmá-
tico, objetos e qualidades inerentes a esses objetos. A incorporação pode funcionar
como mecanismo desencadeador de reações psicossomáticas3 no sujeito, enquanto
que a introjeção e a identificação poderiam ser os mecanismos da formação das neu-
roses. Vale salientar que criança ou adolescente normalmente estão buscando pontos
de referência visando a construir sua própria identidade. Pais, professores, ídolos do
meio artístico e esportivo podem ser tomados como modelos para serem introjetados.
Por isso, cabe ao professor estar atendo para esse fenômeno e assumir uma postura
rigorosamente profissional, sinalizado aos alunos, orientando-os para cada um cons-
truir sua própria identidade.
- Racionalização: mecanismo muito frequente no meio escolar, que consiste em
inventar explicações supostamente teóricas para justificar as ações. Lembram-se da
fábula da raposa e das uvas? Como ela não conseguiu alcançá-las, forjou uma expli-
cação de que as uvas estavam verdes. Queixas do tipo: “Não me formei porque tive
que cuidar dos filhos”, “A culpa de meu fracasso é o sistema político”, no fundo,
cumprem duas funções básicas: dar uma explicação que lhe é suficiente e justificar
a manutenção eterna do problema. Esse mecanismo de defesa costuma aliar a inte-
ligência com a formação intelectual visando a tornar plausível uma desculpa, inten-
cionalmente não esfarrapada. Quando não consegue tirar boas notas nas avaliações,
o aluno tenta argumentar que o professor não tem metodologia adequada, ou utiliza
material desatualizado, ou está muito avançado para a série que cursa, dentre outras

3 O termo psicossomático é originário do prefixo psico, que significa mente, mais o sufixo soma, cujo significado
é corpo. São reações físicas cuja origem é psíquica. Encontramos muitas enfermidades psicossomáticas, como al-
gumas alergias, problemas gástricos, dentre outras. Vale salientar que nem todas as alergias ou problemas gástricos
são obrigatoriamente distúrbios psicossomáticos. Caso deseje maior aprofundamento, leia FENICHEL, O. Teoria
psicanalítica das neuroses. Rio de Janeiro: Atheneu, 1981.

61
PSICOLOGIA E pseudojustificativas.
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO - Compensação: o sujeito busca outros meios de compensar uma deficiência que
SABERES
acredita possuir, porque essa “impressão” pode ser de uma deficiência real ou de uma
imaginária, construída inconscientemente. De modo geral, os gordinhos são sempre
alegres, compensam a sua inadequação do ponto de vista da aparência física valorizada
socialmente sendo divertidos e bem humorados, pois, assim, são aceitos pelo grupo.
O aluno que tem dificuldades para aprender, por exemplo, pode tornar-se “bonzinho”
para com o professor.
- Fantasia: é a encenação imaginária em que o sujeito atua, objetivando realizar um
desejo consciente ou inconsciente. Uma fantasia que o sujeito se proíbe, cumprindo
rígidos princípios morais, em geral é inconsciente, já aquela orientada para atividades
criativas, artística ou literária, o sujeito tem acesso consciente. A utilização desse meca-
nismo, sem o confronto com a realidade concreta, pode tornar-se patologia (perda do
contato com a realidade) ou, no mínimo, faz com que a personalidade não amadureça
o suficiente para transformar fantasias em projetos existenciais. Esse mecanismo ma-
nifesta-se com frequência entre os adolescentes, quando se imaginam relacionando-se
afetivamente com seus ídolos ou mesmo com o professor.
- Formação reativa: é quando parte de um impulso indesejável que é mantido in-
consciente em seguida é manifestado com intenções opostas, não raro, passando algo
exagerado, falso, com falas afetadas e gestos caricatos. Por exemplo, um funcionário
não gosta de seu superior, mas como é seu chefe, exagera nos elogios e agrados. Um
aluno superdotado finge ao professor ter inteligência abaixo do normal, talvez para
chamar sua atenção ou receber atendimento personalizado.
- Deslocamento: é quando um impulso, ideia ou sentimento é inconscientemente
deslocado de um objeto original para um objeto substituto. O livre deslocamento das
ideias ou representações é uma das características do chamado “processo primário”
que rege o funcionamento do sistema inconsciente, notadamente nos sonhos e nos
sintomas neuróticos. Em uma fobia, o deslocamento sobre um objeto fóbico (exem-
plo: pavor de bichos, escuridão, altura etc.), permite ao sujeito contornar a angústia
ou evitar o sofrimento ao tomar consciência da origem real do problema. A experiên-
cia clínica revela que nem sempre o sintoma fóbico tem relação direta com o objeto
da fobia, porque a relação entre o objeto original e o objeto real é, de maneira geral,
aleatória.
- Sublimação: trata-se de trocar o alvo sexual originário por outro alvo não sexual
e socialmente aceito, mas, no fundo, se aparenta com ele. Freud aponta as atividades
artísticas e a investigação intelectual como provenientes da sublimação. Embora não
se configure como um genuíno mecanismo de defesa, porque a sublimação não impõe

62
nenhum trabalho defensivo ao ego, ela tem a finalidade de controlar impulsos e ajuda O desenvolvimento
afetivo-emocional
o id a obter expressão externa por meio do trabalho do ego. O exemplo mais comum
desse mecanismo são padres e freiras que, impedidos de serem pais pela opção reli-
giosa católica, realizam o desejo da paternidade cuidando de crianças em orfanatos e
escolas. Nas creches e escolas, o impulso da criança em brincar com fezes, repudiado
pelos pais e médicos, pode e deve ser redirigido para um trabalho pedagógico com
massa de modelar ou argila, por exemplo, ganhando expressão sublimada enquanto
escultura criada (sublimada) por ela.

FASES DO DESENVOLVIMENTO AFETIVO-EMOCIONAL


Na perspectiva psicanalítica, o desenvolvimento afetivo-emocional acontece por
fases: oral (0 a 1 ano de idade), anal (1 a 2 anos), fálica (3 a 5 anos), latência (5 a 11
anos), adolescência (11 a 18 anos) e genital (18 anos em diante). Os resultados de cada
fase são cumulativos para a formação da personalidade e as datas variam conforme a
estrutura individual, familiar e cultural de cada sujeito.
A fase oral é assim denominada porque a libido (do latim: desejo; energia psíqui-
ca das pulsões sexuais) tem como centro de excitação a cavidade bucal e os lábios, e
o movimento desses órgãos que acompanham a alimentação. A nutrição, para além
de sustentar a vida do corpo, tem outro papel: organizar o início da vida psíquica
do bebê. A relação de amor com a mãe está marcada pelas significações seguintes:
comer, ser comido e comer algo a mais que envolve o prazer-desprazer. Nessa fase, é
de se esperar que a criança leve qualquer objeto à boca; isso se dá porque é movida
pelo princípio do prazer associado ao seio, à mamadeira, à chupeta e pelo instinto de
autopreservação em que todos os objetos são percebidos como se fossem alimentos.
O papel da mãe, nesse primeiro ano, é extremamente importante. Todavia, cabe à
própria estabelecer diferenças entre ela e o bebê, bem como atender às solicitações da
criança de maneira mais adequada, proporcionando, também, justas proibições. São
essas restrições que a mãe faz em relação às solicitações do filho(a) que possibilitam à
criança iniciar o processo de ajustamento às normas sociais.
Vários estudos associam problemas nessa fase resultando nas patologias: obesida-
de, bulimia, anorexia, dentre outras.
Recobrindo a fase oral temos a fase anal, assim denominada porque a libido agora
se concentra na região do ânus. A criança percebe que o desejo de fazer cocô e xixi
é um momento de prazer; logo, passa a controlar os esfíncteres da evacuação e da
micção. Essa atenção é também reforçada pelas exigências dos pais e responsáveis de
fazer ambos na hora certa, no lugar certo, respeitando a higiene etc.
O controle dos esfíncteres passa por duas fases, chamadas de expulsiva e retentiva.

63
PSICOLOGIA E A fase expulsiva é aquela em que a criança percebe que está com vontade de urinar ou
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO defecar e o faz. No entanto, se dá conta, também, que ao segurar a vontade por certo
SABERES
tempo, quando for realizá-la o prazer será maior, é a fase retentiva.
Ao aprender a controlar seu desejo, a criança começa a compreender que as coisas
do mundo têm hora e locais considerados adequados do ponto de vista da sociedade
para serem realizadas, que existem normas e regras que regem e organizam a vida dos
homens. Por isso, é na fase anal que se inicia a estruturação do superego.
Os pais têm papel fundamental no aprendizado do controle dos esfíncteres, tan-
to visando a fazer com que a criança aprenda a controlar seus impulsos, buscando
o momento mais adequado para realizá-los ou meios alternativos, quanto incutindo
nela noções de higiene corporal. Entretanto, o excesso de exigências dos pais ou res-
ponsáveis pode conduzir a criança ao exagero de preocupação com as fezes, a urina, o
momento, os objetos relacionados, podendo constituir a formação do “caráter anal” e
da neurose obsessiva, que como sabemos é uma neurose ligada à mania de limpeza, à
ordem dos objetos físicos, ao excessivo cuidado com detalhes etc. Por outro lado, se os
pais forem condescendentes e faltosos em sua função como sinalizadores da higiene, a
criança poderá desenvolver uma autocrítica muito reduzida, tornando-se uma pessoa
que não se preocupa com os valores sociais.
A fase fálica, que vem depois das fases oral e anal, é caracterizada por concentração
da libido nos órgãos genitais. É quando o interesse da criança se volta para o pênis,
tocando-o, excitando-o e até provocando masturbação. A palavra fálica vem do grego
“falo” (phallus), que significa “representação figurativa do órgão masculino”. Na anti-
guidade grega, o pênis ereto era objeto de veneração, símbolo de virilidade e poder, de
saber e de fecundidade, geralmente remetido ao ritual religioso dos mistérios.
O falo, na teoria psicanalítica, não deve ser reduzido ao pênis (órgão anatômico)
nem ao clitóris (órgão anatômico mulher), mas sim à “função” fálica, que é tão impor-
tante na construção da psicossexualidade do sujeito. Nessa fase, o falo é dominante
e encaminha a resolução do Complexo de Édipo. É também o momento em que a
criança percebe a diferença entre pessoas do sexo masculino e do sexo feminino e
ensaia sair de seu mundo (narcisismo) para buscar satisfação no mundo externo e fora
da família.
O Complexo de Édipo, desenvolvido nessa fase, dá início a um processo de identifi-
cação com o progenitor do mesmo sexo, isto é, a criança passa a imitá-lo, e se apaixona
pelo progenitor do sexo oposto. É comum, nessa fase, o menino dizer que é namorado
da mãe, querer beijá-la na boca, vestir as roupas do pai, ter ciúmes do pai, evitar que
pai e mãe fiquem juntos. Tais atitudes são normais e fazem parte do processo de imi-
tação da criança em relação ao pai ou mãe, permitindo que ela defina sua identidade

64
sexual feminina ou masculina, e preparando-a para a fase seguinte. O desenvolvimento
afetivo-emocional
À fase fálica, segue-se o período de latência (entre 5-6 anos até o início da puber-
dade). Freud assevera que o declínio do Complexo de Édipo marca o início da latência.
Os impulsos do id são relegados ao segundo plano e a atenção da criança é voltada
para assuntos relacionados ao seu desenvolvimento intelectual, moral, religioso e es-
tético. Coincide com sua entrada na escola, portanto, é um momento propício para
reforçar as tendências para a aprendizagem e as atividades que envolvem a cognição,
tais como cultura (arte, música, dança etc.), religião, línguas, jogos, esportes, amiza-
des, entre outras.
Freud considera os primeiros cinco-seis anos de vida decisivos para a formação da
personalidade. Até a fase fálica, os grandes ídolos da criança eram seus pais, idealizan-
do-os como sábios e justos. Com o ingresso na escola e em outras atividades sociais,
os professores podem ocupar esse lugar de ídolos e os pais passam a ser vistos de ma-
neira mais real, com seus defeitos e limites. Pais que não estejam preparados para esse
fenômeno podem sentir-se relegados a plano secundário. Prova disso são as crianças
que ao fazerem suas tarefas de casa pedem ajuda aos pais, mas ao mesmo tempo dizem
que não foi assim que o professor ensinou. Até mesmo dizem que os pais não sabem
nada, sugerindo assim seu apreço pelo saber do professor.
Cabe, aqui, uma breve reflexão: o professor bem posicionado na “função” docen-
te pode tanto corrigir as relações problemáticas ou insuficientes que os alunos têm
com seus pais e responsáveis quanto fornecer elementos desejáveis para a identifica-
ção. D’Andrea (1982, p. 80) sinaliza que o professor ideal seria aquele que, além dos
conhecimentos intelectuais e a competência para ensinar os conteúdos, tivesse uma
personalidade sem muitos conflitos, uma vida familiar satisfatória e fosse capaz de
orientar seus alunos em outros assuntos além dos relacionados às matérias que en-
sina. Todavia, decepções com algum(a) professor(a) podem ser tão dolorosas quanto
decepções com os próprios pais ou eventuais paixões amorosas. O autor alerta, ainda,
sobre as consequências danosas para a formação da personalidade dos alunos obriga-
dos a conviver com professores sem comprometimento com o trabalho educativo, ou
cuja preocupação maior seja sua situação econômica, ou quando deixam transparecer
aversão por crianças e adolescentes.
Voltando, a latência vai até a eclosão da puberdade, tendo início a adolescência,
quando impulsos sexuais voltam à ação, reforçados pelo desenvolvimento dos órgãos
sexuais e de outras características secundárias de seu sexo (D’ANDREA, 1982).
A adolescência é caracterizada pelas transformações psicossociais, sendo que a
emergência de situações obriga o sujeito a testar sua personalidade, no sentido de dar
respostas adequadas, maduras ou responsáveis. A puberdade, em ambos os sexos, se

65
PSICOLOGIA E caracteriza pela transformação do corpo. Nos meninos crescem o pênis e os testículos,
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO nascem os pêlos nas axilas, no rosto e no púbis, a voz engrossa, surge o pomo-de-
SABERES
adão, os membros inferiores e superiores parecem crescer rápido, os ombros ficam
mais largos e acontece a primeira ejaculação. Nas meninas os seios crescem, nascem
os pêlos pubianos e nas axilas, acontece a primeira menstruação (menarca), as coxas
e os quadris se arredondam parecendo adultas. As meninas amadurecem mais cedo
do que os meninos. Tais transformações anatômicas vêm acompanhadas de mudanças
hormonais e emocionais, provocando bruscas alterações de humor e mudanças na
perspectiva de vida.

“Entretanto, estas características não são imutáveis, pois podem ser modifica-
das ou interrompidas por fatores ambientais, incluindo situações de estresse
(medo, ansiedade, depressão, perdas afetivas), atividade física intensa, desnu-
trição ou uso de substâncias químicas lícitas ou não” (PUBERDADE, 2009).

Aberastury e Knobel (1989) explicam essas oscilações em função de três lutos que
o adolescente precisa elaborar: o luto pela perda do corpo infantil, o luto pela perda
da identidade e do papel infantil e o luto pela perda dos pais da infância4. A mudança
implica em uma nova dimensão de vida a ser assumida, o que não significa abrir mão
das “velhas” experiências acumuladas. O jovem ganha em alguns aspectos, mas precisa
assumir as responsabilidades desses ganhos, e isso nem sempre é fácil; por vezes, sua
resistência ao ajustamento gera sintomas de desajustamentos normais e patológicos.
Postman (1999), em seu estudo sobre “O desaparecimento da infância”, alerta para o
“assombroso aumento” da criminalidade infanto-juvenil, da gravidez adolescente, do
alcoolismo, da toxicomania e dos acidentes de trânsito.
Com todas essas transformações, o jovem se encaminha para conquistar uma iden-
tidade psicossexual: heterossexual ou homoerótica, dependendo mais de sua tendên-
cia (inconsciente) do que de sua escolha (consciente). Quando atinge uma maturidade
biopsicossocial, por volta dos 18 anos, entra na fase genital, na idade adulta. Vale
salientar que a idade de entrada nessa fase oscila muito de sociedade para sociedade,
de cultura para cultura. Em nossa sociedade, o que percebemos é um ingresso cada
vez mais tardio nas responsabilidades de um indivíduo adulto. Os pais vêm assumindo
um papel de superproteção, cujo efeito é retardar ao máximo o enfrentamento de si-
tuações que atravessam esse período. No entanto, paradoxalmente, os jovens tendem

4 Camargo (1999), em seu artigo “Adolescência ou ‘aborrescência’: eis a questão!”, faz uma analogia das transfor-
mações ocorridas na adolescência e dos conflitos oriundos destas através da música “Pais e Filhos” do grupo Legião
Urbana; um texto que pode ser utilizado tanto por professores quanto pelos próprios adolescentes.

66
a entrar cada vez mais cedo no universo da sexualidade adulta, bem como também O desenvolvimento
afetivo-emocional
são pressionados a decidirem precocemente sobre sua vocação e escolha profissional.
Em relação às fases do desenvolvimento afetivo-emocional, pontuamos que a pas-
sagem de uma para a outra se dá de forma contínua e progressiva. Portanto, é comum
encontrar crianças que estão em fase posterior apresentando, ainda, comportamentos
da anterior e vice-versa, crianças em uma determinada fase apresentando comporta-
mentos da fase seguinte.
Como destaca D’Andrea (1982), em cada uma dessas fases o ser humano tem que
resolver problemas psicológicos específicos, pois precisa superar as dificuldades de
uma para passar à fase seguinte. Espera-se que a superação dos obstáculos proporcio-
ne ao sujeito mais confiança, independência e integridade. Por outro lado, pode ocor-
rer a fixação em uma dessas fases, quando o sujeito não consegue resolver os fatores
internos e/ou externos, detendo seu desenvolvimento emocional. A fixação, explicada
pela psicanálise, pode ocorrer por duas razões principais: excessiva gratificação das
necessidades daquela fase, gerando resistência na passagem para a fase seguinte; ou
acúmulo de frustrações na ordem das necessidades e do desejo, levando o sujeito
a uma busca interminável de gratificação, caracterizado pela compulsão à repetição.
Pode ainda ocorrer regressão, que é quando o indivíduo consegue passar de um perí-
odo para outro, mas ele falha ao enfrentar problemas de maior dificuldade, e retorna a
um período anterior, no qual se sentia mais seguro e gratificado. Para haver regressão,
deve ter havido fixação; logo, fixação e regressão são complementares; quanto mais
intensa for a fixação, mais facilmente haverá regressão diante de novos obstáculos.

A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO
Para analisarmos a relação professor-aluno do ponto de vista psicanalítico, é im-
prescindível inicialmente definirmos “transferência”, que é a reprodução de experiên-
cias psíquicas infantis revividas, não como algo passado, mas como vínculo atualizado
com a pessoa do professor, do psicanalista. A transferência pode ser um momento
em que o desejo de saber se potencializa, algo que favorece o vínculo do aluno com
o saber (disciplina) que o professor porta para ensinar. Ela pode afetar não apenas o
interesse do aluno, como também a percepção do conteúdo a ser aprendido.
O “campo transferencial” é composto de afetos ativados pelo inconsciente dos su-
jeitos envolvidos na relação. O termo “afeto”, na psicanálise, se refere a sentimentos
positivos (amor, carinho) e negativos (raiva, aversão). Na relação clínica, assim como
na relação professor-aluno, os afetos se desenvolvem. O aluno invariavelmente depo-
sita no professor seus sentimentos de respeito e admiração ou negação e aversão, e,
dependendo do preparo deste último, sua reação pode ser mais ou menos consciente

67
PSICOLOGIA E e melhor posicionada como profissional.
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Por definição, a transferência diz respeito aos sentimentos de admiração e de liga-
SABERES
ção que o aluno transfere inconscientemente do pai para o professor. Todavia, qual a
importância pedagógica do professor ter consciência de ser objeto transferencial de seu
aluno? A resposta para essa importante questão pode ser dividida em alguns pontos.
Primeiro, porque inclui a dimensão afetivo-emocional no campo da relação entre
professor e aluno, cujo efeito é o processo ensino e aprendizagem. Do ponto de vista
psicanalítico, a “relação professor-aluno parece ter como primeiro eixo condutor a
tentativa de ressonância teórica entre os fenômenos descritos pela psicanálise (espe-
cialmente a relação transferencial) e aqueles testemunhados nas práticas pedagógicas
sobre a relação professor-aluno” (AQUINO, 1996, p. 33). Noutros termos, não existe
ensino e aprendizagem sem transferência de sentimentos;
Segundo, esse “novo” olhar sobre o “lugar do professor”, que obviamente é respon-
sável pelo ensino, porém não é apenas dotado de um determinado saber (matemática,
português, geografia etc.), também ele [pessoa-professor] é atravessado por forças não
conscientes ou inconscientes, que irão concorrer para otimizar o processo de ensino-
aprendizagem. Os elementos determinantes no ato ensinante do professor seriam tanto
o seu conhecimento, competência, habilidades, linguagem apropriada e recursos em-
pregados quanto também sua subjetividade, ideologia, desejos, escuta e o posiciona-
mento dele como sujeito (suporte e produtor). Aqui, devemos questionar até que ponto
a “pessoa” do professor consegue ocupar o “lugar docente” e efetivamente ser um(a)
professor(a). Não basta ter um diploma e conhecimentos, é preciso que cada profissional
estabeleça um compromisso entre esses conhecimentos e o desejo de ensinar.
Cabe, nesse momento, perguntar: até que ponto cada professor consegue desen-
cadear em seus alunos o desejo de aprender? Será que eles se revelam também como
sujeitos desejantes aos seus alunos? Ou se apresentam apenas como máquinas de en-
sinar? Na observação de Mrech (1999), parece que os professores não conseguem
despertar nos alunos o desejo de aprender, por alguma razão. “Ao contrário, na grande
maioria das vezes, desencadeiam neles apenas processos resistenciais”. Provavelmen-
te porque o professor de nossa época “não sabe ‘escutar’ os alunos em suas formas
de expressão e mutismo” (DUPAS, 2008, p. 23), uma vez que ele foi mais ou menos
preparado para transmitir conteúdos, só que os alunos não vão à escola vazios, pelo
contrário, estão cheios de problemas pessoais e informações do mundo complexo, e
possivelmente sua maior demanda é ser ‘escutado’ em suas falas, atos ou mutismo5.

5 No livro número 12 desta coleção há o capítulo de CAMARGO e DA COSTA sobre indisciplina, que muitas vezes
ocorre como expressão do descontentamento do aluno em relação ao professor.

68
Terceiro, se refere ao “lugar” dos alunos e sua disposição ou não de estabelecer O desenvolvimento
afetivo-emocional
vínculo transferencial com o professor e com o próprio saber. Evidentemente, as atitu-
des que inspiram segurança e a habilidade pessoal e didática do professor contribuem
para atrair a atenção do aluno, que o leva a ser um admirador dele e/ou aproximar do
lugar-do-saber do professor. Mas será que todos os alunos estão na sala de aula para
realmente aprender? Todos desejam aprender? Ou será que alguns não desejam saber,
e querem continuar a ignorar? É preciso observar que a ignorância, sobretudo quando
é uma escolha do sujeito, é uma função que boicota o processo de ensino-aprendiza-
gem. Ainda que alguns não percebam que não desejam saber, se comportam como se
optassem por ignorar o valor dos saberes e de se civilizar.
A importância da psicanálise no trabalho do professor está: a) no olhar sobre os
alunos e sua possibilidade de eles se posicionarem como verdadeiros aprendizes, o
que só é possível se a transferência para com o professor for positiva; b) no olhar
do professor sobre a sua própria função, que implica não apenas em seu desempe-
nho para ensinar conhecimentos, como também aprender a escutar os alunos e a si
próprio. Vale lembrar que essa escuta de si próprio está voltada para a dimensão do
inconsciente, já que,

nosso comportamento é sobredeterminado, isto é, conseguimos perceber al-


guns dos nossos motivos, mas outros – que também nos influenciam – perma-
necem inconscientes; quase sempre são esses últimos que, fundamentalmente,
nos impulsionam. Ou seja, nossas ações, nossos pensamentos e sentimentos
resultam da confluência de muitas correntes diferentes, de variados resíduos de
experiências e de sentimentos bem mais antigos (DUPAS, 2008, p. 17).

Também os acontecimentos extraescolares, que ocorrem com as crianças em suas


casas e nas ruas, interferem, diretamente, em sua produtividade intraescolar. Por isso,
é frequente os professores atribuírem a responsabilidade pelo não aprendizado do
aluno aos problemas emocionais de origem familiar, como a separação dos pais, o
nascimento de um irmãozinho, a mudança de residência, o desemprego dos pais, os
ataques de bullying6, entre outros fatores. Ao agirem assim, os professores quase sem-
pre se isentam da responsabilidade que lhes cabe em oferecer situações de aprendiza-
gem adequadas para sua turma. Também existe a tendência defensiva dos professores
em construírem falsas explicações de autoengano, geralmente apoiadas em um senso
comum pedagógico ou psicológico, cuja finalidade é a desresponsabilização da função
docente.

6 Ler artigo: “Bullying: uma violência psicológica não só contra crianças”. Disponível em: http://www.espacoaca-
demico.com.br/043/43lima.htm, de autoria de Raymundo de Lima.

69
PSICOLOGIA E IMPLICAÇÕES PEDAGÓGICAS
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Anteriormente, mencionamos que a transferência e a contratransferência são con-
SABERES
ceitos psicanalíticos imprescindíveis para os professores desenvolverem o processo
educativo para além da perspectiva convencional proposta pela pedagogia. Kupfer
(1989) também indica algumas implicações de caráter emocional que interferem di-
retamente na relação professor-aluno e no ensino e na aprendizagem: a transferência
e contratransferência, a falta de identificação com o professor e o saber, entre outros.
Já enunciamos que o aluno pode transferir inconscientemente para o professor
afetos positivos (amor, admiração) ou negativos (raiva, ciúme, inveja) que ele sente
para com outra pessoa, geralmente pais e pessoas de seu convívio cotidiano. Cabe ao
professor primeiramente reconhecer quando o comportamento se refere a sua pessoa
real ou quando se trata de transferência. Em seguida, o professor deve desenvolver dis-
positivos pré-terapêuticos visando a “trabalhar” o aluno no sentido de este aprender
algo aparentemente paralelo ou alheio aos conteúdos formais da escola. No mínimo,
espera-se que esse posicionamento consciente e ativo do professor possa contribuir
para a tomada de consciência do aluno enquanto sujeito de desejos e de escolhas.
No entanto, o professor pode inconscientemente reagir a alguns alunos – ou à tur-
ma – com amor, ódio ou indiferença (gelo). A contratransferência nem sempre é uma
reação à transferência, mas diz respeito às reedições de relações afetivas vivenciadas
com outras pessoas, como pais, filhos, colegas, alunos anteriores.
Sem dúvida, o professor sente especial dificuldade em operar a mediação entre
seus alunos e o conhecimento quando recebe uma excessiva carga afetiva dos alunos.
No conto “Os desastres de Sofia”, Clarice Lispector (1993) descreve uma aluna, Sofia,
com nove anos, vivendo uma ambivalência de amor e ódio ao professor; ela se imagi-
na atraída por ele, mas também o rejeita, comporta-se bem e mal na sala. Como seus
sentimentos ambivalentes deixam-na intratável, o professor em questão lhe responde
com um ato marcadamente autoritário: “– Cale-se ou expulso a senhora da sala”. Ora,
uma carga intensa de sentimentos confusos e ambivalentes de certos alunos pode
desestabilizar o mais experiente professor, é de ser prever que suas reações made in
inconsciente rompam com o limite de sua atuação profissional.
Prevendo essa variedade de reações fora do contrato pedagógico, existem os dis-
positivos legais e aqueles provenientes da moral da escola e da psicologia. Imbert
(2001) propala que os professores aprendem muito sobre moral, mas não sobre ética,
sobretudo sobre a ética do desejo inconsciente. Para Kupfer (1989), “a diferença fun-
damental entre as posições da psicologia e da psicanálise, quanto à relação professor-
aluno, reside no fato de a primeira concebê-la num prisma interacionaista, enquanto
no enfoque psicanalítico ela se daria a luz da intersubjetividade” (apud AQUINO, 1996,

70
p. 36). Desse modo, a recomendação de Freud para o analista no trabalho clínico sobre O desenvolvimento
afetivo-emocional
a contratransferência pode ser reajustada ao trabalho pedagógico: “nenhum professor
vai mais longe no seu ofício de educar do que seus próprios conteúdos afetivos e
emocionais lhe permitem”.
Outra dificuldade se dá no estabelecimento da autoridade pedagógica. As manei-
ras de agir do professor formado pela tradição pedagógica e psicológica ora tendem
para um paternalismo extremo, marcado pela rigidez da função e distanciamento em
relação aos alunos, levando-os ao não desenvolvimento do senso crítico e da livre ex-
pressão das ideias; ora tendem para o maternalismo simbiótico, porque deixam que as
crianças ultrapassem os limites convencionados pela escola, desrespeitando tanto as
regras da escola quanto aquelas estabelecidas no contrato pedagógico entre professor
e turma. Há, ainda, uma terceira tendência, pós-modernista, marcada por um relativis-
mo de valores, frouxidão das regras e cinismo nas justificativas. Trata-se de um “tudo
pode”, “vale tudo”, como reprodução do espírito da nossa época.
Outra questão relaciona-se à identificação que o aluno estabelece para com o pro-
fessor, muitas vezes manifestada pela imitação que o aluno faz de comportamentos,
modo de vestir e falar, dentre outras atitudes do professor. A imitação não é um com-
portamento que deve ser encarado como algo negativo. Se pensarmos bem, nossas
personalidades são meio “Frankenstein”, uma vez que ao longo de nossas vidas en-
contramos pessoas que admiramos e, consciente ou inconscientemente, as copiamos.
Imitamos as características que gostamos, por isso nos parecemos com os pais, avós,
professores etc. Contudo, muitas vezes, de modo inconsciente, assumimos comporta-
mentos que consideramos inadequados em outras pessoas. Quantas vezes você já não
se pegou fazendo com seu filho algo que você não gostava que sua mãe fizesse com
você quando pequeno?
Entretanto, é preciso prudência, porque essa identificação outorga ao educador
um poder que nem sempre ele sabe administrar, que é o poder da sedução, da coação,
da persuasão, da cumplicidade. Isto tanto pode construir quanto destruir o aluno, por
exemplo, se ele acreditar que aquilo que o professor fala é a verdade absoluta; ou se o
professor não cumpre com a sua função, fingindo que ensina, e o aluno entra no jogo
e finge que aprende.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Há o entendimento originado da psicanálise que, quanto maior a consciência do
professor sobre o campo transferencial que ele opera na sala de aula, mais o levará a
um melhor posicionamento enquanto função-professor. É reconhecendo a totalidade
do campo transferencial entre professor e aluno que poderemos melhor exercer a

71
PSICOLOGIA E função docente, calculando melhor as palavras e os atos voltados para o ensino e a
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO aprendizagem. Por outro lado, a ocupação inadequada da ‘função-professor’, segundo
SABERES
Morgado (2002, p. 112):

pode dificultar, ou até mesmo inviabilizar, a concretização dos objetivos pro-


postos. O aluno pode incluir o professor, em uma série psíquica hostil, mani-
festando, por exemplo, o desinteresse próprio de quem não reconhece a au-
toridade pedagógica. Concomitantemente, essa transferência negativa pode
ativar núcleos inconscientes hostis do professor que, em vez de trabalhar os
conteúdos da aula, reage contratransferencialmente promovendo, por exem-
plo, um enfrentamento verbal [negritos nossos].

Para além dos processos intelectuais que a pedagogia e a psicologia já traçaram em


um caminho pretensamente seguro a favor da aprendizagem, a psicanálise se propõe
a contribuir modestamente com teorias e propostas de ampliação da consciência dos
docentes e alunos. A proposta psicanalítica não visa a fornecer instrumentos psicodiag-
nósticos para a escola reforçar sua tendência de estigmatizar alunos. Também não co-
bra que os professores façam um tratamento psicológico, embora muitos necessitem
de um acompanhamento nessa linha, para tratar transtornos psíquicos decorrentes do
estresse ocupacional ou para repensar sobre sua escolha para a docência.
A psicanálise se oferece como uma alternativa, coerente com sua ética: a ética do
desejo. Embora seus pressupostos teórico-metodológicos tenham sido forjados na ex-
periência clínica, a psicanálise tem algo a dizer sobre a educação: dos atos de preven-
ção relativos aos vínculos entre sujeitos, sobre a própria instituição e aqueles que são
acometidos de patologias psíquicas.
Como sendo uma teoria acerca do inconsciente, associada aos afetos e emoções, a
psicanálise também poderia contribuir para eliminar um “faz-de-conta” das licenciatu-
ras – na expressão de Azanha (1995) – não apenas para dar conta de “como ensinar”,
como também de como “tornar-se” um professor comprometido com a causa educa-
tiva. A psicanálise deve ser um instrumento de desvelamento do inconsciente de cada
sujeito e da própria instituição. A escola sustenta um discurso democrático ou libertá-
rio, mas que ainda “se objetiva em práticas autoritárias nas salas de aula” (ZUIN, 2008,
p. 602), causando nos alunos reações silenciosas, miúdas, ressentidas e explosivas,
como vandalismo ou barbáries inimagináveis.
Consciente da complexidade da dimensão afetiva e emocional dos envolvidos no
processo educativo, do coletivo da escola (professores, diretor, funcionários, equipe
pedagógica), caberia analisar as particularidades de cada aluno, seus desejos, sinto-
mas, estilos, ritmos de aprendizagem, dificuldades possivelmente determinadas antes
e fora do ambiente escolar; e procurar construir uma relação positiva que favoreça a

72
curiosidade e o desejo de aprender de todos. Em vez de o professor entrar em sala O desenvolvimento
afetivo-emocional
silenciando os alunos, com seus conteúdos prontos para “encher suas cabeças”, que
já se encontram “cheias” de informações e da própria escola, a psicanálise recomenda
que primeiro o professor se disponha a escutar os efeitos do inconsciente do aluno.
É um equívoco pensar um professor apenas ensinando, já que ele melhor ensina
quando também se dispõe a aprender. Ser professor é também estar em dia com sua
autoanálise, estar focado em seus complexos e naquelas reações decorrentes de pro-
vocações do mundo externo.
A psicanálise hoje faz laço com a educação, que deve se perguntar: “O que é ser
professor em nosso tempo e cultura?”, “Por que existe fracasso escolar?”, “Quais são
as causas do declínio da leitura?”, “Que fatores sustentam o hiato entre o discurso pe-
dagógico e a prática?”, “Que pensar sobre o declínio da autoridade docente?”, “Quais
os limites da autonomia discente e das políticas públicas da inclusão?”, “Existe sentido
aprender para os alunos?”, “O que é ensinado vale para a realidade dos aprendizes?”,
“O meu desejo como docente está aquém ou além?”, “A escola deve ir ao encontro do
aluno mergulhado no mundo virtual e das imagens ou deve procurar trazê-lo para a
sua cultura?”, entre outras questões.
Compreender as sutilezas da personalidade é qualidade de poucos. Muitas vezes,
intuitivamente, o professor toma a atitude correta, porém de um educador não se
espera somente a intuição, mas sim um fazer pedagógico respaldado em teorias. Acon-
tece que essas ‘teorias’ muitas vezes são usadas como verdades absolutas ou dogmas.
Desse modo, elas deixam de ser científicas para serem discursos ideológicos, que
como tal visam a distorcer, a dominar e a silenciar os sujeitos críticos. O professor
consciente e ativo de sua função deve criticar esse modo alienante de usar as teorias;
o caminho pode ser o estabelecimento do diálogo entre elas, bem como confrontá-las
com a prática concreta do cotidiano escolar. Cada professor, como sujeito dividido,
psicanaliticamente falando, deve ter consciência de que a educação, para além do que
ela universaliza, também o convoca a demonstrar singularidade em seu ato educativo.

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EDUCAÇÃO:
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Exercício de Reflexão

1) Das três instâncias da personalidade: id, ego e superego, qual delas você considera
a que mais usa? Por quê? Exemplifique com um fato ocorrido com você.
2 ) Qual fase do desenvolvimento emocional mais lhe chamou a atenção? Por quê?
3) Das questões apresentadas no capítulo, qual delas você escolheria investigar em
uma pesquisa científica?

Anotações

75
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Anotações

76
5 O desenvolvimento
cognitivo

Elaine Regina Rufato Delgado

INTRODUÇÃO
O desenvolvimento cognitivo tem uma relação muito próxima com todo o desen-
volvimento global do sujeito. Este capítulo está sendo oferecido neste livro para que
o professor, compreendendo como se dá o processo de aquisição de conhecimen-
to (cognição) por parte de seus alunos, possa buscar estratégias mais adequadas, de
modo a favorecer a aprendizagem.
Quando discutimos desenvolvimento cognitivo, o nome que nos aparece é o de
Jean Piaget, que teve uma vida de muito estudo e trabalho, e desde jovem mostrou-
se um grande pesquisador. Exemplo disso foi o artigo que escreveu sobre um pardal
albino que observou em uma praça de sua cidade natal, Neuchâtel, Suíça, com ape-
nas onze anos de idade. Formado em Biologia, aos 22 anos já era doutor, e passou a
pesquisar sobre o desenvolvimento do conhecimento nos seres humanos. Morreu em
1980, aos 84 anos, deixando cerca de setenta livros e mais de quatrocentos artigos.
Embora Piaget não tivesse a intenção de propor uma teoria pedagógica, suas expli-
cações a respeito do processo de aquisição de conhecimento foram incorporadas pela
Educação, servindo como suporte para a prática pedagógica. Autoras como Ferreiro e
Teberosky (1986), por exemplo, utilizaram-se amplamente de suas ideias para explicar
o processo de aquisição da leitura e da escrita pela criança.

EPISTEMOLOGIA GENÉTICA
Piaget (1974) chamou sua teoria de Epistemologia Genética, porque epistemologia
significa teoria do conhecimento; mais especificamente, é o estudo crítico do conheci-
mento científico. Conhecer é utilizado em um sentido bastante amplo e inclui organi-
zar, estruturar e explicar, ressaltando que se constrói a partir do vivido, do experiencia-
do, da ação do sujeito sobre o objeto do conhecimento. E o sujeito do conhecimento
não é o indivíduo nem o eu psicológico, mas o sujeito epistêmico, ideal, universal, que
não corresponde a ninguém em particular, embora sintetize as possibilidades de cada
uma das pessoas e de todas as pessoas ao mesmo tempo.

77
PSICOLOGIA E E genética, porque se refere à gênese, origem do conhecimento. A Epistemologia
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO Genética nos permite compreender como se originam as condições necessárias para
SABERES
que a criança chegue à fase adulta com conhecimentos que lhe possibilitem lidar com
as situações do dia-a-dia. Sempre entendendo que a capacidade de conhecer é também
resultado de trocas entre o organismo e o meio, enfatizando que a palavra meio não se
restringe a designar os objetos que nos rodeiam, mas abrange tudo: natureza, objetos
construídos pelo homem, ideias, valores, relações humanas, em suma, a história e a
cultura. São essas trocas com o meio as responsáveis pela construção da capacidade
de conhecer.

PROCESSOS DE ADAPTAÇÃO (ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO) E DE


ORGANIZAÇÃO
A essência da ideia piagetiana é de que a natureza do homem funciona para se
organizar e se adaptar física, emocional ou intelectualmente, visando ao equilíbrio
biopsicocognitivo.
Por ser biólogo, Piaget usa um tipo de analogia biológica para explicar o desen-
volvimento do pensamento no homem. Ele sugere que no funcionamento intelectual
do homem, assim como no funcionamento biológico, há dois processos: adaptação e
organização. Faz parte da natureza humana organizar suas experiências e adaptar-se ao
que tenha experimentado. Organização e adaptação, por conseguinte, são processos
inseparáveis e complementares de um mesmo mecanismo, o primeiro interno e o
segundo externo ao sujeito.
Em um sentido mais básico, a adaptação é um simples processo de ajustamento
ao meio ambiente. Ao fazer uma atividade física, por exemplo, o organismo se adapta,
promovendo uma queima energética, um alongamento dos tecidos musculares, uma
eliminação de líquidos através do suor etc. A adaptação ocorre em diferentes níveis,
desde as atividades como as biofisiológicas, até as mais elaboradas, como as trocas
simbólicas.
Na obra de Piaget ( WADSWORTH, 2003), o conceito de adaptação sofre uma evo-
lução. Em um primeiro momento, recebe o sentido próprio na biologia clássica, como
um fluxo irreversível. Em um segundo momento, passa a ser compreendida como
equilíbrio progressivo, denominado equilíbrio majorante. Em terceiro momento, é
explicada em termos de uma abstração reflexiva, resultante do processo de desenvol-
vimento pelo qual o ser humano passa.
Esse processo de adaptação é subdividido em assimilação e acomodação. A assi-
milação é o processo de ingestão, de incorporação de acontecimentos e experiências
em estratégias e sistemas já existentes na estrutura cognitiva, construídas a partir de

78
experiências anteriores. Por isso, podemos postular que o objeto se altera frente à O desenvolvimento
cognitivo
percepção do sujeito. Por exemplo: quando comemos alguma coisa, o alimento é mo-
dificado pelo corpo de maneira que possa ser utilizado, desde a saliva na boca até ao
receber os sucos do fígado e do pâncreas. Portanto, é possível afirmarmos que o ali-
mento foi assimilado, pois foi incorporado e modificado, o que exigiu uma adaptação
do corpo.
Quando o organismo se altera, a partir daquilo que foi assimilado, significa que
houve uma acomodação. A estrutura cognitiva incorpora os novos conceitos aos que
já possuía, modificando-os.

ESTRUTURA COGNITIVA
De acordo com a perspectiva piagetiana, o organismo humano possui três tipos de
estruturas. Em primeiro lugar, existem as estruturas totalmente programadas, como as
do aparelho reprodutor, que capacitam o indivíduo a prever determinados compor-
tamentos que se manifestam em determinadas épocas com um fim específico, como,
por exemplo, a fase de maturação sexual e a possibilidade de reprodução da espécie.
Em segundo lugar, estão as estruturas parcialmente programadas, como as do sistema
nervoso, pois seu desenvolvimento e construção dependem também do meio. Em
terceiro lugar, estão as estruturas nada programadas, chamadas de estruturas mentais
e são próprias para o ato de conhecer.
A noção de estruturas nada programadas é apresentada pela teoria piagetiana e é
assim denominada porque a espécie humana traz em seu genoma possibilidades que
podem, ou não, ser atualizadas, dependendo das necessidades que o meio gera. Vale
salientar que as possibilidades genéticas do ser humano, no que se refere às estruturas
mentais próprias para o ato de conhecer, estão determinadas pela espécie humana,
mas sua atualização depende do meio.
Outro conceito da teoria piagetiana é o de esquema, e é similar intelectual de uma
estrutura corporal, ou seja, um esquema equivale à estrutura corporal. Por exemplo:
os bebês, quando nascem, sugam o que for colocado em suas bocas: um bico do seio,
um bico da mamadeira, um dedo, demonstrando que não há diferenciação, mas que
existe apenas um esquema de sugar global e único, independente do que seja sugado.
No entanto, os bebês logo aprendem a diferenciar, e quando estão com fome acei-
tam somente os estímulos que produzem leite, como o seio e a mamadeira e os que
não produzem leite, como o dedo e a chupeta. Inicialmente esses esquemas são de ori-
gem reflexa, porém essas diferenciações aparentemente simples são importantes para
as atividades mentais posteriores. À medida que a criança se desenvolve, os esquemas
vão se tornando mais diferenciados, menos sensoriais, mais numerosos e complexos.

79
PSICOLOGIA E O bebê começa com um conjunto de esquemas reflexos como sugar, olhar e ouvir,
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO e as experiências vivenciadas por ele são assimiladas a esses esquemas, que se modifi-
SABERES
cam como resultado da experiência, portanto, acomodados. Os esquemas do bebê são
ações como agarrar, puxar, sugar, olhar, engatinhar etc. se modificam e se integram,
tornando-se classificados, mas ainda como ações. Somente depois, quando a criança
já desenvolveu uma completa série de esquemas mais complexos é que ocorre a ope-
ração, que são ações mentais complexas, como a adição, a subtração, a classificação, a
ordenação, dentre outras.
Cabe-nos lembrar que os progressos ocorrem lentamente, através de uma série de
descobertas. Em cada idade a criança tem uma visão própria do mundo, uma lógica
particular para explorá-lo e manipulá-lo. Essa lógica se modifica à medida que ela se
relaciona com objetos e acontecimentos que não se integram com seu sistema. Deste
modo, podemos enunciar, então, que uma criança, ao experienciar um novo estímulo
(ou um velho, outra vez), tenta assimilar o estímulo a um esquema existente. Se ela for
bem sucedida, o equilíbrio, em relação àquela situação estimuladora particular é al-
cançado no momento. Se a criança não consegue assimilar o estímulo, tenta fazer uma
acomodação, modificando um esquema ou criando um esquema novo. Quando isto
é feito, ocorre a assimilação do estímulo e, nesse momento o equilíbrio é alcançado.
Essa é a forma como se processam o crescimento e o desenvolvimento cognitivo,
em todas as suas fases. Do nascimento até a fase adulta, o conhecimento é construído
pelo indivíduo, sendo os esquemas do adulto construídos a partir dos esquemas da
criança. Na assimilação, o organismo ajusta os estímulos à estrutura que já existe. Na
acomodação, o organismo modifica a estrutura para encaixar o estímulo. O processo
de acomodação resulta em uma mudança qualitativa na estrutura intelectual ou corpo-
ral (esquemas), enquanto que a assimilação somente acrescenta à estrutura existente
uma mudança quantitativa. Deste modo, a assimilação e a acomodação explicam o
crescimento e o desenvolvimento das estruturas cognitivas e do conhecimento.

DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
Piaget (apud WADSWORTH, 2003) descreveu o desenvolvimento cognitivo conten-
do três componentes:
- conteúdo: é o que a criança conhece, refere-se aos comportamentos obser-
váveis, tanto sensório-motores quanto conceituais, que refletem a atividade
intelectual;
- função: refere-se àquelas características da atividade intelectual, assimilação
e acomodação, que são estáveis e contínuas no decorrer do desenvolvimento
cognitivo;

80
- estrutura: tratam-se das propriedades organizacionais inferidas, esquemas, que O desenvolvimento
cognitivo
explicam a ocorrência de determinados comportamentos. Por exemplo, se for
solicitado a uma criança que compare uma fileira de 10 fichas, dispostas de forma
que outra fileira de 8 fichas fique mais longa, e ela disser que a de 8 tem mais,
embora conte cada uma das fileiras, podemos concluir que ela não tem um con-
ceito de número plenamente desenvolvido. Sua escolha se baseou na percepção
e não na razão. Posteriormente prevalecerá a razão, mas só depois que tenham
acontecido modificações significativas nas estruturas, ou seja, nos esquemas.

As mudanças nas estruturas consistem no desenvolvimento intelectual, que se divi-


de em período sensório-motor, período pré-operatório, período operatório concreto
e período operatório formal.
Vale enfatizar que a transição de um período para o outro é gradual, contudo as
novas realizações são adquiridas, em uma sequência e em um ritmo padrão amplo.
Lembramos ainda que as idades cronológicas, durante as quais se espera que as crian-
ças desenvolvam comportamentos que representam cada período, não são fixas. To-
davia, uma coisa é fixa: toda criança deve passar pelos períodos do desenvolvimento
cognitivo na mesma ordem.
O período sensório motor é aquele durante o qual a interação da criança com o
ambiente é estabelecida por ações abertas ou sensoriais como ver e ouvir ou, ainda,
por ações físicas como agarrar, tocar, alcançar, sugar, chorar etc. Embora o desenvolvi-
mento mental seja um processo que começa no dia em que a criança nasce, no início
o bebê não pensa no sentido de planejar e de ter uma intenção; pelo contrário, suas
explorações são provocadas por reflexos e pelo acaso. Neste sentido, quando um obje-
to é colocado em sua boca, ele passa a chupá-lo e quando um objeto entra em contato
com a palma de sua mão, ele o agarra.
No nascimento, os estímulos são incorporados (assimilados) aos esquemas reflexos
de uma maneira indiferenciada. Poucas semanas após o nascimento já começam a ser
observadas acomodações simples por parte do bebê. Com isso, procura pelo seio, e se
ele não pode ser encontrado, há uma acomodação ao meio. A busca não é reflexa, mas
uma mudança no comportamento reflexo por parte do bebê, portanto, uma acomoda-
ção. Esse período é de impulsos reflexos e instintivos (PIAGET, 1993, 1995). Com seus
comportamentos reflexos, o recém-nascido busca alimentação e o conforto, e como
decorrência, suga e chora.
Ao final do período sensório-motor (em torno de 18 a 24 meses), a criança apre-
senta como característica o desenvolvimento de sentimentos afetivos e preferên-
cias distintas das primeiras respostas reflexas. Os reflexos são maioria, entretanto o

81
PSICOLOGIA E comportamento se mostra dirigido por novas capacidades afetivas (cognitivas). Os sen-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO timentos tornam-se fator de escolha do que fazer e do que não fazer. Assim, o mundo
SABERES
afetivo de uma criança de dois anos é muito diferente daquele do recém-nascido. As
crianças tornam-se capazes de investir afeto em outras pessoas, ter sentimentos por
alguém ou alguma coisa.
No pensamento do adulto, os objetos e eventos são, de algum modo, represen-
tados mentalmente. Durante o período sensório-motor, o bebê não domina o nome
de cada objeto nem tem condições de construí-lo. A capacidade de usar a palavra e a
imagem de diversas formas, de lembrar-se do objeto, de compará-lo mentalmente com
outros objetos ou imaginar como ele é a criança começa a ter nesse período, todavia,
de uma maneira ainda muito primitiva. Até cerca de 18 meses o bebê não tem habi-
lidade para manipular essas imagens ou representações internamente, para trabalhá-
las mentalmente, como elas são e examiná-las em novas combinações, representando
suas imagens através de ações.
Gradualmente, observamos nesse período o começo do que podemos chamar de
intenção; o bebê parece começar a fazer coisas com um propósito. Começa a procurar
por um objeto que desapareceu e, em algum grau, ele antecipará a posição do objeto.
Se um objeto for escondido em local do lado esquerdo do campo visual do bebê, ele
irá mexer a cabeça ou os olhos para procurar o reaparecimento do objeto no lado
certo. Aparentemente reconhece que o objeto existe, mesmo escondido.
A partir de 18 meses, o bebê está andando e explorando o mundo de uma maneira
bastante ativa e com muito mais possíveis experiências. A criança parece explorar o
objeto de uma forma nova, experimentando, por exemplo, novas formas de segurá-lo
ou jogá-lo. Um bebê pequeno pode encontrar prazer em pegar e derrubar um objeto
no chão e tentará deixá-lo cair de diferentes alturas e formas. Essa experimentação é
que possibilita novas habilidades e estratégias, por isso, para o desenvolvimento global
da criança, o desenvolvimento da inteligência prática, ou sensório-motora, é extrema-
mente importante.
A inteligência aparece antes da linguagem, porque a linguagem prescinde do pen-
samento interior, que, por sua vez, precisa da linguagem interiorizada por signos
verbais. Mas é uma inteligência totalmente prática que se refere à manipulação dos
objetos, e que só utiliza percepções e movimentos, organizados em esquemas de ação
para se manifestar.
Desse momento em diante, embora ainda no período sensório-motor, o desenvol-
vimento intelectual se dá mais na área simbólica do que na área sensório-motora, ou
seja, o desenvolvimento intelectual contará mais com a atividade representacional e
simbólica do que com a atividade motora.

82
Cada pequeno progresso torna o indivíduo melhor equipado para lidar com as O desenvolvimento
cognitivo
demandas da vida. Ao fim do período sensório-motor, a criança deve ter alcançado um
nível de desenvolvimento conceitual necessário para o desenvolvimento da linguagem
falada e de outras habilidades cognitivas e sociais, que ocorrerá durante o período
seguinte do desenvolvimento cognitivo: o período pré-operacional.
A principal característica do período pré-operacional, que vai dos 2 aos 6 anos de
idade, aproximadamente, é o desenvolvimento da capacidade da criança de represen-
tação de objetos e eventos.
Percebemos que a criança já tem a capacidade de representar objetos mentalmente,
mesmo na ausência deles; essas representações acontecem por meio da imitação dife-
rida, do jogo simbólico e da linguagem. A imitação diferida, que a criança desenvolve
a partir dos 2 anos de vida, consiste no fato de imitar alguém ou objeto ou fatos que já
aconteceram. A imitação é muito importante, pois demonstra que a criança desenvol-
veu a capacidade de representar mentalmente (recordar) o comportamento que está
imitando.
Outra forma que expressa a representação é o jogo simbólico. Neste, existe o pre-
domínio da fantasia, da imaginação, do faz-de-conta. Acriança dá vida a objetos inani-
mados, fenômeno chamado de animismo, e ocorre, por exemplo, quando a menina
acredita que a boneca está chorando ou com frio, ou quando o menino acha que o
carrinho pode se sentir triste por ficar sozinho. Isto é um jogo simbólico, uma espécie
de atividade não encontrada no período sensório-motor.
Pelo jogo simbólico, a criança exercita não apenas sua capacidade de pensar, ou
seja, representa simbolicamente suas ações, mas também suas habilidades motoras, já
que salta, corre, gira, transporta, empurra etc. Conforme Piaget (1971), a natureza livre
do jogo simbólico tem um valor essencialmente funcional e não é uma simples diver-
são. O jogo simbólico passa a ser um fórum de ideias, pensamentos e de coisas afins.
Outra forma de representação é o uso da linguagem, que permite à criança uma
troca de informações com os outros. No entanto, devido ao egocentrismo presente
nessa fase, mesmo brincando com outras crianças existem entre elas uma espécie de
monólogo coletivo, ou seja, conversam sem a preocupação de estarem sendo ouvidas,
cada uma fala para si, sem se interessar pelas respostas dos outros. Parecem falar mais
entre si sobre o que fazem quando estão juntas, mas grande parte do que dizem não
é dirigida a ninguém.
Por volta dos 6 ou 7 anos, ocorre uma transição gradual da fala egocêntrica para a
fala intercomunicativa. As crianças passam a ter um interlocutor em suas conversas, há
mais trocas, mais comunicação.
Outras características marcam o período pré-operacional, como o egocentrismo,

83
PSICOLOGIA E definido como a incapacidade da criança em colocar-se no lugar do outro, isto é, ela
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO sempre toma a si mesma como ponto de referência em relação ao que acontece a seu
SABERES
redor. Por exemplo: se perguntarmos para um menino que tem um irmão quantos
irmãos ele possui, responderá que tem um, mas ao perguntarmos quantos irmãos o
irmão dele tem, não saberá responder.
A compreensão da conservação da matéria é ainda um processo abstrato para a
criança nesse período, pois não compreende que, em duas fileiras de bolinhas com
igual número, mas com espaço diferentes entre uma fileira e outra, a quantidade não
muda. Isto porque tende a concentrar sua atenção nos aspectos ou configurações su-
cessivos de uma coisa, mais do que nas transformações através das quais um estado se
transforma em outro. Enquanto observa uma sequência de mudanças ou de estados
sucessivos, a criança focaliza exclusivamente os elementos da sequência, ou os estados
sucessivos, em vez da transformação pela qual um estado transforma-se em outro. A
incapacidade da criança pré-operacional de acompanhar as transformações inibe o de-
senvolvimento da lógica do pensamento. Em função disso, quando duas bolinhas com
a mesma quantidade de massa de modelar são modificadas em seu formato, a criança
poderá dizer que uma delas tem mais massa do que a outra.
O pensamento reversível é flexível, móvel e capaz de corrigir os aspectos superfi-
ciais distorcidos, por meio de descentrações sucessivas e rápidas e, segundo a teoria
piagetiana, a característica que melhor define a inteligência é a reversibilidade. Se o
pensamento é reversível, ele pode seguir a linha de raciocínio de volta ao ponto de
partida. Entretanto, como o pensamento préoperacional é lento e muito concreto, não
é reversível, porque não faz mais do que repetir aspectos irreversíveis da realidade,
por isso é muito difícil para a criança pensar “de trás para frente”, ou imaginar como
reverter os passos de uma tarefa. Um exemplo típico é perguntar a uma criança dessa
faixa etária se a distância de sua casa até a escola é maior, menor ou igual à distância
de sua escola até sua casa.
No período operatório concreto (7 a 11/12 anos), o egocentrismo intelectual e
social (incapacidade de se colocar no ponto de vista de outros) que caracteriza a fase
anterior dá lugar à emergência da capacidade da criança de estabelecer relações e
coordenar pontos de vista diferentes (próprios e de outrem) e de integrá-los de modo
lógico e coerente (RAPPAPORT, 1981). Outro aspecto relevante nesse período refere-se
ao aparecimento da capacidade da criança de interiorizar as ações, ou seja, ela começa
a realizar operações mentalmente e não mais apenas através de ações físicas típicas da
inteligência sensório-motor (se lhe perguntarem, por exemplo, qual é a vareta maior,
entre várias, ela será capaz de responder acertadamente comparando-as mediante a
ação mental, ou seja, sem precisar medi-las usando a ação física).

84
Não obstante, embora a criança consiga raciocinar de forma coerente, tanto os O desenvolvimento
cognitivo
esquemas conceituais quanto as ações executadas mentalmente se referem, nessa fase,
a objetos ou situações passíveis de serem manipuladas ou imaginadas de forma con-
creta. Se no período pré-operatório a criança ainda não havia adquirido a capacidade
de reversibilidade, agora já não está mais limitada à percepção e se torna capaz, ge-
ralmente, entre os 7 e 11 anos, de realizar todas as operações cognitivas que delimi-
tam a atividade mental da criança préoperacional. No período operacional concreto,
a criança descentra suas percepções e acompanha as transformações. E, o que é mais
importante, ela alcança a reversibilidade das operações mentais.
As duas operações intelectuais relevantes que se desenvolvem são a seriação e a
classificação, as quais formam a base para o conceito de número. A seriação consiste na
capacidade de organizar mentalmente um conjunto de elementos em ordem crescente
ou decrescente de tamanho, peso ou volume. A criança consegue colocar, por ordem
de tamanho, uma série de objetos iguais que tenham variações, mesmo que pequenas,
em seus tamanhos. O conhecimento infantil sobre seriação é construído durante um
período de vários anos. Cada avanço é um novo equilíbrio em seu raciocínio.
A classificação, por sua vez, consiste na habilidade de organizar os objetos levando
em conta seus atributos. Dependendo da idade, a criança conseguirá utilizar uma ou
várias características dos objetos em sua organização. Por exemplo: no início, quando
brinca com blocos lógicos, estes são separados levando em consideração apenas um
de seus atributos, como cor, forma, tamanho ou espessura; desta forma, separa os
círculos dos quadrados, dos triângulos e dos retângulos. Posteriormente, consegue
perceber que o círculo pode ser vermelho, azul ou amarelo, e também grande ou
pequeno e grosso ou fino, ao mesmo tempo.
Durante o período operatório concreto, os afetos adquirem mais estabilidade e
consistência, o que leva a criança a realizar operações reversíveis internalizadas, que
se manifestam no julgamento afetivo infantil. Em virtude dos sentimentos do dia-a-dia
poderem ser representados e lembrados, passam a ser relacionados com sentimentos
anteriores; por isso as crianças desse período adquirem a capacidade de compreender
as razões das mudanças ou transformações nos estados afetivos dos outros.
Por volta dos 7 ou 8 anos, as crianças começam a ser capazes de fazer suas próprias
avaliações morais. Da justiça e não-justiça e os efeitos das ações sobre os outros. Isso
não pressupõe, é claro, que suas avaliações sejam necessariamente corretas, significa
apenas que elas começam a mudar para uma moralidade de cooperação e avaliação.
O respeito mútuo também fica evidente nesse período, porque se tornam capazes de
considerar o ponto de vista dos outros.
Em relação à justiça, Piaget (1993) observa que esses conceitos mudam à medida

85
PSICOLOGIA E que as crianças se desenvolvem. As crianças pré-operacionais consideram as regras fixas
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO e imutáveis. As punições “justas” são severas e frequentemente arbitrárias. No período
SABERES
operacional concreto, as crianças desenvolvem uma compreensão melhor, embora não
completa, de leis e regras. As regras do jogo, por exemplo, passam a ser questionadas e
acreditam que podem ser mudadas desde que haja a concordância de todos.
À proporção que as crianças se desenvolvem afetivamente, consideram as intenções
dos outros e melhor adaptam-se ao mundo social. Em uma perspectiva piagetiana, a
compreensão de intenções não pode ser ensinada, cada criança deve construir esse
conceito a partir de suas interações com os outros. Os colegas são muito importantes
nesse processo.
O período operatório lógico-formal (dos 12 anos em diante) apresenta como
característica essencial a distinção entre o real e o possível: o adolescente, ao tomar
em consideração um problema, é capaz de prever as relações que poderiam ser vá-
lidas e logo procura determinar, por experimentação e análise, qual dessas relações
possíveis tem validez real. O pensamento liberta-se da experiência direta (concreta) e
as estruturas cognitivas adquirem maturidade, ou seja, surge a capacidade de pensar
sobre o hipotético, o futuro, e de refletir sobre o próprio pensamento, pensar sobre
o pensamento.
Cabe ressaltar que os processos de assimilação e acomodação, estimulados pelo
desequilíbrio, continuam a produzir mudanças nos esquemas ao longo da vida. No
entanto, não podemos asseverar que todos os adolescentes e adultos desenvolvem
plenamente as operações formais.
É nesse período das operações formais que os adolescentes reconhecem plena-
mente que as regras são necessárias para a cooperação e para uma participação efe-
tiva no jogo. Mostram também um interesse nas regras para o seu próprio bem, mas
reconhecem plenamente que as regras são necessárias para a cooperação e para uma
participação efetiva no jogo.
As crianças pré-operacionais geralmente percebem a mentira como algo errado.
Para elas, mesmo atos involuntários são considerados mentiras e quando não há puni-
ção, não são vistos como mentiras. Um amadurecimento dos conceitos infantis acerca
da mentira geralmente ocorre entre os 10 e 12 anos. As intenções tornam-se o princi-
pal critério para avaliar uma mentira. O adolescente compreende que para a coopera-
ção é necessário não mentir, e esse é um longo processo.
A consequência afetiva, especialmente importante para o respeito mútuo, é o “sen-
timento de justiça”. Este é muito grande entre os companheiros e influencia nas rela-
ções entre crianças e adultos até modificar, às vezes, as atitudes em relação aos pais.
Nos pequenos, a obediência passa à frente da justiça, ou melhor, a noção do que é

86
justo começa por se confundir com o que é mandado ou imposto pelos adultos. É O desenvolvimento
cognitivo
especialmente surpreendente quando perguntamos às crianças a propósito das his-
tórias que se lhes contam (referentes à mentira), constatar como elas são severas nas
ideias sobre punição. Demonstram apreciar sempre as punições mais duras, não se
preocupam em explicar a intenção, mas pregam sempre que para quem desobedecer
a punição é severa. Ao contrário, os adolescentes sustentam, com convicção, a ideia
de uma justiça distributiva, fundamentada na igualdade de direitos e também na jus-
tiça retributiva, baseada na intenção e nas circunstâncias em que ocorreram os atos.
A prática da cooperação entre as crianças e no respeito mútuo e fundamental para
desenvolvimento do senso da justiça e, certamente, de uma organização nova dos
valores morais.
Para finalizar esse período, cabe mencionar que o raciocínio dos adolescentes que
desenvolveram as operações formais parece ser invariavelmente idealista, explora em
pensamento e em discussão os modos de reformar a sociedade. Na perspectiva de
Piaget, esses fatos ocorrem pelo desenvolvimento intelectual e afetivo normal e neces-
sário que tem lugar durante a aquisição das operações formais. A formação da perso-
nalidade continua à proporção que o adolescente começa a adaptar o eu ao mundo
do adulto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em seus estudos sobre crianças, Piaget e Inhelder (1995) descobriram que elas não
raciocinam como os adultos. Essa descoberta levou-os a recomendar aos adultos que
adotassem uma abordagem educacional diferente ao lidar com crianças. Eles modifi-
caram a teoria pedagógica tradicional que, até então, afirmava que a mente de uma
criança é vazia, esperando ser preenchida por conhecimento. Na visão piagetiana, as
crianças são as próprias construtoras ativas do conhecimento, constantemente criando
e testando suas teorias sobre o mundo. Mesmo não tendo proposto uma teoria peda-
gógica, não podemos negar que os conceitos da Epistemologia Genética em muito
favorecem a compreensão do processo de construção de conhecimento por parte do
ser humano.
De posse de tais conhecimentos, o professor poderá buscar estratégias, atividades,
procedimento, e toda uma prática pedagógica voltada para o atendimento das necessi-
dades específicas do aluno, tendo em vista suas habilidades. Não podemos negar que
o meio em que o aluno se insere, para além da escola, influencia de maneira marcante
a forma como a criança constrói os conhecimentos. Por isso, em uma perspectiva pia-
getiana, podemos ponderar que todos nascemos com inteligência, entendida como
capacidade de raciocinar, e somos iguais do ponto de vista biológico. O que nos faz

87
PSICOLOGIA E diferentes em termos de capacidades cognitivas são as oportunidades que o meio que
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO nos rodeia nos proporciona, como parte do processo de adaptação, composto pela
SABERES
assimilação e pela acomodação, e que explicam o processo de aprendizagem.
Da mesma forma que nós nos adaptamos biologicamente ao mundo que nos ro-
deia, o desenvolvimento intelectual é também um processo de adaptação. Por conse-
guinte, a aprendizagem, na perspectiva piagetiana, ocorre como resultante do pro-
cesso de adaptação do sujeito ao mundo, através da assimilação e da acomodação na
busca do equilíbrio biopsicocognitivo.

Referências

FERREIRO, E.; TEBEROSKY, A. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes


Médicas Sul, 1986.

PIAGET, J. A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

PIAGET, J. A Epistemologia genética e a pesquisa psicológica. Rio de Janeiro:


Freitas Bastos, 1974.

PIAGET, J. Seis estudos de Psicologia. São Paulo: Forense, 1993.

PIAGET, J.; INHELDER, B. A Psicologia da criança. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1995.

RAPPAPORT, C. R. Modelo piagetiano. In: RAPPAPORT, C. R. et. al. Teorias do


desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Paulo: EPU, 1981. v. 1. p. 51-75.

WADSWORTH, B. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. São


Paulo: Pioneira, 2003.

Proposta de Atividade

1) Segundo Piaget, o ser humano passa por quatro períodos durante o seu desenvolvimento.
Escreva sobre esses períodos, apresentando suas principais características.

2) Assinale a resposta correta:

88
a) Capacidade mental adquirida de fazer uma operação voltar ao seu ponto de partida: O desenvolvimento
cognitivo
( ) Esquemas
( ) Acomodação
( ) Egocentrismo
( ) Assimilação
( ) Reversibilidade

b) Dificuldade que a criança de aproximadamente 2 a 6 anos sente em colocar-se no ponto de


vista do outro, de perceber seus sentimentos e intenções.
( ) Acomodação
( ) Equilíbrio
( ) Esquemas
( ) Egocentrismo
( ) Assimilação

c) Tentativa feita pelo sujeito de solucionar determinada situação utilizando-se de uma estru-
tura mental já formada, isto é, a nova situação, ou o novo elemento é incorporado a um
sistema já pronto:
( ) Equilíbrio
( ) Esquemas
( ) Assimilação
( ) Egocentrismo
( ) Acomodação

d) Processo de modificação de estruturas antigas para poder dominar uma nova situação:
( ) Equilíbrio
( ) Esquemas
( ) Acomodação
( ) Egocentrismo
( ) Assimilação

3) Com o objetivo de conhecer o pensamento operatório das crianças, Piaget propôs as


chamadas provas piagetianas ou operatórias. Uma dessas provas é a de classificação, que
objetiva verificar a capacidade da criança em separar objetos tendo em vista suas caracte-
rísticas. Originalmente, Piaget utilizou blocos lógicos, que consistem em quatro figuras
geométricas de quatro formas diferentes (quadrado, círculo, triângulo e retângulo), de
três cores diferentes (amarelo, azul, vermelho), de dois tamanhos diferentes (grande e
pequeno) e de duas espessuras diferentes (grosso e fino). Você deverá aplicar essa prova
individualmente em quatro crianças, em cada uma das quatro primeiras séries do Ensino
Fundamental. Utilize blocos lógicos e peça a elas que organizem o máximo de possibilida-
des que conseguirem. A análise deverá pautar-se em:

- não-domínio da habilidade (quando a criança, ao invés de separar as peças, utiliza-as


para confeccionar figuras);
- domínio em transição com a percepção de um dos atributos das peças (quando separa
por cor, por forma, por tamanho ou por espessura);
- domínio (quando consegue separar as peças levando em conta mais de um atribu-
to, por exemplo, círculos grandes, círculos pequenos, ou quadrados azuis, quadrados
amarelos, quadrados vermelhos e assim por diante).

89
PSICOLOGIA E Em seguida, faça um relatório com os seguintes itens:
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES a) Introdução
b) Desenvolvimento
c) Metodologia
Caracterização dos sujeitos
Idade Sexo Série
Sujeito 1
Sujeito 2
Sujeito 3
Sujeito 4
Sujeito 5

Descrição da prova
d) Resultados e análise
e) Referências

Sugestão de leituras para subsidiar essa questão:

CARRAHER, T. N. (Org.). Aprender pensando: contribuições da psicologia cognitiva


para a educação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1986.

GOULART, I. B. Piaget: experiências básicas para utilização pelo professor. 5. ed.


Petrópolis: Vozes, 1989.

Anotações

90
6 Os incríveis anos da
adolescência

Sheila Maria Rosin

Ao iniciarmos uma conversa sobre adolescência, propomos algumas questões nor-


teadoras, como, por exemplo: O que é a adolescência? Quando começa e quando
termina esse período? Quais as principais características dessa etapa da vida? Qual seria
o papel dos pais/professores na educação/orientação do adolescente?
Essas perguntas, bem como as possíveis respostas que possam ser dadas a elas,
pressupõem o entendimento da adolescência, assim como da infância, maturidade e
velhice, como uma fase/período/etapa do desenvolvimento humano determinada, na
maioria das vezes, pelas principais mudanças físicas e psíquicas pelas quais os seres
humanos passam ao longo de seu desenvolvimento.
Contudo, apesar dos aspectos físicos e psíquicos serem importantes, eles não são
suficientes para explicar o complexo conjunto de fatores que determinam o desenvol-
vimento humano. Segundo Oliveira (2004), todas as transformações pelas quais pas-
sam os sujeitos ao longo de seu desenvolvimento resultam de quatro planos genéticos:
a filogênese, a ontogênese, a sociogênese e a microgênese. A existência desses quatro
planos revelam que, para além das transformações pelas quais passam uma determina-
da espécie (filogênese) e das transformações próprias dos seres em sua espécie (onto-
gênse), não podemos deixar de considerar, ao tentar entender o desenvolvimento hu-
mano, as circunstâncias históricas, culturais e sociais (sociogênese) e as peculiaridades
de cada indivíduo (microgênese) como, também, definidoras dessas transformações.

Como, por exemplo, quando definimos com quantos meses o bebê deve se sentar,
engatinhar, andar e falar, ou quando determinamos qual é a idade da primeira menstruação
para as meninas ou com que idade aparecem os pelos pubianos nos meninos.

Em outras palavras, se é possível, em alguns casos, determinar padrões de desen-


volvimento universais, como as transformações físicas, não podemos deixar de consi-
derar que até estas estão sujeitas a outros fatores, como os econômicos, por exemplo.

91
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO: De acordo com artigo da Revista Veja (Veja, 17 de julho de 1996) publicado na década
COMPARTILHANDO
de 1990, a média de altura da população do Brasil havia, em quinze anos, aumentado 4
SABERES
cm, principalmente entre os adolescentes das camadas sociais mais favorecidas. Esses
adolescentes estavam pelo menos 2,5 cm acima do esperado pelos especialistas em
desenvolvimento, e seguindo a mesma tendência, os pés e as mãos estariam maiores,
deixando os adolescentes mais desajeitados e desengonçados. Esse fato poderia ser
atribuído, principalmente, aos padrões de alimentação e saúde iguais aos do Primeiro
Mundo a que esses adolescentes estariam sendo submetidos (FRANÇA, Valéria. Geração
de mutante. Veja, São Paulo, ano 29, n. 1453, 17 de julho, 1996).

Enfim, queremos ressaltar que, embora os estudos que periodizam o desenvolvi-


mento humano em períodos/fases possibilitem suporte teórico para melhor entendê-
lo, uma perspectiva universalizante desse desenvolvimento não representa sua totali-
dade, como afirma Oliveira (2004, p. 214):

[...] as transformações mais relevantes para a constituição do desenvolvimento


tipicamente humano não estão na biologia do indivíduo, mas na psicologia do
sujeito, muito mais referida [...] às circunstâncias histórico-culturais e às pecu-
liaridade da história e das experiências de cada sujeito.

Desta forma, parece claro supor que a adolescência de uma menina de 16 anos
que faz o último ano do Ensino Médio em um colégio particular e se prepara para o
vestibular de medicina é fundamentalmente diferente de outra menina que, na mesma
idade, já cuida de seu segundo filho e trabalha desde os 12 anos para sustentar a si e
a família; ou que, possivelmente, existam diferenças significativas na forma de viver a
adolescência nas diferentes gerações. Ou seja, são tantas as possibilidades de compor-
tamentos que se torna difícil estabelecer alguma padronização entre eles.

Muitos de nós, provavelmente, já ouvimos nossos pais/professores dizerem: - No meu


tempo não era assim, ai de mim se me comportasse desse jeito! Ou, até mesmo, dissemos
algo semelhante diante de uma resposta mal educada ou de um comportamento
“inadequado” de um filho/aluno adolescente.

Este preâmbulo introdutório leva a pensar na adolescência não apenas como uma
fase da vida caracterizada pela padronização de alguns comportamentos, mas como
um período sujeito a múltiplas determinações que devem ser devidamente considera-
das e analisadas por pais e professores que se dedicam à desafiadora arte de educar.
Neste sentido, embora reconheçamos a existência de uma concepção de adolescência
socialmente construída e bastante arraigada, procuramos, neste capítulo, promover
uma reflexão sobre a adolescência como um período da vida, evidentemente, com

92
peculiaridades próprias, mas fundamentalmente como historicamente determinada. Os incríveis anos da
adolescência

ADOLESCÊNCIA: UM POUCO DE HISTÓRIA


Palácios (1995) postula que a adolescência tal como a conhecemos no Ocidente é
um produto do século XX, com marcas de identidade muito particulares: muitos ado-
lescentes ainda moram com os pais e frequentam a escola regular, preparando-se para
o Ensino Superior; outros cursam escolas profissionalizantes e já têm ou procuram
emprego estável; muitos dependem financeiramente de seus pais, enquanto outros
são muro de arrimo de suas famílias; alguns já vivem relações afetivas estáveis; outros
pertencem a grupos com valores semelhantes aos seus; alguns oscilam entre os com-
portamentos infantis e os adultos, aparentando inquietude diante das novas exigências
como se não soubessem mais ao certo como agir; muitos parecem não ter tempo para
se dedicar a essas preocupações.
Cabe ressaltar que esse tipo de adolescência, definida a partir das peculiaridades
de determinado contexto, nem sempre existiu. Durante muitos séculos, o conceito de
infância esteve apenas ligado à ideia de dependência. Assim, por volta dos sete anos,
quando a criança conseguia “se virar sozinha”, sem depender do outro para se vestir,
alimentar-se, e mesmo andar pelas ruas, era introduzida no mundo adulto, sem ne-
nhum período de “preparação” para isto.
Áries (1984) mostra que o não-entendimento da infância como um período com
particularidades próprias expressava-se na indiferença no vestir da criança, que usava
roupas como os adultos; na inexistência de brincadeiras diferenciadas para elas, adul-
tos e crianças brincavam das mesmas coisas (bola, boneca, cartaz, xadrez); na natura-
lidade e liberdade com que eram tratados os assuntos sexuais; na precocidade com
que se casavam ou que eram incorporadas ao mundo do trabalho, enfim, as crianças
pareciam-se com “adultos em miniatura”. A situação descrita foi se alterando gradu-
almente ao longo dos séculos e, no Ocidente, o final do século XIX constitui-se um
momento importante de mudanças. Palácios (1995) preconiza que, com a Revolução
Industrial, torna-se importante a capacitação, a formação e o estudo. Filhos da burgue-
sia passam a permanecer mais tempo nas escolas, as quais se multiplicaram, tornando
seus programas mais complexos e exigentes. A necessidade de uma melhor formação
e o ensino obrigatório fizeram com que moças e rapazes permanecessem mais tempo
na escola. Conforme Palácios (1995, p. 264), na cultura ocidental, “[...] a incorporação
do adolescente no status adulto retardou-se notavelmente, formando-se, em consequ-
ência, um novo grupo que [...] desenvolve [...] seus próprios hábitos e maneiras, e que
enfrenta problemas peculiares”.
Se, na história, já tivemos períodos nos quais não se reconhecia a infância e a

93
PSICOLOGIA E adolescência como etapas diferenciadas da vida, ainda hoje temos inúmeras formas,
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO em diversos espaços geográficos e em diferentes culturas, de entendê-las e de se com-
SABERES
portar em relação a elas. Por mais globalizado que esteja o mundo, não há uma pa-
dronização nem no comportamento do adolescente nem na forma como os adultos se
relacionam com eles.

DE LAGARTA A BORBOLETA: O CORPO EM MUDANÇA

Então, em belo dia, a lagarta inicia a construção de seu casulo. Este ser que
vivia em contato íntimo com a natureza e a vida exterior se fecha dentro de
uma “casca”, dentro de si mesmo. E dá início à transformação que o levará a um
outro ser, mais livre, mais bonito (segundo algumas estéticas) e dotado de asas
que lhe permitirão voar. Se a lagarta pensa e sente, também o seu pensamento e
sentimento se transformarão. Serão agora o pensar e o sentir de uma borboleta.
Ela vai ter um outro corpo, outro astral, outro tipo de relação com o mundo
(BECKER, 1999, p. 99).

A procura pela definição de uma identidade pautada em padrões de comportamen-


tos adultos, que parece ser uma das características mais marcantes da adolescência, é
potencializada pelas rápidas e implacáveis transformações observadas diariamente no
corpo, em decorrência da puberdade*.

PUBERDADE (do latim – pubertas – que está relacionado à idade fértil). Conjunto das
transformações psicofisiológicas ligadas à maturação sexual que traduzem a passagem
progressiva da infância à adolescência.

ADOLESCÊNCIA (do latim – adulescere – que significa crescer). Período da vida humana
que sucede à infância, começa com a puberdade e se caracteriza por uma série de
mudanças corporais e psicológicas.

Palácios (1995, p. 265) assinala que,

[...] a puberdade é um fenômeno universal, para todos os membros de nossa


espécie, um fato biológico que é, e como um momento da maior importância
em nosso calendário maturativo comum. A adolescência, por seu turno, é um
fato psicossociológico não necessariamente universal e que não adota necessa-
riamente, em todas as culturas, o padrão de características adotado na nossa,
na qual, além disso, deu origem a uma importante variação histórica, que, ao
longo de nosso século, foi configurando a adolescência que nós conhecemos.

Em outras palavras, todos os sujeitos saudáveis, sem exceção, mais cedo ou mais
tarde se tornarão púberes. A puberdade tem limites mais precisos e delimitados que
a adolescência. Esta, por sua vez, está sujeita a muitas variáveis, entre elas as sociais,

94
as culturais e as históricas. A puberdade não é, portanto, sinônimo de adolescência e Os incríveis anos da
adolescência
vice-versa.
A idade do aparecimento dos primeiros caracteres sexuais secundários, que carac-
terizaram a puberdade, pode variar de criança para criança dependendo, por exemplo,
de fatores hereditários, ambientais e climáticos, entre outros. No entanto, geralmente a
puberdade se inicia, nas meninas, entre 8 e 12 anos, e entre 10 e 14 anos nos meninos.

A adolescência, cronologicamente, é definida, pela Organização Mundial da Saúde (OMS),


pelo Ministério da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Pediatria como a faixa etária de 10
a 19 anos; já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), no Artigo segundo, delimita a
adolescência entre 12 e 18 anos.

Atualmente, sabemos que as transformações físicas pelas quais a criança passa, en-
tre elas o rápido crescimento, também conhecido como “estirão da adolescência”,
o aparecimento dos caracteres sexuais secundários, o desenvolvimento dos sistemas
circulatório, respiratório e digestivo iniciam-se no hipotálamo.
Entre 9 e 10 anos, o hipotálamo começa a estimular a hipófise a secretar hor-
mônios que levam à maturação das glândulas reprodutivas e ao surgimento dos
caracteres sexuais secundários. Ocorre acúmulo de gordura corporal, em parte, des-
tinada ao estirão do crescimento. Ainda não se sabe ao certo o que desencadeia a
puberdade, mas pesquisas recentes apontam a kisspeptina, proteína do cérebro,
como provável fator desencadeante desse processo. Algumas mudanças físicas cau-
sam estranhamento e forçam o púbere a encontrar uma identidade estabilizadora
(CAVALCANTI, 2007, p. 6).
A puberdade começa com o aumento da pulsatilidade da gonadotrofina LH (hor-
mônio luteinizante), produzida pela glândula hipófise durante o sono noturno. Esse
padrão de secreção hormonal reflete o aumento da frequência e amplitude dos pul-
sos elétricos dos neurônios produtores do hormônio liberador das gonadotrofinas
(GnRH), localizados no hipotálamo. A função gonadal na puberdade é denominada
gonadarca, manifestando-se com o aumento da secreção do estrógeno pelo ovário e
da testosterona pelos testículos. O estrógeno, nas meninas, além de ser responsável
pelas mudanças físicas, também atua no comportamento sexual e na libido. A proges-
terona, igualmente produzida nos ovários, influencia no ciclo menstrual e na fertilida-
de (MANNA, 2007). A testosterona, produzida pelos testículos, influencia as mudanças
físicas, estimula o comportamento sexual e a libido.
Desta forma, pela ação do hipotálamo, meninos e meninas iniciam um interes-
sante processo de metamorfose. Nas meninas, antes que nos meninos, o estirão vem

95
PSICOLOGIA E acompanhado pelo alargamento dos quadris e o aparecimento das mamas e dos
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO pelos pubianos ainda não pigmentados. Aumentam de tamanho o útero, a vagina,
SABERES
os lábios e o clitóris. Os pelos pubianos ficam mais espessos e pigmentados, os
seios crescem e ocorre a pigmentação das aréolas e mamilos, seguidos da pigmen-
tação dos pelos axilares. A menarca, primeira menstruação, é o corolário dessas
modificações.

A menstruação, decorrência natural de todo o processo de desenvolvimento do corpo da


mulher, pode ser encarada de forma bastante diferenciada pelas adolescentes. Para algumas,
as irregularidades dos ciclos, as cólicas, os inchaços e as depressões podem revelar, para
além dos sintomas físicos, a forma como elas se relacionam com o seu corpo. Ainda hoje
é comum encontrar meninas que tiveram seu primeiro ciclo sem conhecimento sobre
o fato, ou, ainda, com informações errôneas e inconsistentes; por exemplo, é habitual
associar menstruação com sexo, uma vez que ela representa a possibilidade humana
de reprodução. Em sociedades/culturas nas quais o sexo está relacionado à vergonha/
sujeira, a adolescente pode se envergonhar e rejeitar a menstruação como um fenômeno
biológico positivo para o seu crescimento, inclusive transformando esses sentimentos nos
sintomas (BECKER, 1999).

Nos meninos, ocorre o crescimento dos testículos e do pênis, o aparecimento


discreto de pelos pubianos ainda não pigmentados e a mudança de voz. Os pelos
sombreiam as axilas e os cantos do lábio superior. Em seguida, ocorre a produção de
espermatozóides, cuja emissão pode se dar naturalmente, por meio de um fenômeno
conhecido como poluções noturnas ou pela masturbação.

A masturbação e as poluções noturnas são, em consonância com Becker (1999), maneiras


de o organismo “aliviar a pressão”, mas que podem, também, trazer constrangimento e
vergonha ao adolescente.

A partir de então, o crescimento dos testículos e do pênis, a pigmentação dos pelos


pubianos e axilares, a produção de espermatozóides e a modificação da voz se acele-
ram (PALÁCIOS, 1995).
Todas as mudanças físicas pelas quais passam o adolescente podem representar,
resumidamente, em média, entre 30 e 50cm e 30kg a mais em três anos. Tornar-se
estabanado e olhar-se longamente no espelho passam a ser características comuns no
comportamento adolescente. Os centímetros adquiridos e as novas proporções do
corpo, provavelmente, levam o cérebro a ajustar seus mapas sensório-motores à nova
realidade corporal que não se adequa mais à imagem criada pelo cérebro durante a
infância. Herculano-Houzel (2007, p. 33) apregoa que:

96
Os incríveis anos da
adolescência

Na verdade, é natural que o adolescente estranhe o re-


flexo de sua imagem. E talvez olhar-se por muito tempo
no espelho seja justamente uma maneira de realinhar os
mapas do corpo em mutação, uma vez que isso oferece
ao cérebro uma oportunidade de avaliar visualmente as
novas proporções corporais e fazê-las casar com a reali-
dade somestésica.

A idade em que começam as transformações físicas no adolescente pode variar


bastante de sujeito para sujeito, mas em decorrência de um fenômeno denominado
dimorfismo sexual, geralmente elas se iniciam, primeiro, nas meninas. Os motivos
pelos quais a maturação se inicia mais cedo ou mais tarde são, como já pontuamos,
inúmeros, estão relacionados à história, à genética, aos hábitos de vida, como alimen-
tação, higiene e a prática de esportes pelo indivíduo. Entretanto, é preciso que pais
e educadores estejam atentos para desvios de padrões que possam indicar alguma
questão patológica no processo de desenvolvimento e, também, os possíveis impactos
psicológicos que possam ocasionar no adolescente.

De acordo com Manna (2007), a literatura especializada relativa ao assunto considera


precoce a puberdade que se inicia, na menina, antes dos 8 anos, e dos 9 anos, no menino.
Isso pode levar a um prejuízo na estatura final devido à rápida maturação esquelética,
ocasionada pelos hormônios sexuais, e a desajustes psicossociais. Já o atraso puberal
é determinado pela ausência dos sinais sexuais após 13 e 14 anos, nas meninas e nos
meninos, respectivamente. Nesse caso, o desajuste psicossocial ocorre em decorrência
do déficit de crescimento e do aspecto infantilizado do jovem em relação a seus pares. Os
distúrbios, afirma a autora, podem ter base genética, nutricional, hormonal ou tumoral, o
que requer uma investigação diagnóstica.

Ver seu corpo crescido demais em relação ao de seus companheiros, ou não tão
crescido assim quando todos já se parecem adultos pode gerar, no adolescente, um
sentimento de inadequação muito grande, como se, para ele, não houvesse mais lugar
possível junto ao grupo, causando isolamento e, algumas vezes, até depressão.
Além do sofrimento que uma maturação precoce ou tardia demais pode ocasionar
no adolescente, outro problema que pode ser enfrentado por ele é o sentimento de
não-conformidade com o “novo” corpo em relação aos padrões estéticos vigentes. Em
culturas como a nossa, por exemplo, o culto ao corpo, por vezes, determina padrões

97
PSICOLOGIA E estéticos que chegam às raias da escravização, levando pessoas a canalizar muita ener-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO gia, tempo e dinheiro na busca do corpo perfeito. Ideais de beleza, muitas vezes difun-
SABERES
didos pela mídia, povoam o imaginário das pessoas de tal forma que elas se submetem
a muitos sacrifícios para atingi-los. Isso nos leva a perguntar: Como se comportariam,
então, os adolescentes nascidos e criados nesta cultura?
A forma pela qual o adolescente é mais ou menos afetado por padrões estéticos
impostos depende, muitas vezes, da autoimagem que ele tem de si próprio. Oliveira
(2000) enuncia que a autoimagem se forma gradativamente ao longo da vida e que,
portanto, faz parte de uma história que se inicia na infância. A construção da autoi-
magem está em consonância com o contexto no qual o sujeito vive e desenvolve suas
ações. Para Oliveira (2000, p. 59),

A auto-imagem é, pois, o retrato ou perfil psicológico do indivíduo. É a história


de vida presente na memória. São fragmentos de vida feitos de todos os mo-
mentos de alegria, de tristeza, de experiências ou mesmo de traumas, e que vão
sendo incorporadas ao eu do indivíduo.

Não obstante, acrescenta a autora, os registros dos acontecimentos não são estáti-
cos, mas estão sujeitos a reorganizações de acordo com o desenvolvimento intelectual
do indivíduo. Ou seja, à medida que amadurece intelectualmente, pode interpretar
e reinterpretar sua história de vida conforme o que foi mais significativo para ele. A
partir de sua história de vida, de seus fracassos e sucessos e, principalmente, da forma
como esses são julgados pelas outras pessoas, “[...] o organismo reage com emoções
e afetos que podem ir de uma superestima ao desprezo por si mesmo” (OLIVEIRA,
2000, p. 62).
Na busca pela definição de uma identidade, o adolescente procura descobrir a sua
própria autoimagem para, na visão de Oliveira (2000), confrontá-la com a imagem que
os outros fazem dele. Daí, argumenta a autora, a importância do outro na formação
da autoimagem do adolescente. Como “outro”, podemos incluir pais, irmãos, amigos
e professores.

OS PAIS
Em razão das rápidas e intensas mudanças físicas, cognitivas e afetivas pelas quais pas-
sam os adolescentes, alguns autores apontam para a vivência de uma espécie de luto por
parte deles e, também, por parte dos pais. Com o adolescente, o sentimento de luto ocor-
reria pela perda do corpo e da identidade infantil. Segundo Dunker (2007), aquilo que, na
infância, era fonte de prazer (uma brincadeira, um brinquedo, um aconchego), agora, na
adolescência, torna-se, de modo inexplicável, motivo de vergonha e insatisfação.

98
Os incríveis anos da
O desapego às atividades da infância chega, seguido pela busca da novidade e pelos adolescência
comportamentos de risco. A razão de todas as mudanças estaria na remodelagem do
sistema de recompensa do cérebro, “o conjunto de estruturas que nos premiam com
uma sensação de prazer e nos fazem querer mais tudo aquilo que é bom ou dá certo”. O
sistema de recompensa ficaria provisoriamente embotado, no início da adolescência, o
que faria com que o adolescente procurasse outros interesses, outra turma e os primeiros
parceiros sexuais (HERCULANO-HOUZEL, 2007, p. 34-35).

Também se modifica aquilo que os adolescentes pensavam e sentiam em relação


aos pais na infância. Se estes, até então, eram vistos como perfeitos, incapazes de errar,
passam a ter suas atitudes censuradas e questionadas. E os pais, por sua vez, lamentam
e sofrem por não reconhecer mais, no filho, os traços daquele menino ou menina
outrora tão bem adaptado à rotina da família.

É importante lembrar que, no Brasil, a representação que se tem de família não corresponde
mais às diversas formas encontradas. A família nuclear, representada por mãe, pai e filhos
vivendo sob o mesmo teto, cedeu lugar a novas formas de reorganizações: mães e pais
solteiros, separados, casados novamente, família extensas com agregados e parentes,
famílias sem a presença dos pais, nas quais os filhos são criados por avós/parentes/
outros. Sem mencionarmos, ainda, os milhões de adolescentes institucionalizados que,
em alguns casos, nunca viveram no interior de uma família. Essa diversidade permite
reafirmar o cuidado que devemos ter ao trabalhar com conceitos a priori, naturalizados
e descontextualizados.

A forma como os pais vivenciam a nova fase da vida que se inaugura na dinâmica do
contexto familiar depende de suas concepções acerca da adolescência. Se a encaram
de forma negativa, como um mal a ser vencido, tachando os próprios filhos, como
comumente ouvimos, pejorativamente, de “aborrecentes”, provavelmente o conflito
esperado para o período já está instaurado.
A ampliação do ambiente social que traz ao jovem novas demandas e outros desafios
e uma forma de pensar bem mais complexa, somada às dificuldades dos pais (pessoais,
sociais, econômicas), podem dificultar uma convivência construtiva, não ausente de
diferenças, mas com proposições de soluções razoáveis e criativas para as mesmas.
Fini (2000, p. 163) propõe, contudo, que os “conflitos de geração”, muitas vezes,
envolvem problemas relativamente pequenos, relacionados “[...] à liberdade pessoal
do adolescente, às regras quanto a horários, hábitos de estudo, amizade, vida social e
tarefas caseiras”, que, se adequadamente conduzidos pelos pais, não representariam
maiores danos. Na concepção da autora, os pais deveriam acompanhar o crescimento
dos filhos, auxiliando-os a se tornarem adultos independentes.

99
PSICOLOGIA E Espera-se que os adolescentes, em especial, tornem-se gradualmente indepen-
EDUCAÇÃO: dentes da família, ajustando-se à maturidade sexual, desenvolvendo uma filoso-
COMPARTILHANDO
SABERES
fia de vida, um conjunto de crenças e valores pessoais e que estabeleçam seus
próprios projetos profissionais (FINI, 2000, p. 164).

O GRUPO
A criança pequena, dependente daquilo que os pais dizem sobre ela, é incapaz de
buscar, fora do contexto familiar, outras opiniões a respeito de si própria. O adoles-
cente, ao contrário, amplia o leque de possibilidades, e o que pensa o outro, princi-
palmente os amigos, passa a ter um peso crucial na determinação de sua autoimagem.
O grupo de amigos torna-se o lugar em que ele se sente acolhido, porque, en-
tre eles, aqueles comportamentos que sempre foram apontados/criticados pelos pais,
configurando-se, muitas vezes, como limitações, somam-se aos dos pares ou, simples-
mente, são aceitos por eles. Desta forma, no grupo, ocorre certa padronização do
comportamento, de pensamentos e de hábitos. Isso contribui para que o adolescente
possa encontrar a sua própria identidade.

Mas ao mesmo tempo em que o pertencer ao grupo pode ser positivo para a definição
da identidade, o não-pertencimento ou a não-aceitação podem ter efeitos deletérios
na estruturação emocional do adolescente. Tomamos como exemplo um fenômeno
conhecido na contemporaneidade como bullying. O bullying, assim chamado no
mundo inteiro, é um fenômeno que caracteriza uma forma de violência que tem como
protagonistas, principalmente, alunos das redes pública e privada de ensino. Esse tipo
de violência é caracterizado pela ação agressiva de um aluno e/ou grupo de alunos
sobre outro. A agressão pode ser física, como chutes, socos, empurrões, ou psicológica,
como discriminar, apelidar e excluir. A violência que ocorre por parte do aluno/grupo
mais forte, na maioria das vezes, não tem motivação evidente e vitimiza um outro que
não consegue meios para se defender. Tais comportamentos são usualmente voltados
para grupos com características físicas, socioeconômicas, de etnia e orientação sexual
específicas. Alguns estudos apontam, entre alunos, os obesos, os de baixa estatura, os
homossexuais e filhos de homossexuais como as maiores vítimas. Na era da tecnologia,
surgiu também o cyberbullying, que é a violência por meio do celular e da Internet, por
exemplo (ANTUNES; ZUIN, 2008).

O CÉREBRO ADOLESCENTE
Até bem pouco tempo, acreditava-se que todas as transformações do cérebro hu-
mano aconteciam na primeira década de vida; pesquisas mostram, porém, que na ado-
lescência as mudanças continuam a ocorrer e que o cérebro adolescente passa por
mais um longo período de remodelagem e aprendizagem. Em conformidade com as
mesmas pesquisas, são essas transformações que explicariam o comportamento ado-
lescente (HERCULANO-HOUZEL, 2007, p. 27).
A importância das mudanças estruturais do cérebro já havia sido explorada pelo

100
psicólogo suíço Jean Piaget, para o qual, por volta dos 11/12 anos ocorre, na criança, Os incríveis anos da
adolescência
a passagem do pensamento concreto para o pensamento formal ou “hipotético-dedu-
tivo”, no qual as operações lógicas saem do plano do concreto e passam ao das ideias
expressas na linguagem das palavras ou da matemática. O pensamento hipotético-de-
dutivo permitiria ao adolescente “[...] deduzir as conclusões de puras hipóteses e não
somente através de uma observação real” (PIAGET, 1973, p. 63-64). Assim, acrescenta
o autor, o pensamento formal permitiria ao adolescente refletir espontaneamente e
construir suas próprias teorias. Dessa maneira, a atuação dos hormônios sexuais, du-
rante muito tempo considerada a “vilã” da história, passa a ser reconsiderada. A capa-
cidade de raciocinar abstratamente permite ao adolescente questionar as regras impos-
tas pelos pais e pela escola e “... descobrir a complexidade social, política, econômica
e cultural da vida e explorar a lógica vigente na sociedade” (HERCULANO-HOUZEL,
2007, p. 29).
As pesquisas demonstram, como apregoa Herculano-Houzel (2007), que o volume
de massa cinzenta cerebral continua aumentando, graças à enorme quantidade de
sinapses no córtex humano que atinge seu máximo em algum momento da adoles-
cência. A autora expõe que o momento considerado “crítico” para que o cérebro seja
influenciado pelas experiências e pelo ambiente se estende até a adolescência: “Em
fase de reorganização, o cérebro adolescente continua sensível às influências, boas ou
más, do meio” (HERCULANO-HOUZEL, 2007, p. 30).
O processo de transformação cerebral que acontece na adolescência ocorre de ma-
neira progressiva e seguindo uma determinada direção: da área posterior do cérebro
para a parte frontal.

101
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES

1) Lobo Parietal: Essa região que recebe e processa as informações espaciais e sensoriais do
corpo atinge o volume máximo entre 10 e 12 anos, período das maiores transformações
que ocorrem na puberdade. Começa então a refinar-se para ajustar os mapas sensório-
motores às novas proporções corporais, o que impacta a auto-imagem.

2) Lobo Frontal: Última região a amadurecer, por volta dos 30 anos, é responsável pelas fun-
ções cognitivas e emocionais mais elaboradas, tais como planejamento, representações
mentais do mundo exterior, raciocínio lógico e produção da fala.

3) Lobo Temporal: Nesta área ligada às emoções, à memória, à audição e ao processamento


de informações sonoras e visuais, a expansão atinge o seu ápice aos 16, 17 anos. Con-
comitantemente, a comunicação neuronal adquire maior rapidez, o que propicia, por
exemplo, maior facilidade de leitura.

4) Amígdala: Com o córtex pré-frontal ainda em desenvolvimento, os adolescentes proces-


sam a maioria das informações emocionais na amígdala, sede de sentimentos primários
como medo e raiva, o que resulta em impulsividade e desajustes.

Fonte: (HERCULANO-HOUZEL, 2007).

Em razão dessas transformações, vários comportamentos adolescentes tornam-se


possíveis: o domínio linguístico se desenvolve; as respostas motoras se aceleram; evo-
luem a memória de trabalho, a capacidade de seleção e inibição de comportamentos e
a supressão de respostas automáticas. O pensamento abstrato, que permite a represen-
tação de objetos ausentes, é possível graças ao amadurecimento do córtex pré-frontal.
“Aliada à necessidade de novos prazeres, a capacidade de lidar com o abstrato permite
que o jovem descubra novos tipos de literatura e música, se interesse por filosofia e polí-
tica e inaugure a fase idealista [...] de reconstrução do mundo” (HERCULANO-HOUZEL,
2007, p. 32).
As pesquisas desenvolvidas sobre as mudanças no cérebro na adolescência redi-
mensionam o papel dos hormônios sexuais em todo esse processo. Ou seja, se até
então, eles eram responsabilizados pelas mudanças físicas e pelos comportamentos
adolescentes, sabe-se, agora, que sua influência se limita a tornar o cérebro sensível
aos apelos do sexo (HERCULANO-HOUZEL, 2007).

102
A SEXUALIDADE NA ADOLESCÊNCIA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Os incríveis anos da
adolescência
Mesmo não podendo deixar para a ação dos hormônios sexuais a responsabilidade
exclusiva pelo comportamento adolescente, não podemos deixar de considerar sua
importância na transição da infância para a vida adulta.
A forma que a sexualidade assume na adolescência, sua expressão e sua vivência
ainda são assuntos de alta complexidade. As atitudes de pais e educadores em rela-
ção à sexualidade adolescente são, em geral, ambíguas, contraditórias, confusas e, na
maioria das vezes, preconceituosas.
Os pais, por não saberem mais qual lugar deve ser ocupado pelo filho, laçam sobre
o mesmo um olhar impreciso: criança ou adulto? Na verdade, o que desconcerta os
pais não é apenas o fato de que agora seus filhos estão fisicamente mais parecidos com
eles, mas também o fato de que os jovens podem colocar em ação, em função do ama-
durecimento físico, seus desejos sexuais, tornando-se aptos para entrarem no campo
amoroso e sexual (TAVARES, 2007). A maior ou a menor aceitação da manifestação da
sexualidade adolescente tem a ver com a maneira com que os pais vivem ou com que
viveram sua própria sexualidade, e essas maneiras são definidas pelas crenças, pelos
valores, pela educação e pela cultura às quais eles estão inseridos.
Todavia, como tudo está em constante transformação, a compreensão referente à
sexualidade se modifica, permitindo novos olhares, novas abordagens, novos compor-
tamentos em relação a mesma. Nas sociedades industrializadas ocidentais, os meninos
não precisam mais começar sua vida sexual em prostíbulos, pagando mulheres para
iniciá-los sexualmente, e as meninas não esperam até o casamento pelo parceiro certo
que irá despertá-la para o sexo.

Tanto o “ficar” quanto a primeira relação sexual podem significar para o jovem uma es-
pécie de “rito de passagem” que marca o fim da infância e a entrada, de fato, no mundo
adulto. Na busca pela reapropriação do corpo modificado e de ser reconhecido como
desejante e desejável, surge o ficar “[...] momento de encontro regado de beijos, carícias,
um contato eminentemente corporal, de poucas palavras e, em geral, fugaz” (TAVARES,
2007, p. 35).

Atualmente, nessas sociedades, meninos e meninas têm maior liberdade para esco-
lher onde, quando e com quais parceiros desejam iniciar sua vida sexual. Essa liberda-
de, saudável por um lado, por outro expõe o adolescente a riscos. Boruchovitch (2000)
adverte que os adolescentes se envolvem cada vez mais em situações que podem trazer
consequências negativas para uma vida adulta sadia, e é nesse contexto de risco que
o comportamento sexual do adolescente deve ser pensado e entendido. A gravidez
não planejada e as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) são sérios problemas na

103
PSICOLOGIA E adolescência que poderiam ser prevenidos por bons programas de orientação sexual e
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO apoio às famílias.
SABERES

Pesquisas mostram que cerca de 22% dos


recém-nascidos no país em 2005 eram filhos de
mães adolescentes (entre 10 a 19 anos), cuja in-
cidência chegou a 28,7% na região norte, e 25,2%
no nordeste brasileiro (INDICADORES, 2007). A
necessidade de vivenciar novas experiências e de
ingressar no mundo adulto, aliada à falta de infor-
mação ou ao mal uso das mesmas torna o adoles-
cente mais vulnerável a situações como essas.

Pesquisas sugerem que entre os principais motivos alegados pelas adolescentes


para a gravidez estão:

1) adolescentes retardam o uso de contraceptivo em torno de um ano após o início da


atividade sexual;
2) possuem dúvida em relação a sua capacidade reprodutiva, por vezes testando-a de forma
inconsciente;
3) relutam em desfazer a espontaneidade das relações sexuais através da previsão delas e
uso de método contraceptivo;
4) têm medo de serem descobertas pela família, mediante a evidência de usar algum méto-
do contraceptivo;
5) na adolescência precoce, é mais frequente o impulso predominar sobre a capacidade
cognitiva de programar;
6) desconhecimento de que à medida que a idade ginecológica (IG) aumenta, também
aumentam os ciclos ovulatórios e a fertilidade;
7) têm medo de engordar ou de adquirir câncer, por meio do uso de contracepção hormonal;
8) usam de forma inadequada o método contraceptivo (HERTER, 2001).

O alto índice de gravidez não planejada se constitui em problema de saúde públi-


ca, uma vez que gravidez precoce é, segundo o Ministério da Saúde, o terceiro fator
de morte nesse período da vida. São múltiplas as causas que envolvem o problema,
entre elas relacionam-se a pouca idade, as condições psicossocias inadequadas e a não
realização da assistência pré-natal “Infelizmente, no Brasil, as adolescentes são capta-
das tardiamente por programas pré-natais [...]. Esta situação se agrava entre as mais
jovens e as multíparas, garotas que engravidam duas ou mais vezes ainda no período
da adolescência” (SILVA; ROSSI, 2007, p. 88). Além das questões relacionadas à saúde
das mães e dos bebês, outro aspectos importante é o social. Muitas mães adolescen-
tes assumem sozinhas a maternidade, sem a ajuda do companheiro, o que as obriga

104
a abandonar temporária ou, muitas vezes, definitivamente os estudos. Diante disso, Os incríveis anos da
adolescência
discussões relativas ao tema de forma ampla e efetiva e políticas de apoio às famílias
poderiam evitar o abandono da escola.

A gravidez na adolescência causa grandes transformações na estrutura da família, tanto


na do menino quanto da menina. Em um primeiro momento, pais e filhos abalam-se ao
perceberem uma quebra em suas expectativas e planos, cria-se um clima de acusações,
culpas e cobranças. Em um segundo momento, a situação inevitável exige a reconstrução
de vínculos e espaços, tornando possível o reordenamento das atitudes e das relações
afetivas dentro da família, o que pode traduzir-se em orientação e apoio mais efetivo ao
adolescente que o ajudarão a assumir as novas responsabilidades (SILVA; ROSSI, 2007).

Números revelam que outro problema sério observado na adolescência é o contágio


por DSTs. Dados mundiais da Organização Mundial da Saúde apontam que um entre
vinte adolescentes contrai doença sexualmente transmissível por ano. A AIDS (Síndro-
me da Imudeficiência Adquirida), uma das principais doenças, pode ser transmitida por
práticas sexuais inseguras, como o não uso de preservativo e o compartilhamento de
agulhas e seringas. Estima-se que, no mundo, dos 4,3 milhões de novos casos de infec-
ção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV ), 40% (1,72 milhões) são de pessoas
entre 15 a 24 anos. No Brasil, entre os mais vulneráveis à doença estão as mulheres, os
negros, os adolescentes e os jovens adultos. Entre os adolescentes na faixa etária de 13
a 24 anos, a prática sexual sem proteção foi a principal forma de transmissão, conforme
os casos notificados no período de 1980 a 2004 (FIALHO, 2007).
Tais índices, que parecem revelar ignorância por parte dos adolescentes acerca de
métodos preventivos, são contraditórios com o bombardeio de informações a que
estamos diariamente expostos acerca dessa temática. Cada vez mais se fala sobre o
assunto, mas mesmo assim parece não haver, por parte dos adolescentes, uma relação
entre a informação adquirida e o uso de medidas preventivas adequadas, que evitem
tanto a gravidez não planejada quanto o contágio pelas DSTs.
Boruchovitch (2000, p. 186) propala que os cursos de educação sexual, muitas vezes
promovidos pela própria escola, não se mostram “[...] eficazes em ajudar adolescentes a
transformarem a informação científica em comportamentos saudáveis”. Pesquisas reve-
lam, corroborando a autora, que os adolescentes preferem uma educação sexual:
a) que envolva discussão em grupo;
b) com pessoas do mesmo sexo;
c) realizada por profissionais de fora da escola, com enfoque aberto e que se sin-
tam confortáveis em relação às questões sexuais; e, por fim,
d) com menos destaque nas consequências negativas das vivências sexuais e mais
voltada aos aspectos humanos e positivos da sexualidade.
105
PSICOLOGIA E É importante que pais e educadores compreendam que orientar o adolescente a
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO adotar práticas sexuais seguras não significa incitá-lo ao sexo precoce. De acordo com
SABERES
Boruchovitch (2000), estudos apontam que uma boa comunicação entre mãe e filha,
por exemplo, pode contribuir para que a primeira relação sexual da filha ocorra mais
tarde.

Apesar de os adolescentes reconhecerem que a transmissão das DSTs pode ser evitada
pela adoção de práticas sexuais seguras como o preservativo, por exemplo, muitos deles
tendem a acreditar que nunca serão contaminados. Estudos relatam que entre as mulhe-
res (em todas as camadas sociais) um dos maiores fatores de risco é o início precoce da
atividade sexual. As brasileiras têm a sua primeira relação sexual, em média, aos 14 ou 15
anos (FIALHO, 2007).

Pais e educadores com postura autoritária tendem a optar pela cultura do si-
lêncio quando o assunto está ligado às questões sexuais na adolescência, “jus-
tamente no momento em que é preciso abrir espaço para falar sobre sexo e
educá-los para a sexualidade, ferramenta mais importante para a prevenção da
gravidez, do aborto e das DSTs (FIALHO, 2007, p. 98).

A ESCOLA
Nas sociedades complexas como a nossa, nas quais se exige do sujeito constante
transformar-se para readequar-se às novas exigência que surgem a todo o momento,
quanto mais as famílias se sentem despreparadas e desqualificadas para educar e
orientar seus filhos, mais elas destinam essas funções à escola, que agrega então
papéis que originalmente não eram seus, passando a ter maior responsabilidade
diante de seus alunos adolescentes: à transmissão dos conteúdos formais soma-se
uma série de orientações de cunho educativo e formativo.
A escola, como instituição escolar, pode exercer grande influência sobre o jo-
vem que nela vivencia importantes experiências cognitivas, afetivas e sociais. Neste
sentido, a escola pode exercer um papel cerceador ou estimulador no processo de
crescimento individual de seus alunos.
Oliveira (2000) enuncia que a escola cerceadora é aquela que ministra conteúdos
inadequados; discrimina os alunos, fazendo-os sentirem-se fracassados e inadapta-
dos; possui um sistema de avaliação muito rígido, no qual as notas são supervalo-
rizadas e que não dá, ao aluno, retorno sobre o seu desempenho; e que estabelece
em sala de aula um clima de competição e julgamento, gerando tensões e ansiedade.
Para a autora, uma escola estimuladora desenvolveria atitudes opostas a essas,
que incentivassem um clima de amizade e cooperação; uma escola onde os professo-
res aceitariam “[...] os limites de seu aluno, auxiliando-o a se perceber realisticamen-
te [...]. Assim, a postura do professor pode exercer grande influência na formação do

106
autoconceito acadêmico do estudante” (OLIVEIRA, 2004, p. 66-77). Os incríveis anos da
adolescência
Desta forma, o ambiente escolar pode favorecer o aprendizado prazeroso e pro-
missor ou levar a distúrbios de conduta e/ou aprendizagem O professor, muito mais
do que transmitir conhecimentos, deve despertar no aluno o desejo de aprender,
oferecendo-lhe situações de aprendizagem nas quais este possa participar na cons-
trução do conhecimento (BOMBONATTO, 2007).
De acordo com Bombonato (2007, p. 26), a escola deve

contemplar em seu projeto pedagógico atividades que promovam o amadu-


recimento do sujeito cognoscente (que constrói o seu saber), cabendo a ela,
além das ações específicas de escolarização, assumir o papel de instância for-
madora, local de aquisição de habilidades para o desempenho na vida socie-
tária, como a noção de alteridade, ou seja, de reconhecimento e respeito às
necessidades do outro, a ética das relações e a convivência com as diferenças.

Gostaríamos de finalizar afirmando que, no decorrer deste capítulo, muito falamos


sobre a adolescência e muitas outras questões ficaram ainda por dizer. Não aborda-
mos, por exemplo, a questão do uso e abuso das drogas (lícitas e ilícitas), a angústia
pela escolha profissional vivida por um seleto grupo de adolescentes: os que podem
escolher, o desafio do primeiro emprego, a influência da mídia sobre o comportamen-
to, o uso do computador e a nova cultura produzida a partir dele, enfim, assuntos
importantes, mas que os limites do próprio texto não nos permitiram ampliar. Mas,
acreditamos, mesmo assim, ter alcançado nosso objetivo inicial, que foi o de promover
uma reflexão acerca da adolescência como um período com peculiaridades próprias,
determinado por condições biológicas, cognitivas, afetivas, sociais e culturais, como
qualquer outra etapa da vida e que assim deve ser compreendido.

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2) Juno. Dir. Jason Reitman. EUA/Canadá/Hungria, 2007.
3) Aos treze. Dir. Catherine Hardwicke, EUA, 2003.
4) Bicho de sete cabeças. Dir. Laís Bodanzky, Brasil, 2000.
5) Diário de um adolescente. Dir. Scott Kalvert, EUA, 1995.

Sugestões de sites

www.abennacional.org.br/revista/apresentação
www.ecos.org.br
www.aids.gov.br
www.olharadolescente.com.br

109
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Proposta de Atividade

1) Por que podemos afirmar que a adolescência, da forma como a conhecemos hoje, é um
conceito recente?
2) Segundo o Ministério da Saúde, cerca de um milhão de brasileiras com menos de 20 anos
engravidam por ano e apenas 20% destas permanecem na escola. Em sua opinião, quais
são os fatores responsáveis por tal situação e quais medidas poderiam ser tomadas para
resolvê-la?
3) O que deveria ser mais relevante nos projetos pedagógicos dos cursos voltados para a ado-
lescência?

Anotações

110
7 O papel do
desenho no
desenvolvimento infantil
Janira Siqueira Camargo

INTRODUÇÃO
A opção em oferecer um capítulo sobre “O papel do desenho no desenvolvimento
infantil” se deve ao fato de que o desenho é uma das primeiras formas de expressão
da criança e a acompanha durante a infância. Caso essa atividade de criação seja bem
trabalhada, poderá ser usada por toda vida. Na verdade, se buscarmos na história da
humanidade, observaremos que é uma das formas mais primitivas de expressão e re-
gistro de fatos ocorridos. O homem das cavernas usava os desenhos rupestres descre-
vendo situações vividas por ele e seu grupo, por isso os temas mais comuns eram as
caçadas e os animais que encontravam, além de registrarem também a vida cotidiana
em seu grupo.
Os professores podem analisar e observar o desenvolvimento de seus alunos na
escola por meio dos desenhos produzidos ao longo do ano letivo, procurando com-
preender como seus alunos veem o mundo, como pensam e como se sentem, tanto
em seus aspectos cognitivos quanto emocionais, pois é nas atividades artísticas que a
criança inicia seu processo de criação. Quando a criança desenha, podemos ver seu
prazer em criar, através de suas expressões, de seus gestos e de sua alegria. De acordo
com o estado emocional em que a criança se encontra, suas expressões no momento
em que está desenhando podem mudar.
Não há como negar que o desenho é uma atividade de extrema importância para o
desenvolvimento do ser humano, e para a criança é imprescindível, pois auxilia em seu
desenvolvimento, estimulando sua criatividade, sua imaginação e sua autonomia. Ao
desenhar, a criança se expressa, transferindo para o papel suas experiências e seus sen-
timentos. No entanto, vale salientar que não basta o professor pedir aos alunos para
desenharem, a atividade não pode ser utilizada somente para preencher o tempo ou
para o “descanso” do professor. Toda e qualquer atividade proposta aos alunos deve
ter uma finalidade e o educador precisa ter clareza dos objetivos que deseja alcançar
com aquela atividade.

111
PSICOLOGIA E De acordo com Vygotsky (1989), para que o conhecimento tenha significado (valor
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO instituído socialmente) e sentido (valor instituído individualmente) para o aluno, an-
SABERES
tes deve ter para o professor. Quando desenha, a criança atribui um significado e um
sentido; por isso, ao produzir algo que foi solicitado, esse produto deve ser valorizado,
pois caso contrário pode implicar uma sensação de produção no vazio. Para tornar-se
ativo, consciente e crítico de si e do mundo que o rodeia, o sujeito precisa ser valoriza-
do no que produz. Na escola, o desenho é um bom instrumento para que o professor
auxilie o desenvolvimento do aluno.
Todavia, percebemos que a maioria dos professores usa o desenho sem significado
e sem sentido, muitas vezes como mero instrumento para o desenvolvimento da psi-
comotricidade fina. Deixam que os alunos se expressem, mas não interpretam a gama
de informações e emoções que emergem nos desenhos. Derdyk (1994) argumenta
que quando se utiliza o desenho como mero instrumento de adestramento motor,
perde-se a possibilidade de compreensão de que o desenho auxilia no processo de
apropriação da realidade e construção do pensamento através de signos gráficos.
No entanto, se o desenho faz parte da infância, por que ao pedir para um adulto
ou adolescente desenhar é muito comum esses responderem que não sabem, que não
possuem habilidade ou que não têm “dom” para isso? Por que temos tanta dificuldade
em representar algo através do desenho? Por que os desenhos adultos se mostram tão
infantis? Para respondermos a essas questões vamos, em um primeiro momento, apon-
tar a visão de diferentes teóricos acerca do papel do desenho no desenvolvimento hu-
mano para, posteriormente, entendermos porque desenhar é tão difícil para os adultos.

DIFERENTES ENFOQUES TEÓRICOS SOBRE O DESENHO


A seguir, apresentamos a visão de autores com referenciais teóricos diferentes so-
bre o papel do desenho no desenvolvimento humano. Serão abordadas as perspecti-
vas de Vygotsky (1989), Luquet (1969), Lowenfeld (1977), Piaget (1975) e Psicanálise
(Ocampo et al. 1986).
Vygotsky (1989) afirma que no processo de aquisição da linguagem escrita o dese-
nho é uma das etapas importantes. Portanto, desde os primeiros contatos da criança
com o mundo da escrita, ainda na educação infantil, a atividade de desenho deve
ser utilizada pelo professor como estratégia que auxilia na compreensão da escrita
como forma de expressão. Inicialmente, quando a criança deseja algo, aponta para o
objeto desejado e os pais, ou pessoas que estão próximas a ela, interpretam seu gesto
satisfazendo seu desejo, entregando-lhe o que quer. Aos poucos, à medida que vai
percebendo que a linguagem oral possibilita acesso às coisas do mundo de maneira
mais clara e rápida, a criança substitui o gesto pela palavra. Paralelo a isso, percebe que

112
existe também uma outra forma de pedir o que quer e ter seu desejo realizado: regis- O papel do desenho no
desenvolvimento infantil
trando no papel. Como ainda não tem o domínio da linguagem escrita, usa rabiscos
como treino inicial para o aprendizado da escrita (Figura 1). Lentamente esses rabiscos
tomam a forma dos objetos que quer representar.

Figura 1: Desenho livre de Guilherme – 2 anos de idade.

No entanto, a criança chega a uma determinada idade em que não se contenta com
o que desenha, ela necessita atender aos padrões sociais e busca reproduzir represen-
tações gráficas usualmente utilizadas de maneira padronizada pelos adultos. Isso ocorre
aproximadamente entre os 7 e os 10 anos de idade, quando é possível observar, nas
exposições de desenhos de alunos nas escolas, representações gráficas de casas, árvores,
figuras humanas e outros objetos, com características muito parecidas entre os diferentes
trabalhos, mesmo quando o professor solicita a execução de um desenho livre (Figura 2).

Figura 2: Desenho livre de Paulo Vitor - 6 anos de idade - cursando Pré-Escolar III.

113
PSICOLOGIA E Quando Vygotsky (1989) propõe o conceito de auto-regulação, postula que há ne-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO cessidade de o sujeito se ajustar ao meio social no qual está inserido, como funda-
SABERES
mental no processo de formação do psiquismo humano. Isto significa que, apesar de
muitas vezes a criança desejar desenhar outra coisa, ela busca por formas socialmente
reconhecidas, como desejo de ser aceito. Ela abre mão de seu desejo criativo para aca-
tar o “desejo” do grupo, regulando sua ação. Muitas vezes esse desejo do grupo não
é compreendido de maneira adequada e a criança realiza algo que não gostaria, mas
que acredita ser o que o grupo gosta. Ao mesmo tempo pode se frustrar, por perceber
que sua produção também não expressa o desejo externo. Pode surgir um sentimento
de inadequação.
Isto ocorre porque, de acordo com a perspectiva vygotskyana, é nas e pelas rela-
ções sociais que o ser humano se apropria do conhecimento disponível em seu meio,
conhecimento este que inclui o desenho. Para se sentir inserida e aceita em seu grupo,
a criança percebe a necessidade de se fazer entender: gestual, verbal e graficamente
(quer seja por meio do desenho, quer seja por meio da escrita).
Como não se satisfaz com um desenho de qualquer jeito, tem que adquirir hábitos
artísticos e profissionais especiais para desenhar. Isto aponta um paradoxo, porque na
infância usa a criatividade e na adolescência necessita aprender técnicas para desenhar.
No entanto, como usualmente o ensino dessas técnicas não ocorre, o adolescente
acaba por abandonar o desenho.
Além da falta de domínio de técnicas para desenhar, a criança verifica que o adulto
utiliza outra ferramenta para comunicar ao mundo os seus desejos: a escrita. Apesar
de não dominar a escrita, esta já faz parte do mundo infantil desde o ingresso na esco-
la, na educação infantil, e pelas coisas ao seu redor (placas, folhetos, livros, revistas,
rótulos etc.). Desta forma, a tendência é a de abandonar o desenho e passar a utilizar
a escrita, principalmente porque a escrita tem movimento e é autoexplicativa, caracte-
rística que o desenho não possui, além do mais, vivemos em um mundo letrado que
valoriza a leitura e a escrita.
No processo de construção da escrita, o homem fez uso do desenho em um perí-
odo inicial. Inclusive existem escritas atuais que ainda se caracterizam como ideogra-
mas, como a escrita japonesa ou chinesa, que mais se parecem com desenhos. Quando
a criança desenha, representa o que vê e quando escreve, representa o que fala, por
isso a dificuldade em aprender a ler e escrever. A escrita não representa o objeto dire-
tamente, mas a representação, no caso o signo verbal linguístico que representa esse
objeto, ou seja, a palavra, o nome do objeto. Desta maneira, Vygotsky (1989) denomi-
na a escrita como simbolismo de segunda ordem, porque representa (signo escrito) a
representação (signo verbal) do objeto e não o objeto em si.
Essa é uma das explicações para entendermos a forma como nós, adultos,
114
produzimos desenhos típicos de crianças de 7 anos de idade; é como se tivéssemos es- O papel do desenho no
desenvolvimento infantil
tacionado nessa fase do desenho. É interessante que, coletando e analisando desenhos
livres de adultos durante os últimos anos, foi possível percebermos quão imaturas são
as produções; poucos são aqueles que conseguem apresentar um desenho mais madu-
ro e adequado à idade adulta; de modo geral, continuam reproduzindo aquelas velhas
formas tão produzidas na infância (casa, árvore, montanhas, nuvens, sol) (Figura 3).

Figura 3: Desenho livre de Maria – 32 anos de idade – cursando pós-graduação em


nível de especialização.

Luquet (1969) propõe etapas na produção do desenho, que se alteram tendo em


vista a forma como a criança percebe o mundo ao seu redor. A primeira fase, chamada
de realismo fortuito, se caracteriza pela produção de rabiscos; muitas vezes a criança
é capaz de denominar o que desenhou após o término de sua produção, ao encontrar
similaridades entre seu desenho e algo da realidade, isto ocorreria por volta dos 2 a 3
anos de idade. Na Figura 4, vemos o desenho livre de Gabriel, que denominou “pedra
grande” e “pedra pequena” após concluir sua obra.

Figura 4: Desenho livre de Gabriel – 4 anos.

115
PSICOLOGIA E A segunda fase é chamada de realismo falhado, porque a criança já consegue retra-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO tar coisas que vê ao seu redor, mas ainda não é capaz de construir uma paisagem em
SABERES
que cada uma dessas coisas ocupe um lugar definido. Com isso, ela enche o papel com
tudo o que sabe desenhar (casa, flor, pipa, árvore, sorvete etc.) sem que haja uma cena
ou proporcionalidade entre os desenhos. Por exemplo: a flor pode ser maior do que
a casa. Isto acontece por volta dos 3 a 4 anos de idade aproximadamente, ou como no
caso da figura 5, na qual Caroline desenha os personagens e os cenários da história in-
fantil “Os três porquinhos”, sem a preocupação de montar a cena, apenas para mostrar
que compreendeu a trama da história.

Figura 5: Desenho de Calorine a partir da história infantil


“Os três porquinhos” – 7 anos - cursando Pré-Escolar III.

A terceira fase é chamada de realismo intelectual, porque o interesse da criança é


em mostrar o que sabe das coisas e não aquilo que vê, como uma forma de demonstrar
o conhecimento do mundo ao seu redor. Desta maneira, aparecem as transparências
(casa vista por dentro, apesar das paredes; pernas e braços de pessoas, apesar de
estarem de roupa). Essa forma de desenhar é típica da criança por volta dos 4 - 5 aos
12 anos de idade. Na Figura 6, Guilherme desenha um castelo onde em seu interior
podem ser vistos os guerreiros, ou os tubarões dentro do rio. Luquet (1969) assinala
que nessa fase ocorre certa apatia em relação aos interesses pelo desenho, interesse
que retorna na próxima fase, caso o sujeito tenha “dom”1 ou aulas de técnicas para
aprender a desenhar.

1 O termo dom está sendo utilizado aqui de maneira irônica, porque ele comporta a ideia de que a criança nasce
pronta, tese apoiada pela perspectiva idealista, mas da qual Luquet não é defensor.

116
O papel do desenho no
desenvolvimento infantil

Figura 6: Desenho livre de Guilherme, 6 anos,


cursando a 1ª série do Ensino Fundamental.

A quarta fase é chamada de realismo visual, característica da adolescência. Apare-


cem os planos em perspectiva, com imagens aéreas ou em terceira dimensão, porque
o adolescente desenha aquilo que vê e o registro tem que ser o mais fiel possível em
relação àquilo que está sendo representado. A preocupação do adolescente é mostrar
que possui maturidade, deixando de fazer as representações gráficas infantis (Figura
7). Vale ressaltar que os sujeitos dessa fase só gostam de desenhar caso tenham, como
pontuamos anteriormente, “dom” ou aulas de desenho.

Figura 7: Desenho da escola feito por André, 12 anos,


cursando a 6ª série do Ensino Fundamental.

Lowenfeld (1977), por sua vez, aponta o que ele chama de problemas, que podem
ocorrer em desenhos de crianças de todas as idades, propondo sugestões a serem

117
PSICOLOGIA E utilizadas por pais e professores, visando a auxiliar a criança a romper com tais difi-
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO culdades. Um dos problemas indicados pelo autor é o da criança que nunca fala sobre
SABERES
seus desenhos, o que pode indicar timidez e falta de confiança em si mesma. Para
ajudá-la, podemos fazer perguntas sobre o que produziu, uma vez que, pela dificulda-
de de expressão verbal, terá maiores problemas em falar livremente dele e, por isso, as
perguntas dirigidas podem ser mais facilmente respondidas pela criança, permitindo a
apresentação oral de sua produção.
Outro problema abordado por Lowenfeld (1977) é quando a criança fala de coisas
que não estão em seu desenho, o que normalmente indica uma maior facilidade de
expressão verbal do que gráfica. Nesse caso, podemos conversar com a criança sobre
as coisas que ela falou, mas que não aparecem, inclusive pedindo que escreva o que
falou e tentando expressar no desenho o que está registrado por escrito.
Existe outro problema, que são os casos em que a criança insiste em repetir uma
única figura (carros, aviões, soldados, barcos etc.). O autor indica duas razões para
isso: ou de fato ela está interessada naquele assunto ou está com dificuldades para
criar ou imaginar coisas diferentes. No primeiro caso, podemos propor variações so-
bre o mesmo tema. Caso o interesse seja em caminhões, por exemplo, perguntar se
não gostaria de desenhar outros tipos de caminhões: basculante, de bombeiro, de car-
ga, para grãos etc. No segundo caso, podemos ampliar oferecendo situações variadas
a partir do tema. No caso do interesse por caminhões, podemos fazê-la pensar sobre
quais produtos o caminhão pode carregar, de onde vem e para onde vai, dentre outras
sugestões.
Um quarto problema é quando o desenho da criança sempre parece sujo ou desa-
linhado. Isto pode indicar uma dificuldade psicomotora, facilmente desenvolvida com
exercícios de psicomotricidade fina, como os descritos no capítulo 3 deste livro. Pode
indicar, também, uma forma de reação frente às demandas do meio, por exemplo,
pais muito exigentes e detalhistas. Nesse caso, o que podemos fazer é proporcionar
situações em que ela desenvolva a auto-regulação, porque um desenho “limpo” é mais
bem aceito socialmente do que um desenho “sujo”.
Não saber o que desenhar é outro problema analisado por Lowenfeld (1977), o que
pode indicar a dificuldade em escolher um tema ou a falta de conhecimento suficiente
para explorar o tema proposto. Nos dois casos, conversar com a criança é a melhor es-
tratégia, perguntando sobre o que gostaria de desenhar, fazendo-a pensar sobre o que
havia por perto, qual a hora do dia, o que se fazia no momento, dentre outras questões
que podem auxiliar a criança a sair do impasse que gera a ansiedade e o sentimento
de incapacidade.
De acordo com Piaget (1975), o desenho é sempre uma tentativa da criança em

118
imitar o real; mesmo quando ela não consegue de fato representar o real, sua intenção O papel do desenho no
desenvolvimento infantil
é real. O que determina a maior ou menor semelhança entre o desenho e o real é o
nível de conceitualização do pensamento da criança. Como no período operatório
concreto (entre os 6 e os 12 anos de idade aproximadamente) ela precisa de algo
externo como ponto de referência para a realização da atividade mental, o desenho
caracteriza-se, quase sempre, como reprodução de algo que ela viu. Por isso, é comum
as crianças dessa faixa etária fazerem desenhos estereotipados, convencionados social-
mente (árvore, casa, flor, montanha, sol, nuvens). Quanto mais o pensamento delas se
desprende do objeto, mais são capazes de criar, espontaneamente, sem a necessidade
do modelo (Figura 8).

Figura 8: Desenho da escola feito por Janaina – 8 anos –


cursando a 2ª série do Ensino Fundamental.

Para a Psicanálise, os desenhos são projetivos à proporção que os sujeitos expres-


sam conteúdos inconscientes, tornando públicas características de sua personalidade.
Na Figura 9, Gabriel mostra seu jeito de ser com um pensamento extremamente rápido
e maduro para sua idade, quando desenha os carros indo para ambos os lados, como
demonstrando que ele pode ir e vir. Nos desenhos dos adultos por nós coletados,
como já asseveramos anteriormente, muitas vezes quando analisávamos os desenhos
produzidos por eles, alguns se sentiam incomodados e relatavam que era mera coinci-
dência terem escolhido aquele tema para seu desenho. Para a Psicanálise, é justamente
a escolha desse determinado tema, que comporta um conteúdo simbólico relacionado
com a vida do sujeito, que permite a interpretação e a análise das características psí-
quicas de cada um deles (OCAMPO et al., 1986).

119
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES

Figura 9: Desenho livre de Gabriel, 8 anos, cursando a 2ª série do Ensino Fundamental.

Percebemos que cada autor, dependendo de seu referencial teórico, faz ponde-
rações acerca do desenho; contudo, o que é comum a todos é a afirmação de que
desenhar é muito bom para o desenvolvimento amplo do indivíduo e, portanto, deve
ser utilizado de forma sistemática na escola, auxiliando na formação dos alunos e per-
mitindo ao professor melhor conhecê-los. Desta forma, apresentamos a seguir alguns
critérios básicos que podem ser utilizados pelos professores na análise de desenhos
de seus alunos.

CRITÉRIOS BÁSICOS QUE AUXILIAM NA ANÁLISE DE DESENHO


PRODUZIDO PELA CRIANÇA
Não existe uma fórmula mágica para se analisar desenhos, mas é possível apontar
alguns critérios básicos que os professores podem utilizar buscando melhor conhecer
seus alunos, visando a atender às necessidades específicas de cada um. A questão cen-
tral que perpassa esses critérios diz respeito à compreensão de como se dá o proces-
so de aprendizagem, não cabendo ao professor fazer análises que envolvam aspectos
psíquicos dos alunos ou, ainda, fazer qualquer tipo de discriminação acerca de carac-
terísticas verificadas. O objetivo, ao analisar os desenhos dos alunos, é o de melhor
compreender como o pensamento deles se organiza e como percebem a relação com
a realidade e com a aprendizagem.
Muitas vezes o que a criança produz é de difícil compreensão, outras vezes ela
fala uma coisa e desenha outra; logo, a melhor forma de conversar com ela sobre o
desenho é pedir que fale livremente sobre ele. Com isso, evitamos comentários equi-
vocados, como ocorre com o aviador que acredita ser um chapéu o desenho da cobra
que havia engolido um elefante feito pelo Pequeno Príncipe (SAINT-EXUPERY, 1979).

120
Questionamentos podem ser feitos no sentido de tornar claros, até mesmo para a O papel do desenho no
desenvolvimento infantil
criança, as intenções, as hipóteses, os sentimentos e os desejos expressos no desenho.
Se por acaso a criança desenhar pessoas, podemos perguntar quem são, o que estão
fazendo, se gostam de estar ali ou se gostariam de estar em outro lugar, dentre outras
questões.
A interpretação de desenho deve ser muito subjetiva e o professor deve estar atento
para perceber quando a análise se relaciona a aspectos seus, projetados no desenho
do aluno, ou quando a imagem que ele tem do aluno está interferindo (se tem um
vínculo positivo com o aluno ou não, por exemplo). Tendemos a utilizar padrões es-
tabelecidos socialmente, por isso é importante termos alguns cuidados, uma vez que
o que está sendo analisado é o produto de alguém, que merece e precisa de nosso
reconhecimento e compreensão. O que menos importa é avaliar a produção gráfica em
termos artísticos: não estamos analisando se o desenho é bonito ou feio, se está certo
ou errado, se é bom ou mau, mas o que a criança expressa através dele.
Os itens propostos não precisam, obrigatoriamente, ser aplicados na ordem aqui
apresentada. A sequência proposta é apenas para uma questão de organização, não
significando que deva ser seguida sequencialmente.
Um aspecto que pode ser observado no desenho é a impressão geral que ele passa,
se transmite alegria, raiva, serenidade, ansiedade, tranquilidade, ou qualquer outro
sentimento. Essa análise é bastante intuitiva, baseando-se nas sensações imediatas que
ao olhar para o desenho o espectador sente. Novamente salientamos o cuidado que se
deve ter no sentido de saber diferenciar o que de fato é do desenho daquilo que faz
parte do sujeito que observa.
A posição do desenho no papel é outro item que expressa muito acerca da forma
como o sujeito se sente em relação às demandas do mundo. O desenho situado muito
abaixo na folha de papel, como se estivesse pendurado, pode indicar um sentimento
de baixa autoestima. Caso ocorra o inverso, ou seja, se estiver situado muito acima na
folha, pode indicar uma criança muito dispersiva, que “vive no mundo da lua”. A pre-
dominância do desenho no lado direito da folha indica uma criança mais extrovertida,
com maior facilidade de se colocar frente às pessoas, de reivindicar o que deseja. Se
for ao lado esquerdo, pode indicar o inverso: introversão, com maior dificuldade de
expressar o que sente às pessoas ao seu redor, certa timidez.
Aliado à posição do desenho no papel está o aspecto relacionado ao seu tamanho.
Quando o desenho é muito pequeno, pode expressar certa insegurança, como se ti-
vesse medo de expor seus sentimentos, apontando um sentimento de inferioridade
frente aos demais. Se, por outro lado, o desenho é muito grande, pode indicar certo
narcisismo, com necessidade de chamar atenção para si, de ser o centro das atenções.

121
PSICOLOGIA E Ao mesmo tempo, pode indicar justamente o contrário, ou seja, uma criança carente
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO de atenção, que gostaria que as pessoas “olhassem” mais para ela.
SABERES
Outro aspecto significativo é a pressão que a criança exerce no lápis ao desenhar;
quanto mais ansiosa e tensa for a criança, maior será a pressão que exerce. Podemos
verificar isso, também, quando a criança escreve. Existem crianças que chegam a rasgar
o papel quando escrevem e outras em que a escrita é tão leve que é quase impossível
ler o que está escrito de tão suave que é o traço. O traçado muito leve aponta para um
receio de se expor, um medo de críticas, uma preocupação com o que os outros vão
pensar dela.
Aliado à pressão está o aspecto relacionado com o tipo de traçado utilizado pela
criança, pois indica seu nível de ansiedade. Quando o traço é trêmulo, incompleto
(pontilhado), rabiscado ou outra forma que não o traço firme e contínuo, pode apon-
tar para características de insegurança, ansiedade e dificuldade de estabelecimento de
vínculos afetivos adequados.
O uso da borracha também é um aspecto que deve ser levado em conta. Quando
usada de maneira exagerada, indica uma criança muito exigente consigo mesma, mui-
to preocupada em atender às expectativas das pessoas ao seu redor, principalmente
dos pais. Ela busca a perfeição e, por isso, sempre acredita que poderia fazer melhor,
por isso apaga e refaz, apaga e refaz, buscando o que considera o melhor possível. Em
compensação, a criança que, apesar de disponível e necessário, pois executou algum
traço impreciso, rabisca por cima ou apenas ignora a possibilidade de usar a borracha,
pode estar apontando uma autocrítica rebaixada, não sendo capaz de analisar sua
produção de maneira coerente.
A presença da linha representativa do solo, ou seja, o chão é um aspecto impor-
tante a ser analisado, porque demonstra a forma como a criança se vincula com a
realidade, se ela tem os “pés no chão”. O que se espera é a existência do solo; quando
há ausência do chão, pode estar indicando dificuldade de estabelecimento de vínculo
com a realidade, com o mundo ao seu entorno.
Os acessórios devem estar presentes para que a cena retratada possa ser compreen-
dida pelo espectador e é outro item a ser observado. A falta de partes no corpo de um
ser humano ou animais, casas sem porta ou janelas, carros em que faltam complemen-
tos fundamentais indicam a maneira como a criança se sente em relação ao mundo
ou como percebe a realidade. A ausência de boca na professora, por exemplo, não
deve ser corrigida, mas compreendida. Certa vez, ao solicitar que cada um dos alunos
de uma turma de 3ª série do Ensino Fundamental desenhasse sua sala de aula, uma
das crianças desenhou os alunos e a professora, sendo que todos os alunos tinham
boca, mas a professora não. Quando solicitado para que falasse de seu desenho, ela

122
rapidamente explicou que havia feito a professora sem boca porque a voz dela era O papel do desenho no
desenvolvimento infantil
muito estridente e lhe doía os ouvidos e gostaria que a professora não pudesse falar.
Ao analisarmos esses aspectos básicos do desenho da criança, podemos oferecer
atividades que a ajudem a superar muitas das situações problemáticas que a análise
aponta. Não basta simplesmente afirmarmos que a criança indica sentimentos de in-
ferioridade, mas sim indicarmos qual atividade pode ser oferecida para auxiliar na
superação de sua dificuldade. Por exemplo, quando a criança desenha muito embaixo,
muito em cima, muito do lado direito ou do lado esquerdo da folha, forneça um papel
com um lugar determinado no centro, onde ela deve desenhar. Veja que com esse tipo
de procedimento o professor pode não conseguir que a criança supere a dificuldade
do ponto de vista emocional (que o fez desenhar naquela posição na folha), mas, ao
menos, poderá contribuir para que ela se sinta mais aceita em seu meio social.
Em outra situação, quando a criança desenha de tamanho muito grande ou muito
pequeno, uma forma de auxiliá-la é oferecer folhas de papel de diferentes tamanhos,
para que ela perceba as proporções variadas em relação ao desenho e ao tamanho do
papel. Trabalhe com fotografias, pois uma foto 3x4, por exemplo, é a representação da
pessoa que foi fotografada em uma escala menor, sem deixar de ter os atributos que a
pessoa original possui.
Caso o traço seja muito forte, fraco, torcido, trêmulo, podemos oferecer atividades
psicomotoras finas, amplamente divulgadas na literatura especializada, além daque-
las descritas no capítulo 3 deste livro, favorecendo a criança para que possa ter uma
maior e melhor destreza na utilização do lápis, melhorando sua organização espacial
e temporal.
Em todos os casos, algo nunca deve ser feito: escrever, rabiscar ou fazer “arruma-
ções” no desenho da criança. Nem tampouco mentir, dizendo que está bonito algo que
você sequer consegue decifrar e compreender o que é. Para não incorrer nesse erro, o
professor deve solicitar para a criança discorrer sobre sua produção. O professor deve
evitar qualquer comentário com juízo de valores a respeito do que a criança fez, não
se esquecendo jamais que é o desenho uma obra e como tal deve ser respeitada. Você
não riscaria a obra Monalisa de Leonardo da Vinci, então por que riscar a obra de seu
aluno? O sentido da obra para o autor é o mesmo, independente da técnica utilizada,
de quão famoso é o artista, de quanto vale em dinheiro, de quão cobiçada seja por
colecionadores e, muito menos, da idade de seu produtor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que vemos nas escolas são crianças heterônomas, sem capacidade de criar e,
muitas vezes, sem imaginação, já que as atividades que favorecem o desenvolvimento

123
PSICOLOGIA E da autonomia, da criatividade, da imaginação e do pensamento livre, como o desenho,
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO não são trabalhadas ou exploradas como deveriam ser.
SABERES
Fornecer modelos é importante, pois para desenvolver suas potencialidades a
criança necessita de pontos de referência que devem ser fornecidos pelo professor.
Quando a criança imita o que o adulto faz, não ocorre uma reprodução mecânica, por-
que está implícita uma percepção e uma interpretação do fato real. Em um primeiro
momento, ela pode fazer algo muito parecido, ou pelo menos tem a intenção de fazer
parecido, com o modelo apresentado, mas lentamente sua produção vai assumindo
características próprias, auxiliando no processo de formação de um sujeito autôno-
mo. Quando vemos um imitador fazendo a voz ou os trejeitos de um personagem
importante, percebemos nitidamente que não é o original, mas uma cópia, uma inter-
pretação, reprodução do real. Isso implica a capacidade de apropriação da realidade
externa e a sua externalização.
O professor deve pautar sua prática pedagógica permitindo a criação, a esponta-
neidade, a liberdade de expressão, a formação da opinião própria por parte do alu-
no. Para isso, o uso do desenho deve ser uma das estratégias a serem utilizadas pelo
professor em seu trabalho docente, permitindo a aprendizagem e o desenvolvimento
humano.

Referências

DERDYK, E. O desenho infantil. São Paulo: Scipione, 1994.

LOWENFELD, V. A criança e sua arte. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977.

LUQUET, G. H. O desenho infantil. Porto: Civilização, 1969.

MÈREDIEU, F. O desenho infantil. São Paulo: Cultrix, 1979.

OCAMPO, M. L. S. et al. O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas. 5.


ed. São Paulo: Martins Fontes, 1986.

PIAGET, J. A construção do real na criança. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

SAINT-EXUPERY, A. O pequeno príncipe. 20. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1979.

124
VYGOTSKY, L. S. Imaginación y creación em la edad infantil. 2. ed. Habana: O papel do desenho no
desenvolvimento infantil
Pueblo y Educación, 1999.

________. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Proposta de Atividade

1) Analise o desenho abaixo levando em conta as fases propostas por Luquet e justificando
suas afirmações.

Figura 10: Desenho da escola feito por Paulo Vitor – 6 anos – cursando Pré-Escolar III.

2) Por que nós, adultos, geralmente temos dificuldades para desenhar?


3) Pensando em sua prática pedagógica, existem possibilidades de incorporar a prática do
desenho em suas aulas? Quais conteúdos poderiam ser contemplados?

Anotações

125
PSICOLOGIA E
EDUCAÇÃO:
COMPARTILHANDO
SABERES Anotações

126

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