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SUPERVISÃO CLÍNICA NA PERSPECTIVA FENOMENOLÓGICO-EXISTENCIAL

José Paulo Giovanetti


Texto sem revisão do português

Buscando uma formação profissional sólida do psicólogo, os “curriculum” de


Psicologia têm uma disciplina, mais na perspectiva de uma prática, intitulada Estágio
Supervisionado, onde um professor e psicólogo clínico com mais experiência, ajuda ao quase
formando em Psicologia a refletir sobre sua prática. Esse estágio supervisionado abarca um
grande leque de atuação do psicólogo, onde podemos destacar a supervisão clínica, isto é,
a“orientação” que visa iluminar a relação do trabalho entre o “quase formando” psicólogo e o
seu cliente, aquele que se presta a uma ajuda psicológica.
É claro que a atividade clínica é muito mais ampla do que a modalidade
denominada psicoterapia. A divergência em definir o objeto da psicologia clínica é muito
grande, sendo que alguns teóricos explicitam a seguinte posição: o psicólogo clínico é aquele
que trata de todo tipo de comportamento psíquico, que pode acompanhar ou não uma doença.
Porém, outros teóricos querem excluir as perturbações psiquiátricas da psicoterapia. Diante
dessa discussão, fica difícil ter uma clareza sobre o objeto da atividade clínica. Podemos,
porém, definir a psicologia clínica como o ramo da Psicologia “que tem por objeto os
problemas e perturbações psíquicas, assim como o componente psíquico das perturbações
somáticas”.1 Dessa forma, a psicologia clínica trabalha com os problemas psíquicos que se
manifestam nos comportamentos normais ou psicopatológicos.
Duas observações se fazem necessárias. Em primeiro lugar, é importante ter claro
a orientação teórica que sustentará esta prática. Hoje, os principais modelos que sustentam a
prática clínica são a psicanálise, a abordagem comportamental-cognitiva e a humanista-
existencial. Com isto, não estamos dizendo que as outras orientações teóricas não sejam
importantes e não mereçam um destaque na formação do psicólogo. A segunda observação é
que o campo da psicologia clínica é muito vasto e podemos destacar, hoje, a Psicologia da
saúde, a neuropsicologia clínica, a psicologia comunitária e a psicoterapia. Assim, duas

1
HUBER, W. L’homme psychopathologique et la psychologie clinique. Paris: PUF, 1993, p. 15-16.
2

questões aparecem para nós em primeiro lugar: explicitar o que entendemos por supervisão em
psicoterapia e clarear qual o modelo teórico de nossa prática. Estes serão os dois passos
iniciais de nosso estudo. Dividiremos nossa reflexão em três partes: primeiro, abordaremos a
especificidade da supervisão clínica, destacando que tipo de relação é construída entre o
professor supervisor e o aluno que tem o seu trabalho de atendimento terapêutico com um
cliente que veio buscar sua ajuda. Num segundo momento, será necessário explicitar o marco
teórico que sustenta todo o nosso trabalho clínico, para, finalmente, elucidar o que seja a
prática da supervisão na perspectiva fenomenológico-existencial.

I) O que é a supervisão clínica?

a) Especificidade da supervisão clínica


A psicoterapia se constrói a partir de uma relação terapêutica e sua sedimentação
se dá por meio do aparecimento e da constituição do vínculo intersubjetivo. O terapeuta deve
ter uma atenção especial a esta relação que vai se construindo e se fortalecendo ao longo de
todo o processo. Isto quer dizer, que além de vivenciar a relação, o terapeuta deve refletir
sobre o que acontece na relação. Poderíamos dizer que esta dupla face da vivência terapêutica
é necessária para o bom desenvolvimento da psicoterapia.
Uma observação preliminar se faz necessária no sentido de distinguirmos a
psicoterapia da supervisão. Buys, falando da questão, diz o seguinte: “Psicoterapia e
supervisão se distinguem na medida em que a psicoterapia é um contato direto, imediato com
a realidade, enquanto a supervisão é uma reflexão sobre este contato independente dos
aspectos anteriormente apontados”.2 Assim, a supervisão se caracteriza como o espaço mais
apropriado para a reflexão sobre a prática clínica. Este espaço deve ser buscado no sentido de
não só se passar para o supervisando orientações técnicas de como lidar com a situação, mas
levar o supervisando a desenvolver a capacidade de refletir sobre a sua maneira profissional de
trabalhar.
Ora, o grande valor da supervisão é de que um terapeuta mais experiente possa
ajudar aquele que está iniciando sua atividade clínica a refletir e descobrir algumas nuances,

2
BUYS, R.C. A supervisão da psicoterapia na abordagem humanista centrada na pessoa. São Paulo: Summus
Editorial, 1987, p. 23.
3

que muitas vezes não aparecem de imediato. Em vez de refletir sozinho sobre o que acabou de
vivenciar no seu atendimento clínico, o supervisando tem a possibilidade de compartilhar com
outro terapeuta suas dúvidas e suas dificuldades. O aprendizado de refletir sobre o que se vive
é construído ao longo da vida, e é, por isso, que a contribuição do terapeuta experiente é
necessária, pois ele é “capaz de refletir na relação psicoterapêutica a relação psicoterapêutica,
à medida que ela decorre”.3
A possibilidade de crescimento humano e profissional se dá na medida de que
somos capazes de refletirmos sobre aquilo que vivenciamos e por isso mesmo, desvendamos
os entraves e os extramuros para o nosso crescimento. Assim, o objetivo da supervisão “é dar
ao terapeuta iniciante, de forma sistemática, o contexto relacional apropriado à reflexão sobre
a situação psicoterapêutica”.4 A avaliação sobre o que se viveu numa relação intersubjetiva
feita com o auxílio de uma outra pessoa é de extrema importância para a formação profissional
do psicólogo.
O segundo ponto que merece nossa atenção, quando tratamos da especificidade da
supervisão é a do pressuposto de que ninguém nasce psicoterapeuta, mas vai se formando ao
longo de sua prática. É necessário desenvolver por meio da supervisão as características do
terapeuta. Bucher explicitou em seu livro “A psicoterapia pela fala” algumas qualidades
pessoais necessárias à psicoterapia, e encontramos na supervisão o lugar ideal para por meio
desta relação especial sedimentar as qualidades destacadas.
De uma maneira resumida, podemos destacar as qualidades levantadas por
Bucher5 e que devem ser cultivadas na supervisão: a primeira delas é o interesse pelo humano.
A profissão de psicoterapeuta não se resume à aplicação de técnicas, mas ao cultivo da
sensibilidade pelo humano. O início da formação terapêutica passa pelo despertar de uma
atitude que mostre que a pessoal que está diante de você seja vista na sua totalidade e na sua
particularidade. Totalidade que nos impede de reduzir o seu que sofre diante de nós a um
conjunto de sintomas. Particularidade no sentido de que este homem enfermo tem suas
características próprias que não podem ser reduzidas e esquematizadas a alguma classificação.
Sensibilidade para o humano é ser “tocado” por cada cliente em particular, abrindo-se a sua

3
BUYS, R.C. A supervisão da psicoterapia na abordagem humanista centrada na pessoa. São Paulo: Summus
Editorial, 1987, p. 17.
4
BUYS, R. Idem, p. 17.
5
BUCHER, R. A psicoterapia pela fala. Fundamentos, princípios e questionamentos. São Paulo: E.P.U., 1989,
especialmente as p. 70-71.
4

história de vida de forma global. A supervisão aparece como o lugar onde o psicólogo
iniciante tem um espaço apropriado para entrar em contato com esta sua realidade, discutindo-
a juntamente com um psicólogo mais experiente, que deverá não só refletir sobre as técnicas
terapêuticas mais adequadas, mas sobre seu engajamento pessoal no trabalho terapêutico.
É também, aqui, na supervisão que o terapeuta iniciante tem a possibilidade de
perceber com mais nitidez se possui a capacidade de lidar com as manifestações
psicopatológicas e conflitantes do ser humano. Nada melhor que a reflexão sobre sua atividade
clínica, para enxergar com clareza que além da sensibilidade para com o humano, essa
sensibilidade é para tratar dos problemas existenciais. Ninguém, ou quase ninguém, procura
terapia para falar que está bem na vida. Esse tipo de cliente dificilmente aportará no seu
consultório. Assim, a atividade terapêutica é muito mais curativa do que preventiva.
A terceira condição indispensável para a formação do psicoterapeuta apontada
pelo autor é o aspecto técnico envolvido no trabalho clínico. Para Bucher, é necessário para
que o profissional possa lidar com desenvoltura a situação conflitante. O saber técnico é,
porém, insuficiente, de suma importância para o iniciante poder saber como abordar o conflito,
e mais elaborá-lo e integrá-lo. É a supervisão o lugar ideal para se falar e checar todo o
conhecimento teórico adquirido ao longo de sua formação.

b) As funções da supervisão

Como a supervisão é distinta da psicoterapia e sua especificidade pode ser


resumida em dois pontos principais: primeiro, refletir a relação na relação e segundo, buscar o
crescimento humano do supervisando, fica agora o problema de como alcançar estas duas
dimensões da questão. Assim, Buys, de forma sucinta, mostra que a supervisão tem três
funções, a saber: a primeira uma função teórica que pode ser desenvolvida com a função
técnica. Existe também uma função experiencial.6 Vamos tratar a seguir destas funções.
A primeira função, que é a função teórica, pode ser entendida como a orientação
do supervisor sobre problemas relacionados à compreensão teórica do “paciente”. Ter uma
idéia sobre que tipo de problema está sendo trazido pelo paciente, ajuda na possibilidade de se
pensar como a terapia será conduzida, pois em termos gerais a maneira de se trabalhar como

6
BUYS, R.C., op. cit. p. 23.
5

uma pessoa neurótica, é diferente de se trabalhar com uma pessoa psicótica. Cada um dos
conflitos exige posicionamentos diferentes. Não, necessariamente estamos defendendo um
psicodiagnóstico nos moldes tradicionais, mas uma certa idéia da personalidade do paciente,
para podermos enfrentar com mais objetividade a questão. Normalmente em matemática
dizemos: equacionar bem o problema, montar com precisão a regra de três, já é meio caminho
andado para a solução da questão. Aqui, a dimensão operativa (diagnóstico) da relação
terapêutica deve ser trazida para a reflexão.
Outro aspecto, que exige um olhar mais atento, é a análise de como está sendo
estruturada a relação na terapia, pois grande parte do sucesso de uma terapia está na qualidade
da relação construída entre o terapeuta e o seu paciente. Na supervisão pode aparecer com
clareza as questões que estão facilitando ou dificultando o desenvolvimento da relação
terapêutica e em que medida, em muitas vezes, as questões mal resolvidas do terapeuta podem
estar interferindo no processo. Clarear estes impasses ajuda o supervisando a perceber que
alguns problemas surgidos na relação terapêutica devem ser, às vezes, levados para a sua
terapia pessoal, caso o supervisando esteja também em processo de terapia. Separar o joio do
trigo ajuda tanto no desenvolvimento da relação terapêutica, como no crescimento humano de
ambas as partes.
Sobre a função técnica da supervisão Buys é explicito quando diz: “a intervenção
didática teórica liga a técnica à teoria, dando inteligibilidade á primeira. Sendo as técnicas
decorrentes da teoria, a intervenção teórica deve responder, entre outras coisas, ao porquê das
técnicas”.7 Analisar que tipo de intervenção foi feita pelo supervisando, refletindo se tal
intervenção era a mais adequada ou não – se o procedimento adotado ajudou o conteúdo
aflorar e se, também, o conteúdo surgido foi trabalhado de modo a levar o cliente não só a
percebê-lo, mas a começar a elaborá-lo. Todas essas questões devem ser discutidas no espaço
criado pela supervisão, a fim de que o crescimento pessoal e profissional sejam dialeticamente
integrados.
A última função, e talvez a mais sutil, apontada pelo autor, é a função experiencial.
Embora a nossa fundamentação teórica seja diferente da de Buys, não relegamos a um

7
BUYS, R.C., op. cit. p. 26.
6

segundo plano a função experiencial da supervisão. Só a compreensão desta função torna-se


diferente.8
Para nós, a intervenção experiencial ao focalizar a experiência do terapeuta
iniciante, procura ajudá-lo na vivência das atitudes que colaboram para a construção da
relação terapêutica. O processo de escuta do supervisor deve proporcionar ao supervisando o
fluir da vivência da escuta. Às vezes, a grande escola para o nosso trabalho terapêutico não é
tanto os livros, mas a relação pessoal que estabelecemos com o nosso terapeuta pessoal. Ora, o
grande aprendizado da escuta passa pela maneira de como nós a vivenciamos com o nosso
supervisor. Falar sobre a boa escuta e as atitudes existenciais, aqui, seria extrapolar muito o
objetivo do nosso trabalho. Normalmente estas questões são tratadas quando desenvolvemos a
teoria da prática em psicoterapia.

c) Tipos de supervisão

Neste ponto, talvez, possamos encontrar um grande número de modalidades que


poderíamos nomear de supervisão. Vou ater-me somente a duas possibilidades: a supervisão
em grupo, que acontece de forma regular nas escolas e a supervisão individual, muito comum
entre os terapeutas iniciantes que buscam apoio num profissional mais experiente,
normalmente em consultórios particulares.
A supervisão de grupo, mais comum, nos estágios curriculares podem obedecer a
uma série de fatores que caracterizam o encontro entre o professor-supervisor e o aluno-
estagiário. O número de participantes tem variado muito de faculdade para faculdade,
dependendo, muitas vezes, da estrutura da escola. Normalmente o aluno atende a um cliente
durante a semana, quase sempre uma única vez, e juntamente com os outros alunos tem uma
reflexão e orientação do professor sobre o que está se passando na terapia e qual o caminho a
seguir. Este número de alunos varia de 3 a 15 pessoas e a supervisão dura mais ou menos 2
horas e meio. Quando o número é baixo de alunos, o tempo é suficiente para uma boa
aprendizagem, mas quando o número é elevado a situação fica difícil e exige uma certa
flexibilidade de alguns pontos, como por exemplo delimitar o tempo de exposição do caso,

8
Para Buys, aqui, seria o lugar onde o supervisando refletiria se está desenvolvendo as três atitudes rogerianas
(congruência, empatia, consideração positiva incondicional) de formas adequadas.
7

destacando, somente, os pontos mais relevantes e perdendo as nuances, que na maioria das
vezes, é o mais rico na compreensão do caso.
Por outro lado, o que é extremamente positivo na supervisão coletiva, é que
quando um aluno expõe o seu caso e se discute sobre o desenvolvimento do mesmo com o
supervisor, os outros alunos estarão aprendendo pontos que, às vezes, não estão acontecendo
no seu trabalho de atendimento. Por exemplo, um aluno está tendo dificuldade de fazer o
conteúdo aflorar para um trabalho futuro, e o outro está tendo dificuldades nas posturas que
deve adotar para uma boa escuta. Quando se discute os casos em conjunto, cada um aprende
com o caso do outro aspectos que talvez venha acontecer consigo mais tarde. Neste tipo de
supervisão o importante é proporcionar a cada aluno, que está vivendo um processo
terapêutico com um cliente, possa examinar com o professor e os outros colegas o seu
posicionamento pessoal na sua vivência.
Na supervisão individual, supondo que sua duração seja de 50 minutos, o
supervisando tem mais tempo para expor seu atendimento e discutir com mais calma os
impasses e as possibilidades de superação dessas dificuldades. Nesse tipo de supervisão se
constrói uma relação intersubjetiva mais sólida do que na supervisão em grupo, pois o tempo
maior e a qualidade da relação possibilitam uma reflexão mais profunda sobre o que está se
vivendo. Porem, é necessário “acentuar o fato de que a supervisão não é da psicoterapia, mas
sobre a psicoterapia; como o psicoterapeuta a está vendo aqui e agora (não lá e então) e
vivendo-a numa relação (com o supervisor)”.9

II ) O que entendemos por perspectiva fenomenológico-existencial?

Após termos refletido sobre o que entendemos por supervisão, é necessário


explicitar a fonte de inspiração filosófica que dará sustentação à prática clínica. Nossa
perspectiva é a fenomenologia existencial. Daí, ser importante dar uma visão genérica e
simples do que sejam a fenomenologia e o existencialismo, bases filosóficas do nosso
trabalho.

a) Fenomenologia

9
BUYS, R.C., op. cit. p. 73.
8

A Fenomenologia é uma corrente filosófica, mais precisamente um método de


investigação da realidade, que tem fecundado a Psicologia já há alguns anos. Essa presença,
usando como ponto de partida a data que nos parece mais significativa, começou no domínio
da Psicopatologia quando, em 1913, o psiquiatra e filósofo K. Jarpers (1883-1969) escreveu a
sua Psicopatologia Geral. De lá até hoje, esse impacto tem crescido e provocado uma grande
fecundidade, atingindo vários domínios, como o a Psicologia Experimental (A. Michotte
1881-1965), o a Psicologia Comparada e o a Fisiologia Antropológica (FJ.J. Buytendijk, 1887-
1974), o a concepção holística do organismo (KURT Goldstein, 1978-1965). O impacto maior
tem sido entre os psiquiatras como, para nos atermos apenas a dois expoentes, L. Binswanger
(1881-1956) e M. Boss (1903-1990), que fundaram seus próprios métodos de análise
terapêutica.

Do outro lado do Atlântico, a influência da fenomenologia tem sido grande, com


destaque para a Universidade de Duquene de Pittsburgh, Centro de Pesquisa em Psicologia
Fenomenológica, sob o impulso de A. Giordi que publicou um livro “Psychology as a human
science”, em 1970, no qual defende a idéia de uma renovação radical da psicologia, sobre
bases fenomenológicas.

É necessário notar que Rollo May, em 1958, ao organizar um livro intitulado


"Existence: a new dimension in Psychiatry and Psychology", desencadeou, nos Estados
Unidos, uma influência marcante da Fenomenologia, pois apresentou ao público americano
alguns dos principais representantes europeus da aplicação da fenomenologia à Psicologia.
Ainda nos USA, é importante destacar, o surgimento do Journal of Phenomenological
Psychology dirigido por A. Giorgi (Pittsburgh), K. Graumann (Heidelberg) e G. Thinès
(Louvain), representantes dos principais centros nascentes da Fenomenologia.

A partir desse início, que alguns pesquisadores olhavam com uma certa
desconfiança, a Fenomenologia tem sido uma corrente filosófica de grande fecundidade na
psicologia. Para ter-se uma idéia da amplitude desse impacto, cito o livro de H. Speigelberg
"Phenomenology in the Psychiatrie and Psychology".

Diante desse breve quadro, gostaria agora de destacar salientar nesta


apresentação, o impacto da Fenomenologia na Psicoterapia, destacando o diferencial
psicoterápico na Fenomenologia Existencial. Assim, dividirei o trabalho em três partes: A
9

relação entre a Fenomenologia e a Psicologia; A especificidade da psicoterapia; a atitude


fenomenológica na Psicoterapia.

a.1) - A presença da fenomenologia na Psicologia

A Fenomenologia surge no início do século com Husserl (1859-1938), cujo


grande ideal era de encontrar uma base sólida para a ciência, fazendo para isso uma crítica ao
psicologismo que veio a constituir um poderoso método de investigação. Ricoeur explicita que
"a fenomenologia é um vasto projeto que se fecha sobre uma obra ou um grupo de obras
precisas; ela é menos uma doutrina e mais um método, capaz de encarnações múltiplas, e,
dela, Husserl explorou somente um pequeno número de possibilidades".10 Daí a necessidade
de observar, às vezes, o modo como certos autores aplicaram o método fenomenológico a
diversos temas e problemas humanos - como fizeram os filósofos existencialistas - para
captarmos a especificidade da abordagem fenomenológica.

Muitas vezes, aprendemos o que é a Fenomenologia, observando a maneira pala


qual alguns autores e pesquisadores utilizam o seu método de investigação.

A Fenomenologia apresenta-se como um método de abordar a realidade diferente


do método das ciências naturais, que visam a entender o seu objeto por meio de explicações
formais. Aqui, a novidade está, em que o fenomenólogo busca compreender as razões que
suscitam determinada atitude. Dartigues define, com precisão, que "compreender um
comportamento é percebê-lo, por assim dizer, do interior, do ponto de vista da intenção que o
anuncia, logo, naquilo que o torna propriamente humano e o distingue de um movimento
físico".11

Ora, a Fenomenologia é um método compreensivo, pois busca explicitar a


intenção específica da "visada" (a maneira de como o homem dirige sua atenção implicada na
percepção) que cada ser humano tem ao entender algo. Como exemplo, podemos dizer que
duas pessoas, um viajante e um madeireiro olham de maneira diferente uma mesma árvore. O
primeiro mira a árvore como algo que lhe servirá como alívio para o cansaço da caminhada
fatigante, enquanto o segundo olhará a árvore na perspectiva de que ela possa oferecer-lhe

10
RICOEUR, P. Husserl (1859-1938) em L´École de la Phenoménologie. Paris, Librairie Urui, 1986, p.8.
11
DARTIGUES, A. O que é fenomenologia? São Paulo: Editora Morais, 1992, 3ª ed., p. 51.
10

uma madeira de qualidade para a fabricação de um móvel. A intenção, ao abordar a árvore, é


completamente diferente, embora os dois personagens possam dizer a mesma frase: Que
arvore maravilhosa!, pois e, é a captação dessa intencionalidade, desse sentido orientador, que
é a tarefa da fenomenologia.

Captar, na sua profundidade, a relação específica entre o objeto "visto" e o sujeito


que visa ao objeto é o desafio primordial de uma abordagem fenomenológica. Van Der Leeuw
explicita que a Fenomenologia procura captar o fenômeno, definindo-o da seguinte maneira:
"fenômeno é, por sua vez, um objeto que se refere ao sujeito e um sujeito em relação ao
objeto. Com isso, não se quer dizer que o sujeito sofreria alguma apropriação por parte do
objeto, ou vice-versa. O fenômeno não é produzido pelo sujeito; muito menos corroborado ou
demonstrado por ele. Toda a sua essência consiste em se mostrar, em se mostrar a "alguém".
Logo que esse alguém começa a falar daquilo que se mostra, tem-se a fenomenologia".12

A Fenomenologia apresenta-se, dessa maneira, como um método de abordar o


fenômeno, como uma metodologia da compreensão, e não da explicação. Não nos interessa,
aqui, descrever quais são os procedimentos para se atingir esse objetivo. Isso nos levaria muito
longe da nossa intenção. Queremos, outrossim, destacar que aquilo a que se visa, o fenômeno
que se mostra, é meramente, o entrelaçamento do sujeito com um objeto, por meio da
intencionalidade. O que, em terminologia mais específica, seria a descrição direta da
diversidade das estruturas noético-noemáticas.

Jeanson, no seu estudo sobre Fenomenologia, conclui, de maneira brilhante,


dizendo que o "método é, em primeiro lugar, um caminho que se abre dentro de uma certa
direção, é uma certa maneira que se tem de pesquisar, de colocar os problemas, de interrogar o
mundo e de se interrogar".13 Assim, esse caminho, deve ser fecundo, pois nos leva a
compreender as coisas. E mais do que isso, Jeanson completa um "método é, antes de tudo,
uma atitude ao olhar o objeto estudado".14 Assim seguir os passos do método fenomenológico
é incorporar uma atitude fenomenológica.

12
VAN DER LEEWW, G. Epílogo do livro "La religion dans son essence et ses manifestations - phenménologie
de la religion". Paris: Payot, 1970, tradução de Erika Lourenço (mimeo).
13
JEANSON, F. La phenoménologie. Paris: Editora Tequi, s/d., p. 67.
14
Ibidem, p. 67.
11

b) Existencialismo

Enquanto a Fenomenologia é compreendida pelos discípulos como um método, o


Existencialismo é entendido como uma doutrina filosófica sobre o homem. As filosofias da
Existência surgirão como uma oposição a toda filosofia clássica a qual é entendida como o
estudo das essências, cuja idéia principal seria a compreensão das dimensões estáveis. Os
filósofos da existência vão redirecionar as perguntas sobre o homem. Em vez de se perguntar:
o que é o homem, se perguntará: quem é o homem?
Evidentemente a palavra existencialismo começou a ser usada depois da primeira
guerra mundial para designar justamente o movimento de alguns pensadores e de alguns
literatos sobre a investigação de quem é o homem. Este movimento, que se estruturou com
mais força no entre guerras, isto é, entre 1918 e 1945, teve suas raízes históricas no
pensamento de quando o filosofo dinamarquês se opôs ao pensamento pós-hegeliano
dominante do seu tempo. A idéia central de luta de Kierkegaard era reagir contra o caráter
universal, intelectual e determinista do hegelianismo, afirmando o interesse pelo singular e
pela vontade. Segundo os historiadores, o movimento existencialista se iniciou na Alemanha,
em 1919, quando Barth publicou um comentário sobre a epistola aos Romanos e Jaspers
publicou A Psicologia da Mundividência. De um lado, o movimento existencialista ganha
forças justamente a partir da década de 20, uma vez que o entreguerras foi um período de
muito sofrimento, desespero e angustias. Estes temas de tornaram os temas preferidos dos
existencialistas pois estes se preocupavam em falar e refletir sobre o que o homem estava
vivendo naquele instante. Por outro lado, este movimento só veio a se expandir fora do
contexto europeu a partir do fim da segunda guerra mundial. A década de 50 foi, talvez, a
década de divulgação do movimento existencialista.
É necessário observar que, embora encontramos um número muito grande de
escritores ditos existencialistas – Buber, Buttmann, Guardini, Camus, Dostoievsky, entre
outros – só são considerados clássicos filósofos existencialistas Heidegger, Jaspers, Sartre e
Marcel. Uma segunda observação é que todos estes quatro filósofos, que passaram para os
anais da história da filosofia como os filósofos da existência,15 utilizaram, cada um a partir de

15
Wahl, Jean. As Filosofias da Existência. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
12

uma inspiração pessoal, o método fenomenológico para concretizarem as suas reflexões sobre
o homem.
A Filosofia da existência pode ser concretizada através de suas grandes
características. A primeira é que todos os filósofos e escritores procuram valorizar o homem.
A segunda é que todos procuram descrever e explicitar o modo concreto do homem viver, isto
é, refletindo sobre os problemas do cotidiano, como por exemplo sobre a angústia, a
liberdade, etc.
Mas afinal de contas, o que é então o existencialismo? É possível uma definição
desta doutrina a partir de tão diversas abordagens? É possível encontrarmos um denominador
comum entre Heidegger, Sartre, Marcel e Jaspers?
Wahl diz que “estas filosofias são um início do empirismo metafísico e do
sentimento de inquietação humana. Nelas não encontramos uma definição, mas uma
caracterização, e é o máximo a que podemos aspirar”.16 Aqui, empirismo é tomado no sentido
de que se vai refletir sobre os elementos humanos que são irredutíveis a toda construção, o que
segundo Wahl estaria próximo do termo empregado por Heidegger de faticidade. Assim, o
esforço destes filósofos é explicitar os aspectos que caracterizam a vida humana, assumindo
uma postura de especulação sobre a existência. Daí, ser o conceito de existência central nessa
filosofia.
A filosofia da existência coloca de maneira categórica que só o homem existe. O
homem não pode ser reduzido a uma substância, como foi compreendido pela filosofia
clássica. Ela é uma maneira de entender a existência enquanto existência humana. O dado
primário a partir do qual se pode compreender o homem é a existência e não a essência, a
definição a priori do homem. Por isto mesmo, a frase célebre do existencialismo é: “A
existência precede a essência”. Isto quer dizer que devemos olhar para a vida concreta do dia-
a-dia e a partir daí compreendermos quem é o homem, e não defini-lo como animal racional e
social, suas características mais universais. A explicitação de sua essência se faz na existência.
A reflexão filosófica deve abandonar toda elaboração abstrata e dar atenção às experiências
concretas, pois é justamente essas experiências que vão desvelar o ser do homem. O sentido
do ser (que é o objeto da metafísica) vai aparecer na concretude do existente humano.

16
Wahl, J. Idem.
13

Assim, a vida por meio do despertar da banalidade do viver cotidiano, com seus
grandes problemas como a decadência, a angústia, o existir trágico, é o foco da doutrina
existencialista. A dificuldade que encontramos ao estudar o existencialismo é que este não se
constitui como um sistema unitário. A palavra é tão vasta na sua abrangência que traduz mais
um enfoque sobre os problemas do que um sistema filosófico unitário entre os diversos
existencialistas. É claro que ao estudarmos Heidegger vamos verificar uma sistematização
entre os conceitos que explicam a existência humana, mas sua reflexão aborda questões muito
diferentes das abordagens sartreanas e jasperianas. A preocupação com a questão do Ser é de
extrema importância no pensamento desses autores, bastando lembrar os títulos das obras mais
importantes tanto de Heidegger – O Ser e o Tempo – como de Sartre – O Ser e o Nada.
A presença da fenomenologia no pensamento dos principais teóricos da filosofia
da existência é uma revelação de contribuição que a fenomenologia oferece na formulação da
doutrina existencialista. Embora sejam duas filosofias diferentes, a fenomenologia oferece ao
Existencialismo um método de investigação na formulação de suas temáticas. Não podemos
esquecer, também, que Heidegger foi um discípulo de Husserl e o substitui na universidade de
Friburgo. Assim, a fenomenologia oferece aos filósofos existencialistas um instrumento de
reflexão que ajudam estes explicitarem o vivido, a vida nas suas mais diversas concretudes,
com a angústia, a culpa, o encontro, o amor etc.
A análise existencial, terapia que se desenvolveu na Suíça por meio de dois
grandes psiquiatras, Ludwig Binswanger e Medard Boss, teve como inspirador maior Martin
Heidegger. Destacar alguns pontos do pensamento deste importante filósofo, vai trazer
algumas luzes para entendermos a corrente terapêutica intitulada Daseinsanalyse.
O ponto de partida do pensamento de Heidegger é o problema ontológico, isto é,
seu interesse maior é o estudo do ser. Sua filosofia reflete um esforço gigantesco no
desvelamento da verdade do ser, isto é, procurou trazer a luz da razão o ser e suas estruturas, a
qual vai se dar por meio da análise descritiva destas estruturas. No seu livro “O Ser o Tempo”,
escrito em 1927, obra que marcará de forma decisiva alguns terapeutas existenciais, procura
desvendar as estruturas essenciais do ser, do Dasein e cuja dimensão da temporalidade é a de
maior destaque. Pois, o Dasein é essencialmente temporalidade. Heidegger considera o
homem não estando no Tempo, mas constitutivamente temporal. Daí o significado profundo
do seu livro ser e tempo. A temporalidade é estruturante do ser.
14

Assim, a filosofia de “Ser e Tempo” será denominada a analítica existencial, que


tem como objeto o desvelamento do Dasein. Na primeira parte temos uma análise fundamental
do Dasein e a segunda parte estuda o Dasein e a temporalidade. Nessa análise fundamental do
Dasein, podemos descartar alguns pontos que terão um impacto muito grande nas terapias, que
se basearem no pensamento de Heidegger.
O Dasein (Existência) possui a característica essencial de estar conectado
diretamente com o mundo, não podendo ser compreendido separado do mundo. Mais, ele não
existe fora do mundo, não é exterior ao mundo, mas em relação de constitutividade com o
mundo. Daí que o Dasein é um Ser-no-mundo (In-der-welt-sein). O mundo é o correlato
existencial e estrutural do ser humano.
Uma segunda característica do homem estruturante de sua existência é o que
Heidegger chama de ser-com (mit-sein) os outros. Embora, será o seu discípulo Karl Löwth
que desenvolverá mais este aspecto apontado no Ser e Tempo, Heidegger mostra que viver em
comunidade faz parte da estrutura do ser e mais é estruturante do Ser. Isto implica que o
humano só se desenvolve no humano. Se o homem viver numa comunidade de lobos ou
macacos (como no mito do Tarzan) não desenvolverá qualidades e características humanas,
como por exemplo a linguagem. O homem para se tornar humano deve partilhar a sua
existência com a existência de outros humanos, com os seus semelhantes. A partir destas duas
dimensões essenciais do Dasein, Heidegger desenvolve várias outras considerações sobre a
existência humana, com desdobramentos sobre o que significa uma existência autêntica ou
inautêntica. Na segunda parte do texto, nos é apresentada a estrutura ontológica do Dasein,
onde se destacam exposições sobre a Angústia, o ser-para-a-morte, a temporalidade e a
historicidade.

c) Análise Existencial

Dois autores que utilizaram o pensamento de Heidegger para repensarem os seus


trabalhos clínicos foram Binswanger e Boss. O primeiro utilizou dos ensinamentos
heideggerianos para buscar uma fundamentação nova e uma sustentação para a psicopatologia
e para atividade clínica. O segundo, utilizou mais as reflexões de Heidegger no sentido de
15

encontrar meios mais práticos de como operacionalizar a psicoterapia. O encontro com o


pensamento e a figura viva de Heidegger possibilitou a estes dois psiquiatras a construção de
uma escola de terapia denominada Análise Existencial. Evidentemente que existe diferenças
entre as duas abordagens e não podemos colocá-las dentro de uma só perspectiva. As
divergências são grandes, porém não cabe neste trabalho apresentar essas nuances. O essencial
é destacar que o pensamento de Heidegger teve um impacto grande na estruturação de
algumas abordagens terapêuticas.
Binswanger17 foi o primeiro que buscou no pensamento de Heidegger uma
inspiração para sua prática clínica. Quando o texto de “Ser e Tempo” veio à luz em 1927,
Binswanger juntamente com um grupo de estudiosos e terapeutas ansiosos de encontrarem
uma fundamentação para as suas práticas clínicas, começou a estudar Ser e Tempo. Nessa
época, Binswanger estava muito influenciado pela fenomenologia de Husserl, pois o encontro
intelectual com Freud não estava sendo satisfatório para a fundamentação da psiquiatria. O
encontro com Heidegger vai possibilitar em 1930 uma virada na sua trajetória profissional,
fundando o Daseinsanalyse.
É com a publicação do “Traum und Existenz” (Sonho e Existência) que
Binswanger marca de forma revolucionária o pensamento psiquiátrico. A partir daí, ele vai
construir todo um arcabouço teórico que culminará com a publicação do livro “Grundformen
und Erkenntnis menschlichen Dasein” (As formas fundamentais e o conhecimento da
existência humana). Sua antropologia fenomenológica, fundamentação de toda a Análise
Existencial. Nesta obra se faz presente a importância de Heidegger, testemunhando, assim, o
impacto desse filosofo na prática clínica.
Medard Boss estabeleceu um contato mais próximo de Heidegger, desenvolvendo
uma série de seminários na sua casa, num bairro de Zurique chamado Zollikon. Este diálogo
foi desencadeado em 1947 por meio de uma carta que Boss escreveu a Heidegger, solicitando
deste uma ajuda intelectual. Boss vislumbrou no contato com a filosofia existencial de
Heidegger uma luz que pudesse iluminar sua prática clínica. Assim, durante uma década, mais
precisamente entre os anos de 1959-1969, Heidegger visitou Boss e estabeleceu com este e

17
Sobre a trajetória intelectual de Binswanger e as linhas mestras de sua antropologia consultar o meu artigo “O
existir humano na obra de Ludwig Binswanger” em Síntese (Nova Fase), n. 50, ano 1990, p. 81-99.
16

seus discípulos um fecundo diálogo.18 Contrariamente a Binswanger, Boss buscou no contato


com Heidegger uma inspiração para a operacionalização da psicoterapia.
Em Zurique, Boss fundou um instituto com o nome de Daseinsanalyse para
desenvolver as idéias e dar continuidade ao trabalho clínico. No Brasil, um intercâmbio entre
Sólon Spanoudis e Medard Boss, possibilitou a fundação do Instituto de Daseinsanalyse de
São Paulo, que tem divulgado o pensamento do psiquiatra suíço.

III) Prática da supervisão na perspectiva fenomenológico-existencial

O primeiro ponto que merece ser tratado aqui é a questão: de que tipo de
supervisão estamos falando? No final da primeira parte do nosso estudo, destacamos a
supervisão em grupo e a supervisão individual. Nos cursos de Psicologia, talvez raras
exceções, a supervisão acontece em grupo. O que varia é o número de supervisando. As
reflexões que vamos, agora, trazer para o leitor, dizem respeito a esta modalidade de
supervisão. O que não quer dizer que alguns dos elementos não possam ser utilizados na
supervisão individual. Por outro lado, não podemos esquecer que a supervisão de grupo tem
características muito próprias.

a) Condução da sessão x condução do processo terapêutico

A distinção inicial que ajuda muito o iniciante é distinguirmos didaticamente a


supervisão de sessão, isto é, a condução da sessão e a supervisão da terapia, isto é, a condução
da terapia. Por condução da sessão devemos estar atentos ao que se passou nos 50 minutos da
sessão. O que aconteceu de relevante no tempo do atendimento. Outra coisa diferente é termos
clareza sobre o momento da sessão dentro de todo o transcorrer do processo terapêutico.
Assim, ao analisarmos a sessão temos que ter estas duas perspectivas do olhar. O fato é o
mesmo, mas ele está sendo compreendido por meio de duas “visadas” (para utilizarmos um
conceito da fenomenologia). Às vezes o supervisando pode ter uma sensação de que a sessão

18
O conteúdo desses encontros foi publicado em português numa co-edição Educ-Vozes. “Martin Heidegger,
Seminários de Zollikon”, ed. por Medard Boss, Petrópolis, Educ-Vozes, 2001.
17

foi uma catástrofe se olhar do ponto de vista da exploração do material, mas ela pode ter sido
muito “proveitosa” se a entendermos no conjunto da vida do cliente. Ele começou a se
descobrir. Foi a primeira vez que ele começou a falar de si mesmo.
Olhar a condução da sessão é buscar refletir sobre o que se passou diretamente na
relação com o terapeuta. Como foi a vivência da relação terapêutica. Na fase inicial da
terapia, as primeiras sessões devem possibilitar ao cliente a vivência da experiência de
confiança. Às vezes, algumas pessoas ao se colocarem desarmadas na entrevista inicial, já
começam a aceitar seu terapeuta. Outras, são mais desconfiadas e testam o terapeuta no
sentido de verificarem se podem entregar-se a este o seu conteúdo vivencial, isto é, a sua
intimidade. Podemos dizer, que esta entrega básica é a condição “sine qua non” a terapia não
deslanchará. O supervisor deve estar atento se a confiança do cliente já começou a acontecer.
Por outro lado, é muito diferente ver como este momento inicial pode ser compreendido no
conjunto do processo. Será que esta entrega ou não entrega está dificultando o processo como
um todo? A condução da terapia é entender qual o lugar dessa sessão no desenvolvimento de
todo o caminhar, é compreender como o que foi vivido na sessão pode trazer uma luz sobre o
desenrolar do processo terapêutico. A condução da sessão é perceber o que está acontecendo
no encontro.

b) Questões iniciais

Aqui, queremos trazer à tona algumas questões que surgem logo no início da
terapia e que o supervisor deve estar atento, no sentido de ajudar o novo terapeuta a se
posicionar de forma crítica e criativa diante dos desafios que vão surgindo.
A primeira questão de fundamental importância para o êxito da terapia e que deve
ter a atenção do supervisor, diz respeito à qualidade da relação terapêutica que está sendo
instaurada. No início da terapia, muitas vezes, o paciente, só pelo fato de ser bem acolhido, já
se coloca numa posição de confiança com respeito ao seu ouvinte, no caso o terapeuta. Saber
acolher é o primeiro requisito para se tornar um bom terapeuta, pois é justamente a qualidade
do acolhimento que vai possibilitar a qualidade da relação intersubjetiva que está sendo
instaurada. Muitas vezes, experimentamos um alívio só pelo fato do nosso ouvidor nos acolher
com um sorriso. Já nos sentimos reconfortados pelo simples fato do outro dedicar um pouco
18

do seu tempo a nós. Assim, o terapeuta é aquele que no âmbito da sessão dedica 50 minutos a
uma pessoa que durante toda sua vida não teve nenhum momento de acolhimento. Mostrar que
você tem um tempo para ouvir o outro já é um primeiro passo para desencadear no outro a
vivência da confiança, condição básica para o bom desenrolar da terapia.
Rúdio nos diz: “A psicoterapia existencial procura cumprir seus objetivos através
de um relacionamento entre terapeuta e cliente que tem a afeição de um verdadeiro encontro
humano”.19 Qualquer relação intersubjetiva que possa provocar em nós a experiência do
encontro prima pela qualidade da relação. Quanto melhor é a relação, mais profundidade no
encontro. Aprender a desenvolver esta postura é o primeiro passo para que o processo
terapêutico se estruture de forma libertadora para o cliente.
A segunda questão que o supervisor deve ajudar ao terapeuta iniciante é dar
referências teóricas que ajude a este a montar um quadro de leitura, isto é, de como o paciente
organiza sua vida. Alguns teóricos chamam esta compreensão de diagnóstico, nós entendemos
que se trata de se buscar uma sistematização dos principais pontos de vista do cotidiano do
cliente. Romero20, no seu livro “Neogêneses: o desenvolvimento pessoal mediante a
psicoterapia”, na segunda parte, mais precisamente nos capítulos X-XV, apresenta as diversas
áreas do mundo pessoal do cliente que devem ser levadas em consideração, e, por isso mesmo,
capazes de nos oferecer o quadro da existência de nosso cliente. São as seguintes áreas: os
relacionamentos afetivos; os relacionamentos familiares e a relação conjugal; a invenção da
vida no plano do trabalho; os relacionamentos imaginários e simbólicos; planos, projetos e
perspectivas futuras e a compreensão do desenvolvimento biográfico. Essa visão do conjunto
da vida do paciente ajuda ao terapeuta a perceber quais as áreas de conflito e quais as áreas
onde a vida flui de forma sadia e autêntica.
Na nossa perspectiva, esse quadro deve ser montado aos poucos, sem que
forcemos o cliente a responder a um questionário, o que desvirtuaria todo o sentido de
encontro terapêutico. É na medida que o cliente vai expondo suas queixas e suas vicissitudes
nós vamos mostrando em nossa compreensão teórica o quadro do seu mundo pessoal. Este
deve surgir de forma espontânea no decorrer do processo. Ajudar ao terapeuta iniciante a não

19
RUDIO, F.V. Diálogo maiêutico e psicoterapia existencial. São José dos Campos, Novos Horizontes Editora,
1998, p. 124.
20
ROMERO, E. Neogêneses: o desenvolvimento pessoal mediante a psicoterapia. São José dos Campos, Novos
Horizontes Editora, 1999.
19

se afobar e querer construir este panorama com perguntas diretas, em forma de interrogatório,
que só prejudicariam o andar da terapia.
A terceira questão, que merece muita atenção na supervisão é que o terapeuta
iniciante muitas vezes mistura sua problemática com os problemas que o cliente traz para a
sessão. Queremos dizer que a queixa apresentada, isto é, uma dificuldade do cliente tem, às
vezes, haver com alguma vivência do terapeuta. Por exemplo, o cliente começa a falar sobre a
morte de um parente e por coincidência o terapeuta perdeu, também, um parente muito
próximo e sua ferida reabre. Com freqüência, se não trabalharmos bem nossas questões
pessoais acabamos misturando-as com a do cliente. Dessa forma, não consigo diferenciar
muito bem o que se passa, pois fico atordoado com a questão levantada. Como ainda não
trabalhei bem a questão e esta dói dentro de mim, de forma inconsciente, começo a desviar o
assunto quando este aflora. Ajudar a separar o problema pessoal do problema do paciente é de
suma importância. Digo separar, pois tratar o problema não deve ser na supervisão, mas na sua
própria terapia. Desenvolver o autoconhecimento é uma tarefa essencial para o bom
andamento do processo terapêutico.
A quarta questão pode ser resumida da seguinte maneira: como ajudar o iniciante a
construir e a ter uma atitude terapêutica fenomenológica?
As palavras de Rúdio podem começar a iluminar o nosso caminho. Ele diz: “Um
ponto fundamental para o fenomenologista é que o comportamento do individuo não é uma
reação à realidade como tal, mas, sim, ao significado que ele lhe atribui. Quer dizer, o
individuo se comporta como resposta ao significado que ele dá ao que existe”.21 Assim, o
supervisor deve insistir para que o terapeuta iniciante busque centrar sua atenção não no
comportamento reativo, mas no significado que justifica o comportamento.
A postura deve ser de ajuda para desvelar o significado dado ao que se vive. Para
isso, tenho que desenvolver dentro de mim uma atitude de não classificar o que está sendo
vivido pelo cliente. Quando rotulo as coisas, não deixo aparecer o verdadeiro sentido dado
pela intencionalidade da consciência. É preciso tomar uma distância, colocar entre parêntese a
atitude de classificar, para na calma do encontro existencial ajudar a aflorar o significado.
Muitas vezes, nem deixamos a outro terminar de falar e já estamos com nossa resposta pronta

21
RUDIO, V.F., op. cit., p. 131.
20

ou uma nova pergunta a ser feita. O treino de uma boa escuta é o caminho para sedimentar
uma atitude fenomenológica.

c) Desenvolver uma compreensão fenomenológico-existencial

Aqui, esbarramos no aspecto mais delicado da supervisão. Para o desenvolvimento


dessa compreensão, dita fenomenológico-existencial na prática, supomos que o terapeuta
iniciante tenha tido um estudo sério do que caracteriza essa abordagem, tenha estudado e
assimilado alguns pressupostos teóricos que servirão de base na compreensão do caso e na
sustentação teórica de sua atitude terapêutica. Vamos, rapidamente, trazer, agora, algumas
reflexões que podem nos ajudar a entender a especificidade dessa compreensão.
O que buscamos compreender? Na linguagem desta abordagem é o fenômeno. O
que se entende por fenômeno? “A palavra “fenômeno”, de origem grega, quer dizer,
etimologicamente, “o que aparece”. Significa aquilo que é percebido pelos sentidos e que se
revela (aparece à consciência, quando esta entra em contato com a realidade”. 22 Significa a
maneira de como percebemos a realidade e a interiorizamos.
Esta é a famosa distinção entre o fato e o fenômeno. O fato é o acontecimento
exterior a nós e o fenômeno é a maneira de como eu percebi o fato e o tornei meu. Por
exemplo, diante da queda d’água nas cataratas do Iguaçu, cada visitante percebe a queda de
acordo com sua maneira, do seu ponto de vista pessoal. Uns vão ficar mais impressionados do
que outros pela beleza do momento. A representação que tenho na consciência mais a
intensidade dessa representação é que constitui o fenômeno. O fato é a queda d’água, e o
fenômeno é a maneira com que cada um percebe e significa esta percepção. Assim, para cada
um o fato se revela à consciência na particularidade da minha história pessoal, “o fenômeno é
uma espécie de “tradução” vivencial que as pessoas fazem dos fatos”.23
Assim, todo o procedimento técnico da terapia é para ajudar ao cliente a se
aproximar do que ele experiencia, do fenômeno, da tradução do fato em algo que tem
significado para ele. Como disse acima o terapeuta da abordagem fenomenológica trabalha
com o significado que a pessoa atribui à realidade. “A base do trabalho que o fenomenologista

22
RUDIO, V.F., op. cit., p. 130.
23
RUDIO, V.F., op. cit., p. 130.
21

realiza como terapeuta não se encontra nos “fatos”, mas nos “fenômenos” que lhes são
transmitidos pelo relato do cliente”.24
Aqui, o importante é saber o que utilizar para que o conteúdo significativo (o
fenômeno) possa aflorar. O terapeuta iniciante tem, também, que aprender “como” e quando
utilizar as técnicas apropriadas para fazer o fenômeno aparecer. A supervisão deve ter presente
essas questões para que o supervisando tenha um aprendizado sólido no seu trabalho clínico.
A questão que aparece agora é a seguinte: de onde surge este significado? Ele não
acontece por acaso. Ele brota da estrutura da existência da pessoa. Assim, na perspectiva
fenomenológico-existencial não basta fazer aflorar o fenômeno, é preciso compreender a
estrutura de vida que dá significado a esta vivência. Por isto, “a tarefa principal do terapeuta
existencial no ‘encontro’ é procurar ‘compreender’ o seu cliente, não apenas no que ele
manifesta diretamente por palavras e gestos, mas também no significado, nem sempre claro,
que ele dá à vida e que se revela, de forma ampla, pelo seu próprio modo de ser e de agir”. 25
Desvendar a estrutura de vida que orienta toda vivência da realidade é a segunda etapa da
terapia e que o iniciante deve aprender técnicas que possibilitam desvelar esta realidade. De
uma forma simples podemos dizer que o “núcleo do processo terapêutico-existencial está na
busca de conhecer, compreender, analisar e avaliar o significado das “experiências” e das
“vivências” que o cliente tem no seu envolvimento com o mundo”.26 Cada uma das palavras
ditas acima têm uma importância e um peso teórico que, aqui, no nosso trabalho, não é
possível desenvolver, mas que merece toda uma reflexão posterior. Conhecer, compreender,
analisar e avaliar são verbos que denotam uma ação que deve ser exaustivamente trabalhada. É
o conjunto destas ações e que se caracteriza a análise existencial.
Para terminar este ponto, gostaria de salientar que esse processo de compreensão
de vida não é, de maneira alguma, uma compreensão intelectual mais vivencial. As palavras
de Rúdio confirmam nossa preocupação quando diz: “Para ajudar o cliente a buscar uma vida
sadia e autêntica, o terapeuta (existencial) procura levá-lo a refletir sobre si mesmo de uma
forma existencial”.27

24
RUDIO, V.F., op. cit., p. 130.
25
RUDIO, V.F., op. cit., p. 125.
26
RUDIO, V.F., op. cit., p. 123.
27
RUDIO, V.F., op. cit., p. 122.
22

d) O surgimento de um novo terapeuta

O último ponto que gostaríamos de explicitar é sobre o papel do supervisor no


processo de aprendizagem do terapeuta iniciante. Como deve ser esta presença? Que tipo de
supervisão deve o terapeuta mestre desenvolver para que possa surgir um novo terapeuta?
A atitude principal a ser desenvolvida pelo supervisor é ter diante de si que ele não
vai formar ninguém, que ele não vai moldar ninguém. Ele vai simplesmente passar alguns
conhecimentos teóricos e práticos que possam ajudar o supervisando a desenvolver
habilidades terapêuticas. Evidentemente que ninguém nasce terapeuta, mas cada um será
terapeuta a sua maneira. Mestre é aquele que transmite experiência, mas respeita que cada um
de nós vivencie, seguindo a sua maneira de ser, a relação terapêutica com o cliente. O
supervisor é aquele que abre os olhos do supervisando, mas não diz a toda hora o que deve
fazer, ele dá critérios para que cada um encontre o seu caminho. É como o processo de
educação, você ilumina o caminho para que o outro possa fazer suas experiências pessoais.
Assim, partimos do pressuposto que o supervisor deve deixar aflorar as
habilidades do supervisando, que em algumas vezes, podem ser diferentes e até mais originais
que a sua. Cada um terá uma maneira própria de conduzir a terapia. As regras auxiliam na
medida que nos ajuda a ver o que se passa, mas nós não podemos ficar presos a elas.
O lugar da supervisão no “curriculum” escolar não é só uma transmissão do
conhecimento de uma pessoa dita mais experiente para outra menos experiente. É, antes de
tudo, um encontro humano, onde haverá um crescimento pessoal de ambas as partes. O
supervisando crescerá existencialmente na medida que encontra o seu caminho de trabalho, e o
supervisor na medida que cresce com as novas vivências originárias do envolvimento
profissional. Cada um, a seu modo, sedimentará a sua vida através de sua prática profissional.

BIBLIOGRAFIA

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Paulo: E.P.U., 1989.

BUYS, R.C. A supervisão da psicoterapia na abordagem humanista centrada na pessoa. São


Paulo: Summus Editorial, 1987.
23

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HUBER, W. L’homme psychopathologique et la psychologie clinique. Paris: PUF, 1993
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