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HUBER, W. L’homme psychopathologique et la psychologie clinique. Paris: PUF, 1993, p. 15-16.
2
questões aparecem para nós em primeiro lugar: explicitar o que entendemos por supervisão em
psicoterapia e clarear qual o modelo teórico de nossa prática. Estes serão os dois passos
iniciais de nosso estudo. Dividiremos nossa reflexão em três partes: primeiro, abordaremos a
especificidade da supervisão clínica, destacando que tipo de relação é construída entre o
professor supervisor e o aluno que tem o seu trabalho de atendimento terapêutico com um
cliente que veio buscar sua ajuda. Num segundo momento, será necessário explicitar o marco
teórico que sustenta todo o nosso trabalho clínico, para, finalmente, elucidar o que seja a
prática da supervisão na perspectiva fenomenológico-existencial.
2
BUYS, R.C. A supervisão da psicoterapia na abordagem humanista centrada na pessoa. São Paulo: Summus
Editorial, 1987, p. 23.
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que muitas vezes não aparecem de imediato. Em vez de refletir sozinho sobre o que acabou de
vivenciar no seu atendimento clínico, o supervisando tem a possibilidade de compartilhar com
outro terapeuta suas dúvidas e suas dificuldades. O aprendizado de refletir sobre o que se vive
é construído ao longo da vida, e é, por isso, que a contribuição do terapeuta experiente é
necessária, pois ele é “capaz de refletir na relação psicoterapêutica a relação psicoterapêutica,
à medida que ela decorre”.3
A possibilidade de crescimento humano e profissional se dá na medida de que
somos capazes de refletirmos sobre aquilo que vivenciamos e por isso mesmo, desvendamos
os entraves e os extramuros para o nosso crescimento. Assim, o objetivo da supervisão “é dar
ao terapeuta iniciante, de forma sistemática, o contexto relacional apropriado à reflexão sobre
a situação psicoterapêutica”.4 A avaliação sobre o que se viveu numa relação intersubjetiva
feita com o auxílio de uma outra pessoa é de extrema importância para a formação profissional
do psicólogo.
O segundo ponto que merece nossa atenção, quando tratamos da especificidade da
supervisão é a do pressuposto de que ninguém nasce psicoterapeuta, mas vai se formando ao
longo de sua prática. É necessário desenvolver por meio da supervisão as características do
terapeuta. Bucher explicitou em seu livro “A psicoterapia pela fala” algumas qualidades
pessoais necessárias à psicoterapia, e encontramos na supervisão o lugar ideal para por meio
desta relação especial sedimentar as qualidades destacadas.
De uma maneira resumida, podemos destacar as qualidades levantadas por
Bucher5 e que devem ser cultivadas na supervisão: a primeira delas é o interesse pelo humano.
A profissão de psicoterapeuta não se resume à aplicação de técnicas, mas ao cultivo da
sensibilidade pelo humano. O início da formação terapêutica passa pelo despertar de uma
atitude que mostre que a pessoal que está diante de você seja vista na sua totalidade e na sua
particularidade. Totalidade que nos impede de reduzir o seu que sofre diante de nós a um
conjunto de sintomas. Particularidade no sentido de que este homem enfermo tem suas
características próprias que não podem ser reduzidas e esquematizadas a alguma classificação.
Sensibilidade para o humano é ser “tocado” por cada cliente em particular, abrindo-se a sua
3
BUYS, R.C. A supervisão da psicoterapia na abordagem humanista centrada na pessoa. São Paulo: Summus
Editorial, 1987, p. 17.
4
BUYS, R. Idem, p. 17.
5
BUCHER, R. A psicoterapia pela fala. Fundamentos, princípios e questionamentos. São Paulo: E.P.U., 1989,
especialmente as p. 70-71.
4
história de vida de forma global. A supervisão aparece como o lugar onde o psicólogo
iniciante tem um espaço apropriado para entrar em contato com esta sua realidade, discutindo-
a juntamente com um psicólogo mais experiente, que deverá não só refletir sobre as técnicas
terapêuticas mais adequadas, mas sobre seu engajamento pessoal no trabalho terapêutico.
É também, aqui, na supervisão que o terapeuta iniciante tem a possibilidade de
perceber com mais nitidez se possui a capacidade de lidar com as manifestações
psicopatológicas e conflitantes do ser humano. Nada melhor que a reflexão sobre sua atividade
clínica, para enxergar com clareza que além da sensibilidade para com o humano, essa
sensibilidade é para tratar dos problemas existenciais. Ninguém, ou quase ninguém, procura
terapia para falar que está bem na vida. Esse tipo de cliente dificilmente aportará no seu
consultório. Assim, a atividade terapêutica é muito mais curativa do que preventiva.
A terceira condição indispensável para a formação do psicoterapeuta apontada
pelo autor é o aspecto técnico envolvido no trabalho clínico. Para Bucher, é necessário para
que o profissional possa lidar com desenvoltura a situação conflitante. O saber técnico é,
porém, insuficiente, de suma importância para o iniciante poder saber como abordar o conflito,
e mais elaborá-lo e integrá-lo. É a supervisão o lugar ideal para se falar e checar todo o
conhecimento teórico adquirido ao longo de sua formação.
b) As funções da supervisão
6
BUYS, R.C., op. cit. p. 23.
5
uma pessoa neurótica, é diferente de se trabalhar com uma pessoa psicótica. Cada um dos
conflitos exige posicionamentos diferentes. Não, necessariamente estamos defendendo um
psicodiagnóstico nos moldes tradicionais, mas uma certa idéia da personalidade do paciente,
para podermos enfrentar com mais objetividade a questão. Normalmente em matemática
dizemos: equacionar bem o problema, montar com precisão a regra de três, já é meio caminho
andado para a solução da questão. Aqui, a dimensão operativa (diagnóstico) da relação
terapêutica deve ser trazida para a reflexão.
Outro aspecto, que exige um olhar mais atento, é a análise de como está sendo
estruturada a relação na terapia, pois grande parte do sucesso de uma terapia está na qualidade
da relação construída entre o terapeuta e o seu paciente. Na supervisão pode aparecer com
clareza as questões que estão facilitando ou dificultando o desenvolvimento da relação
terapêutica e em que medida, em muitas vezes, as questões mal resolvidas do terapeuta podem
estar interferindo no processo. Clarear estes impasses ajuda o supervisando a perceber que
alguns problemas surgidos na relação terapêutica devem ser, às vezes, levados para a sua
terapia pessoal, caso o supervisando esteja também em processo de terapia. Separar o joio do
trigo ajuda tanto no desenvolvimento da relação terapêutica, como no crescimento humano de
ambas as partes.
Sobre a função técnica da supervisão Buys é explicito quando diz: “a intervenção
didática teórica liga a técnica à teoria, dando inteligibilidade á primeira. Sendo as técnicas
decorrentes da teoria, a intervenção teórica deve responder, entre outras coisas, ao porquê das
técnicas”.7 Analisar que tipo de intervenção foi feita pelo supervisando, refletindo se tal
intervenção era a mais adequada ou não – se o procedimento adotado ajudou o conteúdo
aflorar e se, também, o conteúdo surgido foi trabalhado de modo a levar o cliente não só a
percebê-lo, mas a começar a elaborá-lo. Todas essas questões devem ser discutidas no espaço
criado pela supervisão, a fim de que o crescimento pessoal e profissional sejam dialeticamente
integrados.
A última função, e talvez a mais sutil, apontada pelo autor, é a função experiencial.
Embora a nossa fundamentação teórica seja diferente da de Buys, não relegamos a um
7
BUYS, R.C., op. cit. p. 26.
6
c) Tipos de supervisão
8
Para Buys, aqui, seria o lugar onde o supervisando refletiria se está desenvolvendo as três atitudes rogerianas
(congruência, empatia, consideração positiva incondicional) de formas adequadas.
7
destacando, somente, os pontos mais relevantes e perdendo as nuances, que na maioria das
vezes, é o mais rico na compreensão do caso.
Por outro lado, o que é extremamente positivo na supervisão coletiva, é que
quando um aluno expõe o seu caso e se discute sobre o desenvolvimento do mesmo com o
supervisor, os outros alunos estarão aprendendo pontos que, às vezes, não estão acontecendo
no seu trabalho de atendimento. Por exemplo, um aluno está tendo dificuldade de fazer o
conteúdo aflorar para um trabalho futuro, e o outro está tendo dificuldades nas posturas que
deve adotar para uma boa escuta. Quando se discute os casos em conjunto, cada um aprende
com o caso do outro aspectos que talvez venha acontecer consigo mais tarde. Neste tipo de
supervisão o importante é proporcionar a cada aluno, que está vivendo um processo
terapêutico com um cliente, possa examinar com o professor e os outros colegas o seu
posicionamento pessoal na sua vivência.
Na supervisão individual, supondo que sua duração seja de 50 minutos, o
supervisando tem mais tempo para expor seu atendimento e discutir com mais calma os
impasses e as possibilidades de superação dessas dificuldades. Nesse tipo de supervisão se
constrói uma relação intersubjetiva mais sólida do que na supervisão em grupo, pois o tempo
maior e a qualidade da relação possibilitam uma reflexão mais profunda sobre o que está se
vivendo. Porem, é necessário “acentuar o fato de que a supervisão não é da psicoterapia, mas
sobre a psicoterapia; como o psicoterapeuta a está vendo aqui e agora (não lá e então) e
vivendo-a numa relação (com o supervisor)”.9
a) Fenomenologia
9
BUYS, R.C., op. cit. p. 73.
8
A partir desse início, que alguns pesquisadores olhavam com uma certa
desconfiança, a Fenomenologia tem sido uma corrente filosófica de grande fecundidade na
psicologia. Para ter-se uma idéia da amplitude desse impacto, cito o livro de H. Speigelberg
"Phenomenology in the Psychiatrie and Psychology".
10
RICOEUR, P. Husserl (1859-1938) em L´École de la Phenoménologie. Paris, Librairie Urui, 1986, p.8.
11
DARTIGUES, A. O que é fenomenologia? São Paulo: Editora Morais, 1992, 3ª ed., p. 51.
10
12
VAN DER LEEWW, G. Epílogo do livro "La religion dans son essence et ses manifestations - phenménologie
de la religion". Paris: Payot, 1970, tradução de Erika Lourenço (mimeo).
13
JEANSON, F. La phenoménologie. Paris: Editora Tequi, s/d., p. 67.
14
Ibidem, p. 67.
11
b) Existencialismo
15
Wahl, Jean. As Filosofias da Existência. Lisboa: Publicações Europa-América, s/d.
12
uma inspiração pessoal, o método fenomenológico para concretizarem as suas reflexões sobre
o homem.
A Filosofia da existência pode ser concretizada através de suas grandes
características. A primeira é que todos os filósofos e escritores procuram valorizar o homem.
A segunda é que todos procuram descrever e explicitar o modo concreto do homem viver, isto
é, refletindo sobre os problemas do cotidiano, como por exemplo sobre a angústia, a
liberdade, etc.
Mas afinal de contas, o que é então o existencialismo? É possível uma definição
desta doutrina a partir de tão diversas abordagens? É possível encontrarmos um denominador
comum entre Heidegger, Sartre, Marcel e Jaspers?
Wahl diz que “estas filosofias são um início do empirismo metafísico e do
sentimento de inquietação humana. Nelas não encontramos uma definição, mas uma
caracterização, e é o máximo a que podemos aspirar”.16 Aqui, empirismo é tomado no sentido
de que se vai refletir sobre os elementos humanos que são irredutíveis a toda construção, o que
segundo Wahl estaria próximo do termo empregado por Heidegger de faticidade. Assim, o
esforço destes filósofos é explicitar os aspectos que caracterizam a vida humana, assumindo
uma postura de especulação sobre a existência. Daí, ser o conceito de existência central nessa
filosofia.
A filosofia da existência coloca de maneira categórica que só o homem existe. O
homem não pode ser reduzido a uma substância, como foi compreendido pela filosofia
clássica. Ela é uma maneira de entender a existência enquanto existência humana. O dado
primário a partir do qual se pode compreender o homem é a existência e não a essência, a
definição a priori do homem. Por isto mesmo, a frase célebre do existencialismo é: “A
existência precede a essência”. Isto quer dizer que devemos olhar para a vida concreta do dia-
a-dia e a partir daí compreendermos quem é o homem, e não defini-lo como animal racional e
social, suas características mais universais. A explicitação de sua essência se faz na existência.
A reflexão filosófica deve abandonar toda elaboração abstrata e dar atenção às experiências
concretas, pois é justamente essas experiências que vão desvelar o ser do homem. O sentido
do ser (que é o objeto da metafísica) vai aparecer na concretude do existente humano.
16
Wahl, J. Idem.
13
Assim, a vida por meio do despertar da banalidade do viver cotidiano, com seus
grandes problemas como a decadência, a angústia, o existir trágico, é o foco da doutrina
existencialista. A dificuldade que encontramos ao estudar o existencialismo é que este não se
constitui como um sistema unitário. A palavra é tão vasta na sua abrangência que traduz mais
um enfoque sobre os problemas do que um sistema filosófico unitário entre os diversos
existencialistas. É claro que ao estudarmos Heidegger vamos verificar uma sistematização
entre os conceitos que explicam a existência humana, mas sua reflexão aborda questões muito
diferentes das abordagens sartreanas e jasperianas. A preocupação com a questão do Ser é de
extrema importância no pensamento desses autores, bastando lembrar os títulos das obras mais
importantes tanto de Heidegger – O Ser e o Tempo – como de Sartre – O Ser e o Nada.
A presença da fenomenologia no pensamento dos principais teóricos da filosofia
da existência é uma revelação de contribuição que a fenomenologia oferece na formulação da
doutrina existencialista. Embora sejam duas filosofias diferentes, a fenomenologia oferece ao
Existencialismo um método de investigação na formulação de suas temáticas. Não podemos
esquecer, também, que Heidegger foi um discípulo de Husserl e o substitui na universidade de
Friburgo. Assim, a fenomenologia oferece aos filósofos existencialistas um instrumento de
reflexão que ajudam estes explicitarem o vivido, a vida nas suas mais diversas concretudes,
com a angústia, a culpa, o encontro, o amor etc.
A análise existencial, terapia que se desenvolveu na Suíça por meio de dois
grandes psiquiatras, Ludwig Binswanger e Medard Boss, teve como inspirador maior Martin
Heidegger. Destacar alguns pontos do pensamento deste importante filósofo, vai trazer
algumas luzes para entendermos a corrente terapêutica intitulada Daseinsanalyse.
O ponto de partida do pensamento de Heidegger é o problema ontológico, isto é,
seu interesse maior é o estudo do ser. Sua filosofia reflete um esforço gigantesco no
desvelamento da verdade do ser, isto é, procurou trazer a luz da razão o ser e suas estruturas, a
qual vai se dar por meio da análise descritiva destas estruturas. No seu livro “O Ser o Tempo”,
escrito em 1927, obra que marcará de forma decisiva alguns terapeutas existenciais, procura
desvendar as estruturas essenciais do ser, do Dasein e cuja dimensão da temporalidade é a de
maior destaque. Pois, o Dasein é essencialmente temporalidade. Heidegger considera o
homem não estando no Tempo, mas constitutivamente temporal. Daí o significado profundo
do seu livro ser e tempo. A temporalidade é estruturante do ser.
14
c) Análise Existencial
17
Sobre a trajetória intelectual de Binswanger e as linhas mestras de sua antropologia consultar o meu artigo “O
existir humano na obra de Ludwig Binswanger” em Síntese (Nova Fase), n. 50, ano 1990, p. 81-99.
16
O primeiro ponto que merece ser tratado aqui é a questão: de que tipo de
supervisão estamos falando? No final da primeira parte do nosso estudo, destacamos a
supervisão em grupo e a supervisão individual. Nos cursos de Psicologia, talvez raras
exceções, a supervisão acontece em grupo. O que varia é o número de supervisando. As
reflexões que vamos, agora, trazer para o leitor, dizem respeito a esta modalidade de
supervisão. O que não quer dizer que alguns dos elementos não possam ser utilizados na
supervisão individual. Por outro lado, não podemos esquecer que a supervisão de grupo tem
características muito próprias.
18
O conteúdo desses encontros foi publicado em português numa co-edição Educ-Vozes. “Martin Heidegger,
Seminários de Zollikon”, ed. por Medard Boss, Petrópolis, Educ-Vozes, 2001.
17
foi uma catástrofe se olhar do ponto de vista da exploração do material, mas ela pode ter sido
muito “proveitosa” se a entendermos no conjunto da vida do cliente. Ele começou a se
descobrir. Foi a primeira vez que ele começou a falar de si mesmo.
Olhar a condução da sessão é buscar refletir sobre o que se passou diretamente na
relação com o terapeuta. Como foi a vivência da relação terapêutica. Na fase inicial da
terapia, as primeiras sessões devem possibilitar ao cliente a vivência da experiência de
confiança. Às vezes, algumas pessoas ao se colocarem desarmadas na entrevista inicial, já
começam a aceitar seu terapeuta. Outras, são mais desconfiadas e testam o terapeuta no
sentido de verificarem se podem entregar-se a este o seu conteúdo vivencial, isto é, a sua
intimidade. Podemos dizer, que esta entrega básica é a condição “sine qua non” a terapia não
deslanchará. O supervisor deve estar atento se a confiança do cliente já começou a acontecer.
Por outro lado, é muito diferente ver como este momento inicial pode ser compreendido no
conjunto do processo. Será que esta entrega ou não entrega está dificultando o processo como
um todo? A condução da terapia é entender qual o lugar dessa sessão no desenvolvimento de
todo o caminhar, é compreender como o que foi vivido na sessão pode trazer uma luz sobre o
desenrolar do processo terapêutico. A condução da sessão é perceber o que está acontecendo
no encontro.
b) Questões iniciais
Aqui, queremos trazer à tona algumas questões que surgem logo no início da
terapia e que o supervisor deve estar atento, no sentido de ajudar o novo terapeuta a se
posicionar de forma crítica e criativa diante dos desafios que vão surgindo.
A primeira questão de fundamental importância para o êxito da terapia e que deve
ter a atenção do supervisor, diz respeito à qualidade da relação terapêutica que está sendo
instaurada. No início da terapia, muitas vezes, o paciente, só pelo fato de ser bem acolhido, já
se coloca numa posição de confiança com respeito ao seu ouvinte, no caso o terapeuta. Saber
acolher é o primeiro requisito para se tornar um bom terapeuta, pois é justamente a qualidade
do acolhimento que vai possibilitar a qualidade da relação intersubjetiva que está sendo
instaurada. Muitas vezes, experimentamos um alívio só pelo fato do nosso ouvidor nos acolher
com um sorriso. Já nos sentimos reconfortados pelo simples fato do outro dedicar um pouco
18
do seu tempo a nós. Assim, o terapeuta é aquele que no âmbito da sessão dedica 50 minutos a
uma pessoa que durante toda sua vida não teve nenhum momento de acolhimento. Mostrar que
você tem um tempo para ouvir o outro já é um primeiro passo para desencadear no outro a
vivência da confiança, condição básica para o bom desenrolar da terapia.
Rúdio nos diz: “A psicoterapia existencial procura cumprir seus objetivos através
de um relacionamento entre terapeuta e cliente que tem a afeição de um verdadeiro encontro
humano”.19 Qualquer relação intersubjetiva que possa provocar em nós a experiência do
encontro prima pela qualidade da relação. Quanto melhor é a relação, mais profundidade no
encontro. Aprender a desenvolver esta postura é o primeiro passo para que o processo
terapêutico se estruture de forma libertadora para o cliente.
A segunda questão que o supervisor deve ajudar ao terapeuta iniciante é dar
referências teóricas que ajude a este a montar um quadro de leitura, isto é, de como o paciente
organiza sua vida. Alguns teóricos chamam esta compreensão de diagnóstico, nós entendemos
que se trata de se buscar uma sistematização dos principais pontos de vista do cotidiano do
cliente. Romero20, no seu livro “Neogêneses: o desenvolvimento pessoal mediante a
psicoterapia”, na segunda parte, mais precisamente nos capítulos X-XV, apresenta as diversas
áreas do mundo pessoal do cliente que devem ser levadas em consideração, e, por isso mesmo,
capazes de nos oferecer o quadro da existência de nosso cliente. São as seguintes áreas: os
relacionamentos afetivos; os relacionamentos familiares e a relação conjugal; a invenção da
vida no plano do trabalho; os relacionamentos imaginários e simbólicos; planos, projetos e
perspectivas futuras e a compreensão do desenvolvimento biográfico. Essa visão do conjunto
da vida do paciente ajuda ao terapeuta a perceber quais as áreas de conflito e quais as áreas
onde a vida flui de forma sadia e autêntica.
Na nossa perspectiva, esse quadro deve ser montado aos poucos, sem que
forcemos o cliente a responder a um questionário, o que desvirtuaria todo o sentido de
encontro terapêutico. É na medida que o cliente vai expondo suas queixas e suas vicissitudes
nós vamos mostrando em nossa compreensão teórica o quadro do seu mundo pessoal. Este
deve surgir de forma espontânea no decorrer do processo. Ajudar ao terapeuta iniciante a não
19
RUDIO, F.V. Diálogo maiêutico e psicoterapia existencial. São José dos Campos, Novos Horizontes Editora,
1998, p. 124.
20
ROMERO, E. Neogêneses: o desenvolvimento pessoal mediante a psicoterapia. São José dos Campos, Novos
Horizontes Editora, 1999.
19
se afobar e querer construir este panorama com perguntas diretas, em forma de interrogatório,
que só prejudicariam o andar da terapia.
A terceira questão, que merece muita atenção na supervisão é que o terapeuta
iniciante muitas vezes mistura sua problemática com os problemas que o cliente traz para a
sessão. Queremos dizer que a queixa apresentada, isto é, uma dificuldade do cliente tem, às
vezes, haver com alguma vivência do terapeuta. Por exemplo, o cliente começa a falar sobre a
morte de um parente e por coincidência o terapeuta perdeu, também, um parente muito
próximo e sua ferida reabre. Com freqüência, se não trabalharmos bem nossas questões
pessoais acabamos misturando-as com a do cliente. Dessa forma, não consigo diferenciar
muito bem o que se passa, pois fico atordoado com a questão levantada. Como ainda não
trabalhei bem a questão e esta dói dentro de mim, de forma inconsciente, começo a desviar o
assunto quando este aflora. Ajudar a separar o problema pessoal do problema do paciente é de
suma importância. Digo separar, pois tratar o problema não deve ser na supervisão, mas na sua
própria terapia. Desenvolver o autoconhecimento é uma tarefa essencial para o bom
andamento do processo terapêutico.
A quarta questão pode ser resumida da seguinte maneira: como ajudar o iniciante a
construir e a ter uma atitude terapêutica fenomenológica?
As palavras de Rúdio podem começar a iluminar o nosso caminho. Ele diz: “Um
ponto fundamental para o fenomenologista é que o comportamento do individuo não é uma
reação à realidade como tal, mas, sim, ao significado que ele lhe atribui. Quer dizer, o
individuo se comporta como resposta ao significado que ele dá ao que existe”.21 Assim, o
supervisor deve insistir para que o terapeuta iniciante busque centrar sua atenção não no
comportamento reativo, mas no significado que justifica o comportamento.
A postura deve ser de ajuda para desvelar o significado dado ao que se vive. Para
isso, tenho que desenvolver dentro de mim uma atitude de não classificar o que está sendo
vivido pelo cliente. Quando rotulo as coisas, não deixo aparecer o verdadeiro sentido dado
pela intencionalidade da consciência. É preciso tomar uma distância, colocar entre parêntese a
atitude de classificar, para na calma do encontro existencial ajudar a aflorar o significado.
Muitas vezes, nem deixamos a outro terminar de falar e já estamos com nossa resposta pronta
21
RUDIO, V.F., op. cit., p. 131.
20
ou uma nova pergunta a ser feita. O treino de uma boa escuta é o caminho para sedimentar
uma atitude fenomenológica.
22
RUDIO, V.F., op. cit., p. 130.
23
RUDIO, V.F., op. cit., p. 130.
21
realiza como terapeuta não se encontra nos “fatos”, mas nos “fenômenos” que lhes são
transmitidos pelo relato do cliente”.24
Aqui, o importante é saber o que utilizar para que o conteúdo significativo (o
fenômeno) possa aflorar. O terapeuta iniciante tem, também, que aprender “como” e quando
utilizar as técnicas apropriadas para fazer o fenômeno aparecer. A supervisão deve ter presente
essas questões para que o supervisando tenha um aprendizado sólido no seu trabalho clínico.
A questão que aparece agora é a seguinte: de onde surge este significado? Ele não
acontece por acaso. Ele brota da estrutura da existência da pessoa. Assim, na perspectiva
fenomenológico-existencial não basta fazer aflorar o fenômeno, é preciso compreender a
estrutura de vida que dá significado a esta vivência. Por isto, “a tarefa principal do terapeuta
existencial no ‘encontro’ é procurar ‘compreender’ o seu cliente, não apenas no que ele
manifesta diretamente por palavras e gestos, mas também no significado, nem sempre claro,
que ele dá à vida e que se revela, de forma ampla, pelo seu próprio modo de ser e de agir”. 25
Desvendar a estrutura de vida que orienta toda vivência da realidade é a segunda etapa da
terapia e que o iniciante deve aprender técnicas que possibilitam desvelar esta realidade. De
uma forma simples podemos dizer que o “núcleo do processo terapêutico-existencial está na
busca de conhecer, compreender, analisar e avaliar o significado das “experiências” e das
“vivências” que o cliente tem no seu envolvimento com o mundo”.26 Cada uma das palavras
ditas acima têm uma importância e um peso teórico que, aqui, no nosso trabalho, não é
possível desenvolver, mas que merece toda uma reflexão posterior. Conhecer, compreender,
analisar e avaliar são verbos que denotam uma ação que deve ser exaustivamente trabalhada. É
o conjunto destas ações e que se caracteriza a análise existencial.
Para terminar este ponto, gostaria de salientar que esse processo de compreensão
de vida não é, de maneira alguma, uma compreensão intelectual mais vivencial. As palavras
de Rúdio confirmam nossa preocupação quando diz: “Para ajudar o cliente a buscar uma vida
sadia e autêntica, o terapeuta (existencial) procura levá-lo a refletir sobre si mesmo de uma
forma existencial”.27
24
RUDIO, V.F., op. cit., p. 130.
25
RUDIO, V.F., op. cit., p. 125.
26
RUDIO, V.F., op. cit., p. 123.
27
RUDIO, V.F., op. cit., p. 122.
22
BIBLIOGRAFIA
RUDIO, F.V. Diálogo maiêutico e psicoterapia existencial. São José dos Campos, Novos
Horizontes Editora, 1998.
VAN DER LEEWW, G. Epílogo do livro "La religion dans son essence et ses manifestations -
phenménologie de la religion". Paris: Payot, 1970, tradução de Erika Lourenço (mimeo).