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) QUALIDADE EM SAÚDE

Helena Gonçalves'
Ivo Domingues"

1. Saúde e doença na vida das pessoas

A entidade dualista saúde-doença

A saúde é um facto r essencial da vida humana, gerador de bem-estar, de capacidade de


trabalho e de felicidade pessoal. No entanto, a doença existe, configurando-se como uma
situação corporal e espiritual exactamente oposta à de saúde.
Nos últimos 100 anos, a saúde tem sido dominada por interpretações de base racional, à luz de
conhecimentos científicos que precisam os entendimentos de saúde por oposição a
anormalidades ou alterações patológicas que constituem a doença. Tem-se procurado, assim,
esclarecer as origens ou causas directas e indirectas do seu aparecimento (genéticas e
ambientais), as formas de propagação e de evolução.
É natural que o espírito humano tenha procurado saber mais, interrogando o que será a saúde,
estado percebido como equilíbrio funcional mais ou menos estável de cada organismo num
meio ambiente geralmente povoado de factores desfavoráveis, e tenha concluído que é mais
correcto estabelecer um conceito de saúde-doença, com graus de manifestação diversos e
variáveis, quer no aspecto físico, quer no psicológico. A Organização Mundial de Saúde - sem
dizer o que é a saúde ou em que consiste - deu dela uma definição conhecida hoje em todo o
mundo, que aponta neste sentido: "saúde é não só a ausência de doença ou enfermidade mas
um estado de completo bem-estar fisico, psiquico, mental, emocional, moral e social".
Existem cinco dimensões indissociáveis, correspondentes a acepções conceptuais que ajudam
a compreender o significado da situação ou entidade dualista saúde-doença, gradativa nas
suas manifestações entre o completo bem-estar e a incapacidade total, tal como se manifesta
na sociedade actual:

a saúde como estado de ausência de doença (concepção médica);


a saúde como ausência de mal-estar e estado de conforto e de sensação de
confiança e segurança pessoal (concepção psico-social);
a saúde como pré-requisito funcional para a manutenção do vigor e do equilíbrio
adaptativo da vida das pessoas e da sociedade (concepção político-legal);
a saúde como factor de importância económica fundamental (concepção
económica).

. Departamento de Ciências da Comunicação do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho.


.. Departamentode Sociologiado Institutode CiênciasSociaisda Universidadedo Minho.
Todas estas dimensões, indissociáveis como antes ficou dito, constituem a trama sobre que se
tecem os discursos em torno dos serviços de saúde, a propósito das práticas e dos
relacionamentos, no seio dos quais proliferam significados socialmente construídos.

Saúde Positiva e Saúde Pública

Para melhor compreensão do fenómeno, importa esclarecer os conceitos de "saúde", "saúde


positiva" e "saúde pública" nas suas relações, quer ao nível dos serviços de saúde
organizados, quer nas acções correntes da prática clínica médica.
Por saúde positiva entende-se o estado do organismo que se aproxima da situação em que
não sofre de doença ou de perturbação não sintomática que conduza à doença, isto é, que
mantém a normalidade do seu equilíbrio funcional, físico e psíquico.
Saúde pública, por sua vez, corresponde a uma preocupação de aplicação dos conhecimentos,
descobertas e possibilidades científicas, educativas e sociais, logo que técnica e
administrativamente utilizáveis, como agentes da melhoria da saúde individual, familiar e da
comunidade, num esforço colectivo e coordenado, assente em serviços de saúde integrados
num sistema de cuidados de saúde. O seu objectivo é conseguir a saúde positiva em mais
larga escala, intensificando as medidas de prevenção, de salubrização do ambiente e de
organização de cuidados de luta contra as doenças conhecidas.
A prática da saúde pública deve, simultaneamente, responder às mudanças ocorridas e ainda
não atendidas, aquelas que vão afectar tanto as condições da vida da sociedade em evolução,
como a percepção da população face aos factores que intervêm positiva e negativamente na
saúde, bem como à amplitude e "riscos que a sua expansão pode tomar. Esta é uma dimensão
fundamental no que diz respeito à política de saúde, para um futuro melhor e mais feliz das
populações. Merece, contudo, um empenhamento aturado e constante que atente na evolução
e mudança contínuas no seio das comunidades. Por isso, de entre as mudanças em curso e
que precisam de ser estudadas e controladas evidenciam-se:

as de natureza demográfica, representadas pelo aumento da população idosa, à


medida que diminui a mortalidade infantil, que cresce a esperança de vida, que se
incentivam as práticas de planeamento familiar, entre outras;
o aumento das exigências relacionadas com o acompanhamento da saúde e da
doença das pessoas, à medida que os problemas da saúde/doença se tornam mais
interdependentes;
o desenvolvimento dos conhecimentos científicos e a força crescente da tecnologia
que constituem fontes de novos problemas para a saúde positiva, mas também
potenciais soluções para a melhorar: a prática dos cuidados médicos tira proveito
das descobertas que vão surgindo, dos contributos das novas tecnologias, da
experiência de organização de serviços progressivamente mais complexos e do
planeamento e gestão dos recursos disponíveis para conseguir mais benefícios e
melhores relações custos/benefícios;
o aparecimento e aumento de vários tipos de doenças - perturbações da saúde
mental, mal-estar e isolamento, violência e acidentes - em paralelo com as doenças
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evitáveis em decréscimo, o que evidencia como o alargamento do investimento e


os novos caminhos na investigação e os planos mais criativos para o
aperfeiçoamento dos sistemas de cuidados de saúde, nascidos da investigação em
saúde pública, se tornam importantes.

Em síntese, a prevenção da doença e a promoção da saúde são objectivos prioritários de um


serviço de saúde pública, que se reclama atento à integração biopsicossocial dos processos de
saúde e de doença e que valoriza a medicina preventiva, sem descurar a sua dimensão
curativa.

Sistemas de Saúde

o desenvolvimento de uma sociedade mede-se pela atenção que lhe merece o bem-estar dos
seus cidadãos. A saúde, no seu entendimento lato de equilibrio nas dimensões biológica,
afectiva e social, é ponto nevrálgico de aferição dessa plena realização de bem-estar humano.
Qualquer sociedade que mereça o epíteto de desenvolvida ou em desenvolvimento precisa,
por isso, de organizar recursos e meios de acção de modo a constituir diversos sistemas,
progressivamente mais complexos e mais interligados, redes de segurança onde se acolham
as práticas humanas e sociais. O sistemas de saúde expressam uma dessas redes, das mais
importantes e vitais. Na sua idealização e concepção, os sistemas de saúde são hoje
compostos de numerosos elementos sectoriais e inter-sectoriais, constituindo conjuntos de
regras e normas para a utilização dos recursos reunidos com a finalidade de conseguir mais
saúde para a população e lutar mais eficazmente contra a doença.

2. COMO SE DEFINE A QUALIDADE DOS SERViÇOS DE SAÚDE

O que é a qualidade

Esta é questão muito simples mas não tem resposta fácil. Propomos começar pela análise de
algumas definições da qualidade para depois ensaiarmos um sentido para a qualidade nos
serviços públicos da saúde.
A qualidade pode ser concebida como "aptidão (adquirida) para o uso", considerando as
características de produto que satisfazem as necessidades dos clientes e ausência de
deficiências (Juran, 1990:16-17). Esta perspectiva focaliza os processos internos da
organização e assenta na clarificação das competências e responsabilidades de operadores e
supervisores, os quais têm de conhecer organigramas, procedimentos e instruções de trabalho,
mas não necessitam de conhecer profundamente as necessidades dos clientes externos e
internos. Procura a definição de responsabilidades dos participantes na organização, mas não
a responsabilidade da organização para com os seus clientes, o mercado e a sociedade.
Privilegia a elevada produção com poucos desperdícios, a correcta rotulagem e identificação, a
protecção dos produtos armazenados contra a degradação, a facilidade de manuseamento e

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deslocação. Destina-se a organizações industriais e comerciais e, à primeira vista, parece dizer
pouco às organizações de serviços públicos.
A qualidade pode ser definida como "conformidade com os requisitos. devidamente
esclarecidos e continuamente medidos (Cosby, 1980:15). Esta é perspectiva muito virada para
o interior da organização e seus processos, desvalorizando os clientes como fontes de
requisitos. Estes são vistos apenas como consumidores que devem ser informados e educados
para fazerem bom uso de produtos e serviços, que devem poder apresentar os seus problemas
através de meios de contacto rápido, reduzindo a sua insatisfação, e a quem se deve satisfazer
corrigindo os problemas tão depressa quanto possível.
Outra definição coloca no centro da qualidade os consumidores, defendendo que "o
consumidor é a parte mais importante da linha de produção" (Deming, 1988:5), que "o modo
de deleitar o cliente é determinar as suas necessidades e depois trabalhar duro para criar os
requisitos necessários para ir de encontro àquelas necessidades" (Crosby, 1996:42) e que
"explicitar até onde for possível a identificação de todos os requisitos dos consumidores é um
ponto de partida fundamental para o efectivo controlo da qualidade" (Feigenbaum, 1991:8).
Entre os diferentes objectos que podem ser tomados como pontos de partida para a definição
da qualidade de uma organização - produto, produção, valor acrescentado e consumidor -
esta perspectiva prefere tomar o consumidor como fonte de orientações normativas para a
qualidade, propondo que as suas necessidades, desejos e expectativas sejam tomadas como
fontes de especificação dos requisitos dos produtos e da definição da política operacional da
qualidade. Na medida em que coloca o ponto de partida para pensar a qualidade nos clientes,
cujas necessidades são a razão de ser de toda a organização, ela pode servir a todo o tipo de
organizações, independentemente da sua dimensão ou natureza.
As organizações de serviços públicos podem beneficiar em proporções diferentes de todas as
definições aqui apresentadas, mas não podem adoptar nenhuma destas definições em
exclusivo, porque elas não contemplam algumas importantes peculiaridades: os centros de
formulação estratégica do serviço estão localizados fora dos centros de saúde e estes
exercem a sua actividade em regime de quase monopólio. Estas condições reduzem as
possibilidades de adaptação criativa daqueles que melhor conhecem as necessidades dos
utentes e tornam menos necessária a satisfação dos clientes como condição da sobrevivência
organizacional. Não contemplam, ainda, alguns aspectos que são específicos das
organizações de serviço. Nestas, o factor humano é ainda mais importante do que nas
organizações doutra natureza, tornando muito importantes para a qualidade factores difíceis
de gerir, como a motivação para o desempenho das tarefas e a satisfação com o trabalho
realizado. Razões pelas quais uma definição da qualidade adequada aos serviços públicos da
saúde deve contemplar a satisfação das pessoas responsáveis pelo sistema e integradas em
organismos do poder central e das pessoas responsáveis pela gestão e prestação local do
serviço, mantendo sempre na linha do horizonte as aspirações dos utentes - clientes.
Poderíamos representar esta articulação de interesses através de círculos que se interceptam,
desenhando os espaços de encontro e desencontro:

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Os responsáveis pelo sistema da saúde assentam a sua satisfação na rendibilidade dos
serviços, na obtenção de taxas desejadas de salubridade e morbilidade, na prestação de
cuidados de saúde geradores de satisfação aos utentes. Os profissionais da saúde recolhem a
sua satisfação da avaliação positiva do seu desempenho, sobretudo por parte dos superiores
hierárquicos, da aproximação dos doentes ao perfil ideal de paciente, do reconhecimento do
seu empenho por parte dos utentes, dos vencimentos auferidos, das condições materiais dos
centros de saúde, do prestígio social atribuído à sua profissão. Os utentes criam a sua
satisfação a partir da marcação desejada e atempada de consultas, da realização das
consultas no período previsto, da atenção que merecem a todo o pessoal da saúde, das
condições materiais dos centros.
Estes critérios não são comuns, pois eles são escolhidos segundo racionalidades distintas: a
racionalidade política, no caso do poder central, a racionalidade operativa, no caso dos centros
de saúde, e a racionalidade de consumo, no caso dos utentes. Existem critérios partilhados: as
taxas desejadas de salubridade e morbalidade podem ser comuns ao estado e aos centros de
saúde; as condições materiais das instalações serão comuns ao pessoal da saúde e aos
utentes. Mas também existem critérios aparentemente inconciliáveis: os vencimentos separam
os profissionais da saúde dos responsáveis pelo sistema da saúde; as formas de tratamento
separam os utentes dos administrativos e o horário das consultas separa-os dos médicos.
É nesta desencontrada trama de critérios que se tecem as definições sociais da qualidade.
Dizemo-Ias sociais porque são construídas através dele nas conversas com outros e porque
recorrem a sinais recolhidos a partir da experiência pessoal e aos quais atribuem significados.
Os factores recenseados e outros que ficaram por recensear são organizados segundo uma
hierarquia pessoal de preferências, mas todos são importantes na medida em que um requisito
intensamente avaliado carreia para outros o sentido positivo ou negativo da sua avaliação
(efeito de pigmaleão).

Quem avalia a qualidade

A avaliação da gestão do sistema da qualidade e das práticas da qualidade implica juízos. A


qualidade nas organizações de serviços públicos são sujeitas aos mais diversos,
descentralizados, incontrolados e incertos juízos. Estes são produzidos por todos aqueles que
participam nos processos (médicos, enfermeiros, administrativos, auxiliares, coordenadores,
directores locais, directores regionais, directores gerais, utentes, ministro, secretário de estado,

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líderes partidários, deputados, presidentes de câmara), e têm diferente natureza, variando
entre juízos políticos, juízos económicos, juízos técnicos e juízos morais. Cada qual aprecia a
realidade de acordo com as suas habilidades e susceptibilidades e o resultado da avaliação da
qualidade surge da conjugação destas diferentes perspectivas que tanto podem ser próximas
ou convergentes como distantes ou divergentes.
Todos gozam de poder para produzir e emitir esses juízos e usam diferentes canais para os
comunicar. Alguns circulam nos jornais, outros nos canais de comunicação organizacionais,
uns são vertidos em discurso escrito, outros andam de boca em boca. Embora todos sejam
importantes, na medida em que emprestam à qualidade do serviço leituras sociais possíveis,
integradas nos processos sociais de construção de opinião pública, eles têm de ser tratados
em escalas diferentes. Aqui, a opinião das pessoas que integram o corpo profissional,
prestadores do serviço, a opinião dos utentes, seus destinatários e consumidores, e a opinião
dos responsáveis pelo sistema nacional de saúde gozam de maior importância.

3. INDICADORES DA QUALIDADE DO SERViÇO

A avaliação da qualidade de um serviço implica a adopção de critérios que permitam organizar


a apreciação e os juízos emitidos por quem detém o poder de avaliar. Os critérios de análise do
funcionamento do serviço podem ser de natureza quantitativa e qualitativa, interna e externa à
consciência dos prestadores e usufruidores do serviço.

Satisfação dos utentes

Se adoptarmos a perspectiva de que o serviço existe para dar resposta às necessidades de


saúde dos cidadãos, a avaliação que estes fazem constitui critério da maior importância.
Contudo, o grau da sua satisfação tem que ser prudentemente tomado como indicador de
funcionamento do serviço. Por um lado, existem necessidades dos pacientes que são
exageradas pelos seus medos ou interesses mais egoístas que nem sempre os profissionais
podem ou devem satisfazer, como acontece quando eles procuram "baixas" injustifcadas ou
pedem receitas sem diagnóstico e exames desnecessários. Por outro lado, eles nem sempre
revelam a sua insatisfação por presumirem que o sistema é irremediavelmente ineficiente ou
por receio de represálias dos visados na reclamação.
O tempo de espera pela consulta é o factor revelado que mais negativamente afecta a
satisfação dos utentes. Estes dizem aplicar, na maior parte dos casos, entre uma e duas horas
de espera pela consulta médica, enquanto esperam menos de uma hora pela consulta de
enfermagem. Esta diferença poder-se-á dever à permanência mais ou menos constante dos
enfermeiros, o que não acontece com os médicos. Alguns dos utentes dizem dispensar uma
manhã inteira na obtenção de uma consulta, o que se pode dever a atraso ou mesmo falta do
médico, mas também aos horários dos transportes públicos que usam ou à procura de uma
consulta não marcada. A insatisfação com o tempo de espera pode ter causas nem sempre
atribuíveis aos serviços. E ainda é de supor que os utentes mais intransigentes com o tempo
de espera sejam aqueles que menos doentes estão e que buscam uma desejada receita. O

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não cumprimento de horários cria muita incerteza no serviço, o que nem sempre é possível
antecipar ou resolver, mesmo quando o médico avisa que faltará às consultas, pois nem
sempre é possível avisar os doentes por telefone. Aos que chegam, responde-se com a
possibilidade de emissão de documento para poderem ser consultados no SAP para escapar à
expressão de vivos descontentamentos.
Outro aspecto que igualmente provoca insatisfação é o tratamento concedido pelos
administrativos. A relação entre utentes e administrativos é frequentemente mais tensa porque
aqueles Ihes atribuem um status social menor, podendo dar lugar a interacções sociais mais
agressivas, porque os administrativos não sabem ou não podem entrincheirar-se por detrás de
uma estratégia de proximidade distante, simultaneamente atenta e focalizada nos problemas
dos utentes que procuram compreender e resolver, e marcadamente segura e distante para
não permitir incursões injustas ou ilegítimas. Há casos em que os administrativos precisam de
lembrar aos utentes que também necessitam de um intervalo para comer e descansar tal como
eles nos seus postos de trabalho e quando se fecham no quarto de banho para beneficiar
desse tempo há quem Ihes chegue a bater à porta, solicitando informações ou o regresso ao
guichet. As queixas sobre as suas práticas sobem de intensidade quando não marcam a
consulta para a hora pretendida, sendo frequentemente acusados de guardar as melhores
horas para os "amigos".

Reclamações dos utentes

A reclamação é expressão pública da insatisfação do usufruidor do serviço prestado e


consumido. Nas organizações centradas nos clientes e que buscam na qualidade do serviço
factor de diferenciação e sucesso, as reclamações são levadas muito a sério e tomadas como
importante fonte de informação para análise e melhoria das práticas, enquanto nas
organizações centradas nos processos e nos prestadores do serviço aquelas são pouco
valorizadas e, se possível, evitadas para não tornar públicas as práticas consideradas pelos
consumidores como desajustadas.
A maior parte dos frequentadores dos centros de saúde já sentiu vontade de reclamar pelo
modo como foi tratado. As causas da sua insatisfação relacionam-se, sobretudo, com o tempo
de espera pela consulta médica e o atendimento prestado pelos funcionários administrativos,
mas a "negligência médica" também revela significativa expressão. As reclamações
apresentadas parecem gozar de alguma consistência pois, perante a crença "a maior parte das
reclamações dos utentes é desprovida de razão", grande parte dos profissionais de saúde
prefere incluir-se na categoria "sem opinião", e os restantes repartem-se de forma quase igual
entre a concordância e a discordância. O significativo número daqueles que não possuem
opinião formada sobre a consistência das reclamações tanto pode revelar a pouca importância
que Ihes atribuem enquanto indicador da qualidade do serviço e oportunidade para melhorar
este, quanto a ausência de informação sobre o resultado da análise e tratamento daquelas.
O conteúdo das reclamações dos utentes tem elevado valor para as práticas de gestão dos
serviços prestados nos centros. A recepção e tratamento de reclamações constitui instrumento
de controlo da qualidade do serviço, explorando os efeitos do olho panóptico, permitindo
colocar todos em estado de consciente e permanente visibilidade, criar uma relação de poder

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perfeita que dispensa a actualização do seu exercício e é independente de quem o exerce,
fazer com que a vigilância seja permanente nos seus efeitos mesmo quando é descontínua na
sua prática (Foucault, 1986:177). Todavia, a sua eficácia é muito limitada porque os utentes
não reclamam sempre que se sentem insatisfeitos e as suas reclamações são muito limitadas
no conteúdo.

As reclamações produzidas, por via oral e escrita, dizem respeito à actuação de todos mas são
os médicos quem mais reclamações colhe, sobretudo por causa do não cumprimento de
horários, mas também a recusa em passar aspirada baixa ou prescrever a desejada receita, ou
seja, as reclamações dirigem-se mais para os comportamentos de relação do que para os
comportamentos de tarefa, constituindo limitado indicador da qualidade do serviço. E, aqui, um
bom atendimento administrativo contribui extraordinariamente para a satisfação dos utentes e
redução do seu descontentamento. Aqueles valorizam muito a disponibilidade dos médicos
para os atender sempre que necessário e que os administrativos sejam seus aliados na
concretização desse objectivo. Nos guichets ouve-se frequentemente dizer "Ainda morro antes
de ter a consulta". Os utentes vêem os administrativos como sujeitos dotados de significativo
poder, pois são eles quem marca e ainda podem informar sobre os locais onde fazer os
exames e sobre isenções da taxa moderadora. Por isso, quando eles vivem na povoação os
presenteiam com 'mimos da terra' para Ihes franquearem a passagem e permitirem a desejada
consulta.
A maior parte dos utentes não efectuou reclamação escrita. Alegam, sobretudo, que não
valeria a pena, pois ninguém Ihes iria dar continuidade, mas também admitem que receavam
aborrecimentos devido à reacção das pessoas visadas, materializadas em atendimentos
menos simpáticos, dificuldade na marcação de consultas, resistência em prescrever os
medicamentos ou exames desejados. Ainda alegam que não saberiam como fazer a
reclamação, revelando a pouca familiaridade com os registos escritos e o desconhecimento do
procedimento relativo às reclamações. Na verdade, eles reclamam mas fazem-no oralmente e
junto dos funcionários administrativos, mais acessíveis ao diálogo e menos distantes
socialmente. A ausência de reclamações escritas não reflecte a satisfação dos utentes com o
serviço. De resto, confrontadas com a crença de que, na generalidade, os utentes estão
satisfeitos com o serviço de saúde prestado, a opinião concordante tem apenas ligeira
preferência face à opinião discordante.

Fluxos dos serviços

Os movimentos registados do serviço permitem importante informação para a sua avaliação.


Contudo, eles devem ser tomados com muito cuidado, pois podem reflectir cursos ambíguos e
tendências contraditórias.

Frequência do recurso a testes, exames e receitas. Esta pode ser tomada como indicador

do investimento público nos cuidados de saúde, seja para prevenir a doença, para
complementar diagnósticos ou para curar. Todavia, também pode reflectir estratégias de
médicos: a necessidade de defesa face à possibilidade de virem a ser acusados de negligência
médica; a demissão no esclarecimento aos utentes da inutilidade ou mesmo inoportunidade

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daquilo que solicitam, permitindo evitar interacções mais conflituosas e acelerar o tempo
aplicado na execução das consultas. É possível que os médicos que exercem clínica privada
tenham maior tendência para a prescrição de receitas e exames solicitados pelos utentes,
melhorando a sua identidade social e colhendo a estima dos utentes. O investimento em meios
de prevenção, diagnóstico e terapia tanto podem revelar a actuação de acordo com
procedimentos como práticas não conformes.

Frequência dos centros pelos pacientes. A população de doentes sob observação médica,
distribuída por sexo, idade, residência, estilos de vida e frequência dos serviços revela a
capacidade instalada para prestar cuidados de saúde e a procura social dos mesmos. Contudo,
estas variáveis tanto podem reflectir os cuidados preventivos da saúde praticados pelas
populações como a eficiência dos cuidados curativos prestados nos centros, sendo difícil
atribuir a cada um a importância que tem nesse fenómeno. É opinião partilhada entre os
profissionais de saúde que também aqui se verifica o princípio de Pareto: 80% dos cuidados
são solicitados por 20% dos utentes.

Mudança de médico. A opção por outro médico de família pode ter diversas causas: mudança
de serviço por parte do médico, mudança de residência por parte do utente, substituição de
consulta não realizada por falta do médico, realização de consulta não programada nem
marcada mas considerada urgente, desagrado com o atendimento prestado pelo médico. A
análise destas mudanças pode constituir interessante indicador da qualidade do serviço desde
que as suas causas sejam bem determinadas. Todavia, a sua interpretação exige sempre a
complementaridade de outros dados porque se há utentes que mudam de médico devido a
insatisfação provocada pela sua irregular assiduidade ou atendimentos julgados ineficientes,
também é verdade que alguns são capazes de mudar porque aquele não prescreveu o que
pretendia, considerando a pretensão injustificada.

Custo financeiro do funcionamento de cada centro de saúde. Os custos de funcionamento


de cada centro de saúde para servir os seus utentes, quando cruzado com a dimensão da
população que serve, a quantidade de consultas ministradas, condições de salubridade e
morbilidade, pode constituir interessante indicador de eficiência. Porém, os números não
reflectem apenas as práticas médicas e as práticas de gestão dos centros pois também
revelam as práticas sociais da saúde que, se podem ser influenciadas pela intervenção médica
e pedagógica, são ainda mais influenciados pelas práticas habituais que as pessoas têm
tendência a recursivamente reproduzir na monitorização quotidiana da sua actividade prática.

4. OBSTÁCULOS À QUALIDADE

Resistência à alteração das práticas sociais da saúde

A filosofia da medicina preventiva e da promoção da saúde assume que a saúde das pessoas
depende de equilíbrios determinados por factores físicos, psíquicos e sociais. Os cidadãos
tardam em adaptar práticas de medicina preventiva através da alteração de hábitos alimentares
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considerados menos adequados, adopção de práticas de actividade física. As acções de
sensibilização revelam-se insuficientes e de limitado sucesso, as regras formais são pouco
flexíveis e dificultam a adaptação dos meios e mensagens às especificidades locais, enquanto
médicos e enfermeiros não dão a este assunto a merecida importância nas suas práticas
diárias, agindo como prescritores e pedagogos.
A maior parte dos profissionais de saúde defende que os utentes são tão responsáveis pela
sua saúde quanto o serviço público de saúde, mas esta representação não se reflecte nas
práticas dos cidadãos. A desejada alteração de comportamentos é muito difícil e os
profissionais da saúde consideram mesmo que educar os utentes para a saúde e ensinar
medidas preventivas da doença é a tarefa mais difícil de concretizar pelos médicos e
enfermeiros no seu trabalho quotidiano. A maior parte do pessoal da saúde considera que os
utentes recorrem excessivamente aos serviços dos centos de saúde, agravando as condições
de prestação do serviço. Fala-se mesmo de consumismo, com a carga de desvalorização do
serviço que essa atitude denuncia e também constrói.
A maioria dos utentes considera que não se deve ir ao médico por tudo e por nada, apenas
quando a razão é consistente e justificada, mas esta opinião nem sempre influencia as suas
práticas. A exagerada procura dos serviços médicos dever-se-á a factores físicos mas também
afectivos. Para os mais velhos e desocupados, a deslocação ao centro permite-Ihes alterar a
contextualidade das suas práticas quotidianas, estabelecer conversas com outros pacientes e
com os profissionais da saúde, dissipar incómodos medos despertados quando um vizinho vai
fazer adoece ou morre, restabelecer equilíbrios psicossomáticos, reforçar os sentimentos de
segurança ontológica. Talvez isso permita explicar as razões pelas quais, muitas vezes, não
levantam os exames solicitados nem respeitam a prescrição proposta.

Resistência à mudança de práticas profissionais da saúde

o absentismo médico, o não cumprimento de horários, é por todos comentado e constitui a


maior fonte de reclamações. Todavia, alguns médicos consideram esse comportamento como
normal e dificilmente reconhecem aos responsáveis pelos centros poder para os repreender.
Em muitos casos gozam da cumplicidade dos administrativos que Ihes não marcam faltas e
produzem explicações legitimadoras das faltas perante os utentes e mesmo perante os
directores dos centros. As faltas ao serviço ou não cumprimento de horários permite-Ihes,
nalguns casos, investir mais tempo na sua actividade privada, muitas vezes desenvolvida na
própria área de influência dos centros, noutros casos permite reproduzir a posição social
marcada por maior autonomia e poder de arbítrio traduzida na menor sujeição às regras e aos
limites de espaços e tempos reveladora das posições sociais na organização, materializadas
no acesso e uso que se pode fazer das regras e recursos materiais e simbólicos disponíveis.
Em ambos os casos, a visão do utente como cliente e razão de ser dos serviços sai
enfraquecida.
Algumas investidas de directores de centros de saúde para pôr cobro a situações desta
natureza, conhecem desfechos menos felizes, desmotivadores e frustrantes. São conhecidos
relatos de directores que iniciam processos para disciplinar algumas práticas, em casos
extremos e de muita visibilidade, que vêem toda a sua coragem derrubada face ao arquivo

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daqueles. Fica claro para toda a gente que foram movidas influências e que a improcedência
do processo assenta em justificações fraudulentas. Mas há figuras em que se não pode "tocar"
e fala-se em "falta de tacto" e inoportunidade de actuação. Há práticas de comunicação
desconexas que aumentam a incerteza das tecnologias e enfraquecem a eficácia dos serviços.
Boa parte dos profissionais da saúde reconhece haver problemas na comunicação interna
entre médicos e enfermeiros, entre médicos e administrativos e entre estes e os enfermeiros.
Um bom sistema da qualidade é, essencialmente, um bom sistema de comunicação e falhar na
produção e disponibilização de dados é planear não comunicar. Há médicos que não fazem
cuidados registos clínicos, que menosprezam todo esse campo de recolha e arquivo de dados,
não construindo a informação com a sua equipa, desvalorizando claramente essa dimensão da
sua actividade. Alguns chegam mesmo a não fazer um único registo ao longo de toda a sua
carreira e quando instados por superiores para preencher fichas estatísticas resistem,
desvalorizando essa actividade, acusando-a de fazer perder tempo face à sua verdadeira
função, a de acompanhar os doentes. Os enfermeiros sofrem a falta de reconhecimento do seu
estatuto por parte dos utentes e, nalguns casos, por parte dos próprios médicos. A falta de
reconhecimento cria algum desentendimento e desmotivação, afectando o seu envolvimento e
enfraquecendo o seu contributo para o desejável trabalho de equipa. Há administrativos que se
demitem das suas funções. Constituindo o primeiro e decisivo degrau de acessibilidade dos
centros de saúde dão o tom à permanência e passagem dos utentes pelo centro, sendo
reconhecido por todos que um bom atendimento administrativo resolve grande parte dos
problemas. Eles são pedra de toque no bom funcionamento do serviço. Porém, muito expostos
aos utentes, nalguns casos objecto de críticas, incapazes perante incumprimentos de outros
profissionais, demitem-se das suas responsabilidades e desvalorizam a sua própria função,
não dialogando com os utentes, franqueando as portas de consultórios e salas de tratamento.
Deixando passar os utentes a barreira onde deveria ocorrer o acolhimento e encaminhamento,
dão lugar aos atropelos junto dos enfermeiros e dos médicos, a situações de equidade
duvidosa e a ambientes de desconforto e a não conformidades com o funcionamento do
serviço.
A ausência de uma missão organizacional comum que oriente e estruture as práticas diárias da
saúde afecta negativamente a qualidade dos serviços. A sua existência permitiria suportar a
consequente definição da estratégia organizacional dos centros de saúde, organizadora e
subordinadora das práticas individuais. Ela permitiria articular os objectivos políticos para a
saúde com as necessidades locais das populações e as capacidades humanas e recursos
normativos e técnicos existentes nos centros. Sem esse sentido de missão que define e
oferece os fins à acção não pode haver sucesso da qualidade nos serviços de saúde. Esta
alteração não se instituirá por decreto mas por alteração das contextualidades da acção e pela
reinvenção das práticas da qualidade e da gestão organizacional. Nas organizações sem
estratégia de serviço proliferam e dominam as estratégias individuais.
É muito mais fácil alterar procedimentos, formas previstas de agir, do que alterar
comportamentos rotinizados, recursivamente reproduzidos na actividade diária. Por isso, a
mudança de comportamentos tem de ser tratada com muita consistência, ao nível das atitudes,
e a melhoria das práticas da qualidade tem de ser reforçada pela formação, formação e
formação. Contudo, a maior parte do pessoal da saúde admite que há pessoas que só

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participam nas acções de formação quando são obrigadas e outras que só participam para
serem bem vistas pelos superiores hierárquicos. A criação de mecanismos da melhoria
permanente da qualidade do serviço beneficia da mudança da representação social acerca da
formação e da substituição de critérios de satisfação acerca do profissionalismo. Esta desejável
mudança terá nos mecanismos de promoção na carreira, mais assentes em critérios
burocráticos que privilegiam o tempo de exercício profissional do que em critérios de
desempenho profissional, obstáculo a contornar.

Individualismo profissional

As organizações possuem espaços e tempos vocacionados ou aproveitados para estabelecer


conversas que compensam a rigidez dos canais formais de comunicação. Contudo, nos
centros de saúde, a conversa entre os seus membros, propiciadora de troca de dados e
informações, melhoria do conhecimento recíproco e da valorização do conhecimento técnico
quase não se faz. Os intervalos para café proporcionam momentos não aproveitados para as
interacções verbais organizadas em torno de preocupações profissionais e as reuniões formais,
sujeitas a ordens de trabalho muito diversificadas, quase sempre se resumem ao problema da
programação das consultas. Existe pouco diálogo entre os profissionais da saúde,
entrincheirados nas suas especializações e resguardados nas suas áreas profissionais
cuidadosamente vigiadas, e que às vezes parecem recear que a apresentação de dúvidas
pode significar manifestação de ignorância. Também existe insuficiente sentido de
interdependência das práticas, pois a não prestação do serviço internamente solicitado
constitui um dos traços mais marcante da actividade diária. Eles estão em equipa mas não
trabalham em equipa.
Este individualismo profissional, próprio de organizações onde a hierarquia social assenta na
especialização do conhecimento e na desigual partilha de informação, enfraquece a
compreensão dos problemas do doente, dificulta a actividade dos gestores dos centros que
mais dificilmente podem usar os canais informais para auscultar, informar e decidir, enfraquece
o sentido de equipa multifuncional que, através da participação activa e convergente, permite
aumentar a eficiência dos serviços.
O individualismo profissional é estimulado pela diversidade de especialidades e conhecimentos
e é reforçado pelas práticas de gestão incapazes de criar identidades corporativas fortes e
sentidos de missão organizacional assentes na partilha de perspectivas e crenças e na
articulação de práticas activas e convergentes. O sistema de comunicação organizacional
facilita esta desarticulação pois, quando comentam o relacionamento entre o pessoal nos
centros de saúde, os profissionais atribuem à eficácia dos canais de informação existentes nota
muito baixa e a mais baixa de todas.

Resistência à adopção da perspectiva do cliente

Todos os membros de uma organização são simultaneamente fornecedores, processadores e


clientes. Esta conceptualização das relações profissionais implica profunda alteração das
representações sociais acerca da eficácia organizacional e pessoal, das posições e hierarquias

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sociais. O serviço deve ser concebido como processo e cada processo deve ser visto como
sequência de fases articuladas pela relação entre clientes e fornecedores, pois cada fase tem
um consumidor situado na fase seguinte que vai acrescentar valor ao produto recebido. Nas
cadeias de valor assim definidas, os médicos continuarão a ter a maior importância, mas os
demais profissionais vêem acrescida a sua importância nos processos de prestação de
cuidados de saúde.

As práticas da qualidade também são influenciadas pelas hierarquias de status que introduzem
critérios de conduta socialmente aceites, mas não considerados na gestão do sistema da
qualidade. O tempo de desempenho da profissão e o tempo de permanência no serviço são
mais importantes do que a competência na organização das interacções sociais entre
profissionais. A importância das hierarquias de status na estruturação da ordem social dificulta
a implementação de relações de trabalho assentes no princIpio de que todos são fornecedores
e clientes internos e deixa pouco espaço para a eficiente execução do controlo da qualidade.
Este individualismo profissional parece ser maior entre os médicos do que entre os
enfermeiros, os administrativos e os auxiliares, onde a atenção ao trabalho dos colegas é
maior. Agindo em tempos-espaços onde gozam de maior autonomia, os médicos também
parecem ser aqueles que menos cumprem os procedimentos previstos e menos se envolvem
na melhoria da qualidade. Na perspectiva acima defendida, os comportamentos de operação
são integrados em processos e, por isso, também são comportamentos de relação. Não se
defende aqui o incondicional respeito pelos procedimentos formais porque estes às vezes
existem para as organizações parecerem ser o que não são e porque outras vezes não são os
melhores guias de decisão em situações de incerteza, mas sim que todos os requisitos
essenciais devem ser formalizados e controlados e todas as e operações fundamentais
formalizadas e auditadas.

Os consumidores dos serviços de saúde são mais vistos como utentes de um serviço público
que Ihes é gratuitamente disponibilizado do que como clientes de um serviço público que prévia
e indirectamente pagam. Por isso, os atrasos ou faltas cometidas por alguns médicos não são
por estes vistas como prejudiciais aos utentes ou, pelo menos, não receiam ser por isso
penalizados, e a pouca atenção posta pelos administrativos na prestação de informações e no
tratamento verbal concedido aos utentes pode também ser lida nesta perspectiva. A melhoria
das práticas da qualidade exige esta mudança de representação, permitindo aos centros
focalizarem-se nas necessidades das populações que servem, filtradas por critérios de
necessidade, adequação e exequibilidade.
Igual representação partilham os utentes, muitas vezes traduzida em múltiplas exigências
suportadas em todos os direitos, mas que não reconhece deveres. A desvalorização que
impera relativamente ao serviço nacional de saúde é, em larga medida, devida ao facto de este
ser gratuito, desencadeando um consumismo desenfreado por parte de uns tantos, impeditivo
da fruição pela grande maioria. Resulta de muita desinformação, facto a que os media não são
alheios, na sua preocupação com o sensacionalismo do insólito e a manifesta indiferença pelo
quotidiano, sem estória, que não cumpre os critérios de noticiabilidade. É assim que são
largamente noticiados os conflitos laborais, ou as espectaculares intervenções cirúrgicas, e
completamente ignorada a actividade diária de bons serviços de saúde que se prestam às
comunidades.

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Frágil controlo da qualidade

A prestação de serviços com qualidade é uma responsabilidade social do Estado concretizada


pelos centros de saúde. Mas esta noção de serviço à comunidade é enfraquecida por
objectivos pessoais e intenções situadas que diariamente marcam a conduta dos profissionais
da saúde e dos clientes. A realização dos fins sociais a que se propõem os centros de saúde
carece do controlo da qualidade que permite prevenir e corrigir práticas da não qualidade e
instituir e reforçar práticas da qualidade.
Parte desse controlo está descentralizado nos locais da prestação de serviço. É o caso do
controlo da assiduidade e consequente cobertura das necessidades. O cumprimento dos
horários parece variar na proporção inversa da posição social desfrutada. É privilégio dos
médicos, reproduzido nas práticas diárias, favorecido por estratégias de controlo orientadas
para a omissão que tornam a sua prática administrativamente invisível e por estratégias de
reclamação orientadas para a apresentação oral do descontentamento junto dos
administrativos, aqueles que devem fazer esse controlo. Não o fazem perante os médicos para
neles não despertar sentimentos de animosidade traduzidos em atendimento menos atencioso.
Outra parte está centralizada e é frequente a constatação da impossibilidade de gerar e gerir
qualidade no seio de um sistema que é sentido e representado como defeituoso e gerador de
não conformidades, a ditar e pautar um quotidiano carregado de frustrações que originam
muita desmotivação. Ouvíamos a um médico o seguinte desabafo a propósito de
remunerações: " eles não pagam mais aos médicos com exclusividade para que trabalhem
mais e melhor, mas para não trabalharem". A propósito do tratamento das poucas reclamações
formais existentes, comenta-se. a resposta política que recebe, da parte da administração
central, muito longe no tempo e no espaço do local da falta. Quando são os directores dos
centros a desencadear averiguações e a pedir responsabilidades, não raro os casos abortam,
porque há sempre atenuantes e desculpas. Às vezes é o denunciante que aparece
recriminado.
A incerteza da tecnologia de controlo de desempenho, ao permitir práticas não conformes bem
sucedidas, reforça as condições para a reprodução do individualismo profissional enquanto
orientação normativa para as práticas da saúde.

5. Um sentido para a melhoria da qualidade em saúde

A imagem actual do serviço público de saúde não é de modo nenhum a pretendida e reina
grande confusão quanto aos valores e características que hão-de pautar as práticas de
qualidade do serviço de saúde, para satisfação de todos. É frequentemente comentada a
desinformação, a desmotivação e alguma desconfiança que se vive no seu seio, o sistema
nacional que envolve toda a sociedade. Muito criticada e mal amada por todos, profissionais e
utentes.

No que diz respeito aos utentes, é consensual o diagnóstico que aponta para a sua deficiente
informação e, consequentemente, ausência de educação no que concerne à gestão da própria
saúde, à valorização dos serviços públicos de saúde, à sua correcta utilização. A "má
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Frágil controlo da qualidade

A prestação de serviços com qualidade é uma responsabilidade social do Estado concretizada


pelos centros de saúde. Mas esta noção de serviço à comunidade é enfraquecida por
objectivos pessoais e intenções situadas que diariamente marcam a conduta dos profissionais
da saúde e dos clientes. A realização dos fins sociais a que se propõem os centros de saúde
carece do controlo da qualidade que permite prevenir e corrigir práticas da não qualidade e
instituir e reforçar práticas da qualidade.
Parte desse controlo está descentralizado nos locais da prestação de serviço. É o caso do
controlo da assiduidade e consequente cobertura das necessidades. O cumprimento dos
horários parece variar na proporção inversa da posição social desfrutada. É privilégio dos
médicos, reproduzido nas práticas diárias, favorecido por estratégias de controlo orientadas
para a omissão que tornam a sua prática administrativamente invisível e por estratégias de
reclamação orientadas para a apresentação oral do descontentamento junto dos
administrativos, aqueles que devem fazer esse controlo. Não o fazem perante os médicos para
neles não despertar sentimentos de animosidade traduzidos em atendimento menos atencioso.
Outra parte está centralizada e é frequente a constatação da impossibilidade de gerar e gerir
qualidade no seio de um sistema que é sentido e representado como defeituoso e gerador de
não conformidades, a ditar e pautar um quotidiano carregado de frustrações que originam
muita desmotivação. Ouvíamos a um médico o seguinte desabafo a propósito de
remunerações: " eles não pagam mais aos médicos com exclusividade para que trabalhem
mais e melhor, mas para não trabalharem". A propósito do tratamento das poucas reclamações
formais existentes, comenta-se. a resposta política que recebe, da parte da administração
central, muito longe no tempo e no espaço do local da falta. Quando são os directores dos
centros a desencadear averiguações e a pedir responsabilidades, não raro os casos abortam,
porque há sempre atenuantes e desculpas. Às vezes é o denunciante que aparece
recriminado.
A incerteza da tecnologia de controlo de desempenho, ao permitir práticas não conformes bem
sucedidas, reforça as condições para a reprodução do individualismo profissional enquanto
orientação normativa para as práticas da saúde.

5. Um sentido para a melhoria da qualidade em saúde

A imagem actual do serviço público de saúde não é de modo nenhum a pretendida e reina
grande confusão quanto aos valores e características que hão-de pautar as práticas de
qualidade do serviço de saúde, para satisfação de todos. É frequentemente comentada a
desinformação, a desmotivação e alguma desconfiança que se vive no seu seio, o sistema
nacional que envolve toda a sociedade. Muito criticada e mal amada por todos, profissionais e
utentes.

No que diz respeito aos utentes, é consensual o diagnóstico que aponta para a sua deficiente
informação e, consequentemente, ausência de educação no que concerne à gestão da própria
saúde, à valorização dos serviços públicos de saúde, à sua correcta utilização. A "má
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informação" é responsável pelo relacionamento com os serviços onde impera a cultura de
todos os direitos, num clima de exigência que ignora esferas de competência e não conhece
deveres.

Relativamente aos profissionais, o exercício pauta-se por alguma indiferente e rotineira


colaboração com um sistema sem rosto, onde não é estimulante dar o seu melhor, porque não
há avaliação, reconhecimento ou recompensa.
Alguns dados usados nesta reflexão foram colhidos num estudo de caso, geográfica e
temporalmente situado, mas são suficientemente "humanos" o que Ihes garante, em nosso
entender, universalidade e intemporalidade. Baseados neles, é possível ousar algumas
hipóteses de funcionamento, colocando dados em perspectiva para a construção de um
sistema de melhoria da qualidade, gerador de satisfação, para ganhar a grande aposta da
humanização.
Apoiados nos teóricos da qualidade, é nossa crença que a insatisfação reinante no sector da
saúde, indicador de falta de qualidade e a requerer reflexão e intervenção, tem na base
questões de cultura e comunicação. Em primeiro lugar, porque a sua missão e filosofia não é
corporizada em valores explicitados e feitos cultura corporativa dos agentes envolvidos.
Depois, porque se apresenta como uma imposição de fora, a que acresce um receituário de
práticas estandardizadas, às vezes misturadas com preocupações estatísticas, em tudo
contrárias à filosofia geral da qualidade, enquanto paradigma feito de conceitos, crenças e
práticas a exigir uma estratégia sincronizada, feita de visão enformadora de operações
devidamente codificadas e controladas. E, acima de tudo, porque carece de educação e treino.
É frequente o desabafo dos profissionais quanto à sua impreparação, na sua formação de base
e mesmo nas acções de formação disponibilizadas, para a multiplicidade de dimensões que o
desempenho de qualidade exige, em consonância com a cultura da saúde, com a prestação de
cuidados de que as populações carecem, na sociedade da informação que hoje vivemos. Se o
saber técnico existe, o saber ser e o saber estar, compreender e promover a saúde positiva
são exigências difíceis e incómodas que encontram resistências a todos os níveis. Lugares
onde a satisfação e a qualidade saem lesadas.
Se isto se passa do lado dos profissionais, a tarefa com as populações não é menor nem mais
fácil. Está em causa o processo de educação I formação da comunidade para um conceito
mais exigente e esclarecido de saúde e de doença, de entendimento e partilhá de significados
quanto a cuidados primários de saúde, a valorização da medicina preventiva em relação à
curativa. Está em causa o desenvolvimento de uma atitude favorável à saúde positiva, um
longo processo de educação relativamente à promoção da saúde e de hábitos saudáveis, com
a responsabilização pessoal neste processo, individual e socialmente. Envolver os utentes, os
cidadãos, nesta interpretação "salutogénica" é a grande missão, a exigir informação,
comunicação, formação contínua. Porque a saúde é um processo adaptativo, porque promover
a saúde é educar e ajudar, resistindo ao desejo prioritário de curar, porque a qualidade significa
"cuidado, pessoas, paixão, consistência, contacto directo e reacção corajosa" (Peters e Austin,
1985:128).

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Bibliografia

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(tradução de Juran on leadership for quality: an executive handbook);
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(tradução: A passion for excel/ence);
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