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EPIDEMIOLOGIA
autora
ANDRESSA RODRIGUES DE SOUZA
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
FUNDAMENTOS DA
EPIDEMIOLOGIA
autora
ANDRESSA RODRIGUES DE SOUZA
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2015
Conselho editorial sergio augusto cabral; roberto paes; gladis linhares
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2015.
isbn: 978-85-5548-126-0
cdd 614.4
Prefácio 5
3. Indicadores de Saúde 61
4. Aplicações da Epidemiologia 83
Estamos iniciando o módulo 1.1. Aqui você irá encontrar conceitos introdutó-
rios ao estudo da epidemiologia e poderá conhecer alguns aspectos do perfil epide-
miológico, consolidados ao longo de muitos anos de desenvolvimento e pesquisa.
Terá aprofundamento sobre as compreensões de saúde e doença na cultura atual,
em que serão analisados os tipos de doenças e suas implicações para a saúde pú-
blica.
Conforme será abordado posteriormente neste módulo, o conceito original
de epidemiologia se restringia ao estudo de epidemias de doenças transmissíveis,
que perdurou por longos anos. Porém, recentemente, o conceito evoluiu de modo a
abranger praticamente todos os eventos relacionados com a saúde das populações.
Dessa forma, o módulo menciona também os princípios de causalidade em epi-
demiologia, a história natural e o espectro da doença, os elementos da cadeia de
infecção e resume os aspectos básicos da transmissão de doenças na população.
Seja bem vindo a este novo universo de conhecimento!
Bons estudos!
5
1
Conceitos Básicos
em Epidemiologia
O objetivo deste capítulo é apresentar uma visão geral da epidemiologia e fa-
miliarizar o estudante com os respectivos conceitos e temas básicos.
Parte substancial da matéria é abordada sob perspectiva histórica, realçando
a evolução, a utilização atual e a posição de grande abrangência alcançada
pela epidemiologia moderna.
Esperamos que você aproveite bastante os ensinamentos deste tema!
OBJETIVOS
Esperamos que através dos conhecimentos aprendidos você seja capaz de:
8 •
capítulo 1
1.1 Retrospectivas Conceituais e Históricas
da Epidemiologia
O termo “epidemiologia” é de origem grega, significando epi (sobre) demos
(povo), logos (conhecimento), ou “estudo que afeta a população” e é conside-
rado um termo relativamente novo, a despeito da antiguidade de seus temas.
A palavra “epidemia” já aparecia em escritas da Grécia clássica (há 2.500 anos),
porém a primeira menção à Epidemiologia advém do século XVI em um texto
espanhol sobre a peste (OPAS, 1988), sendo referida pela segunda vez apenas
300 anos mais tarde por Juan de Villalba em sua obra Epidemiologia Española.
No século XVII, a “epidemiologia” assumia uma definição de “estudo das
epidemias”, momento este que a palavra “epidemia” era utilizada fundamen-
talmente para designar a ocorrência de muitos casos de doenças de natureza
infecciosa que afetavam as populações humanas.
Vinte e três definições de epidemiologia foram compiladas por um epide-
miologista entre os anos 1927-1976 (LILIENFELD, 1978), porém a definição
aceita atualmente é a proposta por John Last (2008, p. 77), que a refere como
“o estudo da distribuição e dos determinantes dos estados de saúde ou eventos
em populações específicas, e a aplicação deste estudo ao controle dos proble-
mas de saúde”.
Assim, a epidemiologia não só é entendida como o estudo da ocorrência de
determinada doença ou estado de saúde nas populações, mas também como
o estudo dos fatores que influenciam ou determinam essa distribuição e das
estratégias dispendidas para o controle dos problemas de saúde.
Outra premissa da epidemiologia é a de que a doença, o mal-estar e a fal-
ta de saúde não se distribuem de forma aleatória na população, havendo par-
ticipação importante das características do ser humano na predisposição ou
proteção a determinadas patologias. Estas características podem ser de caráter
genético e/ou ambiental (GORDIS, 2008), e a identificação de tais fatores de ris-
co é o pilar da criação de programas de prevenção de doenças e de promoção da
saúde da população mundial.
Hoje em dia você irá se deparar com subdivisões da epidemiologia, gra-
ças às ampliações, diversificação e aprofundamento deste campo de estu-
do. Dentre essas, há uma separação de grupos, por critérios classificatórios
baseados em causas, população de risco e áreas de atuação, como se pode
capítulo 1 • 9
referir: Epidemiologia ambiental; Epidemiologia Hospitalar, Epidemiologia
Social; Epidemiologia Clínica; Epidemiologia Nutricional; Epidemiologia
Comportamental; Epidemiologia Genética e Molecular; entre outras.
Dessa forma, a epidemiologia ampliou a sua área clássica de intervenção,
deixando de lidar unicamente com doenças transmissíveis/infecciosas, mas
agora permitindo também emergir as preocupações com as doenças crônicas
não infecciosas e/ou degenerativas, podendo abranger, presentemente, todos
os fenômenos relacionados com a saúde das populações.
Considerada como a ciência da saúde pública, a epidemiologia tem contri-
buído para a promoção da saúde das comunidades através do desenvolvimento
de inúmeras medidas como a implementação da vigilância epidemiológica, a
investigação da distribuição das doenças e a monitorização das estratégias de
intervenção em saúde (PEREIRA e VEIGA, 2014).
As raízes da epidemiologia estão atreladas à história da medicina e à evolu-
ção dos conceitos de saúde e doença. Para se compreender o cenário atual das
doenças e os mecanismos de enfrentamento destas, é necessário recorrermos
ao passado, claramente marcado por eventos históricos que levaram ao prestí-
gio e importância da ciência epidemiológica.
Supõe-se que os conceitos epidemiológicos e os estudos de epidemias e en-
fermidades tenham surgidos junto com Hipócrates (460-377 a.C.). Hipócrates
foi um médico grego que dominou o pensamento médico de sua época e dos
séculos posteriores, tendo deixado discípulos e herdeiros depois de sua mor-
te que garantiram a hegemonia de sua prática, prometendo a saúde para os
homens.
Conhecido como o pai da medicina, Hipócrates analisava as doenças em
âmbito racional, relacionando-as à constituição do indivíduo e ao ambiente
que o cercava. Estudou as doenças epidêmicas e as variações geográficas das
endemias, sendo considerado também o primeiro epidemiologista da história.
Durante muitos séculos, as doenças eram explicadas por embasamentos re-
ligiosos, por mitos e superstições, e não por métodos científicos. Acreditava-se
que as doenças advinham da má qualidade do ar, provenientes da decomposi-
ção de animais e plantas, como descreve a teoria dos miasmas 1 . Nesta teoria
miasmática, surgiu, por exemplo, a terminologia “malária”, que nada mais é
que a junção das palavras “mal” e “ar”, representando a crença neste modo de
transmissão da doença (PEREIRA, 2013).
1 Miasmas: mi.as.ma sm (gr míasma) 1 Emanação mefítica proveniente de matérias pútridas ou de moléstias
contagiosas. 2 Pestilência. 3 Mal-estar, incômodo.
10 •
capítulo 1
Hipócrates, defensor desta explicação miasmática para a causa das doenças
que assolavam a população, postulou seu tratado “Ares, Águas e Lugares” rela-
tando as relações entre as doenças e o clima, a água, o solo e os ventos predo-
minantes, sendo apresentadas descrições de doenças relacionadas com águas
paradas em pântanos. As evidências científicas sobre tal pensamento só apa-
receriam milhares de anos depois, com a descoberta do microscópio e com a
identificação dos microrganismos (PEREIRA e VEIGA, 2014).
CONEXÃO
Conheça o Juramento de Hipócrates, que dá fundamento à ética médica atual, acessando o
link http://www.cremesp.com.br/?siteAcao=Historia&esc=3 e compreenda a fiel descrição
deste pensador acerca da história natural das doenças, exaltando a importância de um exa-
me apurado e minucioso do paciente.
capítulo 1 • 11
Já no século XIX, uma sucessão de acontecimentos influenciava profunda-
mente a ciência epidemiológica, como é caso da consolidação da Revolução
Industrial e Revolução Francesa, iniciadas na metade e final do século XVIII,
respectivamente.
Na França, com a Revolução Francesa, desenvolveu-se uma Medicina
Urbana, com a finalidade de sanear espaços das cidades, ventilando as ruas e
as construções públicas e isolando áreas consideradas miasmáticas. Dava-se
início um movimento pela politização da saúde, o qual Guérin cunhou como
“Medicina Social”, que tem servido para designar modos de abordar coletiva-
mente a questão da saúde (PEREIRA, 2013).
A Revolução Industrial levou ao extenso deslocamento das populações do
campo para as cidades, atraídas por empregos nas fábricas. Tal translocação de
indivíduos, e a enorme elevação demográfica nas cidades em construção, leva-
ram ao aparecimento de epidemias de cólera, febre tifoide e febre amarela, in-
cidindo a partir deste contexto a preocupação quanto à higiene individual e am-
biental, a necessidade de um aprimoramento da legislação sanitária e criação
de uma estrutura administrativa para as estratégias preconizadas (PEREIRA,
2013).
Ainda nesse cenário, o médico sanitarista Rudolf Virchow (1821-1902), após
constatar que um processo epidêmico de tifo era determinado por questões
de cunho social e político, liderou o movimento médico-social na Alemanha
(PEREIRA, 2013).
Em 1850 foram realizados os censos e decretou-se uma reforma sanitá-
ria em que as estatísticas vitais foram usadas para apoiar deduções acerca
do crescimento populacional, os padrões de saúde e de doenças, bem como
das políticas de saúde (GORDIS, 2008). Além disso, jovens simpatizantes das
ideias médico-sociais, oficiais de saúde pública e membros da Royal Medical
Society organizaram na Inglaterra a London Epidemiological Society, socie-
dade esta que tinha como destaque as participações de Florence Nightingale
(1820-1910), conhecida mais tarde como a “mãe fundadora da Enfermagem”
(WILLIAMSON, 1999), e de John Snow (1813-1858), considerado por muitos
como o “pai da Epidemiologia” (LILIENFELD, 1979).
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capítulo 1
O conceito de estatística foi desenvolvido por William Farr (1807-1883), baseado nas
ideais de John Graunt (1620-1674) sobre aritmética política. Farr defendeu a ideia de
que algumas doenças, principalmente as crônicas, teriam uma etiologia multifatorial.
Considerado um dos fundadores da epidemiologia moderna, Farr descreveu o estado de
saúde das populações, procurou estabelecer determinantes da saúde pública e aplicou
o conhecimento adquirido na prevenção e no controlo de doenças. Uma das suas con-
tribuições mais importantes consistiu nos cálculos que combinavam, no numerador, o
registo de dados de nascimentos, casamentos e mortes, e, no denominador, os dados dos
censos sobre o tamanho da população – criando os denominados indicadores de saúde.
É-lhe ainda atribuída a invenção da taxa de mortalidade padronizada, que permite com-
parar grupos com características diferentes relativamente à idade ou a outras variáveis.
capítulo 1 • 13
O modelo das “caixas pretas”, vigente na segunda metade do século XX, des-
creve a reformulação do conceito de causalidade específica das doenças e surge
uma nova abordagem para a compreensão dos problemas da Saúde Pública base-
ada em fatores de risco e orientada no sentido de perceber os motivos pelos quais,
numa mesma população, o risco de doença é variável de pessoa para pessoa.
Enquanto as doenças infecciosas sofriam um decréscimo, as denominadas
doenças da civilização começaram a emergir, surgindo ainda um conjunto de
doenças associadas aos estilos de vida. Assim, neste contexto, e como descober-
tas mais relevantes, destacam-se as consequências do consumo de tabaco, de-
signadamente o cancro do pulmão, o enfisema e as doenças cardiovasculares
(SUSSER e STEIN, 2009).
O enfoque na saúde pública permitia a adoção de medidas preventivas mes-
mo perante a ausência de um claro e cabal conhecimento dos seus mecanismos
e da sua plausibilidade biológica. O modelo vigente continuou a desempenhar a
sua função didática na compreensão das associações entre variáveis, não obstan-
te o facto de há quase duas décadas ter sido defendido um novo paradigma base-
ado no conceito de Eco epidemiologia, proposto por Susser, e que incorpora, na
epidemiologia, o conceito de ecologia humana, reforçando a ideia de que a aná-
lise dos determinantes da saúde deve ser diferente de acordo com o tipo de abor-
dagem: ao nível individual ou ao nível populacional (SUSSER e SUSSER, 1996).
Na evolução da epidemiologia moderna, as abordagens têm sido ajustadas
como consequência da partilha de conhecimentos com outras áreas. Assim, não
é surpreendente que a epidemiologia seja, atualmente, utilizada numa larga di-
versidade de assuntos importantes da área da saúde pública, entre os quais está
incluído o aparecimento de novas estirpes de doenças infecciosas como a tuber-
culose, a evolução do vírus da imunodeficiência humana, e a epidemiologia mo-
lecular na doença de Alzheimer, entre muitos outros (WINKELSTEIN, 2000).
No Brasil, a evolução da epidemiologia é observada por marcos históricos
do século XX, tais como: a descoberta do protozoário Trypanosoma cruzi, cau-
sador da tripanossomíase, por Carlos Chagas em 1909, levando à denomina-
ção posterior de Doença de Chagas; as campanhas de erradicação da varíola
na década de 60 e da poliomielite na década de 70; a criação de departamen-
tos de Medicina Preventiva ou Medicina Social em faculdades de medicina e
a inserção do ensino da epidemiologia no currículo médico; e a realização do
I Congresso Brasileiro de Epidemiologia, sediado na cidade de Campinas, em
1990.
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capítulo 1
1.2 Saúde e Doença
Há cinco décadas identificou-se uma polêmica sobre o caráter de doença e ain-
da hoje você deve se deparar com questionamentos profundos do paradigma
dominante que a conceitua como um fenômeno biológico individual. Mas será
que a cultura contemporânea ainda admite tal conceito? Quais são as represen-
tações atuais de saúde e de doença?
A Organização Mundial da Saúde (OMS), procurando ampliar o conceito de
saúde a define não apenas como a ausência de doença, mas como a situação de
pleno bem-estar físico, mental e social. Trazendo concomitantemente o con-
ceito de doença como sendo algo com “falta ou perturbação da saúde”.
Se por um lado tal definição está mais próxima da realidade, por outro nos
trouxe dificuldades à mensuração dos fenômenos à que se refere, em face da
necessidade de definir: o que se entende por “bem-estar”? É possível caracteri-
zar-se a “perfeição”? Tais conceitos não apresentam unanimidade de opiniões
e a quantificação é problemática (SEGRE e FERRAZ, 1997; PEREIRA, 2013).
Fica claro compreendermos então, que a definição da OMS é empregada
como figura de retórica ou um ideal a se ter em perspectiva, enquanto, na práti-
ca, a saúde é quase sempre quantificada em termos de presença ou ausência de
algum sinal, sintoma ou diagnóstico de doença. Isto significa que a informação
sobre falta de saúde é a mais utilizada, haja vista que é muito mais frequente
encontrarmos referências a coeficientes de mortalidade e morbidade, e rara-
mente a coeficientes de bem-estar físico, mental e social.
Ainda que recorramos a conceitos “externos” de avaliação (modo como a
Saúde Pública trabalha), a “perfeição” não é definível (SEGRE e FERRAZ, 1997).
Mesmo que objetivamente, se avaliarmos o grau de bem-estar, felicidade e per-
feição que um sujeito exterioriza a ele próprio, não conseguiríamos categorizar
tais termos dentro de um contexto que lhes empreste sentido, pois haveria ne-
cessidade da linguagem e experiência íntima do sujeito. Dessa forma, só pode-
ríamos falar em bem-estar, felicidade ou perfeição para um indivíduo que, den-
tro de suas crenças e valores, desse sentido de tal uso semântico 2 e, portanto,
o legitimasse.
2 Semântico: se.mân.ti.co adj (gr semantikós) 1 Relativo à semântica. 2 Relativo à significação; significativo.
Semântica: se.mân.ti.ca sf (gr semantiké, de sema) 1 Ling Estudo da evolução do sentido das palavras através do
tempo e do espaço. S . descritiva: a que estuda a significação atual das palavras de uma língua. S . geral: a que estuda
a relação entre as palavras e as coisas, ou seja, entre a linguagem, o pensamento e a conduta. S. histórica: a que trata
das mudanças de sentido das palavras no correr dos tempos.
capítulo 1 • 15
Atualmente vivemos em uma etapa de lutas sociais, que, mesmo assumindo
formas particulares nos diferentes países, caracteriza o perfil da época. Um dos
traços das lutas populares é que elas colocam sob suspeita, formas totalmente
distintas e perspectivas de alcance muito variável, o modo dominante de satis-
fazer as necessidades das massas trabalhadoras. Além disso, o motivo princi-
pal, interno à medicina, que dá origem ao questionamento ao paradigma mé-
dico-biológico da doença, está na dificuldade de gerar um novo conhecimento,
que permita a compreensão dos principais problemas de saúde.
Assim, em lugar de considerar saúde e doença como componentes de um
sistema binário, do tipo presença/ausência, podemos, de forma mais adequa-
da, concebê-las como um processo no qual o ser humano passa por múltiplas
situações, que exigem de seu meio interno um trabalho de compensações e
adaptações sucessivas (PEREIRA, 2013).
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capítulo 1
patogênico, conforme ilustrado na figura 1.1. No primeiro, o interesse é dirigi-
do para as relações suscetível-ambiente, no segundo, interessam as modifica-
ções que se passam no organismo vivo.
• Período pré-patogênico
Envolve as inter-relações entre os agentes etiológicos da doença, o susce-
tível e outros fatores ambientais que estimulam o desenvolvimento da enfer-
midade e as condições sócio-econômico-culturais que permitem a existência
destes fatores. Exemplo: pessoas abastadas adoecerem de cólera é um evento
de baixa probabilidade, isto é, para os que dispõem de meios, a estrutura for-
mada pelos fatores predisponentes à cólera é de mínimo risco. Em termos de
probabilidade de adquirir doença, no outro extremo, encontram-se os usuários
de drogas injetáveis que participam coletivamente de uma mesma agulha; para
estes, os fatores pré-patogênicos estruturados criam uma situação de alto risco,
favorável à aquisição da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA — em
inglês: Acquired Immunodeficiency Syndrome - AIDS).
O estudo em nível pré-patogênico da produção da doença em termos coletivos,
objetivando o estabelecimento de ações de ordem preventiva, deve considerar a
doença como fluindo, originalmente, de processos sociais, crescendo através de
relações ambientais e ecológicas desfavoráveis, atingindo o homem pela ação di-
reta de agentes físicos, químicos, biológicos e psicológicos, ao se defrontarem, no
indivíduo suscetível, com pré-condições genéticas ou somáticas desfavoráveis.
O componente social na pré-patogênese poderia ser definido como o con-
junto de todos os fatores que não podem ser classificados como componentes
genéticos ou agressores físicos, químicos e biológicos. Fazem parte deste con-
junto: fatores socioeconômicos; fatores sócio-políticos; fatores socioculturais;
e fatores psicossociais.
Em relação aos fatores ambientais podemos incluir não só o ambiente fí-
sico, que abriga e torna possível a vida autotrófica e o ambiente biológico que
abrange todos os seres vivos, assim como a sociedade envolvente, sede das inte-
rações sociais, políticas, econômicas e culturais.
Já os fatores genéticos provavelmente determinam a maior ou menor susce-
tibilidade das pessoas quanto à aquisição de doenças, embora isto permaneça
ainda na fronteira da pesquisa genética. O fato é que, quando ocorre uma ex-
posição a um fator patogênico externo, alguns dos expostos são acometidos e
outros permanecem isentos.
capítulo 1 • 17
• Período patogênico
É o período de patogênese. Este período se inicia com as primeiras ações
que os agentes patogênicos exercem sobre o ser afetado.
Segundo Leavell e Clark (1976), neste período as doenças podem apresentar
os seguintes estágios:
– interação estímulo-hospedeiro;
– patogênese precoce;
– doença precoce discernível;
– doença avançada.
18 •
capítulo 1
Período Pré- Período
Patogênico Patogênico
Níveis de prevenção
capítulo 1 • 19
1.2.2 Classificação das medidas preventivas
3 Endêmico: en.dê.mi.co adj (endemia+ico2) 1 Med Que tem caráter de endemia. 2 Peculiar a um povo ou região.
3 Diz-se das doenças que, sem grandes variações de incidências, ocorrem constantemente em determinada região.
4 Biol Restrito a uma determinada região, ou nela nativo; indígena: Espécies endêmicas da Amazônia.
4 Epidêmico: e.pi.dê.mi.co adj (epidemia+ico2) 1 Que diz respeito a epidemia. 2 Que atinge ao mesmo tempo
grande número de pessoas de uma região.
20 •
capítulo 1
é orientada ao período patológico, enquanto a doença ain-
da está progredindo, seja em fase subclínica ou em evolução
clinicamente aparente. Visa a prevenção da evolução do pro-
cesso patológico, na tentativa de fazê-lo regredir. A efetivida-
de de ação desta etapa demanda de recursos diagnósticos
PREVENÇÃO precoces através de inquéritos para descoberta de casos na
SECUNDÁRIA comunidade, exames periódicos individuais, isolamento dos
indivíduos acometidos (quando necessário) e tratamento para
evitar a progressão da doença; além da intenção de limitar
danos através de um acesso facilitado a serviços de saúde e
hospitalização em função das necessidades.
Reabilitação: re.a.bi.li.ta.ção sf (reabilitar+ção) 1 Dir Ação de reabili tar ou de ser reabilitado. 2 Dir Meio de fazer cessar
1
os efeitos de uma sanção penal, restituindo integralmente ao paciente todos os direitos de que ele anteriormente goza-
va. 3 Recuperação financeira. 4 Recuperação do crédito. 5 Dir
Cadeia de eventos
capítulo 1 • 21
doenças infecciosas, chegando-se a ligar a transmissão de doenças simples-
mente ao contato com o agente etiológico, numa sequência “fonte de infeção-
micróbio-indivíduo susceptível”.
Em doenças não-transmissíveis é possível verificar a mesma relação de
eventos como encontrado na situação,
situação, por exemplo, de falta de iodo na alimen-
tação, que culmina
culmina com o aparecimento de bócio (PEREIRA,
(PEREIRA, 2013).
22 •
capítulo 1
V. Porta de entrada no novo hospedeiro – – as portas de entrada de um ger-
me no novo hospedeiro são basicamente as mesmas usadas para a saída do
hospedeiro prévio.
VI. Susceptibilidade do hospedeiro - - qualidade do hospedeiro em relação à
infecção ou invasão de seu organismo pelo parasito. É utilizado, para designar
a característica do organismo susceptível à ação do fator determinante.
CONEXÃO
Vamos lá aluno, expanda suas informações acerca da cadeia epidemiológica! Acesse o link
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/modulo_principios_epidemiologia_2.pdf da Or-
ganização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e veja os aspectos do perfil epidemiológico
no Brasil, como a emergência e reemergência de doenças, os tipos de doenças e suas im-
plicações para a saúde pública. Nele ainda é possível você testar seus conhecimentos com
exercícios direcionados e práticos. Aproveite!
Modelo ecológico
capítulo 1 • 23
entre “agente-hospedeiro”, “agente-meio ambiente” e “hospedeiro-meio am-
biente”. Qualquer que seja a representação escolhida, ela sugere que tanto as
características do agente, quanto as do hospedeiro e do meio ambiente de-
vem ser analisadas, quando do estudo de qualquer agravo à saúde (ALMEIDA
FILHO; ROUQUAYROL, 1990).
Um desequilíbrio, ou consequência deste, provoca um jogo de influências
mútuas entre diversas variáveis ecológicas, que poderão resultar no estabele-
cimento do estado de doença. Nenhum dos fatores poderá atuar de maneira
isolada, ocorrendo, portanto, uma interação constante e dinâmica entre eles.
Estes três elementos fundamentais que constituem o processo epidêmico,
bem como suas variáveis, se relacionam com qualquer tipo de doença, quando
se estuda este fenômeno em populações. É importante considerá-los em con-
junto, para se estabelecer
estabelecer os níveis em que deverão ser adotadas
adotadas as medidas ob-
jetivando-se o controle e erradicação de determinada doença que esteja ocor-
rendo em dada população (ALMEIDA FILHO; ROUQUAYROL, 1990).
Hospedeiro
Agente Abiente
• Características do Hospedeiro
Em um sentido amplo, o hospedeiro pode ser considerado como todo e
qualquer ser vivo que albergue um agente em seu organismo, ou ainda o or-
ganismo que propicia alimento ou abrigo a organismo de outra espécie. São
conhecidos três tipos de hospedeiros:
– Hospedeiro definitivo: é aquele onde o parasito atinge a maturidade,
reproduzindo-se de forma sexuada.
– Hospedeiro intermediário: é o hospedeiro, no qual o parasito desen-
volve suas formas imaturas
imaturas ou, para alguns, se reproduz
reproduz assexuadamente.
assexuadamente.
Os fatores relativos ao hospedeiro, dentro do sistema ecológico, se relacio-
nam às suas características, como a espécie, raça, sexo, estado fisiológico, entre
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capítulo 1
outros, e aquelas que dependem do agente e do meio ambiente, como a densi-
dade populacional, manejo e susceptibilidade.
• Características do ambiente
O meio ambiente pode favorecer a evolução ou declínio de uma determinada
doença na população animal. Consideram-se três fatores ou elementos do meio
ambiente, que são os fatores físicos, biológicos e socioeconômicos. Tanto o am-
biente físico como o biológico, e em particular o socioeconômico, possuem carac-
terísticas críticas para o desenvolvimento epidêmico de algumas doenças. Esses
fatores encontram-se em permanente intercâmbio, de forma dinâmica, sendo
seus efeitos sobre o agente e/ou sobre o hospedeiro, variáveis a cada instante.
Dentre os fatores físicos relevantes, do meio ambiente, e que devem ser con-
siderados, estão a temperatura, o calor e umidade, e a topografia do solo (que
pode predispor ao acúmulo de água estagnada).
Já os fatores socioeconômicos do ambiente apresentam grande importân-
cia no estudo epidemiológico, pois mesmo usando os métodos disponíveis
mais sofisticados, de prevenção de doenças, se as pessoas envolvidas, por exem-
plo, em determinado programa de controle, não os entendem, os métodos ou
técnicas utilizadas estarão prejudicados. Portanto, no controle e prevenção de
doenças, a educação sanitária, é um fator importante a ser considerado. O grau
de participação da comunidade nas campanhas sanitárias é fator decisivo no
êxito das mesmas.
capítulo 1 • 25
De forma geral, podemos contextualizar a causalidade em epidemiologia
através de “modelos” que se tornaram clássicos por sua diversidade de abor-
dagem da questão causal. Aqui, faremos uma abordagem de modelos de cau-
salidade largamente utilizado, potencial-desfecho, ou contra factual, que é útil
para relacionar a causalidade em nível individual com a causalidade em nível
populacional (ROTHMAN et al, 2011; MEDRONHO, 2009).
Modelo de Henle-Koch
Historicamente, a primeira tentativa formal para a identificação das causas
de uma doença se deu com a formulação de Henle-Koch, em 1890. Na ocasião,
se fazia necessário estabelecer regras que guiassem a investigação de micro-or-
ganismos como possíveis agentes causais. Basicamente, foram estabelecidos
os seguintes critérios para o micro-organismo ser considerado patogênico:
Não deve ocorrer nem de forma causal nem de forma patogênica em outra
•
doença;
Isolado do corpo e crescido em cultura pura deve induzir a doença quan-
•
do inoculado em susceptíveis.
26 •
capítulo 1
Hill propôs nove critérios a serem considerados na distinção entre uma as-
sociação causal da não-causal, tais como:
Uma medida de efeito é uma comparação (diferença ou razão) entre medidas de frequ-
ência de doença (prevalências, riscos, taxas) calculada por dois grupos, frequentemen-
te expostos e não expostos a determinado fator sob investigação causal.
capítulo 1 • 27
implica na não ocorrência do efeito, a causa é dita específica para um determi-
nado efeito. Por isso, se um agente está associado a uma doença somente, e não
a outras, isso aumentaria a chance de ele ser o agente causal. Se o agente estiver
associado a várias doenças, isso diminuiria a chance de ele ser o agente causal.
28 •
capítulo 1
plausibilidade: com muita frequência, não se baseia na lógica ou em dados,
mas somente em crenças prévias. Isso não significa que o conhecimento bioló-
gico deva ser descartado quando uma nova hipótese está sendo avaliada, porém
apenas para assinalar a dificuldade na aplicação daquele conhecimento.
capítulo 1 • 29
Para a ocorrência de uma determinada doença, pode haver diversos conjun-
tos de causas suficientes. Assim, algumas causas componentes, quando pre-
sentes em todas as causas suficientes alternativas, são chamadas causas neces-
sárias. Outras, para serem identificadas, dependem da interação com outras
causas componentes.
Muitas causas que são de interesse da epidemiologia, embora não sejam
suficientes, são componentes de causas suficientes. Por exemplo: dispor de
água não tratada não é suficiente para o surgimento de doenças diarreicas e
fumar não é suficiente para produzir câncer de pulmão, mas ambas são causas
componentes de causas suficientes (LUIZ e STRUCHINER, 2002). Observa-se,
ainda, que a identificação completa de todas as causas componentes de uma
determinada causa suficiente, mesmo que seja possível e viável, não é funda-
mental quando o objetivo é a prevenção de doenças. Por exemplo: mesmo não
sendo capaz de identificar todas as causas componentes de uma dada causa
suficiente para o câncer de pulmão, entre os quais está o hábito de fumar, é
possível prevenir aqueles casos que resultariam desta causa suficiente pela re-
moção do fumo da constelação de causas componentes.
Algumas implicações decorrentes do modelo de Rothman podem ser destaca-
das. A primeira delas é, claramente, a concepção multicausal dos processos sub-
jacentes à ocorrência de doenças e agravos à saúde. Mesmo no caso das doenças
infecciosas, nas quais aparentemente sempre há uma causa necessária, o adoeci-
mento ocorre a partir do momento em que todas as causas – características, atri-
butos ou eventos – atuem, em sequência ou conjuntamente (ROTHMAN, 2002). As
outras implicações dizem respeito à força dos eventos; interação entre as causas;
proporção da doença devido a causas específicas; e o período de incubação.
30 •
capítulo 1
A forma mais básica de se determinar a frequência de uma doença é atra-
vés da simples contagem dos indivíduos afetados. Este dado, em determinadas
circunstancias, pode ser relevante para a administração de serviços de saúde,
mas em geral é de pouca importância epidemiológica, uma vez que nada infor-
ma sobre a população de referência. Em estudos epidemiológicos é necessário
saber o tamanho da população ou grupo que deu origem aos casos e em que
período de tempo isso ocorreu. Assim, via de regra, são utilizadas medidas rela-
tivas que relacionam o número de casos da doença com a população ou grupo
de origem.
De uma forma geral, existem três medidas matemáticas básicas que podem
ser utilizadas para expressar tais relações. A razão é a simples divisão de uma
quantidade pela outra, e não necessidade de nenhuma relação específica entre
o numerador e o denominador. A proporção é um tipo de razão onde aqueles
no numerador estão necessariamente incluídos no denominador. Este tipo de
medida é como uma fração e é frequentemente expressa em percentual. A taxa
já é um tipo especial de razão onde temos obrigatoriamente embutida no deno-
minador uma medida de tempo (WAGNER, 1998).
As medidas de frequência são definidas a partir de dois conceitos epidemio-
lógicos fundamentais denominados “incidência” e “prevalência”. O conceito
de incidência refere-se à frequência com que surgem novos casos de uma doen-
ça, num intervalo de tempo. Já a prevalência expressa o número de casos exis-
tentes de uma doença, em um dado momento. Outras medidas frequentemen-
te utilizadas na literatura médica e de saúde pública, como as de mortalidade,
letalidade e sobrevida, podem ser entendidas como variações do conceito de
incidência (MEDRONHO et al, 2009).
Além da frequência de doenças e agravos, os conceitos de incidência e pre-
valência também se aplicam à mensuração de quaisquer eventos relacionados
à saúde, incluindo fatores determinantes, tais como o tabagismo e sedentaris-
mo. Concentraremos aqui nosso foco sobre quatro medidas básicas da frequ-
ência de doenças: tempos de incidência; taxa de incidência; proporção de inci-
dência; e prevalência.
capítulo 1 • 31
a doença ocorra, assim como o período de tempo durante o qual os eventos são
contabilizados. Rothman e colaboradores (2011) citam como exemplo a compa-
ração da incidência de óbitos, ou mortalidade, observada em duas populações
hipotéticas. Em ambas, todos os indivíduos acabam por falecer em algum mo-
mento de suas vidas. Porém, o tempo transcorrido entre o nascimento e a morte
na segunda população é sempre maior, quando comparado à primeira (figura
1.4), o que torna as duas experiências de mortalidade distintas. Assim o simples
registro do número de casos novos, ou de óbitos, é insuficiente para estimar a
incidência de um determinado problema de saúde (MEDRONHO, 2009).
x x
x x
x x
x x
Tempo Tempo
X: morte
32 •
capítulo 1
como tendo um tempo de incidência de câncer de endométrio não especifica-
do, porém maior que 45 anos. Diz-se então que a histerectomia censura a inci-
dência de câncer de endométrio da mulher na idade de 45 anos.
Embora o cálculo do tempo de incidência seja simples, o número de casos
incidentes (designado por “I”), por si só, não permite comparações da incidên-
cia entre diferentes populações ou áreas geográficas, ou entre diferentes pe-
ríodos. Tais comparações, assim como as investigações sobre associações de
causa e efeito, são realizadas utilizando-se medidas de incidência expressas
como frequências relativas, como a taxa de incidência e a incidência acumula-
da. Ambas são expressões numéricas, ou quantitativas, do conceito de risco, de
importância capital na epidemiologia e intimamente relacionado ao conceito
de incidência.
TI( t 0,t ) = I / PT
onde: (t0, t) refere-se ao intervalo entre a origem t0 e o instante t; I representa o número
de casos novos que surgiram entre t0 e t; e PT representa a quantidade de pessoa-tem-
po acumulada pela população, durante o estudo.
capítulo 1 • 33
Os termos “coorte fixa” e “população dinâmica” são utilizados na literatura.
Uma coorte fixa, constituída em um instante t0, não admite novos integrantes
após iniciado o período de seguimento, embora seus integrantes possam dei-
xá-la por diferentes razões. É o caso, por exemplo, dos trabalhadores sobrevi-
ventes de um acidente em uma usina nuclear, que seriam acompanhados por
um período para detecção de problemas de saúde decorrentes da exposição à
radiação nuclear. Alguns deles podem interromper o acompanhamento antes
de adoecer, ao emigrarem, ou mesmo falecer por motivo não associado à expo-
sição em estudo, como um atropelamento. Já uma população dinâmica pode
tanto receber novos membros, como perder seus integrantes ao longo do pe-
ríodo de estudo. Por exemplo, os trabalhadores admitidos em uma indústria
química entre os anos de 1996 e 2000, acompanhados por um período de até
25 anos após a admissão para detecção de neoplasias. Novos membros seriam
recrutados em diferentes instantes, ao longo do quinquênio citado. As perdas
também poderiam ocorrer em qualquer momento, por motivos distintos, entre
a admissão e o adoecimento, ou o término do acompanhamento.
34 •
capítulo 1
tempo, durante 1 semana de tempo ou durante uma década, da mesma manei-
ra como se pode medir a velocidade de um veículo em termos de quilômetros
por hora, mesmo que a mensuração seja feita por apenas alguns segundos.
IA ( t 0,t ) = I /N 0
onde: I representa o número de casos incidentes entre t0 e t; e N’0 representa a po-
pulação de onde se originaram os casos incidentes I, constituída por indivíduos não
doentes no instante t0.
capítulo 1 • 35
1.4.4 Prevalência
Ao contrário das medidas de incidência, cujo foco é sobre novos eventos ou al-
terações de estados de saúde, a prevalência foca estados existentes. É definida
como a frequência de casos existentes de uma determinada doença, em uma
determinada população e em um dado momento.
Os casos existentes, ou prevalentes, são aquelas pessoas que adoeceram em
algum momento do passado mais ou menos remoto, e que estão vivos quando
se realiza a observação. Assim, os doentes que vieram a falecer antes do período
de observação não são considerados no cômputo da prevalência.
A prevalência assemelha-se a uma fotografia, na qual se registra a fração de
indivíduos doentes naquele instante do tempo. É, portanto uma medida estática
em relação ao processo dinâmico do adoecimento. Para se medir a prevalência,
os indivíduos componentes de uma amostra são observados uma única só vez.
A prevalência é estimada como a proporção de indivíduos de uma popula-
ção de estudo de tamanho N que apresentam a doença de interesse no instante
t, como verificado pela fórmula:
P = Ct / N t
36 •
capítulo 1
Dado interessante da prevalência de uma doença é que esta é determina-
da pela sua incidência e duração, assim como pelos movimentos migratórios.
Assim, quanto mais elevada a incidência e/ou a duração de uma doença, maior
tende a ser a prevalência. Quanto aos movimentos migratórios, a emigração
de casos, da mesma forma que a imigração de não-doentes, interfere no sen-
tido de reduzir a prevalência de uma doença numa determinada população.
Inversamente, a imigração de casos ou a emigração de não-doentes leva a um
aumento na proporção de prevalência.
LEITURA
Muitos ensinamentos e inspirações são obtidos de acontecimentos passados e do exem-
plo das grandes figuras dos tempos pretéritos, registrados na história. Textos clássicos, que
descrevem investigações sobre saúde e doença, merecem ser lidos, meditados e discutidos
em grupo. Uma das compilações mais abrangentes da história da epidemiologia é “O desafio
da epidemiologia”, publicada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 1988), em
espanhol e em inglês. Nela são reproduzidos muito trabalhos interessantes.
Em outra obra, desenvolvida por Pereira e Veiga (2014) também há a descrição de mui-
tos artigos recentes, alusivos a trabalhos que se tornaram marcos na epidemiologia atual.
Neste estudo foi feita uma resenha histórica da evolução do conceito de epidemiologia e
descreve o contributo dos principais responsáveis por essa evolução, desde Hipócrates até
ao século XXI.
No que diz respeito ao processo saúde-doença, desde o final dos anos sessenta, inten-
sificou-se a polêmica sobre o caráter da doença. Discute-se se a doença é essencialmente
biológica ou, ao contrário, social. Ocorre, assim, um questionamento profundo do paradigma
dominante da doença que a conceitua como um fenômeno biológico individual. Não obstante
as evidências mostrarem as limitações da concepção biológica da doença e da prática que
sustenta, é inegável que esta impulsionou a geração do conhecimento médico durante uma
larga etapa. E assim, da mesma forma como a corrente que sustenta que a doença pode ser
analisada fecundamente como um processo social, deve comprovar sua colocação e sua
utilidade na prática. A primeira tarefa, então, é demonstrar que a doença, efetivamente, tem
caráter histórico e social. Para essa compreensão, recomendo a leitura do texto “A saúde-
doença como processo social” de Asa Cristina Laurell (1982), texto em espanhol e traduzido
para o português.
capítulo 1 • 37
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ACHESON, E. D two worlds or one? Br Med J. v. 17, n.1(6165), p.723-6, mar. 1979.
ALMEIDA FILHO, N.; ROUQUAYROL, M. Z. Introdução à Epidemiologia Moderna. Salvador, Apce
Produtos do Conhecimento e ABRASCO, 1990.
FORATTINI, O. P. Ecologia, epidemiologia e sociedade. São Paulo: Artes Médicas, Editora da
Universidade de São Paulo-EDUSP, 1992. 529p.
GORDIS L. Epidemiology. Philadelphia: W.B. Saunders Co, 1996.
GORDIS, L. Epidemiology. 4. ed. Philadelphia: Elvesier Saunders, 2008.
LAST, J. Dictionary of Epidemiology. 5. ed. New York: Oxford University Press, 2008.
LAURELL, A. C. “La salud-enfermedad como proceso social". Revista Latinoamericana de Salud.
México, v. 2, p. 7-25. Trad. E. D. Nunes, 1982.
LEAVELL, H.; CLARK, E.G. Medicina Preventiva. São Paulo: McGraw-Hill, 1976.
LILIENFELD, D. E. Definitions of epidemiology. Amerian Journal of Epidemiology. v. 107, n. 1, p.
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LILIENFELD D. The Greening of Epidemiology: Sanitary Physicians and the London Epidemiological
Society (1830-1870). Bulletin of the History of Medicine. v. 52, p. 503-528, 1979.
LUIZ, R.R.; STRUCHINER, C. J. Inferência causal em epidemiologia: o modelo de respostas
potenciais [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2002.
MEDRONHO, A. M; BLOCH K. V.; LUIZ, R. R.; WERNECK, G. L. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo:
38 •
capítulo 1
SUSSER, M.; SUSSER, E. Choosing a future for epidemiology: II. From black box to Chinese boxes
and eco-epidemiology. Am J Public Health. v.86. n.5, p. 674-677, 1996.
WAGNER, M. B. Medindo a ocorrência de uma doença: prevalência ou incidência? Jornal de
Pediatria. v. 74, p. 157-162, 1998.
WILLIAMSON L. (ed). Florence Nightingale and the Birth of Professional Nursing (Western
Influence on Japan). New York: Thoemmes Continuum, 1999.
WINKELSTEIN, W. Interface of epidemiology and history: a commentary on past, present and
future. Epidemiol Rev. v. 22, p. 2-6, 2000.
capítulo 1 • 39
40 •
capítulo 1
2
Epidemiologia
Descritiva:
Distribuição das
Doenças no Espaço
e no Tempo
Chegamos ao segundo capítulo, e agora podemos compreender melhor a ver-
tente fundamental da epidemiologia: a distribuição das doenças no espaço e
no tempo!
Aqui, você encontrará explicações para algumas indagações, tais como:
1. Quem adoece?
2. Onde a doença ocorre?
3. Quando a doença ocorre?
OBJETIVOS
É desejável que ao final do estudo deste capítulo, você:
42 •
capítulo 2
2.1 Doenças Infecciosas e Não-Infecciosas
Atualmente muito se conhece sobre as doenças infecciosas e não-infecciosas
no âmbito científico, tanto em termos de suas histórias naturais, quanto de
questões relativas à prevenção e controle.
Infecção é o termo utilizado para se referir ao processo pelo qual um agente
biológico penetra, desenvolve-se ou multiplica-se no organismo de outro ser
vivo. O processo pode ser inaparente ou evoluir com manifestação clínica – nes-
te último caso, tratando-se especificamente de “doença infecciosa”. Mas existe
também a possibilidade de desenvolvimento de doenças as quais não há a pre-
sença de um microrganismo ou parasita invasor do organismo humano. Para
esta parcela de doenças foram geradas designações como “não-infecciosas”,
“não transmissíveis”, “crônico-degenerativas”, “crônicas não-transmissíveis”,
ou simplesmente “crônicas” (PEREIRA, 2013).
As doenças infecciosas são denominadas como tal quando são encontrados
processos biológicos subjacentes à infecção pelos agentes infecciosos.
A causa necessária para uma doença infecciosa ocorrer é o seu “agente bio-
lógico específico”. Tal agente pode pertencer a classes bacterianas, virais, fún-
gicas, parasitárias, entre outras. Qualquer que seja a espécie invasora, algumas
características do agente são relevantes para a manifestação ou não do proces-
so infeccioso no organismo do hospedeiro, como, por exemplo, os poderes de
infectividade1 , patogenicidade2, virulência3 , antigenicidade4 e mutagenicida-
de5 dos agentes infecciosos, assim como suas vulnerabilidades6 a antibióticos
e demais substâncias.
Podemos salientar também que alguns destes agentes são persistentemen-
te patogênicos, enquanto outros o são ocasionalmente, como é o caso das bac-
térias existentes no intestino, constituintes da flora normal daquela parte do
organismo, mas que podem causar doenças geniturinárias quando invadem
esse sistema.
1 Infectividade: capacidade de se instalar no hospedeiro e nele multiplicar-se.
2 Patogenicidade: capacidade de produzir doença.
3 Virulência: capacidade de produzir manifestações graves
4 Antigenicidade: capacidade de produzir anticorpos.
5 Mutagenicidade: capacidade de alterar características genéticas.
6 Vulnerabilidades: caráter ou qualidade de vulnerável, podendo ser atacado facilmente.
capítulo 2 • 43
No entanto, o agente nem sempre é “suficiente” para produzir a doença. Outros
fatores, que são as “causas contribuintes”, têm de estar presentes, como é o caso da
influência do meio ambiente no momento da contaminação, assim como da interfe-
rência de caracteres biológicos do próprio hospedeiro que podem o predispor à do-
ença infecciosa. Quanto a esse aspecto, o hospedeiro pode apresentar características
de refratariedade7 ou susceptibilidade ao micro-organismo, as quais irão depender
de componentes relativos a um estado nutricional adequado ou desajustado; a qual
classe social o indivíduo está inserido; presença ou não de estresse; idade e sexo.
Características do ambiente físico e biológico são, muitas vezes, fatores fun-
damentais no circuito da transmissão. Para exemplificar, podemos citar o caso
da cólera, que se alastra rapidamente em ambientes sem condições adequadas
de saneamento básico. Outro caso é o das transmissões infecciosas dependentes
de insetos vetores, no qual podemos evidenciar um aumento da distribuição de
doenças como malária, leishmaniose e “doença de Chagas” nas imediações de
florestas, ao contrário do que ocorre em regiões de cerrado. Porém, o incremento
do turismo e do intercâmbio de pessoas e/o produtos animais e vegetais tende a
facilitar a transmissão de tais enfermidades nas cidades (BRASIL, 2010).
Além disso, o próprio desenvolvimento do sistema de saúde gera condições
favoráveis ao aparecimento de infecções. A prática da hospitalização traz o ris-
co da infecção hospitalar, problema ainda não resolvido com as técnicas de pre-
venção atualmente empregadas. O uso extensivo e inadequado de antibióticos
facilita a eclosão de infecções por germes a eles resistentes. A crescente utiliza-
ção de técnicas invasivas de diagnóstico e de tratamento, que alteram profun-
damente o meio interno, tem como efeito indesejável facilitar o aparecimento
de infecções oportunistas8, pois servem de porta de entrada ou diminuem a re-
sistência do paciente a diversos micro-organismos (CREMESP, 2010).
44 •
capítulo 2
Período de incubação
Período de transmissibilidade
capítulo 2 • 45
Outras terminologias podem também ser empregadas, com significado nem
sempre evidente ou comum a todos os profissionais de saúde, como a designação de
doença “subaguda” e a classificação de casos em “leves”, “moderados” ou “graves”.
Embora esses termos sejam muito utilizados, frequentemente é difícil precisar os
seus limites. Para tanto, faz-se necessária a definição de critérios objetivos, de modo
a possibilitar a verificação da real intensidade das manifestações das doenças.
9 Quadro nosológico: conjunto de doenças prevalentes e/ou incidentes em uma determinada comunidade.
46 •
capítulo 2
a ausência de um agente conhecido, no complexo causal de
um agravo à saúde, faz com que as pesquisas sobre doenças
não-infecciosas sejam focadas nos fatores de risco asso-
ciados ao aparecimento de tais doenças. São chamadas de
EXPOSIÇÃO A “fatores de risco” as circunstâncias do ambiente ou as ca-
FATORES DE racterísticas das pessoas, herdadas ou adquiridas, que lhes
RISCO conferem uma maior probabilidade de acometimento, imedia-
to ou futuro, por um dano à saúde. Mas é importante frisar
que os fatores de risco informam a ocorrência da doença em
termos de probabilidade, e não de certeza, de modo que não
explicam convenientemente o aparecimento da doença.
Período de latência
capítulo 2 • 47
o longo período de latência que precede as manifestações clínicas fazem com
que a fase patogênica seja de difícil delimitação. A identificação de uma doença
crônica, em grande número de casos, ocorre por ocasião de exacerbação aguda.
É o que acontece no infarto agudo do miocárdio ou em episódios de cólicas
renais, cujas exteriorizações clínicas representam uma ou mais fases agudas de
um processo crônico subjacente.
Fatores prognósticos
48 •
capítulo 2
A constatação de que as doenças variam de região para região não é recen-
te: nos textos de Hipócrates (século V a.C.) e nos relatos de viajantes da Idade
Média é possível encontrar descrições das doenças mais encontradas na época,
assim como as mais graves ou as de exteriorização mais evidente (DOLL, 1984).
Assim, há muito tempo se sabe que o estudo da distribuição espacial das do-
enças pode oferecer importantes pistas para a sua etiologia, embora nem sem-
pre seja possível estabelecer nexos causais diretamente através deste tipo de
investigação.
Um dos trabalhos pioneiros nesta área de distribuição espacial das doenças foi desenvol-
vido por John Snow (1813-1858). Seu interesse foi despertado após a introdução clínica
do éter na prática da anestesiologia. Seus trabalhos levaram a diversas contribuições
para o desenvolvimento desta especialidade com a introdução de diversos anestésicos
em seu livro On the Inhalation of Ether (1847). Snow defendeu o uso da analgesia reali-
zando assim o primeiro parto de uma rainha inglesa com técnicas anestésicas. Ao mesmo
tempo em que acumulava sucessos na prática de sua especialidade, Snow começou a
investigar diversas epidemias de cólera que atingiram Londres. A teoria vigente em sua
época era a de que as doenças eram transmitidas pelo ar. Sua fama, entretanto, foi inicia-
da quando conseguiu demonstrar que a cólera seria uma doença de transmissão hídrica.
capítulo 2 • 49
O espaço pode ser didaticamente dividido em três grandes categorias:
CONEXÃO
Saiba mais sobre a contribuição do cientista Evgeny Pavlovsky no campo da epidemiologia
acessando o link http://revistas.jatai.ufg.br/index.php/atelie/article/viewFile/3020/3059.
Aqui você compreenderá uma das mais importantes elaborações teóricas do conceito de
espaço geográfico vinculado ao estudo de doenças transmissíveis, através da introdução de
conceitos de Geografia Médica pela Teoria dos Focos Naturais de Doenças.
50 •
capítulo 2
atividade econômica, ganharemos uma perspectiva histórica da doença. A aná-
lise do processo de organização do espaço, por ser este um processo contínuo,
permite uma visão dinâmica do processo saúde-doença. A análise do processo
de organização do espaço é um recurso teórico em epidemiologia, não é de ma-
neira alguma uma panaceia 10 metodológica e tampouco substitui outras abor-
dagens. Sua aplicação é mais produtiva na investigação das doenças infeccio-
sas, o que não significa que não tenha outras aplicações, apenas tem sido mais
utilizada neste campo (da SILVA, 1997).
O recorte da totalidade feito do ponto de vista do epidemiologista coloca-
rá a doença em primeiro plano e buscará o sistema de relações que permite
a ocorrência desta doença, não na interação humana como ponto de partida,
mas na interação sociedade-natureza e nos modelos de interação humana dela
decorrentes. Dentro da perspectiva oferecida pela geografia, inverte-se o pro-
cesso usual de análise em epidemiologia: ao invés de partir da doença e anali-
sar como esta se insere no contexto, parte-se da totalidade, analisando como
esta criou as condições de ocorrência da doença.
Com isso, o processo de urbanização, altamente acentuado no século XX,
permitiu a ocorrência de mudanças complexas na sociedade, com efeitos be-
néficos e adversos sobre a saúde das pessoas e da comunidade (SUSSER, 1987).
Além do mais, seu impacto não é o mesmo nos diversos segmentos sociais, ate-
nuando, gerando ou realçando diferenças no seio da população.
A rápida transformação verificada no terceiro mundo após a II Guerra Mun-
dial, principalmente nas colônias em emancipação, foi reconhecida pelos
epidemiologistas, que buscaram modelos teóricos para lidar com estas trans-
formações. Foi um momento de surgimento, ou ressurgimento, da geografia
médica, disciplina científica que data do século passado, mas que nunca se
estabeleceu firmemente como distinta da epidemiologia. Vários autores, prin-
cipalmente europeus e norte-americanos, recorreram à geografia para compre-
ender o novo contexto epidemiológico internacional.
Quando se discutem doenças determinadas e geradas pela sociedade, como
muitas das doenças do trabalho ou determinadas doenças mentais, é com-
preensível que se relegue para um plano secundário a análise do espaço. Mas
quando se busca a compreensão da epidemiologia de doenças muito ligadas
ao meio, como a maioria das doenças infecciosas, particularmente as transmi-
10 Panaceia: Mecanismos ou práticas que, hipoteticamente, são capazes de solucionar os problemas e/ou
dificuldades
capítulo 2 • 51
tidas por vetor, ou alguns cânceres determinados por exposição a substâncias
existentes no meio, o espaço deve necessariamente entrar como categoria de
análise, se não se quiser ofuscar processos importantes (da SILVA, 1997).
A migração rural-urbana está muito ligada ao desenvolvimento, tanto do cam-
po como da cidade. A modernização rural tende a diminuir a quantidade de empre-
go, enquanto a da cidade aumenta a sua esfera. Observa-se que o migrante e toda a
sua família têm, em média, melhores rendimentos de trabalho, no local de destino,
quando comparados com o que ocorrias se ainda estivessem em seu local de origem.
Assim, os migrantes passam a viver nas proximidades de serviços de saúde
e de outras facilidades urbanas, o que, em conjunto, tende a ser benéfico para a
saúde. Em contrapartida, há toda uma complexa problemática de desinserção
territorial e ruptura social que pode causar reflexos negativos sobre a saúde.
Outros fatores deletérios para a saúde são as mudanças de hábitos pessoais
(dieta, por exemplo), que acompanham a migração, assim como a exposição a
um diferente meio ambiente ou local de trabalho (PEREIRA, 2013).
A análise espacial das doenças e demais eventos de saúde também pode ser
um importante instrumento de gestão na saúde. Na epidemiologia, é utilizada
para identificar padrões espaciais de morbidade ou mortalidade e os fatores
associados a esses padrões, descrever processos de difusão de doenças e gerar
conhecimento sobre etiologia de doenças, visando sua predição e controle. Se-
gundo Gatrell & Bailey (1996), os métodos para análise espacial podem ser divi-
didos em três grupos, segundo seu propósito principal:
52 •
capítulo 2
Deve-se notar que os procedimentos utilizados para executar a análise espa-
cial não se resumem simplesmente ao mapeamento dos eventos. Além disso,
a despeito do aspecto aparentemente “estático” de um mapa, ele reflete sinta-
ticamente complexos processos sociais, históricos, geográficos e ambientais.
Muitas doenças, e em especial as zoonoses, têm habitats naturais em ecos-
sistemas bem definidos nos quais patógenos, vetores e hospedeiros naturais
formam associações, ou biocenoses, em que o patógeno circula. A paisagem
é, assim, um fator epidemiológico, pois suas características são as do ecossis-
tema local. A ocupação pelo homem de tais focos naturais leva à ocorrência de
casos de doença no local. A doença passa a ter como que uma personalidade
própria e se incorpora no contexto ecológico, sendo vista como parte integrante
do ecossistema.
capítulo 2 • 53
1. Indicar os riscos a que as pessoas estão sujeitas
Tabela 2.1 – Uso das informações sobre a distribuição temporal dos agravos à saúde.
54 •
capítulo 2
quando as mudanças de frequências são bruscas de uma
observação para a seguinte, como, por exemplo, as que
MUDANÇAS ocorrem de um ano para o outro. Nessas situações algu-
BRUSCAS NAS mas intervenções pontais são necessárias, como pode-
FREQUÊNCIAS mos citar com a utilização de campanhas de vacinação
em massa para prevenir uma tendência geral de agravo à
saúde dos indivíduos daquela população.
capítulo 2 • 55
geral deve referir-se a um período mínimo de tempo, de forma a possibilitar a
percepção da tendência do fenômeno: se estacionária, ascendente ou descen-
dente. Na maioria das situações, a duração da série histórica é determinada
pela disponibilidade dos dados, e não pelo pesquisador.
56 •
capítulo 2
A variação sazonal da temperatura, por exemplo, se caracteriza por tempe-
ratura alta no verão, e baixa, no inverno. Essas oscilações de temperatura estão
associadas à maior incidência de diarreias, no verão, e de infecções transmiti-
das por vias respiratórias no inverno.
Um padrão de sazonalidade é também encontrado na maioria das doenças
infecciosas, mas ele não é específico deste grupo de agravos à saúde. Os aci-
dentes de trabalhos ocorridos em épocas de colheitas agrícolas são também
considerados eventos sazonais. Além disso, nas comunidades rurais pobres, o
peso das pessoas, particularmente das crianças, mostra estreita relação com as
estações do ano.
Variações irregulares
capítulo 2 • 57
A ocorrência de um número de casos de doenças, além do esperado, asso-
ciada ou não a algum evento ambiental de grandes proporções, caracteriza a va-
riação do tipo irregular e aponta para a necessidade de investigar as suas mais
prováveis causas. Quando a doença só aparece sob a forma de surtos, como no
exemplo das intoxicações alimentares, os conglomerados de casos, com este
diagnóstico, são então devidamente investigados.
Tipos de epidemia
58 •
capítulo 2
CONEXÃO
Visualize com mais precisão dados epidemiológicos descritivos apresentados em forma de
tabelas e gráficos pelo Ministério da Saúde! Acesse os Boletins Epidemiológicos de doenças
com maior expressividade epidêmica no Brasil, através dos links: http://bvsms.saude.gov.br/
bvs/periodicos/boletim_epidemiologico_hepatites_virais_v1_n1.pdf para dados sobre Hepa-
tites Virais; http://portalsaude.saude.gov.br/images/pdf/2015/maio/04/2015-016---Bole-
tim-Dengue-SE15-2015.pdf para dados sobre Dengue e; http://portalsaude.saude.gov.br/
images/pdf/2015/marco/27/2015-007---BE-Tuberculose---para-substitui----o-no-site.pdf
para dados sobre Tuberculose. Nesses boletins, você encontrará dados de monitoramento des-
sas doenças em todos os estados e regiões do país a partir de indicadores epidemiológicos
atualizados!
LEITURA
Algumas técnicas simples de análise de série temporais foram mostradas nesta unidade.
Outras, mais complexas, são encontradas em obras especializadas. Deve-se procura-las em
livros de estatística que, por vezes, têm um capítulo dedicado ao tema, ou em textos sobre
análise de séries temporais, que tratam especificamente do assunto.
Temas como repartição geográfica da população, mobilidade e êxodo rural, modificações
demográficas, suas causas e consequências são encontradas em livros de demografia, ge-
ografia, sociologia e ciências sociais, de maneira geral, cada qual com a sua forma particular
de abordagem. Tal material pode ser útil para aprofundar conhecimentos ou para buscar
referências sobre a matéria.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. Guia de vigilância epidemiológica. 7. ed. – Brasília : Ministério da Saúde, 2009.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância
Epidemiológica. Doenças infecciosas e parasitárias: guia de bolso. 8. ed. rev. – Brasília : Ministério
da Saúde, 444 p. : Il. – (Série B. Textos Básicos de Saúde), 2010.
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capítulo 2 • 59
CREMESP. O controle da infecção hospitalar no Estado de São Paulo. São Paulo: Conselho
Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2010.
DOLL, R. The geography of disease. British Medical Bulletin. v. 40, n.4, 1984.
GATRELL, A. C.; BAILEY, T. C. Interactive spatial data analysis in medical geography. Soc Sci
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MEDRONHO, A. M; BLOCH K. V.; LUIZ, R. R.; WERNECK, G. L. Epidemiologia. 2. ed. São Paulo:
Editora Atheneu, 2009.
PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.
SARTWELL, P. E. The incubation period and the dynamics of infectious disease. American
Journal of Epidemiology. v. 83, n. 2, p. 204-16, 1996.
da SILVA, L. J. O conceito de espaço na epidemiologia das doenças infecciosas. Cad. Saúde
Públ. v. 13, n. 4, p. 585-593, out-dez, 1997.
SUSSER, M. Industrialization, urbanization na health: an epidemiological view. Em: Health and
society: the macro-social view. New York, Oxford University Press, p. 194-209, 1987.
60 •
capítulo 2
3
Indicadores de
Saúde
Estudante, aqui você irá descobrir quais são as formas de quantificar saúde e
doença na população!
A premissa básica inerente ao ato de intervir, tanto no intuito de mudar
uma situação existente julgada insatisfatória como simplesmente com o obje-
tivo de guiar os próprios passos, é a de conhecer adequadamente a situação. Os
indicadores de saúde são usados com esse propósito.
Esta unidade apresentará informativos situacionais que permitirão compa-
rações individuais ou populacionais, de modo a subsidiar a tomada de decisões
racionais, bem fundamentadas, sobre as ações a recomendar ou a aplicar de
imediato.
OBJETIVOS
Consideramos importante que ao longo do estudo deste capítulo, você:
62 •
capítulo 3
3.1 Considerações Gerais
Em geral, o termo “indicador” é utilizado para representar ou medir aspectos
não sujeitos à observação direta; a saúde está nesse caso, assim como a “norma-
lidade”, a qualidade de vida e a felicidade.
“Indicador” e “índice” são termos empregados, ora como sinônimos, o que
era comum no passado, ora com significados distintos, o que é tendência atual
(PEREIRA, 2013). Assim, hoje designamos por “indicador” o dado que inclui
apenas um aspecto: por exemplo, a mortalidade. No entanto, por “índice” nos
referimos a situações multidimensionais, já que incorpora em uma única me-
dida diferentes aspectos ou diferentes indicadores.
Os indicadores de saúde passam a ser utilizados, na prática, quando se mos-
tram relevantes, ou seja, quando são capazes de retratar com fidedignidade e
praticidade, seguidos os preceitos éticos, os aspectos da saúde individual ou
coletiva para os quais foram propostos. A escolha do indicador mais apropriado
depende dos objetivos de cada situação, em especial, da questão científica for-
mulada, assim como de aspectos metodológicos, éticos e operacionais.
São critérios para a seleção e avaliação de indicadores de saúde:
capítulo 3 • 63
• Cobertura (representatividade): um indicador sanitário será tanto mais
apropriado quanto maior cobertura populacional alcançar. Quando o indica-
dor provém de um sistema de amostragem, a sua representatividade é garan-
tida pela utilização de um processo adequado de seleção de unidades compo-
nentes da amostra1 e por um trabalho de campo que alcance todas, ou quase
todas, as unidades que foram selecionadas.
• Questão ética: é imperativo ético que a coleta de dados não acarrete malefí-
cios ou prejuízos às pessoas investigadas. A questão ética também se impõe no to-
cante ao “sigilo” dos dados individuais, embora este aspecto seja mais importante
em clínica do que em diagnósticos epidemiológicos, pois, neste caso, a informação
divulgada refere-se ao conjunto da população sob a forma anônima de estatística.
• Ângulo técnico-administrativo: do ponto de vista técnico-administrativo,
o emprego de indicadores exige consideração detalhada de outras característi-
cas, como simplicidade, flexibilidade, facilidade de obtenção, custo operacio-
nal compatível e oportunidade. As características mencionadas são fundamen-
tais em condições habituais de funcionamento dos serviços e, nestes casos, a
obtenção dos dados não deve causar perturbações ou inconvenientes, sob a
pena de limitar a colaboração dos profissionais de saúde, o que pode resultar
em baixa cobertura e confiabilidade dos dados obtidos.
64 •
capítulo 3
Resultados expressos em frequência relativa
Exemplo: relação entre duas doenças, como o número de óbitos por febre
amarela em relação aos de tuberculose.
Tradicionalmente, em avaliações realizadas na área de saúde, são utilizados
indicadores “negativos”, como a mortalidade e a morbidade, em lugar dos “po-
sitivos”, do tipo bem-estar, qualidade de vida e normalidade. Por outro lado,
alguns outros indicadores não se enquadram na classificação de positivos ou
negativos, como são os casos de natalidade 3 e fecundidade4. Cada um desses
indicadores possíveis de utilização será tratado aqui nesta unidade, em sequência.
2 Morbidade: característica, particularidade ou estado do que é mórbido; morbidez. Medicina: que possui a
propensão ou a capacidade para ocasionar doenças; número que se refere aos doentes atingidos por determinada
doença; incidência de uma doença.
3 Natalidade: conjunto de ocorrências de nascimentos, durante um tempo determinado.
4 Fecundidade: característica ou estado do que é fecundo; fértil. Que produz em excesso; produtividade ou fertilidade.
capítulo 3 • 65
CONEXÃO
Vamos lá estudante! Aproveite a oportunidade e conheça de forma detalhada os tipos de
indicadores utilizados no Brasil! Acesse o link http://tabnet.datasus.gov.br/tabdata/livroi-
db/2ed/indicadores.pdf e terá em mãos um material destinado a orientar a utilização dos
Indicadores e Dados Básicos para a Saúde – organizado pela Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS)! Tal material compreende um amplo conjunto de indicadores construídos
a partir de bases de dados e pesquisas de âmbito nacional, cobrindo diversos aspectos da
saúde no país.
3.2 Mortalidade
Historicamente, o primeiro indicador utilizado em avaliações de saúde coleti-
va, e ainda hoje o mais empregado, é o de mortalidade. Isso pode ser explicado
pelas facilidades operacionais: a morte é objetivamente definida, ao contrário
das doenças. Ressalta-se, entretanto, que os índices baseados em dados sobre
mortalidade não são isentos de erro.
Como a situação atual dos sistemas de informação em saúde existentes
só permite cobertura parcial e não-homogênea sobre o registro da ocorrên-
cia de casos de doenças a partir de estatísticas ambulatoriais, hospitalares,
de notificação compulsória5 de agravos às saúde etc., as estatísticas de morta-
lidade constituem fonte essencial para a construção de indicadores de saúde
(MEDRONHO et al., 2009). Estas, por utilizarem uma mesma metodologia, isto
é, informações registradas na declaração de óbito (DO), padronizada em todo
território nacional e também de acordo com o modelo internacional de ates-
tado médico para declaração sobre causas de morte, permitem a realização de
comparações nos níveis regional, nacional e internacional.
O Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde,
implantado em 1975/76, é a fonte habitual de informações sobre mortalida-
de no país (LAURENTI et al., 2005). Já a divulgação sobre as estatísticas ofi-
ciais de mortalidade é responsabilidade do Instituto Brasileira de Geografia e
Estatística (IBGE).
5 Notificação compulsória: trata-se de doença que deve ser comunicada, obrigatoriamente, às autoridades
sanitárias de Saúde Pública.
66 •
capítulo 3
Os indicadores que expressam a mortalidade da população são numerosos.
Na tabela 3.1 você pode observar a relação dos mais comumente utilizados,
acompanhados de suas respectivas fórmulas. Em geral, eles referem-se ao que
acontece em uma população, no período de um ano, embora possam ser usa-
dos diferentemente, com o cuidado de sempre indicar a população, a época e o
período a que as informações se referem.
Os indicadores de saúde baseados em dados sobre mortalidade são classifi-
cados em dois tipos: os indicadores globais, tais como coeficiente geral de mor-
talidade, a razão de mortalidade proporcional e a esperança de vida ao nascer;
e os específicos, como os coeficientes de mortalidade infantil e de mortalidade
por doenças transmissíveis.
capítulo 3 • 67
COEFICIENTE DE MORTALIDADE PÓS-NEONATAL
Número de óbitos de crianças de 28 dias até 1 ano de idade, no período X 1.000
Número de nascidos vivos no período
COEFICIENTE DE MORTALIDADE PERINATAL
Número de óbitos fetais (com 22 semanas ou mais de gestação) acrescido do número de
óbitos na primeira semana de vida, no período X 1.000
Número de nascidos vivos e de natimortos, no período
COEFICIENTE DE NATIMORTALIDADE
Número de natimortos, no período X 1.000
Número de nascidos vivos e de natimortos no período
COEFICIENTE DE LETALIDADE (OU FATALIDADE)
Número de óbitos por determinada doença X 100 (ou
Número de casos da mesma doença 1.000)
MORTALIDADE PROPORCIONAL, POR CAUSAS
Número de óbitos por determinada causa, no período X 100
Todos os óbitos no período
MORTALIDADE PROPORCIONAL DE MENORES DE UM ANO
Número de óbitos de crianças menores de um ano, no período X 100
Todos os óbitos no período
MORTALIDADE PROPORCIONAL DE 50 ANOS OU MAIS
Número de óbitos de maiores de 50 anos, no período X 100
Todos os óbitos no período
Tabela 3.1 – Fórmula dos principais indicadores de mortalidade. Fonte: Modificado de
PEREIRA, 2013.
68 •
capítulo 3
morrendo. Já para uma população mais jovem estaria significando mortalida-
de prematura. Para comparação de duas ou mais populações com diferentes
estruturas etárias, ou de sexo, há necessidade de padronizar os coeficientes,
tendo como referência uma população padrão (geralmente a mundial, quando
se comparam diferentes países, ou nacional, quando se comparam diferentes
locais do mesmo país) (GOTLIEB et al., 1987).
É uma estimativa do risco que as crianças nascidas vivas tem de morrer an-
tes de completar um ano de idade. É considerado um indicador sensível das
condições de vida e saúde de uma comunidade.
Cuidado especial deve ser tomado quando se vai calcular o coeficiente de
mortalidade infantil de uma localidade, pois tanto o seu numerador (óbitos de
menores de 1 ano), como seu denominador (nascidos vivos) podem apresen-
tar problemas de classificação. Para evitar esses problemas, o primeiro passo
é verificar se as definições, citadas pela Organização Mundial de Saúde (1994),
estão sendo corretamente seguidas por quem preencheu a declaração de óbito
da criança. Estas definições são as seguintes:
capítulo 3 • 69
O coeficiente de mortalidade infantil pode ainda ser dividido em:
Para este final de século, os coeficientes de mortalidade infantil abaixo de 20 por 1.000 nasci-
dos vivos são considerados baixos, constituindo-se meta a ser alcançada, até o final do século,
pelos países europeus. Se os coeficientes são de 50 óbitos ou mais por 1000 nascidos vivos,
a mortalidade infantil deve ser considerada elevada: ficar abaixo deste patamar é meta para os
povos da América Latina, a ser alcançada neste final de século (PEREIRA, 2013).
70 •
capítulo 3
vivos, em um dado local, em um determinado intervalo de tempo. Sendo assim,
altas taxas de mortalidade materna refletem o baixo nível das condições de saúde
da mulher e indicam qualidade deficiente dos cuidados oferecidos à população.
A morte materna pode ser subdividida em: a) morte obstétrica direta, sendo
aquela resultante de complicações obstétricas devido a intervenções, omissões,
tratamento incorreto, etc. (aborto, infecção puerperal) e b) morte obstétrica in-
direta, quando resulta de doenças existentes antes da gravidez, ou desenvolvida
durante a gravidez, não devidas a causas obstétricas diretas, mas agravadas pe-
los efeitos fisiológicos da gravidez (diabetes mellitus, insuficiência cardíaca).
No cálculo do coeficiente de mortalidade materna entram, portanto, todos
os casos de óbitos maternos, tanto por causas obstétricas diretas, como indire-
tas, que ocorreram em até 42 dias após o término da gestação (ver Quadro 3.1).
Coeficiente de Natimortalidade
Coeficiente de Letalidade
capítulo 3 • 71
morte de cerca de um terço dos pacientes por ela acometidos, proporção muito
maior do que aquela verificada nas pessoas afetadas pela gripe.
O coeficiente de letalidade (ou fatalidade) não deve ser confundido com o
de mortalidade. A diferença reside no denominador: óbitos entre os casos (leta-
lidade) e óbitos na população (mortalidade).
Mortalidade Proporcional
72 •
capítulo 3
• Mortalidade proporcional por causas de morte: é a proporção que deter-
minada causa (ou agrupamento de causas) tem no conjunto de todos os óbitos.
Por exemplo, a mortalidade proporcional por doenças do aparelho circulatório
é a proporção de óbitos por doenças do aparelho circulatório em relação ao to-
tal de óbitos no mesmo período e local.
• Mortalidade por sexo: representa as marcantes diferenças existentes en-
tre o que ocorre com no homem e na mulher. O padrão de maior mortalidade
masculina é encontrado em praticamente todas as idades e para quase todos os
grupos de causas e regiões, com exceção das sociedades extremamente subde-
senvolvidas, nas quais os valores, nos dois sexos, podem ser muito próximos.
3.3 Morbidade
Segundo o pesquisador Last (1988) “a morbidade é qualquer afastamento de
um estado de bem-estar fisiológico ou psicológico, aferido objetivamente ou
referido de forma subjetiva”. Assim, conceituar morbidade implica, necessa-
riamente, em uma referência ao conceito de saúde.
Uma conceituação mais genérica de morbidade, comumente utilizada em
epidemiologia, é a medida da frequência de determinada doença ou agravo à
saúde, independentemente de sua evolução, ou seja, cura, morte ou cronicidade 7
(FORATTINI, 1992). Você poderá notar que a mortalidade está incluída na defini-
ção de morbidade, constituindo um caso particular dessa última. Portanto, os es-
tudos da morbidade a partir de dados sobre mortalidade são, via de regra, incom-
pletos e parciais, salvo no caso de doenças e agravos altamente letais. Dado que os
indicadores de saúde baseados em medidas de mortalidade já foram apresentados
anteriormente neste capítulo, daremos destaque nesta seção aos indicadores de
morbidade referentes aos problemas de saúde não-fatais e suas consequências.
Os indicadores de morbidade consistem essencialmente em medidas de in-
cidência e prevalência, cujos conceitos foram aprofundados anteriormente, no
capítulo 1 deste livro.
O estudo da morbidade em populações humanas requer, usualmente, dife-
rentes fontes de dados, já que, ao longo da vida, um indivíduo é acometido por
mais de um evento mórbido. Ademais, são muitos os sistemas de informações
e as bases de dados sobre morbidade existentes (MEDRONHO et al., 2009).
7 Cronicidade: estado crônico: a cronicidade de uma doença. Estado do que ocorre em tempos determinados;
periodicidade.
capítulo 3 • 73
Entre as fontes de dados sobre morbidade mais comumente utilizadas, des-
tacam-se os registros de notificação compulsória de doenças, as estatísticas
hospitalares e de serviços de assistência ambulatorial, os registros especiais de
doenças, os registros de mortalidade e de nascidos vivos e os inquéritos popu-
lacionais (LEBRÃO, 1997). No Brasil, tais fontes de dados estão reunidas em
diferentes sistemas de informações e bases de dados de abrangência nacional,
como as citadas abaixo:
74 •
capítulo 3
No Brasil, um grupo que acumulou maior experiência em inquéritos de morbidade,
talvez tenha sido o de Ribeirão Preto – SP, do Departamento de Epidemiologia da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que realizou, nos 70, uma inves-
tigação continuada de morbidade por entrevistas domiciliares, cobrindo a população
urbana do município (CARVALHEIRO; CARVALHEIRO, 1979; CARVALHEIRO et al.,
1982). Semanalmente, eram visitadas cerca de 400 famílias, escolhidas de um painel
de 5.200, correspondendo a uma amostra representativa da população. No ano de
1975, a morbidade geral referida, para o período de uma quinzena, foi de 304 agravos
à saúde por 1.000 pessoas, ou seja, 30,4%. As causas mais frequentes de morbidade
foram as doenças respiratórias, as digestivas, os transtornos mentais e do sistema ner-
voso, que em conjunto, representariam mais de 50% da morbidade total.
capítulo 3 • 75
populacionais específicos, como populações residentes em uma cidade, esta-
do, região ou país. É expressa em unidades de tempo, como por exemplo, o ano
(no âmbito as saúde pública), ou o mês (nos estudos clínicos de sobrevida de
pacientes) (MEDRONHO et al., 2009).
A expectativa de vida é calculada por meio da técnica denominada tábua
de sobrevivência ou tábua de vida, que se baseia na experiência de sobrevida e
morte de uma coorte8, como por exemplo, a partir dos nascimentos ocorridos
em um determinado ano, até o desaparecimento de seu último membro.
Nas populações humanas, o modelo utilizado é o da tábua de vida de coorte
sintética, que estima as probabilidades de morte em cada idade em relação aos
óbitos registrados durante um período do calendário (em geral um ano) e os
dados de uma população recenseada9. Trata-se da experiência de mortalidade,
em um período curto de tempo, de diferentes coortes de nascimento que com-
põem uma determinada população. O conjunto das experiências particulares
de sobrevida e mortalidade é então projetado sobre uma coorte hipotética de
nascidos vivos (MEDRONHO et al, 2009).
A partir de tábuas de vida elaboradas para cada área geográfica, toma-se o nú-
mero correspondente a uma geração inicial de nascimentos (l 0) e determina-se o
tempo cumulativo vivido por essa mesma geração (T 0) até a idade limite. Essa me-
dida é denominada expectativa ou esperança de vida ao nascer, designada por e0. A
esperança de vida ao nascer é o quociente da divisão de T 0 por l0. Assim, a soma do
número de anos de vida acumulados pelos sobreviventes a cada etapa, quando di-
vidida pelo número de nascidos vivos, resulta na duração média, em anos, da vida
dos indivíduos de uma coorte hipotética, desde o nascimento (RIPSA, 2008).
Amplamente utilizada há mais de um século, a expectativa de vida ao nascer
é considerada, juntamente com o coeficiente de mortalidade infantil, um dos
melhores indicadores para avaliação do nível de saúde de populações humanas.
A expectativa de vida pode também ser referida a qualquer idade x após o
nascimento (ex). Tendo em vista a tendência de envelhecimento das popula-
ções em todo o mundo, a expectativa de vida aos 60 anos de idade tem sido
usada como um indicador de saúde, possibilitando dimensionar também as
demandas adicionais de assistência médica, social e previdenciária por parte
dos contingentes de idosos.
8 Coorte: grupo de pessoas que partilham algo em comum, como o mesmo ano de nascimento, ou a exposição a
um mesmo fator supostamente causador de um problema de saúde.
9 Recenseada: disposta de modo a compor uma lista; enumerada; analisada criteriosamente; considerada com
minúcia.
76 •
capítulo 3
Na medida da expectativa de vida aos 60 anos de idade, a partir de tábuas
de vida elaboradas para cada área geográfica, toma-se o número de indivíduos
de uma geração inicial de nascimentos que completou 60 anos de idade (l 60).
Determina-se, a seguir, o tempo cumulativo vivido por essa mesma geração des-
de os 60 anos (T60) até a idade limite. A esperança de vida aos 60 anos de idade é
dada, então, como o quociente da divisão de T60 por l60 (RIPSA, 2008).
Ao contrário
contrário das taxas de mortalidade geral e por
por causas
causas específicas, a expec-
expec-
tativa de vida ao nascer – assim como em qualquer idade x – não é influenciada
pela estrutura etária da população de referência, e, portanto, pode ser utilizada
diretamente para comparação dos níveis de saúde de diferentes populações, ou
de uma mesma população em momentos distintos. Por outro lado, a estimativa
apropriada da expectativa de vida requer registros de mortalidade de boa quali-
dade e cobertura, o que nem sempre é assegurado. Dessa forma, é comum ob-
ter-se estimativas de expectativa de vida ao nascer e em outras idades por meio
de métodos indiretos, de uso comum em demografia.
3.5 Transiç
ransição
ão Demográf
Demográfica
ica e Epidemio
Epidemiológica
lógica
3.5.1 Transição Demográfica
capítulo 3 • 77
acarretaram redução gradativa da mortalidade. Já a fecundidade resiste mais
às mudanças e, quando permanece alta, dá lugar ao crescimento populacional
acelerado.
CONEXÃO
aproveite para obter dados demográficos atuais da população brasileira, acessando o link:
www.ripsa.org.br/lildbi/docsonline/get.php?id=276 da Rede Interagencial de Informações
para a Saúde (RIPSA) e verifique que mudanças na composição etária da população já são
notáveis e se acentuarão nas próximas décadas, conformando um novo perfil de demanda
que requer rearranjos consideráveis nas formas de organização e de prestação de serviços
de saúde.
78 •
capítulo 3
particularmente, das doenças cardiovasculares, como principal causa de mor-
te. Os países chamados ‘em desenvolvimento’, situados na periferia do sistema
econômico mundial, sofreram, também, nos últimos 30 a 40 anos, uma trans-
formação em seus perfis de morbidade e de mortalidade semelhante, porém
não idêntica, àquela verificada nos países centrais. No Brasil, essas transforma-
ções tornaram-se evidentes a partir de 1960 e se acentuaram progressivamen-
te de modo que, ao chegar à década dos noventa, o país apresentava um perfil
epidemiológico polarizado, cujas causas e consequências para a atual política
de saúde devem ser analisadas (ARAÚJO, 1992).
A gradual e progressiva melhora
melhora nos níveis de saúde dos países do hemisfé-
hemisfé-
rio norte se acentuou a partir das transformações sociais associadas à revolu-
ção industrial, que resultaram em mudanças sensíveis na disponibilidade de
alimentos, nas condições de moradia e em medidas de saneamento básico.
Segundo a teoria de Omram (1971), a humanidade teria atravessado três fa-
ses epidemiológicas ao longo da sua história:
capítulo 3 • 79
de vida foi aumentando até atingir os 70 anos, nos meados deste século. As
principais causas de mortalidade passaram a ser doenças cardiovasculares e
as neoplasias malignas. Nessa fase, houve uma desaceleração no crescimento
demográfico.
80 •
capítulo 3
1986/87 e em 1990/91; a reintrodução da cólera em 1991 na Amazônia e sua
penetração no Nordeste, em 1992; e o aumento na incidência e na prevalência
da hanseníase, nos últimos 20 anos (BRASIL, 1992).
Verifica-se, assim, ao lado da permanência e do agravamento de problemas
sanitários antigos, o reaparecimento de “velhos fantasmas” (CAVALHEIRO,
1992), como a cólera. A esse quadro soma-se o novo drama da Síndrome da
Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), cujo primeiro caso ocorreu em 1980
e cuja incidência vem aumentando em progressão geométrica, tendo atingido
um total acumulado de 25.000 casos registrados em 1992, afetando não ape-
nas os chamados grupos de risco, mas a praticamente todos os segmentos da
população.
Desta forma, ao enfrentar o problema emergente do aumento da morbida-
de e da mortalidade pelas doenças crônico-degenerativas, cujo custo social vem
sendo destacado, o Brasil defronta-se com a permanência ou até mesmo com
o recrudescimento das doenças infecciosas e parasitárias, ao contrário do que
se deu nos países industrializados, onde as doenças crônicas só passaram a as-
sumir papel preponderante após o virtual controle das doenças transmissíveis.
Verifica-se assim, no Brasil, uma polarização epidemiológica com a exis-
tência simultânea de elevadas taxas de morbidade e mortalidade por doenças
crônico-degenerativas e de incidência e prevalência de doenças infecciosas e
parasitárias, cuja mortalidade ainda é elevada em comparação com as taxas de
países desenvolvidos e de outros países da América Latina.
LEITURA
Ao aluno interessado em aprofundar os conhecimentos sobre estudos baseados em indi-
cadores de morbidade, recomendo que proceda à leitura do texto de autoria de Laurenti e
colaboradores (2005) e Lebrão (1997).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 3 • 81
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de saúde por entrevistas domiciliárias. VII. Vila Lobato, utilização de serviços de saúde. Revista
82 •
capítulo 3
4
Aplicações da
Epidemiologia
Neste capítulo você irá encontrar as formas de aplicabilidade da epidemiolo-
gia e poderá conhecer alguns conceitos epidemiológicos. Assimilará conheci-
mento sobre: Vigilância Epidemiológica, Epidemiologia e Serviços de Saúde,
Epidemiologia Clínica, Epidemiologia Ambiental e Epidemiologia Nutricio-
nal, onde serão analisados os objetivos da vigilância em saúde.
O atual capítulo mencionará também os principais meios pelos quais os pro-
fissionais da área da saúde, e toda a população, deverão utilizar para tornar
efetivas as medidas de prevenção e controle de doenças e agravos à saúde
pública.
OBJETIVOS
Esperamos que você seja capaz de:
84 •
capítulo 4
4.1 Vigilância Epidemiológica
As primeiras intervenções no campo da prevenção e no controle de doenças fo-
ram orientadas pelo avanço da era bacteriológica no século XX e da descoberta
dos ciclos epidemiológicos de doenças infecciosas e parasitárias. A expressão
vigilância epidemiológica passou a ser usada no controle de doenças transmis-
síveis em 1950, com significado de: a observação sistemática e ativa de casos
suspeitos ou confirmados de doenças transmissíveis e de seus contatos, sendo
então uma vigilância de pessoas baseada em medidas de isolamento, aplicadas
individualmente ou coletivamente (BRASIL, 2009).
Em 1964 o termo “vigilância epidemiológica” é cunhado por Karel Raska,
sendo essa designação utilizada primeiramente no contexto internacional
(MEDRONHO, 2009). Em seguida, na 21ª Assembleia Mundial de Saúde de 1968,
determinou-se a abrangência do conceito de vigilância epidemiológica, sendo
acrescidos, naquela ocasião, os seguintes problemas de saúde pública: doenças
transmissíveis, malformações congênitas, envenenamento na infância, leuce-
mia, abortos, acidentes e doenças profissionais, fatores de risco comportamen-
tais, riscos ambientais, utilização de aditivos, entre outros (BRASIL, 2009).
No Brasil, as ações de vigilância epidemiológica tiveram início na Campanha
de Erradicação da Varíola (1966-1973), favorecendo o desenvolvimento de uni-
dades de vigilância epidemiológica nas secretarias estaduais de saúde; e no
controle da poliomielite na década de 1980, iniciando perspectivas de erradi-
cação dessa doença no continente americano, alcançada posteriormente em
1994 (BRASIL, 2009).
A 5ª Conferência Nacional de Saúde de 1975 recomendou instituir o
Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica pelo Ministério da Saúde, tor-
nando-se obrigatória a notificação de transmissíveis pela Lei nº 6.259/75 e
Decreto nº 78.231/76. Em 1977, o Ministério da Saúde criou o primeiro Manual
da Vigilância Epidemiológica com normas técnicas e programas de controle es-
pecíficos de cada doença.
Com o advento da promulgação do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil,
em 1990, sob a Lei 8.080/90 é definida a vigilância epidemiológica como sendo
um conjunto de ações que proporciona o conhecimento, a detecção ou preven-
ção de qualquer mudança nos fatores que condicionam à saúde individual ou
coletiva, com a finalidade de adotar as medidas de prevenção e controle das
doenças e agravos (MEDRONHO, 2009).
capítulo 4 • 85
Com o propósito de fornecimento de orientação técnica aos profissionais
de saúde, para que os mesmos possam desenvolver ações de prevenção e con-
trole de agravos, as atividades da vigilância epidemiológica são apoiadas em
três pilares: informação, decisão e ação (TEIXEIRA et al, 2013). A atuação nestas
dimensões é subsidiada para a orientação técnica aos profissionais de saúde,
com responsabilidades de decidir as ações de controle de doenças e agravos
com informações atualizadas sobre a ocorrência das doenças e agravos, tornan-
do-se um instrumento para o planejamento, organização, operacionalização e
normatização de atividades nos serviços de saúde.
Conforme descrito na figura 4.1, a operacionalização da vigilância epide-
miológica define um ciclo de funções específicas a serem desenvolvidas, como:
• Coleta de dados;
• Processamento dos dados;
• Análise e interpretação dos dados;
• Recomendação das medidas de prevenção e controle;
• Promoção das ações de prevenção e controle indicadas;
• Avaliação da eficácia e efetividade das medidas adotadas;
• Divulgação das informações.
86 •
capítulo 4
O fluxo e a periodicidade dos dados coletados correspondem às necessida-
des estabelecidas de acordo com os indicadores e as características próprias
das doenças e agravos sob vigilância. Quando necessitar o envolvimento de
outro nível do sistema, o fluxo deverá ser rápido para não ocorrer atrasos nas
medidas de prevenção e controle.
No Sistema de Vigilância Epidemiológica os dados a serem informados são:
4.1.1 Notificação
capítulo 4 • 87
• Magnitude - doenças de elevada frequência;
• Potencial de disseminação – poder de transmissão da doença;
• Transcendência – relevância da doença ou agravo por sua severidade, leta-
lidade, hospitalização, sequelas entre outros;
• Vulnerabilidade – disponibilidade de instrumentos específicos para pre-
venção e controle de doenças efetivamente;
• Compromissos internacionais – cumprimento de metas continentais ou
mundiais de controle de eliminação/erradicação de doenças.
• Ocorrências de emergências e surtos – eventos de saúde que impliquem
risco de disseminação de doenças, devendo ser notificados imediatamente.
CONEXÃO
Para obtenção da lista de notificação compulsória, na íntegra, acesse o link: http://bvsms.
saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt0104_25_01_2011.htmle fique por dentro de
quais doenças se encontram nela!
88 •
capítulo 4
O Ministério da Saúde (2009) apresenta as seguintes fontes de dados para
utilização da população: Estudos epidemiológicos – fontes regulares de co-
leta de dados; Inquérito epidemiológico – estudos realizados em uma amos-
tra de população, quando as informações são inadequadas e insuficientes;
Levantamento epidemiológico – estudos para complementar informação já
existentes; Sistemas sentinelas – informações capazes de monitorar os indica-
dores chaves da população ou em grupos que sirvam de alerta.
Estudante, é importante que compreenda que a investigação epidemiológi-
ca se trata de uma pesquisa de campo, a partir dos casos notificados, afim de:
identificar fonte de infecção e modo de transmissão, identificar grupos expos-
tos, confirmar diagnóstico, determinar características epidemiológicas; com
o objetivo final de orientar medidas de controle para impedir ocorrências de
novos casos.
De acordo com Waldman e Rosa (2015), a vigilância de um evento adverso, es-
pecífico à saúde, é composta por dois subsistemas que estão interligados aos sis-
temas de saúde, sob responsabilidade do Sistema Nacional de Saúde (Figura 4.2):
capítulo 4 • 89
Para você obter um melhor entendimento acerca dos subsistemas de vigilância, Waldman
e Rosa (2015) nos trás como exemplo que as bases técnicas para um programa de con-
trole de difteria em Santa Catarina, na Bahia ou, talvez, na Polônia são muito semelhantes;
o que irá diferir é a norma, que deve estar vinculada às características locais do compor-
tamento da doença na comunidade, devendo também levar em consideração os recursos
humanos, materiais e a tecnologia disponível para o desenvolvimento dos programas de
controle. Esses subsistemas têm por função também incorporar aos serviços de saúde
o novo conhecimento produzido pela pesquisa, com o objetivo de aprimorar as medidas
de controle. Isso pode ser feito introduzindo esse novo conhecimento nas bases técnicas
que são encaminhadas aos serviços de saúde na forma de recomendações disseminadas
por boletins epidemiológicos, constituindo a ponte entre o subsistema de serviços de
saúde e o subsistema de pesquisa do Sistema Nacional de Saúde.
Pesquisa
Figura 4.2 – Ações dos subsistemas de vigilância a um evento adverso. Fonte: Waldman; Rosa, 2015.
90 •
capítulo 4
Esse processo é complexo e envolve a análise dos seguintes parâmetros: ne-
cessidades de saúde da população, demanda de usuários do serviço, oferta de
assistência e de materiais, acesso ao sistema de saúde, equidade no atendimen-
to, e avaliação da qualidade dos serviços (PINHEIRO; ESCOSTEGUY, 2009).
Para Waldman e Rosa (2015) as delimitações das áreas de aplicação da epi-
demiologia no Sistema Nacional de Saúde e, em particular, nos serviços locais
de saúde são essenciais para que possamos atingir o desenvolvimento e a im-
plementação de programas de formação e capacitação de epidemiologistas.
Para sua compreensão, desde a década de 80 a epidemiologia nos serviços de
saúde se divide em quatro grandes áreas de aplicação:
capítulo 4 • 91
(intervenções a serem aplicadas nas condições habituais da prática médica, in-
cluindo imperfeições); e eficiência (informações alcançadas através do esforço,
dos custos, recursos e tempo para desenvolvê-las) (PINHEIRO; ESCOSTEGUY,
2009).
Além disso, para identificar os determinantes do processo-saúde doença,
é necessário que haja informações confiáveis e no tempo correto, pois será es-
sencial para analisar situações de problemas de saúde para direcionar tomada
de decisões e desenvolvimento de ações e programas com o intuito de reduzir
esses problemas da população, principalmente de mortalidade (quem morre e
de que morre?). Portanto, se faz necessária a introdução dos processos de pac-
tuação de indicadores de saúde, como o Pacto pela Saúde, o Pacto da Vigilância
em Saúde, etc. – estratégias essas que possam fortalecer as informações gera-
das (SOUZA, 2008).
Aluno, fique atento à classificação dos indicadores de saúde apresentada
pela Rede Interagencial de Informação para a Saúde (2008):
a) Indicadores Demográficos:
• População total;
• Razão de sexos;
• Taxa de crescimento da população;
• Grau de urbanização;
• Proporção de menores de 5 anos de idade na população;
• Proporção de idosos na população
• Índice de envelhecimento;
• Razão de dependência;
• Taxa de fecundidade total;
• Taxa específica de fecundidade;
• Taxa bruta de natalidade;
• Mortalidade proporcional por idade;
• Mortalidade proporcional por idade em menores de 1 ano de idade;
• Taxa bruta de mortalidade;
• Esperança de vida ao nascer;
• Esperança de vida aos 60 anos de idade.
92 •
capítulo 4
b) Indicadores Socioeconômicos:
• Taxa de analfabetismo;
• Níveis de escolaridade;
• Produto Interno Bruto (PIB) per capita;
• Razão de renda;
• roporção de pobres;
• Taxa de desemprego;
• Taxa de trabalho infantil;
• ndicadores básicos para a saúde no Brasil: conceitos e aplicações.
c) Indicadores de Mortalidade:
• Taxa de mortalidade infantil;
• Taxa de mortalidade neonatal precoce;
• Taxa de mortalidade neonatal tardia;
• Taxa de mortalidade pós-neonatal;
• Taxa de mortalidade perinatal;
• Taxa de mortalidade em menores de cinco anos;
• Razão de mortalidade materna;
• Mortalidade proporcional por grupos de causas;
• Mortalidade proporcional por causas mal definidas;
• Mortalidade proporcional por doença diarréica aguda em menores de 5
anos de idade;
• Mortalidade proporcional por infecção respiratória aguda em menores de
5 anos de idade;
• Taxa de mortalidade específica por doenças do aparelho circulatório;
• Taxa de mortalidade específica por causas externas;
• Taxa de mortalidade específica por neoplasias malignas;
• Taxa de mortalidade específica por acidentes do trabalho;
• Taxa de mortalidade específica por diabete melito;
• Taxa de mortalidade específica por AIDS;
• Taxa de mortalidade específica por afecções originadas no período
perinatal;
• Taxa de mortalidade específica por doenças transmissíveis.
capítulo 4 • 93
d) Indicadores de Morbidade e Fatores de Risco:
Incidência de sarampo;
•
Incidência de difteria;
•
Incidência de coqueluche;
•
Incidência de hepatite C;
•
Incidência de cólera;
•
Incidência de rubéola;
•
Índice CPO-D;
•
período perinatal;
94 •
capítulo 4
• Taxa de prevalência de pacientes em diálise (SUS);
• Proporção de nascidos vivos por idade materna;
• Proporção de nascidos vivos de baixo peso ao nascer;
• Taxa de prevalência de déficit ponderal para a idade em crianças menores
de cinco anos de idade;
• Taxa de prevalência de aleitamento materno;
• Taxa de prevalência de aleitamento materno exclusivo;
• Taxa de prevalência de fumantes regulares de cigarros;
• Taxa de prevalência de excesso de peso;
• Taxa de prevalência de consumo excessivo de álcool;
• Taxa de prevalência de atividade física insuficiente;
• Taxa de prevalência de hipertensão arterial.
e) Indicadores de Recursos:
• Número de profissionais de saúde por habitante;
• Número de leitos hospitalares por habitante;
• Número de leitos hospitalares (SUS) por habitante;
• Gasto público com saúde como proporção do PIB;
• Gasto público com saúde per capita;
• Gasto federal com saúde como proporção do PIB;
• Gasto federal com saúde como proporção do gasto federal total;
• Despesa familiar com saúde como proporção da renda familiar;
• Gasto médio (SUS) por atendimento ambulatorial;
• Valor médio pago por internação hospitalar no SUS (AIH);
• Gasto público com saneamento como proporção do PIB;
• Gasto federal com saneamento como proporção do PIB;
• Gasto federal com saneamento como proporção do gasto federal total;
• Número de concluintes de cursos de graduação em saúde;
• Distribuição dos postos de trabalho de nível superior em estabelecimen-
tos de saúde;
• Número de enfermeiros por leito hospitalar.
f) Indicadores de Cobertura:
• Número de consultas médicas (SUS) por habitante;
• Número de procedimentos diagnósticos por consulta médica (SUS);
• Número de internações hospitalares (SUS) por habitante;
capítulo 4 • 95
• Proporção de internações hospitalares (SUS) por especialidade;
• Cobertura de consultas de pré-natal;
• Proporção de partos hospitalares;
• Proporção de partos cesáreos;
• Razão entre nascidos vivos informados e estimados;
• Razão entre óbitos informados e estimados;
• Cobertura vacinal;
• Proporção da população feminina em uso de métodos anticonceptivos;
• Cobertura de planos de saúde;
• Cobertura de planos privados de saúde;
• Cobertura de redes de abastecimento de água;
• Cobertura de esgotamento sanitário;
• Cobertura de coleta de lixo.
CONEXÃO
Compreenda melhor esses indicadores, através do site: http://tabnet.datasus.gov.br/tabda-
ta/livroidb/2ed/indicadores.pdf da Rede Interagencial de Informação para a saúde.
96 •
capítulo 4
Segundo Coutinho (1998), a epidemiologia clínica é sustentada:
Para Barros (2013), a epidemiologia clínica pode ser descrita como a aplica-
ção dos princípios e métodos da epidemiologia ao individuo doente. A epide-
miologia geral estuda a distribuição da ocorrência e determinantes dos estados
de saúde e doença em populações, já a epidemiologia clinica é o estudo da va-
riação e dos determinantes da evolução da doença. Da mesma forma, enquanto
a epidemiologia geral estuda os indivíduos como membros de um grupo, a epi-
demiologia clínica lida com grupos de indivíduos doentes.
capítulo 4 • 97
Vários fatores contribuíram para o surgimento da Epidemiologia Clínica:
a) a grande variabilidade de condutas clínicas, sem diferenças nos resultados;
b) o crescimento exponencial do conhecimento e do volume de publicações na
área médica; c) a heterogeneidade qualitativa daquelas publicações; d) os gas-
tos crescentes no setor da saúde. Houve a necessidade de se definir métodos
mais rigorosos de avaliação da evidência científica e de basear a prática clínica
na melhor evidência (COUTINHO, 1998). Assim, as pesquisas clínicas devem
priorizar os desfechos, clinicamente relevantes (mortalidade, morbidade e
incapacidade).
Os estudos clínico-epidemiológicos são realizados através de questões espe-
cíficas dos enfoques de atuação clínica para se construir um objeto clínico, re-
sultando do conhecimento de um agente mórbido que atua sobre o indivíduo,
causando modificações, exacerbações, processos novos e lesões (SCHMIDT;
DUNCAN,1999). Esses esquemas são demonstrados na tabela 4.1 e figura 4.3,
abaixo:
98 •
capítulo 4
Clínica Epidemiologia
e
r
b a
o t
s e
f
e A
g
A
o o
d d
n
i n
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z z
u u
d d
o o
r r
P P
Doença Doentes
capítulo 4 • 99
Para sua compreensão, com relação aos agentes químicos, o sistema deve
considerar meios para atender os aspectos desta vigilância, são eles:
Fique atento: a vigilância dos efeitos adversos dos poluentes à saúde mede de modo
sistemático a ocorrência de efeitos adversos na saúde das populações sob vigilância,
através da realização de investigação de surtos e de acidentes. Já a vigilância de po-
luentes no organismo humano, denominado monitoramento biológico, está relacionada
à medição sistemática das concentrações de poluentes químicos e produtos do seu
metabolismo no sangue, tecidos, secreções ou fluidos do organismo humano. A vigi-
lância dos poluentes no ambiente prevê a medição sistematizada das concentrações
de agentes ambientais nocivos, nos diferentes componentes do ambiente, como água,
solo, alimentos, ambiente de trabalho, ambiente em geral e produtos específicos. A vi-
gilância de fatores de risco é o estabelecimento de meios para a identificação sistemá-
tica de condições, situações ou características que se constituem em fatores de risco,
realizando: descrição, análise, avaliação e interpretação dos resultados, assim como
recomendações para prevenção e controle, distribuição dos resultados e recomenda-
ções aos grupos de interesse (BRASIL, 2002).
100 •
capítulo 4
Nesse contexto, ressaltamos que a saúde das pessoas poderá ser afetada
quando sofrerem exposição a algum fator nocivo, como por exemplo, a polui-
ção ambiental. As características dos poluentes são diferentes e os tipos de
poluição também variam de um lugar para outro. Por sua vez, a exposição é
diferente para os indivíduos, pode variar de acordo com suas atividades ocu-
pacionais, hábitos, estilo de vida, fatores biológicos e situação de saúde, entre
outros aspectos (BRASIL, 2002).
A concepção integrada do modelo é contrária à verticalização e compreende
desde a análise dos efeitos dos riscos ambientais para a saúde da população
até o desenvolvimento e a implementação de processos decisórios, de políticas
públicas e o manejo dos riscos.
O Ministério da Saúde (2002) destaca como prioridades na atuação da vigi-
lância ambiental:
Água
Resíduos sólidos
Ar
Resíduos líquidos
Alimentos
Resíduos Gasosos
Matéria-Prima
Energia
Energia
Meio ambiente
Figura 4.4 – Fatores ambientais e suas interações com a vida do ser humano. Obtida de
Mota, 2013.
102 •
capítulo 4
4.5 Epidemiologia Nutricional
A Epidemiologia Nutricional pode ser entendida como a relação do consumo,
uso e utilização dos alimentos, nutrientes e eventos relacionados à saúde e ao
estado nutricional; estudo da oferta do alimento do ponto de vista químico,
físico ou microbiológico, pesquisando qualidade, deficiência ou excesso dos
alimentos relacionados com a saúde e a doença das populações (ASSIS; BAR-
RETO, 2013).
A Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) tem como propósito
a melhoria das condições de alimentação, nutrição e saúde da população bra-
sileira, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, a
vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o cuidado integral dos agravos
relacionados à alimentação e nutrição (BRASIL, 2013).
O monitoramento das situações alimentar e nutricional é uma das diretri-
zes da PNAN, instituída em 1999 no Brasil, centrada no Sistema de Vigilância
Alimentar e Nutricional – SISVAN. O SISVAN corresponde a um sistema de
informações que tem como objetivo primordial promover o conhecimento
contínuo sobre as condições nutricionais da população e os fatores que as in-
fluenciam, visando melhorias para que as crianças cresçam adequadamente e
adotem uma alimentação saudável desde cedo, contribuindo para a qualidade
de vida de toda população (SISVAN, 2015).
A epidemiologia nutricional deverá fornecer dados desagregados para os
distintos âmbitos geográficos, categorias de gênero, idade, raça/etnia, popula-
ções específicas (como indígenas e povos e comunidades tradicionais) e outras
de interesse para um amplo entendimento da diversidade e dinâmicas nutri-
cional e alimentar da população brasileira. O seu fortalecimento institucional
possibilitará documentar a distribuição, magnitude e tendência da transição
nutricional, identificando seus desfechos, determinantes sociais, econômicos
e ambientais (BRASIL, 2013).
O SISVAN trabalha com dados de peso, altura e indicadores do consumo
alimentar em diferentes fases da vida. Tais dados são provenientes dos atendi-
mentos realizados nos estabelecimentos de saúde ou pela Estratégia Saúde da
Família e pelo Programa Agentes Comunitários de Saúde (SISVAN, 2015).
Semestralmente, são registradas as informações das condicionalidades do
setor saúde no sistema de gestão do Programa Bolsa Família, incluindo o acom-
panhamento do crescimento das crianças e a realização do pré-natal entre as
104 •
capítulo 4
PESO AO NASCER (G) CLASSIFICAÇÃO
<800 Microprematuro
Tabela 4.3
LEITURA
Muitos conhecimentos são obtidos através de leituras realizadas por meio de artigos cien-
tíficos, sites governamentais entre outros, onde os grandes pesquisadores nos descrevem
investigações sobre saúde e doença, ao realizar as compilações para a realização deste
capítulo, selecionei algumas destas pesquisas e textos para que vocês os leiam, analisem e
discutem em grupos, segue algumas:
ROCHA, E. Epidemiologia Clínica. O Método epidemiológico na prática clínica e na investigação.
Espaço Ciência. Faculdade de Medicina Universidade de Lisboa. News nº 21. Maio/Junho-2011. <
http://news.fm.ul.pt/Content.aspx?tabid=73&mid=491&cid=1521 > Acesso em Jun/2015.
CRUZ, C.; DIDENKO, I.; FERREIRA, F.; INACIO, F. Enterocolite induzida por proteínas alimentares.
Rev Port Imunoalergologia. 2014, vol.22, n.1, pp. 11-21. http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/scielo.
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PALLADINO, R. R. R.; FIORINI, A. C.; MACHADO, F. P.; CUNHA, M. C. Instrumentos de
vigilância epidemiológica: questões terminológicas e conceituais. Rev. Audiol. V.19. N. 4.
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REDE INTERAGENCIAL DE INFORMAÇÃO PARA A SAÚDE. Indicadores básicos para a saúde
no Brasil: conceitos e aplicações / Rede Interagencial de Informação para a Saúde - Ripsa. – 2. ed. –
108 •
capítulo 4
ANOTAÇÕES
110 •
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ANOTAÇÕES
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