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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA

NARRATIVA DA ALMA DAS COUSAS:


Quando a Imaginação Museal Encontra a Etnobiografia.

LUCAS RODRIGUES DE SOUZA

Niterói
2018
RESUMO: O presente trabalho de pesquisa pretende trabalhar a relação entre museu,
arte e narrativa de vida. Partindo de uma exposição artística, aqui a exposição “A
Pequena África e o MAR de Tia Lúcia”, da artista Lúcia Maria dos Santos, presente no
Museu de Arte do Rio, na Zona Portuária do Rio de Janeiro. Pretendemos esboçar e
apresentar uma etnobiografia da artista realizada através dos objetos artísticos presentes
em sua exposição. Fazemos dos objetos de arte nossos interlocutores e dialogamos com
eles para a criação de uma história de vida da personagem aqui elencada. Não visamos
construir uma narrativa cronológica ou linear da vida de Tia Lúcia, o que pretendemos
com “Narrativa da Alma das Cousas: Quando a Imaginação Museal Encontra a
Etnobiografia” é relevar o real e o descontínuo, como fala Bordieu, em uma história de
vida e cremos que os objetos carregam uma agência necessária que pode dar conta de ir
ao encontro desse real narrativo que cada história de vida apresenta.

PALAVRAS-CHAVE: Museu, objeto, arte, narrativa, etnobiografia.

1. INTRODUÇÃO

1.1 Objetivo Geral

Esse projeto de pesquisa inicia-se na Universidade Federal Fluminense, no


campus do Gragoatá, na aula de Antropologia V, métodos, lecionada pela professora
Renata de Sá Gonçalves. A disciplina Antropologia V tem como pressuposto trabalhar a
metodologia de pesquisa na área de Antropologia sendo uma disciplina voltada para
alunos do curso de Ciências Sociais – me inscrevi na disciplina visando já realizar o
estudo metodológico obrigatório para a formação do meu curso em Antropologia.
Logo na primeira aula da disciplina a professora Renata discorreu que iríamos
realizar idas ao campo, que seria a Zona Portuária do Rio de Janeiro, a Praça Mauá e
seus entornos. De início o local não me chamou atenção, por todo o meu percurso no
curso de Antropologia da Universidade Federal Fluminense nos últimos dois anos e
meio em todos os meus trabalhos estabelecer um diálogo entre a Antropologia e a Arte
Contemporânea e agora a única opção que me seria viável para realizar alguma pesquisa
seria o Museu de Arte do Rio.
O Museu de Arte do Rio localiza-se na Praça Mauá e fora inaugurado em
primeiro de março de 2013. Em seu site ele apresentado como promovedor de uma
leitura transversal da cidade do Rio de Janeiro, por isso talvez a justificativa de sua
arquitetura: o museu está instalado em dois edifícios completamente diferentes; um de
estilo antigo, o Palacete Dom João VI, tombado e o seu vizinho é um antigo terminal
rodoviário de estilo modernista. O museu faz parte da revitalização do centro carioca,
que fora iniciado em 2009 através de Lei Municipal.

Uma iniciativa da Prefeitura do Rio em parceria com a Fundação


Roberto Marinho, o MAR tem atividades que envolvem coleta,
registro, pesquisa, preservação e devolução à comunidade de bens
culturais. Espaço proativo de apoio à educação e à cultura, o museu já
nasceu com uma escola – a Escola do Olhar –, cuja proposta
museológica é inovadora: propiciar o desenvolvimento de um
programa educativo de referência para ações no Brasil e no exterior,
conjugando arte e educação a partir do programa curatorial que norteia
a instituição (MUSEU DE ARTE DO RIO, institucional – site)

O curioso é que nas duas idas ao campo – a primeira fora no Instituto dos Pretos
Novos e a segunda em ateliês de artistas do Morro da Conceição -, o Museu de Arte do
Rio fora ponto de encontro entre discentes e docentes da disciplina de Antropologia V,
ele nunca fora, de fato um objeto de pesquisa, eu que, por meio das minhas escolhas
como pesquisador de Antropologia da Arte, em específico a Arte Contemporânea,
resolvi eleger o mesmo como o local a ser realizada a minha pesquisa.
As duas visitas ao campo foram muito interessantes para o meu conhecimento
tanto sobre a história da cidade do Rio de Janeiro, sua população, seus patrimônios
materiais e imateriais, mas nenhuma das duas me mobilizou em questão alguma que
pudesse ser pesquisada. A segunda pesquisa até motivou-me mais, nessa fizemos um
percurso pelo Morro da Conceição visitando ateliês de vários artistas residentes do
local. Conhecemos o ateliê-casa de Paulo Dallier, um pintor nascido na primeira noite
da revolução de 1932, segundo o mesmo. Sua casa, localizada no alto do Morro da
Conceição fora comprada pelo seu avô em 1904. É um pintor autodidata, mas seu sonho
sempre foi o teatro: foi ator, diretor e dramaturgo. Embora a narrativa de vida do Dallier
e sua pintura - que caracterizo com um estilo primitivo, naif, fauvista, remetendo em
alguns quadros a estética de Matisse -, tenha me sido muito interessante e enriquecedora
não consegui encontrar um recorte específico para utilizá-lo como meu interlocutor, até
vislumbrei falar da relação dele com o Morro da Conceição, mas não foi algo que
ganhou um corpo de curiosidade, não consegui estabelecer conexão suficiente com o
local para isso.
Com as duas idas ao campo e nenhum tema verdadeiramente que me
mobilizasse voltei a concentrar minhas atenções no Museu de Arte do Rio e suas
exposições. A ideia inicial do trabalho seria de criar uma investigação com alguma
exposição do MAR (a partir daqui o Museu de Arte do Rio será chamado pela sua sigla,
MAR) com questões pertencentes a Antropologia da Arte – campo esse que me insiro.
A sugestão da professora Renata foi explorar a exposição fixa por um ano no MAR,
intitulada “O Rio do samba: resistência e reinvenção”, mas fazendo uma rápida
pesquisa no site o que me atraiu fora uma outra exposição, que creio dialogar mais com
o que fora proposto para ser trabalhado na disciplina. Resolvi então focar minhas
atenções para a exposição “A Pequena África e o MAR de Tia Lúcia” aberta ao público
no dia 16 de novembro do ano de 2018. De início relutei um pouco com a ideia, mas
resolvi investigar mais sobre a exposição e antes de me deslocar para vislumbrar a
mesma debruçei-me sobre o primeiro documento desse projeto de pesquisa: o texto
institucional sobre a mesma presente no site do MAR.
O texto é um release apresentado pela gestão de relacionamento com a imprensa
do MAR. No texto fica claro que Lúcia Maria dos Santos, a Tia Lúcia, sempre
“participou ativamente das atividades e festejos nas ruas e nas instituições da zona
portuária, local que vivia desde que chegou ao Rio de Janeiro, ainda criança”. Segundo
o texto Tia Lúcia instaura e subverte os modos de ser e estar.
Com uma pequena biografia dela na mão de um lado e a vontade de me
aventurar por caminhos até então ainda não desbravados por mim dentro da pesquisa
antropológica resolvi elencar a narrativa de vida de Tia Lúcia como minha interlocutora,
utilizando a exposição da mesma para criar uma narrativa de vida para a mesma, a partir
de sua exposição solo no MAR. Relacionamos aqui questões museológicas com
narrativa de vida, criando assim um campo outro de análise para a Antropologia da
Arte.

1.2 Objetivo Específico

O que pretendo com esse trabalho é esgarçar o conceito de “etnobiografia”.


Partindo do artigo de Marco Antonio Gonçalves “Etnobiografia: biografia e etnografia
ou como se encontram pessoas e personagens”, presente no livro “Etnobiografia:
subjetivação e etnografia” para pensar uma possível relação entre a exposição da Tia
Lúcia presente no Museu de Arte do Rio, a vida da mesma e o contexto cultural onde
essa personagem viveu, que é a Zona Portuária da cidade do Rio de Janeiro.
Penso em etnobiografia com o sentido que Gonçalves apresenta em seu artigo:
“etnografia, portanto, é produto de um discurso autoral proferido por um sujeito num
processo de reinvenção identitária mediada por uma relação” (GONÇALVES, 2018, p.
24). A grande problemática desse trabalho é que essa etnobiografia não é construída a
partir da voz da Tia Lúcia, de fato, mas sim do “conjunto de obras da artista, como
pinturas, desenhos e objetos, além de vídeos, documentos, fotografias e itens pessoais”.
São os objetos presentes no interior do cubo branco que criam essa etnobiografia, essa
narrativa de vida.
Meu campo de análise antropológico sempre fora a Antropologia da Arte, como
aqui já colocado anteriormente. Iniciar esse trabalho a partir de uma exposição é uma
tentativa de alargar o campo da Antropologia da Arte para além dos seus domínios –
esticá-lo ao máximo para que essa análise antropológica possa ir além dos objetos
artísticos e chegar aos artistas e suas narrativas de vida. Relacionar arte e narrativa de
vida faz-se necessário nessa pesquisa.
Nesse projeto de pesquisa começo a esboçar uma relação entre a “imaginação
museal” proposta por Mário Chagas em sua tese de doutorado apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), questões museológicas colocadas por Brian O’Doherty em “No Interior do
Cubo Branco” e questões ligadas a etnobiografia, narrativa de vida, autobiografia, etc.
A tentativa é, além de “criar” uma narrativa de vida para a artista Lúcia Maria dos
Santos, a de poder contrubuir com investigações antropológica acerca da agência dos
objetos de arte e do próprio artista como um etnógrafo de seu tempo e sua cultura – algo
muito presente nas obras de Tia Lúcia.

1.3 Objeto

Decidi trabalhar com a vida da artista que fora Tia Lúcia através de seus objetos
artísticos expostos no MAR, pois indo ao encontro de Chagas “as imagens e as coisas
concretas podem ser instrumentos de mediação ou âncoras de memórias, emoções,
sensações, pensamentos e intuições” (CHAGAS, 2003. p. 14).
As coisas assim selecionadas, reunidas e expostas ao olhar (no
sentido metafórico do termo) adquiririam novos significados e
funções, anteriormente não previstos. Essa inflexão é uma das
características marcantes do denominado processo de
musealização que, grosso modo, é dispositivo de caráter seletivo
e político, impregnado de subjetividades, vinculado a uma
intencionalidade representacional e a um jogo de atribuição de
valores socioculturais (GHAGAS, 2003, p. 18).

Meu campo, aqui já explicitado, fora na exposição “A Pequena África e o MAR


de Tia Lúcia” localizada na biblioteca do Museu de Arte do Rio, na Zona Portuária do
Rio de Janeiro. Atualmente a exposição é a única individual do Museu de Arte do Rio e
também é a menor em peças e em expaço expositivo. É a exposição inaugural do espaço
da biblioteca do MAR como um espaço para exposições.
Cheguei ao MAR de ônibus e VLT (veículo leve sobre trilho). Estava atrasado,
desejava chegar ao museu no máximo as onze da manhã e já eram meio dia. Não tinha
eu a menor ideia de como seria a exposição, se conseguiria colher algum material
relevante para essa etnobiografia, se o que eu tinha planejado poderia ser minimamente
concretizado e etc... Com essas questões fervilhando na mente cheguei ao MAR. O
insuportável calor do Rio de Janeiro no último mês do ano resolveu vir me
cumprimentar. Reclamei assim que desci do VLT e fui ao encontro do Museu.
Comprei o bilhete de entrada. “Meia, por favor”. Guardei a mochila no guarda
volume e subi para o quarto andar, dividindo o elevador com umas pessoas que falavam
animados em inglês, onde me fora informado que estava acontecendo a exposição que
me interessava.
Assim que o elevador abriu me surpreendi negativamente com o espaço
expositivo. A exposição da Tia Lúcia é praticamente uma saleta em comparação com os
demais espaços expositivos do MAR. Minha primeira reação foi a de negar a
importância da exposição para a história museológica do MAR e da própria carreira
artística, já póstuma, de Tia Lúcia, medindo errôneamente importância e relevância com
o tamanho da exposição. Mas mesmo assim não desisti do meu interesse de pesquisa:
saquei o caderno de campo do bolso e comecei a anotar todas as impressões que tive.
Anteriormente eu já havia feito um levantamento do que poderia ver na
exposição e logo de cara fui para o vídeo que explicava um pouco da escolha de
homenagear a Tia Lúcia com um espaço expositivo dentro do MAR. Coloquei os fones
e me permiti ouvir a narrativa construída. Bruna Camargos, uma das curadoras da
exposição, em uma de suas falas elenca Tia Lúcia como “uma figura que abria mundos
de possibilidades, ela era a própria arte”.
O vídeo presente na exposição dá algumas pistas sobre a vida de Tia Lúcia,
como o seu potencial de colecionismo. Em certo trecho uma moradora da região e
amiga da artista fala que a mesma catava tudo que achava pelo chão alegando que
“aquilo viraria arte”. Podemos ver esse movimento de coleta da artista presente nos
objetos expostos na galeria, como a coleção de pedras da mesma, que para mim foi um
grande destaque dentro das obras expostas (imagens 1 e 2) – discorreremos sobre elas
mais a fundo posteriormente.
Imagem 1

Além desse caráter colecionista Tia Lúcia era artesã e pintora – diversos quadros
e estandartes estão expostos na galeria. Um me pareceu ter um destaque central (imagen
4), sua pintura revela o caráter devocional de sua vida, diversas imagens apresentam
fortes relações com as religiões de matriz africana e com o catolicismo, também
presente em suas bonecas, expostas em um ponto central da galeria/biblioteca, como se
fossem pequenas esculturas, me fazendo criar uma ligação com as esculturas
neoclassicistas que revelavam um forte caráter da cultura grega; as “esculturas” de Tia
Lúcia revelam seu lado artesã de um lado e o aspecto religioso de sua vida, nesse
sincretismo religioso que o vídeo também nos revela: em dado momento do mesmo
alguém fala que a mesma percorria um longo caminho todos os dias para ir rezar e era
sempre fiel a sua novena.
Imagem 2
Há uma fala de uma das curadoras que me fizeram observar a importância da
exposição solo em homenagem a Tia Lúcia. Citando o rapper e músico Criolo a
curadora profere a máxima: “Oiticica e Frida Kahlo tem o mesmo valor que a
benzedeira do bairro”. A partir dessa frase passei a observar a exposição com outros
olhos e perceber, de fato, que havia um cuidado institucional de fazer com que a figura
de Lúcia Maria dos Santos fosse, de fato, considerada uma apropriação plena do Museu.
No vídeo o filho de Tia Lúcia também relata isso, que sua mãe disse que “aos poucos
eles iriam chegar lá”.

Imagem 3

II. Justificativa

Existe uma relevância dessa pesquisa dentro do meu processo como antropólogo
que me fez amadurecer enquanto pesquisador. Todo o meu trajeto acadêmico dentro do
curso de Antropologia tem uma única visada: permitir a criação de uma Antropologia
Cênica partindo da Antropologia da Arte e Antropologia da Performance, fora isso que
eu investiguei e investigo no meu trabalho final monográfico, em disciplinas onde eu
consiga inserir o teatro e a arte como meus objetos e etc. Na disciplina de Antropologia
V, Métodos, eu pensava de, alguma forma, me manter no meu campo de pesquisa.
Logo na primeira aula a professora Renata frustrou um pouco minhas
expectativas falando que nosso trabalho de campo deveria ser feito na Zona Portuária da
cidade do Rio de Janeiro. Desde que isso foi nos passado fiquei me perguntando o que
poderia eu pesquisar ali. Fui a campo com a mente aberta e nada de achar um tema que
minimamente me fosse caro, até que encontrei a temática pela qual escolhi me arriscar.
Justifico a decisão de optar por esse caminho, pois aquim, de certa forma estou
juntando duas áreas de conhecimento que me são caras: o universo da arte (e toda a
visão museológica e institucional) com a criação de narrativas
biográficas/autobiográficas, algo que sempre almejei fazer no curso de Antropologia,
mas nunca conseguia encontrar um escopo necessário para tal.
Bordieu em “A Ilusão Biográfica” fala que a reprodução de uma história de vida
na maioria das vezes é
Tratar a vida como urna história, isto é, como o relato coerente de
urna seqüencia de acontecimentos com significado e direção, talvez
seja conformar-se com urna ilusão retórica, urna representação
comum da existencia que toda urna tradição literária não deixou e não
deixa de reforçar (BORDIEU, 2006, p. 184).

Mais abaixo o mesmo afirma que o real é descontínuo, feito de elementos


justapostos e sem razão. Buscar esse real dentro de uma narrativa de vida me interessa.
E já é algo que, bem ou mal, eu faço na minha pesquisa de iniciação científica vinculada
ao curso de Artes, com a professora Martha Ribeiro: estou em uma parte da pesquisa
que discorro sobre biodramas, narrativas de vida, confisões, memória e etc, então
pensei, por que não levar um pouco desse pensamento para a teoria Antropológica?
Então me deparei com a etnobiografia, que até então eu desconhecia. E como um
pesquisador da Antropologia da Arte poderia trabalhar narrativas de vida senão
observando uma exposição como um recorte da vida de um artista? Para sustentar tal
ponto de vista ancoro-me no pensamento do artista visual Daniel Jablonski em sua
exposição denominada “As Coisas”.
Em “As Coisas” o artista pretende contar sua história de vida através dos objetos
que acumulou ao longo dos anos, fazendo isso Jablonski aponta para o potencial
narrativo e autobiográficos dos mesmos. Os objetos são variados, vão desde roupas
velhas a fotocópias de textos da faculdade, objetos de cozinha, livros, recibos,
fotografias, boletos e etc. Dessa forma podemos, de alguma forma, evocar a agência dos
objetos da qual fala Alfred Gell em “Arte e Agência” e que Aroni explicita muito bem
em uma citação alegando que “os sujeitos se criam ao criar os objetos, a materialidade
tangível, que, mesmo assumindo vida própria, não deixa de marcar as relações que os
constituíram” (ARONI, 2010, p. 05), dessa forma pensamos que, ao criar objetos,
colecionar, guardar e etc os sujeitos estão, de certa forma, “criando-se” e ao expor esses
objetos criam uma narrativa de suas vidas – tal qual acontece com Jablonski e com Tia
Lúcia.

III. Hipótese de Trabalho

Tudo que fiz até o momento com esse projeto de pesquisa foi ir atrás de uma
hipótese “como objetos artísticos podem narrar a vida de seu criador?” Penso nesse
trabalho como uma primeira experimentação de construir uma resposta minimamente
palpável para essa pergunta.
Creio que os objetos artísticos expostos em uma galeria de arte, por mais que
passem pelo olhar de uma curadoria que está em consonância com uma museologia
instituonalizada, possam sim construir uma narrativa sobre o artista, já que tanto a
autonarrativa quanto a criação artística estão veiculadas a uma situação essencialmente
criativa (GONÇALVES, 2018).
Pensando na criação de uma etnobiografia a partir de objetos artísticos também
trabalhamos com a hipótese de que sobre esses objetos advém uma possibilidade de se
pensar uma cultura, já que “do mesmo modo que o indivíduo na vida real, o personagem
de ficção jamais se separa dos contextos em que é produzido e nos quais se produz”
(GONÇALVES, 2018, p. 25), os objetos, que criam um recorte para uma narrativa,
também não se descolam do sujeito cultural que é o artista e nem da história do mesmo
– podemos enfatizar essa hipótese com uma obra presente primeira exposição solo em
terras nacionais do artista chinês Ai Weiwei intitulada “Raíz Weiwei”, presente na Oca
do parque Ibirapuera e tive o prazer de visitar. A obra é a “Florescer” (imagem 5) que
narra um episódio após uma detenção que o artista sofreu pelo governo chinês. Após ser
solto Weiwei teve seu passaporte confiscado e seu direito de viajar livremente detido.
Seu estúdio era vigiado vinte e quatro horas por câmeras instaladas pelo governo. Em
30 novembro de 2013 o artista anunciou que começaria uma prátia diária de colocar um
buquê de rosas frescas na cesta de sua bicicleta do lado de fora do estúdio, até que seu
passaporte fosse liberado pelo governo. A prátics chegou ao fim em 22 de julho de
2015, quando o passaporte do artista fora liberado – com base nessa experiência de sua
vida Weiwei cria uma instalação com trinta e cinco painéis de flores de porcelana.
Observando essa hipótese creio que tomar objetos artísticos para construir uma
narrativa de vida não passa por apreender um ponto de vista nativo, como fala
Guimarães em seu artigo, mas sim definir a forma complexa de que pode ser realizada a
representação do outro – no caso aqui a leitura que faço é como o trabalho das
curadoras representam a narrativa de vida de Tia Lúcia? Como os objetos artísticos
expostos pensam o artista como um indivídio em potência de individuação e não em
extrema oposição à sociedade? É na tentativa de responder algumas dessas perguntas
que seguimos com essa pesquisa.

IV. Discussão Teórica

O conceito de “imaginação museal” é proposto por Mário de Souza Chagas em


“Imaginação Museal: Museu, Memória e Poder em Gustavo Barroso, Gilberto Freyre e
Darcy Ribeiro”. Ele afirma que o museu é “um lugar, coisas que ancoram poder e
memória e um ente (individual ou coletivo) possuído e possuidor de imaginação
criadora são os elementos indispensáveis para a constituição do museu” (CHAGAS,
2003, p. 63). Trago a visão de Chagas sobre o museu para pensar, em particular, sobre o
que ele chama de “imaginação criadora”. A forma como o autor observa os museus me
é muito cara, pois há na visão do mesmo um processo de criação que pode surgir em um
espaço que segundo Brian O’Doherty pode ser construído com o preceito tão rigoroso
quanto a de uma igreja medieval.
Chagas coloca sobre os museus uma narrativa poética das coisas – e é bem
interessante o uso do poético que o autor faz, pois, dentro dos estudos de etnobiografia a
palavra poética também salta aos olhos: há uma autopoiesis em se criar uma narrativa
para si, dessa forma coloco a criação artística como um recorte poético, cultural e
simbólico da vida de determinado artista.
Os museus colocam memórias em movimento. Na exposição de Tia Lúcia
observei sua coleção de pedras e ressaltei o caráter colecionista da artista. Penso um
pouco que, talvez, a coleta e guarda dessas pedras para a artista fosse um fator
recorrente em sua vida, dada a quantidade de obras expostas as pedras como objetos
artísticos ganharam uma força com a escolha da curadoria de se repetirem em vários
expositores. É algo a se pensar: a força da memória de cada pedra coletada pela artista
ali colocada a serviço do olhar do público – e esse catérer colecionista é reforçado no
vídeo colocado na exposição, como já evidenciado anteriormente.
Narrativa de vida, etnobiografia, autobiografia, biografia, são conceitos onde
essa pesquisa também se ancora. Nunca havia anteriormente trabalhado no campo
antropológico com relatos de vida, mas a partir do momento em que a hipótese surgiu
na minha cabeça comecei a correr atrás de referências que me fizessem observar de
forma mais clara minha forma de abordagem. Encontrei na “Ilusão Biográfica” de
Bordieu um autor clássico da área que me deu várias luzes para pensar a narrativa de
vida de um artista sendo contada pelos seus objetos em local de exposição. O que me
interessa no conceito de etnobiografia proposto no livro “Etnobiografia: subjetivação e
etnografia” é o sujeito sendo pensado a partir de uma manifestação criativa – no
exemplo do livro a própria narrativa de um biógrafo ou pesquisador sobre a história de
vida do outro. Para esse trabalho o que é interessante é observar que ambos os conceitos
se ancoram em uma criação narrativa e que essa produção de uma suposta “fabulação”
tanto de material artístico quanto de material narrativo sobre a própria vida vem do
mesmo impulso criativo; há então uma forma de pensar a ciência do homem a partir de
uma potência artística latente.
Os sujeitos de uma etnobiografia criam sua própria perspectiva de mundo
quando narrama sua vida – e não é isso que uma exposição artística faz? Cria e narra, de
certa forma um recorte do universo cultural e individual de determinado artista e/ou
grupo para aqueles que estão dispostos a “ler” essa narrativa? Fora assim que enxerguei
muitos aspectos da vida de Tia Lúcia, observando a fabulação de seus objetos artísticos:
sua coleção de pedras, seu envelope produzido para uma oficina de texto para o MAR,
seus fantoches de retalhos, suas colagens de recortes de revista onde nada forma um
corpo humano e sim revelam texturas diferentes justapostas e etc, cada objeto presente
em sua exposição solo evidencia um caráter pessoal e uma maneira da artista de
representar sua vida e seu universo cultural. Suas esculturas, as bonecas, revelam um
caráter religioso visível no terço e no colar colocados na exposição; suas pedras uma
inclinação a um colecionismo e uma maneira de enxergar arte em tudo – e esse
“enxergar arte em tudo” é algo que se faz presente em uma das falas da mesma
transcritas no release da exposição: “O museu é de todo mundo e ao mesmo tempo não é
de ninguém, não se pode negar o acesso às pessoas”.

V. Metodologia

A metodologia utilizada na pesquisa fora a da observação de campo da


exposição aqui já citada junto com levantamento teórico e leituras que pudessem ajudar
a pensar nessa convergência de imaginação museal e narrativa de vida. Creio que a
leitura prévia do release e a hipótese de trabalho ajudaram muito a construir essa
metodologia de fazer leitura, ir ao campo com anotações, voltar e ler um pouco mais da
teoria encontrada e, se o tempo permitisse, seria realizada uma segunda realização ao
campo, dessa vez tentando marcar entrevistas, inicialmente, com as curadoras da
exposição e posteriormente com algum amigo e/ou familiar de Tia Lúcia.

VI. Cronograma

Creio que os três primeiros meses (janeiro, fevereiro e março) de 2019 pudessem
ser utilizados para um melhor levantamento teórico e uma melhor leitura na bibliografia
que cruza o tema de pesquisa. Os meses de abril, maio, junho e julho poderiam ser
usados para idas ao campo, realização de entrevistas, visita a outras exposições que
pudessem contribuir com a ideia de “narrativa das cousas”, isso sem deixar de lado as
leituras e apontamentos teóricos que forem se desdobrando conforme o andamento da
pesquisa. Os meses de agosto, setembro e outubro poderiam ser utilizados para a
primeira escritura da pesquisa – criando uma base forte entre o que fora vislumbrado em
campo e o que fora sendo consumido de literatura sobre o tema. O mês seguinte,
novembro, poderia ser usado para repensar estratégias e abordagens e reler o que fora
anteriormente escrito, tomando certa distância do material para que ele possa ser
utilizado sobre um outro viés. E nos meses de dezembro e janeiro a finalização do
projeto com, provavelmente uma última visita ao campo, leituras de última hora e
revisão do material escrito.

VII. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

A Pequena África e o MAR de Tia Lúcia, Museu de Arte do Rio, Rio de Janeiro:
2018 (release).

BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: AMADO, Janaína e FERREIRA, Marieta


de Moraes. Usos e abusos da história oral. (8ª edição) Rio de Janeiro: Editora FGV,
2006, p. 183-191.

CHAGAS, Mário. Imaginação Museal: Museu, Memória e Poder em Gustavo


Barroso, Gilberto Freyre e Darcy Ribeiro. Tese de doutorado, UERJ, 2003.

GELL, Alfred. Arte e Agência. Tradução de Jamile Pinheiro Dias. São Paulo: Editora
Ubu, 2018.

GONÇALVES, Marco Antônio; MARQUES, Roberto; CARDOSO, Vânia Z (Org).


Etnobiografia: subjetivação e etnografia. Rio de Janeiro: 7Letras, 2018.
O’DORHETTY, Brian. No Interior Do Cubo Branco: A Ideologia Do Espaco Da
Arte. 1ª Edição. Tradução de Carlos Mendes Rosa. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

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