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NITERÓI - RJ
2008
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CAMPO DE CONFLUÊNCIA: LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E CULTURA
NITERÓI - RJ
2008
Dissertação de Mestrado apresentada em 28 de março de 2008, ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, à banca
examinadora constituída pelos seguintes professores:
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Cecília Maria Goulart – Orientadora.
___________________________________________________________________
Profa Dra. Edith Ione dos Santos Frigotto / UFF
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Edwiges Zaccur / UFF
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Marildes Marinho / UFMG
ii
Dedico,
iii
AGRADECIMENTOS
A Deus,
pela fidelidade aos meus projetos.
À Cecília,
por ser mais que orientadora: um abrigo em todos os
momentos da minha trajetória como pesquisadora. A você,
minha rainha, meu carinho, meu respeito e minha gratidão.
À Kleusa,
pela amizade e zelo na diagramação deste trabalho.
À Marildes Marinho,
de quem sou profunda admiradora e que me honra em fazer
parte de minha caminhada.
Aos amigos,
Beto e Luciane Pacheco, Célia, Maria Andrade, Luciane
Aparecida, Rosângela e Getúlio Marques.
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A PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO DO INÍCIO DO SÉCULO XXI: UMA ORQUESTRA DISCURSIVA DE VOZES.
RESUMO
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A PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO DO INÍCIO DO SÉCULO XXI: UMA ORQUESTRA DISCURSIVA DE VOZES.
ABSTRACT
The present project of research aims at investigating how the official speech
of Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro about the teaching of
Portuguese Language at state public schools is organized. It also aims at
understanding how the discursive voice which articulate this discourse, considering
that the teacher is a privileged reader. To do so, the curricular proposal for the
teaching of the Portuguese Language, produced in the document of Curricular
Reorientation given to schools in 2006, is taken as object of analysis, including the
Didactic Materials elaborated by the teachers. In this proposal, the discourse of the
official document concerning the valued conception of language and the teaching of
language is object of analysis, taking into account its end, that is, the reader. This
study takes as methodological strategy the documental analysis, using the socio-
historical approach in the qualitative research of bathkinian inspiration. The
theoretical basis that supports this research is Mikhail Bakhtin’s theory of
enunciation. According to the author, it is assumed that the language is essencially
dialogical, that discourses are characterized by the diversity of voices and that the
Curricular Reorientation is a discursive genre.
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SUMÁRIO
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A PROPOSTA CURRICULAR PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO ESTADO
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CONCLUSÃO ........................................................................................................160
ANEXOS
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1. APRESENTAÇÃO DO PROBLEMA
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As informações referentes à Proposta Curricular estão na parte do ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO.
Nesta parte do trabalho, relato os passos para se chegar à versão final da Proposta Curricular de Língua
Portuguesa e quando esta foi entregue às escolas.
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Paulo Freire usa expressão “inédito viável” para designar as coisas que são aparentemente impossíveis, mas
atingíveis quando se alimenta a utopia e se acredita no sonho. Segundo Freire (1993, 2003), para se atingir esse
“inédito viável” deve-se lutar pelo sonho, mesmo que a ideologia dominante insista em dizer que a mudança da
realidade é impossível.
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Eu digo isso porque a proposta curricular apresenta a perspectiva oficial, pois é um documento legítimo,
elaborado pela Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, para direcionar a prática dos professores. No
entanto, se os professores, na prática, utilizam o documento para nortear a sua prática é um ponto que foge ao
objetivo desta pesquisa. Por outro lado, quero destacar que, independente da postura que o professor assuma em
sala, ela deve estar baseada em uma concepção de linguagem.
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são visíveis e não dá para continuar como se nada estivesse acontecendo. Escola e
pesquisas perseguem o mesmo tema.
O fracasso escolar denunciado desde a alfabetização e se
prolongando nos anos seguintes do Ensino Fundamental coloca em evidência a
necessidade de um trabalho diferenciado com a linguagem, uma vez que esta tem
papel importante para a constituição do sujeito (Bakhtin, 1979, 2003; Geraldi 1984,
1991,1996). Essa perspectiva não deve ser desconhecida na escola, que trabalha
com base em atividades que investem na produção de linguagem, em todos os anos
escolares e em todas as áreas de conhecimento. A partir desses pressupostos,
torna-se necessária a noção de letramento4 como horizonte ético-político para o
trabalho pedagógico (Goulart, 2001). Isso significa que o ensino da língua materna
deve possibilitar que o educando a use socialmente, respondendo adequadamente
às demandas sociais de leitura e escrita que a sociedade lhe impõe e a use como
instrumento de luta social.
É na segunda década de 80, no âmbito dos estudos acadêmicos,
que se situam as primeiras proposições da palavra letramento. O estudo sobre o
tema vem merecendo a atenção de alguns pesquisadores (Bozza, 2005; Kleiman,
1995; Ferraro, 2002, 2003, Goulart, 2000, 2001, 2006; Mortatti, 2004; Ribeiro, 2003;
Soares, 2002b, 2003; Tfouni, 2005). Nas palavras de Mortatti, o letramento
4
Magda Soares (2002) define o letramento como resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, ou
seja, o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como conseqüência de ter-se
apropriado da escrita e destaca que o letramento focaliza os aspectos sócio-históricos da aquisição da escrita.
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aquisição da língua. Todavia, o indivíduo pode ser alfabetizado, saber ler e escrever,
mas não exercer práticas de leitura, não sendo capaz de interpretar um texto:
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Portuguesa na escola. Mas qual deve ser, então, o seu objeto de ensino? A
linguagem? O texto? É uma questão que esta pesquisa se propõe a investigar.
O referencial teórico básico desta pesquisa é a Teoria da
Enunciação de Mikhail Bakhtin e, como estratégia metodológica, utilizo a análise
documental da proposta curricular investigada a partir dos pressupostos
bakhtinianos de linguagem5 e discurso.
Considerando os propósitos dessa pesquisa, no capítulo II,
apresento um breve histórico do ensino da Língua Portuguesa, da constituição da
disciplina no século XVIII, com a valorização da tradição européia, percorrendo os
novos rumos para seu ensino depois da democratização das escolas públicas, até
chegar ao presente século, com as inovações trazidas pelas ciências lingüísticas.
Tendo em vista que nosso discurso se desenvolve em uma
constante interação com os enunciados anteriores, no capítulo III, através da revisão
de literatura, visito as pesquisas que também tiveram propostas curriculares de
Língua Portuguesa como objeto de estudo, estabelecendo um diálogo com as
mesmas no sentido de vislumbrar o que os estudos têm revelado sobre a concepção
de linguagem priorizada nesses documentos nas últimas décadas e sobre qual tem
sido o objeto de estudo das pesquisas relacionadas às propostas curriculares e o
ensino da Língua Portuguesa. As pesquisas ligadas às Propostas Curriculares de
Língua Portuguesa foram agrupadas em dois eixos temáticos: i) propostas
curriculares e concepções de linguagem e ii) propostas curriculares/currículos e
ensino da Língua Portuguesa.
No capítulo IV, na estrutura conceitual da pesquisa, apresento a
concepção dialógica de linguagem bakhtiniana, incluindo a categoria de gêneros do
discurso como arcabouço teórico-metodológico para a sustentação desta
investigação.
No capítulo V, através do encaminhamento metodológico, (i)
caracterizo o objeto de pesquisa Reorientação Curricular de Língua Portuguesa do
Estado do Rio de Janeiro do início do século XXI, considerando sua organização e
modo de produção, (ii) apresento a estratégia metodológica da análise documental
para investigar o documento oficial e (iii) desenvolvo uma nota sobre o currículo,
destacando o aspecto dialógico da proposta curricular em questão.
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A concepção bakhtiniana de linguagem está desenvolvida na estrutura conceitual desta pesquisa no capítulo IV.
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intercâmbio social, ou seja, não possuía muito valor cultural, faltando, assim,
motivação para torná-lo disciplina curricular.
No entanto, na década de 1750, o Marquês de Pombal tornou
obrigatório o uso da língua portuguesa no Brasil através das reformas que implantou
no ensino de Portugal e suas colônias. Além da inclusão e valorização do português
na escola, ele proibiu o uso de outras línguas, inclusive a língua geral, “fortalecendo”
a língua portuguesa e tornado-a reconhecida no currículo nacional. Assim, após a
reforma, além de ler e escrever em português, o “aluno passou a estudar a
gramática portuguesa, que se tornou parte integrante do currículo, ao lado da
gramática latina e da retórica” (Pessanha, Daniel e Menegazzo, 2003/2004, p.36). O
estudo da língua portuguesa fazia parte do currículo sob as formas de retórica,
poética e gramática. Somente no final do Império, essas três disciplinas unificaram-
se numa só disciplina que passou a se chamar Português. Este, por sua vez, até fins
do século XIX, manteve a gramática e a retórica como seus conteúdos de ensino e
componentes curriculares. Vale lembrar que a retórica incluía também a poética.
Posteriormente, a poética desprendeu-se da retórica, tornando-se um componente
curricular independente (Soares, 2002a, p.163). Assim, falar no ensino da língua,
até aqui, é sinalizar a presença da tradição gramatical e retórica, destinada a uma
minoria de “bem nascidos” para a qual era destinada a escola brasileira.
Essa tradição gramatical tinha como eixo orientador a norma
normativo-prescritiva, cuja valorização remonta há dois séculos antes de Cristo. Ela
foi desencadeada com os alexandrinos6 na busca de uma norma literária que
preservasse a cultura erudita das obras clássicas. Como assinala Silva (2005, p 15),
“a busca dessa norma literária, fundada nos clássicos gregos, não é mais do que a
busca da manutenção de uma tradição que interessava aos alexandrinos preservar,
de uma cultura erudita, representada nas “grandes obras” de autores ilustres da
civilização clássica do passado, cujos exemplos deveriam ser seguidos”.
Posteriormente, essa tradição gramatical é alargada para “os usos da elite
aristocrata e, em seguida, para a elite burguesa e que deve ser reproduzida pela
6
A tradição gramatical, no ocidente, remonta aos gregos na Grécia Antiga, por volta do século V a.C. Nesse
período o mundo estava sob o domínio da Macedônia, cujo rei era Alexandre. A influência cultural de seu
império predominou nos territórios por ele conquistados. O estudo gramatical na Grécia antiga foi caracterizado
por três períodos. O terceiro deles foi o período dos alexandrinos. Os alexandrinos eram estudiosos empiristas e
pragmáticos que consideravam o estudo lingüístico como parte do estudo literário. Tinham por objetivo educar
os povos conquistados na língua da cultura grega. Eles assumiram uma postura normativo-purista, pois
privilegiavam a língua escrita dos escritores em detrimento dos demais usos da língua.
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instituição escolar” (op. cit., p. 18). Esse “bom uso” das letras foi recebido com
louvor pelos portugueses e trazido para o Brasil como modelo a ser imitado e
ensinado nas escolas, já que essas letras, a priori, no país, eram destinadas à
formação dos alunos da classe dominante, que desejavam uma educação de acordo
com a tradição européia.
Até os anos 40 do século XX, a disciplina manteve a tradição da
gramática e, a seu lado, da retórica e da poética. Manteve essa tradição porque
continuava a ser a mesma a sua clientela, que se restringia àqueles pertencentes
aos grupos da elite. Tem-se uma escola para alguns e um ensino de língua
portuguesa que satisfaz aos seus interesses culturais. Os manuais didáticos da
época apresentavam coletâneas de textos e bastante gramática, buscando
preservar o “bom gosto literário” e o “purismo lingüístico” dos letrados, com autores
consagrados e modelos que deveriam ser imitados. Cabia ao professor, nesse
contexto, utilizar os textos dos manuais, analisá-los e propor questões e exercícios
aos alunos, aprofundando-se nos estudos da língua.
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uma outra clientela que passou a exigir uma quantidade maior de professores. A
multiplicação de alunos trouxe como conseqüência um recrutamento maior de
professores, entretanto, menos seletivo. Afinal, onde encontrar tantos professores
para atender a demanda? Como conseqüência da multiplicação quantitativa das
escolas, multiplica-se o número de professores despreparados para a tarefa a
desempenhar, de modo se que acentua o processo de depreciação da função
docente, “conduzindo ao rebaixamento salarial e, conseqüentemente, a precárias
condições de trabalho, o que obriga os professores a buscar estratégias de
facilitação da sua função docente – uma delas é transferir ao livro didático a tarefa
de preparar aulas e exercícios” (Soares, 2002a, p.167), no qual permanece a
primazia da gramática sobre o texto e a concepção de linguagem como sistema.
Assim, não se remete mais ao professor a tarefa de formular questões e exercícios
como antes, pois se esperava do autor do livro didático essa função.
Além disso, a “falsa” democratização da escola, atravessa outro
impasse: a falta de estrutura da escola para receber a nova clientela. Essa
inadequação da escola “configurou, nos anos 70, os fenômenos então nomeados
como a crise da educação e o fracasso escolar. E é significativo que foi no ensino do
Português que os principais indicadores da crise e do fracasso foram encontrados, e
exatamente nos dois extremos de seu percurso” (Soares, 1997, p.9)7, ou seja, no
fracasso com a alfabetização e nos graves problemas de expressão escrita
detectados nos alunos concluintes do ensino médio averiguados nos exames
vestibulares.
A variedade lingüística trazida pelas classes populares não
dialogava com o ensino propedêutico disseminado nos conteúdos de português.
Isso revela um descompasso entre o que a escola ensinava e o que os alunos (não)
aprendiam. O fracasso da produção escrita na escola é resultado de sua
inadequação em relação ao trabalho com a linguagem, de um divórcio entre a língua
que a escola ensina e a língua que a sua clientela usa. Concordo com Pécora (1999,
p. 45), quando este afirma que o fracasso dos alunos com a linguagem está
alimentado “pela concepção de língua que condiciona o ensino oficial de português e
que, ao desconhecer a complexidade vital de seus usos, torna-se incapaz de
7
A crise da escola e o fracasso escolar também estiveram presentes na produção intelectual da época como
comentamos na primeira parte deste trabalho. Retomamos essa temática nessa parte do trabalho, porque foi um
fato importante no contexto histórico da época e aqui merecerá um outro enfoque.
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Rosa Virgínia Mattos e Silva (2004 e 2005) considera o projeto NURC como um divisor de águas para
apreender o uso real da língua. O surgimento desse projeto, no Brasil, coincidiu com o avanço da
Sociolingüística. O trabalho de Ataliba de Castilho sobre a língua falada no ensino de português é representativo
desse projeto.
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Digo outra clientela para me referir às classes populares, que durante muito tempo não tiveram acesso à escola.
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A pragmática, a teoria da enunciação e a análise do discurso têm como princípio que a linguagem é ação e não
mero instrumento da comunicação (VIZEU, 2003). A Teoria da Enunciação teve como precursor o pensador
russo Bakhtin, que concebe a língua como produto sócio-histórico e forma de interação social realizada por meio
de enunciações, sendo, portanto, dialógica. A Análise do Discurso, por sua vez, não trata da língua nem da
gramática, mas do discurso. Esse discurso é entendido por Orlandi como palavra em movimento, como prática
de linguagem. A análise do discurso é um campo da lingüística e da comunicação especializado em analisar
construções ideológicas presentes num texto, proposta a partir da filosofia materialista que põe em questão a
prática das ciências humanas e a divisão do trabalho intelectual, de forma reflexiva. Pragmática é o ramo da
linguística, também estudado pela filosofia da linguagem, que visa a captar a discrepância entre o significado
proposicional recuperável pela semântica composicional de um enunciado e o significado visado por um falante
numa dada enunciação. Estuda os significados linguísticos determinados não exclusivamente pela semântica
proposicional ou frásica, mas dedutível de condições dependentes do contexto extra-linguístico: discursivo,
situacional, etc. Segundo Fiorin (2005, p.161), a pragmática é a ciência do uso lingüístico, que estuda as
condições que governam a utilização da linguagem, a prática lingüística.
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produção” (p.28) (grifos nossos). Creio ser essa uma das mais importantes metas do
ensino da língua portuguesa na escola: deixar de ser reconhecimento e reprodução.
Ser a própria “prática da linguagem instalada, no plano do desejo em processo”
(idem). O autor critica a disjunção entre ensino de gramática e de língua decorrente
de uma prática escolar no ensino da língua que expurgou há muito a possibilidade
do sujeito. Segundo Geraldi (1984), quando se anula o sujeito, nasce o aluno-
função, aquele que repete a linguagem da escola, que repete o seu discurso, que diz
o que ela quer ouvir, mas não tem direito à palavra. Geraldi propõe que se devolva o
direito à palavra ao aluno, para que possamos “ouvir a história contida e não
contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares da escola
pública”(p.131). A concepção de linguagem como interação acaba sendo, nesse
contexto, um compromisso no ensino da língua.
Benveniste (1989), ao descrever o aparelho formal da enunciação,
introduz o sujeito na Lingüística, ressaltando que o único modo de fazer o discurso
funcionar é pela intervenção do sujeito, pois a “enunciação é este colocar em
funcionamento a língua por um ato individual de utilização” (p.82). Para ele, “o
locutor se apropria do aparelho formal da língua e enuncia sua posição de locutor
por meio de índices específicos, de um lado, e por meio de procedimentos
acessórios, de outro” (p.84). Esse sujeito que se apropria da língua demonstra uma
liberdade que uma concepção de linguagem acabada e estática não permitiria.
Geraldi, analisando os trabalhos de Benveniste, destaca que há aí, sem dúvida, um
“sujeito livre, independente das relações sociais que o constituem, capaz de dizer
com transparência o que quer dizer, limitado apenas pela necessidade de co-referir
com seu igual, alocutário e parceiro também livre e alternadamente origem e fim da
enunciação” (Geraldi, 1996, p14).
Esse pensamento de Benveniste se contrapõe ao pressupostos
saussureanos, uma vez que Saussure (1977), além de separar a língua, para ele
fato social, da fala, entendida como ato individual, afirma que a língua “não é função
do sujeito falante: é o produto que o indivíduo registra passivamente: não supõe
jamais premeditação, e a reflexão nela intervém somente para a atividade de
classificação” (p.22) (grifos nossos). A noção de sujeito do discurso apresentada por
Benveniste pressupõe justamente o contrário: a presença de um sujeito reflexivo e
atuante no trabalho com a linguagem, sem essa dicotomia da língua/fala,
apresentada por Saussure, afinal, a realidade da língua na concepção da linguagem
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Trato dessa concepção de linguagem no capítulo IV.
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Na parte Uma conversa com Bakhtin, desenvolvo com detalhes a concepção de linguagem como interação,
segundo os pressupostos bakhtinianos.
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Segundo Ingedore Koch (2003), lingüística textual traz significativas contribuições para mudar o ensino da
língua, pois pressupõe que se deve “tomar o TEXTO como objeto central do ensino, isto é, a priorizar, nas aulas
de língua portuguesa, as atividades de leitura e produção de textos, levando o aluno a refletir sobre o
funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal, sobre o uso dos recursos que a língua lhes
oferece para a concretização de suas propostas de sentido, bem como sobre a adequação dos textos a cada
situação” (Cf. em Lingüística Textual: una entrevista con Ingedore Villaça Koch. Revista Virtual de Estudos da
Linguagem - ReVEL. Ano 1, n. 1, agosto de 2003. [http://paginas.terra.com.br/educacao/revel/index.htm].
14
A Sociolingüística estuda os fenômenos lingüísticos relacionando-os com fatores do tipo social, como nível
socioeconômico, sexo, idade, étnico, aspectos históricos, etc.
15
Suassuna (1998) critica o processo através do qual os PCN foram propostos, dizendo que não houve a
permissão de um confronto de interpretações e representações característico da produção de linguagem e que não
deu o tempo para a elaboração da contrapalavra dos envolvidos no processo pedagógico. Ressalta, também, que
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eles contrariam alguns princípios em torno da linguagem e da leitura, pois objetivam uma padronização da escola
e das práticas educativas se dão dentro da mesma e se esquecem da memória do passado. O ponto máximo de
sua crítica está no fato de dizer que congelam a língua, texto e discurso (p.183). Marinho (2001) também observa
a dificuldade dos PCN em incorporar as rupturas que eles se propõem fazer, mas reconhece que não se pode
negar a sua tentativa na construção de novos rumos epistemológicos para a Língua Portuguesa, uma vez que o
divórcio entre o novo e o tradicional pressupõe embates e isso é um processo.
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Já comentamos isso anteriormente. Confira no tópico 2.2.2.
17
Quando digo material de apoio não me refiro ao livro didático, mas a uma literatura específica para auxiliar os
professores na prática docente no trabalho com a linguagem numa perspectiva dialógica da linguagem. Esse
“como fazer” é um impasse para aqueles que desejam inovar sua prática, mas não receberam formação
lingüística nos cursos de Letras.
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A pesquisa de Batista, de natureza exploratória, é um estudo de caso, que teve por objetivo descrever os
saberes transmitidos no processo de produção do discurso na aula de Língua Portuguesa. O objeto de análise foi
o discurso produzido por uma professora de 5ª série.
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que acaba sendo percebida pelo aluno como coisa, tendo existência independente
dos falantes. Além disso, o ensino acaba sendo um meio de legitimação das
variedades lingüísticas de prestígio com ênfase no ensino da gramática, anulando
todas as variedades lingüísticas trazidas pela sua clientela ao transmitir “um conjunto
de saberes que se caracterizam como um conjunto de regras que definem o que é
certo e errado em matéria de uso da língua” (p.120).
Se a escola dá primazia ao ensino da gramática até os dias atuais, é
preciso saber de que tipo de gramática. Possenti (1996) ressalta a existência de três
tipos: as gramáticas normativas ou prescritivas, as descritivas e as internalizadas,
que equivalem, respectivamente, às regras que devem ser seguidas, às regras que
são seguidas e às que os falantes dominam no seu cotidiano. A gramática normativa
ou prescritiva representa um conjunto de regras que objetivam o domínio da norma
culta. É ela que predomina nos livros didáticos e nas gramáticas pedagógicas,
destinada a fazer os alunos escreverem e falarem bem. Tem primazia para os
professores arraigados ao método tradicional de ensino da língua, enfatizando o
ensino de nomenclatura. A descritiva, ao contrário, preocupa-se em descrever ou
explicar como as línguas são utilizadas pelos falantes, sem a intenção de emitir juízo
de valor de certo ou errado. A gramática internalizada, por sua vez, está relacionada
às regras intuitivas e estáveis que o falante domina. Sendo assim, não é fruto de
instrução recebida na escola, pressupõe que mesmo quem nunca estudou chega à
escola dominando um conjunto de regras da língua, ou seja, dominando uma
variedade lingüística. O autor propõe que se repense o tempo destinado ao ensino
da gramática nas aulas de Língua Portuguesa e sugere o convívio, na escola, dos
três tipos de gramática, colocando em último lugar aquela a que a escola tem dado
primazia: a gramática normativa.
Por outro lado, Possenti assinala que ensinar gramática nas aulas
de Língua Portuguesa é desnecessário se o objetivo da escola for dominar a
variedade padrão e tornar os alunos hábeis leitores e autores de seus próprios
textos. Ressalta que o domínio do português padrão não é sinônimo de domínio de
nomenclatura gramatical. Ao contrário, significa a aquisição de determinado grau de
domínio da escrita e da leitura: escrever diversos tipos de textos como narrativas,
bilhetes, cartas diversas, textos argumentativos, informativos, etc., ler textos também
variados sobre diversos assuntos (literários e não literários) e conhecer alguns
clássicos da literatura universal.
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Parece claro que ensinar gramática não deve ser a prioridade das
aulas de Língua Portuguesa, o máximo que o professor vai conseguir, se insistir nesse
tipo de prioridade, é um “alto índice de rejeição” por parte dos alunos pelas aulas de
Língua Portuguesa, passando a assimilar o ensino da língua com o ensino gramatical,
pois não passa de “uma série de ordens a serem obedecidas” (Perini, 1997, p.52) com
base em uma suposta superioridade lingüística que, na verdade, não existe. Essas
regras, que seguem uma norma dita padrão, passam a ser “um instrumento de
opressão ideológica, de patrulha social, de discriminação e preconceito” (Bagno,
2003, p.151) com a língua que fala a maioria dos brasileiros. Essa primazia no ensino
da gramática normativa na escola revela, sobretudo, uma concepção de linguagem e
de língua ultrapassada pelas ciências lingüísticas e que a escola insiste em reproduzir.
Isso denuncia, por outro lado, uma falta de definição dos objetivos da disciplina, pois a
língua não é um sistema de nomenclaturas. Afinal, para que ensinamos o que
ensinamos? Que concepção de linguagem norteia a prática pedagógica?
Alguns estudos têm chamado a atenção para as relações de poder
envolvidas nessa questão das variedades lingüísticas acima apontadas. O que se
nota é uma associação das variedades lingüísticas não-prestigiosas a um grupo de
falantes pertencentes às classes econômica e socialmente desfavorecidas, pois “nas
relações entre língua e poder o que realmente pesa é o prestígio ou a falta de
prestígio social do falante” (Bagno, 2003, p. 70). Parece que o que existe nesse jogo
não é o preconceito lingüístico em si em relação às variedades não-prestigiosas,
mas o preconceito social. Segundo Gnerre (1998), “a única brecha deixada aberta
para a discriminação é aquela que se baseia nos critérios da linguagem e da
educação” (p.25), pois “uma variedade lingüística ‘vale’ o que ‘valem’ na sociedade
os seus falantes, isto é, vale como reflexo do poder e da autoridade que eles têm
nas relações econômicas e sociais” (p.6-7, aspas do autor). As pesquisas
sociolingüísticas mostram que as variedades estigmatizadas refletem a
estigmatização social de seus falantes, ainda mais numa sociedade que tem a
linguagem como o arame farpado mais poderoso para bloquear o acesso ao poder,
como nos ensina o autor. Esse bloqueio deveria ser desfeito na escola. Mas parece
que esta segue o caminho inverso, oficializando essa discriminação, pois é notória a
falta de uma concepção de linguagem dialógica para nortear a sua prática.
Assim, em nome de uma língua considerada “correta”, simula-se que
não existem diferenças entre a variedade de prestígio que se quer ensinar e a
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variedade que o aluno domina. Entretanto, segundo Possenti (1984, p. 51), o que se
chama vulgarmente de linguagem correta “não passa de uma variedade da língua
que, em determinado momento da história, por ser utilizada pelos cidadãos mais
influentes da região mais poderosa do país, foi escolhida para servir de expressão do
poder, da cultura desse grupo, transformada em única expressão da única cultura”. O
autor ressalta, ainda, que essa variedade é a mais prestigiada “pelo fato de ser
utilizada pelas pessoas mais influentes, donde se deduz que seu valor advém não de
si mesma, mas de seus falantes; e por ter merecido, ao longo dos tempos, atenção
dos gramáticos, dos dicionaristas em geral” (idem). Entretanto, é notória a dificuldade
de a escola compreender e trabalhar a heterogeneidade. É necessário que se
reconheça o Brasil como um país de diversidade, principalmente lingüística. É preciso
que se desfaça esse mito da unidade do português do Brasil lançado desde a época
de Pombal. Segundo Silva (2004), “a ideologia aristocratizante do Brasil Colônia
passou ao Brasil independente e ainda predomina até hoje” (p.65), insistindo numa
ideologia enganosa da homogeneidade lingüística em nossa terra. Esse bloqueio no
tratamento com a linguagem resulta em crise do ensino da língua portuguesa e isso é
uma conseqüência da uma inadequação do objetivo de seu ensino em face da
realidade lingüística de seus alunos, “que são vítimas de uma sociedade e de um
ensino que os desinforma e deforma, em vez de formá-los” (p.75). É um bloqueio não
só ao poder, mas à iniciativa criadora da clientela escolar.
No entanto, como nos ensina Geraldi (1984), “é preciso romper com
o bloqueio de acesso ao poder, e a linguagem é um de seus caminhos. Se ela serve
para bloquear – e disso ninguém duvida -, também serve para romper o bloqueio”
(p.44). É no sentido de romper com esse bloqueio, que o autor critica o ensino da
metalinguagem e sugere que o ensino da língua deveria centrar-se na
leitura/produção de textos e na análise lingüísticas a fim de ultrapassar a
artificialidade que se constitui na prática quanto ao uso da linguagem. Assim, a
escola deixará de perseguir o padrão normativo cujo modelo é um padrão
idealizado, fundado originalmente no padrão europeu, que cristaliza tensões e
diferenças, buscando a todo custo como resultado a padronização e o estereótipo
(Silva, 2004). Ressalta a necessidade de uma organização curricular diferenciada
para atender a realidade lingüística de nossos alunos, objetivando o ensino de uma
língua viva, dinâmica e real.
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3. REVISÃO DE LITERATURA
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(1994); Prado (1999); Rodrigues (2001); Marinho (2001); Chagas (2001); Tonácio
(2003); Visioli (2003) e Suassuna (2004).
Frigotto (1990) realiza um estudo em uma escola pública da rede
municipal (5ª a 8ª séries) do Rio de Janeiro, investigando a concepção de linguagem
trabalhada na escola, observando o que se ensina e o que não se ensina nas aulas
de Língua Portuguesa. O campo teórico utilizado pela autora constitui-se no
confronto entre a tradição de concepções formalistas, que entendem a língua como
“dado”, representadas pela lingüística formalista; e a concepção interacionista ou
dialógica de Bakhtin. Ela ressalta que “a concepção de linguagem que norteia o
trabalho do professor é fundamental para a sua prática pedagógica” (p.4). Ela
observa o que as diretrizes curriculares do município do Rio de Janeiro contemplam
para o trabalho com linguagem e como, na prática, as professoras da escola
pesquisada realizam o trabalho com a língua.
Já Lenzi (1994) analisa o processo de implantação da Proposta
Curricular para o ensino da Língua Portuguesa no Estado de Santa Catarina.
Investiga a origem da Proposta Curricular, sua finalidade e implicação pedagógica,
embasando a concepção de linguagem, aprendizagem e escola do documento em
propostas pedagógicas de Vygotsky, Freinet e Geraldi.
Prado (1999), por sua vez, investiga os documentos oficiais que
orientam o ensino da Língua Portuguesa, objetivando entender a relação entre
currículo e linguagem neles estabelecida a partir do conceito de gênero do discurso
e concepção de linguagem priorizada nos documentos. O autor realiza uma análise
documental das propostas curriculares que orientam o ensino de Língua Portuguesa
desde os anos trinta até o final do século XX.
Em sua dissertação de Mestrado, Rodrigues (2001), apesar de não
ter a concepção de linguagem como seu principal objeto de estudo, baseia sua
pesquisa na teoria da linguagem da Mikhail Bakhtin e nos postulados da proposta de
ensino de Língua Portuguesa de Geraldi, investigando o modo como o
conhecimento/leitura de mundo dos alunos é trabalhado em uma escola pública da
Minas Gerais, o que pressupõe uma concepção de linguagem norteadora da prática
pedagógica da professora pesquisada (5ª série). A autora ressalta em sua pesquisa
a necessidade de uma concepção de linguagem que norteie a prática pedagógica.
“Adotar uma concepção de linguagem é assumir uma postura diferenciada diante da
educação” (p.11), ressalta sua pesquisa.
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Segundo a autora, no percurso da pesquisa, encontra-se um número bastante grande de questões que dão
origem aos problemas de ordem metodológica, das quais contempla questões como: critérios de seleção de
gêneros e de estabelecimento de progressões curriculares, procedimentos para seleção do corpus e para descrição
de gêneros e parâmetros para a elaboração de projetos de trabalho e de materiais didáticos.
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Secretaria Municipal de São Paulo entre 1983 e 1985 e suas relações com a
pesquisa. Conclui que diferentes práticas discursivas estiveram presentes na revisão
curricular investigada e que foram estabelecidas diferentes relações com a pesquisa,
tanto no campo teórico, como no plano da realidade, e que essa nova proposta de
revisão curricular apresentou continuidades e descontinuidades devido a rupturas
em relação ao currículo de Língua Portuguesa – 5ª à 8ª série – da gestão anterior.
Ao levar em conta essas rupturas20, concluiu que essa nova proposta representou,
de fato, uma revisão, caracterizada como uma reforma. Por outro lado, a autora
concluiu que, ao tomar como referência o fato do ensino de Língua Portuguesa
continuar sendo ministrado por meio de componente curricular da Língua
Portuguesa com critérios de avaliação, promoção e seleção de conteúdos, da
seriação, e o currículo de Língua Portuguesa ter se apresentado como um currículo
prescrito como via de controle da prática pedagógica, não se constatou uma revisão
total em relação à gestão anterior.
Ainda nesse eixo temático, a pesquisa de Gomes (2004) promove
uma reflexão sobre a implantação dos documentos oficiais da Proposta Curricular de
Língua Portuguesa do Estado de São Paulo e dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, atentando para a possível dificuldade de implantação desses documentos
e sua aplicabilidade na escola, considerando-se a elaboração e meios utilizados na
divulgação dos documentos, bem como a formação do professor na universidade e
em serviço. Sua pesquisa examina, ainda, a questão política subjacente à
implantação desses documentos, tomando como objeto de análise alguns decretos
que têm perpassado a escola pública. Além disso, a autora busca as memórias que
marcaram a sua vida como auxílio às reflexões realizadas na pesquisa.
Outra pesquisa valiosa é a de Figueiredo (2005). A autora investiga
os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para 3º e 4º ciclos do
Ensino Fundamental e os Parâmetros em Ação, documento elaborado pelo MEC,
em 1999, como material de apoio na discussão e implementação do que se propõe
nos PCN. Figueiredo faz uma análise documental dos textos oficiais, comparando
ambos os documentos, tomando como base uma visão interacionista e sócio-
20
A autora apresenta como rupturas o fato do ensino de Língua Portuguesa partir: de uma concepção de
educação enquanto mediação para se chegar a uma sociedade igualitária; de um currículo adequado ao contexto
sócio-cultural da maioria da clientela escolar; de um currículo que garantisse oportunidades iguais; da variedade
lingüística dos alunos; da concepção interacionista de linguagem; do saber a língua e se organizar em práticas de
leitura de textos, práticas de produção de textos e prática de análise lingüística.
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“Bakhtin via o homem não como um ser biológico abstrato, mas histórico e
social. Assim como via o homem (...) , também historicizava a linguagem,
enraizando-a na existência histórica e social dos homens”.
Maria T. de A. Freitas
21
A saber, pertence ao gênero secundário.
22
Para aprofundar essa questão confira o tópico 4.1 sobre a concepção dialógica da linguagem, no qual apresento
com mais detalhes como o autor elabora sua crítica às teorias lingüísticas de sua época e constrói sua concepção
de linguagem através da interação social.
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seja banha-se nos signos interiores” (p.57). Como a consciência humana é um fato
sócio-ideológico, ela adquire forma e existência nos signos criados por um grupo
organizado no curso de suas relações sociais.
Para Bakhtin (1979), os signos são o alimento da consciência
individual, e mais, são a matéria do seu desenvolvimento. “A lógica da consciência é
a lógica da comunicação ideológica, da interação semiótica de um grupo social. Se
privarmos a consciência de seu conteúdo semiótico e ideológico, não sobra nada”
(p.36). Em outras palavras, sem o seu conteúdo semiótico, a consciência se reduz a
um ato puramente fisiológico.
Tomando como premissa que todos os signos são ideológicos, a
palavra como signo lingüístico não escapa dessa realidade. Afinal, a realidade de
toda palavra, segundo o autor, é absorvida por sua função de signo. Bakhtin coloca
a palavra no primeiro plano no estudo das ideologias: “É, precisamente, na palavra
que melhor se revelam as formas básicas, as formas ideológicas gerais da
comunicação semiótica” (p.36). Sendo ela o fenômeno ideológico por excelência,
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opõe-se ao indivíduo, uma vez que ela se apresenta como norma indestrutível e
peremptória.
Além disso, para o objetivismo abstrato, o sistema de signos
lingüísticos independe dos valores semióticos das significações ideológicas. Na base
dos sistemas lingüísticos não há nenhum motor ideológico, inexistindo qualquer
vínculo entre a palavra e seu sentido. Essa língua segue uma convenção arbitrária,
não havendo lugar para os embates do signo que refrata e reflete a realidade social.
O código lingüístico é como se fosse um código matemático, racional, só lhe
interessando a lógica interna do próprio signo num sistema fechado e desvinculado
das significações ideológicas, sendo seu sistema constituído de um fato objetivo
externo à consciência individual.
E os atos de fala? Acabam se tornando simples refrações ou
variações fortuitas, ou, caso escapem à norma, são vistos como deformações ao
padrão estipulado pela forma. Bakhtin acrescenta, ainda, que do ponto de vista do
sistema a mudança “é irracional e desprovida de sentido. Entre o sistema da língua e
sua história não existe vínculo nem afinidade de motivos. Eles são estranhos entre
si” (op. cit., p. 83). Sem conexão com o contexto histórico, resta apenas uma língua
morta, ou melhor, resta uma norma viva.
Bakhtin questiona as teses de ambas correntes filosóficas e
lingüísticas e se indaga acerca do verdadeiro núcleo da realidade lingüística.
Segundo ele, a prática viva da língua não permite que a linguagem seja tratada
como se fosse um sistema abstrato de normas, separada de seu conteúdo
ideológico e vivencial. Por isso, ele critica o objetivismo abstrato, afinal, a língua não
deve ser separada do seu caráter ideológico e está sempre vinculada à vida. Sem
isso, só encontraremos sinais e não mais signos de linguagem. Para Bakhtin, a
própria língua (materna) como sistema de formas que remetem a uma norma nos
distancia da realidade viva da língua e não passa de uma abstração:
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Mas sua crítica não pára por aí. Para ele “a língua como sistema de
formas normativamente idênticas é apenas uma abstração científica que só pode
servir a certos fins teóricos e práticos particulares. Essa abstração não dá conta de
maneira adequada da realidade concreta da língua” (1979, p.127). Mostrou ainda
como essa linha teórica desconsiderou a enunciação e o contexto com base na
filologia, que para ele era o estudo das línguas mortas, o que desvincula a língua de
sua esfera real, que é social. Ele enfatiza que a estrutura da enunciação é de
natureza social.
O subjetivismo idealista, por sua vez, foi criticado por Bakhtin por
apoiar-se sobre a enunciação monológica como ponto de partida da sua reflexão
sobre a língua, dando primazia ao conteúdo interior e desenvolvendo-se sobre um
terreno idealista. Nessa perspectiva, o exterior é material passivo do interior, numa
dicotomia insuperável.
Segundo essa linha teórica, a expressão se constrói no interior, sua
exteriorização se limita à sua tradução. Para ele, essa concepção é falsa. Não há
atividade mental sem expressão semiótica. Ademais, “não é a atividade mental que
organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade
mental, que a modela e determina sua orientação” (op. cit., p. 112), o que significa
que a primazia não se situa no interior, mas no exterior, portanto, no social, pois a
estrutura da atividade mental é social e não o contrário. Se a estrutura da
enunciação e a da atividade mental são de natureza social, logo, a língua é social.
Então, Bakhtin (1979) conclui sua crítica considerando que tanto o
subjetivismo idealista ao considerar a linguagem como enunciação monológica e o
objetivismo abstrato ao considerar a língua como um sistema abstrato de normas
constituem um obstáculo para se apreender a totalidade da língua. Qual seria,
então, o verdadeiro núcleo da realidade lingüística? Deixemos o próprio Bakhtin
responder:
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de diálogo e, além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser
estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior (...) que se
encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal” (Bakhtin, 1979, p.123).
Essa linguagem plural e dinâmica se materializa em diversas vozes
sociais que se cruzam e interagem, num movimento contínuo, ininterrupto, pois o
homem é um ser de linguagem. É ela que nos distingue de todos os outros animais.
É através dela que nos humanizamos e damos sentido à nossa própria existência.
Esse movimento do caráter dialógico da linguagem não permite um acabamento,
mas estamos diante de um contínuo devir. Se o homem é um ser em acabamento, a
linguagem estará em eterna construção e aberta a novas descobertas.
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23
Confira os tópicos 2.3. Novos rumos para o ensino da língua e 2.4. Inovadoras propostas para o ensino da
língua materna. Neles discuto o redimensionamento dos pressupostos epistemológicos para o ensino da língua
no país.
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discurso é diretamente vinculado à vida em si e não pode ser divorciado dela sem
perder sua significação” (p.5). Em suma, todo enunciado concreto compreende duas
partes: “a parte percebida ou realizada em palavras e a parte presumida” (p.7), que é
constituída socialmente. Segundo o autor, as palavras articuladas estão sempre
impregnadas de partes presumidas, que só serão compreendidas se houver um
horizonte espacial comum entre os interlocutores, o que engloba o conhecimento, a
compreensão e a avaliação comum da situação da interlocução por parte dos
falantes.
Esse caráter social e dialógico do enunciado tem como premissa
que todo discurso tem uma dimensão dialógica. Até os nossos discursos mais
íntimos são inteiramente dialógicos. São atravessados o tempo todo pelas
avaliações de um ouvinte virtual, pois nosso discurso interior é pronunciado sob a
forma de diálogo e o elemento sociológico é inerente à consciência humana. Além
disso, nosso discurso interior é permeado de vozes e, “a cada vez, independente de
nossa vontade e de nossa consciência, uma dessas vozes se confunde com a que
exprime o ponto de vista da classe à qual nós pertencemos, suas avaliações”
(Volochinov, 1981, p.5). Afinal, nossa visão de mundo é própria do grupo social ao
qual pertencemos. Somos formados por várias vozes: da família, dos grupos de
amigos, dos textos que lemos, das experiências que tivemos. É uma polifonia que
habita a nossa formação e que forma o nosso ponto de vista pessoal.
Cabe destacar, ainda, algumas peculiaridades do enunciado como
unidade da comunicação discursiva: a alternância dos sujeitos do discurso, a
conclusibilidade do enunciado e as suas formas estáveis. Já sabemos que cada
enunciado é um elo na corrente organizada de outros enunciados. Mas como definir
os limites de um enunciado concreto como unidade discursiva? Segundo Bakhtin
(2003), esses limites de cada enunciado são definidos pela alternância dos sujeitos
do discurso. Assim, os limites de um enunciado concreto se definem quando um
falante termina o seu enunciado para dar espaço para o outro falar sua palavra ou
para dar lugar à sua compreensão responsiva, pois o falante espera do ouvinte uma
contrapalavra. Afinal, é “a alternância dos sujeitos do discurso, que emoldura o
enunciado e cria para ele a massa firme, rigorosamente delimitada dos outros
enunciados a ele vinculados” (p.279-280).
Outra particularidade, que está intimamente ligada à primeira, é a
conclusibilidade específica do enunciado. Para o autor, ela é uma espécie de
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Confira o próximo tópico no qual trato dos gêneros do discurso. O conceito de gênero é nele discutido.
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Bakhtin faz ouvir com atenção a voz do outro e interage com ela não num
diálogo ingênuo e esquemático que se esgota na substituição sucessiva de
locutores, mas numa interlocução em que a meta não é nem uma imposição
dogmática de uma única voz (...) mas uma superação crítica, uma espécie
de (...) síntese dialógica dos contrários (o que reinstaura o diálogo)” (Faraco,
1993, p. 197)
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com a realidade dos enunciados alheios (...) São aparentados com a oralidade e
tendem a ser mais interativos, embora incluam muitos gêneros da escrita informal,
de circulação privada, como cartas e bilhetes” (Tonácio, 2003, p. 39). Já os gêneros
secundários, segundo os pressupostos bakhtinianos, “surgem nas condições de um
convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado
(predominantemente o escrito)” (2003, p.263), tais como romances, ensaios
filosóficos, gêneros jornalísticos, dramas, pesquisas científicas, etc. Além disso, no
seu processo de formação os gêneros secundários incorporam e até reelaboram os
gêneros primários (simples), passando estes a integrar aqueles.
Os gêneros discursivos são formas comunicativas e como tal são
adquiridas nos processos de interação verbal e não em manuais de gramáticas ou
de normas lingüísticas. É na vivacidade da linguagem que eles são elaborados, na
interação entre os falantes. Afinal, como nos afirma o autor (2003), a língua materna,
incluindo sua composição vocabular e sua estrutura gramatical, “não chega ao nosso
conhecimento a partir de dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas
que nós ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com
as pessoas que nos rodeiam” (p. 283), ou seja, nos processos interativos. Desse
modo, entendo a proposta curricular como forma comunicativa adquirida nos
processos de interação verbal dos seus interlocutores (autores), que representam o
discurso oficial da Secretaria Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro
para o ensino da língua materna na escola.
Vale lembrar que ambos, gêneros primários e secundários, são
ideológicos e refletem o contexto de sua enunciação. Interpretam a realidade ou a
deformam de acordo com a intenção dos seus falantes. “A própria relação mútua dos
gêneros primários e secundários e o processo de formação histórica dos últimos
lançam luz sobre a natureza do enunciado (e antes de tudo sobre o complexo
problema da relação de reciprocidade entre linguagem e ideologia)” (Bakhtin, 2003,
p. 264) que é ideológica e semiótica25.
Os gêneros do discurso vinculam-se aos enunciados. Esse vínculo
existente entre discurso e enunciado “evidencia a necessidade de se pensar o
discurso no contexto enunciativo da comunicação e não como unidade de estruturas
lingüísticas. “Enunciado” e “discurso” pressupõem a dinâmica dialógica da troca
25
Confira o tópico 4.1.2 sobre o caráter semiótico e ideológico da linguagem.
74
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26
A natureza do enunciado está analisada acima na constituição do enunciado.
75
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5. ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
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27
A categoria contrapalavra é desenvolvida na estrutura conceitual desta pesquisa e no tópico 5.3. Uma nota
sobre currículo.
28
O arcabouço teórico do documento é a primeira versão do documento, que deveria ser analisado nas escolas
para eventuais modificações após parecer dos professores.
29
Os Materiais Didáticos foram elaborados pelos professores em 2005 e entregues junto com a Reorientação
Curricular em 2006.
80
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localidades de trabalho (Cabo Frio, Campos, Caxias, Niterói, Nova Friburgo, Nova
Iguaçu, Rio de Janeiro e Volta Redonda)” (RJ, 2006d, p.25). A produção resultante
desse curso seria incorporada ao documento oficial de Reorientação Curricular sob a
forma de Materiais Didáticos. Segundo o documento:
30
Os volumes do Ensino Fundamental correspondem ao segundo segmento, ou seja, 5ª à 8ª série.
82
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5. 2. Estratégia metodológica
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31
Os indicadores utilizados são o SAEB e o ENEM, do governo federal, o Nova Escola, do governo estadual, e
também indicadores internacionais como o PISA.
86
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32
Bobbit e Tyler são autores da tendência tradicional de currículo nos Estados Unidos, tendência que
predominou dos anos 20 aos anos 70.
87
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33
Digo discurso no sentido bakhtiniano do termo e não o como é entendido pela análise do discurso a partir dos
pressupostos teóricos de Pêcheux e Manguenau.
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34
A participação dos professores é citada no documento preliminar, no workshop, em 2005, nas escolas, e
através do envio de propostas, sugestões e críticas, e, finalmente, na elaboração dos Materiais Didáticos.
35
Confira na estrutura conceitual da pesquisa. Nela, desenvolvo essa questão da alternância dos sujeitos do
discurso com mais detalhes.
90
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36
O processo de elaboração da Reorientação Curricular é descrito na parte do Encaminhamento Metodológico.
Nessa parte da pesquisa, descrevo com detalhes como cada versão do documento foi escrita.
37
A Reorientação Curricular não deixa claro quantos desses 8.0000 questionários são dos professores de Língua
Portuguesa. Entretanto, independente da quantidade específica de professores da Língua Portuguesa, é um
número significativo de questionários recebidos.
91
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38
Digo, da mesma categoria trabalhista e profissional.
92
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39
Todavia, saber se os professores estão colocando a Reorientação em prática é um tema que foge do escopo
desta pesquisa e que requer estudos específicos na área.
40
Digo familiar porque a voz dos professores, na elaboração da proposta, fala aos seus pares.
94
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41
Confira a estrutura conceitual, na qual desenvolvo a concepção de linguagem bakhtiniana e seu caráter
ideológico.
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pública do Estado do Rio de Janeiro” (RJ, 2005, p.17) como se fosse uma bússola a
direcionar os passos das escolas públicas do Estado. O propósito mais amplo do
texto oficial parece ter sido planejar as atividades pedagógicas e controlá-las de
modo a evitar que os professores imbuídos da tarefa docente se desviem das metas
e padrões definidos no documento, afinal, um currículo “dirige as atividades
educativas da escola como um todo” (RJ, 2005, p 17). Com isso, procura ajustar
seus leitores aos padrões neles estipulados. Tem-se, na verdade, a construção
científica42 de um currículo que busca adaptar professor e escola aos seus “novos”43
parâmetros reconhecidos como verdades na área. Afinal, prescreve quais
conhecimentos devem ser priorizados e avaliados. Ele alega que “não tem, nem
poderia ter, a intenção de cercear, aprisionar” (RJ, 2006, p. 15), mas dirige as
atividades a serem realizadas. Dirigir implica alguém no comando e esse alguém
institucional da Reorientação Curricular aponta os passos que o professor deve
seguir.
Se este currículo vai direcionar todos os passos do professor: do que
ensinar ao modo como avaliar este ensino, ele se estabelece como lugar de
homogeneidade. E, quando se fala em discurso, a homogeneidade é uma falácia!
Pensar numa estratégia discursiva na construção de um discurso hegemônico é
questionável se tomarmos a concepção dialógica de discurso como pressuposto
teórico. Para Bakhtin, não há texto ou discurso homogêneo, uma vez que ele pode
refletir ou refratar a realidade, trazendo em seu bojo as contradições da realidade
representada, seus impasses, entraves e multiplicidades. O texto, nessa perspectiva,
não é um objeto sem voz (Bakhtin,1979) e o sujeito falante (seja ele oficial,
institucional ou não) é produto da alteridade e da diferença, de outros discursos, é
um elo na cadeia discursiva (Bakhtin, 2003) que pode concordar ou se opor ao dito,
uma vez que a contrapalavra faz parte do discurso. Nessa perspectiva dialógica, o
42
Digo construção científica porque o mesmo foi elaborado pela academia, que representa a voz científica na
área.
43
Digo novos parâmetros porque o documento assinala que, no “Estado do Rio de Janeiro, o último documento
remonta a 1994 – anterior portanto à LDBEN 9394/96, o que torna a gestão das escolas públicas muito difícil e
descaracteriza a flexibilização curricular sugerida nos documentos oficiais do MEC” (RJ, 2005, p.16). Assim, a
Reorientação Curricular vem atender ao apelo de inovação dos documentos oficiais do MEC, com as inovações
por ele trazidas. “Como pensar na melhoria da qualidade em educação e na redução de desigualdades dentro das
escolas e entre escolas, se o trabalho é desenvolvido de forma desconecta, sem um projeto que promova um
direcionamento comum para o ensino público estadual?” (idem), pergunta o documento. Nessa perspectiva, o
documento se apresenta como os novos parâmetros que tornariam viável o fim da antiga proposta que
“descaracteriza a flexibilização curricular sugerida nos documentos oficiais do MEC”.
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44
Este trecho foi retirado da versão de 2006.
45
O que se ensina na Reorientação Curricular faz parte do próximo capítulo.
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46
Desenvolvo a concepção bakhtiniana de linguagem na estrutura conceitual da pesquisa (capítulo 4).
47
Trato do aspecto polifônico do discurso oficial em Uma nota sobre o currículo (capítulo 5.3).
99
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48
Esses fundamentos nucleares estão desenvolvidos na estrutura conceitual da pesquisa e noção de texto e
discurso no 5.3 Uma nota sobre currículo.
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imagem o falante da voz oficial tem do professor para lhe falar assim? Por que
chamá-lo de nós, incluindo-o na sua voz?
Desse modo, quem é o professor para o documento lhe falar assim?
Levando-se em conta que a imagem que o locutor tem de seu interlocutor organiza o
seu discurso, a fim de que seja interpretada como ele planeja, ou conduza a uma
resposta que o locutor considere satisfatória, somos levados a questionar: que
imagem a Secretaria constrói desse profissional para lhe escrever dessa forma? Na
escrita, o locutor não tem o interlocutor presente. Assim, a única presença com que
pode contar é a das próprias imagens que formula desse interlocutor. “A escrita é o
momento que deixa a sós o sujeito e suas imagens” (Pécora, 1999, p.75). Isso exige
uma elaboração o locutor para se dirigir ao seu interlocutor, pois se tem um
interlocutor virtual com o qual se deseja manter um elo discursivo e do qual se
espera uma atitude responsiva.
Para utilizar o nós, a imagem que a voz oficial tem do professor é a
de um parceiro de seus projetos. Essa “unidade” na interlocução sugere uma
intimidade com o professor, uma familiaridade entre os dois resultante em uma fusão
de sentidos. Parece uma comunhão de propósitos. O professor não está em um pólo
da interlocução afastado dos propósitos da SEE. Ele é um representante da própria
SEE. Ele é quase a própria voz da SEE, pois o uso do pronome nós assinala que há
uma “indissolução” na pessoa que fala. Professor e SEE parecem ser um.
Nota-se, nesse uso do “nós”, o predomínio de enunciados
unificadores, que fundem os interlocutores: “muitos de nós, com um enorme
esforço pessoal, realizamos boas experiências, trabalhamos em equipe, buscamos
atualização constante e, principalmente, somos capazes de promover a verdadeira
aprendizagem, criando em nossos alunos o gosto pelo estudo e pelo saber” (RJ,
2006a, p. 22). Os grifos são nossos e servem para destacar como a voz oficial se
utiliza de enunciados unificadores para fundir a sua voz à do professor. A desinência
de primeira pessoa do plural dos verbos (-mos) reafirmam esse uso de um
enunciado unificador. Os pronomes possessivos também em primeira pessoa do
plural (nossos) dão a coerência necessária aos períodos que se aproximam do
professor. Afinal, essa é a nossa profissão, somos “nós professores, principais
atores deste processo de mudança” (RJ, 2006a, p.22), “Nós, professores, temos o
dever de garantir este direito” (p. 20), pois “Esta interação exige de nós, professores,
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portuguesa, usa-se o modo imperativo para dar ordens, fazer pedidos ou sugestões.
Independente de qualquer uma dessas intenções, a SEE assume a posição de
quem tem em mãos algo que deseja que o professor execute. Esse algo são as
instruções normativas que o professor deve colocar em prática na sala de aula. É
uma forma discursiva que pressupõe uma certa obediência do leitor. É um discurso
que “leva” a fazer o que o texto oficial encaminha, subordinando o professor:
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oposta à da SEE:
junto à SEE: união de um lado, a SEE, afastado da SEE:
Posição do professor
de vozes do outro, o em um não-lugar
professor
aquele que está
Referência do aquele que fala aquele a quem nos
ausente: uma não-
professor no discurso dirigimos
pessoa
Atitude da voz oficial
em relação ao unidade confronto distanciamento
professor
Tipo de enunciado
unificador imperativo assertivo
utilizado
Imagem que a voz
oficial tem do parceiro subalterno outro
professor
Figura 1. Uso do pronome na voz oficial.
49
A proposta de 1951 para o Ensino Primário do MEC também é um exemplo dessa inovação, pois contou com
a participação ampla de professores, Secretarias de Educação e sociedade em sua elaboração.
116
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seja um texto realmente implementado pelo professor que irá recebê-la. A expressão
“desta vez” denota uma contrapalavra em relação a propostas anteriores e uma
aposta em sua execução por contar com a participação do professor em sua
elaboração. Ao mesmo tempo, desconfia dessa possibilidade, em seguida, quando
enuncia “quem sabe”. Nota-se um caráter interrogativo da própria afirmação feita
pela voz oficial. Ela afirma, mas recua, o que denota que, mesmo contando com a
participação de quem deverá implementá-la, não tem garantia de que a proposta
será percebida como próxima da realidade da sala de aula ou mesmo utilizada.50
No pólo da interlocução, que apresenta a voz oficial, vimos como a
SEE se direciona ao professor. No pólo da interlocução formado pela voz do
professor, observaremos como se articula a voz deste profissional no discurso
curricular. Ao investigar a Reorientação Curricular, notei que ela apresenta a voz do
professor de Língua Portuguesa em dois momentos distintos: na elaboração da
proposta curricular e nos Materiais Didáticos.
Na elaboração da proposta curricular, observamos que a voz do
professor é uma voz que está atrelada à voz oficial, mas isso não ocorre em todos
os momentos. Não é possível separar nenhum trecho específico da Reorientação
Curricular que apresente o professor como locutor privilegiado. Foi possível notar a
sua voz quando a voz oficial utiliza o pronome nós51, citando o professor como co-
locutor de seu discurso e essa co-autoria ressalta a participação do professor para
que a proposta curricular dê certo e seja considerada, ou seja, a voz do professor é
ouvida nos momentos de uma busca de adesão à proposta. Não é possível, por
exemplo, identificar a voz do professor quando a SEE apresenta os pressupostos
teóricos que sustentam a Reorientação Curricular, o que permite inferir que este
espaço deve ser ocupado pela voz da SEE em parceria com a academia (UFRJ),
que representa a conhecimento científico na área da linguagem e ensino da língua.
O único espaço em que o professor é considerado autor privilegiado é nos Materiais
Didáticos:
50
Saber se a proposta foi mesmo implementada é um trabalho que exige uma investigação criteriosa em todo o
estado do Rio de Janeiro, o que foge aos propósitos desta pesquisa. O tema fica para uma pesquisa posterior.
51
A voz do professor atrelada à voz oficial já foi tratada no tópico anterior quando analisei o uso do pronome
nós, por isso não vou me alongar para retomar esse ponto.
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52
Confira o processo de elaboração dos Materiais Didáticos no capítulo 5, item 5.2. Estratégia Metodológica.
118
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53
A não ser que a voz oficial tenha utilizado diferentes professores nos diversos momentos de confecção do
documento.
54
Embora, na apresentação dos Materiais Didáticos, possamos ler que “Cada unidade apresenta (...) Por último,
uma “conversa com o professor” (RJ, 2006c, p.25), nem todas as unidades apresentam essa parte.
119
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“...alguns ainda têm idéia de que aula de português é algo chato e maçante,
o que nós sabemos que não é verdade. Vamos fazê-los saber disto
também” (RJ, 2006e, p.146).
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seus pares. Tal como vimos na voz oficial, o pronome você é utilizado com valor de
segunda pessoa, é o al-muhatabu, ‘aquele a quem nos dirigimos’ no dizer de
Benveniste. Tal forma de referência aos pares estabelece um distanciamento e
separa quem fala de quem recebe a proposta curricular. No uso do você, nota-se o
predomínio de enunciativos imperativos. A voz do professor que escreveu os
Materiais Didáticos assume um lugar hierarquicamente superior ao dos seus
companheiros, um lugar que denota poder para se dirigir aos seus colegas de
classe, afinal, foram legitimados pela SEE para falar assim. A imagem que a voz do
professor tem dos seus pares é a de subalternos que receberão as orientações de
pessoas que foram instruídas e preparadas para falar ao lado do poder estadual
sobre o que fazer em sua prática docente. Isso pode ser claramente observado no
uso de verbos no imperativo. A voz do professor ocupa a posição de quem foi
autorizada a falar o que os professores em sala de aula devem fazer:
“... divida (você) a turma e faça (você) um trabalho sobre a obra de Gilberto
Gil em suas diversas fases para depois montar um painel” (RJ, 2006b,
p.46).
“Lembre-se (você) que ninguém escreve sobre o que não sabe” (RJ, 2006c,
p.96).
“Professor, antes de ler cada texto, faça uma preparação para a leitura com
alguma atividade” (RJ, 2006e, p.50).
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“Deve-se deixar bem clara para o aluno essa definição através do próprio
texto, salientando o uso dos dados numéricos e estatísticos como um
recurso amplamente utilizado na linguagem jornalística para dar
credibilidade ao texto” (RJ, 2006e, p. 105).
“Solicitar aos alunos que façam a recitação do poema, pode ser mais um
recurso para desenvolver o gosto pela poesia” (RJ, 2006c, p. 118).
“Professor, levar os alunos a perceber que o primeiro verso ‘Um galinho não
tece uma manhã’ dialoga intertextualmente com ‘Uma andorinha só não faz
verão’ [...] Professor, para ilustrar diferentes formas de comunicação,
motivar os alunos para confeccionar cartazes com tiras, gráficos, pinturas,
etc. (RJ, 2006e, p. 70).
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Tipo de enunciado
unificador e imperativo imperativo Imperativo
utilizado
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destacando (a) o que o documento se propõe a ser, (b) o que ele propõe para as
escolas no Rio de Janeiro, (c) o que ensinar, para que ensinar, o que e quando
ensinar, (d) como ensinar, (e) como lidar com as diferenças na escola e com as
diferenças individuais, (f) como lidar com o mundo fora da escola, (g) como somar
esforços através da interdisciplinaridade, e é encerrado com (h) o papel do professor
no processo de aprendizagem do alunos. Todos esses itens são abordados de
forma bem sucinta em poucos parágrafos. Por pertencer ao gênero “propostas
curriculares”, a Reorientação Curricular apresenta especificidades que nos permitem
reconhecê-la como tal. Considerando o que nos ensina Bakhtin (2003),
selecionamos as palavras segundo as especificidades de um gênero, o que exige
que modulemos nosso discurso segundo o gênero que pretendemos utilizar para
nossos propósitos. Como se pode perceber, os tópicos apresentados na
Reorientação Curricular são elementos que nos permitem reconhecê-la como um
texto do gênero “propostas curriculares”.
A Reorientação Curricular Linguagens e Códigos se apresenta com
o objetivo de orientar a prática educativa das escolas da Rede Estadual. Para
estabelecer o lugar de onde fala, começa com a divulgação do governo responsável
pelo documento, do governo da Rosinha Garotinho, seguida do secretário de Estado
de Educação Cláudio Mendonça e da subsecretária adjunta de planejamento
pedagógico Alba Rodrigues Cruz, assinalando os responsáveis pela proposta
curricular apresentada e o cargo que ocupam, o que destaca o peso sócio-
hierárquico de quem apresenta o documento.
Segundo Marinho (1998), os textos do gênero “propostas
curriculares” são caracterizados por serem publicações de órgãos oficiais, cuja
finalidade principal é a redefinição e/ou orientação das práticas educativas, trazendo
em seu bojo a tradição cultural da regulação da avaliação da prática docente a partir
dos modelos que eles apresentam. Essa redefinição das práticas educativas é
autorizada porque seus enunciadores falam de um lugar legitimado, uma vez que
seu discurso está modulado tendo como base o peso sócio-hierárquico de seus
interlocutores. Assim, o lugar de onde se fala e a situação social dos interlocutores
influenciam as condições de produção, uma vez que é um discurso que representa o
poder público estadual.
Na apresentação, o secretário de educação Cláudio Mendonça
destaca que a elaboração do documento encerrou vários desafios, pois foi
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Como esta pesquisa se propõe a investigar a Educação Básica, não há ênfase nas modalidades Normal e
Jovens e Adultos em minha análise.
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objetivos que pretende alcançar com a proposta curricular, propondo caminhos para
tal.
Para analisar tais informações, separei citações referentes ao
contexto de produção da proposta curricular em três blocos: (i) onde estamos, no
qual o documento apresenta seu ponto de partida, mostrando a realidade do
momento de elaboração da proposta curricular, o que reflete a realidade educacional
do país; (ii) onde queremos chegar, no qual o documento apresenta o ponto de
chegada, expondo seus objetivos e (iii) o que propomos, no qual se nota o que a
proposta curricular apresenta como proposta para resolver os problemas
apresentados no primeiro bloco.
ONDE ESTAMOS ONDE QUEREMOS CHEGAR
O QUE PROPOMOS
-Ponto de partida- - Ponto de chegada -
“Os indicadores educacionais “O ponto de chegada que “que aponte saídas para
brasileiros revelam que gostaríamos de atingir é algumas situações
estamos longe de alcançar o garantir ao estudante da rede problemáticas” (RJ, 2006a,
objetivo de desenvolvimento estadual pública, morador no p.15).
pleno das capacidades dos Estado do Rio de Janeiro, o “Este documento se propõe a
alunos na escola” (RJ, 2006a, acesso a uma formação ser precisamente uma
p. 14). escolar de qualidade, que lhe orientação curricular, ou seja,
“Um número expressivo de permita o exercício da nortear o processo de
alunos não desenvolve as cidadania e meios para elaboração e construção do
habilidades básicas esperadas progredir no trabalho e em planejamento político
para o nível escolar que estão estudos posteriores” (RJ, pedagógico e do currículo das
freqüentando” (op.cit.). 2006a, p. 14). escolas da rede estadual
“as dificuldades de letramento pública do Estado do Rio de
[...] se refletem em todo o “é necessário superar os Janeiro” (op.cit.).
processo de aprendizagem” índices alarmantes de “O que este documento se
(op.cit.). distorção idade-série, tempo propõe, novamente, é ser
“problemas no desempenho de conclusão, índices de uma orientação curricular.
escolar [...] falta de evasão e repetência e, Fornecer bases para a
aprendizagem de conteúdos e especialmente, resultados que construção deste conjunto na
competências básicas para a evidenciam o reforço das escola” (RJ, 2006a, p.16).
vida” (RJ, 2006a, p.15). desigualdades sociais e “Propõe movimento,
“O ponto de partida para étnicas” (RJ, 2006a, 15). reconhece o esforço de muitos
mudar esse quadro é sermos para sair da inércia. Ousa
capazes de reconhecer que há propor caminhos na direção
algo errado e que precisamos da melhoria da qualidade de
contribuir para mudar” (RJ, ensino. Insiste na utopia,
2006a, p. 15). mesmo que adiada. Insiste
“Como pensar na melhoria da que é preciso dar os primeiros
qualidade em educação se o passos, um documento para
trabalho é desenvolvido de ser discutido a aplicado aqui e
forma desconectada, sem um agora, para que possamos
projeto que promova um juntos começar a resolver (ou
direcionamento comum para o pelo menos minorar) alguns
ensino público estadual?” dos problemas mais
(op.cit.). prementes da nossa escola
pública” (op.cit., p. 17).
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Confira www.ibge.gov.br.
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Dados do IBGE apresentam o analfabeto funcional como a pessoa que tem menos de quatro anos de estudos
completos. O analfabetismo funcional, segundo a acepção da UNESCO, “diz respeito à impossibilidade de
participar eficazmente de atividades nas quais a alfabetização é requerida; remete, portanto, aos usos sociais da
escrita e a tipos e níveis variáveis de habilidades de acordo com as demandas impostas pelo contexto. A partir
desse enfoque, a problemática deixa de concernir apenas às populações adultas que não tiveram acesso à escola –
os chamados analfabetos absolutos - , aplicando-se também às populações escolarizadas, e, portanto, à escola de
maneira geral e não apenas aos programas de alfabetização de adultos” (Ribeiro, 2006, s/p).
58
Em comparação a 1992, houve um aumento de 1,3 anos de estudo na média nacional. Mas, apesar do aumento
ocorrido, a defasagem ainda é grande.
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de idade estão atrasados em relação à série que freqüentam. Além disso, somente
2,8% das famílias brasileiras com crianças com crianças de zero a 14 anos têm
renda per capita superior a cinco salários e 38% vivem com renda per capita até
meio salário mínimo, o que corresponde a 47,2 milhões de pessoas, ou seja, 27,2%
da população brasileira vive na pobreza.
Por outro lado, houve um aumento do percentual dos adolescentes
entre 15 e 17 anos que têm o estudo como atividade exclusiva. Em 1993, eram
40,7% e, em 2003, 60,9%. Não se sabe se isso ocorreu por falta de emprego, pois a
década passada foi marcada pelo desemprego, ou se foi por opção. Já na faixa
entre 18 e 19 anos, só 30,4% ocupam-se exclusivamente dos estudos e 21,3%
dividem-se entre estudos e trabalho. Entre 20 e 24 anos, 11,7% só estudam e a taxa
de freqüência escolar aumentou de 18,3% para 26,2% na década 1993-2003.
Entretanto, os que estudam não estão no ensino superior, onde deveriam estar. Do
grupo de 18 aos 24 anos, 23,4 milhões, 13,4% dos brasileiros que estão estudando,
temos 20,4% no ensino fundamental e 42% no ensino médio, o que mostra uma
defasagem considerável, tendo em vista a exigência do mercado de trabalho por
mão-de-obra qualificada, o que requer escolarização.
Segundo o relatório sobre a educação da coleção de Estudos
Temáticos sobre os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, divulgado pelo
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), elaborado por
especialistas da Pontifica Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e
baseado sobretudo em dados do IBGE, mesmo com a evolução educacional
ocorrida na última década, o país supera apenas os países mais pobres. Por outro
lado, no relatório referente à região Sudeste, nota-se que, no Rio de Janeiro:
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Declaração do Milênio das Nações Unidas59 propôs como um dos objetivos básicos
a busca pela universalização do ensino e, para isso, pretende-se que os países
signatários direcionem suas políticas no sentido de garantir que até 2015 todas as
crianças terminem um ciclo completo do ensino básico. Nesse caso, o Brasil deve
direcionar suas políticas a fim de buscar expandir a taxa líquida de matrícula no
ensino primário, além de melhorar a proporção de alunos que iniciam o primeiro ano
e atingem o 5º e reduzir substancialmente o analfabetismo entre jovens de 15 a 24
anos.
O discurso oficial, no bloco onde estamos, ressalta, ainda, os
problemas de letramento, que afetam a aprendizagem. O número expressivo de
alunos que não desenvolve as habilidades básicas para o nível escolar que estão
freqüentando denuncia, na verdade, a qualidade da escola, que está longe de atingir
os níveis de qualidade exigidos. Cumpre destacar que essa escola pertence ao
governo que elabora o documento e é para ela que a voz oficial se dirige.
O uso do termo letramento começou a ser usado para designar
habilidades que vão além da decodificação de letras, havendo um alargamento das
idéias relativas à alfabetização, principalmente devido à utilização e divulgação do
conceito de analfabetismo funcional pela UNESCO a partir da década de 1960.
Segundo Ribeiro (2006),
59
A adoção da Declaração do Milênio foi realizada, em 2000, por todos os 189 Estados-membros da Assembléia
Geral das Nações Unidas, marcando um momento decisivo da cooperação global no século XXI. Segundo o
PNUD, a “Declaração estabelece, no âmbito de uma única estrutura, os desafios centrais enfrentados pela
humanidade no limiar do novo milênio, esboça a resposta a esses desafios e estabelece medidas concretas para
medir o desempenho mediante uma série de compromissos, objetivos e metas interrelacionados sobre o
desenvolvimento, governabilidade, paz, segurança e direitos humanos” (http://www.pnud.org.br/).
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escritos, como também as diversas práticas sociais nas quais esses textos
se fazem presentes” (Ribeiro, 2006, s/p).
60
A Prova Brasil é uma avaliação que compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a
Prova Brasil é desenvolvida e realizada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
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Teixeira (Inep). Sua primeira edição ocorreu em novembro de 2005, em parceria com as secretarias estaduais e
municipais de educação.
61
Confira os resultados em http://www.inep.gov.br/basica/saeb/prova_brasil/escala_port.htm.
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Confira essa discussão dos novos rumos para o ensino da língua materna no capítulo 2, no tópico 2.3.
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“O aluno deve ser considerado um produtor de textos, aquele que pode ser
entendido pelos textos que produz e que o constituem como ser humano. O
texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural,
único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que
o produzem e entre os outros textos que o compõem. O homem visto como
um texto que constrói textos.” (BRASIL, 2002, p. 139)
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FIGURA 4: EIXOS ORIENTADORES DO ENSINO DA LÍNGUA MATERNA TENDO O TEXTO COMO UNIDADE DE ENSINO
65
Confira os anexos.
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Segundo Rojo (2005), a partir dos PCN, que fazem uma explícita
indicação dos gêneros como objeto de ensino, houve uma explosão de pesquisas
que tomam por base teórica as teorias dos gêneros. A autora afirma que, em um
levantamento feito e apresentado em julho de 2000 no XV Encontro Nacional da
ANPOLL, por solicitação do Sub-GT da ANPOLL “Teorias de Gêneros em Práticas
Sociais”, sobre os principais trabalhos do LAEL/PUC-SP, que se embasavam nas
teorias de gênero de extração francófona, mostrou-se que somente no período
1995-1996 as pesquisas começam a fazer menção a teorias do gênero. Em virtude
dos diferentes enfoques encontrados no trabalho com os gêneros, as pesquisas
investigadas no levantamento realizado foram divididas em duas vertentes, que a
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referência para falar do tema. Acho que esse movimento discursivo instaurado pelo
autor cumpre bem um dos propósitos defendidos por ele em seus textos: o aspecto
dialógico da linguagem, que conta sempre com a atitude responsiva do interlocutor
no discurso. Ele constrói um movimento polifônico de distanciamento ou de afiliação
dos seus pressupostos teóricos acerca dos gêneros do discursivo, mas é sempre
uma contrapalavra.
O problema que vejo na proposta de reorientação curricular é que
ela apresenta os pressupostos bakhtinianos como arcabouço teórico e se afasta das
posições teóricas do autor ao utilizar os gêneros textuais e não os gêneros
discursivos como prática do trabalho com o texto. Ou seja, mesmo o texto sendo
considerado em sua dimensão dialógica, como lugar onde se dá a interação entre os
sujeitos, não consegue manter uma coerência teórica com o que afirma acreditar. Do
ponto de vista teórico-metodológico e político, esta questão faz uma grande
diferença já que, especialmente no trabalho com as classes populares, a
contextualização dos temas e a consideração do universo discursivo dos alunos é
fundamental. Destaco as classes populares, pois muitas vezes o conhecimento que
seus integrantes trazem para a escola é por demais diferente do conhecimento
valorizado pela escola. Em conseqüência, se não houver um professor que trabalhe
estabelecendo pontes entre os dois conhecimentos, que contribuam para que seus
alunos se aproximem e compreendam o sentido do conhecimento escolar,
dificilmente haverá aprendizagens significativas. E isto é o que vem ocorrendo
historicamente. Aí então se situa um ponto crucial da contribuição de Bakhtin para
pensarmos as relações de ensino-aprendizagem. Destaca-se por isso a relevância
de se compreender o sentido da categoria gêneros do discurso, diferente de gênero
textual.
Por outro lado, um item relevante no trabalho com o texto abordado
no documento é a preocupação com as diferentes linguagens, não se restringindo à
linguagem verbal. A proposta de reorientação curricular pressupõe a valorização de
linguagens não-verbais como gestos, símbolos matemáticos, imagens, etc,
sustentando que a interação social plena requer que o aluno domine um conjunto de
regras relativas a cada forma de linguagem. Para isso, o documento estabelece que
o foco da proposta curricular de Língua Portuguesa deve ser estabelecido com base
em atividades de leitura e produção de diferentes gêneros. É a partir daí,
considerando a concepção interativa de linguagem e a adoção do texto como
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Conto X X
Conto de Fada X X
Crônica X X X
Fábula X X
Lenda X X
Romance X X
Tira X X X X
HQ X X X X
Charge X X
Poema X X X X
Cordel X
Canção X X X X
Verbete X
Notícia X X X X
Entrevista X X
Propaganda X X X X
Receita X
Regras (texto
X X
normativo)
Regra de jogo X
Carta X X
Carta Formal X
Carta de Leitor X
Bilhete X X
Agenda X X
Artigo de opinião X
Texto de Divulgação
X X X X
Científica
Texto Oficial X
Textos Didáticos X X X X
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Confira os anexos.
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Conto X X X
Conto de Fada
Crônica X X X
Fábula
Lenda
Romance X X X
Tira X X X
HQ X X X
Charge X X X
Poema X X X
Cordel
Canção X X X
Verbete
Notícia X X X
Entrevista X X X
Propaganda X X X
Receita
Regra de jogo
Carta
Carta Formal X X X
Carta de Leitor X X X
Bilhete
Agenda
Artigo de opinião X X X
Editorial X X X
Texto Oficial X X X
Textos Didáticos X
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A forma como esses gêneros textuais são agrupados e o porquê dos gêneros utilizados em cada série
mencionada fogem ao propósito desta pesquisa e requerem estudos posteriores.
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“Para isso, o professor precisa ter consciência da diferença entre saber usar
uma língua, adequando-a convenientemente a contextos, situações,
interlocutores, e saber analisá-la, dominando conceitos sobre sua estrutura
e funcionamento e a nomenclatura gramatical pertinente. Essa proposta
alinha-se, portanto, com o que preconizam os Parâmetros Curriculares
Nacionais em relação à necessidade de alterar a prioridade atribuída às
atividades de descrição e análise das estruturas gramaticais do ensino do
idioma materno” (RJ, 2006a, p.53).
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Essas inovações trazidas pelas ciências lingüísticas são tratadas no capítulo 2, no tópico 2.4. Inovadoras
propostas para o ensino da língua materna.
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“As atividades de produção textual devem ter como referência básica textos
orais e escritos. Para que as competências discursivas básicas (interativa,
textual e gramatical) sejam, progressivamente, ampliadas, toda prática
educativa em língua portuguesa deve ter como base os gêneros textuais,
selecionados pelo grupo de professores, em consonância com o projeto
pedagógico da escola e a situação de cada turma, considerando as
habilidades que os alunos já dominam e outras que eles precisam dominar”
(grifos meus) (op. cit., p. 44).
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Todo dia eles fazem tudo igual... Reportagem, crônica, charge e conto.
Consumir: ser alguém na vida X ser feliz? Reportagem, poema e artigo de opinião.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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ANEXOS
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