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Resumo: O trabalho aborda questões intrínsecas à prática do jazz focando a sua contribuição teórica no
campo da sistematização dos aspectos horizontais e verticais, encontradas na “Teoria Escala Acorde” e
no “Conceito Lídio Cromático da Organização Tonal”. Argumenta-se como tais questões provêem o
substrato teórico básico para a compreensão analítica criativa de instrumentistas, arranjadores e
compositores no âmbito do jazz e da música popular relacionada ao jazz. Estas práticas são ainda
contextualizadas no âmbito da história da teoria da música ocidental expondo procedimentos
semelhantes em compositores como Bartok, Stravinsky e Scriabin.
Palavras-Chave: jazz, teoria escala acorde, conceito lídio cromático da organização tonal, common
practice.
Abstract: This paper discusses intrinsic procedures to jazz practice focusing on its theoretical
contribution to the systematization of horizontal and vertical musical aspects, as found in “Chord-Scale
Theory” and the concept of “Chromatic Lydian Tonal Organization”. It is argued how such procedures
provide the basic theoretical substratum to the analytical creative comprehension of instrumentalists,
arrangers and composers within jazz and popular music related to jazz. These practices are still
contextualized in the sphere of western music theory history revealing similar procedures in the work of
composers such as Bartok, Stravinsky and Scriabin.
Keywords: jazz, chord-scale theory, chromatic lydian concept of tonal organization, common practice.
O músico de jazz e de música popular relacionada ao jazz lida com situações onde
é exigida uma autonomia criativa no trato dos aspectos melódicos e harmônicos, seja na
improvisação, no arranjo ou na composição musical, diferentemente do músico da tradição
clássica ocidental, em especial instrumentistas, cujo foco se concentra na interpretação da
obra de arte, no texto pronto. Nesta outra perspectiva, a do músico de jazz, o foco é, em última
análise, a criação.
Nessa via, a função da análise musical tem papel bem distinto nos dois tipos de
abordagem. De acordo com Christensen (2002) a análise:
“é o estudo de obras musicais, não tanto para derivar padrões normativos de prática
composicional, mas para se obter a compreensão das particularidades individuais da
obra de arte”. (p.13)
Nesse mesmo sentido, Cook (COOK, 2002:80) observa que: “os sistemas teóricos
são invocados como uma ajuda na interpretação de obras individuais, e não o contrário.”
XX Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música - Florianópolis - 2010
“esta última (análise tradicional) descreve a música com propósitos teóricos, não
considerando as possibilidades potenciais que permeiam uma estrutura harmônica
dada. O Jazz e as músicas relacionadas a ele são de caráter artístico (de criação) e
não meramente reprodutor.... mas lidam com improvisação, inovação e com
arranjos. A teoria escala/acorde descreve o acorde ou a progressão de acordes com
todas as suas possibilidades tonais. Portanto, novo material musical pode ser
inferido pela simples análise de uma peça musical e da determinação das escalas de
acorde corretas” (NETTLES & GRAF, 1997:16).
A teoria escala acorde à qual Nettles e Graf (1997) fazem alusão, é uma das
denominações da sistematização das relações entre os aspectos verticais (acordes) e
horizontais (escalas) ocorrida na perspectiva teórica do jazz.
Comumente conhecida no meio musical popular como chord scale ou escala(s) de
acorde (GUEST, 2001; 2006), e com diferentes enfoques e abordagens evidenciados por
várias publicações, esta sistematização oferece uma organização e taxonomia próprias,
propicia ferramentas de compreensão e análise das relações harmônicas e melódicas nos
contextos tonal e modal, e tem sido usada não apenas na análise do jazz e da música popular
relacionada ao jazz, mas igualmente no entendimento da música erudita ocidental dos séculos
XIX e XX.
Esse último aspecto é evidenciado nas análises de Tymoczko (1997) da música
impressionista e suas relações com o jazz, bem como nas discussões travadas entre Tymoczko
(2003) e Pieter van der Toorn (2003) em relação ao uso dos modos das escalas menores não
diatônicas (harmônica e melódica) em Stravinsky.
Antokoletz, no artigo de 1993 Transformations of a Special Non Diatonic Mode in
Twentieth Century Music: Bartók, Stravinsky, Scriabin and Albrecht, aborda as estruturas
escalares (modais) encontradas nos compositores citados. O autor identifica duas categorias
de origem de recursos relacionadas às construções modais: uma relacionada à série harmônica
e outra aos chamados modos folclóricos. Através dessas duas perspectivas, os compositores
em questão derivaram seus recursos e procedimentos composicionais em direção ao
desenvolvimento de uma nova linguagem musical.
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Outra sistematização das relações entre escalas e acordes, proposta pela teoria do
jazz, foi desenvolvida a partir de meados dos anos de 1950 e durante os anos de 1960 na então
Schillinger House, mais tarde denominada Berklee College of Music.
Mencionada anteriormente e conhecida como teoria escala/acorde (chord scale
theory) (NETTLES & GRAF, 1997; PEASE & PULLIG, 2001), esta sistematização
compreende os modos como gerados a partir de quatro escalas principais: escala maior,
relativa menor, menor melódica (ascendente) e menor harmônica, além das escalas simétricas:
octatônica (chamada de double diminished) e a escala de tons inteiros. Miller (1997)
acrescenta ainda os modos da escala maior harmônica.
Os modos da escala menor melódica ou escala acústica, também são explorados
por Dmitri Tymoczko no artigo The Consecutive Semitone Constraint (1997), onde o autor faz
uma relação entre o jazz e o impressionismo calcando suas análises nas relações escala
acorde.
Nesse trabalho Tymoczko afirma que o período chamado common practice
(barroco, classicismo e romantismo) não termina no século dezenove e, nesse sentido, a
tonalidade não é uma relíquia do passado, mas algo que continuou a se desenvolver e a mudar
através da exploração de escalas não diatônicas por compositores eruditos e músicos de jazz
que deram continuação ao processo de expansão da tonalidade.
A princípio, essa exploração se deu através do uso de quatro escalas: a escala
diatônica e seus modos, menor melódica e seus modos, além das escalas octatônica e a escala
de tons inteiros. Para Tymoczko, essas quatro escalas foram objeto de uma “tremenda
quantidade de exploração musical intuitiva” (TYMOCZKO, 1997:139).
Tymoczko acrescenta três outras escalas: menor harmônica, maior harmônica e
escala aumentada (escala simétrica formada por intervalos de semitom e terça menor,
associada à sistematização do jazz). Dessa maneira, Tymoczko abarca praticamente toda a
sistematização proposta nas publicações teóricas do jazz. Em seu artigo, o autor analisa ainda
a prática dessas escalas na música impressionista e no jazz com diversos exemplos. Tymoczko
acredita que as duas tradições chegaram a resultados semelhantes nessa exploração de novos
sons.
“Todos esses (músicos de jazz e eruditos) exploraram várias das escalas não
diatônicas como alpinistas escalando a mesma montanha a partir de diferentes lados,
sempre sem tomar conhecimento um dos outros. Nas últimas décadas, suas
explorações cristalizaram-se no vocabulário do músico de jazz atuante. Nesse
sentido, pelo menos, nós temos uma genuína common practice (TYMOCZKO,
1997:173).
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“ao pensar na teoria menos como epistemologia e mais como atitude conceitual,
talvez seja possível mapear uma espécie de evolução do pensamento musical,
levando em conta, ao mesmo tempo, as divergências e a diversidade dentro desse
pensamento” (CHRISTENSEN, 2002:14).
Referências Bibliográficas
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p.93-121.
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Esse sistema de modos, construído a partir da escala acústica, é também conhecido como heptatonia secunda (NÜLL,
1930 apud WALDBAUER, 1996:96). O termo escala acústica e seu uso como ferramenta analítica foi primeiro utilizado por
Ernö Lendvai, teórico húngaro, nos anos de 1950, na análise da música de Bartók e que, por motivos políticos, só teve
trabalho conhecido no ocidente a partir do início dos anos de 1970 (HOWAT, 1998).