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ABADE
FARIA
na Hist6ria do Hipnotismo

DR. EGAS MONIZ

"
capa vega/estudlo
Editorial Vega
EDITORIAL
Rua Jor-ge Fer-r-eir-a de Vasconceloa , 8
Llsboa 2 vesa
I

PREAMBULO

Ai por 1813 apareceu em Paris um magnetizador, que em


breve se cobriu de prestigio, pregando uma nova doutrina sobre
os factos que Mesmer divulgara. Mas a interpretagao das estra-
nhos fen6menos que tanto emocionaram o publico passou des-
percebida. Todos os que frequentavam as conferencias da rua de
Clichy, 49, onde o padre Faria preleccionava sobre as causas do
sono lucido, iam ver o magnetizador operar. Alem disso, as con-
ferencias näo eram de molde a seduzir as multidöes. A linguagem
era obscura, a dicgäo dificil, o frances pouco correcto. As damas
elegantes de Paris, os cavalheiros que compareciam no prop6sito
de arranjar motivos de ditos de espirito ou para recortar criticas
acerbas, näo prestavam atenQäo a leitura do pesado manuscrito
que antecedia a apresentaQäo dos casos. S6 o final da sessäo os
interessava e, em geral, saiam bem compensados da esp6rtula
dos cinco francos da entrada.
0 padre Faria, rodeado de uma especie de enfermeira que
conduzia quatro ou cinco raparigas habituadas as prä.ticas hipn6-
ticas, fazia experiencias que deviam relacionar-se com a doutrina
primeiro exposta. Pode dizer-se que, tendo a nogäo de uma ligäo
clinica, punha ao lado da parte te6rica a demonstragäo pratica
dos seus assertos.
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8 PREAMBULO PREAMBULO 9

0 sucesso foi notavel. De novo voltou a tela a questäo do mesmo que apresentasse alguma mem6ria justificando a sua can-
sonambulismo e os jornais franceses, a partir de Agosto de 1813, didatura a um titulo que so a medicos pertencia. Näo hä., porem,
encheram colunas sobre o misterioso fen6meno com apreciagöes vestigio algum desse trabalho. D. G. Delgado, a quem se deve
mais ou menos severas, por vezes jocosas e ate insultantes para o um precioso estudo sobre o nosso biografado e a reedigäo do livro
padre Faria, que ousara afrontar a opiniäo parisiense, ainda re- -De la cause du sommeil lucide ou etude sur la nature de l'homme
cordada das exibiQöes e da falencia de Mesmer. par L'ABBE FARIA -primacial subsidio de que nos utilizämos para
Pretendemos fazer a hist6ria desse periodo da evoluäo do levar a termo esta obra, näo conseguiu descobrir os motivos
hipnotismo e, consequentemente, divulgar o nome do padre Faria, justificativos da sua eleiäo.
cuja vida romanesca e agitada e quase ignorada e cujo nome Tambem foram inf rutiferas as investigaöes a que neste
apenas soou aos ouvidos do grande piiblico como sendo o do sentido procedeu, a nosso pedido, o professor Roger, de Marselha.
atraente prisioneiro do Conde de Monte Cristo, em que Alexandre 0 que se pode garantir e que a Sociedade de Medicina dessa ci-
Dumas lhe atribui naturalidade italiana. Obra de justiga e de dade näo aceitou Faria no seu gremio somente por ser padre e
interesse cientifico duplamente grata a quem, sendo portugues, professor de :fülosofia. Ja devia dedicar-se nessa epoca a assuntos
tem consumido a sua actividade em estudos neurol6gicos. medicos e dentre estes s6 um lhe prendeu a atengäo e lhe absorveu
Acresce que OS trabalhos do celebre magnetizador foram, por a actividade intelectual: o sonambulismo.
muito tempo, esquecidos, sendo ainda hoje mal compreendidos e 0 padre Faria foi quem defendeu, pela primeira vez, a ver-
apreciados, mesmo pelos que se dedicam ao estudo das doengas dadeira doutrina sobre a interpretagäo dos fen6menos sonam-
nervosas. E como se tudo isto näo fosse bastante para justificar biilicos, fulcro em torno do qual voltejam todas as suas doutrinas
esta tentativa, hä. a acrescentar a circunstäncia de ele juntar a filos6ficas.
sua qualidade de clerigo, a de professor de Filosofia em Marselha Foi ele quem ensinou que o sono hipn6tico näo deriva de
c em Nancy . Ja nesse tempo se dedicava ao estudo sobre o magne- quaisquer fluidos ou forgas especiais das magnetizadores, como
tismo, porquanto em 1812 foi eleito membro da Sociedade Medica ate ai se supunha, mas simplesmente da susceptibilidade dos
de Marselha (1) , o que s6 pode ser devido a esse facto. :E passive! individuos sobre que operava.
Por outro lado, desprezando a injustificada condenagäo dos
altos poderes eclesiä.sticos, foi ainda o padre Faria, com isengäo e
. (1)_ O professor Roger, de Marselha, que quis ter a grande amabilidade audä.cia dignas de registo, quem afirmou que nas praticas sonam-
de mvestigar este ponto, näo encontrou o nome do padre Faria entre os dos
embros da Sociedade de 1810 a 1815. Aqui lhe consignamos os nossos mais bulicas tudo dependia de causas naturais, sem intervenäo dessas
smceros agradecimentos. Contudo, no livro de Faria vl!m enumerados os
seguintes titulos por baixo do seu nome: «Brahmine, Docteur en Theologie
et en Philosophie, MEMBRE DE LA .SOCIETE MEDICALE DE MARSEILLE Ex-Pro- sobre o padre Faria e que e um resumo da obra de Dalgado, a quem dedica
fesseur de Philosophie a l'Universite de France, -etc.:o. ' justos louvores.
Seria o seu nome ellminado apös o desastre que sofreu em Paris? Tambem me enviou um pequeno relatörio do actual Bibliotecärio mu-
Näo e crivel que ele se atribuisse um titulo que näo possuia. E se tal nicipal de •Marselha, D'Arnaud, que igualmente näo conseguiu encontrar
fizesse no passaria sem protesto, pois o seu livro foi publicado em 1819, ref.erencia alguma ao padre Faria nos documentos arquivados.
quando amda todos se recordavam da campanha que lhe foi movida em Dessa exposigäo infere-se que em 1811 existia em Marselha uma
Paris. :E nos:m convencimento 'que ele pert enceu ä Sociedade de Medicina Societ6 de Medecine (aquela a que deve ter pertencido o padre Faria) e
de Marselha, embora näo ficasse raste da sua pa ssagem.
0 professor Roger enviou-nos uma comunicaäo do Dr. Livon feita em que em 1813 se fundou uma outra com a designagäo de Societe Academique.
Estas duas sociedades fundiram-se em 1848 sob a designagäo de Societe de
1906-1907 ä. Academia de Marselha , de qu e e m·embro da classe de ciencias, Medecine de Marseille.
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PREAMBULO
PREAMBUL
O
de Cirurgia de Lisboa e, embora näo haja relaQäo algum ntre
sua actividade e a nossa Escola, hoje Faculdade de. e1cm, .fo1
forgas misteriosas que fizeram carreira ate os nossos dias e a
alguem que, nas vesperas da sua fundagäo, fe oa c1en1a med1ca,
que algumas religiöes däo ainda credito: a magia e a feitigaria. dando justa interpretagäo as praticas magneticas, orientando-as
Parecerä. estranho que, hä. pouco mais de um seculo, fasse no bom sentido, classificando factos, mostrando aspectos novos
preciso fazer-se tal declaragäo; mas ainda hoje as crendices sobre do problema .
as inf luencias dos espiritos malfazejos correm sob vä.rias rubricas.
0 sobrenatural tem apaixonado os pr6prios medicos e, na hora
presente, uma das maiores individualidades do professorado fran-
ces, o professor Charles Richet, incluiu sob a etiqueta de fen6-
menos metapsiquicos alguns factos que, a serem verdadeiros,
parecem estar em contradigäo com as leis fisicas, quimicas e
fisiol6gicas que conhecemos.
A ciencia, na sua marcha, conseguira esclarecer esses mal-
-entendidos cientificos, ou averiguando a inexactidäo dos fen6-
menos descritos, e que infelizmente ningu em consegue repetir a
seu bel-prazer, ou reduzindo-os a obedecerem as leis estabelecidas
ou que cientificamente vierem a ser descobertas.
0 padre Faria proclamou uma verdade quando ainda ninguem
ousara encarar o problema do sonambulismo terra-a-terr a, sem
interveng6es de fluidos ou de forgas sobrenaturais. So mais tarde,
quando as escolas de Nancy e deParis chamaram a atengäo sobre
o assunto, e Charcot, com o poder da sua autoridade e o fulgor
do seu talento, o trouxe para o ensino oficial sem receio das
criticas em que o enredavam, vieram a confirmar-se as doutrinas
do desditoso e incompreendido padre portugues. E e s6 ultima- mente
que os neurologistas lhe citam o nome, prestando justiga a
sua clarividencia.
Sirva este intr6ito de justificaQao ao trabalho biografico que
vai seguir-se e ao estudo das doutrinas do esquecido padre goense,
que estabeleceu a verdadeira doutrina sobre o sono hipn6tico.
E gl6ria bastante para o nosso pais, que no campo cientifico nem
sempre marcou de maneira täo saliente como noutros ramos da
sua actividade.
E näo parega desprop6sito o recorda-lo neste periodo cente-
nä.do: Faria morreu seis anos antes da fundagäo da Regia Escola
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II

DE PARACELSO A MESMER

Dois grandes objectivos tem seduzido a humanidade na sua


marcha agitada atraves da civiliza äo. Ambos visam ao bem-estar
individual e colectivo, e a eles se tem sacrificado as energias
mais audazes e OS esforos mais persistentes. Um, a saude, e a
·aspiraäo de todos os que consomem as suas actividades no
ämbito das ciencias medicas; o outro, a soluäo do problema de
alem-tilmulo, tem dado ensejo a centenares de religiöes e a va-
riadissimos sistemas filos6ficos.
0 homem näo se contenta com a vida presente. Esquecendo
que o pensamento e funäo de um 6rgäo, aspira a liberta-lo do
cä.rcere orgänico que a natureza lhe criou. E fantasia uma vida
espiritual lange da materia, fluida, em convivio com os deuses,
na plenitude de um bem que, segundo os credos religiosos, e a
felicidade perpetua, consciente, na sequencia de uma imortalidade
que ultrapassa os limites do mundo em que vivemos.
Medicina e religiosidade, tantas vezes em luta, associam-se
a cada passo. Os doentes recorrem aos medicos, mas esperam
t3mbem a salvaäo pelo milagre. As fontes santas, os templos e
lugares sagrados, as imagens e os idolos, os necromant es e vi-
dentes, pululam do ocidente ao oriente, ultrapassando as fron-
teiras dos paises e das ragas, procurando uma base tradicionalista,
14 DE PARACELSO A DE PARACELSO A MESMER 15
MESMER

A sua teoria, que passou a denominar-se o Sistema da sim-


aclimatando-se aos costumes dos povos. Os feiticeiros das ragas pati.a magnetioa, dominou na ciencia dos seculos XVI e xvrr com
primitivas tem os seus equivalentes adentro das civilizaöes mais alternativas värias. '
perfeitas.
Os autores alemäes deram-lhe, sobre todos, largo credito e
Assim, os primeiros magnetizadores aspiravam a alcangar
divulgagäo. Em 1608, Glocenius, no Tractatus de magnetica cura-
a cura de todos os males por praticas que reputavam
tione vulnerum, pretendia curar feridas a custa destes fluidos e,
sobrenaturais. Parecia-lhes que existia em toda essa terapeutica
em 1621, J. E. Burgrave e von Helmont traziam novos subsidios
qualquer coisa extra-materia, foras ignoradas que agiam as suas
em defesa da doutrina do Mestre de Basileia.
ordens, fluidos que podiam mobilizar no sentido que melhor
Mais tarde, em 1640, Robert Fludd pretendeu precisar as
lhes aprouvesse. E estamos convencidos de que alguns desses
doutrinas de Paracelso, investigando a origem dos fluidos siderais.
magnetizadores se julgavam, de facto, possuidores de tais
Chegou a asseverar, na sua Philosoph ia Mosaica, que essas irra-
virtudes, tanto os seduzia a teatralidade da hipnose.
diagoes provinham da estrela polar e percorriam a terra em
As designagoes= magnetismo animal, mesmerismo, sonambu- torrentes, afectando particularmente os imans. E como o homem,
lismo magnetico, sono lucido, sugestäo hipn6tica, etc., säo repre- para Fludd, e, por sua vez, um iman com polos magneticos, como
sentativas de outras tantas teorias dos fen6menos hipn6ticos que, a terra, concluiu dai uma ingenua teoria sobre a simpatia e a
apesar dos trabalhos notabilissimos de Faria, s6 nos ultimos cin- antipatia mutuas e a pretensa causa da transmissäo das doengas
quenta anos foram perfeita e completamente estudados nas Fa- somaticas e morais.
culdades de Medicina.
Roma insurge-se contra tais doutrinas. O padre Atanasio
A concepgäo paracelcica sobre os arqueos que em cada Kischer sai a estacada e o seu livro M agnes sive de arte magnetica)
individuo constituiriam o principio da actividade vital, marca a publicado no ano imediato, obtem rapida divulgagäo nos meios
primeira etapa do magnetismo animal. A Practica Theophrasti teol6gicos. Mas a ref utagäo valia tanto como a doutrina astral de
Paracelsi, que viu a luz da publicidade em 1529, ensina que um Fludd e depressa foi esquecida.
f luido vital emanado dos astros pöe em comunicagäo os arqueos 0 alemäo Wiedig e o escoces Maxwell retomam, alguns anos
<los dif erentes seres. Todo o homem possui, para o medico suigo, mais tarde, as doutrinas de Paracelso e chamam de novo a atengäo
uma virtude atractiva e oculta, um magnes que lhe permite, se e para o problema do magnetismo animal, que sempre seduziu os
säo, atrair os magnes das pessoas doentes e actuar, por seu inter- medicos, os fil6sofos e ate o grande publico.
medio, sobre OS arqueos, isto e, Sobre 0 pr6prio principio da Assim se preparou o advento de Mesmer, figura, em nosso
actividade vital. entender, mal estudada e em que, ao lado de um charlatanismo
Nihil sub sole novum! Passados quatro seculos andam para audaz e interesseiro, havia qualidades apreciaveis de observador.
ai as doutrinas astrais e as influencias a distancia pregadas pelo
Para ele como para os seus antecessores, as doutrinas medicas
r.iessianismo espirita e teos6fico como sendo doutrina nova, quando
gravitavam em torno da influencia planetaria sobre o corpo hu-
ela bolorece nos velhos in-f6lios de Paracelso que, antes de ser
mano, cuja prolongagäo vem ate os nossos dias. Ainda hoje admi-
medico e professor da Universidade de Basileia, onde se celebrizou,
timos essa acgäo, sem contudo a exagerarmos , procurando precisar
praticou a alquimia e a astrologia. Espirito sedento de verdades
em factos concretos e bem documentados, as manifestagöes or-
cientificas e palpaveis, abandonou esses estudos; mas ficaram-lhe
ganicas que dela derivam. Assim ninguem ousarä desdenhar da
inf luencias que se reflectiram depois nas doutrinas medicas.
16 DE PARACELSO A DE PARACELSO A MESMER 17
MESMER

vestido ostentosamente de casaca de seda lilä.s, armado de uma


importä.ncia das radiagöes solares, por exemplo, sendo ate mais
especie de batuta com que ia tocando os doentes e as partes
importantes as que ultrapassam os limites luminosos do espectro.
dolorosas, garantindo a difusäo do maravilhoso fluido e a sua
Somente Mesmer divagava, apregoando, sem base cientifica, a
benefica influencia.
existencia de um fluido universal magnetico . que envolvia todos Os espectadores comportavam-se de maneira diferente: uns
os corpos. Para ele a saude e a doenga dependiam da sua distri- tossiam, sentiam dores, calores, suores, apertos na garganta. Uma
buigäo nos corpos vivos. Desde que se conseguisse a sua conve- grande parte caia em convulsöes, ria, chorava, solugava, perma- necia
niente distribuigäo -e a isso se devia reduzir a medicina! -
com os olhos esgazeados e im6veis. Por vezes seguia na sua
todos os males se sanariam. As doengas nervosas seriam rapi-
agitagäo o ritmo mais vivo da mlisica . A primeira crise era o
damente curadas desde que se obtivesse esse equilibrio; mas
rastilho que provocava a serie.
todas as demais mazelas que apoquentam a humanidade poderiam
As senhoras davam o maior contingente a estas manifesta-
igualmente ser combatidas pelos processos que preconizava para o
göes mais ruidosas; mas havia algumas pessoas de um e outro
desejado firn.
sexo que assistiam impassiveis a impressionante cena.
E assim apareceram as prä.ticas magneticas no prop6sito de
De 1778 a 1785 o triunfo foi colossal. As Academias de
bem orientar a distribuigäo des fluidos.
Ciencias a Sociedade Real de Medicina e a Faculdade de Medicina
A principio, Mesmer empregava apenas o olhar e o toque das de Paris' foram chamadas a pronunciar-se sobre o assunto. A ati-
mäos. Com as costas voltadas para o norte, colocava o doente tude hostil da Faculdade, desde o inicio das experiencias, e espe-
na sua frente, joelhos contra joelhos, olhos nos olhos, as mäos cialmente a decisäo da Comissäo de 1784, a que pertenceram os
sobre os hipocöndrios ou regiäo lombar, a firn de transmitir ao professores de Medicina: Borie, Sallin, d'Arcet e Guillotin .e os
paciente o excesso do seu pr6prio fluido. Pretendia executar as membros da Academia das Ciencias': Francklin, de Bory, Ba1lly e
suas curas, como hoje ainda as praticam alguns virtuosos, em Lavoisier, que negou peremptoriamente a existencia do fluido
passes mais ou menos espectaculares. magnetico, e ainda o resultado da Comissäo da Sociedade Real de
A clientela cresce-lhe inesperadamente. Jä. näo da resultado o Medicina, que chegou as mesmas conclusöes, comegaram a abalar
moroso processo. E a ganancia leva-o a concepgäo do tratamento OS creditos de Mesmer. Para estes sä.bios OS fen6menos observados
em massa. Numa grande sala, com luz discreta coada atraves de derivavam dos toques, da imaginagäo e da imitagäo. S6 Laurent
densos cortinados, havia uma caixa ou celha circular de madeira, de Jussieu em relat6rio separado, concluiu que o magnetizador
com limalha de ferro, vidro moido, garrafas dispostas segundo os estava sobe o caminho de uma verdade fecunda, desejando que
raios de um circulo, fechada com uma tampa perfurada donde continuassem as experiencias.
saiam alavancas e hastes de ferro em prof usäo que alcangavam a Näo e para este momento o estudo minucioso das opimoes
segunda e terceira filas de pacientes. Uma corda ligada ao colossal dos cientistas dessa epoca; mas, de uma maneira geral, pode
tamboret e punha-o em comunicagäo com todos os doentes que por
afirmar-se que se conduziram com prudencia e boa orientaäo no
esse processo experimentavam, por igual, a mä.gica influencia.
exame e apreciaäo dos f actos.
Uma especie de piano- forte tocava ä.rias variadas com o firn de Nao lhe f altaram protectores em Frana. Sabia inculcar-se.
favorecer, pelas suas vibragöes, a dif usäo das correntes magneticas. Na corte e na alta finana conseguiu apoios formidä.veis. 0 baräo
Os doentes, na sua maior parte neuropatas, acotovelavam-se a
de Breteuil, entäo ministro, f ez-lhe saber que o rei estava na
espera do Mestre, que propositadamente tardava em aparecer,
0 A.F. -2
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DE PARACELSO A MESMER
18 DE PARACELSO A MESMER

o entusiasmo arrefecia; os doentes rareavam; pessoas d mais


disposigäo de lhe entregar 10 000 libras, a firn de poder insta- lar- alta categoria cientifica e mundana desacreditavm o s1st ma.
se para fornecer a instrugäo magnetica aos medicos que a Um dia, a princesa de Lambaele, a grande am1ga. da ra a,
desejassem. 0 governo escolheria tres clinicos para seguirem es- mpo tanto dominava na vida social de Pans, ass1stm ,
pecialmente as suas experiencias e se estes reconhecessem a uti- que a0 te . p , ·
indiferente, a uma sessao. 0 principe Henr1que_ da russ1a na a
a
lidade da sua descoberta, estaria disposto a conceder a Mesmer sentira sob a influencia dos fluidos do magnetizador, e c?mo as
maiores interesses. 0 magnetizador näo aceitou, certamente por sessöes eram para 0 meio futil e doentio da grand_e capital;_=
achar exigua a oferta, e declarou mesmo que estava disposto a seus depoimentos concorreram bastante para derrmre a f
abandonar Paris. ue Mesmer conquistara. E como näo suportava o msucesso,
Isto passava-se em Abril de 1781. A clientela estremeceu de q d n r· em1 1785 tendo pensado ainda em voltar, ao
aban onou • ld d
consternagäo e teve artes de, por tal forma, se insinuar junto da her que Deslon
5 um das seus discipulos, professor da Facu a _e
rainha que uma nova proposta foi feita ao medico austriaco. :Medicina donde esteve para ser irradiado () por defender tas
M. de Maurepas, por instigagäo de Maria Antonieta, ofere- ceu- doutrinas dontinuava o seu comercio, conqmstando nome 1-
lhe, da parte do rei, uma pensäo vitalicia de 20 000 libras e a nheiro nua efämera notoriedade. Mas contentou-se e deam u ar
propriedade de uma especie de Casa de Saude destinada ao trata- pela Inglaterra e pela Alemanha, onde as auras lhe nao correram
mento dos seus doentes, com a condigäo, porem, de divulgar aos propicias, acabando por morrer rico, mas esquecido, numa pequena
medicos o maravilhoso metodo de curar. cidade do antigo ducado de Suabo.
Corno n6s sorrimos hoje perante esta ingenuidade de procura-
rem adquirir um segredo que o pr6prio depositä.rio de täo extraor-
dinä.rias qualidades teria dificuldade em definir !Mas nessa epoca
algumas curas pareciam indiscutiveis e outras, cujas aparencias
deixavam aos leigos a impressäo de serem reais, tinham atordoado
os espiritos mais credulos. Näo admira, por isso que, na Corte de
Lufs xvr, onde a frivolidade assentara arraiais, se considerasse
.uma perda irreparä.vel a saida do famigerado magnetizador.
Mesmer resistiu mais uma vez a nova oferta e retorquiu
impondo as suas condigöes. Exigia 500 000 libras ! As negociagöes
interromperam-se definitivamente; mas o banqueiro Kormann e o
a.dvogado Bergasse tomaram a iniciativa de uma subscrigäo, que
ascenäeu a 340 000 libras!
Apesar disso, Mesmer näo revelou o pretendido segredo aos
discipulos que afluiram por muito tempo na esperanga de co-
nhecer o oculto misterio da magnetizagäo .
0 prestigio de Mesmer comegava a diminuir. A panaceia (1) Chegou a estar suspenso das suas f unoes.
medica que ele defendia chocava-se dia a dia com os insucessos .
I
I

III

0 SONAMBULISMO

Os fen6menos observados na assistencia que frequentava as


sessöes do magnetizador eram de väria especie; mas os que do-
minavam tinham quase sempre os mesmos caracteres.
Rebuscando nas descrigöes da epoca, ou nos livros que se
lh seguiram, a sequencia da sintomatologia observada, ve-se que
tudo se reduzia a provocar o ataque histerico, que quase sempre
chegava a forma convulsiva violenta. Os assistentes, especialmente
do sexo feminino, apresentavam um mal-estar indefinido, com
abrimentos de boca, desvio da cabea para träs, tendencia do
tronco a dobrar-se em arco, necessidade imperiosa de estender os
braos e as pernas, em resumo: todos os sinais percursores da
grande crise.
A seguir vinham os gritos, as convulsöes, os movimentos
desordenados. Se os pacientes iniciavam apenas o acesso, Mesmer
insistia nos seus passes magneticos ate que, dizia ele, «as dores
sintomäticas se tornassem criticas».
Por outros terroos: Mesmer apoiava no ataque histerico o
seu processo de tratamento.
Segundo informa Bailly, um dos membros da Comissäo, nem
sempre havia convulsöes. Por vezes os pacientes pareciam mer-
gulhados num sono prof undo e outros podiam vestir-se, marchar e
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0 SONAMBULISMO 0 SONAMBULISMO 23

fazer xercicios a maneira dos sonämbulos naturais Mas toda thodica; mas essas observagöes passar am despercebidas e delas
esta smt mato:ogia escapou a observagäo de Mesm r ou pelo näo teve conhecimento o Marques de Puysegur.
mnod s, nao a Julgou merit6ria no campo terapeutico para' onde Era coronel de artilharia da guarnigäo de Strasburgo quando,
qms eslocar as suas präticas. em 1784, durante um perfodo de färias, comegou a praticar o
Näo vale a pena segu· l t, · . magnetismo. Fora discipulo de Mesm er, mas näo lhe copiara os
e em . Ir o re a orio de Ba1lly, apenso ao oficial,
d t que adver1a o governo dos perigos dos passes magneticos defeitos, embora ficasse convencido, mesmo depois da sua fa-
os oques prahcados sobre värias partes d eo , lencia, da verdade dos fen6menos observados e das efeitos tera-
t6rios dos bons costumes. o rpo, como aten- peuticos que os doentes podiam auf erir, Desinteressado, visando
b Talv z houve_sse exagero na sua interpretagäo, embora a apenas a alcangar o bem dos enfermos, impulsionaram-no esti- mulos
G servagao fasse Justa em alguns casos. muito diverses do interesse e exibicionismo que condicio- navam
Mesmer.
Por agora basta que constatemos que a grande maioria das
f:equentad?res _das sessöes mesmerianas se agitava em contor- 0 marques praticava o magnetismo na sua terra, em Buzancy,
soes. Por ISo Junto a sala onde operava instalou um com arti- arredores de Soissons. Um dia, observou que um velho aldeäo,
m nto espec1al para onde eram deslocados os mais furiosa ente que ele pretendia curar de uma af ecgäo toracica, tinha adorme-
aItados, une chambre aux crises a que algumas das suas vitimas cido sossegadamente. Contudo, respondia as pergunt as que lhe
c amaram Z 'enfer aux convulsions. fazia, cantava as cangöes que lhe ordenava e caminhava como se
Contudo o suplicio näo parecia insuportavel pois h . estivesse acordado.
pediss lt , av1a quem 0 Marques de Puysegur ficou maravilhado e, preso as dou-
. e pa:a vo ar no dia imediato, o que par ece dar razäo a
mterpr etagao de Bailly · · trinas do Mestre, julgou-se possuidor de um fluido de qualidade
1s.
. , que via, em algumas cnses ' equivalentes superior. Divulgou-se o facto, passou a categoria de milagre e o
sexua
solar encheu-se de doentes vindos de toda a parte, Corno näo
.A obra de Mesmer deixou vestigios. Näo Ihe ficaram na
pudesse atender täo elevado nfuner o de clientes, e para que todos
esteira apenas os. -dmiradores; tambem criou discipulos e alguns
pudessem beneficiar do fluido de que se julgava possuidor, magne-
conservaram -se f1e1s, repetindo as suas prä.ticas.
tizou uma arvore, a cuja sombra os doentes podiam esperar as
i:ara äo alongarmos excessivamente esta hist6ria pregressa vantagens do misterioso fluido.
do h1pnot1smo, destacaremos, entre todos o nome d M Este expediente näo era original. Mesmer ja o tinha empre-
Ch t d , , o arques
a enet e Puysegur, que constatou a existencia de factos novos gado. Quando chegou a Paris, comegou as suas experiencias numa
e ,fo1 o precursor e o mestre do padre portugues . Deve-se a Puy- espagosa sala de um predi o da praga Vendöme. A breve trecho
s:_gur o ter n tado, pela primeira vez, a sintomatolog ia embora verificou que ela näo podia conter a multidäo, todos os dias cres-
nao pormenonzada do sona b I ' , . ' cente, de curiosos e enfermos que acorriam as sessöes. Comprou,
men"" ' m u ismo magnehco, ou artificial-
ï l provocado, em que descobriu certas manifesta..,ö es da por isso, o palacio Bullion, na praga da Bolsa, onde instalou, em
achv1dade cerebral. vez duma, quatro tinas cheias das mesmos ingredientes e de
Estes factos tinham sido averiguados, alguns anos antes gnrrafas de ä.gua, umas com os gargalos convergindo para o
Sauvages numa comunicagäo feita em 174 a Ac d . d ' por centro e outras em sentido inverso, Ora Mesmer garantia que
d· · d p a em1a e Me-
1cma e aris e mais tarde, em 1769, 2 na sua N osograph ia me- e.ssa agua estava magnetizada e dela derivavam as virtudes que

·-
l
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24 0 SONAMBULISMO 0 SONAMBULISMO

se transmitiam aos doentes. A sua varinha mägica adicion.ava fasse um charlatäo. Foi-o sob outros aspectos; mas näo na base
11ovos fluidos e os passes manuais impunham ainda com mais fundamental da sua doutrina.
seguranga a forga mist eriosa de que dispunha. Era a magneti- Voltemos as sessöes de Puysegur, que abandonämos por um
zagäc que denominou a grarules correntes, no que era auxiliado momento para mostrar que a ideia da magnetizagäo dos vegetais
pE>lo seu discipulo Deslon. Mas, em geral, näo era precisa tanta pertencia ao medico vienense.
minucia de tratamento: bastavam os fluidos da caixa ou tina Corno nas sessöes de Mesmer, alguns doentes de Puysegur
magnetica, podendo, assim, tratar ao mesmo tempo toda a casta caiam em crise, outros entravam em estado sonambulico. Estes
de pa.cientes que se comprimiam em torno das quatro fontes de adquiriam mesmo propriedades inesperadas: reconheciam, tocando
magnetismo instaladas no paläcio. os doentes, os males de que sofriam, a natureza do mal e o re-
medio que lhes convinha. Esta ilus6ria virtude deslumbrou Puy-
A magnetiza äo da ägua ou de qualquer outra substäncia era segur, que nunca tendo estudado medicina, deu inteiro credito
simples: Mesmer passava com a batuta no sentido dos pontos as declaragöes dos seus sonämbulos. Sentia-se mesmo deslumbrado
ca,rdeais: primeiro norte-sul, depois este-oeste . com a fora de que julgava dispor. Revela-o bem na frase duma
E como a multidäo continuasse a afluir na primeira fase do carta, em que transparecem ao mesmo tempo as suas belas inten-
seu sucesso terapeutico, e para dar uma satisfagäo a todos os göes, dirigida em 8 de Marge de 1784, a um dos seus amigos;
que pretendiam lucrar com a sua influencia, magnetizou, por sis- «la tete me tourne de plais ir en voyant le bien que je fais autour
tema identico, uma arvore da rua Bondy, a cuja sombra se aco- <1e moil»
lhiam centenas de doentes, numa peregrinagäo constante, ävidos Tres anos mais tarde, um medico de Lyon, Petetin, vem afir-
de cura, cheios da fä que as vezes se traduzia em resultatlos mar que reconhecera nos seus sonämbulos factos ainda mais ex-
beneficos iguais aos que hoje se constatam nos lugares santos e traordinär ios. Apesar de insensiveis as excitagöes exteriores, viam,
nas fontes milagrosas. ouviam e gostavam atraves do epigästrico e dos dedos dos pes e
Puysegur, numa grande änsia de fazer o bem, iluminado por das mäos . E confirmava os factos apontados pelo Marques de
uma certeza que factos novos dia a dia lhe avigoravam, recorreu Puysegur : liam no pröprio corpo e nos doentes que lhes eram
ao mesmo sistema da ärvore magnetica, a qual julgou transrnitir apresentados!
o fluido que possuia. E, assim, o seu filantropismo pöde sossegar a Todos resvalavam, e de cada vez mais, no dominio do ma-
sombra da ideia de que todos os doentes que ele näo conseguia ravilhoso.
atender individualmente podiam aproveitar dos beneficios do Estas investigagöeös, deficientemente conduzidas e, cumpre
magnetisrno redentor s6 porque tocavam a ärvore sagrada de dize-lo, erigadas de erros, väo encontrar uma explicagäo muito
Buzancy. mais simples nas doutrinas do padre Faria. Recordando as pas-
E por näo pormos em duvida a sinceridade das opm1oes de sagens mais importantes da hist6ria do hipnotismo, quisemos
Puysegur que julgamos injustas muitas das acusagöes feitas a mostrar o ambiente em que se desenvolveu a sua obra de reacgäo
Mesmer. Este tambem acreditava -e era fäcil ter a ilusäo -em contra as concepgöes dos que, acreditando nos fenömenos magne-
que possuia qualidades fluidicas capazes de produzir os estranhos ticos, as impunham como dogmas insofismäveis.
fen6rnenos que observava. Neste ponto , pelo menos durante um A sua voz perdeu-se por muito tempo entre os cepticos que
largo periodo da sua vida ae magnetizador, näo cremos que ele näo quiseram dar-se ao trabalho de verificar os fenömenos sonam-
26 0 SONAMBULISMO
0 SONAMBULISMO 27

bulicos e os magnetizadores que näo desejavam ver-se desapossa-


sobre Faria a uma resenha, alias bastante completa, das opiniöes
dos das suas virtudes. As criticas violentas e sarcä.sticas aue se
cientificas do padre portugues.
desencadearam em torno das experiencias, sobretudo na tlltima
Mas outros hä. que, ocupando-se do hipnotismo, nem sequer
fase- da sua carreira de hipnotizador, foram a lousa tumular sob
falam no seu nome !
que as sepultaram durante muitas decadas de anos.
Os poucos historiadores que publicaram notas biogrä.ficas do
Antes de falarmos das doutrinas do padre portugues sobre as padre portugues näo säo mais exactos. Assim, Pinheiro Chagas
causas do sono lucid o, como ele denominou o sono que hoje corre escreve, menos avisadamente, que ele fora educado em Lisboa e
com a adjectivagäo de hipn6tico, e indispensä.vel que apresentemos que, tendo passado a Roma, entrou numa ordern religiosa. Tarn-
a personalidade que serve de tema a este estudo.
bern diz, no Dicionario po pular, que, voltando a Portugal, esteve
Os trabalhos que correm impressos em lingua portuguesa (1) preso por algum tempo. E confusäo com o pai, padre Caetano
sobre hipnotismo e sugestäo e as ref erencias hist6ricas acerca do Vitorino, que de facto esteve detido.
padre Faria vem cheios de inexactidöes. Inocencio, no Dicionario bibliografico, näo e mais feliz, pois
Assim, o erudito escritor Teixeira de Carvalho no seu tra- aceita como boa a informagäo de Geneseano Antonio Joäo de
balho Estudos sobre a sugestäo e suas aplicagoe·s',-Coimbra, Sousa, publicada no jornal Ultramar, de Margäo, e em que se
1888-diz, por exemplo, que o padre Faria, voltando de Roma a diz, por exemplo, ter sido o pai de Faria, padre Caetano Vitorino,
Portugal, esteve «preso algum tempo por crimes politicoS>>, o confessor da Rainha D. Maria I, e tambem informa que seu filho,
que näo e exacto. 0 celebre magnetizador, fora religioso e que de FranQa voltara a
Mont'Alverne de Sequeira, na sua obra H y pnotismo e Sugestäo, Portugal.
2." ed. -Lisboa, 1889 -que alcangou justificado sucesso, faz, Outros escritores podiamos citar ; mas e int'.itil faze-lo. E se
entre outras afirmagöes menos verdadeiras, a de que Faria con- destacamos alguns trabalhos mais importantes sobre o hipnotismo
quistara na India fama de taumaturgo, quando e certo, como ve- ou a respeito do padre Faria, näo e no menor prop6sito de censura.
remos, que ele veio de Goa aos 15 anos de idade e s6 conheceu Se antes das investigaQöes a que nos entregä.mos, tivessemos
em Paris as prä.ticas magneticas. de emitir a nossa opiniäo sobre a vida e ate sobre a influencia
Manuel Anaquim, actual bispo de Damäo, no seu trabalho das doutrinas de Faria na evoluQäo do problema hipn6tico, incor-
A mod erna questäo do hipnotismo -Coimbra, 1895 -faz-se eco reriamos em erros similares.
de que Faria trouxe as nogöes magneticas da India quando lä. foi Servern estas apreciaQöes para mostrar a necessidade deste
estudar os misterios de Brahma. Ora o padre goense nunca mais estudo medico e biografico, em que pretendemos fazer uma apre-
voltou a sua pä.tria depois que de lä. saiu. ciagäo imparcial da obra do padre goense, divulgando-lhe o valor
na pä.tria portuguesa, onde a sua vida e quase desconhecida.
0 professor Jose de Oliveira Lima, na sua tese O hypnot l:.snw
e a sugestäo em terapeutica -Porto, 1900 -limita as referencias

(1) Os trabalhos de D. G. Dalgado foram publicados em f rances. A sua


o.b:ra e a prim eir_::i. hoenagem de valor prestada ao padre Faria e a publi-
c1dade em frances m u1to concorreu para reabilitar no estrangeiro o nome
do padre portugues.
IV

PAI E FILHO

I
Nasceu o padre Jose Cust6dio de Faria em Candolim, aldeia
de Bardes, Goa, em 30 de Maio de 1756. Seu pai, Caetano Vitorino
de Faria, natural de Colvale, tambem do concelho de Bardes, de-

l dicou-se primeiro a eclesiä.stica, tendo chegado a fazer o


carreira
curso teol6gico e a tomar ordens menores. Enamorado de D. Rosa
Maria de Sousa, filha unica de Alexandre de Sousa, que pertencia
a uma familia abastada de Candolin, renunciou a carreira ini-
cida e casou-se ai por 1754.
0 casal näo foi feliz. As incompatibilidades surgiram, sem
que se conhea a causa. 0 nascimento de um filho, s-ete anos ap6s
o matrim6nio, näo corrigiu esse desentendimento e, em 1764 ou
1765, resolveram os pais, de comum acordo, separar-se, Voltou
Caetano Vitorino de Faria, de Candolin, em companhia de seu
filho, para Colvale, onde tinha casa e haveres, embora menos
importantes que os de sua esposa.
0 pai do padre Jose Cust6dio de Faria era descendente do
brämane Antu Shenoi, mas a sua familia, cristä havia mais de
dois seculos, pertencia a burguesia de Bardes.
As tendencias religiosas, que vinham desde a infäncia, o
curso que tinha feito e ainda as suas ambiöes fizeram com que,
obtidas as dispensas necessä.rias, abraasse a vida eclesiä.stica.
TI
30
I
PA! E FILHO
PA! E FILHO 31

Pelo seu Iado, a esposa, D. Rosa Maria de Sousa tomou o veu


no mosteiro de Santa M6nica, em Goa, do qual chegou a ser
I
A sua demora em Lisboa foi curta. Ern1779,
umafls.
das Mongoes
449 e 450)
prioresa, segundo se diz. do Reino de que temos c6pia ( 2 ) (n. 159 de
0

0 padre Faria era, pois, filho Iegitimo do padre Caetano se fala de «um clerigo, natural da fndia, chamado o padre Cae-
Vitorino de Faria e da freira Rosa Maria, o que levou alguns tano. Este sujeito foi casado nesse Estado, e ajustando-se com
dos seus bi6grafos a considerarem-no como filho natural. sua mulher a ser ela religiosa e ele sacerdote, entrou ela no
Caetano Vitorino de Faria decidiu-se entäo a partir para Mosteiro de Santa M6nica de Goa, onde se acha, e ele tomando
Lisboa. Acompanhou-o seu filho, que ao tempo tinha 15 anos. Ordens Sacras, veio com o filho parar a Roma.».
Sairam da 1ndia em 21ou 22 de Fevereiro, no navio s. Jose que Tratando, a seguir, a referida Mongäo, da acäo que desem-
chegou ao nosso porto em 23 de Novembro. penhou em Lisboa no ano de 1799, nada diz da sua estada nesta
De todo o passado do padre Faria na 1ndia resta ainda a cidade no ano de 1772.
casa de sua mae em Candolim, mas a casa de seu pai e a grande Pelo menos nessa primeira passagem näo preocupou os go-
capela que Ihe pertencia cairam em ruina, passando mais tarde a vernos, nem deixou vestigio apreciavel da sua actividade. Contudo,
posse da familia de Jose Nicolau da Fonseca, autor de The His- conseguiu entrar no Pago e alcangar as boas gragas de D. Jose I
tory of Goa. Nesta epoca, diremos de passagem, em que as lapides que, como se vera adiante, auxiliou a educaQäO, em Italia, do que
superabundam, bom seria que, por iniciativa do Governo da Me- mais tarde havia de ser o celebre padre Faria.
tropole ou da 1ndia, se recordasse o nome do Padre Faria ao Pai e filho seguiram, por Genova, para Roma, em 1772, com
menos na casa onde nasceu. cartas de recomendagao do Nuncio e de outras personagens de
Chegado a Lisboa, o padre Caetano Vitorino, servindo-se de valia. Pretendia o padre Cust6dio educar o filho e alcangar para
cartas de apresentagao que trouxe de Goa, cultivou relagöes com ele o grau de doutor em teologia, o que facilitaria a realizagäo
pessoas altamente colocadas, tendo feito amizade com 0 Nuncio das suas ambigöes.
Apost6lico, arcebispo de Tiro, ao qual apresentou uma mem6ria Alcangado o pretendido titulo, regressou a Lisboa em 1777,
sobre as missöes da 1ndia (1) . sendo recebido na corte de D. Maria I, Continuou a insinuar-se
no convivio do Nuncio e de membros do governo, obtendo uma
certa inf luencia que, por firn, acabou por ser suspeita.
(1 Fora ela copiada pelo filho, ao tempo com 16 anos, e devia ter boa Servia de procurador as pretensöes que OS seus patricios
Ie_tra, pms em crta que o padre Custödio Vitorino dlrigiu ao padre Pascoal tinham na corte, alcangava do Nlincio ou directamente de Roma
Pr;ito: de C_andoh1?• em 2 de Fevereiro de 1772, relata o facto, dizendo que o
Nunc10 murto -estimara saber quem fora o copista, breves indulgencias, capelas, etc., e a ele se chegavam, segundo
11: certo que o Nuncio manifestou por ele uma certa estima e tanto
que lhe of:receu tres eontinhas, uma para o filho, outra para ele e outra
para a frerra que fora sua mulher, .com as verönicas de prata e com indul-
gencia plenä.ria na hora da morte. dores o importe le verönicas, cruzes, campainhas do Loreto e outras cousas
Mais tarde e, segundo diz, com autorizac;äo do mesmo Nuncio de as de que tudo vai um caixote cheio com o Ietreiro: senhor Inä.cio Pinto. Rogo
poder dar a quem lhe aprouvesse, ofereceu-as ao padre Pascoal Pinto como a V. M. disponha dessas cousas e do seu produto remeta pe<;as de lenc;os,
consta da mesma carta. ' cobertores de cama e outras cousas que ele pede por uma lista que me
A sua ac<;äo estendia-se aos criados da nunciatura. entregou hoje, ·prometendo-me pa;gar o que lä. custar de mais, sobre o que
escrevo tambem ao Padre Jose para ver se pode suprir.»
Diz ainda ao padre Pascoal Pinto: «Hum criado secular do Senhor (z) Devemos esta e outras c6pias ao professor Germano Correia, da
Nuncio me intercede a que Ihe fa<;a produzir pelos meus senhores procura-
Escola de Nova Goa, a quem aqui patenteamos os nossos agradecimentos.
32 PAI E FILHO PAI E FILHO 33

informa Cunha Rivara, os que iam de Goa a Lisboa a buscar Näo devia andar lange da verdade o ministro Martinho de
fortuna ou a tentar neg6cios. Melo e Castro, embora se näo possa incriminar esta au aquela
Estä, porem, provado que näo foi confessor da Rainha, como Congregagäo. No livro das Mongöes do Reino existe uma carta
se tem dito. do pröprio padre Cust6dio em que recomenda aos seus amigos
de Goa dois missionarios da Congregaäo de S, Vicente de Paula
que podiam muito bem ser indicados por aqueles que dirigiam os
seus passos em Lisboa. Somente -e isso se depreende da referida
carta -ao lado do interesse religioso transparecia a aspiragäo
0 padre Cust6dio näo tinha grande simpatia pela dominaäo nativista. Talvez se servisse dos primeiros como meio para o firn
portuguesa na :tndia e tanto que, mais tarde, foi considerado como da redengäo da sua raa, causa a que votava o maior entusiasmo.
implicado na celebre conjuragäo de 1787. No documento a que 0 ministro informava ainda D. Frederico Guilherme de Sousa,
nos vimos reportando, que e de 1779 e assinado pelo ministro governador das lndias, que «ficasse de sobreaviso por ser pos- sivel
Martinho de Melo e Castro, diz-se «que ele clamava contra as que o padre Cust6dio alardeasse das boas relaöes que man- tinha
ordens religiosas por causa da relaxagäo em que todas se encon- em Lisboa com ministros e personalidades importantes a firn
travam, contra os Ministros e Militar es e enfim contra tudo o de se inculcar como pessoa consultada sobre Neg6cios da lndia».
que e portugues na India, por conta das vexagöes e o abatimento E concluia:
com que tratam os naturais, maltratando-os com dispendios e «Näo obstante, porern, tudo quanto ai se poderä dizer sobre
violencias e extorquindo-lhes tudo quanto tem ». o mencionado clerigo ou que ele tenha sugerido aos seus nacionais,
Estamos convencidos, a face da hist6ria, que abusos houve tenha V, Sria. a certeza de que o conceito que aqui se faz dele e
e graves, o que resgata em grande parte aos nossos olhos a ten- de um eclesiästico na realidade bem procedido e muito desinte-
dencia nativista do padre Cust6dio. ressado quanto ao seu pessoal, mas ao rnesrno tempo louco e
Notava o ministro da mesma Mongäo que «este clerigo pa- muito falto de sinceridade, com grande propensäo ao seu valor
recia, a principio, muito extraordinario, porque, sendo da privanga de enganos para conseguir com eles os seus fins. E nesta in teli-
dos ministros, näo constava que ele pedisse ou procurasse para si gencia, sem que V. Sria. faga caso algum do que o mesmo clerigo
coisa que pudesse ser-lhe util, ainda que padecesse, como se en- podera ter mandado dizer, principalrnente sobre o irnportante
tende que padecia, algumas necessidades». artigo das Reclutas, deve V. Sria, mandar executar inviolavel-
Corno pretensa explicagao deste desinteresse, acrescentava a mente o que a este respeito lhe vai determinado ern outra carta».
referida Mongäo: «Observou-se, porem, que nas ocasiües de se Um das pontos que merecia mais acerbas criticas ao padre
expedirem os navios para a India, sugeria nas Secretarias do Cust6dio era a forma porque era feita a chamada dos mancebos
Estado diferentes planos de Reforma, todos dirigidos principal- para a tropa e em especial em 1775 e anos imediatos. Ousava
mente a favor da Congregagäo de Säo Felipe Neri; ate que, en- trando- afirmar que o «Pai que tinha dinheiro e que dava alguns centos
se em mais alguma averiguagao a respeito deste clerigo, se de xerafins, tinha infalivelmente o filho isento do servigo e que
descobriram bastantes indicios de que ele era assistido pelos mesmos s6 o miserävel e o pobre se prendia para ele».
Neris, para procurar nesta Corte tudo o que fasse van- tagem sua.». E näo devia andar longe da verdade ...
::l A.F.-3
34 PAI E FILHO PAI E FILHO

Pelo que aträ.s fica dito, ve-se que a sua situagäo em Lisboa Logo que ern Roma terminou os seus estudos, regressou a
se tornara insustentä.vel a partir de 1779. Entrara em desgraQa e Lisboa , onde criou uma boa situagäo no meio aristocrätico. Des-
as suas pretensöes, como se pod e ver do tom da carta do gover- pertou uma certa curiosidade, näo s6 pela situaQäo que seu pai, o
nador da India em resposta a Mongäo citada ( 1) , eram sistema- padre Cust6dio, tinha alcanQado na capital, mas ate pela cir-
ticamente arredadas. cunstäncia de ser filho legitimo de um padre e de uma freira.
Esta resenha hist6rica sobre a vida do pai do padre Faria Conseguiu ser bem acolhido no meio eclesiastico e parece
vem apenas demonstrar que, tendo embora um fundo de justiga, que chegou a pregar na Corte. A este prop6sito conta Dalgado,
havia nos seus prop6sitos uma bem marcada ambigao de prepon- na sua interessante monografia, que quando, pela primeira vez,
deräncia e de direcgao sobre os seus patricios . subiu ao plilpito, rodeado por elevadas personagens, sentiu var-
Falemos agora do f ilho, que ficara em Roma no colegio da rer-se todo o discurso, dispondo-se a descer por lhe ser impossivel
Pr'opaganda Fide. Concluiu o seu doutorado e ordenou-se padre continuar . 0 pai, que näo estava longe, disse-lhe em tarn bas- tante
em 12 de Margo de 1780. alto de forma que ele ouvisse distintamente: Hi sogli bhagi, que
A sua tese: -De existenctia Dei. D eo uno et Divina Revela- quer dizer : «Säo todos cabeQas de palha», o que o acalmou por
tione -e dedicada a rainha D. Maria I e ao rei D. Pedro III, visto forma a poder prosseguir o seu sermäo.
ter ja falecido o rei D. Jose, a quem se confessa devedor de uma Este facto, sobre que alias hä fundament adas duvidas, e
protecgäo que lhe perrnitiu continuar os seus estudos. Era, por especialmente o que informam os jornais da epoca acerca das
isso, a sua filha, a rainha D. Maria I, que rendia agora as suas suas conferencias de Paris, mostram que o näo f adara a natureza
homenagens . para sugestionar as multidoes com rasgos de eloquencia.
Foi preside nte do jliri Frei Tomä.s Maria Carboni e parece Outros destinos lhe reservavam as suas notäveis qualid ades
que a defesa näo foi brilhante. Nos livros do colegio encontra-se de observador, de que em breve nos ocuparemos.
a seguinte noticia a respeito do padre Faria: Ohe ehe sia ora, Tanto seu pai era apegado aos neg6cios da f ndia quanto ele
quando fu in Oollegio si port6 bene> e sebbene in occasione di se mostrava desinteressado. Näo mantinha relaQ6es com antigos
publica Oonclusione mostr6 dell'orgoglio non intorno il Dottrinale companheiros, visto que no inicio da adolescencia o deslocaram
ma intorno all'ortermenla com impegno> e con quase forzatamente para longinquas paragens. Das cartas que escreveu para a terra
dedicarla. natal apenas ha noticia de uma dirigida a seu prima Antonio
A referencia, que näo esta datada, näo foi escrita quando Joäo de Sousa, recomendando-lhe uma rapariga, Catarina, filhri,
Faria saiu do colegio, mas mais tarde, quando ele comegou a adoptiva de sua mäe e companheira de infä.ncia, a quem enviou
sair do anonimato. E tanto assirn e que acrescenta: «Faria vive um orat6rio com imagens, que parece ainda hoje existir . Esta
em Lisboa ou oculta-se num outro pais do Continente por causa nota af ectiva do padre Faria representa uma evocaQäo da vida
de quaisquer influencias da Corte.» Esta informagäo deriva evi- de familia desf eita para sempre adentro da grade de um convento
dentemente de noticias idas de Portugal. Deve ter sido exarada e no afastamento voluntario do pai para a vida eclesiästica.
no livro das alunos quando Faria ja residia em Paris. Demorou-se o padre Faria em Lisboa dez anos, de 1777 a
1788, tendo lutado durante esse tempo por alcangar uma mitra.
Os seus argumentos näo foram atendidos. Entre eles havia um
(1) Livro das Mon!<öes do Reino, n.• 159 de 1779, fls, 163 e 164. em que se reflectia a ideia nativista, preocupagäo constante de
36 PAI E FILHO

seu pai. Perguntava porque, havendo tantos padres indo-portu-


gueses, nenhum deles merecia ascender a dignidade episcopal (1),
como se a virtude e o saber perdessem o seu valor sob a pele
bronzeada.
O argumento, a ser verdadeiro, era de atender, e tanto que
surtiu efeito, como veremos daqui a pouco; mas o padre Jose
Cust6dio de Faria perdeu a partida, tendo de resignar-se a orientar
a sua carreira em directriz bem diversa.
Näo pouco concorreu para isso o projectado movimento sedi-
cioso que devia rebentar em Goa em 1787.
V

A CONJURAQÄO DE GOA DE 1787

Foi a revolta de 1787 a mais importante que houve na 1ndia


contra o dominio porlugues . Era governador o capitäo-general
do Estado, Francisco da Cunha e Menezes que, ao tempo, se
sentia assoberbado com mUltiplas dificuldades. Näo era tanto a
guerra declarada a um mau vizinho, Bounsul6, nesse momento em
fase de armisticio, como a ameaga da invasäo de Tipu Sultäo (1) ,
que crescia dia a dia em fora e poderio. Conquistara as terras
de Sunda e Canarä, chegara a praga de Quitur, na fronteira por-
tuguesa, e pensava adiantar as suas conquistas pelo nosso dominio.
Teve o governdor denuncia da conspiraäo poucos dias antes
de sair, pois estava marcada para 10 de Agosto, Näo perdeu
tempo e deu ordens secretas, em 6 do mesmo mes, para que
fossem presas as pessoas apontadas como sendo os dirigentes da
conjura.
Entre eles -contava-se um avultado n1'.imero de clerigos.

(1) Alguns deles conseguiram mitras nos seculos :X:VII e XVIII. (1) Nababo de Misore.
A CONJURAQAO DE GOA DE 1787 A CONJURA<;.AO DE GOA DE 1787 39
38

Vinha de longe a conspirata (1) . Cunha Rivara, na hist6ria Os referidos clerigos ambicionavam mitras, pecha antiga dos
do celebre acontecimento, refere que värios eclesiä.sticos goenses e padres indianos, que viram sempre os naturais preferidos pelos
outros naturais da 1ndia tinham, anos antes, emigrado para Lis- continentais nos lugares do episcopado.
boa. Entre eles o mais antigo fora o padre Caetano Vitorino Faria, 0 padre Caetano Vitorino de Faria alimentava as ambigöes
que «soubera grangear boa aceitaäo entre a fidalguia e ainda dos colegas, dando-lhes conta dos seus primeiros passos em Lisboa,
no pago ; e que por isso era o patriarca e patrono daquela col6nia logo a chegada, em 1772, contando-lhes a boa aceitagäo que ti-
indiana ». vera junto do Nuncio, Arcebispo de Tiro, devido a apresenta äo
De facto, quando o Secretärio de Estado (Martinho de Melo do beneditino Fr. Joäo Baptista de S. Caetano, que lhe parecia
e Castro) respondia ao governador da fndia sobre a sedigäo, infor- muito amigo dos naturais de Goa.
mava que tinha suficiente conhecimento dos que se diziam seus Mais tarde, depois de regressar de Roma, chegou a escrever
principais autores: «dois clerigos que vieram a este reino com que «näo descansaria enquanto näo entregasse a mitra e o bago
pretensöes de serem empregados na fndia». aos seus colegas, a imitaäo de S. Paulo e mais ap6stolos. Jul-
Esses padres, porem, tinham regressado a Goa por lhes ter gava o padre, ou disso se jactava, que o seu poderio e influencia
dito 0 Ministro, para se descartar deles, que o Arcebispo os ocupa- eram grandes näo s6 junto do Ministerio e da Mesa Cens6ria,
ria conforme os seus merecim entos. Eram eles Jose Antonio Gon- mas tambem do Cardeal da Cunha, fidalgos da corte, e da pr6pria
galves e Caetano Francisco do Couto, conspiradores categorizados. Rainha. Tinha uma certa razao para o pensar , pois chegou a ser
O governador tinha jä a ferros este ultimo. Pelo seu lao, consultado nas coisas da lndia, especialmente nas eclesiästicas .
Melo e Castro recomendava que «seria, da mesma sorte, mmto
Nas notas ou glosas que, por determinaäo regia, fez sobre a
acertado que se desse busca aos papeis dos capturados, para ver
informaäo do bispo de Cochim, governador do arcebispado de
se tinham alguma correspondencia com os potentados vizinhos
Goa, no ano de 1781, e em que colaborou tambem o padre Caetano
desse Estado, particularmente com Tipu Sultäo, devendo ser este Francisco Couto, de novo chegado a capital, pöde dar largas a
o ponto mais essencial do seu cuidado para se a-cautelar», sua veia nativista.
Martinho de Melo e Castro correlacionou, e bem, o movi-
Dizia o bispo de Cochim, no § 10. da sua carta ou informagäo,
0

mento nativista, que ao tempo agitava a 1ndia, com a sedigäo


que para arcebispo de Cranganor bom seria que fosse designado
portuguesa, receando que esta fosse uma propagagäo ou um re-
alguem que tivesse propensäo para viver entre a gente mais rude
flexo do conquistador que batia as portas da nossa possessao.
e mais äspera da .Ä.sia, 0 padre Caetano Vitorino comentou esta
nota com OS seguintes dizeres: «Quanto, porem, a de Cranganor,
(1) Informa Frederico Denis d'Ayalla, na Goa An_tiga e Moder, Lis-
boa 1887 päg. 170 que «Uma circll'Ilstäncia externa ammava os con)urados erra em dizer que vä um arcebispo reinol, por ser aquela gente
nes e sen'tido. Na orte de Poonah (Punem ) muitos indigenas, parentes dos a mais rude da .Ä.sia ; pois para gente rude e ä.spera nunca foi
conjurados, ocupavam altos cargos no exercito do p_oderoso marata. Convec-
ram-se, por isso, que valiam alguma coisa, que podlam ser ·grandes e espe1- bom um estranho que nem sabe, nem pode revestir-se dos costumes
tados se 0 governo portugues o quisesse, a semelhna. do que suced1a a<?s de semelhantes povos; mas sim um dos mesmos, que seja instruido
seus conterrä.neos Joaquim Antonio Vaz, Jose Ant6mo Pmto, Marcos Ant6m?
GonQalves e värios outros que se distinguiam nos reinos do Peshwar. Estl- na Europa, para que, docilizando-se nestes costumes, civilizando -se
mulados com ·este exemplo, Manuel Caetano Pinto e seus camaradas no e instruindo-se, possa eficazmente conseguir docilizar aquele povo,
exercito de Goa, importunavam o governo para _que_ se lhes desse acesso de
posto. De outro lado nenhuma ocasiäo se oferec1a tao azada para um plano instrui-lo e aperf eigoä.-lo.»
qualquer de sublevagäo.»
40 A CONJURAQAO DE GOA DE 1 A CONJURAQAO DE GOA DE 1787 41
787

vesse do reino na mongäo de 788 ( 1) . Ao capitäo do navio de


E evidente a sugestäo: ou ele, padre Caetano Vitorino, doutor VIagem Nossa Senhora da Arr'abida e Santo Antonio de Lisboa
e6logo da Universidade romana, au o padre Caetano Francisco que largou com destino ao Reino em 1788, ordenava que evitass
do Couto ou o padre Jose Antonio Gongalves que, a esse tempo, tda e qulqer comunicagäo com navios que pudessem chegar a
procurava doutorar-se em Roma, seriam as pessoas mais idoneas L1sboa prime1ro que ele e que, chegado a capital, näo deixasse
para ocupar o alto cargo. 0 governo portugues e o Papa aceitaram entrar ninguem a bordo sem dirigir ao secretärio de Estado a
o conselho. Somente näo preferiram nenhum dos pretendentes e, via que levava. 0 Ministro Martinho de Melo e Castro tomou
passando por cima dos latinos goenses, escolheram um siriaco imediatas providencias; mas, como relata na sua ja citada carta
malabar que estava ainda com mais rigor adentro dos requisitos e2!- de Julho de 1788, em resposta a exposigäo do governador,
reclamados pelo padre Caetano Vitorino. Ja nao estavam em Lisboa «Jose Antonio Pinto, Joaquim Antonio
icente, N rciso Valente, e com eles um clerigo -chamado Jose (2),
Ern outras informagäo dizia o bispo de Cochim que entre
fllho do celebre padre Caetano Vitorino de Faria, Todos eles
os clerigos seculares da ndia näo conhecia nenhum que prestasse tinhm saido da capital, socorridos pelo mesmo padre Caetano, a
para governador do bispado ou superior de missöes. cammho de Franga, para dali passarem a fndia. «Ü referido Joa-
0 padre Caetano Vitorino comenta esta passagem, chaman- quim Antonio» -informa ainda o ministro -«dissera a alguns
do-lhe «apaixonada cegueira» e que «entre os 3000 ( 1) clerigos dos seus amigos, antes de partir de Lisboa, que em Paris se havia
indianos encontraria mais de cento, ao menos, se quisesse esco- de encontrar com os embaixadores que Tipu Sultäo mandara a
lher, näo somente para catedräticos e bispos, mas ainda para Versalhes, para tratar com eles alguns neg6cios, o que combinava
ensinar a serem bispos». com o que o mesmo Joaquim Antonio escrevia ao padre Jose An-
Pode avaliar -se o descontentamento que, ap6s esta exposigäo, tonio Gongalves na carta que lhe apreenderam. Nela ponderava
teria o padre Caetano Vitorino, ao saber que o Governo e a Santa
Se tinham nomeado e confirmado em uma das dioceses um can- . (1) . Dos 47 capturados 15 er pärocos de värias igrejas da tndia,
tanar siriaco ( 2 ) , que num pais de preconceitos e castas, como näo mclundo o padre Jose Ant6nio GonQalves, que se evadiu a tempo
Mmtos dos condenados foram barbaramente executados -em 1788 ·
foi e ainda e hoje a fndia, considerava muito inferior em dotes campo de. Mandovim, _na Velha Goa. No mesmo ano foram remetidos 'n
intelectuais, morais e politicos aos que atribuiam aos goenses! nau de v1agem S. Luis e Santa Maria M adalena 14 clerigos implicados na
conJura. Um morreu na.viagem e os outros recolheram ä Torre de s. Juliäo.
Maior devia ser a sua decepgäo ao saber que as diligencias O ya?re Caetan Francisco do Couto, o chefe e, segundo informa Ayalla 0
judiciais de Goa tinham descoberto indicios de ele proprio estar pmc1pal denunc1ador dos se?s colegas, enlouqueceu. Näo tiveram estes cos-
p1radors a sorte dos que f1caram na India, pois quase todos ou todos ( ? )
comprometido na conjuragäo ! Por esse motivo escrevera o go- foram mdultados coi:i 12 e mais anos de exilio e prisäo, entre 1802 e 1807,
pel?s .gov,ernos de Ve1ga <?abral e Conde de Sarzedas, no reinado de D. Maria I
vernador da india ao de Mogambique «para prender Jose Antonio (R1v a.. Ayalla, obras cit.). Parece que para isso concorreu o tratar-se de
Binto, Joaquim Antonio Vicente, Fr. Cust6dio e o padre Caetano ecles1asbcos.
Näo pudemos averiar se o padre Caetano Vitorino foi tambem indul-
Vitorino de Faria, se passassem por aquele porto em navio que tado_ e o ano em que o fo1; mas tudo 1-eva a crer que näo fosse dos mais
castigados.
. A ultim carti:. que_ conhecemos dele (1799), deve ter sido escrita
depms da sua hb_:rtaao. Nao e fäcil admitir que tenha sido escrita ·enquanto
(1) Deve ser numero exagerado. etava recluo, ao so pelo que promete, mas ate pela ausencia de referencias
dlrectas öu 111d1rectas ä. sua prisäo.
(2) O padre Jose Cariate, segundo informa Ayalla, na Goa Antiga e p!) Jose Caetano de Faria, o celebre padre Faria.
Moderna.
42 A CONJURAQÄO DE GOA DE 1787 A CONJURAQAO DE GOA DE 1787 43

que lhe resultaria a maior conveniencia de entrar ao servigo de cria.do o Arcebispado de Goa ! Näo contente com isto, da a fndia
Tipli.» por patria a S, Tome e acrescenta num prop6sito messianico: «Eu
Os referidos fugitivos, entre os quais seguia o padre Jose vou baptisar todos os gentios, näo somente de Goa, mas de toda
Cnst6dio de Faria, puderam escapar-se a tempo. 0 terem sido a f ndia, e a dar a minha vida por eles, para que sejam felizes
avisados evitou-lhes a prisäo. 0 mesmo näo sucedeu ao padre eternamente».
Caetano Vitorino que, ou por confiar excessivamente nas suas Um novo Cristo, que a custa da pr6pria vida daria ventura
antigas relaQöes, ou por quaisquer outros motivos, arrostou com perene a sua raga!
as consequencias, tendo sido internado no convento dos Paulistas, Diz Cunha Rivara que se näo visse esta carta escrita pelo
onde assistia. pr6prio punho do padre Caetano Vitorino a julgaria falsificada
Ignora-se o tempo que esteve preso. Näo se sabem mesmo por algum dos seus inimigos. A explicaQäo e fä.cil. 0 desditoso
noticias suas ate ao ano de 1779, em que escreveu com a data padre estava nessa epoca em avangada idade. 0 seu cerebro en-
de 4 de Abril a um gentio de Goa, de nome Rama Custan Naique, trara naquele periodo da involugäo senil que arrasta aos desvairos
sobre neg6cios e contas, divagando em maximas religiosas intei- mentais de que esse ultimo documento e prova flagrante.
ramente despropositadas, a mis'Eura com confusos arrazoados: Essa carta foi depois apanhada pelos seus amigos Pintos
«... e espero assegurar outra felicidade muito maior e sem corn- (que deram o nome a conjuragäo de 1787) e guardada entre os
paraQao alguma, pela qual estou contendendo ja ha vinte e dois papeis da casa, no bom prop6sito de evitarem apreciagöes desa-
e mais anos com esta Europa toda, que se gloria da desgraQa de gradaveis para o infeliz defensor da independencia da raga indiana.
V. M.cs e f azem nela a sua felicidade pr6pria com verem a lamen- Pouco tempo devia sobreviver o padre Caetano Vitorino ao
tavel ruina de V. M.ces que eu, como e verdadeiro patricio solicito ano de 1799, em que a escreveu, mas näo pudemos averiguar a
sem que V. M .ces me tenham dado comissäo para o procurar, e o data do seu f alecimento.
faQo apesar de arriscar a minha pr6pria vida, somente para que
meus patricios sejam verdadeiramente felizes, ja que o nosso
Criador me fez conhecer a desgraQa da patria que esta precipi-
tada em sua cegueira digna de compaixäo e esta näo se acha
na Europa.»
Alem da emaranhada exposiQäo, mais de estranhar num padre
que se dirige a um gentio com quem tem apenas contas a regu-
larizar, ha a notar o esbogo de ideias nativistas em prol da patria
distante.
E ainda curiosa a seguinte passagem: «Eu tenho trabalhado
para tirar das mäos dos europeus o nosso Arcebispado de Goa e
india que o nosso Criador e Redentor nos deu hä. mil e oitocentos
anos pelo seu Ap6stolo S. Tome...»
A carta foi escrita em 1799, Pelo que fica transcrito, um ano
antes de ter nascido Jesus Cristo ja o ap6stolo S. Tome teria
VI

0 PROFESSOR DE FILOSOFIA

0 padre Faria partira para Paris na primavera de 1788 e,


segundo se infere do relato que acabamos de fazer, näo s6 pre-
tendeu fugir a perseguiöes, mas ainda, querendo ser agradavel
a seu pai, partiu muito provavelmente decidido a entender-se com
os embaixador es de Tipu a fim de obter um apoio para os con-
jurados de 1787, presos e subjugados pelas autoridades portu-
guesas da fndia.
As circunstäncias que apontamos däo foros de veracidade a
esta atitude. O afirmar -se que saira de Lisboa por simples desejo
de alcangar celebridad e nas letras e que näo nos parece aceitavel.
Podia mais facilmente alcan-la em Portugal. Porque näo a
procurou antes dos acontecimentos que se desenrolaram na india ?
Porque motivo a sua saida se deu exactamente no momento em
que em Paris se reuniam os embaixadores do revolucionario in-
diano ? Seja como for, esta passagem em nada diminui a sua
personalidade no campo cientifico, onde conquistou um lugar de
alto realce. Esconder o facto ou a simples suspeigäo seria falsear-
-lhe a biografia.
Da sua intervengäo, em Paris, nos neg6cios referentes as
aspiragöes nativistas -se de facto ele procurou intervir -nada
consta . Por outro lado, a embaixada de Tipu, recebida por Luis XVI
46 O PROFESSOR DE FILOSOFIA 0 PROFESSOR DE FILOSOFIA
47

em 13 de Agosto de 1788, nao obteve o sucesso a que aspirava do _Dir ect6ri e a sua sombra deve ter criado relagöes e influencias
e a questäo indiana acabou por ceder lugar no seu espirito ao CUJ extensao e valor näo conseguimos esquadrinhar. Servern,
desejo de uma situagäo que lhe permitisse viver em Franga e que P?rem, para explicar o desenrolar de factos subsequentes da sua
lhe desse alguma celebridade, pois ja tinha demonstrado que am- v1da aventurosa por terras de Franga.
bicionava posigöes de destaque. Dev_e ter con?ecido por essa epoca, e como consequencia da
Desde 1788, em que ele chegou a Paris, ate 1792, nada consta sua ntitude anti-convencionalista, o Marques de Chastenet de
da sua passagem pela grande capital; mas neste ano apareceu, Puysegur, um dos discipulos de Mesmer a que ja nos referimos.
pela primeira vez, o seu nome em documento do Registo das A bra de Fri sobre as Oausas do sono luci<Io, publicada muito
denuncia96es. rr:1s tare, ultimo brado da sua actividade de hipnotizador e de
Habitava o padre Faria uma pensäo instalada no predio n. 49
0
fllosofo, e dedicada ao Marques e a ele se dirige nestes termos.
da rua Ponceau que, segundo as investigagöes de Dalgado, deve «Il vou est du de ma part avec d'autant plus de justice que j ;
corresponder ao n. 7 actual, e de que era proprietä.ria Madame
0
reconnais dans vos sages avis et dans vos bienveillantes instruc-
Chibler. A sua cor bronzeada, a alta estatura, que a magreza tions le germe de mes meditations et de 7,a perseverance de mes
mais acentuava, e especialmente as suas opiniöes politicas que ef forts. »
nao guardava, chamaram sobre si a ate11gäo dos vizinhos. Duas Näo e fäcil precisar a data exacta sobre o inicio das suas
testemunhas vieram depor contra ele: Caurel, sapateiro, que o pä.ticas magneticas . 0 padre Faria foi levado a elas por curio-
classificou de refractario e incendiä.rio; e Pirou, pintor, secretario sdade do seu espirito, pela leitura da obra de Mesmer e espe-
da Assembleia primä.ria, que declarou ter ouvido dizer a Mme. calente pelas sugestöes de Puysegur e ate, quem sabe? no pro-
Chibler e a sua cozinheira que ele mostrava desejos de ter no pos1to de melhorar a sua situagäo financeira a sombra da clientela
Champ-de-M ars tantos postes como guardas nacionais e patriotas, que, apesar do insucesso de Mesmer, era passive!obter.
f!, firn de os poder mandar enforcar. Tarnbern o acusaram de jogador
0 misterioso atrai sempre as multidöes ä.vidas de tratamentos
e frequentador do Palais Royal. ineditos, e o padre Faria convencera-se, de facto, das vantagens
Estes depoimentos, prestados perante os comissarios Galliet que o sono hipn6tico podia trazer aos doentes. Eie nunca foi um
e Pothier, encarregados do recenseamento da Secgäo de Ponceau interesseiro; näo o deslumbrou a riqueza nem a considerou como
no ano IV da Liberdade e I da Igualdade, näo determinaram, que um firn a alcangar; mas as suas conferencias foram pagas, 0 que
se saiba, qualquer inc6modo ou vexame para o padre Faria, A_s mostra que, carecendo de viver, este aspecto do problema näo
suas prä.ticas de magnetizador näo säo evocadas nesses dep01- lhe foi de todo indiferente.
mentos, o que mostra que ele ainda näo tinha enveredado por ls autores que se referem ao padre Faria a prop6sito
esse caminho, pois näo e crivel que tivessem escapado aos seus
cla h1storia do hipnotismo, salientam a circunstancia de ser in-
denunciantes .
diano, .chegando alguns a insinuar que trouxera da sua pä.tria
Nas acusagöes feitas devia haver alguma verdade pelo que c?vhec1mentos especiais sobre o assunto. A f ndia foi sempre con-
respeita as suas opiniöes politicas, pois em 5 de Outubro de 1795 tder a terra ?.e misterios, do encanfamento das serpentes e da
(VIII do Vendimä.rio do ano IV) colocou-se a frente de um dos
imoh11Idade estmca dos faquires. Nessa epoca o desconhecido des-
batalhöes revolucionä.rios da sua secgäo, tomando parte activa na
pertava ainda mais atractivos, o sobrenatural era mais verosimil
queda da Convengäo. Este gesto devia colocä.-lo nas boas graas porque a sugestionabilidade da sociedade francesa, acostumada
48 0 PROFESSOR DE 0 PROFESSOR DE FILOSOFIA 49
FILOSOFIA

espiritos maus. Por outro lado Faria näo podia merecer-lhe con-
desventuras de toda a sorte, estava mais prop1c1a a aceitar as sideraäo, pois sendo padre, mais criminosas devia considerar as
conclusöes de doutrinas mais ou menos impressionantes. Estamos suas prä.ticas.
certos de que para o sucesso do padre Faria näo deixou de con- Ao relancearmos a vista pela hist6ria da ciencia, vemos
tribuir a sua figura ascetica, a cor bronzeada e a qualidade de muitas vezes as ideias religiosas entravarem a marcha aos seus
indiano; mas e positivo que ele saiu de Goa com quinze anos progressos. Mas os prejuizos passam e a verdade vence.
incompletos e nunca mais voltou a terras de seu pais. Nem sequer
De positivo sabemos que o padre portugues continuou os seus
o prendiam relaQÖes escritas, continuadas, aos conterrä.neos.
trabalhos e investigaQöes ate 1811, em que foi nomeado professor
Os seus conhecimentos sobre o magnetismo datam de Paris e
de Filosofia na Academia de Marselha.
depois de ter travado relaQÖes com Puysegur, a quem dedicou a
0 que determinou essa nomeagäo ?
sua obra.
A primeira noticia que se conhece sobre a actividade de Conta-se que o padre Faria conhecera, numa casa de jogo,
magnetizador do padre Farla e de 1802, sete anos depois da uma personagem altamente colocada, que lhe conseguiu a no-
jmplantaQäo do Direct6rio, nas M em6rias de azem-tumulo, de meaäo. Diz-se ate que com o seu misterioso poder magnetico se
Chateaubriand, publicadas em 1843, ap6s a sua morte. Refere-se tornara täo temido nessa casa que os proprietarios lhe davam
ac padre Faria, com quem jantara em casa de Mme. la Marquise uma pensäo diaria para ele näo jogar. E o que se Ie no M oniteur
de Custine, em termos pouco agradäveis. 0 padre afirmou que Unive:rsel , de 5 de Outubro de 1919.
conseguia matar um canario magnetizando-o. Posto a prova, falhou Todos sabem, porem, que nem OS magnetizadores dessa epoca
a experiencia, o que levou Chateaubriand a concluir: «Chretien, nem os hipnotizadores de hoje conseguem forar a sorte. Podia
ma seule presence avait rendu Ze trepied impuissanb. Desta vez ser -os jogadores sä:.o sempre suversticiosos -que se arreceas-
ambos estavam em erro: nem um era capaz de matar o inofensivo sem das suas präticas magneticas, mas näo parece muito crivel
passarito, magrn:tizando-o; nem o outro poderia impedir as prä- que fasse um companheiro de jogo que o conseguisse despachar
ticas entäo chamadas magneticas s6 porque professava a religiäo professor e especialmente determinado pelo receio de arruinar os
cristä. proprietarios da casa de tavotagem onde se encontravam . As re- laöes
Esta passagem mostra que Faria sabia cultivar rela öes, que obteve ap6s a acQäo revolucionäria contra a ConvenQäo, a
frequentando salöes do maior renome de Paris. Antes dessa epoca divulgaQao das suas ideias sobre o magnetismo, que haviam de
ja ele devia ter praticado, e muito, o magneti smo para se apre- comear a espalhar-se entre os amigos, e ainda a circunstä.ncia
sentar perante um publico selecto e fazer afirmaQÖes täo ousadas. de manifestar uma certa cultura filos6fica, deviam ser as causas
E possivel que em 1802 estivesse ainda dominado pela teoria das determinntes da escolha do seu nome para o liC€u ffiarselhes, que
fluidos e que s6 mais tarde, aprof undando e praticando o sonam- ao tempo se chamava Academia.
bulismo, chegasse as verdadeiras conclusöes em que assenta a sua Consta do Almanaque Imperial de 1811que Faria se manteve
doutrina. 0 insucesso de casa de Mme. de Custine deve ter-lhe em Marselha durante um ano. E nessa epoca que, segundo parece,
dado mais um argumento no sentido da boa orienta äo. foi eleito membro da Sociedade medica dessa cidade, o que s6
Esta nota de Chateaubriand, espirito de alta cultura, mas pode ser atribuido as suas präticas de magnetizador. Näo sendo
algemado aos principios da Igreja, revela a sua animosidade pelo medico, devia o seu ingresso representar uma distinä:.o excepcional.
magnetismo, que Roma condenava como sendo influenciado por
0 A.F. -
r

50 0 PROFESSOR DE 0 PROFESSOR DE FILOSOFIA 51


FILOSOFIA

Informa Dalgado que näo hä. na Biblioteca do museu Calvet,


0 padre Faria ou por deficiencia na regencia da cadeira ou em Avignon, onde estäo guardados todos os documentos do bis-
por näo ter as boas graQas dos colegas, visto näo ser professor
pado, do ternpo do Imperio, noticia alguma sobre o padre Faria.
de carreira, ou por ter tentado levantar os alunos contra o Pro- Nem e crivel que um doutor em teologia ousasse tal cornetimento
visor (Reitor) do Liceu, -um cura duma par6quia da cidade que nem, se o tivesse praticado, se reduziria o castigo a expulsarem-no
tinha dispensado os seus servios orat6rios por inconvenientes do posto usurpado, como informa o articulista. Näo faltaria o
( Moniteur Universel), -foi, em 1812, transferido para a Academia processo respectivo, embora ele tivesse ganho grande prestigio
de Nimes na qualidade de professor suplementar. entre os paroquianos que, no dizer do Moniteur, o consideravam
A vida do padre Faria e um rosä.rio de sucessos e de desastres. jä. como um profeta ou um santo.
Esta transferencia representa uma desqualificaQäo que o seu tem- Devemos notar que o referido artigo foi escrito depois da
peramento näo podia suportar. Alem disso, Nimes era uma-pe- morte do padre portugues, numa epoca em que o seu nome ecoava
quena cidade. Faltava-lhe a atmosfera e a liberdade de um grande como o de um charlatäo aos ouvidos das criticos de Paris, e sem
centro. Sentia-se enclausurado adentro de uma bisbilhotice depri- que houvesse o menor cuidado em escrupulizar na averiguagäo
mente. Näo faltaram insinuaQÖes malevolas. A duas delas fez mais das factos que Se produzirarn em torno do celebre magnetizador.
tarde referencia o Moniteur no artigo a que nos vimos referindo Desde o inicio das suas prä.ticas magneticas que lhe atribui-
e em que hä. um acentuado desejo de deprimir a mem6ria de ram os factos mais inverosimeis, apresentando-o ora como um ilu-
Fa.rfa. Assim, informa que o padre goense, logo que chegou a minado, ora como um impostor. A sua mern6ria foi assim envol-
Nimes, montara em sua casa uma tina magnetica que, pela de- vida numa misteriosa penumbra que lhe abriu as portas da lenda.
signa<;äo, considera identica a de Mesmer, onde exercia as suas Foi a essas e outras rerniniscencias que Alexandre Dumas, pai, o
praticas entre os que o procuravam. foi buscar para o romance 0 Conde de Monte Cristo, o que näo
E certo que ele continuou em Nimes a exercer o magnetismo, pouco concorreu para aumentar a confusäo no estudo exacto da
mas näo devia ter empregado a tecnica mesmeriana. Chegou mes:rn" sua personalidade, tantas vezes alterada em muitos dos seus
a afirmar-se que tendo consultado um sonambulo, a manelra c1e contornos.
Puysegur, sobre a doenQa de uma mulher, ministrara um medi- Faria näo pode continuar em Nirnes. Acostumado a vida ras-
camento que tendo provocado um aborto lhe ocasionara a morte. gada de uma grande capital, desgostoso pela situagäo oficial a
Basta esta narrativa, que escrupulosament e trasladamos do Mo- que o reduziram, voltou a Paris em 1813, disposto a tentar for-
niteur, para näo merecer credito. tuna. Apresentou-se entäo como professor livre, abrindo um curso
Contudo, alguns maleficios atribuiram as suas prä.ticas porque publico sobre o sono lucido que, como dissemos, era a designaQäo
a policia acabou por as proibir. Mas se acaso o padre Faria tivesse que dava ao sonambulismo provocado.
sido a causa de uma morte, näo se limitariam a täo discreto pro-
cedimento: teriam tiilil.o para com ele o rigor que o caso reclamava.
Relata o mesmo artigo um facto ainda menos verosimil , Vagou
uma par6quia nas proximidades da cidade e, diz o Moniteur, o
padre Faria tomou de assalto o lugar do seu antecessor e, sem a
permissao do bispo de Avignon , comeQou a pregar, a confessar
e a rnagnetizar.
VII

AS SESSöES DA RUA CLICHY

Faria comegou o seu curso sobre o magnetismo em Paris, a


11de Agosto de 1813. Alcangou para isso as necessarias licengas
ao prefeito da policia e obteve de Butet de Sarte, professor pri-
mäi'io, uma sala na sua escola da rua de Clichy, n, 49, junto ao
0

antigo jardim de Tivoli.


As conferencias realizavam-se as quintas-feiras e a admissäo
custava 5 francos. 0 saläo abrigava uma grande quantidade de
senhoras e alguns homens. Uns vinham no prop6sito de alcangar
a cura das seus males, muitos a busca de sensagöes novas ou
atraidos pela curiosidade das prä.ticas magneticas, e ainda outros
para arranjar pretextos de troga e ditos de espirito täo peculiares
ao feitio gaules.
Ern breve a sua notoriedade foi enorme em Paris. O curso
tornou-se um verdadeiro acontecimento mundano, como, anos
antes, o foram as sessöes de Mesmer. Os jornais fizeram-lhe a
divulgac;äo do nome, embora nem sempre lhe fossem favorä.veis.
A Gazette de France, de 21 de Agosto de 1813, dedica-lhe um
longo artigo assinado por L'Hermite de la Chaussee d'Antin (1) ,
que rnerece ser recordado neste mornento. Intitulava-se 0 sonam-

(1) Pseudönirno de Victor-.Joseph-Etienne de .Jony, D. G. Dalgado -


-M emoire sur la vie de l'abbe Faria, Paris, 1906.
r
AS SESSOES DA RUA CLICHY AS SESSOES DA RUA CLICHY 55
54

bulismo e o padre Faria e e uma reportagem e uma critica as estrangeiro, seria interrompida as gargalhadas ». Deve haver exa-
gero nesta apreciaQäo. 0 padre Faria näo conhecia a fundo a
cenas presenciadas.
Cornega o articulista por se insurgir contra os charlatäes es- lingua francesa, mas praticava-a de hä muito e escrevi-a com uma
trangeiros, que encontram sempre audit6rio em Paris no prop6sito certa facilidad e.
de fazer fortuna, imputagäo injusta pelo que respeita ao padre Näo tinba elegancia na exposigäo, por vezes era obscuro,
porfugues. E recorda o escoces Law, Willars, Bletton, Mesmer ... como pode reconhecer-se no seu livro; contudo, o seu estilo estran-
E enfileira a seu lado o norne de Faria. geirado näo chegava a ser ridiculo. Era, porem, pouco agradävel
Trata primeiro da assistencia, que «era brilhante, numerosa, na sua exposiQäo. Näo interessava, näo conseguia prender 0 audi-
composta, na rnaior parte, de mulheres na flor da idade, A rnaioria t6rio. Este näo o acompanhava nas suas divagagöes filos6ficas.
delas trazia as mais favoräveis disposigöes a nova doutrina». 0 jornalista faz, todavia, uma apreciagäo inexacta das suas
«Sentei-rne ao lado de Mme. Maur » -continua o jornalista -«e d.outrinas, atribuindo-lhe a afirmagäo de que considerava o magne-
pude ver atraves da sua atraente fisionomia as dif erentes modi- t1smo a base de toda a instruQiio, o fundamento de todas as
ficagöes que lhe imprimiam a credulidade, a confiana e a per- ciencias, a chave de todos os conhecimentos humanes.
suasao. O padre Faria, acompanhado de cinco ou seis raparigas, E acrescenta : «Antes de ter ouvido este fil6sofo da Costa
aparecia no recinto que lhe era reservado, numa das extremidades do Malabar, quem poderia imaginar que o magnetismo näo s6
da sala.» nos pode revelar os segredos da medicina, a causa, a sede e o
Depois, descrevendo o magnetizador, diz que a sua tez, es- remedio de todas as doengas, mas ainda fazer-nos conhecer a
curecida pelo sol de Goa, näo prejudicava a regularidade dos tragos configuraQäo, a materia, o movimento dos astros e a natureza
fision6micos e, querende fazer espirito e insinuar razöes ocultas dos seus habitantes? Devemos, por isso, ficar tranquilos sobre os
do seu sucesso sobre a assistencia feminina, chega a afirmar que «as progressos futuros da medicina e da astronomia. Mais: a moral
suas ouvintes näo tinham mais prejuizos que a doce Desdemona». e, por sua vez, esclarecida pelo magnetismo: todas as virtudes e
Nada consta, porem, na vida do padre Faria, no capitulo das todas as verdades dele derivam ; a pr6pria politica estä submetida
tentagöes amorosas. Se foi dado a devaneios, näo deram tanto a sua acäO.»
nas vistas que deles ficassem vestigios. A sua cor estranha, a Esta apreciagäo estä em desacordo com a maioria das opiniöes
expressäo fision6mica, os poderes ocultos que lhe atribuiam podiam expendidas por Faria na sua obra. Alguns erros e exageros devia
ter impressionado favoravelm ente as frequentadoras da rue Clichy ; apregoar ; mas a seu tempo demonstraremos que näo eram tantos
mas, ou por apego a principios religiosos ou ainda pelo peso dos quantos lhes säo atribuidos neste artige, e que havia mais o
sessenta, que se avizinhavam, näo esquadrinhämos na sua vida prop6sito de fazer espirito do que critica. Assim, conta que 0 padre
epis6dio que o coloque mal em materia pecadora. dissera, a respeito duma das suas alunas: El le a Ze don tout par -
A referencia vaga do eremita da Chaussee-d'Antin e a iinica ticulier de Zire en dormant, par cette partie du corps humain que
que enconträmos nos documentos compulsados le premier homme et 7,a pr emiere f emme ont du, seuls, ne pas
Que ao menos a mem6ria de Faria fique isenta de culpa, ou apporter au mond e. Infelizmente, acrescenta, a prova näo era de
pelo menos afastada da critica, sob este aspecto particular. molde a fazer-se em publico.
A sessiio principiava por uma conferencia em que, no dizer Mesmer tinha deixado aträs de si a descrenga dos fen6menos
do articulista, «era täo grotesco pelo estilo que, se näo viesse duro chamados magneticos; näo admira, por isso, que o padre Faria,
AS SESSOES DA RUA AS SESSOES DA RUA CLICHY 57
CLICHY

Parece que s6 (1) o primeiro viu a luz da publicidade. A morte


logo no inicio das sllas conferencias, fosse atacado desta maneira. surpreendeu-o, durante a impressäo, a 20 de Setembro de 1819,
Havia o prop6sito de o atingir pelo sarcasmo, destacando, am- aos 63 anos de idade.
pliando e comentando as afirmagöes sllsceptiveis de o expor a Se näo fasse este final de vida, ficariam para sempre desco-
irrisäo publica. nhecidas as suas doutrinas. 0 seu nome passaria ignorado oll, o
A Gazette de France descreve, em segllida, as sllas expenen- que seria pior, a hist6ria, tantas vezes injusta nas sllas aprecia-
cias, sobre que faz incidir uma critica igualrnente parcia l e exa- öes, registä-lo-ia como o de um charlatäo. E ele pr6prio que
gerada. Interessa-nos pouco essa descrigäo, visto qlle podemos o confessa: «Ha males que fazem muito bem aos qlle sabem
colher os factos e a Slla interpretagäo no relato escrito pelo pr6- conhecer-lhes a utilidade.»
prio magnetizador. 0 que hoje conhecernos sobre o hipnotisrno E noutra passagem: «Sem este agllilhäo, que feriu vivamente
deixa-nos absollltamente garantidos da veracidade das praticas de a minha honra, condenar-me-ia a ficar calado sobre a callsa do
Faria, tal como ele no-las expöe, aparte algllns exageros de inter- sono lucido, persuadido que nada tinha a ensinar nllm cidade em
preta äo, muitos dos qllais foi corrigindo atraves das suas repe- qlle tlldo tenho a aprender. »
tidas e cuidadas observagöes. Assim, espicac;:ado pelas agressöes recebidas, servido por uma
As apreciagöes dos jornais, que se intensificararn mais tarde, vontade firme, convencido das verdades que·apregoava, deitou-se
chegando a agressäo pessoal, incomodaram 0 padre pela injustiga ao trabalho da expcsiäo das suas dolltrinas, para o qlle contri-
que representavam e, sobretudo, pela forma incorrecta e grosseira hlliram os manuscritos das conferencias feitas nas celebres sessöes
por que eram dirigidas. No prefäcio do sell livro responde-lhes da rue de Clichy, e que devem ter sido largamente refundidos e
da seguinte forma: acrescentados.
«A publicagäo duma prodllgäo cientifica » -diz o padre Faria Pretendia esclarecer värias classes de pessoas: «as que näo
-«SllpÖe sempre no autor a intengäo ou de descobrir verdades viram na sua conduta senäo temeridade, as que apreciaram o seu
novas oll de corrigir as qlle como verdades säo consideradas. Se p1·estigio, as que apenas viram futilidade na sua obra e as qlle
jllntamente aspiram a alcangar a gl6ria do autor, lastimo-o since- o supllseram dado a feitic;:arias.»
ramente. A esperanga da celebridade neste campo e sempre mis- E acrescentava:
turada de amargura.»
«Üs que se qualificam de magnetizadores acreditam aue as
Declara que näo o animou esta pretensäo ; mas a fase hrlcial
minhas tentativas säo menos uteis qlle perniciosas. Os jorn;listas
do seu trabalho estä um pouco em contradigäo com esta pretensa
pronunciam-se categoricamente contra mim, dizendo qlle tlldo o
modestia. A slla obra foi escrita nos ultimos anos da slla exis-
qlle fac;:o e ilus6rio e püllCO digno de uma atenäo seria ; outros
tencia quando, batido pela adversidade, näo tendo criado adeptos,
espiritos, ainda que dotados de conhecimentos prof undes, exa-
exposto ao ridiculo nos jornais e no teatro, pobre e abandonado,
minam superficialmente o estado do sono lucido, declarando que e
recolhell a um pensionato de religiosas, onde pöde entrar como
apenas um divertimento pueril; membros do clero s6 o apreciam
capeläo para alcangar os meios indispensäveis a Slla subsistencia.
como o resultado da interferencia dos genios malfazejos sempre
Nesse canto de Paris, rue des Or'ties, n. 4 (1), decidiu-se a
0
ocllpados em prejudicar a especie humana.»
escrever uma obra que destinava a ter tres Oll qllatro volumes .

(1) Segundo informa Dalgado, essa casa .corresponde hoje a.o n.• 9 (1) Adiante nos ocuparemos mais pormenorizadamente deste assunto.
da Avenida da Opera, onde estä. instalado o Je sais tout .
58 AS SESSOES DA RUA AS SESSOES DA RUA CLICHY 59
CLICHY

genios das trevas de ordinario nao se associam a quem os näo


O padre Faria mantem-se, atraves da sua vida, inabalä.vel nas procura e menos ainda aos que nem sequer acreditam na sua
crengas cat6licas. Por isso, ao lado das criticas gerais, f erem-no existencia.»
muito particularmente as desarrazoadas insinuagöes dos colegas
0 padre Faria nao pertence a este nfunero; mas, entre os
que. ou por convicgäo ou por maledicencia, o supöem em pacto
chamados casos de poss essos, em que julga certa a sua inter-
com o diabo. Acusa-os de fazerem coro com o relato dos jornai s, vengao, e os de sonambulismo lucido, sustenta haver diferengas
clejxando-se desnortear pela propaganda dos seus detratores. E essenciais.
observa que melhor seria abandonarem uma timidez injustificada,
Acreditava-se, nessa epoca, que, por meio do sonambulismo,
indo observar os fen6menos tais como eles säo, para verificarem
podiam desvendar-se os segredos e os misterios do futuro. Faria,
que «aquilo que parece sair da ordern constante da natureza em
a este prop6sito, ousa colocar-se ao lado daqueles que nas reve-
nada a ultrapassa». lagöes de Santa Tereza e de Joana d'Arc näo veem senäo mani-
Caminhando nesta ordern de ideias, pretende demonstrar que, festagöes do sono lucido; mas ja näo dä. igual interpretagao as
ao conträ.rio das acusagöes que o clero lhe fazia, o sono lucido profecias, que atribui a inspiragäo divina , de acordo com os livros
vinha, mais uma vez, demonstrar «a existencia da prim eira causa», da Igreja. Estas säo para ele verdades incontestä.veis.
langando por terra «a monstruosa quimera do ateismo»; punha Colocando -se sempre adentro do ponto religioso, e despre-
em evidencia a «espiritualidad e da alma humana », conf undindo
zando todas as insinuagöes e ataques, declara que s6 quer estar a
assim o «materialismo presungoso»; explicava dogmas que pa-
bem com a sua consciencia, e s6 ela lhe dirige a conduta.
reciam inacessiveis a inteligencia e langava uma luz inesperada
Sobre as prof ecias dos sonä.mbulos, declara Faria, perempto-
sobre verdades fisicas ate entäo indecifraveis.
riamente: «Ha certas verdades nos seus anuncios; mas verdades
Näo acompanhamos o padre Faria na sua digressao pelo
que tem necessidade de ser interpretadas com indulgencia, subme-
campo teol6gico. Teriamos de seguir uma dialectica a que näo tidas a provas rigorosas, expungidas de erros com habilidade.»
sabemos ajustar-nos, acostumados, como estamos, a investigagäo
Noutra passagem esclarece, com maior precisao: «As suas
das verd ades palpaveis. previsöes säo täo vagas que näo oferecem mais do que probabi-
Mas e jus to reconhecer que Faria condenava a facilidade com
lidades dos acontecimentos, sob condigöes requeridas, e ainda
que, ao tempo, se abusava, no gremio da Igreja, de tudo submeter
submetidas a erros grosseiros.»
a influencia dos espiritos maleficos. Säo dignas de registo estas Faria näo confiava inteiramente na inspiragäo das sonam-
suas palavras: bulos ; e tanto que, ap6s uma larga experiencia de magnetizador ,
«Ah ! Se tudo o que näo pode ser explicado pelos efeitos da talvez corrigindo ideias iniciais, pöe tais restrigöes, exprime-se
natureza deve ser sempre relegado a causas sobrenaturais, o que de tal maneira que a duvida quase se transforma em negativa
resta ao homem em apanagio dos seus conhecimentos ?» formal. Revela-se, nesta passagem da sua obra, um observador de
E num momento de maior independencia, nota que es magne- fino tato, tanto mais de apreciar porque e certo que as ideias
tizadores, em geral, näo acreditam na magia e feitigaria, ou, do SObrenatur al dominavam OS espfritOS dessa epoca, dando fä.cil
quando muito, as consideram problemas a discutir_, E termina explicagäo a todos os fen6menos. Manifestar-se contra a crenga
dizendo: geral da previsao do futuro pelos sonambulos, embora um pouco
«Os espiritos piedosos e timoratos nada tem a recear da veladamente, e brasäo de honra para a sua mem6ria,
conduta dos que se ocupam do estudo do sono lucido, porque os
60 AB SESSOES DA RUA AS SESSOES DA RUA CLICHY 61
CLICHY

Recordemos as suas palavras: «Eu näo posso conceber» -


Bem razäo tinha quando escreveu que a sua «maneira de -diz ele (1) -«como a especie humana foi procurar a causa deste
pensar, que deve parecer paradoxal a muita gente, tambem o teria a
fen6meno tina de Mesmer, a uma vontade externa, a um fluido
parecido, a ele proprio, dez anos antes». magnetico, ao calor animal ou a mil outras extravagäncias ridi-
Mas voltemos as sessöes da rua de Clichy, que abandonämos culas deste genero.»
para fazer uma digressäo atraves das primeiras criticas contra o Faria pisava o bom terreno.
padre Faria e que procuravam feri-lo pelo anatema e sobretudo
pelo ridiculo, arma demolidora, especialmente em Frant:(a, quando
e servida por uma pena experimentada.
Ern seguida a uma Ionga prelecäo, iniciava as expenencias
fazendo adormecer as pessoas sobre que ja tinha praticado o so-
nambulismo. Faria foi o primeiro a sustentar que nem todos os
individuos eram hipnotizäveis . Isso mesmo dizia nas conferencias,
desafiando todos os magnetizadores a adormecer aqueles que näo
tenham nem as disposiöes requeridas nem as causas predisponen-
tes a que ligava importancia e que dentro em breve apreciaremos.
Era necessärio, alem disso, que os epoptas (de'Er.oit-.e: cr. (-r1 ) -o
mais alto grau de iniciaäo) , assim denominava os sonambulos,
quisessem deixar-se adormecer. E assim substituiu os nomes de
magnetizador e magnetizado pelos de concentrador e concentrado.
0 sonambulismo (sono lucido de Faria) que Puysegur tinha
individualizado, ligando-o contudo a influencia de f luidos, passava
a ter uma nova interpretaäo,
Com uma grande clarividencia, o padre Faria foi o primeiro
a proclamar a doutrina da sugestäo. E esse o seu grande merito,
a sua gloria mäxirna.
Ate ele a grande rnaioria perdia-se em conjecturas sobre os
fluidos dos magnetizadores. Alguns, com Barbarin a frente, da-
vam-lhe uma interpretag äo mais vaga e imprecisa: o sonambu-
lisrno era apenas uma manifestagäo do poder da alrna sobre a
rnateria (escola espiritualista). Mas ninguem ousara dar aos fe-
n6menos observados a interpretaäo simples a que Faria chegou,
desfazendo erros a custa de um exame meticuloso, de um grande
poder de sintese e de uma precisa visäo das factos, (1) Obra dt., päg. 33,
VIlI

AS DOUTRINAS DO PADRE FARIA

Consegue Faria desempoeirar-se das doutrinas do seu tempo


sobre o magnetismo, afrontar a opiniäo severa de clerezia, que
condenava in lim-ine as suas experiencias, foge ao c6modo expe-
diente do sobrenatural, que tudo podia explicar e solucionar , e
chega a uma interpreta äo 16gica dos fen6menos observados.
Carecemos de reportar-nos a essa epoca, aos seus preconceitos
religiosos e cientificos, uns apodando tais präticas de criminosas,
outros negando os factos mais evidentes como sendo obra de
charlatäes, para bem avaliarmos a acgäo desse desconhecido por-
tugues que em terras estrangeiras lutou pela verdade sem se
dei;{ar subjugar pelos adversärios nem pela indigencia, que o
levou a pedir asilo a uma casa de religiosas, para näo morrer de
fome.
Os relat6rios de alguns medicos e homens de ciencia que se
deram ao estudo dos trabalhos de Mesmer fizeram-nos dependentes
da. imaginaäo. Faria combate esse modo de ver com palavras que
ainda na hora present e tem plena actualidade: «Üs medicos de-
duzem da imaginaäo todas as doenas que näo conhecem, como
os naturalistas atribuem a um fluido todo o efeito que näo cai
sobre as leis ordinärias (1) » .

(1) Abbe Farla.. -Obr. c1t., 2.• ed., päg. 285.


64 AS DOUTRINAS DO ABADE ll'ARIA AS DOUTRINAS DO ABADE FARIA 65

Depois disserta sobre a imaginaQäo, citando a definiäo im- outra ärvore. Afirmou-lhes que estava magnetizada, sem o estar,
perfeita de Wolf. e a maior parte dos observados caiu em sonambulismo ,
Para o padre Faria, «a mem6ria pode existir sem a imagina- Estas concludentes experiencias jugulavam de vez a teoria
äo, mas nunca a imaginagäo sem a mem6ria», o que, näo en- fluidica.
trando em consideragäo com a interdependencia de todo o apa- 0 padre portugues viu o problema da hipnose nos seus fun-
lho psiquico, se näo afasta muito da realidade das factos. damentos com toda a precisäo e clareza. Foi ele quem primeiro
Referindo-se as quimeras e aos fantasmas, considera as pri- lh marcou os limites naturais. A sua opiniäo e firme e inabalä.vel:
meiras ficgöes inanimadas e os segundos fiC<;(Öes animadas. Junta- Nada se desenvolve no sono lucido que saia fora da esfera
-lhes os espectros, que para ele säo as ideias das imagens dos natural.»
mortos. E, em critica a este prop6sito, acrescenta : cOs antigos E, querendo ir mais longe, sentindo-se bem na passe da as-
fizeram da quimera um ser natural e feroz combatido pelo Bele- sunto, afora um ou outro pequeno exagero, escreve: «Faremos
rofon. 0 vulgo faz dos fantasmas seres reais, e os fisicos do ver que nada hä. neste fen6meno que ultrapasse os limites da
espectro (1) uma imagem corada que projecta m sobre uma parede razäo humana e que tudo e concebivel por pouco que a homem
quando cortam os raios solares por meio do prisma.» queira dar-se, de boa-fä, a investigagäo da verdade.»
Esta passagem e acompanhada de uma enfadonha dissertagäo,
Faria näo s6 observou bem os factos: procurou indagar as
com hist6ria de fantasmas a mistura, para combater a doutrina da
causas e perscrutar as razöes da diferenga de canduta dos indi-
imaginagäo. Destacamos as frases que constituem o seu principal
viduos em face das präticas hipn6ticas: uns adarmecendo logo,
argumento: «Guarda-se a mem6ria do que se imagina ; mas du-
outros sendo completamente refractärios.
rante o sono lucido, especialmente quando ele e profundo, näo se
guarda mem6ria de tudo o que se passou. Dai se conclui que o A obra de Faria näo passou alem de um volume, tendo pro-
sonambulismo provocado näo pode ser devido a imaginagäo.» metido mais dois ou tres (1) . Devia , ao iniciar o seu trabalho,
Faria afirma que o concentradar ou hignatizador näo tem d.;.vidir os assuntas pelos diversos tomos. Muito do que escreveu
fluido ou poder algum especial. 0 concentrado ou o hipnotizado e nebuloso e pouco preciso. Tinha sempre a preocupagäa filos6fica
e o linica agente activo. «Näo se fazem epoptas sempre que se e prendia-se em conjecturas metafisicas e religiosas sem impar-
queira, mas somente quando se encontrem epaptas naturais.» Par tancia e par vezes quase estranhas ao objectivo em vista. Mas
outras palavras: s6 se podem hipnotiz ar as pessaas predispastas assim como no primeiro valume publicado ha muito de aprovei-
a se-lo. tä.vel, assim nos que se lhe seguissem devia respigar-se materia
O concentrador e, para Faria, uma causa meramente ocasional. interessante derivada de uma observaäo persistente e bem orien-
Demonstrou nas suas sessöes que «Criangas padiam adormecer tada. 0 general Noizet, discipulo de Faria, dirigiu em 1820 a
adultos com a simples apresentagäa da mäo». Academia real de Berlim uma Mem6ria sobre o sonambulismo e
Colocou um certa nU:.rnero de epoptas debaixo de uma arvore magnetismo animal, que foi, mais tarde, publicada, em 1854 ( 2) , e
que previamente tinha magnetizado segundo os pracessos de Mes- em que as ideias do mestre säo claramente expostas.
mer e Puysegur. Nada sentiram. Ern seguida levou-os junto de
(1) Dalgado informa que a obra seria dividida em quatro volum es.
(1) :E curioso este trocadilho de significado a prop6sito da palavra (2)M em.oire sur Zes somnambulisme et le magnetisme animal, adresst>
<espectro . en 1820 ä. l'Academie royale de Berlim. Paris, 1854.
0 A.F. -5
66 AS DOUTRINAS DO ABADE FARIA 67
AS DOUTRINAS DO ABADE FARIA

Do renome do padre portugues, da gl6ria e triunf os passados, Noutra passagem do seu livro afirma que a f luidez do sague
s6 ficou este trabalho a recerdä.-ne nes primeiros 50 anes que se contribui näe somente para e sone ser mais profunde, mas amda
seguiram a sua morte. Fei este discipulo o unico que, cem uma para aumentar a receptivid ade hipn6tica. _ .
rara honestidade, faleu da obra do mestre. Embora numa ou neutra passagem da sua ebra expnma op1-
Seguinda-o de perto nas experiencias e na exposiäo das suas niöes vagas, mesmo para essa epeca, sebre a circulagäo do sa_ngue,
deutrinas, escrevendo com uma probidade que o honra, cita sem- e certe que a sua ebservagäa e perf eita. Notara a anem1a na
pre Faria a prop6Slto das doutrinas que defendia. De algumas maier parte dos seus sanämbules; e sangue cem mens hemagl -
delas s6 tomamos cenhecimento atraves da sua expesigäo. A sua bina era, na sua frase, mais fluido do que o sangue rio em glo-
Mem6ria e, em parte, como que um resumo, embora muito sucinto, bulos rubros dos individuas robustos, e que leveu G1lles de la
do que Faria pensava explanar nes volumes que näo vieram a lume. Tourette a dizer que Faria nao andava!enge da verdade desde
Assim teremes de nos socerrer de testemunho insuspeite de que näo se de a sua frase uma interp etagäo_ liteal.
Noizet para fazer uma ideia exacta das causas a que Faria atribuia Este aspecte organicista do hipnotisme nae fo1 reomade por
o hipnetisme. nenhum dos seus continuadores. E parece-nos bem d1gno de sr
Dividia-as em predispanentes, imediatas e ecasionais. considerade por poder trazer aspectes noves a selugäa do compll-
Entre as primeiras, dä. Faria o primeire lugar a fluidez de cado problema. .
Teda esta expasigäo de padre Faria leva-nos amda ae con-
sangue ( 1), mas tambem considera causa predisponente impor- tante
a impressienabilidade psiquica, designagäo vaga, mas que vencimento de que ele sangrou alguns das seus observades. Näo
ainda haje pade transitar em julgado sem oposigäo dos que se de- foi roedico; mas foi, pelo menes, um sangrador. _ _
Pena e que, a prop6sito da exposigäe da doutrma da flmez
dicam a estes assuntos.
do sangue, se emaranhe em complexas hip6tses sobre as _relagoes
Noizet atribui a Faria as seguintes conclusöes tiradas da sua da alma com as diversas partes do orgamsma e parec1das co-
experiencia:
gitagöes. _, .
«Todas as pessoas cujo sono e fä.cil, que transpiram muito e Outro facto pesto em destaque por Faria, e que Ja dev:a ser
que säo muito impressienä.veis, säe ordinariamente susceptiveis do conhecimento dos primitivos magnetizadores, era a particular
de senambulismo.» tendencia das mulheres para a hipnose. .
Faria apartava, portante, uma classe de impressienä.veis aptos Isso mesmo devia radicar no seu espirito a hip6t se. da flmdez
as prä.ticas sonambulicas. do sangue per haver entre elas maier numere de anem1cas.
A fluidez do sangue era, perem, a causa a que ligava maior Tarnbern foi Faria quem pös em evidencia o facto da educa-
importancia e julgava-a fundamentada em factos: cagäo da epaptas. Todos n6s sabemos que e, e eral, mais fäcil
«A experiencia fez-me ver» -diz o padre Faria -«que a hipnotizar as pessoas ja habituadas a _essas praticas., .
extracgäo duma certa quantidade de sangue tornava apoptas em Considera Faria como causa imed1ata do seno luc1do a con-
24 horas pesseas que näe tinham disposigäo algum a anterior (2) .» centrar;;äo dos sentidos, e que ele exprime nestas palavra,s '. ,
«Nae se consegue o sonambulismo quando o esp1nto esta
(1) «La liquidite du sangue». preecupado quer pela agitagäo do sangue, quer por inquietagöes
(2) Abbe de Faria -De la cause du sommeii lucide, 2.a ed. 1919 - eu preocupagöes. »
-Paris, Henri Gouve, edlteur, pä.g. 35.
68 AS DOUTRINAS DO ABADE FARIA AS DOUTRINAS DO ABADE FARIA 69

Ainda hoje todos os que hipnotizam reconhecem o valor desta e muitas vezes caia logo em sono h'.icido. Se näo dava resultado,
indicagäo . repetia a operagäo umas quatro vezes e, no caso de insucesso,
0 abandono de si pr6prio, no desejo de ser hipnotizado, e con- declarava-a refractaria ou ensaiava outros processos ,
digäo a exigir aqueles que näo caiem imediatamente a intimagao Umas vezes, quando nao obtinha o resultado desejado, mos- trava-
clä.ssica: durma! lhes a mäo aberta a distäncia, pedindo que a olhassem
Corno causa ocasional classifica Faria a ordern dada pelos f ixamente; depois aproximava-a lentamente a alguns dedos dos
concentradores, pois para ele, sem haver a causa real, a predisp o- olhos. Por vezes os seus observados entravam em sono lucido.
si-<;äo, o individuo näo cai em sonambulismo . Ainda recorria a um outro metodo: tocava ligeiramente as
Todas estas interpretagöes patenteiam a sua pe r spi ca c i a pessoas nas duas fontes, na raiz do nariz, na regiäo precordial,
analitica. a altura do diafragma, nos dois joelhos ou nos dois pes.
0 seu livro, tirando a parte filos6fica, e ainda hoje um com- «A experiencia demonstrou-me » -diz o padre Faria -«que
pendio de preciosas indicagöes sobre o hipnotismo. E näo se cri- uma ligeira pressäo destas partes provoca sempre uma concen-
tique o padre por tanto divagar sobre teorias mais ou menos tragäo suficiente a abstracgäo <los sentidos. »
nebulosas. Era o produto da sua educagäo teol6gica , Quando entra Ern todos estes processos e a sugestäo que ocupa o primeiro
rnsse campo torna-se excessivamente obscuro; mas esta falta de lugar.
clareza e pecha dos fil6sofos de todas as epocas; como 0 caducarem Juntava-lhe, num ou noutro caso, pressöes com o prop6sito
rapidamente as suas doutrinas, e sestro de todas as filosofias. de lhes prender a atengäo ou auxiliar a sonolencia. Säo praticas
Alem disso era padre e, atraves da sua obra, ha, como dis- ainda hoje usadas, com pequenas variantes.
semos, o desejo de se defender do clero intolerante que o acoimava Faria tinha assim descoberto a sugestäo hipn6tica . Abria
de pactuar com o diabo. novos horizontes. 0 chamado sono magnet ico, a que ele deu a
Ao apreciarmos as experiencias e os factos por ele descobertos, designagäo de 'sono lucido, desembaragava-se de todas as influen-
näo devemos esquecer que as correntes dominantes arrastavam os cias a que o julgavam submetido, para ser um fen6meno natural,
rnagnetizadores para a concepQäo das f or{;as-fluidicas, o que lison- apenas dependente das qualidades do concentrado, cuja classifi-
jeava a sua vaidade tornando-os seres raros e excepcionais. Por cagäo havia de vir a ser feita no campo patol6gico.
isso o padre Faria teve ainda que contar com a oposigäo dos co- E o momento de fazermos justig a a grande rnaioria dos au-
legas. A nova doutrina, francamente demolidora, vinha atingi-los tores franceses contemporäneos, que dao hoje a Faria o lugar
nas suas prosapias e pretendidas virtudes. Eie era categ6rico e que ele merece como criador da doutrina da sugestäo no hipno-
formal: s6 havia a contar com as qualidades dos epoptas, de tismo que todos hoje professamos. Jä. assim näo proced em os au-
nada servindo as pretensas qualidades que atribuiam aos hipno- tores ingleses e americanos, que atribuem a Braid a descoberta
tizadores. Por isso os seus processos de provocar o sono lucido que pertence ao padre portugues.
eram simples. Nem a tina de Mesmer, nem os passes e a acQäo da Braid publicou em 1843 o seu tratado sobre Neury pnologia:
vontade externa de Puysegur e de Deleuze ! Tratado do sonambulismo nervoso e hipn6tico, onde descreve o
Faria sentava comodamente a pessoa que queria adormecer, seu processo de hipnotizagäo por meio de um objecto brilhante
pedia-lhe para fechar os olhos e concentrar a atengao, pensando colocado de 25 a 45 centimetros dos olhos, numa posigäo tal, acirna
que ia dormir. Quando a julgava bem tranquila, dizia-lhe: durma!, da fronte, que a pessoa tenha de f azer 0 maximo esforgo dos rnus-
70 AS DOUTR INAS DO ABADE FARIA AS DOUTRINAS D0 ABADE FARIA 71

culos <los olhos e das palpebras para o fixar. Insiste com 0 obser- e da Salpetriere, que se degladiaram numa arrastada controversia
vad para _que prend a atenQäo ao objecto. «Em pouco tempo » de que todos ainda se recordam.
-d1z Bra1d -«as palpebras fecham-se involuntariamente com A escola da Salpetriere, com Charcot, liga o hipnotismo
movimentos vibrat6rios (1) e cai em sono hipn6tico.» sempre a histeria; a de Nancy, com Liebault, Bernheim e outros
Corno se ve, este processo fisico, como o designa Pitres, em- considera-o um fen6meno fisiol6gico. Nao sabemos se, ainda hoje,
bora o näo seja inteiramente, pois Braid impöe ao observado o a escola de Nancy tem muitos aaeptos; a interpretaäo de Charcot,
fixar a sua atenQäo num objecto, pouco difere do processo da que julgamo s firmada em factos incontroversos, e, por certo, a
mäo, que Faria descrevera e executara trinta anos antes, Mais: mais seguida.
Braid adoptou, por firn, o processo da simples sugestäo, ao co- Faria relacionava mais particularmente o sono lucido com o
mando, tal como o descreveu Faria. sonambulismo natural. Ja em epocas anteriores este tomara um
Inquestionavelm ente, deve-se ao padre portugues a descoberta Iugar especial na interpretagao dos fen6menos psiquicos pelo seu
do processo sugestivo da hipnose. Cabe-lhe ainda a gl6ria de des- aspecto maravilhoso. Basta recordar a cena da Macbeth, de Sha-
crever manobras ffsicas adjuvantes, que depois dele foram em- kespeare, em que o sonambulismo natural e relegado para uma
pregadas com pequenas alteraQÖes. esfera superior a ciencia da epoca. Lady Macbeth fala, dormindo.
Para acordar os seus sonambulos, servia-se Faria do mesmo O medico comenta: «Esta doenQa esta acima da minha arte.»
processo sugestivo. Ä VOZ de «desperte!», OS seus epoptas acor- Nao admira que Faria aproximasse os dois estados. E mais
davarn. Outras vezes passava a mäo diante dos olhos, com o mesmo uma demonstraQao da sua perspicä.cia de observador cuidadoso.
f irn. Braid dava-lhes uma palmada, o que tambem näo foi des- Ultimam ente, em 1910, Babinski veio lanar o pregäo de uma
conhecido do padre portugues. duvida (1) : «Se o hipnotismo constitui bem uma realidade.»
Pode dizer-se com inteira verdade que a pratica hipn6tica estä Num trabalho (2) que publicamos a esse respeito, enfileirämos
hoje onde Faria a deixou. ao lado dos que o consideram como uma realidade insofismävel.
Faria aproxima, no seu trabalho, o sono hipn6tico (sono lu- cido)
do sono natural. Vai mesmo ate a afirmaQäo de que todas I O argumento de que a hipnose pode ser simulada, nada depöe
contra 0 facto em si. Foi uma dessas mistificaöes que levou o
as observaQÖes depöem em favor de serem «o sono lucido e o t padre Faria ao tablado do teatro, numa troa escandalosa. As
doutrinas de Babinski, que alias nao säo inteiramente categ6ricas,
sono natural prof undo uma e a mesma coisa».
Näo mantem constantemente esta maneira de ver. Noutra
} e em que transparece o seu cauteloso espirito analitico, que poucos
passagem da sua obra, escreve: «Ainda que o sono liicido seja excederam no campo da patologia medica, nao criaram adeptos.
uma doenga (como a catalepsia) , todavia e uma doenQa que entra Seria mais uma escola, a negativista, a colocar o lado das orien-
na categoria das que säo inseparäveis da condiQäo humana .» taQÖes da Salpetriere e de Nancy.
Faria, nestas passagens, deambula entre as duas interpreta- Deixemos as teorias de Faria sobre a natureza intima da hi-
göes que mais tarde foram os estandartes das escolas de Nancy pnose. Corno espiritualista, toda a sua doutrina se apoia nas rela-
öes da alma com a materia, Durant e tres longos capitulos , disserta
. (1) Ja Faria_ notara esses movimentos vibrat6rios das palpebras. Noizet
diz, na sua M em6ria: «Un autre caractere qui semble commum ci tous Zes (1) Bemaine med.icale, 27 juillet 1910.
somnambules, est un battement rapide et continu dans les paupieres Zorsque
Zes yeux sont legerement fermes. » (2) Egas Moniz -As novas ideias sobre o hipnotismo -Aspectos me-
Esta observaäo vinha da prätica adquirida nas sessöes da rua Clichy. dico-legais -Lisboa, 1914, pä.g. 16.

L
_t
72 AS DOUTRINAS DO ABADE FARIA

sobre este tema nas bases da filosofia escolä.stica em que se educou


em Roma, e que cultivou pela vida fora. O sono lucido seria «um
estado intermediä.rio entre o homem sensitivo e o puro espirito:..
Este näo se separa inteiramente da materia mas perde alguns con-
tactos. Por isso näo tem a intuiQäo completa, porque, para o padre
Faria, se tal sucedesse, se a alma se libertasse da materia, ela
cdescobriria 0 presente, 0 passado e 0 futuro».
Nota curiosa: generalizando, considera «OS homens de genio
vivendo em estado comparä.vel ao do sonambulismo» .
.Assim, os sonambulos tem, para Faria, uma intuigäo mixta:
as suas previsöes podem ser verdadeiras ou falsas. E o que lhe IX
ensina a observagäo, pondo assim restrigöes a boa-fe de Puysegur,
embora lhe desse certo credito a prop6sito da cura das doengas. A SINTOMATOLOGIA DO SONAMBULISMO
Se Faria tivesse publicado os anunciados volurnes e conti-
nuasse os seus estudos, talvez mesmo estas Ultimas ilusöes se su- Um dos mais importantes assuntos da obra de Faria e o estudo
missem de todo perante a realidade das factos. da sintomatologia do sonambulismo tal como ele a verificou atra-
ves da sua larga experiencia. Trabalho esparso por toao o livro,
carece de ser condensado a firn de fazer ressaltar todo o seu valor.
A prop6sito iremos fazendo referencias a trabalhos posteriores,
de sorte a dar o relevo devido ao que, em primeira mäo, foi des-
crito pelo padre portugues.
Foi Faria, diz Pitres, nas suas Ligö es clinicas sobr e a histeria
e hipnotismo, o primeiro observador que realizou experiencias
precisas sobre as sugestöes hipn6ticas (1). Pitres parece que näo
leu o livro do padre portugues , A primeira ediQäo era muito rara
e a segunda, cuja publicagäo se deve ao esforgo de D. G. Dalgado,
que lhe juntou um bem documentado prefäcio, apareceu cinco anos
depois da obra do mestre bordaies . Por isso firma a sua opiniäo
na Mem6ria do general Noizet, que os leitores ja conhecem, dis-
cipulo entusiasta de Faria ; mas näo chega essa exposiQäo para
dar as opiniöes do nosso compatriota o relevo que merecem .

(1) A. Pitres -Lei;ons clf niques sur l'hysteri e et l'hypnoti sme faites d
l'höpital Saint Andr e de Bordeaux -Ouvrage preced e d'une Lettre -Preface
de M. le Prof esseur J. M. Charcot, Paris 1809, voL II, päg. 114.
74 A SINTOMATOLOGIA DO A SINTOMATOLOGIA DO SONAMBULISMO 75
SONAMBULISMO

«A outros» -conta Noizet -«perguntava se desejavam ver


Se Noizet enumera uma grande parte das suas experiencias, pessoas ausentes. Designada a pessoa, Faria ordenava-lhes que a
esquece outras, e algumas delas muito importantes. vissem e logo eles tinham a impressäo de a terem na sua pre-
0 padre portugues provocava nos sonambulos todas as per- senga. Mais: dizia-lhes para fixarem na mem6ria a imagem dessa
turbagöes motoras que mais tarde foram postas em relevo por pessoa, mesmo depois de acordar, ate que, a um sinal seu, desa-
Charcot. Sugestionava-os a ficarem paralisados de um brago ou de parecesse a ilusäo. Despertavam, e a imagem ficava ate que Faria
uma perna, dos musculos dos olhos, da lingua, etc., e as suas fizesse o sinal convencionado (sugestäo post-hipn6tica) . «Recor-
ordens eram obedecidas. da-me» -acrescenta N oizet -«de ter visto fazer esta experiencia
Pelo mesmo processo sugestivo os restituia a integridade das com um oficial russo desejoso de ver a mulher que tinha ficado
suas fungöes motoras. no seu pais. A ilusäo deu lugar a uma cena de lä.grimas».
Neste campo nada mais se acrescentou, e veremos daqui a Näo enconträ.mos referencias, neste relato, e s6 ao de leve as
pouco, a prop6sito das sugestöes em vigilia, quanto ele se apro- ximou vemos notadas no livro de Faria, as sugestöes auditivas. Bem
dos processos ainda hoje adoptados, com mais ou menos cenario, entendido que umas ha que ele näo podia deixar de notar : as
nas curas imediatas das paralisias histericas. derivadas de ordens dadas aos seus sonambulos. Näo e crivel,
Saindo das perturbagöes motoras para as da esfera sensi- tiva, porem, que Faria deixasse de experimentar a influencia da musica
as suas experiencias näo foram menos concludentes. Noizet pÖe o sobre os hipnotizados, muito sensiveis, em geral, a sua audigäo.
facto em destaque na sua citada Mem6ria. Faria, diz o dis- cipulo, Ja Mesmer se servia da musica para, segundo a sua inter-
fazia experimentar aos seus observados as rnais diversas pretagäo, difundir, com mais facilidade, os imaginä.rios fluidos
sensagöes. Ora tremiam de frio, ora se afogueavam em calor, ora pela assistencia.
as sensagöes se limitavam a uma parte do corpo. Faria näo relata que fizesse ouvir aos seus sonambulo s o ruido
Tambem as experiencias posteriores s6 vieram corroborar o de tiros, dos sinos das torres, de um 6rgäo de catedral; mas se
que ele tinha verificado. näo realizou essas experiencias, outras fez, pois diz em certa pas-
sagem que «Se e certo que OS epoptas podem OUVir O que Se diz,
No campo das sugestöes sensoriais, as suas experiencias f oram
outras vezes ouvem o que se näo diz». Somente passa de leve
concludentes. Assim, perguntava aos seus epoptas, durante o sono,
sobre este assunto.
se desejavam tomar algum refresco ou medicamento e dava-lhes,
0 padre goense notou os fen6menos da variagäo da persoiia-
em seguida, um copo de ä.gua em que eles descobriam o paladar
lidade das hipnotizados. Neste campo, alem da constatagäo do
da substancia indicada, fazendo obedecer as sensagoes gustativas
facto, o seu estudo näo foi täo longe como em outros aspectos
a sua vontade e imposigäo.
sintomatol6gicos .
Oferecia-lhe s rape e em seu lugar obrigava-os a sorver uma Assim, parece näo ter notado os estados hipn6ticos em que
substancia qualquer, ou mesmo a cheirar um liquido inodoro, e os sonambulos comegam por falar na terceira pessoa, ou aqueles
os sonambulos tinham a impressäo da clä.ssica pitada. em que, por sugestäo, se lhes impöe que sejam wna outra indivi-
Sugestionou a um das seus sonambulos que ia cheirar amo- dualidade: um general, uma religiosa, um mendigo, etc. Pelo
niaco e ele näo pöde suportar que lhe aproximasse do nariz um menos näo aparecem estes f actos citados no primeiro volume da
frasco completamente vazio. As sugestoes olfativas foram, pois, sua obra.
postas em evidencia por Faria.
76 A SINTOMATOLOGIA DO A SINTOMATOLOGIA D0 SONAMBULISMO 77
SONAMBULISMO

Marques. Este acreditava nas qualidades profeticas das hipnati-


Hä. tambem outros fen6menos que Faria julgou demonstradas zados como num dogma .
e em que foi induzida em erro. Supös, por exemplo, que os sonäm- A Faria näo escaparam as sugestöes post-hipn6ticas. Näo fez
bulos podiam responder na sua lingua a questöes expostas em wn estudo completo desta sintamatologia, mas marcau-a bem
idiomas estrangeiros. Acrescenta que eles os padiam falar ou, nitidamente.
pela menos, repetir com correcäa frases completas que lhes fos- Assim, refere-se ao sona que pode provocar-se lange «do
sem ditas pela primeira vez. Faria foi iludido. Devemos dizer, em concentrador, a uma hora fixa au a um sinal dada », o que mostra
abona da verdade, que ele julga va estes casos raros e incanstantes. que fez a experiencia de sugestionar o paciente, durante o sono,
O que quer dizer que tais facats deviam produzir-se em pessoas a firn de executar ordens tardias quando acardada.
que f alavam ou tinham alguns conhecimentos dessas linguas.
Na pä.gina 96 citä.mas um autro facto de sugestäo post-hipn6-
Jä. nas referimas a opinfäo de Faria sobre a qualidade, que
tica por ele posta em destaque. Mantinha, ap6s o despertar dos
outros atribuiam aos sonämbulos, de poderem prever o futura ou
seus epoptas, a ilusäo da presenga de pessoas que ali näo estavam
esclarecer situaQöes m6rbidas . Se acreditou nessa fantasia, se
e estes procediam como se estivessem junta deles.
ju lgou, cam o Marques de Puysegur, que eles podiam indicar a
maneira de curar as doenQas pr6prias au alheias, a experiencia Noizet refere-se longamente ao assunta, na sua Mem6ria,
trauxe-lhe a duvida, que exprime da maneira mais categ6rica: «ÜS juntando-lhe factos pr6prios.
epaptas podc:m dizer verdades; mas tambem podem faz er afi rma- Sabre estas sugestöes post-hipn6ticas recairam, mais tarde,
9oes falsas ». as criticas de Richet, Charcat, Fere, Bernheim, Liegeois, Pitres, etc.
Citemos outras passagens näo menos elucidativas: «Aqueles Nem todos estäo de acordo sobre este ponto. Alguns experi-
que esperam encontrar nos seus anuncios uma certeza sem roistura mentadores näo acreditam na sua existencia. Por nossa parte,
de erros embalam-se numa esperanga vä que nunca se realiza». julgama- las comprovadas näo s6 por experiencia de autras, mas
«Hä. certas verdades nos seus anuncias, mas verdades que por factos da nossa observaQäo directa, alias de fä.cil constatagäo.
tem necessidade de serem interpretadas com indulgencia , subme- Näo säo, porem, constantes em todos os sonämbulos nem tem a
tidas a pravas rigarasas, expungidas de erras cam habilidade.» extensäo -na execugao a distancia -que muitos atribuem a esta
«As suas previsöes säo täa vagas que näo oferecem mais da especie de sugestöes. E, como observou o padre partugues, conse-
que prababilidades das acantecimentas, sob condiöes requeridas guem-se mais facilmente nos individuas habituadas as prä.ticas
e ainda sujeitas a erros grasseiras.» sonambUlicas do que nas individuos hipnotizados pela primeira vez.
As hesitaQöes que se deduzem destas frases representam ja Cam estas restrigöes podemas afirmar que estes factos cons-
um grande progresso e mostram a sua alta envergadura de abser- tatados por Faria foram ainda mais uma aquisigäo para a ciencia .
vadar. Faria seguira, a principio, as pisadas de Puysegur, a quem, Liga-se este prabl ema com o da mc:m6ria das sonämbulos.
coma dissemos, dedicou a seu livro. As suas doutrinas eram Faria notou que os hipnotizados recordavam os actas anteriores,
formais a este prap6sita; daminavam inteiramente no campa das passados em outras sessöes de sonambulismo ; mas averiguou que
magnetizadores; eram a justificaQäo filantr6pica das prä.ticas näo conservavam, em geral, ao acordar, nenhwna recordagäo do
sonambulicas. 0 padre portugues foi-se pauco a pauco conven- que se passa durante o sono hipn6tico, desde que se lhes näo
cendo da sua inanidade. S6 näo ousou romper de toda os liames imponha esse mandato.
que o prendi am a convicQäo que trouxe da convivencia com o
78 A SINTOMATOLOGIA DO SONAMBULISMO A SINTOMATOLOGIA DO SONAMBULISMU
79

A escola clässica, e com ela os experimentadores que se lhe mente, nos dias imediatos as sessöes e chamando a atengäo do
seguiram, considera a amnesia do hipnotizado como um facto o)Servado para os factos mais importantes decorridos durante a
inquestionävel. Faria pöe, porem, algumas restrigöes. Assim, diz: lnpnose. Mas devo acentuar que nunca obtive, a näo ser em sonos
«Todas as vezes que se grava na mem6ria dos epoptas o que muito ligeiros, verdadeiros estados pre-hipn6ticos, a confissäo
se passa no sono, eles referem-no ao despertar como um sonho exacta de tudo o que ocorreu durante o sono. O que tenho conse-
que Ihes represent asse uma cena.» guido e a demonstragäo cabal de que alguma coisa permanece na
Ern outra altura do livro, escreve: mem6ria do observado e que revela facilmente por qualquer pro-
«Durante o sono lucido, especialmente quando ele e profundo, cesso habilidoso .
näo se guarda mem6ria de tudo o que se passou.» «Babinski serve-se muitas vezes do seguinte artificio: diz ao
E noutra passagem: hipnotizado a tradugäo de uma palavra da sua Ungua numa lingua
«Üs sonä.mbulos guardam a memona de tudo o que se lhes estrangeira, desconhecida para ele. Ao acordar cita-lhe essa pala- r,
irnpöe durante o sono desde que se chame a sua atenr;äo para que edndo- he o significado, e a experiencia, depois de larga
disso se recordem ao despertar.» E acrescenta: «estas experien- ms1stenc1a, da quase sempre resultado positivo, o que eu tambem
cias, em geral, näo säo positivas com os novos epoptas.» tenho verificado.
Estas transcrigöeös, que denotam um raro poder de obser- «Ern resumo, o hipnotizado näo sofre, durante a hipnose uma
vagäo, cairarn no olvido. Ninguem as foi rebuscar no esquecido amnesia total e completa; mas tambem näo pode fazer um elato
trabalho do padre goense, tanto mais que as escolas onde se p rfe,ito do que se passou durante o sono. Ha uma nubilagäo que
praticava o hipnotismo tinham como facto assente a amnesia nao e total, e aquilo que mais o feriu na imposiäo sugestiva do
hipn6tica, com exclusäo das sugestöes post-hipn6ticas em que, hipnotizador, ou o que mais facilmente pode ser recordado por
ainda assim,nem todos acreditavam. palavras ou actos subsequentes, e, por ele, confessado .»
Babinski retomou a questäo num sentido mais amplo, sinte- Esta doutrina, que vem abalar a velha concepgäo da amnesia
tizando-a nesta pergunta: «Ü hipnotizado esquece, ao acordar, hipn6tica, pelo menos no rigor etimol6gico da expressäo, foi pre-
tudo o que se passou durante o sono?» v1sta pelo padre Faria nas suas investigagöes.
Era um grito de revolta contra a crenga geral, afirmando, Ele notara que alguns hipnotizados, ao despertarem, conti-
em resposta, que o hipnotizado näo esquece completamente os nuavam, por algum tempo, com as sugestöes sensoriais impostas
factos ocorridos durante a hipnose. que, a breve trecho, se desvaneciam. Notau ainda que os factos
«Se lhe sugerirmos» -diz Babinski -«que esquega tudo o que se lhes gravavam na mem6ria persistiam como um sonho. Näo
qw se passou na sessäo hipn6tica, o sonä.mbulo defende-se de lhe ci ceitou sem restrigöes a amnesia total e completa das epoptas, 0
fazer referencias, mesmo que seja interrogado minuciosamente; que concorda com as observaöes de BabinskL Ao menos na maioria
mas, procedendo com perspicacia, a maneira de um habil juiz de dos hipnotizados, desde que se proceda a rigorosas investiga!;Öes,
instrugäo, verifica-se que a amnesia näo foi total.» e especialmente a distancia, pode descobrir-se uma ou outra re-
A este prop6sito escrevemos, em 1914, no nosso trabalho As miniscencia.
novas ideias sobre o hipnotismo: Faria, como meticuloso observador, viu o problema da su-
«Por um Iado, tendo realizado estas investigagöes, verifiquei gestäo sob os mais variados aspectos, procurando os seus efeitos
sei· absolutamente exacto este modo de ver, f azendo-as, especial- näC1 s6 em epoptas adormecidos, mas ainda no estado de vigilia.

L
80 A SINTOMATOLOGIA DO A SINTOMATOLOGIA DO SONAMBULISMO 81
SONAMBULISMO

Eis o seu depoimento:


Todos os efeitos de sugestäo, diz ele, manifestam-se näo so- «Faria conseguira a sua vontade que eu sentisse um tal peso
mente durante o sono lucido, mas tambem nos epoptas acordados, sobre as pä.Ipebras que eu näo podia abri-las. Mas nunca pöde obter
quando tenham sido, pelo menos, uma vez adormecidos. sobre mim mais do que a paralisia das pä.lpebras.»
0 padre Faria, desde que demos ao epopta o significado A pr6pria auto-sugestäo näo foi fen6meno que passasse sem
histerico, como que esboga, em toda a sua vastidäo, a doutrina reparo nas investigagöes e trabalhos do nosso compatriota. Basta,
que mais tarde irradiou da Salpetriere sob o impulso de Charcot e para o provar, que registemos estas concludentes frases:
ate um pouco as novas nogöes de Babinski, que reduziu a histeria «Sera um paradoxo dizer que se pode influir sobre as pr6prias
a um estado psiquico especial (pitiatismo) caracterizado por per- acgöes e que se ignore a sua pr6pria influencia ? Näo, E uma
turbagöes que a sugestäo pode produzir ou fazer desaparecer . verdade de facto, mas pouco notada pelos fisiologistas e pelos
Referindo-se as paralisias provocä.veis nos epoptas que no fil6sofos.
estado de concentragäo ocasional estäo aptos a receber a intuiQäo Corno acabamos de demonstrar, a sintomatologia do hipno-
ou, para nos servirmos da sua definigäo, a anaitriser tout mouve- tismo pouco foi acrescentada em estudos ulteriores, A obra de
ment necessai.re du corps a la volonte du concentrateur, näo s6 as Faria näo se reduz a interpretagäo do magnetismo, que despiu de
obtem no estado do sono lucido, mas ainda as consegue em vi- todo o misterio que o obscurecia; e tambem a observagäo met6dica
gilia naqueles que ja adormeceram pelo menos uma vez, supondo e completa das suas manifestagöes e ate de fen6menos similares
que esta circunstancia torna as pessoas mais aptas a receber a observados em vigilia e mais ou menos em correlagäo com o so-
sugestäo, facto exacto nas condigöes em que operava, näo s6 por nambulismo.
ser ele o hipnotizador, mas ainda pelo seu prestigio pessoal.
Observa que «este exercicio em vigilia näo e, todavia, täo com-
pleto como durante o sono, quer no que respeita a intuigäo, quer
no que se refere ao imperio sobre o movimento do corpo».
Faria insiste em que todas estas praticas se facilitam durante
o sono e que elas «rnais se consolidam pela repetigäo das actos.»
Noizet, que tantas vezes temos citado, diz que Faria executava
sobre sonambulos, quando estavam acordados, e ate sobre outras
pessoas, diferentes experiencias desta natureza.
«Ao seu comando» -escreve o general -«paralisava um
brago, uma perna, os olhos, a boca ou os ouvidos, Esta experiencia
nunca falhava sobre os bons sonambulos.»
E acrescenta= «Chegou a provocar estas paralisias em pessoas
que nunca tinham adormecido.»
Note-se como isto quadra perfeitamente ao que hoje sabemos
sobre a histeria !
Noizet informa que ele pr6prio se submetera as experiencias
de Faria.
0 A.F. - 6
X

PROCESSOS TERAPEUTICOS
E ERROS DE INTERPRETAQÄO

Passando da sintomatologia do sonambulismo as suas apli-


cagoes terapeuticas, podemos ir buscar a prätica de Faria muito
do que se fez em tratamentos sugestivos a sombra do sono hipn6-
tico durante o periodo em que dele se serviram correntemente
na clinica.
Quando iniciämos os nossos estudos neurol6gicos, hä uns 25
anos, ainda ele se praticava diariamente em alguns hospitais que
frequentämos. Mas, a breve trecho, foi abandonado como mais
prejudicial do que util. A psicoteräpia e, mais tarde, a psico-
-anälise de Freud vieram desvendar novos horizontes a terapeu-
tica psiquica . Na histeria, a psicoteräp ia, auxiliada da electrote-
räpia em casos renitentes, da curas quase sempre instantaneas.
No campo das obsessöes e da neurose de ansiedade, por exemplo,
onde o hipnotismo falhou, a psico-anä.lise obtem, por vezes, resul-
tatlos apreciaveis . Por isso a hipnose foi quase relegad a para o
arsenal das terapeuticas obsoletas.
Hä. casos, porem, em que pode ainda ser aproveitada, como,
por exemplo, nas histericas pouco inteligentes, em que a psico-
terapia näo atinge o seu firn ou s6 muito morosamente consegue
influenciä.-las.
84 PROCESSOS TERAP11:UTICOS E ERROS DE INTERPH.ETAQ Aü PROCESSOS TERAP:€UTICOS E ERROS DE INTERPRETAQA.O

Faria, que teve uma experiencia de mais de cinco mil casos, O padre Faria adoptou designagöes que revelam a su: a-
procurou obter resultados terapeuticos e alguns alcanou; mas neira de pensar, ao menos quando comegou as suas conferencias.
caiu em excessos, como daqui a pouco relataremos, por näo con- Sono lucido, epo ptas (iniciados) , säo palavras que o comprometem.
seguir desempoeirar-se, por completo, das ideias dominantes do A principio ele devia pretender ver nos sonambulos qualdades
seu tempo. iguais as que erradamente lhes atribuiu Puysegur. A reflexao e a
Mesmer proclam ava o valor do fluido magnetico como elemento observac;tä.o trouxeram-lhe, anos depois, duvidas, que transparecem
de cura, dispensando-o Iargamente a humanidade enferma. E se e claramente da sua obra.
certo que alguns neuropatas se curaram sob a suposta influencia Concorda ainda que os sonambulos säo admiräv·eis p_elos co-
dessa hipotetica acgäo, outros, a grande maioria dos que frequen- nhecimentos profundes que revelam em todos os ramos do _sab:r
tavam as suas sessöes, ficaram doentes como eram. humano, sem nunca os terem adquirido pelo estudo GU medltac;tao
0 magnetismo conquistara a numerosa clientela que ainda hoje Eles Ieem com os olhos fechados, eles revelam os pensamentos
corre aträs do maravilhoso. estranhos, etc. Mas acrescenta, como ja dissemos, dirigindo-se aos
A seguir a Mesmer, o seu discipulo Puysegur descobre, como credulos sem reservas: aqueles que «esperam encontr'ar nos seus
dissemos, o sonambulismo, a que atribui virtudes ainda mais anuncios uma certeza sem mistura de erros, embalam-se numa
extraordinärias. Convenceu-se de que os hipnotizados eram dota- esperan9a vä que nunca se realiza».
dos de uma lucidez especial que os levava a ver nos 6rgäos ocultos Esta passagem e mais que duvida: e quase um grito de
do pr6prio corpo e nos das outras pessoas as lesöes e desordens revolta. Por isso insistimos mais uma vez em que, se a sua
de que enf ermavam. observaäo fasse mais longa, era provavel que a hesitagä.o se
Acompanhando-os na mesma esteira terapeutica, escreveram transformasse em negativa formal.
Dupotet, Teste, etc. Medicos de valor, como o citado Foissac, para Faria escrevia isto em 1819, e todos os continuador es das
apenas darmos um exemplo, partilhavam da mesma crena, Numa präticas magneticas def enderam durante muitos ao äo_ s6 a
mem6ria que ele dirigiu a Academia de Medicina, em 1825, es- teoria dos fluidos mas a doutrina da absoluta clariv1denc1a dos
crevia estas palavras: sonambulos, da vracidade das suas profecias, do seu mister ioso
«Colocand o sucessivamente a mäo sobre a cabea, o peito e o engenho medico.
abd6men de um desconhecido, os meus sonambulo s descobrem A obra do padre portugues caira, em risos e troga s, no tablado
logu as doenas, as dores e as diversas alteragöes que ocasionam. do teatro das Varietes. Ninguem o lera, ninguem estudara as suas
Indicam, alem disso, se a cura e possivel, f äcil ou afastada, e hesitagöes nos pontos mais delicados, ninguem apreciara as uas
qmds os meios que devem ser empregados para atingir este resul- precisas observagoes, que marcaram os limites exactos da smto-
tado pela via mais pronta e mais segura. Neste exame eles nunca matologia da hipnose.
se afastam dos bon s principios medicos e as suas inspiraoes Vem agora a prop6sito perguntar: porque dominaram por
possuem o genio que animava Hip6crates.»
tanto tempo estes preconceitos?
Deleuze näo e menos concludente . . E que estas ideias absurdas tinham um f undo de verdae.
Se assim escreviam medicos ilustres, näo seria Nem de outra maneira se concebe que elas perdurassem por tao
extraordinario qu os leigos se deixassem vencer pela corrente largo periodo. Sä.o, como diz Pitres, a interpr etagäo errada de
dominante,
86 PROCESSOS TERAPEUTICOS E ERROS DE INTER PRETAQ.AO PROCESSOS TERAP:t!JUTICOS E ERROS DE INTERPRETA<;.AO 87

factos reais, de que e fäcil compreender hoje 0 verdadeiro signi- Os casos que mais impressionaram os antigos magnetiz adores
ficado. estäo todos ligados a histeria. Nem vale a pena exuma-los do me-
Apreciemos, de perto, alguns fen6menos que nessa epoca recido esquecimento em que os deixaram os patologistas modernos,
foram considerados como atingindo os limites do sobrenatural. para quem esta neurose se apresenta hoje sob um aspecto inteira-
Assim, a chamada dupla-vista magnetica, que foi o facto cul- mente diverso do que tinha nessa epoca e sem a importancia
minante da .ilusäo da lucidez sonambulica, e apenas a consequencia excessiva que lhe deu Charcot.
de alucinagöeös sugeridas. Por isso, se dissermos a um hipnotizado Babinski conseguiu reduzi-la, como ja dissemos, a justas pro-
que estä numa igreja, ele coloca-se dentro dum templo do seu porgöes. Os que nao caminham nas äguas do emerito neurologist a,
conhecimento. Näo faz uma abstracgäo: sente-se em Iugar conhe- ou se afastam apenas em gradaQöes do valor dado a sugestäo, ou
cido, de que descreve todas as particularidades: os altares, os pensam em lesöes anat6micas. A admitirem-se estas, tem de con-
larnpadärios, as imagens, os azulejos, etc. Exterioriza a alucinagäo siderar-se bem fugazes e variäveis, pois säo quase sempre efämeras
sugerida muito sinceramente, tal como a ve. as suas exteriorizaQöes mais ruidosas e rnais graves. Alem disso,
desenvolvem-se nos departamentos mais diversos da vida organica
Mas se dissermos a um sonämbulo que ele se encontra numa
e psiquica, devendo portanto ter as mais variadas localizagöes.
rua de Constantinopla, onde nunca esteve, descreve-a com as cores
que lhe da uma representagäo sensorial alucinat6ria que se repre- Um outro grupo de fen6menos que podemos designar de pre-
senta atraves dos conhecimentos anteriormente adquiridos. Por visöes exteriores, a que todos os magnetizadores deram um credito
menos nogöes que tenha dos costumes turcos e da vida oriental, exagerado, s6 o aceitou Faria, como dissemos, com grandes res-
ele descreverä como estäo vestidas as pessoas nas ruas, se ha trigöes. Era a doutrina, especialmente proclamada por Puysegur,
igrejas ou mesquitas, aproveitando o que sabe a tal respeito. Mas dos sonambulos poderem descrever, com uma certeza surpr een-
se o hipnotizado desce a maiores minucias, fala de acontecimentos dente, as doengas das pessoas que os cercavam, indicando o tra-
que nunca existiram, deslocando-os de outras reminiscencias alte- tamento e anunciando as crises. Por vezes algumas destas per-
rando-os mesmo. 0 observador pouco prevenido pode supor 'que o turbagöes se produziam , Eram ainda a consequencia de sugestöes
hipnotizado ve efectivamente o que descreve. Dai a crenga da impostas inconscientemente .
dupla visäo. Por um mecanismo anä.logo, os medicamentos receitados pelos
A chamada intuigäo, que daria aos sonambulos a faculdade sonambulos conseguiam resultatlos inesperados. Este instinto dos
epoptas, que o pr6prio padre Faria admitiu, embora sem lhe dar
de poderem ver os 6rgäos internos e descobrir-lhes as lesöes, per-
tence ainda a serie das alucinagöes sugeridas. Se dissermos a um foros de inf alibilidade, como lhe concederam os seus antecessores
hipnotizado que observe, que veja o seu estömago, descrevera e muitos dos continuadores, näo passava ainda de um fen6meno
este 6rgäo, näo como o ve na realidade, mas tal como imagina que de sugestäo operado pelos sonambulos sobre certos neur6ticos.
ele deve ser, ou antes tal como a alucinagäo provocada lho mostra E por um mecanismo identico, como nota Pitres, que se curam
em imagem. alguns histericos «com pilulas de mica pan is ou com a agua de
A previsäo interior, isto e, a faculdade que teriam OS sonam- Lourdes».
bulos de prever as crises das doengas, e ainda a consequencia de O padre goense sentiu-se dominado pelos sucessos alcangados
sugestöes inconscientes sobre que eles firmam as suas divagagöes e embora, como vai ver-se, os fizesse depender de acgöes suges-
alucinat6rias. tivas, caiu em excessos dando algum credito a clarividencia dos
88 PROCESSOS TERAPli:UTICOS E ERROS DE INTERPRE'l AQAO PROCESSOS TERAPEUTICOS E ERROS DE INTERPRETAQAO 89

epoptas e exagerando o valor das suas indicagöes terapeuticas . A doena de que se trata e sempre a mesma, a histeria; e, em
«Eu vi » -dizo general Noizet -«em casa da padre Faria vigilia, obteve o padre Faria parecidos resultatlos, como aträ.s
varios doentes ordenarem a Si pr6prios tratamentos, seguirem-nos dissemos.
e curarem-se. Um deles, M. B.... capitäo de cavalaria, tinha sido Andou ele em torno da verdade. Por vezes surpreendeu-a em
condenado por varios medicos, que 0 diziam atacado de uma ulcera acertos que ainda hoje säo de perfeita actualidade; mas resvalou
no pulmäo. Vi-o muito doente. Seguiu um tratamento que ele de quando em vez nos prejuizos do seu tempo.
pr6prio tinha prescrito e, em menos de tres semanas, ficou curado». Exagerou, por exemplo, o resultado das sugestöes medica-
Corno se deduz desta exposigäo, era ainda a acgäo sugestiva mentosas.
que dava aos medicamentos, por certo inofensivos, todo o valor e «Assim» -diz Faria -«um copo de agua tomada na ideia
pod er curativo. de ser um purgativo provoca os mesmos resultatlos como se o
Faria conhecia estes efeitos. Expöe-nos de uma maneira clara fora ; na ideia de um emetico, determina vomitos sem esforo e
e positiva: sem sofrimento.»
«Muitas vezes, diz ele, simples indiferentes, mas tomados com Ora nem sempre se alcangam tais resultatlos.
confiana, produzem efeitos mais salutares do que simples reco- Vem aqui a prop6sito dizer que foi Faria o primeiro que reco-
nhecidos como sendo os mais eficazes. » nheceu a importancia do sonambulismo nas operaöes cirlirgicas.
E acrescenta, precisando ainda mais a sua doutrina:
<i::Alguns epoptas» -diz ele -«säo inacessiveis as mais li-
«E que a convicgäo intima, que cria a mais alta conf ianga,
regula os sucos internos, em virtude da grande fluidez do sangue, geiras sensagöes nas graves incisöes, feridas e amputagöes (1) .
Mas estes defeitos tornam-se gerais e comuns a todos os epoptas
do que todos os meios farmaceuticos . E o imperio da natureza
desde que se tarne a preocupagäo de paralisar o membro ou a
individual quando a maquina esta disposta a obedecer-lhe sem
parte do corpo que vai ser sujeita a uma operagäo dolorosa. Esta
resistencia (1) .))
medida torna-os inteiramente insensiveis e afasta-os, por vezes,
Vai, porem, longe de mais e chega ao exagero, defendido pelos
depois de despertarem, da ideia da operagäo sofrida.»
magnetizadores do seu tempo, quando diz que «nenhum epopta,
por rnais grave que seja a sua doena, tem precisäo de medica- Ha verdade nesta doutrina. Infelizmente näo pöde generali-
mentos ou receitas». Basta que ele prescreva a si pr6prio, quer zar-se a pratica. Daqui a pouco voltaremos ao assunto.
dura.nte o sono, quer nas suas «disposi öes para o sono», tudo o Pelo que respeita a sugestöes post-hipn6ticas e mesmo no
que e necessario ao seu restabelecimento. estado de vigilia, ja dissemos o bastante para se concluir qu.:l Faria
0 padre deixara-se deslumbrar por alguns resultatlos obtidos as notou e aproveitou. Umas e outras se podem orientar num
e fez uma falsa generalizaäo. sentido terapeutico.
0 hipnotismo pode, como dissemos, servir de elemento tera- A psicoterapia assenta sobre a base da sugestäo em vjgilia e
peutico por colocar o individuo em condiöes de bem receber as todos sabem, quando bem praticada, os beneficios que traz aos
sugestöes impostas. Faria define-o numa frase perfeita: doentes.
«A urna unica palavra» -escreve ele -«podem tornar-se
doentes os epoptas sadios e tornar-se sadios os epoptas doentes.» (1) :g possivel que alguma opera!<äo ou tentativa operat6ria se fizesse
nessa epoca, tal e a certeza desta afirma!<äO. Mas nada pudemos averiguar,
(1) Obra citada, pag. 276. de positlvo, sobr-e o assunto.
90 PROCESSOS TERAP1':UTICOS E ERROS DE PROCESSOS TERAP:E:UTICOS E ERROS DE INTERPRETAQAO 91
INTERPRETAQAO

caiu em sono e, desde entäo, bastava ouvir-nos a voz, mesmo


Faria näo deixa de reconhecer alguns inconvenientes ao so-
quando estava na sala-de-espera, para ficar a dormir.
nambulismo. Assim, observa:
As hipnotizagoes repetidas tambem conseguem exagerar de
«Dizer que o magnetismo s6 produz bem-estar e um aforismo tal forma a sugestionabilidade no estado de vigilia que esta se
imprudente; com as melhores intenQÖes podem produzir-se con- torna inconveniente. Pode mesmo afirmar-se que, tratando-se da g-
sequencias funestas.» rande hietsria, se produz, em geral, um agravamento do mal. Näo
Faria nao enumera os maleficios, mas reconhece-os. poucas vezes os ataques aparecem em seguida as primeiras pra
Inquestionavelmente o hipnotisrno näo e indiferente e, embora ticas hipn6ticas.
se possa aceitar a doutrina corrente de um ecletismo razoavel Faria e, antes dele, outros magnetizadores, com Mesmer a
entre as opiniöes extremistas daqueles que o consideram causa frente, notaram (1) as crises convulsivas.
de grandes males e dos que o classificam de inteiramente inofen- Fazer da hipnose um objecto de distracgäo e um erro grave.
sivo, a opiniäo de que «näo e isento de perigos» tem ainda hoje As sessöes publicas de hipnotismo sao sempre prejudiciais . Par
toda a actualidade. isso näo säo permitidas na grande maioria dos paises.
As praticas hipn6ticas säo quase sempre inofensivas quando Ern Portugal foram proibidas por portaria de 11 de Abril
dirigidas por medicos experimentados e quando aplicadas a indi- de 1890, de Jose Luciano de Castro. Contudo, ainda ha pouco pre-
viduos sem taras neuropaticas acentuadas, Sendo, porem, levadas senciamos alguns desses espectäculos que, com muita pr estidigi-
taäo a mistura, näo deixaram de impressionar e exaltar alguns
a efeito por pessoas imprudentes e desconhecedoras dos mais
neuropatas na sua natural tendencia para o maravilhoso.
rudimentares preceitos da neuropatologia, o hipnotismo pode trazer
Conta Charcot que, em 1887, um m agnetizador de profissäo
inconveniente.
deu um espectaculo no teatro da pequena cidade de Chaumont-
Sobretudo näo e recomendavel como distracgäo ou diverti- -en-Bassigny que emocionou prof undamente a popula äo, deter-
mento. Muito se abusou dele hä. uns anos atras. Felizmente que a minou alguns acidentes nervosos e provocou especialmente uma
moda passou e ate nas clinicas, como dissemos, se preferem outros especie de mania hipn6tica que atingiu os colegios da cidade, onde
processos sugestivos. se deram cenas menos edificantes.
Sem querermos enumerar os inconvenientes da hipnose, basta Faria devia ter observado estes ou parecidos inconvenientes
lembrar que a sua pratica repetida pode levar a graves desordens para os salientar na frase citada.
psiquicas. Em pessoas impressionaveis e, portanto, predispostas, Sob o aspecto medico-legal da hipnose ,nada se encontra na
podem surgir perturba öes em seguida ao primeiro sono ou mesmo obra de Faria. 0 assunto estä. hoje relegado para um plano muito
depois de assistirem a uma sessäo de hipnotismo. secundärio, pois e opiniäo geral que os hipnotizados s6 obedecem
Um acidente verificado em pessoas muitas vezes sujeitas ao as sugestöes que näo brigam prof undamente com os seus prin-
sonambulismo provocado, e uma täo forte exacerbaäo da sensi- cipios morais, oferecendo uma resistencia invencivel a realizaäo
bilidade as manobras hipnog enicas que basta uma palavra, um de actos que os ofendem. Embora seja questäo ainda hoje debatida,
gesto, um olhar, para adormecerem bruscamente. Recorda-nos ter de ha muito firmä.mos a nossa opiniäo no sentido apresentado (2) .
examinado uma senhora que veio a nossa consulta por acidentes
(1) Vide cap. II, pä.g. 20.
histericos de certa importäncia. Tinham procurado curä.-la pela
( 2) Egas Moniz -As novas ideias sobre o hipnotismp, Llsboa, 1914.
hipnose, que lhe praticavam diariamente. Durante a sua exposigäo
92 PROCESSOS TERAP:l!:UTICOS E ERROS DE INTERPRETAQA.O

Os trabalhos dos magnetizadores que se seguiram a Faria


tambem näo abordam claramente o assunto.
Podiamos aproximar do simbolismo dos sonhos, de Freud,
algumas passagens da obra do celebre hipnotizador, visto ele
colocar, por vezes, o sonambulismo ao lado do sono natural, en-
trando em conta com os sonhos, tudo derivando, segundo a sua
interpretagäo, de gradagoes do sono mais ou menos profundo. Näo
nos deteremos nesta passagem que, alias, nos levaria longe.
0 que anunciämos e provämos a. luz das citagües feitas e ja
bastante eloquente para por em relevo a sua personalidade no
campo medico, como o primeiro e mais completo interprete do XI
hipnotismo.
Os seus erros, que pusemos em relevo com a mesma impar- 0 HIPNOTISMO APöS A MORTE DE FARIA
cialidade critica com que comentamos as suas assergöes verda-
deiras, säo, em grande parte, justificäveis. Mas, que o näo sejam, No ano imediato a morte de Faria, em 1820, o magnetismo
ainda a sua individualidade cientifica merece o nosso respeito pelo ultrapassa, pela primeira vez, a porta de um hospital. Husson abre-
muito que fez em prol da verdade. lhe o seu servigo no Hotel Dieu, de Paris. Pouco depois Rostan e
Georget repetem sobre os doentes da Salpetriere as experiencias
que o baräo Dupolet realizara no Hotel Dieu e que Bertrand,
antigo aluno da Escola Politecnica, vulgarizara em cursos
publicos. Ern torno do magnetismo continuava a mesma atmosfera
de maravilhoso que tinha ensombrado os seus primeiros passos
desviando-o do caminho cientifico que s6 mais tarde lhe foi
definitivamente tragado.
Os fen6menos näo foram vistos com placidez, no prop6sito de
chegar a uma rigorosa constatagäo de factos, o que, salvo pequenos
exageros, Faria tinha conseguido. Os seus continuadores, apesar
de mooicos, näo estudaram os sintomas do sonambulismo como
os de qualquer doenga, pelo que foram arrastados para investiga-
göes despropositadas, caindo em erros :por auto-sugestäo ou dedu-
zidos de conscientes ou involuntärias fraudes dos sonä.mbulos.
E assim comeQam a pretender verificar a transposigäo dos sen-
tidos, a dupla vista, a presciencia e o chamado poder profätico
dos hipnotizados. Espalhou-se a noticia pelo Hospital, passou ao
conhecimento do Conselho Geral dos Hospicios que, mal impres-
94 O HIPNOTISMO APOS A MORTE DE FARIA 0 HIPNOTISMO APOS A MORTE DE FARIA 91:>

sionado com tal orientagäo, proibiu, honra lhe seja, a continuagäo . Faria, na descrigäo das processos da hipnose, coloca-se, como
das experiencias . . vimos, dentro desta doutrina, que quinze anos depois pretendem
A Academia de Medicina e a Academia das Ciencias de Paris apresentar como novidade.
voltaram, em 1825, a ser assediadas pela questäo da magnetism . «Ern certos individuos» -continua o relat6rio -«Os efeitos
O nosso conhecido dr. Foissac dirigiu-lhe uma nota, de que Ja säo insignificantes, fugazes, e bastaria para os explicar reporta-los
transcrevemos uma parte, em que se mostra dominado pelo as- a imaginagäo; noutros, operam-se nas percepgöes e faculdades mu-
pecto inexacto e rnaravilhoso do sonambulisrno. .. . dangas mais ou menos notaveis.»
Ern face desta exposigäo, a Academia de Med1cma de Paris, Faria foi mais claro e explfcito. Näo s6 definiu o sonambu-
apegando-se a doutrina do seu relat6rio de 1784, a que fizemos lismo pelos sintomas observados, da maneira mais perfeita e com-
referencia noutra passagem deste trabalho, näo lhe deu resposta pleta, inas constatou que havia individuos näo susceptiveis de
alguma. . entrar em sonambulismo mesmo fugaz e passageiro, 0 que cor-
A Academia das Ciencias procedeu rna1s generosarnente. responde a realidade das factos.
Cuvier, em seu nome, acusou a recepgäo, mas näo deu andamento Enquanto dura o sonambulismo, diz ainda o relator, os
a exposigäo apresentada. . . . magnetizados säo insensiveis aos ruidos, a luz, ao cheiro e as
Foissac näo desanimou e, meses depois, voltou a ms1sbr, pe- excitagöes da pele e mucosas. Enfim uma das sonämbulas foi
dindo que recomegasse o exame do magn,etimo aima. E 28 submetida a uma dolorosa operagäo de cirurgia sem que a mimica,
de Fevereiro de 1826 foi o assunto posto a d1scussao, d1vergmo o pulso e a respiragäo denotassem a. menor emogäo.
as opini6es . Depois de um acalorado debate, ecidiu-se a nomeagao Faz-se alusäo a ablagäo de um cancro do seio, praticada em
de uma comissäo que o estudasse. Dela flzeram parte Leroux, 1829 pelo cirurgiäo Cloquet, que a pöde levar a termo sem reacgäo
Double, Bourdois, Magendie, Guersant, Laennec, Tillaye, rc dolorosa por parte da doente.
Fourquier, Gueneau de Mussy, Itard e :S:ssn, aquele ed1co Esta analgesia sonambulica tinha ja sido posta em evidencia
que abriu as portas da Hotel Dieu as expenenrns sonambulic_as e pelo padre portugues, como demonstramos a face do texto da
que foi escolhido para relator. S6 e 1 31, cmco no_s depo1s, o sua obra.
relat6rio foi apresentado; mas a ma10na das com1ssonados re- Outro facto a que o relat6rio da importäncia e que Faria
jeitou a sua doutrina e conclusöes, recusando-lhe mesmAo as hoas tinha descrito com precisäo, e ate com restrigöes que pusemos
de impressäo. Alguns das seus trinta paragrafos contem doutna em destaque, refere-se a mem6ria dos hipnotizados, Os sonäm-
exacta mas outros sobem as regiöes da mais exaltada fantas1a. bulos conservariam as faculdades que possuem em estado de vi-
Etre os primeiros repetem-se algumas das esquecidas dou- trinas gilia. A sua mem6ria seria ate mais fiel e mais extensa, pois
de Faria. Assim conclui o relat6rio que as fricgöes, gestos e recordariam o que se passou durante todo o tempo da hipnose e
passes näo säo sempre necessarios a produgäo do sonambulimo. todas as vezes que entraram ern sonambulismo. Ao despertar,
Faria tinha-o reconhecido e P.roclamado na sua obra amda porem, continua o relator, esqueceriam por completo os factos
com maior precisäo. decorridos no estado sonambulico, para nunca mais deles se re-
«A vontade e a fixidez do olhar» -diz o relator -«chegam cordarem.
muitas vezes a produzir o sonambulismo depois de um tempo va- Ao lado destas constatagöes, o relat6rio, indo muito alem da
riavel, que vai de um rninuto a uma meia hora.» que afirma Faria, que, como fizemos notar, em varias passagens

1.
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96 0 lilPNOTISMO APOS A MORTE DE FARIA 0 HIPNOTISMQ APOS A MORTE DE FARIA


97

da sua abra pöe restriQöes as previsöes das sanambulas, dizendo qualquer näo o vendo nem o tocando . Na-o faltaram pretenden-
que «Se eles dizem verdades », tambem caiem em erras, insiste nas tes; mas e inutil dizer que ninguem conseguiu ganhar 0 premio
seguintes conclusöes: os sanambulos padem ler atraves das carpos prometido.
opacas, prever acontecimentos futuros, descobrir a sede das doen- A .Academi das Ciencias obtinha um triunfo; mas exagerando
Qas e indicar os remedios que lhes säo necessärios. e segmndo as p1sadas da sua congenere de Medicina, decidiu, em
Foi devida a estas afirmaQÖes que a camissäo se pös em defesa, 1 de Outubro de 1840, que nunca mais respond eria as comuni-
näa admitindo sequer a canclusäo geral de Husson, gue bem poderia cagöes relativas a tal assunto.
ser considerada : «A Academia deveria encorajar as investigagoes A obra de Faria, que ninguem citara nestas contendas tinha
sobre o mag:o.etismo como um ramo muita curioso da filosofia e ffoado ignorada ou foi propositadamente esquecida. '
da hist6ria natural.» Nessa epoca, ao mesmo tempo que a Academia de Ciencias
Pouco depois, em 14 de Fevereira de 1837, um outro magneti- de aris lanQava o seu anätema sobre as experiencias da sonam-
zador, a dr. Berna, pös a disposigäo da Academia dais individuos bu11sm,. um modes.t_o rätico .de Manchester, o dr. Braid, inicia
em que era fäcil provocar a sonambulismo e que considerava em uma ser1e de exper1encias ma1s ou menos identicas as realizadas
excelentes condi<;öes para o prosseguimento do estudo da magne- par Fara, levantando de novo a questäo e marcando-lhe 0 Iugar
tisma. Uma nava comissäo foi nameada. que dev1a ocupar no campo cientifico.
Dubais (d'Amiens) , um dos medicas incumbidas de seguir . A obra de Braid e a reproduQäo da de Faria, salvo pequenas
as experiencias, declarou em seu nome que elas näa tinham for- d1ferengas, que convem assinalar. Braid tambem näo era claro na
necido resultados perempt6rias e que o hipnatisma näo passa de exposigäo. Sofreu-lhe portanto as consequencias: a sua obra per-
uma quimera. Dubais insistiu na verificagaa das factas que se maneceu esquecida durante uns vinte anos. Depois foi elevada a
ref eriam a cura das doengas, a dupla visäa, etc., e cama eram uma altura imerecida e o 1Yraidismo proclamado como a doutrina
pura fantasia, cancluiu que todas os outras fen6menos referentes da sugestäo na hipnose.
aa sonambulisma eram igualmente falsos. Nada mais injusto, e ainda bem que os autores franceses
Hussen, sempre apegado as suas doutrinas, contestou as con- desse tempo, aceitando embora na sua maioria a designagäo re-
clusöes de Dubais, mas a Academia adoptou-as sem discussäo . cordaram pela primeira vez o nome do padre portugues. '
0 assunto continuava a interessar o publico e as decisöes da
Liebault, um dos mais altos representant es da escola de
Academia eram ob ecto de crfficas mais ou menos apaixonadas . Nancy, foi mais lange, criando a palavra f ariisme para substituir
Os f actos que uns negavam e outros apregoavam como certos, e a de 1Yraidisme. Merece o nosso respeito este rasgo de imparciali-
que pairavam na dominio do profetismo, eram a grande preocupa- dade, este preito de justiga . Born e que o neologismo se näo es-
Qäo dos que ao tempo se dedicavam a estes estudos. Tudo aquilo qega _e que ele subsista, significando a doutrina da 'sugestao no
que se referia ao sonambulismo na sua sintomatologia real pas- h1nohsmo, que Faria proclamau muito antes de Braid . Ja Brown-
sara a um segundo plano. Derrubado o maravilhoso atribuido ao -Sequard o notara , citando-lhe o nome no prefäcio da tradugäo da
sono hipn6tico, tudo o mais caia com ele. Eram aspectos secun- Neurypnologia de Braid.
därios sabre que ninguem insistia. Foi assim que, em 1840, Burdin E nem se diga que Faria se prendeu por vezes ao maravi-
aine, membro da Academia decidiu entregar do seu bolso 3000 Iosa. Quanta esforgo, talento, videncia e cuidadosa observagäo
francos a quem em sono hipn6tico conseguisse ler um escrito nao representa a luta que ele empenhou contra as ideias correntes
0 A.F.-7
98 0 HIPNOTISMO APOS A MORTE DE FARIA O HIPNOTISMO APOS A MORTE DE FARIA 99

do seu tempo, restringindo e lanQando a duvida sobre o valor hipnotismo. A primeira comeQa com Paracelso, ern 1529, e terrnina
profätico, presciencia e dupla visäo dos seus epoptas ! Näo teve a em 1513 com os trabalhos do padre Faria; a segunda comeQa com
1
audacia de uma renuncia completa ; mas marcou decididamente a o padre Faria e näo parece que venha a terrninar täo cedo () .»
sua posiQao de desconfianQa perante o atributo de iluminados Se nos socorrermos, neste estudo, de continuadas citaQöes, e
concedido aos sonambulos. Corno insistentemente pusemos em re- para que se näo diga que um exagerado patriotismo nos leva a
levo, Faria fez uma. marcada evoluQäo neste sentido desde as conclusöes ern excesso f avoraveis ao padre portugues. Säo estran-
primeiras experiencias ate a epoca em que publicou 0 seu livro. geiros que connosco tem procurado reabilitar o nome do esquecido
Depois dele medicos de nome incorreram em bem maiores culpas, hipnotizador, que no advento do seculo passado proclamou dou-
fazendo do maravilhoso a sintomatologia fundamental da hipnose. trinas que ainda hoje, na sua parte essencial, säo adrnitidas por
As ideias dominantes quando passam a categoria de verdades todos os neurologistas .
incontestaveis -e entre os magnetizadores do alvorecer do se- Ern 1860 a questäo do hipnotisrno e de novo levantada pelo
culo XIX corriam como averiguadas muitas inexactidöes -carecem professor Azam, As experiencias de Braid, que tinham sido divul-
de demolidores geniais. Faria deitou a terra a teoria do fluido gadas ern Franga, onde a obra de Faria havia sido esqu cida, foram
magnetico. Por isso concitou contra si a oposiQäo daqueles que se conf irrnadas pelo insigne professor . Dirigiu-as no sentldo de obter
julgavam portadores de forQas misteriosas que s6 eles possuiam, a anestesia ciriirgica. Procurou encontrar um metodo susceptivel
que s6 eles podiam manejar, tirando os proveitos perante a clien- de substituir a cloroformizaQäo, ja ao tempo em voga. Velpeau,
tela sempre crente e submissa. Broca, Follin, Verneuil, Dernarquay e Girot-Teulon, Gigot-Suad,
Proclamou uma doutrina nova, fez a descriQäo minuciosa da Philips, interessaram-se pelo assunto,mas a.cab,aam por reunc1ar
sintomatologia observada; e s6 resvalou, embora com reservas, as esperangas concebidas, pois o sono h1pnotico, produzmdo a
no campo do misterioso. anestesia necessaria (fase sonambUlica), s6 se provoca em raros
0 medico ingles, com uma cultura especializada, escrevendo individuos.
muito mais tarde, tambem näo conseguiu fugir a essas influencias. Contudo, algumas operagöes ciriirgicas puderam ser praticadas
Somente as dirigiu noutro sentido. Com efeito, Braid pretendeu em hipnotizados, em diverses serviQOS hospitalares, o que charnou
demonstrar pelo hipnotismo a exactidäo das teorias de Gall sobre definitivamente a atenQäo de todos os medicos para o assunto.
as localizaQöes funcionais do encefalo ! Mesmo neste campo, Faria Aparecem entäo os trabalhos de Mesnet sobre o sonambulismo
e Braid podem ser acusados da mesma pecha: ambos decairam patol6gico, o livro de Liebault (de Nancy) acerca do sono e dos
em considerar o hipnotismo capaz de desvendar segredos que estados anä.logos, o artigo de Mathias Duval a propösito do hipno-
nunca poderia decifrar. tismo e a rnem6ria do celebre fisiologista Charles Richet sobre o
Ern resumo, o fariism o veio substituir o mesmerismo. sonambulismo provocado. Alem destes, säo dignos de nota, menos
0 br'aidismo, näo sendo mais do que as doutrinas do padre como indicaQäo bibliogrä.fica, de que damos uma resenha no final
portugues, näo tem razäo de subsistir sob essa designaQäo. 0 seu da obra, do que como documentaQäo do interesse que o hipnotisrno
a seu dono.
0 medico Crocq, de Bruxelas, coloca a questäo nos devidos (1) Consulte-se sobre este assunto um artigo de ,D. G. J?algado: Bra-
termos: -«A histöria cientifica do hipnotismo divide-se em dois disme et fariisme ou la doctrine du Docteur B'.and :rnrl hypnotisme co;npar ee
avec celle de l'Abbe de Faria sur le sommeil lttcide, na Revue de 1hy pno -
periodos bem distintos: a era do magnetismo anirnal e a era do tisme, de 1907 e publicado em separata, Paris, Bonvalot-Jouve, 1907.

L
100 0 HIPNOTISMO APöS A MORTE DE FARIA

0 HIPNOTISMO APOS A MORTE DE FARIA 101


comeQava a despertar, os trabalhos de Lasegue, Maury, Poin-
carre, Baillif, Pau de Saint-Martin, Czermak, Preyer, Carpen- tier,
Svetlin, etc. Talvez ainda haja alguns medicos que defendam os principios
da escola de Nancy. A maioria, porem, enfileira ao lado das dou-
Apesar de todos estes estudos, o hipnotismo ainda nao ins-
trinas de Charcot, näo separando a histeria da hipnose. Julgamos
pirava confianQa.
inutil discutir o assunto que, alias, nos afastaria do ponto que
Corno bem faz notar 0 professor Pitres, OS medicos receavam temos em vista.
comprometer-se ou ridicularizar-se ocupando-se da questao ; os Fechamos por aqui a nossa resenha hist6rica sobre o hipno-
fisiologistas nao ousavam pronunciar-se; ninguem sabia, ao certo, tismo, onde avulta a figura inconf undivel do padre Faria.
o que devia pensar-se do assunto. As prä.ticas sonambulicas passaram; mas a doutrina perma- nece
:E entao que surge, na Alemanha, Heindenhein (1880) que, com a constataao dos factos que o padre portugues foi o primeiro
tendo assistido as representaQÖes do magnetizador Hansen, ficou a abranger em toda a sua complexidade.
convencido de que nem tudo era falso nas suas experiencias. Re-
petiu-as em seguida no seu laborat6rio em pessoas de boa-fe e
reconheceu a realidade dum certo nfunero de fen6menos sensitivos,
rnusculares e psiquicos, de que deu conta numa brochura que
ficou celebre e teve uma larga repercussao.
Mas mais ainda do que Heidenhein foi decisiva a influencia de
Charcot, que charnou a si o estudo da hipnose , Dirigiram-no nesse
sentido as investigaöes sobre a histeria, as suas perturbaQOeS
psiquicas, as alucinaQÖes, os fen6menos do sonambulismo espon-
tä.neo e, por fim, a hipnose experimental. Determinou os sintomas
somäticos das estados complexos, que denominou letargia, cata-
lepsia e sonambulismo . A sua monograifa sobre o assunto (1882)
e os trabalhos, por ele inspirados, de Bourneville e Regnard (1879-
-1880) , Paul Richer (1885) , Fere e Bisnet (1887) , Gilles de la
Tourette (1887) , etc., marcaram definitivamente ao hipnotismo um
lugar na ciencia medica oficiaL
Passaram entao todas as Faculdades de Medicina, a preo- cupar-
se com o assunto, tendo surgido as conhecidas divergencias entre as
escolas de Nancy e da Salpetriere, a que jä. fizemos alusao. E ja a
hist6ria das nossos dias. Hä. 30 anos, quando iniciä.mos os estudos
medicos, ainda se marcava lugar entre os combatentes de um
das campos: uns considerando a hipnose como um fen6- meno
fisiol6gico outros tomando-a por um sintoma da histeria.
XII

OS üLTIMOS ANOS DO PADRE FARIA


. !;- .;
h": .
0 padre Faria sofreu nos Ultimos anos da sua vida, periodo
de desenganos e de reconsideragao, as trogas e os doestos dos gra-
ciosos do tempo, Daqui a pouco falaremos da sua passagem pelo
tablado do teatro, onde 0 expuseram a irrisao do publico irreve-
rente, as gargalhadas daqueles que na sua obra s6 viram pretexto
para gracejos e ate mesmo de alguns que o aplaudiram nas horas
da celebridade.
Mas näo foi apenas nos jornais e na cena que Faria foi atin-
gido. Tarnbern a caricatura tomou conta do infeliz magnetizador .
Dalgado conseguiu f acsimilar na Mem6ria que escreveu sobre a
sua vida, duas gravuras da epoca que lhe säo alusivas. Numa delas
(1813) representavam-no a cavalo em animal lazarento que segue a
galope. A sua figura magra e alta ajusta-se dificilmente a sela, o
chapeu langado para tras, a casaca ao vento, a postura corcovada de
quem quer aguentar-se na carreira . Aqui e acola zigzagueiam raios.
Dois saiem-lhe da cabega. Deve ser alusäo aos fluides cuja exis-
tencia ele combateu, mas com que o caricaturista teimou em ilu-
mina-lo. E por baixo esta terrivel legenda: M . Requiem fam eux
medecin qui a gueri tous ceux qui sont morts.
=v--=-;:--- Oütri"'iravür"-c1815)';"' .bem'menooin'feresSänte7"tamMm
reproduzida no livro de Dalgado, podia mais propriament e ser
104 OS üL TIMOS ANOS DO ABADE OS üLTIMOS ANOS DO ABADE FARIA 105
FARIA

pulares, como, por exemplo, nos Misterios das Oiencias Ocultas,


atribuida a Mesmer se a epoca em que foi publicada näo compro- mas näo säo autenticos.
metesse a mem6ria de Faria que, ao tempo, impressionava o pu- Depois descreve a sessäo, fala da leitura mon6tona e embara-
blico de Paris com as suas exibigöes. E um magnetizador vestido a
ada do manuscrito em que dava conta do seu sistema.
epoca, de bastäo em punho, pregando, de cima de um estrado, a
«!nsistia» -acrescenta Noizet -, «sobre este ponto: que os
um pequeno niimero de espectadores, estas encorajantes palavras
fen6menos que ele produzia näo vinham dele, mas dependiam unica-
que o caricaturista atribui ao Grand Oharlatan: Oassez vous les
mente das pessoas sobre que operava.»
bras, les jambes, moi avec mon remede je m'en moque.
Foi publicada em cor, in-folio (1) • «Dizia que o dem6nio nada tinha com o sonambulismo e näo
Destas duas gravuras, a primeira oferece-nos algum interesse, admitia a intervengäo dos apregoados fluidos magneticos, cuja
existencia negava.»
pois tudo indica que houve o prop6sito de representar a figura do
padre portugues . Noizet descreve os processos de que se servia o padre Faria
para hipnotizar e que ja descrevemos em outro lugar. .Ä voz de
Noizet , a quem nos temos referido , escreveu em 19 de Junho
de 1884 uma carta a Jules Claretie, redactor do Temps, em res- comando: durma! tres sobre cinco das pessoas escolhidas na assis-
tencia caiam em hipnose.
posta a perguntas que lhe foram dirigidas sobre o padre Faria.
Nela recorda os seus tragos fision6micos, que condizem com os «Depois de ter assistido a umas dez sessoes» -diz ainda o
da caricatura de Mr.Requiem. Esse documento e por muitos titulos general -«recebi ordern de servigo do ministro da guerra para
curioso. seguir para Bolonha, donde, oito meses mais tarde, parti para a
Na primeira parte informa Noizet que esta na avangada idade campanha de Waterloo. 0 exercito foi, por firn, licenceado e, em
de 93 anos, afastado de toda a actividade e em mäs condigöes de 1815, voltei a Paris, onde me demorei cinco meses, esperando o
prestar os esclarecimentos pedidos. Ouvira falar, em 1814, das julgamento a que, segundo se dizia, famos ser sujeitos, porque eu
sessöes de sonambulismo que estava realizando em Paris o padre era um brigand de 7,a Loire, como nos chamavam entäo. Durante
Faria, na rua de Clichy, numa casa dependente do anfigo jardim esse descanso, tive a ideia de procurar o pobre padre, de quem
de Tivoli. «Fui assistir» -diz ele -«menos por curiosidade do ja conhecia a triste aventura. Recebeu-me com grande alegria e
que no prop6sito de aquirir algumas nogöes precisas sobre o que tanto fez que me decidiu a reler com ele o manuscrito da sua
ouvira dizer do magnetismo animal. Encontrei la» -continua -, obra, a firn de corrigir algumas irregularidad es de estilo em que,
mm interessante velho, de cabelos negros ja meios grisalhos, a como estrangeiro, tivesse incorrido , Comecei esse traballio sem
tez bronzeada, de alta estatura, o nariz arqueado, os olhos grandes contradizer nenhuma das suas ideias te6ricas, ocupando-me apenas
e salientes, uma especie de bela cabega de cavalo. Soube que era da correcäo da frase; mas encontrei-o täo obstinado que bem
um indio portugues, padre em Goa.» depressa me arrependi da minha fäcil condescendencia.»
Näo se pode dizer que a comparagäo com a cabega de cavalo Ve-se por estas frases que o padre Faria estava täo apegado a
seja um grande elogio para a esf etica de Faria; mas no resto näo sua obra e as suas concepöes que Noizet teve dificuldade em
se afasta muito das tragos caricaturais com que o expuseram a auxilia-lo.
irrisäo publica. Ha retratos de Faria em diversas publica öes po- Continuando, confessa que «estava convencido da boa-fä do
padre Faria, da realidade das resultatlos que ele obtinha, da ver-
(1) iFode ver-se na colecc;äo das Caricaturas populares da Biblioteca dade de uma grande parte das suas doutrinas, acreditando que o
Nacional de Paris, 1816, pä.g. 5.
106 OS 'OLTIMOS ANOS DO ABADE FARIA OS "OLTIMOS ANOS DO ABADE FARIA 107

seu aspecto fisico, o jogo fision6mico e a certeza que ele dava a enviado o primeiro, a que faz alusäo directa. A obra de Faria u
sua palavras deviam actuar nos individuos sobre que operava, im- a luz da publicidade depois da sua morte. Dos segundo e terceiro
pondo-lhes a necessäria convicQä.O.» volumes anunciados pelo editor, nada sabemos. Teriam sido publi-
Noizet retomou, em seguida, o seu servigo no exercito e näo cados? Teria Bailliere abandonado os originais, ap6s a morte do
tornou a ver o padre Faria que, acrescenta, morreu esquecido, padre, por julgar a obra de dificil colocaQäo e näo ter quem se
alguns anos depois. responsabilizass e pelos prejuizos da ediQäO ? .
Na segunda parte da mesma exposigäo, refere-se a sua Me- Dalgado, que deu a estas investigaQöes um grane.cmdado,
m6ria sobre o hipnotismo, que värias vezes temos citado. E conclui näo se poupando a canseiras e trabalhos, näo teve noticrns deles.
que, tempos depois da sua publicaQäo, a livraria Bailliere, da rua Seria surpresa que aparecessem. Mas se os volumes näo foram
da Escola de Medicina, lhe pefüra um exemplar, para a colecgäo publicados, como tudo Ieva a crer, e muito pr.ovävel qe os seus
de livros que tinha sobre o mesmo assunto, oferecendo-se ao originais, anunciados por Bailliere a Noizet, estivessem Ja na posse
mesmo tempo para lhe dar, em troca, a obra, em tres volumes, da casa editora.
do padre Faria. A morte prejudicou a divulgaQäo da anunciada tarefa. 0 que
Dalgado informou-se junto dos proprietärios da livraria Bail- Faria nos legou e ja bastante para bem aquilatarmos da sua obra,
liere, que ainda hoje continua com a especialidade de livros de do valor das concepQöes apresentadas, do seu alto merito ; mas a
medicina, sobre a publica äo do segundo e terceiro volumes. Dis- leitura dos outros volumes poderia dar-nos a decifraQäo de mais
seram-lhe que s6 tinham conhecimento do primeiro, nada sabendo alguns pontos e, quem sabe ? noQöes mais exctas prp6sito de
dos outros. casos que provavelmente viria a relatar, refer1ndo mmuc10samente
A este prop6sito convem notar que se fala, por vezes, na as previsöes epoptas, de que ele näo pöde, por c.ompleto, .desen-
obra de Faria em quatro volumes, como refere Dalgado, e outras vencilhar-se, enredado nos preconceitos e nas doutrmas dommantes
vezes em tres volumes, como informa Noizet.. Embora seja assunto do seu tempo.
de somenos importancia, näo sei decidir-me por nenhuma das No retiro onde a indigencia o levou, a sombra hospitaleira do
versöes. E certo que Faria pretendia publicar mais de um volume, recolhimento em que viveu nos ultimos anos da sua amargurada
e tanto que, no final do seu livro, hä esta nota: N. B. -Le seconde existencia, recebendo, como informa Figuier, casa e alimento em
volume doit paraitre incessament. troca dos seus serviQos eclesiasticos, devia ter sofrido horas de
Noizet, ao terminar a sua carta, acrescenta: decepgäo, apegado a certeza de estar na esteira da verdade, o a
«Näo tinha acabado de ler o primeiro volume (o autor encon- consciencia tranquila de näo ter mentido, pois a sua obra e sm-
traria um revisor para os outros ?) (1) , quando agradeci a M. Bail- cera, e de näo ter cultivado o sonambulismo para fazer fortuna.
liere. Näo tinha tempo para me ocupar de outras coisas alem do Outros a adquiriram, antes e depois; ele näo. Morreu pobre, numa
meu serviQo e, se lhe falo do assunto, e para que, se assim o conformaQäo filos6fica que se resume na ja citada frase : «Hä.
desejar, possa encontrar a obra de Faria.» males que por vezes fazem muito bem aos que sabem conhecer a
Näo Se pode deduzir desta exposiQäo que Noiz et houvesse as sua utilidade».
mäos os tres anunciados volumes, Podiam ter sido prometidos por LanQou-se entäo ao trabalho. Carecia de defender o seu nome
Bailliere a medida que OS fasse publicando, tendo-lhe apenas sido e a verdade das doutrinas expendidas, E na nostalgia da cela foi
(1) Lembrava-se das dificuldades que tivera com a revisäo do prtmeiro. tracejando as päginas do livro que nos legou.
108 OS OLTIMOS ANOS DO ABADE FARIA OS OLTIMOS ANOS DO ABADE FARIA 109

Redenäo para o seu nome, que nlio passou a posteridade como Tarnbern isso pouco importa. 0 que e indispensä.vel e levantar
o de um vulgar charlatäo, apesar de assim o terem denominado ; a. sua mem6ria do esquecimento a que foi votada em Portugal, a
mas fraca reparaäo para a sua desventura, pois nem sequer con- luz das doutrinas que defendeu, criando a sugestäo hipn6tica, que
seguiu ler, impresso, o primeiro volume do trabalho que levara ainda, na hora presente, passado mais de um seculo, se mantem
a cabo. integra, tal como a descreveu.
Uma apoplexia fulminante subjugou-o, para sempre, aos 63
anos de idade, a 20 de Setembro de 1819.
Le-se nos registos dos enterramentos da igreja de Saint Roch:
«A 21 de Setemhro de 1819, enterro n. 6 do sr. Jose Cust6dio de
0

Faria, professor de filosofia, falecido a 20 de Setemhro com a


idade de 64 anos, na rua des Orties, n. 4.»
0

Ä singeleza da noticia ha um esclarecimento a. ajuntar. 0 en-


terro n. 6 era o enterro gratuito, exceptuada a missa . Nem essa
0

provavelmente foi rezada, se näo houve colega caridoso que tivesse


tomado o encargo.
Falaremos, num pr6ximo capitulo, da fantasia de Alexandre
Dumas no Conde d,e Monte-Cristo. Tem-se a impressäo de que ele
souhe da miseria em que o verdadeiro Abbe Faria faleceu na rua
des Orties, no recolhimento de senhoras que lhe deu ahrigo,
Segundo informa Dalgado, esta rua desapareceu de ha muito
da carta de Paris. Comeava na rua Argenteuil, n, 28 e 30, atra-
0

vessava a Avenida da öpera e acahava na rua Sainte-Anne) n. 19 e


0

21. 0 n. 4 da rua des Orties devfa corresponder, pouco mais ou


0

menos, segundo informa o erudito investigador, ao n. 9 da Avenida


0

da öpera. Esta identifica äo, se näo tem grande valor hist6rico,


da, pelo menos, um certo conforto sentimental, por vermos que
um seculo ap6s a sua morte a.lguem se ocupou carinhosamente
desta interessante individualidad e.
Näo se sabe onde foi inumado. Diz ainda Dalgado que deve
ter sido em Montmartre, onde se faziam os enterros da par6quia
de Saint Roch desde 1798; mas s6 existe o registo deste cemiterio
depois de 1825. Impossivel e descobrir o seu coval, por certo mais
de uma vez remexido de 1819 para ca.
XIII

OS DETRACTORES DE FARIA

Tratemos, em primeiro lugar, das criticas clericais, a que


fizemos referencia, e que, embora atingissem o padre Faria, ata-
cavam particularmente o magnetismo.
Jä citämos a passagem em que Chateaubriand critica o padre
portugues naquela cegueira fanatica que por vezes atinge as mais
esclarecidas inteligencias.
Outros autores de menor vulto, mas dominados pelo espirito
de seita, procurararn excomungar a sua doutrina_. Furtier, quando
Vigärio de Tours, dirige, no seu livro M ystb'es des magnetisateurs
et des somnambu "les devoiles aux ames droites et vertueuses (1815) ,
uma critica que reproduz a sua intolerancia religiosa. Para ele o
sonambulismo e o magnetismo sao «sobrenaturais e diab61icos,
anti-cristäos, anti-cat61icos e anti-morais. Os misterios que eles
desvendam obrigam a todos aqueles que queiram ser iniciados no
magnetisrno a renunciar a Cristo, porque o magnetizador recebe o
seu poder directamente do anjo das trevas.»
Wurtz, Vigärio de Saint-Nizier, em Lyon, caminha na mesma
orientagäo. 0 seu livro Les superstitions et prestiges des ph ilo-
sCYphes du xvm • siecle ou les dbmonolatries du siecle des lumieres
(1817) e um novo ataque as präticas sonambublicas, que classifica
corno continuadoras da magia negra.
112 OS DETRACTORES DE FARIA OS DETRACTORES DE FARIA 113

0 prestigio do diabo sobe alto no cerebro destes doutos de- Os te6logos desse tempo teimavam em que os magnetizadores
fensores da Igreja, näo admitindo sequer o exame da doutrina e pactuavam com o diabo nas suas experiencias; o padre portugues
das prä.ticas magneticas para se pronunciarem. Perante o desco- insistia em que eles condenavam o magnetismo sem base para o
nhecido, a Igreja pös muitas vezes o seu veto, para mais tarde o fazer porque näo conheciam os fen6menos naturais.
ilibar de culpas. :m o velho sestro que, em tempos de maior do- Faria era cat61ico e quis sempre permanecer no gremio da
minagäo, arrastou a fogueira e ao patibulo säbios e reformadores religiäo que professava. Lutava contra a ignoräncia da teologia da
dos mais ilustres. epoca com inaudita coragem. Sem esta a sua obra teria naufragado.
Mais tarde, Bouvier, nas suas Institutione s theologicae (1834) , Combateu preconceitos religiosos com a mesma audä.cia com que
mostra-se ja bastante reservado . «Se os efeitos do magnetismo demoliu as doutrinas do fluido magnetico, principio admitido por
säo inteiramente desproporcionados, se näo podem ter conexäo todos os hipnotizadores daquele tempo. Para bem avaliarmos das
alguma com as causas naturais , ou esses efeitos säo inanes ou meritos que possuia, e necessario seguir a sua personalidade atra-
vem do dem6nio por um pacto implicito.» Recorre ao dilema como ves dos lances de uma acidentada vida.
que a estabelecer uma fase de transigäo. Dentre todas as diatribes com que o procuraram ferir ne-
Ultimamente os te6logos entraram no dominio da toleräncia. nhuma o atingiu täo profundamente como a que o arrastou pelo
0 hipnotismo deixou de ser diab6lico , pelo menos o que deno- minam tablado das Varietes de Paris. Nem as criticas dos te6logos, nem
o hipnotismo franco (o que serä. o outro ?) e passaram mesmo a os ataques asperos <los jornais, em que as palavras azedas eram
consentir as suas prä.ticas. entrecortadas ae chocarrices e gracejos, nem a caricatura que lhe
Foi precisamente o padre Faria quem marcou os limites na- vulgarizou a efigie em ridiculos contundentes, conseguiram feri-lo
turais ao magnetismo, envolto, ate entäo, nas trevas de um sobre- täo fundo como essa comedia-opereta em que o fizeram exibir
natural grosseiro ou na dependencia de misteriosas forgas ocultas. num papel de magnetizador charlatäo.
Por isso sentiu os ataques mais ou menos directos do clero into- Logo em 1813, no advento dos seus triunfos, quando apareceu
lerante. Jä. fizemos referencia a altivez e desassombro das suas a primeira caricatura de que ja demos noticia, Madame Victorine
respostas. Acrescentaremos mais duas passagens da citada obra: Maugirard publicou nas Soir'ees de Societe, dedicadas a rainha
«Quando um efeito natural extraordinä.rio provem de urna Hortense, uma pequena pega, La M esmeromanie, classificada de
causa complicada» -diz Faria -«OS sä.bios que pretendem des- proverbio em um acta e em prosa, e em que visava a demonstrar
este adagio: «tantas vezes vai o cäntaro a fonte que uma vez
vendar as causas näo devem ignorar que a marcha da natureza e
lä fica.»
sempre simples e todas as suas produgöes s6 deixam de ser ma-
Nessa pega näo ha alusöes pessoais ao padre Faria. A sua
ravilhosas aos olhos do homem quando se tornam correntes e figura näo passa dos bastidores. Ha uma ou outra critica que lhe
usuais.» diz respeito, mas näo se descobre ataque directo que o atinja.
Deixando o campo dos conceitos filos6ficos, responde a in- E mais tarde, em 1816, que um actor de merito, ao tempo
justiga dos anä.temas que lhe säo dirigidos com uma frase mais muito conhecido em Paris, Potier, comegou a frequentar as con-
contundente: ferencias da rua de Olichy,, captando em breve a confianga de
«Ü Evangelho» -diz ele textualmente -«näo tem certamente Faria, fazendo-se passar por discipulo e adepto. 0 padre, homem
por firn instruir os homens nas ciencias naturais.» de boa-fä, acreditou na sua sinceridade. Um dia fez-se hipnotizar
0 A.F. -8
lH OS DETRACTORES DE OS DETRACTORES DE FARIA
FARIA

mäo a sonä.mbula habitual, pöe o cliente em relaäo com sua


e, fingindo que caira em sonambulismo, exclamou: «Eh bien! M on- filha, que a substitui. 0 diä.logo, no momento em que os dois se
sieur l'abbe, si vaus magnetisez tout le monde comme moi, vous ne
fingern adormecidos, e bem elucidativo:
fait es pas grand'chos e.»
0 facto, primeiro divulgado na roda dos frequentadores, es-
palhou-se rapidamente por todo Paris e o padre goense foi apon-
«SOPORITO
tado a toda a gente como um grotesco charlatäo.
Polier levou mais longe a sua vingana. Fez escrever por
Jules Vernet uma pega, M agnetismomanie, reservando para si o «Ja dorme?
papel de Soporito, o magnetizador. A pega, de fraco interesse
cenico, fez ruido em Paris. Foi representada, pela primeira vez,
em 5 de Setembro de 1816 no teatro das Varwtes. 0 cartaz anun-
ciava-a nestes termos: «La magnetismomanie, comedie-Folie en «Sim.
un acte mele de couplets, par M . Jules Vernet» (1) _
Chegou a dizer-se que a pec;;a era devida a pr6pria pena de «SOPORITO

Polier; mas ele dec!inou essa honra, numa carta que foi publicada.
A distribuigao dos principais papeis foi confiada a Potier, «De que sofre ?
Fleury, Leonard e M esd emoisel"Zes Lafond e Cuisot.
A cena passava-se em Saint-M aur, no hotel da Gra9a de Deus. «LEON
Potier tinha estudado com meticuloso cuidado as maneiras do in-
feliz hipnotizador. V.estiu-se como ele costumava apresentar-se e cDo coraäo.
caracterizou-se de cor bronzeada, de f orma a dar em cena a im-
pressäo do padre, que muitos dos frequentadores do teatro conhe- «SOPORITO
ciam das conferencias.
Foi um sucesso ! Todos riram a custa do magnetizador , menos «Estava certo disso. E tu, minha sonambula ?
pelo entrecho simples da pega e pelos raros ditos de espfrito de
que a polvilharam, do que pela semelhanga que Potier conseguiu
exibir em publico na apresentagäo da personagem do padre Faria.
Ern poucas palavras se resume o entrecho: Leon, estudante
de medicina, e filho dum medico da regiiio, o doutor Lafosse, que «Do coraä.o.
dirige uma casa de saude. Apaixona-se por Cecilia, filha de So- porito,
«SOPORITO
o grande magnetizad or, homem de parcos haveres, mas de
grande reputagäo. Leon, para se aproximar de Cecilia, finge-se
atacado de ins6nia e vem consultar Soporito. Este, por näo ter a «Chut! !! (A Leon) Ve os meios para se curar?

(1) A pe!;a, inteiramente esquecida, foi de novo publicada por Dalgado , «LEON
na lllem6ria dedicada ao padre Faria .
116 OS DETRACTORES DE FARIA OS DETRACTORES DE FARIA

«Vejo apenas wn. «E preciso täo pquco para isso! Corno faze-los calar ? Vou
paralisä.-los.
( Segue-se uma dria. Dois cora<;öes presos pelo amor r eclamam um n6
Paralisados !!!...
auave que os enlace para sempr e.)
Leon e Cecilia f ingem-se paralisados; mas logo que Sopor ito vozta as
costas, f azem-se sinais que ele compreende, depois de ter informado o audi-
«SOPORITO torio que conseguiu o Jim d esejado. :B pelo silencio de Leon, em troca da
mao da filha, que Soporito se salva da dificil situat;ä.o .

«Estou certo que hä. apenas um meio. Diga qual e? Em seguida apar ece o dr. Laf osse, pai de Leon. Estabelece uma /orte
discussäo cO'm o filho, por o ver em casa do magnetizador e especialmente
por saber que os seus doentes o abandonam para vir em procurar Soporito .
:B curioso o didlogo desta passagem:

«Por acaso serä.... «LAFOSSE

«LABRIE «0 que ! Os meus doentes abandonam-me !

d:Ü pr6prio senhor Leon. «LABRIE (Baixo a Soporito)

«SOPORITO ( Apart e) «Veja o que isto representa de gl6ria para si!

«E eu, que de boa-fe os pus em relaäo !... Mas isto näo pode «JUSTINA (A Lafdsse )
sei·. (Alto) Nada de brincadeiras . Toda a assistencia segue o meu
trabalho . «Pela amizade que tem ao seu filho !

«CECfLIA

«Uma s6 palavra vossa e a minha cura serä. brilhante e dar- «Pela sua dignidade !
-vos-ä. grande fama.
« SOPORITO
«LABRIE (A Soporito)
«ÜSnossos filhos tem razäo . E comprometer-se a si pr6prio.
«J!: capaz de vos fazer perder a reputa äo. 0 senhor questiona sem motivo.

«SOPORITO «LAFOSSE ( Baixo a S opor'ito)


118 OS DETRACTORES DE FARIA OS DETRACTORES DE FARIA 119
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«Sem motivo ! Sem motivo ! E isto quando e 0 Senhor que me «Vamos, vamos, tudo esta bem, tudo estä regulado.»
arruina! (Muito baixo) Sabe täo bem como eu que os doentes säo
o nosso rendimento. Säo eles que nos fazem viver. E termina por uma äria que näo resistimos a transcrever
do original:
«SOPORITO

«A quem o diz ? Mas para que tanta bulha? Tudo se pode Pour terminer nos differents
arranjar amigavelmente. Pelo que me diz respeito, estou pronto a Ensemble unissons nos enfants;
fazer sacrificios .._ Vos eures valent bien les nötres.
«LAFOSSE (Mais razoavel) Et quand nous nous connaitrons mieux,
Vous ne serez plus envieux.
«Sacrificios ! Posso saber quais quer fazer? Pourtant, soyono mysterieux.
Je poursuivrai mes travaux, vous les vötres
Qu'ils reussissent mal ou bien ...
«SOPORITO
Taissons-nous: chacun son moyen ;
Que le public n'en sache rien.
«Nada mais fäcil. Näo sou um espoliador. Escute. Eu entre-
go-lhe, inteiramente, o seu fundo de incuräveis. Para provar o
meu desinteresse, cederei mesmo e completamente, uma grande
quantidade de doentes que comecei a tratar pelo meu processo e Corno se ve do dialogo acima transcrito, ha uma alusao directa
que o senhor acabara de tratar pelo seu. ao padre Faria quando Soporito se ref ere a sua cor escura; mas
a troga atinge tanto o magnetizador como os medicos, eternos
«LAFOSSE jograis da farsa desde Moliere e do nosso Mestre Gil ate a troga
deliciosa do Knack, de Jules Romain. 0 autor da Magnetismo-
«Üra muito bem! E por palavras que os homens se entendem. manie näo pöde fugir a pecha de ridicularizar a Medicina. Mas
os medicos sabem que quando os autores e actores carecem de
«SOPORITO servigos clinicos langam ao esquecimento todos os escarneos ! Por
isso toleram bem pegas desta natureza; näo säo visados pessoal-
«Ve bem, tudo esta em nos entendermos. E agora nao diga mente; dilui-se a troga sobre a numerosa colectividade. Alem disso
que sou täo mau como sou negro. nenhum se sente atingido em cena. Todos divisam nas alusöes
feitas os colegas menos simpäticos ... Sintomas de boa camara-
«LA.FOSSE dagem!
0 caso do padre Faria näo era, porem, o mesmo.
«Eu niio digo agora que... Embora a critica atingisse as praticas magneticas, feria-o a
ele principalmente. Sentiu-se nao s6 pela caricatura de S oporito,
«SOPORITO mas tambem por lhe recordarem na comedia o logro em que caiu
120 OS DETRACTORES DE FARIA OS DETRACTORES DE FARIA 121

ä.s mäos do actor que se fingiu hipnotizado. Digamos, em paren- tese, As academias ja nessa epoca näo tinham mais sorte do que
que, de facto, e dificil, se näo impossivel, distinguir 0 sonam- OS medicos nas trogas teatrais !
bulo verdadeiro do que queira fingir-se adormecido. Corno disse- Deixemos o vaudeville, e talvez nem merecesse täo larga
mos atras, Babinski insistiu ultimarnente e, com razäo, sobre o apreciagäo, para darmos a palavra a Faria, que a ele se refere
assunto, o que näo importa a negagäo dos fen6menos, nestes termos:
Mas vcltemos a pega. Contem ela algumas frases rnaliciosas : «Näo sei se o autor da celeberrima Magnetismomanie publicou
caracteristica saliente das obras teatrais francesas. Assim, quando
a produgäo para exprimir a sua opiniäo de incredulidade ou para
o medico Laf osse acusa o filho, indignado, por vir a casa de um
aproveitar o ensejo de uma especulagäo lucrativa. Fosse qual fasse
magnetizador, seu inimigo pessoal, diz-lhe:
a razäo, devo preveni-lo, assim como ao director do teatro e aos
«Deixa-me ! Infeliz Lafosse ! Devias assim pagar a ingratidäo
actores que especularam com 0 meu trabalho, que aquilo que e
do unico ser que neste rnundo te deve a vida! !!»
intrinsecamente assunto de importancia näo pode ser objecto de
Infeliz medico a quem näo concedem a esrnola de uma unica
divertimento publico .
cura!
«A prop6sito da Magnetismomanie, näo posso perguntar aqui
E tambem curiosa esta outra frase:
«Soporito ja deu a vida a Saint-Maur.» quais säo as leis que autorizam este moderno Terencio a expor
Saint-Maur era o local onde se passava a comedia e pronun- um estrangeiro desconhecido a gargalhada publica. Julgo que OS
cia-se como cinq marts. 0 calembur foi sempre muito apreciado pr6prios selvagens se teriam envergonhado de insultar comica-
em Franga, especialmente nessa epoca, e a lingua presta-se admi- mente um particular que nada tem de comum com actores de
ravelmente a este jogo de palavras. teatro.
Plara terminar. Ha em oena um f auteuil maravilhoso, com «E pel"mitido em Franga especular impunemente com a re-
uma virtude narc6tica irresistivel. E, dizem, um fauteuil da putagao de quem quer que seja ? S6 as leis de circunstancia e
Academia! que variam; as que säo organicas säo sempre e invariavelmente
obrigat6rias em todas as nagöes do globo.
Ce talisman, long-temps cherche, «Lembro ao autor da pega que, em identicas condigöes, a farsa
Avec une esperance vaine, Oalicot, que afinal apenas atacava uma classe de cidadäos, sem
Par moi, fut enfin deniche, assinalar nenhum individuo em especial, transformou, durante a
Sur l'autre rive de la Seine (1) . representagäo, o seu titulo c6mico em tragico. Condeno sincera-
A l'epreuve, je fus surpris; mente os perturbadores; mas sinto-me satisfeito por saber que
Car dans ce meuble magnetique, um contratempo grave deu uma ligäo util aos directores de teatro,
Quarante (2) se sont endormis; aos actores e empresarios de farsas. Ha males que, por vezes,
Pour le sommeil il est sans prix ; fazem muito bem aos que sabem reconhecer-lhe a utilidade . Os
C'est un fauteuil academique ( bis). übstinados, esses s6 se corrigem com punigöes legais.
«Longe de mim pretender perturbar o curso dos prazeres do
(1) Onde fica a sede da Academia das Ciencias. p5blico ; mas teria adicionado a Magnetismomanie uma nova cena
(2) Referencia aos quarenta söcios ef ectivos da Academia, os chamados extremamente picante se o meu estado me näo tivesse impedido
irnortais.
122 OS DETRACTORES DE FARIA OS DETRACTORES DE FARIA 123

de faze-lo e se a minha aversäo por esta especie de divertimentos pretavarn mal e ao sabor do seu fanatismo, no prop6sit o de o
näo me tivesse afastado dos teatros. expulsarem do gremio da Igreja, onde sempre quis viver.
«Contudo, estou certo que poderia divertir o piiblico a valer , Alguns anos antes haveria pago bem caro a sua ousadia. No
derrotar o autor da peQa e semear nos c6rnicos urn a confusao seculo xrx, e depois da grande revoluQäo, näo tinha que arrecear-se
inexplicavel. Era adorrnecer na pr6pria cena alguns actores que, da fogueira. Por isso näo passaram de palavras as iras do clero.
por experiencia, conhecessem ja o peso e o valor da palavra durma
e acompanhar esse sono de uma violenta convulsäo que os teria
feito rolar sobre o tablado, completamente desorientados,
«Este sono teria entäo deixado de ser c6mico, embora se pres-
tasse a provocar o riso, e este espectaculo inedito teria bastado
para corrigir a insipidez da peQa. 0 publico, avido de conhecer
os proce ssos da arte de adormeoer, näo faltaria em razäo da no-
vidade do titulo e tomaria interesse pela obra em que o autor
contou rnais corn a natureza do assunto do que com a suficiencia
das suas forQaS.»
Faria manifesta, em todo este arrazoado, o desgosto que
sentiu ao saber-se exposto ao disfruto a que o levaram no palco
das Varietes. A todas as outras criticas e apreciaQöes respondeu
corn aprurno e com desprezo ; esta, porern, contundiu roais funda-
mente a sua sensibilidade. 0 ridiculo da cena mexeu-lhe com os
nervos. Dai a resposta acrimoniosa, descendo mesrno a arneaQaS
-diga-se de passagem -bastante inanes.
Para o resto, para as apreciaQÖes violentas das gazetas, para
o läpis cruel dos caricaturistas, rnostrou-se sobranceiro.
«Pouco cioso -diz ele -«da aprovagäo dos hornens, sempre
inconstante e versatil nos principios que a regulam, s6 procurarei
(na exposigäo da minha doutrina) ficar a bem corn a minha cons-
ciencia. Ela somente me dirigira a conduta.»
Noutra passagem da sua obra, declara que responde corn o
silencio as agressöes pessoais que lhe dirigem. A excepgäo foi
apenas para os c6micos e para os padres que o acoimavam de
id6latra e o davam em entendimento secreto com o dem6nio. Fo-
ram as injustigas mais flagrantes. Uns lanQando-o a irrisäo piiblica
como charlatäo; outros servindo-se das suas crengas, que inter-
XIV

0 PADRE FARIA NA LENDA

Näo devemos encerrar esta monografia sem dedicar algumas


palavras a lenda que mais tarde veio aureolar a figura incom-
preendida do padre portugues. Poucos, entre n6s, mesmo na classe
rnedica, conhecem o padre Faria como hipnotizador celebre, ra-
rissimos tem a noäo exacta do que foi a sua obra verdadeira- mente
notavel; mas muita gente leu o nome do padre Faria no romance
de Alexandre Dumas, pai, que fez as delicias da mocidade do nosso
tempo e que os eruditos näo deixam ainda hoje de apre- ciar. A
obra de Alexandre Dumas obteve um sucesso colossal. Vasada nos
moldes da epoca, agitando-se numa movimentaäo imprevista e
por vezes inverosimil, alcanou ultimamente uma n ova
notoriedade por se pr estar admiravelmente as cenas emo- cionantes
do cinema.
Alexandre Dumas nasceu em 1803, em Villers-Cotterets. Näo
conheceu Faria, näo assistiu a nenhuma das suas sessöes; mas na
mocidade devia ter ouvido falar muitas vezes do padre portugues,
cujo firn de vida , como capeläo de uma casa religiosa, esquecido
pelos admiradores, escarnecido pelo publico frivolo de Paris, talvez
o tivesse impressionado.
0 inspirado autor dos Tres Mosqueteiros decidiu-se a apro-
veitä-lo, tirando-o do esquecimento a que fora votado, para o
126 0 ABADE FARIA NA 0 ABADE FARIA NA LENDA 127
LENDA

Dumas ali o faz permanecer, durante anos, as ordens de es-


cr:nario de um dos seus romances. Somente, afastado dos moldes birros e autoridades sem escrupulos.
realistas que vieram a substituir os processos fantasiosos, apro-
Desde o Direct6rio, atravessando a dominagäo napole6nica, o
;•dtou apenas o nome, a inteireza moraI e raros factos secundarios
epis6dio da realiza de Luis xvrrr, o regresso do deportado da
da vida de Faria, deixando no olvido a dramatica existencia de
ilha de Elba, todo esse periodo da epopeia guerreira da FranQa,
um incompreendido, para fazer dele o cooperador acidental de
que Dumas pincela com o vigor de artista de rara envergadura,
uma acgao desenvolvida em terreno inteiramente diverso.
consome-o Faria em cogitagöes, no cärcere em que a fantasia de
0 Conde de Monte-Cristo, talvez a mais emocionante das suas romancista o colocou.
obras, apareceu nos anos de 1841a 1845. Nessa epoca estava Faria Nao hä duvida que este padre Faria, exumado por Dumas das
esquecido. Foi depois dos trabalhos de Braid, que cornegou a ser suas reminiscencias para Ihe iniciar o movimento cenico, e o padre
citado. portugues.
Corno foi sugerido a Dumas o nome do padre portugues? E di- Ern primeiro lugar, Faria viveu nessa epoca, Foi mesmo nesses
ffcil dize-lo; mas näo sera desarrazoado pensar que lhe aflorou a anos (1811-1819) que ele se tornou celebre, que foi falado, que
pena como reminiscencia aa sua juventude donde ele pode ter teve os seus triunfos e decepgöes.
surgido com uma aura de sä.bio e de obstinado nas suas ideias, Alexandre Dumas da-lhe merecidas honras apresentando-o
tal como o apresenta, embora sob directriz inteiramente diferente, como säbio, conhecedor de värias linguas, fil6sofo pelas doutrinas
no interessante romance. e pela conduta, desprezando os insultos corn altanaria, conseguindo
Recordemos um pouco o que e o padre Faria do Con<le '1e adaptar-se, sabendo resistir.
Monte-Cristo. Eie aparece no epis6dio inicial como figura de Era conhecedor de um tesouro e, como insistisse sempre no
centro da narrativa. E um velho enclausurado na prisäo do Cas- assunto, chamaram-lhe louco. 'i'udo isto e um pouco a sua vida.
telo de If, junto a cidade de Marselha, onde Faria foi, durante um Dumas apresenta-o no primeiro volume do romance, quando o
ano, professor de filosofia, mas onde nunca esteve preso, pois näo Castelo de If e visitado pelo inspector das prisöes, em 1816, depois
sofreu essa provagäo, embora poucas vezes a sorte lhe sorrisse. do regresso, a Paris, de Luis XVIII. E o governador do Castelo que
Alexandre Dumas carecia de um companheiro para Edmundo informa o visitador:
Dantes, para o instruir, para o tornar apto a desempenhar o papel «Assim temos numa outra masmorra ... um velho padre, antigo
que lhe reservava, para Ihe dar o segredo do tesouro da ilha de chefe de partido em Italia que estä aqui desde 1811 e que enlou-
Monte-Cristo e finalmente para The ministrar ensejo, ja depois de queceu em fins de 1913...
morto, para a fuga melodramätica que levou Dantes, depois da Numa outra passagem, e ainda na conversa entre o inspector
tragedia de uma noite de temporal por entre as ondas, ao veleiro e o governador, este esclarece-o, dizendo que:
que o afastou do hist6rico presidio onde a maldade e os despeitos «Ü padre Faria, ou mais simplesmente o padre-louco, se julga
o arrastaram. possuidor de um imenso tesouro. No primeiro ano de cativefro,
Ainda hoje, no Castelo de If, se recorda a lenda e se afirma oferecia ao governo um milhao a troco da sua liberdade, no se-
ter por ali passado o padre Faria. Correm mundo postais que o gundo ano dois milhöes, no terceiro tres, e assim progressiva-
representam ao canto de uma cela, meditativo, com enormes bar- mente. Estä agora no quinto ano de cativeiro.»
bas brancas a vincar-lhe a expressäo de um profeta biblico.
128 0 ABADE FARIA NA LENDA 0 ABADE FARIA NA LENDA 129

Alexandre Dumas descreve-o no seguimento deste relato: 0 inspector e o governador entreolharam-se, sorrindo.
«No meio do carcere -escreve o romancista -«num circulo « -Meu amigo, diz o inspector, as suas noticias de Italia
tragado no chäo com um peda o de cal tirado do muro estava näo säo frescas.
deitado um homem quase nu, de tal maneira o seu vestuario caia « -;Datam do dia em que fui preso, diz o padre Faria, e
aos pedaos. Desenhava nesse circulo linhas geometricas muito como S. M. o Jmperador criou a realeza de Roma para o filho
nitidas e parecia täo ocupado em resolver o seu problema como que o ceu lhe enviou, presumo que, prosseguindo nas suas conquis-
Arquimedes quando foi morto por um soldado de Marcello. tas. realizasse o sonho de Maquiavel e de cesar Borgia: fazer de
«Näo se mexeu ao ruido que fez ao abrir-se a porta da prisäo toda. a ltalia um s6 e unico reino.
e s6 pareceu sair da sua abstracäo quando a luz das tochas ilu- « -AProvidencia, diz o inspector, impös, felizmente, alguma
minou com um brilho desusado o solo humido em que trabalhava. mudanga a esse plano gigantesco de que me parece ser grande
Entäo voltou-se e viu, com surpresa, a numerosa comitiva que partidario.
vinha vlsitä-lo. « -E a linica maneira de fazer da Itä.lia um Estado forte,
«Levantou-se rapidamente, tomou uma coberta que estava aos independente e feliz, disse o padre.
pes do catre miseravel e embrulhou-se nela precipitadamente para « -Talvez seja possivel, respondeu o inspector, mas eu näo
parecer mais decente aos seus improvisados h6spedes. estou aqui para seguir um curso de politica ultramontana, mas
« -Tem alguma coisa a reclamar? perguntou o inspector, para lhe perguntar, como ja disse, se tem alguma reclamagäo a
repetindo a f6rmula habitual. fazer sobre alimentaäo ou alojamento.
« -Eu? -diz o padre com ar de surpresa. Eu näo pego nada. « -A alimentaäo e a que costumam dar nas prisöes, diz o
padre, muito ma; 0 carcere e, como ve, hlimido e sujo, mas con-
« -O S'enhor compreende, continua o inspector, eu sou agente
tudo toleravel para o firn a que e destinado. Agora näo e disso
do governo, tenho por obrigaäo visitar as prisoes e escutar as que se trata, mas de revelagöes da maior importäncia que desejo
reclamagoes dos presos. fazer ao governo.»
« -Ah ! Isso entäo e outra coisa, exclamou vivamente o padre , O padre Faria pretende expor, em seguida, a hist6ria do seu
e espero que possamos entender-nos. tesouro. Atalha o governador, que diz conhece-la em todas as
« -Corno ve, diz baixo 0 governador, as coisas comeam suas particularidades por estar f arto de a ouvir, podendo, portanto,
como eu lhe tinha anunciado. informar o inspector, se assim o desejar, o que merece ao padre
« -Senhor, continuou o prisioneiro, eu sou o padre Faria, esta apreciaQäo :
nascido em Roma. Fui 20 anos secretario do cardeal Rospigliosi e « -lsto prova que O Senhor governador e COIDO aqueles de
fui preso, näo sei porque, no principio do ano de 1811. Desde entao quem f ala a Escritura, que tem OS olhos e nao veem; ouvidos e
reclamo a minha liberdade as autoridades italianas e francesas. näo ouvem.
« -Porque o f az junto das autoddades francesas ? -inda- « -Palavra, diz o inspector a meia voz, se näo soubesse que
gou o governador. se trata de um louco, convencer-me-ia da verdade das suas afir-
maQoes, tal e a certeza que lhes imprime.
« -Porque fui preso em Piomino e presumo que, como su-
« -Eu näo sau louco, senhor ; s6 digo a verdade, replicou
cedeu a MiläO" e a Floren a, Piombino se tenha tornado a capital
de algum departamento frances. Faria. Este tesouro de que lhe falo existe de facto; estou pronto a
0 A.'F.-9
130 0 AB.ADE FARIA NA 0 ABADE FARIA NA LENDA 131
LENDA

Foi o que sucedeu ao verdadeiro padre goense atraves da sua


e.ssinar um contrato consigo.. 0 senhor leva-me ao local indicado vida de hipnotizador. Pregou a boa doutrina, sempre convencido
por mim ; remexerei a terra sob os seus olhos, e se mentir, se da verdade das proposigöes apresentadas como, na quase total_i-
nada encontrar, se eu f or o louco que dizem, voltarei para esta dade o futuro veio a demonstrar. 0 publico riu-se das suas pra-
prisäo, onde ficarei para sempre, e aqui morrerei sem nada mais ticas' sonambUlicas, tal como o fez o inspector ao ouvir a proposta
lhe pedir nem a ninguem .» do Faria do romance sobre o tesouro.
E como o inspector se risse da proposta, Faria, indignado, Seria coincidencia excessiva que Dumas apenas relatasse factos
diz-lhe: imaginarios quando eles reproduzem epis6dios reais da vida do
« -Se-de pois, maldito como esses outros insensatos que näo nosso biografado.
tem querido acreditar-me !...» o romancista atribui-lhe mesmo uma honestidad e de processos
De todo este dialogo tira Dalgado algumas conclusöes inte- que os seus contemporaneos lhe negaram.
ressantes, a que outras se podem juntar, para comprovar a iden- Hä. ainda uma circunstäncia mais curiosa: a das datas que,
tifica äo do padre Faria real com aquele que Dumas utilizou para no romance, marcam as diversas fases da existencia do padre Faria.
o desenvolvimento do seu romance. Embora ja estivesse preso havia tres anos, e em 1811 que
Note-se, em primeiro lugar, a naturalidade que o romancista Dumas 0 enclausura no Castelo de If . Ora foi nessa data que ele
atribui a Faria. Talvez Dumas nao soubesse que o padre nascera foi nomeado professor de filosofia em Marselha.
na !ndia portuguesa. Se o soube, näo lhe aprouve atribuir-lha ; Tomam-no por louco em 1813, E e nesse mesmo ano que ele
contudo, mesmo que lha desse, podia muito bem conceder-lhe o abre, em Paris, a sala de conf erencias sobre o sono h'.icido, na
cargo de secretario de um cardeal romano.
rua de Clichy.
Mas, como bem diz Dalgado, ele viveu em Roma oito anos; Ern 1816 visita-o o Inspector e tro!ta da sua proposta sobre_ a
foi ali q!le fez os seus estudos e, portanto, onde «nasceu moral e descoberta do tesouro. :m nessa data que o verdadei_:o padre Fa1a,
intelectualmente. » em Paris e visitado pelo actor Potier, que o expoe, em seguida,
Teve conhecimento deste facto Alexandre Dumas? Teria sido na comedia Magnetismomanie a gargalhada e ao ridiculo das es-
informado de que o padre portugues fora educado em Roma e dai pectadores do teatro das Varietes.
deduziu uma errada naturalidade ? Nada podemos dizer sobre o Dumas atribui-lhe sessenta e cinco anos, ainda que um certo
assunto. vigor de movimentos mostre que o cativeiro lhe ,aumentra a
Dumas näo pretendeu fazer um romance hist6rico, forma lite- idade. Ora 0 padre portugues tinha, de facto, nessa epoca, a idade
raria que s6 mais tarde atraiu a aten!täo dos escritores. Näo se indicada. .
preocupou com o estudo da vida de Faria nos vä.rios e acidentados Devemos ainda notar outras circunstäncias menc10nadas por
epis6dios da carreira de magnetizador . Serviu-se do seu nome, do Dumas que condizem com a realidade . Tais säo a de conhcer
que conhecia, embora um pouco vagamente, da luta que empenhara linguas; näo ser eloquente, -e o Faria do omance q,:1 o d1z a
por uma ideia, e pö-lo ao servigo do entrecho do romance, sem Dantes; _ e de lhe atribuir a morte a um icto apoplet1co, como
outras preocupagöes. de f acto aconteceu no recanto da rua des Orties, onde o padre se
Faria falava com tal convicäo -escreve o romancista -que acolheu, desgostoso e abandonado, no final da vida.
parecia s6 dfzer a verdade.
O ABADE FARIA NA LENDA 0 ABADE FARIA NA LENDA 133
132

Mas ja a epoca da sua morte, no romance, näo e a mesma. Dumas poe em relevo os conhecimentos hist6ricos e filos6ficos
Dumas prolonga-lhe a vida por mais dez anos. E possivel que do Faria-prisioneiro. De facto, o padre Faria foi professor de Fi-
ignorasse a data do seu falecimento , ou isso o näo preocupou. losofia em Marselha.
« -Sabe, pergunta Faria a Edmond Dantes, que do choque
Dalgado pretende demonstrar que o tesouro de que fala o
das nuvens sai. .. a luz?»
romance näo e mais do que uma alusäo directa as suas doutrinas « -Näo ...» responde Edmond.
sobre o sonambulismo, tesouro de que todos se riram e que os Tarnbern o publico näo conhecia a verdade do magnetismo.
homens de ciencia, algumas decadas de anos depois, sintetizados Näo vamos täo lange nesta interpretaäo, alias bem arqui-
no Dantes do romance, vieram a confirmar. tectada. Ficamos na identifica äo da personagem real com a per-
Dumas näo podia conhecer nessa epoca o movim ento cientifico sonagem do romance . Dumas afastou-o por eompleto do martirio-
da reabilita äo da obra do padre portugues, Seria uma previsäo, I6gio sofrido em Paris para lhe criar um outro, inteiramente fan-
pouco provä.vel, da verdade das doutrinas de Faria. Alem disso tasista, adentro do hist6rico presidio de If.
teriamos de atribuir a Dumas um simbolismo exagerado, nada Dumas levou-o da vida real para o romance . Apresentou-o
habitual na sua maneira de escrever. como crente, que sempre foi, e como homem de bem a quem, por
A termos de enveredar por esse caminho, deveriamos inter- exemplo, repugnava o assassinio dos guardas da prisäo, pois
pretar a referencia ao sistema de N ewton, que, na frase de Dumas, Dantes chegou a propor-lho para conseguirem a fuga. Marcou-lhe
as teorias matemä.ticas do Faria do romance viriam a modificar, as datas mais notä.veis da vida, assinalou-lhe uma cultura invulgar .
como representando a inutiliza äo das doutrinas fluidicas de Mes- Mas as descrigües de Dumas s6 raras vezes se ajustam ao
mer, ponto culminante das doutrinas defendidas no seu livro. original. Assim, diz o romancista que:
O Tratado da poss ibilidade d e uma monarquia geral em Italia, «Era uma personagem de pequena estatura, de cabelos em-
que ele teria conseguido escrever na prisäo, seria um disfarce para branquecidos antes pelo desgosto do que pela idade, de olhar pe-
netrante escondido sob espessas sobrancelhas e uma barba ainda
ocultar as Causas do sono lucido, que o verdadeiro padre Faria
preta que lhe descia ate ao peito. A magreza do seu rosto » -con-
escreveu e a que fizemos largo comentä.rio.
tinua Dumas -«Sulcado de rugas profundas, a linha geral dos
Dalgado aponta ainda outras passagens com que pretende tragos caracteristicos, revelavam um homem mais habituado a
demonstr ar a sua tese. Citamos algumas: exercer as faculdades morais do que as foras fisicas.»
Faria, no romance, leva quatro anos a fazer os utensilios de Desta exposiäo deduz-se um ou outro trao fision6mico
que se serviu para esburacar o tunel no muro da prisäo, e dois a exacto; mas apresenta-o como um homem baixo, quando era exac-
tres anos a cavar a argamassa dura. 0 padre Faria fez confe- tamente o conträrio ; fala de uma barba que ele näo usou, mas
rencis quatro anos e levou dois a tres a escrever a sua obra. que era indispensävel a indumentä.ria do prisioneiro e nada diz
Edmond Dantes, o companheiro de prisäo de Faria no Castelo da caracteristica fision6mica fundamental: a cor bronzeada, a que
de If , achava que as faculdades do seu amigo e mestre eram quase nenhum dos seus criticos deixou de se referir por ser a que mais
sobrenaturais. Os frequentadores das suas sessöes da rua de impressionava, especialmente em pais onde näo era vulgar.
Clichy, em Paris, tambem o consideravam possuidor de poderes Dumas näo quis reproduzir Faria, pelo menos com a preocupa-
ocultos extraordinä.rios. äc de uma c6pia. Nero era essa a sua orientaäo artistica.
0 ABADE FARIA NA LENDA I 0 ABADE FARIA NA LENDA 135
134
I Se assim foi, conseguiu-o de uma maneira brilhante. Foi
O brilhante romancista tinha uma grande predilecQäo pelas
coisas extraordinarias. E passive !, por isso, que acompanhasse, J Dumas, inquestionavelmente; quem lanou o nome do padre Faria,
ainda na sua terra natal, as discussöes originadas em torno do quem o tornou conhecido, quem o divulgou.
sonambulismo e dos magnetizadores . E tudo leva a crer que, ao Esse grande servigo se deve ao imortal romancista.
chegar a Paris, em 1823, tres anos e meio depois da morte de 0 Conde de Monte-Cristo teve um grande sucesso e, como
Faria, nao s6 ouvisse falar repetidas vezes da seu nome e do firn a contece aos romances que alcangam uma notavel celebridade, foi
que teve, ap6stolo de doutrinas, escarnecido e desprezado, mas trasladado para a cena. E a maneira fä.cil de os tornar, sem maior
ate e crivel que frequentasse canferencias sobre o sonambulismo, canseira, acessiveis ao grande publico.
como as de Bertrand, que sao do seu tempo . Teria mesmo passado Foi dramatizado e representado pela primeira vez em 3 de
a vista pela obra de Faria, aparecida, como dissemos, em 1819? Fevereiro de 1848 no Theatre Historiq_ue de Paris, onde obteve um
Nao sabemos responder, mas ha um f acto sobre que nao grande sucesso (1) .
podem restar duvidas: Alexandre Dumas acreditava no magne- 0 drama, embora oculte pormenores que o romance contem,
tismo animal e teve sessöes de sonambulismo em sua casa. Delas nao altera em nada a cena da prisäo. E no acto Ill -Sexto quadro
da conta G. A. Gentil, num trabalho publicado em Paris, em 1849, -A prisäo de Edmond no Castelo de lf -que se desenrola a
conversa entre os dois prisioneiros.
e que subordinou a este titulo: Initiations aux myster es de la theo- rie
du rmagnetisme animal, suivi d'experiences faites a Monte- A cena IV representa Edmond Dantes no cä.rcere quando
sente o ruido de alguem que trabalha num dos muros. Na imediata
-Christo, chez Alexandre Dumas. o carcereiro traz-lhe a alimentaao e na cena VI estabelece-se o
O romancista publicou mesmo, pouco tempo depofs de ter-
diälogo entre Edmond e uma voz atraves do muro. Um pouco
minar o Conde de M onte-Cristo, As Mem6rias dum medico-Jose de trabalho mais e aparece Faria, que consegue estabelecer mna
Bälsamo -o que denuncia a sua predilecgaa por estudos similares. comunicaao entre o seu cärcere e o deste prisioneiro , por um
Seja como for, Dumas nao se preocupou, no seu romance, com erro de calculo, pois contava alcangar lugar asado para a fuga.
as doutrinas de Faria. Nao o interessou a obra; fascinou-o o Conta a Edmond os seus trabalhos e o seu desanimo. Era o
homem e a sua vida. Soube que foi um sacrificado por uma ideia esforgo de seis anos de luta! Era a perda da ll.nica esperanga que
que considerava exacta, pois acreditava nos resultatlos das pra- lhe restava !
ticas hipn6ticas. Por isso utilizou a personagem cujo nome ainda E nessa cena, trazida fielmente do romance, que Faria ma-
devia ecoar nos meios em que se praticava o magnetismo quando nifesta o seu alto valor mora:l.
comegou a escrever o Conde de Monte-Cristo.
(1) Os papeis de Edmond Dantes e Faria foram confiados aos actores
Par outro lado, dava-se a coincidencia de desenvolver a acgao M ligne e Bonnet.
do romance em torno de 1815, epoca em que viveu 'F'aria. Apro- Ern 1862 foi de novo levado ä. cena no Ambigu, sendo o papel de Faria
interpretado por Rouvier, e em 1880 no Gaite, em que o actor Talieu se
yeitou-o no prop6sito de dar um nome verdadeiro, mas sob um encarregou de exibir o padre portugues.
disfarce romanesco, a epoca, inteiramente afastado da realidade Houve uma nova representa!;äO do drama em 1 de Novembro de 1883
neste Ultimo teatro, cuja receita foi destinada a aumentar a subscri!;äo para'.
da personagem, que possivelmente quis ressuscitar de um injus- a estätua de Alexandre Dumas, !naugurada, tres dias depois, na praC(a de
tificado esquecimento. Malesherbes.
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Dumas näo prejudicou Faria; pös-lhe em realce algumas das Uma posteridade imediata näo conseguiu resgatar a sua me
qualidades e ocultou outras. Sobretudo dif undiu o seu nome. Houve m6ria das acusagöes com que o amortalharam.
uma epoca em que todos se relacionaram com a lendäria figura Ern Portugal ficau pouca menas que esquecido. Apenas o
do Abbe Faria. canheciam do ramance de Dumas, sem que a gente desatenta se
Conta Dalgado, na sua Mem6ria, que, quando foi ver a casa lembrasse da obscura persanagem portuguesa que deu origem ao
n.1 7 da rua Ponceau, disse a porteira, que amavelmente lhe mos- prisioneiro do Castelo de If.
trou algumas salas: Tentamos hoje contribuir para resgatar mais de um seculo
« -Sabe a razäo da minha visita ? de quase campleto esquecimento, mostrando a visäo esclarecida
da padre portugues na apreciagäo de fen6menos de intrincada
-Näo, senhor.
textura psiquica.
-1!: que estou convencido de que o padre Faria habitou Sirva o nossa desejo de desculpa as deficiencias do estuda e
esta casa em 1792. que o seu name se perpetue na hist6ria das ciencias em Portugal,
-Issa pade lä ser -diz a porteira. -0 padre Faria nunca onde bem mereee ser inscrito cam as honras a que tem jus.
existiu. 0 senhor estä a divertir-se comigo.» 0 padre Faria foi bem maior na realidade da que na lenda.
Dalgado acabau por assegurar-lhe a verdade da afirmativa Acompanhamos a presente monagrafia de uma extensa bi-
e a sua obra foi, decerto, a primeira reabilitagäo seria do nosso bliografia ate 1890. Dessa epoca para cä. e menos numerasa e
biografado. menas interessante. S6 um ou outra trabalha merece ser referido.
A porteira conhecia apenas o padre Faria da romance de Destinamos esses esclarecimentos näo s6 aas que pretendem
Dumas. 0 mesmo sucede, ainda hoje, a grande maioria dos par- aprof undar um ou outro ssunto do nosso trabalho sabre o padre
tugueses. Contuda, a obra cientifica do infeliz padre goense foi Faria, mas tambem para mastrar que ainda hä poucos anas alguns
notabilissima, pois colocou o prablema do hipnotisma no lugar medicas caiam em erras grosseiros a prop6sito da importäncia
donde nunca mais puderam deslocä-lo. As novas investigagöes s6 dada a hipnose coma meio terapeutico. Bastam alguns enunciados
vieram canfirmar a quase totalidade das suas observagöes e para evidenciarem deficiencias de diagn6stica e de interpretagäo.
doutrinas. Näo admira, pois, que o padre portugues, näa senda medico,
Faria, atormentado desde a infä.ncia por desavengas familiares, tres quartos de seculo antes incorresse tambem em exageras e
sacrificado pelo exilia, que veio a ser perpetuo, lange da pätria em prejuizos.
distante, perdido na meio turbulento de Paris, numa epoca de A hipnase perturbou, durante um largo perioda da medicina, o
tormentosa palitica, desfeitas todas as esperangas de alcangar sensa critica dos observadores, o mesmo sucedendo a histeria, irma
triunfos na carreira eclesiästica, divagou, apegado ao bordäo da gemea, com o seu lado espectaculoso e mistificadar,
filosofia que cursara na Universidade Cat6lica de Roma, na ansia Esta neurose s6 ficou com os limites bem marcadas depois
de alcangar a verdade no campo em que veio a consumir a sua dos notabilissimos trabalhas de Babinski.
actividade. 0 hipnotisma, desde essa epaca, reduziu tambem a sua es-
A carreira de honesto e minucioso abservador alcangou o fera de acgäo aa perimetro do pitiatismo, näo passando alem das
firn desejado. Somente foi incompreendido e como recompensa do barreiras sugestivas com que o balizaram. Decaiu da alta conceito
seu esforgo cobriram-no de doestas e levaram-no a miseria. em que o tiveram os magnetizadores das fins da seculo xvm e
138 0 ABADE FARIA NA LENDA

IIllClO do seculo XIX; perdeu O poder curativo que lhe atribuiram


os medicos, ate hä. trinta anos, e passou de moda, näo s6 por
lhe terem descoberto sucedaneos psicoterä.picos mais vantajosos,
mas ainda porque temem abordä.-lo com receio de cair em exageros.
0 padre Faria avulta assim a nossa critica como um juiz
severo a decidir sobre as doutrinas do seu tempo com uma impar-
cialidade e uma independencia dificeis de excecler.
Tivemos o prop6sito, ao escrever este trabalho, de o tornar
acessivel aos menos familiarizados nestes assuntos. Procurä.mos,
tambem, näo alterar as linhas gerais da conferencia realizada.
Näo lhe demos, por isso, a largueza que algumas passagens re- B I BLI O G R A F IA
clamavam.
Tarnbern näo se compadecia com o nosso intento o transfor-
marmos esta monografia num tratado de hipnotismo E assunto,
na hora presente, relegado para a hist6ria da medicina. Seria es-
tulta pretensäo pretender traze-lo de novo a tela da actividade
cientifica.
Mas voltarä. um dia. Os factos persistem, embora possa dis-
cutir-se a interpreta äo. Näo morrerä. nos arquivos das livrarias.
E quando lhe soar a hora do ressurgimento, desempoeirado ou
trajado de novo, com eles se recordarä. mais vivamente a obra do
padre portugues.
PARACELSO -Pratica Theophrasti Paracelsi. Nuremberg, 1529.
BODIN -De la demonomanie des sorciers. Paris, 1587.
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':"';-.., ·r r...Q!t: . . ,m, m, m, = n= =

IN DIC E
I-Preämbulo ........................................................................ 7

II -De Paracelso a Mesm er ................................................... 13

m-0 Sonambulismo ............ ................................................... 21

IV -Pai e Filho ............................. ........................... ............. 29

V -A Conjuragäo de Goa de 1787 .......................................... 37

VI -0 Professor de Filosofia ................................................... 45

VII -As Sessöes da Rua Clichy ................... ............................. 53

vm-As Doutrinas do Abade Faria .... ............... ....................... 63

IX -A Sintomatologia do Sonambulismo 73

X -Processos Terapeuticos e Erros de Interpreta gäo ............... 83

XI -0 Hipnotismo Ap6s a Morte de Faria .................... . ............ 93

XII- Os OltimosAnos do Abade Faria .................................................103

Xlll -Os Detractores de Faria ............................................................. 111

XIV -0 Abade de Faria na Lenda ........................................................125


®
.. ....COLEC<;ÄO JANUS
Dois rostos da mesma realidade, passado e futuro, Ceu e In-
ferno, inicio e firn. Na sua b(arca) passamos da f ace aparente das
coisas a f ace escondida a que muitos poucos tem acesso. E assim
navegamos sem nos perdermos, sobre as äguas da indiferena e
do caos. No firn da viagem, com as suas chaves abre-nos a porta
da sua terceira (verdadeira) f ace: a do eterno presente.
Serie CONTRA-
INICIAQAO
A EXPERI:BNCIA DEMONIACA
de
Ernest de Gengenbach
Volumes I e II
Serie
HISTORIA
msTc>RIA DA FRANCO-MA{)ONARIA EM PORTUGAL
1733-1912
M. Borge Grainha.
Volume III
«PROFECIAS» DO BANDARRA
Apresenta äo de
Ant6nio Carlos de Carvalho
Volume IV
PARA A filSTöRIA DA FRANCO-MA90NARIA EM PORTUGAL
1913,-1935
de
Ant6nio Carlos de Carvalho
Volume V Composto e impresso
A lllSTöRIA SECRETA DE PORTUGAL nas oficinas graficas
de de Mirandela & C.• -
Ant6nio Telmo Travessa do Ferragial.
3, em Junho de 1977.
A SAIR : -L IS B O A -
Serie
TEXTOS TRADICIONAIS
A CRISE DO MUNDO MODER.NO
de
Rene Guenon
0 ESOTERISMO DE DANTE
de
Rene Guenon
Serie
SATURNALIA
MAGIA SEXUALIS
de
Beverly Rondolph
Serie
HISTORIA
AKHENITON E NEFERTITI
0 CASAL SOLAR
de
Christian Jacq

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