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OPINIÃO
O STJ não aplicou a detração. Também não sei se foi pedida. Não importa. Quero
falar sobre o vem sendo discutido: cabe ou não cabe a detração nas circunstâncias
concretas do caso?
A detração está prevista no artigo 42 do Código Penal, que dispõe que “Computam-se,
na pena privativa de liberdade e na medida de segurança, o tempo de prisão
provisória, no Brasil ou no estrangeiro, o de prisão administrativa e o de internação
em qualquer dos estabelecimentos referidos no artigo anterior.”
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2019429 ConJur Lenio Streck: Detração pode ser aplicada em grau de recurso!
Assim, valendo o que disse Barroso, parece óbvio que o cumprimento da pena após
o segundo grau é preventiva ou provisória. Eu não tenho dúvida disso. Afinal,
insisto, se o STJ ou o STF anulam todas as provas e com isso o réu vem a ser absolvido,
e ele já cumpriu parte da pena, essa “pena” era o quê? Definitiva ou provisória? Isso
vale para diminuição de pena.
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as instancias recursais (STJ e STF). E qualquer prazo que o condenado tenha estado
na prisão deve ser computado para fins de cálculo de regime de cumprimento. De
novo, é uma questão da principiologia que sustenta a norma que exsurge do texto
(texto e norma são coisas diferentes, lembra Fr. Müller).
Essa questão acima nos remete a outro ponto, que ilustro a partir de um antigo caso
brasileiro. Tão antigo quanto pouco conhecido, lamentavelmente. Leiam abaixo.
Foi com base nesse dispositivo legal que os escravos Lino e Lourenço postularam
sua liberdade, já que, incorporados a uma comitiva que levou víveres para soldados
brasileiros no Paraguai, atravessaram território livre (Argentina). Estabelecia a lei
que
Ou seja: lido o dispositivo de forma literal, Lino e Lourenço não tinham direito. Só
que, aplicada à luz de sua finalidade (acabar aos poucos com a escravidão), a lei
dizia terem eles direito à liberdade.
Logo, uma interpretação da legislação processual penal à luz de sua finalidade, à luz
dos princípios que lhe sustentam, é uma obrigação do intérprete.
Porque o ponto é: respeitar os limites semânticos de um texto não é, não deve ser,
um exegetismo do século dezenove. Já digo isso há três décadas. Respeitar a lei não
exige um textualismo barato, raso, ingênuo. Por vezes, uma leitura literal pode ser
desejável, nos casos de garantias de liberdade. Às vezes, respeitar a lei quer
significar que é, a partir do que o texto diz, é obrigação do intérprete identificar o
que o texto tem a dizer na sua finalidade. Ou seja, há que se perguntar: por que a lei
foi feita? Como alcançar a igualdade prevista pela Constituição?
É por isso que essa não é uma questão casuística. É exatamente uma questão de
respeitar o Direito. Recorro a Lon Fuller:
um sistema jurídico que não observa os princípios por meio dos quais é capaz de
realizar sua função não é um sistema jurídico digno do nome.
E a nossa Constituição, que tem força normativa, é uma Constituição que prevê
garantias. É uma Constituição democrática, que impõe limites, parâmetros, que
impõe critérios.
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