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Esta publicação substitui a série anterior “Policy Paper” e também está disponível na internet:
www.fes.org.br.
Índice
Apresentação 5
Introdução 7
O grupo de trabalho 9
- Forças Motrizes 14
4- Recomendações de Política 27
Bibliografia 28
Apresentação
Ao longo dos últimos 35 anos, a Fundação A produção do conjunto de idéias e visões reu-
Friedrich Ebert (FES) tem promovido e apoiado nidas neste texto por um grupo diverso de espe-
milhares de debates e atividades sobre diversos cialistas e sistematizadas pelo professor de História
aspectos do desenvolvimento brasileiro. Desde Econômica e Economia Brasileira da Universidade
a ampliação dos direitos políticos, econômicos e de São Paulo, Alexandre de Freitas Barbosa é uma
sociais, passando pelo fortalecimento dos parti- contribuição para este debate no Brasil. A par-
dos políticos, sindicatos, governos de esquerda e tir desta produção, será possível observar que o
organizações da sociedade civil, até a formação Brasil, na primeira década do século XXI, tem de-
de lideranças sociais e políticas. Estas atividades monstrado enorme vigor no seu desenvolvimen-
deságuam em propostas e diálogos qualificados to econômico e social, mas que ao fazê-lo exibe 5
entre atores sócio políticos, com vistas a consoli- também novas contradições e desafios, os quais
dar um modelo de democracia com justiça social se impõem aos governantes e a todas as lideran-
no Brasil. ças políticas, econômicas e sociais brasileiras.
Como parte de nossas atividades relacionadas Este texto foi constituído a partir da sistemati-
à promoção de debates sobre a agenda progres- zação de diferentes visões de mundo de um grupo
sista para o desenvolvimento socialmente justo e qualificado de especialistas, em diversos campos
ambientalmente sustentável, a FES tem promovi- de atuação das ciências humanas. Os cenários
do, desde 2010, diálogos amplos e qualificados são ferramentas úteis para pensar o futuro e con-
sobre o presente e o futuro do desenvolvimento tribuir para a tomada de decisões diminuindo as
dos países da América do Sul e México através da incertezas sobre o provável alcance das nossas
implementação do projeto regional “Novos enfo- ações; originam-se de um esforço para imaginar
ques de desenvolvimento na América Latina”. possíveis futuros e fornecem um subsídio impor-
tante para o debate.
No contexto da crise econômica e financeira e
de suas lições relacionadas à insustentabilidade do A FES teve o papel de facilitar um processo de
modelo de desenvolvimento altamente poluente discussão cujo resultado consideramos uma peça
e socialmente injusto promovido em diferentes útil para definir estratégias e pensar políticas para
graus por muitos países; o futuro caminho para a a promoção do desenvolvimento socialmente jus-
inclusão social e a eliminação da pobreza em um to e ambientalmente sustentável no Brasil.
contexto de crescimento econômico e harmonia
homem-natureza compõem o cerne do debate
civilizatório que enfrenta a humanidade.
Introdução
Fazer previsões não é nada fácil, como se pode no, e pode ser acompanhado a partir de uma leitura
comprovar a partir de um cotejamento das emprei- dos jornais e dos debates realizados no âmbito do
tadas de muitos economistas no terreno da futuro- governo, da sociedade civil ou das universidades.
logia. Este projeto, porém, segue outros propósitos:
nosso intuito é apontar os horizontes de oportuni- Entretanto, as opções em jogo não se encon-
dades no longo prazo, tomando como parâmetro o tram bem definidas e os temas em discussão são
Brasil de hoje, seus dilemas e potencialidades. bastante variados. Como adentrar este cipoal de
idéias e fatos e apontar para uma visão do conjunto
O Brasil que, de fato, emergirá em 2020 será da floresta, lançando um olhar sobre os caminhos
mais complexo que aquele contido nos cenários abertos face às contradições do nosso desenvol-
aqui apresentados. Como Mario de Andrade vimento? Como buscar a partir do emaranhado 7
(1978) afirmou em crônica de 1929, “na verdade de temas e projetos, aqueles com potencial para
este nosso país ainda pode dar esperança de si ... se viabilizarem enquanto portadores de futuro?
Mas é simplesmente porque arromba toda con- Como transcender a contenda eleitoral, e as dis-
cepção que se faça dele”. putas políticas localizadas, elencando os fatores
com suficiente envergadura para promover mu-
Portanto, mais do que acertar a “cara” do Bra- danças qualitativas na economia e na sociedade?
sil em 2020 – exercício que estaria, de antemão,
fadado ao fracasso – pretendemos, a partir de A partir da metodologia de elaboração de ce-
uma metodologia específica, pensar de maneira nários utilizada no âmbito do projeto – e aplicada
sistemática as possibilidades futuras, construídas ao longo de três reuniões com representantes do
a partir de nosso presente. Desta maneira, acre- pensamento acadêmico e da sociedade civil - lo-
ditamos ser possível fornecer algumas referências grou-se construir um horizonte de questões estra-
para a tomada de decisões políticas num cenário tégicas para o desenvolvimento brasileiro.
de incerteza (FES, 2010).
Na implementação desta metodologia o papel
Parte-se da premissa que a elaboração de ce- do grupo de trabalho mostrou-se fundamental. O
nários não pode servir como substituto do real. sucesso na elaboração dos cenários, assim como
Trata-se de um processo contínuo, sempre repos- a sua complexidade e abrangência depende da
to, à medida que a própria realidade sócio-eco- capacidade para se constituir um grupo diverso e
nômica, assim como seus contornos políticos, qualificado. Afortunadamente conseguimos reu-
assume novas feições. nir – e agradecemos aqui a todos e a todas que
participaram – pessoas representativas de diversos
É certo que o embate político, travado nos pla- setores e temas, altamente qualificados, abertos ao
nos nacional e global, a definir o curso da história diálogo e entusiastas, condições essenciais para o
nos próximos 10 anos, faz parte do nosso cotidia- desenvolvimento da metodologia.
O primeiro encontro tratou de apontar as carac- Ainda assim, tomamos como referência al-
terísticas básicas do desenvolvimento brasileiro na guns princípios gerais. Em termos muito sintéti-
primeira década do século XXI. O objetivo foi elabo- cos, o que se almeja para o país é um “desenvol-
rar um mapa mental de “onde estamos”, que serviu vimento socialmente inclusivo e ambientalmente
de ponto de partida para que pudéssemos cogitar sustentável” (Sachs, 2009), e que possa se ins-
sobre o “onde podemos chegar em 2020”. crever “nos limites do internacionalmente ainda
permissível e do nacionalmente ainda exeqüível”
O segundo encontro procurou definir um con- (Jaguaribe, 2008).
junto de “fatores prioritários”, capazes de nortear
a trajetória do desenvolvimento brasileiro no longo Em síntese, o desenvolvimento foi o ponto de
prazo. Simultaneamente, foram listadas algumas chegada e originou-se dos consensos obtidos ao
“forças motrizes” que poderiam acarretar alterações longo das discussões, que se caracterizaram pela
expressivas nos próprios fatores prioritários, afetan- franqueza e pela liberdade de manifestação, sem
do o sentido da trajetória1. cerceamento ideológico e sem academicismos.
O último encontro teve por objetivo construir O cenário otimista pode ser lido como o resul-
cenários a partir de interações entre os fatores tado deste esforço coletivo. Não se trata de uto-
prioritários e as forças motrizes. Estes cenários pia, mas de uma possibilidade concreta. Entre-
caracterizam-se não tanto por sua factibilidade, tanto, não se elaborou uma “receita” de “como
mas pela verossimilhança e coerência interna. chegar lá”. Esta é uma tarefa da sociedade brasi-
Servem como referência para estimular a refle- leira. Não obstante, algumas recomendações de
xão sobre o desenvolvimento no Brasil e as ações política são apresentadas ao final do documen-
políticas correspondentes. to, sem esmiuçar medidas específicas ou metas
8 quantificáveis, já que o objetivo é tão-somente
Desta forma, pudemos elaborar um cenário fornecer algumas referências para se dimensio-
inercial, tido como mais próximo do presente, nar o desafio que o país deve enfrentar nos pró-
caso não haja novos elementos internos ou ex- ximos anos.
ternos ao país que tragam uma mudança signi-
ficativa de trajetória; um cenário pessimista, que A estrutura do texto encontra-se dividida da
supõe novos desafios incapazes de serem enfren- seguinte forma. Em primeiro lugar, realiza-se uma
tados pelo país; e um cenário otimista, a exigir síntese da situação do desenvolvimento Brasil no
maior esforço em termos de formulação e pla- momento atual. Em seguida, são apresentados os
nejamento de políticas públicas tanto no plano fatores prioritários e as forças motrizes do desen-
interno como no externo, além de uma efetiva volvimento, que compõem o cerne da metodo-
participação da sociedade. logia adotada no projeto. As diversas interações
entre estas “variáveis” – permeadas de incerteza e
Ressalte-se a opção feita no âmbito do proje- resultantes de equações essencialmente políticas
to de não partir de uma definição ou concepção - permitem fazer com que a situação atual se pro-
apriorística sobre o desenvolvimento. Isto daria jete para frente, levando à configuração de três
“pano pra manga” e envolveria infinitas notas de cenários alternativos.
rodapé dando conta do extenso e profícuo deba-
te sobre o tema além de, muito provavelmente, Uma terceira parte trata de caracterizar estes
desviar-nos da metodologia utilizada. Se existe cenários, buscando uma coerência mínima na
uma concepção de desenvolvimento norteadora relação entre os vários fatores prioritários que
do presente projeto, esta foi resultado do diálogo condicionam o desenvolvimento. Finalmente, na
realizado no âmbito de um grupo altamente qua- parte 4, são indicadas algumas recomendações
lificado, cuja escolha pautou-se pela heterogenei- de políticas para que o Brasil possa seguir uma
dade em termos de formação acadêmica e área trajetória que o aproxime do cenário otimista no
de atuação política. longo prazo.
1
O tópico 2 deste texto fornece mais detalhes acerca dos conceitos, assim como da metodologia utilizada.
Grupo de Trabalho
Apresentamos abaixo o resultado do processo que facilita a inteligibilidade dos cenários. Chama-
de construção coletiva dos fatores prioritários e das remos então de “fator definido” a descrição do
forças motrizes do desenvolvimento brasileiro. fator a través do aspecto escolhido. Ainda assim,
é importante ressaltar que a redação dos cenários,
Segundo a metodologia adotada, os fatores no tópico seguinte, procurou levar em conta os
prioritários do desenvolvimento interagem entre vários outros aspectos de cada fator mencionados
si, de maneira dinâmica, levando à conformação durante as reuniões.
14 dos cenários alternativos. Cada fator é definido
a partir de um aspecto central cuja variação – ou As forças motrizes são compostas por fatores
não – modifica o funcionamento do conjunto dos exógenos ao modelo e que podem interferir numa
fatores com diversas intensidades. Se isto afeta ne- dada trajetória, alterando as possibilidades do fu-
gativamente a complexidade dos cenários – já que turo. São aqui apenas listadas as forças motrizes
cada fator é composto, na realidade, por vários as- discutidas nas reuniões, as quais também serviram
pectos; por outro lado, os ganhos deste exercício de estímulo para a construção de cenários, sempre
metodológico podem ser percebidos pelo menor levando em consideração o seu impacto sobre os
nível de variáveis que compõem o “modelo”, o fatores prioritários e suas interações.
Forças Motrizes
• Articulação Crédito + Tecnologia + Empresa
• Ascensão dos Movimentos Sociais • Reforma tributária
• Radicalização dos movimentos sociais • Capacidade da Burocracia Estatal
5. Sustentabilidade Nível de emissões de gases de efeito O nível de emissões é central para avaliar 15
Sócio-ambiental estufa. a sustentabilidade sócio-ambiental do de-
senvolvimento no Brasil.
6. Concentração de poder político e Repartição funcional da renda e concen- Uma melhora na repartição funcional da
econômico tração da propriedade da terra renda e na estrutura fundiária apenas se
viabiliza se houver mudanças na concen-
tração da renda, da riqueza e do poder
político.
7. Participação dos movimentos sociais Acesso e influência nos processos O acesso e influência dos movimentos
decisórios sociais aos processos decisórios determi-
nam sua participação.
9. Condições de Habitabilidade Padrão habitacional nos grandes centros O padrão habitacional nos grandes cen-
Urbanos tros urbanos define as condições de ha-
bitabilidade das cidades brasileiras.
10. Segurança pública e sistema Índice de promiscuidade do aparelho de O nível de promiscuidade entre o apare-
judiciário segurança pública e do Judiciário com o lho de segurança publica/sistema judici-
setor privado ário e o setor privado define a qualidade
da segurança pública.
3. O Brasil em 2020: Os Cenários Alternativos
A metodologia de elaboração de cenários não “O Brasil possui condições objetivas para entrar
é propriamente nova. O seu pressuposto é que no caminho de um desenvolvimento socialmen-
16 os cenários contribuem para precisar os eixos de te inclusivo e ambientalmente sustentável, assim
uma agenda determinada, atuando sobre a in- como desempenhar um papel político de liderança
certeza, sem tentar eliminá-la, tal como aponta- entre as terras de boa esperança. Entretanto, será
do na introdução. o processo político que decidirá se o Brasil irá apro-
veitar esta oportunidade e eu não tenho como pre-
Após dispormos do conteúdo oriundo da rica ver este resultado” (Ignacy Sachs, 2009)
discussão entre acadêmicos e representantes da
sociedade civil que participaram do presente pro- “O Brasil, ao se encerrar o século XX, se encon-
jeto, tomamos como referência para a redação dos tra extremamente despreparado para enfrentar os
cenários, o trabalho de Jochen Steinhilber (2008) desafios do novo século. Não se trata, apenas,
sobre as relações internacionais da Alemanha. embora também, do fato de o país – contrariando
as expectativas dos anos 50 e 60 – ingressar no
Foram também bastante úteis as leituras dos século XXI sem ter sido capaz de superar o seu re-
textos de Ignacy Sachs e Helio Jaguaribe, ambos nitente subdesenvolvimento. Embora grave, esta
definindo o ano de 2020 como o horizonte para a limitação não é fatal. O país já atingiu um nível
reflexão sobre cenários para o Brasil (Sachs utiliza o suficiente para, ainda que retardatariamente, al-
ano de 2022 por seu aspecto simbólico, tendo em cançar esse antigo objetivo dentro de um par de
vista o bicentenário da independência). Estes dois décadas se adotar, consistentemente, as medidas
autores também nos auxiliam a pensar de maneira para tal requeridas” (Helio Jaguaribe, 2008).
ousada, imaginando concretamente as condições
que poderiam fornecer uma alteração na nossa Não podemos deixar de mencionar também o
trajetória histórica de desenvolvimento. A título de importante esforço realizado pelo governo federal,
ilustração, transcrevemos dois trechos ilustrativos no âmbito da sua Secretaria de Assuntos Estratégi-
desta postura prospectiva e não menos crítica. cos (SAE)2. A publicação “Brasil 2022”, lançada em
2
O presente projeto coordenado pela FES e a iniciativa da SAE mostram-se complementares. No nosso caso, priorizamos a construção de cenários
alternativos a partir da interação entre os vários fatores definidos como prioritários, os quais estabelecem algumas precondições para “o desenvolvi-
mento econômico, social justo e ambientalmente sustentável”. Já no documento da SAE, prioriza-se a definição e quantificação de metas em cada
uma das áreas de modo a viabilizar o cenário otimista em 2022.
dezembro do ano passado, contempla um plane- de sua evolução histórica, e apesar dos seus vários
jamento com metas específicas definidas por 37 significados nos distintos períodos, não teríamos
grupos de trabalho, com participação da socieda- qualquer dúvida. Esta palavra-síntese atende pelo
de civil, e aprovadas pelos respectivos Ministros nome de desigualdade.
de Estado. Segundo a SAE (2010), o objetivo é
construir, em 2022: Vamos, pois, aos cenários.
Uma nova polarização pouco construtiva A economia internacional segue marcada pela
se estabelece entre aqueles que defendem um instabilidade. Prossegue a “guerra cambial”, em
Estado enxuto no social e mais espaço para o virtude da ausência de um mecanismo de coor-
mercado e os cada vez mais amplos segmentos denação das políticas econômicas das principais
dos movimentos sociais que apostam numa ati- potências e do fracasso em se regular os fluxos de
tude confrontacionista. capitais privados de curto prazo. Acordos pontuais
entre os principais bancos centrais – orquestrados
O Gigante com Pés de Barro no âmbito do G-20 – impedem a conformação de
uma crise sistêmica generalizada.
Resumo: em 2020, o Brasil apresenta-
se como economia dinâmica, em virtu- O G-20 dos líderes substitui o G-8, mas não é
de das exportações de commodities e capaz de gestar novos consensos de longo prazo
20 do crescimento do mercado interno e que abram caminho para reformas nas agências
regional. Isto permite atacar a pobre- multilaterais ou para o encaminhamento dos im-
za absoluta e universalizar o acesso ao passes que travam as negociações comerciais e
ensino básico. Afirma-se como potência ambientais. O comércio cresce por força do cres-
geopolítica, ao nível regional, e adqui- cimento das economias emergentes, da expan-
re crescente protagonismo em assuntos são das transnacionais e dos acordos comerciais
globais. Em termos sociais, a marca con- bilaterais e regionais. Regras ambientais frouxas
tinua sendo a desigualdade de renda, a são aprovadas, de maneira voluntária, abrindo
concentração fundiária, o desrespeito espaço para a atuação do setor privado e trans-
ao meio ambiente e as precárias condi- formando a preservação do meio ambiente em
ções de vida das populações urbanas. O espaço de valorização econômica para alguns
sistema político apresenta-se ainda mais países e segmentos empresariais.
concentrado, abortando as iniciativas
provenientes da sociedade. Tal descola- Não são criadas novas instituições globais
mento entre o político e o social é agra- mais representativas e transparentes. As rema-
vado pela manutenção do monopólio nescentes de Bretton Woods sobrevivem, com
dos meios de comunicação, que ademais alterações marginais impulsionadas pelas crises
compromete a expressão da diversidade recorrentes e pelas pressões impostas pelas no-
e da crescente pluralidade das manifes- vas potências emergentes.
tações culturais.
O Brasil volta a sofrer com a vulnerabilidade
Durante a segunda década do século XXI, a externa toda vez que o crescimento se eleva de
economia brasileira consegue sustentar taxas ra- maneira pronunciada, apesar do alto volume de
zoáveis de crescimento econômico, entre 4% e reservas internacionais. Este cenário seria detona-
5%, acima dos países desenvolvidos, mas abaixo do por uma queda ou estabilização do preço das
das economias dinâmicas em desenvolvimento. commodities junto com uma saída do país dos flu-
xos de capitais de curto prazo. Por outro lado, nos em cascata, enquanto o gasto social cresce ape-
momentos de euforia internacional, o país passa a nas a níveis vegetativos, colado ao crescimento
sofrer com a inundação de capitais privados, o que do PIB, em virtude da manutenção da carga de
ocasiona a valorização da sua moeda. juros a níveis elevados. A dinamização do merca-
do de trabalho prossegue, com uma taxa menor
A oscilação cambial resultante compromete de expansão do emprego, e associada a uma ele-
uma política de elevação sustentada dos investi- vada rotatividade. Posterga-se a reforma sindical
mentos privados, na medida em que faz abortar e trabalhista, o que compromete ainda mais a re-
a política de redução paulatina dos juros. As pre- presentatividade dos sindicatos e a possibilidade
tensões de universalização das políticas sociais são de ampliação dos direitos para as categorias não
revistas para baixo. reguladas pela CLT.
Neste contexto, o Estado acaba por assumir Como resultado, segmentos do mercado de
um maior protagonismo especialmente na agenda trabalho mais especializados e com maiores taxas
econômica, o que se deve ao papel das empresas de sindicalização, geralmente situados nos setores
e bancos estatais. O mercado interno mostra-se de maior produtividade, conseguem ampliar suas
dinâmico, viabilizando a elevação de empregos, conquistas e melhorar o seu padrão de vida, ao
no entanto, concentrados nos baixos salários, e passo que a rotatividade e a precariedade seguem
a expansão tópica de algumas políticas sociais, caracterizando o cotidiano de cerca de metade dos
sem que haja uma melhora expressiva nos baixos trabalhadores ocupados.
rendimentos de médicos, professores, policiais e
demais trabalhadores da área social. A situação da economia e do mercado de
trabalho permite financiar a previdência, ao me- 21
Tal cenário permite universalizar o acesso ao en- nos até que segmentos expressivos de não-con-
sino fundamental e expandir de maneira substan- tribuintes comecem a se retirar do mercado de
tiva o ensino médio, os quais continuam marcados trabalho, impondo uma maior pressão sobre o
pela baixa qualidade. A necessidade de mão-de- gasto social.
obra mais qualificada é preenchida pela iniciativa
privada ou por cursos fornecidos pelas escolas téc- A sustentação de níveis razoáveis de dinamis-
nicas estaduais e federais. As universidades públi- mo econômico permite o surgimento de novas
cas afirmam-se como centros de excelência, porém posições na estrutura ocupacional, as quais ten-
não conseguem irradiar seu conhecimento pelo dem a exigir maior grau de escolaridade e de ex-
sistema produtivo ou por meio de políticas sociais periência profissional. Este processo de ascensão
mais eficazes. Paralelamente, as universidades pri- social tende a favorecer os homens em relação às
vadas abarcam parcela ainda maior das novas ma- mulheres, os brancos em relação aos negros, os
trículas, atendendo de forma precária os alunos jovens em relação aos mais idosos, gerando novas
provenientes dos estratos sociais mais baixos. fontes de desigualdade, que haviam se congelado
durante o período de baixo crescimento das últi-
Os níveis de desigualdade se mantêm eleva- mas décadas do século XX.
dos – os maiores dentre as grandes economias do
planeta -, já que a aliança política que sustenta os Neste quadro de crescente heterogeneidade
sucessivos governos não consegue promover mu- social, os movimentos sociais experimentam um
danças de vulto na estrutura tributária, no gasto processo de fragmentação. O sistema político não
social e nas relações de trabalho. é capaz de processar suas demandas, enquanto a
defesa do modelo econômico – produtivista, con-
A reforma tributária, na melhor das hipóte- centrador, mas apesar de tudo dinâmico - encon-
ses, apenas redistribui a carga tributária entre os tra apoio em segmentos de classe privilegiados na
entes da federação, reduzindo a sua incidência estrutura de poder e na grande mídia.
As condições de habitabilidade urbanas, ape- arranjos produtivos locais dinâmicos – alguns até
sar de alguns programas-piloto construídos em mesmo nos segmentos de fronteira tecnológica
parceria com a sociedade civil, e dos maiores - conectados aos mercados interno e externo.
investimentos em infra-estrutura, seguem mar- Porém, o potencial para alteração das dinâmicas
cadas pela precariedade. A incorporação de sociais e econômicas territoriais revela-se limita-
algumas comunidades urbanas aos direitos da do. Amplia-se a brecha entre áreas integradas e
cidadania não impede a conformação de ter- excluídas, agora espalhadas por todo o territó-
ritórios tomados pela violência e cada vez mais rio nacional, e não mais circunscritas a algumas
segregados socialmente. grandes regiões.
Os grandes projetos nas áreas de habitação, Apesar dos avanços em termos de redução das
transporte e saneamento mostram-se funcionais emissões de gases causadores do efeito estufa em
à expansão econômica. Porém dialogam pouco virtude da queda do desmatamento, a expansão
com as necessidades sociais e ambientais – muitas econômica acarreta maiores pressões sobre o meio
vezes, inclusive, as subestimam -, além de descon- ambiente. O movimento nacional de contestação do
siderarem as especificidades geográficas e a diver- modelo produtivista ganha fôlego, logrando elevar
sidade regional do país. os custos de atividades intensivas em recursos não-
renováveis e ampliar a sua eficiência energética. Po-
O processo de concentração econômica rém, o desenvolvimento de novas tecnologias limpas
amplia-se com a formação de grandes grupos avança muito lentamente. O país perde a possibili-
nacionais, cada vez mais internacionalizados e dade de se transformar numa potência ambiental.
capitalizados, os quais se concentram no agro-
22 negócio, na extração mineral, na construção ci- Ao longo da próxima década, o país presencia
vil, na mídia e no setor financeiro, espraiando-se a disseminação do acesso às novas mídias, que
para alguns segmentos da indústria. Incorporam propiciam a emergência da pluralidade de idéias
novas tecnologias e obtêm novos mercados, mas e visões e de novas manifestações culturais. Per-
seguem encastelados em relação ao restante da cebe-se inclusive uma maior penetração no mer-
estrutura produtiva. cado das várias culturas populares brasileiras. En-
tretanto, tal não se mostra suficiente para romper
Não se verifica um salto tecnológico para o o controle dos meios de comunicação tradicionais
conjunto da economia brasileira, dependente em pelos grandes grupos econômicos, impedindo a
grande medida das importações nos segmen- conformação de um cenário de democracia e efe-
tos mais sofisticados e da atuação das empresas tiva liberdade de expressão.
transnacionais dos setores dinâmicos no mercado
interno. Apesar de o país se afirmar como impor- O sistema político se reproduz de maneira
tante exportador de bens industriais de tecnologia centralizada, dialogando com as cúpulas dos mo-
média, a pauta exportadora prossegue concentra- vimentos sociais, elites regionais e agremiações
da em produtos primários. partidárias e beneficiando-se da concentração
dos meios de comunicação. Aspectos da refor-
O país beneficia-se da sua escala continental, ma política são aprovados de maneira cosmética,
do seu nível de diversificação industrial e de uma enquanto o financiamento público de campanha
estrutura social complexa, podendo se afirmar perde espaço na agenda nacional.
como grande potência montadora. Concentra-se
no hardware, sem conseguir avançar no software. No plano internacional, o Brasil se projeta
As exceções a este quadro confirmam a regra. como importante ator geopolítico. Entretanto,
o viés de “defensor dos mais pobres” arrefece,
A desigualdade regional assume novas fei- passando o país a priorizar a defesa da posição
ções. O Norte e o Nordeste desenvolvem muitos conquistada nos organismos multilaterais. A retó-
rica Sul-Sul da diplomacia brasileira recua face aos Em termos de estrutura sócio-política, o Brasil
interesses econômicos de alguns grandes grupos de 2020 presencia o fortalecimento dos grupos
econômicos nacionais, e também por pressão dos empresariais nacionais, ao passo que uma classe
países desenvolvidos. Os fluxos de comércio com trabalhadora mais numerosa e formalizada, com
a China, América Latina e África adquirem maior maior nível de renda e menos vinculada ao Es-
densidade, assim como o intercâmbio de tecnolo- tado parte para uma agenda mais propositiva e
gias e a cooperação técnica. crítica. Um amplo subproletariado se consolida,
dando maior força política aos movimentos so-
O papel de liderança regional do país na Amé- ciais urbanos. O campo transforma-se em espa-
rica do Sul acarreta vantagens e desvantagens. O ço de disputa entre a expansão do agronegócio
Brasil aparece como a única nação industrializa- e a defesa da agricultura familiar. A questão da
da da região, com potencial de puxar as demais distribuição da propriedade fundiária, no cam-
economias e de fornecer crédito de longo pra- po e nas cidades, da renda e do poder político
zo, além de se afirmar como a democracia mais transforma-se em fator capaz de promover no-
consolidada em termos institucionais. Serve de vos realinhamentos políticos.
“modelo”, mas também dá vazão ao discurso da
“ameaça brasileira”. Rumo ao País do Futuro
Esta parte do texto procura indicar alguns prin- 1. Ampliação da área de atuação e da eficácia 27
cípios norteadores das políticas públicas para que da política externa, tomando posição ati-
o Brasil se aproxime em 2020 do cenário acima va no G-20, nas negociações comerciais e
descrito como otimista. Cabe enfatizar que as dis- ambientais, reforçando a cooperação Sul-
cussões realizadas com os representantes acadê- Sul e as iniciativas de integração regional,
micos e da sociedade civil mostraram-se bastante sem prejuízo do intercâmbio com os paí-
fecundas, inclusive apontando para medidas con- ses desenvolvidos. No horizonte de 2020,
cretas e específicas. Optamos, entretanto, por nos o G20 seja superado por uma instituciona-
mantermos no campo de alguns princípios basila- lidade global mais representativa e demo-
res das políticas públicas. Isto nos permite traba- crática. Sua consolidação seria evidência
lharmos com o mesmo grau de generalidade que do fracasso na busca de uma governança
orientou a elaboração dos cenários. global equilibrada e democrática.
Neste sentido, listamos 10 prioridades das po- 2. Gestação de uma política econômica
líticas públicas para a década que se inicia. Res- nacional que amplie o potencial das ex-
salte-se que os efeitos destas políticas não se es- portações para além das commodities,
gotam nas áreas diretamente relacionadas, já que e dinamize o mercado interno, genera-
estes se fazem transversais ao tecido econômico, lizando a inovação tecnológica e crian-
social e político. Da mesma forma, a viabilização do novos elos intra-regionais e intra-
destas políticas não depende apenas das suas áre- setoriais; do mesmo jeito, é necessário
as exclusivas, envolvendo uma crescente comple- também avançar na integração regional,
mentaridade de esforços entre as várias “pastas” na formação de cadeias produtivas intra-
e exigindo um planejamento, não apenas indica- regionais que permitam sair da armadi-
tivo, que extravase a esfera governamental e se lha do modelo extrativista.
afirme como efetivamente democrático.
3. Universalização da educação e elevação 9. Crescente acesso e influência dos movi-
substantiva da sua qualidade, priorizando mentos sociais sobre a agenda das po-
o ensino pré-escolar, fundamental e mé- líticas públicas, contribuindo para a sua
dio, sem descuidar do papel estratégico formulação, execução e monitoramento.
das universidades públicas; junto com a É importante também realizar avanços no
expansão do processo de universalização sistema de relações de trabalho com in-
do SUS, com clara delimitação do espaço trodução de plena liberdade e autonomia
para entidades não-estatais, e a reforma sindical, bem como a implantação da con-
da previdência no sentido de ampliar o tratação coletiva de trabalho.
acesso ao sistema.
10. Estruturação de um sistema nacional de
4. Reconhecimento da necessidade de en- segurança pública, em articulação com os
frentamento das desigualdades no mer- governos estaduais, capaz de enfrentar a
cado de trabalho e no acesso às políticas promiscuidade atualmente existente entre
sociais, com atenção redobrada para as o aparelho de segurança e o Judiciário, de
desigualdades de raça e gênero; um lado, e uma vasta gama de interesses
particularistas, de outro.
5. Criação de novos indicadores e metas de
desempenho ambiental, que devem nor-
tear a expansão econômica, no sentido da
redução do desmatamento, do aumento Bibliografia
da eficiência energética e da geração de
28 novas fontes de energia; Andrade, Mario de (1976). Taxi e Crônicas do Diário
Nacional, Telê Ancona Lopes, org. São Paulo: Livraria
6. Melhoria das condições de habitabilidade Duas Cidades.
urbanas, fazendo dos investimentos em
transportes, habitação e saneamento bá- FES (2010). Nuevos Enfoques de Desarrollo em
sico não apenas mecanismos de expansão América Latina. São Paulo: FES Brasil.
econômica, mas de acesso a direitos so-
ciais e cidadania. Jaguaribe, Helio (2008), “Brasil e Mundo na Perspec-
tiva do Século XXI (2000)”, in: Brasil, Homem e Mundo
7. Redução efetiva dos níveis de concentra- na Atualidade, Helio Jaguaribe, Brasília: FUNAG.
ção de poder econômico e político, por
meio de reformas agrárias e urbanas, Sachs, Ignacy (2009), “Brasil 2022: Terra da Boa
maior participação dos trabalhadores na Esperança?”, in: Revista Tempo do Mundo, vol. N. 1,
renda nacional e maior acesso e difusão Brasília: IPEA.
de informações e cultura a partir de uma
oferta crescentemente diversificada. Secretaria de Assuntos Estratégicos/Presidência da
República (2010). Brasil 2002. Brasília: SAE, dezembro.
8. Maior representatividade do sistema políti-
co, fazendo com que os diversos interesses Steinhilber, Jochen (2008), Compass 2020: Ger-
sociais se façam representar nas institui- many in International Relations - Aims, Instruments,
ções políticas, rompendo a centralização Prospects, Berlin: FES.
do poder e o controle do governo por seg-
mentos das elites regionais, agremiações
partidárias e entidades da sociedade civil
distanciadas de suas bases.
A FES no Brasil
Fundada em 1925, como legado político do Em Inclusão Social, a FES Brasil desenvolve
primeiro presidente alemão democraticamente projetos com governos, sociedade civil e partido
eleito, a Fundação Friedrich Ebert (FES) é a mais político na busca da promoção da igualdade de
antiga das seis fundações políticas alemãs, com gêneros e racial, dos direitos das juventudes, do
quase 600 funcionários e atividades em mais de aumento da efetividade das políticas de segurança
100 países. pública e da democratização dos meios de comu-
nicação. Nesta área, a FES também tem acompa-
A representação da Fundação Friedrich Ebert nhado e apoiado o envolvimento de mulheres do
no Brasil (FES Brasil) está organizada em quatro campo da esquerda para articulação e incidência
áreas de atuação: Estado e sociedade, mundo do nos espaços em que as mulheres se afirmam como
trabalho, inclusão social e política internacional. sujeitos políticos e de direitos e contribuem para a
Cada uma dessas áreas desenvolve projetos di- alteração das desigualdades de gênero na socieda-
ferenciados, que se relacionam entre si, mas que de brasileira.
possuem uma identidade própria.
Para ampliar a capacidade de elaborar pro-
A área Estado e Sociedade visa a contribuir postas e compreender o impacto das decisões
para o aperfeiçoamento do Estado, de seu mode- internacionais na arquitetura política e financeira
lo de desenvolvimento, de suas políticas públicas internacional, a FES Brasil desenvolve na área Po-
e da relação da sociedade civil com os governos. O lítica Internacional projetos em cooperação com 29
foco dos diferentes projetos atende ao desejo de organizações da sociedade civil e instituições go-
contribuir para a modernização do Estado e para vernamentais. Esta área contribui para intensificar
o fortalecimento da participação da sociedade civil o diálogo entre os poderes emergentes e os já
na tomada de decisão em políticas públicas, tanto estabelecidos, com vistas a descobrir e examinar
no Brasil como em parceria com os demais escritó- possibilidades de cooperação política.
rios da FES na América Latina.
Temas da agenda global são incluídos sistema-
A área Mundo do Trabalho é a mais tradicional ticamente no trabalho de projeto nacional reali-
da Fundação Friedrich Ebert e é desenvolvida em zado pela FES Brasil com a intenção de discutir a
quase todos os países onde a FES está presente. grande relevância dos desafios globais para o pais
No Brasil, essa área de trabalho busca fortalecer e desenvolver posições neste sentido junto com
a capacidade dos sindicatos para intervir na de- nossos parceiros mais importantes, ou seja, CUT,
fesa dos interesses da classe trabalhadora, con- PT, ONGs e governos progressistas.
siderando e valorizando a sua heterogeneidade
(de gênero, raça/etnia, geracional, dentre outras) Em todas essas áreas, a FES desenvolve siste-
e a diminuir a assimetria na relação entre capital maticamente projetos em parceira com nossos
e trabalho. escritórios na América Latina, Bruxelas, Nova
Iorque e Berlim. A FES Brasil também apóia mis-
Junto com os sindicatos, a representação bra- sões de intercâmbio técnico e político no con-
sileira da OIT, instituições de pesquisa do meio sin- texto do diálogo entre Brasil e Alemanha, assim
dical e trabalhista bem como o governo, a FES tem como projetos de pesquisa específicos sobre in-
trabalhado em três dos quatro pilares do conceito tegração regional.
de trabalho decente: direitos dos trabalhadores,
proteção social e diálogo social.
Nossas publicações