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1994 – 2012
18 anos de produção
Caderno Seminal
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Caderno Seminal Digital – Vol. 18 – N 18 – (Jul / Dez – 2012). Rio de Janeiro: Dialogarts,
2012.
ISSN 1806-9142
Semestral
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Caderno Seminal Digital Ano 18, n 18, V. 18 (Jul-Dez/2012) – ISSN 1806-9142
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APRESENTAÇÃO
É com orgulho que apresento aos leitores a 18ª edição do Caderno Seminal
Digital, agora em um formato experimental proposto pelo coeditor Flavio García
quando produziu o número anterior.
Sigo sua proposta e reúno no Dossiê Temático um conjunto de artigos relevantes
sobre o Ensino de Línguas — L1, L2, Le, L2E, Libras e linguagens
complementares. Trata-se de relatos de estudos e pesquisas concluídas ou em
desenvolvimento, que se debruçam sobre questões de natureza sociopedagógica e
didática, trazendo à discussão uma variedade de questões que há muito povoam as
salas de aula e as academias.
Os trabalhos são subscritos em sua maioria por professores pesquisadores de
Universidades brasileiras e estrangeiras. Todavia, alguns artigos abrem a
oportunidade de jovens pesquisadores mostrarem seu potencial, uma vez que seus
orientadores abraçam a causa de incentivá-los à produção técnico-científica.
A iniciativa das Publicações Dialogarts é embalada pelo espirito extensionista,
cuja meta é abrir as portas da academia e levar, aos mais diversos rincões, a
produção de ciência, subsidiada por órgãos públicos e privados, portanto com a
obrigação de ser mostrada ao grande público e, possivelmente, servir-lhe de base
para redimensionamento de suas práticas ou de inspiração para novas invenções.
A criação do novo modelo para o Caderno Seminal Digital ensejou a edição de
número 18, que na Parte II – Miscelânea — conta com a participação de
pesquisadores europeus que aceitaram nosso convite e remeteram seus textos para
esta edição.
Seguindo o objetivo de nosso projeto editorial, buscamos reunir textos de qualidade
e autoridade acadêmica que possam dar suporte ao ensino na graduação e na pós-
graduação, consolidando o tripé em que devem assentar-se as Universidades:
Ensino, Pesquisa e Extensão.
Darcilia Simões
UERJ/CNPq/SELEPROT
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O diálogo sobre o tema Ensino de Línguas — L1, L2, Le, L2E, Libras e linguagens
complementares teve início em um encontro acadêmico. Os debates realizados
naquela ocasião, além das significativas consequências técnico-teóricas, ensejou a
continuação das trocas do que ora resulta esta publicação acolhida pelo Dossiê
Temático do Caderno Seminal Digital.
O desenvolvimento de estudos e pesquisas nas universidades de origem dos
signatários dos artigos então reunidos distribuem-se nas mais variadas rubricas:
Iniciação Científica, Iniciação à Docência, Produtividade em Pesquisa (PQ),
Prociência, PIBID etc. Esse leque de atividades possibilita um enfoque também
diversificado uma vez que são relevantes as seguintes variáveis: nível do
pesquisador (docente ou discente), modalidade da rubrica e consequentes metas,
tempo de desenvolvimento, clientela-alvo etc. Por isso, os relatos constantes desse
volume apresentam farto material adaptável aos diversos níveis de atuação docente:
do Ensino Básico à Pós-graduação.
Outra marca de nossos textos é a linguagem. Os autores constroem seus textos em
linguagem objetiva, sem rebuscamentos exóticos, uma vez que nossa meta é
comunicar em amplo espectro. Assim sendo, a leitura está aberta a estudantes,
docentes e investigadores seniores, uma vez que o apoio teórico é seguro e
confiável. Vale dizer que o conteúdo dos textos é de inteira responsabilidade de seus
signatários. Vamos ao perfil dos artigos.
Aline Deosti analisa atividades referentes ao trabalho com textos de Livro Didático
do Ensino Médio do Programa Nacional do Livro Didático (2009/2011 e
2012/2014). Em seguida aplica conceitos teóricos da Análise do Discurso de linha
francesa, em específico as noções de Foucault, a questões ligadas ao ensino e
aprendizagem de leitura.
Darcilia Simões & Rosane R. de Oliveira falam da produtividade do texto
clássico em sala de aula e, partindo de pesquisa em desenvolvimento com contos de
Eça de Queirós, trabalham palavras transparentes e opacas, semas componenciais,
campos semânticos e léxicos, expressividade e impressividade, adequação lexical e
analisam semântica e estilisticamente os itens léxicos eleitos como produtores da
ironia no córpus eciano. Na prática didática, as autoras propõem aos discentes a
produção de textos com o emprego imediato dos itens léxicos estudados. O foco é
no uso formal do Português do Brasil.
Gabriel Nascimento dos Santos, sob a orientação de Maria D’ajuda Alomba
Ribeiro, analisa as possibilidades de produção escrita na Internet através do gênero
“blog” com alunos de Língua Estrangeira/Português como Língua Estrangeira.
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................... 3
Juliana Ormastroni de Carvalho Santos & Maria Suzett Biembengut Santade .......................... 53
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TECENDO A CULTURA GREGA NO MITO ARACNE: SOB UM OLHAR SEMIÓTICO ........... 161
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Aline Deosti 1
Resumo
No Brasil, os exames oficiais de aprendizagem têm demonstrado que estudantes concluintes do
nível médio têm dificuldades em interpretar texto de média complexidade. Tendo isso em vista, este
estudo tem o propósito de analisar atividades referentes ao trabalho com textos presentes no Livro
Didático do Ensino Médio (Cereja & Magalhães, 2005) do Programa Nacional do Livro Didático
(2009/2011 e 2012/2014). E a partir da análise, propor aplicar os conceitos teóricos da Análise do
Discurso de linha francesa, em específico as noções de Foucault, às questões ligadas ao ensino e
aprendizagem de leitura.
Palavras-chave: Livro didático, Leitura, Análise do Discurso Foucaultiana.
Abstract
In Brazil, the nationals learning tests has shown that students about to finish high school have
problems to interpret complex texts. Having this in mind, this paper aims to analyze text activities
in a Brazilian mother language textbook for Secondary Education (Cereja & Magalhães, 2005) from
the National Program of the textbook (2009/2011 e 2012/2014). And I also propose to apply the
Foucault’s concept of discursive formation to develop text comprehension questions.
Key words: Mother language; Reading; Education; Discursive formation
Introdução
O livro didático é, em grande parte, a única fonte de informação científica para o
estudante das escolas públicas brasileiras, ademais, ele é um ou, se não, o material
educativo mais utilizado na escola atualmente, além de auxiliar a prática pedagógica
do professor (Carmagnani, 1999; Souza, 1999). Assim, ele funciona como meio de
contribuir para o letramento crítico docente e como suporte para o
desenvolvimento da autonomia do estudante.
Considerando os desempenhos dos estudantes concluintes do ensino médio em
exames oficiais de avaliação da aprendizagem quanto a atividades de leitura e tendo
em vista o papel fundamental do livro didático no processo de ensino e
aprendizagem de língua materna, este estudo tem, a princípio, o propósito de refletir
sobre as questões que envolvem o ensino e aprendizagem de leitura frente à
educação regular do ensino médio em escolas públicas. Para tanto traz reflexões
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UFPR/CNPq Mestrado - deosti@gmail.com
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“não é fácil dizer alguma coisa nova; não basta abrir os olhos, prestar atenção, ou
tomar consciência”, para se discorrer sobre novos assuntos (Foucault, 2008a, p.50).
Desse modo, um texto carrega traços distintivos fundamentais ou resquícios do
tempo em que foi enunciado. Para Maingueneau (1996), todo enunciado é o
produto de um acontecimento discursivo único, que define uma situação. A partir
desse princípio, um texto apresenta certas particularidades que o caracteriza como
um acontecimento discursivo exclusivo, do qual só ocorre um. Nesse trabalho,
portanto, o texto é compreendido como enunciado seja ele verbal, visual ou
multimodal.
Tendo em vista a singularidade de qualquer enunciado, devido ao campo particular
de sua produção, a descrição de um contexto enunciativo permite estudar o texto a
partir de sua constituição estrutural linguística e também a partir das regras de
enunciação extralinguística do discurso. Tal perspectiva diferencia-se da linguística
imanente, que estuda a língua unicamente a partir do princípio de suas regularidades
estruturais internas, “o que permite apreendê-la na sua totalidade, já que as
influências externas geradoras de irregularidades, não afetam o sistema por não
serem consideradas como parte da estrutura” (Mussalim, 2001, p. 103).
Compreendida como um dispositivo de leitura e interpretação de texto, a AD é uma
ciência que trabalha “como” o texto funciona e produz sentidos e não com a
posição tradicional de análise de conteúdo que busca compreender “o que” o texto
quer dizer. Na perspectiva foucaultiana, a análise enunciativa é, pois, uma análise
histórica: aos enunciados pergunta-se “de que modo existem, o que significa para
eles o fato de se terem manifestado, de terem deixado rastros e, talvez, de
permanecerem para uma reutilização eventual”; o que é para eles o fato de terem
aparecido – e nenhum outro em seu lugar (Foucault, 2008a, p. 124).
Essa linha de estudos apresenta uma concepção especial sobre o sentido, para
Análise do Discurso (AD) o sentido não é universal ou convencional, uma vez que
não é necessariamente expresso em sua totalidade (Orlandi, 2001). Para a AD um
enunciado, um discurso ou uma palavra não têm um só sentido, visto que a
produção de efeitos de sentidos não está apenas nas palavras ou nos textos, mas na
sua relação com a exterioridade e a memória e nas condições histórica em que eles
são produzidos. Desse modo, a interpretação textual se pauta nos processos e nas
condições de produção da linguagem, por meio da relação estabelecida entre língua
e os sujeitos que a falam e as situações em que se produz o dizer. A partir dessa
perspectiva, o estudo e interpretação discursiva têm o enunciado como objeto de
observação e descrição.
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discurso, é uma tarefa bastante complexa, ele não tem limites precisos, não se
mostra numa unidade atômica ou elementar e nem apresenta independência.
A dificuldade de delimitá-lo está nos fatos de que há enunciados sem estrutura
proposicional fidedigna, ou seja, o enunciado não é a proposição dos estudos da
lógica; há enunciados sem os elementos essenciais de uma frase; há enunciado que
sozinho constitui um ato ilocucionário, por outro lado, há atos ilocucionários que
“só podem ser considerados acabados em sua unidade singular se vários enunciados
tiverem sido articulados, cada um no lugar que lhe convém” (Foucault, 2008a, p.
94). Desse modo, em que nível situar os enunciados? Que método usar para abordá-
los?
O enunciado não é uma unidade fácil de ser estabelecida, contudo “o campo de
exercício da função enunciativa e as condições segundo as quais aparecem unidades
diversas” constituem as condições de possibilidade para descrevê-lo (Foucault,
2008a, p.120-121).
Na perspectiva foucaultiana, o enunciado exerce o papel de uma função de
existência, e que pertence, exclusivamente, aos signos; ele é definido pelos quatro
conjuntos de regras que caracterizam a formação discursiva: formação das
modalidades enunciativas, formação dos objetos, formação do conceito e formação
das estratégias ou tema. Ele é um corpo visível de uma sequência decorrente de um
processo de enunciação; é constituído, portanto, de uma materialidade de signo(s)
que foi efetivamente produzida, moldada, delineada, fabricada, traçada, articulada,
no tempo e no espaço.
Para os estudos gramaticais uma unidade elementar pode ser isolada em uma frase
ou em uma proposição, descrever essas unidades significa isolá-las e caracterizá-las
gramatical e estruturalmente. Entretanto, nos estudos discursivos, descrever um
enunciado significa definir as condições pelas quais uma série de elementos sígnicos
apresentou uma existência específica.
A função enunciativa, ao por em jogo unidades diversas, não atribui um “sentido”
para a unidade do enunciado, mas o coloca em relação com um campo de objetos;
ela também abre ao enunciado um conjunto de posições subjetivas possíveis ao
invés de lhes conferir um sujeito único; não lhe coloca limites, mas o insere em um
domínio de coordenação e de coexistência; não lhe atribui uma identidade, mas o
aloja em um lugar em que é utilizado e repetido.
Conforme descrito, é a análise dos quatro elementos da formação discursiva que
baliza as demarcações próprias do enunciado em sua especificidade.
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escolares e sua proposta deve estar de acordo com os parâmetros divulgados nos
documentos oficiais, tais como os Parâmetros curriculares nacionais (PCN).
Em sala de aula, esse material dispõe ao professor e aos alunos um conjunto de
textos e exercícios com base nos quais o ensino e o aprendizado podem tomar
direcionamento. Para o estudante, o LD também se constitui num dispositivo de
apoio ao estudo autônomo fora de sala de aula e para muitos ele é o único material
escrito de base letrada que poderão ter em casa.
No livro didático de Cereja & Magalhães (2005), as atividades referentes ao estudo
do texto estão voltadas para a identificação, reconhecimento e a produção de
gêneros discursivos, além de buscar reconhecer o padrão linguístico presente no
texto. Por sua vez, a leitura não tem prioridade nas atividades propostas.
Tomo como exemplo o capítulo 27 do livro para o 2º ano do ensino médio que
trata do gênero discursivo notícia. A proposta de trabalho com esse gênero articula
atividades que versam sobre a identificação da estrutura composicional da notícia,
figura 1, e sobre as características peculiares desse gênero, figura 2.
FIGURA 1
EXERCÍCIOS RETIRADOS DO LIVRO DIDÁTICO PARA O 2º ANO DO ENSINO MÉDIO DE PORTUGUÊS (CEREJA &
MAGALHÃES, 2005), DO TRIÊNIO 2009/2011.
Como é possível observar nesses exercícios, os estudos com texto primam pela
identificação dos elementos essenciais do gênero discursivo e o reconhecimento
dessas partes no interior do texto, mas não propõe ao aluno refletir a respeito do
acontecimento discursivo.
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FIGURA 2
EXERCÍCIOS RETIRADOS DO LIVRO DIDÁTICO PARA O 2º ANO DO ENSINO MÉDIO DE PORTUGUÊS (CEREJA &
MAGALHÃES, 2005), DO TRIÊNIO 2009/2011.
FIGURA 3
EXERCÍCIOS RETIRADOS DO LIVRO DIDÁTICO PARA O 2º ANO DO ENSINO MÉDIO DE PORTUGUÊS (CEREJA &
MAGALHÃES, 2005), DO TRIÊNIO 2009/2011.
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No modo como o livro didático de Cereja & Magalhães concebe o trabalho com o
gênero discursivo não há uma relação entre as atividades de leitura, de gramática e
de produção da escrita. Ademais, na totalidade do capítulo analisado não há
preocupação em formar um “conjunto de referências” sobre o objeto do discurso
como apoio à produção textual solicitada. Desse modo, a proposta dos autores do
livro didático é lacunar quanto à formação do aluno como sujeito-leitor de textos na
escola e na sociedade.
Sob tais condições, propõe-se, nesse texto, um complemento para o
encaminhamento das atividades com o gênero discursivo, sugere-se um dispositivo
de leitura que se constitui num espaço no qual o aluno se coloca como sujeito.
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FIGURA 4
EXERCÍCIOS RETIRADOS DO LIVRO DIDÁTICO PARA O 2º ANO DO ENSINO MÉDIO DE PORTUGUÊS (CEREJA &
MAGALHÃES, 2005), DO TRIÊNIO 2009/2011.
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TABELA 1
FUNÇÃO ENUNCIATIVA/FORMAÇÃO DISCURSIVA –QUADRO TEÓRICO-METODOLÓGICO PARA INTERPRETAÇÃO
DOS DISCURSOS
Desse modo, a partir das definições dessas quatro noções que se revezam, podemos
descrever regularidades em certos conjuntos de enunciados. Contudo, além de
determinar essas quatro unidades, o estudante pode ser levado a refletir sobre outras
possibilidades discursivas sobre esses elementos e inventariar porque apareceu esse
enunciado e não outro em seu lugar. Sob essa perspectiva, professor e estudantes
podem ser movidos a pensar:
em que tipo de gênero discursivo é possível encontrar conteúdo sobre o mesmo objeto? Ex.: Artigo
científico, notícia, reportagem;
por que quem que fala sobre tal objeto é o sujeito X? Poderia outro sujeito falar sobre o mesmo
objeto?;
o objeto em estudo tem outro conceito? Qual? Por que esse(s) outro(s) conceito(s) não apareceram
no texto estudado? Em quais gêneros discursivos esse(s) outro(s) conceito(s) poderiam aparecer?;
poderia esse objeto ser tratado por outra teoria ou área de conhecimento? Qual? Afinal, vale
questionar: porque apareceu esse enunciado e nenhum outro em seu lugar?
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procurar outra notícia que trate do mesmo objeto sob a mesma perspectiva conceitual;
pesquisar outro gênero discursivo cujo sujeito-enunciador seja o mesmo do gênero estudado (ex. o
arqueólogo ou o historiador);
procurar um texto que trate da mesma ciência, a arqueologia.
Considerações finais
Tendo em vista o objetivo desse texto, a análise dos exercícios do capítulo 27,
Cereja & Magalhães (2005), demonstrou que as atividades primam pelo trabalho
exclusivo com as singularidades linguísticas, organização, disposição e ordem dos
elementos do gênero discursivo em detrimento do exercício de leitura do texto.
Ademais, as atividades não problematizam o porquê do estudo do gênero discursivo
em questão e nem o porquê da escolha do mesmo. O texto visual e o multimodal,
presentes na página inicial – fotografia e fotolegenda – não são percebidos como
textos e, parecem funcionar apenas figurativamente, uma vez que não há atividades
que os envolvam. Portanto, o capítulo todo aponta mais para a estrutura do gênero
discursivo e não apresenta atividade de compreensão.
Considera-se, portanto, que a escolha do livro didático é relevante, uma vez que
nem todas as referências bibliográficas aprovadas pelo PNLD ou de acordo com os
PCN asseguram coerência entre pressupostos teóricos e práticas metodológicas do
LD.
Há muitos materiais que, por exemplo, usam o texto como pretexto, embora os
Parâmetros Curriculares Nacionais, desde 1998, difundam a orientação discursiva
para o ensino de língua portuguesa, a qual se fundamenta em parte na teoria dos
gêneros discursivos de Bakhtin (1992) e, por outro lado, requer uma orientação
discursiva de texto (Brasil, 1998). Perceber o texto como discurso é compreender
que ele não encerra um sentido único. Nessa perspectiva, os diferentes modos de
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Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermanita G. G. Pereira. São Paulo:
Martins fontes, 1992.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua
portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
CARMAGNANI, A concepção de professor e de aluno no livro didático e o ensino de
redação em LM e LE. In: Interpretação, autoria e legitimação do livro didático. CORACINI, M. J.
(org.) Campinas SP: Pontes. Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999.
CEREJA, W. R.; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens. Vol. 2: ensino médio. 5 ed.
São Paulo: Atual, 2005.
CORACINI, M. Leitura: decodificação, processo discursivo...? In: O jogo discursivo na aula
de leitura: língua materna e língua estrangeira. CORACINI, M. J. (org.) Campinas, SP:
Pontes. Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1999.
GRANJEIRO, C. R. P. A propósito do conceito de formação discursiva em Michel Foucault e Michel
Pêcheux. Disponível em < http: //www.discurso.ufrgs.br/sead2/doc/claudiagrangeiro.pdf>
Acesso em 16/08/2011.
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Resumo:
Apesar do “boom” da velocidade de informação com o advento da Internet e do uso dos sites de
relacionamento, a escrita do estudante do ensino médio em diante mostra-se, no mínimo, imprecisa.
Com pouco domínio lexical, o estudante não consegue produzir parágrafos coerentes, coesos e que
demonstrem progressão temática.
Essa dificuldade de produção textual é também demonstrada nas atividades de tomar notas, o
que sugere problemas de manutenção da atenção, já que o vocabulário dos textos não lhes é
familiar. A leitura, então, é prejudicada. Surgem o desinteresse e a busca de alguém que conte,
resumidamente, do que trata o texto. Então nascem os resumos de segunda ou terceira mão,
inclusive com recortes de textos da Internet. Constata-se assim a necessidade de se trabalhar os
clássicos em sala de aula, para capacitar esses discentes para a expressão escrita.
A produtividade do clássico (discutível para alguns) vem sendo testada em pesquisa com contos de
Eça de Queirós. Confirmada a aceitação deste córpus (a ironia de Eça cativou os estudantes), parte-
se para o levantamento do vocabulário que constrói a ironia nos contos. Trabalham-se os
conteúdos: palavras transparentes e opacas, semas componenciais, campos semânticos e
léxicos, expressividade e impressividade, adequação lexical. Com isso, tentamos produzir uma teoria da
iconicidade lexical, que busca descrever os componentes do signo que orientam a opção por uma
forma em detrimento de outra. Por fim, analisam-se semântica e estilisticamente os itens léxicos
eleitos como produtores da ironia no córpus e propõe-se aos discentes a produção de textos com o
emprego imediato dos itens léxicos estudados.
Palavras-chave: Domínio do Léxico; Leitura do Clássico; Iconicidade e Adequação.
Abstract
Although there was a huge increase to the speed of information exchange, due to the rise of
internet and social-networking websites, the handwriting skills of students from high school on are,
at least, inaccurate. With little lexical domain, the students cannot produce coherent paragraphs,
without thematic progression.
This difficulty in text production is also observed in the process of taking notes, indicating attention
problems, once the vocabulary of the texts is not familiar to them. Reading, thus, is affected. They
are no longer interested in Reading these texts, and search for someone to give a summarized
explanation on the subject, and finally, poor summaries are produced, including quotations from
internet texts. It is therefore observed the need of having the classical texts given in classrooms, in
order to improve the handwriting skills of such students.
The classical texts productivity (doubtful for some) has been tested in researches on stories by Eça
de Queirós. Having this córpus accepted (Eça’s irony captured students’ attention) the next step is
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Procientista e Bolsista PQ2 – CNPQ. Doutora em Letras Vernáculas (UFRJ), Pós-doutora em Comunicação &
Semiótica (PUCSP) e Linguística (UFC). Professor Associado, Líder do Grupo de Pesquisa Semiótica, Leitura e
Produção de Textos – SELEPROT/UERJ. http://www.darciliasimoes.pro.br e http://darciliasimoes.blogspot.com/
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Doutoranda de Língua Portuguesa (ILE-UERJ), Membro do SELEPROT/UERJ, Diretora do Programa Redação
Corrigida www.redacaocorrigida.com.br/
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the assessment of the vocabulary considered as source for this irony. The following subjects are
analyzed: transparent and dimmer words, minimal units of semantic signification, semantic and lexical
fields, expression and impression, lexical adequacy. It aims at elaborating a lexical iconicity theory, which could
describe the components of the linguistic sign that guide the option for one instead of
another. Finally, the semantic is analyzed, as well as, in a stylistic basis the lexical items considered
to create the córpus irony, suggesting to the students the immediate employment of the lexical
items analyzed in the production of texts.
Keywords: lexical domain; classical texts reading; iconicity and adequacy
Preliminares.
A transformação tecnológica opera sobre o mundo. Segundo Castells (1999), essa
expansão é exponencial em decorrência de sua interface entre campos tecnológicos
pela mediação de uma linguagem digital comum geradora da informação. Esta, por
sua vez, é armazenada, recuperada, processada e transmitida em alta velocidade e em
larga escala. Assim, é possível afirmar que interagimos em um mundo que se tornou
digital. Essa evolução/revolução da tecnologia da informação é objeto de interesse
de diversos autores, dentre os quais destacamos Castells (1999) e Lévy (1999). Estes
abordam as transformações sociais, culturais e econômicas em todos os campos da
atividade humana, por força da propagação e do uso das novas tecnologias de
informação pelos indivíduos.
Para acompanhar tal modificação no cenário da sociedade, o homem precisa ajustar
sua capacidade e suas habilidades de leitura e compreensão. Caso contrário, acabará
sendo engolido por uma enxurrada de dados diante dos quais se sente impotente. O
reflexo dessa impotência pode se traduzir em inércia ou em rebeldia e de uma e
outra reação parece nascer a crise cultural contemporânea que faz surgir uma
geração ansiosa, aflita, disposta ao desentendimento e, por conseguinte, violenta. No
âmbito escolar, vamos focalizar o problema do desinteresse pela leitura, pela escrita,
pela aprendizagem da língua em sua variedade padrão.
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lembrar que tais textos são verdadeiro manancial de informações lexicais, sem
contar com o volume de dados enciclopédicos ali existentes. Se hoje se constata
certa indigência verbal nos alunos do Ensino Médio e da graduação, pode-se atribuir
esse problema à falta de leitura em geral e da literatura clássica, em especial.
Dizer-se que o estudante não gosta de ler por força de um modelo de sociedade que
não prioriza a leitura, não mais é suficiente, pois a sociedade digital vem trazer mil e
um recursos que, de alguma forma, facilitam o acesso ao texto literário e, se
provocado, o estudante entrará em contato com essa literatura e, se bem orientado,
descobrirá nesse material um universo fascinante, como comprovam os relatórios
dos acadêmicos4 de Iniciação Científica que participam do projeto em questão.
Segundo eles, aproximar-se da obra de Eça de Queirós e realizar as leituras
correlatas tem resultado imediato na melhoria de seu desempenho nas avaliações das
disciplinas em curso. Logo, o jovem estudante gostará de ler o clássico quando este
lhe for apresentado de modo adequado e oportuno.
Um dos grandes ganhos com a leitura dos contos-córpus de nossa pesquisa é o
conhecimento de outra época, outros usos e costumes e tudo isso materializado em
itens léxicos novos para os leitores. Portanto, cada página lida se mostra como uma
aventura, e o mundo do leitor vai-se alargando na proporção em que a leitura
avança.
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Duas bolsistas e um voluntário.
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Tradução livre, de nossa inteira responsabilidade.
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Doutoranda em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP); Professora de Literatura da Faculdade Eça de Queirós (FACEQ).
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Assim sendo, o que se quer é dar instrumentos com que o enunciador tenha mais
habilidade na produção de seu texto, e o leitor seja competente para enfrentar a
trama textual de outrem, buscando-lhe as pistas necessárias para a produção do
sentido.
A iconicidade é uma categoria fundada na plasticidade, a qual consiste na faculdade
de um signo poder re(a)presentar “figurativa ou pictoricamente” o objeto tomado
como referente. Assim sendo, a iconicidade tem uma origem na similaridade, já que
funciona como signo de algo que ali não está, mas o representa por suas qualidades
formais, como: cor, posição, localização, forma, proporção etc.
Ainda que pareça estranho falar de iconicidade em signos (verbais) — convencionais
por origem, na qual a arbitrariedade é condição de existência — há estudos da
iconicidade verbal não só em Nöth (1999), mas também em Givón (1995), embora
neste a iconicidade tenha outras características. Assim sendo, não há originalidade
total na proposta de um estudo da iconicidade no léxico. Contudo, a contribuição
pretendida se projeta na intenção de, demonstrando o potencial icônico (e o indicial)
de signos em dado texto, tornar possível estimular o estudante a ampliar sua leitura,
por conseguinte, seu repertório, do que resultaria aquisição de proficiência na língua
objeto, no caso, a língua portuguesa.
Pretende-se, então, avançar na construção teórica acerca da iconicidade lexical,
buscando na lexicologia argumentos técnico-científicos que ajudem a responder as
seguintes questões:
1 O córpus7 eleito (contos de Eça de Queirós) oferece amostra significativa de
formas lexicais icônicas?
2 Signos indiciais levantados no córpus podem ser usados como material icônico?
3 Os signos tidos como icônicos e indiciais podem auxiliar o recorte isotópico,
orientando assim a interpretação do texto?
4 A atenção para o léxico e a respectiva força icônica pode servir de estímulo à
leitura e à ampliação de repertório do estudante?
7
Optamos pelo aportuguesamento do vocábulo córpus (lat.), uma vez que apresenta estrutura silábica compatível com a
portuguesa.
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Logo, professor e aluno não podem perder a oportunidade de ler e conhecer não só
a língua, mas um retrato mordaz sobre personagens e fatos de um outro tempo .
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acima da média alcançada apenas com aulas tradicionais de Redação, em que o aluno
se sente mero expectador do ato de produção textual. Os aprendizes devem ser
encorajados a participar o máximo possível de seu próprio conhecimento e
experiência e o professor deve estimular o pensamento, em vez de se limitar a dar
aulas teóricas, com “dicas” de “como escrever um bom texto” ou, ainda pior, tentar
imprimir um esboço semipronto de redação na mente do aluno, fazendo-o mero
repetidor de frases prontas e modelos ultrapassados, sem nenhuma originalidade.
Isso é o que se tem visto nas aulas de Redação, mormente em cursinhos
preparatórios para concurso. Esse modelo de aula além de não ajudar o aluno a se
tornar um redator competente, tira dele a natural criatividade, própria dos jovens
nessa idade. O que buscamos incessantemente são meios mais eficazes do ensino de
Redação, que propiciem os estudantes a adquirir competência redacional com a
qualidade exigida nos concursos vestibulares e, principalmente, que se tornem
universitários com aptidão para produzir textos acadêmicos no padrão que se espera
de um discente de curso superior.
Ao apresentar nossas justificativas para um trabalho mais específico com
vocabulário, passamos a descrever o modo como cada uma das turmas, A e B,
reagiram às aulas de Redação e, consequentemente, o modo como seus textos
evoluíram após as intervenções na correção.
Como, na turma A, utilizamos ricas estratégias de leitura e estudo do léxico em Eça
de Queirós, os resultados das intervenções e correções dos textos discentes foram
ainda mais satisfatórios que na turma B, cujo trabalho não passou de aulas
tradicionais de Redação, com ensino de técnicas redacionais e de correções e
intervenções tradicionalmente rígidas, sem muitas explicações dos desvios
cometidos.
Na turma A, a professora incentivou os estudantes a participarem ativamente do
processo de leitura e compreensão dos textos escolhidos, com estudo minucioso do
vocabulário clássico, a fim de aumentar o repertório linguístico dos alunos e,
portanto, de sua capacidade redatora. Depois do estudo do texto e de seus signos
icônicos e indiciais, mapeando as possibilidades de entendimento pelo léxico, a
professora propunha um tema de redação. Os alunos, então, punham-se a escrever e
entregavam seus textos à professora para correção.
Na turma B, a professora ensinava estratégias de escrita, regras gramaticais,
exercícios de argumentação e técnicas redacionais, sem nenhum apoio de texto
motivador. Depois, da mesma forma, passava um tema para que os alunos
produzissem suas redações e as recolhia para correção.
Na devolutiva, tanto na turma A quanto na B, a professora propunha um diálogo
com os alunos, visando à reflexão sobre os desvios gramaticais e sobre as escolhas
lexicais. Logo, todos os participantes tiveram a mesma chance de interagir com a
professora depois da correção, reescrevendo seus textos e reapresentando para nova
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avaliação de sua produção escrita. Foi nesse segundo momento que percebemos que
as intervenções da professora surtiram maior efeito na turma A que na B. A
consciência da permuta de uma palavra ou expressão por outra, foi mais consciente
na turma A. Alunos da turma B trocavam suas palavras em uso inadequado ao
contexto por outras de igual inadequação. A maneira como foram conduzidas as
atividades de reescrita e revisão informou-nos o quanto foram levados em
consideração ou não o estilo de escrita. A produção dos textos da turma A foi
retomada como um momento de reforço do vocabulário adquirido nas aulas de
estudo dos textos clássicos.
É importante destacar que todos os textos apresentaram uma determinada
orientação de conteúdo comunicativo e, consequentemente, uma seleção lexical
convertida em vocabulário do falante, que, na turma A, foi enviesada pelo trabalho
realizado com os textos. Entretanto, é importante considerar o léxico comum,
entendendo por esse elemento as unidades lexemáticas empregadas em coincidência
no vocabulário de todos os alunos dos dois grupos, já que levamos em conta o fator
sociolinguístico da região serrana de Petrópolis. São, em geral, jovens advindos de
famílias escolarizadas, de classe média alta e com bom conhecimento de mundo, por
conta das viagens e dos lugares onde frequentam. Adquire aqui notável importância
o fato de que a seleção lexical muitas vezes é imposta pela necessidade de o aluno
desenvolver uma redação “artificial” instaurada pelo momento enunciativo de sala
de aula.
Nos textos selecionados para este trabalho, relacionamos o vocabulário adquirido
socialmente ao repertório que foi desenvolvido em sala de aula. Cabe destacar que a
observação e a análise do desenvolvimento dos textos revela que, em sua
construção, além de fazer uso de palavras inadequadas ao contexto, os estudantes
do grupo B fazem uso de vocabulário que não partem do seu conhecimento de
mundo e, portanto, acabam apresentando “disfluência” na seleção lexical. Com certa
frequência, fazem uso de termo inadequado, inviabilizando a compreensão de seus
textos e o processo interacional.
Sabemos que o conhecimento lexical constitui-se por meio de informações
regulares, norteadas por regras morfológicas e pela informação idiossincrática que o
homem adquire ao longo de sua vida e que depende de características como idade,
sexo, nível social e cultural ( Correia e Lemos, 2005). Dessa forma, os enunciadores,
aqui tomados por alunos, fazem suas escolhas de acordo com essas informações
adquiridas, relativizando-as de acordo com o gênero textual, o assunto e a situação
de produção textual. Todo esse conjunto representa seu estilo individual. Em seu
processo de criação, eles optam por um ou outro signo linguístico, pautados no
conjunto de possibilidades que têm, para que a comunicação não seja prejudicada
em detrimento da criatividade. No grupo A, as construções léxicas são próprias do
grau de informatividade que se estabeleceu, na medida em que os alunos receberam
informações semânticas mais ricas que os do grupo B. O que procuramos destacar,
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"buscando esclarecer o
"o bullying é ALGO UMA AÇÃO
que teria PROVOCADO DESENCADEADO
SÉRIO" PERIGOSA
a Lei Áurea"
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"com o projeto de
"pois o errôneo uso da
COLOCAR psicólogo na CONTAR COM LIBERDADE
LIVRE CENSURA"
escola"
8
Conceito do Prof. Bechara para o registro culto. Ele aponta a exemplaridade como a modalidade eleita pela
tradição literária, pelas pessoas escolarizadas e trabalhada nas escolas, nas academias e preservada por agências de
cultura. (2000, p. 15).
9
A dicotomia entre restrições e escolhas foi invocada a partir do suporte teórico do grupo da “Gramática do
Português Falado” (GPF), sob coordenação da Professora Maria Helena de Moura Neves. A equipe de Sintaxe I da
GPF tem definido como seu objeto mais amplo de estudo a competência comunicativa dos falantes da língua e está
revelada em um produto disponível para análise – o córpus do NURC (Norma Urbana Culta).
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Portanto, este trabalho deve servir como motivação para professores que pretendam
conduzir seus alunos pelos caminhos das letras, para que comecem a elaborar seus
discursos com maior adequação a cada situação comunicativa. E saber, também, que
o texto é uma situação real de demonstração dos saberes idiomático, elocutivo e
expressivo. Ampliar o universo de escolhas dos sujeitos é o primeiro passo para a
apreensão da língua no seu registro padrão. Os professores devem compreender que
a exemplaridade é também um componente da educação linguística do discente
dentro da sua trajetória na escola.
Dentro desse pensamento, Neves (2002, p. 231) diz que
Não existe, simplesmente, uma escolha entre norma culta padrão e
registro (popular) do aluno. De um lado, não há dúvida de que é um
papel da escola prover para seus alunos a formação necessária para que
eles sejam usuários da língua no padrão necessário à ocupação de
posições minimamente situadas na escala social. De outro, não há dúvida
de que uma enorme parte da clientela de ensino fundamental e médio
entra na escola com uma apropriação apenas de padrões linguísticos
extremamente distantes dos que a sociedade aceita e respeita.
Torna-se, pois, necessário e urgente que os textos literários sejam lidos e trabalhados
na escola para que sirvam de roteiro aos estudantes e para que não se dê sequência à
falha cultural de transpor a língua falada, com seus desvios e giros de linguagem
popular, para a língua escrita e para que tenham a seu dispor um vasto repertório
lexical e saibam, a seu tempo, usá-lo nas diferentes situações comunicativas.
Chamamos Simões e Oliveira para concluir o trabalho de pesquisa:
Partindo dos pressupostos que o domínio da língua é o esqueleto
sistêmico para a estruturação textual e que o repertório amplo é condição
para disponibilização de itens léxicos suficientes à expressão das ideias de
forma icônica, entendemos que a representação do pensamento será tão
mais icônica quanto mais proficiente for o enunciador.
Conclusão
A transformação da escola em um lócus em que os textos literários também sejam
objeto de estudo implica que o professor opte pelos textos originais em lugar das
adaptações e fragmentos. Isso fará com que o docente se torne de fato um leitor e
possa “contagiar” os estudantes com o prazer da leitura. Os clássicos deixam
conteúdos importantes na bagagem cultural e afetiva do leitor.
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Quando desde as primeiras leituras, opera-se com textos originais, o docente deve
ter em conta que a compreensão tem relação direta com a maturidade do leitor, por
isso é preciso criar um ambiente propício ao entendimento da obra, realizando um
trabalho especial com o vocabulário do texto, para preparar a base aperceptiva e
facilitar a leitura. Para tanto, tragam-se excertos, preferencialmente de passagens
humorísticas, para discussão de palavras e expressões que são alheias à experiência
do leitor. Segundo GALDOLFI (2005, p. 34), “O professor não deve se privar nem
privar seus alunos deste prazer: o prazer do texto como uma totalidade, o prazer do
ler um texto e ler, com ele, um mundo”.
Dessa forma, crê-se promover a oportunidade de um encontro atraente entre texto
e leitor, ao mesmo tempo que poderá apagar a imagem de que o texto clássico seja
uma leitura enfadonha.
Finalizando, cumpre ressaltar que o prazer da leitura de um texto como os clássicos
decorre de uma troca interativa, um verdadeiro jogo. Para MACHADO (2002, p.
22), “Quando lemos um clássico, ele também nos lê, vai-nos revelando nosso
próprio sentido, o significado do que vivemos.” Assim sendo, a leitura do clássico
possibilita a reflexão não apenas sobre a língua (a forma), mas principalmente sobre
o conteúdo ético, filosófico, sócio-histórico presente nessas obras.
Referências
BARROS, D. L. P. Interação em anúncios publicitários. In: PREDI, D. (org.). Interação na
fala e na escrita. São Paulo: Humanistas/FFLCH/USP, p. 17-44, 2002.
BECHARA, Evanildo. “A correção idiomática e o conceito de exemplaridade” In:
AZEREDO, José Carlos de (org.). Língua Portuguesa em debate. Rio de Janeiro: Editora
Vozes, 2000.
BRONCKART, J.P. Atividade de linguagem, textos e discurso. Trad. Anna Rachel Machado e
Péricles Cunha. São Paulo: EDUC, 1999.
CORREIA, Margarita e LEMOS, Lúcia San Payo de. Inovação lexical em Português. Lisboa:
Edições Colibri/APP, 2005.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos. Trad. Nilson Moulin. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993
CÂMARA, Tania Maria Nunes de Lima. “Léxico e conhecimento de mundo”. Revista
Philologus, Ano 16, N° 46. Rio de Janeiro: CiFEFiL, jan./abr.2010
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999.
DUARTE, Izabel Margarida. “EÇA DE QUEIRÓS: evocação de um mundo verdadeiro
que nunca existiu”. In O fascínio da linguagem. Homenagem a Fernanda Irene Fonseca.
Financiado pelo Programa FEDER/POCTI-U0022/2003 da Fundação para a Ciência e
Tecnologia. Disponível em http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/6703.p Acesso em
10/08/2010
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Resumo
Pretende-se analisar as possibilidades de produção escrita na Internet através do gênero “blog” com
alunos de Língua Estrangeira/Português como Língua Estrangeira (doravante LE/PLE). O
presente trabalho traz resultados e apontamentos analíticos de um projeto de Iniciação Científica
concluído e de outro em andamento que se propõem investigar as ferramentas tecnológicas que
permitem o aprendizado de PLE. Para tanto, tenciona-se analisar a produção escrita dos estudantes
de PLE participantes da pesquisa supracitada, tendo como fundamentação teórica os pressupostos
da Sociolinguística e Linguística Aplicada, além de outras áreas afins. As análises deste trabalho
serão feitas através da coleta de dados dos textos em desenvolvimento pelos estudantes
pesquisados, tendo em vista o aprimoramento do aprendizado de Português como Língua
Estrangeira. Nesse sentido, pode-se pensar o aluno de PLE a partir das pesquisas recentes em
Linguística Aplicada com ferramentas tecnológicas e múltiplas linguagens. A produção escrita dos
estudantes de PLE permite descrições linguísticas dos fenômenos e recursos de escrita, desde a
linguagem escrita para o gênero textual “blog” até às comparações dos usos semânticos, sintáticos,
morfológicos, entre outros, e da escolha que levou o estudante a optar por um uso em detrimento
de outros. No caso da pesquisa desenvolvida o estudante é estimulado a escrever em registro
formal, devendo o professor de LE/PLE atentar-se para tais usos e tentar aperfeiçoá-los através de
uma postagem-revisão e levando o estudante a aprimorar usos formais da linguagem no Português
Brasileiro.
Palavras-chave: Linguística Textual; LE/PLE; aprendizado.
Abstract
This paper aims at analyzing the possibilities of the written production on the Internet through the
genre blog with students of Foreign Language (hence FL) and Portuguese as a Foreign Language
(PFL). This current study brings results and analysis of a project of Scholar Initiation finished and
another ongoing which aimed at investigating technologic tools which enable the learning of
10
Trabalho resultante dos Projetos de Iniciação Científica: “Multiculturalismo na rede: os blogs e redes sociais como mecanismos
de comunicação intercultural e a interface Português como Língua Estrangeira” e “O Ensino de Português como Língua Estrangeira
(PLE) e as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs): a busca de subsídios tecnológicos e a sua importância enquanto
difusores da cultura brasileira”, sendo o último em andamento e financiado pelo CNPq. -
(UESC/CNPq). gabrielnasciment.eagle@hotmail.com
11
Discente da graduação em Letras da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), Departamento de Letras e Artes (DLA) e
Bolsista CNPq de Iniciação Científica. Atua ainda como Coordenador-geral do Centro Acadêmico de Letras e membro da Executiva
Nacional dos Estudantes de Letras. (UESC)
12
Doutora em Linguística Aplicada pela Universidade de Alcalá de Henares-Espanha e professora adjunta do Departamento de
Letras e Artes (DLA), docente e coordenadora do programa de Mestrado em Letras: Linguagens e Representações e do projeto de
extensão “Português como Língua Estrangeira” da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). dajudaalomba@hotmail.com
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FL/PFL. Thus, the objective is to analyze the written production of the students of PFL
participants of the research which has said earlier which the assumptions of the Sociolinguistics and
Applied Linguistics. The analysis of this paper will be made through the data collection of the texts
written by the students, aiming the learning of PFL. By this way, it is possible to think of the
student of PFL through some current researches on Applied Linguistics. The written production of
the students of PFL enables linguistic descriptions of phenomenon, and resources for writing, from
the written language on the textual genre blog, until comparisons by reviewing syntactic, semantic,
morphologic uses, and so on, and the choice which took the student to use some structure by
replacing some others. On the researches ongoing and finished the student is stimulated to write in
a formal pattern of language, and the teacher of FL/PLF must be mindful and the responsible to
check those uses and try to make those perfect by a reviewing-post on the blog taking the student
to improve formal pattern of language in the Brazilian Portuguese (BP).
Keywords: Textual Linguistics; FL/PFL; Learning.
Introdução
A Linguística Textual e a Linguística Aplicada, nos últimos anos, têm se
interessado em explicar e entender o funcionamento de um dispositivo eloquente e
oportuno no ensino/aprendizagem de LP e LE: a produção escrita na Internet.
Marcuschi (2004) ao definir o que é gênero, o insere na esfera da materialização do
discurso, e como o formato para a produção deste. Sendo assim, os gêneros são
diversos e podem ser trabalhados em sala de aula, ainda sob o aspecto da
diversidade de gêneros existentes (ANTUNES, 2004).
O papel da Linguística Aplicada, nesse contexto, é ultrapassar as barreiras
teóricas e desenvolver uma teoria a partir e dentro da prática (MOITA LOPES,
2006). Nos últimos tempos, o gênero blog tem sido um dos mais explorados na rede
mundial de computadores. Santos & Alomba (2011) analisam a importância desse
dispositivo ao concentrar as atenções sobre os blogs corporativos. Por outro lado,
Marcuschi (2005) situa a discussão ao pensar alguns gêneros não como novos, mas
como a materialização de alguns já existentes no mundo real.
O blog como gênero permite fomentar uma série de discussões. Entre elas, a
possibilidade de usar o blog como um espaço que complementa a sala de aula e leva
os resultados dela para além do espaço. Portanto, ao discutir o aspecto do blog
pretendemos entender a influência das Tecnologias da Informação e Comunicação
(TICs) no ensino de Língua Estrangeira (doravante LE), e, mais especificamente, no
que concerne ao objetivo da pesquisa geradora deste trabalho, Português como
Língua Estrangeira (doravante PLE).
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Ao dizer que o hipertexto permite múltiplas opções que vão além do estudo interno
ao texto, questionamos o mesmo que questiona a Linguística Aplicada ao criticar a
postura da Linguística teórica. Segundo Rajagopalan (2006) e Fabrício (2006) a
distância entre teoria e prática deve colocada em cheque, pois
[...] está em operação um campo de forças plurais que entrelaça uma série
de novos significados, modos de produção de sentido, práticas, técnicas,
instituições, procedimentos de subjetivação e relações discursivas,
tornando problemática a adoção de pontos de vista e explicações causais
simplistas a respeito dos fenômenos sociais. O reconhecimento da
complexidade dessa “trama movente” que caracteriza os nossos dias vem
afetando parte da produção de conhecimento na área de LA [...] Esses
estudos abordam a linguagem conectada a um conjunto de relações em
permanente flutuação, por entender que ela é inseparável das práticas
sociais e discursivas que constroem, sustentam ou modificam as
13
A quantidade de linguagens disponíveis hoje cria uma diversidade de opções para o internauta, e, por
conseguinte, para o leitor.
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Do inglês “embutir”, é uma Tag HTML que permite levar a extensão de um arquivo de uma página (Música,
vídeo, imagem, etc.) para outra no Hipertexto.
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lido pelo professor. Essa atividade deve trazer ao professor o ensejo para descobrir
as lacunas do aluno, em que situações a L1 do aluno interfere na L2 (ELLIS, 1997).
‘Transfer’ is yet another metaphor for explaining L2 acquisition. In some
ways it is an inappropriate one. When we transfer money we move it out
of one account and into another, so one account gains and the other
loses. However, when language transfer takes place there is usually no
loss of L1 knowledge. This obvious fact has led to the suggestion that a
better term for referring to the effects of the L1 might be ‘cross-
linguistic influence’ (ELLIS, 1997, p. 54).15
15
“Transferir” [‘transfer’] é ainda uma outra metáfora para explicar aquisição de L2. Em muitos sentidos trata-se de uma definição
inapropriada. Quando transferimos dinheiro nós movemos de uma conta para outra, e uma conta ganha enquanto a outra perde.
Entretanto, quando a “transferência” ocorre na linguagem não há nenhuma perda, geralmente, no conhecimento da L1. Esse fato
óbvio nos leva a sugestão de um termo melhor para se referir aos efeitos que a L1 podia ser “influência fora da fronteira
linguística” (Tradução feita por Gabriel Nascimento).
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Outro problema é que a pesquisa trata a aquisição como se ela fosse um processo de acúmulo linguístico de estruturas. A
aquisição é vista como análoga à construção de um muro, com um tijolo colocado em um lugar antes de outro que é colocado no
topo da construção. Essa visão é, na realidade, um sério engano, tal como estudos de estruturas gramaticais individuais deixaram
claro. Mesmo a estrutura mais simples é sujeita a um processo de desenvolvimento gradual, manifestando claros estágios. Para
investigar tal, precisamos analisar a sequência da aquisição (Tradução feita por Gabriel Nascimento).
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A estudante, no texto acima, não usa a crase antes de vezes, algo muito comum
inclusive entre brasileiros, seguindo um fenômeno amplamente estudado por
17
O link do projeto não será divulgado. Coleta de dados- UESC/CNPq 2011-2012.
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pesquisadores brasileiros. A palavra “actual”, escrita por ela, deixa claro que o
Português de Portugal tem conseguido efetivar com mais força sua política de
internacionalização do que o Português do Brasil (PB). Mais partes passaram pela
análise do professor como em:
"olha o meu produto novinho de (da) Apple"- e dirigem carros que são
bem mais grandes (sic) do que o necessário. Eles curtem sentar nos cafés
-"Vou querer uma (um) cafe (café) com leite de soja, eu sei que causa o
câncer, mais (mas) eu simplesmente adoro o sabor de aspartame"- e usar
os seus notebooks (o que eles estão fazendo de qualquer jeito)?
Entretanto, entendemos que não somente aspectos gramaticais podem ser tratados
no ensino/aprendizagem, mas até o andamento presente, devido à demanda não foi
possível testar atividades com usos culturais, pragmáticos etc.
Percebam que no texto acima, a estudante coloca a preposição “de” antes de nome
de marca no gênero feminino. O gênero aí é dado por conta do pressuposto de que
Apple é uma empresa, e de que empresa é gênero feminino. Logo, na produção ao
dizer o nome de estrangeirismos, quando se trata de empresas, utilizamos o artigo
que define o gênero do substantivo representante da categoria. O mesmo não se dá,
em geral, com cidades (e.g.18 A São Paulo), mas com alguns estados raros (e.g. A
Bahia, O Paraná etc.).
Assim, na pesquisa realizada não foi possível estender os exercícios a outros muitos
que compreendiam além da questão gramatical, outras de ordem cultural e
discursiva. Essa opção está em andamento.
A seguir, veja uma imagem do blog desenvolvido:
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E.g. Exemplia Gratia, do Latim “Por exemplo”.
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IMAGEM 1
IMAGEM DO BLOG DESENVOLVIDO EM PESQUISA DE IC
Considerações Finais
Assim, as análises contidas neste trabalho têm o intuito de contribuir para as
discussões sobre o papel das tecnologias no aprendizado de línguas, sendo que a
preferência por Português como Língua Estrangeira se torna viável a partir da
solidez da economia brasileira e a visibilidade do país em tratados internacionais e
nos blocos de poder.
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Resumo:
Este artigo discute a produção escrita como prática social numa pesquisa organizada para
compreender e transformar modos sobre como criar contextos (zpds) em que o aluno do 1º ano do
Ensino Médio, nas relações colaborativo-críticas da sala de aula, aproprie-se da produção escrita
como um movimento enunciativo, enunciativo discursivo e enunciativo linguístico na compreensão
e escrita de textos que se organizem pela argumentação. Discute também a Teoria da Atividade
Sócio-Histórica-Cultural (TASHC), fruto dos trabalhos de Vygotsky (1934/1991, 1934/2001) e
Leontiev (1934/2001) e Engeström (1999, 2002, 2011), teoria que parte da perspectiva sócio-
histórico-cultural em que o sujeito e a dimensão social são considerados na elaboração da
consciência (funções psicológicas superiores) e do desenvolvimento humano. A TASHC possui
função transformadora na medida em que reconhece e assegura, por meio diálogo e da colaboração,
a relação entre o sujeito, sua historicidade e sua realidade. Nesse processo, os instrumentos
psicológicos, definidos por Vygotsky como dispositivos para dominar processos mentais, são meios
pelos quais os sujeitos organizam uma atividade conforme suas necessidades, além de
transformarem e produzirem novos comportamentos. Assim, tendo em vista nosso objeto de
pesquisa, isto é, o domínio dos alunos quanto aos processos da produção escrita dos gêneros que se
organizam pela argumentação, reconhecemos os gêneros como instrumentos psicológicos da
atividade, uma vez que eles medeiam a relação entre os sujeitos da pesquisa e o objeto que
pretendemos desenvolver.
Palavras-chave: Atividade Sócio-Histórico-Cultural; Produção de Textos Escritos; Argumentação.
Abstract:
19
PUCSP / FIMI-Mogi Guaçu / SELEPROT-UERJ. Professora de Língua Portuguesa da FIMI (Faculdades Integradas Maria Imaculada).
Doutoranda em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela PUC-SP. juocs@bol.com.br
20
FIMI e FMPFM-Mogi Guaçu / SELEPROT-UERJ. Pós-doutora em Educação (2008) em Metodologia do Ensino do Português, no
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho-IEP-UMINHO, Braga-Portugal, com o projeto “Aspectos da Formação
de Professor de Português em Portugal e no Brasil”, sob a supervisão do Prof. Catedrático Doutor Rui Manuel Costa Vieira de
Castro. Pós-doutora em Letras (2006) na Linha de Pesquisa: Ensino da língua portuguesa: história, políticas, sentido social,
metodologias e pesquisa, no Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ-Brasil, com o projeto “A
PALAVRA E O DESENHO: uma interação da semântica e da semiótica na aprendizagem da língua”, sob a supervisão da Profª
Doutora Darcilia Simões. Doutora em Educação. Mestre em Educação. Graduada em Letras Vernáculas - Francês e Inglês em
Línguas e Literaturas. Coordenadora e Professora Titular do Curso de Letras na Graduação & Pós-Graduação Lato Sensu das
Faculdades Integradas Maria Imaculada-FIMI e Professora Titular da Faculdade Municipal Professor Franco Montoro-FMPFM de
Mogi Guaçu-SP-Brasil. Pesquisadora e participante dos Grupos de Pesquisa Semiótica, leitura e produção de textos (SELEPROT-
UERJ-CNPq) e Crítica Textual e Edição de Textos (UERJ-CNPq). suzett.santade@gmail.com
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This article discusses the writing as social practice in an organized search for understanding and
transforming ways about creating contexts (zpds) in which the student on 1st year of high school,
in relationship with a collaborative-critical classroom, takes ownership of production written as a
movement of enunciation, of enunciation and discursive enunciation in language comprehension
and writing texts that are organized by argument. It also discusses the Activity Theory Socio-
Historical-Cultural (TASHC) result of the work of Vygotsky (1934/1991, 1934/2001) and Leontiev
(1934/2001) and Engeström (1999, 2002, 2011), part of prospect theory socio-cultural-historical in
which the subject and the social dimension are considered in the development of consciousness
(higher psychological functions) and human development. The TASHC transformative function in
that it recognizes and ensures, through dialogue and cooperation, the relationship between the
subject, its historicity and its reality. In this process, the psychological instruments, defined by
Vygotsky as devices for restraining mental processes are the means by which individuals organize
an activity to suit their needs, and transform and produce new behaviors. Thus, in view of our
research object, i.e., the domain of students in the processes of production genres of writing that
are organized by argument, we recognize the genders as an instrument of psychological activity
since they mediate the relationship between the research subjects and the object that we want to
develop.
Key-words: Activity Theory Socio-Cultural-Historical; production of written texts; argumentation.
Introdução
Este artigo discute a fase inicial de um projeto de pesquisa que está sendo
desenvolvida no curso de pós-graduação em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem na PUC-SP. Valendo-se da dificuldade enfrentada pelos alunos do
Ensino Médio que se apropriam da organização argumentativa na produção escrita
como prática social, este trabalho enfoca a produção escrita como prática social,
com base nas discussões de Rojo (2009), Dolz e Schneuwly (2004) e Liberali (2009).
Está organizado para compreender e transformar modos sobre como criar
contextos (zpds) em que os alunos do 1º ano do Ensino Médio, nas relações
colaborativo-críticas da sala de aula, apropriem-se da produção escrita como um
movimento (i) enunciativo, (ii) enunciativo discursivo e (iii) enunciativo linguístico
na compreensão e escrita dos textos que se organizem pela argumentação, com base
nas discussões de Bakhtin (1959/2011), Bakhtin/Voloschinov, (1929/1992) e
outros pesquisadores que avançaram estas discussões (e.g., Schneuwly e Dolz; Dolz
e Schneuwly, Rojo). São objetivos específicos de a pesquisa criar contextos para: (1)
compreensão da organização de textos diversos que se organizem pela
argumentação; (2) discussão do contexto enunciativo, enunciativo discursivo e
enunciativo linguístico de gêneros orais e escritos; (3) estabelecimento de momentos
de elaboração dos textos escritos e revisões individuais e coletivas dos mesmos; (4)
desenvolvimento de um blog da sala para que os alunos da mesma e de outras séries
possam ler e comentar a produção dos colegas e apontar possíveis orientações ao
trabalho com textos argumentativos escritos no Ensino Médio. A pesquisa está
embasada no quadro da Teoria da Atividade Sócio-Histórica-Cultural (TASHC),
fruto dos trabalhos de Vygotsky (1934/1991, 1934/2001) e Leontiev (1934/2001) e
Engeström (1999, 2002, 2011) e na compreensão de leitura e escrita como práticas
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distingue uma atividade de outra é o seu objeto. Toda atividade parte de uma
necessidade que só pode ser satisfeita quando há um objeto, ou seja, um motivo
para isso. O motivo impulsiona a atividade, na medida em que articula uma
necessidade a um objeto, portanto, a atividade só existe se há um motivo.
Engeström (1999) retoma a discussão de Vygotsky e Leontiev e propõe a atividade
como uma formação coletiva e sistêmica, em que a comunidade, as regras e divisão
de trabalho são analisadas, bem como suas interações recíprocas em “sistemas que
produzem eventos e ações e evoluem ao longo de períodos do tempo sócio-
histórico” (Engeström, 2008, p. 5). Nesses sistemas de atividade, as ações orientadas
ao objeto são sempre ambíguas, caracterizadas pela surpresa e pela interpretação e,
por isso, essas ações geram conflitos e provocam o movimento de negociação, fato
que tornam as ações potencialmente transformadoras. Ao incorporar a ideia de
redes ao sistema de atividade sempre em expansão e a natureza conflitual da prática
social, a contradição passa a ser considerada como fator de desenvolvimento e de
transformação. É importante ressaltar que contradição não deve ser entendida
como problemas ou conflitos, mas como “tensões estruturais historicamente
acumuladas em e entre sistemas de atividade [...] [que] geram distúrbios e conflitos,
mas também tentativas inovadoras para mudar a atividade” (Engeström, 2011, p.
609).
Engeström (1999, apud Daniels 2008) sugere cinco princípios da TASHC. O
primeiro deles considera o sistema de atividade mediado por um instrumento e
orientado por objeto como unidade de análise. O segundo refere-se à multiplicidade
de vozes, entendidas como os diversos pontos de vista dos participantes que fazem
da atividade uma fonte de tensão e de negociação. A historicidade dos sujeitos, da
atividade, dos objetos, das ideias e das ferramentas teóricas que moldaram a
atividade constitui o terceiro princípio. O quarto princípio reconhece o papel das
contradições como fonte de mudança e desenvolvimento e, como último princípio
consta a transformação expansiva, realizada quando o objeto e o motivo do objeto
são novamente conceituados e ampliam o objeto da atividade anterior.
O desenvolvimento de atividades sócio-histórico-culturais visa desenvolver
ferramentas conceituais para a compreensão de diálogos, de múltiplas perspectivas e
de interações que, a partir de pontos de vista contraditórios, geram tensão,
necessidade de tradução e negociação de modo a chegar a um novo conhecimento.
Mais especificamente, vemos na TASHC o potencial de mudança nas práticas de
escrita no Ensino Médio, num processo em que o aluno é visto como um sujeito
cultural, histórico, ativo e agente de seu desenvolvimento. Por meio da TASHC,
temos a possibilidade de dar protagonismo aos discentes, seja nas relações que
mantêm entre si ou na ação orientada ao objeto (Engeström, 2011).
O interesse pelo ensino por meio de Atividades Sociais justifica-se também por se
relacionarem intrinsecamente à vida, pois “enfatiza o conjunto de ações mobilizadas
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Divisão de trabalho É aquela que as ações intermediárias são realizadas pela participação
individual na atividade, mas que não alcançam independentemente a
satisfação da necessidade dos participantes. São as tarefas e funções de
cada um dos sujeitos envolvidos na mesma atividade.
Objeto É aquilo que satisfará a necessidade, o objeto desejado.
Tem caráter dinâmico, transformando-se com o desenvolvimento da
atividade. Tratou-se da articulação entre o idealizado, o sonhado, o desejado
que se transformam no objeto final ou no produto.
Regras Normas explícitas ou implícitas da comunidade.
Artefatos/ instrumentos/ Meios de modificar a natureza para alcançar o objeto idealizado, passíveis de
ferramentas serem controlados pelo seu usuário revelam a decisão tomada pelo sujeito;
usados para o alcance de fim predefinido (instrumento para o resultado) ou
constituído no processo da atividade (instrumento e resultado).
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24- 25), para o trabalho com produção de textos escritos, os gêneros do discurso
(Bakhtin, 1929/ 1992), que devido a sua relevância, serão tratados na seguinte
sessão.
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Para Schneuwly (2012), há três elementos centrais nessa definição: o primeiro refere-
se à escolha de um gênero conforme a situação, ou seja, finalidade, destinatário e
conteúdo; o segundo diz respeito a essa escolha diante de uma esfera e de um lugar
social que definem um conjunto possível de gêneros e, finalmente, a relativa
estabilidade dos gêneros que determinam o que é dizível, a composição
(estruturação), um plano comunicacional (Dolz e Schneuwly, 1987) e um estilo, que
deve ser visto como elemento do gênero e não como individualidade do locutor.
Como observamos pelas suas características comunicativas voltadas às práticas
sociais, o gênero possibilita ao homem expressar-se, mais uma razão pela qual
Schneuwly (2010) defende que “o gênero é um instrumento”, já que sua escolha “se
faz em função da definição dos parâmetros da situação que guiam a ação. Há,
portanto, aqui, uma relação entre meio-fim” (p. 24) a que poderíamos relacionar ao
termo instrumento-e-resultado (Holzman, 2002, Newman e Holzman, 2003, apud
Magalhães, 2009). Em outras palavras, propomos usar os gêneros como instrumento
para que o estudante aproprie-se e internalize suas características na atividade de
construí-los, ou melhor, de produzi-los e percebê-los no uso em contexto,
considerando as condições de produção, finalidade e organização.
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Liliane Santos22
Resumo
Enquanto expressões convencionais, cristalizadas tanto linguística como culturalmente, os
idiomatismos constituem formas cujos significado e sentido não podem ser calculados pela simples
conjunção do léxico com a gramática. Esse fator, somado ao fato de o seu uso estar estreitamente
ligado à situação de enunciação, explica por que essas expressões representam uma das maiores
dificuldades que enfrentam professores e aprendizes de uma língua estrangeira. Neste trabalho,
apresentamos algumas observações a respeito da elaboração de uma metodologia de ensino para a
tradução das expressões idiomáticas, classificando-as em quatro categorias: (i) idênticas, (ii)
parafraseáveis, (iii) reconhecíveis e (iv) intraduzíveis. Essas categorias determinarão quatro
diferentes estratégias de tradução.
Palavras-chave: Expressões idiomáticas, ensino de línguas, tradução.
Abstract
Being conventional and frozen expressions, both from linguistic and cultural points of view, idioms
constitute a whole whose sense and meaning do not be constructed from the conjunction of
lexicon and grammar. Coupled with the fact that their use is closely linked to the situation of
enunciation, this factor explains why those expressions represent a major difficulty to teachers and
learners of a foreign language. In this work, we present some observations on the development of a
teaching methodology for the translation of these expressions, suggesting their classification into
four categories: (i) identical, (ii) paraphrasable, (iii) recognizable, and (iv) untranslatable. We
suggest, moreover, that these four categories correspond to four different translation strategies.
Key-Words: Idioms, language teaching, translation.
Introdução
Entre as maiores dificuldades com as quais se confrontam professores e aprendizes
de uma língua estrangeira – e mais especificamente no caso do
ensino/aprendizagem da tradução –, encontram-se as expressões idiomáticas (EI).
Cristalizadas e indecomponíveis, com sentido e emprego determinados cultural e
convencionalmente, as EI não somente estão estreitamente vinculadas à situação de
enunciação, como também apresentam uma significação que não corresponde à
soma dos significados individuais dos seus constituintes (ou seja, uma significação
que não pode ser calculada simplesmente pela conjunção do léxico com a
gramática). Neste sentido, é importante observar que
21
Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentada em Santos (2011).
22
Université Charles-de-Gaulle – Lille 3 - UMR 8163 “Savoirs, Textes, Langage” (CNRS). liliane.santos@univ-lille3.fr
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Uma vez que o nosso objetivo é apresentar algumas observações sobre os elementos
que consideramos necessários à elaboração de uma metodologia de trabalho no
ensino da tradução das EI, convém observar que não nos ocuparemos da questão da
sua aquisição. Apenas desejamos chamar a atenção para o fato de que o conjunto
dos elementos acima delineados permite perceber por que razão o domínio das EI
representa um capítulo à parte no ensino da tradução.
Iniciaremos nossa discussão por uma breve revisão da literatura a respeito dos
idiomatismos23, de modo a estabelecer uma definição mais precisa do que a que
acabamos de esboçar. Em segundo lugar, trataremos de questões ligadas à sua
tradução e ao seu tratamento pelos estudos lexicográficos. Em terceiro lugar,
discutiremos a problemática do lugar ocupado pelo estudo das EI no ensino de
línguas, examinando, em quarto lugar, uma proposta de análise morfossintática e de
classificação das EI numa perspectiva contrastiva. Em seguida, apresentaremos o
nosso ponto de vista sobre a questão do ensino da tradução dessas expressões,
apresentando também elementos que julgamos importante levar em conta quando
da elaboração de uma metodologia de ensino para a tradução das EI. Nas nossas
considerações finais, destacaremos os pontos mais importantes da nossa
argumentação e abriremos a possibilidade de utilizar uma metodologia semelhante à
que sugerimos para o ensino da tradução das EI para o ensino da tradução dos
provérbios.
Tendo em vista o escopo deste trabalho, não aprofundaremos a discussão sobre os
critérios de reconhecimento das EI, que daremos, em larga medida, por conhecidos.
Também não trataremos dos critérios que permitem identificar e distinguir as
diferentes unidades fraseológicas (colocação, locução, refrão, provérbio, expressão
idiomática). Para uma discussão em profundidade sobre o assunto, remetemos aos
trabalhos de Matias (2008) e Reis (2008), que apresentam, cada um, uma longa
discussão a respeito dos critérios que permitem identificar e caracterizar uma
expressão idiomática, assim como as demais unidades fraseológicas. Remetemos
também a Xatara (2001), que apresenta o conjunto das sete “delimitações” às quais
obedeceu a elaboração do seu Dictionnaire d’expressions idiomatiques Français-Portugais-
Français24.
23
Neste trabalho, expressões idiomáticas e idiomatismos serão utilizados como sinônimos.
24
Publicado on-line, o Dictionnaire d’expressions idiomatiques Français-Portugais-Français de Xatara (2007) comporta 2.459
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Por último, gostaríamos de fazer observar que, embora a maioria dos autores não se
preocupe em estabelecer essa diferença ao tratar do estudo contrastivo de EI
pertencentes a duas línguas, preferimos o termo correspondência ao termo equivalência,
uma vez que, como indicam Riva & Rios (2002, p. 7), este último “traz em sua
etimologia a ideia de uma ‘igualdade de valor’, [o] que não (...) [corresponde ao]
nosso objetivo”.
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unidades lexicais que não admitem inserção, nem substituição por outros itens
lexicais” e que “uma vez cristalizada, a EI não admite substituição de qualquer de
suas palavras componentes”.
Como se vê, essas definições destacam três traços característicos das EI:
(i) no plano lexical, o fato de constituírem uma unidade estável (fixa, cristalizada),
pela combinação de morfemas/lexemas;
(ii) no plano sintático, o seu caráter indecomponível, aliado ao fato de não
constituírem uma unidade frástica independente;
(iii) no plano semântico, uma significação opaca e que não corresponde à soma dos
significados dos seus elementos constituintes.
A esse conjunto acrescentaremos dois outros traços característicos, apresentados de
modo subjacente nas definições acima:
(iv) no plano pragmático, a relação estreita que entretêm com a situação de
enunciação; e
(v) no plano cultural, a sua fixação e consagração pelo uso, além do fato de
revelarem a visão de mundo própria a uma dada cultura.
E é justamente esse conjunto de cinco traços que Xatara & Oliveira (2002, p. 57)
utilizam para definir expressão idiomática:
toda lexia complexa indecomponível, conotativa e cristalizada em um
idioma pela tradição cultural. Por isso, é uma unidade locucional ou
frasal que constitui uma combinatória fechada, de distribuição única ou
bastante restrita, e, desse modo, seus componentes não podem mais ser
dissociados significando uma outra coisa, ou seja, sua interpretação
semântica não pode ser calculada a partir da soma dos significados
individuais de seus elementos.
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os idiomatismos culturais27, afirma que lhe “parece ser consenso que uma tradução
deve perder o mínimo possível de informação do texto original”. Ela propõe, então,
seis estratégias para a tradução dos idiomatismos culturais, indo da tradução literal
ao uso de um “equivalente pragmático” (pp. 44-45, sublinhado pela autora):
1. manter a expressão na forma original;
2. manter a expressão na forma original acrescida de nota
explicativa;
3. traduzir literalmente;
4. traduzir literalmente, acrescentando nota explicativa;
5. explicar a expressão no texto;
6. empregar um equivalente pragmático. (...)
Manter a expressão na forma original significa apenas transcrevê-la, como
no caso de Halloween, por exemplo. O acréscimo, ou não, de uma nota
explicativa dependerá do público a que se destina o texto. (...).
A tradução literal é uma tradução lexical, ou seja, cada item é traduzido
pelo seu equivalente lexical na língua de chegada. Assim, “Labor Day” é
traduzido por “Dia do Trabalho”. No caso de não haver uma
equivalência pragmática, far-se-á uma nota explicativa esclarecendo a
diferença entre as duas culturas.
A explicitação se dá quando, ao invés de se traduzir uma expressão, sua
explicação é incorporada ao texto.
O equivalente pragmático é aquele que é empregado numa mesma situação
em culturas diferentes. Por exemplo, “Muito prazer” é o equivalente
pragmático do inglês “How do you do?”.
Xatara (1998), por sua vez, propõe que a tradução de uma EI inclua, além de uma
definição (uma explicação da sua significação), a recuperação do seu valor
metafórico. Trabalhando nesse sentido, Gonçalves & Sabino (2001, p. 65), propõem
traduções como as exemplificadas abaixo:
(1) Mettere il carro davanti ai buoi Colocar o carro/a carroça na frente dos
bois (equivalente); precipitar-se
(explicação).
(2) Fare il diavolo a quattro Fazer o diabo/fazer o diabo a quatro
(equivalente); fazer grande balbúrdia,
desordem (explicação).
27
Segundo Tagnin (id., ibid., sublinhado pela autora) “são idiomatismos exatamente por não poderem ser
decodificados literalmente e culturais por transmitirem um dado cultural”
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Exceção feita, evidentemente, do Dictionnaire de Xatara, que, como indicado, contempla unicamente o Português
do Brasil e o Francês da França.
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Apesar de o estudo da semântica ter deixado de ocupar a posição secundária que até
então ocupava, este ainda não é o caso do estudo das EI, mesmo se este constitui
uma das maiores dificuldades no domínio de uma língua estrangeira, por ser o meio
pelo qual se tem acesso à visão de mundo própria a cada cultura: é por essa razão
que as EI levam mais tempo a ser adquiridas do que o restante do léxico.
Lembremos, ainda, que, para dominar as EI, um aprendiz deve “memorizar um
grande repertório de formas cristalizadas, conhecer o seu significado metafórico e
saber adequá-las a contextos específicos” (id., ibid.).
A abordagem comunicativa do ensino de línguas deu origem à concepção
interacionista, segundo a qual as bases da aprendizagem de uma língua são a
interação com outros falantes e a negociação dos significados em situações reais de
comunicação. Na abordagem interacionista, o erro deixa de ser visto como um
empecilho a ser evitado a todo custo, passando a ser concebido como parte
integrante e essencial da aprendizagem. Podemos notar, a partir daí, uma mudança
de paradigma no ensino/aprendizagem de línguas, pois o seu objetivo passa a ser a
aquisição da competência interativa, isto é, da capacidade de utilizar a língua de maneira
autônoma e apropriada às diferentes situações de interação, com falantes reais. Do
nosso ponto de vista, essa é a perspectiva que permite o tratamento adequado das
EI no ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras.
Antes, no entanto, de apresentar a nossa proposta de tratamento das EI no
ensino/aprendizagem da tradução, faremos um exame da proposta de análise e
classificação dessas expressões de Gonçalves & Sabino (2001), que utilizam uma
perspectiva contrastiva português-italiano.
29
Para tanto, baseiam-se nos critérios propostos por Steinberg (1985) para os provérbios.
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↓ ↓ ↓
↓ ↓ ↓
Não abrir o bico Ter meia dúzia de gatos Entrar/embarcar num (a)
pingados barco/ canoa furado (a)
32
EI morfossintaticamente diferentes
↓ ↓ ↓
30
“Aquelas que possuem morfologia e sintaxe idêntica em ambas as línguas” (op. cit., p. 68).
31
“Aquelas que possuem morfologia e sintaxe parecidas (semelhantes) em ambas as línguas” (op. cit., p. 70).
32
“Aquelas que possuem morfologia e sintaxe diferentes, em ambas as línguas” (op. cit., p. 71).
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33
Exemplos extraídos das pp. 70-73.
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EI morfossintaticamente diferentes
Indo um pouco mais longe, podemos dizer que a escolha do critério morfossintático
para a descrição e a análise das EI provoca efeitos indesejáveis, na medida em que
dá a entender que categorias gramaticais diferentes são comparáveis ou equivalentes.
Observe-se, para tanto, o par Essere come mamma l’ha fatto/Estar como veio ao
mundo/nasceu, além do par abaixo (op. cit., p. 73):
(3)
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De modo semelhante, esse tipo de critério não permite observar – em todo o caso,
as autoras não chamam a atenção para – o fato de que, em certos casos, o que se
tem é uma simples troca de posição dos constituintes, como exemplificado pelo par
abaixo (idem, p. 71):
(4)
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34
O fato de mencionarmos unicamente as variantes europeia e brasileira do português não significa que sugerimos
que as demais variantes sejam ignoradas. Evidentemente, na medida em que o professor domine outras variantes
do português, esse conhecimento somente poderá enriquecer o trabalho com os alunos.
35
A utilização da língua francesa a par da portuguesa, nos nossos exemplos, deve-se ao fato de a primeira ser a
língua do país no qual trabalhamos e que utilizamos, portanto, quando se trata de comparar/contrastar estruturas
com os nossos alunos.
36
“Morrer de fome”.
37
“Dar uma mãozinha”.
38
Literalmente, “peidar mais alto do que o [seu] cu”, isto é, “ser arrogante”.
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(i) EI “idênticas”, isto é, aquelas que têm mesma forma, mesmo sentido e, principalmente, mesmo uso
(são utilizadas nas mesmas situações):
39
(5) Quand les poules auront des dents ↔ Quando as galinhas tiverem dentes (PT)
(6) Ser um homem feito ↔ Être un homme fait
(7) Passar um sabão ↔ Passer un savon
(8) Envoyer promener ↔ Mandar passear
(9) Fourrer son nez ↔ Meter o nariz
(10) La main droite ne sait pas ce que fait la main gauche ↔ A mão direita não sabe o que a
mão esquerda faz (BR)
(ii) EI “parafraseáveis”, isto é, diferentes quanto à forma, mas com mesmo sentido e, principalmente,
mesmo uso (utilizadas nas mesmas situações):
(11) Château(x) en Espagne ↔ Castelo(s) no ar
(12) Bater as botas/Esticar as canelas ↔ Passer l’arme à gauche/Casser sa pipe
40
(13) Sant(inh)a do pau oco ↔ Sainte-nitouche
(14) Sair de fininho ↔ Filer à l’anglaise
(15) Abrir o jogo ↔ Jouer cartes sur table
(16) Quand les poules auront des dents ↔ No dia de São Nunca
(17) Mettre son grain de sel ↔ Meter o nariz
(18) Comer o pão que o diabo amassou → Manger de la vache enragée
(iii) EI “reconhecíveis”, isto é, que não têm um correspondente exato ou idêntico na outra língua, mas cujo
41
sentido pode ser recuperado quando traduzidas ou adaptadas :
(19) Meter a colher → Mettre sa petite cuillère (cp. Mettre son grain de sel)
42
(20) Jogar merda no ventilador → Foutre la merde au ventilo (cp. Foutre la merde)
(21) La main droite ne sait pas ce que fait la main gauche → A mão direita não sabe o que faz
a mão esquerda (PT)
(22) Filer un mauvais coton → Fiar um algodão ruim
(23) Ter pavio curto → Avoir la mèche courte (cp. Partir au quart de tour)
(iv) EI “intradutíveis”, isto é, que necessitam uma explicação ou explicitação:
39
Nos exemplos, PT: norma portuguesa; BR: norma brasileira.
40
Note-se que a expressão francesa tem uma conotação eminentemente sexual, ao passo que a EI em língua
portuguesa pode ser utilizada em contextos em que essa conotação não está presente (indicando somente uma
atitude/um comportamento considerado hipócrita). Mais precisamente, quando utilizada no masculino e sem o
diminuitivo (santo do pau oco), essa EI não apresenta conotações sexuais – que só aparecem, portanto, quando
utilizada no feminino, o diminutivo parecendo reforçar essa conotação ou trazer uma nuance pejorativa. No
entanto, mesmo no feminino acompanhado do diminutivo, a EI em questão pode ser utilizada sem conotações
sexuais: é o contexto mais amplo em que é utilizada, portanto, que permitirá decidir o valor a ser atribuído a
sant(inh)a do pau oco.
41
Observe-se que algumas dessas EI poderiam ser incluídas na classe das “parafraseáveis”.
42
Ventilo é a forma familiar do termo ventilateur (“ventilador”).
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Essa classificação das EI, feita principalmente em função das suas condições de
utilização, permite pensar numa metodologia de ensino da sua tradução em quatro
etapas: em primeiro lugar, é possível trabalhar, desde os níveis iniciais (A1-A2 do
QECR43, por exemplo), as EI “idênticas” (aquelas que têm uma correspondência
exata). Como observa Xatara (1995, p. 199), “ao menos em relação às línguas
europeias, muitas EI se traduzem literalmente com o mesmo significado”. Em
segundo lugar, nos níveis “intermediários inferiores” (A2-B1 do QECR), é possível
trabalhar as EI “parafraseáveis” (aquelas que compartilham as condições de uso).
Em terceiro lugar, é possível trabalhar, nos níveis “intermediários superiores” (B1-
C1 do QECR), as EI “recuperáveis” (aquelas que podem ser traduzidas ou
adaptadas), deixando para os últimos níveis (C1-C2 do QECR) o trabalho com as EI
“intradutíveis” (aquelas que não têm correspondência). Cumpre observar que, a
partir do segundo tipo (EI “parafraseáveis”), o professor começará a trabalhar sobre
a utilização de estratégias de tradução, trabalho este que se acentuará à medida que
aumentem o domínio e a autonomia da língua de chegada pelos alunos.
Considerações Finais
Como vimos, o estudo contrastivo das EI, fundamental para o ensino da tradução,
deve pautar-se pelo estudo das suas condições de utilização nas línguas estudadas.
Em outros termos, professores e alunos têm muito mais a ganhar ao dirigir o foco
da sua atenção às situações que podem desencadear o emprego de uma EI do que ao
estudar os seus constituintes. Evidentemente, um estudo morfossintático das EI é
sempre possível, mas somente na medida em que permita observar que a
morfossintaxe das EI não é diferente da morfossintaxe das formas livres.
No que diz respeito à sua aquisição, chamamos a atenção, com Fillmore (1979), para
o fato de que esta se dá pela sua associação com as situações em que o seu uso é
adequado, o que significa que, para a produção e a compreensão dessas expressões,
embora necessária, a vinculação do léxico com a gramática – procedimento no qual
se baseia mais comumente o ensino de línguas – não é suficiente, pois a sua
interpretação, assim como o conhecimento do seu funcionamento e das suas
funções “não são previsíveis por pessoas que apenas conhecem a gramática e o
vocabulário de uma língua” (Xatara, 1995, p. 201). Como dissemos, o ensino da
43
Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas. Ver Alves (2001).
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tradução das EI deve privilegiar (i) o ponto de vista do aprendiz e (ii) os aspectos
semânticos, pragmáticos e discursivos envolvidos no seu uso.
Evidentemente, embora o tratamento dessas expressões pelos dicionários –
especializados ou gerais – ainda seja precário, não propomos que sejam
abandonados. Como sublinha Reis (2008, p. 29), “os dicionários bilíngues trazem
uma enumeração de equivalências que muitas vezes não satisfazem o consulente,
principalmente na sua atividade de produção ou tradução. Isso se deve ao fato de
que os equivalentes são dispostos fora de seus contextos de uso”. No entanto, como
essa mesma autora argumenta, “é impossível encontrar todas as traduções de todos
os itens lexicais apropriados a determinado contexto de uso indicadas nos
dicionários” (id., ibid.). Esta é mais uma razão para advogarmos em favor de um
ensino que auxilie o aprendiz a se tornar um utilizador autônomo: pela percepção
da correspondência entre as situações de enunciação, muito mais do que pela
focalização da sua atenção nos elementos constituintes das EI.
Ao apresentar um sistema automático de ajuda à tradução, Wehrli (2004, p. 8, nossa
tradução) sublinha a importância da “capacidade de reconhecer que um termo (...)
pertence a uma expressão cristalizada ou a uma colocação, independentemente da
ordem relativa ou da distância dos constituintes da expressão”: desenvolver a
autonomia dos alunos, futuros tradutores, significa, entre outras coisas, desenvolver
justamente essa mesma capacidade.
Para concluir, cabe observar que a metodologia de ensino que preconizamos para as
EI também pode ser empregada no trabalho com os provérbios, uma vez que estes
também constituem um conjunto de formas (semi)cristalizadas – pelo menos do
ponto de vista sincrônico – e que pertencem a um fundo cultural compartilhado
pela comunidade dos falantes de uma dada língua (cf. Rocha, 1995). Cabe ressaltar,
no entanto, como indica Caramori (2006, p. 49), que, diferentemente das EI, os
provérbios têm “autonomia frástica completa”.
Mas este é um tema para um outro trabalho.
Referências
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Aprendizagem, Ensino, Avaliação. Lisboa: Asa. Disponível em http://sitio.dgidc.min-
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Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos.
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de um dicionário bilíngue (italiano-português). Tese de Doutorado. São Paulo:
Universidade de São Paulo.
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Resumo
O objetivo deste trabalho é apresentar algumas dificuldades encontradas pelos alunos na
aprendizagem de língua portuguesa como língua estrangeira (doravante PLE), partindo da ideia de
que os alunos possuem algumas crenças quanto ao processo de ensino/aprendizagem. Os alunos
acreditam no manual didático utilizado pelo professor, como ferramenta norteadora que ajuda
expor os conteúdos e outras técnicas nas aulas. Dentre essas estratégias metodológicas podemos
destacar: música, filmes, diálogos, representação da realidade, entre outros. Com essa diversidade
os alunos se sentirão mais motivados e aprendizagem poderá ter mais resultados.
Palavras chave: Ensino de línguas. Manual. TICs
Abstract
This paper aims at presenting some difficulties found by the students in the learning of
portuguese as a foreign language (henceforth PFL), from the conception that the students have
some beliefs about the process of teaching/learning. The students believe in the teaching
manual used by the teacher, as a guidance tool which helps on showing the contents and other
techniques in the classes. Among these methodological strategies we can highlight: music,
movies, dialogs, representation of the reality, and so on. With that diversity the students will feel
more motivated and the learning will be able to be successful.
Introdução
Atualmente, temos no Brasil muitas universidades que trabalham o ensino de PLE e
fazem convênio com universidades estrangeiras, estimulando os intercâmbios para a
ampliação do quadro de falantes da língua portuguesa e conhecedores da língua
portuguesa e cultura brasileira. Contudo, a busca por materiais eficientes no ensino
de PLE nos remete a um problema que decorre desde os primórdios dessa prática
de ensino no Brasil. Os primeiros manuais que foram elaborados para o ensino de
PLE mostram uma visão diferenciada do ensino de uma língua estrangeira que se
tem atualmente. O primeiro manual didático do ensino de PLE no Brasil, segundo
Pacheco (2006, p. 72) foi criado em 1957, “advindo do empreendedorismo de
professores e de linguistas”.
Nesse período, os materiais e métodos eram muito diferentes dos que se têm hoje,
pois o ensino de PLE ainda não tinha formulação de ensino de uma língua
44
Universidade Estadual de Santa Cruz- UESC - dajudaalomba@hotmail.com
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estrangeira, nesse momento e porque não dizer até hoje em alguns cursos, o ensino
de PLE é ensinado da mesma maneira que se ensina o Português como Língua
materna. Entre as décadas de 70 e 80 o ensino de uma língua estrangeira era baseado
na repetição de diálogos que aproximariam os falantes estrangeiros da língua em
estudo.
A discussão acerca do manual para falantes de outras línguas tem se mostrado mais
recorrente, à medida que são dotados novos olhares, mais diversificados e outra
forma de representação que buscaram incorporar questões voltadas para novas
reflexões pedagógicas. Essa perspectiva enfatiza a importância de observar o manual
didático mais recente levando em consideração o aluno como sujeito no processo
ensino-aprendizagem.
Assim, pensar em uma abordagem feita nos manuais, de modo geral, torna-se
insuficiente, uma vez que esse é o único material de que dispõe o professor na sala
de aula. Todavia, grande parte do conteúdo proposto para o ensino de PLE/PL2
ainda segue a orientação tradicional, voltando-se para estruturas gramaticais e
vocabulário e sem haver uma preocupação com as necessidades que levaram o
indivíduo a querer aprender outra língua.
Como analisam Abrahão e Barcelos (2006), o ensino é uma atividade pessoal e
coletiva, pois cada professor possui diferentes crenças, e agem de acordo com elas.
A partir do momento em que passam a acreditar em determinadas coisas,
automaticamente agirá de forma com o que acredita. Sendo assim, deve ser crítico o
suficiente para observar se essa crença é adequada, para o ensino de seus alunos, e
nem sempre uma boa técnica de ensino é a melhor para o processo de
aprendizagem.
Pensando de outra forma, o manual deve servir não só de apoio, mas como veículo
de uma abordagem produtiva permeando o implícito cultural entre os discursos e as
várias linguagens. Dessa maneira, muito bem salienta O’ Neill (Apud MORITA,
1990) quando corrobora em dizer que nenhum livro é tão hermético que não
permita que o professor faça suas adaptações e crie alternativas para outras
atividades necessárias. Por outro lado, o manual alivia a tarefa planejada pelo
professor de PLE/PL2, pois os que são apresentados implicitamente têm noção de
pressupostos teóricos sobre língua, linguagem, ensinar e aprender uma língua
estrangeira.
Nessa ótica, a depender dos motivos que levaram o aluno a optar por aprender
aquela língua estrangeira, o professor será guiado a instrumentalizar uma
metodologia voltada para o aluno-alvo, como também, entender a relação da prática,
da intencionalidade do sujeito e do que se pode falar a depender de com que se fala
(RODRIGUES, 2005).
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que o professor ao usar o manual tem de estar atento a essas idiossincrasias da aula
de PLE.
O autor ressalta a importância do curso, as necessidades e as expectativas devem ser
bem definidas, levando em consideração a idade e a língua materna do aluno.
Na concepção desse autor, ao escolher o manual em relação ao conteúdo linguístico,
devemos examiná-lo acerca do tema. Os temas têm relevância e significação para
um aprendiz privilegiando o seu crescimento intelectual. Almeida Filho (1992)
discute a importância em atender as fantasias do aprendiz. Para isso o material deve
tratar de assuntos que os estimulam e interage com sua vida.
Outro elemento importante é a função. Muitos livros não conseguem desvincular as
funções da gradação gramatical, esquecendo-se de que na comunicação real as
necessidades são outras. Contudo, não devemos esquecer os aspectos linguísticos
servem para a compreensão, discussão e relatos orais e escritos e como estes se
sistematizam. As habilidades linguísticas devem ser analisadas se estão de acordo
com os objetivos do curso e determinar se alguma habilidade deva ser privilegiada
em detrimento de outra. Claro é que essas divisões são contempladas pelas questões
pedagógicas. Entretanto, precisamos esclarecer que as atividades comunicativas que
envolvem mais de uma habilidade devem receber uma atenção especial, pois a
comunicação na vida real é feita utilizando-se de varias habilidades simultaneamente.
É importante que a sala de aula, na medida do possível, enfatize atividades que
interagem diversas habilidades simultaneamente e não as trabalhe isoladamente.
Vários estudos têm-nos demonstrado que as quatro habilidades linguísticas não
precisam ser ensinadas linearmente e tampouco se desenvolvem de maneira
homogênea.
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que aprender é uma forma de estar no contexto social interagindo com alguém em
um contexto cultural, histórico e social. E isso se dá pela interação dialógica e pela
ação do indivíduo.
Contudo, a aprendizagem de uma língua estrangeira vai muito mais além da
aquisição e das habilidades linguísticas, pois “os indivíduos passam de meros
consumidores passivos de cultura e de conhecimento a criadores ativos: o uso de
uma língua estrangeira é uma forma de agir no mundo e transformá-lo” (BRASIL,
1998, p. 66).
45
O programa de ensino de Português como Língua Estrangeira na Universidade Estadual de Santa Cruz, em Ilhéus-BA é reforçado
por seminários, minicursos, além das pesquisas realizadas nas categorias Iniciação Científica e Mestrado.
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brasileiro, mas não há nada especificamente mais sobre a Bahia, lugar em que a
pesquisa norteadora deste trabalho foi feita. Há também apêndice alfabético,
gramatical e um apêndice de vocabulário enfatizando algumas profissões e algumas
nacionalidades. A estrutura segue a teoria estruturalista, mas orienta com bastante
clareza o professor na sala de aula, principalmente aquele que não tem muita
experiência.
Para Cunningsworth (Apud MORITA, 1998), todos apresentam a mesma estrutura
em relação ao número de unidades, à extensão das unidades, à organização por
temas e por tipos de atividades. O quê falta nesses manuais é explicitar os objetivos
de cada unidade, contextualizar o vocabulário, pois se percebe a descontextualizarão
nos dois livros analisados que não apresentam nenhum contexto discursivo.
Particularmente, em situações sociais, o que se observa da metodologia utilizada,
principalmente na Avenida Brasil, é o exercício de repetição, memorização e fixação
que visam à aquisição principalmente de vocabulário descontextualizado. Aqui
presenciamos a visão tradicionalista de aprendizagem, pela qual se acredita que é
possível modelar o indivíduo, utilizando os estímulos adequados. Urge a necessidade
de ampliar os exercícios que trabalhem músicas, jogos, internet para que essas
diversidades possam complementar as atividades dos alunos
Algumas considerações
No decorrer da análise ficou latente a pouca interação entre os alunos e o manual
didático. Se considerarmos a interação social a interface do desenvolvimento e
aprendizagem, nesses manuais avaliados sugerimos ao professor que ao adotar um
dos materiais acima mencionados, complemente com atividades que permitam essa
experiência. O processo de aprendizagem mediado pela interação é o que leva à
construção de um conhecimento conjunto entre os pares dessa interação. Nos
manuais analisados, observa-se uma prática mecanicista e descontextualizada de
vocabulário e estruturas gramaticais.
Contudo, devemos ressaltar que o manual é um recurso imprescindível no contexto
escolar. Sendo assim, é considerado por alguns professores como ferramenta
principal e por alguns alunos principalmente os estrangeiros quando esses não estão
no contexto de imersão. Entretanto, os questionamentos apresentados nesse
trabalho mostram que o manual não é o único caminho. Aqui não consideramos
nada no plano superior do que a interação aluno/professor na contraposição ao
conhecimento. A sugestão de apresentar situações cotidianas o mais próximo do real
para que o processo ensino-aprendizagem se efetive de forma agradável e que
possibilite ao aprendiz a vivenciar em língua estrangeira situações de aprendizagem
que sejam significativas e que, principalmente a situem no contexto em que vive,
visando um desenvolvimento no processo de ensino aprendizagem.
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Referências
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Resumo
Este trabalho objetiva refletir sobre as possibilidades do uso e aplicação de Tecnologias da
Informação e Comunicação no processo de ensino-aprendizagem de português (escrito) como
segunda língua para alunos surdos. Apresentaremos propostas de atividades que privilegiam a
interação surdo/surdo em português escrito por meio de interfaces tecnológicas. Os resultados
indicam que o uso de tecnologias nas aulas de línguas torna as aulas mais dinâmicas e motivadoras e
possibilitam o exercício do letramento de maneira efetiva, através da interação escrita, de surdo para
surdo.
Palavras-chave: Tecnologia; Ensino de Língua Portuguesa; Surdos.
Abstract
This work aims to reflect on the possibilities of the use and application of Information and
Communication Technologies in teaching Portuguese as a second language for deaf students. The
activities presented emphasize the interaction deaf to deaf in written Portuguese based in
technological interfaces. The results indicate that the use of technology makes the lessons more
dynamic and motivating, enabling the exercise of literacy effectively through deaf to deaf written
interaction.
Key word: Technology; Language Teaching; Deaf.
Considerações Iniciais
O objetivo deste estudo é refletir sobre os usos e possibilidades da aplicação de
Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) no ensino da língua portuguesa
(LP) a alunos surdos. Apresentaremos, primeiramente, o panorama linguístico-social
em que os surdos se inserem atualmente, uma vez que para se preservar a identidade
linguístico-cultural de alunos bilíngues e para propor atividades que a tomem como
aliada, é preciso, antes de tudo, conhecê-la. Em seguida, refletiremos sobre o uso de
TICs na educação, evidenciando a nossa perspectiva de trabalho nesse campo. Por
fim, serão apresentadas propostas de atividades que visem o exercício do letramento
em LP.
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Doutoranda no programa de pós-graduação em Estudos Linguísticos pela UFMG. UFMG/FAPEMIG – mclaramaciel@hotmail.com
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Os Estudos Surdos são compreendidos como uma área interdisciplinar de estudos que tem como grande área os Estudos
Culturais e a Educação. Skliar (1998, p. 5) o define como “um programa de pesquisa em educação, onde as identidades, as línguas,
os projetos educacionais, a história, a arte, as comunidades e as culturas surdas são focalizados e entendidos a partir da diferença,
a partir de seu reconhecimento político”.
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Justificando: a Libras é a língua possível e natural aos surdos. É ela que possibilita aos sujeitos organizarem pensamentos
completos e elaborados. Será através dela que eles poderão lançar mão de habilidades criativas e recursivas no campo da língua –
e daí resulta o seu estatuto de primeira língua, independente da ordem de aquisição linguística das línguas (libras e português).
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Neste trabalho, os conceitos de segunda língua e língua estrangeira estão sendo utilizados indistintamente.
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Como se nota, não nos filiamos a uma ideologia tecnocrata, mas vislumbramos, com
criticidade, a riqueza de possibilidades que podem ser atingidas a partir do ensino de
línguas para surdos aliado à tecnologia. Portanto, não é demais lembrar: educativos
e interativos somos nós, máquinas são apenas máquinas. É o direcionamento dado
pelo professor que produzirá (ou não) interatividade e promoção do saber.
De acordo com Vieira e Moura (2009), a aprendizagem colaborativa, proporcionada
pela interação em dada comunidade de aprendizagem virtual, além de produzir
autonomia, potencializa o desempenho dos aprendizes, uma vez que
a colaboração pressupõe uma tarefa mútua na qual os parceiros
trabalham em conjunto para produzir algo que nenhum deles poderia ter
produzido individualmente. Dentro de um ambiente computacional, a
interação entre pares, permeada pela linguagem (humana e da máquina),
potencializa o desempenho intelectual porque força os indivíduos a
reconhecer e coordenar perspectivas conflitantes de um problema,
construindo um novo conhecimento a partir de seu nível de competência
que está sendo desenvolvido dentro e sob a influência de um
determinado contexto histórico-cultural (VIEIRA; MOURA, 2009, p.
15).
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É importante lembrar ainda que a tecnologia parece fazer parte do acervo cultural
da comunidade surda. Desde os antigos aparelhos TDD50 até as campainhas que
acionam luzes, os despertadores vibratórios e os mais recentes softwares de
tradução Libras/português (e vice-versa), observamos a tecnologia aliada à melhoria
de vida desses sujeitos. Curiosamente, a informática tem sido considerada por
muitos professores como uma das áreas de melhor desempenho escolar dos surdos.
Além disso, atualmente, inúmeros surdos brasileiros têm a oportunidade de realizar
cursos de graduação em Letras/Libras (licenciatura e bacharelado), à distância,
ofertados gratuitamente pela Universidade Federal de Santa Catarina.
Isso nos leva a pensar que cursos de língua de curta duração/atualização/extensão
oferecidos à distância teriam boa receptividade na comunidade surda e isso
aumentaria as chances de êxito educacional dessa população. Ou, mais
especificamente, nos levam a pensar que a escola inclusiva, tão duramente rotulada
de ineficiente no tocante ao ensino de línguas para surdos, pode ter na tecnologia
um aliado de valor.
50
TDD (Telecommunications Device for the Deaf) é um sistema de comunicação telefônica digital onde os surdos podem se
comunicar escrevendo mensagens em um teclado e visualizando em uma tela as mensagens que lhe são enviadas e recebidas. O
advento dos celulares com editores de texto, que possibilitam o envio de mensagens (SMS), tem mostrado que o TTD, com o
tempo, se tornará peça de museu.
51
Uma vez que em Libras, de maneira ampla, flexões verbais e marcações modo-temporais não apresentam formas desinenciais,
tais processos se tornam complexos para os aprendizes de PTL2. Não se espera, portanto, um saber consciente, mas um saber
prático, ainda que inconsciente.
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Mas como se deve ensinar uma língua de modalidade oral-auditiva a alunos surdos?
Será através da Libras? Será através exclusivamente do português, para criar um
ambiente de imersão? Ora, a segunda opção, sabemos, não pode ser válida! Não
haveria imersão, uma vez que os surdos perderiam todas as informações orais e
auditivas. E seria possível haver imersão através, exclusivamente, da modalidade
escrita? Também sabemos que não. Como seria possível se, muitos surdos,
desconhecem uma vastidão de significantes em português? Explicamos: ocorre,
muitas vezes, de os significados estarem construídos em Libras, com seus
respectivos significantes e, no entanto, os surdos desconhecerem os significantes
que designam, em português, o significado previamente construído em sinais. É
como se escrevêssemos a palavra respeito, por exemplo, na louça, e os surdos nos
dissessem: “não sei o que é isso!”. Um professor inexperiente poderia, sem
intenção, ser levado a construir ideias preconceituosas e hostis aos surdos diante
desse fato, mas o professor experiente saberia do que trata: ele faria o sinal de
respeito em Libras e mostraria que, e em português, aquele é o significante do
significado respeito.
Dessa maneira, como se vê, não seria nem possível nem proveitoso ensinar
português para surdos por intermédio do próprio português, uma vez que esta
língua nada intermediaria.
O decreto 5.626, de 2005, garante aos surdos brasileiros a possibilidade de
receberem uma educação bilíngue, onde o conteúdo escolar esteja acessível também
em Libras, por meio da inserção de professores bilíngues ou de Tradutores-
intérpretes de línguas de sinais no ambiente escolar (opção mais comum no Brasil).
O que se mostra apropriado e grandemente proveitoso, então, é: ter a Libras como
língua de instrução, tanto nas aulas de português, quanto de inglês, matemática ou
história. As razões são tão óbvias que evitaremos delongas.
O que fazer, diante disso, para ensinar português para surdos, através da Libras, mas
criando e otimizando ao máximo o tempo de exposição do aluno ao português?
Como vimos, não é possível que o professor chegue diante de seus alunos e não
sinalize, ou pouco sinalize, apenas enchendo a lousa. Isso não produziria
aprendizagem e deixaria os alunos extremamente tensos e frustrados. Qual seria,
então, uma solução possível? Através do uso de tecnologias, ou para sermos mais
específicos, através da educação à distância e do uso das TICs. Pensaremos, então,
no uso das TICs no ensino de línguas para surdos, tanto na modalidade presencial
quanto na modalidade à distância.
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Projeto de pesquisa e extensão vinculado ao Departamento de Comunicação e Letras da Universidade Estadual de Montes
Claros, cujo objetivo é desenvolver estratégias de ensino de línguas para surdos.
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Dicionário Priberam da Língua Portuguesa. Disponível em: http://www.priberam.pt/DLPO/default.aspx?pal=blogue
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para os alunos, é entender que todo texto projeta um leitor modelo, e que eles serão
lidos (e, portanto, necessitam ser compreendidos) por muitos.
Esta atividade propõe a criação de um blog coletivo a ser criado e mantido pelos
alunos. É importante que a temática seja motivadora e, em alguma medida,
polêmica. Sugere-se que o tema envolva discussões de interesse político-social e que
visem o desenvolvimento de uma ética-cidadã. Poder-se-ia tratar de alguma
reivindicação política das comunidades surdas, de questões ecológicas que envolvam
a cidade, ou de algum mote fornecido por uma notícia local.
Nessa atividade, os alunos devem se entender exclusivamente através da leitura e da
escrita, mas tudo será esclarecido e/ou aprofundado na sala de aula presencial, em
sinais. O professor pode, por exemplo, pedir para que cada um explicite, em sinais, a
leitura que fez do texto do colega para poder, assim, corrigir interpretações
equivocadas. Pode, ainda, se utilizar de padrões errôneos repetitivos na escrita dos
alunos para inferir sobre a natureza do erro: trata-se de influência da estrutura da
Libras? Trata-se de desconhecimento de uma estrutura específica do português?
Essas hipóteses seriam construídas pelo professor em parceria com seus alunos. Em
segundo momento, poder-se-ia propor que os alunos postem novos textos no blog,
registrando as discussões estabelecidas em sala de aula e fazendo uso das novas
estruturas linguísticas que aprenderam.
Antes do início dessa atividade, recomenda-se que o professor debata em sinais o
tema a ser abordado com os seus alunos, para prepará-los e motivá-los para a
atividade que virá. Desenvolver um mural sobre o tema, em conjunto com os
alunos, se mostra proveitoso na medida em que fornece suporte visual e temático
para os participantes.
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Considerações finais
O trabalho com tecnologias no ensino de línguas para surdos mostra-se promissor.
É difícil pensar, em pleno século XXI, no desenvolvimento de processos de ensino-
aprendizagem totalmente alheios à tecnologia. Se o uso das TICs não acontecer de
maneira formal, sob a orientação de professores qualificados para tal, certamente
acontecerá de maneira descompromissada, pois sabemos da relação que as novas
gerações mantêm com elas. O que propomos, então, é que a educação se aproprie
de algo que já está nas mãos dos alunos, dando um direcionamento pedagógico e
explorando facetas não visadas no uso informal.
Neste estudo, enumeramos algumas possibilidades de utilização das TICs no ensino
de português para alunos surdos. O nosso intuito foi demonstrar que o ensino de
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português para surdos pode e precisa extrapolar o domínio físico da sala de aula.
Principalmente quando nos damos conta de que, na sala de aula inclusiva, os alunos
surdos aprendem o português como a língua materna e que o professor regente da
sala inclusiva ou da sala de recursos deverá lançar mão de estratégias outras para
atingir seus objetivos (ensinar LP como L2).
O futuro dominado por parafernálias tecnológicas parece ter chegado. O
direcionamento e tratamento adequado de tudo isso, no entanto, está em nossas
mãos. Façamos, portanto, boas escolhas.
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Resumo
O objetivo do presente trabalho é a apresentação do projeto de pesquisa e extensão “Formação
continuada para professores da educação básica nos anos iniciais: ações voltadas para a
alfabetização em municípios com baixo IDEB na região oeste do Paraná”, desenvolvido na região
oeste do Paraná, financiado pela CAPES/INEP, conforme Edital 038/2010 do Programa
Observatório da Educação. Tal projeto está se consolidando a partir da oferta de formação
continuada a docentes, processo que proporciona aprofundamento teórico, encaminhamentos
práticos e reflexões sobre o trabalho com a Língua Portuguesa focalizando os gêneros discursivos.
Para este estudo, apresentamos, inicialmente, o projeto em questão, seguido de informações sobre
os trabalhos de formação realizados com a intenção de minimizar o descompasso presente entre a
teoria que perpassa a formação do professor e a sua prática em sala de aula. Tomamos como bases
teóricas os estudos de AMOP (2007), Bakhtin (2000, 2004), Bronckart (2003) e Costa-Hübes
(2008).
PALAVRAS-CHAVE: Língua Portuguesa, Formação Continuada, Observatório Educacional.
Abstract
The aim of this paper is to present the project "Continuing education for teachers of basic
education in the early years: actions for literacy in cities with low IDEB in western Paraná",
supported by CAPES/INEP, as notice 038/2010 - Programa Observatório Educacional, and
developed in western Paraná. This project is consolidating from the provision of continuing
education for teachers, a process that provides deeper theoretical, referrals and practical reflections
on working with the Portuguese language focusing on the speech genres. For this study, we present
initially the project in question, followed by information on the work carried out training with the
intention of minimizing the gap between the present theory that pervades teacher education and
practice in the classroom. We take as theoretical studies AMOP (2007), Bakhtin (2000, 2004),
Bronckart (2003) and Costa Hübes (2008).
KEYWORDS: Portuguese Language, Continuing Education, Observatório Educacional.
Introdução
Elaboramos o presente texto com o intuito de apresentarmos algumas ações que
tem produzido resultados satisfatórios no que tange à relação entre teoria e prática
presente no processo de formação continuada de docentes. Nosso objetivo pauta-se
54
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração em Linguagem e Sociedade,
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE; Profª da Educação Básica SEED/PR. oi_sueli@hotmail.com
Profa Dra do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, área de concentração em Linguagem e Sociedade, Nível de
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Em 2010 o referido Programa de Pós-Graduação contava apenas com o curso de Mestrado. Atualmente oferta Mestrado e
Doutorado com área de concentração em Linguagem e Sociedade.
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Equipe coordenada pela Profª Drª Terezinha da Conceição Costa-Hübes, docente do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Letras, Mestrado e Doutorado em Linguagem e Sociedade, UNIOESTE.
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O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) foi criado em 2007 com o objetivo de verificar a qualidade de cada
escola e de cada rede de ensino. O indicador é calculado com base no desempenho do estudante em avaliações do INEP e em
taxas de aprovação.
59
Em 2012, a pedido dos municípios, iniciaram-se as atividades na área de Matemática. Para isso, a composição atual dos bolsistas
da graduação e da Educação Básica é a seguinte: 03 alunos do Curso de Letras e 03 do Curso de Pedagogia; 03 professores da
Educação Básica voltados para a Matemática e os outros 03 dando continuidade às ações em Língua Portuguesa.
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O CBEPM (AMOP, 2007) adota a denominação “gêneros textuais”, considerando a familiaridade dos interlocutores desse
documento com o referido termo.
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Assim sendo, houve uma intensificação nos estudos relacionados à interação por
meio da linguagem, fortalecendo os postulados de Bakhtin que defende uma
linguagem na qual “o sentido da palavra é totalmente determinado por seu contexto
e [...] há tantas significações possíveis quanto contextos possíveis” (BAKHTIN,
2004, p. 106).
Com relação à leitura, os encaminhamentos pautaram-se no foco da interação autor-
texto-leitor, considerando o caráter dialógico da língua (BAKHTIN, 2004). Os
docentes realizaram atividades visualizando a importância da presença do
interlocutor no processo de produção e organização de textos que circulam
socialmente, percebendo, novamente, a linguagem como forma de interação. Dessa
forma, reiteramos, junto aos professores, que o trabalho com a escrita e a leitura
deve considerar que o discurso se consolida por meio de enunciados concretos e
situados num determinado campo de atividade humana, pois
[...] cada esfera produz seus próprios gêneros. Todos os diversos campos
da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se
perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes
quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a
unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em
forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos,
proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade
humana. (BAKHTIN, 2000, p. 261, grifo nosso).
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Num total aproximado de 40 professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental.
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Considerações finais
Essa breve apresentação teve como objetivo ressaltar alguns encaminhamentos
realizados pelo projeto “Formação continuada para professores da educação básica
nos anos iniciais: ações voltadas para a alfabetização em municípios com baixo
IDEB na região oeste do Paraná” acerca do trabalho com a escrita e a leitura na
formação continuada de docentes, guiado por um referencial curricular que norteia
o trabalho com a Língua Portuguesa e pela matriz de referência da Prova Brasil.
A partir de dados revelados em pesquisa realizada junto aos docentes e por meio de
uma avaliação aplicada aos alunos, encaminhamos conteúdos que pudessem atender,
primeiramente, aos docentes, para em seguida, estenderem-se aos discentes. Houve
um grande empenho por parte dos professores participantes da formação
continuada para interagirem com conteúdos, até então, desconhecidos por muitos.
Ainda que os trabalhos de formação continuada desenvolvidos no projeto estejam
em andamento, é possível verificar que a prática da escrita e da leitura na sala de aula
necessita de consistentes subsídios teóricos e metodológicos que possam amparar os
docentes na elaboração de seus planos de ensino. O intuito de diagnosticar os
problemas relacionados a esses aspectos do ensino da Língua Portuguesa, para,
posteriormente, abordá-los no processo de formação continuada, foi condizente
com os anseios que os docentes depositam nesse processo.
Finalmente, ressaltamos que o fundamento que ampara as ações de formação
baseia-se no pressuposto de que a formação continuada é uma “[...] possibilidade de
trabalho com os conteúdos historicamente acumulados e a busca da autonomia
intelectual e moral através, justamente, da transmissão das formas mais elevadas e
desenvolvidas do conhecimento socialmente existente” (DUARTE, 2001, p. 36).
Por isso, almejamos que esses momentos de formação possam mediar um (re)
direcionamento da prática docente, propondo a inserção dos alunos no âmbito da
escrita e da leitura numa concepção dialógica de linguagem.
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RESUMO
O presente artigo visa investigar se no processo de formação inicial, desenvolvido no Teletandem
Brasil e envolvendo um professor mediador e um par de interagentes (um brasileiro e um
estrangeiro), ocorre legitimação de crenças ou (re) construção de competências. Para o
desenvolvimento desta investigação, temos como norte a seguinte pergunta de pesquisa: “A
professora mediadora legitima as suas próprias crenças e/ou cria condições para a (re) construção de competências?”.
Para responder a esta pergunta, desenvolvemos uma pesquisa de natureza qualitativo-
interpretativista (BROWN, 1988; NUNAN, 1992; MOITA LOPES, 1994), etnográfica virtual
(HINE, 1998; GURIBE & WASSON, 2002). O referencial teórico é baseado em estudos sobre
essas questões realizados em Linguística Aplicada que tiveram como foco o ensino de línguas por
meio de (Tele) tandem, o ensino reflexivo e a aprendizagem reflexiva e as competências do
professor de línguas para o meio presencial e/ou virtual. No que tange aos reflexos das ações
realizadas pela professora mediadora no sistema de crenças do interagente brasileiro, os dados
revelam que a professora, por ter sólida formação em Linguística Aplicada e por estar engajada em
um curso de pós-graduação Stricto Sensu (Doutorado em Estudos Linguísticos), possibilita meios
para que a interagente possa refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem de línguas,
mostrando que as ações empreendidas pela mediadora nas sessões de mediação não são formas de
apenas legitimar as crenças, mas de possibilitar condições para que a interagente (re) construa
competências e pense criticamente acerca do seu papel como professora ou como aprendiz de
línguas.
Palavras-Chaves: Formação de professores de línguas; Crenças; Competências; Reflexão;
Teletandem; Linguística Aplicada.
ABSTRACT
This article aims at investigating if in the process of initial teacher education developed in the scope
of the “Teletandem Brasil” project involving a mediator teacher and two interactants (foreigner and
Brazilian) occurs legitimacy of beliefs or (re) construction of competencies. In order to develop this
investigation, our research guiding question is: What reflexes can the actions performed by the
mediator teacher have on the system of beliefs of the Brazilian interagent? For answering this
question it was developed a qualitative-interpretative research (BROWN, 1988; NUNAN, 1992;
MOITA LOPES, 1994) and a virtual ethnographic orientation (HINE, 1998; GURIBE &
WASSON, 2002). The theoretical reference is based on studies related to these questions carried
out in Applied Linguistics whose focuses were the teaching of English through (Tele) tandem,
reflective teaching and reflexive learning and competencies of the language teacher related to the
62
Universidade de Brasília (UnB). kleberunicamp@yahoo.com.br
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virtual and face-to-face environments. Concerning the reflections of the actions performed by the
mediator teacher on the system of beliefs of the Brazilian interactant data reveal that due to her
solid formation in Applied Linguistics and her engagement in a Doctorate in Linguistics Studies this
teacher in question makes possible the reflection of the interagent about learning and
teaching languages, showing that her actions during her mediation sessions are not only ways of
legitimating her own beliefs, but also of creating conditions that enable the interactant to (re)
construct competencies and to think critically about her role as a teacher or language learner.
Key-words: Teachers Educator; Beliefs; Competences; Reflection; Teletandem; Applied
Linguistics.
Introdução
A sociedade brasileira está em processo de digitalização e/ou de (trans) (multi)
letramentos digitais. Por esta razão, a oferta e a procura por cursos ou programas
que utilizem interfaces tecnológicas em situação de ensino-aprendizagem e de (trans)
formação inicial e/ou contínua de professores de línguas têm sido marcadamente
crescentes (cf. FREIRE, 2009; VIEIRA-ABRAHÃO, 2009), sendo necessário que o
profissional de línguas, delimite e atravesse as fronteiras digitais, e isto só será possível
por meio das práticas de letramento(s) digitais múltiplos (cf. ROJO, 2009, 2005).
Para corresponder a esta caracterização do mercado de trabalho, FREIRE (2009, p
53) afirma que “(...) o professor de línguas se vê diante da necessidade de associar a
formação tecnológica a linguística, para que possa incluir/excluir o computador em sua
prática docente, no momento adequado e de forma pertinente” (Ênfase adicionada).
No entanto, conforme enfatizado por diversos estudiosos da Linguística Aplicada
(doravante LA) e/ou áreas afins (TELLES, 2009; VIEIRA-ABRAHÃO, 2009;
SILVA, 2008; ARAÚJO, 2007; TELLES & VASSALLO, 2006; VASSALLO &
TELLES, 2006; dentre outros), em sua (trans) formação inicial, nem sempre os
professores vivenciam atividades instrucionais mediadas pelo computador, e,
mesmo quando isto acontece, conforme corroborado por FREIRE (2009, p. 53),
“poucas são as chances de discutir o potencial dessa ferramenta e de seus contextos de
aplicação, uma vez que seus formadores, em geral, revelam carência de conhecimento na
área de tecnologia educacional ou resistência à utilização da máquina e a reflexão crítica sobre suas
implicações para o ensino-aprendizagem de línguas” (Ênfase adicionada).
A constatação dessa lacuna na formação inicial ou pré-serviço do professor de
línguas contextualiza a proposta deste artigo, que tem por objetivo apresentar e
refletir criticamente sobre as competências que são (re) construídas pelos
participantes da pesquisa dentro do contexto teletandem63. Acreditamos que esta
perspectiva nos propiciará subsídios teóricos e práticos, para que o professor de
línguas atue com maior eficácia no meio virtual, promovendo, por sua vez, de uma
63
Para uma explicitação mais abrangente do referido contexto e dos estudos empíricos realizados na UNESP (São José do Rio
Preto e Assis), veja Telles (2009).
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O maior tandem do mundo foi construído na Austrália em 1984 e tinha a capacidade de 74 ciclistas, segundo o site eletrônico:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Bicicleta_Tandem.
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Estamos conscientes de que o “professor mediador” e/ou “mediador” também seja um “interagente” e “um mediador”. Porém,
quando fizermos menção ao termo “interagente” estamos nos referindo aos “participantes” brasileiro ou estrangeiro, embora
saibamos que o “professor mediador” ou “mediador“ também interage nas sessões de mediação com o interagente brasileiro, e
oposto também é verdadeiro. A nosso ver, é preciso que encontremos na literatura em LA talvez um termo mais adequado para se
referir aos participantes desta pesquisa, sejam eles os “interagentes” e os “professores mediadores”.
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Este subprojeto de pesquisa é de responsabilidade da Profª Drª Maria Helena Vieira-Abrahão, vice-coordenadora do Projeto
“Teletandem Brasil: Línguas Estrangeiras para Todos” (CNPQ/FAPESP).
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FILHO, 1999, 1993; dentre outros), os quais fazem uso do termo competência em seus
trabalhos, distanciando-se de postulações de cunho chomskiano.
No entanto, não temos como objetivo principal neste artigo, aprofundar as questões
terminológicas desses conceitos. Privilegiamos, aqui, a noção de competência
defendida por ALMEIDA FILHO (2006, 2004, 1999, 1993) e BASSO (2008, 2001),
entendendo o termo capacidades como direta e intrinsecamente relacionado ao
primeiro. Convergimos, portanto, com CRISTOVÃO (2005, p. 107) a este respeito,
uma vez que a citada autora afirma que podemos “perceber uma relação bastante
direta entre capacidade e competência, capacidade e habilidade”, na medida em que,
ao serem abordados na Educação (PERRENOUD, 1999, 2000, 2001) ou na LA
(MOITA LOPES, 1996; ALMEIDA FILHO, 1993, DENTRE OUTROS),
geralmente “um conceito é usado para explicar o outro”.
Assim, é importante ressaltar que, em nosso estudo, ancorando-nos em BARBOSA
(2001) e CRISTOVÃO (2005), fazemos uso de ambos os termos indistintamente,
abordando-os como algo (re) construído através das interações sociais e mobilizado
“por redes advindas da apropriação de práticas sociais, discursos e conhecimentos”
(BARBOSA, 2001, p. 105). Desta forma, nosso foco, ao nos referirmos a tais
conceitos, distancia-se dos conflitos terminológicos e recai na importância dos
mesmos em relação à construção de objetivos para o ensino de línguas, os quais, por
sua vez, devem estar, em nosso contexto, vinculados à acepção vygotskyana de que
“é na ação conjunta que a linguagem se torna significativa” (MIRANDA, 2005, p.
15) e na relevância da cultura para o processo.
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FIGURA 1
AS COMPETÊNCIAS DO PROFESSOR DE LE SEGUNDO ALMEIDA FILHO (2006, 2004, 1993)
Segundo Almeida Filho (1993, 2004, 2006), quando um professor se coloca no lugar
e momento de ensinar, um feixe ou “aglomerado de conhecimentos informais
anteriormente construído”, o qual abarca desde percepções, intuições, memórias,
sacadas, imagens e crenças67 até pressupostos teóricos explícitos, tudo sob uma
configuração de atitudes, posta-se a serviço desse ensinar, embasando todas as suas
tomadas de decisões. A “qualidade, natureza ou textura da ação de ensinar,
portanto, vai depender de uma combinação ou nível de uma ou mais de cinco
competências básicas”: linguístico-comunicativa, implícita, teórica, aplicada e profissional.
Segundo Almeida Filho (1993, 2004, 2006), para ensinar, o professor necessita, no
mínimo, das competências linguístico-comunicativa e implícita.
A primeira, a competência linguístico-comunicativa, permitirá ao professor “ensinar
o que sabe sobre a língua em questão e envolver os aprendentes numa teia de
linguagem na língua-alvo”. A segunda, a competência implícita, lhe facultará “agir
espontaneamente para ensinar através de procedimentos tidos como apropriados”
(Almeida Filho, 2004, p. 13).
67
Para maiores informações sobre estas categorias de informalidade, veja os estudos de Bandeira (2003), Silva (2005) e Silva,
Rocha e Sandei (2005).
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Basso (2001), inspirada no modelo proposto por Almeida Filho (1993), propõe uma
equação de competências necessárias a um professor de LE constituída de duas
faces, conforme pode ser observado na figura a seguir.
FIGURA 2
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Metodologia de Pesquisa
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, de base etnográfica virtual (André, 2003; Guribe &
Wasson, 2002; Hine, 1998), caracterizada pela descrição e estudo de situações
concretas e singulares; e pela consideração da perspectiva dos participantes da
pesquisa.
A pesquisa foi realizada em um contexto virtual de ensino-aprendizagem e de (trans)
formação inicial e contínua de professores de línguas, e envolveu um professor
mediador (uma aluna de doutorado de um reconhecido programa de pós-graduação
Stricto Sensu em Estudos Linguísticos), um interagente brasileiro (uma aluna do
curso de Letras de uma universidade pública, localizada numa cidade de porte
médio, de um estado do sudeste brasileiro) e um estrangeiro (um aluno do curso de
“Literatura” numa universidade estadunidense).
Para a coleta dos registros foram escolhidas as seguintes técnicas, utilizadas em
pesquisas de base etnográfica: diários de pesquisa por parte da interagente brasileira e
do professor mediador; gravação em áudio e vídeo das interações em pares e das
interações professor mediador e do seu respectivo interagente brasileiro;
autobiografias do professor mediador e do seu respectivo interagente brasileiro com o
objetivo de entender as crenças e as suas possíveis origens; e questionários
semiestruturados e entrevistas com o objetivo de conhecer melhor os participantes de
nossa pesquisa. Estes instrumentos de coleta fizeram parte desta pesquisa, que por
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sua vez, estava subdividida em quatro fases, conforme pode ser observado na tabela
abaixo.
Análise de Dados
Com o propósito de investigar se no processo de (trans) formação inicial,
desenvolvido no projeto “Teletandem Brasil: Línguas Estrangeiras para Todos” com um
professor mediador e os interagentes (brasileiro e o estrangeiro), ocorre legitimação
de crenças e/ou (re) construção de competências, nos respaldaremos na seguinte
pergunta de pesquisa: “Que reflexos as ações realizadas pela professora mediadora podem ter
no sistema de crenças do interagente brasileiro?”. Para investigar esta questão, focalizaremos
em duas sub-perguntas neste artigo: “O que acontece no trabalho de mediação e/ou
supervisão? A professora mediadora legitima as suas próprias crenças e/ou cria condições para a
(re) construção de competências?.
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(...) O outro momento em que percebi certa reflexão foi quando falávamos
sobre seu processo de aprendizagem e ela disse não ter certeza sobre quais
aspectos ela deveria melhorar e ela afirmou não saber. Além disso, ela
havia feito uma comparação entre a produção de PI em português e sua
própria em inglês e afirmou que achava que PI usava a língua estrangeira
melhor do que ela, pelo pouco tempo que ele diz estar estudando (5
semanas). Eu então perguntei quais aspectos de sua produção PI tem
corrigido e ela disse que também ainda não havia prestado atenção nisso.
Nesse momento ela pareceu perceber que, apesar de observar esses
detalhes durante as interações em português, quando ela é a
”professora”, ela não estava fazendo o mesmo durante as interações em
inglês, quando é aprendiz... Sugeri, então, que ela relesse as interações em
inglês e tentasse perceber em que momentos ocorrem as correções, o
que ela achou uma boa ideia. (Excerto 03: Diário da Mediadora)
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Sueli: Então isso se chama reformulação. Eu nunca havia pensado nisso como
uma maneira de indução, nunca. Bom, aliás se eu pensar assim, todas as maneiras
de correção são uma forma de indução. Pensa um pouco.
Cláudia: Todas?
Sueli: Eu não estou induzindo o outro a perceber de forma implícita ou explícita
que tá errado, que eu considero aquilo como um erro? O certo seria uma outra
forma? (mediação 3 entre Cláudia e Sueli). (Excerto 04: Diário da Mediadora)
68
Para maiores informações sobre o “senso de plausibilidade” do professor de línguas, veja Sandei (2007).
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A Competência Implícita
Corroboramos com ALMEIDA FILHO (1993) quando afirma que a “competência
implícita” é constituída de “crenças e intuições”, que são geralmente influenciadas
por nossas experiências vividas, assim como pela tradição cultural de seu país ou
etnia. Geralmente esta competência implícita, na maioria das vezes, não é conhecida
pelo professor de língua em (trans) formação inicial e/ou contínua. O (re)
conhecimento desta competência se dá, convergindo com diversos estudiosos da
LA (VIEIRA-ABRAHÃO, 2009, 2004; ALMEIDA FLHO, 2006; SILVA, ROCHA
& SANDEI, 2005; dentre outros), por meio de diários reflexivos, sessões de
visionamento, revisitação vicária e/ou outros procedimentos que poderiam ser
utilizados advindos da prática crítico-reflexiva (SILVA, ROCHA & SANDEI,
2005).
Por se tratar de um estudo empírico de doutorado, realizamos, dentre outras coisas,
o levantamento de quatro categorizas de crenças a partir dos instrumentos de coleta
de registros apresentados preliminarmente (questionários e autobiografias),
incluindo as suas respectivas subcategorias diversas, a saber: a) o contexto de ensino e
aprendizagem de línguas; b) concepções de escola pública/particular; c) experiências de ensino
vivenciadas pelos participantes; d) convergências e/ou divergências das crenças entre os participantes
e suas possíveis origens.
Tendo como escopo teórico os estudos sobre crenças realizados no Brasil e no
exterior (KALAJA, PAIVA & BARCELOS, 2008; BARCELOS, 2007; BARCELOS
& VIEIRA-ABRAHÃO, 2006; KALAJA & BARCELOS, 2005), e principalmente,
o contexto inovador de ensino-aprendizagem e de (trans) formação de professores
de línguas, concebemos crenças, sob um viés bakhtiniano, como os diferentes
modos, axiologicamente (leia-se ideologicamente) constituídos, de se atribuir
sentido(s) ao mundo, refletindo-o e, também, refratando-o. São, portanto,
dialogicamente constituídas pela diversidade e pelos conflitos, assumindo um caráter
69
Por uma questão de espaço, não serão apresentadas todas as competências que emergiram no nosso estudo empírico. Em
outro artigo e na tese, que se encontra em desenvolvimento, serão apresentadas as mesmas.
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Para maiores informações sobre a filosofia que interfaceia os cursos de formação inicial da UNESP (São José do Rio Preto),
Universidade Estadual de Londrina (UEL), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), veja Vieira-Abrahão,
71
As áreas de concentração do programa Stricto Sensu em “Estudos Linguísticos” (Mestrado e Doutorado), a saber: a) “Análise
Linguística”, com seis linhas de pesquisa (descrição e análise das línguas de especialidade; descrição funcional de língua oral e
escrita; estudos do texto e do discurso; oralidade e letramento; tratamento do léxico da língua geral; variação e mudança
linguística); b) “LA”, com duas linhas de pesquisa (ensino e aprendizagem de Línguas – linha de pesquisa em que a professora
mediadora desenvolveu o seu estudo e nicho aonde esta tese de doutorado se inseriu; e estudos da tradução).
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Quanto às origens das crenças, Vieira-Abrahão (2004, p. 147) assevera que, “mapear
com exatidão as origens das crenças trazidas pelos alunos professores de línguas” é
uma missão “difícil senão impossível”. Levando em consideração esta premissa, o
que pretendemos apresentar nesta subseção são hipóteses baseadas nos fatos,
reflexões das histórias de vida de cada participante para se ter uma visão mais ampla
destas origens.
A análise evidenciou que a professora mediadora, antes de iniciar a sua formação em
LA por meio dos cursos de pós-graduação Stricto Sensu (Mestrado e Doutorado),
tinha a sua prática pedagógica como professora de língua inglesa respalda em: a) sua
experiência como aluna (cultura de aprender); b) treinamentos semestrais dados pela
escola de língua que trabalhava (cultura de terceiros) e; c) pelos congressos da área
que participava; conforme pode ser observado no excerto 09:
“(...) por minha experiência como aluna, especialmente como aluna de
língua estrangeira; pelos treinamentos semestrais dados por essa escola,
onde trabalhei por 6 anos; pelos congressos para professores dos quais
passei a participar periodicamente”. (Excerto 09: Autobiografia da
Professora Mediadora)
A partir deste excerto podemos hipotetizar que grande parte das crenças dessa
professora mediadora teve como gênesis a sua experiência como aprendiz, como
professora de escola de línguas e do processo de formação na pós-graduação que
certamente contribuiu expressivamente para a (re) construção do seu sistema de
crenças.
No que tange a interagente brasileira, as suas crenças sobre o ensino e aprendizagem
de línguas advém da sua experiência como aluna (observe os excertos 10 e 11) e do
processo de (trans) formação inicial de professores que está inserida no momento
(excerto 12), conforme pode ser observado nos excertos abaixo e no diagrama
abaixo.
(...) De maneira geral, acredito que tive uma boa formação no segundo
ciclo do Ensino Fundamental em todas as disciplinas, exceto com
relação ao inglês. As professoras que tive trabalhavam muito
superficialmente o conteúdo e sempre fazendo traduções de tudo que
estava na lousa ou livro, não exploravam todas as habilidades, somente a
escrita e, mesmo assim, apenas fazendo exercícios de lacuna presentes no
livro didático. Acredito que isso contribuiu para que eu não percebesse
uma função prática no que eu estava aprendendo, fazendo com que eu
me desinteressasse completamente por esta disciplina, ou seja, eu
estudava bastante e fazia as atividades pedidas somente para garantir a
minha nota. (Excerto 10: Autobiografia da Interagente Brasileira)
(...) não tive uma boa formação com relação ao inglês e, sendo assim, a
disciplina de Língua Inglesa na faculdade é a que exigiu e ainda exige
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É digno de nota que, a interagente brasileira teve como possível gênesis de suas
crenças a sua cultura de aprender e a cultura de aprender a ensinar línguas, enquanto
que a professora mediadora teve como gênesis a sua cultura de aprender, cultura de
terceiros e cultura de aprender a ensinar línguas.
A nosso ver, é necessário que os cursos de (trans) formação inicial propiciem aos
futuros professores de línguas subsídios teóricos, práticos e metodológicos
concernentes a como os nossos alunos aprendem uma LE. Em outras palavras, é
necessário que desmistifiquemos a cultura de aprender línguas deles, a partir disto,
de uma forma cooperativa/colaborativa e/ou autônoma, eles poderão desenvolver
uma abordagem crítica-reflexiva.
Teórica e Aplicada/Reflexiva/Vivenciada
Para ALMEIDA FILHO (1993, p. 37) a competência teórica se refere ao
conhecimento que vamos (re) construindo “(...) nos escritos, nos resultados de
pesquisa de outros e que o professor já articula, de maneira que aquilo que ele faz
vai ficando mais próximo daquilo que se sabe, que leu e que já sabe articular”.
Enquanto que, para VIEIRA-ABRAHÃO (1996) a competência teórica é
considerada uma sub-competência aplicada, reflexiva e/ou vivenciada (BASSO,
2001), pois oferece explicações para o saber ensinar e o saber aprender.
A competência aplicada, por sua vez, é concebida como “(...) aquela que
capacita o professor a ensinar de acordo com o que sabe
conscientemente (sub-competência teórica) permitindo a ele explicar
com plausibilidade por que ensina como ensina da maneira como ensina e porque
obtém os resultados que obtém” (ALMEIDA FILHO, 1993, p. 37 – Ênfase
adicionada).
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Tendo estes aportes teóricos como alusão e/ou pano de fundo, apresentaremos a
seguir excertos que mostram possíveis reflexos da competência teórica e o articular
da mesma tendo o meio onde a professora mediadora e a interagente brasileira estão
inseridas e/ou imbricadas. Segundo os registros extraídos de sua autobiografia, a
professora mediadora teve o “despertar” pela docência no ensino de línguas quando
começou a ministrar aulas para crianças e adolescentes. A partir deste momento, ela
decidiu se engajar na docência de línguas e através desta atuação se sentia realizada
(fatores afetivos e/ou motivacionais).
No segundo ano de faculdade, surgiu uma oportunidade para que eu
começasse a dar aulas de inglês: uma de minhas ex-professoras havia
aberto sua própria escola de línguas e me convidou pra fazer um
treinamento seletivo de professores. Comecei a dar aulas para crianças e
adolescentes e, nesse momento, percebi que jamais seria tradutora. O trabalho do
tradutor, apesar de desafiador, é muito solitário e minha experiência
como professora de línguas me mostrou que o contato com as pessoas e
a interação com os alunos eram extremamente importantes para mim - eu
me sentia plenamente realizada na sala de aula. Eu me esforçava muito para
aprender a ensinar e tentava sempre me colocar no lugar do meu aluno,
o que deve ter sido uma boa estratégia – os alunos pareciam gostar das
minhas aulas e, a cada semestre, eu tinha mais turmas, de níveis cada vez
mais avançados. (Excerto 13: Mediadora – Autobiografia)
Agora, tendo como foco o processo de mediação entre a Sueli e Cláudia, fica
evidente a postura não diretiva, colaborativa e autoexploratória da professora
mediadora, visto que ela não impõe, mas sugere procedimentos que poderiam ser
utilizados pela interagente brasileira a fim de lidar com uma questão levantada pelo
interagente estrangeiro.
Suely: E eu percebi que você tem, num é nem questão de você corrigir, é que às
vezes é muito difícil de entender. Eu percebo que você negocia isso com ele assim
né?
Cláudia: Aham.
Suely: Então. E percebendo que isso é um dos problemas, você imagina uma 25
maneira de tentar ajudá-lo com relação a isso?
Cláudia: Primeiro de tudo que eu penso com relação a isso e não falar assim
diretão ―O que que você quis dizer com isso?‖ ou coisa assim direto que eu acho
que inibe muito.
Suely: Hum hum.
Cláudia: Então eu pergunto algo mais sutil, sem perguntar de uma maneira bem
/?/
Suely: Não, eu acho que é uma maneira assim, quando atrapalha a comunicação.
Muitas vezes num tem como você ser sutil.
Cláudia: É que muitas vezes você fala assim ―Que?‖.Né? É uma coisa assim meio
chata.
Suely: Aham.
Cláudia: Eu acho ―O que você quis dizer com tal palavra?‖
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Suely: Exatamente.
Cláudia: Coisa mais./?/
Suely: Aham, eu percebo que você...
Cláudia: Mas com relação a uma estratégia concreta para eu ajudar a ele quanto a
isso eu num sei. Acho que depende mais do momento, num sei.
Suely: Acho que seria interessante você pensar sabe, eu também assim, eu gostaria
que você tentasse levantar algumas possibilidades entendeu? Tentar realmente em
como, que tipo de atividade, ou que tipo de estratégia, enfim, como professora de
língua estrangeira, o que você pode fazer para ajudá-lo a
desenvolver melhor essa questão de adequação. Eu acho que realmente parece ser
um ponto importante...
(Excerto 14: Segunda interação entre a mediadora e a interagente brasileira)
Competência Intercultural
Para Kramsch (1993), e corroborado por Mendes (2007, p. 120), a competência
intercultural se refere aos
(...) modos de compreender o ‘outro’ e a sua linguagem nacional.
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Acreditamos que esta desconfiança deve-se a dois fatores. O primeiro, medo de perder
o interagente americano, visto que a referida participante já passara por esta experiência.
E, o segundo, acredita que deva atender as necessidades comunicativas do outro.
No que concerne ao primeiro fator, o medo de perder o interagente brasileiro, observe o
que ocorreu na segunda interação, conforme pode ser observado na interação e no
diário da interagente.
Cody: qual sao os estereotipos das personas estadounidenses?
Cláudia: pessoas
Cody : sim....heha
Cláudia: bom... eu penso que são mais sérias
Cody : NAO!
Cláudia: hahahaha
Cláudia: não quis ofender
Cody entendo.
Cody entendo, pero não estou de acordo
Cody concordo?
Cody não concordo...?
Cláudia pero = mas
Cody haha. mas não concordo.
Cody perfeito?
Cláudia eu não tenho uma opinião formada, pois nunca estive aí e não conheço
nenhum americano pessoalmente.
(Excerto 16: Interação entre a Brasileira e o Estrangeiro)
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O que nos chamou muito a nossa atenção é que na interação seguinte, o interagente
estadunidense retomou a questão dos estereótipos, e veja como a interagente
brasileira lidou com aquela situação, conforme é asseverado no diário da interagente.
(...) ele voltou ao assunto dos estereótipos, dizendo que ele estava
pensando no fato de eu ter dito que ele era sério. Ele me disse ter
chegado à conclusão de que ele deve estar mesmo muito sério, pois está
muito preocupado com o que vai fazer depois da faculdade. Eu disse
somente que tinha entendido o que ele havia dito e procurei não
continuar o assunto, para não virar uma conversa “de divã” ou entre
amigos, por exemplo, um dando conselhos para o outro. Perguntei então
o que ele achava dos brasileiros, qual era o estereótipo do brasileiro pra
ele. Ele se referiu a alguns aspectos de estética e disse que nos fazíamos
festa a todo momento, colocação esta que achei um pouco estranha e
não concordei. Ele continuou a elencar alguns aspectos da cultura e
depois pediu que eu contasse a ele algo que ele havia esquecido de
mencionar. Tal assunto não estava me agradando, então disse que
também não lembrava mais de nada, para que pudéssemos mudar o foco
da nossa conversa. (Excerto 17: Diário da Interagente Brasileira)
Acreditamos que este assunto não estava interessando tanto a interagente brasileira
em detrimento da experiência negativa que vivenciara no qual perdera o seu
interagente estadunidense. Mas o que podemos depreender dos excertos
supracitados são os possíveis reflexos do trabalho de preparação realizado antes do
início das interações e mediação em teletandem. Conforme asseverado por VIEIRA-
ABRAHÃO (2009, p. 13) foram lidos textos teóricos e discutidas questões
importantes questões relacionadas ao processo de aprender e de ensinar línguas no
contexto virtual, dentre elas, a questão de abordagens de diferenças culturais. A
nosso ver e corroborado por outros excertos, a professora propulsiona o
desenvolvimento de uma competência intercultural, estimulando que a interagente
respeite a cultura do outro e a compreenda os possíveis conflitos culturais que
possam surgir.
Outras competências
Na análise dos registros é possível depreender outras competências que emergiram
dentro do contexto teletandem e que serão apresentadas e discutidas em um outro
artigo acadêmico-científico e na tese que se encontra em desenvolvimento, a saber:
a) competência multimodal que envolve, dentre outros fatores, o professor saber quais
seriam os gêneros (primários e/ou secundários) 72 que poderiam ser utilizados em
72
Bakhtin (1979/2003, p. 263) assevera que os gêneros discursivos primários (simples) integram os secundários (complexos), o
que, por sua vez, significa que o desenvolvimento se dá por continuidade e ruptura entre os mesmos, em um “processo de
desenvolvimento e reestruturação do sistema de produção da linguagem” (cf. Schneuwly, 2004, p. 29). Para uma discussão mais
aprofundada sobre gêneros do discurso do círculo de Bakhtin, veja Silva (2008), Silva & Rocha (2006), Rocha, (2006) e Rojo (2005).
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Considerações Finais
“Temos de examinar não somente o papel da tecnologia na
aprendizagem de línguas, mas também o papel da
aprendizagem de línguas em uma sociedade de tecnologia de
informação”. (Braga, 2004, p. 24 – Ênfase adicionada)
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BARCELOS, A. M. F.; VIEIRA-ABRAHÃO, M. H. (Orgs.) Crenças e Ensino de Línguas:
Foco no professor, no aluno e na formação de professores. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006.
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PARTE II – MISCELÂNEA
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RESUMO:
Procedendo a uma caracterização breve da produção literária contemporânea de autoria timorense,
com especial ênfase para a obra literária ficcional e poética, pretende-se refletir sobre as suas
tendências e formas de afirmação. Autores como Luís Cardoso, no âmbito da ficção narrativa, ou
de poetas como Fernando Sylvan, José Alexandre Gusmão, João Aparício, Jorge Barros Duarte,
Jorge Lauten, Francisco Borja da Costa, Afonso Busa Metan, Crisódio T. Araújo, Celso Oliveira,
Abé Barreto Soares, entre outros, exprimem bem a vitalidade crescente de uma literatura
emergente, ainda muitas vezes próxima da referencialidade, procedendo à releitura e reescrita da
História do país nas últimas décadas, a caminho do seu reconhecimento e necessária legitimação.
Em termos práticos, será dada especial atenção à presença da literatura timorense em três contextos
específicos, tendo em vista a sua institucionalização: crítica, a academia e os prémios. Para além de
alguns estudos académicos mais ou menos pontuais e circunscritos, sua entrada recente no novo
currículo do Ensino Secundário Geral de Timor-Leste, nomeadamente na disciplina de Temas de
Literatura e Cultura oferecida aos alunos da Componente de Ciências Sociais e Humanidades, para
além da presença mais pontual na disciplina de Português, afigura-se como um fator decisivo para a
construção da identidade cultural e literária de um povo que também resistiu e combateu tendo por
armas a pena e as letras.
PALAVRAS-CHAVE: Literatura Emergente; Literatura Timorense; Institucionalização e
Legitimação.
Abstract
It’s our purpose to make a brief characterization of contemporary East-timorese literature, with
particular emphasis on literary fiction and poetry, in order to reflect on the process of recognition
that is occurring in the last few years. Authors such as Luís Cardoso (fiction), or poets like
Fernando Sylvan, José Alexandre Gusmão, João Aparício, Jorge Duarte Barros, Jorge Lauten,
Francisco Borja da Costa, Afonso Busa Metan, Crisódio T. Araújo, Celso Oliveira, Abé Barreto
Soares, among others, express the vitality of an emerging literature struggling for recognition and
legitimacy. In practical terms, particular attention will be given to the presence of Timorese
literature in three specific contexts: critical discourses, academia and prizes. In addition to some
academic studies more or less specific and circumscribed, its recent entry in the new curriculum of
Secondary Education in East Timor, particularly in the discipline of Themes of Literature and
Culture, is analyzed as a decisive factor in the construction of cultural and literary east-timorese
identity and literature.
KEYWORDS: Emerging literature; Timorese literature; institutionalization and legitimization
73
Nota da editora: Manteve-se a grafia lusitana.
74
Ana Margarida Ramos é doutorada em Literatura e professora auxiliar do Departamento de Línguas e Culturas da Universidade
de Aveiro (Portugal). Tem desenvolvido investigação na área da Literatura para a infância e da promoção da leitura, na qual tem
publicado diversos artigos em revistas e livros. É coautora do programa, manuais e guias da disciplina de Temas de Literatura e
Cultura do curriculum do Ensino Secundário Geral em Timor-Leste. anamargarida@ua.pt
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Introdução
As complexas questões de legitimação literária, decorrentes da combinação da ação
de múltiplos fatores, alguns externos ao próprio texto e à sua validação estética,
estão estreitamente relacionadas com o próprio conceito de cânone e de
institucionalização do fenómeno literário, onde intervêm, por exemplo, a academia,
a escola e o ensino e os prémios literários (Reis, 1997, p. 25-40). A formação do
cânone, decorrente da ação combinada da seletividade (seleção de obras literária e
culturalmente representativas da identidade), continuidade (permanência dos textos
ao longo dos tempo, pluralidade e diversidade de leituras) e formatividade
(perpetuação de valores, ideologias e estilos) (cf. Reis, 1997, p. 72-73), não é,
atualmente, inibidora da afirmação de práticas literárias conotadas quer com a
periferia do sistema literário, quer oriundas de contextos assumidamente
minoritários e emergentes, como acontece com as recentes literaturas pós-coloniais
ou com produções associadas a minorias sexuais e étnicas, por exemplo.
A defesa da gradual e progressiva abertura do cânone “sob a forma de revisão e
abertura do cânone a textos representativos de saberes, classes e minorias
tradicionalmente excluídos” (Duarte, s/d, s/p) surge como resultado da atual
sociedade multicultural e da evolução de perspetivas de estudos que o percepcionam
como “instrumento de repressão e discriminação ao serviço de interesses
dominantes, do poder branco e masculino e de uma ideologia de contornos
patriarcais, racistas e imperialistas” (idem).
Fátima Mendonça (2010) sublinha, para o caso moçambicano, a importância de um
“reconhecimento” posterior e externo aferido pelos fatores que já enumeramos
antes:
Na verdade, o desejo (consciente ou não) de nação vai sedimentando
temas e formas discursivas, como parte de um novo sistema literário,
mas a sua existência só é assegurada por um reconhecimento posterior
pelos diversos elementos de recepção – crítica, reconhecimento nacional
e internacional, prémios, edições nacionais e traduções – e que,
integrados no sistema de ensino – curricula, programas, manuais –
reproduzem conceitos e valores que, atuando em cadeia, convergem para
a instituição do novo cânone, a literatura nacional. (Mendonça, 2010,
s/p)
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Confrontar com “Este conceito adquire um significado mais amplo, quando associado aos de transculturação e de
transtextualidade, porque possibilita a leitura do córpus literário produzido por/contra os sistemas literários trazidos pela
colonização, como transformações e apropriações das suas formas, com utilização de estratégias específicas que assim respondem
à necessidade de forjar novos sistemas.” (Mendonça, 2010, s/p).
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poetas timorenses da altura, com especial destaque para Fernando Sylvan 76, Xanana
Gusmão e, sobretudo, Jorge Lauten, pseudónimo cuja identidade real se mantém,
até hoje, desconhecida.
Os textos deste último autor aqui publicados, incluindo o que empresta ao volume,
destacam-se pela criação de um conjunto de sugestões emotivas muito fortes, quase
todas evocando o sofrimento por uma pátria ocupada e ferida. A dor da ausência,
em resultado do exílio em Portugal, combina-se com a saudade e o desespero de
saber que, lá longe, há infelicidade. Fortemente metafórica, a sua poesia é a que
melhor consegue superar os constrangimentos contextuais, abrindo possibilidades
de leitura que ultrapassam o elogio dos valores de resistência e os desejos de
liberdade, não ficando circunscrita – apesar das alusões referenciais – a uma leitura
puramente contextual.
Introduzida por um prefácio que sublinha as circunstâncias políticas da edição, a
antologia não deixa de ser apresentar como uma “amostra real no campo da poesia
{timorense} escrita em língua portuguesa” (UEA, 1982, s/p), sublinhando que se
trata de “poesia de combate” e que corresponde apenas a uma parte da produção
existente, uma vez que a produção em tétum não se encontra representada.
Já João Aparício afirmou-se posteriormente através da edições de dois volumes77 de
poesia publicados em Portugal sob a prestigiada chancela da Caminho (coleção
Caminho da Poesia): À Janela de Timor (1999) e Uma Casa e Duas Vacas (2000). Nos
dois volumes em apreço, os seus textos tematizam universos ligados à história de
Timor-Leste, recriando alguns dos acontecimentos mais relevantes das últimas
décadas, com especial atenção para os anos da ocupação indonésia. A exaltação do
espírito e da ação de resistência, assim como alguns dos seus principais mentores,
são eixos centrais de muitos textos percorridos igualmente pelos motivos do
sofrimento e da dor de um povo que, apesar do isolamento, nunca se deixou
subjugar. Assim, é possível encontrar textos que quase escrevem a crónica dos dias
da ocupação, registando – e denunciando – a violência, os massacres, as injustiças,
mas cantando também os combates e as pequenas vitórias, testemunhos da
esperança na singular coragem dos timorenses.
A narrativa de ficção78 é de afirmação mais tardia mas, curiosamente, e apesar de
muito circunscrita à figura de Luís Cardoso, é, seguramente a que conheceu maior
76
Sobre a obra de Fernando Sylvan, em particular sobre dois eixos ideotemáticos centrais – a resistência política e a dimensão
amorosa – aguardamos a publicação de um estudo mais aprofundado que dedicámos ao autor de Tempo Teimoso. Com o objetivo
de ter acesso à sua particular poética, aconselha-se a leitura de um volume que integra parte muito significativa da sua produção
literária (Sylvan, 1993).
77
O poeta, que nasceu em Díli, em 1968, é também autor, sob pseudónimo de Kay Shaly Rakmabean, de Versos do Oprimido,
acessível em http://amrtimor.org/docs/visualizador.php?bd=Documentos&nome_da_pasta=06467.200&numero_da_pagina=1
78
Precedida, quase sempre, pela valorização, através de recolhas, dos textos da tradição oral, ainda com objetivos de legitimação,
através da fixação, de uma cultura oral, assente na memória, que se quer reabilitar e dignificar, concedendo-lhe voz e espaço de
manifestação e intervenção. E se, numa primeira fase, a questão da fidedignidade das fontes é ainda crucial, lentamente os temas,
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motivos, registos e símbolos da herança cultural tradicional vão infiltrando a literatura de autor, sendo alvo, de forma gradual, de
um processo subjetivo de apropriação. A literatura timorense oferece exemplos significativos deste processo, nomeadamente ao
nível da reescrita dos mitos e lendas cosmogónicos, pela mão de escritores como Fernando Sylvan, Luís Cardoso ou Xanana
Gusmão cuja análise guardaremos para outro contexto.
79
Nomeadamente em inglês, francês, sueco, italiano e alemão. A edição em tétum, contudo, continua, ao que sabemos, adiada.
80
Atendendo a profusão de estudos já realizados e publicados sobre este autor e a sua obra, com particular incidência no seu
romance inaugural, não é possível proceder, no estreito espaço deste estudo, à sua inventariação. Chamamos a atenção, contudo,
para uma das primeiras leituras de que foi alvo em Portugal, por parte de Maria Alzira Seixo, no JL de 25 de fevereiro de 1998, pela
receção elogiosa que realiza a relevante investigadora.
81
Crónica de uma travessia – A Época do Ai-Dik-Funam (1997), Olhos de Coruja, Olhos de Gato Bravo (2001), A Última Morte do
Coronel Santiago (2003) e Requiem para o Navegador Solitário (2007).
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tensões internas e sofrendo consequências das pressões externas, Timor parece uma
embarcação oscilando ao sabor das marés, ora perseguindo os habitantes nativos,
ora se revoltando sucessivamente contra as vagas de ocupadores. Recriado
ficcionalmente como uma espécie de território à deriva, Timor parece determinado
numa demanda difícil pela sua afirmação. Violentado sucessivamente por diferentes
invasores, assemelha-se a Catarina pela forma como parece manter uma dignidade
original, reconstruindo-se sucessivamente, adoptando novas facetas e alguns
disfarces, construindo uma identidade frágil, destinada à sobrevivência mais
imediata.
O motivo do duplo, de presença assídua no romance, é sintomático da centralidade
da reflexão sobre a identidade, verdadeiro fio coesivo da história. Várias
personagens surgem divididas ou assumem posições contraditórias, exprimindo uma
dualidade aparentemente irresolúvel. É o caso do administrador Malisera e do sipaio
Marcelo, duas faces da mesma moeda da resistência ao poder branco; de Catarina, a
Grande…, e a Outra, a gata de jade que também conquista Alberto Sacramento
Monteiro e os outros capitães do porto que vão passando pela sua vida; mas
também de Catarina e Madalena, as duas mães dos filhos de Alberto, duas penélopes
tecedoras de sonhos e colecionadoras de gatos que esperam marinheiros perdidos
no mar; da própria figura do capitão do porto que se desdobra em várias
personagens que, afinal, são variações da mesma; de Alain Gerbault, o navegador
solitário do livro e da imaginação de Catarina e o seu fantasma doente que regressa
para morrer em Díli; dos australianos e dos japoneses, facções rivais da guerra,
ocupantes violentos do território e das gentes; de Diogo e Esperança, o filho
roubado e a filha morta, símbolos do futuro incerto que espera o território
timorense.
A opção de Catarina de abandonar o veleiro e o tesouro, única forma de escapar a
Timor, ao passado e às consequências da guerra, em troca da ténue esperança de
rever o filho, ficando cativa do território que a persegue e critica, revela bem a
mudança operada no íntimo da personagem, uma vez aberta a caixa de Pandora e
revelado o seu destino:
O destino de uma mulher é uma caixa de Pandora. Nunca se sabe o que
tem dentro. A sorte pode ditar um príncipe encantado. Nem sempre o
desejado. Apaixonar-se por um marinheiro pode ser uma aventura sem
retorno, como quando se entra pelo mar, quando as tempestades
recomendam que se fique em terra. Sujeita-se a ser largada ao primeiro
toque de rebate. Depois deambula à espera de ser resgatada por um
coração de manteiga. Que o têm também os marinheiros solitários,
viajantes em busca de outros ares, caçadores de fortunas, olheiros de
mundos mágicos, músicos à procura de novas sonoridades, místicos no
encalço do maravilhoso, escritores de histórias trágico-marítimas e
pintores de paraísos que se vão apagando com o tempo (Cardoso, 2007,
p. 12-13).
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Coordenada pela autora deste texto, a equipa que desenvolve o trabalho de produção dos materiais pedagógicos para esta
disciplina integra mais três elementos, dois professores universitários da área da literatura (Paulo Alexandre Pereira e Sara Reis da
Silva) e uma professora do ensino secundário (Ana Paula Almeida), para além do contributo dos professores e interlocutores
timorenses.
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Conclusões
O estado atual de evolução da literatura timorense sugere que, durante os próximos
anos, ela tenderá a legitimar-se, em resultado da ação combinada/articulada de
vários fatores e movimentos, alguns externos ao fenómeno literário, como já
procuramos dar conta. O aumento da regularidade editorial e a aproximação ao
universo literário de novas vozes combinados com o estudo dos textos e a sua
divulgação terão seguramente impacto a médio e a longo prazo, permitindo
ultrapassar as dificuldades sentidas pelas primeiras edições oriundas do contexto
timorense. Veja-se como, no caso de Luís Cardoso, Xanana Gusmão ou João
Aparício, as respetivas primeiras obras, todas editadas em Portugal, foram
introduzidas por prefácios que, além de apresentarem a obra e o autor,
reivindicavam a legitimação de vozes literárias ainda não efetivamente reconhecidas.
Respetivamente da responsabilidade José Eduardo Agualusa, Mia Couto e Sophia de
Mello Breyner Andresen os prefácios sublinham a condição emergente da literatura
a que pertencem os textos, mas também o seu pendor combativo e interventivo em
defesa da liberdade, por ação do “resgate da memória” (Agualusa, 1997, p. 5), nas
palavras de Agualusa. Para Sophia, o livro À Janela de Timor constitui uma
manifestação “de revolta moral e intelectual perante o esmagamento de um povo”
(Andresen, 1999, p. 13), enquanto Mia Couto, por seu turno, realça o facto de a
poesia de Xanana reunida em Mar Meu “falar de um povo, uma nação. Há ali não
apenas poesia mas uma epopeia de um povo, um heroísmo que queremos partilhar,
uma utopia que queremos que seja nossa” (Couto, 1998, p. 6). Cumprindo a sua
função de “projeção pública e propósito de pervivência cultural” (Reis, 1997, p.
216), os prefácios favorecem a institucionalização dos textos que acompanham e, no
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Referências
AGUALUSA, José Eduardo. “Como se fosse um prefácio”, in CARDOSO, Luís. Crónica de
uma travessia. A época do Ai-Dik-Funam. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1997, pp. 5-6.
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Resumo
Este artigo desenvolve uma análise estilística no poema “A aranha”, de Manuel Bandeira, com os
objetivos de: mostrar a influência da cultura grega na produção literária ocidental, no que tange não
só ao aspecto lírico, mas também filosófico; produzir um quadro estilístico-semântico com
marcações semióticas que orientam a interpretação das escolhas lexicais que caracterizam o poema
eleito para análise; e mostrar a importância da inter-relação entre mito e sociedade, aliados ao valor
semântico das palavras, selecionadas conforme o eixo paradigmático, e combinadas, segundo o eixo
sintagmático, para dar nova significação às palavras, as quais se concretizam em ambiguidade, a seu
turno, fonte de plurissignificação. Os pressupostos das diferentes teorias estilísticas com um apoio
subliminar da Semiótica de Peirce e da Teoria da Iconicidade Verbal, de Darcilia Simões servem de
moldura para nossa leitura, demonstrando-lhes o potencial indicial, simbólico e semântico.
PALAVRAS-CHAVE: Estilística, Manuel Bandeira, Semiótica, Teoria da Iconicidade Verbal.
Abstract
This article develops a stylistic analysis on the poem "A Aranha" by Manuel Bandeira, with the
following objectives: to show the influence of Greek culture in the Western literary production, in
terms handed to the lyrical aspect, but also philosophical; produce a stylistic framework with
semiotic-semantic markup that guide the interpretation of lexical choices that characterize the poem
chosen for analysis, and show the importance of the interrelationship between myth and society,
coupled with the semantic value of words, selected as the paradigmatic axis, and combined
according the syntagmatic axis, to give new meaning to the words, which are realized in ambiguity,
in turn, source multi signification. The assumptions of different theories with a stylistic subliminal
support of Peirce´s Semiotics Theory and of Simões´s Verbal Iconicity Theory serve to frame our
reading, showing them the indexical, symbolic and semantic potential.
Keywords: Stylistics, Manuel Bandeira, Semiotics, Verbal Iconicity Theory.
Palavras iniciais
Este trabalho é fruto de uma discussão, em sala de aula, acerca do clássico anacoluto
existente no poema “A aranha”, de Manuel Bandeira, e as implicações estilístico-
semânticas que esse recurso retórico fomenta no poeta como um todo. Nesse
sentido, pretendemos, por meio de uma análise semiótica, com base nos estudos
apresentados por Darcilia Simões, em sua Teoria da Iconicidade Verbal, sob um viés
estilístico, perpassando pela filosofia, com o objetivo de uma competência
83
UNESA/SELEPROT — arturrei@uol.com.br
84
UNESA — profmartalima@hotmail.com
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pelo que nos atreveremos a desvendar por processos significativos, que envolvem
um olhar mais apurado sobre a Língua Portuguesa, as nuances de nossa própria
cultura, transportadas da cultura grega.
Queremos, assim, ressaltar a importância de uma análise estilístico-semiótica como
mecanismo de pesquisa, para a compreensão mais abrangente do que, no ensino da
língua, podemos alcançar em relação à percepção do contexto no texto, em uma
releitura crítico-analítica.
Com um olhar que visa a acrescer, enriquecendo-nos em conhecimento,
pretendemos apresentar a existência do conceito mencionado, sem, no entanto, nos
apossarmos de qualquer outra intenção, senão a de novas leituras que nos levem à
compreensão das ações humanas, cuja observação foi amplamente levantada pelos
gregos e até hoje é objeto de estudo e pesquisa, uma vez que a cultural ocidental tem
seu berço na filosofia clássica.
A Importância da Mitologia.
A imagem é uma criação pura do espírito. Ela
não pode nascer da comparação, mas da
aproximação de duas realidades mais ou
menos remotas. Quanto mais longínquas e
justas forem as afinidades de duas realidades
próximas, tanto mais forte será a imagem —
mais poder emotivo e realidade poética ela
possuirá... (BRETON, 1985, p. 52)
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Mito pode ser descrito, semioticamente, como índice (pela similitude entre
significante e significado), pois a palavra, a imagem, o gesto, que nascem no
inconsciente, transformam-se em narrativa, logo, tornando-se ícone (pela
contiguidade vivida entre significante e significado), modificando-se, então, para a
consciência. A sua força se dá devido à busca de uma organização social em
benefício do coletivo. É o homem em busca de explicações que o satisfaçam,
compartilhando a sua visão de mundo, da realidade, do outro, do indivíduo e do
coletivo, o que vem a tornar o mito um símbolo (pela contiguidade instituída entre
significante e significado).
Aqui, como Édipo, buscaremos uma decifração para mito, visando a um alcance
maior de nossa análise dedutiva, ao nos calçar com a definição de Bronislav
Malinowski: (...) uma narrativa que faz reviver uma realidade primeva, que satisfaz a
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Resumo do mito
A moça insultou a anciã, e disse que a deusa não apareceria, em resposta ao seu desafio,
porque sabia que perderia. Indignada, Atena se revelou em toda a sua imponência de
deusa e declarou aceitar o desafio. Dispuseram-se as linhas e começaram a bordar e a
tecer. Cada uma delas desenhou histórias. Atenas fixou em lindos coloridos a sua
disputa com Poseidon, em torno do nome que deveria ser usado pela cidade de Atenas.
Aracne pôs-se a desenhar histórias maliciosas a respeito dos deuses. Desenhou-lhes as
metamorfoses, as intrigas, os descarados amores; era um trabalho de sutil maledicência e
reprovação. Terminados os trabalhos, a deusa examinou detidamente o trabalho da
moça Lídia. Estava uma perfeição. Não lhe achou a menor irregularidade, nem
desarmonia de tons, era tudo um capricho, uma delicadeza, uma beleza. Vendo-se, senão
vencida, ao menos igualada por um simples mortal, Atena rasgou o delicado trabalho, e
ainda por cima feriu a rival com a agulha. Aracne, insultada enforcou-se. Atena
sustentou-a no ar e não lhe permitiu morrer. Transformou-a em aranha, e disse-lhe que
se queria tecer que tecesse. Seria o seu castigo e de toda a sua descendência. Aracne
tinha um irmão, Falaxia, que fabricava armas. (p. 65) 85
A ARANHA
(Manuel Bandeira)
85
GUIMARÃES, Ruth. Dicionário da Mitologia Grega. São Paulo: Cultrix, 1986.
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Em “A moça tecelã”, de Marina Colasanti, fica-nos bastante nítida essa visão tecer e destecer o destino dos
homens.
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de longo, tecia longos bordados, ajoelhava-se, pedia e implorava para a deusa Atena
que providenciasse o retorno de seu amado.
No entanto, é importante notar a forma subentendida com que o autor se refere à
Penélope no poema. Segundo a história de Penélope, na Odisseia, a virtuosa esposa
de Ulisses convence seus pretendentes de que deveria fazer uma túnica, que serviria
de mortalha para cobrir o corpo de Laertes, o venerável pai de Ulisses, que, com a
notícia do casamento de sua nora, morreria de depressão, dado ao avançado da
idade. E como era costume as mulheres tecerem uma mortalha para os entes
queridos que se encontravam prestes a deixar este mundo, Penélope usa desse
artifício para ganhar tempo ante seus pretendentes, que aquiesceram de pronto, por
ser uma proposta justa. Entretanto, ela nunca a terminaria, pois sua intenção era a
de fazer com que seus pretendentes desistissem da ideia de disputar o lugar de
Ulisses, devido à demora na confecção da mortalha. Então, a esposa do aventureiro
Ulisses é conhecida, na mitologia grega, como o símbolo da mulher que tece longos
bordados, enquanto seus maridos se ausentam por períodos delongados.
Ainda em relação ao mito de Penélope, gostaríamos de apresentar um apontamento
de Cafezeiro (1999: 123), quando diz: Penélope tece uma mortalha que significa o
seu desespero entre a esperança e a morte, mas, no texto e no tecido, se incluem
estratégia e astúcia. Ela tece e destece para alongar o tempo e o espaço do texto.
Não seria, então, essa possibilidade de “tecer & destecer” o texto que levou Manuel
Bandeira a criar o anacoluto em seu poema, mostrando que a transformação de
Aracne foi uma “confecção” dela própria, efeito de sua arrogância?
Inferimos essa possibilidade, uma vez que o poema transmite claramente a ideia de
ciúme, vingança e castigo imposto pelo desafio, em paradoxo com a graça concedida
e homenagens cedidas à moça pelo seu talento, no último verso do primeiro
quarteto (...) das rendas florescia a minha graça estranha, pois, segundo o mito, não havia
outra tecelã com tal habilidade. Seria, portanto, o castigo uma consequência da
soberba da jovem, causada pela ousadia demonstrada no “desrespeito aos deuses”,
controladores do destino do homem.
No verso nono, o poeta valendo-se do já comentado anacoluto, refere-se à
metamorfose sofrida pela tecelã, dando ao texto a necessária imagem de surpresa e
transtorno, com uma construção que provoca na mente do leitor um repelão,
percebemos dessa forma o anacoluto não como uma ruptura de linearidade sintática,
mas como uma ruptura da fisionomia: Eu que era branca e linda, eis-me medonha e escura.
Utilizando-se desse recurso estilístico, consegue, assim, retratar com maior clareza o
cunho de retaliação àquela que era visitada pelas Ninfas, seres mitológicos de beleza
extraordinária, que, segundo o mito, vinham admirar o seu trabalho. Seguiria, então,
a partir desse momento, afastada, em sua condição de aracnídeo, da sociedade e
perderia a admiração desses seres por seu desagravo. Podemos destacar, também,
nesse mesmo verso palavras que poderiam ser consideradas antíteses: branca &
escura, linda & medonha, pela ideia visual que transmitem, ressaltando a idealização do
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revela a fragilidade humana, ligando-nos, assim, a um contexto que nos leva a certas
indagações: o que o mito aponta? Sob que bases se afirma? Que conceito se
entremeia em sua tessitura? De acordo com a análise feita, no intuito de como
interpretá-la, assimilar e decodificar os signos implícitos, percebemos que as relações
indiciais dos signos linguísticos nos levam a vê-los com valores icônicos tão
abrangentes que se tornam símbolos, pois começamos a observar o que está além
do mito e que de maneira metafórica adentrou na cultura ocidental, sob aspecto de
religiosidade, sendo parte da nossa identidade cultural em resposta à fragilidade
humana, mencionada por Manuel Bandeira. Diante de tais assertivas, asseguramo-
nos de que, de acordo com o que nos atesta Simões (2009, p. 83):
A produção imagética se desenrola conforme o projeto de raciocínio.
Pode ser dedutiva ou indutiva.
Esta vai reunindo um a um os signos de que se constitui o texto de
modo a compor o seu significado global; enquanto aquela parte do todo
do texto e tenta decompô-lo em partes menores que possam referendar a
ideia global que lhe fora atribuída.
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Palavras finais
Procuramos mostrar, assim, por meio deste artigo, a considerável intervenção da
cultura grega na nossa identidade social, o que se tornou possível, mediante os
mecanismos utilizados, ou seja, a Estilística como meio de reflexão acerca do que
encontramos atrás dos textos em um olhar cuidadoso, utilizando recursos com vezo
estilístico e a semiose, sob o olhar de Darcilia Simões, em sua Teoria da Iconicidade
Verbal, que nos levou para além do texto, em um diálogo cultural.
Sob um olhar semiótico, conseguimos resgatar, no tempo e no espaço, a
emblemática cultural que nos rodeia, com o intuito exclusivo de, no respeito ao
outro, entendermos o entrelace das culturas, minimizando, assim, as diferenças e
amenizando os anseios humanos que nos circundam. Conhecer as origens nos torna
iguais e, sendo iguais, embora diferentes como indivíduos, problematizamos menos
e, consequentemente, facilitamos as inter-relações sociais.
No ensino da Língua Portuguesa torna-se viável, por meio de leituras textuais,
promovermos uma releitura de mundo, concebendo questionamentos racionais .Por
meio de um estudo científico, com base na teoria semiótica de Pierce, é possível
incorrer em uma análise coerente buscando preencher lacunas e desvendar
princípios, valores e situações que estão presentes em nossa sociedade.
Convém enfatizar que essas associações só se tornaram possíveis por apresentarem
consistência técnica, porque nossa análise estilística teve um suporte semiótico-
pragmático. Procuramos ler o poema dialogicamente, isto é, consideramos sua
leitura num contexto maior: histórico, cultural, ideológico, etc. do qual pudemos
extrair a noção de que sentido e sentimentos estão a serviço dos propósitos
perseguidos na realização e na compreensão do poema.
O outro aspecto foi o cuidado para não nos perdemos dos caminhos traçados
deixando-nos inebriar pela riqueza linguística do texto eleito. Receamos que tal
atitude pudesse conduzir a análise para caminhos tortuosos e mais vulneráveis às
subjetividades (às vezes bastante perigosas!) como as que nos assaltaram nas
inferências, nas relações semióticas, nas incursões históricas e literárias... Enfim,
temíamos fugir do objetivo que nos propusemos: o de reconhecer traços estilísticos
no poema e, a partir do reconhecimento, fazer uma análise estilística (com
fundamentos semióticos e pragmáticos, ainda que sejam subliminares), além de
mostrar a influência da cultura grega no pensamento ocidental hodierno. Por isso,
não foi fácil controlar a emoção e as pulsões provocadas pela riqueza do poema
agravada pelo amor à obra eleita.
Referências:
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BANDEIRA, Manuel. Estrela da Vida Inteira. Rio de Janeiro: Record/Altaya, 1999.
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CARVALHO, Castelar. Para Compreender Saussure. 4ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Ed.
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CIVITA, Victor. Dicionário de Mitologia Greco-Romana. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1976.
GUIMARÃES, Ruth Dicionário da Mitologia Grega. São Paulo: Cultrix, 1986.
CHAVES DE MELO, Gladstone. Ensaio de Estilística da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro:
Padrão, 1976.
SANTAELLA, Lucia. A Teoria Geral dos Signos — semiose e autogeração. São Paulo: Ática,
1995.
SEIXAS, Cid. "O Espaço da Transgressão". In OLIVEIRA, Ana Claudia de &
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica da Literatura. São Paulo: Educ, 1987. Série Cadernos - PUC
28
SILVEIRA, Sousa da. Lições de Português. 9 ed. Rio de Janeiro: Presença, 1983 (Coleção
Linguagem; nº 23).
SIMÕES, Darcilia. Teoria da Iconicidade Verbal Rio de Janeiro: Dialogarts, 2009.
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Resumo
Este artigo apresenta um estudo estilístico-discursivo, a partir dos processos de formação de
palavras recorrentes na crônica jornalística de João Ubaldo Ribeiro que são relevantes na
construção do humor presente nos textos analisados. Destaca o papel da composição e da
derivação como desencadeadores do riso, através do enriquecimento semântico que trazem às
crônicas, a partir da manipulação dos elementos morfológicos existentes no sistema da Língua
Portuguesa.
Palavras-chave: Humor; Processos de Formação de Palavras; Estilística; Discurso
Abstract
This article presents a study of style-discursive, from the processes of word formation in chronic
recurrent journalistic João Ubaldo Ribeiro which are relevant in the construction of the humor in
the texts analyzed. Highlights the role of composition and derivation as triggers of laughter through
semantic enrichment they bring to chronic, from the manipulation of morphological elements in
the system of the Portuguese language.
Keywords: Humour; Processes oh word formation; Estilistic; Discourse.
Preliminares
Desde os primeiros pensamentos filosóficos, o riso vem atrelado à ideia de prazer.
Ao rir, relaxamos dos fardos pesados que a vida nos impõe. Descansamos. Através
do riso podemos enxergar a realidade de outra maneira e chegar à verdade do
mundo pelo caminho autorizado do não sério. O riso também pode ser crítico,
punitivo, instrumento de humilhação, controlador dos excessos sociais. Por isso,
segundo Versiani (1974, p. 23) o homem teme ser ridículo: o riso é como a espuma das
ondas do mar; parte superficial do entrechoque das ondas, ela ferve, chia - é a alegria. Mas ela é
feita à base de sal; quando o filósofo vai prová-la, sentirá, para uma pequena quantidade de
matéria, uma boa dose de amargor.
Rir faz a diferença entre os homens e seus inferiores - os animais e os seres
inanimados. Só o homem tem a capacidade de rir. No entanto, o riso é instrumento
de discriminação entre o Criador e a criatura. Deus não ri, segundo os cânones da
Igreja. O sentimento de superioridade em relação àqueles, os animais, se esvai diante
da inferioridade em relação ao Ser Absoluto, gerando a ambiguidade própria à
condição humana de que o riso é prova por excelência.
Centrado inicialmente no objeto do riso, hoje não se concebe mais o riso sem levar-
se em conta a percepção do que ele significa, emprestada pelo sujeito que ri. O riso
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Professora de Língua Portuguesa - UERJ /FACHA. d.salim@globo.com
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Sugerimos a leitura de Os chistes e sua relação com o inconsciente, de Sigmund Freud (Rio de Janeiro: Imago,
1977) para maior aprofundamento da perspectiva psicanalítica sobre a questão do cômico e do humor.
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Sírio Possenti (1998: 49) concorda com a ideia, mas de forma parcial, denunciando a
existência de um humor reacionário, nada progressista:
A afirmação segundo a qual o humor critica é muito parcial. O humor
nem sempre é progressista. O que caracteriza o humor é muito
provavelmente o fato de que ele permite dizer alguma coisa mais ou
menos proibida, mas não necessariamente crítica, no sentido corrente,
isto é, revolucionária, contrária a costumes arraigados e prejudiciais. O
humor pode ser extremamente reacionário, quando é uma forma de
manifestação do discurso veiculador de preconceitos, caso em que acaba
sendo contrário a costumes que são de alguma forma bons, ou, pelo
menos razoáveis, civilizados como os tendentes ao igualitarismo, sem
dúvida melhores que os seus contrários. Como dizer que o humor é
crítico nesses casos?
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O risível - o objeto que nos faz rir - reside, então, onde? A leitura das crônicas de
João Ubaldo Ribeiro nos aponta um humor mais subjetivo, aquele que tenta superar
as inquietações interiores através do prazer que extrai da brincadeira com as
palavras, construindo sentidos ora claros, ora jogando com a polissemia instaurada a
partir da manipulação das palavras nos enunciados ou dos elementos constitutivos
dessas palavras. Assim como Carlos Drummond de Andrade, o cronista não quer
revirar a sociedade pelo avesso, ao colocar a nu as mazelas sociais ou bulir com o
defeito do outro dolorosamente, mas tenta provocar modificações de ação, através
da reflexão do outro sobre as indignações, os afetos que provocam o escritor.
O humor na crônica não carece ser claro, objetivo, ostensivo. Ao contrário, a
ambiguidade é uma de suas marcas fortes. O tom irônico-humorístico que
detectamos contribui com frequência na construção de efeitos de sentido pincelados
ou derramados de humor. Perscrutamos neste artigo a veia humorística do autor
como uma de suas marcas de estilo, aliada à expressividade que certas formações de
palavras assumem nos textos. Lançando mão dessas estratégias no discurso, João
Ubaldo Ribeiro trata as coisas sérias tentando não macular a leitura prazerosa de
suas crônicas. É o deixar fruir por puro deleite de que nos falou Drummond.
Com frequência, o coloquialismo, outra marca estilística presente nos escritos de
Ubaldo, permite o “bate-papo” com seus poucos e pacientes leitores. O cronista, que gosta
de jogar conversa fora com seus interlocutores, confessa-se deprimido e alarmado com tanta
desgraceira a que somos expostos ou que nos impõem. Matérias pesadelares, como diz o
escritor. Assume que tem a obrigação de produzir textos mais leves: [...] eu devia
procurar um assuntozinho mais ameno, falar de amenidades inofensivas (“Paz, não é mesmo?
– 20/06/1999)89.
Com relação à temática que seleciona, não difere daquelas que são alvo do cômico e
permite ao cronista a exploração das técnicas discursivas na construção de efeitos de
humor. A política em geral, os desacertos que dela advêm e os personagens que nela
atuam, são alvos fáceis da pena do escritor:
Acordei com pendores filosófico-sociológicos, com perdão da má
palavra. É uma bela e ensolarada manhã. Acordei com outona, em que
uma brisazinha fresca balança as folhas dos pinhões roxos que agora
resolveram dominar o terraço aqui de casa (“A gente se acostuma a
tudo” – 18/04/1999)
89
As expressões em itálico foram retiradas de algumas crônicas publicadas no jornal “O Globo”, página de opinião
que constituíram o córpus desta pesquisa.
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(ou o sorriso) de quem lê assim como também o jogo entre o nível culto da
linguagem (acordei com pendores filosófico-sociológicos) e o nível coloquial da frase (com
perdão da má palavra) a constrói a distensão do texto.
No geral, o tom das crônicas é casual e descontraído, permitindo, de quando em
vez, ser invadido pelo trágico ou pelo lírico, o que não persiste por muito tempo. A
crônica tende ao prosaico, ao despretensioso. No trecho comentado, é possível
verificar-se que o objeto do riso se localiza no outro que, no caso, é a figura do Ex-
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
Mudando o foco, o autor transforma-se no objeto risível quando expõe as próprias
precariedades, as suas limitações físicas e estéticas (calvície, obesidade, sexualidade,
precariedade de saúde, vícios, a pouca habilidade em atividades esportivas). Desta
forma dá voz às minorias, abrindo espaço para que outras vozes falem através de
seu texto, instaurando a polifonia discursiva. É bem-humorada a definição que
apresenta para minoria: “[...] qualquer categoria que tenha um denominador comum e
se sinta por alguma coisa oprimida ou discriminada mesmo que seja maioria”
(Política [Quem Manda, Por que Manda, Como Manda]90, 1995).
A definição irônico-humorística do que seja minoria vai ter como ponto alto a
antonímia maioria. O desvio semântico de menor parte de para grupo oprimido também
responde pelo sucesso da trama discursiva.
Recorrentes são os temas que versam sobre os problemas que atingem os vários
segmentos da sociedade, notadamente aqueles causados pela inabilidade ou
arbitrariedade do Poder Público. Explorando o viés cômico, seus textos falam da
corrupção, do clientelismo, da falta de amor ao país, do descuido com a coisa
pública, do desrespeito à cidadania brasileira, como ocorreu no episódio do “kit-
socorro”:
Ninguém está prestando atenção, mas é assim, à sorrelfa que as coisas
pegam, como aconteceu com o kit de pronto-socorros... O otariado
nacional comprou, a turma levou a grana, agora, tá na cara, que era só
brincadeirinha. (“Problemas minoritários” – 07/03/1999)91
90
RIBEIRO, João Ubaldo. Política (quem Manda, Por que Manda, Como Manda) (crônicas). Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.
91
http://diariodonordeste.globo.com/1999/03/07/030004.htm
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Considerações finais
Como vimos observando até aqui, as crônicas escritas por João Ubaldo Ribeiro
exemplificam com propriedade o gênero textual a que pertencem. Seu compromisso
com o prazer do leitor faz com que, através dos recursos que a língua coloca a seu
dispor, apresente a realidade, às vezes bastante dolorosa, travestida do agradável, da
brincadeira, do lúdico.
À semelhança das teorias contemporâneas sobre o riso, é um outro viés para
reflexão e apreensão do que acontece a nossa volta. A aparente irreverência alterna
com a seriedade; a voz do outro é descontraída e relaxada e permuta com a voz do
produtor do texto, às vezes, tensa e comprometida com a ideologia que subjaz.
Apelando, porém à ironia, aos jogos de palavras, às hipérboles e outros recursos
expressivos, desvia a atenção do interlocutor e consegue levá-lo à ambiência do
humor.
Com relação aos recursos expressivos, são utilizados aqueles que frequentam outros
textos do mesmo autor. Reservamos, porém, à palavra, às várias palavras que se
revigoram expressivamente a cada texto, o mérito de fazer rir - ou sorrir - nos textos
de Ubaldo. Cúmplices umas das outras, constroem os efeitos de sentido humorístico
com que a crônica se caracteriza, sem abrir mão da responsabilidade que trazem em
si de disparar os gatilhos do humor dentro do texto.
A habilidade com que o cronista - alquimista de palavras - manipula os elementos
constitutivos dos vocábulos denota o conhecimento e o pleno domínio do sistema
padrão da língua, sem esquivar-se, no entanto, de transferir para o informal toda a
facilidade que tem para construir palavras novas ou garimpar cuidadosamente entre
os morfemas do sistema aqueles que serão mais eficientes nas soluções expressivas
de que o produtor do texto necessita.
Com esse trabalho artesanal, para o qual nosso olhar se volta com interesse
específico nesta pesquisa, a crônica jornalística que, desavisadamente pode parecer
um texto de fácil elaboração, adquire status literário. Segundo OLIVEIRA (1998:
27): É inegável que a obra de um escritor revelará seu domínio do subcódigo prestigiado pelos
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gramáticos. Quanto maior o conhecimento das regras do jogo linguístico, maior facilidade para se
esquivar e trapacear; para criar, enfim.92
João Ubaldo Ribeiro com suas crônicas dinâmicas, atualizadoras e detentoras de
humor de qualidade corrompe o sofrimento, relaxa a mente e quase sempre provoca
um riso cúmplice nessa subversão do sério em busca do prazer, e de alguma forma,
reforça o pensamento de que rir ainda é o melhor remédio.
Referências
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MENEZES, Eduardo Diatay. “O riso, o cômico e o lúdico”. In Revista de Cultura Vozes,
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OLIVEIRA, Maria Lilia Simões de. A língua e o discurso da memória: a semântica da infância revisitada em
Bartolomeu Campos Queirós. Dissertação de mestrado (digitada). UERJ. 1998 p 27.
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ZIRALDO et alii . “Ah! Humorismo a sério”. Revista de Cultura Vozes. Petrópolis, vol. 3/
abril, 1970.
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Rui Ramos94
Resumo
O discurso sobre o ambiente percorre múltiplas linhas na esfera pública contemporânea. Trata-se
de um “publicly dominant discourse” (Jung 2001: 271), um tipo de discurso significativo na
configuração das experiências “em segunda mão” mediadas pelos media, com relevante capacidade
de intervenção social.
Uma das manifestações desse discurso pode ser identificada nos editoriais da imprensa escrita.
Textos assumidamente opinativos, constroem-se sobre uma retórica própria e frequentemente
visam à mobilização dos cidadãos, sendo interessante, dos pontos de vista científico e social, a sua
desconstrução e análise.
Assumindo estes pressupostos, o presente texto analisa, no quadro da Análise do Discurso e de um
ponto de vista enunciativo e argumentativo, os editoriais das edições especiais “verdes” da revista
portuguesa Visão, nos seis anos em que esta publicou estes números especiais (2007 a 2012).
Procura identificar as suas linhas de organização textual, a sua orientação pragmática, os quadros
conceptuais sobre os quais se constrói a sua retórica e os jogos enunciativos de que se socorrem.
Palavras-chave: Ambientalismo, Opinião, Enunciação, Editorial, Imprensa.
Abstract
The discourse on the environment runs multiple lines in contemporary public sphere. This is a
"publicly dominant discourse" (Jung 2001: 271), a type of relevant discourse in shaping "second
hand" experiences mediated by the media, with significant capacity of social intervention.
Some of the evidences of this discourse can be found in the press editorials. They are texts
manifesting a personal opinion, built on a specific rhetoric and very often aimed at mobilizing
citizens, and its deconstruction and analysis is interesting from a scientific and social point of view.
On this basis, this paper analyses, within the framework of Discourse Analysis and paying special
attention to enunciation and argumentation, the editorials of the “green” special editions of the
Portuguese magazine “Visão”, during its six years of publication (2007 to 2012). The paper intends
to identify their lines of text organization, its pragmatic orientation, the frames associated to their
rhetoric and the enunciative features that they rely upon.
Keywords: environmentalism, opinion, enunciation, editorial, press
93
Nota da editora: Manteve-se a grafia lusitana.
94
Rui Ramos é doutor em Linguística, professor do Instituto de Educação e investigador do Centro de Investigação em Estudos da
Criança da Universidade do Minho (Portugal). Tem dedicado especial atenção ao estudo do discurso sobre o ambiente, no quadro
da Análise do Discurso. Mais informações em http://ruiramos.do.sapo.pt
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Introdução
Nas modernas sociedades ocidentais, um dos poderes reconhecidamente operantes
no devir social é o dos media. Constituindo-se como instâncias de intervenção
social, estes atraem a atenção dos seus destinatários para mediar, filtrar e dar sentido
aos factos sociais brutos, transformando-os em eventos mediáticos (Charaudeau,
1997), revelando uns e, simultaneamente, esbatendo outros segmentos do real.
Envolvem, na focalização operada, os olhares, as perceções e a ação dos cidadãos,
objetivando a realidade. Desta forma, os meios de comunicação social comportam-
se como atores estratégicos, configuram valores e práticas dos cidadãos, definem
prioridades sociais e agendam a vida social.
Entre os discursos mediáticos de grande impacto, testemunhando o seu lugar de
relevo na esfera pública, conta-se o discurso sobre o ambiente. Este pode mesmo
definido como um “publicly dominant discourse” (Jung 2001, p. 271), um tipo de
discurso significativo na configuração das experiências “em segunda mão” mediadas
pelos media, com relevante capacidade de intervenção social transversal,
influenciando o discurso, a ideologia e as opiniões e ações de cada cidadão.
A análise das manifestações discursivas do ambientalismo nos media, no quadro da
moderna Análise do Discurso e reconhecendo especial relevo às questões
enunciativas e argumentativas, que neste estudo se desenvolve, poderá colaborar na
desconstrução e leitura aprofundada do discurso sobre o ambiente, permitindo
traçar as marcas mais salientes da sua estrutura e do seu funcionamento.
Córpus e Metodologia
O córpus de análise deste estudo compreende seis editoriais das edições “verdes” da
revista Visão, uma publicação semanal de qualidade no panorama jornalístico
português. Esta revista publica, desde outubro de 2007, uma edição especial por ano
dedicada à questão ambiental, designada “edição verde”, com um tema específico
dentro da temática ecológica geral.
Os seis editoriais, presentes nas primeiras páginas de cada edição, fazem a
contextualização preliminar e preparam a leitura, justificam a iniciativa, anunciam o
rumo discursivo geral, traçam expectativas e estabelecem as bases sobre as quais
funcionará a sua dimensão pragmática. O primeiro destes apresenta genericamente a
iniciativa e promete a sua continuidade no tempo:
(1) (…) "uma edição ‘Verde’, a realizar todos os anos, o ponto alto de
uma revista que considera importante acompanhar as questões do
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AS EVIDÊNCIAS
O estatuto dos textos
Os textos são neste estudo identificados como editoriais, mas eles não se
apresentam explicitamente com esse estatuto. Surgem, como foi referido, nas
páginas iniciais de cada edição (pp. 12-13, 6, 6, 5, 4 e 5 em 2007, 2008, 2009, 2010,
2011 e 2012 respetivamente), numa rubrica designada Linha Direta – a primeira
rubrica editorial, após a capa, a página com o índice e os destaques (títulos e
brevíssimas súmulas) e as páginas com publicidade. Os de 2008 e 2011 não são
assinados, sendo assim “da redação”; os restantes são assinados pelo diretor da
revista. Poderá, portanto, ser-lhes atribuído a todos um valor orientador e
explicitador da política editorial e, portanto, de primeiras chaves de interpretação
dos textos que se seguirão. Neste sentido, e ao nível da organização interna da
publicação, assumem um valor catafórico, explicitado em alguns segmentos, como
exemplifica o extrato seguinte:
(2) Nesta VISÃO Verde, damos-lhe conta do quadro político global (…).
E, aqui, destaque para o esclarecedor texto que o presidente da Comissão
Europeia, Durão Barroso, escreveu especialmente para esta edição. (…)
Nesta edição, mostramos-lhe igualmente o «pano de fundo» que
enquadra os palcos negociais da grande política internacional. (Visão,
2007, p. 12-13)
Além disso, a designação da rubrica (“Linha direta”) evidencia uma dimensão que os
marca fortemente: trata-se de um convite explícito à comunicação “direta” com o
leitor. O jornalista / enunciador simula uma interação verbal próxima, mesmo
95
Todas as citações do córpus viram atualizadas a sua escrita pela norma ortográfica mais recente, decorrente do Acordo
Ortográfico de 1990.
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Reificação e catastrofismo
Os textos em análise organizam-se sobre um topos recorrente: o da reificação dos
estados de coisas não percetíveis pela experiência individual. Os fenómenos
associados às alterações climáticas não são, na sua generalidade, percetíveis pelos
sentidos de forma imediata. A sua escala temporal é muito longa, substancialmente
diferente dos nossos ritmos e limites cronológicos e, em parte por isso, não nos
apercebemos deles com facilidade. Os textos reificam-nos, materializam-nos,
apontando manifestações concretas e percetíveis que associam e enquadram no
fenómeno mais vasto, como se verifica nos segmentos seguintes:
(3) Assistimos, em direto, aos efeitos devastadores causados pelo
tsunami de 2004, numa vasta zona do mundo. E, quase a par e passo, ao
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Sobre dramatização e discurso apocalíptico no discurso ambiental, ver Foust e Murphy, 2009 e Ramos, 2011.
97
Todos os itálicos da lista são nossos.
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Projeções
Outro traço fortemente operativo no discurso ambiental e também identificável no
córpus recortado é a presença de calibrações temporais e projeções no futuro 100
(como a que acabou de ser apresentada em (5)). O primeiro artigo da série analisada
abre com uma estratégia deste teor:
98
Cf.: Bakhtine, 1981 (1930); Fonseca, 1994; Moirand, 1999.
99
Cf.: Ramos e Carvalho, 2008; Ramos, 2009.
100
Cf.: Harré, Brockmeier e Mühlhäusler, 1999.
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Mas também outros artigos elaboram projeções no futuro, de forma mais ou menos
marcada:
(7) Deve, por isso, servir também de inspiração a todo o tipo de
decisores, (…) que podem, de alguma forma, condicionar o futuro das
nossas cidades – o futuro da nossa economia e do nosso bem-estar.
(Visão, 2009, p. 6)
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O que este excerto mostra é a certeza quanto ao quadro futuro, realizando um ato
preditivo de cuja veracidade o enunciador se assume plenamente como garante,
manifestada pelo Futuro verbal em “mudará”, repetido, marcando a estrutura
paralelística que assenta na evocação da fórmula “a bem ou a mal”: “mudará mal,
por força das…” ou “mudará bem, por força de…”.
Esta fórmula pode construir dois frames: por um lado, um frame em que o
enunciador se compromete na tentativa de concretização de eventos futuros, se o
estado de coisas configurado estiver dentro das suas possibilidades de ação; por
outro lado, um outro frame caraterizado pela inevitabilidade, pela certeza da
concretização de um determinado estado de coisas, independentemente da vontade
do enunciador. Aliás, pode mesmo afirmar-se que, tipicamente, esse estado de coisas
é contrário aos melhores desejos do enunciador e/ou do enunciatário. Neste último
caso, verifica-se a realização de um ato ilocutório de ameaça.
É o segundo cenário que se configura neste caso: o enunciador dá como certo e
seguro que o mundo mudará “rapidamente de comportamento”, a bem ou a mal. E,
com este artifício argumentativo, o enunciador não só dá como certo que o mundo
mudará, mas dá também força aos argumentos que estão na base dessa mudança,
dada como consabida e indiscutível: há um conjunto incontornável de “razões”,
sumariadas na frase inicial de (9).
Como pode verificar-se, esta posição do enunciador é marcadamente distinta da que
era por ele assumida nos artigos iniciais das edições em análise: o mesmo tipo de
argumento existe (confronte-se com (6)), mas a atenuação enunciativa e a dúvida são
transformadas em reforço e certezas.
A Dimensão Agónica
Sistematicamente presente no discurso ambiental, do mais empenhado ao mais
isento, a ideia de luta e de preservação (sempre uma preservação contra algo ou
alguém) manifesta-se igualmente no córpus. O vocabulário do campo jurídico ou da
guerra está presente, como pode verificar-se nos excertos seguintes:
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(11) Numa época marcada pela ameaça das alterações climáticas, a defesa
da vida nos oceanos (…) (Visão, 2008, p. 6)
Ethos e diretividade
Em estreita relação com o tópico anterior, uma estratégia particularmente saliente na
construção dos artigos em causa é a forte identificação entre jornalista / enunciador
e leitor / enunciatário.
Esta inscreve-se na lógica de um topos igualmente recorrente no discurso ambiental,
o que une todos os ecossistemas e seus habitantes no mesmo destino comum. Aliás,
a expressão “our commom future”, título do também designado Relatório
Bruntland, de 1987, que traçou a definição de desenvolvimento sustentável como
aquele que satisfaz as necessidades das gerações presentes sem comprometer a
capacidade das futuras de suprir suas próprias necessidades, ilustra adequadamente
essa visão global em termos de espaço, unindo todos os elementos integrantes do
ecossistema planetário, e em termos de tempo, alargando a perspetiva para além do
imediato.
Exemplificam este recurso vários dos segmentos acima apresentados: “assistimos”
em (3), ou os vários usos verbais da primeira pessoa do plural e os pronomes com o
mesmo valor em (6), as formas do determinante “nossas” / “nossa” / “nosso” em
(7) e, de novo, os usos da primeira pessoa do plural em (8). Esta é uma estratégia
presente em todos os textos do córpus, mesmo no brevíssimo artigo da edição de
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2008. Mas dois segmentos podem ser mais eloquentes no reforço desta visão de
partilha planetária:
(12) E «nós», cidadãos, elemento decisivo da equação da sustentabilidade
ambiental, económica e social, somos o tema central desta edição. (Visão,
2010, p. 5)
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De acordo com a organização retórica do texto, não parece que esta sequência se
limite a realizar uma asserção, mais ou menos objetiva e isenta, mas um ato de
incitamento – e exigência – à realização de uma ação, ou seja, verifica-se neste passo
a realização de um ato diretivo, com força ilocutória decorrente da construção de
uma realidade disfórica em alto grau. A este nível, não se tratará de uma ação direta
de cada cidadão, impossibilitado de interferir pessoalmente nas estruturas
industriais, nos acordos entre nações, etc.; mas trata-se de um exercício de
influência, para que os cidadãos exijam dos seus representantes políticos esse rumo
na gestão da coisa pública.
O artigo é, assim, configurado como visando uma polidestinação: se fala
diretamente ao leitor cidadão comum, elegendo-o seu destinatário imediato, não
deixa de escolher um outro destinatário, este já mediado, que é o decisor político,
dependente da escolha coletiva dos cidadãos no exercício democrático. E, desta
forma, incentiva o cidadão a exigir dos decisores políticos uma determinada postura.
101
Cf.: Maingueneau, 1999; Amossy, 2010.
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A afirmação, nos dias que correm, pode parecer absurda. Mas Portugal
tem uma enorme riqueza. Ela resulta das condições que a natureza nos
oferece (…), permitindo grande diversidade animal e vegetal e grande
variedade de paisagens e climas, com zonas secas e zonas húmidas, áreas
desérticas e densas florestas, planícies e montanhas, rios e mar. (…)
Portugal tem todas as condições para poder tirar o melhor partido desta
riqueza. (Visão, 2012, p. 5)
Trata-se, então, do apelo não a uma radical mudança de paradigma de vida, mas a
uma adaptação a novas contingências de organização social e económica. Os
argumentos de preservação por si, de equilíbrio numa escala planetária ou de
comportamento ético independentemente de interesses pessoais parecem ser
suplantados por outros menos universais e mais dependentes do desejo de bem-
estar pessoal.
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Conclusões
Em suma, pode constatar-se que os media generalistas, neste caso representados por
seis edições especiais de uma revista de informação de grande difusão, veiculam o
discurso ambiental, mantêm-no na esfera pública, dão-lhe vida e agendam o devir
social. De alguma forma, dão continuidade ao discurso proveniente dos círculos
especializados e dos ativistas, fazendo-o chegar ao grande público, genericamente
mantendo temas recorrentes.
Este discurso incorpora caraterísticas do campo discursivo típico dos media,
nomeadamente na sua busca do apelativo e do fantástico, recriando cenários
catastróficos e de alto grau de intensidade. Esses cenários são particularmente
visíveis no léxico, nível de superfície de forte poder identificador. A reificação dos
estados de coisas por eles efetuada tem propósitos retóricos, permitindo ao cidadão
interiorizar e operacionalizar realidades dificilmente experienciáveis pelos sentidos,
sem a intervenção edificadora do discurso.
A ciência tem uma presença saliente, assumindo um papel de credibilização
operativo num discurso que se projeta no futuro (e, portanto, necessariamente
sujeito a algum grau de dúvida) e que apresenta uma dimensão pragmática diretiva,
de exortação à ação (e, portanto, a exigir autorização do agente dos atos diretivos).
Essa exortação tem um destinatário individual (cada cidadão, nos seus gestos
quotidianos) e um destinatário institucional, indiretamente afetado (os decisores
políticos, dependentes da eleição dos cidadãos).
A face agónica do discurso sobre o ambiente manifesta-se por um frame genérico
que atribui à natureza o papel de vítima, trazendo traços do campo discursivo
jurídico e da guerra, e reforça a criação de empatia entre o leitor e os elementos
naturais.
O reconhecimento do enunciador como voz credível é igualmente uma estratégia
identificável, pela valorização do ethos do jornalista, que ganha espaço para dar curso
à referida diretividade do discurso ambiental.
Contudo, algum espaço de conflito subsiste, nomeadamente quanto à conceção das
relações entre homem e ambiente, já que o utilitarismo ou a mercantilização do
meio se manifestam de forma muito visível, o que constitui uma perspetiva
polémica no seio do discurso ambiental.
A análise diacrónica do córpus permite afirmar que a reificação dos fenómenos
naturais associada a casos concretos surge em 2007, mas tende a diluir-se ao longo
dos anos. Nos tempos mais recentes, parece não ser tão necessário apontar
fenómenos experienciáveis para convencer as pessoas, o que poderá querer dizer
que houve um progresso no discurso ambiental: já não é preciso evocar o sabido, já
não é preciso convencer ao nível intelectual, porque está assumido o papel do
homem na destruição do equilíbrio ambiental; é só preciso apontar caminhos e
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Resumo
A intenção deste trabalho é apresentar aspectos semióticos do texto na toponímia dos municípios
maranhenses, com base na teoria greimasiana. Examinamos a organização interna do plano de
expressão do texto, por meio da análise dos elementos que compõem os signos verbais e não
verbais e das relações entre o plano de expressão e o plano de conteúdo para observarmos como se
instaura a enunciação. Observamos que essa enunciação vem pressuposta no discurso por meio das
marcas deixadas no percurso gerativo de sentido, em que percebemos os procedimentos de escolha
dos temas e das figuras nas estruturas fundamentais e o conflito sustentado pelas formações
ideológicas que se instauraram durante toda a construção do texto. Percebemos, por meio da
análise, que as escolhas feitas durante o processo enunciativo imprimem um caráter ideológico
peculiar ao texto, com valores próprios.
PALAVRAS-CHAVE: enunciação, contexto sócio-histórico, toponímia maranhense.
Abstract
The intent of this paper is to present semiotic aspects of the text in the toponymy of the
municipalities of Maranhão, based on the greimasian theory. We examined the internal organization
of the expression plane of the text, through the analysis of the elements that integrate the verbal
and nonverbal signs and the relations between the expression plane and content plane to observe
how enunciation is established. We observed that this enunciation is presupposed in discourse by
means of the marks left on the generative course of sense, in which we noticed the procedures for
selecting the themes and figures in the fundamental structures and the conflict sustained by
ideological formations that are put in place throughout the construction of the text. We realized,
through analysis, that the choices made during the enunciative process imprint a peculiar ideological
character to the text, with its own values.
KEYWORDS: enunciation, social-historical context, toponymy of Maranhão.
Introdução
Pretendemos fazer uma descrição e uma interpretação do mapa político (dos
municípios maranhenses) e toponímico do Estado do Maranhão, a partir do prisma
da Semiótica. A intenção é ultrapassar os limites da análise descritiva para chegar a
uma análise explicativa dos mecanismos que estão implícitos na estrutura do
processo formador do texto-mapa e que fazem deste um texto da história social
102
Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística – Área de Estudos Linguísticos – da Universidade Federal de
Goiás, Goiânia-GO. E-mail: celialeitecastro@hotmail.com
103
Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras e Linguística da Universidade Federal de Goiás, Goiânia-GO. E-mail:
sebas@letras.ufg.br
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maranhense. Não se tenciona discutir sobre qual unidade se pauta este estudo, se as
linhas, as cores, o lexema, já que a análise permeia entre umas e outras unidades, o
que lhe dá um caráter multidistribucional.
A análise do texto resulta de uma interpretação dos elementos básicos contidos nos
nomes toponímicos e da relação desses elementos verbais básicos com os visuais e
com outros textos que compõem a história sociocultural maranhense, que está
enfatizada nas marcas linguísticas constituintes do sentido do texto. Dessa forma, é
dada relevância aos fatores visuais plásticos e aos fatores linguísticos formadores da
sintaxe e da semântica discursiva. Queremos dizer, as linhas e às cores do mapa, às
figuras retóricas, à utilização das categorias de nome, como também aos fatores
culturais e históricos constitutivos das experiências que fazem significar os signos
componentes desse texto.
Desse modo, é realizada uma descrição básica do plano de expressão ao qual
relacionamos o plano de conteúdo, no qual se encontram as significações que
retratam a história e a cultura local. Nesse sentido, tenta-se explicar o ponto de vista
estrutural interno de formação do texto e também o ponto de vista de formação
externa, suas implicações sociais, culturais e históricas que são o âmago da formação
de sentido. Esses dois tipos de análise se complementam de forma que o aspecto
objetivo da estrutura, expresso pela função referencial, se associe com o aspecto
subjetivo, o qual explica a referência cultural e a função (talvez) poética presentes no
texto.
As abstrações aqui feitas se pautam nas manifestações verbais e não verbais, em que
são examinadas as características específicas explícitas no plano de expressão e no
plano de conteúdo. Foi L. Hjelmslev quem demonstrou que é possível examinar os
signos a partir desses dois planos, o de conteúdo e o de expressão, de forma
separada (BARROS, 2008). O propósito é percorrer-se, a partir do plano de
expressão dos sintagmas e das unidades visuais, para o plano de conteúdo, por meio
do percurso que gera o sentido.
Sobre o texto-enunciado
Na linguística, como é de conhecimento comum, as mais novas correntes de
estudos se propõem a estudar o nível textual como unidade. Este estudo tem como
elementos básicos o lexema e as unidades mínimas visuais formadoras da unidade
maior: o texto, que é o próprio mapa do Estado. O sentido das unidades
lexemáticas, formadoras do texto, faz o texto entrar em conjunção com um sentido
maior, que gera os temas e as isotopias e que fazem desse um texto semiótico. Há,
pois, nesta análise, a preocupação em perceber o que o conjunto dessas unidades diz
e como fazem para dizer o que dizem (BARROS, 2008, p. 7).
Ao nomear, geramos signos linguísticos que formam um sistema com regras
próprias. A constituição de um mapa também gera outro signo de caráter visual com
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referências que lhe são peculiares. Esses signos são significados de forma metafórica
e metonímica, ao passarem pelo processo de representação simbólica e ao recriarem
as apreensões percebidas, por meio das concepções de mundo do enunciatário, e
legitimam social e civilmente a existência de entidades e de conceitos no mundo real
e conceptual, respectivamente.
No processo de nomeação, grande parte dos nomes é instituída de forma arbitrária,
posto que nem sempre há ligação entre o significante e o significado, o que
postularam Saussure (1995 [1916]) e Whitney (1971 [1871]) como uma das
condições de existência do signo linguístico. No entanto, os nomes próprios se
caracterizam por designar e identificar os seres de existência real ou não, de forma
peculiar. Nesses signos são ressaltados traços sócio-históricos e culturais
representativos do indivíduo ou da comunidade nomeadora. Entre esses nomes
próprios, os topônimos, os quais compõem verbalmente o mapa e lhe fornecem as
referências necessárias de mundo, são exemplos singulares de quão forte se dá o
processo motivador de nomeação do signo, no sistema denominador, inclusive na
própria estrutura deste, caracterizando o objeto nomeado. Ao processo de
significação, aplicado entre o objeto apreendido e o nome que lhe é atribuído, é
dado o nome de “referenciação” e o objeto de mundo apreendido conceptualmente
e denominado é chamado de “referente”.
O texto abaixo, o mapa do Estado do Maranhão, aparece subdividido em suas
unidades municipais e os elementos textuais analisados são o conjunto dos nomes
dos municípios maranhenses e as linhas e cores, que se juntam à parte verbal para
compor o texto aqui denominado “Mapa do Estado do Maranhão” (doravante
MAPEMA). O texto é formado com a plasticidade de caráter cartográfico,
composta dos caracteres que lhe são específicos, e ao conjunto verbal são
acrescentadas algumas classificações de categorização e de referências toponímicas
correspondentes, os quais, juntos, formam um enunciado maior e mais completo
para a análise a que se destina.
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QUADRO 2
OUTRAS OPOSIÇÕES DO PLANO DE EXPRESSÃO E DO PLANO DE CONTEÚDO.
PE Mar x Terra
Norte x Sul
Leste x Oeste
Linhas x Cores
Superior x Inferior
Difuso x Nítido
Alto x Baixo
Velho x Novo
Governo x Povo
Unidade x Multiplicidade
Aqui x Lá
Indivisível x Divisível
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Quadro 3
Desenho Linha
Contorno Fechado
Disposição Plano
Clareza Absoluta
Movimentação Estática
Cores Quentes
Há a pluralidade de elementos contínuos que são mostrados por meio dos traços, no
mapa, com muita clareza, pela forma da disposição de cada figura de município. O
texto verbal se sobressai por ser ressaltada a intencionalidade primeira de informar,
é um texto primeiramente objetivo. Só em um segundo momento há marcas de
subjetividade nele, por meio da significação dos nomes toponímicos que o
identificam. Essa subjetividade é expressa pelas referências em que esses topônimos
fazem acionar diversos conceitos tais como as formas topográficas; as dimensões de
acidentes geográficos; os animais e as plantas locais; os nomes próprios individuais
de personalidades literárias, políticas e religiosas; elementos da cultura material e
diversas outras referências, as quais enquadramos em um conjunto sugestivo de
taxes (CASTRO, 2010).
Portanto, este é um texto sincrético com características tipicamente informativas no
plano de expressão verbal e não verbal.
Nesse sentido, estamos situando a análise a partir de uma enunciação que se porta a
favor de um enunciador que é o não índio, é o Estado colonizador, em que a
“delimitação” é a “liberdade”. Do ponto de vista do enunciador índio, a euforia é
representada pelo estado daqueles que possuem e dominam a sua própria terra, sem
preocupação com expropriação e ou delimitação, que têm e que usam livremente
sua própria língua e, por isso, são livres. A disforia ocorre a partir do momento em
que os indígenas perdem a sua terra e o seu poder de dominar o que lhes é próprio,
e o que lhes pertence passa a ser dominado por outros que chegam ao Estado para
obterem as terras e o poder, além de serem perseguidos ou escravizados. Ocorre,
nesse momento, a mudança de um estado de liberdade para um estado de
dominação, em que se instaura a opressão, uma nova ordem e uma nova língua que
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vezes apenas teórica e abstratamente, podendo até negá-los, na prática, pela falta
devida de assistência em setores que são básicos, tais como educação, saúde e
segurança. Os índices (IDH) que o próprio Governo apresenta atestam essa
realidade.
A parte não verbal dá um estatuto de legalidade para esse estado de coisas, por meio
dos elementos visuais. O programa de uso pode ser representado pelo povo,
elemento que almeja a realização final, que seria a escolha de uma representação
eficiente para o status quo, ou seja, a não opressão ou liberdade, o estado de direito e
de cidadania. Também o povo pode ser considerado como valorização prática, pois
pode possibilitar a si próprio a realização do programa final, que é a liberdade em
sua verdadeira essência. A valorização crítica surge pela interpretação das
significações presentes nas lexias toponímicas que negam a valorização utópica na
correlação entre o Estado, o Governo e o povo.
Na organização semântica narrativa, o enunciatário é manipulado primeiramente
pelo efeito táctil do plano de expressão da figura, em que as imagens lineares dão a
ideia de proximidade do homem com a terra, que no mapa é apresentada. As
representações figurativas não verbais como as cores e as linhas parecem saltar do
papel e chegar até o leitor, por serem mais tangíveis. Também há manipulação da
enunciação com o enunciatário, quando o leitor pode se identificar tanto fora
quanto inserido no enunciado (mapa), além de sentir-se nele navegando.
No que tange à competência, o texto apresenta o Estado como a representação
territorial organizada, social e politicamente, com estrutura própria por meio das
instituições que controlam e administram seus interesses e que lhe dão soberania. O
Governo, como a capacidade de exercer essa representação do e para o povo e com
sabedoria para administrar, a contento, o espaço (Estado) e os recursos dele
(Governo) advindos para seus habitantes. O povo, o conjunto de pessoas com os
mesmos interesses, com costumes, tradições e histórias semelhantes em relação ao
Estado e ao Governo. Esses três elementos têm a competência necessária para
realizar a modificação do estado de dominação daquilo ou daqueles que estão
oprimidos pelos limites que fazem as amarras da falta de saúde, da falta de
conhecimento, pela pobreza, para o estado de liberdade e desenvolvimento. Dessa
forma, a performance pode ser exercida pelo Estado, pelo Governo e,
principalmente, pelo povo, que pode e deve operar uma mudança no estado de
coisas que se encontra no Estado. A mudança seria a grande sanção no e para o
Governo, o Estado e o povo.
No nível discursivo, o sujeito da enunciação assume as estruturas discursivas e, do
ponto de vista enunciativo do plano de conteúdo, no que diz respeito à sintaxe
discursiva, o texto é narrado primeiramente em terceira pessoa. Como o estilo linear
(WÖLFFLIN, 2000, Apud PIETROFORTE, 2004) marcador do plano de expressão
se destaca, isto causa um efeito de sentido na enunciação. O sujeito enunciador é
um destinador-manipulador, a fonte http://www.uema.br, que quer fazer com que
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QUADRO 4
TEMAS E FIGURAS QUE RECOBREM O TEXTO
TEMAS FIGURAS
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topônimos, tais como (i) valores de vida psíquica e espiritual, nos animotopônimos
Fortuna, Milagres do Maranhão, Vitória do Mearim; (ii) a identidade e a alteridade
presentes no processo formador desse espaço, com a categorização dos
etnotopônimos Araioses e Timbiras; iii) a questão religiosa transcendendo as relações
territoriais, com os hagiotopônimos Santa Helena, Santa Rita, São José de Ribamar, que
expressam a cultura religiosa portuguesa; iv) a história política, como apontado
anteriormente, com os axiotopônimos (antropotopônimos) Afonso Cunha, Conceição
do Lago-Açu, Fernando Falcão, Godofredo Viana, Tasso Fragoso; v) a cultura indígena
como forma de resistência no processo dominador e denominador com grande
percentual de topônimos trazendo a morfologia indígena; enfim, todas essas
relações constituidoras do polêmico e conflitante jogo de poder nesse sistema léxico
instaurado revelam esses valores ideológicos.
Há diversas metonímias no texto, como a relação de contiguidade que se verifica
entre as linhas e as cores, as quais estabelecem uma relação de proximidade entre as
cidades, o Estado, o mar. O texto verbal é mais complexo quanto às estruturas
conceituais que o formam, tanto metonímica quanto metaforicamente. No entanto,
o texto visual está delimitando as possíveis interpretações polissêmicas do texto
verbal, já que este se relaciona, primeiramente, de modo referencial, ao passar as
informações e, em seguida, expressa bastante subjetividade a partir da significação
dos nomes. Há, pois, função de etapa entre o texto verbal e o visual, pois aquele
complementa as informações emitidas pelo jogo da plasticidade cartográfica, e
juntos apresentam a totalidade da mensagem.
O texto MAPEMA é mais temático do que figurativo (FIORIN, 2008), pelo seu
caráter de cientificidade. A figurativização é formada, em sua maioria, por traços, os
quais representam um “estado de realidade”. Estes traços descrevem simbólica e
iconicamente o Estado. Os temas explicam e interpretam essa realidade por meio de
um percurso a partir do qual são retomadas as figuras que subjazem essa
tematização (BARROS, 2008). Nesse sentido, a forma de expressão está relacionada
com a forma de conteúdo, ou seja, “produz sentido” exatamente por tais
correlações.
O texto verbal é formado pelas legendas e pelos nomes toponímicos, que se
organizam em traços reiterativos de expressão e são signos semióticos que
identificam os espaços por meio de nomes que revelam a substância da identidade
desses espaços: a colina, o igarapé, o capinzal, a cachoeira, o monte, o morro, a
vargem. Estes substantivos vão sendo descritos por meio de sintagmas nominais
com locuções de caráter locativo e genitivo, acionadas pelas estruturas metafóricas e
metonímicas, que formam Colinas, Morros (geomorfotopônimos), Igarapé do Meio,
Capinzal do Norte, Matões do Norte (cardinotopônimos), Cachoeira Grande, Vargem
Grande, Montes Altos (dimensiotopônimos).
Quanto a descrever a realidade geográfica utilizando o nome de pessoas ou de
santos, isso se dá em virtude de uma íntima ligação pessoal e ou espiritual desses
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com o lugar. Essas lexias tão produtivas e, ao mesmo tempo, opostas, estão
presentes nos hagiotopônimos São Pedro dos Crentes, São João dos Patos, São Domingos,
Santa Inês, Santa Rita e revelam quão forte é o sistema religioso no processo
denominador. Outro forte grupo de lexias é o dos antropotopônimos com nomes
como Pedro do Rosário, Zé Doca, Bernardo do Mearim, Ribamar Fiquene. Inserimos como
uma classificação inter-relacionada aos antropotopônimos, os axiotopônimos, taxe
relativa aos títulos e dignidades que acompanham os nomes próprios, como
“governador” e “presidente”, os mais produtivos, além de “senador” Senador
Alexandre Costa, “barão” Barão de Grajaú, “duque” Duque Bacelar, “dom” Dom Pedro e
“imperatriz” Imperatriz. Esses aspectos simbolizam a afetividade do sujeito
nomeador, que interfere no sistema denominador local, representando,
principalmente, a cultura e a história de seus habitantes com os seus espaços, os
quais ajudam a constituir a instância enunciativa do mapa. Essas oposições,
distribuídas nas diversas classificações, sustentam uma história colonizadora
formada por duas vertentes ideológicas “teocentrismo” X “humanismo” e em ideais
de dois períodos diferentes, “medievalismo” X “modernismo”. Outra repetição de
oposição de lexias se dá no campo da formação etimológica das palavras, nos nomes
de origem indígena e nos nomes de origem portuguesa. Essa morfologia ressalta o
processo dialógico da formação desse Estado. A multiplicidade dessas lexias
sincretizadas com a organização da expressão plástica forma o texto enunciado, o
qual é compreendido em sua totalidade.
Desse modo, a representação verbal desse mapa com essas lexias toponímicas,
como também a estrutura plástica desse em forma de pentágono, entrecruzada com
a história do Estado que ele representa, leva a crer que há certo semi-simbolismo
presente no texto. Isto se dá tendo em vista que essas categorias se correlacionam de
forma motivada e possibilitam “uma nova perspectiva de visão e entendimento do
mundo”, como define Barros (2008, p.89).
Outro ponto a ser ressaltado é acerca da instância enunciativa. O texto traz
explícitas as marcas dessa instância e os topônimos são novamente o instrumento
primeiro por meio do qual é possível recuperá-la. O discurso toponímico interno ao
texto é enunciado por sujeitos enunciatários diversos, inscritos em tempos e espaços
diferentes, pois diferentes são esses traços em relação à instituição dos municípios,
do Estado e da feitura do mapa. Essa segmentação histórica esclarece, por exemplo,
por que determinados municípios têm os nomes inspirados no sistema
representativo dos reinos da natureza, no sistema de transplantação cultural, no
sistema religioso, no sistema político ou na genealogia familiar. Esses procedimentos
marcam a relação do discurso enunciado no mapa com outros textos, e as diferentes
figuras que encadeiam esse discurso também revelam as formações ideológicas que
as projetam.
Um município é denominado Alcântara, Axixá, Cândido Mendes, Cantanhede,
Governador Archer, Presidente Sarney ou Santa Rita, não por acaso, mas porque os
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Considerações finais
Este trabalho focaliza-se na interface da linguística semiótica com outras ciências
humanas, as quais fornecem subsídios complementares a este estudo. Um texto
composto pela parte não verbal, o mapa visual propriamente dito (cartográfico) é
analisado, assim como a parte de seus traços verbais, os topônimos, os quais dão
sentido ao mapa e complementam as informações visuais com o intuito de
encontrar os fios que tecem esse texto e, por conseguinte, a história do Estado.
No item acerca do enunciado, foram apresentadas as unidades textuais em que se
baseia a análise e o texto MAPEMA, a partir do qual surgem as descrições e
interpretações de apoio com algumas classificações toponímicas dos nomes dos
municípios maranhenses.
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Referências
BARROS, Diana L. P. de. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo, Ática, 2008.
CASTRO, M. C. D. de. “Reflexões preliminares de uma pesquisa linguística e sócio-
histórica acerca dos topônimos dos municípios maranhenses”. In: Anais do ROSAE.
Salvador. Universidade Federal da Bahia, Em processo de publicação. 2010.
DICK, M. V. do A. “A ciranda dos nomes na toponímia da cidade de São Paulo”. In:
Cadernos de História de São Paulo. São Paulo: Universidade de São Paulo, v. 2, janeiro-
dezembro, 1993.
FIORIN, J. L. Elementos de análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2008.
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